Ford Motor: Sucessão, Conflitos e Estilos de Liderança na Empresa

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Ford Motor: Sucessão, Conflitos e Estilos de Liderança na Empresa
Ford Motor: Sucessão, Conflitos e Estilos de Liderança na Empresa
Familiar*
** Adriana Preto Rutzen
RESUMO
O presente artigo aborda o caso de sucessão presidencial ocorrido na Ford Motor
Company, na passagem do controle das mãos do fundador para a segunda e terceira
gerações. Os dados aqui utilizados foram retirados do filme “Ford: O Homem e a
Máquina” de Allan Eastman. É importante deixar claro que o compromisso deste artigo é
apenas com a análise dos conteúdos mostrados no filme (informações de domínio
público) sem a preocupação de julgar verídica ou não a visão dos autores da obra a
respeito da história da família e da empresa Ford. Alguns dos dados aqui apresentados
também foram, contudo, obtidos no site oficial da Ford Motor Company. Estes dados são
expostos e analisados a luz da teoria sistêmica, da teoria dos deuses da administração,
bem como de alguns autores estudiosos das questões relativas a empresas familiares. Os
principais pontos discutidos são os perfis de fundadores e herdeiros, os principais
conflitos gerados nesta relação, o processo sucessório e os estilos de liderança e cultura
organizacional.
PALAVRAS- CHAVE: empresa familiar, fundador, herdeiro, sucessão, conflitos, estilos
de liderança, cultura organizacional.
*Artigo produzido durante o curso de Formação em Terapia de Casal e Família em 2007.
**Coach, Psicóloga e Consultora.
Diretora do Instituto Família- Empresa Desenvolvimento Humano e Organizacional.
Contato: [email protected]
SUMMARY
The present article approches the case of presidential succession occurred in Ford
Motor Company when the control passed from the hands of the founder to the second and
third generations. The information used here were obtained from the movie “Ford: The
Man and The Machine” by Allan Eastman. It is important to make clear that this article’s
only compromise is with the analyses of the facts shown in the movie (public
informations) without the concern to judge if is true or not the vision its authors have
about the history of Ford family and company. However, some of the information
presented here was obteined from the Ford’s official web site. These information are
exposed and analyzed under the light of sistemics theory and some other authors studious
of the questions relative to family enterprises and organizational culture. The principal
discussed points are the founder’s and heir’s profiles, the main conflicts generated in this
relationship, the successory process and the leadership stiles and organizational culture.
KEY-WORDS: family enterprise, founder, heir, succession, conflicts, leadership stiles
and organizational culture.
INTRODUÇÃO
A Ford Motor Company é uma das maiores, mais poderosas e bem sucedidas
companhias do mundo. Tendo mais de um século de existência, ela marcou a história da
humanidade criando o movimento chamado Fordismo e espalhando seus carros pelos
quatro cantos do mundo. Além disso, a Ford é uma empresa familiar que atravessou
gerações e, em função disto, serve aqui de exemplo para a discussão de algumas questões
relativas a este tipo específico de empresa.
O CASO FORD
Henry Ford era um homem empreendedor, nascido em Springwells, em 30 de Julho
de 1863 e falecido em 07 de Abril de 1947, foi ele quem fundou a Ford Motor Company
em 16 de junho de 1903 com a ajuda de mais 11 sócios investidores. Com $28.000 em
dinheiro, este pioneiro industrialista fez nascer o que se tornou uma das maiores
corporações do mundo. Henry era um gênio inventor, apaixonado por motores desde
garotinho. Ele cresceu em uma fazenda e facilmente poderia ter sido um agricultor, mas
algo falava mais alto e impulsionava a sua imaginação: mecanismos, máquinas, entender
como as coisas funcionam e que novas possibilidades poderiam ser criadas. Quando
criança, Ford costumava desmontar tudo o que caía em suas mãos e logo tornou-se
conhecido na vizinhança por concertar relógios. Já adulto, ficava entretido com suas
idéias, engenhocas e trabalhos e dava pouca atenção a esposa Clara e ao seu único filho
Edsel.
Em 1896, Ford inventou o Quadriciclo, que foi a primeira carruagem movida sem a
ajuda de cavalos que ele construiu. O Quadriciclo ainda estava muito longe dos carros
que ele viria a produzir alguns anos mais tarde, mas de certa forma, foi o ponto inicial de
sua carreira como homem de negócios, pois mostrou popularidade e potencial suficiente
para isto. Na década de 1890, Henry montou seu primeiro motor sobre a mesa da cozinha
de sua casa. Inventou o primeiro motor a gasolina e projetou o primeiro automóvel.
Arranjou um sócio que o patrocinou no início e depois ficou com suas idéias e o
dispensou, criando a Cadilac.
Fundou, então, com a ajuda de alguns sócios e investidores a Ford Motor Company,
como já citado anteriormente.Quando recém fundada, a Ford Motor Company era apenas
uma das 15 empresas fabricantes de carros em Michigan e de 88 nos USA. Mas quando
ela começou a gerar lucros nos seus primeiros meses, ficou claro que a visão de Henry
Ford para a indústria automobilística iria emplacar de forma grandiosa. Durante os
primeiros 05 anos de existência da Ford Motor Company, Henry Ford, era chefe da
engenharia, e somente mais tarde virou presidente. Sua insistência em que o futuro da
companhia estava em produzir carros com preço acessível para o mercado de massa,
causava um aumento contínuo nas desavenças entre ele e os demais investidores. Sendo
assim, quando conseguiu juntar dinheiro, Ford comprou mais ações e aumentou sua
participação para 58.5 por cento. Como acionista majoritário Henry Ford tornou-se
presidente em 1906, substituindo John S. Gray, um banqueiro de Detroit que foi o
primeiro presidente da empresa. Dentre os seus demais sócios estavam os irmãos Dodge.
