SUMÁRIO - Professor José Norberto

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SUMÁRIO - Professor José Norberto
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
SUMÁRIO
1
2
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Apresentação
11
Pronunciamentos na abertura solene
12
José Aristodemo Pinotti
PALESTRAS DIA 17.11.05
A Cidade e a Escola numa Era de Transformação, Informação
e Globalização
17
Peça: Dona Escola
24
A Evolução da Educação Básica no Brasil
25
Educação e Desenvolvimento Humano – o Foco no Aluno e
na Aprendizagem
33
Avanços e Desafios do Ensino Médio
37
Indicadores da Qualidade na Educação
43
Mysterium
46
Paradoxos na Profissão de Professor
48
Educação e Cultura
49
A Parceria entre a Instituição Cultural e a Escola Pública
54
A magia do cinema na educação
56
Educação Escolar: o que trouxemos do Século XX?
57
O Tempo e o Espaço na Educação Infantil
65
Brincar como Conteúdo de Ensino
69
A especificidade da alfabetização na educação infantil
75
Educação e Cultura
76
Mariano Fernández Enguita
Direção: Paulo Bottos e Cristiane Coelho
Paulo Renato Souza
Eduardo O. C. Chaves
Maria Helena Guimarães Castro
Vera Masagão
Lygia Fagundes Telles
Nuno Rebelo dos Santos
Danilo Santos de Miranda
Rosa Iavelberg
Carla Camurati
Guiomar Namo de Mello
Telma Vitória
Gisela Wajskop
Heloísa Dantas
Tonia Carrero
3
O professor numa sociedade midiática: novos modos de
compreender, novos modos de comunicar
77
Educação para o Século XXI e os Clássicos da Cultura
78
A importância da educação para o desenvolvimento do
Brasil e redução de desigualdades
83
Educação e diversidade étnico-racial
90
Ensino Fundamental de 9 anos
91
Ensino Fundamental de 9 anos
92
Ensino Fundamental de 9 Anos
93
Ensino Fundamental de 9 anos
96
Sarau de Poesia
97
Ismar de Oliveira Soares
Leandro Karnal
Gustavo Ioschpe
Hédio Silva Júnior
Iara Glória Areias Prado
Jeanete Beuchamp
Dagmá Brandão Silva
Mitsuko Aparecida Makino Antunes
Silas Corrêa Leite
PALESTRAS DIA 18.11.05
“A Mídia e a Educação” e “O Ensino Socialmente Construído
– O tempo Integral na Visão de Darcy Ribeiro”
102
A Mídia e a Democracia, a Mídia e a Cidadania, a Mídia e a
Educação
103
A invisibilidade do ser humano
107
FUNDEB – suas características e possíveis conseqüências
para a educação no Brasil
108
Comunidade e Utopia
109
Educação e Imunidades Tributárias
116
A Situação educacional da juventude paulista
126
O amor pela Leitura
127
Carlos Heitor Cony
Paulo Henrique Amorim
Gilberto Dimenstein
César Callegari
Eduardo Almeida Acosta
Ives Gandra da Silva Martins
Julio Jacob Waiselfisz
José Mindlin
4
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Afro-Brazilian Culture and History is African Culture and
History
128
O Crescimento Infantil
129
Promoção à Saúde no Contexto da Educação Infantil
140
Como construir uma escola para todos?
Lino de Macedo
143
Formação de Leitores no Ensino da História
144
O Ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos
147
Educação de Jovens e Adultos
152
Os Filhos do Futuro
153
A Escola às Escuras: Uma Crítica Radical à Educação Brasileira
Atual
156
O Projeto Pedagógico como Expressão da Autonomia na
Escola
162
Gestão Escolar
169
Administração Escolar: Desafios do Cotidiano
173
Novos Caminhos da Inclusão
178
Educação de Qualidade: o entorno, os atores e processos
181
Ações sócio-educativas no âmbito da política educacionall
187
Educação e o Terceiro Setor
190
Educação e profissionalização na cidade de São Paulo
194
A Experiência Pedagógica da Universidade Livre do Circo
199
Mwalimu Shujaa
José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddei, Vanda Mafra Falcone, Vânia Vieira Costa,
Denise Ely Bellotto de Moraes, Luiz Anderson Lopes, Fernando Antonio Basile Colugnati,
Gisela Paraná Sanchez
Damaris Gomes Maranhão
Antonia Terra
Sandra Mutarelli
Maria Inês Fini
Rodolfo Konder
Julio Groppa Aquino
Francisco Aparecido Cordão
Ilona Becskeházy
Zacarias Pereira Borges
Rossana Regina Guimarães Ramos
Eduardo Almeida Acosta
Maria do Carmo Brant de Carvalho
David Saad
Almério Melquíades de Araújo
Marcos Frota
5
Leitura e Escrita nas áreas do conhecimento
209
Maria José Nóbrega
Alfabetização e
metodológicas
Letramento:
Desafios
e
perspectivas
Antônio Augusto Gomes Batista
210
Peças: Mémorias de um Educador
211
Origens Históricas do Elitismo
212
A Formação Docente e o Conhecimento Científico
218
Formação de Professores
220
A Formação do Professor de Educação Infantil
224
Como Desenvolver a Paixão pela Leitura
227
Interface entre Mídia e Educação
232
A Literatura como espelho de identidades sociais
233
Os Índios e nós. A questão indígena revisitada
236
Literatura Indígena: escrita pelo próprio índio
239
Capacitação dos Professores e Especialistas de Educação
240
Classificação Indicativa de Programas de TV e Diversões
Públicas
248
A Questão da Educação Informática para Crianças e
Adolescentes
251
Missão do Educador: Arte e Educação
253
Silvionê Chaves
Nelio Bizzo
Cleide Nébias
Neide Nogueira
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
Anna Maria Martins
Marcos Ferreira
Heloísa Pires Lima
Adrian Ribaric
Olívio Jekupé
João Gualberto de Carvalho Meneses
Anderson de Oliveira Alarcon
Alessandro Dell’Aira
Maria Aparecida Alcântara
Hoje Quem Conta a História Sou Eu
Deborah Santos Soares da Silva
6
257
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
PAPERS
CEI Vereador Aloysio de Meneses Grenhalgh
260
CEI Casa Verde
262
CEI CECI Jaraguá
265
CEI CEU Perus
266
CEI Ma José de Souza
269
CEI Parque Edu Chaves
270
CEI Parque Guarani
272
CEI Parque Sabará
274
CEI Vila Santa Inês
275
CEU São Mateus
277
CIEJA Butantã
281
CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo
285
CIEJA Ermelino Matarazzo
288
CIEJA Mandaqui
289
CIEJA Mandaqui
291
CIEJA Santo Amaro
292
Coordenadoria de Educação do Itaquera
293
Coordenadoria de Educação do Itaquera
297
Coordenadoria de Educação do Ipiranga
299
EMEF Vereadora Anna Lamberga Zéglio Vereadora
302
EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré
305
EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré
308
EMEF Prof. Antonio Duarte de Almeida
312
EMEF Padre Antonio Vieira
315
EMEF Arlindo Caetano Filho
318
EMEF Prof. Aurélio Arrobas Martins
320
7
EMEF Cacilda Becker
324
EMEF Cândido Portinari
326
EMEF Cândido Portinari
328
EMEF Cândido Portinari
331
EMEF Carlos Chagas
335
EMEF CEU Atlãntica
337
EMEF CEU Perus
342
EMEF Dona Chiquinha Rodrigues
344
EMEF Cleomenes Campos
347
EMEF Fazenda da Juta A-7
352
EMEF Geraldo Sesso Jr.
354
EMEF Guimarães Rosa
355
EMEF João Pinheiro
356
EMEF Padre José de Anchieta
358
EMEF Prof. José Ferraz de Campos
361
EMEF Prof. José Ferraz de Campos
364
EMEF Prof. José Ferraz de Campos
368
EMEF José Honorio Rodrigues
371
EMEF José Kauffmann
374
EMEF Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. “Gonzaguinha”
376
EMEF Arquiteto Luis Saia
379
EMEF Marcos Mélega
381
EMEF Conde Pereira Carneiro
383
EMEF Plinio de Queiroz
385
EMEF Raul Pompéia
386
EMEF Major Silvio Fleming
388
EMEF Rodrigues Alves
392
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
EMEF Synésio Rocha
396
EMEF Teófilo Benedito Ottoni
402
EMEF Vianna Moog
405
EMEF Comandante Vicente Amato Sobrinho
407
EMEFM Vereador Antonio Sampaio
408
EMEFM Vereador Antonio Sampaio
410
EMEFM Prof. Derville Allegretti
413
EMEFM Oswaldo Aranha Bandeira de Melo
415
EMEI Catulo da Paixão Cearense
417
EMEI Dr. Enzo Silveira
419
EMEI Eurípedes S. Paula
421
EMEI Francisco Manuel da Silva
425
EMEI Jardim Monte Belo
427
EMEI Manuel Bandeira
430
EMEI Maria Aparecida Vita Piante
433
EMEI Miroel Silveira
436
EMEI Profa Neyde Guzzi de Chiacchio
440
EMEI Perola Ellis Byington
442
EMEI Ricardo Gonçalves
444
EMEI São Lucas
446
EMEI São Lucas
449
APRESENTAÇÃO DE PÔSTER
452
9
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Apresentação
É com alegria que apresentamos os Anais do IV Congresso Municipal de Educação. O evento
atingiu seus objetivos: tivemos cerca de 5000 participantes presenciais e outros tantos nos CEUs e na
Internet; os assuntos se relacionaram mais proximamente aos projetos em andamento - Leitura & Escrita
e SÃO PAULO É UMA ESCOLA - e foram escolhidos pela Comissão Organizadora. Com isso, tivemos
oportunidade de discuti-los com a rede e aprimorar nossa Política Educacional. Chamo a atenção para o
relevante conteúdo cultural e intelectual do programa que criou um ambiente de reflexão e deleite merecido
pelos profissionais da SME que contribuíram com 60 trabalhos e 70 posteres da melhor qualidade. Difícil
foi escolher os premiados.
O Congresso só se concretizou, entretanto, graças à colaboração de um grupo de pessoas da Secretaria que se dedicou, dia e noite, à sua estruturação. Deixo aqui meus agradecimentos a: Teruyo Ogihara
Hayakawa (SME/GAB), Adelina Messura Martins (SME/ATP), Ana Rita da Costa (DOT/Multimeios), Aurora Maria Fernandes (SME/Gab), Conceição Aparecida Baptista Carlos ( DOT/Multimeios), Eliana Maria
Reis Araújo Marques Duarte (CONAE-31), Eliana Mingues (DOT/Circulo do Livro), Elizabete dos Santos
Manastarla (C.E.Itaquera), Emilia de Oliveira Araújo (DOT/Certificados), Flávio José Tirico (DOT/Multimeios), Hatsue Ito (C.E. São Mateus), Helenita Neli Beber (DOT/Ensino Fundamental), Hilda Martins Ferreira Piaulino (Chefe da Assessoria Técnica e de Planejamento), Iraildes Meira Pereira Batista (C.E.Penha),
Isaias Pereira de Souza (C.E.São Miguel), Jácomo Facio Neto (C.E.Capela do Socorro), José Valdo de
Souza Santana (C.E.Campo Limpo), José Waldir Grégio (SME/ATP), Lílian Regina da Silva Borges (DOT/
Multimeios), Lourdes da Silva Freitas (C.E. Jaçanã/Tremembé), Luciana Miranda (DOT/Certificados), Luz
Marina Moreira Correia de Toledo (SME/ATP), Maria Ângela Gianetti (C.E.Guainazes), Maria Antonieta
Carneiro (C.E.Freguesia/Brasilândia), Maria Cândida Tostes Stamm (SME/ATP), Maria Clara Junqueira
de Mello (SME/ATP), Maria Lúcia V.A.A. Tojal (Chefe de Gabinete), Maria Luiza Sardinha de Nóbrega
(SME/ATP), Mariângela Ravena Pinheiro (DOT/Multimeios), Nelma Cristina Dias Moreira (SME/Gab),
Poliana Belém Falcão (SME/ATP), Rachel de Oliveira (SME/Sala CEU), Regina Célia Lico Suzuki (DOT/
Ensino Fundamental), Rosely de Fátima dos Santos Arrojo (C.E.Pirituba), Rui Lopes Teixeira (SME/ATP),
Selma Viana (SME/Imprensa), Silmara Gubeissi Sallum Cassab (SME/ATP), Silvana Ribeiro de Faria (C.E.
Santo Amaro), Solange Gonçalves de Lima (C.E.Ipiranga), Sônia Regina Amaral Caldas Medeiros de Sá
(C.E.Butantã), Waldecir Pelissoni Navarrete (SME/ATP), Waltair Martão (DOT/Multimeios) e a todos os
professores que, com sua presença e discussão, abrilhantaram o evento.
Espero que estes Anais sirvam para todos aqueles que não puderam assistir ao Congresso ou a determinadas sessões ou até para recordar o que foi visto e discutido e prolongar uma reflexão crítica necessária
para o urgente aprimoramento de nossa política educacional, base e cadinho do desenvolvimento do País.
São Paulo, novembro de 2005.
José Aristodemo Pinotti
Secretário Municipal de Educação
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Pronunciamentos na abertura solene
José Aristodemo Pinotti
Secretário Municipal de Educação de São Paulo
Bom dia a todos. Queria cumprimentar, em primeiro lugar, e agradecer a presença do nosso vice-governador, representando o nosso governador nesse evento, professor Cláudio Lembo, o que muito nos honra. Queria agradecer, também, a presença do secretário Gabriel Chalita, que abrilhanta este evento. Queria agradecer a
presença dos professores estrangeiros que estão aqui. Quero fazê-lo, agradecendo ao professor Nuno Rebelo, de
Portugal, que representa os demais professores estrangeiros que estão aqui presentes, da Espanha, dos Estados
Unidos, do México e da França. Quero, também, agradecer a presença do diretor da PRODAM, e dizer que,
graças ao trabalho da PRODAM, este congresso está sendo passado simultaneamente para todos os auditórios
dos CÉUs e, também, um presente da PRODAM, para a Internet, e para todas as televisões neste estado ou
neste país que tiverem uma antena parabólica. Queria agradecer a presença do sr. Tasso Gadzanis, presidente do
São Paulo Turismo; do sr. Carlos Flori; da professora Marisa Lage Albuquerque, do SINESP, que substitui aqui
a sua presidente; do Ismael Nery Palhares Júnior, do APROFEM; do Cláudio Fonseca; do Sindicato dos Profissionais de Educação – SINPEEM. Quero agradecer a presença do presidente da Câmara de Educação Básica
do Conselho Estadual de Educação, professor Pedro Kassab, que foi meu professor no cursinho quando eu fiz
vestibular para Medicina. - isto é para dizer que tem alguém aqui que tem um pouquinho mais de idade que eu
–, da sra. Loretana Panchera, representando o presidente do Centro do Professorado Paulista. Do nosso querido professor José Augusto Dias, presidente do Conselho Municipal de Educação. Da sra. Madalena Paraméz,
que representa aqui a Embaixada da Espanha. Dos vereadores aqui presentes: do José Police Neto, o Netinho;
da Claudete Alves, que preside o Comitê de Educação da Câmara Municipal; do vereador Adolfo Quintas, do
José Francisco Janene, representando o Coronel Alberto Silveira Rodrigues; da Ruth Cremonini, representando
o Secretário do Verde; do Antônio Rolim Rosa, representando a Secretaria Municipal de São Caetano. Quero
agradecera presença do dr. Roberto Siniscalchi. E dizer a todos vocês que eu tenho certeza que o dr. Roberto
Siniscalchi vai levar o Hospital Municipal à altura das necessidades dos trabalhadores municipais. Acho que eu
devo fazer aqui uma menção ao dr. Roberto, que nós tivemos uma tragédia na Rede. Uma das nossas meninas
faleceu, num acidente de ônibus, e outra ficou gravemente ferida, e o dr. Roberto que, naquele então, trabalhava
como cirurgião do Hospital Jabaquara, se dedicou de dia, de noite, domingos e feriados para que essa menina
tivesse lá o melhor atendimento. E hoje, essa menina, que se chama Roberta, está andando, está completamente
curada na sua casa, com sua mãe. De maneira que uma pessoa como essa, seguramente, vai colocar em ordem
o Hospital Municipal. Quero agradecer a presença do nosso querido vereador Juscelino Gadelha, do Carlos
Gianazzi também e de todos os professores, professoras, coordenadores, enfim, todos aqueles que nos brindam
com sua presença.
Um congresso é uma feira de conhecimento, é uma feira de saber. Eu espero que todos possam usufruir
desta feira do saber. Um congresso é um local para um diálogo informado, um diálogo científico, um diálogo
intelectual. Eu tenho certeza que todos os nossos professores da rede vão participar ativamente desse diálogo
informado. Aliás, uma coisa, vice-governador, que me surpreendeu ao organizar este congresso, e abriu um
espaço para apresentação das pesquisas dos trabalhos bem sucedidos e criativos da rede foi verificar, não só a
quantidade de trabalhos criativos de pesquisa pedagógica na rede, como também, e principalmente, a qualidade
desses trabalhos. Nós selecionamos 70 pôsteres e outros 70 papers, que serão apresentados durante o Congresso. E espero que a gente possa publicar esses pôsteres e esses papers nos anais do Congresso. Isto demonstra a
vitalidade e a criatividade da rede que, realmente, é uma coisa muita importante. Um congresso também é uma
forma da gente encontrar velhos amigos, refazer amizades, fazer novas amizades. É um momento de reflexão, é
um momento de alegria, é um momento de arte, é um momento de música. Por isso mesmo, todos os senhores
e as senhoras vão ver pelos corredores uma série de apresentações artísticas, musicais, inclusive da nossa rede,
que é farta em criatividade artística, em criatividade musical. Eles estarão, não nos períodos de apresentação de
trabalhos, mas estarão nos intervalos, nos alegrando com as suas músicas. Eu queria cumprimentar também as
professoras que estão aqui na mesa, professora Iara Prado, professora Lucia Tojal, professora Hilda e professora
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ana Quadros, que nos alegram com a sua presença. Um congresso tem que ter um resultado muito bom. O resultado do congresso é a apropriação do conhecimento. É uma questão de ampliar os nossos saberes, de difundir
as nossas experiências, de trocar as nossas experiências. Eu fico muito contente que nós pudemos organizar este
Congresso. E pudemos organizá-lo com gente da casa. Não houve nenhuma firma especializada em congresso
para organizar este Congresso. Foi o nível central da Secretaria que trabalhou de uma maneira árdua, denodada,
para que tudo desse certo. E eu espero que dê certo! Eu quero aqui agradecer de coração estes colaboradores que
doaram o seu tempo, todo o seu esforço, para fazer deste Congresso um momento realmente alegre, feliz, e um
momento de importante aquisição de conhecimento por parte de todos nós. Eu não vou citar nomes, mas houve
pessoas que vararam madrugadas. Houve pessoas que não diziam nem “Bom dia”, nem “Boa noite”, porque não
tinham esse desencontro do período noturno, era um trabalho continuado, mas seguramente todos eles sabem
o quanto eu, o quanto o prefeito José Serra, o quanto todos nós da Educação estamos agradecidos por aqueles
que vararam as noites e as madrugadas organizando este Congresso.
Nós temos uma dívida muito grande com a educação no nosso país. Uma dívida, não só com as crianças, não só com os jovens, não só com aqueles que passam pelas nossas escolas e, que, são nossos alunos, e que
realmente tem o maior crédito porque ainda nós estamos no nosso País com um nível de analfabetismo inaceitável. Sem falar do analfabetismo funcional, mas falando do analfabetismo verdadeiro. Se nós compararmos os
nossos 12% de analfabetismo com os países do Norte, sejam da Europa, sejam da América, nós vemos que esses
mesmos 12% de analfabetismo existiam nesses países 100 anos atrás. Portanto, estamos defasados 100 anos dos
países que desenvolveram a sua educação. A nossa dívida de educação para com os nossos alunos é muito grande.
Mas a dívida não é só com os nossos alunos. A dívida é também com a Sociedade, porque a escola é um lugar
para ensinar, mas a escola é a instituição, é o agente social mais importante, às vezes, o único que pode mudar
a cultura da sociedade onde esta escola está inserida. E nossa dívida também é com a sociedade. Nossa dívida
também é com os professores, porque os professores sempre estiveram, e continuam estando, nos discursos, mas
o atendimento dos professores, na prática, está muito longe daquilo que ele deve ser no concreto.
É muito fácil dizer, e é um lugar-comum, que a educação é prioridade nacional, que os professores
devem ser prioridade na educação, depois dos alunos, mas é muito difícil fazer com que essas prioridades se
concretizem. Nós estamos, nesse momento, sob a orientação do prefeito José Serra, e depois de um diagnóstico
que, ao mesmo tempo, é um diagnóstico preocupante e que nos permite ter uma grande esperança tentando
solucionar e abrir as estradas para que tudo aconteça, porque meu caro Cláudio Lembo, meu caro Chalita, nós
temos, na educação de São Paulo, excelentes professores, e não é por estar na frente deles que eu falo, porque são
de fato. Nós temos ótimas escolas, e serão todas ótimas dentro de alguns meses, porque as escolas de lata estão
acabando. E nós temos 31% do orçamento municipal. Com esses predicados, com essas qualidades, com essas
possibilidades, nós temos que ter uma escola que cumpra sua função com os alunos, que cumpra sua função
com a sociedade, que cumpra sua função com os professores. Portanto, entendo que o papel de um secretário é
abrir as estradas para que isto aconteça, é gerenciar adequadamente o sistema municipal de educação para que
todos esses ótimos condimentos possam ter um bom resultado final. E é esse o grande esforço que nós estamos
fazendo. Nós, se Deus quiser, vamos começar as aulas do ano que vem sem falta de professores. Recentemente,
obtivemos uma autorização do prefeito para a nomeação de mais 1.958 professores concursados, e vamos nomeá-los nos próximos dias.
Nós vamos começar as aulas, se Deus quiser, sem escolas de lata e sem escolas de madeirite, com mais
2 mil salas para poder aumentar o espaço e diminuir essa coisa perversa que são os três turnos diurnos em 70%
das nossas escolas. E nós esperamos poder começar as aulas, também, prestigiando mais e criando melhores condições para os professores trabalharem. Nós vamos começar as aulas sem dificuldades com o pessoal de apoio,
porque não é possível gerenciar uma escola, com faltas tão grandes e tão graves de pessoal de apoio.
Mas, acima de tudo, eu quero dizer que este não é um momento nem para prestar contas, nem para fazer
promessas, nem para discutir questões deste tipo. Este é um momento de troca de saberes, este é um momento
de refazer amizades, este é um momento de uma reflexão crítica sobre a educação, este é um momento de nós
apresentarmos as nossas experiências, ouvirmos as críticas e sairmos deste Congresso com a sensação de liberdade que os professores e as escolas devem ter.
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Penso que, talvez, a coisa mais importante que nós conseguimos fazer nesses 10 meses foi fazer com que
o orçamento da educação saísse das subprefeituras e fosse para os coordenadores de educação, ou seja, na mão
de educadores, e fazer, também, com que a lei do vereador Paulo Frange, fosse aprovada na Câmara Municipal
e sancionada pelo prefeito para podermos passar recursos para as APMs e nos permitissem descentralizar ainda
mais, ou seja, colocar os recursos nas mãos das APMs, na mão do diretor da escola, na mão da escola para que a
liberdade pedagógica, a autonomia pedagógica, saísse do discurso e fosse para a prática.
Eu não tenho dúvida, nenhuma dúvida, que os professores, as autoridades que passarem por aquele corredor e puderem observar os pôsteres que estão lá, das experiências pedagógicas, criativas, que 70 escolas apresentaram, que puderem ficar nas salas onde serão apresentados os temas livres, outros 70 temas livres de escolas
que tem experiências pedagógicas corretas, vão nos apoiar, no sentido que a autonomia da escola deve ser cada
vez mais preservada.
Eu quero dizer que gostaria de fazer muito mais, mas quero dizer a todos os senhores professores que
contem comigo, contem com o núcleo central da Secretaria de Educação para advogarmos em benefício do
prestígio e do reconhecimento que o Município deve ter pelo trabalho dos professores.
Eu desejo, antes de encerrar, aproveitar a oportunidade para fazer um ou dois esclarecimentos, que acho
que os professores merecem. Não há qualquer intenção nossa de criar qualquer prejuízo para a sala de leitura,
muito pelo contrário. Nós acabamos de nomear 1.958 professores, com a autorização do prefeito, exatamente
para não faltar o professor da sala de leitura. Não há qualquer intenção de mexer com a carreira do professor,
nem modificar as formas estatuídas, regimentais, legais da sua forma de trabalhar.
Tampouco temos muito clara a questão dos seis anos e dos nove anos. Este Congresso repartiu e deixou
uma ou duas mesas redondas para discutir isto. E nós todos estamos ansiosos para saber qual será a discussão,
quais serão as conclusões, até para que a gente possa interferir na forma de fazer isto, mesmo que seja uma lei
federal. Nós queremos muito ouvir a opinião de todos vocês sobre esta questão, inclusive a opinião do Cláudio
Fonseca, das entidades etc., para que a gente possa atuar de uma forma, a melhor possível para as crianças, para
a escola e para os professores.
A questão da redução do número de alunos, eu devo confessar, é uma coisa complexa. Tem duas formas,
ao meu ver, de reduzir o número de alunos: é não recebê-los ou aumentar
os espaços. A rede municipal tem sido generosa a ponto de aceitar os alunos, aumentar o número de alunos por
sala de aula, nas diferentes gestões e arcar com as dificuldades que são colocadas nos ombros dos professores em
função disto. O que nós queremos agora é aumentar os espaços, por isso vamos construir, já estamos construindo, 200 salas de aula adicionais, que significam 20 escolas. Estamos construindo todas as escolas, substituindo as
escolas de lata, com 30% a mais de espaço para os alunos. E, mais do que isto, no primeiro ano já se decidiu, os
professores já sabem, vamos tentar colocar um auxiliar para o professor, em vez de diminuir o número de alunos,
colocar um professor titular e um auxiliar do professor titular para garantir a alfabetização.
Então, estas medidas – retomamos todas as construções que estavam paradas, encontramos recursos para
retomar todas as construções – são as medidas que estamos tomando para diminuir o número de alunos por sala
de aula e diminuir o número de escolas com três turnos diurnos. E isto vai continuar ao longo dos quatro anos
do governo do prefeito José Serra.
Queria fazer estes esclarecimentos porque achei muito adequada toda a fala do Cláudio Fonseca, que representou muito da esperança dos professores, mas podem estar certos que estes esclarecimentos vão ser, e estão
sendo colocados na prática.
Muito obrigado e um bom Congresso para todos.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
PALESTRAS
17.11.05
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Cidade e a Escola numa Era de Transformação,
Informação e Globalização
Mariano Fernández Enguita
Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Salamanca, Espanha.
Bom dia. Vocês ouviram que eu sou catedrático de Salamanca. Normalmente moro lá, mas agora não
estou vindo de Salamanca e sim da cidade de Lyon, na França. Fiquei lá no começo do mês, vou voltar para lá,
o que me permitiu ver de perto acontecimentos que vocês, com certeza, devem ter acompanhado, de uma certa
maneira, pelos meios de comunicação. Algo que surpreendeu muita gente, sobretudo os franceses, e algo que
preocupou toda a Europa. Os distúrbios, nos quais jovens e adolescentes, de 12, 13, 14 anos, acabaram queimando quantidades maciças de carros, mas, também, atacando algumas escolas, instituições sociais de vários
tipos. Poucos ataques às pessoas, é mais uma manifestação relativamente espontânea de raiva, uma manifestação
que nos faz pensar um pouco. O que detonou essa situação foi o discurso muito agressivo, muito conservador,
do Ministro do Interior, que quer chegar à Presidência do país, dizendo que ele vai resolver os problemas de
ordem e de delinqüência. Só que, além, desse fator detonador, os próprios jovens dizem que estão se mobilizando contra Sarkozy, que é o Ministro, todo mundo, inclusive os próprios jovens e as forças políticas, estão
de acordo que há também outros problemas de fundo. E parte desses problemas de fundo, talvez a parte mais
importante, é que nós podemos dizer que duas grandes instituições, a escola e a cidade fracassaram. Pelo menos
uma grande parte delas fracassaram. Falo das cidades nas quais existem bairros cuja mera imagem, cuja mera
visão, e o próprio fato de estar lá, implica um futuro totalmente sem esperança. E há escolas, depois de mais
de um século da escola única republicana traduzindo a idéia de uma educação básica para todos, e depois de 25
anos do que se chama College Unique, colégio único, ou seja, um ensino secundário básico igual para todos,
continua havendo bolsões de fracasso, continua havendo um grande número de abandono, de absenteísmo, e
um setor da população, que não é majoritário mas que é maciço, um contingente que sai da escola sem nenhum
tipo de qualificação que permita entrar no mercado de trabalho. Existe um acordo implícito de que o que está
em jogo não é o maior ou menor acerto do partido que está no governo agora, do que veio antes, do que virá
depois, o que está em jogo é a própria idéia da sociedade, a própria continuação da sociedade, como um marco
de convivência no qual nós possamos resolver os problemas, as diferenças de valores, sem necessitarmos recorrer
à negação do sistema, ou à violência indiscriminada. Se tivesse que dizer que ainda há um problema mais de
fundo do que esse, eu diria que estamos num momento de mudanças, em processos sociais, que são difíceis de
serem entendidas. Isso é algo fantástico para os sociólogos. Nós vivemos disso. Nós vivemos de problemas que
necessitem melhor análise. Ou quando alguém faz uma ação “a” para conseguir o resultado “b”, na verdade,
acaba sempre conseguindo um terceiro resultado “c”, que não estava previsto. Mas, isto que pode ser bom para
a nossa profissão, não é necessariamente bom para a sociedade.
É a partir dessas mudanças que gostaria de falar, sobretudo, das suas implicações para a Educação. Intitulei minha palestra: “A Cidade e a Escola numa Era de Transformação, Informação e Globalização”, porque, a
meu ver, são as três grandes mudanças que estão alterando radicalmente as coordenadas do trabalho, da escola,
dos professores que exigem uma nova relação entre a escola e da sociedade, e, especificamente, entre a escola e
as cidades.
A primeira nova coordenada é que nós vivemos numa sociedade de mudanças. Quando digo uma sociedade de mudanças não quero dizer, simplesmente, a trivialidade de que as pessoas e as sociedades transformamse , como o fizeram sempre, mas que agora o fazem em nível impensável, algo que afeta radicalmente a ação
da escola. Uma sociedade que não muda não precisa de escolas, não precisa de professores, não precisa de um
sistema educacional, porque quando não se muda, os adultos já sabem tudo, e os próprios adultos são suficientes
para ensinar tudo aos jovens. Nas sociedades primitivas, que eram sociedades praticamente estanques devido a
mudanças lentas, não precisavam de uma instituição, ou de uma profissão escolar. A escola foi um produto da
modernidade, ou da modernização. A escola foi o produto do fato que durante várias gerações, a partir de certo
momento, cada nova geração, as crianças, os adolescentes, os jovens tiveram que se inserir num mundo diferente
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do mundo dos adultos. E esses adultos não poderiam criar esse mundo para eles. E como não poderiam formar
esse mundo precisavam de uma instituição específica, e de uma profissão específica. Até então, as novas gerações
haviam sido educadas e formadas ou por suas famílias, ou pors suas comunidades. E desde então, famílias e
comunidades foram deslocadas por essa nova instituição, ou seja, a escola.
Em sociedades que ainda estão nessa fase de transição, e dessa transição vem toda a metodologia heróica
da escola, o período no qual a escola representa a modernidade em comparação à tradição, a cultura escrita em
comparação à cultura oral, a racionalidade frente aos costumes, a industrialização, a cidade, a legalização da
vida, o desenvolvimento do estado de direito frente às formas tradicionais de comunidade. Mas isso mudou.
Isso mudou quando o ritmo das mudanças foi tão intenso que já não havia tempo para que uma elite, ou uma
vanguarda gerasse novas formas culturais. Todo profissional aprende, no início de sua vida útil, o que deverá
ensinar durante o resto dessa vida a uma população que simplesmente receberá aprendizagem. Nós rompemos
essa seqüência na nossa vida pessoal. Não podemos mais nos limitar a aprender para trabalhar depois, e então
nos aposentarmos. Quebrou-se a seqüência da trajetória profissional dos educadores. O que um educador aprende hoje, recebe hoje, na sua formação inicial é uma pequena parte do que vai precisar durante toda sua vida
profissional. Uma conseqüência disso é que, assim como a escola no seu momento deslocou o papel da família,
a cidade, num sentido amplo, como concentração humana de grande densidade, com uma divisão de trabalho
desenvolvida que está constantemente gerando essa inovação, também substitui, em parte, a escola. E, assim
como a família precisou aprender, em determinado momento, a cooperar com a escola, esta deve aprender, agora, a cooperar com a comunidade.
A segunda grande mudança é que nós entramos numa sociedade da informação. Nós passamos por
aquilo que poderíamos denominar “A Terceira Revolução Industrial”. Não quero discutir se nós deveríamos considerar a terceira, a quarta, a oitava. O que gostaria de salientar para vocês é que a economia e a sociedade, em
termos de produção e distribuição dos bens e serviços, conheceram três grandes revoluções. A primeira tornou
possível o emprego de meios de produção em grande escala. É o que, normalmente, chamamos de “Revolução
Industrial” propriamente dita. Aconteceu, sobretudo, no século XIX, no final do século XVIII, com o epicentro
na Europa, gerou uma nova forma de poder, a propriedade, e dividiu a sociedade em termos de posse, ou nãoposse dessa forma de poder. Uma Revolução Industrial que consistiu em permitir o emprego numa escala muito
maior nos meios de produção, dividiu a sociedade entre os que tinham e os que não tinham esses meios de
produção, ou seja, proprietários e não proprietários, burgueses e proletários capitalistas e trabalhadores, como
vocês quiserem denominar.
No segundo terço do século XX, houve uma segunda grande revolução, não na escala do emprego, dos
meios de produção, mas na escala da organização do trabalho. Foi, o que nós poderíamos considerar, um processo de burocratização universal, um processo de revolução organizacional, um processo de multiplicação, crescimento espetacular das organizações, e com elas, também, um crescimento das suas hierarquias internas, criando
uma nova divisão social diferente da de proprietários e não proprietários. Criou a diferença entre os que dirigem
essas organizações e os que são dirigidos, ou os que ocupam um lugar subordinado nessas organizações.
Hoje nós vivemos uma terceira revolução. Hoje o que muda total e radicalmente é a escala em que empregamos, a intensidade e a amplitude com que aplicamos o conhecimento na produção. Podemos observar isso
manifestado na curta duração das tecnologias, que são substituídas por outras rapidamente. Também vemos isso
no valor relativo do conhecimento em comparação ao do material que é incorporado a qualquer produto. O
que determina hoje a diferença de valor na produção, na economia, é, antes de qualquer outra coisa, o conhecimento. Isso cria uma nova divisão social. Uma divisão entre os que detêm esse conhecimento e aqueles que não
detêm esse conhecimento. Uma divisão para a qual nem temos um nome. Poderíamos chamar de profissionais e
leigos, os qualificados e os não qualificados, os inforricos e os infopobres. Mas, de qualquer maneira, uma nova
divisão cada vez mais clara, cada vez forte, com uma diferença em comparação com as anteriores. Nessa divisão
a escola tem uma importância preponderante. A instituição escolar não é a única, mas é o principal instrumento
de distribuição das oportunidades de acesso a esse conhecimento. Isso quer dizer que, se a estrutura de classes,
ou a estratificação de classes, a desigualdade de classes do século anterior dependeu, essencialmente, do modo de
distribuição da propriedade, e cada um poderia ou não herdar da sua família terras, lojas, dinheiro, no futuro,
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
hoje, e no futuro ainda mais, as pessoas vão depender ainda mais da possibilidade, da oportunidade de conseguir
ou não uma boa educação.
A terceira grande mudança é que nós vivemos numa sociedade global. Vivemos numa sociedade em que
derrubamos, não totalmente, parcialmente as fronteiras nacionais e entenderemos melhor o que isso significa
para a escola, se compararmos, também, essa sociedade com as anteriores. E nós poderíamos pensar em três
grandes estágios. O estágio das sociedades mais tradicionais, pré-modernas, em que as pessoas viviam, basicamente, na sua comunidade local. O estágio, ou a fase, das sociedades nacionais, os Estados-Nação, algo do qual
estamos saindo. E o estágio de uma sociedade global. Uma sociedade tradicional, local, é, basicamente, uma
sociedade marcada pela homogeneidade. As pessoas que formam parte de uma comunidade são basicamente
iguais. Em uma tribo primitiva, as diferenças entre o homem e a mulher esgotam, praticamente, as diferenças
sociais. Não há outras diferenças. E culturalmente essas sociedades também são homogêneas internamente. As
sociedades nacionais, as sociedades dos Estados-Nação, foram sociedades, e continuam sendo, mais heterogêneas economicamente devido ao desenvolvimento da divisão do trabalho, divisão em classes, etc., mas, ao mesmo
tempo são sociedades homogêneas em termos culturais. Só têm uma cultura. Diferentes camadas da população
podem ter mais ou menos acesso, podem ser refletidas ou não, mas só há uma cultura para a qual as instituições
trabalham. E o papel das escolas, nesse tipo de sociedade, é homogeneizar, integrar a todos nessa cultura. Uma
sociedade global implica duas coisas. Primeiro, uma heterogeneidade muito maior em termos econômicos, por
que, o Estado é cada vez menos capaz de combater as diferenças e igualdades introduzidas pelo mercado global.
Não quero dizer incapaz, mas menos capaz. E, em segundo lugar, são sociedades mais heterogêneas do ponto
de vista cultural, porque os fluxos migratórios, as influências trans-nacionais geram esse desenvolvimento, permitem a chegada de grupos com diferentes tradições culturais, e levam ao reconhecimento dessa diversidade
cultural, como uma fonte de riqueza. E assim, o papel da escola muda radicalmente. A escola que havia sido um
instrumento de unificação e homogeneização cultural, hoje tem que aprender a viver e a conviver com essa diversidade. E se depara com a difícil tarefa de delimitar o que é comum e o que é diferente. Qual deve ser o acervo
comum a todos e qual deve ser o acervo diverso de cada grupo, de cada setor, de cada comunidade, que deve ser
respeitado. Isto para a sociedade e para a escola envolve riscos e oportunidades. Não sou um apocalíptico da sociedade da informação, e também não sou inimigo da globalização. A mudança social não me assusta, mas acho
que esses processos oferecem riscos e oportunidades, e nós temos que detectar ambos para apoiar (aproveitar) as
oportunidades, e nos prevenirmos contra os riscos. É verdade que a entrada em uma sociedade do conhecimento
nos torna uma sociedade capaz de entender e de controlar, não dominar arbitrariamente, mas de saber como
nos ajustarmos ao nosso meio ambiente natural e ao meio ambiente social. Nós só podemos ganhar conhecendo
o nosso meio melhor. Só que, ao mesmo tempo, temos que nos perguntar em termos sociais, sobretudo, em
termos de desigualdade social, onde essa maior importância da educação nos leva?
Na verdade, a sociedade, ou parte da sociedade, sobretudo, a profissão de professores, alimentou durante
séculos uma utopia meritocrática consistente em acreditar que, quando a posição das pessoas dependesse só da
educação, a sociedade seria mais justa. Esse é o argumento central da “República” de Platão. Esse é o centro, o
núcleo, de, praticamente, qualquer teoria meritocrática da sociedade. Entretanto, um século e meio atrás, vou
mencionar uma pessoa descrente, Karl Marx, que, comentando a obra de Platão disse: “A República de Platão
não passa de uma idealização de um ser, uma idealização de sistema de castas egípcio ”. Nós temos que nos
perguntar, se realmente é mais fácil distribuir e redistribuir, o conhecimento e as capacidades, que distribuir e
redistribuir, por exemplo, o dinheiro, o emprego, ou as terras? Acho que quem acreditar que uma sociedade,
cuja estratificação, cuja distribuição das posições, dos empregos, está baseada no conhecimento, aqueles que
acreditam que esse tipo de sociedade será a mais justa, está equivocado. Essa é uma idéia dos professores. Uma
idéia daqueles que passamos pelo sistema escolar, que transitamos muito bem por esse sistema, e gostamos tanto
do sistema que ficamos com ele. Tornamos isso a nossa profissão. Só que é duvidoso que seja uma idéia válida
para todos. Na verdade, diria que numa sociedade de aprendizagem, como nós chamamos hoje, numa sociedade em que temos que aprender, constantemente, já não estamos mais diante de uma fase de preparação, que
torna melhores alguns e piores outros, e depois vamos trabalhar. E aqueles que se derem mal terão uma segunda
oportunidade. Não. Estamos numa jornada que não termina nunca. É possível que estejamos num processo que
chamamos de “Efeito Mateus”. É aquela frase do Evangelho que diz: “Ao que tem será dado, e ao que não tem,
o pouco que tem lhe será tirado”. Para expressar isso em termos educacionais: quem recebe, inicialmente, uma
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boa educação, provavelmente, vai conseguir um bom emprego, que vai ser promovido nesse emprego, que vai
aprender mais, que vai ter uma oportunidade de acessar uma educação contínua, que vai ter mais informação
ocupacional, profissional, etc., que seja capaz de voltar ao sistema educacional depois, se for necessário, para
aprender outras coisas. E essa pessoa terá um alto nível de autoconfiança que lhe permitirá aprender de maneira
autodidata tudo que quiser. Por outro lado, quem recebe uma má educação inicial não vai ter um emprego, ou
vai ter um emprego pior, vai ter acesso a empregos que são becos sem saída, becos nos quais ninguém aprende
nada, simplesmente, esquece o que se aprendeu, ou uma pessoa que fica desempregada, e que não terá oportunidade de acessar uma educação continuada, uma pessoa sem autoconfiança. Portanto, nem acredita na sua
própria capacidade de autodidata, não acredita na possibilidade de voltar ao sistema educacional. Com isso,
quero dizer que nós não podemos alimentar falsas ilusões dizendo que a importância do conhecimento vai nos
trazer uma sociedade com mais igualdade de oportunidades. Pelo contrário. Essa nova situação exige estarmos
muito mais atentos frente às desigualdades educacionais, e frente às maneiras de abordarmos essas diferenças.
Em segundo lugar, diria que uma sociedade global, uma economia global, oferece maravilhas. Acho que todos
nós as temos e desfrutamos delas em nossas casas, nos restaurantes, nas casas de espetáculos. Mas, essa sociedade
também oferece riscos. Muitos riscos. Esta experiência francesa recente, devido aos distúrbios juvenis, acho que
é uma experiência que denota exatamente isso; esses distúrbios começaram na área de Saint-Denis, que é um
Município colado a Paris. Saint-Denis é, ao mesmo tempo, um foco de autodesenvolvimento tecnológico, e um
palco de miséria. As duas coisas ao mesmo tempo. Porque, qualquer que seja a comunidade que nós adotemos
como referência, pouco importa o bairro, o município, ou o país; globalizar significa romper as redes internas e
fortalecer as redes externas. Ou seja, fortalecer as redes entre comunidades, aqueles que ultrapassam as fronteiras
da comunidade, e, por outro lado, nós debilitamos, enfraquecemos, as redes internas da comunidade. O processo não é novo. Não precisamos nos assustar com isso. Estamos hoje num processo de crise dessas fronteiras
nacionais. Globalização econômica acelerada que não é acompanhada por uma globalização política correspondente. Agora, isso não é um fenômeno novo. É o mesmo processo a partir do qual surgiram os Estados-Nação.
O que acontece com os Estados hoje, também, aconteceu com as comunidades locais. As pessoas que viviam
em comunidades, mais ou menos protetoras para todos, de repente se depararam com a divisão dessas comunidades, devido ao desenvolvimento dos mercados. Muito além dos ambientes comunitários, os mercados que
se desenvolveram no âmbito do que logo seriam as nações. O que surgiu foi uma coisa que não foi uma velha
comunidade em grande escala, foi algo totalmente diferente. Os Estados-Nação não são uma reprodução das
paróquias, dos povoados ou das pequenas comunidades locais e o que surgirá para substituí-los não será um
Estado-Nação mundial. Acho que nem é isso que queremos. Mas acho que algo terá que surgir. E nós temos
que nos esforçar para que isso surja, que faça com que a política acompanhe o desenvolvimento da economia.
E aí, mais uma vez, a escola tem um papel fundamental. A mesma escola que cria uma consciência, uma identidade, uma identificação nacional, deve trabalhar hoje para criar uma consciência e uma comunidade globais.
Na sociedade transformacional, uma sociedade em mudanças rápidas, intensas, em mudanças, inclusive,
imprevisíveis, é algo fantástico. Acho que há quatro, cinco, seis, sete séculos uma pessoa que chegava aos 60, 70,
80 anos de idade podia pensar: “já vi de tudo, já posso ir embora, estou cansado, chegou a minha hora”. Hoje,
eu posso dizer que estou cansado, mas não posso dizer que já vi tudo, e o pior ainda é tudo que nós deixaremos
de ver quando já não estivermos aqui. Essa é a conseqüência de uma sociedade de mudança, uma sociedade
onde questionamos tudo, discutimos tudo, onde nós temos que mudar. Agora tudo tem o seu preço. O preço
é, basicamente, o preço em termos de insegurança. Ou seja, tudo que era sólido se desvanece no ar, como dizia
Marx. As posições pessoais, os projetos pessoais, as biografias, que antes poderiam ser vistas em termos de estabilidade, previsibilidade, etc., hoje já não podem mais ser assim. Nós sabemos que o que nos espera à frente é algo
incerto, inseguro, embora bastante promissor, sob certos aspectos, em termos de oportunidades, mas, também,
pleno de riscos. E é função da escola formar as pessoas para transitar, para passar por esse período de incerteza,
sem se enfraquecer.
Essas grandes mudanças têm conseqüências que gostaria de salientar, conseqüência sobre a política, e
a ação educacional. Vou fazer um apanhado geral, mas não gostaria de deixar de mencionar alguns pontos. A
primeira é uma mudança do sentimento da política educacional. Não estou falando aqui do conteúdo da política educacional, não estou falando aqui se a política educacional, ou se as políticas educacionais devem ir nesse
ou naquele sentido, estou falando de qual é o lugar dessa política educacional. E nós entenderemos melhor
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
pensando em termos históricos. Quando não havia educação, não havia políticas educacionais. Vocês podem
procurar, por exemplo, textos gregos, e podem encontrar textos do século V, a.C., que falam da Educação. Mas
nenhum desses textos fala de projetos educacionais, só falam das crises da Educação. Os textos de Sólon, de
Platão, que nós conhecemos, são textos de uma sociedade que não precisava pensar sobre a sua educação, porque
era uma sociedade estável, e eles acreditavam que o que eles tinham era válido. E eles só questionam a educação
nos momentos de crise, nos momentos das grandes derrocadas militares, dos grandes conflitos das Repúblicas,
etc, não em termos de política educativas, embora houvesse um pensamento educacional. A modernidade, a
modernização foi exatamente o oposto. Desde o século XVI, um pouco mais forte no XVII, no XVIII, sobretudo, nos séculos XIX e XX, todos fizeram política educacional. Faz 20 anos, 30 anos, todo mundo tinha um
plano para Educação, a esquerda, a direita, os movimentos de renovação pedagógica, os movimentos dos jovens,
todos tinham uma política. Isso correspondia a um modelo de sociedade, à própria idéia da modernidade, que
nós pudéssemos conduzir a sociedade para um sentido, para a riqueza, para o liberalismo, para o socialismo,
para o comunismo, ao fascismo, ao que seja. E em função disso existe um projeto. Por isso não existe, praticamente, governos que não tenham tido um plano educacional. E quanto mais quis transformar a sociedade, mais
precisava de um plano de educação, ou um projeto educacional, uma política educacional que pudesse indicar
como deveria ser a Educação em todos os recantos. Essa é uma versão tecnocrática, própria de uma sociedade
que acredita conhecer a si própria e que acredita saber como deve fazer as coisas. Em função disso, pode fazer
planos e projetos de todos os tipos para o futuro.
Acredito que hoje sabemos que nos encontramos em outra situação. Nos encontramos em uma situação,
em que, em primeiro lugar, o futuro é imprevisível. Não totalmente, mas, há tantos buracos de previsibilidade, e
os públicos das escolas são tão diversos entre si, e mudam tanto em pequenos períodos de tempo, que nenhuma
autoridade, nem Ministério, nem Secretaria Estadual, nem Municipal, nenhum grupo de especialistas de uma
universidade, nenhum sindicato, nenhum projeto pedagógico, ninguém consegue dizer qual é a boa educação
para todos os lugares, porque é impossível saber disso, porque é preciso administrar uma informação, e um
conjunto de variáveis que se encontram naquele lugar específico. E isso implica que as próprias organizações, os
próprios centros educacionais, e os próprios profissionais são aqueles que devem tomar as decisões sobre aquele
local. Claro que seguindo as orientações, coordenadas gerais, daquilo que a sociedade quer, ou daquilo que foi
instituído democraticamente. Mas o papel da política hoje, portanto, não é dar receita somente para todos, e
dizer como deve ser realizada a educação. Devemos seguir Freinet, Freyre, Pestalozzi? Uma coisa não se aplica
a todos os lugares. Não vamos ensinar o mesmo em todos os lugares. Devemos, sim, restabelecer as condições
para que os centros e os profissionais sejam capazes de tomar essas decisões e tenham que fazer isso. Duas coisas:
tenham que tomar as decisões e possam tomar as decisões, e tenham os conhecimentos, a capacidade e os meios
para tomar as decisões, e, ao mesmo tempo, que possam e saibam responder, prestar conta daquilo que fizeram
ou deixaram de fazer perante a sociedade: os alunos, suas famílias, as comunidades nas quais trabalham, as sociedades democráticas, o Estado para o qual trabalham.
Isso implica uma nova relação com o ambiente, ou uma relação específica com o ambiente, com a comunidade onde se realiza o trabalho, algo que deve ser levado em consideração sempre. Antes, como dissemos,
devido à rapidez das mudanças, muitas das novidades que se incorporavam à escola não conseguiam passar por
aquele ciclo, de que o professor aprendesse aquilo em inúmeros anos de prática. Não. Aquilo entrava diretamente para a escola, pelo fato de ser uma sociedade da informação, e o processo de globalização, a escola vê-se
obrigada a cooperar com a cidade. Contanto, essa visão do meio ambiente que tem o educador, nem sempre
facilita essa colaboração. Eu diria que há três grandes tipos de visão do meio ambiente. Aquele, segundo o qual o
meio ambiente é o inimigo ou o meio hostil, ou seja, quando sairmos da escola e falarmos com os pais, ouviremos críticas, seremos questionados por que isso foi feito dessa forma. Ou o contrário, será o lugar de onde vem a
violência, onde estão os meios de comunicação que impedem que as crianças estudem, etc. E não se chega muito
longe com essa visão. Há uma segunda visão, que poderíamos chamar de assistencialista, ou carencial. Vemos o
ambiente como um meio carente, há crianças pobres, famílias desestruturadas, vários problemas, e nós, a partir
da escola devemos resolvê-los. Cuidado. Nós é que devemos decidir como, nunca, jamais, perguntaremos a eles.
Ou, sim, perguntamos, mas não damos ouvidos realmente. Há dois séculos e meio existia um nome, era o que
falavam os iluministas: “tudo para o povo, mas sem o povo”. O despotismo ilustrado. Isso restrito ao âmbito
da escola poderia chamar-se de iluminismo despótico. Creio que melhorou sim, a educação, mas não muito; é
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melhor à medida que procura localizar essas carências e trata de ajudar, mas isso reforça o papel do profissional
apenas, ainda não chegamos à visão adequada. Para mim, a visão adequada é aquela que vê o ambiente, não só
como ambiente de risco, mas, também, de oportunidade. Aquela que realmente tem consciência que a família
dos alunos tem conhecimentos, tem capacidades, tem profissões, etc., é a que tem consciência que no bairro
existem empresas, associações de interesses diversos, entidades governamentais que se dedicam a isso ou àquilo,
a pessoas, a instituições públicas, a toda uma gama de entidades, grupos, pessoas, etc., com quem podemos e
devemos colaborar. Portanto, apresenta-se a educação não como algo restrito à escola. E, portanto, o centro
educacional é proposto não como um recinto isolado, o qual deveria estar protegido do mundo externo, mas,
ao contrário, a educação é proposta como uma iniciativa em rede. Poderíamos dizer hoje que a escola não é
o centro. E falamos que a escola não está no centro, a escola é a rede. A escola de cada criança, cada grupo de
criança, não é o centro onde as crianças passam 5, 6 horas por dia, 5 dias por semana, 30 semanas ao ano. Sim,
é isso também. Mas são também as instalações municipais, a igreja que as pessoas freqüentam, a empresa que
patrocina o time de futebol, a associação de mulheres contra a violência doméstica, ou a energia solidária do
bairro, o grupo ou associação juvenil. Tudo isso é a escola. Esse conjunto que forma a escola. E a conseqüência
deve ser aquilo que seu nome diz: um centro. O centro dessa rede é escola. A diferença entre o centro de ensino e
a empresa, a iniciativa, a igreja, a associação de mulheres e qualquer outro grupo, não é quem ensina mais. Pode
ensinar mais. Pode ensinar menos. Pode ensinar, talvez mais algumas coisas, menos outras. A diferença está nos
profissionais da educação, aqueles que deveriam procurar articular essa escola-rede conjunta.
Isso também implica em um certo tipo de projeto educacional. Cada vez mais, no mundo todo, chega-se
à conclusão, e eu aqui também, que os centros precisam ter um projeto específico, adaptado às características do
ambiente onde atuam. Não humilhado perante as características do ambiente, mas partindo daquelas características e conjugando-as com as suas bases, as suas diretrizes. Sempre deve ser um projeto com objetivos comuns, e
deve ser algo compartilhado com as famílias, e algo que também deve ter a participação dos alunos. Há muitas
formas de fazer o projeto.
No meu país, a Espanha, neste momento é o país dos projetos. Vários tipos de projetos. Há aqueles que
são puramente retóricos. E fazem o que? Resumem um pouco da literatura oficial, dizem que, então, as crianças
serão cada vez mais altas, mais bonitas, mais felizes, e tudo bem. Ou podemos usar linguagem mais completa
dizendo que somos construtivistas, queremos fomentar atitudes, valores, etc, mas, ainda assim, é algo retórico,
teórico. O segundo tipo de projeto é aquele puramente assistencialista porque, além de tudo, temos crianças
muito pobres. Temos um grupo de ciganos na Espanha, ou de crianças da favela no Brasil, precisamos, então,
de mais dinheiro, mais professores, mais apoio. Então, geralmente, essas reclamações são acompanhadas de
solicitações por mais fundos. Os bons projetos são outros. São aqueles que procuram fazer um inventário dos
meios e recursos potenciais e acessíveis, além daquele mero inventário da escola, os bons projetos são aqueles
que tentam e conseguem envolver a comunidade, ou parte dela. Concentram-se na colaboração entre a escola e
a comunidade que a rodeia. São os projetos de trabalho em rede.
E para concluir, gostaria de destacar, frisar, que o que temos diante de nós é o papel protagonista. É
o papel essencial da instituição escolar na formação da cidadania. É comum falarmos e, às vezes há protestos,
reclamações dos professores do por que reivindicar essa responsabilidade da escola. Por que pedimos tudo para
a escola? Por que exigimos coisas que, na verdade, caberiam à sociedade e à família? Muitas dessas tarefas são
compartilhadas, mas em todas essas tarefas compartilhadas o papel da escola não é simplesmente de um participante a mais, e sim de uma instituição com características especificas, únicas nesse aspecto, que fazem com
que ela seja insubstituível. Por exemplo, poderíamos dizer que as famílias, ou a sociedade devem educar para
a tolerância e o respeito às diferenças culturais, a aceitação do outro, etc. Mas, não devemos nos esquecer que
nenhuma família pode refletir a diversidade e a heterogeneidade da sociedade. E não teria porque fazê-lo. Não
é obrigação sua. Algumas, sim, o fazem. Ótimo. Outras não. O lugar onde pode existir o microcosmo, o lugar
que poderia ser o microcosmo da comunidade, da cidade em que vive, é a escola. Não outro. E, por isso, não é
a família que é insubstituível pela escola. Quem é insubstituível é a escola. Numa sociedade homogênea, onde
todos sejamos iguais, nossos gostos, crenças, interesses culturais, não precisaríamos de uma escola, a sociedade
poderia transmitir sua cultura exclusivamente através da família. Uma sociedade heterogênea, diversa, multicultural, precisa, mais que outra, da instituição escolar para ensinar e aprender a convivência. A escola não pode
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
ser também substituída pela comunidade. É verdade que devemos aprender a conviver com as pessoas de outros
credos, raças, procedências, que falam outros idiomas, tem outro estilo de vida, na rua, no trabalho, etc. Mas,
nenhum desses lugares de encontro é um lugar de encontros organizados e reflexivos. Por exemplo, os jovens
que se revoltaram na França provêm de diferentes grupos étnicos, tem essa multiculturalidade, se encontram
todos os dias nas ruas, e eles estão se revoltando contra aquilo que encontram nas ruas, no trabalho, no contato
com algumas instituições públicas. O único lugar onde essa convivência pode ser organizada de forma reflexiva,
de forma que não desemboque em um conflito, mas para que resulte em aprendizagem é, e somente pode ser, a
escola. As escolas tornam-se, cada vez mais, instrumentos de criação da comunidade. Em sociologia, dizia-se que
o professor era um “estranho sociológico”. Com a expressão, “um estranho sociológico”, procurava-se designar
o processo típico, através do qual chegava a um pequeno povoado, a uma pequena aldeia em qualquer lugar,
onde as pessoas haviam vivido por gerações juntas, em que todas se conheciam e conheciam seus antecessores,
sabiam tudo que eles haviam feito, uma nova instituição, num dado momento, e um professor, mais freqüentemente uma professora, que vinha de outro lugar, de outra cultura, de outro estilo de vida, era chamado de “um
estranho sociológico”. Na verdade, a escola seria uma derivação da comunidade. À medida que a comunidade se
fortalecesse, se o convívio da comunidade fosse forte, a escola também seria. Ou será que a escola deveria romper
os laços com a comunidade para que os alunos não se identificassem tanto com a cultura geral que viesse de fora?
Hoje é totalmente o contrário. O processo típico de hoje não é o da chegada de uma professora, ou professor, a
uma cidade onde todos se conhecem, menos o professor. Hoje o processo típico é que qualquer casal jovem que
vá morar em qualquer lugar, os primeiros amigos que fazem são os pais dos amigos dos seus filhos, a primeira
associação que freqüentam é a associação dos pais de alunos, e assim sucessivamente. Hoje a escola é um foco
gerador de comunidade, não o contrário. De forma que, escolas integradas com seu bairro, com sua comunidade, poderão gerar, ou ajudar a gerar, comunidades em coesão. Mas as escolas concebidas como recintos, como
fortalezas fechadas para a comunidade somente conseguirão não gerar nada, não contribuir de nenhuma forma
para consolidação da comunidade.
E finalmente, hoje, a escola é o grande distribuidor do capital humano, conseqüentemente, o nível de
igualdade básica da sociedade, de oportunidades para todos provirá disso. Ou, ao contrário, quanto mais avancemos para a chamada sociedade dos dois terços, ou seja, dois terços vivem mais ou menos, mas um terço está
totalmente excluído, isso dependerá da forma como será distribuído esse capital humano. O mínimo que uma
pessoa precisa, hoje, para viver em sociedade não é, simplesmente, a sua força de trabalho. Temos um longo
caminho a percorrer. A escola deixou de ser, simplesmente, uma instituição a mais. É a grande porta de entrada
para a sociedade. Acontece que é uma porta que pode abrir-se para muitos e fechar-se para outros, isso dependerá principalmente de nós, profissionais da educação. Isso é tudo. Muito obrigado.
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Peça: Dona Escola
Direção: Paulo Bottós e Cristiane Coelho
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Evolução da Educação Básica no Brasil
Paulo Renato Souza
Foi Ministro de Educação no governo de 1995 a 2002, é economista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Estado de origem, tem
Mestrado pela Universidade do Chile, Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas. É professor titular do Instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas, ministrou cursos na Universidade Federal do Rio, Universidade do Chile, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Chile.
Foi, na década de 80, reitor da Universidade de São Paulo e Secretário Estadual de Educação do governo Montoro. Foi responsável, no governo Montoro,
pela implantação do Ciclo Básico no Estado de São Paulo, pela reformulação do Estatuto do Magistério, uma das coisas que marcou a administração. Foi,
na década de 70, especialista das Nações Unidas em questões de empregos e de salário, diretor-adjunto do programa para empregos na América Latina
e Caribe, e foi vice-diretor do BID - Banco Internacional de Desenvolvimento. Foi o criador e o implementador do FUNDEF - Fundo de Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, do programa “Dinheiro Direto na Escola” e do grande sistema de avaliação institucional posto em
prática pelo MEC.
Boa tarde. É uma satisfação muito grande estar com vocês, hoje, aqui neste Congresso da Educação
Municipal de São Paulo. Quero saudar a Maria Auxiliadora, que trabalhou comigo na Secretaria de Educação de
São Paulo, trabalhou comigo no Ministério da Educação e está agora trabalhando com a professora Iara Prado
na Secretaria Municipal.
Eu preparei uma apresentação que procura resumir um pouco a evolução da educação no nosso país, em
um contexto em que a educação no mundo ganha uma nova dimensão, a educação no mundo assume um novo
papel e enfrenta novas exigências de parte da sociedade.
Então, a primeira constatação que nós temos a fazer, quando falamos de Educação, é que estamos vivendo uma nova era. Nos últimos 25 anos, o mundo mudou radicalmente. Se no passado nós podíamos pensar
que a educação era algo que se desenvolvia, ou que nós professores trabalhávamos com as pessoas durante uma
etapa das suas vidas, hoje isto mudou radicalmente. A sociedade hoje exige que as pessoas todas aprendam permanentemente, aprendam ao longo das suas vidas. Isto não apenas para aqueles que fizeram o curso do ensino
básico na idade certa, entraram na faculdade na idade certa, e depois vão fazer o mestrado, o doutorado, o pósdoutorado etc., para as pessoas educadas. A educação deve ser permanente e ao longo da vida, para todas as
pessoas, independente da sua escolaridade prévia. Isto é algo absolutamente novo no mundo e exige do sistema
educacional mudanças porque o sistema educacional, como nós o conhecemos hoje, foi pensado para trabalhar
com as pessoas durante uma etapa das suas vidas, até os 25, 30 anos de idade. E, neste novo mundo, essas novas
exigências, impõem mudanças e impõem a redefinição do papel da educação nas suas várias etapas.