Começando em 1903, a companhia começou usando as primeiras 19 letras do
alfabeto para batizar os carros que produzia. Finalmente, em 1908, nascia o modelo T,
também conhecido no Brasil como Ford Bigode. Este mítico modelo foi por muito tempo
o símbolo da Ford Motor Company. Dezenove anos se passaram ,15 milhões de Modelos
T foram vendidos e a Ford Motor Company tornou-se uma gigante industrial que se
expandiu pelo mundo. Em 1925, a Ford incorporou a Lincoln Motor Company, visando
entrar também no ramo dos carros de luxo e, nos anos 30, a Mercury foi criada para
estabelecer uma divisão centrada em carros de preços medianos.
Henry achava o filho um fraco e era muito duro com ele, dava mais confiança a
Harry Bennet, seu empregado braço direito, do que para seu próprio filho. Não permitiu
que Edsel fosse para a faculdade e nem que servisse o exército como desejava, pois
acreditava que todo conhecimento e experiência que seu filho precisava estavam bem ali
na Ford. Desta forma, manteve Edsel sempre por perto, para que ele aprendesse a tocar o
negócio que um dia seria seu.
Edsel, por sua vez, sentia-se humilhado e desvalorizado por seu pai, que sempre
passava por cima de suas vontades e opiniões e fazia somente o que bem entendia. Mas
seu pai lhe reservara uma surpresa: de repente, nomeou o filho, que até então não
ocupava nenhuma posição de destaque na empresa, presidente. O intuito de Henry ao
fazer isso era afastar os irmãos Dodge da sociedade, visto que estes não confiariam na
gestão de Edsel.
Com esta atitude, bem como com a relutância dos acionistas em investir milhões de
dólares na construção da gigantesca fábrica Rouge em Dearborn, Michigan, Henry
conseguiu o que queria, pois os Dodge resolveram sair da Ford e criar a sua própria
montadora. A companhia passou a pertencer somente a Henry e Edsel Ford. Quem sofreu
com tudo isto foi Edsel, que assumiu a empresa de “sopetão” e, ainda por cima, em um
momento de crise, quando o T Mobile estava perdendo espaço para o novo modelo da
Chevrolet. Edsel não suportou tanta pressão e veio a falecer ainda jovem, em 1943, de
câncer, mas já fragilizado pelo alcoolismo, sua péssima estratégia de fuga do estresse.
Henry teve de reassumir a presidência, mas já estava velho e cansado. A empresa
precisava de um sucessor e ninguém da família além, de Edsel havia sido preparado para
isto.
Harry Benet queria assumir a presidência, mas era pouco instruído e nada confiável,
fazia negócios sujos com bandidos para ganhar dinheiro. Edsel já havia tentado afastá-lo
da empresa sem sucesso, pois Benet era protegido por Henry, que nada sabia sobre sua
falta de caráter. Foi quando a viúva de Edsel, Eleanor, pediu a sogra Clara, que
interferisse junto a Henry para que Harry Benet não assumisse o controle e a Ford
continuasse sendo gerida pela família Ford.
Em acordo com sua nora, Clara conversou com Henry e como resultado o filho de
Edsel, Henry II, que estava servindo a marinha, como seu pai outrora desejara para si, foi
dispensado dos serviços para assumir a presidência da Ford. Henry II tinha a força e a
autonomia que seu pai não tinha, pois não havia crescido às sombras do avô.
Antes de assumir, a primeira coisa que Henry II fez foi conversar com seu avô,
fundador da empresa, e deixar claro que só aceitaria o cargo se tivesse carta branca para
tomar as decisões, coisa que seu pai nunca havia conseguido. Sem muita escolha, Henry
Ford aceitou a exigência do neto e se aposentou pela segunda vez, no final da segunda
guerra mundial, tornando o seu neto presidente em 21 de setembro de 1945. A primeira
atitude de Henry II na presidência da Ford foi demitir Harry Benet, como seu pai quisera.
Henry Ford II exerceu forte liderança na companhia desde o pós-guerra até os anos
80. Ele foi presidente da empresa de 1945 a 1960 e CEO (chefe do gabinete executivo) de
1945 a 1979. Foi chefe do conselho de diretores de 1960 até 1980 e permaneceu diretor
do comitê financeiro de 1980 até a sua morte em 1987.
Quando William Clay Ford Junior, bisneto de Henry Ford, foi nomeado CEO no
começo do segundo centenário da empresa, ele foi o primeiro membro da família a
ocupar esta posição em mais de 20 anos. Como o seu tio, Henry Ford II, William Clay
Ford Junior fez a companhia crescer e a família Ford se expandir para bem além de
apenas aqueles que possuem este sobrenome. Atualmente, é o CEO da companhia Allan
Mullaly quem lidera a família de colaboradores, fornecedores, clientes e acionistas da
Ford visando a criação de ótimos produtos que beneficiem consumidores, acionistas e
sociedade.
Voltando um pouco atrás na história da Ford e falando a respeito da relação de Henry
com seu filho Edsel, este sempre teve que lutar contra o autoritarismo de seu pai e acabou
vivendo às sombras dele. Mesmo quando nomeou Edsel presidente da Ford, Henry tinha
dificuldade em aceitar suas idéias. Henry era resistente a mudanças, apegado a primeira
fase da Ford e ao sucesso do T Móbile. Tinha resistência em inovar, criar novos modelos
de carros, etc.
Mas Henry também era um visionário. Queria mudar o mundo com seus carros e foi o
primeiro a montar uma linha de produção industrial. Primeiramente implantada na planta
de Highland Park em Michigan, EUA em 1913, a nova técnica permitiu que os
trabalhadores individuais ficassem parados no mesmo lugar executando a mesma tarefa
repetidamente, em múltiplos veículos que passavam por eles. A linha provou tremenda
eficiência, ajudando a companhia a superar muito a capacidade de produção de suas
concorrentes e, como conseqüência dessa produção em massa, tornar o preço dos
veículos mais acessível.
Henry também era preocupado com a sociedade e procurava ter responsabilidade
social. Instituiu o turno de oito horas de trabalho por dia para seus funcionários, para que
todos pudessem ter tempo para descansar, ficar com a família e ter momentos de lazer.
Pagava salários acima da média do mercado da época aos seus colaboradores, para que
recebessem um valor mais justo pelo seu labor. Desejava gerar empregos e tornar o carro
um bem de consumo popular, ao alcance de todos os trabalhadores. Sendo assim, não
queria superfaturar o valor de seus carros, como desejavam os seus investidores.
Henry Ford teve uma infância, adolescência e início de vida adulta muito simples,
mas com sua genialidade conseguiu se tornar um mito: o maior empreendedor de sua
época e criador do “fordismo”, que transformou o método de produção industrial para
sempre. E conseguiu criar um império, uma companhia que começou com o pioneirismo
de um único homem que sonhava construir produtos que suprissem as necessidades do
povo em um mundo ainda pré- industrial. Hoje, data de produção deste artigo, a Ford
Motor Company é uma família de marcas automotivas que reune Ford, Lincoln, Mercury,
Mazda, Jaguar, Land Rover, Aston Martin e Volvo e possui faturamento anual de US$
162,4 bilhões de dólares e conta com 354.431 colaboradores.
ENTENDENDO OS FUNDADORES
Buscando compreender os por menores do caso acima relatado, inicia-se pela
compreensão da figura do fundador. Como seriam os fundadores em geral?
Conforme Volnei Pereira Garcia, em seu artigo que aborda o assunto, os fundadores
seriam pessoas realizadoras, que possuem o impulso e a vontade para realizar, aliada a
disposição ao risco. Arriscam tudo e se doam por completo na busca de seus ideais,
tornando-se figuras muito visíveis na sociedade pela dimensão de seus feitos. São
empreendedores que possuem competência empresarial para enxergar as oportunidades
de mercado e desenvolver soluções para atender as necessidades dos consumidores.
Concretizam seus sonhos construindo empresas, gerando empregos e influenciando a
vida da comunidade, exatamente como fez Henry Ford.
Ainda conforme Volnei Pereira Garcia, o autor S.D. McKenna em artigo publicado na
revista HSM Management em sua edição de número 7, de março-abril de 1998, atribui ao
fundador as características de necessidade de controlar, receber aplausos, utilizar
operações defensivas e sentimentos de desconfiança. A necessidade de controle levaria o
fundador a ter dificuldade de trabalhar com estruturas que não criou, por isto, a atitude de
concentrar todo o poder em suas mãos. Isto explica também sua desconfiança, pois ele
teme que lhe transformem em vítima, que lhe passem para trás, procurando proteger-se
contra os comportamentos que considera indevidos, principalmente, a contestação de seu
poder.
Os fundadores desenvolvem essa “carapuça protetora”, sendo extremistas em sua
visão, projetando todas as coisas ruins em bodes expiatórios e agindo de maneira heróica,
como se detivessem o super poder de resolver tudo sempre. Procuram se cercar de
pessoas de sua confiança, que logo viram seus lacaios, seus assistentes pessoais.
A necessidade de receber aplausos viria, frequentemente, de um passado muito
humilde, com privações e situações familiares adversas, que lhes trouxeram o desejo de
superação e de vencer na vida. Levando-os a estabelecerem a sua identidade através da
construção da empresa, para serem reconhecidos e socialmente valorizados. Segundo
Sergio de Castro Gonçalvez, a empresa não é apenas motivo de orgulho para o fundador,
mas também o símbolo de sua imortalidade. Assim como os faraós construíram as
pirâmides, os fundadores constroem as empresas e esperam que seu legado seja
perpetuado através das gerações, para que ele seja lembrado muito além de sua própria
existência material.
De forma geral, quanto ao perfil, os fundadores tendem a ser carismáticos, intuitivos e
emotivos. Gostam de estar sempre ocupados e, com fortes traços narcisistas e
egocêntricos, adoram ser o centro das atenções (necessitando de valorização e
reconhecimento externos). Autoritários, buscam a lealdade através do paternalismo.
Consideram-se possuidores de uma missão heróica e uma estatura heróica. Conforme
John Davis e seus co-autores no livro De Geração para Geração, missão heróica é o senso
de que sua causa é nobre, importante e que não existe ninguém mais apto que ele para
realizá-la. Já a “estatura heróica é a posição de poder e status que separa os altos líderes
do restante das pessoas” (DAVIS et al, 2006) e que lhe é garantida pela realização da
missão.
Estas colocações se encaixam perfeitamente com o perfil e as atitudes de Henry Ford.
Ele tinha o seu lacaio Harry Bennet que conquistou sua confiança após defendê-lo de um
assalto na rua, sendo apadrinhado por ele. Henry teve uma infância, adolescência e
começo de vida adulta muito humildes e foi passado para trás em seu primeiro
empreendimento. Isto lhe gerou as necessidades de poder, controle e reconhecimento,
bem como a desconfiança. Assim, sentia-se ameaçado pelo poder dos outros acionistas,
buscando a maioria das ações da empresa para si, como forma de garantir seu poder. E
também por isto ficava desconfortável com as idéias inovadoras do filho Edsel, baseadas
em pesquisas e relatórios. Mesmo que inconscientemente, ele não queria perder a
autoridade, deixando que uma nova cultura baseada na análise racional de dados
começasse a ser disseminada. Sendo assim, rechaçava qualquer idéia do filho que
pudesse desautorizar seu “feeling para os negócios”, que vinha dando certo até então.