Na minha visão, nós podemos separar e distinguir dois segmentos do sistema educacional que passam a ter
papéis muito específicos neste mundo de educação permanente. De um lado, a missão do ensino básico hoje é
muito clara, é a de desenvolver nas pessoas a capacidade de aprender, desenvolver nas crianças e jovens a capacidade de aprender. É apenas isso.
Há uma consciência no mundo de hoje de que o papel da educação básica é o de desenvolver as habilidades e competências básicas de aprender. Mas vejam, os países mais avançados do mundo reunidos na OCDE
– que não é uma organização de educação, é uma organização de cooperação econômica – organizaram o PISA,
um sistema de avaliação comparativa entre alguns dos principais países do mundo. O que é o PISA? Na essência,
o PISA procura avaliar jovens de 15 anos de idade. O PISA 2000, o primeiro que foi realizado, avaliou essencialmente a capacidade de leitura, a habilidade de ler e compreender textos, exclusivamente. O PISA 2003 focalizou
o raciocínio matemático. Isso é muito importante porque isso sinaliza para nós aquilo que, hoje, nos países mais
avançados do mundo se está esperando que o sistema escolar faça e que desenvolva até os 15 anos de idade nas
pessoas, que todas as pessoas tenham essas habilidades. E o PISA e os seus resultados têm provocado um debate
muito intenso no mundo inteiro, especialmente nos países desenvolvidos, porque há uma consciência, não no
mundo da educação apenas, mas na sociedade em geral, de que a educação precisa desenvolver as habilidades
básicas de aprender.
Se vocês olharem o que nós fizemos ao longo dos oito anos que estivemos no Ministério da Educação na
área da educação básica teve, basicamente, este objetivo. Se vocês olharem os parâmetros curriculares nacionais,
para todos os níveis de ensino que foram desenhados a reforma do ensino médio que nós formulamos; o siste25
ma de avaliação que nós montamos, com o SAEB e o ENEM; todos eles apontam nessa direção e apenas nessa
direção. Tudo foi organizado em torno desta idéia de que a educação básica precisa desenvolver nas pessoas a
capacidade de aprender.
Uma outra dimensão deste requisito é a necessidade de nós universalizarmos o acesso à educação básica,
a toda educação básica, ou seja, todas as pessoas precisam passar pela educação básica e desenvolver as suas habilidades de aprender. Então, o mundo de hoje exige a universalização, não apenas do ensino fundamental, mas
do conjunto do ensino básico. No caso de um país como o nosso, nós precisamos dar importância à educação de
jovens e adultos para complementar, para poder fazer com que aquelas pessoas que não tiveram a oportunidade
de concluir seu ensino básico na hora correta o façam e possam, continuar os seus estudos. Então esse é um ponto essencial, ou seja, a população toda precisa ter oportunidade de educação permanente. E quem vai oferecer
essas oportunidades de educação permanente é a outra parte do sistema educacional, o Sistema de Educação
Pós-Média.
Antes de falar do ensino superior, eu prefiro falar da educação pós-média para que se entenda que este
é um sistema heterogêneo, um sistema diversificado porque todas as pessoas têm que ter a oportunidade de
aprender permanentemente. As universidades tradicionais são importantes, são a espinha dorsal desse sistema
pós-médio, mas não são a única parte do sistema.
A universidade tradicional não pode oferecer toda a diversidade de cursos e oportunidades que são requeridos hoje pela sociedade do conhecimento. Aquela pessoa que não terminou seu ensino médio precisa ter a
oportunidade de ter acesso ao ensino supletivo e concluir, pela via da suplência, o seu ensino básico, e precisa ter
a oportunidade de um curso profissionalizante, que certamente não será numa universidade que exige tempo integral. É preciso que ofereçamos cursos de curta duração para essa população, para que a pessoa continue a viver,
para que continue a estar inserida na sociedade, para que mantenha seu empregp, para que não se marginalize
na sociedade. Então, é preciso que o sistema de educação pós-média responda a essa necessidade de oferecer as
oportunidades de aprender permanentemente, ou seja, ampliar as oportunidades através do ensino técnico, da
educação tecnológica, do ensino superior, da pós-graduação lacto sensu, da pós-graduação stricto sensu e algo
que é muito importante também, da educação corporativa.
Hoje, todas as grandes empresas têm as suas “universidades corporativas”. O que é isso? É uma universidade no sentido tradicional? Não é. São os antigos departamentos de Recursos Humanos das empresas de treinamento que agora cresceram e se sofisticaram, e têm que oferecer educação permanente aos seus empregados,
senão eles estão fora também. A empresa perde competitividade. Então, essa é uma parte do ensino pós-médio,
a educação corporativa. Precisamos ter a diversificação com carreiras curtas, carreiras longas, o uso de novas
tecnologias aplicadas à educação e uma coisa muito importante, a flexibilização do sistema educacional para
permitir freqüentes idas e vindas entre o mundo do trabalho e o mundo da educação, permanentemente. Não
vou entrar em detalhes sobre o que nós fizemos no ensino pós-médio, porque não é o objeto, nem a evolução
que tivemos recentemente, esse não é o objeto da nossa palestra, apenas gostaria de deixar esta orientação para
que se entenda o conjunto das políticas que procuramos implementar no Ministério da Educação.
Vamos ver um pouco os números. Vamos falar, agora, mais especificamente de educação básica e vamos
dar uma olhada, em primeiro lugar, nos números da educação no nosso país. O primeiro gráfico é um gráfico
muito impressionante e muito triste, que é gráfico da taxa de analfabetismo ao longo do século XX. Na primeira
coluna temos 1900 e a última coluna do gráfico é o ano de 2002. Vocês vejam que em 1900 nós tínhamos 60%
da população com mais de 15 anos analfabeta. Todos nós temos uma certa nostalgia da escola pública dos anos
50 e 60, como o Caetano de Campos e outras existentes no município. Entretanto, em 1960 nós tínhamos 40%
de analfabetos na população brasileira. Tínhamos 40% de crianças fora da escola em 1960, crianças de 7 a 14
anos, ou seja, o sistema educacional brasileiro, ao contrário de outros países, nunca buscou ou nunca conseguiu
universalizar o acesso à educação básica, e por isso as taxas de analfabetismo vergonhosas que nós tivemos durante quase todo o século XX.
26
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Esse é um outro dado muito interessante: se nós tomarmos a taxa de 2002, vemos que ela se decompõe,
em termos de grupos de idade e regiões, de uma maneira bastante peculiar. A taxa de 2002 de analfabetismo é
de 12%. Na população de 50 anos ou mais, a taxa de analfabetismo em 2002 era de 26%. Para uma média nacional de 12%, era de 26% na população de 50 anos ou mais. Um de cada quatro brasileiros de 50 anos ou mais
é analfabeto. Entre os jovens, já estamos com taxas bem mais aceitáveis: na população de 15 a 19 anos, estamos
com 2,9%, que são taxas que já se aproximam de países um pouco mais avançados que o nosso. Ou seja, a nossa
população hoje é uma população que será, certamente, muito mais educada que a população daqui para frente.
Em termos de regiões: no Nordeste, nós tínhamos em 2002, 25% de taxa de analfabetismo, ou seja, 1 de
cada 4 nordestinos, sem importar a idade, é analfabeto. Essas proporções diminuem bastante nas outras regiões:
nós temos no Sul, 6,7%; no Sudeste, 7,2%; no Centro-Oeste, 9% e no Norte 9,8%. Ou seja, o analfabetismo é
uma questão concentrada, em termos de idade e em termos regionais no nosso país.
Quais foram as grandes tendências desencadeadas nos anos 90? Eu acho que o papel central dos anos 90
cabe ao FUNDEF - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. E nós
vamos ver por que ele teve impactos, tanto no acesso quanto na qualidade. O FUNDEF provocou uma brutal
expansão de acesso ao ensino fundamental. O FUNDEF trouxe as crianças para as escolas, especialmente as de
nível de renda mais baixo. Por outro lado, até 98, nós tivemos uma clara melhoria nas taxas de transição, que
levou muitos jovens ao ensino médio. Então, expandiu-se o ensino médio. Houve um significativo processo,
portanto, de incorporação de novos segmentos da população, seja ao ensino fundamental, seja ao ensino médio.
Ou seja, pessoas que pertencem a famílias que não tinham acesso ao ensino fundamental, passaram a ingressar
no ensino fundamental, e pessoas que pertencem a famílias que não tinham acesso ao ensino médio, passaram a
ingressar no ensino médio. Então, nós tivemos essa ampliação no acesso, tanto no ensino fundamental quanto
no ensino Médio. Esses processos tiveram importantes conseqüências, vamos ver, tanto no fluxo escolar quanto
nos resultados dos processos de avaliação.
O gráfico do qual mais orgulha nós todos da equipe do Ministério da Educação nesse período, mostra
como nós conseguimos universalizar o acesso ao ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos. Este gráfico mostra a freqüência à escola das crianças de 7 a 14 anos, independente do nível educacional, a freqüência à
escola, entre 1992 e 2003. Na primeira linha vertical, a linha vermelha significa os 20% mais pobres da população. Em 1992, 1 de cada 4 crianças de 7 a 14 anos, dos 20% mais pobres da população estava fora da escola.
A taxa de escolaridade era de 75%, enquanto que entre os mais ricos já tínhamos 97%. Então, vocês vejam
como foi possível, já em 99, nós fazermos esse processo de incorporação, porque o FUNDEF foi aprovado em
96, entrou em vigor de fato em 98, mas a partir de 97 todos os prefeitos e governadores saíram atrás de alunos
para colocar nas escolas porque mais alunos significaria mais dinheiro para os cofres das prefeituras. Foi o ano
que a Maria Helena teve o trabalho, no INEP, de enfrentar o tema dos alunos-fantasmas, porque todo mundo
queria registrar mais alunos, pois sabia que em 98 o dinheiro da educação ia ser distribuído de acordo com o
número de alunos em escolas estaduais e municipais. Então, você tem mais ou menos presente o mecanismo do
FUNDEF: 15% da verba da educação iria para o ensino fundamental, esses 15% se distribuem entre estados e
municípios, de acordo com o número de alunos. E como o FUNDEF entrava em vigor em 98 e a distribuição
era feita com base na matrícula de 97, já em 97 se produziu a grande incorporação de alunos. Além disso, em
97 também nós desenvolvemos, em todo Brasil, a campanha “Toda Criança na Escola”. Aquilo estimulou mais
ainda a trazer as crianças para a escola. Então, nós tivemos esse resultado já em 99, entre os mais pobres saltamos
de 75% de escolarização para 93%, e em 2003 chegamos a 95%. Portanto, o que nós conseguimos foi eliminar
as diferenças no acesso à escola por nível de renda, ou seja, aquilo que é mais importante do ponto de vista de
combate à pobreza e à desigualdade de renda: a igualdade de oportunidades.
Este é um aspecto, é o aspecto mais importante, do que aconteceu nesses anos, a partir de 96 e 97,
quando houve a implementação do FUNDEF. Só pra destacar, aqui nós temos a educação básica regular, o crescimento da matrícula no ensino fundamental e no médio, entre 1995 e 2003 e aqui temos as conclusões do ensino médio, entre 1994 e 2003, e a educação de jovens e adultos. Ou seja, o crescimento da matricula no ensino
fundamental não foi tão grande, apesar de haver essa grande incorporação, foi de menos de 10%, porque houve
uma grande melhoria nas taxas de transição escolar, ou seja, uma maior proporção de jovens deixou o ensino
27
fundamental ingressando no médio, do que aqueles que entraram, seja aos 7 anos de idade, seja por retornar à
escola em função do FUNDEF. A matrícula não cresceu tanto, mas a conclusão do ensino fundamental cresceu
100%. No ensino médio, ao contrário, a matrícula cresceu 86% e a conclusão, 111%.
Ao observarmos os gráficos que mostram a Educação de Jovens e Adultos, verificamos que a população
se deu conta da necessidade de voltar a estudar, precisa completar o ensino fundamental e precisa ir e concluir
o ensino médio completo. Então, a matrícula, na educação de jovens e adultos, cresceu, no fundamental 57%,
no médio 327%, as conclusões, 117% e 435% respectivamente, ou seja, houve um grande processo de volta à
escola e de conclusão, pela via da suplência, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio.
É interessante verificar como, em um período tão curto de tempo, já houve um impacto muito grande na
escolaridade média da população brasileira. O que nós estamos falando é apenas o avanço da escola nesses anos.
Aqui nós temos, entre 1992 e 2003, a proporção, em toda a população, dos que não tinham instrução ou até um
ano de instrução, que caiu de 18% para 12%; de 1 a 3 anos, caiu de 22% pra 15%; de 4 a 7 anos, caiu de 34%
para 32%; e aumentou, de 8 a 10 anos, de 11% para 16%; de 11 a 14, de 11% para 20%; e 15 anos ou mais, de
3% para 5%, ou seja, já provocou um impacto importante na escolaridade média da população brasileira.
Vamos falar um pouco do fluxo escolar. Embora o Brasil tenha quase alcançado a conclusão universal da
quarta série, ainda está longe de alcançar a conclusão universal do ensino fundamental e do ensino médio. Este
é um problema que persiste. A PNAD indica que 89% dos alunos estão cumprindo a quarta série do ensino
fundamental, 65% a oitava série e 45% a terceira série do ensino médio. Essas são as taxas de transição, agora
vocês vejam como a estrutura do nosso ensino básico era, realmente, muito concentrada nos primeiros anos, em
termos de número de alunos. Já entre 1996 e 2003, no primeiro ano, caiu o número de alunos, porque mais alunos passaram para o segundo ano do que entraram no primeiro ano. A mesma coisa aconteceu no segundo ano,
no terceiro ano ficou igual, e já na quarta, quinta e oitava séries, e também no ensino médio, tivemos aumentos,
ou seja, começou a se regularizar o fluxo escolar ao longo deste período.
Este é um gráfico muito interessante que mostra a evolução das taxas de promoção no ensino fundamental. As taxas de promoção, pelo menos na quarta série e na oitava série, vinham melhorando até 99, a partir
daí estabilizam e em algum momento caem um pouco. Elas estão melhores que no começo dos anos 90, mas
houve uma certa inflexão, porque, é claro, quando nós trazemos novos contingentes da população à escola e isso
aconteceu tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, há uma tendência a piorarem as taxas de fluxo
escolar, porque nós estamos trazendo novos contingentes, portanto, crianças e jovens que vêm de famílias com
menor educação, e isso tem um impacto tanto no desempenho nas avaliações quanto no desempenho escolar.
Todos estão melhor, os que estão na escola podem estar melhor, os que entram na escola estão melhor, mas a
situação média do sistema diminui.
A mesma trajetória podemos ver, ao inverso, nos gráficos de repetência: há uma queda e depois estabilidade. Na evasão escolar ocorre o mesmo, há um aumento da evasão na oitava série, possivelmente porque
trata-se de um segmento da população que tem idade mais avançada, devido ao retorno à escola que houve,
então, possivelmente, são pessoas que saem diretamente da escola, na oitava série, para o mercado de trabalho.
Vocês vejam, as taxas de promoção caem a partir de 98, mas o número da promoção, dos que concluem o ensino
fundamental, aumenta. A mesma coisa no ensino médio, as taxas caem, mas o número, o volume da promoção
aumenta, porque aumentou muito o número de alunos.
Qual é o resultado das avaliações, especialmente o SAEB? Primeiro lugar, o resultado do SAEB é muito
ruim. O que acontece em todas as regiões brasileiras? Em geral, apenas 10% dos alunos têm as competências
e habilidades adequadas, por exemplo matemática na oitava série do ensino fundamental, em quaisquer das
regiões. O que acontece é que nas regiões mais avançadas, Sul e Sudeste, a proporção dos que estão no nível
intermediário é maior do que a proporção dos que estão no nível crítico, enquanto que no Norte, Nordeste e
Centro-Oeste a proporção dos que estão no nível crítico é maior do que a dos que estão no nível intermediário.
Entretanto, no nível satisfatório a proporção é de cerca de 10% em todas as regiões. Portanto, a avaliação mostra
uma situação muito ruim do ponto de vista da aprendizagem dos alunos. Esses números se repetem, mais ou
menos, nessas proporções no caso de português e no caso das outras séries avaliadas.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Aqui eu tenho agora a série histórica do SAEB, de língua portuguesa, entre 1995 e 2003, vocês vejam
também aquele fenômeno que já observávamos em relação ao fluxo escolar. Quando se dá o processo de incorporação, basicamente neste período até 99, de novos contingentes da população ao sistema escolar, há uma
queda, até pequena diante do esperado, no rendimento médio. É uma média pequena porque ficou, mais ou
menos, no intervalo de confiança da amostra, e o que é importante, há uma estabilidade ao longo dos anos e
algum sinal de melhora nos resultados da última avaliação.
O SAEB permite identificar quais os fatores associados ao desempenho dos alunos. O primeiro fator é
a escolaridade dos pais. Quanto maior a escolaridade dos pais, melhor é o desempenho dos alunos. Há fatores
negativos também: por exemplo, a defasagem idade-série. Quanto maior a defasagem idade-série, pior o desempenho do aluno. O uso do livro didático e da sua utilização em sala de aula é um fator positivo. A infra-estrutura
e a condição de funcionamento da escola é fator positivo. O projeto pedagógico, o “clima” da escola é um fator
positivo. O uso de computadores e vídeos é um fator positivo. A dedicação exclusiva do professor ao magistério é
um fator positivo. O nível sócio-econômico do professor diretor é um fator positivo. A expectativa de aprovação
dos alunos é fator positivo. O desenvolvimento do conteúdo é positivo. O gênero do aluno também conta: as
meninas têm melhor desempenho que os meninos. A participação dos pais na escola é fator positivo no desempenho dos alunos. O nível da formação do professor é positivo. Os alunos cujo professor tem nível superior têm
melhor desempenho que os alunos cujo professor não tem nível superior. O aluno cujo professor trabalha com
leitura em sala de aula tem melhor desempenho que o contrário. O aluno cujo professor trabalha com os pais
tem melhor desempenho.
Há fatores positivos que atuam também e o fato de termos tido aquele movimento de queda lenta,
com aquela brutal e maciça incorporação de novos segmentos da população à escola, significa que estes fatores
positivos começam a atuar na escola no sentido de evitar uma queda maior. Em 2003 inicia-se já uma certa
recuperação no desempenho dos alunos.
Nesse período, houve um processo muito importante de melhoria na formação dos professores. Em
1995, um de cada quatro professores da educação infantil e de primeira à quarta série no Brasil era leigo. Essa
proporção caiu para 2% em 2003, por duas razões: pelo FUNDEF, que beneficiou especialmente as regiões onde
os leigos eram muito importantes (nessas regiões, o FUNDEF ajudou a financiar a formação dos professores) e
pela LDB, que passou a obrigar o concurso público e o nível superior. Isso levou certamente os municípios das
regiões do Nordeste, Centro Oeste a fazer concurso e admitir professores formados, capacitados.
Os professores com formação superior, em 1995, eram apenas 44% do total no ensino básico. Em 2003
são 61% com nível superior em todo o ensino básico. Ainda é um número insuficiente, porque temos 40% dos
professores no ensino básico sem formação superior, mas é melhor que a situação anterior. Isso também levou a
uma queda não tão acentuada com a incorporação de novos contingentes da população ao sistema escolar.
Quanto à distorção idade-série, os alunos que têm maior defasagem idade-série apresentam pior desempenho em relação aos alunos que estão na idade correta nas várias séries.
Outras ações que tiveram impacto na qualidade de educação básica:
• Todos os censos escolares mostram, ano a ano, uma evolução positiva na questão da infra-estrutura escolar
mesmo que ainda deficiente;
• Hoje temos a TV Escola implantada em 60 mil escolas de todo o país;
• O programa do livro didático expandiu e melhorou com a sua avaliação;
• O programa “Leitura em Minha Casa” distribuiu 80 milhões de livros para as crianças de 4a e 5a séries, de
2000 a 2002;
• A merenda escolar foi ampliada;
• O número de Associações de Pais e Mestres passou de 11.000 para 70.000;
• Houve 60% de presença no “Dia Nacional Para Pais” nas escolas.
29
Todos os fatores identificados como positivos no desempenho dos alunos foram objetos de políticas
nesse período.
Desafios da educação básica:
• Melhorar a qualidade da educação básica – é o grande desafio. Focar a escola no desempenho do aluno e melhorar o desempenho desse aluno;
• Universalizar o acesso ao ensino médio;
• Aumentar o acesso à educação infantil;
• Aprimorar os mecanismos de financiamento da educação básica;
• Utilizar os resultados do Sistema de Avaliação na gestão da rede pública e no planejamento escolar, ou seja,
focar a escola na aprendizagem do aluno; usar o sistema de avaliação no planejamento da rede e da escola;
• Investir na formação inicial e continuada do professor;
• Investir mais recursos em educação.
FUNDEF e FUNDEB
Aqui gostaria de conceituar o FUNDEF e a proposta atual do FUNDEB, de extensão do mecanismo
de financiamento do FUNDEF para toda a educação básica, e tratar dos cuidados que devemos ter em relação
à definição do próprio FUNDEB.
Primeiramente, o Brasil gasta pouco per capita com o aluno no ensino fundamental e médio. Em comparação com outros países, temos uma proporção maior da população na faixa etária dos 5 aos 19 anos e uma
proporção relativamente pequena nas outras, em termos de investimento público em educação como proporção
do PIB. Outros países que gastam proporcionalmente tanto quanto nós, como a Irlanda, o Reino Unido, a Espanha e o Chile, têm que fazer um esforço educacional menor, porque sua população é mais velha.
Nosso gasto médio é de US$ 900,00 no ensino básico, considerando a população na faixa etária dos 5
aos 19 anos, e temos 31% da população nessa faixa etária.
Um dado muito importante é o gasto público por aluno no ensino básico e na universidade. Temos o
segundo gasto, US$ 1.300,00 na universidade, US$ 900,00 no ensino fundamental e US$ 1.100,00 no ensino
médio. Dos outros países, o único que tem um gasto médio por aluno na universidade maior que o nosso é o
EUA, mas seu gasto no ensino fundamental e no ensino médio é, também, muito maior. Ou seja, nosso país é
o que tem a maior desproporção, a maior diferença de gasto entre o valor per capita que se gasta por aluno no
ensino superior e no ensino básico.
Os princípios do FUNDEB são os mesmos do FUNDEF:
• Há uma redistribuição de recursos entre estados e municípios, de acordo com o número de alunos nas redes
estaduais e municipais. Isso era o FUNDEF e agora foi incorporado ao FUNDEB.
• Há uma garantia de um valor mínimo nacional por aluno com recursos federais. Este item estava no FUNDEF
e está no FUNDEB.
• Há garantia de um percentual mínimo para salários dos professores. Isso estava no FUNDEF e está, agora, no FUNDEB.
O que temos que entender, entretanto, são as várias competências e responsabilidades do setor público
em relação aos três níveis de educação:
• A educação infantil é uma responsabilidade exclusiva dos municípios.
• O ensino fundamental é uma responsabilidade compartilhada entre estados e municípios.
• O ensino médio é responsabilidade exclusiva dos Estados.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Assim, ao criar um fundo único para o ensino básico, estamos misturando recursos e responsabilidade
das esferas estaduais e municipais em relação aos três níveis de ensino. É possível que tenhamos, em conseqüência da implantação de um sistema como esse, transferência de recursos da educação infantil para ensino fundamental ou médio; do fundamental para o infantil ou médio e do médio para o infantil ou fundamental. Tudo
vai depender do ritmo de incorporação de novos alunos a esses três níveis de ensino.
Eis minha crítica básica ao FUNDEB: na creche, a taxa de atendimento nacional está abaixo de 10%; na préescola está em torno de 50%; no ensino fundamental, temos 130% de taxa bruta de participação. Isso significa
que temos 30% a mais de alunos do que população de 7 a 14 anos, em razão da repetência. Na medida em
que o sistema escolar do ensino fundamental tenha sua qualidade melhorada, o número de alunos no ensino
fundamental vai diminuir. Perderemos até 30% de alunos do ensino fundamental no país nos próximos anos a
medida em que regularizarmos o fluxo de aluno, porque teremos, então, apenas os alunos na faixa adequada à
sua série correspondente.
No ensino médio, temos uma taxa líquida de participação de 43% e uma taxa bruta de 86%. No ensino
médio já temos um número de vagas mais ou menos equivalente à população da faixa etária, mas há 50% de
alunos fora da faixa etária. No ensino fundamental, 30% das pessoas estão acima dos 14 anos. Quando essas
pessoas, acima da faixa etária, concluírem o ensino fundamental, irão, certamente, para o ensino supletivo e não
para o ensino regular. Então o ensino regular médio deve se manter nesse tamanho ou crescer pouco. O que vai
crescer é a educação dos jovens e adultos com a melhoria do sistema. Essa é a média nacional.
Além disso, há muita desigualdade nas taxas de escolaridade brasileiras. Há grandes diferenças regionais entre
as taxas de escolaridade nos três níveis de ensino. Dentro das regiões há diferenças entre estados e municípios
nessas mesmas taxas de participação.
O que vai acontecer basicamente? Qual é a tendência de evolução do número de alunos? Na educação
infantil, sem dúvida, a tendência é aumentar. No ensino fundamental vai cair até 30% o número de alunos nos
próximos anos. No ensino médio vai manter-se ou ter um pequeno aumento. No ensino médio, voltado para
educação de jovens e adultos, a tendência é aumentar.
A principal conseqüência de um fundo único é que ele tende a retirar recursos do ensino fundamental,
que será, teoricamente, o grande perdedor.
A proposta que se faz para a educação infantil tem um problema muito sério. Estão sendo retirados
recursos da educação infantil: na situação atual, não podemos considerar o financiamento da educação infantil
sem analisar conjuntamente o FUNDEF e a LDB. Segundo o FUNDEF, 15% dos recursos dos recursos municipais vão para o ensino fundamental e segundo a LDB os recursos municipais só podem ser aplicados na
educação infantil e/ou fundamental. Portanto, 10% de todos os recursos municipais são exclusivos da educação
infantil. Assim, a educação infantil, que estava estagnada até 1998, com o FUNDEF passou a crescer também.
Houve um aumento de 31% na matrícula na pré-escola, de 1999 a 2003 e de 62% nas creches, no mesmo período.
Portanto, na proposta do FUNDEF, reserva-se 20% das receitas estaduais e municipais para todo ensino
básico e inclui-se apenas a pré-escola, excluindo as creches. Então, serão mais alunos, com a mesma verba ou
menos, porque na prática isso equivale a dizer que 5% da receita municipal e estadual estão livres para serem
aplicados em qualquer nível de educação.
Recebi muitos pedidos dos prefeitos para mudar a LDB, para liberá-los da obrigação de aplicar apenas
na educação infantil. Se o prefeito queria expandir a educação fundamental, ele não subtraía dos 10% restantes
no seu orçamento, mas do próprio FUNDEF. Os 10% eram somente da educação infantil. Agora, 5% apenas
vão ficar liberados. Diminui-se, em 5% da receita municipal da educação, a verba da educação infantil, o que
pode provocar efetivamente a diminuição dos recursos para a educação infantil.
Então, a melhor solução sob o meu ponto de vista é que haja no FUNDEF, três fundos específicos. Deve
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haver um fundo para educação infantil, apenas entre os municípios e a União; um fundo para o ensino fundamental, entre estados, municípios e a União (porque desta forma a responsabilidade será compartilhada entre
estados e municípios) e um fundo para o ensino médio com recursos do estado e complementação da União.
Assim, conseguiremos evitar que um nível de educação tire verba de outro.
É muito sério aprovar um programa com essas características, sem considerar o que pode acontecer para
os três níveis de ensino de educação básica. Temos, de certa forma, que preservar os recursos específicos de cada
nível de ensino dentro do âmbito em que eles têm responsabilidade assinada.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Educação e Desenvolvimento Humano
O Foco no Aluno e na Aprendizagem
Eduardo O. C. Chaves
Professor Titular de Filosofia da Educação da UNICAMP (Aposentado) e Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação e Desenvolvimento Humano
no Instituto Ayrton Senna
É com prazer e satisfação que atendo ao convite do professor José Aristodemo Pinotti para falar sobre
educação e desenvolvimento humano. Tive o privilégio de ser seu colega na UNICAMP durante vários anos e
de trabalhar com ele, na década de oitenta, na Reitoria da UNICAMP e nas Secretarias Estaduais da Educação
e da Saúde.
Como minha formação básica é em filosofia, vou concentrar minha atenção mais nas finalidades da
educação do que nos meios que usamos para educar.
A educação é um processo histórico, econômico, social, político e cultural que tem lugar em sociedades
específicas em momentos específicos da história. A educação que era apropriada na época de Ramsés II no Egito
não é a educação que seria apropriada na época de Sócrates, Platão e Aristóteles. A educação que era adequada
para os gregos certamente não é a educação que seria apropriada durante a Renascença, nos séculos XIV e XV.
A educação adequada na Renascença certamente não é a que seria adequada durante a Revolução Industrial, nos
séculos XVII e XVIII. E a educação que era adequada durante todo o período da Revolução Industrial não é,
necessariamente, a mais adequada para a época em que vivemos, em pleno século XXI.
Esse é o primeiro ponto: se o contexto histórico, econômico, social, político e cultural em que a educação ocorre sofre mudanças radicais, é de esperar que a educação que se ministra naquele período, naquele lugar
da história, também sofra mudanças.
O segundo ponto é o seguinte: aquilo que chamamos de educação é um fenômeno complexo. Ouvimos,
dos palestrantes anteriores, em especial do ex-ministro da Educação e meu colega na UNICAMP, Paulo Renato
Costa Souza, uma série de considerações importantes sobre educação, especialmente durante os oito anos do governo FHC, que descreveram programas de financiamento da educação, de aumento do salário dos professores,
de formação e de aperfeiçoamento de professores, de melhoria do fluxo de alunos pela rede escolar, de distribuição de livros e tecnologia para as escolas, de recuperação da infra-estrutura das escolas, etc. Tudo isso certamente
tem relação com a educação, mas esses são apenas meios para que se possa educar as pessoas, especialmente as
crianças, os adolescentes e os jovens.
Consta que Einstein teria dito que vivemos em uma época de meios cada vez mais aperfeiçoados e fins
cada vez mais confusos. Vou, então, procurar concentrar minha fala na questão dos fins, deixando um pouco de
lado a questão dos meios.
Atualmente, fala-se muito sobre a necessidade de melhorar a qualidade da educação, introduzir reformas na educação. Nos últimos anos vimos, aqui no Brasil, reformas que afetaram o ensino fundamental e o
ensino médio, e está em curso um processo de reforma do ensino superior. Ouvimos, hoje, o tempo todo, falar
na necessidade de melhorar a qualidade da educação. Parece-me que a razão principal para essa ênfase atual na
necessidade de reformar a educação, melhorar a sua qualidade, se relaciona com o fato de que nosso mundo
mudou, e mudou substancialmente, nesses últimos 60 anos, desde o final da 2a Guerra Mundial em 1945. Por
isso, muitos analistas do cenário contemporâneo não hesitam em dizer que estamos vivendo numa nova era.
Peter Drucker, recém-falecido, escreveu o livro “Novas Realidades”, no qual comparou a época atual com a Renascença, afirmamos que vivemos, no tempo atual, uma nova, uma segunda Renascença. Para ele, as mudanças
que ocorreram nestes últimos 60 anos, que não pararam de acontecer e que continuarão acontecendo foram, são
e serão tão drásticas, que os próximos anos serão mais diferentes dos anos da primeira metade do século XX do
que o período moderno foi diferente da Idade Média.
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Vários autores têm batizado essa nova era com nomes variados: Sociedade da Informação, Sociedade do
Conhecimento, Sociedade Pós-Industrial ou até mesmo Sociedade Pós-Moderna. O nome não importa tanto
quanto nosso entendimento da natureza dessa nova era em que estamos entrando, na qual já estamos vivendo.
A essência dessa nova era talvez seja captada pelo conceito de mudança. Em 1970, Alvin Toffler escreveu
a obra “Choque do Futuro” na qual afirmava que mudança seria o fator essencial dos anos seguintes e, hoje,
todos temos consciência do fato de que mudanças estão acontecendo em grande quantidade e em ritmo e intensidade cada vez mais acelerados. Elas estão afetando todo os aspectos de nossa vida: pessoal, lazer, trabalho, tudo
está sendo afetado por uma onda gigantesca de mudanças que faz com que nossa maneira de ser, de trabalhar,
de divertir-nos e, naturalmente, de aprender esteja sendo radicalmente alterada, sem que o percebamos, às vezes
(porque estamos no meio do processo).
Gostaria de salientar quatro mudanças importantes que vêm ocorrendo nesses últimos 60 anos e que são
relevantes para a educação.
Primeiro, a informação, que era escassa, tornou-se algo que talvez tenhamos em excesso. Eu freqüentei a
escola pública na década de 50 e me lembro de como era difícil, por vezes, encontrar informações sobre tópicos
acerca dos quais tínhamos que escrever trabalhos. Cursei, no segundo grau, o “Clássico” e me lembro de que,
em 1961, meu professor de literatura portuguesa solicitou que eu escrevesse um trabalho sobre as cartas de amor
de sóror Mariana Alcoforado, de quem nunca ouvira falar. Não havia nada sobre sóror Mariana Alcoforado na
biblioteca da escola, em Jandira. Encontrei somente na biblioteca pública de São Paulo um livro com suas cinco
cartas, sem nenhum comentário sobre a autora ou a obra. Recentemente, encontrei meu trabalho, amarelado
pelo tempo, na minha casa e resolvi entrar na Internet para procurar referências sobre Mariana Alcoforado. Encontrei, no Google, a indicação de mais de 16.000 referências sobre ela.
Isto significa que, em 50 e poucos anos passamos de uma situação de total escassez de informações para uma
situação em que há excesso de informações. Com esse excesso de informações, fica-se tão perdido quanto na situação
em que há deficiência delas. O excesso de informações, às vezes, está produzindo grande ansiedade em nós.
Que relevância tem isso para a educação? Em 1950, quando entrei na escola, era perfeitamente justificável
que a instituição concentrasse grande parte de seu esforço na transmissão, na disponibilização de informações para
seus alunos, porque as informações eram escassas e o acesso a elas, difícil. Mas, 55 anos depois, não faz mais sentido
que a escola concentre parte significativa de seu esforço no processo de transmitir informações aos alunos.
Tenho um amigo australiano, um grande educador, que diz: “Se os alunos podem encontrar as informações relevantes no Google, não ensine. Deixe que eles procurem”.
A segunda grande mudança, relacionada à primeira, relaciona-se com a comunicação. Lembro-me de
que, em 1950, para fazer um telefonema de Santo André a Campinas, onde morava minha avó materna, era preciso ir à central telefônica, pedir a ligação à telefonista, e esperar de duas a três horas para que se completasse – e,
o que é pior, às vezes não se conseguia completar a ligação. Nestes últimos 50 anos, o processo de comunicação
mudou de forma tão radical que nem percebemos como isso tem afetado nossa vida. Em 1950, nós tínhamos o
costume de fazer visitas aos amigos e parentes. Nem avisávamos porque não havia como avisar. Hoje, perdeu-se
o hábito de fazer visitas e, certamente perdeu-se o costume de fazer visitas sem avisar, porque podemos telefonar,
mandar um e-mail; mantemo-nos em comunicação o tempo todo com pessoas que nos são importantes, e essa
comunicação é, em geral, quase instantânea.
Qual o impacto que isso tem para a educação? O impacto é o seguinte: há 50, 60 anos, o professor era,
em muitos locais o único especialista ao qual o aluno tinha acesso. O professor, supunha-se, devia saber a resposta de todas as perguntas que as crianças pudessem fazer. Hoje, através da tecnologia, temos acesso a inúmeros
especialistas, podemos, através de grupos de discussão pela Internet, trocar informações o tempo todo, fazer
perguntas até a notórios especialistas em suas respectivas áreas. Portanto, a tecnologia da comunicação fez com
que se tornem facilmente disponíveis a todos as opiniões de especialistas, que podem ser contatados, em geral,
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
do ponto de vista técnico, com grande facilidade. Isso certamente afeta, também, o tipo de trabalho que fazemos
na escola.
Há, então duas mudanças relacionadas à tecnologia: uma relacionada à quantidade de informação e à
facilidade de acesso a essa informação, outra relacionada à natureza de nossa comunicação com pessoas que nos
são importantes.
Vou mencionar mais duas mudanças que não estão, necessariamente, relacionadas à tecnologia: a primeira tem a ver com nosso entendimento do conceito de conhecimento. Fala-se muito, atualmente, em construtivismo. Há pouco consenso sobre o que seja construtivismo, mas parece-me que há um núcleo central
importante nessa noção: conhecimento é diferente de informação. Informação pode ser armazenada em papel,
disco, fita, transmitida a outras pessoas, transferida de um lugar para outro, mas conhecimento não, é um tipo
de informação especial, privilegiada. Conhecimento tem que ver com estruturas mentais, modelos mentais,
com os esquemas mentais que construímos e que nos permitem fazer sentido da realidade, que nos permitem
fazer sentido da quantidade enorme de informação com a qual temos de lidar. Conhecimento é algo que existe
dentro da nossa cabeça e cada um tem que construir seus próprios modelos e esquemas; não há como transferir
meus conhecimentos, nesse sentido, para outras pessoas. Posso tentar elucidá-los, explicá-los, mas cada um tem
de construir os seus conhecimentos por si mesmo.
Assim, se no caso da informação não é necessário transmiti-la, porque ela está tão acessível, no caso
do conhecimento não é possível transferi-lo, porque cada um tem de construí-lo por si próprio. Acho que essa
mudança no nosso entendimento do conhecimento é muito significativa e vai alterar profundamente a nossa
concepção e a nossa visão da educação.
A quarta e última mudança que quero destacar – e a segunda que não é relacionada à tecnologia – tem
que ver com mais um conceito importante na área da educação: o conceito de aprendizagem. Tradicionalmente,
aprender era tido como equivalente a assimilar, absorver informação, memorizar e, assim, reter informação por
determinado período.
Atualmente, a maioria dos entendidos em aprendizagem nega que esse processo de mera absorção, de
mera assimilação de informação seja aprendizagem. Edgard Morin escreveu um livro no qual contrasta uma cabeça cheia com uma cabeça bem feita. Rubem Alves critica, em muitas de suas crônicas, o esforço das escolas de
tentar enfiar informação na cabeça dos alunos, tornando-os mentalmente obesos. (A obesidade mental faz-nos
perder a agilidade mental, da mesma forma que a obesidade física faz-nos perder a agilidade física).
Parece-me que Paulo Freire, quando criticava a educação bancária, aquela educação que é vista como um processo de transferência de informações da cabeça do professor para a cabeça do aluno, estava criticando exatamente
essa idéia de que aprender é assimilar, absorver informações.
Hoje, há razoável unanimidade em entender a aprendizagem como um processo de aquisição e expansão
de capacidades, de construção e aperfeiçoamento de competências. Aprendo na medida em que me torno capaz
de fazer aquilo que não era capaz de fazer antes. Aprendo na medida em que desenvolvo competências e as habilidades que lhes são vinculadas.
Destaquei quatro mudanças importantes que estão ocorrendo na nova era em que vivemos e que tornam
imperativo um novo entendimento da educação. E quando tivermos um novo entendimento da educação deveremos, obrigatoriamente, rever todos os meios que temos usado para educar: a própria escola, o papel do livro,
o papel do professor, o currículo, as matérias didáticas, o papel da tecnologia.
Por essa razão, envolvi-me, nos últimos anos, com a tentativa de definir uma nova visão de educação,
necessária para essa nova era. Venho chamando esse projeto, em parte pelo meu trabalho no Instituto Ayrton
Senna, nos últimos oito anos, de “Educação para o Desenvolvimento Humano”.
Ela parte do pressuposto de que educamos, não porque a sociedade precisa de pessoas educadas, não
porque a economia digital precisa de pessoas cada vez mais bem preparadas, não porque sem educação o país
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não cresce do ponto de vista econômico: educamos porque o ser humano nasce incompetente e dependente,
mas nasce com uma incrível capacidade de aprender no sentido que realcei: de expandir capacidades, construir
competências.
Portanto, a educação de que precisamos, hoje, é a que vai concentrar seus esforços no processo de transformar o ser humano, que nasce incompetente e dependente, num adulto competente e autônomo. Isso é importante, porque o ser humano, diferente de outros animais, também tem a possibilidade de definir o que quer
da vida, que vida deseja para si próprio. A partir de um certo momento, ele pode definir um projeto de vida e
procurar construir as competências necessárias para transformar aquele projeto em realidade. E essa noção de
educação, como um processo de desenvolvimento humano, e não como um processo de transmissão de herança
cultural ou de perpetuação da estrutura social de uma geração para outra, vai colocar de cabeça para baixo tudo
que fazemos na escola.
Entretanto, a julgar pelas críticas que a escola tem recebido nos últimos tempos, isso é não só necessário,
mas bem-vindo. Quanto mais cedo tivermos consciência desse fato, melhores serão os resultados em termos da
aprendizagem das crianças, dos adolescentes e dos jovens que hoje freqüentam nossas escolas.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Avanços e Desafios do Ensino Médio
Professora Maria Helena Guimarães Castro
Secretária de Estado de Assistência Social de São Paulo – até março de 2006
Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
Professora do Departamento de Ciência Política da UNICAMP
Ocupou vários cargos no Ministério da Educação
Foi presidente do UNEP
Foi Secretária da Educação de Campinas entre 1992 e 1994
Destacou-se em Avaliação no Ministério da Educação.
Abordarei nesta oportunidade a reforma do ensino médio no Brasil. Os resultados colocados referem-se
a uma pesquisa realizada na UNICAMP. Serão mais enfatizados os aspectos conceituais e substantivos da reforma do ensino médio no País e menos às tendências de expansão do mesmo.
A apresentação está organizada por tópicos:
1. O crescimento do ensino médio;
2. A reforma do ensino médio de 1998, mostrando como era a situação antes da reforma, a proposta da reforma
e o que aconteceu posteriormente;
3. As Novas Diretrizes Curriculares – o que isso significa do ponto de vista do ensino médio;
4. As principais avaliações, SAEB e ENEM, basicamente apontando os fatores associados à aprendizagem e não
aos números do SAEB e ENEM;
5. Os principais resultados;;
6. Os novos desafios.
De l970 a l980, o ensino médio dobrou em tamanho. De l980 a l990, cresceu 50%; de 1990 a 1994 cresceu mais 50%; de 1994 a 2002 mais do que dobrou de tamanho. O ensino médio brasileiro é considerado um dos
níveis de ensino que cresceu de forma mais rápida e intensa. O ritmo de incorporação de novos alunos foi muito
rápido e isso, obviamente,traz problemas para a escola, que não está preparada do ponto de vista de infra-estrutura
técnica, trabalho, laboratórios, biblioteca, material didático e professores, sem falar da carreira docente.
Esse crescimento acelerado do ensino médio no período recente, que parece colocar o Brasil num ritmo
mais rápido de crescimento do ensino médio que outros países, tais como México, Coréia e Argentina, que
também tiveram crescimento acelerado em determinados momentos, trouxe problemas.
O primeiro problema, já apontado pelo prof. Eduardo Chaves e pelo dr. Paulo Renato, é que o mundo
mudou. Como a escola vai enfrentar essas novas mudanças? Tínhamos um ensino médio concebido para ser de
elite. Era um passaporte para o ensino superior e apenas os interessados em ingressar no ensino superior, também restrito, prosseguiam no ensino médio. A maioria apenas concluía a 8a série, quando concluía. A mudança
é muito recente.
Quanto ao currículo, antes da reforma ele era pesado, enciclopédico, muito calcado na capacidade de
memorização dos alunos e totalmente voltado para o vestibular, o que aliás ainda acontece, infelizmente.
Ainda há a questão da repetência e a evasão escolar. Sabemos que o ensino médio no Brasil e no estado de São
Paulo tem como característica uma forte participação do período noturno. Nossos alunos são de baixa renda,
trabalhadores, e nós não temos um número suficiente de escolas para oferecer ensino médio a todos. Muitas
vezes, somos obrigados a oferecer matrícula no período noturno mesmo para os que não estão trabalhando, por
falta de vagas.
Se observarmos com cuidado, veremos que o turno escolar é muito pequeno no estado de São Paulo e
no Brasil em geral; os alunos ficam, em média, pouco tempo na escola e a predominância da oferta do noturno
faz com que o ensino médio sofra o peso do ensino noturno. O aluno que já trabalhou o dia todo, terá maior
dificuldade à noite, na escola.
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Por fim, as escolas não estariam preparadas para enfrentar os novos desafios, especialmente o mundo pósrevolução industrial, ou terceira revolução industrial, sociedade do conhecimento, não importa o nome que se dê.
Há profundas mudanças em andamento. Há uma agenda internacional nas reformas educativas. O que se observa
é que as agendas de reformas, o debate, os problemas são muito parecidos. Argentina, Chile, México, Uruguai,
EUA, Coréia assemelham-se muito, embora alguns países sejam mais ricos ou convivam com outras questões.
O contexto da reforma
A Lei de Diretrizes e Bases, ou LDB, trouxe um ponto novo para o ensino médio, que foi permitir e
reforçar a idéia da interdisciplinaridade, a idéia de que o currículo não precisa ser estanque, as disciplinas devem
integrar-se e, ao invés de termos um currículo fortemente pautado na informação, pesado, elitista, devemos voltar-nos para o desenvolvimento das competências gerais dos alunos. A LDB abriu essa possibilidade e reforçou a
importância do desenvolvimento das habilidades gerais. O objetivo é formar um cidadão com as competências
básicas parta exercer sua cidadania, desenvolver-se para que possa, no futuro, optar por dar continuidade aos
estudos ou ir para o mercado de trabalho se for essa sua necessidade ou opção. Esse é o Desafio. Não estamos
mais dizendo que o ensino médio existe para preparar para o ensino superior. Estamos dizendo que o ensino
médio tem terminalidade. Significa o final da educação básica; a educação básica precisa ser universal, ter qualidade, garantir o exercício da cidadania, da participação plena na vida para todas as pessoas. E, ao mesmo tempo,
precisa lidar com o jovem. O jovem quer ser protagonista, acha a escola tediosa, está motivado por tudo que está
fora dela e por quase nada do que está dentro.
O ensino médio é difícil de ser resolvido do ponto de vista curricular e da abordagem pedagógica, que
não se estabelece, das interações, das formas de sociabilidade que a escola tem que desenvolver para fazer com
que o aluno realmente permaneça, se interesse, aprenda e se desenvolva como pessoa.
O que a reforma propôs diante dessa realidade?
- Novo desenho organizacional do ensino médio;
- Separação do Ensino Médio acadêmico e Educação Profissional;
- Novas diretrizes curriculares.
Impasse: o financiamento do ensino médio
O mais importante foi afirmar que a educação básica é formação geral para todos. Isso é importante
porque o Brasil tem, hoje, 8 anos de escolaridade obrigatória. A Argentina tem 12 anos; o Chile tem 12 anos; o
México tem 12 anos; a Coréia e a Alemanha têm 13 anos; os EUA têm 12 anos; a Espanha tem 13 anos. Portanto, o Brasil não pode se restringir aos 8 anos de escolaridade obrigatória. O ensino médio, como etapa final de
educação básica, deve ser assegurado para todos os alunos. Portanto, pensar no ensino médio hoje é revê-lo. Por
isso, o desenho organizacional buscou contemplar não somente a formação das competências gerais, como também abrir 25% das grades curriculares, para atividades ligadas ao mundo do trabalho e, especialmente, à capacitação do aluno às novas tecnologias. Entretanto, na prática, isso não ocorreu. A idéia que embasava a reforma,
da flexibilidade de 25% do currículo, não se concretizou. As novas diretrizes curriculares e o financiamento do
ensino médio, na verdade, o que mais cresceu e que é competência dos Estados, sofre dificuldades, especialmente
no que se refere à ampliação do quadro docente, à carreira do magistério e à abertura de novas escolas para que
possa diversificar a oferta no período diurno.
As diretrizes:
1. Flexibilidade - está presente, hoje, em todas as reformas do ensino médio. No mundo inteiro há discussões e
a idéia de que é preciso rever o currículo, ver o que é fundamental e, ao mesmo tempo, combinar esse currículo
com atividades ligadas, ou ao mundo do trabalho, ou às novas tecnologias. Ao mesmo tempo, é necessário entender que o currículo deve atender pessoas em situações muito diferentes.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
2. A diversidade como eixo da reforma procurou trabalhar a idéia do pluriculturalismo: a diversidade no atendimento dos diferentes segmentos, dos diferentes contextos, contemplando os diferentes grupos e, ao mesmo
tempo, entendendo que a escola deve ter liberdade na organização de seu currículo. As diretrizes são gerais, mas
a forma como a escola vai organizá-las, tem a ver com se projeto pedagógico, com a forma pela qual a escola se
insere nos contextos local e global, porque essas coisas não estão mais separadas.
3. Contextualização: a aprendizagem tem que estar o tempo todo contextualizada para que o próprio processo
de aprendizagem aconteça. Uma aprendizagem abstrata, uma aula magistral, uma abordagem pedagógica frontal, distante do mundo real dos alunos, distante do mundo real da escola, obviamente dificultam muito o processo de aprendizagem. Por exemplo: no ensino médio, em Cálculo II, a primeira pergunta dos alunos é: “Por
que preciso aprender isso?” “Vou usar isso para quê?” “Para que vai adiantar?”
Há muitos conteúdos curriculares presentes, ainda, em nossas grades, que não fazem o menor sentido para
nossos alunos. É preciso rever, flexibilizar e, ao mesmo tempo, identificar o que é importante, para que o aluno
desenvolva seu raciocínio, sua capacidade de comunicação e de fazer leituras diferenciadas do mundo, sua percepção de solução de problema, a forma como desenvolve sua argumentação; é isso que vai interessar no novo
currículo e não a memorização.
4. Para desenvolver esse currículo, além do programa de formação de professores e do seu material de apoio,
iniciamos a montagem do sistema de avaliação, em particular, o ENEM, que foi implantado em 1998 com a
reforma do ensino médio. O Brasil entrou nas avaliações internacionais e todas as avaliações mostraram resultados muito semelhantes, tanto SAEB, ENEM como PISA, embora sejam avaliações diferentes: o ENEM avalia o
aluno, em suas competências gerais e habilidades; o SAEB avalia o sistema de ensino e o PISA avalia pessoas de
15 anos, independentemente da escolaridade prévia, com o objetivo de qualificar sistemas nacionais de ensino
e não desempenho do aluno.
O que mostram os resultados do SAEB, do ENEM e do PISA do ponto de vista dos alunos que estão no
ensino médio e concluindo o ensino médio?
Primeiramente, há uma diferença muito clara entre o público e o privado. Isso é assim no Brasil e em
todos os lugares. O achado mais básico e rudimentar nas técnicas de avaliação é que os alunos, filhos de pais
com maior escolaridade, em geral apresentam melhor desempenho. Esse resultado, não nos ajuda porque não
temos como interferir na escolaridade dos pais de nossos alunos. A escola precisa identificar aspectos que possam
ajudá-la a melhorar seu dia a dia, o trabalho dos professores e o da própria escola. Neste caso, a escolaridade dos
pais é uma explicação que pouco contribui.
Finalmente, mostram um dado sobre o qual a escola, sim, tem poder que interferir: a repetência, o atraso
escolar, a distorção idade-série, tem, sempre, um impacto negativo. Para cada série que o aluno repete, ele perde, em média, 10 pontos no ENEM e 20 pontos no SAEB. Não adianta reprovar pois os alunos continuam a
aprender pouco. A questão é prover os recursos para que o aluno tenha acesso a reforço escolar, hora-atividade,
tempo para o professor planejar as aulas, dedicar-se, estudar, atender individualmente o aluno, elementos que,
muitas vezes, faltam em nossas escolas.
Os outros fatores associados diretamente à escola:
Projeto Pedagógico: independentemente de os pais serem ricos ou pobres, terem maior ou menor escolaridade,
se a escola tiver um bom projeto pedagógico, um clima favorável à aprendizagem, um bom sistema de gestão e
equipe integrada, o desempenho dos alunos é melhor. A infra-estrutura da escola também é fator importante.
Numa escola feia, apertada, superlotada, sem ventilação, desagradável, degradada, os alunos não têm condições
de aprendizagem, e os professores não têm as mesmas condições de trabalho de que usufruem se a infra-estrutura
for adequada.
As habilidades acadêmicas e, sobretudo, didáticas do professor: o professor é o animador central da vida
escolar, da escola, da educação. Por isso, necessita desenvolver habilidades de comunicação, interação, percepção
e sensibilidade para articular todo o processo de aprendizagem e mediá-lo com os alunos.
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O comprometimento do professor com o trabalho: quando o professor compromete-se com o trabalho
de aprendizagem do seu aluno e que uma expectativa de sucesso em relação ao futuro dele, esse aluno terá melhor desempenho.
Por fim, uma pesquisa realizada pelo prof. Creso Franco, da PUC do RJ, mostra que no Brasil, 25%
do que o aluno aprende, daquilo que realmente faz diferença na aprendizagem, deve-se unicamente a fatores
internos da escola. A pesquisa foi feita no Canadá, onde a escola acrescenta só 10% para os alunos, porque todos
os pais são escolarizados, quase todos têm nível superior, a renda per capita é elevada, os alunos têm acesso a
bens culturais; o mesmo acontece na Austrália, na Finlândia, na Nova Zelândia. No Brasil, onde há situações de
desigualdade, pobreza, miséria, baixa escolaridade, a escola conta muito mais, faz uma diferença muito maior.
Assim, nosso trabalho tem um valor muito maior que nos países ricos.
Ainda fatores internos à escola:
Consta nas pesquisas que o aluno que estuda e faz a lição de casa apresenta melhor desempenho escolar.
Quando a escola e/ou as turmas são grandes demais, o resultado é pior.
A adequação das instalações faz diferença
Os recursos didáticos: se a escola tem biblioteca ou não, se tem cantinho de leitura ou não, todos esses
pontos fazem diferença.
Há, no Brasil bastante preocupação com a segurança na escola. Os alunos e os professores têm uma forte
sensação de insegurança. Os professores convivem, muitas vezes, em escolas onde a violência urbana é muito
alta. Este fato, além de prejudicar muito o trabalho do professor e da escola, prejudica o aluno, que percebe esse
ambiente, sofre com isso e aprende menos.
A participação dos pais mostra-se, também, importante.
Para encerrar, vou discorrer brevemente sobre os resultados da nossa pesquisa com relação ao Brasil, ao
Ceará e a São Paulo.
Ceará
O ensino médio cresceu muito mais que no estado de São Paulo, entre 1998 e 2002: 70% em quatro
anos, em escolas muito pequenas, sem condições de desenvolver o ensino médio.
Nessas escolas, os professores foram orientados a desenvolver o novo currículo da reforma. Entretanto,
não tinham nenhuma experiência prévia com o ensino médio, nem com o segmento da 5a à 8a série. Portanto,
esses professores, que não tinham nível superior, experiência em ensino médio, ou no segmento de 5a à 8a série,
não conseguiram implementar o novo currículo. Conseqüentemente, a escola sofreu uma paralisia: nem tinha
o modelo anterior à reforma, pautado pelo vestibular, nem como implementar o novo currículo, porque não
contava com materiais didáticos adequados e formação adequada de professores.
Assim, o Ceará mostrou uma situação que, do ponto de vista quantitativo, vimos em toda região NE
e Norte: crescimento monumental em escolas muito pequenas, professores sem formação. Apenas no estado
do Ceará, entre 2000 e 2004, surgiram 155 novas escolas, todas com menos de 100 alunos e todas sem corpo
docente em todas as disciplinas.
Com relação ao SAEB, no Ceará, assim como no Brasil, em língua portuguesa, em 2003, a nota média está
no nível 5, quando o nível esperado no SAEB é 7; isso significa que os alunos da 3a série do ensino médio aprendem o que seria esperado como aprendizagem mínima na 8a série. Isso é o que demonstra o resultado do SAEB no
Ceará, para língua portuguesa e matemática, considerando o currículo existente nos estados brasileiros.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Revela-se, assim, por um lado, um fracasso da implantação da reforma curricular e, por outro lado, que
os alunos estão terminando o ensino médio sem atingir os conteúdos mínimos de aprendizagem que estão previstos para a 8a série.
São Paulo
Houve um crescimento menor que no Ceará; no mesmo período, o crescimento foi de 22% da matrícula, enquanto no Ceará foi de 70% da matrícula.
Ao contrário do Ceará, em São Paulo a rede física estadual tinha condições de absorver essa nova demanda, porque a grande expansão da rede havia ocorrido antes da reforma, 97% dos professores tinham nível superior completo, as escolas possuíam infra-estrutura melhor: cerca de 90% das escolas eram integradas à Internet,
com bibliotecas, livros, materiais didáticos e de apoio.
A rede estadual de São Paulo não implementou o novo currículo porque resolveu fazê-lo aos poucos:
aderiram aos 25% da grade curricular flexível; esses 25% ficaram para que escola organizasse o seu currículo,
com ênfase em informática e língua estrangeira.
Não houve mudança de conteúdo curricular, não se enfocaram as competências gerais, não houve diminuição do currículo enciclopédico tradicional; a escola continuou orientada para os programas do vestibular.
E o que acontece com relação aos resultados do estado de São Paulo e Ceará?
São Paulo apresenta desempenho muito melhor do que o Ceará e a média do Brasil, mas está muito
aquém do esperado, considerando o currículo implantado tanto em língua portuguesa quanto em matemática.
O estado de São Paulo, atualmente, tem uma das melhores situações educacionais do Brasil, apesar de não adequada. O SAEB mostra que o estado de São Paulo tem o melhor índice de evolução em qualidade de ensino.
Quais são os desafios?
A reforma foi feita, mas não foi implantada. O que aconteceu foi expansão, sem reforma curricular.
É importante mudar a cultura no uso de informação sobre a educação. Parece haver um distanciamento
entre quem faz pesquisa e quem está “com a mão na massa”, com a “batata quente” todos os dias na escola. A
escola sub-utiliza os resultados das avaliações e os das pesquisas, porque eles não chegam à escola. Acho que não
são necessárias mais avaliações. Essa avaliação, agora, destina-se ao monitoramento da rede, para gestores da
rede etc. Precisamos aprender a usar os resultados da pesquisa para melhorar o projeto pedagógico e o material
didático e trabalhar esses aspectos em programas de formação continuada.
As diretrizes curriculares do ensino médio
Faço uma afirmação e ao mesmo tempo uma pergunta: Temos que disseminar as diretrizes curriculares
que não foram implementadas ou será que elas não foram implementadas porque não foram compreendidas pelas escolas? Estávamos certos, quando essa reforma foi discutida, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação,
discutida por especialistas? A direção está correta?
Por fim, a questão da leitura, algo que aparece nos relatórios do ENEM e no PISA como um problema
central do desenvolvimento dos nossos alunos. Devido a problemas graves no processo de alfabetização, nossos
alunos têm dificuldade de leitura, o que dificulta o processo de aprendizagem ao longo de sua escolaridade.
Parece-me que o grande desafio atual é insistir na melhora do processo pedagógico dentro da escola, na
melhora do material didático, na formação dos professores. Talvez nem interesse mais, para o ensino médio, a
discussão curricular. Precisamos, realmente, a partir dos conteúdos básicos e das competências já definidas pelo
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ENEM, estabelecer formas de trabalho, programas de capacitação e de formação que tornem a escola mais efetiva e eficaz.
Creio que cabe ao governo federal implementar uma série de ações no que se refere ao fomento e à assistência técnica da rede básica, algo de difícil efetivação e extremamente necessário.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Indicadores da Qualidade na Educação
Professora Vera Masagão
Especialista na educação de jovens e adultos em questões de alfabetização e analfabetismo. Faz parte da Ação Educativa Assessoria e Pesquisa
Educacional.Formada pela PUC/SP, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Educação
Vou contar uma experiência que se refere ao problema do baixo uso feito pelas escolas e pela população em geral das informações produzidas pelas grandes avaliações de sistemas educacionais. O projeto que vou
relatar iniciou-se a partir desta reclamação e constatação. Envolveu várias organizações governamentais e não
governamentais, coordenadas pela Ação Educativa.
Na década de 90 fez-se grande esforço para organizar um sistema de informação e avaliação educacional
no país. O INEP realizou avanços importantes no trabalho de organização da informação educacional no país.
Temos hoje dados sobre cada escola, quantos alunos há, além de dados básicos sobre equipamentos, professores,
instalações. Efetivaram-se, também, as avaliações periódicas de aprendizagem, o SAEB e o ENEM, além da
participação no projeto internacional do PISA.
Houve um impulso e um investimento grandes na geração de dados e elementos avaliativos sobre o
desempenho dos sistemas de ensino, mas constatou-se que as pessoas usavam pouco esses dados, tanto os professores, quanto as comunidades escolares, para melhorar a qualidade; a população, em geral, entendia pouco
sobre o significado dos indicadores.
O PNUD já vinha desenvolvendo um projeto com o objetivo de popularizar os indicadores educacionais que o Brasil possui, a idéia era que as pessoas passassem a usar esses indicadores como um elemento de
mobilização social para melhorar a qualidade da educação.
É verdade que há um problema de entendimento, pois alguns indicadores, tais como a taxa bruta de
matrícula e distorção idade-série, por exemplo, não são triviais. Mas talvez não fosse só um problema cognitivo;
talvez esse tipo de indicador não tivesse o mesmo interesse para todos. Por exemplo, os macro-indicadores são
essenciais para os gestores que estão pensando no sistema ou para a população em geral que está pensando na
educação brasileira como fenômeno social. Mas as pessoas que estão no dia-a-dia da escola não estão pensando
nos problemas naquela escala. São visões diferentes.
Começamos a pensar que, se quiséssemos que esses indicadores chegassem ao cotidiano das escolas, aos
pais e aos professores, talvez não fosse suficiente simplificar os indicadores do INEP. Mais interessante seria criar
a cultura da avaliação e de uso de indicadores partindo da lógica dos atores que estão no cotidiano da escola e
não da lógica dos gestores. Nenhuma visão é errada, mas elas se complementam.
Outro problema que cerca a avaliação de escolas e sistemas é que fica implícito que existe um consenso
sobre o que é qualidade desejável. Por exemplo, é desejável que não haja distorção idade-série. Mas esse consenso
não é tão consolidado nem compartilhado por todos facilmente. É interessante, porque o Ministério das Comunicações fez uma pesquisa recentemente sobre o problema que os brasileiros acham mais grave no país e que
vai mais demorar a ser resolvido. O consenso entre os formadores de opinião (empresários, intelectuais etc.) foi
que o principal problema era a qualidade de educação e que seria o que mais o Brasil demoraria a resolver. Mas
isso não é consenso na população, entre os que não são os chamados formadores de opinião. O INEP fez uma
pesquisa de opinião com a população em geral e obteve uma visão positiva da escola. Por exemplo, na prefeitura
de Sobral, CE, o secretário municipal da Educação, conversando com os pais de alunos de uma escola, percebeu
que eles falavam bem da escola, apesar de o prefeito apontar que os alunos não estavam aprendendo e mais da
metade saía da 4a série quase como analfabetos. Então, a crítica, em relação ao ensino, não é consensual. Um pai
que não foi à escola usa um critério diferente de um pai universitário para julgar a escola.