ENTENDENDO OS HERDEIROS
Mas para quem ficaria a missão de imortalizar os feitos heróicos dos fundadores? Para os
herdeiros, é claro! Não foi a toa que Renato Bernhoeft escreveu um artigo intitulado “Pobres
Filhos de Pais Ricos”, a final, não é nada fácil a missão daqueles que já nascem incumbidos.
Sergio de Castro Gonçalvez coloca que o fundador trata de construir também uma
imortalidade física, reproduzindo o seu sangue e que ao primogênito cabe a missão de, com o
mesmo sangue, prosseguir a mesma obra.
Existe, de fato, a tradição de o primogênito homem ser o sucessor natural do pai, contudo,
com a conquista gradual da igualdade de direitos entre os sexos e a profissionalização das
mulheres, essa tradição tornasse ainda mais questionável. A obra a ser continuada, no
entanto, não é exatamente a mesma. Aos herdeiros cabem, a meu ver, uma missão tão heróica
quanto a dos fundadores, porém diferente, com outros desafios.
Aos herdeiros cabem o desafio de ir além de seus pais e de certa forma superá-los,
“ampliando seu legado e mantendo alguns dos valores e princípios que originaram o
sucesso atual”, como disse Renato Bernhoeft em ser artigo sobre o assunto. O autor diz
que exige-se dos herdeiros que sejam como um equilibrista determinado, humilde e
desprendido, capaz de conciliar interesses distintos vindos de familiares, proprietários e
gestores. Que tenham conhecimento, paciência, capacidade de ouvir e tomar decisões, de
dar satisfações sem sentirem-se humilhados e de crescer gradualmente na empresa,
conforme vão provando a todos a sua capacidade.
Mas como provar-se merecedor do posto de liderança? Como desenvolver todas essas
habilidades? Como superar os feitos heróicos de seu pai herói? Ainda mais quando o pai
é também seu patrão e todos sabem que sua vida é a sua empresa. O que será do pai
quando o filho tomar o seu lugar, se a sua empresa é também a sua identidade? E que
lugar sobra nisso tudo para a construção da identidade do filho? Stephen Kanitz lembra
que se em uma família qualquer reduzir o conflito de gerações já é difícil, imagine em
uma família empresária, onde se introduz mais uma variável nessa relação: a de
subordinado-patrão. Os herdeiros que trabalham na empresa e são prováveis sucessores
têm um pai patrão, portanto, qualquer degrau que o filho suba, estará tirando o espaço do
pai. Esta situação pode ser muito difícil e dolorosa para ambos os lados se não for bem
trabalhada e elaborada.
E será que os filhos herdeiros querem mesmo assumir essas missões heróicas
herdadas, ou será que preferem traçar outra missão? Para que se tenha garra é preciso
antes ter um sonho, um objetivo pelo qual lutar. Fazer as próprias escolhas, traçar o
próprio caminho (mesmo que esta escolha seja fazer carreira na empresa da família), é
uma tarefa que faz parte do processo de construção da identidade. Portanto, ninguém
consegue ser brilhantemente bem sucedido e realizado em uma caminhada que não é a
sua. Os “filhos obedientes” sabem, mesmo que inconscientemente que, seguindo a
estrada das escolhas de outros, que nascem de fora para dentro e não de dentro para fora,
nunca chegará onde realmente gostariam. E daí, falta-lhes motivação. Esta falta de
congruência interna nas escolhas acaba levando a mediocridade, pois o primeiro sucesso
de um indivíduo não está relacionado a coisas externas, mas sim a sua viabilização
enquanto pessoa, capaz de construir o que quiser.
Stephen Kanitz, em seu artigo A Relação Pai e Filho nas Empresas Familiares, afirma
que um dos maiores problemas de um herdeiro é construir sua própria identidade, sendo
que a maturação de uma identidade própria é um processo bem mais difícil para o
membro de uma família empresária do que para outros indivíduos, até mesmo pela
própria natureza e personalidade do pai empresário. Estes pais, que possuem, em geral,
um perfil já comentado anteriormente neste artigo, podem acabar diminuindo as
possibilidades de crescimento pessoal dos filhos ao conduzi-los pelos caminhos
profissionais de sua escolha. As escolhas que geraram o sucesso e realização dos pais
nem sempre surtem o mesmo efeito na vida dos filhos. E mesmo munidos das melhores
intenções, alguns pais não compreendem isto.
O pai fundador é uma pessoa muito difícil de vencer em qualquer discussão, pois
além de ter opiniões fortes, ser esperto, vivido, experiente e profundo conhecedor do seu
negócio, é cativante e um especialista na arte do convencimento. Isto acaba sendo
frustrante para o filho, gerando um sentimento de incapacidade que não contribui em
nada para a formação de uma personalidade segura, autoconfiante e assertiva.
Os pais de adolescentes, muitas vezes, não compreendem que a contestação de
valores atuais faz parte da busca de si mesmo, da construção da identidade e, que isto,
freqüentemente, não passa de uma experimentação temporária de valores diferentes.
Tomam qualquer discordância como rebeldia, desobediência e desrespeito, aumentando
ou até criando um problema. Nas empresas familiares isto se torna ainda mais
complicado, pois a rebeldia é encarada como uma ameaça perigosa aos negócios da
família e os comportamentos considerados rebeldes são imediatamente proibidos e
bloqueados.
Estes pais empresários e super protetores, criam filhos inseguros, pois sempre se
encarregam de tudo para eles, até mesmo das suas decisões. Os herdeiros podem
desenvolver, portanto, uma personalidade frágil, com dificuldades de tomar decisões,
baixa autoestima e autoconfiança. Quando privados da oportunidade de construir sua
identidade de forma a se tornarem pessoas independentes, responsáveis e capazes de
serem autores da própria história, fica difícil construírem também o próprio futuro e a
própria carreira dentro ou fora da empresa.