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Ao desenvolvermos os Indicadores da Qualidade, pensamos em como contemplar todas essas perspectivas a partir do pressuposto de que todos têm sua razão. Há razões para que nos assustemos com os dados do
SAEB, mas devem ser entendidas as razões dos pais que não compreendem um indicador como esse ou que
acham que a escola é boa, pois deve haver algum fundamento na percepção desses pais em relação à escola.
Optamos então pela criação de indicadores cujo público prioritário não fosse não o gestor, mas a própria
comunidade escolar, entendida com um espaço plural, que integraria tanto os profissionais como os usuários e
mesmo as organizações que estão no entorno, tais como associações do bairro e universidades com alguma ação
direta com aquela comunidade específica. A medida que definimos a comunidade escolar como público-alvo,
pudemos definir alguns princícios que estariam por trás desse sistema de indicadores que iríamos construir.
1. Trabalhar com um conceito amplo de qualidade educativa abrangendo múltiplas dimensões. O SAEB mede
leitura, escrita e matemática, que são aprendizagens fundamentais. Entretanto, sabe-se que a escola ensina muito
mais que isso, que as famílias esperam da escola uma formação mais ampla. Aprendizagens importantes não são
mensuráveis com uma prova de lápis e papel, como a utilizada pelo. Quando se quer fazer uma avaliação institucional da comunidade escolar, não é preciso limitar-se ao que é mensurável por um teste padronizado. Procuramos, então, abarcar mais dimensões da prática educativa. Há estudos que mostram que classes mais altas,
mais escolarizadas, tendem a valorizar os aspectos acadêmicos da escola; as classes populares tendem a valorizar
os aspectos afetivos e sociais. Para as classes populares, certas condições básicas que indicam respeito à dignidade
não estão garantidos pelos serviços sociais a que tem acesso, por isso elas valorizam isso: dão valor quando a diretora é respeitosa, a professora é carinhosa, o banheiro está limpo etc... Resolvemos, assim, trabalhar com uma
concepção ampla que contemplasse os conceitos de qualidade de todos os segmentos.
2. Reunir pessoas e instituições envolvidas com a educação para estabelecer consensos sobre a qualidade desejada, porque não existe um conceito a-histórico e 100% válido do que seja qualidade, mas é possível criar-se um
consenso, está na base de uma sociedade democrática. Para começar, há uma legislação aprovada por mecanismos democráticos que estabelece certos parâmetros para esse consenso.
3. Criar um sistema de fácil compreensão, do qual toda a comunidade escolar pudesse se apropriar. Por isso,
abrimos mão que qualquer pretensão de usar os indicadores para comparar escolas. No caso de exames como
SAEB e do ENEM, por exemplo, que são padronizados, é possível comparar escolas porque é o mesmo critério
que está sendo usado para comparação. Mas quando se usa um sistema de indicadores em que a população
escolar vai ser avaliada com seus critérios, não se pode usar um para comparar com outros porque estão sendo
usados diferentes critérios; cada comunidade escolar está usando sua própria medida. Assim, se fosse para efeito
de premiar a escola ou repassar verba, esse tipo de indicador seria inútil. Para gerar clima de confiança na escola
e para que ela fizesse uma avaliação autêntica, a escola deveria entender que aquele dado era só para ela, que ela
leva os resultados para a secretaria da educação se for de seu interesse.
4. Nossa aposta foi que, participando de uma avaliação institucional, com esse tipo de indicadores, mais qualitativos, a comunidade escolar fosse criando a cultura da avaliação, fosse se interessando e capacitando para dialogar
com os índices oficiais, os que as secretarias e o INEP geram. É importante estabelecer uma cultura de avaliação,
o interesse em saber como está uma escola em relação a outras. Procuramos divulgar, no material, informações
sobre os dados escolares disponíveis no INEP e nas secretarias. Procuramos popularizar os macro-indicadores.
O processo começou a se desenvolver em 2003. Houve uma reunião com várias organizações importantes do
campo educacional, entre elas o MEC, a Undime e o Consed. Construiu-se uma primeira versão dos indicadores
e fizemos um teste preliminar em mais ou menos 15 escolas espalhadas pelo país; com base nesse experimento,
fechamos uma versão final. Em 2004, fizemos uma disseminação ampla entre os conselhos escolares, acompanhamos algumas escolas, houve reformulações. Em 2005 continuamos a disseminação, fizemos uma edição
revisada e, atualmente, estamos desenvolvendo um novo módulo dos Indicadores da Qualidade na Educação,
focalizando a alfabetização, leitura escrita.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Além dessa nova dimensão, que estamos desenvolvendo, os Indicadores abarcam os seguintes aspectos
da escola:
1. Ambiente educativo – ambiente humano da escola;
2.Prática pedagógica e avaliação – em linhas gerais, a preocupação com o planejamento e acompanhamento do
desenvolvimento dos alunos;
3. Gestão escolar democrática – o princípio que está afirmado na LDB e por isso tomamos como critério de
qualidade;
4. Formação e condições de trabalho dos profissionais da escola;
5. Espaço físico da escola;
6. Acesso, permanência e sucesso, dimensão que abarca as ações da escola em relação à evasão, ou daqueles
educandos em potencial que estão fora da escola, como os jovens e adultos da comunidade e não têm ensino
fundamental, enfim, a questão da escola com as demandas de serviços educacionais da comunidade.
Para cada dimensão criamos um conjunto de indicadores, que funcionam como sinais que indicam uma dada
situação. Criamos uma série de perguntas para qualificar aquele indicador. A proposta metodológica é que se
formem grupos mistos de pais, alunos, professores, funcionários; cada grupo discute e atribui um qualificativo para os indicadores de sua dimensão e depois todos se reúnem numa plenária, a fim de tentar chegar a um
consenso. Tudo se baseia na idéia de debate e de consenso. Para facilitar, não trabalhamos com percentuais, mas
com qualificativos mais fáceis de compreender: o vermelho simboliza uma situação emergencial, amarelo é mais
ou menos e verde está satisfatório para um determinado elemento. Nessa plenária aparecem “os vermelhos” no
painel e é com base neles que deve surgir um plano de ação assumido por um grupo de trabalho representativo
do coletivo dessa comunidade escolar.
Vou dar um exemplo de indicador, tomado da Dimensão Prática Pedagógica. O indicador é “projeto
pedagógico definido e conhecido por todos. Pergunta-se: a Proposta está escrita? Os professores participaram
ativamente da elaboração? Todos os que trabalham na escola conhecem a proposta? A partir desse questionamento, os grupos vão qualificando, com as cores, cada uma das perguntas para chegar ao consenso. Às vezes não
há consenso e a pergunta vai para a plenária. Gera-se um contexto interessante de debate na escola.
O material foi feito coletivamente assim, quem quiser pode reproduzir sem pagar direitos autorais, desde
cite a fonte. Pode-se baixar o PDF do material sem custos O site é: www.acaoeducativa.org/indicadores.
O esforço de mobilizar a sociedade para a melhoria da qualidade é fundamental e acho que os profissionais que estão na escola precisam esforçar-se para trazer comunidade, pais, organizações, empresas, universidades para dentro dela, no intuito de somar forças para essa missão porque, com as condições que os professores
têm, torna-se difícil, por vezes, viabilizar a qualidade que almejam, às vezes de forma mais crítica que a visão de
pais e alunos. O objetivo é que a crítica da sociedade ajude a melhorar a escola.
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Mysterium
Lygia Fagundes Telles
Contista e romancista, membro da Academia Brasileira de Letras. Tem livros publicados em Portugal, França, Alemanha, Itália, Suécia, República Tcheca
e China. Recebeu prêmios literários diversos: Prêmio Instituto Nacional do Livro, Prêmio Guimarães Rosa, Prêmio Coelho Neto, da ABL, Prêmio Jabuti,
da Câmara Brasileira do Livro, Prêmio Pedro Nava e Prêmio Camões, Portugal/Brasil.
“Eu vi ainda debaixo do sol que a corrida não é para os mais ligeiros, nem a batalha para os mais fortes, nem o pão
para os mais sábios, nem as riquezas para os mais inteligentes, mas tudo depende do tempo e do acaso”
Eclesiastes
A esse tempo e acaso, acrescento o grão do imprevisto. E o grão da loucura, a razoável loucura que é
infinita na nossa finitude. Vejo minha vida e obra seguindo trilhos tão paralelos e tão próximos e que podem
(ou não) se juntar lá adiante. Mas sem nenhuma explicação, não tem explicação. Os leitores são curiosos, fazem
perguntas. Respondo. Mas quando me estendo demais nessas respostas, pulo de um trilho para outro, misturo
a realidade com o imaginário e acabo por fazer ficção em cima da ficção. A constante vontade de seduzir esse
leitor que gosta do devaneio. Do sonho. Quero provocar sua fantasia, mas agora ele está pedindo lucidez, quer
esclarecimentos.
Não sei teorizar, me embrulho inteira. Faço um esforço, fico fria e me aventuro em busca de descobertas, chego ao requinte dos detalhes, me encorajo e avanço por entre signos e símbolos do processo criador. O
indefensável. O que era claro fica escuro, me perco. Insisto. A nebulosa pode se iluminar e tenho revelações.
Na tentativa de desembrulhar personagens, me desembrulho e me deslumbro. Para me obumbrar de novo no
emaranhado dos fios. Então a invenção vira verdade na viragem-voragem de ofício e vida.
A temática existencial da minha paixão. Quase peço desculpas por não ser mais otimista quando trato da
crueldade. Do sofrimento. Do medo, Mas o amor (e desamor) não está sempre presente? Recorro ao humor que
é a nossa salvação, ninguém é prefeito – e a loucura? Com suas infiltrações na rejeição, Um perguntador me olha
agora com desconfiança, que saber por que falo tanto na morte. Não sou inocente (o escritor não é inocente) e
começo dourar a pílula substituindo a perda, enveredo para o mistério.
Mais misterioso ainda nas suas raízes latinas mysterium. Vai, repete agora comigo e em voz alta, mysterium. Pare na Y que é a boca aberta do abismo (abysmo) e mergulhe repetindo mysterum, mysterium até ouvir
lá no fundo do fundo o eco que se prolonga num rolar de pedras, ummmmmmmm............
Perguntei à minha mãe se podia escrever o meu nome com i, seria mais fácil. E ela respondeu que tinha
que ser mesmo com y. Por quê? perguntei. Não soube explicar mas tinha que ser assim.
Pronto, mudei de trilho quando deveria estar falando apenas na razão (ou desrazão) dos meus textos. Levanto a
pele das personagens que é a pele das palavras, quero o mais íntimo, o mais secreto e nessa busca me encontro. E
desencontro, chego a me lembrar para em seguida esquecer. É um jogo. Fico fascinada, meu pai era um jogador,
herdei o vício do risco, a diferença é que ele jogava com fichas.
Meu jogo é com palavras, perdi? Ainda bem que neste país de raros leitores não fico pensando em lucros
mas em alimentar esta viciosa esperança. Meu pai ficava apenas com o dinheiro da passagem de volta ( o cassino
era em Santos) mas como brilhava seu olho: hoje perdemos mas amanhã agente ganha.
Recuso meus primeiros livros que considero prematuros, não serão reeditados. Começo a contagem dos
títulos a partir do romance Ciranda de Pedra.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ano de 1954. Um divisor de águas dos livros vivos e dos outros.
Não espero ser compreendida, espero ser lida. Se possível, amada – confessei a um leitor que parecia preocupado, gostava dos meus livros, mas muita coisa não conseguia compreender. Não tem importância, respondi. Afinal,
ninguém compreende ninguém, dificílimo conhecer pessoas, coisas. Quero que meu leitor seja parceiro cúmplice
nessa ambigüidade de que é o ato criador. Ato que é desespero. Ousadia e insegurança. Ansiedade e celebração.
A curiosidade em torno do livro que prefiro, dentre os que escrevi, do qual gosto mais? Do mais recente, respondo. Como acontece no amor, é o último que prevalece e agora estou falando nesse que foi publicado
recentemente. A estrutura da bolha de sabão. Lamber a cria, a gente dizia no mundo dos cachorros e gatos. Esse
é precisamente o título de um conto que escrevi por volta de 1973. Paulo Emílio e eu falávamos sobre discos
voadores quando, no meio da conversa, ele disse que um amigo em Paris estudava a estrutura da bolha de sabão. Estranhei. Ele deu de ombros, não sabia dos pormenores, sabia apenas que esse físico estudava a estrutura
da bolha de sabão. Não pensei mais no caso. Aparentemente. As bolhas que eu soprava com o fino canudo do
mamoeiro, tanto cuidado. Tanta paciência porque se o sopro saísse muito forte, estourava a bolha no nascedouro e uma cascata espumosa escorria pelo meu queixo. O sopro muito fraco também não funcionava, as bolhas
subiam tímidas, não chegavam à plenitude. A medida exata. Então lá iam elas coloridas e trêmulas com sua
bela superfície transparente refletindo a romã madura, a nuvem...Ficávamos íntimas nos meus dias de gripe,
prisioneiras no mesmo espaço do quarto. Aumentava o perigo, tantos objetos, móveis, eu subia na cama para
protegê-la com meu sopro, olha o armário! Sua tonta, olha a janela! Não olhava. Tinha mil olhos e era cega.
Ficava no vidro um leve círculo de espuma. Salvei tantas. E de repente tinha que destruí-las quando corria atrás
da maior, daquela bola mais perfeita. Ficava olhando a espuma fria escorrer pelo meu dedo. Quando me sentei
para escrever o conto, já intuía que a imagem da bola de sabão era a imagem do amor. E a estrutura? Isso vou
descobrir (ou não) através desse amor.
No caldeirão, a criação. O antigo caldeirão instalado no fogão de lenha. E Matilde soberana, preparando
a sua sopa. Os morcegos dependurados no teto, ela também esfumaçada e escura na sua ronda sem pressa. Os
ingredientes. Estendia o braço até o caldeirão fervente e deixava cair o punhado de cheiro-verde. Agora a vez
daquelas ervas estranhíssimas, havia alguma hierarquia na entrada disso tudo? Mais uma aragem de sal. Nunca
pude saber que grãos seriam aqueles que ela deixou cair do alto num gesto de quase desdém. Não tem receita,
respondeu à minha mãe. Faço como me dá na telha. Na noite da tempestade, o fogo resistia, intratável. As goteiras. Mascava fumo e frase – mas o que ela dizia enquanto baixava a cara esbraseada para soprar o fogo? Ela
é louca, pensei e fugi espavorida. A sopa sem receita e sem cálculo. Matilde e Macbeth sugerindo que a vida “é
história narrada por um idiota, cheia de som e de fúria e que não quer dizer nada”.
A criação literária. E o escritor que pode ser louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até
desviá-lo da sua loucura. O escritor que pode ser corrompido, mas não corrompe. Que pode ser solitário e triste,
mas ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na solidão.
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Paradoxos na Profissão de Professor
Nuno Rebelo dos Santos
Professor na Universidade de Évora (Portugal)
RESUMO:
Partindo das polaridades que caracterizam as sociedades ocidentais atuais, o autor apresenta uma panorâmica geral sobre aspectos relevantes da educação em Portugal, e uma perspectiva das contradições com que o
professor se depara no exercício da sua atividade profissional, face a esse contexto. Essas contradições tomam por
vezes a forma de paradoxos entre diferentes pedidos incompatíveis que a sociedade faz ao sistema educativo e à
ação profissional do professor.
Os pontos sobre os quais as contradições são analisadas são o papel e função do professor, o conteúdo
curricular, a articulação da função do professor com o contexto social, os resultados esperados da ação do professor, a formação do professor, as condições de trabalho do professor, o comprometimento do professor.
O autor finaliza com reflexões sobre os efeitos dos paradoxos e diferentes caminhos para a sua solução
construtiva.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Educação e Cultura
Danilo Santos de Miranda
Sociólogo, Diretor do SESC no Estado de São Paulo e Presidente do Conselho diretor do Fórum Cultural Mundial em 2004.
Boa tarde a todos. É com honra e alegria que participo deste Congresso e na qualidade de gestor de
políticas culturais e socioeducativas procurarei contribuir nas reflexões sobre Cultura e Educação, a partir de
definições, conceitos, história e experiências.
Para essa exposição sobre a articulação da Educação e Cultura em ações públicas, mas não governamentais, como é o caso do SESC, pretendo abordar quatro aspectos que considero mais relevantes:
• O SESC como agência educativa e o contexto histórico de sua criação;
• O vínculo permanente da entidade com as transformações culturais do país;
• Educação comunitária e educação permanente – por uma sociedade educativa inspirada pela Paidéia ateniense;
• A atualidade da ação cultural como estratégia socioeducativa.
O SESC como agência educativa e o contexto histórico de sua criação
O SESC completa 60 anos de existência no próximo ano de 2006. Desde suas origens, atribuiu-se a
missão de uma agência educacional não formal. Por meio do lazer socioeducativo como campo prioritário de
ação, a entidade reafirmou com maior clareza o mundo dos direitos do trabalhador, ao priorizar o tempo livre
como pleno de possibilidades para a formação e o desenvolvimento humano.
O final dos anos 1940 no Brasil está marcado pela re-democratização e pelo pacto dos empresários com
o Estado, em vista do bem-estar social dos trabalhadores tanto da indústria, quanto do comércio.
Com o objetivo de atender às necessidades sociais mais urgentes para o desenvolvimento econômico, foi
inicialmente criado um Fundo Social, que posteriormente tornou-se SESI, SESC e SENAI.
Por meio desse Fundo atendia-se os empregados de todas as categorias, em assistência social, repartindo
com os Institutos de Previdência da época, a responsabilidade pela melhoria física e cultural da população.
(“ ... O objetivo do Fundo Social é promover a execução de medidas que, não só melhorem continuamente o nível
de vida dos empregados, mas lhes facilitem os meios para seu aperfeiçoamento cultural e profissional...” – Trecho da
Carta da Paz Social)
Naquele momento, a assistência socioeducativa que passa a ser prestada pelas entidades “S” volta-se, primeiramente, aos cuidados nutricionais, à saúde da infância, à organização e às atividades domésticas femininas
rentáveis, às atividades recreativas e esportivas.
As unidades do SESC não tinham a atual concepção arquitetônica e atendiam uma população muito
menor do que a atual, tanto no Brasil, quanto em São Paulo.
Com esse breve panorama sobre a atuação original do SESC pretendo chamar a atenção para alguns dos
aspectos mais específicos do surgimento do SESC e da conjuntura brasileira,
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- primeiro – a parceria público-privado no atendimento social;
- segundo - o modelo pioneiro de uma atenção educativa, não formal, e cultural para as massas;
- terceiro – estabelecimento do lazer como tempo “oficial” de aprendizado e cultura.
Naquele momento, a própria escolarização oficial experimentava as novidades de sua expansão com a
reforma educacional Francisco Campos a partir de 1930.
O esforço para uma política nacional de educação e a sistematização do ensino secundário e universitário
são mudanças importantes no período.
No entanto, a reforma deixou lacunas, no que se refere ao ensino médio profissionalizante, pois privilegiou as profissões liberais pela via da formação universitária. Esse espaço acabou ocupado, em parte, pelo SENAI
e pelo SENAC, a partir da criação destas entidades e seus cursos técnico profissionalizantes.
De modo geral, podemos dizer que as entidades “S” se ocuparam da formação dessa mão-de-obra jovem,
do bem estar do trabalhador no lazer com atividades físicas e recreativas, e da educação nutricional para a saúde.
Mesmo tendo contribuído para formar uma cultura do trabalho e de determinadas profissões, e também
para estabelecer a cultura dos direitos do trabalhador em seu tempo livre, os “S” , no entanto, só podiam atender
uma parcela restrita da grande massa de trabalhadores brasileiros.
Se a reforma Francisco Campos afastou do sistema oficial de ensino a profissionalização de nível médio,
ação que foi posteriormente assumida pelos empresários, o movimento da escola nova com seus ideais de ensino
laico e democrático, contribuiu na transformação cultural própria ao pós-guerra, que forjava o Brasil urbano e
em industrialização.
O vínculo permanente da entidade com as transformações culturais do país
Sem querer enaltecer o SESC, posso afirmar que a instituição sempre esteve afinada com as transformações
sociais e culturais do país. Parte de sua cultura interna e funcional está diretamente voltada para as condições
sociais e culturais de seu público. E isso não é talento, mas missão.
Para isso, o SESC sempre contou com a contribuição de um corpo técnico voltado às ciências humanas, educação e serviço social, e ainda, com a colaboração/consultoria de intelectuais/especialistas como Joffre Dumazedier, Domenico De Masi, Edgar Morin, entre outros.
Para relembrarmos algumas das metas requeridas pelo movimento da Escola Nova na indicação de Anísio Teixeira
1. democratização do ensino – de modo que todo cidadão possa viver a igualdade de oportunidades em relação
aos demais
2. ensino obrigatório – como única forma de extirpar o analfabetismo e a ignorância que não podiam coexistir
com a evolução industrial
3. ensino gratuito – conseqüentemente, pois, resultaria injusto obrigar sem oferecer os meios; afinal, a educação
tinha de ser efetivamente vista como um direito;
4. técnicas didáticas modernas – interessadas em uma aprendizagem participada (não passiva) e em uma quebra
do distanciamento autoritário entre o professor e o aluno;
5. ensino laico – pois que o saber não devia estar envolto em sectarismos, distanciando-se das disputas de credo;
6. ensino misto – desde cedo socializando sem estabelecer barreiras entre as realidades masculina e feminina,
apresentando vantagens financeiras e maior adequação aos tempos atuais;
7. ensino de prática profissionalizante – na tentativa de se superar uma formação ornamental e romântica, criadora de desajustados sociais;
8. ensino comunitário – enfatizando o trabalho em grupo, socializado e solidário, visando ao partejar de uma
consciência de cooperação social.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Pelo papel que vem ocupando no contexto brasileiro, o SESC é chamado a participar de diversas iniciativas, tanto dos poderes públicos, quanto das entidades não governamentais.
Essa sintonia com a realidade explica as transformações na atuação do SESC, que costumo resumir em
4 etapas:
• Primeira – Assistencial (ações de atendimento nutricional, médico, odontológico, orientação puerinatal e
ações de lazer/higiene mental para o trabalhador);
• Segunda – Orientação Social e Comunitária (trabalho de ação em comunidades nas cidades do interior, sem
unidades do SESC);
• Terceira – etapa de expansão física das unidades e ênfase no lazer do trabalhador;
• Quarta – Política de ação sociocultural /educativa , que se mantêm até a atualidade.
Educação comunitária e educação permanente – por uma sociedade educativa inspirada pela Paidéia ateniense
O SESC passa a desenvolver seu atendimento em educação comunitária, também inspirado pela efervescência social e cultural e pela renovação que marcam as propostas do início dos anos 1960.
É também desse período uma das importantes experiências de educação popular, desencadeada pela
Ação Católica, que foi o Movimento de Educação de Base. Transformador e original por ter instalado um ideal
educativo voltado às bases sociais, tão relegadas pela nossa história.
Nesse contexto também, a educação comunitária passa a ser empregada pelo SESC para alcançar grupos
em cidades diversas, particularmente sem unidades. Implementar programas culturais, recreativos, de educação
para saúde era a meta de nossos agentes denominados orientadores sociais.
Essa foi uma etapa importante pois nos permitiu desenvolver uma ação socioeducativa própria e adquirir
uma tecnologia social de acordo com nossas características e demandas locais.
A maneira encontrada para articular educação e cultura foi estabelecermos os princípios do que seria o
desenvolvimento das potencialidades de todo e cidadão em suas diversas idades. Dessa forma, fortalecemos no
SESC a ética educativa, não formal e voltada à cidadania e democracia.
Como uma agência educativa não formal, pudemos criar e re-criar estratégias, adotar conceitos, de
modo a atender as transformações culturais e sociais, as quais me referi.
Nosso objetivo nunca foi o de criar pessoas brilhantes, segundo um ideal estético elitista, para despontar
no cenário cultural, mas, de provocar e estimular um processo de auto-formação permanente, segundo a idéia
do “aprender a aprender”.
Por esses objetivos que queríamos alcançar, a “educação permanente” foi tão bem assimilada pelo SESC.
E, para os que não se recordam....
A “educação permanente” desponta no final dos anos 1960, por meio do filósofo e pedagogo suiço Pierre
Furter e outros pesquisadores, como o Italiano Ettore Gelpi. No Brasil teve boa repercussão até que o período
autoritário tivesse desestimulado e até suprimido ações e propostas alternativas de educação (Centros de cultura,
propostas de Paulo Freire...)
Inspirado pelo fato de que as pessoas precisam de formação contínua ao longo de suas vidas, o SESC
apostou na adoção dessas bases para “legitimar” seus processos educativos, que para alguns pareciam sem sentido
nem poder de transformação.
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Em Atenas, a educação constituía o próprio objetivo da sociedade. Não era uma atividade isolada, realizada em locais específicos e durante uma época restrita da vida. O ateniense formava-se pela PAIDÉIA – o que
podemos traduzir como o esforço educativo continuado, durante praticamente toda a vida.
A possibilidade de uma sociedade educativa experimentada pelos gregos inspira, enquanto estratégia, a
ação geral e convergente dos diversos agentes sociais que compõem a proposta da comunidade educativa.
Agentes como a escola, os centros culturais e desportivos, os Institutos de atendimento e serviço público,
entre outros, cabendo a cada um deles atenção educativa para com seus usuários e contribuintes segundo a ética
da formação integral cidadã.
A incorporação dos princípios da Educação Permanente pelo SESC conviveu e convive com os princípios da educação pelo lazer e de animação cultural. São referências que não se excluem, somam-se.
Vejamos alguns:
- Com o propósito da continuidade, a educação tende a fazer do indivíduo o senhor de seu próprio
progresso cultural;
- A perspectiva da educação permanente procura valorizar o assunto e o interesse por este, sem os critérios de seleção e as hierarquias que marcam outros grupos de formação;
- Estimular nos indivíduos atitudes criadoras em determinadas situações, para que novos valores sejam
suscitados;
- Proporcionar a cada cidadão referências socioculturais que lhe aumentem a capacidade analítica de sua
realidade.
A atualidade da ação cultural como estratégia socioeducativa.
Com outro alcance da ação comunitária ou popular, que vigorou até o início dos anos 1970 e que tinha
a mobilização popular como princípio, a ação sociocultural em sua proposta de democratizar a cultura, privilegiou os centros culturais/desportivos como locais de ação socioeducativa.
A proposta de ação sociocultural procura abranger o maior número possível de possibilidades, em sua
perspectiva democrática de cultura. A começar pela arquitetura dos espaços.
Oficinas, espetáculos, cursos, seminários, entre outros, são formatos muito empregados nessa intervenção localizada nos Centros, que transformam a qualidade de vida das pessoas.
As vias para essa ação cultural são múltiplas: por meio de difusão, criação e animação, as práticas corporais se unem à cultura enquanto um conjunto de atividades ofertadas em nossas unidades.
A ação sociocultural no Brasil, que pretenda ser abrangente, encontra facilidades pela enorme riqueza
de elementos do movimento, dos ritmos musicais e expressões visuais, componentes de nossas manifestações
culturais tradicionais e populares.
O objetivo da ação cultural não é construir um tipo de sociedade, mas provocar as consciências para que
criem suas próprias condições na prática social e cultural.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O que é vital na intervenção educativa da ação cultural é o tipo de operação e de prática, que consiste
em aproveitar, para o processo, tudo o que interessar. Seguindo alguns princípios, mas sem as justificativas que
legitimam a educação formal.
E é por isso que em nossas unidades podemos encontrar a convivência de tantas áreas: cultura, artes,
esporte e atividade física, educação ambiental, debates sobre cultura e sociedade, etc...
Nessa proposta incentivada pela criatividade e com um pensamento organizado pela possibilidade do
vir-a-ser, a sensibilização estética, artística, intelectual e corporal são oferecidas enquanto condições cidadãs para
o despertar da autonomia cultural.
Nós sabemos que, a obrigação de todos nós profissionais que lidamos com questões públicas, é também
buscar instrumentos mais adequados para o cumprimento de nossos objetivos. No caso da missão educativa
do SESC é permitir que os cidadãos sejam capazes de ampliar sua compreensão sobre as coisas do mundo e da
cultura, tornando-se agente e criador de novas possibilidades culturais, que o retirem de uma possível postura
de consumidor passivo.
Muito obrigado.
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A Parceria entre a Instituição Cultural e a Escola
Pública
Rosa Iavelberg
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Diretora do do Centro Universitário Maria Antonia.Trabalhou por oito anos no
Ministério da Educação, desenvolvendo os parâmetros curriculares nacionais de arte para o ensino público.
Autora do livro Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Editora Artmed, 2003.
Sejam todos bem vindos a este Congresso. Estou muito honrada em participar desta mesa, e quero agradecer ao convite da Secretaria Municipal de Educação, com a qual eu já venho trabalhando em muitas gestões,
colaborando com o ensino da arte. Hoje, eu vou falar de um seguimento muito específico que é a parceria entre
a instituição cultural, no caso o Centro Universitário Maria Antônia, mas que pode ser estendido para outras
ações e instituições culturais, e a escola pública. Sou professora da Faculdade de Educação e promovo junto aos
alunos de Pedagogia, por intermédio de projetos de arte contemporânea, este vínculo entre a formação inicia
- o trabalho de formação continuada, que a gente realiza no Centro Universitário Maria Antônia, que é um
programa de extensão - e a escola pública.
O acesso à Arte Contemporânea na escola costuma ser restrito, e este é o problema. Tem um público
muito pequeno de pessoas que conhecem, podem desfrutar, gostam e, inclusive, compreendem as poéticas da
produção contemporânea, que, de alguma maneira, são instigantes e fortes mobilizadoras do ensino do jovem,
pela aprendizagem da Arte. Por quê? Porque são poéticas que estão próximas. Os artistas contemporâneos falam
de coisas próximas da vida e da vida contemporânea, da vida cotidiana que envolve rápido e facilmente o público jovem, o aluno do ensino médio, mesmo o aluno do ensino fundamental, porque ele se identifica com estes
objetos de arte.
Para o professor é importante promover projetos no recorte da arte contemporânea.Por quê? Em geral,
nas escolas se ensina Pré-História, Idade Média, Renascimento, Barroco, Modernidade e, muitas vezes, os professores não incluem o segmento da Arte Contemporânea. Outra questão é que se dispõe de muito pouco material
de apoio didático para o professor trabalhar. E o professor precisa deste tipo de apoio, de um ponto de partida,
que vai favorecer com que ele possa desenvolver as atividades de uma maneira própria, com adequação.
O que costuma acontecer quando temos os primeiros contatos com o mundo da Arte Contemporânea?
Em geral, nós estranhamos os objetos que nos são apresentadas, e a primeira pergunta que vêm na cabeça do
professor e do aluno é se aquilo que está se vendo pela frente é Arte. Em entrevistas, realizadas junto ao público
em geral sobre Arte Contemporânea, é muito comum que as pessoas não saibam se ela está num lugar que está
sendo reformado, por exemplo, ou se aquilo é uma obra de arte. Inclusive, a palavra “obra” deixou de fazer sentido. Porque as obras contemporâneas, digamos assim, não dão mais conta de serem definidas pelos conceitos das
obras clássicas como: beleza, equilíbrio, proporção. Então, são outros conceitos que envolvem essas produções,
surgindo novas categorias como, por exemplo, a categoria de objeto. Tomando um objeto feito pelo Rubem
Valentim, um artista brasileiro, importante, significativo porque ele integra à poética a cultura dos Orixás. Toda
essa simbologia dos Orixás está integrada na consolidação deste objeto. Por que objeto? Porque é uma caixa que,
ou ele mandou construir, ou ele se apropriou. Hoje é possível que você se aproprie de um objeto para criar um
trabalho de arte. Você não transforma, por exemplo, uma pedra em um corpo, uma pedra em uma perna, como
se fazia nos moldes escultóricos renascentistas ou mesmo modernos. Mas você pode se apropriar de objetos e
re-significá-los poeticamente, colocando-os em outros lugares, ou seja, em sítios expositivos especificos.
Um fato bem conhecido é do começo do século XX, quando Marcel Duchamp inscreveu um mictório
de porcelana comprado e assinado com um pseudônimo em uma exposição, afirmando-o assim como arte. Com
essa atitude o artista desafiou o conceito de obra como coisa feita pelo artista. Abriu uma grande discussão sobre
quem decide o que é e o que não é arte. E com isso instala-se uma nova modalidade de objeto artístico, o readymade, que desafia a cocepção de obra feita pelo artista, pode-se escolher e selecionar entre objetos prontos.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O artista muitas vezes transgride, mas também se apóia na História da Arte, pensando dentro de um
tempo, nele inaugurando novas formas.
Para que a gente possa aprender das proposições poéticas da arte contemporânea, é interessante, e importante que se conheça a produção dos artistas, o pensamento dos historiadores, o pensamento dos filósofos e
críticos que refletem de maneira organizada sobre essa produção para que na escola não se invente um currículo
de arte que não tenha conexão com as práticas sociais.
Uma outra modalidade de produção contemporânea é a instalação. Uma instalação pode ser uma obra pública. Existe uma obra, muito interessante, que está instalada na cidade de Chicago e foi feita por dois artistas, um
homem e uma mulher. A instalação de Denise Milan e Ari Perez foi realizada com pedras encontradas na divisão
do continente americano com o continente africano. Vejam que interessante. É uma proposta poética de integração
dos povos através da forma circular, da forma de mandala, que é integradora, simbolizando a harmonia.
A Arte sempre carrega essa natureza simbólica, seja contemporânea, moderna, ou antiga. O mais interessante dessa instalação, que é uma obra pública, é que nós, como apreciadores, podemos interferir no desenho
dessa instalação, a partir do site dos artistas “America’s Courtyard” (Páteo das Américas), que é o nome da obra,
e propor novos desenhos. Mas isso também é real, na medida que, efetivamente, esta obra pode ser montada
de outras maneiras aqui, no mesmo lugar ou em outros lugares, porque ela foi projetada para ser móvel. E tem
uma ‘mãe’ dessa obra, que foi feita 10 anos antes, na frente do Museu de Arte Moderna, no Ibirapuera, e vocês
podem visitar. É uma mandalinha um pouco menor.
Um fato importante na produção do Páteo da Américas é seu processo produtivo, no qual o operário
que trabalha na pedreira, que implode a pedra, também faz parte, participa das decisões, tal abertura é própria
da contemporaneidade.
Quando Lygia Clark faz “O Bicho”, que são vários triângulos de metal articulados por dobradiças, o
espectador participa da poética porque também constrói “O Bicho”, de alguma maneira. Isso não é possível, por
exemplo, com a “Monalisa” de Da Vinci. Apesar de que já mexeram bastante com a imagem, com a Monalisa
original não se é convidado a interagir físicamente.
Para terminar nossa conversa eu gostaria de reiterar a necessidade de inclusão de arte contemporânea na
educação das crianças, dos jovens e dos adultos e de visitação a espaços expositivos de arte contemporânea como
meio de formação, incentivo a participação social e atualização dos estudantes junto às idéias e produções do
próprio tempo.
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A magia do cinema na educação
Carla Camurati
Cineasta.
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Educação Escolar: o que trouxemos do Século XX?
Guiomar Namo de Mello
formadora de formadores, dirige a EBRAP – Escola Brasileira de Professores – uma empresa dedicada às aprendizagens de quem ensina.
Em seu livro Seis Propostas Para O Próximo Milênio, Ítalo Calvino afirmou que a caminho do milênio
não deveríamos esperar encontrar lá, nada além daquilo que fôssemos capazes de levar. No nosso caso estamos
às voltas, ainda, com heranças do século XVIII, porque na educação brasileira, os séculos não vão embora, estão
todos superpostos. Em algumas coisas estamos no Século XXI, usando metodologias e tecnologias de ponta na
educação, mas em outras temos resquícios quase medievais no sistema de ensino.
Chegamos ao limiar do Século XX com 25% das crianças do nordeste rural ainda excluídas do ensino
fundamental dito obrigatório; o mesmo ocorria com 20% das crianças negras. Essa exclusão era sócio-econômica, pois quando plotamos os dados por quintil de renda, em 1992 eram 23% das crianças que pertenciam ao
quintil das famílias mais pobres que estavam fora da escola.
O processo de incorporação dos excluídos do ensino fundamental caminhou muito lentamente. Pode-se
situar seu início lá pelos anos 1970, mas só se acelerou na década de 1990. Vale a pena destacar: levamos 500
anos para universalizar um nível de ensino, que pelas Constituições, era obrigatório desde 1946!
Hoje, de cada três brasileiros, um está na escola, e provavelmente carrega consigo a esperança dos outros dois.
São 60 milhões de almas, quase uma França, uma Argentina e meia, mais de quatro Chiles, matriculados na
escola. É muita gente. Só de professores de educação básica, sem contar os do ensino superior, o Brasil já tem
mais de 2.300.000.
O gráfico a seguir é auto explicativo. De 1992 a 1999 a inclusão em massa ocorrida no ensino fundamental foi daqueles antes excluídos, ou seja, os quintis mais baixos de renda. O final da década apresenta índices
de matrícula de todos os quintis de renda muito próximos.
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A camada social à qual as crianças do quintil mais pobre pertencem, nunca antes tivera acesso à escola.
Isso é menos visível em São Paulo, mas nos bolsões de pobreza existentes aqui, bem como nos grotões de pobreza
no Norte, Nordeste ou Centro Oeste do país, essa inclusão em massa é bastante evidente.
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O Gráfico 2 mostra que a mesma coisa aconteceu com as raças. A inclusão é totalmente estratificada por
raça: o indígena, depois o negro, depois o pardo, depois o branco e depois os orientais.
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No ensino médio a tendência é a mesma: a expansão está ocorrendo no público e no noturno. Quem
está chegando ao ensino médio hoje, pertence a uma classe social que antes mal chegava a concluir o ensino
fundamental. Esse novo aluno do ensino médio noturno é um trabalhador que estuda ou um estudante que trabalha. Seu pai não foi médico, muito menos seu avô. Ele ganha a vida, não vive de mesada dos pais. É um jovem
que tem as mesmas características da juventude em geral, mas que as vive de maneira muito distinta dos jovens
de elite, porque são responsáveis por sua própria manutenção; tomam decisões sobre seu corpo e sua vida afetiva;
sua interlocução com a família pode ser afetiva, mas é em geral mais preparado intelectualmente que seus pais;
são autônomos para decidir uma relação de subordinação ou rebeldia com a ordem social e jurídica. Nada a ver
com a juventude de elite que há menos de duas décadas tinha acesso quase exclusivo ao ensino médio público
ou privado. E observe-se que o ensino médio privado estacionou, tendência que só vai se acentuar daqui em
diante. Quanto melhor for resolvido o fluxo do ensino fundamental com programas de aceleração, progressão
continuada ou outros, mais o ensino médio vai se expandir.
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Há 15 anos, cada criança que terminava as oito séries do ensino fundamental havia permanecido na
escola de 11 a 12 anos em média. Portanto, a maioria dos concluintes do fundamental já tinha anos de escola
suficientes para ter concluído o ensino médio! Nada mais lógico portanto, que busquem ingressar no médio se
conseguirem concluir o fundamental em menos anos. Isso sem falar naqueles que estão voltando para a escola
porque haviam ido para o mercado de trabalho logo que terminaram o fundamental. Esse ensino médio é de má
qualidade, noturno, não tem professor, nem livros acessíveis. Não tem materiais de apoio à docência. Mas tem
aluno e isso é uma esperança.
Calcula-se que por volta de 2011 o Brasil vai ter mais professores de ensino médio do que de ensino
fundamental. Isso coloca desafios inéditos para a formação de professores que saibam ensinar para adolescentes
e jovens. Também na educação de adultos os dados apontam 6 milhões de jovens que estão na escola, muitos
deles voltando depois de interrupções prolongadas. A leitura mais imediata que se pode fazer desses dados é a
de que a população escolar brasileira será cada vez mais heterogênea e que o “presente do futuro” nos apresenta
esse enorme desafio de atender a diversidade com qualidade.
Como será esse mundo no qual teremos de ter uma qualidade na diversidade da educação brasileira?
70% das carreiras que vão existir daqui a 30 anos ainda não existem
Portanto, qualquer pretensão de preparar a criança ou jovem para um posto de trabalho, está prejudicada; podemos preparar para o mundo do trabalho no sentido amplo mas dificilmente poderemos preparar para
um emprego. Aliás já vivemos nesse tempo. Imaginem como causaria estranheza a nossos avós ou bisavós saberem que seu neto ou bisneto seria um web designer” Para avaliar o ritmo frenético das mudanças tecnológicas
vale lembrar que nossos avós ou bisavós, tão próximos em termos de tempo histórico, pertenceram à geração na
qual muita gente nunca acreditou que o homem efetivamente chegou a Lua!
Menos da metade das pessoas que estão ingressando agora no mercado de trabalho vão terminar
suas carreiras na mesma área ou ocupação
O mercado hoje tem um dinamismo que não permite mais carreiras como as de duas décadas atrás nas
quais a pessoa ingressava e permanecia pelo resto de sua vida.
O conhecimento acumulado, que hoje dobra a cada 05 anos, em 30 anos estará dobrando a cada
73 dias.
Não dá para ter mais a ilusão de que a escola ensina tudo. Ou ela ensina a continuar aprendendo ou
poderá ser fechada. Porque a caduquice do conhecimento escolar será cada vez maior.
O paradigma dedutivo-indutivo das ciências clássicas será substituído pelo paradigma sistêmico como
o da Ecologia, um conhecimento cada vez mais em formato de rede.
Ninguém conhece um movimento dos físicos pela conservação dos metais, mas com certeza, conhece
muitas ONGs ou movimentos ecologistas para conservação do meio ambiente. O que a Ecologia tem que as
Ciências Clássicas não têm? É um outro paradigma. Ela é interdisciplinar, não é apenas uma área acadêmica confinada; é área de estudos acadêmicos e de militância; reúne num único enfoque aquilo que a Física, a Química, a
Biologia todas juntas não têm, que é uma prática social. Processo similar já se insinua, por exemplo, na fronteira
das pesquisas biológicas, onde questões de ética e filosofia se tornam cada vez mais presentes. Há menos de uma
década a pesquisa sobre células-tronco era ainda incipiente e estudos sobre células em geral não eram de interesse
público. Hoje isso é tema político a ponto de o governo norte-americano ter passado uma lei específica sobre a
pesquisa com células-tronco. Não é pesquisa pura, mas, ainda não é uma área de militância política; mas, já há
grupos que defendem e grupos que condenam a pesquisa com células-tronco. Como vamos preparar a cabeça
das crianças para trabalhar com este paradigma novo?
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O Nacional - Internacional cede lugar para o Local-Global.
Hoje ninguém mais fala de imperialismo nem de multinacionais; nem mesmo de dominação de países. O que as pessoas falam hoje? Da globalização. Faz-se reuniões enormes, faz-se o Fórum oficial e o Fórum
extra-oficial, para discutir a questão da globalização, sobretudo na Economia, mas também nas outras áreas. A
Ecologia também é pioneira nessa questão. Foi na militância ecológica que surgiu a estratégia expressa na famosa
frase “Pense globalmente e aja localmente”.
A mão de obra vai migrar das grandes corporações para as micro empresas e destas para as empresas-pessoa.
Este movimento já é muito claro e se iniciou com a terceirização de serviços como, por exemplo, os de
pessoal ou de contabilidade. À alta direção corporativa cabe pensar e decidir estrategicamente sobre seus recursos
humanos. A administração cotidiana do pessoal pode ser feita melhor por outra empresa especializada.
A divisão das nações ricas e pobres será também e sobretudo uma divisão entre nações que
“sabem” e nações que “não sabem”
Porque não conseguiram promover uma revolução nos seus sistemas educativos para ter educação de
massa, de qualidade na diversidade. E não vai adiantar ter meia dúzia de sumidades, iluminados que dão show de
inteligência e cultura para o mundo. O mundo no qual Rui Barbosa fez isso não existe mais. Daqui em diante o
grande patrimônio serão as competências, os valores, as disposições de conduta da grande massa. Hoje, na sociedade da informação e do espetáculo, ou a nação tem educação de qualidade para todos, ou, na prática, não tem
educação nenhuma. Para ilustrar o que é esse “saber” comparem um trator com um chip de computador. O trator
é basicamente matéria prima é pouco projeto. O chip de computador só tem projeto, cabe na palma da mão, não
tem matéria-prima quase nenhuma, é pura massa cinzenta. Mas os tratores de hoje não andam sem ele.
Diante desse mundo desafiador, a educação brasileira, cronologicamente instalada no Século XXI, ainda
está com os mesmos problemas que assombraram a educação em vários países do mundo ao longo do Século
XX. E ainda estamos tentando solucioná-los com as mesmas verdades consagradas, buscamos os mesmos consensos, geramos as mesmas controvérsias e disputas. Esse auditório parece ser jovem, mas quem sabe alguém
aqui compartilha comigo de um sentimento de deja vu diante do cenário educacional de hoje. A impressão que
a gente tem é que já viu tudo, nada mais é novidade.
Escrevi sobre isso na Revista “Nova Escola” do mês passado. Tudo que nós estamos propondo para
melhorar a Educação hoje, já existe há quase 80 anos e nós ainda não conseguimos implementar. Como sair
dessa situação? Não tenho a resposta, mas vou levantar algumas perguntas. Pelo menos saio mais aliviada, por
dividir minhas inquietações com um muita gente. Primeiramente é preciso questionar algumas verdades. Depois
desconstruir alguns consensos e duvidar das controvérsias. Vou tentar falar um pouco sobre essas coisas, questionando, desconstruindo, duvidando.
Comecemos com um problema que já virou mantra na sociedade brasileira: “A qualidade de ensino hoje
é ruim, caiu muito”. Já se ouviu muito essa afirmação. A pergunta é: “Caiu de onde?” Em que altura estava
para cair? Para quem a Educação é ruim hoje? Pra mim, para o intelectual, para o secretário, os coordenadores,
a Universidade, ela pode ser ruim. Mas é ruim para quem está esperando o metrô? Para os que só agora estão
chegando no ensino médio e no superior, a qualidade é boa. Vocês não imaginam a ânsia, o afã, que a gente vê
nessa juventude, que trabalha de dia e vai estudar de noite. É uma grande vontade de saber.
Lembro então da ironia de um jornalista quando entrevistava o Ministro Paulo Renato no Programa
Roda Viva da TV Cultura. Ele perguntou e afirmou: “Quando o MEC vai fechar uma faculdade privada? Quando a gente vai poder festejar isso? Porque eu quero comemorar esse dia!” Lembro-me de ter pensado e dito: “Eu
não. Vou ficar de luto toda vez que for fechada uma escola. Só vou fazer festa no dia em que a gente fechar uma
cadeia ou uma unidade da FEBEM!”. É preciso descobrir por que essa gente acha a qualidade boa.
60
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O que significa entrar na UNICSUL, na São Camilo, na UNIBAN à noite para fazer um curso de enfermagem ou de magistério? O que significa para essa pessoa? Se não for possível trabalhar esses significados, a
política educacional vai ao desencontro, não ao encontro das expectativas de nossa juventude.
Nenhum país construiu educação de qualidade sem garantir acesso para todos. Enquanto política pública, a educação só tem qualidade se tiver qualidade para todos. Façamos um exercício elementar só para ilustrar
esse conceito. Digamos que agora nessa avaliação universal que o Governo Federal vai fazer, apenas metade das
crianças da cidade de São Paulo estivesse na escola. E que a nota obtida por essa metade fosse a nota máxima,
100, por exemplo. A verdadeira média de desempenho das crianças paulistanas seria 50, porque para cada uma
que tirou 100 tem uma que não estava lá. E se todas estiverem e sua média for 70 ainda é melhor que uma média
de 100 só para a metade. Não estou com isso defendendo que qualquer educação é boa, apenas colocando as
coisas em perspectiva.
Na verdade a escola brasileira nunca foi boa. Desde que temos estatísticas educacionais constatamos uma
repetência de 40% a 50% na primeira série do ensino fundamental. Se hoje temos menos analfabetos, a verdade
é que o nível de letramento da sociedade como um todo não é bom, porque não se lê e com isso não se constrói
competência leitora. O problema é que hoje a má qualidade ficou muito visível. Não dá para esconder que o Rei
está nu. A gente antes se iludia porque tinha meia dúzia de “iluminados’ que passavam no vestibular. Não existe
mais essa homogeneidade de minorias.
Para concluir quero ler uma frase de Álvaro Crispino, ex Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, que coloca muito bem a questão: “A massificação trouxe, para o bem do Universo escolar, o conjunto diferente
de alunos, sendo certo que a escola atual, da maneira como ela está organizada e da maneira como os professores foram
formados, só está preparada para lidar com alunos de formato padrão e perfil ideal. A massificação ampliou o número
de alunos e trouxe um aluno de perfil diferente daquele com o qual a escola está preparada para lidar, isto acarretou
uma desestabilização da ordem interna histórica. Está criado o campo de conflito”. Abençoado conflito, digo eu!
A reclamação com a queda da qualidade em geral associa esse fato ao aumento quantitativo da população
escolar. Mas será mesmo que o crescimento quantitativo é o responsável? Poucos se lembram que esse discurso
sobre a má qualidade do ensino tem 50 anos. E há 50 anos o Brasil só tinha metade de suas crianças na escola,
quase só ricos e classe média. E mesmo assim, com metade das crianças na escola, havia mais de 40% de repetência! Há estudos assustadores sobre esse fenômeno nas escolas particulares. O critério de avaliação muda e a
repetência muda de modo a manter a porcentagem histórica. Um aluno, que pelo critério anterior seria aprovado, pelo novo critério é reprovado ou vice versa!
Então não deve ser exatamente o fato de ter democratizado o acesso que supostamente fez cair a suposta
qualidade. Deve ser alguma outra coisa, o buraco deve ser mais embaixo. Uma explicação plausível é a de que
a cultura da escola brasileira rejeita a democratização. No discurso há unanimidade, mas no âmbito do valor,
no âmbito simbólico, a democratização é mal vista. Nelson Rodrigues lembra que toda unanimidade é burra.
Neste caso pode não ser burra mas é perigosa. Qual será a cultura dessa escola que impregnou a todos nós que
passamos por ela?
Vamos ver um pouquinho de história. Ajuda a entender o presente. O sistema educacional brasileiro
começou por cima. Pombal mandou embora as únicas almas que ensinavam a ler e escrever, que eram os jesuítas, e isso foi pelo fim do Século XVIII. No começo do Século XIX, Dom João VI transfere a Corte. Ao chegar,
funda a Casa da Moeda, abre os portos e manda vir uma missão francesa para criar a Imperial Academia de Belas
Artes, nas quais aconteciam as “Aulas Régias”. O edifício está até hoje na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro,
tombado pelo patrimônio histórico. Quem quiser pode ir lá ver e fazer reverências. E não é só isso não, até hoje
no Conselho Nacional de Educação quando se fala em Direito, Medicina e Engenharia, a corporação insiste
em lembrar que não se pode mexer nesses cursos porque eles são imperiais! Deve ser por isso que a universidade
pública não forma professores!
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Há uma cultura elitista, que recebemos de berço.
• É centrada no ensino, não na aprendizagem.
• Inspirada na liberdade de ensinar, não pelo direito de aprender. Não só do aluno, mas do professor também.
Que liberdade de ensino é essa em que as pessoas não aprendem?
• Cultiva o currículo enciclopédico e sobrecarregado de disciplinas o qual, para caber no tempo da escola, é
esquartejado em aulas que ficam cada vez mais curtas, com 50, 45 até 35 minutos de duração.
• É verbalista, teórica, e de uma retórica pedante, onde aprender serve para subir na hierarquia escolar e social.
Foi só depois do FUNDEF que acabaram as malditas classes de alfabetização do Nordeste, onde o menino ficava
estacionado até ser alfabetizado, para depois entrar na primeira série. Porque criança pobre não pode entrar na
escola para aprender. Tem que saber antes de entrar na escola. Essa era a filosofia embutida nas classes de alfabetização. Isso só acabou quando o prefeito e o governador descobriram que na pré-escola não tinha FUNDEF.
Aí todo mundo entrou para a escola. A lástima é que, nos anos seguintes, 1998 e 1999, por exemplo, no Estado de Pernambuco, 47% das crianças da primeira série repetiram. O estacionamento de alunos nas classes de
alfabetização se transferiu para dentro da escola de ensino fundamental. E se não forem adotadas políticas para
impedir, vai acontecer a mesma coisa na primeira série do ensino fundamental de nove anos. Eu mesma, quando
terminei a quarta série do ensino fundamental (chamada de primário), tive que fazer exame de admissão. Ouvi
nessa ocasião uma pessoa dizer que era muito bom ter exame de admissão, porque continuar estudando não
era para qualquer um! Isso faz apenas 50 anos! Depois de concluir as oito séries do ensino fundamental havia
(e ainda há em muitos lugares), que fazer vestibulinho. Enfim, a escola continua preocupada em preparar para
continuar na escola, não para a vida.
• Uma cultura de avaliação que sempre privilegia o que já está aprendido. Como ela é seletiva, tem que ter um
ponto de corte para fazer alguns entrarem e outros ficarem de fora. Num mundo em que o que eu vou aprender
amanhã é mais importante do que o que aprendi ontem, nossa cultura avaliativa ainda olha apenas pelo espelho
retrovisor.
Algumas manifestações dessa cultura elitista são sugestivas. Já perceberam que nos jornais brasileiros,
as notícias sobre ensino superior saem no primeiro caderno, junto com as notícias nacionais e internacionais,
de economia e de política, e que, quando se trata de educação básica sai no caderno Metrópole, Cidades ou
Cotidiano? Sabem que por essa decisão editorial, o mesmo repórter que cobre o carro que caiu num buraco da
rua, o caminhão que perdeu o breque, ou o crime da noite anterior, também cobre Educação. Não é por acaso
que as notícias aparecem só quando caiu o muro da escola ou houve um surto de sarampo... É mais fácil cobrir
esses fatos do que a adoção de um método de alfabetização ou o mau uso de uma biblioteca. Enfim, a educação
superior tem um lugar editorial nobre porque os jornalistas fizeram ensino superior e as pessoas que lêem jornal
também. Com certeza ninguém que fez ensino superior vai concordar com isso, o que significa a mesma coisa:
continuamos sendo um pequeno povo mui feliz.
A primeira lei de fato nacional sobre o sistema de ensino no Brasil aconteceu na década de 1940, com as
leis orgânicas, e depois em 1961 com a primeira Lei de Diretrizes e Bases. Durante 400 anos o Brasil funcionou
sem ter uma Lei Nacional, porque nesse âmbito só se tratava de ensino superior. E até hoje as pessoas identificam a educação toda com o MEC e o Ministro, embora apenas as universidades e as Escolas Técnicas Federais
sejam gerenciadas pelo MEC. Para a imprensa, os intelectuais, os homens de negócio, os formadores de opinião,
a Educação é do MEC, embora a educação básica tenha sido criada e consolidada pelos Estados e, agora, pelos
Municípios.
Uma parcela pequena do ensino superior público se apropria de um montante proporcionalmente muito maior do que os quase 50 milhões de alunos que estão na educação básica. O custo aluno no ensino superior
público é, por baixo, 10 mil reais por ano. O per capita nacional do FUNDEF não chega a 600 reais por ano.
Ou seja, a elite continua se apropriando da fatia do leão. Isso não acontece por causa da maldade ou bondade de
62
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
ninguém. Não é uma história de bandido e mocinho. Acontece assim porque o processo histórico de formação
do país levou a isso.
Os mais pobres estudam na escola pública, mas vão para a universidade privada. Quer dizer, eles pagam
para estudar no ensino superior. Uma das medidas mais importantes do atual governo é o ProUni – Programa
Universidade para Todos. Existem várias coisas a aperfeiçoar no ProUni, começando com um condicionamento
das bolsas à avaliação de resultados das instituições. Mas mesmo sem mudar nada o programa é bom porque é
uma medida que vai ajudar quem quer estudar a pagar a faculdade. É muito mais barato do que ampliar vagas
nas universidades públicas onde o custo aluno é muito maior do que o valor da bolsa do ProUni.
O elitismo na educação brasileira se manifesta até sob o discurso vanguardista. Assim que as crianças
pobres começaram a chegar na escola inventamos que a boa pedagogia era a “pedagogia da rua”! Analfabeto passa
em vestibular e vira notícia, desqualificando a escola em que o analfabeto conseguiu entrar. É óbvio que não se
trata de aceitar que o analfabeto passe no vestibular. Trata-se de entender como isso ocorre no nível simbólico.
Em conversas com professores de escolas públicas de periferia, vários me disseram que há dois, três, até oito
anos fazem seleção para o Mestrado na USP porque não têm dinheiro para pagar um curso particular. Nunca
conseguiram ser selecionados, mas isso não é notícia.
Finalmente a cultura escolar brasileira gosta muito de diluir a missão da escola, inventando sucedâneos
para uma aprendizagem que não conseguimos fazer acontecer. O discurso passa pelo fato óbvio de que escola não
é só ensinar conhecimentos. Faz uma parada para rotular objetivos de aprendizagem de tecnicismo neo-liberal.
E termina dizendo que mais importante que educar é formar; mais importante que conhecimento é sentimento
e afeto. Esse discurso não pode ser questionado porque é óbvio. Qualquer um sabe que na vida qualquer coisa
que se faça sem afeto sai mal feita e oprime. Mas há uma pergunta a ser feita. Por que só agora, quando todos
estão na escola, o afeto ganhou essa dimensão? Será que os pobres precisam mais ser amados do que respeitados
por suas competências e conhecimentos?
O discurso do amor e do assistencialismo encobre nossa incapacidade, talvez nossa angústia, de definir
o que deve ser uma boa escola para todos agora que todos estão na escola. Porque agora o futuro chegou e todos
os futuros estão na escola: o gari de limpeza urbana, o técnico de televisão, o comandante de aviação, a médica
e o futuro presidente da República, o advogado criminalista, a especialista em estética, a empregada doméstica,
a secretária executiva, a caixa de supermercado, o executivo de grandes corporações.
Como é que se educa e ensina a todos? Existe uma maneira única de aprender? Os conteúdos curriculares
seriam os mesmos? Separados por tipo de aluno, região ou zona? E a didática para ensinar a alunos tão diferentes? Sabemos como? Há pouca pesquisa nas universidades sobre essas questões. Os cursos de pós-graduação não
se dedicam ao ensino de conteúdos específicos. Conheço poucas pós-graduações sobre ensino de alguma coisa. A
maioria dos cursos se volta para as questões gerais dos fundamentos sociológicos ou psicológicos da educação. E
como preparar os professores para enfrentar essas situações tão diversas? Também aqui a investigação é pobre.
Precisamos urgentemente fazer uma agenda de trabalho para o Século XXI. Um plano estratégico para
desconstruir/reconstruir a cultura escolar brasileira a fim de que ela tenha foco na aprendizagem, inspiração no
direito de aprender, adoção de um currículo mais enxuto e por competências, práticas com projetos interdisciplinares onde os alunos apliquem e dêem sentido ao que estão aprendendo. Precisamos uma escola voltada para
o que vai ser importante neste século: conhecimento aplicado, linguagens da contemporaneidade, aprendizado
para a vida, não apenas para continuar na escola; avaliação sem espelho retrovisor, onde o ritmo e o valor que
cada criança consiga alcançar ao longo do ano seja acolhido e valorizado para empurrá-la para a frente, não para
fazê-la voltar para trás e recomeçar tudo novamente do ponto em que estava no início do ano. Precisamos de
uma cultura escolar diversa e inclusiva e não homogênea e excludente. Mas não diversa por modismo de responsabilidade social empresarial. Diversa porque acolhe e não desiste de propiciar aprendizagem a nenhum aluno.
O quadro normativo institucional está elaborado; a LDB é uma lei flexível com uma visão contemporânea de
educação; o FUNDEF, se não resolve a escassez de recursos, permite uma distribuição muito mais eqüitativa.
Em resumo, nos últimos 10, 15 anos, construímos um marco político e institucional que abre caminho para
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o trabalho pedagógico de qualidade. Na área pedagógica também fizemos avanços com as diretrizes e parâmetros curriculares. É como se o sistema educacional brasileiro estivesse bem colocado no grid de largada de uma
corrida pela qualidade. Antes não havia nem o carro. Agora estamos posicionados para a largada; esquentando
os motores. Mas temos de começar a corrida. Nesse jogo não adianta as cartas estarem na mesa nem o carro na
largada. É preciso jogar e jogar para ganhar.
Para jogar temos de convocar o time, porque é aos sistemas e às escolas que caberá, em última instância
tomar as decisões importantes para melhorar a qualidade: educação continuada dos professores, recursos didáticos tanto para os alunos aprenderem, como para os professores aprenderem a ensinar, mais tempo de permanência na escola tanto na duração maior do dia escolar como no máximo aproveitamento do ano letivo.
Primeiras coisas primeiro, reconheçamos que Calvino tinha razão. Chegamos no século XXI e o que
encontramos? A Era de Gutemberg, nos esperando para nos desafiar a preparar nossas crianças para superá-la! Já
não basta disputar se os analfabetos têm mais de 50 anos ou não, nem qual a porcentagem deles. Isso valia para
o início do século passado. Agora, para superar a Era de Gutemberg ler e escrever é pouco. As tarefas são muito
mais complexas: todos têm que ter competência leitora e escritora – ou letramento no dizer dos especialistas
– para desenvolver as capacidades cognitivas superiores requeridas pela sociedade da informação; domínio das
linguagens para aprimorar a comunicação humana; discernimento ético e articulação verbal para o exercício da
cidadania.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O Tempo e o Espaço na Educação Infantil
Telma Vitória
Psicóloga, Mestra em Saúde Mental pela Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, trabalhou como consultora do Ministério da Educação,
do Programa Auxiliar de Desenvolvimento Infantil Magistério (ADI município de São Paulo), da Secretaria Estadual de Educação do Paraná e do Centro
de Cultura e Educação Infantil da CAASP/OAB, em programas de formação de professores. Foi coordenadora técnica administrativa do Centro de
Cultura e Educação Infantil, vinculado à Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo – CAASP. Atualmente é Coordenadora Geral dos Centros
de Educação Infantil da Associação Santo Agostinho.
Boa tarde a todos.
Eu me formei em Psicologia, mas durante a minha trajetória nesses últimos 20 anos, trabalhei basicamente na educação infantil, em especial nas creches. Há 10 anos, nós tivemos uma mudança de nomenclatura. Creche
é uma instituição que atende crianças de até 3 anos e 11 meses, e pré-escola é a instituição que atende crianças a
partir dos 4 anos. Chamamos de Centros de Educação Infantil, as instituições que atendem as crianças de 0 a 6
anos. Com 20 anos trabalhando nas creches, muitas vezes, eu me confundo e acabo falando creche quando estou
falando de atendimento de criança de 0 a 6 anos. Tento me disciplinar com a nova nomenclatura.
Antes de tudo, eu gostaria de agradecer muitíssimo à Secretaria Municipal pelo convite. E por poder
compartilhar com vocês algumas reflexões sobre a organização do tempo e do espaço na educação infantil. São
questões fundamentais, quando pensamos que, hoje em dia, estamos todos investindo no aprimoramento da
qualidade da educação infantil. Quando me formei, no início da década de 80, as creches tinham uma conotação assistencialista. E nesses 20 anos, que é bem pouco tempo do ponto de vista histórico, nós temos sofrido
muitas mudanças, no que diz respeito ao que é importante nesse trabalho da educação infantil. Se antigamente
nós priorizávamos a demanda, o atendimento do maior número possível de crianças, hoje em dia tentamos
construir coletivamente critérios mínimos de qualidade. Dentre eles está a questão do número de crianças que é
possível atender em cada instituição.
Quem trabalha no cotidiano sabe as dificuldades das famílias que chegam pedindo vaga para seus filhos
serem atendidos, e o quanto isso pode comprometer a qualidade das crianças que já estão sendo atendidas. A
organização do tempo e do espaço tem tudo a ver com isso. Porque para poder garantir algumas condições, que
nós estamos tentando acertar como condições mínimas de direito da criança, temos um limite sobre o número
de crianças que podemos atender. Essa é a primeira questão que temos que pensar muito seriamente, apesar de
sofrermos muitas vezes com os pedidos de vaga que nos chegam diariamente na instituição.
Com relação a esses pedidos de vaga, eu acho que outras ações precisam ser feitas. Mas antes, precisamos defender as condições que tão dificilmente vamos conseguindo criar, de qualidade de vida para as crianças
que estão sendo atendidas, e melhorar com o tempo essas condições. Essa é uma primeira questão que eu acho
importante, entre outras que sabemos que dizem respeito diretamente à qualidade de vida da criança dentro da
instituição. Existem também as questões relacionadas à qualificação dos educadores, a forma de participação das
famílias e outras.
Hoje eu vim aqui para falar da questão da organização do tempo e do espaço. Primeiro é preciso deixar
clara a diferença entre espaço e ambiente. É um pouco artificial isso, mas nos ajuda no dia-a-dia no trabalho.
Quando você faz essa separação, pensa o espaço em sua parte física, como a forma de organização dos objetos,
se tem parede, se não tem, o que é um espaço quando tem árvore, areia, sol, fileiras de cadeiras dispostas, mesas,
chuveiros etc. Depois pensa o ambiente, considerando outros aspectos que também estão presentes nesse espaço
físico, que são as pessoas que organizaram esses espaços, os tempos em que são ocupados, as finalidades com que
são organizados, o clima emocional que gera, as características das pessoas que estão presentes nesse ambiente,
as relações que se estabelecem entre essas pessoas. Então, quando falamos de ambiente, falamos de tudo isso,
de espaço, de tempo, de relações, das finalidades, dos objetivos, das condições daquele momento de cada uma
das pessoas. É muito importante, quando você entra numa sala, observar aquela sala enquanto espaço físico e
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enquanto ambiente. O que acontece naquele ambiente? O que ele está retratando, enquanto vida das pessoas ali
presentes? Isso nos ajuda a avaliar qual é a qualidade das relações que estão sendo estabelecidas naquele espaço /
ambiente.
A questão do tempo também está presente dentro desse olhar. Por exemplo, quando você pensa em um
espaço organizado para atividades de higiene: a maneira como aquele espaço está organizado permite pensar
quanto tempo é possível estar com um grupo de crianças ali. Ou quando você pensa em uma sala de refeições
para as crianças pequenas: quanto tempo você programa, naquela jornada de atividades, para que as crianças
permaneçam naquele espaço? Fazendo o quê? Então, espaço e tempo estão completamente misturados quando
se fala de ambiente.
Ambientes retratam as nossas representações, nossos valores, nossos objetivos. Os ambientes são, de certa maneira, retratos, fotografias, uma cara das pessoas que os organizaram, que os freqüentam, que os habitam.
Isso não é só para a educação infantil. Você visita uma casa, uma igreja, aquele ambiente fala com você, ele já te
informa algumas coisas sem você precisar fazer contato com outras pessoas. Só o retrato que ele apresenta já te
dá algumas pistas sobre as representações, valores e conceitos das pessoas que compõem aquele ambiente.
Por exemplo, há 20 anos freqüentávamos creches cujas salas, onde as crianças ficavam, eram salas grandes, ficava um número grande de crianças, e as salas eram completamente vazias de mobiliário e objetos. Depois
de um tempo que muitos pesquisadores estudaram a respeito, nós percebemos que por trás da organização de
uma sala para criança pequena estava uma representação de que a criança não tinha condições de ter objetos.
Acreditava-se que ela precisava de espaço livre para correr e se movimentar. Nesses 20 anos, uma mudança vem
ocorrendo nessa nossa concepção: esse espaço completamente aberto para crianças pequenas propicia mais
conflitos entre elas. E se você compõe o espaço em zonas delimitadas, se coloca objetos ao acesso das crianças,
isso estrutura e ajuda a organizar as interações das crianças. Faz 20 anos que essa mudança aconteceu, é pouco
tempo. E hoje em dia, ainda encontramos muitas instituições de educação infantil organizadas com salas completamente abertas.
Além disso, nós fomos descobrindo que as crianças pequenas têm competências, que elas têm mais capacidades do que pensávamos. A criança não é um ser destruidor, a priori. À medida que você trabalha com grupos
de crianças e organiza espaços com carinho, com cuidado, criando ambientes de interação, elas são capazes de
interagir entre si sem brigar, de ficar longos períodos brincando numa mesma temática com determinados objetos. Para isso acontecer, vai depender do nosso olhar de educadores para este ambiente, e para aprendermos cada
vez mais sobre as capacidades que essas crianças têm para se apropriar desses ambientes que nós organizamos.
Porque elas também transformam os ambientes. É o adulto que determina inicialmente, mas depois começa a ter
a carinha das crianças nesse ambiente. Elas vão se apropriando e vão se organizando conforme seus interesses.
Uma vez eu fui visitar uma creche que tinha uma sala basicamente composta por mesinhas. Eram crianças em torno de 4 anos e as mesinhas estavam vazias. Em um canto da sala tinha a mesa da professora, que ficava
próxima da janela. Essa janela tinha cortina e perto dela tinha uma lousa, uma mesinha com alguns enfeites e
um armário. Era o pedaço mais atrativo da sala. Quando eu cheguei, a professora me disse: “Eu não sei mais o
que eu faço com essas crianças, porque eu as mando se sentarem nas suas mesas e elas vêm o tempo inteiro querer
se sentar na minha mesa”. Os ambientes atraem conforme a maneira como são organizados. Eles sugerem que
coisas nós podemos fazer, orientam a nossa ação. Logicamente, nesta sala, as crianças eram atraídas pela parte
melhor organizada e mais acolhedora da sala, que era o espaço da professora.
Por isso venho trazer uma proposta para vocês, de pensar essa organização do tempo e do espaço das
crianças, dentro das instituições infantis com vistas aos seus objetivos educacionais. Como promover um ambiente que organiza as ações da criança, para que ela mostre suas competências, suas capacidades? Como ele
precisa ser para permitir as interações das crianças entre si? E como fazer para que esse ambiente tenha um clima
de prazer entre as pessoas, não só entre as crianças, mas para os adultos que estão presentes ali?
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Quanto à rotina, a organização do tempo, ela não precisa ser aquela coisa de “todo dia ela faz tudo sempre igual”. Alguns marcos da organização do tempo são importantes para as crianças, mas as novidades também
marcam situações que enriquecem as experiências de todo mundo. Ninguém consegue viver só na monotonia e
ninguém consegue viver só em grandes desafios. Essas coisas têm que ser temperadas no dia-a-dia das crianças.
Pensando essa organização do tempo das crianças, dentro da instituição de educação infantil, precisamos
prestar muita atenção na institucionalização, nas práticas que muitas vezes repetimos sem ter mais o entendimento do que elas significam ou representam. Repetimos muitas práticas sem pensar nelas. Quando pensamos
em ambiente para promover o desenvolvimento das crianças, pensamos em ambientes que favoreçam experiências significativas para as crianças e não essa repetição institucionalizada de práticas.
Eu vou apresentar alguns exemplos através de fotos, e aproveitar para trazer algumas idéias que eu tive
o privilégio e a oportunidade de desenvolver junto com outras pessoas nessa minha trajetória. Especialmente,
quando nós montamos o Centro de Educação Infantil da CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São
Paulo), aqui no Centro da cidade. Foi uma proposta inovadora que me seduziu e eu acabei vindo para São Paulo
para desenvolver esse projeto, principalmente, pelo desafio que ele representava. É uma instituição de educação
infantil que está instalada no alto de um prédio. Ela ocupa o 12o e 13o andares, e o 14o é cobertura desse prédio,
onde fica a área livre das crianças. O prédio se localiza a poucos metros da Praça da Sé. Então, pensar essa questão de tempo e espaço para crianças nesse local foi um grande desafio. E acho que conseguimos desconstruir e
reconstruir alguns conceitos muito interessantes, para poder perceber as capacidades das crianças de apropriação
dos espaços e dos tempos.
Para isso, estudamos e procuramos nos fundamentar teoricamente em Wallon, que desenvolve um conceito muito útil na educação infantil: o conceito de meio. Wallon diz que é na interação com o meio que se dá
o desenvolvimento da criança. O meio que, em grande parte, está construindo a identidade da criança e a partir
dele ela está construindo seus conhecimentos. Ao mesmo tempo, a criança também está intervindo nesse meio,
que é biológico, social e psicológico.
Também procuramos estudar bastante o conceito de zona e desenvolvimento proximal, do Vygotsky.
Zona nos remete a uma imagem de espaço também, só que é um espaço meio abstrato, definido não por fronteiras, mas por significados. Aqui eu gostaria de fazer uma provocação para vocês. Quem trabalha com grupos de
crianças, quando olha uma cena acontecendo, seja qual for ela, como identifica uma zona de desenvolvimento
proximal ali? Ou como nós, educadores, podemos gerar zonas de desenvolvimento proximal para as crianças
com as quais trabalhamos?
A entrada do Centro de Cultura e Educação Infantil da CAASP é uma escada. O pessoal sobe de elevador até o 10o andar, depois precisa subir mais dois lances de escada. Por isso, resolvemos transformar essa escada
num ambiente de acolhimento para quem chegasse. A participação das crianças na construção desse ambiente,
ter as marcas das crianças nas paredes, foi uma experiência que enriqueceu profundamente as relações que passaram a ocorrer entre as pessoas que passavam por essas escadas.
Todo mundo tem medo que crianças pequenas sofram acidentes ao andar por escadas. O que nós fizemos? Criamos, na organização do tempo e dos espaços, uma forma para que as crianças desenvolvessem mais
rapidamente a habilidade de utilizar as escadas. Nesse projeto chamamos a participação dos pais, para estarem
junto com as crianças.
Uma dica para gerar versatilidade nos espaços: o uso de toldos cria ambientes diferentes conforme a
proposta que você vai desenvolver. Nós vimos também que quanto mais versátil, quanto mais você pode mudar
a cara de um mesmo espaço, de uma mesma sala, e transformá-la em diferentes ambientes, mais ele enriquece
as experiências das crianças. Outra dica é, na medida do possível, instalar rodinhas em móveis e brinquedos
grandes para poder mudá-los de lugar.
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Nesse Centro, o espaço de refeição era o mesmo onde ficava o computador. Algumas coisas não são
possíveis de serem implementadas sem um investimento financeiro grande. Por exemplo, dar para as crianças o
acesso ao computador, porque o computador também é um ambiente. Mas essas alternativas só funcionavam
com outro grande investimento na formação continuada dos educadores, para desenvolverem condutas adequadas na orientação das crianças.
No projeto de retirada de fraldas das crianças criávamos a possibilidade das crianças experimentarem diferentes texturas. Por que criança tem que estar sempre limpinha? O que para o adulto pode representar, meleca,
sujeira, para a criança pode representar uma experiência muito rica. E enriquece todo o seu desenvolvimento
sensorial. Essa experiência física que a criança pode ter no contato com diferentes objetos, texturas, cores, formas
de organização do espaço permite a ela desenvolver a fantasia, que nós sabemos que a criança precisa. Permite a
ela desenvolver a imaginação, conforme nos ensina Vygotsky, e, ao mesmo tempo, conhecer as formas de organização da nossa sociedade.
Os projetos que eram desenvolvidos vinham de temas que nós identificávamos como temas de interesse
das crianças, e nessas faixas etárias nós procurávamos mostrar as formas de organização da nossa sociedade. Por
exemplo, nós levamos as crianças para andar no Centro de São Paulo e fomos até a Praça da Sé. Coisa que para
nós, durante uns dois, três anos, parecia ser uma grande loucura, pensando na questão da segurança das crianças.
Mas como trabalhávamos com elas essa questão de intervir no espaço. Precisávamos mostrar a elas que espaço
era esse ao nosso redor. Por isso, aos poucos fomos procurando ampliar esse espaço. Na cobertura do prédio elas
tinham uma vista privilegiada do Centro da cidade, mas achávamos importante que elas tivessem um contato
mais próximo com ele. Portanto, entendíamos que o espaço da criança não era somente a sua sala dentro da
instituição, mas também aquele prédio onde ela estava, aquela cidade e as coisas que circulavam ao seu redor.
Bom, gente, muito obrigada. Teria o maior prazer de continuar, mas também vou ter o maior prazer de ouvir
minhas colegas.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Brincar como Conteúdo de Ensino
Gisela Wajskop
Socióloga pela USP, Mestre pela PUC e Doutora em Metodologia e Educação Comparada pela USP, em parceria com o Departamento de Pesquisas sobre
Material Pedagógico da Universidade de Paris XIII - Villetaneuse. É diretora do Instituto de Ensino Superior de São Paulo/Singularidades. Publicou, entre
outros, os livros “Acertando o Passo”, pela Editora Callis, e “Brincar na Pré-Escola”, pela Editora Cortez.
Este artigo foi escrito por ocasião do IV Congresso Municipal de Educação, promovido pela Secretaria
Municipal de Educação, que coincide com o aniversário de 70 anos das escolas municipais de educação infantil
e, por isso, merece uma deferência especial. Há 70 anos, nossos primeiros parques infantis foram criados por
Paulo Duarte nas grandes praças paulistanas, no auge do Movimento Modernista. Nesse período, inspirados
e influenciados pelas pesquisas de Mario de Andrade, os Parques Infantis buscaram propiciar para crianças e
jovens espaços públicos nos quais se pudesse ora brincar livremente ora cantar e dançar folguedos e brinquedos
de nosso acervo popular. Hoje, a cidade mudou! Está ocupada por carros que expulsam suas crianças da rua; a
cidade expulsa suas crianças dos espaços públicos que, por sua vez, estão cercados, impedindo-as da convivência
lúdica espontânea que, talvez para muitos de nós, povoa nossa memória da infância.
Na medida em que não estamos vivendo mais no período em que ocorreu o Movimento Modernista e
que São Paulo não é mais nossa, no sentido simbólico, nossas crianças, também, não povoam mais as ruas com
seus brinquedos e trocinhas1 espontâneas. As crianças estão, todas, quando há vagas, nas Escolas Municipais ou
nos Centros de Educação Infantis. Ou seja, são esses os espaços onde elas podem conviver com seus pares, com
seus semelhantes, com as pessoas mais velhas, com os objetos socioculturais que lhe são produzidos e ofertados
para que sejam inseridas na sociedade atual.
Nesse sentido, é no lugar de quem tem compartilhado a construção de infâncias urbanas paulistanas que
a autora desse texto busca contribuir com a educação das crianças institucionalizadas em alunos. Assim, trata de
uma brincadeira que não é mais a brincadeira do “café com leite”, ou seja, do tempo que era dado ao menino
que levava a sacola do irmão mais velho para poder aprender as regras e ter a chance de brincar na rua, nos parques, nas praças públicas. Trata-se, portanto de refletir sobre o brincar como conteúdo de ensino, ou seja, um
comprometimento, um compromisso do professor em criar condições socioculturais prazerosas de inserção das
novas gerações na cultura adulta universal sistematizada.
Esse trabalho parte de quatro pressupostos:
O primeiro deles é que há uma relação interdependente entre ensino e aprendizagem, nenhum vem
antes ou depois do outro, mas ambos estão absolutamente enredados e interdependentes.
O segundo pressuposto, talvez, seja um pouco piegas, mas eu acho que vale a pena recuperar, é que a
escola é o lugar, por excelência, da transmissão sistematizada da cultura universal humana para as novas gerações.
Ou seja, é o lugar do ensino. Nesse sentido, vou tratar da brincadeira, não como alguma coisa que acontece naturalmente por obra do Divino, mas que é uma atividade simultaneamente de ensino e de aprendizagem. Nessa
perspectiva, a brincadeira é uma linguagem que tem de ser ensinada, especialmente, porque as crianças não estão
mais na rua, e nós não estamos mais no início do século XX.
O terceiro pressuposto afirma que a brincadeira é definida histórica e socialmente como um ofício
da infância. Então, evidentemente, pode-se imaginar a quantidade de outros conceitos que há por trás dessa
afirmação. Apenas para iniciar, pode-se afirmar que a brincadeira, para mim, está associada à idéia de que a
criança nasce, socialmente, pela possibilidade que a sociedade ocidental Moderna lhe oferta de viver a infância.
1 - Trocinha é o nome dado aos grupos de brinquedos infantis que se organizavam nas ruas do Bom Retiro no início do século XX e que foram bem retratados e analisados, em livro, por Florestan Fernandes (vide bibliografia)
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É na invenção de um espaço do não-trabalho, associado ao brincar que a infância moderna nasce, propiciando
às crianças tempo e espaço social para experimentar, arriscar, errar, imaginar, rasgar, quebrar, lambuzar, enfim,
viver sem restrições situacionais imediatas e literais.
O quarto pressuposto, talvez, seja um pouco provocativo: arrisco afirmar que apesar disso tudo há muito
não se brinca nas escolas de educação infantil em nosso país. Pelas mais diferentes razões: Uma delas, cuja força
discursiva é muito reiterada por professores e diretores, está baseada na crença de que o brincar é um comportamento inato, transmitido geneticamente de geração em geração. Por causa dessa crença, nós, professores não
fazemos nada para que as crianças brinquem, ou porque achamos o brincar um estorvo, e temos coisas mais
importantes para fazer, ou porque não sabemos o que fazer com as brincadeiras, com as temáticas, com as invenções, com as idéias, com as lambuzações das crianças. No geral, as proibimos de brincar.
Esses são, portanto, os quatro pressupostos que me fizeram pensar em refletir sobre a idéia do brincar como
conteúdo de ensino. Nessa perspectiva, a brincadeira deve ser planejada pois é permeada de objetivos socioculturais
que definem expectativas de aprendizagem e conteúdos particulares que devem ser trabalhados em sala.
Retomando o pressuposto que admite a brincadeira como ofício da infância, ela se constitui, também,
como a primeira forma de ensino infantil não-formal, tanto do ponto de vista histórico como na ontogenia individual. Quer dizer, do ponto de vista histórico, foi por meio das brincadeiras tradicionais tais como “Senhora
Dona Sancha”, “Mãe da Rua”, “Polenta”, Mamãe, filhinha”, “Jogo da Amarelinha”, brincadeiras, enfim, que a
memória nos aguça, que as crianças foram sendo inseridas na cultura geral humana por meio do exercício do faz
de conta e da compreensão dos valores e atitudes impregnados em cada brincadeira. Por outro lado, cada criança
no seu próprio desenvolvimento é introduzida na cultura geral humana pela sua mãe, ou por relações precoces
com a figura de maternagem, pela educadora da creche, pela pessoa que cuida no berçário, pela babá, etc. que
ensinam às crianças uma linguagem da substituição a gestos, que quem olha, e não está naquela relação, não
compreende.
Proponho que se pense na idéia que se tem dessa atividade: Não será esta mais uma forma de interpretar
e sentir determinados comportamentos humanos, do que eles próprios? Mais do que um comportamento a
ser observado, o brincar requer uma forma de pensamento para poder existir. O fato de a criança, desde muito
cedo, poder se comunicar através de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz
com que desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras podem desenvolver-se algumas capacidades importantes
tais como: a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas competências para a
vida coletiva, através da interação e da utilização e experiência de regras e papéis sociais. É sabido, enfim, que ao
brincar as crianças exploram, perguntam e refletem sobre as formas culturais nas quais vivem e sobre a realidade
circundante, desenvolvendo-se psicológica e socialmente.
Apesar de ser identificado, normalmente, com alguns comportamentos, o brincar é uma forma de linguagem. A maior parte das características desta linguagem pode ser constatada nos primeiros contatos das
crianças com seus pais ou com aqueles que cuidam delas. As mães ou as pessoas responsáveis pelos cuidados dos
bebês ajudam-nos a brincar, desde muito pequeninos, quando interagem com eles. Através de uma atitude e
uma linguagem segura, esses adultos estabelecem com os bebês laços de confiança que possibilitam o início do
brincar. Este é considerado como uma linguagem pois permite que as crianças se comuniquem com as outras
pessoas e iniciem a compreensão, desde muito cedo, de que podem suportar e representar a ausência temporária
das pessoas que amam substituindo-as pelas primeiras brincadeiras de esconder e achar. Quando adultos ou
crianças mais velhas brincam com bebês de esconder ou achar a si mesmas atrás de panos ou cobertas; fazem
aparecer e desaparecer objetos; lançam e resgatam um objeto determinado estão promovendo condições para os
bebês brincarem. Isto os auxilia, pouco a pouco, a elaborarem a construção mental da imagem de um objeto ou
pessoa ausente. O mundo interno da criança pode, assim, através do brincar, ser expresso e comunicado para as
outras pessoas.
Estes procedimentos mentais, internos, são a base da construção de sistemas de representação pelas
crianças.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
As interações no brincar permitem, também, através da oferta de objetos e brinquedos que os adultos
fazem às crianças, que elas entrem em contato, precocemente, com as propriedades e os usos sociais dos objetos, aproximando-se das múltiplas formas de ser e pensar da sociedade. Nessa perspectiva, a criança aprende a
brincar, como aprende a se comunicar e a expressar seus desejos e vontades. Nas creches, nas pré-escolas e instituições afins, os adultos e as crianças mais velhas tem, assim, um papel importante nesta aprendizagem quando
se dispõem a brincar com os bebês e as outras crianças.
Se concordarmos que as crianças aprendem a imaginar, aprendem a se comunicar, aprendem a interagir e, por último, elas aprendem aquilo que é particular da sociedade e da cultura na qual elas vivem quando
são pequenas, as instituições de educação infantil têm uma função particular no ensino dessas competências.
Porém, são competências a serem aprendidas pelas crianças, cujo ensino está associado à possibilidade do estabelecimento de uma relação verdadeira de vínculo com o adulto envolvido. Nessa medida, ensinar a brincar está
imbricado na maneira como se aprende a brincar e, portanto, o adulto envolvido na relação, ou seja professor(a)
ou educador(a) de creche não apenas organizam espaço e material mas precisam disponibilizar-se, internamente,
a brincar.
A natureza lingüística e sociocultural da brincadeira, portanto, é uma das razões para que se pense essa
atividade como conteúdo de ensino. Então, se a gente concorda com essa idéia, a brincadeira também terá
objetivos de aprendizagem. Se considerarmos que o brincar tem todas as características enumeradas acima, definidoras de conteúdos de ensino, é preciso definir objetivos de aprendizagem para as crianças para que elas se
apropriem desses conteúdos. Isso é uma inversão importante, porque não se está falando de objetivo do ensino,
no que se refere à ação do professor, mas se está afirmando um objetivo de ensino referido à possibilidade de
aprendizagem das crianças – trata-se aqui de uma possibilidade, porque nós não temos, nunca, garantia nenhuma daquilo que as crianças irão aprender.
Nessa perspectiva, se criarmos espaços de faz de conta, deixarmos virar a cadeira de ponta cabeça, se estendermos um pano e transformarmos a sala em um circo, se criar mos uma situação para o faz de conta, o que
se espera que as crianças aprendam?. No meu entender pode-se arriscar alguns objetivos associados à brincadeira,
agrupados por faixa etária, como detalhado a seguir:
Objetivos a serem atingidos com crianças de zero a três anos, a partir do trabalho com a brincadeira
livre de faz-de-conta:
Os bebês e as crianças pequenas deverão ser capazes de:
• manipular objetos e brinquedos, descobrindo suas características e propriedades principais - sons, cores, texturas, cheiros, formas - e suas possibilidades associativas: empilhar, rolar, transvasar, encaixar, etc. com atenção;
• agir sobre objetos, imitando ações que representam diferentes pessoas, personagens ou animais. Por exemplo:
embalar uma boneca; engatinhar como gatos, cachorros, bezerrinhos, etc.; cavalgar; consertar um trem; empurrar uma carroça; etc.;
• interagir com uma ou mais crianças compartilhando um mesmo objeto, tal como entrar em uma caixa e ser
empurrado; jogar bola; vestir uma boneca; etc.;
• brincar com ações simples, aceitando as regras inerentes ao papel que desempenham tais como pentear-se; vestir bonecos e dar-lhes de comer; fantasiar-se junto com uma ou mais crianças, conversando sobre os diferentes
significados que atribuem aos objetos;
• aceitar ajuda mútua e compartilhar objetos com mais crianças.
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Objetivos a serem atingidos com crianças de três s seis anos, a partir do trabalho com a brincadeira
livre de faz-de-conta:
As crianças deverão ser capazes de:
• agrupar-se em pequenas equipes criando um enredo ou tema, brincando, comunicando-se e atribuindo significados diversos a ações e objetos;
• interagir através da utilização de uma linguagem simbólica explicitada pelo uso verbal diferenciado ou de sinais
e gestos corporais próprios ao brincar;
• interagir com base na ajuda mútua, atento às ações dos colegas e respeitando as diferentes idéias criadas durante a brincadeira;
• imitar e representar as interações presentes na sociedade na qual vivem, escolhendo papéis que lhe sejam mais
interessantes;
• brincar de forma alternada com papéis que representem o bem e o mal, a força e a fraqueza, a coragem e a
covardia, o homem e a mulher, a criança e o adulto, a bela e a fera, etc.;
• aceitar a liderança e ser líder quando necessário;
• explicitar sentimentos, alternando a representação de papéis e manipulando os pares de ausente/presente,
bom/mau, feio/bonito, grande/pequeno, forte/fraco/, etc.;
• questionar e refletir sobre assuntos trabalhados em outras áreas, acionando a memória voluntária para estabilizar seus conhecimentos prévios;
• respeitar regras, mudando-as e negociando-as de comum acordo com os colegas;
• resolver os conflitos surgidos através do diálogo com os colegas ou pedir ajuda para o educador de forma a
manter a continuidade da brincadeira.
A partir das expectativas de aprendizagem listadas acima, é preciso, portanto, planejar espaços, oferecer
matériais, dispor de um tempo na rotina, para que as crianças brinquem livremente de maneira que possam desenvolver conteúdos, que como já foi discutido são basicamente atitudinais e do tipo procedimental, são muito
pouco conceitual. Isso ocorre por que, no meu entender, os conceitos tem uma outra forma, uma outra didática
própria de serem apropriados pelas crianças. Com isso quero dizer o seguinte: quando as crianças brincam, por
exemplo, com Loto de Letra, Bingo de Palavras, elas não aprendem as letras naquele bingo, elas não aprendem
as palavras naquele bingo. Elas usam conhecimentos prévios que elas têm, elas se aproximam dos conhecimentos
para jogar. E se o Bingo de Palavras tiver, por desafio, completar primeiro a cartela, o bingo será um sucesso.
Porém, se bingo for usado para aprender a escrever, é possível que, depois de 5 minutos a turma já virou uma
bagunça, ninguém está mais interessado no jogo.Nessa perspectiva, é importante considerar que, apesar de sistematizarem conhecimentos a respeito da língua escrita quando jogam um Bingo, essa brincadeira tem apenas um
sentido intrínseco para as crianças, ou seja, elas brincam por brincar. Evidentemente, aprendem a ler e escrever,
mas apenas quando já possuam conhecimentos prévios sobre a língua escrita. Eu dou outro exemplo a respeito
do jogo de estratégia denominado War. Ninguém aprende a capital dos países quando joga War. O que acontece
é que os jogadores usam alguns conhecimentos que têm da Geografia, para se transformaram em bons jogadores
de War. Então, as pessoas que estão implicadas, quando jogam War, perdem nas primeiras 10 partidas, porque
elas ficam no lugar do aprendiz. Depois de um tempo é que entram no jogo, a partir da seguinte lógica: “Já domino aquele mapa. Já sei quem está do lado de quem. Já sei o que é fácil fazer”. O que eu estou tentando mostrar
com esse outro exemplo é que, muitas vezes, a gente faz uma certa confusão ao usar um jogo em sala de aula.
Ou seja, quando as crianças brincam, elas apenas estão brincando. E brincar mesmo dá um pouco de medo nos
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professores, porque nem sempre a gente tem controle sobre os temas com os quais as crianças conhecem e com
os quais elas vão brincar. E nem sempre são coisas que nós gostaríamos que elas tivessem tido conhecimento,
mas elas conhecem. Nesses casos, paciência, não tem jeito! A intervenção pedagógica terá de ser em um outro
lugar, na roda de conversa, na ampliação cultural por meio da leitura, na audiência de um filme, na colocação
de alguns limites. Elas vão brincar daquilo que elas conhecem, ou elas vão brincar daquilo que elas gostariam de
conhecer, levantando hipóteses.
Para terminar e, incitando professores e diretores a refletirem sobre os espaços que têm propiciado em
suas escolas para a brincadeira livre e espontânea de seus alunos, sugiro alguns conteúdos que poderão ser trabalhados em sala, no pátio e nos diferentes espaços escolares. São eles:
Para crianças de zero a três anos
• utilização do espelho para imitação de gestos ou movimentos;
• combinação de objetos que se associem em relações funcionais, em situações que permitem, por exemplo,
juntar a xícara de café, o pires e a colher;
• criação de situações ou objetos ausentes mas apropriados para suas brincadeiras, quando por exemplo, mexe
uma xícara de café imaginário com uma colher;
• elaboração de seqüências de ação para formar um todo mais coerente, associando, por exemplo, carregar a
boneca, levá-la para passear e dar-lhe de mamar, imitando ações de maternagem e de situações domésticas;
• imitação de ações que representam diferentes pessoas, personagens ou animais em situações ou cantos arrumados tais como casinha, trem, posto de gasolina, fazenda, etc. que propiciem a interação com uma ou mais
crianças compartilhando um mesmo objeto, tal como empurrar o berço como se fosse um meio de transporte,
levar bonecas para passear ou dar de mamar, cuidar de cachorrinhos, etc.
Para crianças de três a seis anos:
• criação de brincadeiras compostas de vários papéis complementares, assumidos durante o processo, que se
organizam e interagem em torno de um enredo comum, tais como o circo, a casinha, o casamento, uma viagem
interplanetária, o posto de saúde, a livraria, o rodeio, a pescaria, etc.;
• inclusão de objetos reais cujo significado é modificado em função dos enredos com os quais se brinca como por
exemplo, na utilização de uma mesa virada de cabeça para baixo fazendo de conta que é um barco;
• inclusão de trajes e acessórios para caracterização dos papéis, tais como fantasias, chapéus, luvas, panos, carteiras, vestidos, calças, sapatos, colares, etc. assim como material para maquiagem;
• organização do espaço em função dos enredos com os quais se brinca, criando cenários particulares, tais como
um palco para o circo, uma arena para cavalos, salão de cabeleireiro, presídio, guichê de correios e de banco,
etc.;
• manipulação de pequenos bonecos e/ou fantoches e marionetes para a criação de brincadeiras imaginadas;
• construção de objetos, brinquedos, fantoches e/ou marionetes para a brincadeira;
• imitação de situações complexas e mais próximas das situações reais, tais como brincar de fazer uma peça de
teatro, organizar uma venda ou mercearia, brincar de casar, etc.;
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• discussão sobre a brincadeira, efetuando autocrítica para o aperfeiçoamento dos papéis e dos enredos criados;
• agrupamentos baseados na ajuda mútua e na complementaridade de ações simbólicas e reais;
Espero, com esse material, contribuir para, entre outras coisas, pautar reuniões pedagógicas e auxiliar no
planejamento diário do trabalho com as crianças dos CEIs, EMEIs e EMEFs paulistanas.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A especificidade da alfabetização na educação infantil
Heloísa Dantas
Faculdade de Educação da USP
Por problemas na transcrição não foi possível a publicação do texto.
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Educação e Cultura
Tonia Carrero
Atriz
Por problemas na transcrição não foi possível a publicação do texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O professor numa sociedade midiática: Novos modos
de compreender, novos modos de comunicar
Ismar de Oliveira Soares
Professor da ECA (USP)
Por problemas na transcrição não foi possível a publicação do texto.
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Educação para o Século XXI e os Clássicos da Cultura
Leandro Karnal
Professor-Doutor, Chefe do Departamento de História da UNICAMP
Boa tarde! É um grande prazer falar com colegas educadores. Passei a manhã dando aula e estou aqui
feliz. Tal como praticamente todos vocês, eu trabalho, vivo, estou no meio da Educação há muito tempo, e é o
que eu gosto de fazer.
Preparei uma reflexão a partir dos meus últimos livros e daquilo com o que eu trabalho na UNICAMP:
“Educação para o Século XXI e os Clássicos da Cultura”. Tal como vocês, sofri muitos anos com conselhos de
coordenadores que me diziam sempre que a aula tinha que ser dinâmica, a avaliação tinha que ser progressiva, o
tratamento com o aluno tinha que ser holístico, totalizante, humanitário. Tal como vocês, participei muito do
Conselho de Classe, na maioria inúteis, como toda reunião em escola. O que se planeja em reunião raramente
se executa e quase nunca se cobra ao final do ano. Isso ajuda a explicar nosso descaso como educadores para
reuniões e planejamentos em geral. O que vamos trabalhar hoje são conselhos concretos de um professor como
vocês. Já fui coordenador, diretor e sou chefe de departamento, vivo os dois lados do problema, para a gente
tentar trabalhar coisas muito concretas para a sala de aula.
O primeiro problema, em relação aos clássicos, que quero analisar, todos os professores, todos os alunos,
todos reclamam a mesma coisa. Os professores da UNICAMP reclamam que os alunos no Doutorado não lêem,
os professores do Estado (eu coordeno o “Teia do Saber” na Secretaria Estadual ) reclamam que os alunos do
estado não lêem. E eu acho que os professores do município reclamam que os alunos não lêem. Então, estamos
diante de um fator universal. A grande questão a refletir, sobre esse aluno que não lê é, primeiro, constatar que a
leitura, segundo os especialistas, implica treino físico e mental. O que significa isso? Ao contrário do que alguns
acreditam, leitura não é natural, nós não lemos há muito tempo. A primeira constatação que eu vou fazer é que,
de alguma forma, está falhando o treino que oferecemos a este respeito. Então, de alguma forma nós estamos
fixos numa metodologia que, talvez, não seja exatamente o que esteja oferecendo resultado. Vou lembrar, como
historiador que sou, que a leitura não foi criada para que se incluísse socialmente alguém. Quando surgiu no sul
da Mesopotâmia, atual Iraque, a leitura foi criada para excluir pessoas. Nos cinco berços de escrita do mundo,
ou seja, a Mesopotâmia, o Egito, o Vale do Rio Indo, a China e a Mesoamérica - quando a leitura surge nesses
cinco lugares de forma autônoma e sem contato uma com a outra ela sempre foi uma forma de exclusão. A
leitura surgiu, quando surgiram pessoas com mais dinheiro, com mais poder para controlar impostos, controlar
compra e venda, controlar a quantidade de escravos. Não há escrita formal em sociedades igualitárias.
Então, o primeiro dado, talvez, surpreendente para nós que somos formados numa ética de escola pública
é que a leitura foi criada não para a escola pública, a leitura não foi inventada nem por Piaget, não foi inventada
por Paulo Freire, a leitura foi inventada para dizer quem é quem, tal como a gramática. Nossa primeira gramática
moderna é de 1492, feita pelo espanhol Nebrija. Lá ele já advertia: “a língua é companheira do Império” – língua
e dominação andam juntas, escrita e poder, leitura e desigualdade. Em primeiro lugar, nós professores precisamos
criar o que não existe por tradição, em especial no Brasil, que é o hábito da leitura. Em segundo lugar, contrariar
uma tradição muito antiga, uma tradição de 5 mil anos, que a leitura é para excluir pessoas.
Como conto sempre, se eu vou entrevistar uma servente para a escola, e ela, ao entrar na minha sala,
começa a dizer, “Posso tomar da cadeira e assentar-me para o colóquio, ó diretor?”. Se ela usar o vocativo, eu
vou acreditar que ela é uma ladra disfarçada para assaltar a escola. E se eu for entrevistar um candidato a diretor,
e ele me disser, “Dá pra mim fazer menas coisa porque já houveram mais probrema”. Eu vou dizer que ele não
serve para diretor. Por quê? Porque eu continuo achando que falar bem é um atributo social, e não um atributo
de comunicação. Falar de acordo com a chamada norma culta. Não vou entrar na discussão do Marcos Bagno
sobre o preconceito lingüístico. Nós precisamos quebrar uma tradição que é a escrita que aprisiona. E essa tradição é aquela que, através de um texto, através de uma fala, através de um programa humorístico, através de
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
uma reportagem, os meios de comunicação adoram mostrar como as pessoas simples não lêem ou falam errado,
e como essa baixa auto-estima é uma característica desses meios.
A leitura tem servido para reforçar uma sociedade hierarquizada, ou seja, uma leitura que serve para dizer quem é quem e justificar o motivo de alguns não serem nada. E essa tradição, se revela em cinco habilidades
que os professores destacam nos alunos: Os alunos escrevem errado, o vocabulário é pobre, a velocidade de
leitura é baixa, o sentido não é captado, a capacidade de síntese também é muito baixa. Através dessas cinco
habilidades não apresentadas pela média dos nossos alunos, constatamos que eles são assim. E depois de algum
tempo passamos a dizer que eles não querem nada com nada. E é um mistério profundo como podemos ter
gênios do porte de um Machado de Assis, que é certamente, em prosa, um dos maiores gênios da Língua Portuguesa, como podemos, na escola, trabalhar no ensino médio e fundamental com Machado de Assis e ao final
de 11 anos o aluno odeie Machado de Assis. O texto é curto, a fala não tem vocabulário erudito, o sentido é
alegre, o sentido é inteligente, os alunos gostam porque os parágrafos de Machado são muito curtos, a concisão
é muito grande, e ao final eles odeiam. Então, é um processo muito curioso: como nós podemos produzir raiva,
inclusive, em relação a esses clássicos? Ao final de uma experiência dessas de leitura o que temos é um professor
reforçado na sua autoridade. Eu sou professor porque eu sei escrever e você não sabe. E aí nós acabamos criando
ódio à leitura, e acabamos salvaguardando a nossa função de professor. E formando, em geral, no estado isso se
revela na prática da progressão contínua, alunos que conseguem completar 11 anos de escola com problemas
estruturais de alfabetização. Alunos que chegam ao terceiro ano do ensino médio passando por osmose e chegam
ao terceiro ano com problemas estruturais de alfabetização. É claro que alfabetização, domina a vida inteira, a
gente morre aprendendo a ler e a escrever, mas ao final de 11 anos, pelo menos, a fase fonética da alfabetização
já deveria ter sido superada. Nós sabemos que não é isso que ocorre.
Todo professor é um professor de leitura sempre. Todos somos alfabetizadores. Não importa que eu
trabalhe matemática ou Educação Física: sou um alfabetizador. Vocês sabem que o lugar mais difícil para dar
aula são as séries iniciais. O lugar mais fácil é o doutorado. Eu já dei aula para a 5a. série, não dou mais. Quem dá
aula para a 5a. série, durante 50 minutos, numa escola quente, sem cortina na janela, batendo sol, na sexta-feira,
pode fazer qualquer coisa na vida. Não há nada mais difícil do que ter um grupo de crianças ou adolescentes
durante uma ou duas horas. É o que eu digo em reuniões com autoridades da educação que sempre têm excelentes idéias, eu adoro ouvi-los, 5 minutos na 5a C, que eu dava aula, 5 minutos dissolvem qualquer preferência
pedagógica democratizante. Uma chamada numa 5a.série dissolve nosso Projeto Piaget e substitui, como se diz,
por Pinochet. É uma tradição na área de educação isso. Existe um livro de um educador judeu da Polônia durante o Holocausto, que chama “Como amar uma criança” (Janusz Korczak) . se alguém escreve um livro com
este título é porque é um conhecimento que requer reflexão. Pais e professores devem responder à questão do dr.
Korczak com sabedoria.
Um professor que vai ensinar a ler, ou seja, todos nós, da primeira série, a área mais delicada e nobre de
qualquer ação educacional que é a primeira série do ensino fundamental, esse professor tem que escolher sempre, até o fim do processo de alfabetização, textos curtos. Textos curtos sempre menores do que eu acho que seja
o mínimo. Pensem no mínimo, reduzam à metade, usem 10% disso na sala de aula. O texto curto e bem lido.
Um texto curto que tenha tensão narrativa e bom humor. Um texto curto que seja chamativo, que seja trabalhado, que tenha gradação de dificuldade e que seja um gancho. O professor é um sedutor, é um ator e um sedutor.
Ele tem que seduzir para o conhecimento. Quando eu falo em gancho, em link, é porque o professor seduz para
o conhecimento. Ninguém nasceu lendo “A Divina Comédia”. Ninguém nasceu lendo “A Montanha Mágica”,.
Ninguém nasceu lendo uma obra densa. Todos que chegaram lá tiveram uma gradação. A diferença entre remédio e veneno é a dose. Então, é preciso trabalhar. O aluno não consegue ler um parágrafo? Eu digo, “Nosso
objetivo é que ele leia um parágrafo”. Atingido esse objetivo, passo a dois parágrafos . Atingido esse objetivo estabeleço uma página inteira, do início ao fim, lida e entendida. A maioria de nós constata: o aluno é analfabeto!
Pronto. Acabou. Tem que constatar, meu aluno é analfabeto, então daqui onde eu chego? O que eu quero? Eu
só posso falar da nossa parte professor, eu não tenho controle sobre verbas da educação, não tenho controle sobre
associação de pais, então, só falo daquilo que nós professores, por ora, podemos fazer. Todo professor precisa
estabelecer como meta, é preciso dizer isso, reforçar, colocar na nossa cabeça que a nossa função é alfabetizar.
Nossa função é ensinar a ler e a escrever. Nosso número oficial de analfabetos no Brasil é relativamente baixo se
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comparado com o Haiti, por exemplo, ou outros pólos. Mas o número de analfabetos funcionais passa desses 10
a 15% oficiais para quase, talvez, 50% da população. Pessoas incapazes de ler e escrever um texto simples. E fazer
da leitura, como técnica básica da minha vida é o principal desafio. Eu perguntei há poucos dias a uma turma de
professores num projeto de capacitação: “Quantos livros foram lidos este ano?”. A primeira coisa que eu escuto,
“Eu não tive tempo”. Faço outra questão: “Quantas horas de televisão foram assistidas?” Curiosamente o tempo
é sempre seletivo. Tempo é aquele que o nosso aluno também usa contra nós. Então, primeira coisa, o professor
tem que ser apaixonado por leitura. O professor tem que ter compulsão por leitura. O professor tem que tomar
o café da manhã lendo a embalagem de margarina. Tem que estar no banheiro lendo o shampoo. O professor
deve ser compulsivo com leitura. O professor que vai às férias sem livro, professor que vai ao final de semana,
usufruir das suas férias ou do seu final de semana sem um livro tem algum problema estrutural. Professor tem
compulsão por leitura. E os alunos não gostam, em parte, de leitura porque sentem que não é indispensável para
nós. Como ele pode acreditar na professora de Português que disse que Camões é indispensável para entender
nossa língua se ele percebe, porque ele é muito inteligente, que ela nunca leu “Os Lusíadas” inteiro? Como ele
pode ter certeza que seja importante se ela sempre cita só a proposição, só cita os versos iniciais? Então, professor
tem que ler e tem que ser visto lendo, tem que elogiar livro, tem que levar livros para a sala de aula. Esse é o primeiro passo, é o nosso. Só posso falar daquilo que cabe a nós professores. Também sei que o Estado tem de fazer
muito mais, sei que os pais têm de fazer muito mais. Hoje, aqui entre colegas, quero pensar o que nós temos de
fazer, nós professores.
Mas para o Século XXI há um outro passo que eu quero tocar. Além do texto formal, funcional, o Século XXI, mais do que qualquer outra época está crescendo uma tendência à leitura de imagens. E o professor
também é um analista de imagens. E isto é muito importante para a sala de aula e funciona muito, especialmente nos projetos em que eu me envolvo com turmas problemáticas. Hoje está virando um pleonasmo, turma
problemática, porque não há mais turma fácil. Mas o professor, especialmente com alunos difíceis, pode ensinar
a ler imagens. E ler imagens pode significar decodificar o mapa de metrô de São Paulo, que o aluno conhece.
Vocês podem dar uma aula, por exemplo, numa 5a. série de Geografia Urbana através do mapa de metrô de São
Paulo. Por que existem essas linhas e não outras? Por que foi inaugurada primeiro a Norte-Sul, e não a LesteOeste mais povoada? Por que algumas linhas têm obras de arte em todas as estações e outras não? A partir dessa
distribuição geográfica e de poder o aluno começa a entender como circula na cidade de São Paulo e aí ele vai
começar a entender certas funções inclusive de geografia urbana.
Estimular os alunos. Esta parece ser a chave. Parte da educação é sensibilizar o olhar do aluno para ler
não apenas textos que são óbvios, que é o nosso objetivo, mas também imagens. O professor do Século XIX era
um alfabetizador apenas de texto, nós somos alfabetizadores de imagens também. Ele tem que aprender que há
uma proposta estética contida na propaganda, no supermercado, no programa de televisão, e nós fazemos parte
do processo dessa leitura do mundo. E arte funciona muito com turmas difíceis e alunos difíceis. Alunos que
nunca conseguiram abrir um livro têm uma habilidade com relação à imagem e à música geralmente maiores do
que têm com o texto. E a função do professor, o que eu vou fazer todos os dias para seduzir esse aluno, trazê-lo
para o mundo do conhecimento, fazê-lo pôr o pé na sala de aula. O que eu vou fazer pra isso? A arte pode ser um
caminho, da mesma forma Picasso pintou mais de 40 versões de Velásquez, e essa famosa versão das “Meninas”,
em que Picasso homenageia o mestre, que é chamada teologia da pintura, Foucault analisa brilhantemente nas
palavras e as cores no capítulo , “As Meninas”. Como o mundo clássico, o mundo do Século XVII interpretou
a perspectiva, e há o foco entre Felipe e a rainha Mariana, o camareiro-mor da rainha, a infanta Margarida, e as
sobreposições extraordinárias de perspectiva que esse quadro provoca. Velásquez pinta, Picasso comenta a leitura Cubista decompondo o plano em partes. É claro que eu não vou dizer isso para um aluno de terceira série.
Vejam como Picasso através do Cubismo, a partir da leitura da arte celta e africana faz uma decomposição do
plano, pois isso provocará a destruição da sala de aula e do professor. Mas a primeira tarefa é sensibilizar a nós
educadores, para depois atingir o aluno. A primeira tarefa é que eu entenda aquilo que eu estou trabalhando. E
o aluno que estava até então olhando para a janela, ao ver um quadro ele tem, finalmente, uma reação bovina,
“hummmm”. Finalmente ele põe o pé na minha sala de aula e começa a entender. A minha função não é divertir um aluno na sala de aula. Não é tornar aquelas horas agradáveis para que eles passem. Por mais que alguns
achem, ensino médio e fundamental não devem virar creche ...
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Minha função não é divertir o aluno, mas a diversão, conforme vocês sabem há muito tempo, é uma
maneira de seduzir para trazê-lo para análise, para o aprofundamento e para introdução aos clássicos, sejam da
literatura, ou sejam da história da arte ou um clássico da área da música também. Eu posso lançar, e isso é muito
provocativo, um quadro do suprematismo de Malevich, eu posso lançar para ele simplesmente esse quadro e
fazer a pergunta mais clássica de curso de história da arte, “Isso é arte?”. E aí, geralmente, eu vou ouvir bastante
senso comum, “Isso até eu faço”. Eu sempre digo, “Isso é falta de auto-estima, né?”. Se é ruim porque você faz é
falta de auto-estima. Então, começa a discussão sobre arte. A partir disso eu posso dar um texto, e a partir disso
eu posso provocar uma redação, a partir disso eu posso provocar uma atividade, e posso fazer uma das coisas
mais difíceis que é um debate organizado numa sala de aula. É muito difícil.
Uma questão importante é notar que os alunos são muito inteligentes mas não tem disciplina para tornar essa inteligência formal, na base da cultura formal e esse é o nosso desafio. Aliás vocês sabem que os alunos
mais rebeldes têm um desempenho intelectual superior aos outros. Raramente o rebelde é limitado. A aluna que
está na frente, esperando a gente de caderno aberto, geralmente, no meu caso, ela sempre se chama Ana Cláudia.
Ela está na primeira carteira, caderno aberto, “O senhor parou aqui, professor”. Geralmente é mais limitada que
o Rafael que senta no fundo. Porque todo Rafael que senta no fundo é problemático.
Numa concepção tradicional de educação, vocês estão cansados de ouvir em reuniões pedagógicas, a
educação é para formar pessoas disciplinadas, como eu fui formado. A educação mudou muito. A sociedade
mudou muito. Dominar um vocabulário para distinguir socialmente e enfatizar a repetição. Era esse o objetivo
da educação há um tempo. E esse objetivo formava essa idéia que causa horror nos que trabalham com educação
renovadora, mas no fundo da nossa alma de professor essa sala causa uma certa alegria, porque eu imagino inclusive carteiras aparafusadas no chão como eu tive na minha infância. Já imaginou? Ninguém poder arrastar carteira na sala de aula. Porém, há uma mudança enorme, só para lembrar vocês, tivemos a universalização do ensino
fundamental, estamos perto da universalização do ensino médio. Isso foi uma mudança muito boa. Temos uma
ampliação quantitativa da educação. E, ao mesmo tempo, aumentaram muito as fontes de conhecimento. O
conhecimento não é mais a “Barsa”, passou a ser o “Google”. O Google é o deus onisciente e os alunos sabem
a esse respeito. Ampliou-se o número de alunos, decaíram salários, mudou a nomenclatura e o mundo mudou
ainda mais. O que fazer?
Uma das mudanças diz respeito a fornecer um trabalho problema e não um trabalho com um título
apenas. Os campos de Roraima, ou então, a industrialização brasileira, que aí basta acessar o Google. Quer dizer,
o trabalho tem que ter um problema. Se ele não tiver um problema o aluno tem obrigação moral de copiá-lo
porque não é inteligente o trabalho. Quando eu entrego um trabalho assim, “Pesquisem o Feudalismo”, eu estou
dizendo “Por favor, copie, porque eu não vou ler mesmo”. É isso que eu estou dizendo ao aluno quando forneço
um tema chato ou bobo para pesquisa.
Ensinar e aprender significa que o conhecimento hoje não é mais fixo, como era no XIX. Começou a
entrar numa volatilização enorme, ele é cada vez mais dinâmico, e tudo que ele aprendeu precisa esquecer numa
determinada fase. Então, eu ensino a responder perguntas, a fazê-las mais do que a responder. Como disse o
homem que trocou meu computador essa semana, “Seu computador ele já tem dois anos”, e eu disse, “Nossa,
que absurdo, dois anos” (e eu tenho 42...). A educação tem conteúdo, mas o conteúdo é hoje visto como um
meio e não como um fim. Não se trata mais da prova oral ou final, sorteio de pontos, não trata mais de um
conteúdo fixo. E aí, o essencial para dar aula, utilizando todos os recursos que eu possa, é ter consciência de
qual é o eixo daquilo que eu faço, e não o esgotamento do conteúdo. Como me disse uma professora semana
passada, “Este ano eu não consegui dar Tundra, em Geografia”. E eu disse, “Nossa, mas que falta vai fazer para
esse aluno a tundra. Só falta não ter dado a taiga e a estepe, aí esse aluno vai ter um buraco na formação dele que
ele nunca mais vai suprir”. O eixo da disciplina Geografia é interpretar a interação dos homens no espaço; o eixo
da disciplina história é analisar o homem no tempo; o eixo da disciplina artes é analisar visualmente e produzir
a questão da arte. Ou seja, esse é o eixo, o conteúdo é um acessório deste eixo. E parece que nós professores,
ficamos angustiados porque os livros didáticos são maiores que meu ano letivo. E ainda o professor no final do
ano ainda diz, “Não está enfatizando China”. É só o que falta, depois de tudo, ainda mais conteúdo.
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Pensem em trabalho problema. Pensem no desafio de questões que podem nascer a partir da aula. O
resto é uma concepção de erudição vazia e ultrapassada, de repetição de capitais e fatos, de decorar palavras e
princípios. Esta era a educação bacharelesca que deu origem à parte dos problemas do nosso mundo.
Apesar das enormes mudanças em todos os campos a escola ainda é muito tradicional. O sistema continua fechado e o professor ainda, é raro a gente conseguir entender que nós somos não mais o conhecimento mas
a ponte, o elo, o link entre o conhecimento formal acumulado pelas sociedades e o aluno. Ou seja, nós somos
facilitadores e não obstáculos. Nós somos o canal de acesso e não o destino.
Desejei despertar em vocês uma reflexão, saber que é difícil, mas especialmente vocês estão na base do
problema mais difícil que é a educação fundamental. Volto a insistir com vocês, eu já dei aula para 5a série, já dei
aula para o ensino médio, dou aula hoje para doutorado. O lugar mais difícil é a 5a série. Então, vocês estão no
lugar mais difícil. E todo mundo que não dá aula está cheio de idéias de como dar aulas. Você sabe que quanto
menos se dá aula, mais a gente tem idéias de como a aula deve ser boa. Então, está na hora de nós, professores,
dialogarmos mais para saber inclusive as nossas, ou das nossas dificuldades. Nós merecemos esta discussão entre
nós como profissionais e nosso alunos merecem também nossa inquietação. O Brasil precisa desta inquietação
hoje mais do que nunca. Muito obrigado.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A importância da educação para o desenvolvimento
do Brasil e redução de desigualdades
Gustavo Ioschpe
Escritor
Em primeiro lugar, eu agradeço à Secretaria da Educação pelo convite para estar aqui. Eu sou economista; a minha formação é na área de economia da educação e o meu trabalho é muito voltado à análise de dados, a
estatísticas, fórmulas, gráficos, etc. Então, é sempre bom ter a oportunidade de vir a campo e ouvir dos próprios
professores se o que vemos nos números se coaduna com a prática no dia-a-dia.
Por que achamos importante a discussão sobre a educação, o desenvolvimento econômico e as desigualdades no Brasil para professores da rede pública de ensino, que não poderão mudar as políticas públicas
brasileiras? Eu acho importante porque ela contextualiza o seu trabalho: ele não só vai mudar a vida dos seus
alunos, mas tem também uma importância fundamental no bem-estar e no progresso do país. Hoje eu digo com
tranqüilidade que o desenvolvimento, o crescimento econômico, o progresso do Brasil nas próximas décadas, se
houver (e esperamos que haja), não será conseqüência do trabalho de políticos, de empresários, de economistas
ou de banqueiros, mas de professores. Hoje, é consenso entre as mais variadas escolas de economia que uma das
maiores carências e um dos fatores mais impeditivos ao desenvolvimento do Brasil é justamente o que, no jargão
econômico, chamamos de “falta de capital humano”. Ou seja, a falta de uma população que tenha passado por
um bom sistema de educação e que consiga usar o que lhe foi ensinado para decodificar o mundo e funcionar
nele. Sem essa capacidade, não importa qual política monetária, taxa de juros, carga tributária ou todos os outros problemas que são discutidos nos jornais. É preciso haver uma população capaz de produzir, de trabalhar
e fazer com que o Brasil consiga competir internacionalmente numa época de “hipercompetição” e de abertura
comercial entre os países.
Em primeiro lugar, as pesquisas dos últimos 30 ou 40 anos mostram que, dentre todas as variáveis importantes para se entender e se prever o crescimento econômico de um país, a variável mais robusta, que aparece
sempre, em todos os estudos com destaque é a educação. Mais do que o nível de investimento, mais do que a
abertura comercial e do que todas essas variáveis meio exóticas, a educação, o nível de capital humano e a preparação da população são sempre importantes. Não só essa é uma variável sempre importante, mas é também uma
das variáveis de maior impacto.
Para se ter uma idéia, o impacto da educação sobre o crescimento econômico é da seguinte ordem: o
aumento de um ano na escolaridade da população (por exemplo, aumentar a atual escolaridade média da população brasileira de 6,3 anos para 7,3 anos) gera um crescimento econômico anual de até 8% a 10%. No Brasil,
estamos lutando para obter um crescimento de 2%; considera-se 3% um crescimento maravilhoso. Na primeira
metade do século XX, o Brasil foi um dos campeões mundiais de crescimento econômico, crescendo de 5% a
6% ao ano. Na época do milagre econômico brasileiro, tivemos alguns anos com 10% de crescimento. Pois esse
mesmo valor é obtido com o aumento de um ano na escolaridade média da população. Mantido durante alguns
anos, uma década, esse crescimento faria o Brasil chegar ao nível de riqueza de países do primeiro mundo, como
os da Europa e os Estados Unidos.
Uma notícia melhor ainda para o caso brasileiro é que o pico da importância da educação para o crescimento econômico ocorre quando a população atinge aproximadamente 7,5 anos de escolaridade. No Brasil,
como eu já disse, estamos com 6,3 anos, ou seja, estamos ainda na parte ascendente da curva. O efeito da educação sobre o crescimento no Brasil é ainda maior do que nos países desenvolvidos, que já possuem um nível
educacional muito alto e a diferença com um aumento adicional é marginal.
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E por que a educação gera crescimento econômico? Basicamente, por duas razões. Em primeiro lugar, ela
aumenta a produtividade em todas as áreas. Quando falamos em produtividade, logo pensamos no operário da
fábrica que passa a colocar três parafusos em vez de conseguir colocar dois. Não se trata somente disso. Falamos
de profissionais liberais, médicos, advogados, professores, da própria classe política (que carece enormemente
de uma educação que dê resultados) e também de prestadores de serviços, operários, etc. Ao tornar a pessoa
mais produtiva, no mínimo porque sabe escrever e fazer contas, além de adquirir uma capacidade de abstração e
raciocínio mais desenvolvida, ela também passa a receber um salário maior. Se isso ocorre em todo o país, o país
todo enriquece mais, ou seja, ocorre o crescimento econômico que o Brasil vem perseguindo há tanto tempo.
A segunda razão é muito mais importante para os professores e profissionais da educação que estão na sala de
aula no dia-a-dia é o que, em economia, se chama de “externalidade”. Não é um nome muito positivo, mas o
jargão de economistas é assim mesmo. As externalidades são todos os efeitos da educação não mensuráveis através dessa melhora de produtividade e desse aumento salarial. Aí entram o maior cuidado com a saúde que a mãe
escolarizada tem com o seu filho e atitudes democráticas, ambos já demonstrados em pesquisas, a capacidade de
diálogo, a maior propensão à filantropia, a fazer doações para causas filantrópicas (particularmente nos países
mais ricos), etc. Há uma série de fatores que não são diretamente salariais, mas que também acabam fazendo o
país crescer mais, pelas vantagens que conferem.
Outra observação muito interessante, que também é chamada de externalidade em educação, é o aumento da produtividade mesmo das pessoas que não foram educadas. Eu vou tentar explicar essa situação um
pouco melhor. Se tomarmos um país, ou mesmo uma cidade, ou mesmo um escritório, que conta com pessoas
qualificadas, pessoas instruídas, não somente aquela pessoa vai produzir mais por ter passado pela instrução,
mas as outras pessoas que trabalham com ela, e não necessariamente passaram pela instrução, renderão mais.
Talvez seja mais fácil entender se pensarmos o que ocorre quando trabalhamos com pessoas incompetentes.
Uma pessoa extremamente incompetente prejudica o trabalho, de todo o grupo à sua volta. Isso é fácil entender.
Fazendo o caminho oposto, é possível entender o reverso: quando trabalhamos com uma pessoa extremamente
competente, instruída, que tem um alto nível de educação e rende mais, também rendemos mais.
Assim, essas são as duas maneiras através das quais a educação gera crescimento econômico: por um
lado, melhorando diretamente o salário e a produtividade da pessoa e, por outro, através dessa enorme área que
a economia não consegue medir como deveria, sobre a qual há muitas incógnitas (sobre exatamente quais efeitos
acontecem, como e quando), mas, a partir de medidas da educação e do crescimento econômico, sabe-se que há
um grande efeito da educação sobre o crescimento econômico que não se deve somente ao maior rendimento,
à maior produtividade.
Eu trouxe um gráfico que procura demonstrar essa relação entre a educação e o salário. Para quem trabalha com ciências sociais ou humanidades em geral, é muito interessante, porque a relação entre a escolaridade
e o salário forma uma linha praticamente reta na diagonal. Um ano a mais de educação gera um aumento de
renda, na maioria dos países, de 8% a 10% . Esse achado é muito interessante, pois a linha reta significa que não
importa qual o ano de educação, o aumento na renda é o mesmo. Tanto faz se é a sétima ou a oitava série do
ensino fundamental, ou se é um curso de mestrado ou de doutorado. Em todos os níveis, a educação tem uma
importância fenomenal sobre a renda ou o salário do trabalhador.
Há uma questão que se refere não só ao volume de renda, mas também aos valores relativos, ou seja, de
igualdade ou desigualdade de renda. Todos nós, quando ouvimos falar de educação, temos uma concepção de
que a educação é a grande ferramenta para a redução das desigualdades de renda. Essa é uma grande preocupação, especialmente para um país como o Brasil, um dos campeões mundiais de desigualdade de renda. Essa
idéia é verdadeira: na maioria dos casos, a educação tem a capacidade de reduzir a desigualdade de renda. Como?
Quando se educam aqueles estratos populacionais que têm menos educação e que também são os mais pobres,
os marginalizados, o salário dessas pessoas aumenta. Mantendo-se tudo o mais constante, aquelas pessoas que
eram pobres recebem um salário maior e, assim, diminui o vão entre elas e as pessoas mais ricas, diminuindo a
desigualdade dentro do país.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O caso mais notável, eu acho, é o da Coréia do Sul, talvez o grande sucesso educacional do século XX,
mas existem vários outros países como exemplo. No Brasil, curiosamente, acontece o contrário: nos últimos 20
anos, a expansão educacional está associada a um aumento da desigualdade. Em termos numéricos, nesse mesmo período, a expansão educacional na Coréia reduziu a desigualdade em 22%, enquanto no Brasil a desigualdade aumentou em 4%. Obviamente, isso é meio estranho. Temos que tentar entender o porquê desse efeito de
aumentar a desigualdade de renda, ao contrário da experiência internacional, de vários outros países.