Esta parece ser, exatamente, uma descrição do perfil de Edsel, que passou por todos
os percalços acima comentados, pelos quais também passam muitos dos filhos de pais
empresários. Com sua personalidade forte de fundador, Henry sufocava o filho, não lhe
permitindo tomar suas próprias decisões, como quando não lhe deixou ir para Nova
Iorque fazer faculdade e nem servir no exército, como era de sua vontade. Henry super
protegia Edsel, mantendo-o sempre por perto e impedindo-o de andar por suas próprias
pernas. O filho nunca tinha vez com suas idéias e não podia argumentar com o pai, pois
isto era considerado desrespeito e insubordinação, tanto na empresa quanto em casa. Nem
mesmo sua mãe, Clara, admitia que ele lhe fizesse qualquer reclamação do pai, tratado
por ela e pelos colaboradores da empresa quase como um Deus, inatingível (o que
realmente combinava com o sentimento de onipotência que Henry demonstrava).
Em certa ocasião, Edsel tomou algumas decisões sem consultar seu pai. Foi depois de
seu casamento, quando decidiu investir um dinheiro em ações, aconselhado pelo irmão de
sua esposa. Inexperiente, ele fracassou e perdeu muito dinheiro, ficando no prejuízo e
tendo que ser socorrido pelo pai. Isto significou, para Edsel, um atestado de
incompetência e incapacidade de andar pelas próprias pernas, o condenando a ficar na
empresa da família e continuar vivendo às sombras do pai.
EMPRESA, PROPRIEDADE, FAMÍLIA E SEUS CONFLITOS
Conforme John Davis e os co-autores do livro De Geração para Geração, a empresa
familiar se divide em três esferas: a família, a propriedade e a empresa. A esfera da
família é formada pelos membros da família, que também podem ou não serem acionistas
da empresa e trabalharem na gestão. A esfera da propriedade diz respeito aos cotistas e
acionistas da empresa, que podem ou não serem da família e trabalharem na empresa. E a
esfera da empresa corresponde aqueles que trabalham na gestão da mesma e que também
podem ou não serem membros da família e terem participação na sociedade. Este é o
chamado modelo dos três círculos. Os três círculos se sobrepõem, podendo haver
indivíduos que pertençam a apenas um, outros que façam parte de dois, ou até mesmo dos
três círculos ao mesmo tempo. Cada esfera possui seus interesses específicos e daí a
formação de tantos conflitos nas empresas familiares.
Estes mesmos autores também analisam a empresa familiar em seu ciclo de vida
através do tempo. Cada esfera anteriormente citada se transforma em um eixo de
desenvolvimento que possui os estágios pelos quais e empresa passa. O eixo da empresa
divide-se em três estágios: início, expansão/formalização e maturidade. O eixo da
propriedade apresenta os estágios de proprietário controlador, sociedade entre irmão e
consórcio de primos. E o eixo da família possui quatro estágios: jovem família
empresária, entrada na empresa, trabalho em conjunto e passagem do bastão. Cada um
desses estágios possui uma gama de características e desafios específicos, que acabam
por gerar determinados conflitos. A mudança de estágio no ciclo de vida, não obedece
necessariamente uma seqüência evolutiva linear no eixo da empresa e, principalmente, no
da propriedade. O único eixo que obedece a uma seqüência linear é o da família, pois está
relacionado com o ciclo de vida individual, familiar e com o envelhecimento biológico,
que ainda é irreversível.
No exemplo da Ford aqui discutido, o eixo da propriedade não saiu do estágio de
proprietário controlador até a terceira geração, pois a empresa passou das mãos do
fundador para seu único filho, voltou para suas mãos por ocasião da morte deste e depois
passou para o seu único neto. Já o eixo da empresa, passou pela fase inicial de
desenvolvimento e pelo estágio de expansão/formalização e, mesmo que atualmente
tenha mais de um século de existência, a Ford procura sempre manter-se no estágio de
expansão e continuar crescendo, pois as empresas que param de crescer morrem. Sendo a
maturidade uma fase de estagnação e desaceleração dos negócios, uma empresa não pode
permanecer nela por muito tempo, do contrário a concorrência ganha muito espaço,
ameaçando a sua existência. No eixo da família, o filme “Ford: o Homem e Máquina”
(EASTMAN, 1995), mostra a passagem por todos os estágios de desenvolvimento, sendo
nele que a atenção deste artigo será concentrada, para o entendimento de alguns conflitos
ocorridos em cada estágio.
No estágio da jovem família empresária o fundador Henry Ford estava sempre muito
envolvido com a construção do seu sonho, seu império, sua identidade, para dar atenção
ao filho Edsel e a esposa Clara. Esta foi a fase inicial da empresa e todo o seu tempo era
absorvido pela mesma. Sua missão heróica era muito respeitada em casa, a final, era
pelos três que Henry estava trabalhando. Isto foi criando um distanciamento cada vez
maior entre eles, uma falta de intimidade. A esposa e o filho sentiam que estavam em
segundo plano, pois a empresa vinha sempre antes deles. A empresa era o maior objeto
de amor de Henry (pois fazia parte dele mesmo, como se fosse uma extensão de seu ego),
levando Clara e Edsel a não sentirem-se tão amados e especiais quanto esta.
O estágio da entrada na empresa começou quando Edsel já era adolescente e Henry
decidiu que já era hora dele começar a conhecer a empresa que um dia seria sua. Henry
não deixou que Edsel fosse estudar fora da cidade e fazer faculdade em Nova Iorque
como os amigos dele iam fazer e era de sua vontade. Ele achava que o lugar do filho era
ali, perto dele, como seu aprendiz. Acreditava que todo o conhecimento e experiência de
que o filho precisava estava ali, pois se ele aprendeu na prática, Edsel também poderia
aprender. Também não permitiu que Edsel servisse ao exército, pois como único herdeiro
(além de sua esposa Clara), a empresa não poderia correr o risco de perdê-lo.