Como se explica isso? No Brasil, ocorreu um fenômeno interessante: um aumento muito grande da matrícula no nível fundamental, a chamada inclusão dos marginalizados, dos estratos socioeconômicos mais baixos,
ao mesmo tempo em que houve um excesso de demanda, uma demanda reprimida no setor universitário. O que
isso acaba provocando? Enquanto aumenta a educação nos anos com menor retorno, que geram menor ganho
financeiro (os anos da educação fundamental), há uma demanda reprimida nos anos com maior retorno financeiro (os anos de educação universitária). Ao mesmo tempo que estamos atraindo um número muito grande de
pessoas para o sistema educacional, proporcionando-lhes uma educação nos níveis com menor retorno no mercado de trabalho, o “mercado” universitário brasileiro continua muito fechado, muito exclusivista, não abrindo
vagas para ampliar a sua participação na população. Isso fez aumentar o retorno dos universitários, mais ainda
do que aumentou a inclusão das crianças pobres no ensino fundamental.
Por que isso ocorreu? Porque nos últimos 20 anos, especialmente, houve uma explosão de demanda,
da necessidade de conhecimento universitário no mundo. À medida que o mundo progride e as economias se
tornam mais complexas, é maior a necessidade de pessoas com diploma universitário. O prêmio, o que se paga
ao aluno universitário, aumentou fenomenalmente, e o que se paga ao aluno do ensino fundamental no caso
brasileiro até decaiu um pouco, mantendo-se estável em outros países. “Retorno da educação” é o termo econométrico que expressa o que o aluno que foi educado recebe a mais de salário pelos anos de educação que ele teve.
No começo da década de 80, por exemplo, o retorno de um ano da 1a à 8a série, ou seja, do ensino fundamental,
estava próximo dos 10%, o retorno do então chamado segundo grau estava próximo de 16% a 17% e o ensino
universitário também ficava em torno de 16%. Dezesseis anos depois, o prêmio pago ou “retorno” dos alunos
do ensino fundamental caiu, o retorno dos alunos do ensino secundário permaneceu mais ou menos o mesmo
(foi de 16,7% para 13,5%) e houve um aumento muito grande justamente no retorno dos alunos universitários.
O retorno ao ano de educação universitária já era muito alto, de 16% (ou seja, em 1972 uma pessoa que fizesse
somente um ano de universidade tinha no Brasil um salário 16% mais alto do que uma pessoa que só houvesse
concluído o ensino secundário). Essa situação, que já era ruim, ficou pior ainda no final da década de 90, por
causa dessa explosão de demanda de universitários e um número pequeno. É uma relação de procura e oferta:
quando a procura é muito grande e a oferta é pequena, o valor sobe. Foi o que aconteceu: o valor do universitário
aumentou, se podemos falar assim. Hoje, o universitário que faz um ano de ensino universitário tem um salário
20% maior do que a pessoa que só concluiu o ensino secundário.
Nesse movimento de queda do retorno da educação básica e aumento do retorno da educação universitária, vemos porque a educação no Brasil só piorou a situação de desigualdade.
[intervenção da platéia, não audível]
Questionam-me sobre o fato de os universitários terem esse retorno tão grande, ao mesmo tempo em
que há um número muito grande de universitários desempregados. É verdade que há um número grande de
universitários desempregados, mas esse índice de desemprego já está considerado no número de retorno que
eu apresentei. Isso é mensurável e eu sei que ele foi considerado, porque eu conheço bem esse estudo. Todos os
outros estudos apresentam mais ou menos a mesma situação. Se às vezes existem quadros negativos para os universitários, os bacharéis - e eles ocorrem, essas pessoas não estão imunes a esses problemas (nós já não vivemos
numa época em que um diploma representa uma garantia contra o que quer que seja) - a situação é muitíssimo
pior para aqueles que têm somente o diploma do ensino fundamental, do ensino médio, ou que não têm diploma nenhum. O índice de desemprego é muito mais baixo entre os universitários do que os de outros níveis. Eu
não tenho esses números aqui, mas é muito fácil obtê-los. O mesmo vale para os salários. No Brasil, inclusive, há
um estudo comparando fatores de risco para pobreza e desemprego. [Segundo esse estudo,] ter um diploma de
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ensino secundário no Brasil é praticamente uma apólice de seguro contra a pobreza absoluta e contra o desemprego continuado. É claro que há momentos de desemprego, mas a pobreza, a miséria, praticamente não ocorre.
O diploma de ensino secundário no Brasil é praticamente uma garantia contra a pobreza. É claro que há uma
pequena porcentagem de pessoas que acabam também sofrendo da pobreza, da indigência, mesmo nesse grupo.
O Brasil é um país de 180 milhões de pessoas, portanto uma porcentagem pequena significa ainda um número
grande de pessoas.
Vamos procurar entender por que houve esse crescimento da desigualdade e qual é o papel da educação
nessa questão. Basicamente, enquanto o mundo estava crescendo, se sofisticando e se “tecnologizando”, o Brasil,
na área de ensino universitário, patinava. Quando observamos o crescimento de matrículas no setor universitário em diversos países, entre o começo da década de 1980 e o final da década de 1990, percebemos que alguns
países como a Coréia e a Turquia mais que quadruplicaram a sua taxa de matrículas (por exemplo, de 10% para
40% ou de 5% para 20%). O aumento foi muito grande. Vários outros países, que não são nenhuma potência,
como a própria Turquia, Portugal, Chile e Nova Zelândia, tiveram aumentos muito grandes. Alguns, de mais de
300%, outros, de mais de 200% ou de 100%. Nesse panorama, onde está o Brasil? O aumento das matrículas
no ensino universitário brasileiro, nesses quase vinte anos, foi de apenas 36%. Aumentou somente um terço o
número de pessoas, como porcentagem da população, matriculadas no ensino universitário no Brasil, enquanto
no mundo houve esse grande aumento da demanda. Com esse dado, podemos entender o porquê desse impacto
da educação na desigualdade. Se em todo o mundo está havendo essa maior demanda e o Brasil está inserido
nesse mundo, o Brasil também teve uma demanda maior por universitários. O Brasil também se sofisticou,
também evoluiu. Se há essa evolução e essa demanda, já que não há oferta, que não há matrícula no ensino
universitário, é óbvio que vai se pagar muito mais por um aluno universitário, que o salário do bacharel ou do
graduado na universidade será muito maior. É interessante notar que há um movimento de divergência nessa
série histórica: comparando-se o índice de matrículas dos países da OCDE (Europa e Estados Unidos), mais
industrializados, com a matrícula universitária brasileira, a relação era de 2,2 vezes no ano de 1980. Ou seja, se a
matrícula nos países da OCDE era, digamos, de 30%, a nossa era de mais ou menos 15%. Em 1997, essa relação
tinha passado para 3,6 vezes. Uma relação de duas vezes maior passou a ser de quase quatro vezes maior. Até em
relação à América Latina, nós perdemos terreno. Hoje, a média da América Latina é quase o dobro do índice
de matrículas universitárias do Brasil. Eu estou apresentando dados que vão até 1997, mas se fossem até 2004
ou 2005, a situação seria muito pior., Hoje, nós temos uma taxa de matrículas de 15% no setor universitário
brasileiro, enquanto há países em que ela é o oposto: na Coréia e na Finlândia, por exemplo, ela está em 85%!
[falha na gravação]
Todos os estudos dizem a mesma coisa: a desigualdade educacional é o principal fator na explicação da
desigualdade de renda do país, e por uma larga margem, de 40% a 50%. Por que existe essa relação negativa?
Nesse ponto, esperamos ter chegado a uma discussão um pouco mais concreta. Fundamentalmente, o grande
problema é o da qualidade de ensino. Vamos citar alguns exemplos.
O Brasil tem apresentado, nos últimos anos, um dos piores ensinos do mundo. Normalmente, não falamos sobre isso. Algum tempo atrás, eu mostrei esses dados a um diretor de uma das grandes escolas privadas
do Brasil, uma pessoa que convive na área da educação há 30 ou 40 anos. Ele me disse: “Você está muito pessimista, a educação no Brasil progrediu muito nos últimos 10 anos, nós universalizamos o ensino fundamental.
Isso é catastrofismo...” Infelizmente, não é verdade. Eu gostaria que a situação educacional brasileira fosse muito
melhor, mas ela é, efetivamente, um dos piores sistemas educacionais do mundo, não por acaso gerando todas
essas desigualdades.
Um recente ranking da UNESCOcolocou o Brasil em 87o lugar em termos de qualidade de ensino, de
um total de cento e vinte e poucos. Na verdade, esse 87o lugar é generoso, porque a medida usada para avaliar
a qualidade foi a sobrevivência até a 5a série. Ou seja, não é efetivamente um critério qualitativo, usou-se um
critério quantitativo para medir a qualidade.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Quando efetivamente medimos a qualidade da educação brasileira, há um teste chamado PISA, realizado pela OCDE (Organização e Cooperação de Desenvolvimento Econômico, que reúne países do Primeiro
Mundo), no qual o Brasil ficou em último lugar em matemática, penúltimo em ciências e 37o (de um total de
40) em leitura. As pessoas dizem que não se pode comparar, que o estudo inclui países ricos e que não dá para
comparar país rico com país pobre... Esse teste, por acaso, institui também um controle do nível de renda, ou
seja, há uma variável considerada que é o nível de renda, permitindo equalizar os resultados para os diferentes
países, com diferentes níveis de renda. Mesmo após essa equalização quanto aos níveis de renda, os resultados
no ranking são os mesmos no que se refere ao Brasil. É um estudo muito considerado e bem-visto internacionalmente, e o Brasil ocupa nele essas posições.
Uma pesquisa do Instituto Paulo Montenegro, um “braço social” do IBOPE, digamos, tem um dado
que talvez seja o mais aterrorizador de todos. Essa pesquisa é feita bianualmente, a última foi feita neste ano e
divulgada há pouco tempo. Segundo essa pesquisa, 74% dos brasileiros não conseguem entender um texto (não
é um livro). Infelizmente, Leandro, quanto àqueles números de que falávamos, de quase 50% de analfabetismo
funcional, num teste mais detalhado como este, chegamos a conclusões bem piores: praticamente três quartos
da população brasileira não conseguem ler e entender um texto.
O SAEB, que todos conhecem, o teste do MEC que avalia a qualidade do ensino básico, com exceção
do teste de 2003, vem mostrando um declínio constante, apontando que mais da metade dos alunos está em
situação crítica ou muito crítica, muito abaixo do mínimo esperado.
Onde começa esse problema? Ele começa no começo, na primeira série do ensino fundamental. O índice
de repetência no Brasil como um todo (e não somente da cidade de São Paulo, sobre a qual eu nem tenho os
dados) na primeira série é de 32% dos alunos que iniciaram o ano letivo. Esse valor se compara a um índice, nos
países desenvolvidos, de 0 a 3%. Dificilmente se acha um país que tenha mais de 3%. Na maioria dos países,
esse dado nem é muito solicitado, pois já é de zero. De qualquer forma, é de 0, 1%, 1,5%, 2%, 2,5% e 3% é
meio que o máximo. Olhem a diferença: enquanto nos países desenvolvidos a primeira série é quase que uma
obviedade, a criança entra e passa, pois vai aprender a ler e a escrever (ninguém está ensinando Física Nuclear
na primeira série), no Brasil um terço das pessoas que entram na primeira série repetem de ano. Outros 15%
repetem na segunda série. Assim, temos um quadro em que, nos primeiros dois anos do ensino, quase a metade
dos alunos está condenada ao atraso, à repetência, aos problemas de baixa auto-estima que a repetição gera.
Uma coisa que eu não sei se é boa ou ruim, vocês me digam, é que a má qualidade é de todo o sistema
educacional. Não é um privilégio exclusivo do setor público, não é um problema de descaso com o ensino público, é um problema de todo o sistema educacional brasileiro. É interessante: o teste PISA, por exemplo, permite
identificar os alunos de acordo com o seu nível de renda. Quando observamos os alunos de colégios de elite,
alunos do mais alto nível socioeconômico, vemos que o Brasil, também nesse nível, também tem um desempenho educacional muito abaixo do desempenho de outros países.
Em termos da porcentagem de alunos que chegaram aos dois níveis mais alto da prova do PISA, o Brasil
fica novamente em último lugar. Nos países desenvolvidos, mais da metade dos alunos de alto nível socioeconômico vai bem nas provas: esse nível chega a 55%, 57% ou até mais de 60%. No Brasil, essa porcentagem é de
somente 21%. Isso é prova de que não se trata de um problema dessa ou daquela escola, de um sistema ou de um
estado ou município, e nem só do sistema público. É um problema estrutura. até porque o sistema educacional
é um só.
O problema é qualitativo. Ainda ouvimos muito no Brasil uma conversa que era pertinente 10 ou 20
anos atrás e que não é mais pertinente hoje, de que faltam coisas, de que é preciso mais. Sempre se precisa de
mais dinheiro, mais escolas, mais isso ou aquilo. Essa discussão, felizmente, já está encerrada, pois hoje colocamos basicamente 100% das nossas crianças na primeira série. Hoje a discussão é simplesmente de qualidade. É
uma discussão muito mais difícil, pois não adianta somente se colocar mais e mais; é preciso fazer melhor.
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Alguns dados evidenciam que o problema é realmente qualitativo. Primeiramente, a tal taxa de atendimento na primeira série, de quase 100%. Não faltam mais escolas na primeira série. Podem faltar na educação
infantil, mas não faltam no ensino fundamental. Quanto aos gastos com a educação, infelizmente essa é uma
discussão em que as pessoas falam muito sem ter dados. O Brasil hoje gasta, proporcionalmente, quase o mesmo
(em alguns casos até mais) do que os países mais ricos do mundo. Gastamos entre 4% e 5% do nosso PIB em
educação, e vem sendo assim há muito tempo. A China, por exemplo, que está tendo uma evolução educacional
tremenda, passou em 5 anos (de 1998 a 2003) de uma taxa de matrículas no setor universitário de 5% para 15%,
que é a taxa brasileira hoje. Os chineses conseguiram fazer em 5 anos o que no Brasil se faz há várias décadas,
pelo menos. Talvez séculos, dependendo de como pensamos no início do ensino universitário. A China gasta
em educação 2% do PIB, o que é o teto daquele país. Nos últimos 20 anos, ela vinha gastando de 1% a 1,5%.
O Brasil gasta o dobro disso. Portanto, efetivamente, não é um problema de falta de recursos. Pode ser (e é) um
problema de recursos mal aplicados. Em que áreas os recursos são colocados, quais áreas são priorizadas. Mesmo
quando vão para as áreas certas, há o problema de como os recursos são gastos e como saem do lugar de onde
devem sair e não chegam ao lugar a que devem chegar. Essa é outra discussão, uma discussão qualitativa, e não
quantitativa. Não é falta de recursos. Os recursos existem, só que não chegam onde deveriam.
Eu tenho ainda um dado que eu sei que não é muito popular. O salário dos professores no Brasil como
um todo (é claro que há diferenças regionais), comparado ao nível de PIB per capita, no ensino fundamental
(o mesmo vale para o ensino médio) está em linha com o que se faz nos países mais ricos do mundo, os países
da OCDE, ou até um pouco acima: nos países da OCDE, o salário do professor equivale a 1,3 vezes o PIB per
capita e, no Brasil, essa relação é de 1,56 vezes. Quando comparamos o salário do professor brasileiro ao dos nosso vizinhos latino-americanos, que têm sistemas educacionais bem melhores que os brasileiro (para se ter uma
idéia, Argentina e Chile, por exemplo, já estão chegando a índices de matrículas de universitários de 40% a 50%
e o Brasil está em 14% a 15%), os outros são números mais baixos. Na Argentina, gasta-se 0,85, no Uruguai,
0,75, no Chile, 1,25. Portanto, mais uma vez, certamente há problemas de remuneração em alguns lugares e
problemas de estrutura de incentivos aos professores, certamente há professores que deviam ser mais bem pagos,
mas eu sempre digo que o professor brasileiro não é mal pago porque é professor, é mal pago porque é brasileiro.
Todo mundo no Brasil mereceria um salário maior do que o que recebe, mas vivemos em um país onde nem as
pessoas nem o governo têm recursos para pagar aquilo que seria um salário digno, o salário que desejamos. Mas
esses dados mostram que não há uma discriminação contra a carreira de professor.
Nessa situação, o que é bom é que, assim como o problema é de qualidade, a solução também é de qualidade, especialmente no ensino fundamental e especialmente nas primeiras séries do ensino fundamental. Sem
isso, a escola, que é um grande investimento, um grande benefício para a criança, passa a ser um fardo (porque
o aluno repete, não aprende, etc.) e primeiro o aluno começa a faltar às aulas, depois ele começa a repetir de
ano, até que por fim ele abandona a escola e por isso nós temos esses índices de matrícula, que não chegam aos
índices dos países desenvolvidos.
Temos o problema de a universidade pública ser menor do que o que gostaríamos que fosse, tem menos cursos e menos vagas, mas o problema fundamental não é que há uma porta fechada, uma lei proibindo as
pessoas de chegarem à universidade. O problema é que, no percurso educacional, essas pessoas se evadem, essas
pessoas saem do sistema educacional, porque via de regra estão recebendo um ensino que não compensa o tempo que elas ficam fora do mercado de trabalho. O “canto da sereia” do mercado de trabalho torna-se irresistível
- indireta e diretamente, por pressão dos pais, etc. - e essa criança é retirada da escola e não chega aos níveis mais
altos que permitiriam solucionar a questão da desigualdade no Brasil.
Bem, eu falei de muitos problemas aqui, até porque, infelizmente, não podemos falar com muita alegria
do sistema educacional brasileiro, mas eu quero terminar com uma mensagem que, eu espero, seja de um pouco
de otimismo. Especialmente para vocês, que estão no dia-a-dia da sala de aula, dando a qualidade da educação,
vale a pena pensar que o problema, na verdade, é uma oportunidade de mostrarmos o nosso valor, de mostrar
o nosso talento, de fazer alguma coisa melhor. É verdade que os professores do Primeiro Mundo têm condições
melhores, têm uma educação melhor e instalações melhores, etc. Eles têm tudo melhor, mas isso também faz
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
com que os professores do Brasil tenham a oportunidade de fazer uma diferença muito maior do que os seus
congêneres, do que os seus colegas dos países de Primeiro Mundo.
Eu acho que a minha mensagem seria: não deixe que o problema te abata. Transforme-o num desafio.
Muitas vezes, ouvimos o seguinte discurso: “Eu não tenho como fazer isso melhor no Brasil, está tudo uma porcaria, não é aqui que as coisas vão dar certo”. Pelo contrário. Justamente pelo fato de o Brasil ter todos os problemas que tem e o sistema educacional ter todos os problemas que tem, é que se torna muito mais importante,
mais indispensável que o professor na sala de aula consiga transmitir uma educação de qualidade para o seu
aluno e transforme aquele aluno. Especialmente vocês, que trabalham no ensino público, com alunos favelados,
de estratos econômicos marginalizados, que resgatem esses alunos. Esse quadro de carência só torna esse trabalho
mais indispensável. Nessa situação de grande pobreza e de grande dificuldade que o país vive, mais ainda o aluno
depende do professor para fazer com que educação, que deveria ser esse elo entre uma vida sem esperança - uma
vida de pobreza, contra cuja viabilidade e bem-estar todo o Universo conspira - nessas condições é que o papel
do professor se torna ainda mais importante. É aí que o papel do professor é ainda maior e que o professor tem
ainda mais capacidade de resgatar esse aluno e fazer com que as promessas da civilização sejam entregues aos
alunos que mais precisam delas.
Vocês realmente têm esse desafio, têm esses grandes problemas a enfrentar, mas têm essas grandes oportunidades. São oportunidades enormes. Eu volto a dizer o que disse no começo: ninguém tem mais responsabilidade e ninguém tem mais condições de fazer com que esse país se desenvolva - mais do que empresários,
políticos, banqueiros, intelectuais, etc. - do que o professor. E do que o professor das primeiras séries, que está
formando o nosso aluno, que está formando as nossas gerações. Então, em primeiro lugar, muita força, muita
garra! E muita sorte, também. Obrigado.
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Educação e diversidade étnico-racial
Dr. Hédio Silva Júnior
Secretário de Estado da Justiça
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ensino Fundamental de 9 anos
Iara Glória Areias Prado
Secretária Adjunta – SME
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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Ensino Fundamental de 9 anos
Jeanete Beuchamp
Diretora do Dpto. De Políticas de Ed. Infantil e do Ensino Fundamental MEC
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ensino Fundamental de 9 Anos
Profa. Dagmá Brandão Silva
Diretora do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação
Gostaria de agradecer o convite. É sempre uma alegria encontrar esse movimento: 5.000 professores. A
Secretaria da Educação do Município de São Paulo está de parabéns. Vou relatar a experiência de Belo Horizonte, que já inclui as crianças de 6 anos desde 1994.
Desde 1994, Belo Horizonte tem uma diretriz política que constitui uma das políticas públicas de educação talvez mais polêmicas e comentadas no Brasil, que é a Escola Plural. Implantamos a Escola Plural com
base em algumas experiências de transgressões que já existiam na rede municipal e na tentativa de incluir e fazer
uma escola para todos.
Tendo escutado muito dos pais: “No meu tempo a escola era melhor”, começamos a fazer uma reflexão
sobre a procedência dessa frase. Dados apontam algumas evidências: em 1820, apenas 0,1% da população era
alfabetizada. Em 1955, apenas 4 entre 10 crianças de 7 anos iam à escola. Em 1970, de cada 10 crianças que começavam o primeiro ano, apenas uma chegava à 8a série sem nenhuma reprovação. Será, então, que essa escola
era para todos? Era boa? Será que é essa a escola que queremos fazer?
Nesse quadro, introduzimos a Escola Plural em Belo Horizonte, com os seguintes eixos:
1. Não se pode ter um projeto de escola para todos que garanta acesso, mas também permanência e aprendizagem sem pensar que isso exige uma intervenção coletiva radical. Todos devem participar: comunidade, alunos,
professores, funcionários, direção. É preciso trabalhar com a sensibilidade da totalidade da formação humana;
pensar na autonomia; olhar, realmente para o educando, desejar estar ali.
2. A Escola como tempo de vivência cultural: é importante ter uma escola que exige estética e ética, que respeite
os saberes do educando, que perceba a identidade cultural de cada aluno.
3. Uma escola que tenha em vista uma vivência de cada idade de formação sem interrupção. Essa é a grande coluna que sustenta a Escola Plural: cada pessoa que está dentro da escola tem um processo de construção interna,
de desenvolvimento biológico, sociológico, psicológico que a escola não pode desconsiderar. Temos que formar
professores que sejam capazes de lidar com idades de formação.
Então, a Escola Plural adota os ciclo de formação, que dividem os 9 anos em 3 ciclos:
• 1o ciclo: 6, 7, 8 anos – ciclo da infância
• 2o ciclo: 9, 10, 11 anos – pré-adolescência
• 3o ciclo: 12, 13, 14 anos – adolescência
A proposta é que sejam 9 anos de ensino fundamental ininterruptos, de aprendizagem contínua, sem retenção. A concepção de ciclo pressupõe que o aluno tem direito à formação contínua. Então, é preciso organizar
uma escola de forma mais flexível, coletiva, pensando tempos e espaços.
O que significa a permanência na escola e que desafio nos traz? Antes, com a reprovação, os alunos que
ficavam para trás, depois de algumas reprovações, acabavam desistindo da escola. Hoje, não há esse precedente;
aquele aluno está lá. Sabemos que garantir a permanência não pode significar empurrar o aluno ao longo de sua
escolarização sem nos comprometermos com sua aprendizagem, perpetuando antigos mecanismos de exclusão.
Então, como fazer? É o grande desafio. Temos alguns pensamentos a respeito:
• É preciso criar mecanismos que garantam que os professores acompanhem os alunos ao longo de cada ciclo.
Mudanças freqüentes de professores nas turmas de cada ciclo, principalmente em todo final de ano, não contribuem para alcançarmos nossos objetivos.
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• Quebrar ciclos é quebrar séries. Assim, agora nós nos organizamos a cada ciclo: a cada 3 anos. Pensamos que
é importante formar o coletivo dos ciclos. O professor que trabalha com o primeiro ciclo, que se apropria da
linguagem da infância, como a criança aprende e se relaciona, e o professor que possa acompanhar esse aluno
por 3 anos.
• A organização do tempo na escola para garantir que haja tempo para pesquisar, estudar, planejar, estar na regência. Em princípio, temos uma proposta de dupla de professores por turma, atendimento individualizado, oficinas,
seminários, horários pedagógicos de estudo acompanhado, às vezes 2 professores na sala, às vezes 2 turmas com
3 professores, enturmar, por vezes não por idade mas por conhecimentos, construir outros coletivos na escola.
A proposta curricular dessa escola deve explicitar com clareza as competências que serão trabalhadas com
os alunos, ao longo do ciclo. Deve explicitar que tempo, que profissionais, que projetos, que metodologias, que
avaliações deverão orientar a formação dos sujeitos. É importante pensar o currículo da escola e é importante
que o coletivo defina como este deve ser: Qual o conhecimento que o aluno do 3o ciclo deve ter? O que é importante para o aluno do 1o ciclo? O que é essencial que o aluno do 2o ciclo conheça? Qual é a prioridade para
o aluno do 3o ciclo? Qual é a metodologia mais adequada? Não importa que sejam atividades significativas ou
projetos. É preciso que conheçamos, que demos sentido, que façamos a relação interessante com a vida, com os
saberes, com a cultura, com a identidade.
Processos, instrumentos e registros de avaliação
A análise da avaliação deve dizer-nos que aluno é esse, qual é sua história de vida e escolar, o que ele já sabia,
o que aprendeu, o que não aprendeu e por quê. Quais são suas potencialidades? Quais são suas dificuldades?
Quando se tem um tempo maior com o aluno, pode-se fazer uma avaliação que não seja por nota. Se
acompanho o aluno por 3 meses, posso avaliá-lo por outras formas além da nota de prova.
A Escola Plural não propõe a promoção automática, uma vez que entende a formação como um processo que requer acompanhamento contínuo. A promoção automática não significa incluir, pois podemos correr
o risco de não garantir o aprendizado necessário ao sujeito. A Escola Plural propõe o acompanhamento permanente do aluno.
E se o aluno, apesar de tudo, não aprende? A escola deve elaborar um projeto pedagógico específico
de ampliação da carga horária daquele aluno ao longo do ciclo: em atividades extra ou intraturnos, em acompanhamentos individualizados, em agrupamentos diferenciados e, em casos excepcionais, no final do ciclo. E,
então, a Escola Plural pode reter o aluno no final do ciclo. Mas, é preciso que haja um projeto para o aluno que
foi retido; hoje, trabalhamos mais sob a perspectiva da ampliação do tempo do aluno na escola, às vezes numa
turma, dependendo da escola e dependendo da necessidade de intervenção.
Por que a Escola Plural? Porque acreditamos que a inclusão, a cidadania e a dignidade só se efetivam com
paixão, com conhecimento, com curiosidade, com acolhimento. E é isso que procuramos na construção de uma
escola pública onde todos aprendam.
Inclusão das crianças de 6 anos
Em 1997, a Escola Plural incorporou crianças de 6 anos na medida da disponibilidade das vagas, mas
ainda priorizando crianças de 7 anos. Em 1997, atendeu 3.079 crianças de 6 anos. Em 1998, atendeu 8.142
crianças de 6 anos. Em 1999 define-se politicamente a garantia de cadastro de inclusão de crianças de 6 anos.
Nesse ano, incluímos 11.776 crianças. Atualmente, toda a rede recebe crianças de 6 anos no Ensino Fundamental. A criança pode entrar com 5 anos e 8 meses: o Estado de Minas Gerais recebe crianças com recorte em
abril.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O que significa incluir as crianças de 6 anos no Ensino Fundamental? Para nós, garantir mais tempo
para formação escolar não significa ingresso precoce na escola. Significa, sobretudo, o direito a este nível de
educação básica. Quando dizemos que estamos incluindo a criança de 6 anos nesse nível de educação básica,
dizemos, também, que estamos estabelecendo uma lógica que para a Escola Plural e a lógica dos ciclos de idade
de formação. A criança de 6 anos está mais próxima da de 7 ou 8 anos. Dentro da lógica biológica, acreditamos
que a criança de 6 está mais próxima da de 7 e anos, do ponto de vista do desenvolvimento humano. Neste caso,
trabalhando no primeiro ciclo as crianças de 6, 7 e 8 anos, estamos garantindo o ciclo da infância.
Construir uma prática pedagógica que respeite as crianças, uma nova relação com o conhecimento: não
é uma lógica perversa, nem uma lógica que acelera ou antecipa a aprendizagem. Ao contrário, garante às nossas
crianças o tempo da infância, que é o tempo de aprender regras, de brincar de roda, de esperar a vez, de ensaiar
o coral, de ler histórias, de ouvir histórias, de estabelecer rotinas, de respeitar o outro, de descobrir o nome, as
letras. O fato de a criança entrar aos 6 anos no Ensino Fundamental não significa que se comece a ensinar nesse
mesmo momento a decifração do código lingüístico. Respeita-se o tempo da infância. Entendemos que a Escola
para crianças de 6 anos é por excelência um tempo de socialização, local que cada vez mais tem se constituído
como um dos poucos espaços de vivência com outras crianças.
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Ensino Fundamental de 9 anos
Prof. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes
Secretária Municipal de Guarulhos
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Sarau de Poesia
Prof. Poeta Silas Corrêa Leite
Escritor, Poeta e Ficcionista, Prêmio Lígia Fagundes Telles Para Professor Escritor.
Autor de Porta-Lapsos, Poemas, 2005
Autor do e-book free “O Rinoceronte de Clarice”, no site www.hotbook.com.br/int01scl.htm
Quando falo sobre poesia, começo com uma quadrinha:
“Eu sou pobre, pobre, pobre/De marré, marré, marré/Mas eu tenho a alma nobre/Pois eu sou de Itararé...”.
Sou de Itararé e sempre fui apaixonado por todas as minhas professoras! Aquele amor platônico. Fui
bóia-fria, vendi sorvete, fui engraxate; vim para São Paulo, passei fome, ganhei ficha nos porões da ditadura,
fiz Direito, passei anos na área e um dia fui fazer Geografia e descobri que era isso que eu queria ser: Professor!.
Sempre escrevi, desde guri; como professor poeta agora, passei a escrever para vários sites, inclusive os que discutem a Educação, criticando a educação brasileira do ponto de vista do professor.
É fácil dizer: “Trabalho 80 horas por semana”. Onde? Num gabinete, ganhando 10.000,00 por mês!
Realmente, é um grande sacrifício! Nós, que trabalhamos lá na ponta do ensino, ganhamos menos do que um
terço desse valor, por isso estamos, como se diz, “ralando!”
O Prof. Dr. Pinotti, que me surpreendeu, em sua gestão, no trato da educação, disse: “Deve ser bom ser professor, se é poeta”. Eu respondi: “Sofre mais!”
O professor, como o poeta, carrega a realidade nacional. Você, na ponta da escola sente o que foi o plano
econômico, sente o que foi o jogo de ontem, sente o que foi a migração, a imigração...
Tudo o que se planeja nos gabinetes, visto na ponta da escola, transforma-se em outra realidade: o aluno
que não tem pai, que não tem mãe; as drogas, a impunidade - que é o grande mal deste país, pois tudo aparece
na escola. E o aluno quer fazer justiça com as próprias mãos, porque a mãe foi morta, porque o pai está desempregado. E quem recebe o aluno assim? O professor.
E eu, como professor, vou escrevendo essas “acontecências” do dia-a-dia, e vou fazendo os meus poemas;
e vou lançando os meus livros e assim vou dando o meu testemunho.
Vou começar este sarau lendo um micro-conto:
“Renatinha, ali na esquina da Praça 3 Poderes, pedindo ajuda, todo dia, numa ladainha pegajenta, sonha uma
outra realidade:
“- Moço, dá um tostão pro café?” Na tristice da viajosa realidade, Renatinha podia dizer: “-Moço, dá uma esmola
pra eu cheirar cola?” Não, Renatinha, coitada, mal sabe que pode morrer a qualquer momento – uma bala perdida.
Então, a coitadinha sonha um novo céu e uma nova terra e, do fundo do seu coração triste, pensa em parar o cidadão de terno e gravata e dizer: “-Ser humano, me dá um abraço?”
A questão, agora, do professor:
“Que espécie de professores somos? Que espécies de alunos queremos? - Ou vice-versa: O que somos como alunos?”
Vocês já se viram em cada sala de aula, no antigo primário, no ginásio, no colégio, na faculdade? Você
era quietinho, você era santinho? Você estava numa “cela de aula” ou você pintava e bordava, como faz como
professor? Infelizmente ou felizmente, a criança não vai deixar de ser criança porque é aluno. E a poesia pergunta: “-Que aula deve ser arquitetada para essa criança-ser-humano?”
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Coloque-se no lugar da criança e diga: “Eu quero uma aula que tenha teatro, música, poesia, balé, história em quadrinhos, gibis”. Mas, no ensino fundamental? No ensino fundamental sim! Mas, no ensino médio?
No ensino médio sim!
Eu dou aula no ensino fundamental e médio, e começo uma história em quadrinhos. Eu faço o balão,
faço os versos rimados e, se bobear, ainda canto um Rap meu para os alunos. “Professor, o senhor dá Geografia?”
Sim!. Qual é a coisa mais importante do planeta Terra? -O ser humano. Nós modificamos o espaço, nós fazemos
o espaço e nós temos esse espaço.
A poesia do professor termina assim:
“Faça a chamada do seu coração.
Use a tarjeta da boa vontade.
E pense, sendo o professor, o que você faria se estivesse ali, sendo aluno?.
Você gostaria da aula que está dando?”
Essa é a questão. Uma vez, numa palestra, perguntaram porque sou professor. Pensei em escrever um
texto. E escrevi. E o texto diz:
“Sou professor porque amo a vida, amo as pessoas, amo servir e trocar conflitos e esperanças.
Sou professor porque creio na fé, creio no conhecimento, creio no amor.
O amor move moinhos, montanhas e é para dentro do coração que se produz uma aula.
Sou professor porque sei que pássaro que pode voar mais longe tem que partir primeiro.
Sou professor porque acredito na distribuição do pão e da água além da vontade de viver intensamente.
Sou professor porque confio na produção do conhecimento e da pesquisa.
Sou o professor porque a alma da ciência é perseverança.
Sou professor porque a palavra é doce, o livro é estandarte e a troca de bagagem é um elo de exaltação à vida.
Sou professor porque sempre me encontro comigo mesmo em sala de aula.
Sou professor porque lecionar é da lavra do humanismo.
Sou professor porque acredito na vida e dar aulas é oferecer a mão estendida dizendo para o aluno: ‘Venha, venha...
Vamos comigo para o futuro!.’
Sou professor porque, realmente, a docência é missão, é dádiva, é semeadura de tantas estradas que vão dar na alma
humana.
Sou professor porque faço parte da orquestra dos sensíveis.
Sou professor porque me respeito e gosto de fazer o que faço.
Sou professor porque descobri a fórmula de dar aula: Eu inspiro o aluno e o aluno inspirado vai receptar melhor
minha didática, meu conteúdo, minha teoria.
Sou professor também porque ser professor é a minha melhor melodia.
Enfim, sou professor porque acredito no amor e sei que, como diz o poeta, “Toda madeira, quando tocada vira flauta” e o aluno é a madeira que vou fazer um ser cidadão, cheio de luz, cheio de amor.
Por isso, sou professor”.
A cada dia que volta para casa, o professor precisa ter a sensação do chamado “dever cumprido”. A
propósito dessa idéia, escrevi um poema que está no site “Ao Mestre com Carinho” (procurando num buscador
da web “Silas Corrêa Leite” há mais de trezentos sites com trabalhos de minha autoria, sempre sob a ótica do
professor e, às vezes até criticando a ótica rasa do acadêmico):
“Levanto-me todo dia para ir trabalhar
Mas já sabendo que estarei dividido
O péssimo salário, a condução, o lugar
Além da desesperança, do sonho perdido
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Mas sigo em frente, buscando me encontrar
Com a alma tristonha e o coração partido
Não tenho casa, talvez nem tenha um lar
Só Deus sabe o quanto eu tenho sofrido
Cada sonho, cada busca é um pesar
Que abala o meu espírito oprimido
Mas, mesmo assim, eu tenho que lecionar
E encorajar sonhos; tristezas, não divido
E quando, à noite, chega a hora de voltar
Tenho que estar consciente e é o que tenho sido
Porque bem tarde, na hora de descansar
Tenho que ter a certeza do dever cumprido!.”
O poema ilustra muito bem o dia a dia do professor, sob a ótica daquele que precisa sobreviver, e vemos,
na escola, professores que vendem Avon, salgadinhos, livros, tupperware; todos vendendo tantas coisas para
complementar o salário e, no fim do mês, pagarem as contas que os 2 ou 3 salários das 2 ou 3 escolas já não
pagam...
Há a questão da mídia: quando a mídia critica o professor, faz isso sem provas. E quando o professor
ganha a ação na Justiça ou mostra ter estado certo, a mídia não noticia; ignora. A mídia neoliberal está contra a
educação pública?. O professor deveria estar ganhando 50% a mais na Prefeitura e a 150% mais no Estado.
Não abordo essas questões na classe, claro, porque aquele é o lugar de aula e eu faço meu trabalho honradamente. Mas, nos fóruns de discussão, nos sindicatos, sou palavra forte e não tenho medo, porque estamos numa
democracia. Quando me pedem conselhos, digo que o professor deve procurar seus direitos, fazer boletim de
ocorrência, procurar um advogado. Quando o professor é agredido na escola, acabou a hierarquia. Não há prefeito, governador, presidente ou secretário da Educação, neste caso, porque o direito privado, pessoal está acima
disso tudo, até do próprio estatuto ou regimento.
Voltando à poesia: é difícil falar de poesia e Cazuza dizia muito bem: “Enquanto houver burguesia/Não
vai haver poesia”.
Eu digo: “Enquanto houver poesia ainda há de haver esperança...”.
O professor é, sim, aquele que muda a história. Mas o professor está organizado? Vemos paralisações de
professores em que poderia haver 200.000 professores e há 500. Por quê? Porque o professor não está conscientizado.
Escrevo desde os 8 anos e fui descoberto por uma professora dentro da sala de aula. Aos 16 anos escrevia
para o jornal da cidade, sempre estudando e admirando os professores e a educação como um todo. Digo que,
depois do pai e da mãe, a pessoa mais importante da vida do aluno é o professor. Se o aluno não tiver consciência
de que a pessoa mais importante na vida dele é o professor, fica muito difícil.
É preciso discutir o dia-a-dia do professor. Discute-se muito nos fóruns, mas não o dia-a-dia do professor.
Mais uma poesia:
“O telefone toca e eu fico ligado/Preocupado, assustado/Em casa não tem telefone/E eu sou só mais um número
errado”.
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Às vezes estou escrevendo a matéria e vem a idéia da poesia. Estou escrevendo, encho a lousa, abro o
caderno, leio os textos e vem uma poesia assim: “Pedagogia/O giz do professor feliz/Assobia”. Eu paro o texto que
estou criando ali, fecho o parágrafo, faço um quadrinho no meio da matéria e coloco a poesia.
A poesia de encerramento: “Pra que tanto celular/Com tanta falta do que falar?”.
Perguntam-me quando aparece a idéia. Às vezes, estou no ônibus lotado e ouço alguém falar: “Estamos
todos sozinhos”. Essa frase inspira-me e surge a poesia. Chego em casa e faço o poema:
“Estamos todos sozinhos
Além do que percebemos.
Somos sempre tão mesquinhos
Quem sabe até merecemos.
Estamos todos sozinhos
Basta olhar para nós mesmos”.
Alguns dias após ter escrito esse poema, Cazuza faleceu. Compus um rock (fiz a música) com essa mesma letra. Expliquei isso aos alunos e sugeri que eles cantassem em sala de aula. Eles dizem que sou louco, mas
prestam atenção, se interessam por todas as aulas. Louco?
Ser professor não é fácil e ser poeta é mais difícil ainda, porque você sente a dor do outro, tem problemas. Porque você vê que o aluno pode não ter futuro, ou aquele aluno está condenado, ou aquele ser humano
pode não ir longe. Isso dói porque você possui intuição, percepção.
O professor tenta resgatar o aluno. Consegue?
Nem sempre, mas vai fazer sempre o impossível.
Site pessoal:
www.itarare.com.br/silas.htm
E-mail direto: [email protected]
100
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
PALESTRAS
18.11.05
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A Mídia e a Educação” e “O Ensino Socialmente
Construído – O tempo Integral na Visão de Darcy
Ribeiro”
Carlos Heitor Cony
Escritor Academia Brasileira de Letras
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Mídia e a Democracia, a Mídia e a Cidadania, a Mídia
e a Educação
Paulo Henrique Amorim
Jornalista, escritor e apresentador do programa “Tudo a ver”, da Rede Record. Acaba de lançar o livro “Plin Plin”.
Muito bom dia, professora Hilda Piaulino, secretário Pinotti, a quem devo este honroso convite e a
possibilidade de nos reencontrarmos; secretário Callegari; meu colega Gilberto Dimenstein; e o grande escritor,
romancista e jornalista Carlos Heitor Cony. As peripécias do cupido não permitiram que ele fosse meu sogro,
mas eu tenho a honra de ter trabalhado com o Cony na TV Manchete, quando pudemos conviver e conversar
ao longo de intermináveis almoços preparados pelo cozinheiro do Adolfo Bloch. É uma das memórias mais
interessantes da minha vida de jornalista.
Eu gostaria de dar dois lembretes, antes dessa minha breve exposição.
O primeiro lembrete é que tenho a honra de vir aqui falar com professores e professoras e, lamentavelmente, devo dizer aos professores que a Ana Hickmann não veio. E às professoras devo lamentar também que,
apesar de meus esforços redobrados, o Olivier Anquier não veio. Então, as senhoras e os senhores serão obrigados a conviver com este modesto repórter.
Quero dizer também, diante do que vou expor agora – o tema do meu livro – que eu não fui, não sou
nem serei brizolista. Embora o meu livro trate de um episódio da política carioca de 1982, eu não fui brizolista
e não serei brizolista, até porque o Brizola já morreu. Mas esse livro, que eu acabei de escrever na companhia da
jornalista Maria Helena Passos, de título “Plim Plim - A peleja de Brizola contra a fraude eleitoral” pretende ser
uma discussão sobre o papel da mídia na democracia, o papel da mídia na cidadania e, por extensão, a questão
da mídia e da educação.
Eu tive a honra, também, de trabalhar com outro acadêmico, como o Cony, que foi o escritor mineiro
Otto Lara Resende. Eu trabalhei com ele na Globo, e o Otto dizia que nós, jornalistas, entendemos de tudo,
portanto, não entendemos de nada. Eu não sou especialista em mídia nem em educação. Mas eu acho que com
esse livro aqui eu levanto alguns tópicos que gostaria de oferecer à reflexão dos senhores e senhoras. E esse livro
ajudou a mim mesmo a refletir sobre alguns temas que me perseguem há muito tempo.
O livro reconta um episódio de 1982, na primeira eleição direta para governador, depois do regime militar, quando o Leonel Brizola, depois de voltar do exílio, se candidatou a governador do Rio de Janeiro. Ele conta
uma versão diferente da versão que aparece no livro “Os 35 anos do Jornal Nacional”. E foi o livro “Os 35 anos
do Jornal Nacional” que me motivou a escrever o “Plim- Plim”. Naquela época, em 1982, eu era editor-chefe do
Jornal do Brasil, o jornal que fazia oposição ao jornal O Globo, e o Jornal do Brasil e a Rádio Jornal do Brasil
tiveram uma participação nesse episódio, que eu achei importante registrar.
O que aconteceu foi: o SNI, que hoje se chama ABIN; uma parte importante da Justiça Eleitoral, que
contratou uma empresa de computação chamada Proconsult; uma parte da Polícia Federal; e as Organizações
Globo, através da televisão, do jornal e da rádio – todas essas instituições, através de um instrumento chamado
“diferencial delta”, que consistia em pegar no computador votos para o Brizola, especialmente na Baixada Fluminense e na zona oeste do Rio, e convertê-los em votos brancos e nulos. Essa operação, essa fraude eleitoral,
tinha como objetivo impedir a eleição do Brizola e eleger o candidato dos militares, o então deputado federal
Moreira Franco. A operação levaria a um impasse entre a apuração feita por essa empresa Proconsult, e apurações alternativas, como a apuração feita pela Rádio Jornal do Brasil, que o Jornal do Brasil usava.
Naquela altura, no Rio, era um fato muito interessante os cariocas irem para a banca de jornal e viam O
Globo pendurado, dizendo que o Moreira Franco ia ganhar a eleição. E do outro lado o Jornal do Brasil dizendo
que o Brizola ia ganhar a eleição. Qual era o objetivo dessa fraude?
103
O objetivo era criar um impasse. Esse impasse teria que ser arbitrado pela Justiça Eleitoral, e a Justiça
Eleitoral daria vitória ao candidato dos militares. Isso não é uma especulação irresponsável. Todos nós vimos o
que aconteceu no ano 2000, nos Estados Unidos, quando houve um impasse entre vários tipos de apuração, e
uma emissora de televisão, a FOX, saiu na frente e disse que o Bush ganhou a eleição, as outras emissoras foram
atrás e disseram que o Bush ganhou a eleição. Criou-se o fato consumado. Depois de instâncias e instâncias de
decisão judicial, a Suprema Corte decidiu, com juizes de maioria republicana, dar a vitória ao candidato George
Bush. O papel da TV Globo era, efetivamente, o da FOX: coonestar a fraude e criar um clima de “já ganhou”
para o candidato dos militares.
É importante observar que na história da Justiça Eleitoral no Brasil, quando se fala em eleições passadas
e na utilização da urna eletrônica e do voto por computador, a história começa em 1985, quando foi feito o
primeiro recadastramento eleitoral do Brasil no computador. Não há referência a essa tentativa de fraude em
1982. É importante observar que essa eleição de 82, no Rio, foi a primeira em que se usou o computador para
somar todos os votos. Esse é o aspecto que esse livro tenta discutir.
O segundo aspecto, evidentemente, é o papel da mídia na democracia.
Eu vou usar aqui alguns dados que eu considero muito significativos, e se sustentam em dados oferecidos
numa entrevista por Octávio Floresbal, presidente da Rede Globo de Televisão. Vejam só: a Rede Globo de Televisão tem 70% nos piores anos, nos melhores anos 78%, de toda a verba publicitária gasta em televisão. A Rede
Globo consegue 70% de toda a verba publicitária gasta em televisão com 50% da audiência. Segundo Octávio
Floresbal, a mídia televisão tem 60% de toda a publicidade do país, computando, jornal, rádio, outdoor, revista,
anúncio classificado, flyer que se distribui na rua. Ao se somar toda a publicidade no Brasil percebe-se que 60%
da verba vai para a mídia televisão.
Se a Globo tem 70% de 60%, a conclusão a que se chega é que para cada 1 Real investido em publicidade no Brasil, nos piores anos da Rede Globo, 42 centavos vão para a Rede Globo de Televisão.
Evidentemente que essa é uma concentração incompatível com o regime democrático pleno. Essa concentração não existe em nenhum tipo de democracia madura, não existe em nenhum tipo de democracia jovem,
não é assim no México, não é assim na Argentina, não é assim no Chile, talvez seja assim na Rússia, onde o regime não pode ser exatamente qualificado de regime democrata. Isso é assim hoje, estamos falando de números
de hoje, 2005, 2004. Imaginem como não era a força da Globo em 1982, no Rio de Janeiro onde fica a sede da
Globo, quando a hegemonia da Globo era ainda maior que hoje.
É importante observar também que essa situação que havia em 82 se reproduz hoje com uma pequena
diferença. E se olharmos para o ambiente político em que nós vivemos, essa é uma situação que provavelmente
não se alterará. E a mim como jornalista e como cidadão, que trabalhou na Globo e viu qual foi o tratamento
que a Globo dispensou ao PT e ao então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, para mim foi um choque
profundo quando vi que o primeiro ato do presidente Lula, depois de eleito, foi ancorar ou co-ancorar o Jornal
Nacional ao lado dos meus colegas – e competentes – William Bonner e Fátima Bernardes.
Um outro aspecto, já que falei no presidente Lula e no PT, que eu acho que esse livro pode contribuir
para discutir, é que talvez valesse a pena fazermos um pouco a genealogia, a história, a biografia do movimento
trabalhista no Brasil. Hoje existe uma percepção, ou uma impressão, de que há um monopólio do trabalhismo
no Brasil, das idéias trabalhistas que, evidentemente, não nasceram no Brasil, nasceram fora do Brasil, mas seguramente não nasceram em São Bernardo do Campo. Esse livro talvez ajude a chamar a atenção para o fato
de que existiu no Brasil durante muito tempo uma linha de pensamento trabalhista que nasceu com o Partido
Republicano do Rio Grande do Sul, que vem lá de trás de Júlio de Castilhos, de Borges de Medeiros, de Getúlio
Vargas, passa por João Goulart e chega a Leonel Brizola.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Devo dizer também que aqui em São Paulo, é bom ressaltar, houve um partido chamado MDB, que foi
onde de fato nasceu o moderno trabalhismo na região do ABC, e foi um partido que existia antes da existência
do próprio PT. Acho que essas são questões que meu livro ajuda a discutir. Não que ele trate exatamente da
genealogia do PT nem da genealogia do movimento trabalhista, mas chama a atenção para o trabalhismo que
existia, as dificuldades que o trabalhismo teve para se implantar no Rio, com a intervenção do general Golbery
do Couto e Silva, que não deu a sigla do PTB ao Brizola. E preferiu dar a sigla aos antecessores do ilustre deputado Roberto Jefferson.
A outra questão para a qual eu gostaria de chamar a atenção, e já me aproximo do final, é a questão do
voto no Brasil. Vamos falar dos mitos brasileiros. Faz parte da mitologia que nós, brasileiros, gostamos de acalentar e de alimentar, a mitologia da cordialidade, do brasileiro cordial. Embora, como todos sabem, senhores
professores e senhoras professoras, o Brasil tenha a pior distribuição de renda do mundo, fora três ou quatro países da África. E eu não consigo perceber qual é a cordialidade que exista exista nessa desigualdade. Mas, enfim,
somos uma nação cordial...
Outro mito: somos também a nação que tem o voto mais seguro do mundo, o voto eletrônico do Brasil
é motivo de inveja, de admiração em todo o mundo.
Isto é uma mentira! O voto no Brasil não é seguro. E já que falamos de democracia, já que falamos de
cidadania, vamos falar do elemento primordial, da origem, da semente da democracia que é o voto. O voto no
Brasil é perfeitamente manipulável. Ontem na OAB, aqui de São Paulo, houve um seminário sobre a questão da
segurança do voto no Brasil. Eu tive a honra de participar da mesa com o professor Jorge Stolfi, ilustre catedrático de Ciência da Computação da Universidade de Campinas, que, certamente, o professor Pinotti conhece. O
professor Stolfi disse com toda a naturalidade: “Hoje, quando você vota no computador no Brasil, tudo o que
você faz é entregar o seu voto ao arbítrio do programador do software daquela apuração”.
Desde essa eleição de 1982, o Leonel Brizola defendeu a tese do “cadê o papelzinho?”. Cadê o papelzinho? O que o Brizola queria dizer naquela linguagem rústica dele, de engenheiro formado em Porto Alegre mas
que usava uma linguagem de agricultor do interior do Rio Grande do Sul – ele preservava isso provavelmente
por motivos políticos –, Brizola dizia que, sem o papelzinho, a eleição não pode ser recontada. Muito se disse
que o Brizola era jurássico, era pré-paleocênico. Não é verdade. Não há nenhuma possibilidade de se conferir
uma eleição no computador, se não tiver o papelzinho, se não tiver a comprovação física do voto dado pelo eleitor. Essa não é a opinião só do Brizola, não é a opinião só do professor Stolfi da UNICAMP, não é só a opinião só
do professor Amílcar Brunazo, que é especialista na matéria, com quem eu participei desse seminário ontem.
Como nós brasileiros gostamos de citar os americanos, como se fosse a comprovação definitiva da verdade que pretendemos afirmar, recentemente, nos Estados Unidos, uma comissão bipartite, liderada pelo expresidente Jimmy Carter, como se sabe do Partido Democrata, e por James Baker, um ilustre republicano que
foi ministro do governo Reagan, ministro do governo George Bush pai, advogado do George Bush, filho, na
pendência, no litígio da Flórida ... pois, Carter e Baker, o democrata e o republicano, contrataram o MIT
– Massachusetts Institute of Technology - que é uma das principais universidades americanas, e fizeram uma série
de recomendações para mudar a forma de votar e apurar eleições nos Estados Unidos, de tal maneira que os
americanos evitassem o que aconteceu no ano 2000, na primeira eleição de Bush.
Carter e Baker chegaram à conclusão de que precisavam acontecer, pra começar a conversa, duas coisas: primeiro, a Justiça Eleitoral não podia ser uma função política – não sei se sabem, mas nos estados americanos, o
presidente do chamado Tribunal Regional Eleitoral é indicação do governador. Evidentemente, nós brasileiros
criamos uma Justiça togada como Justiça Eleitoral e percebemos que isso que há nos Estados Unidos é uma
aberração.
A outra coisa que Carter e Baker dizem é que qualquer sistema eleitoral americano que deva ser um
sistema eleitoral moderno, que possa enfrentar a fraude de maneira convincente, tem que ter o que eles chamam
de paper track, o papelzinho do Brizola.
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Como é que o papelzinho funciona ? Você aperta o botão na urna, imediatamente a urna imprime
aquele voto num papelzinho, como se fosse o rol da lavanderia, como no jogo do bicho, como na compra com
o cartão de crédito: você pega o papelzinho, confere se aquele, de fato, é seu voto, e deposita numa caixinha que
fica embaixo da mesa. Quando o resultado eleitoral é contestado, você abre o resultado do computador e confere com a prova física, que são os papeizinhos que estão lá na caixinha. O Jimmy Carter fez isso na Venezuela. A
oposição a Chavez não aceitou o resultado do referendo. Com a concordancia da oposição e do governo, Carter
escolheu 4 ou 5, ou 40 ou 50 seções eleitorais, abriu o computador, conferiu o resultado do computador com o
resultado do papelzinho, e Chavez ganhou. O Carter entronizou, botou a coroa de rei na cabeça do Chávez, foi
embora e a oposição calou a boca.
Então eu quero dizer aos meus amigos, professores e professoras, se tiverem a possibilidade de tratar
dessa questão, que tem a ver com a democracia, em suas salas de aula, digam, por favor, digam que o voto do
Brasil NÃO é seguro.
E eu gostaria de agora encerrar as minhas palavras aqui com uma espécie de ficção política. Quero me
despedir inquietando, lançando a semente da inquietação em todos aqui.
Vamos admitir, de novo fazendo aqui um pouco de ficção política, que na semana que vem acabe definitivamente a blindagem do ministro Palocci, e o ministro Palocci caia. Vamos admitir que, daqui um mês,
dois meses, três meses, acabe a blindagem do presidente Lula e a oposição consiga atingir o seu objetivo final, o
impeachment. Toda oposição, a certa altura, tem esse como um dos objetivos, como aconteceu com o presidente
Bill Clinton nos Estados Unidos, não estou falando nenhuma barbaridade –, que a oposição decida que está na
hora de mandar o presidente Lula pra casa, e se abrevia o mandato do presidente Lula. Assume o vice-presidente
José Alencar.
E teremos, no ano que vem, uma eleição com os seguintes candidatos (também estou fazendo aqui
mera especulação com o que eu leio nos jornais, porque eu não tenho nenhuma informação de cocheira, e não
acredito que muita gente tenha a essa altura do campeonato): José Serra, Ciro Gomes, Garotinho, José Alencar,
Cristóvão Buarque, pelo PDT, e Heloísa Helena, pelo PSOL.
Eu não tenho nenhum compromisso com nenhum desses candidatos; estou querendo estabelecer um
quadro hipotético para chegar à minha tese. A minha tese é a seguinte: com José Serra, Ciro, Garotinho, José
Alencar, Cristóvão Buarque e Heloísa Helena é possível que tenhamos uma eleição razoavelmente apertada.
Vamos supor que a diferença entre o segundo e terceiro candidatos, no primeiro turno seja, pelo computador,
inferior a meio ponto percentual. A diferença entre o Brizola e o Lula em 89, para ver quem ia para o segundo
turno com Collor, foi de meio ponto percentual. Vamos imaginar que isso se repita, agora, em 2006. Meio
ponto percentual de diferença. Aí, o terceiro colocado diga: “fraude!”. E aí? Como garantir que a eleição não foi
roubada no computador? Cadê o papelzinho? Muito obrigado.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A invisibilidade do ser humano
Gilberto Dimenstein
Jornalista da Folha de São Paulo
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FUNDEB – suas características e possíveis conseqüências
para a educação no Brasil
César Callegari
Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE e Séc. Municipal de Educação de Taboão da Serra.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Comunidade e Utopia
Eduardo Almeida Acosta
PhD em Psicologia Social pela Universidade de Cornell, Professor da Universidade Ibero-Americana de Puebla, atualmente é Presidente da ONG “Projeto de Animação e Desenvolvimento”. Desde 1977 tem colaborado com os conflitos interculturais, que envolvem a crise de identidade mexicana e o
anseio por autonomia do povo indígena. Em 1989, fundou a Comissão de Direitos Humanos, em Sierra Norte de Puebla, para ajudar a população mais
vulnerável a entender e lutar por seus direitos fundamentais. Atuou como Professor pesquisador em comunidades de Psicologia Social na Universidade
Nacional do México. Suas áreas de interesse são: Psicologia Social, Direitos Humanos, Educação Popular e Métodos de Pesquisa Seus trabalhos acadêmicos levaram-no por todo o México, Coréia do Sul, Índia, Israel, Hungria, França, Estados Unidos, Brasil e Chile.
Obrigado por essa apresentação. O tema que vou tratar esta tarde tem a ver com a Educação, mas, de
alguma maneira, é um tema que abrange mais que a Educação.
Intitulei-o de “Comunidade e Utopia”, porque, como eu dizia na apresentação de hoje de manhã, existe
termos que, de alguma maneira, saem de moda, ou que se referem a aspectos que já não são importantes. E eu
penso que dois desses termos são, precisamente, comunidade e utopia. Vou conversar sobre uma experiência de
33 anos de trabalho. Preferia chamar de fraternidade, mas também é trabalho de promoção e trabalho de Educação. Três décadas de vida e trabalho em comunidade. São cenários e cotidianidades locais e regionais na Serra
Norte de Puebla.
Infelizmente não tive tempo de preparar um mapa para que vocês pudessem ver onde fica o estado de
Puebla. A cidade de Puebla fica a 120 quilômetros ao sul da Cidade do México, e eu trabalho em um dos 217
municípios deste estado. E esse município se divide em 8 jurisdições, eu trabalho em uma dessas oito, com uma
população de aproximadamente três mil pessoas. Sob esses cenários locais e regionais incidem os projetos nacionais e internacionais. Nada do que acontece numa sala de aula ou do que acontece numa comunidade deixa de
ser afetado pelo que acontece a nível nacional e internacional, como poderei demonstrar.
Nessa comunidade, como em toda comunidade, há expectativas das pessoas que aí vivem. E junto a essas
expectativas, que tem a ver com a Utopia, há um grupo de pessoas do qual eu faço parte, que viemos da cidade
e decidimos migrar para o campo com algumas instituições com a finalidade de provocar, não mudanças, mas,
intercâmbios com a comunidade.
Essas são as perguntas, e acho que são perguntas vigentes a tudo que estamos tratando nesse Congresso:
É possível uma sociedade mais justa?
O que é possível a partir de uma microexperiência comunitária? (Vou falar dessa experiência, essa
microexperiência, mas uma sala de aula, uma escola também são exemplos de microexperiência comunitária).
Vale a pena sonhar neste mundo que está desencantado de horizontes utópicos? (Pois parece que tudo
já foi feito, e muitas coisas não funcionam).
Este é o sonho, ou como dizem os franceses “a aposta”, de um povoado chamado San Miguel Tzinacapan. Tzinacapan, como todos os lugares - como o de vocês aqui, Anhembi, como muitos outros lugares - têm
esse nome porque tem a ver com características do local. Tzinacapan quer dizer “fonte de morcegos”, porque
quando chegaram os fundadores da comunidade buscavam um lugar onde houvesse água e descobriram uma
fonte e umas grutas. E quando entraram para ver o estado dessas grutas saíram de lá alguns morcegos, e daí vem
o nome.
Este é o sonho, esta é a aposta, e esta é a utopia. Pode-se interagir e propiciar um diálogo intercultural.
E, para mim, este é um dos problemas mundiais atualmente, agora que há tanta migração em termos humanos
de sul americanos, centro americanos e mexicanos para os Estados Unidos, para o Canadá e para a Europa, mais
importante do que nunca se tornou o diálogo intercultural. E é importante para nossos países, que por definição
são interculturais.
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A outra aposta é que se podem criar estilos de vida mais humanos. Não justo este mundo, onde há um
país na África que mede a metade da França, que tem nove milhões de habitantes, e que tem o mesmo orçamento que a Ópera de Paris. Não é justo. Como não é justo que um país como Haiti, aqui na América Latina, tenha
um orçamento que é o mesmo que o da Universidade Autônoma do México. Por falar nesse mundo injusto que
estamos, e este mundo injusto, além do mais, é um mundo de assimetrias. Nossa História Nacional no México,
e creio que a do Brasil também, tem sido de interações assimétricas. A aposta, a utopia é que isso pode mudar.
É necessário, e possível, um diálogo intercultural para enfrentar a crescente polarização social. Há cada vez mais
pobres, há cada vez mais ricos. Os ricos são poucos, os pobres são muitos. E também para enfrentar o racismo
vigente. No México demoramos muito para reconhecer que somos um país racista. Se lermos toda a literatura
liberal do Século XIX, veremos, com toda a clareza, que a famosa “mestiçagem”, de que tanto falamos na América Latina, era uma forma racista de acabar com povos que tinham Cultura, Língua, e tradições. E, também, a
aposta é, e isso eu digo também para a Educação e para todo o trabalho acadêmico ou educativo que realizamos,
que devemos ir além da investigação, além da intervenção, além do acadêmico, porque os problemas não são
acadêmicos, são problemas da vida, são problemas da realidade.
Eu vou agora descrever dois grandes “protagonistas” dessa experiência. Primeiro, os povos da Serra, uma
comunidade indígena que é uma das oito jurisdições de um município chamado Cuetzalan, que se caracteriza
por expressões, intercâmbios e interpretações de sobrevivência e de celebração. Se há algo que distingue essa
comunidade, como as comunidades tradicionais, é a necessidade de superar a fome. É por esta razão que os
homens se reuniram no início, para evitar que morressem de fome. A sobrevivência. Não somente sobreviver,
mas também celebrar a vida, a festa, que é algo tipicamente latino americano e eu diria que mais que de nossos
povos é uma tradição brasileira. Sobrevivência e celebração. Trabalhamos num cenário de grupos domésticos,
multifuncionais e de parentesco ritual que são fontes de relações próximas que se auxiliam em caso de necessidade. O seguro social já estava inventado há muito tempo, e essa função quem desempenha nessas comunidades
são os “compadres”, os vizinhos. Aí também as relações pessoa/outro implicam símbolos, significados e comunicações de caráter dialógico e hierárquico. E aí uma explicação, porque um de nossos grandes obstáculos são as
hierarquias em que vivemos em todas as nossas culturas. Há o que está em cima, há o que está embaixo, há o que
manda, há o que obedece. Não sou contra um trabalho conjunto e racional, em que se aceitam outros pontos de
vista. O que eu estou me referindo aqui é que temos que acabar com essas relações hierárquicas que impedem
o desenvolvimento das individualidades. A sobrevivência coletiva nessas comunidades descansa em formas de
superar os conflitos...
[pausa]
... o conflito é humano. E, infelizmente, sempre falamos de resolver os conflitos, administrar os conflitos e não
de vivê-los. Eu penso que temos que enfocar diferentemente este conceito de conflito. A utopia, então, nesses
povos da Sierra é a esperança deles, a sobrevivência coletiva da comunidade e as celebrações cíclicas. A festa do
Carnaval aqui no Brasil é uma festa cíclica também, é uma celebração. E vejam vocês que essas celebrações são
realizadas pelas pessoas mais pobres das cidades do Brasil. Essas pessoas mantêm sua esperança graças a modesta
revolução multicultural que dura 500 anos, uma dialética de resistência e apropriação.
Esse é um dos “protagonistas” dessa experiência: os povos da Sierra. Agora falo aqui dos “Narodnikis de
Novo Cunho”. Os Narodnikis eram intelectuais, profissionais que no Século XIX, na Rússia Tsarista, imigravam
para o campo, para o meio rural, para criar uma nova sociedade. Foram os Narodnikis que combateram durante
muito tempo Lênin porque se opunham à Revolução Mundial. E um amigo nosso que foi nos visitar, e havia
lido essas histórias, nos chamava de Narodnikis de novo cunho porque éramos um grupo de urbanos que havíamos ido conviver com a comunidade indígena.
O que somos, então, como equipe? Somos um espaço comunitário e uma comunidade de aprendizagem
de um novo tipo de relações. Uma equipe, como há muitas ONGs no Brasil, como há muitas experiências iguais
a esta que estou descrevendo. É uma experiência de convivência, reuniões mensais, avaliações e planejamentos
anuais, e férias comuns. Por nossa experiência, projetos de vida, decisões comunitárias se processam, estou
falando dessa pequena comunidade, em situações cara-a-cara de uma inquietação permanente, é a qualidade
dos processos, que um professor meu chamava de “proximales”, uma palavra bonita que se refere a próximo, ao
110
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
que está mais perto de nós. Nós descobrimos que os obstáculos para a esperança compartilhada nós teríamos
de enfrentá-los também, através de revisões de vida, diálogos interpessoais e apoio psicológico, para os casos de
necessidade. Qual é a utopia? Qual foi a utopia deste pequeno grupo? Uma utopia de relações horizontais, onde
um ser humano se relaciona com outro, e para dizê-lo de uma maneira gráfica, todos somos o mesmo tipo de
chimpanzé. Relações horizontais, diálogos interculturais, e bem-estar modesto para todos. Todos somos o mesmo tipo de chimpanzé, mas temos culturas diferentes.
Não é possível que haja um continente como a África e uma situação de tanta pobreza, ou a América
Latina quando há riqueza acumulada em poucas mãos. E esta utopia precisa ser reajustada segundo condicionamento espaço-tempo. Falei de dois “protagonistas”. Como foi a inter-relação dessas duas comunidades? Uma
pequena comunidade urbana que acreditava na vida, e uma comunidade que vive há anos sendo uma comunidade indígena tradicional. A vida é relação, o trabalho é relação. Corre-se o risco de inculcar utopias, de querer
que o outro adote a nossa utopia, mas, também, corre-se o risco de depreciar utopias, a própria e a do outro. E
aqui entra em jogo esta questão, que muitas vezes se conduz quando as pessoas querem fazer alguma coisa. Uma
acusação quase imediata é a de paternalismo, mas nunca ouvi a outra acusação que é a de orfanismo, que é a
parte dialética do paternalismo. E é a melhor maneira de dizer: “Eu não faço nada, porque não se pode mudar
nada, e prefiro ficar tranqüilo na minha vida comum sem me meter em problemas”.
O projeto foi de intervenções recíprocas, e esta é uma idéia importante entre comunidades. Finalmente,
é importante na sala de aula que haja uma intervenção recíproca, e em pedagogia dizemos de muitas maneiras,
do professor com o aluno, mas, também, do aluno com o professor. O aluno também pode intervir. Buscamos
juntos, comunidade pequena e comunidade grande, novas formas de nos relacionarmos com a sociedade e de
abrirmos horizontes. Todo este trabalho tem uma metodologia, que eu chamo de investigação-ação. Vocês no
Brasil tem muitas experiências de investigação participativa, de investigação coletiva, os nomes variam, mas a
nossa forma de realizar o trabalho foi de investigação e ação. Sabendo, contudo, que a vida vai além da investigação e além da ação. Para eles o que fizemos foi registrar e documentar a vida, as atividades comunitárias, a
comunidade e a equipe permanentemente. O resultado deste trabalho, não é marketing, é este livro, que pesa
um quilo, são 480 páginas que relatam os 30 anos desta experiência. Não é “Harry Potter”, nem “O Código
Da Vinci”, mas é um livro que foi editado por oito instituições no México, nós o distribuímos e hoje está praticamente esgotado. É uma aproximação multimetodológica de investigação compromisso-participação. Insisto
muito na palavra “compromisso”, porque é a palavra que está relacionada ao envolvimento. Em Ciências Sociais
falamos muito em explicação, que são as teorias, em aplicação, mas poucas vezes falamos em envolvimento, que
é esta parte do compromisso. E como disse Kenneth Gergen, um psicólogo muito atual, o que é a Psicologia e o
que são as Ciências Sociais? “São construções retóricas comuns de conhecimento como um sucesso de relações”.
Como disseram Sternberg e Grigorenko, numa tentativa de unificar a Psicologia. Eles propõem estudos multidisciplinares e integrados, enfocados em fenômenos específicos através de operações convergentes. E sem saber
dessas definições, era exatamente o que estávamos fazendo.
Nesta experiência, divido os 30 e tantos anos em 6 períodos. De 1973 a 1976, estou falando, portanto,
de 33 anos, se forma a equipe. O interessante é que a equipe não foi iniciada por mim, foi iniciada pela que é,
atualmente, minha esposa e trabalhou muito neste livro. Ela estudava Sociologia em Paris, era filha de um industrial da cidade de Puebla, e ao conhecer a situação do Estado em que vivia, decidiu estudar Sociologia. Então,
é uma experiência iniciada por uma socióloga, de uma família rica de uma cidade muito conservadora, que é
Puebla. Dizemos, e não sei como irão traduzir, uma experiência que foi iniciada por ‘meninas ricas’, ‘beatas’, de
um catolicismo muito conservador, mas que tinham a intenção de transformar o mundo. O grupo inicial era
formado por cinco mulheres. Combinando essas cinco primeiras, com as expectativas de 500 anos deste povo
nativo, se inicia a equipe. De 1976 a 1981, cria-se a infra-estrutura, porque chegamos nós, os homens. Minha
esposa costuma dizer que os homens não ficam tranqüilos, se tem 40 anos e não colocam um tijolo sobre outro.
Temos que construir algo que seja visível. Mas, contudo, criou-se uma infra-estrutura, criaram-se quatro organizações camponesas e seguiu-se um pouco essa linha feminina tranqüila, passo a passo, em um projeto aberto
e cheio de impaciência.
111
De 1982 a 1985, reforçaram-se essas quatro formas jurídicas: uma sociedade de produção rural, uma
sociedade de solidariedade social, uma associação civil e uma cooperativa. Mas começam as tensões na equipe e
na comunidade frente ao futuro. E as tensões aconteceram por culpa da nossa equipe, porque queríamos acelerar
as coisas e não seguimos o ritmo da comunidade. Aparecem obstáculos locais, regionais e nacionais com relação
à utopia em ação. Como eu dizia sempre, se você está fazendo alguma coisa que está bem, que está funcionando,
não tarda a começar a ter dificuldades.
Em 1983, vou contar rapidamente, tivemos uma acusação em um Juízo Público, onde estavam representantes de muitas organizações do Estado, a comunidade e nós no meio, a comunidade defendeu o que estávamos
fazendo juntos. Em julho deste mesmo ano, em uma reunião de acadêmicos, ecologistas, antropólogos, sociólogos de toda a região, em um Congresso como este, uma das conferências era para nos atacar. Curiosamente,
aqueles que nos defenderam foram nossos companheiros marxistas da Faculdade de Economia da Universidade
de Puebla. E no final do ano, no Congresso Nacional Indígena, uma nova acusação que, também, não prosperou. Então, vendo como as coisas caminhavam bem, dizíamos que a nossa utopia era de autodesenvolvimento,
etno-desenvolvimento e eco-desenvolvimento. Ou seja, uma sociedade que se constrói a si mesma, de acordo
com sua Cultura, sua Educação, e de acordo com a defesa e proteção ao Meio Ambiente.
Mas, já em 82, havia começado essa corrente econômica internacional, que conhecemos como neoliberalismo, e os efeitos dessa corrente nós começamos a sentir três anos depois. Vimos que aumentava a polarização
social, crescia a vulnerabilidade das pessoas, começava o desânimo, e o que chamam hoje de dupla tentação. A
dupla tentação é, ao ter uma ideologia muito clara, onde nós somos os bons e todos os outros são os maus, como
os da Al-Qaeda e todos os grupos integristas que povoam o mundo. A outra tentação é a que fala Lipovetsky, a
de ter o presente pragmático vazio, ou seja, se já teve a oportunidade e é um dos privilegiados, já não te importa
se o mundo chegou ao seu limite. Já não há História, já não há ideologia, e se você está na parte privilegiada, está
bem. Se, infelizmente, estiver na parte desprivilegiada, o eterno presente vazio, já não há mudança. Essas são as
duas tentações: adotar uma ideologia e uma postura muito clara e, aparentemente, muito boa, mas que exclui os
outros, ou deixar passar tudo.
De 1993 a 2005, desestruturam-se as comunidades, porque começou a haver muita migração. Nossa
equipe teve que migrar, a metade ficou na comunidade e a outra metade foi para as Universidades. Nós fomos
para as Universidades por várias razões, mas, entre outras, para não depender nem do dinheiro empresarial, nem
do dinheiro religioso, nem do dinheiro de Fundações Internacionais, nem do dinheiro de Fundações Nacionais.
A partir de 89, praticamente, a experiência sustenta-se economicamente com o trabalho que desenvolvemos
alguns nas Universidades e com o trabalho que os outros fazem nas comunidades. Houve ajustes interculturais
necessários, quando as pessoas das comunidades quiseram ir para a cidade, e é onde ocorrem as contradições.
Um amigo meu historiador estudou o Estado de Colima, nossa população de origem negra se disseminou e ocupou muitos espaços do país, a ponto de parecer que o México não tem essa parte africana, junto com
a indígena e a européia. Este historiador me dizia que quando estudou os sobrenomes da população negra de
Colima, correspondia exatamente à elite da cidade. Fala-se de um pequeno povoado na cidade de Colima, que
se chama Suchitlan, que chamam de “o povo dos curandeiros”. E ele me disse que há 3 curandeiros, e na cidade
de Colima há 100 curandeiros, ou seja, temos idéia de que o mundo indígena é um mundo que está fora das
cidades e não é urbano, e já não é mais assim. Então, este autodesenvolvimento, este etno-desenvolvimento, e
este eco-desenvolvimento de que falávamos, um pouco pomposamente, agora preferimos falar, mais modestamente, ao invés de autodesenvolvimento de sobrevivência digna, equalizão de culturas e prevenção de desastres.
Como falar em autodesenvolvimento se temos Tsunamis, Furacões Katrina e Stan, enfim, tantos problemas do
tipo ecológico?
Quais foram esses caminhos de utopia? Criar um sistema intercultural de expressões, intercâmbios e
interpretações onde duas culturas, bastante diferentes, começam a interatuar. Uma utopia de não-violência na
condução do conflito. Uma utopia, que aprendemos com eles, compartilhada de sobrevivência digna.
112
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Quais foram as lições? Essas são algumas, que me parecem as mais importantes: construir uma utopia
de fraternidade, como solidariedade intercultural e reconhecimento mútuo, que vai além da filantropia, do
assistencialismo e, inclusive, do interesse científico. A necessidade, e isso eu digo em parte pessoalmente, de
elaborar aspectos importantes da psicologia comunitária, tais como o conceito de realidade e utopia, de conflito
e interação. A necessidade de projetos de envolvimento de vida para gerar outro conhecimento. Eu asseguro a
vocês que se alguém tem o desejo de envolver-se com essa experiência educativa, da qual eu falava hoje de manhã, de professores envolvidos durante muitos anos com crianças, que se preocupam com sua saúde, com sua
nutrição e com sua interação, esse envolvimento vai além da explicação e da aplicação. E a medida que tínhamos
professores envolvidos, quer dizer, contentes consigo mesmos e fazendo na sala de aula o que sentem vontade, o
que gostam. É o que eu sempre digo, nós somos bons, temos sucesso, realizamos coisas quando fazemos o que
gostamos. Mas, uma utopia que não desvie atenção dos níveis macroestruturais da sociedade para a promoção
do desenvolvimento humano e da capacidade coletiva de poder atuar. Eu me conformaria com essa forma do famoso empoderamento, que nossas comunidades não tem a capacidade de poder atuar. E aqui dou uma definição
rápida do que entendo por comunidade. Comunidade é um processo de espaço comum, e digo espaço comum
porque não falo mais de território nem de geografia. O espaço comum pode ser um espaço virtual também. Um
processo cabe a cada comunidade de avaliar as coordenadas de seus espaços temporais, porque muda o espaço
e muda o tempo em cada experiência, de rasgos utópicos variados. Interação, conflito e utopia são, finalmente,
categorias psicossociais que nos ajudaram a analisar a experiência comunitária que vivemos. De maneira ideal, a
qualidade de uma comunidade, de uma sala de aula, de uma escola, deve ser medida pela qualidade de seus laços
sociais próximos e virtuais. E aqui usei a palavra virtual, ainda que a considere dentro do espaço comum como
equivalente. E isso depende da qualidade, da interação, da condução do conflito, e da visibilidade da utopia.
Em síntese, do que quero dizer hoje, qual seria a mensagem? A primeira mensagem é a implicação. Se o
que vocês fazem implica que as coisas adquiram matizes diferentes e vocês aplicaram a sua ação, a possibilidade,
além do sucesso, a possibilidade da fecundidade é muito grande. Fecundidade é uma palavra mais forte e mais
rica que sucesso. Falamos muito de sucesso e falamos pouco de fecundidade, o envolvimento está ligado à fecundidade. A consciência macroestrutural, eu insisti muito essa manhã em política, a política nacional, a política
internacional, afeta a tudo que fazemos. Precisamos renovar as analises e propostas comunitárias com essa nova
definição de comunidade que é a dependência social necessária para que sejamos capazes de desenvolver nossas
individualidades. Uma conquista do mundo ocidental, mas eu acredito que de todo o mundo, foi a conquista
da individualidade. A idéia de comunidade era quase oposta a de individualidade, agora eu prefiro falar de uma
comunidade de indivíduos. Essas três coisas: a implicação, a consciência do macroestrutural e a necessidade permanente de analise e de proposta. Isto é, também, obviamente utópico, porém são fatores decisivos para novas
aproximações, para confrontar a polarização econômica e social, para criar valores positivos de realismo, desfrute
e bem-estar coletivo. E finalmente, isso me parece mais ambicioso, para reestruturar toda a sociedade. Muito
obrigado
Debate
Uma excelente pergunta: Por que tratou o tema da não-violência como utopia?
Eduardo Almeida: Porque eu imagino que, aquilo que, de alguma maneira, eu experimentei, é que vivemos em
tempos de violência e que, de alguma maneira, não tivermos alguma esperança de que isso pode mudar. E é isto
que quer dizer utopia, uma insatisfação com o que se vive atualmente e um desejo de mudança. E neste sentido,
se não estou satisfeito com a violência que impera no mundo e se desejaria que fôssemos criando um mundo
onde as coisas se resolvem sem a violência.
Aqui uma pergunta de grande atualidade: Se existe algum trabalho com os zapatistas nesse sentido.
Eduardo Almeida: Não sei se chegam até aqui algumas publicações feitas pelos zapatistas, mas eles falam de um
Estado que permanentemente cria formas de Governo. Os Caracoles Zapatistas dizem, precisamente, por essa
idéia e as coisas que se fazem bem, são feitas com tempo e espaço. Eles falam de uma nova forma de pensar e de
fazer, e de uma nova forma de conduzir o poder. De alguma maneira, e por essa experiência pessoal, nosso grupo
esteve envolvido com eles, não no aspecto de guerrilha, embora o exército mexicano, quando se rebelou o comandante Marcos juntamente com os zapatista, imediatamente mandou o Exército para a nossa região, mas não
113
pode encontrar nada. Não houve nenhuma intenção de guerrilha naquela zona. Mas, de fato, essa migração de
metade do nosso grupo, agora assim ao revés do campo para a cidade, foi provocada porque necessitávamos nos
relacionar mais com o grupo acadêmico. A tal ponto que quando veio “A Marcha da Terra”, há 2, 3 anos, quando chegaram a Puebla, os zapatistas não foram para a Universidade Pública, eu digo isso com tristeza, porque
lhes fecharam as portas. E para onde foram? Foram para nossa Universidade Ibero-Americana em Puebla, que é
uma universidade jesuíta, particular. E encontraram tantos automóveis no estacionamento que pensaram que se
tratava de uma fábrica. E aí se estabeleceu o diálogo entre os estudantes de uma universidade paga, pessoas ricas,
digamos, com os zapatistas. A partir daí, começaram uma relação bastante direta, e há muitos intercâmbios, e a
experiência que eles tem dos Caracoles zapatistas tem elementos bastante parecidos aos que temos vivido. Este
livro fala sobre o comandante Marcos, não para que aprendam sobre nós, mas para que troquemos experiências.
Também temos que dizer, porque vocês falaram da outra campanha, agora estamos preparando a eleição do
Presidente da República, e infelizmente, os três partidos políticos se encontram em uma situação, onde os três
estão envolvidos em denúncias de corrupção nos três. Então, os zapatistas disseram, por enquanto, o sistema
partidário não deve ser levado muito em conta. Eu penso que é um erro, porque necessitamos dos partidos políticos, necessitamos de uma institucionalidade, mas, também, é necessário fazer alguma coisa quando o sistema
não funciona. E essa é a proposta que eles tem agora, sair por todo o México, percorrer todo o país apresentando
uma proposta de outro tipo de campanha política, não é para agora, não é para a eleição presidencial, e sim para
o desenvolvimento do país. É uma experiência utópica.
Quando houve o levante zapatista, me convidaram a uma reunião com a Câmara Britânica de Comércio, e
estava um dirigente de uma associação empresários, um jornalista do Financial Times e eu. Todos disseram: “É
uma experiência focalizada, que já tem 11 anos”. E eu disse: “Não. É uma experiência que se inicia com foco em
um lugar pequeno, mas que vai perpetuar”. Se ouve falar pouco dos zapatistas, mas em geral, eu penso que essa
definição de comunidade implica este aspecto importante. Há que se romper com os cerceamentos. Tenho um
amigo que dizia que os homossexuais, quando se definem, com sua família e seus amigos, saem do armário. Eu
não sou homossexual, acho que devemos respeitar as preferências, e esse professor dizia: “Quando os heterossexuais vão sair do armário?”. Isso é, basicamente, para falar da horizontalidade das relações.
Tem mais uma questão: “As crianças dessa comunidade iam à escola? Como era essa escola? Como a escola
recebeu esse trabalho? A escola mudou?”.
Eduardo Almeida: Quando chegamos à escola de Tzinacapan, houve resistência à colaboração. Mas é uma resistência muito natural, quase sempre “as propostas” dos mestiços, foram contra eles. Se vocês lerem a História
do México, é uma história de que cada avanço que dava o país, na Independência, na Revolução, ultimamente
nessas mudanças que tem lugar, os perdedores sempre foram os indígenas. E parece que cada vez perdem mais.
O que acontecia com os professores da escola? Era uma escola tradicional, era uma escola federal. Esta manhã eu
expliquei algumas das mudanças que ocorreram no local. Vários professores se envolveram em parte da experiência, agora sim, com essa Universidade privada e paga, organizamos diplomados para as pessoas do povo indígena. E muitos professores pegaram esses diplomados e começaram a usar essa idéia do envolvimento. Professores
que amam seu trabalho, que desfrutam de seu trabalho. Como eu dizia, hoje de manhã, há uma comunidade a
5 km de Tzinacapan que se chama Ayotzinapan, que querem declarar patrimônio da Humanidade pela UNESCO, porque os professores aprendem, as crianças aprendem, as crianças comem. Quando foram tirar fotos, o
responsável nacional pela Educação bilíngüe e bicultural, encontrou com crianças alertas, que respondiam, que
dominavam duas línguas, o espanhol e o indígena, que faziam artesanato, recuperavam suas tradições e que, segundo me falou uma psicanalista que estava fazendo pesquisas na região, não encontrou uma criança com baixa
auto-estima. Tudo isso parece marketing, mas eu estou falando de uma experiência muito concreta.
Pergunta da Cibele, da Escola Municipal de Educação Infantil. Ela diz o seguinte: “Os efeitos neoliberais
levaram a desinstitucionalização da comunidade? Como reconstruir o sentimento de “pertencer” da comunidade naquela instituição, por exemplo, na escola?
Eduardo Almeida: É uma pergunta que não é fácil de responder, porque vocês sabem que há um problema
muito forte de imigração. No estado onde estive trabalhando, Puebla, há 500 mil pueblanos vivendo em Nova
Iorque. Imagine se este fato não provocou uma mudança nas condições de vida das pessoas. A verdade é, como
tudo isto afeta a escola? De muitas maneiras, mas, na medida em que, por exemplo, hoje a diretora nacional
114
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
de educação bilíngüe e bicultural, quando os supervisores, os coordenadores se dão conta que a parte do poder
é criar uma atitude positiva para as mudanças. E que a parte de baixo, a base, também há uma atitude para a
mudança, as partes intermediárias começam a reagir. Eu não me atreveria a falar do Brasil, mas na minha experiência, muitas vezes, infelizmente, os obstáculos se dão em níveis intermediários. Ou seja, não é a autoridade,
não se pode falar dos presidentes e demais, mas muitas vezes há muito desejo da parte de cima, e muito desejo
da parte de baixo, mas há pouco desejo de mudança nas instâncias intermediárias. A minha experiência mostrou
que este é um problema interessante a levar em consideração.
115
Educação e Imunidades Tributárias
Ives Gandra da Silva Martins
Professor Emérito da Universidade Mackenzie, em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito Econômico e de Direito Constitucional e Presidente do
Centro de Extensão Universitária.
Tem-se discutido, nos últimos tempos, a conformação das imunidades para instituições de educação e
assistência social, razão pela qual este estudo será dedicado à minha pessoal inteligência do instituto constitucional e sua implementação legislativa.
Tecerei variadas considerações, objetivando demonstrar que o artigo 150, inciso VI, letra “c”, ao falar de
lei referiu-se à lei complementar e que tal lei complementar não pode criar restrições que não foram perfiladas
na Carta Maior.
A primeira delas diz respeito ao veículo legislativo adequado a explicitar a imunidade constitucional de
impostos e contribuições, referentes ao § 7o do artigo 195 da Constituição Federal, das entidades de educação e
assistência social.
O Tribunal Federal de Recursos, antes da Constituição de 1988, em decisão do pleno, em cujo recurso
fiz a sustentação oral, decidiu que a lei para definir as imunidades das instituições fechadas de previdência privada teria que ser necessariamente complementar.
O argumento essencial residia no fato de que, estando a imunidade entre as limitações constitucionais
ao poder de tributar, a Constituição passada definia como sendo função da lei complementar estabelecer tais
limitações, por força do artigo 18, § 1o, da E.C. n. 1/69, assim redigido:
“1o. Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações
constitucionais do poder de tributar” (grifos meus).
E se compreende a finalidade dessa disposição, visto que, se a regulação ao poder de tributar devesse
necessariamente surgir da lei complementar explicitadora da Constituição, não se poderia admitir que leis ordinárias da União, de todos os Estados e de todos os Municípios definissem, no âmbito de suas competências impositivas, quais seriam as condições mediante as quais as imunidades poderiam ser usufruídas pelas instituições
elencadas na lei suprema.
O Ministro Moreira Alves, em conferência no XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário, claramente mostrou que nem mesmo cabe à lei complementar definir as condições ou requisitos para tanto, mas
apenas explicitá-las, ao interpretar voto de Soares Munhoz dizendo:
“Mas o Ministro Soares Muñoz não decidiu isso. Ele não estava tratando, aqui, de saber se era lei complementar ou não era lei complementar. Tanto que ele disse o seguinte: “Esse decreto-lei, anterior à Constituição
Federal em vigor, não pode, no particular, ser aplicado. Porque ele impõe uma restrição à imunidade, a
qual não se confunde com isenção; uma restrição que não está no texto constitucional”. Isso significava
dizer o que? Dizer: “Nem lei complementar, nem lei nenhuma, pode impor uma restrição a uma imunidade que decorre da Constituição” (grifos meus).
Como se percebe –o princípio é elementar e de conhecimento de qualquer estudante de Direito— é a lei
ordinária que se subordina à Constituição e não a Constituição à lei ordinária, demonstrando, o Ministro Moreira Alves –até com certa irritação—, que não se pode aceitar a interpretação conivente de certas autoridades, de
que a lei ordinária tudo pode, inclusive definir quais requisitos a que as entidades imunes devem subordinar-se,
visto que se pudesse, à nitidez, sujeita estaria a Constituição aos humores do legislador de cada uma das entidades federativas, podendo elevar e reduzir os requisitos, conforme suas conveniências.
116
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Na referida decisão, o Tribunal Federal de Recursos declarou que:
“Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 101.394-Paraná - Registro n. 7174675.
Rel. Sr. Min. Ilmar Galvão - Remetente: Juízo Federal da 3a. Vara - Apelante: União Federal - Apelada:
Fundação C. de Previdência e Assistência Social - Suscitante do Incidente: Egrégia 4a. Turma do TFR - Advs.:
Dr. Agnaldo Mendes Bezerra e Ives Gandra da Silva Martins.
Ementa: Tributário. Entidades privadas de previdência social fechada. Instituições complementares do sistema oficial de previdência e assistência social (art. 35 da Lei n. 6.435/77).
Inconstitucionalidade dos §§ 1o e 2o, do art. 6o, do DL. 2.065/83, que consideraram sujeitos ao imposto de
renda os rendimentos de capital auferidos pelos entes da espécie. A assistência social, hodiernamente, não se resume à caridade pública, podendo também realizar-se por meio da previdência, que corresponde à assistência
preventiva, destinada aos impossibilitados de continuarem trabalhando e à família dos que sucumbem.
As entidades em tela, por isso, são beneficiárias da imunidade prevista no art. 19, 111, ‘c’, da CF, regulamentado pelo art. 9o, IV, ‘c’, c/c o art.14, do CTN, que não condiciona o beneficio à gratuidade dos serviços
prestados, nem exige que sejam acessíveis a todas as pessoas indistintamente (RE 70.834-RS, RE 89.012-SP,
RE 108.796-SP e RE 115.97O-RS).
Argüição procedente.
Acórdão: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas.
Decide o TFR, em Seção Plena, por maioria, declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1o e 2o, do art. 6o, do
DL 2.065/83, na forma do relatório e notas taquigráficas cons¬tantes dos autos, que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Custas, como de lei.
Brasília, DF, 30/6/88 (data do julgamento)” (DJ, 31 out. 1988)”,
lembrando-se que, na Carta atual, não mais um único artigo cuida das limitações constitucionais ao poder de tributar,
mas toda uma seção (II), do Capítulo I, do Título VI, assim denominada: “Das limitações do Poder de Tributar”.
E é de se lembrar que o inciso II do artigo 146 da Constituição Federal declara que:
“Art. 146 Cabe à lei complementar: ... II. regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”,
estando, o inciso VI letra “c” do art. 150, dedicado às limitações constitucionais ao poder de tributar, assim
redigido:
“Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: ... VI. instituir impostos sobre: .... c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação
e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.
A interpretação sistemática do art. 146, inc. II, com o artigo 150, inc. VI, letra “c” constante da seção
das limitações constitucionais ao poder de tributar, não admite, portanto, que possa, cada legislador ordinário
com competência impositiva de impostos --vale dizer, da União, dos 26 Estados, do Distrito Federal e de 5.500
municípios-- definir quais seriam as condições, de acordo com seus “interesses” e “necessidades”, para que tais
entidades pudessem gozar da imunidade.
Poderíamos chegar ao absurdo de ter um legislador municipal determinando que uma instituição de
assistência social não seria imune de IPTU, com base em requisitos pelo burgo criados e União considerá-la
imune, por força de requisitos conformados em legislação federal.
Exatamente para impedir que 5.500 entidades federativas pudessem produzir 5.500 leis ordinárias definidoras dos requisitos necessários para a concessão da imunidade foi que, sabiamente, o constituinte exigiu que
lei complementar (inc. II do art. 146) regulasse as limitações constitucionais ao poder de tributar das quais a
imunidade é uma delas.
117
O Ministro Moreira Alves, na já mencionada ADIN n. 2028, prestou a devida relevância à reserva da lei
complementar, no que foi acompanhado por outros nove ministros. Eis o trecho de seu voto:
“É certo, porém, que há forte corrente doutrinária que entende que, sendo a imunidade uma limitação
constitucional ao poder de tributar, embora o § 7o do art. 195 só se refira a “lei” sem qualificá-la como complementar –e o mesmo ocorre quanto ao art. 150, VI, “c”, da Carta Magna--, essa expressão, ao invés de ser
entendida como exceção ao princípio geral que se encontra no art. 146, II (“Cabe à lei complementar: ...
II. regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”), deve ser interpretada em conjugação com esse
princípio para se exigir lei complementar para o estabelecimento dos requisitos a ser observados pelas entidades
em causa”.
Tal matéria só não decidiu, na ocasião, porque havia outras inconstitucionalidades evidentes na
lei 9732/99. E se tivesse que, no processo cautelar, declarar a necessidade de lei complementar, isso implicaria
declarar, também, a inconstitucionalidade da lei 8212/91, que não fora objeto da ação.
Considerou, todavia, de tal relevância o argumento e a poderosíssima corrente doutrinária –é a esmagadora maioria dos tributaristas— que preferiu transferir a discussão da tese para a decisão definitiva, ainda não
ocorrida.
S. Exa., todavia, proferiu a palestra inaugural no XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário do
CEU, em que se discutiu o tema. Após suas considerações para aproximadamente duzentos especialistas em
direito tributário, entre os quais, representantes do Poder Judiciário, Ministério Público, Universidades, Administração Pública e Advocacia, concluiu que a lei complementar é necessária para definir as condições para gozo
das imunidades.
O Ministro Moreira Alves, todavia, deixou claro que não cabe à lei infra-constitucional impor requisitos não constantes da Constituição, cabendo-lhe apenas explicitá-los:
“O problema, aqui, não é saber se é só lei ordinária ou se é só lei complementar ou se é lei ordinária para os
requisitos da estrutura da entidade e lei complementar para regular a limitação da competência tributária.
Mas aqui é uma quarta posição. Diz: “Aquela lei é apenas a referente aos requisitos para se saber se uma
entidade é ou não aquela entidade, que, pela Constituição, goza de imunidade”.
Agora, fora daí, em se tratando de matéria que diga respeito a limi¬tação de imunidade, nenhuma lei pode
estabelecer estas restrições. Por quê? Porque estas restrições são estritamente aquelas que estão na Constituição” (grifos meus).
E as conclusões do referido Simpósio Nacional foram as seguintes:
“2) Como deve ser interpretada a cláusula “atendidos os requisitos da lei”, constante do art. ISO, VI, c, da
CF? Como significativa necessidade de lei complementar, remetendo, pois, ao art. 14 do CTN ou, pelo contrário, de que mera lei ordinária pode fixar os requisitos, extrapassando, inclusive, aqueles fixados pelo CTN?”
Proposta da Comissão de Redação aprovada em Plenário:
Comissão 1:
Comissão 2:
Comissão 3:
A favor
74
62
26
162
Contra
6
6
A expressão constante do art. 150, VI, c, da CF - ‘atendidos os requi¬sitos da lei’ refere-se àqueles que,
necessariamente, devem constar de lei complementar, veículo competente para regular as limitações
constitucionais do poder de tributar (CF art. 146,11, e CTN, art. 14).
118
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Comissão 1:
Decisão por maioria:
- A favor: 74 votos.
- Contra: 6 votos.
Sendo a imunidade tributária uma limitação ao poder de tributar, a cláusula “atendidos os requisitos da lei”
constante do art. 150, VI, c, da CF, deve ser interpretada sistematicamente, exigindo-se, por conseqüência, a
estrutura exclusiva de lei complementar, em atenção ao disposto no art. 146,11, da CF e art. 14 do CTN.
Comissão 2:
- Decisão unânime: 62 votos.
Os requisitos subjetivos e objetivos para o gozo de imunidade têm que ser instituídos por lei complementar,
por força do art. 146, II, da CF.
Comissão 3:
- Decisão unânime: 26 votos.
A cláusula “atendidos os requisitos da lei”, constante do art. 150, inc. VI, alínea c, da CF/88 deve ser interpretada sistematicamente em consonância com o disposto no art. 146, inc. II, da CF/88, eis que impõe a necessidade de lei complementar para dispor sobre imunidade, que consubstancia limitação constitucional
ao poder de tributar e exige uniformidade de critérios. Entende, ainda, a Comissão que a lei complementar
vocacionada é o Código Tributário Nacional (art. 14), que foi recepcionado nos termos do § 5.° do art. 34
do ADCT da CF/88”.
Não tenho dúvida –em face da ADIN n. 2028, em que o Ministro Moreira Alves sinalizou a relevância da corrente que sustenta a necessidade de lei complementar para veiculação das imunidades e detectou
a impossibilidade de termos 5.500 leis ordinárias das 3 esferas da Federação, cada uma delas regulando, conforme os humores do legislador, as imunidades dos impostos insertos em suas esferas respectivas de competência
impositiva –que somente lei complementar pode explicitar o conteúdo da norma constitucional.
Um segundo aspecto de relevância diz respeito ao conceito de entidade beneficente.
Na já mencionada ADIN, S.Exa. o Min. Moreira Alves acompanhado por outros 9 ministros, declarou que
a entidade filantrópica é espécie do gênero beneficente, que pode acobertar instituições filantrópicas e não filantrópicas - considerando estas até mais úteis, por terem maiores disponibilidades - desde que sem fins lucrativos.
Escreve S.Exa. que:
“Aliás, são essas entidades –que, por não serem exclusivamente filantrópicas, têm melhores condições de atendimento
aos carentes a quem o prestam — que devem ter sua criação estimulada para o auxílio ao Estado nesse setor,
máxime em época em que, como a atual, são escassas as doações para a manutenção das que se dedicam
exclusivamente à filantropia”. (grifos meus)
No voto do Min. Moreira Alves, cabe realçar aspecto relevante, qual seja, o de que considerou
as entidades sem fins lucrativos não filantrópicas não suscetíveis de sofrerem por parte da lei limitações
não existentes na Constituição:
“De outra parte, no tocante às entidades sem fins lucrativos educacionais e de prestação de serviços de saúde que não
pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, a própria extensão da imunidade foi
restringida, pois só gozarão desta “na proporção do valor das vagas cedidas integral e gratuitamente a carentes,
e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial”, o que implica dizer que a imunidade para a qual
a Constituição não estabelece limitação em sua extensão o é por lei”, o que considerou inconstitucional.
119
Um terceiro aspecto mister se faz considerar, ou seja de que as instituições educacionais são
consideradas de assistência social, se forem sem fins lucrativos.
É, ainda, S.Exa. quem esclarece:
“Do exame sistemático da Constituição, verifica-se que a Seção relativa à Assistência Social não é exauriente do
que se deve entender como Assistência Social, pois, além de não se referir a carentes em geral, mas apenas a família,
crianças, adolescentes, velhos e portadores de deficiência sem sequer exigir de todos estes que sejam carentes, preceitua,
em seu art. 203, que ela se fará independentemente de contribuição à seguridade social, a indicar que
será gratuita, o que só se compatibilizará com o disposto no § único do art. 149 –que permite que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam contribuição cobrada de seus servidores para o custeio, em
benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social — se se entender que, para a Constituição, o
conceito de assistência social é mais amplo não só do doutrinário, mas também do adotado pelo art. 203
para a disciplina específica prevista nele e no dispositivo que se lhe segue” (grifos meus),
demonstrando que a interpretação possível do artigo 203 implica sentido mais abrangente da imunidade.
Pessoalmente, considero que, por ser a imunidade uma vedação absoluta ao poder de tributar, sua exegese só pode ser extensiva, visto que, outorgar a faculdade, ao ente tributante --com seus permanentes problemas
de caixa—, de definição do que seria o instituto, poderia transformar, em verdade, o poder regulador, em poder
aproveitador, reduzindo o intuito constitucional de permitir que instituições sociais ou educacionais façam o
que o governo deveria e não faz com seus tributos.
Em outras palavras, como no passado salientou o Ministro Thompson Flores, no RE n. 80.603-SP:
“PAPEL DE IMPRENSA - ATO INEXISTENTE - INTERPRETAÇÃO LITERAL.
Não são as dimensões (variáveis segundo o método industrial adotado) que caracterizam o papel para impressão. Ao
contrário da isenção tributária, cujas regras se interpretam literalmente, a imunidade tributária admite ampla
inteligência” (grifos meus),
a imunidade tem que ser interpretada extensivamente --como de resto o foi na ADIN 2028-- para evitar a mutilação do desiderato constitucional, de permitir que tais instituições façam pelo país, o que o
governo não faz.
Infelizmente, as Universidades Federais, apesar de receberem 18% de impostos federais (artigo 212 da
C.F.) arrecadados e agregarem apenas cerca de 30% do alunado, estão quase sempre em crise.
O certo é que a imunidade tributária, constantemente, tem recebido interpretação extensiva –e sempre
quando se faz necessária— para atalhar a ânsia e voracidade dos fiscos. No caso das instituições de ensino, foi
reconhecida por S.Exa., o Min. Moreira Alves e mais 9 ministros, ao dar uma inteligência abrangente do art.
203 da C.F., conforme transcrição anterior.
Um quarto aspecto é de se considerar.
O artigo 213 da C.F. declara que:
“Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, definidas em lei, que: I. comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em
educação; II. assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades”.
Ora, o requisito I, alargado, encontra-se no artigo 14 do CTN, cuja redação repito:
120
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
no seu resultado; II. aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III. manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes
de assegurar sua exatidão.
abrangendo, pois, até mais do que a Constituição exige.
São, de resto, os únicos requisitos possíveis para que o Brasil tenha sua regulação das limitações ao poder
de tributar, fundamentada em uma única concepção de imunidade e de condições, e não 5.500, como seria o
caso, se fosse a lei ordinária, e não a complementar, a explicitar a Constituição.
Quanto ao inciso II, quase todas as instituições sem fins lucrativos, filantrópicas ou não, têm o dispositivo colocado em seus estatutos.
Ora, o que o art. 213 está determinando, é que as instituições de educação imunes por força dos artigos
150, inc. VI, letra “e” e 195, § 7o, filantrópicas ou não, desde que sejam sem fins lucrativos e preencham os
requisitos dos seus incisos I e II, não só gozam de imunidades, como podem receber recursos públicos.
De qualquer forma, o art. 213, em nenhum momento, cuida de imunidades, sendo, portanto, imprestável para sustentar argumentação no sentido de que a imunidade é um recurso público colocado nas escolas.
E, aqui, já cuido do quinto ponto preambular.
Que é uma imunidade tributária? É a vedação absoluta ao poder de tributar. Ao Poder Público está interditado entrar em determinadas áreas para tributá-las. Não há que se falar em renúncia fiscal, nas imunidades,
visto que nada se pode tributar em relação a estas situações, pessoas ou bens, constitucionalmente protegidos da
imposição fiscal. Não há, portanto, renúncia a nada e se não está renunciando a nada, não está versando “recursos públicos” decorrentes da imunidade, nas instituições mencionadas no art. 213.
O artigo 213 cuida, portanto, de recursos efetivos, e não de “renúncias” ao que não existe, ao que o
Poder Público não tem, à proibição do “direito de tributar”.
Em palavras definitivas, não pode o Poder Público considerar a imunidade uma renúncia fiscal, visto
que não pode renunciar àquilo que nunca teve e nunca terá, visto que as imunidades são cláusulas pétreas da
lei maior.
Com efeito, nem lei ordinária, nem lei complementar, nem emenda constitucional podem alterar as
imunidades tributárias, por serem cláusulas pétreas, por força do art. 60, § 4o, inc. IV da C.F.:
“§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ... IV. os direitos e garantias individuais”.
E para a constatação de que as imunidades são cláusulas pétreas, basta atentar para o “caput” do
art. 150 da C.F. que diz:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II- instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
121
“O disposto na alínea “c” do inc. IV do art. 9o é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele
referidas: I. não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação
III- cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
IV- utilizar tributo com efeito de confisco;
V- estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais,
ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais
dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os
requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”, (grifos meus)
sendo, seu inciso VI, totalmente dedicado às imunidades.
O que diz o art. 150 “caput” é que, além de todas as garantias expostas nele, há outras asseguradas na
Constituição. As imunidades, entretanto, estão expressamente contempladas.
Um sexto ponto merece consideração e diz respeito à autonomia das Universidades.
O art. 207 da Constituição Federal declara que são autônomas as Universidades, estando assim redigido:
“As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial,
e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (grifos meus).
Não há condicionamento a esta autonomia, nem pode haver restrição legal a turvar a eficácia
dessa autonomia.
Se a lei ordinária ou complementar pretender reduzir a ampla autonomia que a Constituição assegura,
será uma lei complementar ou ordinária inconstitucional.
É interessante que o art. 207 não condiciona a autonomia aos termos da lei, mas apenas declara que as
Universidades e os institutos de pesquisas são autônomos e, neste particular, a lei não pode reduzí-la.
Um sétimo ponto merece consideração, a saber: o art. 209 da C. F. só impõe ao ensino privado duas
condições, ou seja, cumprir as normas gerais de educação, que não podem ser restritivas, e ser avaliado pelo
Poder Público.
Está assim redigido:
“O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I. cumprimento das normas gerais da educação
nacional; II. autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”.
Ora, preenchidas as duas referidas condições, a Universidade privada, constitucionalmente, deve
ter autonomia nos termos do art. 207 e se for beneficente (filantrópica ou não filantrópica sem fins lucrativos),
não pode sofrer qualquer restrição não existente ou admitida pela Constituição.
Um oitavo aspecto há de ser considerado.
O artigo 170, § único, da C.F. declara que:
122
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
“É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei”,
mostrando que não pode haver restrição – e a Constituição não a impõe, no capítulo da educação—às
instituições universitárias, desde que preencham exclusivamente a lei de diretrizes e bases, devendo ser
reconhecidas e não obstaculizadas.
Qualquer restrição que implique limitar sua atuação, passando a ter que responder por ações próprias
do ensino público universitário, é manifestamente inconstitucional.
É de se lembrar que, obedecidas as condições constitucionais dos arts. 207, 209, 213 da lei suprema, as
instituições sem fins lucrativos (filantrópicas ou não) não podem ser impedidas de atuar, em virtude de restrições não constitucionais.
O dispositivo está, de resto, vinculado ao disposto no artigo 174, “caput”, segundo o qual, quanto à
iniciativa privada, o planejamento econômico é meramente indicativo, estando assim redigido:
“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor
privado”. (grifos meus)
Ora, qualquer planejamento econômico oficial que imponha ônus ao segmento privado é inaceitável, principalmente se a não adesão ao planejamento econômico meramente indicativo acarretar
sanções ao que não desejar nele ser incluído.
Em outras palavras, sendo livre à iniciativa privada o ensino universitário, desde que respeitados os
parâmetros do artigo 209 e 213, quando se trata de instituições filantrópicas, à evidência, aplica-se a tais instituições os arts. 170, § único e 174 da Carta Maior, que impedem o planejamento econômico obrigatório,
para o segmento privado - o que, no caso das instituições universitárias privadas, ocorreria com o PROUNI, ao
condicionar a sua não adesão a determinadas sanções.
Um nono aspecto é de ser considerado. E é elementar. Imunidade não se confunde com isenção.
Embora seja sempre desagradável a auto-citação, mas por questão de facilidade, em face da urgência requerida, explico, de forma didática, a diferença entre isenção, não-incidência e imunidade, transcrevendo trecho
do livro “Direito Empresarial”:
“A imunidade é o mais relevante dos institutos desonerativos. Corresponde vedação total ao poder de tributar. A imunidade cria área colocada, constitucionalmente, fora do alcance impositivo, por intenção do constituinte, área necessariamente de salvaguarda absoluta para os contribuintes nela hospedados. A relevância é de tal ordem que a
jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais sendo,
obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla.
Compreende-se o desenho pretoriano, visto que os crônicos “déficits” públicos, cujo mérito não nos cabe examinar na área específica do direito tributário, eis que de reflexo jurídico apenas no campo do direito financeiro
e econômico, terminam por gerar tentações ao poder tributante de reduzir o espectro de atuação da norma
vedatória. A fim de fulminar tais conveniências exegéticas, o Supremo tem, reiteradamente, insistido que a
imunidade só se pode interpretar extensivamente. A publicidade obtida pelos próprios jornais, apesar de não
constar expressamente do art. 19, inc. III, letra “d” da E.C. n. 1/69 nele foi incluída por força de decisões da
mais alta Corte..
Na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do conseqüente crédito, em face de sua
substância fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional. Independe, portanto, das vontades legislativas das competências outorgadas pela lei maior.
123
A não-incidência, materialmente, se reveste da mesma estrutura. Não há nem nascimento da obrigação tributária, nem do crédito respectivo, em face de que as pessoas ou situações postas fora da imposição não geram,
por seus atos ou ocorrências fáticas, nem obrigação, nos termos dos arts. 113 e 114 do CTN, nem crédito
correspondente (arts. 139 e 142), que é o ingresso para o universo administrativo, em nível de conhecimento
e ação, do vinculado fato gerador.
A diferença reside, todavia, na origem do instituto. Na hipótese de não-incidência impede-se o surgimento da
obrigação e do crédito, porque o Poder tributante, que pode, não deseja poder. Tem a faculdade constitucional
de impor, mas abdica do exercício de sua capacidade. Na imunidade, o Poder tributante não tem qualquer
poder. Não abdica do exercício de nenhum direito, porque não tem nenhum direito à imposição.
Na não-incidência, o Poder tributante poderá preencher a área não acobertada por sua ação, sempre que o
desejar, através de atos oriundos de suas casas legislativas, direta ou indiretamente.
Desta forma, a não-incidência se constitui no abandono do exercício da competência impositiva, não por falta
de capacidade, mas por ato de príncipe, enquanto na imunidade tal exercício está definitivamente proibido.
A não-incidência cria área provisória de afastamento da obrigação tributária, enquanto a imunidade, área
definitiva.
Embora com conseqüências semelhantes, no concernente aos efeitos sobre o sujeito passivo da relação tributária, a isenção difere das duas outras figuras legislativas. É que na isenção nasce a obrigação tributária, sendo
apenas excluído o crédito correspondente.
Tal colocação decorre do art. 175 do CTN, assim redigido:
“Art. 175. Excluem o crédito tributário: I. a isenção; II. a anistia.
§ único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da
obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüentes”.
O STF adotou a interpretação acima (nascimento da obrigação tributária e eliminação do crédito), a partir
dos polêmicos casos de créditos escriturais de ICM nas importações de matérias-primas antes da E.C. 23/83.
Negou, por outro lado, direito ao mesmo nas hipóteses de diferimento da incidência.
É que, no primeiro caso, a hipótese configurava-se como de isenção (nascimento da obrigação tributária e exclusão do crédito), razão pela qual a obrigação nascida gerava direito a crédito escritural, que não se confunde
com crédito tributário.
No segundo, a hipótese ganhava a tonalidade de não-incidência, com o que a inexistência de nascimento da
obrigação tributária acarretava o afastamento de pretenso direito a crédito escritural, inviável por força da
não-incidência.
Desta forma, na isenção nasce a obrigação tributária, não nascendo o crédito tributário, vale dizer, a obrigação tributária existe, mas o Poder Tributante concede o favor ao contribuinte de não convertê-la em crédito
tributário.
O que o governo não pode é confundir a imunidade - que é uma vedação absoluta ao poder
de tributar, ou seja, área interditada à ação impositiva do Fisco - com isenção, que os governos podem
conceder –e aí é concessão — em face de determinados preceitos de interesse da comunidade, e com “não-incidência”, que corresponde ao não-exercício do poder impositivo.
No que diz respeito às entidades imunes de educação, não se trata de entidades isentas, visto que não é a lei
ordinária que outorga a isenção, mas sim a Constituição que proíbe a tributação.
E um último ponto de extrema relevância diz respeito ao princípio da igualdade.
A Constituição proíbe que brasileiros sejam tratados desigualmente. O aluno universitário, seja ele qual
for, deve ter os mesmos direitos, não podendo a lei discriminar dizendo que as minorias têm mais direitos que as
maiorias, inclusive o direito de ingressar com menor qualificação técnica, nas universidades públicas e privadas.
Estou convencido de que por força do art. 3o, inciso IV, da Constituição, assim redigido:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV. promover o bem de todos, sem
124
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
não pode haver discriminação de qualquer natureza. Em outras palavras, o branco não pode ser discriminado em relação ao preto, por ser branco, risco de se ferir o art. 3o da C.F. É de se lembrar que o
constituinte usa expressão de indiscutível densidade, ao dizer “quaisquer outras formas de discriminação”, além
das enunciadas.
Entendo que as políticas públicas, os recursos públicos –nas imunidades não há recursos públicos—podem ser direcionados às minorias, através de ações afirmativas. O que não pode haver é discriminação das
maiorias, por força de uma concepção errônea do princípio da igualdade e “da não-discriminação”, que leva o
branco a ser um cidadão inferior ao negro, em face de estes estarem privilegiados por técnicas e qualificações a
que aqueles não têm acesso.
Enfim, não pode a lei ordinária criar qualquer discriminação, em relação a todas as imunidades, até
porque, por força do “caput” do artigo 5o da C.F., assim redigido:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: ...”. (grifos meus)
No Brasil, todos são iguais perante a lei, não podendo ser discriminados, por preconceitos ou
ideologias, alguns cidadãos em relação aos outros.
E no ensino universitário, principalmente, visto que, as ações afirmativas deveriam levar o Estado a dar
ensino básico de igual qualidade às minorias despreparadas, e não pretender que, no ensino universitário, se
outorguem privilégios não técnicos ou em decorrência da má qualificação, àqueles a quem o Estado negou-se
a dar, no ensino básico, a qualificação necessária.
Não se constrói um prédio sem alicerces. Um prédio de 3 andares não se começa a construir pelo 3o
andar, mas pelas fundações.
Todo o projeto que pretende nivelar, no ensino universitário, o que o governo se omitiu em fazer, no
ensino básico, é discriminatório e desisonômico, não merecendo, pois, a albergagem da Constituição.
E, à evidência, proibir que determinados cidadãos tenham acesso a financiamento para cursar universidades privadas, a não ser que cursem as Universidades que o governo escolha --o que implica planejamento obrigatório para o setor privado, que é inconstitucional-- é forma não só discriminatória, como fere fantasticamente
o princípio da igualdade.
Em face dos 10 pressupostos atrás examinados, tenho entendido, em pareceres, conferências, artigos e
escritos que todos os projetos de lei ou leis –há no Rio de Janeiro lei estadual impondo ações afirmativas— que
buscam turvar a clareza da distinção entre imunidade e isenção, ou criar discriminações e desigualdades inexistentes na Constituição, são inconstitucionais, merecendo, pois, a matéria melhor reflexão de todos os operadores
do direito tributário, nas Universidades, Magistratura, Advocacia, Ministério Público e Administração Oficial.
IGSM/mos
a2006-053 EDUC E UNIVERS
125
A Situação educacional da juventude paulista
Professor Julio Jacob Waiselfisz
Coordenador do Setor de Pesquisa e Avaliação da UNESCO – Brasil
Por motivos técnicos, não foi realizada a gravação.
126
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O amor pela Leitura
José Mindlin
Presidente da Sociedade de Cultura Artística de São Paulo e do Conselho Editorial EDUSP (Editora da USP)
Por motivos técnicos, não foi realizada a gravação.
127
Afro-Brazilian Culture and History is African Culture
and History
Mwalimu Shujaa
Fort Valley State University – EUA
Por problemas na transcrição, não foi possível publicar o texto.
128
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O Crescimento Infantil
José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddei, Vanda Mafra Falcone, Vânia Vieira Costa,
Denise Ely Bellotto de Moraes, Luiz Anderson Lopes, Fernando Antonio Basile Colugnati,
Gisela Paraná Sanchez
A importância do estudo do processo de crescimento e desenvolvimento deve-se ao fato de que a forma
como esse processo se realiza pode ser usada como indicador de saúde individual e coletiva. O crescimento do
indivíduo depende de seu próprio organismo e do ambiente onde vive; o primeiro representado principalmente
pelos sistemas nervoso e endócrino, e o segundo, pelas condições ambientais, físicas e psicossociais, favoráveis ou
desfavoráveis, e que podem atuar antes ou depois do nascimento (Marcondes & Setian, 1989; Siqueira, 1991).
Nutrição e crescimento estão intrinsecamente associados, já que, se as crianças não forem atendidas em
suas necessidades nutricionais básicas, não conseguirão atingir seus potenciais genéticos de crescimento, o que
acarretará déficits estaturais para sua idade (Sigulem & Taddei, 1998; Engstrom & Anjos, 1999).
O avanço do conhecimento sobre o crescimento dependerá de interações entre disciplinas ligadas à
Biologia, como a Medicina e a Nutrição, e às Ciências Humanas, como a Sociologia e a Psicologia, e mesmo às
áreas que, per si, já são interdisciplinas, como a Saúde Pública e a Epidemiologia (Siqueira,1991).
Os fatores psicológicos e de estimulação social há muito são considerados de grande importância no
desenvolvimento neuropsicomotor e intelectual da criança. Só recentemente, no entanto, se reconhece a importância dos referidos fatores para o crescimento físico. O crescimento humano caracteriza-se por fases nitidamente
diferentes: o intra-uterino, de grande velocidade de crescimento, da concepção ao nascimento, que sofre grandes
influências maternas; primeira infância ou de lactente, do nascimento aos 2 anos de idade aproximadamente,
caracterizada pela desaceleração da velocidade de crescimento; segunda infância ou idade pré-escolar e escolar,
período de equilíbrio e crescimento uniforme; adolescência, que se estende mais ou menos entre 10 e 20 anos
de idade, marcada pela aceleração de crescimento induzida pelos hormônios de crescimento e pela idade adulta,
em que ocorre a parada do crescimento com a fusão das epífises (Marcondes & Setian, 1989; Martins, 1993).
Fatores Emocionais Envolvidos na Gestação
A decisão de ter um filho é um passo complexo hoje, mais do que no passado, porque os métodos anticoncepcionais e as técnicas de procriação artificiais permitem que se evite ou que se escolha um nascimento. Ter
um filho está na sociedade moderna, muito mais ligado à escolha e aceitação da responsabilidade por parte dos
pais (Garbar & Theodore, 2000; Szejer & Stewart, 1997).
Antigamente, quando uma mulher tinha um filho, a família podia ajudá-la, substituí-la, pois outros
membros da família viviam sob o mesmo teto que o casal. A geração das famílias nucleares acrescentou muitas
dificuldades materiais, sobretudo, nas grandes cidades. Para gerar filhos hoje é preciso ser capaz de assumir e de
arcar inteiramente com as necessidades da família. É cada vez mais raro que um homem jovem, sozinho, possa
sustentar mulher e filhos. Essa é uma das razões por que, muitas vezes, a mulher é obrigada a assegurar uma
posição profissional antes de assumir a maternidade (Szejer & Stewart, 1997).
A chegada do primeiro filho é um dos eventos mais desafiadores da vida. É uma oportunidade para o
crescimento pessoal em direção à maturidade. Um bebê presenteia uma pessoa com a oportunidade de “tornarse uma família” (Brazelton, 1988).
Desejar uma criança é, em primeiro lugar, responder a uma necessidade instintiva e visceral de reprodução. Mas é, também, expressão do amor e do desejo de criar, com a pessoa que se ama, uma célula familiar. O
desejo de ter um filho representa etapa importante na vida dos pais. Tornando-se pais deixa-se de algum modo
129
de ocupar o lugar de filhos, criando-se nova relação com os próprios pais e modificando-se a percepção deles
mesmos. É uma grande dinâmica de enriquecimento e maturidade.
Dessa forma, é do encontro dos desejos do homem e da mulher que vai nascer o projeto de um filho, que
pode ser consciente ou não e sofrer diferentes configurações: como ele foi concebido, em qual contexto, se foi
previsto, planejado, longamente esperado, desejado. Seja qual for a configuração, essa origem marcará a criança
e fará parte de sua história. Mas qualquer que seja seu lugar no imaginário do casal, o filho representa sempre
objeto de desejo ou de afastamento. Quando o filho não é desejado, os sentimentos dos pais em relação a ele
podem ser muito contraditórios e levar a risco de dificuldades psico afetivas tanto para a criança quanto para os
pais (Garbar & Theodore, 2000; Szejer & Stewart, 1997).
A criança incorpora-se a um mundo formado por uma díade que progressivamente vai ampliando-se
desde o útero materno, passando pelo ambiente familiar, a escola, o trabalho e outros. Esta experiência psico
biológica se repete em cada par, que se constitui para fazê-la nascer, na gravidez de cada mulher, em cada comunidade a qual pertença e, em cada momento histórico-social que lhe toca viver. A supervisão física é por suposto,
fundamental. A criança cresce com poderosos impulsos dirigidos à realização dessa humanidade. Estes impulsos
constituem a harmoniosa necessidade de amor, não só de ser amado, mas também, de dar amor. Na hierarquia das necessidades, o amor é o supremo agente do desenvolvimento da humanidade da pessoa (Cusminsky,
1994).
A gravidez tem aspectos hormonais, físicos e psicológicos, que encerram desafios, segredos e incertezas
do ser humano. Apesar de todos os avanços técnicos, e conhecimentos adquiridos que possibilitam a superação
de inúmeros problemas de infertilidade para a realização do desejo da maternidade, a gravidez uterina continua
sendo essencial e insubstituível para a viabilização de um novo ser humano. Ainda não se criou um substituto
do útero, capaz de albergar a gravidez e a relação materno-fetal (Caron, 2000).
Hoje, se conhece a importância que tem para a criança sua vida intra-uterina. O feto reage aos movimentos físicos da mãe, às suas excitações psíquicas e emocionais, bem como, aos elementos sensoriais que a cercam. Ele vai mexer-se, ter sobressaltos e, por volta do terceiro mês, a mãe começa a perceber seus movimentos,
e a senti-lo vivo. Há muito que as mães são testemunhas dessas inter-reações e inter-relações. Sabe-se das trocas
privilegiadas que ele tem diretamente com a mãe e de forma mais ou menos direta com o pai, seja pelo som de
suas vozes, seja pelos influxos nervosos ou químicos. A vivência da mãe, durante a gestação, de experiências e
sentimentos positivos em relação à criança, bem como o apoio recebido do pai, e dos familiares, auxiliam a sua
adaptação ao papel da maternidade (Caron, 2000; Maldonado, 1994; Szejer & Stewart, 1997).
Hall, Wulff, White & Wilson (1994), estudando a dinâmica familiar no terceiro trimestre de gravidez,
na Dinamarca, destacam que, o exercício da paternidade se inicia desde a gestação e que a qualidade do relacionamento marital neste período é um bom preditor da dinâmica familiar nos anos seguintes, após o nascimento
do bebê.
Desnutrição Intra-Uterina
Inúmeros autores enfatizam a desnutrição intra-uterina como a principal influência no comprometimento do crescimento das crianças, perpetuando suas influências após o nascimento e no decorrer do crescimento e desenvolvimento das habilidades motoras, sociais e emocionais. Dentre os fatores de risco estudados
atualmente, tem-se a baixa condição socioeconômica, a idade materna inferior a 16 anos, a multi paridade, a
estatura materna, as doenças crônicas maternas, o tabagismo, o uso de drogas, o alcoolismo, a ausência de prénatal (Cacciari, Salardi, David, Casa, Pilu, Mainetti, Gualandi, & Bovicelli, 2000; Hogan & Park 2000; Lopes,
Vitalle, Azevedo, De La Torre, Moraes & Fisberg,1992; Nóbrega, Brasil, Vitolo, Lopez, & Lopes, 1991; Picanço, 1999; Queiroz & Nóbrega, 1998).
Tais fatores podem levar algumas gestantes a estresse psicológico. Sentimentos como “não sou amada”,
“não sou querida”, “não sou acolhida”, “não sou capaz”, reproduzem em outro nível a angústia e o abandono
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
emocional sentidos pela mãe por ocasião da gestação da criança, não permitindo o desenvolvimento do potencial afetivo entre mãe e filho que pode ocasionar a desnutrição intra-uterina (Lester & Miller-Loncar, 2000;
Nobrega & Campos, 1993).
Desnutrição Energético-Protéica
No campo da Nutrição e da Saúde Pública, nenhuma enfermidade infantil se compara em importância
à desnutrição energético-protéica. Esta entidade patológica resulta do suprimento insuficiente das necessidades
de proteínas e energia determinando amplo espectro de manifestações clínicas condicionadas pela intensidade
do déficit de nutrientes, da idade da criança e do agravamento por infecções repetidas de vias digestivas e/ou
respiratórias (Garibay, Lozano, Velarde & Lamolte, 1999).