Conforme John Davis, quando os filhos começam a querer sair de casa para seguirem
suas próprias vidas, os pais proprietários de empresas ficam preocupados com esse desejo
normal de separação. Eles temem que, se deixarem o lar e o cargo na empresa seus filhos
jamais voltem para sucedê-los. Quando, na verdade, é sabido que experiências de
trabalho fora da empresa podem ser ótimas para desenvolver nos herdeiros competências,
visão e postura profissional. Pode ser extremamente útil para a empresa da família a
contribuição trazida de fora. A devida preparação e experiências externas podem
contribuir para a profissionalização da empresa familiar pelos próprios membros da
família. Mas Henry não permitiu que o filho tomasse as próprias decisões, que tivesse
outras experiências, explorasse novos valores e desenvolvesse sua identidade de forma
saudável. Desta forma, criou uma pessoa frágil, ansiosa, insegura e com dificuldade de
tomar decisões. Era por isso que Henry achava o filho um fraco, porque este foi o
resultado de tê-lo criado “debaixo de suas asas”, com excessos de controle e proteção.
Murray Bowen, importante autor que colaborou muito para a construção do
arcabouço teórico da terapia familiar sistêmica, abordou os conflitos como sendo
resultantes da família ampliada e não apenas da nuclear. Bowen lançou um olhar mais
abrangente e considerou os conflitos como transgeracionais, ou seja, construídos através
de várias gerações. Conforme Nichols e Schwartz, em seu livro sobre os tipos de terapia
familiar, Bowen baseou toda a sua teoria em duas forças de vida que se contrabalançam:
uma que liga as personalidades na união familiar e outra que luta pela libertação e
individualidade. Estas duas forças devem estar equilibradas na família, do contrario pode
haver um distanciamento excessivo ou a fusão, aglutinação e indiferenciação dos
membros. O equilíbrio das forças promove a diferenciação, que é a capacidade para o
funcionamento autônomo. A fusão leva as pessoas a posições polarizadas, como
perseguidor-distanciador e superfuncionamento-subfuncionamento.
No caso da família Ford, ao que parece pelo filme aqui analisado, os anos de
distanciamento de Henry e Edsel na fase inicial de construção da empresa, quando Edsel
era criança, foram exageradamente compensados em sua adolescência e vida adulta, ao
entrar na empresa e trabalhar com o pai. Nesse período houve uma fusão entre pai e filho,
de forma que Edsel ficou impedido de buscar sua diferenciação. Henry passou a ser as
polaridades de perseguidor e superfuncionamento, enquanto Edsel assumiu as polaridades
(os papéis) de distanciador e subfuncionamento.
Na fase do trabalho em conjunto, quando Edsel já estava mais maduro e já era
acionista da empresa o problema girava em torno de uma disputa de poder na empresa
entre ele e o pai. Ele queria mostrar serviço, provar sua competência, assumir mais
responsabilidades, mas o pai o podava constantemente, não lhe dava confiança,
reforçando o seu sentimento de incapacidade e fracasso. Os estilos de gestão de pai e
filho eram muito diferentes: Henry era intuitivo e tomava decisões passionais, baseadas
no que achava correto. Já Edsel apoiava-se em pesquisas, relatórios e números para
embasar suas opiniões. Henry era forte, passional, inflexível, apegado aos seus valores e
tradições, seguia a filosofia de que em time que está ganhando não se mexe. Edsel tinha
um pensamento lógico, pouca autoconfiança e intuição e acreditava que inovar para
acompanhar os movimentos do mercado era essencial para sobreviver. Sem poder contra
a força do pai, Edsel foi calcando sua identidade nas sombras do mesmo.
Bowen também acreditava que a maioria dos conflitos familiares assumem a forma de
triangulações, isto é, que existe sempre pelo menos três pessoas envolvidas no problema
e, para solucioná-lo, é preciso entendê-lo desta forma. Ele dizia que o fato da pessoa
compartilhar o problema desabafando com alguém, alivia a tensão, mas não resolve o
conflito e convida uma terceira parte a entrar no jogo. Segundo Nichols e Schwartz, para
Bowen o problema não seria a queixa ou a busca de conforto, mas sim o fato de que
muitos triângulos tornam-se desvios crônicos, que destroem os relacionamentos
familiares.
A história da família Ford estava cheia de triangulações. Edsel, por exemplo, estava
envolvido em pelo menos dois triângulos. O primeiro era formado por ele, seu pai e sua
mãe, sempre pronta a defender seu heróico marido, toda a vez que o filho tentava
queixar-se da atitude do pai em relação a ele na empresa. O segundo era constituído por
Edsel, Henry e Harry Bennet. Edsel sentia ciúmes da confiança cega que o pai depositava
em Harry Bennet, pois considerando o filho um fraco, Henry o fazia de seu braço direito,
ao invés de treinar o próprio filho adequadamente para a sucessão.
Na opinião de John Davis e os co-autores do livro De Geração para Geração, a chave
para a solução dos problemas da fase do trabalho em conjunto está na comunicação. O
autor acredita que para que os membros da família consigam conviver em harmonia na
empresa a comunicação deve estar baseada em três pilares: abertura, honestidade e
consistência. A abertura refere-se a poder discutir decisões estratégicas importantes sem
que isso seja sentido como uma ameaça à estrutura de autoridade. A honestidade refere-se
às pessoas poderem dar suas opiniões sinceras, poderem ser verdadeiras sem
conseqüências negativas (mesmo que seja o feedback de um sobrinho subalterno ao tio
presidente). E a consistência, refere-se às pessoas terem opiniões e posicionamentos que
não mudem constantemente e nem da noite para o dia, bem como que suas palavras e
atitudes comuniquem a mesma coisa.