A etiologia da desnutrição energético-protéica primária tem como base a pobreza e a ingestão alimentar
inadequada qualitativa e quantitativamente. Como regra geral, a desnutrição traz como complicações adicionais
os processos infecciosos gastrintestinais e as doenças infecciosas próprias da infância (Sigulem &Taddei, 1998).
Fernandes, Jerônimo & Leone (1996), analisando artigos de 1986 a 1993 sobre os fatores de risco para desnutrição, identificaram 18 artigos científicos importantes que ao todo analisaram 74 fatores potencialmente associados à desnutrição energético-protéica, que foram categorizados em quatro grupos: vinculado às características
familiares, de cuidados e condições de saúde da criança, de condições econômicas e de condições de moradia.
Segundo os autores, considerando a freqüência e a associação com a desnutrição, as variáveis mais importantes
foram: nível educacional materno e paterno, renda familiar, história de diarréia, aleitamento materno, número
de filhos, peso ao nascimento, idade da criança, tipo de água no domicílio, situação econômica, falta de cuidado
pré-natal e doenças preveníveis por vacina.
Os diversos fatores biológicos, sociais e psicológicos que levam à desnutrição energético-protéica estão
inter-relacionados e partem, na maioria das vezes, de um ponto comum, que é o baixo nível socioeconômico
(Brasil, 1991). Ela pode ser entendida como a interação de ordem biológica e social no estado nutricional, considerando-se a criança em seu contexto social e tendo na figura materna um forte interlocutor criança-ambiente
(Engstrom & Anjos, 1999).
Assim, qualquer lista de indicadores de risco deve procurar captar a complexidade de interações entre os
fatores. É essa complexidade que pode explicar por que, em um mesmo macroambiente de alto risco, a desnutrição ocorre em algumas famílias e não em outras, ou atinge somente uma criança na família. (Zeitlin, Ghassemi
& Mamsour, 1990).
O termo psicossocial tem sido usado na literatura médica para indicar a interação entre os fatores
psicológicos e sociais que influem no estabelecimento da desnutrição energético-protéica. Geralmente, os fatores de risco psicossociais na desnutrição estão relacionados à estrutura familiar e às características da mãe ou
responsável pelos cuidados da criança. O comportamento emocional da mãe e as interações com a sua criança
desnutrida foram estudados por diversos autores, os quais revelam as características da personalidade materna
que comprometem o estado nutricional da criança (Araya, Espinoza, Zegers, Cruchet, Brunser, Humphreys &
Fernadez, 1996; Di Iorio & Rodrigo, 1996; Graves, 1976; Islam, Rahman & Mahalanabis, 1994; Pollitt, 1975;
Wurgaft, Carrasco & Alvarez,1984).
Valenzuela (1997), estudando a sensibilidade materna, entendida como aquela em que a mãe percebe as
necessidades vitais de amor, nutrição e cuidados adequados à criança, entre lactantes desnutridas e eutróficas de
baixa renda, observou que ela é mais diretamente influenciada pela qualidade de saúde da mãe ou responsável
pela criança, nível educacional e relações sociais, do que por indicadores externos de pobreza. Segundo a autora,
no contexto da pobreza, a sensibilidade materna adquire grande relevância como fator de proteção ou de risco
para o desenvolvimento físico e social da criança.
Em um povoado da África, foram estudadas longitudinalmente, por três anos, 20 crianças desnutridas,
menores de 36 meses, e suas famílias, comparando-as com crianças eutróficas do mesmo local.
131
Os autores investigaram a história de vida destas crianças desde a gestação e concluíram que o fator de risco
básico para a desnutrição foi a relação de apego entre a mãe e a criança.Em alguma fase da interação mãe-filho
fenômenos sociais, familiares, individuais e econômicos se combinaram para produzir esta “falha de ligação”,
tendo como conseqüência o comprometimento nutricional(Dixon, LeVine & Brazelton, 1982).
Uma boa relação é aquela em que há a possibilidade de trocas afetivas, quando mãe e filho alimentam o afeto recíproco, e estimulam progressivamente o desenvolvimento do comportamento de apego com
(Bolwby,1989),. Para que esses processos se desenvolvam, é necessário que a mãe possa exercer seu papel materno, que envolve vários fatores, como a sua história de vida pregressa e os cuidados e afeto recebidos de seus pais,
assim como a qualidade da relação conjugal e a dinâmica familiar atual (Debray, 1988).
Nóbrega & Campos (1993) estudaram a presença desse comprometimento no relacionamento de mães
e crianças desnutridas, o qual denominaram “fraco vínculo mãe-filho”, que é conseqüente às dificuldades maternas sofridas na infância, que inconscientemente tornam a gravidez um acontecimento conflitivo, pelo medo
de ser incapaz, de não ser boa mãe. Ocorre, portanto, a rejeição à gravidez e ao filho. Após o nascimento, estes
sentimentos se intensificam pela constatação de que seu filho não lhe oferece nenhuma gratificação, mas, ao
contrário, atesta sua própria incapacidade no papel materno. À presença de características maternas de crianças
desnutridas, como imaturidade, baixa auto-estima e insatisfação somam-se as dificuldades em desenvolver ligações afetivas com o filho e estabelecer relacionamentos maduros e sólidos.
Baixa Estatura
A baixa estatura, um aspecto do crescimento e do desenvolvimento, ao ser relacionada à desnutrição e aos distúrbios nutricionais, emerge como um fator complexo e multi carencial e ainda em processo de investigação por
parte de profissionais das diversas áreas da saúde. Neste sentido, o processo de crescimento vem sendo ligado
a uma série de fatores hormonais, nutricionais, genéticos, ambientais, sociais, psicológicos e familiares que individualmente ou em conjunto pode levar ao cumprimento do um máximo potencial genético ou a sua falha,
como, por exemplo, os fatores (Lopes et al.,1992; Fisberg, 1998). A baixa estatura em escolares de pouca renda
traduz as dificuldades experimentadas nos primeiros anos de vida das crianças, freqüentemente associada à dieta
inadequada, associada à repetidas infecções (Ricci & Becker, 1996).
Eisenstein (1999), utilizando dados do Wold Bank, 1995, e inquéritos nacionais (INAN 1990), constatou que a desnutrição é a causa mais prevalente da baixa estatura, em âmbito mundial, atingindo dois terços
da população em mais de 90 países e sendo responsável por 40 a 60% da taxa de mortalidade de menores de 5
anos. Dados da população adulta brasileira até 25 anos indicam prevalência de 19,63% de baixa estatura devido
à causa nutricional.
Sigulem &Taddei (1998), utilizando informações coletadas na Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, um inquérito nutricional brasileiro, realizado pelo INAN/IBGE/IPEA, em 1989, encontraram 26,2% de
prevalência de desnutrição por déficit estatural em crianças com idade inferior a 10 anos, no terço inferior de
renda.
Em um estudo sobre a influência do peso ao nascimento, e de variáveis maternas e socioeconômicas na
determinação da estatura, com crianças entre 3 meses e 12 anos e 11 meses de idade, de nível socioeconômico
baixo, chegou-se à conclusão de que o peso inadequado ao nascimento é um fator importante de baixa estatura
e desnutrição futura e que os mesmos fatores que determinaram a desnutrição intra-uterina estão presentes na
fase pós-natal (Nóbrega, Brasil, Vitolo, Lopez & Lopes, 1991).
Torna-se, assim, evidente que as causas mais freqüentes do atraso estatural em crianças, são as privações
social e nutricional. Estes atrasos de crescimento, que não são constitucionais, associam-se a carências múltiplas
e interferem no crescimento e desenvolvimento mediante a hipoalimentação crônica e infecções. O uso habitual
do termo desnutrição crônica, para referir-se aos atrasos em altura em populações, induz a considerar a hipoalimentação como fator causal genérico e, possivelmente mascare casos em que o limitante do crescimento se
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
encontre na qualidade do vínculo que se estabelece nas famílias com suas crianças (Morasso, Jordan, Vojkovick,
Apezteguia & Cusminsky, 1997).
A qualidade do vínculo mãe-filho é um dos fatores centrais da desnutrição, e as dificuldades são freqüentemente constatadas em crianças e adolescentes que apresentam atrasos de crescimento. A interação entre
mãe e criança de baixa estatura, é assinalada por sentimentos de culpa, o que muitas vezes resulta em superproteção e controle excessivo. A superproteção aparece, então, como um meio de forjar a rejeição anterior, e visa
recompensar a criança pelo conflito interno vivido pela mãe. Esta atitude propicia a formação do círculo vicioso,
já que é tratada pela mãe e por todos da família, de acordo com sua aparência física e, portanto, subestimada em
relação à sua capacidade, levando-a a infantilização (Skuse,1987 e Nóbrega & Campos,1993 e 1996).
Muitos autores estudam os atrasos de desenvolvimento neuropsicomotor de crianças, decorrentes da
desnutrição nos primeiros anos de vida, e as dificuldades afetivas, sociais e de aprendizagem daquelas com baixa
estatura em idade escolar, os quais discutem a qualidade da relação materna decorrente da saúde mental materna, presente nesses distúrbios nutricionais (Brozek, 1978; Brozek, 1990; Fernald & Grantham-Mcgregor, 1998;
Grantham-Mcgregor, Powell, Walker & Himes,1991; Puckering, Pickles, Skuse, Heptinstall, Dowdney & ZurSzpiro, 1995; Skuse, Gilmour, Tian & Hindmarsh,1994)
Tradicionalmente, os atrasos de crescimento quando envolvem o relacionamento inadequado mãe-filho,
estão associados à “síndrome de privação materna”, denominada baixa estatura psicossocial. Esta entidade psicopatológica baseia-se na premissa de que as crianças recebem ingestão adequada de calorias, e que seu déficit de crescimento foi diretamente relacionado à privação materna. A baixa estatura, associada à carência afetiva mostra-se,
geralmente, acompanhada de distúrbios de alimentação: ruminação, polidipsia, bulimia, coprofagia; distúrbios do
sono e de outros setores de conduta como enurese, agressividade e crises de birras (Boddy & Skuse, 1994; Boulton,
Smith & Single, 1992; Gohlke, Khadilkar, Skuse & Stanhope, 1998; Riviera, Pijem & Mirabal, 1998).
Skuse, Albanese, Stanhope, Gilmour & Voss (1996) sistematizaram uma entidade clínica dentro da
síndrome da privação psicossocial, denominada “baixa estatura hiperfágica”. Esta síndrome é caracterizada por
atraso no crescimento, hiperfagia, distúrbios de apetite e baixos níveis do hormônio de crescimento. São crianças
submetidas a alto nível de estresse familiar, como abuso ou negligência psicossocial, e que têm uma provável
predisposição genética. Crianças com “baixa estatura hiperfágica”, raramente apresentam desnutrição crônica e
não há associação com baixo peso ao nascer. A separação das crianças do meio familiar conflitivo produz normalização espontânea de secreção hormonal e catch-up (aceleração do crescimento).
O termo failure to thrive é usado na literatura científica para indicar quando o lactente e a criança avaliados por medidas de peso, altura e circunferência encefálica não atingem o crescimento esperado, apesar da
inexistência de causa orgânica, (Hobbs & Hanks, 1996). Alguns autores identificam as deficiências dos cuidados maternos como a influência mais forte no desenvolvimento da failure to thrive, observando-se baixos níveis
de respostas de interação mãe-filho, conflitos alimentares ou hipoalimentação baseada em costumes nutricionais
errôneos (Drotar,1991). Entretanto, alguns estudos começam a demonstrar a relação entre os problemas alimentares e os fatores emocionais envolvidos na instabilidade conjugal, ausência de rotina e atributos familiares,
advindos das novas formações familiares (Wright & Talbot, 1996; Moores, 1996).
Influência do Funcionamento Familiar no Crescimento Infantil
A revisão bibliográfica específica sobre os fatores psicossociais relacionados à dinâmica familiar e associados à desnutrição e ao crescimento infantil aponta que tanto na literatura científica médica como na psicológica
há uma restrição na abordagem destes temas. A maioria desses estudos trata do assunto sempre de forma unilateral, apresentando as características maternas ou do responsável pelos cuidados da criança, sem considerar o
funcionamento familiar.
A expressão funcionamento ou dinâmica familiar, consiste em um conjunto de forças positivas e negativas que afetam o comportamento de cada membro, fazendo com que esta funcione bem ou mal. A dinâmica
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familiar pode ser afetada por diversos fatores como: trabalho materno, desemprego dos pais, psicopatologia
parental, separações dos pais, entre outros (Cerveny, 1997).
As mães de crianças desnutridas, tendem a relatar mais conflitos com seus próprios pais e sentimentos de
não serem amadas. Elas também relatam com maior freqüência problemas em suas famílias atuais, especialmente conflitos com o pai da criança e o fato de sua presença ser intermitente (Altemeier, Vietze, Sherrod, Sandler,
Falsey & O’Connor, 1979; Altemeier, O’Connor, Sherrod & Vietze, 1985). A problemática não elaborada em
sua própria história com as figuras parentais, e a ausência de modelos afetivos, levam a dúvidas e temores quanto à capacidade de ser boa esposa e boa mãe e as conseqüentes ambivalências em relação à concepção do filho
(Nóbrega & Campos, 1993, 1996).
Nelson & Edgil (1998), estudando a dinâmica familiar de crianças nascidas de baixo peso, acharam que
a posição que a mãe ocupa dentro da família (esposa, amiga ou filha) contribui para certas dimensões da saúde
familiar.
Poucos estudos têm examinado empiricamente as conseqüências do estado civil da mãe no crescimento
da criança. A maioria das famílias estudadas consta de mulheres que têm o apoio do marido e/ou pai da criança.
Àquelas mães que se encontram na condição de chefes de família ou únicas responsáveis pelas necessidades materiais e emocionais dos filhos e que contam com poucos recursos para exigir seus direitos legais, como pensão e
responsabilidade do homem pela paternidade, são estudadas em sociedades rurais, nas quais o trabalho materno
se torna um fator de risco para a desnutrição (Radebe, Brady & Todd, 1996). As conseqüências da maternidade
assumida por mulheres desacompanhadas, mas com diferente estado civil (solteiras, viúvas ou divorciadas), bem
como a poligamia paterna, foram estudadas e analisadas por Gage (1997) em pré-escolares de baixa renda do
Quênia. Segundo o autor, a poligamia paterna dificulta o suporte múltiplo financeiro, uma vez que a fonte de
renda do pai é diluída entre várias famílias, o que acarretará indiretamente a saúde física e mental das crianças.
A criança é um ser com potencial para crescer e se desenvolver, porém, necessita de ambiente adequado para
amadurecer todas as suas potencialidades genéticas. A existência de uma família que atenda as necessidades
biológicas e afetivas é condição básica para o crescimento e desenvolvimento normais. Assim, o bom funcionamento da família deve ser considerado como variável de maior relevância nesse contexto (Cusminsky, 1994).
Famílias com conflitos parentais e mães mais estressadas psicologicamente influenciam as condições de saúde
das crianças (Drotar, 1997).
O crescimento e o desenvolvimento da criança não dependem isoladamente dos cuidados e dos alimentos que ela recebe, mas das características e dos comportamentos da própria criança e de sua família, em
que o comportamento de um influenciará o do outro. A criança bem nutrida é mais ativa, e explora melhor
o ambiente, tendo maior habilidade social e emocional, obtendo maior interação com seus pais e conseqüentemente recebendo mais alimentos. Por outro lado, a família que se preocupa com a alimentação adequada
da criança,tende a promover-lhes situações psicológicas mais estimulantes. As famílias que demonstram comportamentos disfuncionais durante a alimentação, também os são em outras situações. Dessa forma, a melhor
interação entre a criança e a família resulta em habilidades sociais e cognitivas adequadas, bem como em melhor
estado nutricional (World Health Organization, 1999). Estudos como o de Sigel & Parke (1987), já sugeriam
que o relacionamento entre pais e filhos, na determinação da desnutrição e do crescimento da criança, é bidirecional, no qual a prematuridade, as doenças e o próprio temperamento da criança contribuem para o tipo de
cuidados oferecidos pelos pais.
Segundo Drotar (1991), as influências familiares no estado nutricional da criança não se restringem
somente aos efeitos da disponibilidade dos alimentos, mas, aos modelos de relacionamentos familiares, como
as crises e as desorganizações presentes entre os membros familiares. Assim, o padrão disfuncional de relacionamento familiar, leva às dificuldades alimentares e conflitos na hora da alimentação, o que pode resultar em
ingestão calórica inadequada. Estudos clínicos como o de Bruelin (citado por Drotar, 1991) demonstraram problemas de relacionamento entre os pais de crianças com distúrbios de crescimento, que influenciam a qualidade
dos cuidados maternos em relação à alimentação, porém, o impacto de tais problemas não foi bem documentado em estudos.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O estudo de Heptinstall, Puckering, Skuse, Start, Zur-Spiro & Dowdney (1987), realizado no centro
urbano de Londres, com famílias de pré-escolares portadoras de déficit de crescimento, e eutróficas de baixa
renda, observou que não houve diferenças significativas na ingestão diária de energia ou proteína dessas crianças.
O autor constatou que as famílias de crianças com baixa estatura tinham uma dinâmica familiar inadequada,
provocando alto número de fatores que criavam tensões, e conflitos, além de atitudes negativas no momento das
refeições. Foram observadas cenas agressivas, fornecimento irregular das refeições, e crianças que tinham que
se alimentar sozinhas, em idades precoces. Esses fatores denunciavam a dificuldade dos pais nos cuidados com
seus filhos, sugerindo que a disfunção familiar é um indicador do atraso crônico do crescimento. Informações
retrospectivas obtidas pelos entrevistadores sugeriram que esses fatores adversos estavam presentes há muito na
vida dessas famílias.
Conclui-se que as novas formações familiares em populações urbanas de baixa renda e as dificuldades
emocionais decorrentes dos novos papéis parentais são consideradas aspectos importantes no comprometimento
da disponibilidade materna em relação aos cuidados e na condição nutricional da criança (Engle, 1993; Lamontagne, Engle & Zeitlin,1998; Tunçbilek, Unalan & Coskun,1996;Valenzuela,1997).
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Promoção à Saúde no Contexto da Educação Infantil
Damaris Gomes Maranhão
Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem da Universidade Santo Amaro. Formadora do Instituto Avisa-lá e Consultora do CEDUC / Creches
Natura e Unilever.
Em 1986, no Canadá, elaborou-se a Carta de Otawa, que amplia a concepção de Promoção à Saúde,
passando a compreendê-la como um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua
qualidade de vida e saúde.
Os princípios que caracterizam a Promoção à Saúde são:
• Emponderamento: processo que permite que as pessoas exerçam controle sobre os determinantes da saúde,
melhorando e fortalecendo habilidades e capacidades pessoais, grupos e comunidades.
• Eqüidade: o reconhecimento das diferenças para que haja igualdade no direito à saúde.
• Construção da consciência sanitária, por meio do envolvimento de todos os atores envolvidos, refletindo
sobre o papel de cada um e da sociedade na gênese e na resolução dos problemas de saúde.
• Inclusão social, no sentido de priorizar grupos que estejam mais vulneráveis, ou excluídos do sistema de saúde.
As estratégias básicas são a interdisciplinaridade, ou seja, ações de saúde além da atuação paralela de médicos, enfermeiros e outros terapeutas, a intersetorialidade que significa a construção compartilhada de saberes
e ações; a mobilização das parcerias para avaliar a eficácia das ações e sustentabilidade dos projetos e a avaliação
envolvendo todos os participantes.
Assim, a promoção à saúde não pode ser restrita à prevenção especifica de doenças, mas constitui-se uma
estratégia que envolve diferentes setores sociais na busca de um modo de vida mais saudável.
Dentro do setor saúde, por meio da identificação dos problemas de uma região ou comunidade, reorganizam-se os serviços de saúde pública, que buscam envolver os outros setores sociais, focar o cuidado e
não apenas a doença, desenvolver atitudes pessoais protetoras da saúde, por meio do projeto Políticas Públicas
Saudáveis. Inclui-se nesse projeto o que a Organização Mundial de Saúde denomina de Escolas Promotoras da
Saúde, que integram ações das unidades de saúde com as educacionais e que visam, sobretudo, desenvolver nos
professores, crianças e adolescentes a consciência sanitária, assim como projetos que tenham impacto no crescimento e desenvolvimento saudável.
Ao focar essas ações nos Centros e Escolas de Educação Infantil é preciso considerar as especificidades
da criança menor de seis anos de idade e que ainda depende, no período em que está na instituição educativa,
de cuidados diretos prestados pelos professores, integrados ao projeto pedagógico.
Na história de creches e pré-escolas, por muitos anos se confundiu ação promotora com ações preventivas especificas de vigilância nutricional, das doenças transmissíveis e acidentes. Essas ações, embora importantes
e requeiram parceria entre professores e profissionais de saúde, são, em primeiro lugar, de competência das Unidades Básicas de Saúde que assistem as famílias.
Qual seria, então, as ações de saúde, de competência exclusiva da instituição educativa, e que outra instituição não poderia executar por ela? O cuidado cotidiano.
A base da saúde da criança é o cuidado cotidiano que é tanto responsabilidade da família como do
professor, sua organização no contexto coletivo difere daquela do contexto doméstico e requer atitudes e procedimentos fundamentados pelas ciências humanas e da saúde.
140
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Que cuidados são esses?
• A comunicação e organização para dar continuidade aos cuidados prestados no âmbito da família;
• O acolhimento diário;
• Os cuidados com a segurança, estética, limpeza, conforto dos diversos ambientes da escola e alternância entre
atividades internas e externas;
• As atitudes e procedimentos de troca de fralda ou no processo de aprender a usar os sanitários, tomar banho,
beber água, alimentar-se, limpar o nariz, lavar as mãos, dormir sozinho, cuidar da própria segurança e conforto;
• O apoio às mães que aleitam no peito ou que estão em processo de introdução da alimentação complementar,
o planejamento, preparo e distribuição das refeições para as diversas faixas etárias;
• As condições ambientais para brincadeiras e aprendizagens que promovam desenvolvimento integral;
• As interações entre crianças-crianças, crianças-adultos, adultos-adultos.
No que se refere às interações é preciso superar o antigo paradigma de que o cuidado é de competência
apenas da mulher-mãe, pois o cuidar está integrado ao educar, compete tanto à família como um todo como às
instituições de educação infantil.
A partir das interações entre quem cuida e quem é cuidado constrói-se a identidade, a autonomia e a socialização, eixos do âmbito da Formação Pessoal e Social que constitui o Currículo da Educação Infantil (MEC,
1998).
A creche ou Centro de Educação Infantil, por atender um duplo direito, previsto na Constituição, à
educação e dos trabalhadores que precisam compartilhar cuidados de seus filhos, presta seus serviços em período
integral, assume assim a responsabilidade por um cuidado partilhado com os pais, e que precisa ser isento de riscos à integridade da criança. Surge a necessidade do planejamento de atitudes e procedimentos com foco tanto
nas ações pedagógicas quanto de promoção ao crescimento e desenvolvimento saudável, em contexto coletivo.
Por exemplo, ao oferecer-se refeições para as crianças na escola busca-se não apenas nutrir o corpo, mas, ensinar
as regras de convívio social. O mesmo ocorre com o uso do sanitário, os cuidados corporais e com o ambiente.
Assim, o grande desafio para os coordenadores e professores de educação infantil é organizar a rotina, as atividades permanentes e eventuais, externas e internas, integrando os cuidados com conforto, proteção, alimentação
e bem estar das crianças das diversas faixas etárias.
Para tanto é preciso que os projetos de formação dos coordenadores e professores incluam a construção
de conhecimentos sobre cuidados com a saúde, partindo dos seus conhecimentos prévios que trazem para dentro da escola a cultura existente sobre determinação do processo saúde-doença, des-construindo mitos e estigmas
que servem para perpetuar a exclusão de crianças que precisam de cuidados diferenciados.
Essas reflexões com os educadores que podem ser extensivas às famílias têm como objetivo o “emponderamento” dos envolvidos no cuidado da criança, possibilitando que identifiquem os riscos à saúde e possam
interferir na realidade, priorizar ações, visando à melhoria da qualidade de vida e, portanto, da saúde.
141
A seguir apresenta-se um quadro com os indicadores de uma Escola ou Centro de Educação Infantil
Promotor da Saúde:
Indicadores de Escolas e Centros de Educação Infantil Promotores da Saúde.
1. Compartilham cuidados com as famílias ouvindo suas demandas e registrando as recomendações sobre a saúde da criança que requeiram observação ou cuidados especiais durante o período em que estará
na instituição.
2. Identificam e atendem as necessidades de conforto, bem estar e proteção das crianças nos diversos
grupos, sem tolhê-las em suas brincadeiras e aprendizagens.
3. Auxiliam e ensinam as crianças a se cuidarem organizando ambiente adequado para cada faixa etária,
de forma que a autonomia seja construída sem risco à integridade física e psíquica.
4. Oferecem alimentação aos bebês atendendo suas necessidades nutricionais, afetivas e de aprendizagem de novos paladares e texturas, seguindo as orientações especificas para o processo de desmame.
5. Acolhem as mães dos lactentes e oferecem condições para que mantenham o aleitamento materno.
6. Oferecem as refeições em ambiente higiênico, seguro, confortável, belo e que propicie autonomia,
socialização e boa nutrição para todos os grupos etários.
7. Ajudam as crianças que recusam alimentos ou que apresentam dificuldades para se alimentarem sozinhas.
8. Orientam as famílias e encaminham ao serviço de saúde crianças que aparentemente estejam com
problemas.
9. Disponibilizam água potável e utensílios limpos individualizados para beber água durante todo o dia.
10. Organizam a rotina contemplando os horários de banho de sol (até as 10 e após as 15 horas), sobretudo dos bebês que dependem dos adultos para transportá-los para o solário.
11. Estão atentos ao conforto da criança, adequando o vestuário e calçados das crianças às brincadeiras,
atividades e clima.
12. Mantêm as salas ventiladas e alternam atividades internas e externas, evitando confinamento.
13. Seguem as recomendações do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação e Cultura para razão
espaço versus numero de crianças.
14. Trocam as fraldas, ensinam as crianças a usarem o sanitário e fazer higiene intima pessoal, com atitudes acolhedoras, com respeito às necessidades de cada faixa etária, utilizando precauções padrão para
evitar transmissão de doenças e quedas do trocador.
15. Registram e oferecem medicação e cuidados especiais prescritos para as crianças durante o período
em que estejam na instituição educativa, de acordo com a competência do educador infantil.
16. Observam, identificam, informam e procuram ajuda para as crianças que apresentem alterações
no estado de saúde (febre, acidentes, dor, mal estar) seguindo protocolo estabelecido pela gerência em
parceria com profissionais de saúde.
17. Notificam a Unidade Básica de Saúde da suspeita de crianças ou profissionais da unidade educativa
com doenças transmissíveis para que se possam tomar medidas de controle coletivo.
18. Asseguram condições de higiene e segurança dos brinquedos, almofadas, lençóis, trocadores, banheiras, objetos e materiais de uso pessoais e coletivos, integrando as ações de toda a equipe.
19. Asseguram que a área interna e externa seja organizada e mantida em boas condições de uso pelos
diversos grupos etários, evitando acidentes e disseminação de doenças, desenvolvendo na equipe e nas
crianças o respeito com o ambiente e o espaço público.
142
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Como construir uma escola para todos?
Lino de Macedo
Professor no Instituto de Psicologia da USP
Por problemas na transcrição, não foi possível publicar o texto.
143
Formação de Leitores no Ensino da História
Antonia Terra
Professora do Departamento de História na PUC-SP
Doutora em História Social pela USP
Pesquisadora, Assessora em História do Projeto Ler e Escrever da Secretaria DOT
Sou historiadora e professora de história e, há algum tempo, venho trabalhando com algumas situações
experimentais. Tornou-se muito prazeroso trabalhar com a questão de leitura e escrita no ensino de história.
Como responsável pela formação de professores de história, tenho constatado que o professor de história pode
contribuir, efetivamente, para formar leitores e escritores.
Lerei alguns trechos de um texto que elaborei que, acredito, auxiliarão a clarear o tema com exemplos:
“No século XIX, com a expansão do Império Britânico na Ásia, alguns homens, com perfil entre aventureiros, caçadores de tesouros e cientistas, encontraram em Nínive, na remota Mesopotâmia, nas ruínas da biblioteca de Assurbanipal, imperador assírio que viveu entre 668 e 627 a.C., várias versões, de diferentes épocas,
da epopéia de Gilgamesh, um poema escrito em tabuinhas de argila com escrita cuneiforme, e as enviaram para
o Museu Britânico. Outras versões foram encontradas em ruínas de antigas cidades da Babilônia. Produzidas em
outras épocas, arqueólogos encontraram também, nas ruínas de Ur, traduções da epopéia para o hitita e na terra
de Canaã”.
“Quem, porém, já leu a epopéia de Gilgamesh? O que essa epopéia narra? Por que teve tanta importância na Antigüidade? Por que essas tabuinhas foram tão preservadas? Quem foi Gilgamesh? Ele existiu? Por que
sua história tem sido recontada por milhares de anos? E hoje, há leitores para essa epopéia? Pode ser contada nas
escolas? Tem sido lida pelos jovens atuais?”
Há muitas versões, lindas, da epopéia de Gilgamesh, em linguagem para crianças pequenas e há uma
versão em história em quadrinhos.
A leitura de epopéias antigas ou produções literárias modernas na escola normalmente se faz na aula de
literatura. Poucas vezes são identificados textos literários em aulas específicas de história e, quando nelas se lê, o
foco é a aquisição unicamente do conteúdo histórico e não, também, a apreciação efetiva da obra literária ou o
prazer de ler. Todavia, criar boas situações de leitura com textos literários em aulas de história possibilita o contato dos alunos com conteúdos históricos, presentes em outros estilos de textos, em outras linguagens, em outras
fontes, que são distintos dos tradicionais manuais didáticos, diversificando seus domínios para questionarem
obras variadas do presente. A idéia é que essas obras literárias estejam no seu dia-a-dia e que, na medida em que
as observamos com olhar histórico, possam contribuir para que os alunos aprendam a questionar outras obras
freqüentes em seu cotidiano: filmes, TV, jornal, obras literárias em geral. Essas situações de leitura dos textos
literários, com olhar histórico, possibilitam também formar leitores capazes de realizar leituras cada vez mais
interpretativas, que auxiliam reciprocamente no estudo da História.
Gostaria de debater, aqui, a possibilidade de associar as situações de ensino e aprendizagem da leitura
ao ensino de história, especialmente através do trabalho com textos literários. A premissa é de que ser um bom
leitor significa realizar, também, leituras compreensivas, importantes tanto para uma formação histórica, quanto
para lidar mais criticamente com as diferentes vivências sociais. Além disso, como os alunos aprendem história
na escola através de situações de leitura (como no caso do trabalho com freqüência com o livro didático), tornase fundamental considerar a necessidade de orientá-los na análise, compreensão, interpretação e aquisição de
conhecimentos através da leitura e análise crítica de textos.
Muitas vezes, os alunos copiam textos da lousa. Mas, quando questionados, descobrimos que não compreendem o texto copiado. Existindo a preocupação em formação o leitor-escritor, deve haver a atenção do
professor para averiguar como o texto está sendo compreendido e interpretado.
144
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Partimos da concepção de que a leitura é um meio de aprendizagem de conteúdos históricos e, portanto,
aprender a ler e questionar historicamente um texto deve ser encarado como um objeto de ensino e aprendizagem. Entretanto, algumas vezes, os conteúdos escolares têm sido entendidos apenas como informações e conceitos. Todavia, é necessário avaliar como grande parte das informações históricas depende do domínio da leitura
e interpretação de texto. Essa dimensão de conhecimento escapa da esfera da simples informação – pertence à
aprendizagem de procedimentos.
Saber ler e escrever é fundamental, mas, para que o professor de história possibilite a seus alunos o acesso
ao conhecimento histórico, ele deve encarar esse conhecimento como conteúdo – procedimental -, a ser inserido
no seu planejamento; e considerar a construção de estratégias e intervenções didáticas. Com isso, está contribuindo para a formação de leitores-escritores e para que aprendam a pensar historicamente: a ler, questionar e
interpretar, a identificar marcas textuais, a discernir o real do ficcional, a se preocupar com o autor e o contexto
histórico da obra, a tornar relativos os valores, etc.
Essa escolha metodológica baseia-se no princípio pelo qual a disciplina de história, na escola, é entendida na sua especificidade, com objetivos e métodos próprios que se articulam com outros saberes, mas não perde
sua autonomia na construção de suas finalidades educativas. Um trabalho com leitura e escrita associa-se, assim,
a uma metodologia de trabalho com documentos, na qual se questiona quem produz, em que época produz, em
que contexto produz, com quais outros contextos se relaciona, etc..
O texto literário, considerado como documento histórico, requer o reconhecimento da importância,
tanto de ensinar o procedimento de leitura ativa, quanto de colocar o aluno diante de determinadas questões que
revelam sua historicidade. A questão é pensar historicamente: tudo tem seu contexto, sua autoria e seus diálogos
no tempo.
São diversas as possibilidades de aprendizagem de história com textos literários e delas dependem situações didáticas criadas pelo professor. Por exemplo, a simples apresentação de um texto para ser lido e debatido na
sala de aula amplia o repertório dos estudantes sobre obras e autores de certa época. Quanto mais diversificadas
e variadas as informações sobre certo período, melhor ele pode ser caracterizado em sua especificidade e maior é
a probabilidade de ser diferenciado de outras épocas, por suas características históricas.
Essa é a premissa: quanto mais informações históricas e quanto mais reflexões construídas a respeito das
relações entre elas, maior a probabilidade de se diferenciar uma época da outra. Quanto mais literatura e autores
são conhecidos, maior será o repertório histórico, o que possibilita conhecer melhor outras obras. Por princípio,
se lê a partir daquilo que já se sabe: quanto mais se lê e mais se souber, mais profundamente é possível mergulhar
na compreensão de outras obras.
O acesso ao texto possibilita, ainda, debater diferentes suportes contemporâneos que podem ser diferentes daqueles usados originalmente pelos autores da obra. Na questão do livro, podemos explorar a produção
editorial. Tenho trabalhado muito com a idéia de que existem várias edições e é muito importante questionar
não só o ator, a época em que ele escreveu a obra, mas as inúmeras edições que são produzidas, e as versões adaptadas para as diferentes idades. Isso pode ser discutido com os alunos, porque permite avaliar a historicidade do
livro dentro da sociedade contemporânea.
Há ainda outros trabalhos que podem ser feito com os alunos: confrontar o texto com outros textos,
sendo esses frutos de pesquisas e análises realizadas por outros autores. Por exemplo, na epopéia de Gilgamesh:
“Existiu Gilgamesh?” Há arqueólogos e historiadores que procuram comprovar a existência desse rei da antiga
Mesopotâmia. Essa é uma discussão importante, por exemplo, para distinguir o ficcional do real.
A proposta é que o professor de história aproprie-se de estratégias de procedimento que contribuam para
formar leitores ativos: como é possível ler para e com os alunos? No caso de estudantes com poucos domínios
de leitura, o professor de história pode ser o leitor, desenvolvendo atitudes de um bom leitor. Pode questionar o
grupo, no processo de leitura: “Quem está escrevendo? Que época é essa? Que lugar é esse? Por que está acontecendo isso? O que vai acontecer? O que o autor está querendo dizer?”...
145
Sendo recorrentes nas aulas, esses procedimentos de leitura instigam os alunos no desenvolvimento do
costume de fazer o mesmo diante dos textos que lêem e, assim, ajudamos a serem questionadores e a criarem
hipóteses para avançar nos textos e nos estudos históricos.
146
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
O Ensino de Ciências na Educação de Jovens e
Adultos
Sandra Mutarelli
Assessora da área de ciências do Projeto Ler e Escrever da SME/DOT
Doutora em Química pela USP
Pertence ao Grupo de Estudos de Alfabetização e Letramento da USP
Participou do Projeto “Mão na Massa” das Secretarias Estadual e Municipal de Educação
Foi coordenadora do Curso de Ciências Naturais do EJA da Escola Vera Cruz
É imenso o prazer de falar sobre este trabalho que desenvolvo com adultos, não é só o curso de ciências
naturais na educação de jovens e adultos, mas, também, a produção de textos em cursos de ciências naturais na
educação de jovens e adultos.
Entrei na educação de jovens e adultos como voluntária ministrando aula de ciências naturais. Percebi
que os alunos decodificavam as palavras, mas não compreendiam bem o que estavam lendo. Comecei a perceber que, na situação experimental, tornava-se muito mais simples eles enunciarem o que estava acontecendo e
começarem a escrever.
Continuamos precisando pensar em como trazer esse público para a cultura letrada, para aprender a ler
e escrever, expressar-se e participar do mundo. A mesma coisa acontece em matemática. Por isso, fiz algumas
reflexões e trouxe algumas citações:
Paulo Freire dizia: “Para ser um ato de conhecimento, o processo de alfabetização de adultos demanda,
entre educadores e educandos, uma relação de diálogo”. Isto significa que aquilo que o professor expressa tem
que ser entendido pelo aluno e vice-versa, senão haverá ruído na comunicação, o que, me parece, tem acontecido muito.
Dizia ainda: “Sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido”. No
meu caso, o objeto é a ciência, é a situação experimental, e nós nos debruçamos muito sobre a prática.
É necessário saber quem é o aluno, de onde ele vem. Na verdade, são os excluídos. Martha Kohl diz
que o adulto não letrado é “o não-criança”. É preciso saber em que etapa de aprendizagem está esse adulto, qual
seu nível de letramento. O adulto percorreu sua história e tem uma relação com o mundo letrado. Como é essa
relação? Então, é necessário decidir que metodologia e material serão utilizados Que sintonia existe com esse
público? De novo, de acordo com Paulo Freire, trata-se da questão do diálogo.
Diz a profa. Vera Masagão que o alfabetismo é, necessariamente, heterogêneo, comportando práticas em
que se utiliza escrita, intensidade e orientação diversas. Por isso, entrei com força em ciências, porque percebi
que é uma atuação em que podemos usar a enunciação, o discurso etc...
A profa. Magda Soares fala sobre enunciação: “Os modos de usar a língua, de se relacionar com ela,
desenvolvem processos de socialização diferentes, ou seja, modos diferentes de agir, de perceber, de pensar, de
sentir.” Na heterogeneidade existente na sala de aula, percebemos os diferentes modos presentes nos nossos adultos. Continuando: “A idéia básica é que a língua estrutura a realidade e a cultura e configura o pensamento e os
processos cognitivos de aprendizagem”.
Novamente, Magda Soares: “É no processo de enunciação que se constituem os sentidos. Este processo
e, portanto, esta constituição de sentidos é determinada pelo contexto em que aquele, o processo de enunciação,
envolve, entendendo por contexto, aqui, não apenas as condições pragmáticas imediatas, mas, sobretudo, as
condições circunstanciais, sociais”.
147
Eu trabalho com a condição prática, a ciência, mas é nesse processo de emancipação (e trabalhamos
muito com o enunciado), que o aluno vai se apropriando da língua.
Comecei a trabalhar no “Projeto Mão na Massa”, concebido pelo físico George Charpak; ele acredita
que o raciocínio científico oferece um meio poderoso para aumentar as capacidades de reflexão, argumentação
e julgamento dos estudantes.
Na sala de educação de jovens e adultos, atuo como professora polivalente e é minha proposta que o
professor polivalente ministre aulas de ciências. Isso angustiava muito o professor polivalente no “Projeto Mão
na Massa”, mas, o processo experimental é de observação, de uma racionalidade diferente. Não é melhor nem
pior: ela se constrói com outro tipo de ferramenta.
Bachelard argumenta: “Como se constrói o conhecimento na contemporaneidade? Com diferentes racionalidades e, nesse ponto, é importante instrumentalizar o aluno nas diferentes racionalidades para que ele
saiba fazer diferentes leituras do mundo”.
“Romper com o saber de ontem, negá-lo, mas, também, reagrupá-lo e hierarquizá-lo em um contexto
de conhecimento ampliado”, para Bachelard, é tarefa assumida pela ciência, pois dentro da ciência existem rupturas.
As racionalidades da própria ciência somam-se e alocam-se dentro de seus contextos experimentais. E os
saberes do senso comum também têm seu lugar.
No “Projeto Mão na Massa”, com os adultos, era proposto um problema inicial e eles tinham que resolvê-lo experimentalmente. Eles sugeriam vários procedimentos. Depois, fazia-se uma discussão coletiva sobre
as observações deles, cada um contando o que observara, à sua maneira, com suas palavras. Anotavam tudo,
num bloco amarelo, para depois elaborarem um relatório. Após a discussão e observação eles faziam uma síntese
escrita, individual, mas assistida.
Os resultados preliminares que observei no Ciclo 2 – de 5a a 8a séries – onde trabalhei de 2002 até 2005
foram uma melhora na capacidade de levantar hipóteses e de organização de texto em forma de relatório.
Os resultados preliminares que observei na Alfabetização onde trabalhei em 2005 foram a capacidade de
estruturar uma frase contendo um pensamento complexo.
A seguir alguns dados de alunos do Ciclo 2 e da Alfabetização:
Primeiros resultados :
EJA ensino fundamental ciclo II
Relatório Final – Fevereiro/2002
Questão problema: Quais são as características da água? (Primeira Aula)
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Relatório Final – Junho/2002
Questão problema: A água da represa é a mesma que chega à nossa casa?
Primeiros resultados:
EJA Alfabetização
Questão problema: O que acontece com a temperatura de uma porção de gelo quando deixada exposta ao ar
por 35 minutos?
Respostas que surgiram durante a discussão coletiva:
1) O gelo derrete.
2) A temperatura aumenta.
3) A temperatura fica em torno de 0oC durante 9 minutos.
4) A temperatura se mantém em torno de 0oC enquanto tiver gelo. Depois da fusão a temperatura sobe.
149
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Estudo preliminar do Ciclo da água
Texto coletivo – Ditado para o professor – 20/10/05
Questão problema: 1) De onde vem a umidade que se junta do lado externo de um copo de água gelada?
2) Como aparecem gotas de água no plástico filme utilizado para vedar um copo que estava com água quente?
3) Depois de responder essas perguntas, levante uma hipótese de como ocorre o ciclo da água.
Bibliografia
CHARPAK, Georges. La Main à la pâte. Les sciences a l’ecole primaire. Paris: Flammarion. 1996.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2002.
____________. A importância do ato de ler. 40. ed. São Paulo: Cortez. 2003.
____________. Educação como prática da liberdade. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1984.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista Brasileira de
Educação, n. 12. São Paulo: ANPED. 1999a.
____________________. Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione. 1997.
____________________, OLIVEIRA, Marcos Barbosa (orgs.). Investigações Cognitivas. Porto Alegre: Artes
Médicas. 1999b.
SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto. 2003.
______________. Letramento. Um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2004.
______________. Diversidade Lingüística e pensamento. In: MORTIMER, E. F., SMOLKA, A. L. B. Linguagem, Cultura e Cognição. Belo Horizonte: Autêntica. 2001.
151
Educação de Jovens e Adultos
Maria Inês Fini
Assessora da área de Ciências do projeto Ler e Escrever de SME/DOT
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Os Filhos do Futuro
Rodolfo Konder
Conselheiro do Conselho Municipal da Educação
Jornalista e Escritor
Ganhador do Prêmio Jabuti em 2000 com “Hóspede da Solidão”
Secretário Municipal da Cultura de 1993 a 2000.
Diretor Cultural do UNIFMU
Cronista na Rádio Cultura FM
Vou fazer algumas reflexões no campo da “Futurologia”. Fui comunista durante muitos anos e exilado 2
vezes: em 1964 e 1976 e, percebi, depois que foi um terrível equívoco. Minhas previsões políticas têm falhado
muito. Tenho sido escritor, num país que tem 74% de analfabetos.
Hoje, sou diretor cultural da UNIFMU e faço palestras, levo o pessoal ao teatro, levo escritores para fazer conferências e procuro estimular o pessoal mais jovem a interessar-se pela palavra escrita, porque estamos vivendo um período de empobrecimento: o ser humano já falou 150.000 línguas. Hoje, são 6.000 línguas e 4.000
desaparecem, à razão de uma língua a cada 15 dias. Se pensarmos em tudo aquilo que uma língua contém, em
termos de experiências, vivências, coisas peculiares a um determinado povo, perceberemos a importância da
linguagem mas, manter essas línguas não é uma prioridade da ONU, por exemplo.
Li, recentemente um ensaio de Alvin Toffler em que ele diz que o jovem de hoje vive aprisionado no
agora. Os jovens dedicam-se muito pouco a pesquisar o passado, a saber que percurso, que estrada nos trouxe
até aqui e não planejam o futuro: não têm planos, não têm sonhos, então, não só não resgatam o passado, como
não planejam o futuro, não perseguem uma estrela.
Como enfrentar isso? Tenho algumas idéias mas é claro, para mim, que estamos vivendo um período de
desumanização, no mundo. Vemos, por exemplo, esse nível de violência; o Brasil, como campeão de desmatamento, o aquecimento do planeta terra, provocado pelo homem. As desigualdades sociais aumentam a cada dia;
temos lideranças cinzentas, incompetentes. Sou da época em que havia um Churchill, um De Gaulle, etc.
Lembro-me de um poema do dramaturgo de Bertold Brecht em que ele fala do processo de desumanização que caracterizou a vida na Alemanha um pouco antes de Hitler chegar ao poder; e Hitler, só chegou ao
poder, porque houve esse período de desumanização:
“Muito antes de as bombas caírem sobre nossas cidades, caminhávamos pelas ruas que ainda existiam mas já vivíamos
mergulhados na insensatez; muito antes de tombarmos em batalhas sem sentido, nossas mulheres já eram viúvas e nossos
filhos já eram órfãos e já não tínhamos amigos; e a carne que os vermes devoravam já não era carne humana”.
A Alemanha estava desumanizada e, por isso, Hitler chegou ao poder.
Digo ao pessoal mais jovem que estamos vivendo um novo período de desumanização que pode nos
levar a um novo holocausto que pode estar nos empurrando para o abismo. Não sabemos, mas vejo o narcotráfico: bilhões e bilhões de dólares, com poder de corrupção fantástico, a juventude constantemente acossada
por essa praga, vejo a criminalidade crescendo, bem como desrespeito aos direitos humanos. Mesmo como
comunista eu sempre tive simpatia pelo socialismo de face humana.
Minha vida sempre foi uma aventura política. Em 1964 eu era dirigente sindical numa área de segurança nacional: o petróleo. Eu era dirigente na Petrobrás e era recebido pelo Presidente João Goulart. Aí veio
o golpe de 64, fui cassado e fui buscar abrigo na Embaixada do México. Fiquei num apartamento grande, mas
com 60 brasileiros derrotados, amargurados, que se odiavam uns aos outros. Então recebi um salvo conduto e
fui para o México, onde tive casa e comida.
153
Depois, resolvi transferir-me para o Uruguai e, com a ajuda do Ministro do Exterior do Uruguai, um
ex-dirigente sindical, conseguimos eu e mais dois bancários, descer pela costa do Pacífico porque não podíamos
sobrevoar o território brasileiro. Chegando ao Uruguai, estive com todos os exilados: Jango, Eloi Dutra, Brizola. Conseguimos organizar uma reunião para ver se conseguíamos unir os exilados brasileiros, mas a reunião foi
um fracasso porque Jango e Brizola não se entenderam. Eu quis voltar ao Brasil e, em outra aventura, atravessei
a fronteira clandestinamente.
Cheguei ao Rio e, como não tinha profissão, tornei-me jornalista porque sabia ler e escrever. Em 1968,
já estava novamente visado pela repressão, então vim para São Paulo logo depois do AI-5. Para nós, do Rio, em
1968, São Paulo era um exílio. Vim sem me imiscuir em política mas pensando em Antonio Gramsci, que dizia
“Não existe nada fora da história”.
É isso que precisamos estimular em nossos jovens: que eles pensem dialeticamente; o pensamento dialético é muito anterior a Marx. Heráclito já dizia: “Nenhum homem entra duas vezes nas águas de um mesmo
rio”. A idéia de que estamos num rio e que tudo está fluindo, transformando-se permanentemente, que nós
mesmos estamos nos transformando, é dialética.
“Que rio é esse, por onde corre o Ganges”, diz Jorge Luiz Borges. “Não importa que durmas, ele corre,
no sonho, do sótão ao porão. Ele me arrebata. Eu sou esse rio”.
Nós somos esse rio também. Então, o jovem precisa pensar dialeticamente. Precisa aprender que é parte
de um processo e, se ele conhece aquilo que nos antecedeu e não tem previsões sobre o que vai fazer da vida,
daqui para frente, ele está morto.
O que nos ensinou a 2a. Guerra? Felizmente, o nazi-fascismo foi derrotado. Mas, vamos olhar com
realismo: a 2a.Guerra mostrou-nos que os demônios estão dentro de nós. Não foi só a morte de 49 milhões
de seres humanos; foram as atrocidades, não só do lado alemão nazista, mas também do lado vitorioso. Se
pensarmos no bombardeio de Dresden: foi um crime. Os americanos destruíram mais de 50 cidades japonesas
com bombas Napalm, além das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. As atrocidades aconteceram por
todos os lados.
Quando caiu o muro de Berlim, eu já tinha consciência de que o socialismo era um pesadelo e não um
sonho. Tinha consciência de que Fidel, que havia sido meu herói desde a década de 60, havia se transformado
nessa patética figura que manda fuzilar os jovens que ousam tentar sair do paraíso cubano.
Ao longo dos anos, a partir do meu segundo exílio, fui preso, em 1975, aqui em São Paulo. Fui submetido a torturas, testemunhei o assassinato de Wladimir Herzog, prestei um depoimento, comecei a receber
ameaças do braço armado da repressão e tive que fugir de novo. Através da Foz de Iguaçu fui para a Argentina,
depois para Lima e depois para o Canadá, porque não podíamos entrar nos EUA. A viagem ao Canadá fazia
conexão em Miami, onde fiquei preso até ir para o Canadá. Fiquei 2 anos no Canadá e depois fui para Nova
York por 1 ano. Foi um tempo muito bom.
Devo dizer que sou contra os patriotas e sinto-me um cidadão do mundo. Em nome do patriotismo,
temos tido muitas guerras; acho que devemos ver-nos como seres humanos e cidadãos do mundo.
Nesses dois anos de Canadá, meus sonhos foram mudando. Comecei a pensar mais nos direitos humanos. Acabei sendo, no Brasil, presidente da Anistia Internacional.
O fato é que estamos atravessando uma fase complicada e os jovens devem ser alertados para isso. Devem aprender a pensar dialeticamente. Digo que não se entende como vive a árvore, se não se entende como
vive o bosque . Não podemos entender o que foram as ditaduras militares, inclusive no Brasil se não entendermos como era o mundo naquela época. Quando terminou a 2a. Guerra, logo em seguida, começou uma 3a.
Guerra, que foi a Guerra Fria, que empobreceu nossos corações e nossas mentes, porque simplificava as coisas,
154
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
tornava tudo mais pobre. Tratava-se dessa simplificação grosseira de um mundo dividido entre mocinhos e
bandidos; os golpes da América Latina só podem ser entendidos como episódios da Guerra Fria. Houve uma
série de golpes na América Latina, porque em 1959 aconteceu a Revolução Cubana e Fidel, depois de tomar o
poder, declarou-se socialista. Para os americanos, a presença de um país socialista ali, era um desafio assustador.
Os americanos estimularam, então, golpes de ultra direita.
No Brasil, primeiramente tomou o poder um grupo moderado, o de Castelo Branco, mas a partir de 68,
com o AI-5, o pessoal que chegou ao poder era mais radical e o poder ficou dividido em 2 alas: o mais moderado
e o mais radical, o qual controlava o aparelho de repressão. Em 75 fomos presos, porque o Partido Comunista
era a única organização de esquerda que continuava viva; as outras organizações, mais radicais, já haviam sido
dizimadas e o pessoal da repressão precisava mostrar ao público interno que a subversão estava viva porque
queria impedir o projeto de Geisel e Golberi de abertura lenta, gradual e segura. Golberi e Geisel já queriam
devolver o poder para os civis, porque o modelo militar estava falido. E eles vieram sobre o PCB; eu fui preso
em casa. É preciso dizer aos jovens, como falava Churchill, que “A democracia é uma porcaria, mas não existe
nada melhor”.
Durante aquele período qualquer um podia ser preso sem um mandato; ninguém tinha direitos.
Fui preso em casa, colocaram-me um capuz, houve um interrogatório ridículo e, logo depois, uma sessão de
tortura que me deixou marcado, evidentemente.
Trabalhei com essa questão de tortura quando fui dirigente da Anistia Internacional: o mandato da
Anistia estabelecia a libertação imediata e incondicional dos presos de consciência; também estabeleci um processo rápido e justo para os presos políticos e o combate à tortura e pena de morte.
Há instituições no Canadá e Dinamarca que, desde a década de 80, se dedicam ao estudo da tortura e
das seqüelas da tortura e já configuraram uma Síndrome do Torturado, semelhante à do prisioneiro de guerra.
A conclusão é que a pessoa que passa por essa experiência é, normalmente, mais triste e solitária, tem muitas
angústias e deixa de ver nos outros, presenças solidárias, passando a ver neles ameaças. No meu caso, consegui
exorcizar esses demônios, escrevendo. A escrita foi meu analista.
Precisamos lembrar aos jovens que não viveram essa experiência, que o pior é a falta de liberdade. Se
não conseguirmos motivar os jovens para aprender a pensar dialeticamente e aprender a valorizar a democracia
e a liberdade, poderemos estar caminhando para um novo holocausto.
Eu diria que “Os Filhos do Futuro” terão a responsabilidade de impedir um novo holocausto. Os habitantes do séc. XXI receberam uma herança pesada. Não podemos nos orgulhar do que estamos deixando para
os jovens. Foi uma fase de muita violência, que está piorando, está-se agravando. Imagino que vocês , como
pessoas ligadas ao ensino, possam ajudar a disseminar essa mensagem, plantar essas sementes e, talvez, é uma
esperança, jamais uma certeza, impedir que nós caminhemos para um novo abismo.
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A Escola às Escuras: Uma Crítica Radical à Educação
Brasileira Atual
Julio Groppa Aquino
Prof. da Fac. de Educação da USP
Gostaria primeiramente de agradecer à Secretaria Municipal de Educação pelo convite. Aproveito também a ocasião para dizer do sentimento paradoxal que me toma nesse momento: a honra de me defrontar com a
linha de frente da educação brasileira aqui representada, e também um sentimento de infâmia, pois nada tenho a
ensinar a quem se dispôs a me ouvir. Nada tenho nada a dizer de novo. Ao contrário, estou fadado a me repetir,
pelo que peço desculpas antecipadas. Além disso, devo reafirmar que não estou aqui para vender idéias, mas para
compartilhá-las tão-somente. Eis o que, para mim, designa o ofício docente, de fato.
O título geral de minha fala, “a escola às escuras”, deriva de uma entrevista que concedi recentemente à
revista CartaCapital. Muito me alegrou poder oferecer uma visão distinta daquela à qual estamos acostumados,
no que diz respeito ao estado de coisas na educação brasileira atual. Essa entrevista gerou uma polêmica imensa
e uma receptividade igualmente insuspeita, especialmente entre os não educadores. Eis aí, creio, a razão primordial de minha estada aqui, hoje.
Mas, antes de iniciar o percurso que imaginei percorrer hoje, gostaria de ressaltar algumas coisas subliminares que remetem à possível legitimidade, ou não, do lugar do qual falarei hoje. Como vocês devem saber,
sou um docente pesquisador universitário.
Não me intitulo apenas docente, já que a docência é a primeira de muitas funções de um profissional universitário. Há varias outras. Por ora, consigo reconhecer pelo menos oito funções distintas, mas complementares.
Além da docência, outra função primordial é a da orientação, isto é, a responsabilidade pelo acompanhamento de trabalhos de pesquisa em nível de pós-graduação e, também, pela avaliação de outros trabalhos da
mesma natureza, por meio das bancas. Em suma, trabalhos de mestrado e doutorado, e também de iniciação
científica.
A terceira função é a gestão universitária, isto é, a administração da Universidade por meio das comissões
estatutárias ou de trabalho, os colegiados, os processos seletivos etc.
A quarta função é a da pesquisa, cujo objetivo fundamental é o da geração de novos conhecimentos. Há
modalidades de pesquisa individual e coletiva. Há também pesquisas que são realizadas de forma indireta, pelos
orientandos.
A quinta função é a da prestação de serviços, por meio dos trabalhos de extensão, das mais diferentes
ordens. Minha estada aqui é um pequeno exemplo disso.
Na sexta função, começamos a sofisticar ainda mais o trabalho. Trata-se da difusão, da circulação das
idéias, por meio das conferências, das comunicações, do diálogo enfim com as práticas empíricas de um determinado campo de conhecimento.
A sétima função, absolutamente nobre, é a da publicação, tanto aquela ligada ao mercado editorial mais
geral, quanto aquela dos periódicos especializados.
A oitava e última função remete à representação daquilo que a sociedade cultiva a nosso respeito: o trabalho de ponta que, no caso das Humanidades, poderíamos chamar de pensamento crítico. Tenho comigo que
essa é a função mais nobre do docente universitário, mais sofisticada e mais difícil de garantir.
156
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Trata-se, em linhas gerais, de fomentar o pensamento crítico, o que implica uma atitude de espreita, de
alerta, à moda de um caçador. É tarefa do pensamento crítico, portanto, duvidar daquilo que se nos apresenta
monoliticamente. Trocando em miúdos, trata-se de interpelar a ditadura do presente.
Tal posicionamento nos leva a um questionamento básico: O que estamos fazendo de nós? Por que nos
transformamos naquilo que somos? E aquilo que somos nos basta? Essas são as perguntas fundamentais que
embasam uma crítica radical do tempo presente – razão do subtítulo de minha fala. Essas me parecem perguntas
de fundo que deveriam, ou poderiam, orientar uma vida. A vida daquele que se devotou a trabalhar no campo
das idéias só faz sentido como algo da ordem da filiação ao pensamento crítico.
A crítica, na perspectiva que estou defendendo aqui, acaba gerando um estado perene de dúvida e de
insatisfação consigo mesmo. Mais do que insatisfação com relação ao mundo, insatisfação com relação àquilo
que permitimos que o mundo fizesse de nós, principalmente nas escolas. E isso não é pouco. Falo de uma atitude
de indignação constante que pouquíssimos conseguem angariar pela vida: uma atitude que julgo absolutamente
necessária não apenas ao pensamento crítico, mas ao viver crítico. Antes de mirar um futuro redentor, penso que
é nossa tarefa interpelar o presente, sem trégua.
Mas por que fazê-lo? Penso que se trata de uma atitude que vai diametralmente contra essa onda de
auto-ajuda e de outros modismos cientificistas que vêm tomando conta do mundo e, em particular, da escola.
Os pregadores e os burocratas da educação grassam em qualquer canto. Daí que tenho me convertido
num sujeito completamente avesso a esse tipo de gente. E eles estão presentes em todos os lugares, mas o centro
de sua reprodução, onde eles se mais mostram, são os congressos de educadores. Eles agem de maneira muito
explícita: pelo riso frouxo, pela comoção descabida, pela adulação exagerada. Sua estratégia fundamental é o
convencimento piedoso, relegando o trabalho escolar a um estado de petição de miséria ética e política. E, o
pior: por meio da estratégia do “bom mocismo”, eles são bastante bem-sucedidos, angariando a adesão de 99%
das pessoas, em particular daquelas que freqüentam congressos.
Frente a esse tipo de oferta discursiva, eu gostaria de propor um contraponto cabal. Em oposição frontal
a esses pregadores e burocratas da educação, tenho a oferecer nenhuma teoria self-service, nenhuma alternativa
pret-a-porter, nenhuma saída. Nada disso. Pior ainda, nenhum consolo à vista. Apenas sobriedade crítica, apenas o gosto de interpelar sem, necessariamente, esperar respostas confortáveis. O descanso é um luxo que nossa
geração, infelizmente, não pode se dar de presente.
Mas fiquemos tranqüilos. Realizar uma crítica radical da educação brasileira não serve para muita coisa.
Daqui a dez anos, as escolas brasileiras estarão no mesmo ponto. Então, apaziguemo-nos. A atitude crítica nos
dá apenas a possibilidade de indagar o que fizemos de nossas vidas ou o que fizeram dela por nós. Trata-se da
hipótese embutida no título “a escola às escuras”. Isto é, a de que somos protagonistas de uma geração que está
testemunhando o fim de uma era cultural, social, política e econômica. Uma era de transformações sem precedentes.
Uma das questões fundamentais desses nossos tempos relaciona-se com a idéia de que as instituições se
encontram num nítido processo de desregulamentação. Trata-se de processos intensos de desinstitucionalização
das formas de vida: do trabalho, da política, das relações afetivas, da família, da escola, da nossa vida enfim.
Estamos conhecendo formas absolutamente novas e voláteis de reordenação da vida, tal como pudemos pensá-la
e vivê-la nas últimas décadas. Especialmente a partir da década de 1990, testemunhamos uma aceleração profunda desses processos de desencaixe, de desordenamento das formas de vida que nos ensinaram, um dia, a ser
quem éramos e não somos mais.
Esses processos de desinstitucionalização, os quais nublam nossas perspectivas de vida em comum, têm
como expressão máxima o fato de que, hoje, a subjetividade desponta antes do lugar social que as pessoas ocupam. Ela age antes do papel, sobrepondo-se a ele. Um exemplo disso é a alegação constante de que “antes de
sermos professores, somos pessoas”. Ou seja, gostamos de pensar a nós mesmos como entidades privadas, singu157
lares, individuais, que são obrigadas a ocupar lugares institucionais anônimos, os quais nos oprimem na maior
parte das vezes. Esse movimento produz um conjunto de desdobramentos complicadores da vida em comum,
cujas conseqüências estamos começando a testemunhar também nas escolas.
Com o objetivo de tangenciar esse processos de desinstitucionalização escolar, eu gostaria de propor cinco
grandes tensões, sob a forma de fraturas ético-políticas, que geram repercussões sensíveis no cenário escolar. Trata-se de cinco tensões com as quais todo e qualquer profissional da educação brasileira terá de deparar em algum,
ou em vários momentos, de sua carreira. Cinco grandes perguntas que exigem alguma resposta de nossa parte.
Dessas cinco tensões, ou fraturas, no ideário educacional contemporâneo derivam cinco efeitos concretos.
Gostaria então de apresentar esse conjunto de tensões, depois os efeitos delas resultantes e, por fim,
apontar as instâncias responsáveis por tais processos de desinstitucionalização das práticas escolares.
A primeira tensão poderia ser expressa de acordo com a imagem de uma “escola do faz-de-conta”. Isso se
expressa do seguinte modo: por um lado, temos a normativa política de universalização do ensino básico; por outro lado, diametralmente oposto mas complementar, temos um crescente analfabetismo funcional de uma parcela
enorme da população brasileira. Disso deriva um insuportável paradoxo: segundo dados de pesquisas, 50% da
população brasileira não entende o que lê, apesar da universalização do ensino básico, ou derivado dele.