O estágio de passagem do bastão ocorreu quando, sem o devido preparo, Henry
decidiu entregar a presidência para Edsel, com o único objetivo de tirar os irmão Dodge
da sociedade da empresa. Henry conseguiu o que queria, mas também acabou assinando a
sentença de morte de seu filho. Esta sucessão abrupta não ajudou em nada Edsel,
servindo apenas para provar o seu despreparo e fragilidade. Talvez, inconscientemente,
tenha sido a incapacidade do filho em igualar-se a ele ou superá-lo que Henry queria
mostrar com essa atitude. Edsel, mais uma vez, cumpriu obedientemente a vontade do
pai, mas não conseguiu suportar a pressão e faleceu precocemente. É claro que Henry
amava Edsel e não queria que seu único filho morresse, mas provavelmente, alimentava o
desejo inconsciente de provar que não havia pessoa mais qualificada que ele mesmo para
tocar sua própria obra.
Seguindo a mesma linha da terapia familiar Boweniana, Moisés Groisman e os coautores do livro Histórias Dramáticas colocam que “mesmo antes de nascer a criança já é
depositária de uma série de expectativas dos pais e suas famílias de origem”
(GROISMAN et al, 1996). Isto remete ao conceito de legado familiar, trazido por Bowen,
que acredita que existem legados, inconscientes, que passam de geração para geração. Os
herdeiros de empresas familiares já nascem com o legado de continuar a obra dos pais.
No caso de Edsel Ford, pode-se entender que ele também nasceu com um legado
inconsciente de incapacidade, de nunca conseguir superar seu pai, o herói da família.
O autor André Silveiro, em seu artigo sobre os conflitos internos dos fundadores de
empresas para o IBGC (Instituto Brasileiro de Covernança Corporativa) afirma que um
conflito interno do fundador nessa fase de passagem do bastão seria: priorizar os
interesses da empresa ou preservar a imagem de si mesmo? Visto o seu declínio físico e
proximidade da morte ele se vê obrigado a eleger um sucessor para que a empresa
continue existindo e não corram riscos os seus funcionários, clientes e fornecedores. Mas,
por outro lado, admitir a proximidade da morte e o próprio declínio físico é muito difícil
para qualquer indivíduo, que dirá para fundadores com um perfil onipotente. Ao mesmo
tempo em que eles desejam que alguém continue o seu legado, é muito difícil admitir que
alguém teria capacidade de conduzi-lo além deles próprios.
Segundo Helen Bee, o autor Erick Erikson possui um modelo de desenvolvimento
humano que ajuda a compreender melhor essa fase. O fundador estaria passando pelo
último estágio de vida, que Erikson chama de Integridade versus Desespero. Neste
estágio os indivíduos avaliam a sua trajetória de vida, podendo sentirem-se íntegros e
realizados com sua história, ou desesperados por se darem conta de que não terão mais
tempo suficiente para realizar tudo o que gostariam. Neste momento, para os fundadores
que tem a empresa como sua identidade e que não construíram uma vida além dela, a
aposentadoria significa o seu próprio fim, isto é, a perda da sua razão de ser. Eles
agarram-se ao seu status heróico e decidem que sua missão heróica ainda não acabou, se
convencendo que ainda tem muito a realizar e começando um novo empreendimento aos
80 anos, por exemplo.
Sendo assim, acabam adiando a sua saída, não preparando seus sucessores e
prejudicando as esferas da empresa, da propriedade e da família. Quando um fundador
morre sem antes dividir as ações da empresa, eleger e treinar devidamente seus
sucessores, na maior parte das vezes, um grande conflito entre herdeiros, gestores e
acionistas será iniciado.
OS ESTILOS DE LIDERANÇA E A CULTURA ORGANIZACIONAL
O autor Charles Handy compara os diversos tipos de culturas organizacionais aos
deuses gregos e suas características, em seu livro Os Deuses da Administração. Ele
identifica cinco tipos de cultura, cada uma correspondente a um Deus que dá nome a um
estilo, uma filosofia de administrar. Cada cultura tem também um nome técnico de
acordo com suas características e uma figura que a simboliza. Visando a melhor
compreensão do caso Ford, serão expostas aqui, a cultura de clube de Zeus e a cultura de
função de Apollo.
A cultura de clube de Zeus é simbolizada pela figura da teia de aranha, em que todas
as linhas se irradiam do centro, onde está a aranha, personagem principal. Essa é uma
cultura característica de empresas pequenas, na maioria empresas familiares em sua fase
inicial. Nela, todo poder está concentrado nas mãos de Zeus, o onipotente patrono dos
deuses, que seria o proprietário da empresa, o detentor dos recurso e, portanto, dono do
clube e de todo o poder. É ele quem decide tudo de forma intuitiva e empática, não
havendo mecanismos e procedimentos previamente definidos, que possibilitariam, por
exemplo, a delegação de responsabilidades. Tudo fica centralizado na figura do
proprietário, devendo passar por sua avaliação.
O líder de Zeus pensa em blocos, analisa as coisas holisticamente e não cada parte até
chegar no todo. Ele é uma figura carismática que vai aprendendo empiricamente, por
tentativa e espera que seus aprendizes também o façam. Costuma escolher seus
colaboradores através da empatia, cercando-se de pessoas que despertam sua confiança.
Gosta de estar sempre ocupado e sendo desafiado a resolver situações diversas a cada dia.
Já a cultura de função de Apollo, deus da ordem e das regras, é simbolizada pela
figura de um templo grego. Seus vários pilares sustentando o telhado são como se fossem
os vários papéis e funções de uma organização sustentando a diretoria, que toma as
decisões finais. Esta cultura costuma estar presente em empresas maiores ou em fase de
expansão, onde o poder não pode mais estar centralizado e é necessário distribuí-lo
conforme a função e posição hierárquica da pessoa na empresa. Torna-se indispensável a
criação de regras, processos e mecanismos que viabilizem a tomada de decisão pelos
diversos gestores, sem que tudo precise passar por uma única pessoa, pois isto seria
impossível.
Os membros dessa cultura costumam ter um pensamento lógico, seqüencial e
analítico, apoiando-se na previsibilidade. Administrar, para eles, não é tomar decisões,
que são poucas e da categoria de processamento. Seu aprendizado dá-se através da
passagem de conhecimentos e habilidades que lhe são transferidos por treinamento.
Por terem formas de pensar, agir, administrar, aprender, ensinar e recompensar muito
diferentes, estas duas culturas não se misturam bem, devendo um líder Zeus cercar-se de
colaboradores que compartilhem de sua cultura e um líder Apollo fazer o mesmo. Os
indivíduos e organizações dificilmente pertencem a uma única cultura, podendo ter
características de mais de uma delas. Sempre existe, no entanto, uma cultura
predominante disseminada pelos líderes nos ambientes organizacionais.
No caso Ford, fica claro que Henry pertencia a cultura Zeus e seu filho Edsel a
cultura Apollo, uma das razões que os levava a discordar tanto: valores e estilos de
tomada de decisão diferentes. Pensando nas fases de desenvolvimento da empresa
anteriormente explicadas, cada uma destas culturas serve melhor a um destes estágios.
Portanto, se Edsel tivesse sido melhor preparado para a sucessão e tivesse tido mais
espaço para desenvolver sua identidade, autoestima, autoconfiança e competências, ele
poderia sim ter contribuído muito mais para levar a Ford a sua fase de expansão.
Isto mostra que estilos diferentes de liderança podem ser muito bons e até mesmo
necessários para o desenvolvimento da empresa. Cai, então, por terra a errônea idéia que
muitos fundadores fazem, de que seus sucessores devem ter personalidades ao menos
parecidas com as deles, procurando um herdeiro com o mesmo tipo de perfil e
competências. Muitas vezes, o filho mais parecido nesses aspectos com o pai, pode não
ser o mais motivado e nem o mais indicado a assumir sua função. Empresas em fases de
desenvolvimento distintas se beneficiarão de líderes com características e capacidades
diferentes, mais compatíveis aos desafios do seu momento.
Renato Bernhoeft, em seu artigo intitulado A Dupla Sucessão na Sociedade Familiar
sugere que o fundador de uma empresa familiar eleja um sucessor para a sociedade e
outro para a gestão. Isto porque a empresa já não é a mesma da fase inicial, estando maior
e mais complexa de administrar; a família também cresceu, com filhos, agregados e
netos. E a propriedade tende a se diluir cada vez mais nas mãos dos herdeiros. Desta
forma, com o passar do tempo, fica cada vez mais difícil de conciliar os interesses dos
círculos da família, da propriedade e da gestão, sendo exigidos conhecimentos,
habilidades e atitudes específicas para administrar cada uma destas esferas. Portanto, com
a evolução da empresa familiar e o crescimento da família empresária, o ideal é que a
sucessão seja preparada e realizada dentro de cada um dos três círculos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da história de sucessão das três primeiras gerações que estiveram no
comando da Ford Motor Company tornou possível abordar aqui situações que ocorrem
em muitas empresas familiares. Elucidando o perfil dos fundadores e herdeiros, torna-se
possível um melhor entendimento dos conflitos que surgem entre eles, principalmente
com a ajuda da teoria sistêmica e de estudos recentes sobre o tema das empresas
familiares.
A compreensão das esferas que compõem as empresas familiares, bem como das fases
de desenvolvimento que estas atravessam, clarificam ainda mais os desafios enfrentados
em cada um desses estágios nos círculos da família, propriedade e gestão. Juntando-se a
isto o entendimento de que as necessidades de gestão das organizações também evoluem
de acordo com o seu desenvolvimento, fica evidente que é necessário que fundadores e
sucessores tenham perfis e estilos de liderança diferentes para que consigam cumprir a
missão a que se propõem. Nenhum desafio é mais heroico ou importante que o outro. São
apenas desafios diferentes, exigindo perfis de personalidade e competências compatíveis
com os mesmos.
REFERÊNCIAS
BEE, Helen. O Ciclo Vital. Ed. Artmed, 1997.
BERNHOEFT, Renato. Carta a um Herdeiro Sucessor. Disponível no site:
www.bernhoeft.com. Último acesso em 26.02.07
...................................... A Dupla Sucessão na Sociedade Familiar. Disponível no site:
www.bernhoeft.com. Último acesso em 26.02.07
EASTMAN, Alan. Ford: O Homem e a Máquina. Alpha Filmes, 1995
GARCIA, Volnei Pereira. Gestão da Empresa Familiar – Os Fundadores. Disponível
no site: www.google.com.br. Último acesso em 24.02.07
......................................... Herdeiros e Herdeiras. Disponível no site:
www.google.com.br. Último acesso em 24.02.07
GERSICK, Kelin E. et al. De Geração para Geração:ciclos de vida das empresas
familiares. Rio de Janeiro: Negócio Editora, 2006.
GONÇALVES, Sérgio de Castro. Patrimônio, Família e Empresa. São Paulo: Negócio
Editora, 2000.
GROISMAN, Moisés et al. Histórias Dramáticas. Ed. Rosa dos Tempos, 1996
HANDY, Charles. Deuses da Administração. Ed. Saraiva, 2005.
KANITZ, Stephen. A Relação Pai e Filho nas Empresas Familiares. Disponível no
site: www.kanitz.com. Último acesso em 27.02.07
NICHOLS, Michael P. e SCHWARTZ, Richard C. Terapia Familiar. Ed. Artmed, 1998.
Retrato de Família. Revista HSM Management, edição 41 de novembro-dezembro 2003
SILVEIRO, Adré. Conflitos Internos do Fundador de Empresas Familiares.
Disponível no site: www.ibgc.org.br. Último acesso em 25.02.07
Outras fontes:
http://www.ford.com. Último Acesso em 25.02.2007.

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