A segunda tensão gira em torno da imagem de uma “escola de fantoche”. Ela apresenta-se da seguinte
forma: por um lado, temos a convicção de que, por meio da vivência escolar, poderia haver mobilidade sócioeconômica. Se, por um lado, ainda temos a ilusão que a escola promoveria a necessária ascensão sócio-econômica de uma parcela da população, por outro, temos uma escola que talvez represente o dispositivo cultural mais
fiel de reprodução das injustiças sociais. Então, a mesma prática social a que se delega a idéia de promoção da
equidade é aquela que mais bem opera a conservação do estado de coisas sociais. E vemos isso acontecer todos
os dias nas escolas. As injustiças se reproduzem, se não com nossa autoria, ao menos com nossa anuência. São
duas faces da mesma moeda.
“A escola na berlinda” representa a terceira tensão. A mesma escola que é considerada a instituição nuclear dos conceitos democráticos, uma vez que ela seria o epicentro da vida democrática, é também acusada de
ser uma instituição em decadência, ou em extinção, já que estaria fadada a ser substituída, paulatinamente, por
outras formas de transmissão do conhecimento. Eis aqui o paradoxo: trata-se de uma instituição axial dos contextos democráticos, ou uma instituição-fantasma, que teria se transformado num mero depósito de crianças?
A quarta tensão, “a escola em estado de sítio”, remete à cisão irreconciliável entre, de um lado, um ensino estatal de qualidade indigente e, de outro, um ensino privado de qualidade farsesca. Estou aqui opondo a
indigência à farsa. A farsa refere-se a teatralização pedagógica que temos assistido em nome da suposta qualidade
do ensino privado brasileiro. Se, de um lado, há a deserção intelectual dos alunos pobres, de outro, temos o
falseamento intelectual dos alunos ricos e de classe média. Trocando em miúdos, educação não é objeto nem de
mercantilismo, nem de assistencialismo. E isso é o que vimos acontecer no Brasil das últimas décadas: de um
lado, nas escolas estatais, a idéia de conhecimento fracionado, aligeirado, uma sombra pálida da idéia de legado
cultural; de outro, o conhecimento como um produto de grife, negociado a preços nada módicos pelas escolas
privadas. Para acabar com isso, não vejo outra saída a não ser a desapropriação imediata e irrevogável de todas
as escolas privadas do país.
Por fim, a última tensão: “a escola em ruína”. Isso significa o seguinte: de um lado, a explosão absoluta
das atribuições escolares por meio do aumento das demandas pedagógicas, a tal ponto que acabamos crendo
que, aqui, “se ensina tudo”. De outro, a desrritualização paulatina e crescente das salas de aula, o que acaba
redundando no esmorecimento da ambiência pedagógica das salas de aula, esta que deveria obrigatoriamente sediar vínculos sólidos entre professor e aluno. Agora, aqui “já não ensina quase nada”. Nesse sentido, não há mais
relação professor-aluno nas escolas brasileiras. As salas de aula transformaram-se em lugares quaisquer, onde se
desenrolam muitas coisas de diferentes ordens, mas poucas com sentido propriamente pedagógico. Ou seja, é
recorrente a idéia de que os profissionais não mais conseguem levar a cabo seu ofício, uma vez que a ambiência
das salas de aula não permitiria.
158
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Essa última tensão remete à constatação de que a relação professor-aluno se encontra num estado alarmante de esgarçadura, ou, dito de outro modo, em eminente dissolução. A relação professor-aluno lastreada por
vínculos precisamente intelectuais está desaparecendo do cenário escolar. Não somos mais professores dentro das
salas de aula; agimos com um punhado de boas intenções, e efeitos nulos.
Dessas cinco tensões, em meu entendimento, derivarão cinco efeitos de fundo. Vejamos um a um:
1) Do ponto de vista dos profissionais, naturaliza-se uma alegação onipresente de desgaste ocupacional crônico.
A imensa maioria dos professores da educação declara ser vítima de estresse profissional, sem saída, sem solução.
Esse desgaste crônico do profissional deriva, a meu ver, da percepção de que a profissão recomeça sempre do
zero, a cada dia, a cada vez que o profissional entra na sala de aula – como se não pudéssemos mais contar com
os ritos institucionais do passado, nem próximo, nem distante.
2) Do ponto de vista da profissão, o efeito imediato é a alegação determinante e perigosa de que o campo profissional é regulamentado, tão somente, pela experiência prática de cada um, uma experiência da qual acabam
despontando docências múltiplas, infinitas, personalizadas, que não dialogam entre si. Uma dos problemas
fundamentais do meio pedagógico contemporâneo remete ao slogan tosco, pueril, de que a experiência prática
de cada um é seu tesouro maior, de que apenas ela ensina. Mas devemos então nos perguntar: O que somos nos
basta? Por isso, o necessário estranhamento da crítica. Essa idéia, de que a experiência prática é a mãe de todos
os saberes pedagógicos, tem uma contra-partida perigosa: a transferência das responsabilidades pedagógicas a
outros segmentos, especialmente aos profissionais parapedagógicos – se não de fato, ao menos como demanda.
É a eles que recorremos quando a experiência se cala. Onde a experiência termina, começa a deserção profissional. Temos no contexto escolar, atualmente, uma tecnologia bastante refinada do que poderíamos chamar de
intervenções parapedagógicas. Trata-se da atuação dos profissionais paramédicos: psicólogos, fonoaudiólogos,
psicopedagogos etc. que se alimentam e engordam suas contas bancárias com os restos que lhes atiramos, todos
os dias, para fora dos muros escolares. Aquilo que era motivo de honra profissional tornou-se objeto de despojo.
Aquilo que poderia representar o grande desafio da profissão foi, definitivamente, abandonado nas escolas: o
desafio humano representado por nossos alunos em situação de vulnerabilidade pedagógica, em particular os
ditos “problemáticos”, e sua potência de vida. Abrimos mão disso e relegamos os mistérios da profissão aos
profissionais parapedagógicos e suas invencionices estapafúrdias, que nada têm a ver com os mistérios da relação
professor-aluno.
3) O terceiro efeito, agora do ponto de vista propriamente educacional, é o advento generalizado da espontaneísmo e do vale-tudo pedagógicos. Ambos são resultado da idéia de que “a experiência prática assim mostrou”.
O curioso é que a experiência prática, individualizada, revela sempre as mesmas coisas para todos: “as famílias
não colaboram; há uma porção de alunos que não estão aptos para o trabalho pedagógico; que bom seria ter um
psicólogo de plantão em cada sala de aula; que bom seria trabalhar três meses por ano”, e daí por diante. Esses
chavões, em geral, têm a ver com apropriações indébitas de algumas palavras-de-ordem conceituais, geralmente
psicologizantes, sociologizantes, ou mesmo moralizantes, que apenas justificam o malogro escolar, jamais o sucesso. Este é invariavelmente pedagógico; o oposto, nunca.
4) Do ponto de vista político, assistimos a um efeito assustador que eu denominaria como escuridão escolar.
Refiro-me a um processo crescente de deslaicização do ensino. Existe hoje, nas escolas estatais, uma espécie de
seitalização das salas de aula. Em oposição ao apreço ao conhecimento acumulado, laico por excelência, surge
uma onda de catequização dos alunos. Ora, quando abandonamos a magnitude do conhecimento humano, só
nos resta nos apegar à idéia de crença no transcendental. Isso acarreta, no meu entendimento, a agonia da utopia
do ensino democrático para as massas. A idéia de democracia está em declínio pelas mãos da mesma geração
que, neste país, tanto lutou por ela. Portanto, o que está em questão aqui, fundamentalmente, é o atentado à
liberdade de pensamento e de ação de todos nós. Onde houver deslaicização do ensino, o que está em risco é a
liberdade de toda uma geração. E o preço por isso é alto demais.
5) Ainda, do ponto de vista ético, o efeito é o desapego, perigosíssimo por sinal, do cuidado e da proteção das
novas gerações. Não mais pensamos que um professor é responsável por cuidar e proteger integralmente seus
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alunos dos perigos do mundo. Assim, acabamos abandonando-os ao “deus dará”, aos chavões da propaganda, à
implacabilidade da cultura de massa. Os personagens televisivos, por exemplo, estão proibidos de entrar nas salas
de aula, porque são incompatíveis com Portinari, Carlos Gomes, Guimarães Rosa, Machado de Assis etc. E é
certo que, infelizmente, temos optado pela mediocridade intelectual de nossos alunos e, muitas vezes, pela nossa
própria. Ainda nos emocionamos com as idéias sofisticadas que nos foram legadas pelos antigos? Ou preferimos
a comodidade do presente?
Por fim, as quatro instâncias sociais fomentadoras desse estado de coisas:
1. Os empresários do ensino privado, entrincheirados nos bunkers pedagógicos dos bairros elegantes das capitais. Trata-se dos donos de cursinhos, das faculdades privadas, das escolas privadas etc. que torcem para a
derrocada do ensino público;
2. A mídia educativa mal-intencionada e seus comentadores toscos da realidade educacional brasileira;
3. Os especialistas parapedagógicos, detratores das crianças e jovens e sua infinita potência de vida;
4. Os gestores e profissionais inescrupulosos, sejam eles ingênuos ou cínicos; estejam eles nos gabinetes dos
ministérios ou nas secretarias de educação; ocupem eles os gabinetes de direção, de coordenação ou as salas de
aula – o que, em certo sentido, abrange todos e cada um de nós que aqui estamos, mesmo aqueles que ainda se
designam educadores. Todos nós estamos comprometidos, em alguma medida, com o abandono paulatino da
educação pública brasileira.
Ao final de nosso percurso, resta uma velha e recorrente questão: Qual a saída possível? Temo dizer que
não sei, que ninguém sabe. Mas ela está por se fazer, pedindo passagem.
Nesse sentido, um dos autores mais respeitáveis no campo educacional atualmente, o Prof. Alfredo Veiga
Neto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem um trecho, em um de seus livros, que eu gostaria de
compartilhar com vocês: “Se quisermos um mundo melhor teremos de inventá-lo, já sabendo de antemão que,
conforme vamos nos deslocando para ele, ele vai mudando de lugar”.
Essa me parece uma das sínteses mais sóbrias e geniais que ouvi nos últimos tempos. Temos de saber que,
quanto mais nos aproximamos da utopia que elegemos, mais ela muda de perspectiva. Impossível tomá-la nas
mãos. Por isso, essa possibilidade de pensar a vida criticamente, principalmente nas escolas, me parece a opção
mais serena, mais correta e mais justa em direção a uma vida boa.
Eu dizia, no início de meu trajeto aqui, que não iria oferecer consolo algum nessa breve hora que passaríamos juntos. Mas, para encerrar, eu gostaria de oferecer, sim, um consolo. Do velho Drummond, “Consolo na
praia”.
160
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Antes ainda, toda a minha gratidão por terem me ouvido com tanta atenção e paciência. Eis o poema.
Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado. Devias
precipitar-te − de vez − nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
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O Projeto Pedagógico como Expressão da Autonomia
na Escola
Francisco Aparecido Cordão
Conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Diretor-presidente da Consultoria Educacional Peabiru Ltda – Consultores Associados em Educação e Consultor Educacional do Departamento Nacional do SENAC
Primeiramente, quero deixar registrado que é um prazer muito grande estar aqui hoje, discutindo e debatendo com educadores paulistanos sobre o projeto pedagógico da escola, expressão de sua autonomia. Uma
das grandes, e na minha opinião a maior inovação da atual LDB, é que ela, ao tratar da organização da escola,
ela chega até a escola e o docente. A Lei no 9.394/96 trata a proposta ou o projeto pedagógico da escola como a
expressão da autonomia da escola. A escola é autônoma na medida em que consegue, efetivamente, trabalhar o
seu projeto pedagógico. E como é que a LDB trata desta questão referente à proposta ou ao projeto pedagógico
da escola? A LDB trata dessa matéria especialmente nos seus artigos 12, 13 e 14. Neste debate, nos deteremos
de modo especial nos artigos 12 e 13. Preparei algumas transparências para facilitar a minha apresentação. Se
vocês quiserem, depois, cópias destas transparências, basta encaminhar um e-mail para mim. O meu endereço
eletrônico é o mesmo endereço do meu escritório, que fica no no 820 da Rua Santa Cruz, na Vila Mariana,
aqui no Município de São Paulo. Então, o e-mail é [email protected]. É fácil de decorar, guardando na
memória, ao mesmo tempo o meu e-mail e o meu endereço comercial. Podem solicitar que eu as enviarei por
e-mail, imediatamente.
Vejamos, agora, qual é a primeira incumbência definida pela LDB para os estabelecimentos de ensino, em seu Artigo 12. De acordo com essa Lei, incumbe à escola, respeitadas as normas comuns, tais como as
Normas da própria Lei a as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação,
e as normas dos seus respectivos sistemas de ensino, o seguinte: Primeiramente, incumbe à escola elaborar e
executar a sua proposta pedagógica. Esta é uma grande inovação da atual LDB, pois, de acordo com a legislação
educacional anterior, o currículo, por exemplo, era todo ele praticamente pré-definido. A Lei no 5.692, que
implantou a reforma dos ensinos de primeiro e de segundo graus, só para ficar num exemplo, previa para o
atual ensino médio, o qual, à época, tinha caráter profissionalizante, um currículo escolar pré-definido e todo
compartimentado. A estrutura curricular do então segundo grau era toda dividida. Tinha 50% de componentes
curriculares da chamada educação geral e 50% de parte profissional, ou como era chamada, de parte especial
do currículo. A parte da educação geral, por sua vez, era dividida entre o núcleo comum e a parte diversificada,
sem falar dos componentes curriculares aí agregados pelo Artigo 7o da Lei. A parte da formação especial, de
natureza profissionalizante, incluía os mínimos profissionalizantes e uma parte diversificada ou instrumental à
educação profissional. Então, nestes termos, a escola tinha plena liberdade para organizar o seu currículo, desde
que o mesmo tivesse, na parte de educação geral, aquela que garantia a continuidade de estudos em níveis superiores de ensino, um núcleo comum e uma parte diversificada, para atender as necessidades locais ou regionais,
além dos componentes curriculares legalmente agregados, e contemplasse, ainda, na parte da formação especial,
os mínimos profissionalizantes e a parte diversificada ou instrumental à habilitação profissional técnica ou, ao
menos, no nível de auxiliar técnico. Isto quer dizer, a liberdade da escola era mínima, era quase nada. Com a
nova LDB, este panorama alterou-se profundamente. Agora, o Conselho Nacional de Educação já não tem mais
a competência de definir currículos mínimos para os diversos cursos, nos respectivos níveis e modalidades de
ensino. Não existe mais currículo mínimo para nenhum curso, nem para o ensino fundamental, nem para o
ensino médio, nem para a educação profissional, nem para educação superior. As competências dos Conselhos,
agora, estão voltadas para a definição de Diretrizes que orientem as Propostas Pedagógicas dos Estabelecimentos
de Ensino. No contexto deste novo ordenamento legal, no Conselho Nacional, quando começamos a discutir
as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os diversos níveis e modalidades de ensino, tivemos que vencer
uma tentação muito grande, que era, ao mesmo tempo, uma tentação nossa, do Conselho e de seus conselheiros, e uma tentação que vinha da cobrança das escolas, que insistiam na necessidade do Conselho Nacional de
Educação definir currículos mínimos. Eu sofri essa tentação quando estava elaborando e discutindo as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a educação profissional. A Professora Guiomar idem, quando estava tratando das
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio. Idem a Professora Regina de Assis em relação às Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e para a educação infantil. Nas audiências públicas
nacionais era comum ouvir: vocês vão deixar as escolas abandonadas à própria sorte? Normalmente, respondíamos que não, que nós estávamos definindo diretrizes e orientações. Enfatizávamos que agora a competência
pela definição curricular é da própria escola ou pelo menos das redes de escolas. Dizíamos que era importante
entender que a intenção da Lei era a de que o máximo pudesse ser definido no nível da escola e que a expressão
da autonomia da escola é o seu projeto pedagógico.
O artigo 13 da LDB trata das incumbências dos docentes. A primeira delas é, justamente, a de participar
da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino. É essencial essa participação do docente.
Projeto pedagógico como expressão de sua autonomia é incumbência da escola, mas não apenas dos seus dirigentes ou dos seus orientadores e técnicos. Ele deve contar, de modo muito especial, com a efetiva participação
dos docentes. Por isso mesmo, quando entra um docente novo na escola, a primeira providência a ser adotada
pelos dirigentes da escola é prestar a esse novato todas as informações disponíveis sobre o projeto pedagógico da
escola. É direito e dever de todo o docente que ingressa numa escola, conhecer perfeitamente o seu projeto pedagógico. Este é o primeiro nível de participação; mínimo, mas indispensável. É claro que se espera muito mais,
em termos de participação docente. A LDB exige uma participação mais efetiva dos docentes na concepção,
definição, elaboração, execução, avaliação e revisão da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, pois
o projeto pedagógico é a expressão da autonomia da escola na execução de seu ato educativo. Tanto é assim, que
a segunda incumbência dos docentes, tal qual prevista no Artigo 13 da LDB é a de elaborar e cumprir seu plano de trabalho segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, orientado pelo princípio de zelar
pela aprendizagem dos seus alunos, buscando, continuamente, estabelecer estratégias de recuperação daqueles
alunos de menor rendimento, para que todos aprendam e, ao aprender, aprendam a aprender, e tenham efetivas
condições de continuar aprendendo.
O Artigo 14 da LDB, ao definir os princípios orientadores da gestão democrática do ensino público na
educação básica, apresenta como princípio definidor de normas para essa gestão democrática do ensino público
o primeiro princípio da participação de todos os profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico
da escola.
Estas são as normas e diretrizes principais em termos de orientação quanto ao projeto pedagógico dos
estabelecimentos de ensino. É nessa mesma linha que as Organizações internacionais vinculadas à ONU, tanto
em relação à educação, como a UNESCO, quanto em relação ao trabalho, como a OIT, vem tratando a matéria, em termos de caracterização dos pilares da educação na sociedade do conhecimento. O século 21 está
sendo chamado de o século do conhecimento. Neste século presente, é o conhecimento que vai ser o grande
diferencia e o grande referencial para nações, empresas, organizações e pessoas, para distinguir entre os incluídos
e os excluídos. Em nossas escolas, já está passando da hora de darmos prioridade ao conhecimento, colocando
a informação curricular à serviço do desenvolvimento do conhecimento, pois estamos vivendo no século do
conhecimento.
O Relatório Jaques Delors, da Unesco, enfatiza que o conhecimento tem que ser tratado dentro de
quatro dimensões: a do aprender a conhecer, do aprender a fazer, do aprender a conviver e do aprender a ser.
Ao debater sobre essa orientação da Unesco à luz dos dispositivos normativos da LDB, por ocasião da definição
de Diretrizes Curriculares Nacionais para os diversos níveis e modalidades de ensino, no Conselho Nacional
de Educação, traduzimos essa orientação como significando promover o desenvolvimento de competências.
Aí caçamos uma briga com muitos educadores de boa cepa que entendiam o conceito de competência de maneira restrita, como se competência fosse sinônimo de habilidade. Essa redução de conceito não foi aceita pelo
Conselho Nacional de Educação. Desenvolver competência, para o Conselho Nacional de Educação, significa
desenvolver a capacidade do indivíduo de articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e
valores, isto é, os seus vários saberes, para resolver os desafios do dia-a-dia da vida do cidadão, da vida profissional, atendendo os requerimentos do dia-a-dia da vida pessoal, profissional e comunitária, os novos desafios, que
vão exigir respostas novas e criativas a cada dia.
163
Este entendimento é muito importante, pois nesta sociedade do conhecimento, na qual vivemos, é
impossível conhecer tudo. Ninguém conhece tudo, mas é importante que aquilo que a pessoa conhece possa
servir de alavanca para novos conhecimentos. Tanto os conhecimentos (dimensão do aprender a conhecer),
quanto as habilidades (dimensão do aprender a fazer) e as atitudes (dimensões valorativas do aprender a conviver e,sobretudo, do aprender a ser), devem servir de alavanca para o desenvolvimento de novos saberes a serem
desenvolvidos neste mundo do conhecimento. Essa mesma orientação foi assumida pela OIT – Organização Internacional do Trabalho. Eu tive a honra de participar dos debates conclusivos, no mês de junho do ano passado,
na Reunião Anual da OIT, a qual definiu e aprovou a Resolução OIT no 195, de 17 de junho de 2004, a qual
substituiu a antiga Resolução OIT no 150/1965 sobre orientação e formação Profissional. A nova Resolução Internacional da OIT enfatiza como orientação básica a promoção da aprendizagem permanente. É essencial que
as pessoas, na medida em que aprendem, elas aprendam a aprender. É óbvio, como diria o nosso saudoso mestre,
Prof. José Mário Pires Azanha, que para aprender a aprender, um bom começo é o ato de aprender. Ninguém
aprende a aprender senão aprendendo e é importante que aprendam. É importante que aprendam a conhecer, a
fazer, a conviver e a ser, ao longo da sua vida. Essa aprendizagem é o que mais se espera do tempo passado numa
escola. O que se espera é que as pessoas tenham condições de continuar desenvolvendo esta competência de
aprender e esta capacidade de articular, mobilizar, e colocar em ação seus conhecimentos, suas habilidades e seus
valores, para responder aos constantes desafios da vida pessoal, da vida cidadã e da vida profissional de maneira
original, criativa, eficiente, eficaz e efetiva. Compromissos que significam, em última instância, desenvolver uma
educação básica de boa qualidade. Quanto melhor for a educação básica, mais as pessoas terão condições de
articular e mobilizar os seus saberes para resolver os desafios da sua vida no dia-a-dia, tanto em termos de vida
cidadã, quanto de sua vida profissional, na sociedade do conhecimento. A OIT recomenda que governantes,
empregadores e trabalhadores se unam em torno de três objetivos essenciais, quais sejam o de garantir a educação
básica a todos os cidadãos, a formação profissional inicial a todos os trabalhadores e a aprendizagem permanente
como meta integradora.. Estes devem ser os grandes compromissos de governantes, empresários e trabalhadores
na busca do desenvolvimento profissional dos cidadãos.
E para trabalhar nesta perspectiva, quais são as orientações básicas da LDB? Para poder entender esta
mudança de ordem cultural proposta pela atual LDB, a qual foi longamente discutida no Congresso Nacional,
a partir da Constituição Federal de 1988. A LDB é de 1996, mas ela foi discutida desde 1988. Muita gente que
participou dos debates em torno dessa Lei, desde os idos de 1988 até a sua aprovação e promulgação no ano de
1996, comentou: Mas não era bem isso que eu esperava. A minha primeira reação em relação a esta atual LDB
foi a mesma que teve o mestre de todos nós, o Prof.Anísio Teixeira em relação à primeira LDB. Foi uma meiavitória, mas foi vitória. E para entender qual foi essa vitória, ainda que pela metade, precisamos entender quais
são as desculpas efetivas que a LDB está nos dando para promover a reforma de ensino que o Brasil exige, porque
nessa sociedade do conhecimento, ou nós melhoramos efetivamente a qualidade do nosso ensino na perspectiva
de desenvolvimento do conhecimento e do desenvolvimento de competência para articular, mobilizar e colocar
em ação conhecimentos, habilidades e valores, para respondermos aos desafios do dia a dia da vida do cidadão
trabalhador na sociedade do conhecimento, ou seremos excluídos do cenário internacional cada vez mais competitivo e exigente de qualidade.
Durante muito tempo se acreditou que a escola tinha por missão essencial informar. Na verdade, até
tinha mesmo uma missão importante, no sentido de bem informar os seus alunos e por extensão os seus familiares. Hoje, a informação está aí, cada vez mais democraticamente colocada à disposição de todos. Tudo o que
acontece nos quatro cantos desse planeta redondo a gente fica sabendo imediatamente, em tempo real. Eu sou
da época em que, para fundamentar minha pesquisa de mestrado sobre inovação em educação, necessitando
encontrar documentação internacional, para fazer um estudo comparativo, tive que escrever cartas para algumas
Universidades selecionadas, esperar que os responsáveis pelas bibliotecas e centros de documentação lessem as
minhas cartas, torcer para que tivessem boa vontade para atender à minha solicitação, enviando o material solicitado. Os que tiveram boa vontade, felizmente vários, acabaram enviando o material por navio, demorando
mais de 40 dias para chegar às minhas mãos. Isto porque tive muita sorte. Hoje a situação é bem outra. Quando
a gente precisa ter acesso a um texto de algum pesquisador da Europa, ou do América do Norte, ou da Ásia ou
da África, da Oceania ou do Caribe, de qualquer parte do mundo, basta ligar o computador e solicitar o texto
desejado a qualquer dos bancos de dados disponíveis, que você, imediatamente tem acesso ao texto desejado.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ainda mais. Reclamamos diante de qualquer demora. Basta demorar uns dez minutos que você já diz: como está
lento este meu computador. Isto porque estava demorando uns dez minutos. Nem nos lembramos mais daqueles quarenta dias de espera. Nos dias de hoje, temos acesso a todas as informações disponíveis praticamente em
tempo real. Caso você tenha uma assinatura de um desses provedores como Skipe ou outro similar, você pode
conversar diretamente sobre seus estudos e pesquisas com um pesquisador que lá da Europa ou em qualquer
outro País, praticamente em tempo real.
Por conta de tudo isso, podemos dizer que não corremos mais o risco de ser uma nação mal informada.
Qual é o risco, então ? Certamente não é mais o da falta de informações, pois esta falta está sendo suprida perfeitamente pelos meios de comunicação de massa e pela informática associada à telemática.O risco não é mais o de
ser mal informado, mas sim, o de ser muito bem informado, porém ignorante. O risco está em não saber o que
fazer com essa informação, em não ter condições de articular, mobilizar e colocar em ação, os conhecimentos,
as habilidades e os valores, para colocá-los em ação e responder, de maneira eficiente e eficaz, aos requerimentos
do dia a dia.
Agora, para conseguir isso, quais são as linhas mestras propostas pela LDB?
A primeira delas é justamente a do projeto pedagógico como expressão de autonomia da escola, com
efetiva participação dos docentes.
A segunda é a de que a educação escolar, de acordo com o artigo primeiro da LDB, deverá estar vinculada ao trabalho e à prática social do educando, assim contextualizada, para fazer sentido ao aluno. A escola tem
que organizar suas atividades de ensino de tal forma que faça sentido para o educando.
A terceira é a de que o currículo é meio para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, Não é
o essencial. Na lógica do currículo mínimo, ele até era considerado essencial. Vejam, por exemplo, a importância
que ainda hoje é dada aos Diários de Classe, que registram o conteúdo ensinado, o que nem sempre corresponde
ao conteúdo aprendido.A atual LDB valoriza mais o currículo aprendido que o currículo ensinado. Currículo é
meio para o desenvolvimento da capacidade de aprender, para a constituição de competências. Vejam o primeiro
artigo do capítulo referente ao ensino fundamental, aquele que trata do primeiro objetivo do ensino fundamental. Qual é esse objetivo ? É o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno
domínio da linguagem, da escrita e do cálculo. É claro que é importante o domínio da linguagem, da escrita e
do cálculo, mas é essencial que, ao aprender a ler, a escrever, a calcular, o aluno desenvolva sua capacidade de
aprender, para continuar aprendendo, num esforço contínuo de aprendizagem permanente.
O trabalho educacional é, necessariamente, multidisciplinar e interdisciplinar. É importante contar com
a participação de todos os docentes na concepção, elaboração, avaliação e execução do projeto pedagógico da
escola. Não dá mais para dizer:“Ah, eu sou professor de português, não me interessa o resto”. Interessa sim. Não
dá para falar:“Sou professor de história, o resto não me interessa”. Interessa sim. Isto vale para a geografia, a
matemática, enfim, todos. O trabalho é conjunto, é interdisciplinar.
O conhecimento não é estanque e as várias áreas do conhecimento mantêm permanente diálogo entre
si. É importante esse diálogo das várias áreas do conhecimento, pois o conhecimento é global, holístico.
Autonomia intelectual é outra linha mestra. É importante e essencial, como resultado do trabalho educativo, buscar o desenvolvimento da autonomia intelectual dos nossos alunos, tanto das nossas crianças, quanto
dos nossos adolescentes, dos nossos jovens e dos nossos adultos. Só assim eles, efetivamente, ao aprender, terão
condições de aprender a aprender. Para tanto, a escola deverá migrar de uma posição antiga, da escola entendida
como auditório da informação e passar a assumir o papel de laboratório da aprendizagem. Todas as informações, todo o conhecimento trabalhado no interior da escola terá que ser trabalhado em forma de laboratório
de aprendizagem. O professor organiza situações de ensino para melhor possibilitar a aprendizagem dos seus
alunos. O professor utiliza recursos de ensino adequados à melhor aprendizagem dos seus alunos. Ele não vai
usar computador simplesmente porque é um recurso mais modernoso; não vai usar vídeo porque está meio
165
cansado ou com preguiça de dar aula expositiva naquele dia. Vai usar um vídeo, quando o vídeo for o recurso
mais importante para tratar aquele assunto. Idem com o computador. Idem em relação a qualquer outro recurso
didático. Todas as atividades de ensino devem ser planejadas em situação de laboratório. A escola tem que se
tornar um laboratório de aprendizagem, e não se limitar à situação de simples auditório de informações, porque
são inúmeros os auditórios de informações colocados à disposição dos nossos alunos, vários até mais eficazes.
Todas as atividades de ensino devem ser avaliadas pelos resultados de aprendizagem. Se o aluno não aprendeu,
não significa que o professor não tenha dado aula, mas significa que esta aula foi ineficaz. Só tem sentido a
existência de escola, de professor, de Secretarias de Educação, de Conselhos de Educação e similares em função
da aprendizagem dos alunos. Todo o ambiente escolar só tem sentido em função da aprendizagem dos alunos.
Só tem sentido a aula, em função da aprendizagem dos alunos. Então, todas as atividades de ensino devem ser
avaliadas pelos resultados de aprendizagem. O objetivo da avaliação é verificar o grau de aprendizagem dos
alunos para planejar novas atividades de ensino, novas atividades de estudo com vistas a novos resultados de
aprendizagem, para, assim, possibilitar a progressão contínua do aluno. Esse assunto, aqui em São Paulo, foi
muito mal interpretado. Quando um parecer meu e do Prof. Nacim foi aprovado no Conselho Estadual da
Educação de São Paulo, enfatizando que o objetivo da avaliação não era o de reprovar o aluno e sim de possibilitar a sua progressão contínua, muita gente disse: “ah, então não é para reprovar mais, então não vamos mais
avaliar”. Essa atitude equivocada vem provocando grande bagunça no sistema de avaliação da aprendizagem.
Mas, pergunto eu: Quem disse que não é para avaliar? Estou dizendo que o objetivo da avaliação não é o de
reprovar. A avaliação não é um substitutivo da palmatória. A avaliação não é instrumento de pressão à mais
na mão do professor. A avaliação é um valioso instrumento de verificação daquilo que o aluno aprendeu, para
possibilitar um re-planejamento das atividades de ensino, para definição de programas de estudos, objetivando
novas aprendizagens. A avaliação é um instrumento útil para medir o desenvolvimento efetivo dos alunos no
processo de aprendizagem.
É oportuno registrar alguns motes constantes ao longo de todo o texto, na redação da atual LDB, que
aparecem em vários artigos da Lei. Se vocês forem lendo a LDB e anotando o que sempre aparece, irão verificar
a freqüência de alguns motes, tais como: desenvolver a capacidade de aprendizagem; constituição de competências; aprender e aprender a aprender, para continuar aprendendo; crescentes graus de autonomia intelectual;
educação para a cidadania, o que implica em desenvolvimento do pensamento crítico, autônomo; vínculo com
o mundo do trabalho e a prática social do cidadão; preparo do cidadão para ver o mundo com perspicácia e
nele atuar; compromissos éticos da nova escola e dos seus docentes, quais sejam : resultados de aprendizagem,
constituição e desenvolvimento de competências para a cidadania e para o trabalho.
Analisem, de maneira especial, o conteúdo dos artigos 12 e 13 da LDB, o primeiro tratando das incumbências das escolas, e o segundo tratando das incumbências dos docentes e de sua ação educacional.
Primeira incumbência da escola: elaborar e executar a sua proposta pedagógica. A proposta pedagógica e a expressão da autonomia da escola.
Administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros. É interessante que a LDB não coloca isto
como competência do diretor da escola. È competência da própria escola. Vocês verão esta orientação lendo mais
atentamente outros artigos da LDB, que tratam da questão de “administrar o seu pessoal”, não é apenas no sentido de tomar conta da folha de pagamento, de faltas, presenças, etc, mas no sentido de, essencialmente, propiciar
o desenvolvimento pessoal e profissional da sua equipe de trabalho, da equipe de trabalho da escola, dos educadores da escola, e quando registra educadores da escola, significa todos os funcionários da escola, o professor,
o diretor, os assistentes, os bedéis ou sei lá quem mais, o quadro de apoio, pois todos participam daquilo que a
UNESCO já caracterizou muito bem em 1975 no relatório que ficou conhecido pelo título “Aprender a Ser”,
redigido pelo educador francês Edgar Faure - Comunidade Educativa. A escola tem que ser uma comunidade
educativa.
Assegurar o cumprimento dos dias letivos e das horas aulas, mas com que orientação ? Zelando pelo
cumprimento do plano de trabalho docente. Percebam que a LDB utiliza a expressão plano de trabalho do docente. Não é utilizado mais a expressão plano de ensino. É claro que o professor ensina, mas o plano de trabalho
do docente inclui uma série de atividades, inclusive as atividades de ensino.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento escolar. Compete ao professor decidir
as estratégias de ensino para obter os melhores resultados de aprendizagem. Mas compete à escola prover meios
para que estas estratégias sejam executadas e assim produzam seus efeitos. Interessante é que primeiro aparece a
questão da recuperação dos alunos de menor rendimento e a outra face da mesma moeda, enriquecimento curricular dos alunos de maior rendimento. Isto até parece o título daquele filme chinês “nenhum a menos”. A escola
tem que ter esta preocupação,de buscar atingir a meta do nenhum a menos. Na escola, o professor deve ficar
triste quando um aluno não consegue assimilar a matéria e, pos isso mesmo, tem que buscar alternativa para que
ele aprenda, buscar apoio da sua comunidade escolar para que ele aprenda. O objetivo da escola é desenvolver a
capacidade de aprendizagem dos alunos, para isso ele precisa, ao aprender, aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser.
Articular-se com as famílias e a comunidade criando processos de integração da sociedade com a escola
– é muito importante isso, até para que a escola tenha melhores condições de contextualizar o seu currículo e
vincular a sua atividade escolar à prática social do cidadão e ao mundo do trabalho.
Informar pais e responsáveis sobre a freqüência do rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua
proposta pedagógica. É direito do pai, do responsável, conhecer a proposta pedagógica da escola e cobrar a sua
execução Isto é muito importante.
Quanto às incumbências dos docentes - olha que interessante, a primeira incumbência dos docentes que
aparece na LDB não é dar aula, é participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento. A segunda também não é dar aula, é elaborar e cumprir o seu plano de trabalho segundo a proposta pedagógica do estabelecimento. Se a proposta pedagógica é a expressão da autonomia da escola, o projeto pedagógico do docente
tem de estar vinculado à proposta pedagógica da escola. Ele não é simplesmente professor de matemática, é
professor de matemática da Escola Municipal X, da Escola Estadual Y. Ele é professor de uma determinada escola, contextualizada, que tem aquela equipe de docentes, aquela equipe de educadores, aquela clientela. Quando
falo em clientela da escola, não estou falando apenas de alunos, estou falando dos pais, dos responsáveis. Estou
falando, sobretudo, na sociedade que se beneficia do trabalho educativo da escola.
Zelar pela aprendizagem dos alunos – todo mundo sabe o que é que é cuidar com zelo de alguma coisa
- zelar pela aprendizagem dos alunos. Antes de aparecer a incumbência de dar aula, aparece a incumbência de
estabelecer estratégias de recuperação dos alunos de menor rendimento escolar. Esta é uma das dimensões do
zelo pela aprendizagem dos alunos. Compete à escola dar condições para que as estratégias definidas pelos professores sejam cumpridas, mas compete aos professores definir e estabelecer estratégias de recuperação dos alunos
de menor rendimento, quer dizer, nenhum a menos. Só depois disso é que aparece, na LDB, a incumbência dar
aula. Se você está imbuído desse zelo pela aprendizagem dos alunos, preocupado, definindo estratégias para que
todos efetivamente acompanhem o desenvolvimento do processo de ensino, conseguindo resultados adequados
de aprendizagem, aí sim, aí vale a pena dar aula.
Então aparece a incumbência ministrar os dias letivos e as horas aulas estabelecidas. Mais duas outras
incumbências ainda aparecem. Participar integralmente dos períodos dedicados a planejamento e avaliação do
projeto pedagógico da escola, bem como participar de alternativas de desenvolvimento pessoal e profissional
promovidos pela escola. A LDB considera essencial que a escola promova o desenvolvimento pessoal e profissional de sua equipe de trabalho.
Colaborar com as atividades de articulação da escola com a comunidade é outra das atribuições dos
docentes apontadas pela LDB, dentro dessa política de zelo pela efetiva aprendizagem dos alunos.
Alguns dos princípios norteadores das ações pedagógicas na educação básica, que estão por trás de todas as diretrizes curriculares nacionais que foram definidas pelo Conselho Nacional de Educação para a Educação Infantil,
o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Educação Profissional etc. São três conjuntos de princípios. Os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum. Os princípios
políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Os
princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
Antes de vir para esta sala, eu estava assistindo, no Plenário, a uma apresentação da orquestra sinfônica do CEU
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de Perus. Fantástico, dentro dessa perspectiva do desenvolvimento dos princípios estéticos da sensibilidade. Tenho certeza de que outras alternativas podem ser desenvolvidas e estão sendo desenvolvidas por esse município,
estado e país afora ou adentro.
A missão essencial da escola não é a de transmitir a informação cada vez mais disponibilizada, cada vez
mais democraticamente disponibilizada, ainda que não tão democrática assim, mas cada vez mais democraticamente disponibilizada. A missão essencial do professor, não é de simplesmente dar aula, é importante que ele
dê aula, mas a sua missão essencial é a de conduzir os seus alunos nas trilhas da aprendizagem, para isso é que
ele dá aula. A aula é meio, a aula é ferramenta que o professor utiliza para conduzir os seus alunos nas trilhas da
aprendizagem.
Escolas e professores só se justificam pelos resultados de aprendizagem dos seus alunos, e pelas competências profissionais desenvolvidas pelos seus alunos.
O currículo escolar é meio essencial para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem de seus alunos e
para constituição de competências profissionais, entendidas como essa capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e valores, para responder os desafios do dia-a-dia da vida pessoal e da
vida profissional, de maneira eficiente e eficaz, atendendo aos requerimentos da vida pessoal e profissional, que
exige, sempre, respostas originais.
O conhecimento é individual e exige um esforço intencional para aprender e, ao aprender, aprender a
aprender e aprender a pensar. Só assim ele terá autonomia intelectual, só assim ele terá condições de desenvolver
o pensamento crítico autônomo, só assim ele terá condições de ver o mundo com perspicácia e orientar a sua
ação. Isto quer dizer que o conhecimento, portanto, é cooperativo e quem sabe efetivamente têm condições de
colocar em ação o seu conhecimento, que é social e se não é partilhado ele não serve para nada. O conhecimento, portanto, é pessoal e social, no sentido de partilha, onde não basta aprender a conhecer e aprender a fazer,
mas é preciso aprender a conviver como condição para aprender a ser. O objetivo que nós devemos buscar nesse
planejamento pedagógico que é a expressão da autonomia da escola é o do desenvolvimento da competência,
como capacidade individual e partilhada, de mobilizar, articular e colocar em ação os valores, as habilidades, as
atitudes e os conhecimentos para responder aos novos desafios profissionais e aos novos desafios da nossa vida
diária, de maneira original e criativa.
E para concluir esta minha apresentação, trago um pensamento de Jean Piaget. A mesa anterior concluiu com Drummond e eu vou concluir com Piaget. “O principal objetivo da educação é criar homens capazes
de fazer novas coisas, não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram, homens criativos, inventivos e
descobridores.O segundo objetivo da educação é formar mentes que possam ser críticas, que possam verificar e
não aceitar o que lhes é oferecido. O maior perigo hoje é o dos slogans das opiniões coletivas, das tendências de
pensamentos. Temos que estar aptos a resistir individualmente, a criticar, a distinguir entre o que está aprovado e
o que não está. Portanto precisamos de discípulos ativos que aprendem cedo a encontrar as coisas por si mesmos
em parte por sua atividade espontânea e em parte pelo material que preparamos para eles (pelas nossas aulas,
etc), que aprendam cedo a dizer o que é verificável ou o que é simplesmente a primeira idéia que lhes veio.
Obrigado e bom trabalho a todos.
168
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Gestão Escolar
Ilona Becskeházy
Diretora Executiva da Fundação LEMANN
As escolas de pedagogia, de licenciatura de psicologia sabem muito bem educar a classe média, agora
não estamos conseguindo educar o aluno de classes sociais mais baixas. Esse estudante de baixa renda tem mais
dificuldades. A escola e os professores, na maioria das vezes, são a única fonte de conhecimento deles. Este é um
dos desafios que temos que vencer no Brasil.
A Legislação brasileira é brilhante, moderna, atual e a base de tudo, mas infelizmente não cumprimos a
lei. Os resultados do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) no Brasil são algo assustador,
o retrato do caos. O Brasil investe em torno de R$ 40 milhões em educação, mas investe mal. O nível de adequação é na média menor do que 10%. Como é que nós colocamos os sistemas estaduais, municipais e federal
para funcionar e menos de 10% dos alunos aprendem o que deveriam? A boa notícia é que só temos espaço para
melhorar porque pior que isso é muito difícil. Ver por essa vertente mostra que já estamos olhando para uma
perspectiva positiva.
Outros países competem pelos empregos que queremos ter. Se queremos crescer economicamente, ter
ascensão econômica e desenvolvimento precisamos de uma educação de qualidade. Os outros países estão competindo com os nossos empregos. Olhem a Coréia! O país pulou do 7o lugar no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, no qual participam mais de 40 países) para o 2o, em três anos. Eles estão querendo os nossos empregos. Precisamos parar para pensar e tomar decisões pragmáticas. Nós estamos no fundo
do poço com um problema muito grave. Em geral, as primeiras soluções são de grande impacto e muito simples
e eu vou provar para vocês, porque temos uma experiência positiva num projeto nosso.
Então, não é ideológico, temos países capitalistas, socialistas, no meio do caminho e todos estão preocupados. Esqueçam a ideologia, porque não é este o problema. Quem gosta de povo ignorante é político corrupto,
não é elite, esqueçam isso. Não tem elite com uma teoria conspiratória querendo acabar com a educação do povo
brasileiro. Não tem nada disso. Para a elite interessa sim, lógico, desenvolver o país. Quem gosta de ignorante,
repito, é político corrupto, quem quer manipular a massa, mas isso não é elite.
Olhem bem a diferença, acho importante. O Brasil está em último, enfim, ganhou uma posição porque
o México conseguiu ficar atrás, no exame do PISA. O legal do PISA é que a cada ano – a avaliação é feita a cada
três -- existem mais países se juntando, então se forma um observatório de qualidade importantíssimo para poder
ver o que está se fazendo e identificar o que nós podíamos fazer também para melhorar a qualidade do ensino.
Por que o Brasil está numa posição tão atrasada em relação a educação? Primeiro o investimento per
capita é baixo. Gastamos mais com ensino superior do que com o básico. Porque o sistema de gestão das secretarias, das escolas é antiquado. A maioria dos diretores de escolas pelo Brasil afora, exceto São Paulo, é escolhido
pelo político local. Como é que vocês querem que a escola funcione se o político aponta o diretor, e até mesmo
os professores são indicados muitas vezes? Fica muito difícil. A clientela, ou seja, os alunos não têm condição.
Para os pequenininhos – de 1a a 4a séries – fica ainda mais difícil. Os pais de alunos, não têm noção do que é
educação de qualidade, em alguns casos nem tiveram a oportunidade de freqüentar a escola. Como é que vão
cobrar? Basicamente, o que identificamos depois de meio milhão de vezes são estes três problemas.
O investimento é baixo, como já falei. Compare com outros países, como Chile e Argentina. Gastamos
menor per capita, do que nossos vizinhos, menores e mais pobres do que nós. Olhem o que gastamos de ensino
superior! Nós subsidiamos a educação da classe média em detrimento do investimento do aluno pobre. O ensino
público é gratuito, nós doamos o dinheiro e educação de alta qualidade para a classe média, enquanto não temos
dinheiro para colocar os alunos pobres na escola, com material didático dentro da sala de aula, o que precisa para
educar. É uma opção política que fizemos há muito tempo e que não queremos sair dela.
169
Outra coisa, o sistema, todo processo de educação é ineficaz e ineficiente. Como é que temos essa quantidade de distorções nas séries? Isso aqui é o grito da má qualidade. O aluno não pode ter 3, 4, 5 anos de distorção, isto acaba, mina qualquer processo educativo. Só para ilustrar o que eu disse em relação aos pais: estimamos
que apenas 6% dos pais dos alunos no ensino básico tenham ensino superior. Provavelmente os filhos deles estão
estudando em escolas particulares, em escolas boas.
Então os pais dos alunos com os quais os senhores se relacionam, não conseguem fazer o mesmo que um
aluno de classe média faz. Ele ajuda em casa nas tarefas, a responsabilidade é 100% da escola, é muito peso, é
um fardo que tem que ser carregado ou o Brasil não vai se desenvolver.
Eu só fiz um resumo aqui de tudo o que falei, para mostrar para vocês a estratégia da nossa Fundação.
Escolhemos três linhas de trabalho: a gestão da aprendizagem, a gestão administrativa e o controle social. O que
a Fundação Lemann faz? Na gestão de aprendizagem fizemos a opção de apoiar os diretores de escolas públicas.
Nós temos hoje, tanto no treinamento, na formação de novos líderes, o estímulo e a variação de desempenho dos
alunos e seu uso qualificado. Nós temos dois “produtos”, digamos assim: o curso Gestão para o Sucesso Escolar,
que já está em sua 2a edição, e o Formação do Gestor Escolar.
O Gestão para o Sucesso Escolar é um curso à distância para diretores de escolas públicas. O Formação do Gestor Escolar é um curso presencial, espécie de um MBA em gestão escolar. É um curso totalmente
inovador para formar um gerente, digamos assim, de escola. Como gerenciar pessoas, como auto-gerenciar o
desenvolvimento pessoal. Temos atualmente duas turmas em Fortaleza e pretendemos expandir para o resto do
Brasil para aqueles diretores de escolas públicas que quiserem se desenvolver.
Na parte de gestão administrativa temos uma parceria com o CONSED (Conselho Nacional de Secretário de Educação) eles estão fazendo uma série de estudos sobre a gestão administrativa das secretarias estaduais,
que é o organismo que se reflete nas secretarias municipais, e nós estamos atuando como patrocinadores.
O controle social é fundamental hoje no Brasil. Tenho conversado com bastante gente, sociedade brasileira, formadores de opinião, a tal da elite. Não dá. O Brasil terá que melhorar a qualidade do seu ensino. Então,
está começando a haver uma preocupação generalizada com relação a isto. Na Fundação Lemann nós estamos
fazendo alguns estudos de caso sobre a gestão da escola pública. São nossos parceiros escolas renomadas, como a
Fundação Getulio Vargas (FGV), daqui de São Paulo, e o Ibmec. Também criamos um prêmio para jornalistas:
o Prêmio IGE de Jornalismo. Essa iniciativa tem um site que reúne vários materiais sobre Educação. O objetivo
é disponibilizar uma ferramenta para que estes profissionais informem-se mais sobre o tema antes de escrever
suas matérias. Dessa forma poderão ajudar a sociedade a promover o desenvolvimento da qualidade de ensino.
O endereço do site para quem quiser acessar é: www.premioigedejornalismo.org.br.
O que é, então, a gestão de processo escolar? É a tal da boa notícia que eu vim trazer aqui. Com muita
simplicidade conseguimos um excelente resultado no ano letivo. Qual era a hipótese que tínhamos? Se ajudarmos o diretor a ser um melhor gestor, teremos impacto no rendimento dos alunos, que é o que o professor acabou de dizer aqui: Não há escolas se não para o rendimento dos alunos. Não pode haver! Inclusive eu quero fazer
um parênteses. Nos Estados Unidos há uma lei há 4 ou 5 anos chamada “Nenhuma criança deixada para trás”.
A base dessa legislação é uma legislação federal dos estados. Quando essa lei foi enfim outorgada foi a maior
gritaria, a maior choradeira. Todo mundo chiou e o pessoal da educação também, mas é o seguinte: as escolas
que têm os maiores desafios, os alunos mais pobres e os piores indicadores recebem dinheiro extra durante uns
3 ou 4 anos. Se elas não melhorem, são fechadas. A escola não pode existir se não for para educar os alunos.
O curso Gestão para o Sucesso Escolar dura 9 meses com 320 horas de atividades. Então o que fizemos
neste projeto? Tínhamos essa premissa, se ajudarmos o diretor em um ano letivo teremos o resultado. O curso é
feito à distância, e estimula o cursista a assumir um papel de gestor pedagógico, de ser o maestro da suas escola.
Eu sei que é difícil ser maestro de uma equipe que muda todo ano. Para minimizar este problema, toda vez que
fazemos esse curso assinamos com as secretarias um termo de compromisso, que garante que o diretor e a equipe
permaneçam no mínimo aquele ano inteiro na escola. Fomos visitar algumas escolas na Argentina com os dire170
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
tores premiados na 1a edição do GSE e descobrimos que lá as equipes ficam 20 anos nas escolas. A escola é da
comunidade. Sabe por quê? Porque todo mundo está envolvido. Mudar todo ano a equipe vai contra a qualidade
de ensino. Como é que se dirige uma escola sem saber o que seus alunos sabem ou não sabem? É impossível. A
avaliação não é para punir, mas para crescer!
Parceiro Ideal
Não é em toda secretaria que a gente consegue fazer esse projeto. Tem que ter vontade política, reconhecer a importância da gestão, valorizar o diretor e já tem que estar realizando a avaliação dos alunos ou passar
a investir nisso, senão não dá para fazer o projeto. Bom, tínhamos a hipótese de que iríamos ter impacto no
desempenho dos alunos, com o curso a distância temos controle total da participação dos bolsistas: quem entrou e não entrou na ferramenta, quanto tempo ficou etc. Então sabemos do rendimento exato, de quem está
realmente engajado. No final fazemos uma avaliação para saber qual foi o impacto do projeto na escola.
O que foi que conseguimos na 1a edição em São Paulo e Santa Catarina? Em São Paulo atuamos no interior do estado, escolas municipais, e em Santa Catarina fizemos uma parceria com a secretaria estadual. Eram
100 mil alunos, um ano letivo e na média a prova de compreensão de texto melhorou. Ao final da primeira
edição do GSE, nas escolas de São Paulo e Santa Catarina, a nota média em língua portuguesa dos alunos de 4a
série aumentou 18%. Foram avaliados pelo Gestão, no fim e no início do ano letivo,16.739 que aumentaram as
notas de 24,2 para 28,6, em um total de 40 pontos. Nas 8as séries o ganho foi de 13%, com a média atingindo
29.7 pontos. Foram provas aplicadas com todo rigor técnico, com aplicadores externos, pré-testes, passou-se
por todas as etapas, todos os check lists de técnica. Queríamos saber se estava correto o que estávamos fazendo.
Então a boa notícia é que, não demos um tostão para as escolas, apenas mobilização.
Vou mostrar para vocês rapidamente o currículo. Não tem mágica, é algo simples, é o básico e muito trabalho. Então vou contar para vocês o segredo: primeiro ponto mobilização da equipe escolar e da comunidade.
O curso foi projetado de uma forma muito leve, os textos são muito interessantes, todo mundo que participou
gostou muito, as pessoas para quem mostramos o conteúdo do curso, ficaram muito interessadas.
Então, a primeira coisa, parte-se dos indicadores daquela escola, internos e externos. Toda escola tem os
dados do seu senso mínimo e no caso dessas turmas de secretaria municipal de avaliação externa tem o boletim
da escola. Uma coisa que me assusta muito quando eu vejo avaliações externas, é que elas custam uma fortuna,
elas são feitas e a escola não recebe o seu boletim e quando recebe, o diretor tem acesso, mas não divide com a
equipe. Para que serve uma avaliação se não for para melhorar? E a equipe tem que ter conhecimento da avaliação, senão não consegue fazer o seu plano de trabalho e definir metas com base nos indicadores, além das áreas
de atuação prioritárias. Foi o que essas escolas fizeram. Óbvio que o problema delas, em muitos casos, era de que
os alunos não sabiam ler nem escrever direito. É sempre o mesmo problema. No fundo do poço que estamos, o
aluno está saindo da 8a série sem saber escrever direito. Esquece a 4a. Então todas as escolas trabalhavam com a
direção de fazer com que os seus alunos lessem mais, basicamente.
Utilizaram os indicadores para estabelecer o plano de ação da escola, identificaram fatores facilitadores
para mudança e pontos críticos a serem combatidos. Na ferramenta tem uma série de textos dos autores mais
atuais, uma biblioteca eletrônica, e quando você quer aprofundar o conhecimento naquele tema específico, está
tudo lá na biblioteca, é só puxar e imprimir.
Propor ações de desenvolvimento das habilidades refletidas nas comunidades, depois esses outros módulos, qualidade da escola, tempo, espaço físico, tinha escola de todo tipo, super-arrumada, bagunçada, suja
etc. O espaço da escola pedagógica tem que aderir, é lógico que as coisas acontecem na sala de aula, mas aquele
ambiente agradável para o aluno faz toda a diferença. Inclusive nós demos um presente, um livro registrado pelo
CEDAC para todos os diretores, que é brilhante mesmo, não sei se vocês já viram, é um livro que é o manual
do diretor. O CEDAC que fez, é um manual, como deixar sua escola mais bonita, qual a participação de todos.
É obvio que é obrigação do estado dar o básico, mas aquela caprichada extra, cabe a equipe da escola.
171
Desenvolvimento da comunidade do trabalho voluntário, construção de parcerias
Meu tempo está acabando, mas deixa eu fazer um comentário pessoal sobre o desenvolvimento de trabalho voluntário. Eu concordo com a palestra anterior, na qual o Professor da USP disse que todo mundo se
mete, todo mundo tem coisas para dizer na escola. Isso é um pouco demais realmente. Virou moda... amigos na
escola todo muito quer dar palpite na escola. Não dá e cabe ao diretor pegar o que é bom e agradecer, mas dizer
não obrigada ao que não é bom para a escola. É importante trabalhar com a comunidade, é importante trabalhar
com o voluntário, mas é para agregar, para dividir. Já temos problema demais.
E construção de parceria com soluções simples. Por exemplo, uma das escolas que, passaram pelo curso
na primeira edição, o que eles perceberam? Que nossos alunos não conhecem todos os tipos de leitura, não conhecem...
[pausa na gravação]
...enfim, com aquilo a escola conseguiu que os alunos, numa escola municipal de 1a a 4a série, tivessem acesso ao
jornal, que era o tipo de texto que eles não estavam acostumados a trabalhar. Parceria é isso, enquanto se agrega
para escola e não é tão difícil de conseguir.
Aprofundar o conhecimento sobre a avaliação, reflexão e aperfeiçoamento das ações implementadas e
planejar um bom futuro.
Rapidamente não fizemos algumas modificações para a 2a edição. Esse é o impacto que a gente teve até
agora. A 1a edição mais ou menos 100 mil alunos e a 2a um pouquinho mais de 140 mil nos estados do Ceará
e Tocantins... Estamos nestes estados, abrangendo muitos municípios e isso só é possível pela maravilha que é a
educação à distância. A educação à distância principalmente nos níveis das crianças pequenas, ela não substitui
obviamente a presencial, mas para esse nível de uma pós-graduação, de um curso de aperfeiçoamento, fizemos
esta opção clara, porque não queríamos tirar ninguém de dentro da escola. O diretor acessa o curso no seu ambiente de trabalho, sem tem que se ausentar, não perde tempo com o deslocamento, não tem diária, não tem
nada, é um curso para fazer funcionar!
Obrigada.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Administração Escolar: Desafios do Cotidiano
Zacarias Pereira Borges
Professor Doutor do Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais da Faculdade de Educação da UNICAMP
Muito se tem escrito sobre a diferenciação entre administração ou gestão, atribuindo cunho tecnicista
à administração e democrático à gestão. Também sobre as formas de provimento dos cargos na administração
escolar, especificamente de diretores de escola, muitas vezes concluindo pela eleição como mais adequada, quase que desqualificando as demais formas, inclusive a via do concurso público. É certo que não se pode atestar
como perfeito o mecanismo do puro concurso, mas também não se pode deixar de considerá-lo como um meio
eficaz de se afastar do clientelismo, do nepotismo e do coronelismo. Não é o propósito aqui discutir estas duas
questões: a primeira levaria a uma discussão terminológica inoportuna neste momento e a segunda a considerar
igualmente necessária a participação dos pais e alunos na escolha de professores e demais funcionários. Assim
opta-se pelos termos administração e administradores para se referir ao trabalho e àqueles que o exercem na escola, sejam os diretores, supervisores, coordenadores pedagógicos, antes chamados especialistas, agora suporte
pedagógico.
O século XXI teve seu início num cenário político e social definido: idéias neoliberais adotadas apesar
da oposição das esquerdas, que passam, então, a defender o welfare state e seus derivados; a globalização numa
escala de realidade irreversível, bem como o aumento do fosso entre ricos e pobres. A escola pública, bem como
todo o sistema educacional, sofre diretamente o reflexo desse quadro: deixa de ser aquela escola risonha e franca
das antigas elites, com a chegada dos antes dela excluídos, mas não consegue corresponder às expectativas da
classe trabalhadora e ainda perde as elites que agora optam pelas instituições privadas.
Assim, o trabalho desenvolvido, o serviço prestado pela escola pública, precisa ser repensado, e isto à luz
dos ares democráticos que voltam, se bem que à custa da derrota das classes populares (ANDERSON, 1988). Mazelas sociais como pobreza, fome, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, endemias e epidemias,
insuficiência de saneamento básico, drogas, são, entre inúmeros outros, temas presentes no currículo escolar,
exigindo que o professor seja, mais do que nunca, um educador inserido na comunidade, desenvolvendo o trabalho de sala de aula de forma política, fazendo e ensinando opções com competência para ensinar, reavaliando
o seu poder de aprovar ou reprovar.
Para criar condições de trabalho aos professores e para personalizar a escola uma equipe se forma, tendo
no topo o que se convencionou chamar de diretor e auxiliares denominados coordenadores pedagógicos, professores-coordenadores, orientadores pedagógicos, e alguns outros. A legislação brasileira exige que estes sejam formados
nos cursos de pedagogia ou em nível de pós-graduação, bem como tenham experiência docente mínima de
dois anos, podendo os sistemas optar por tempo maior. Do ponto de vista formal a escola está montada: Diretor (e vice, ou assistente), Coordenador Pedagógico, Professores-coordenadores, Professores e Alunos, tendo
como auxiliares viabilizadores os funcionários: Serventes, Vigilantes, Escriturários e Secretário, além de ‘Seguranças’. Associações de pais e professores, caixas escolares, são implantadas para auxiliar a escola a desenvolver
convenientemente o seu trabalho. Os alunos criam o grêmio estudantil, como forma de representação política
e também podem participar da formulação do projeto pedagógico da escola. Por outro lado a administração
da escola conta com o conselho de escola, que deve ser consultivo, normativo e deliberativo atuando assim na
determinação das diretrizes administrativas e pedagógicas da unidade e tendo como integrantes pais, alunos,
professores, funcionários e especialistas da unidade. Prevê a legislação que à escola seja progressivamente concedida autonomia. Melhor seria que essa autonomia fosse conquistada pela escola, por meio de sua competência
demonstrada junto à população usuária.
Há algo a ser feito, para que a escola cumpra o seu papel, realize o seu trabalho, preste o seu serviço à
população. Aqui está o exercício da administração: planejamento, organização, comando, coordenação e controle,
que não eliminam democracia, pelo contrário, podem assegurá-la, se utilizados em função de seus objetivos.
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Democratizar não significa garantir que cada uma faça o que quiser, mas que todos (professores, alunos, pais)
tenham os seus direitos garantidos, e possam também cumprir os seus deveres para consigo mesmo e para com a
sociedade. Também não é necessário que haja planejadores de tarefas que serão executadas por outros, mas deve
haver momentos em que todos planejam as atividades que serão co-responsabilizadas. A administração escolar
deixa de ser atividade-meio para ser atividade-fim, porque ela se inicia e termina na e para a sala de aula. Alguns
pontos serão destacados como fundamentais a uma administração escolar democrática, democratizadora, comprometida com a transformação da sociedade, porém capaz de trabalhar com a realidade, mesmo que adversa.
A administração escolar exige preparo
Já foram explicitadas as exigências legais quanto ao preparo do administrador escolar. O que se quer
ressaltar aqui é que os que vão se incumbir da tarefa de administrar a escola precisam de uma sólida formação
para realmente estarem gabaritados ao enfrentamento dos problemas cotidianos, sem perder de vista a visão
educacional maior. O comando geral exige liderança junto aos colegas professores, compreensão dos objetivos
gerais e específicos da escola, do projeto pedagógico, capacidade para prever e solucionar problemas, conhecimento de finanças públicas e domínio da legislação pertinente. Há os que atribuem as habilidades de governância aos que nasceram para isso, como também aqueles que acreditam nos dons especiais, no carisma. Preferimos
a linha do preparo, acreditando ser possível aos que desejam se dedicar à governância que se qualifiquem para
isso, aproveitando, é claro, suas preferências e habilidades pessoais. A falta de preparação técnica do administrador
educacional pode prejudicar seriamente sua função política e comprometer os interesses e aspirações dos professores, estudantes e funcionários (SANDER, 1984). Portanto, estudos de psicologia, especialmente psicologia infantil e da
adolescência, possibilitando o conhecimento do alunado, estudos de sociologia, buscando entender a sociedade
com vistas à comunidade escolar, visão conceitual das disciplinas ministradas nos mais diversos cursos e séries da
escola, entendendo assim todo o currículo, condições para análises estatísticas, são imprescindíveis aos administradores escolares. Além de uma visão ampliada da educação e do ensino é necessária uma visão organizacional
aguçada, pois a escola é um sub-sistema do sistema escolar, que, por sua vez é um sub-sistema do sistema educacional e assim sucessivamente. Nesse contexto surgem as relações verticais e horizontais que complexificam a
unidade escolar. Disso resulta a necessidade de uma sólida formação profissional inicial, que se completará com
uma profícua formação continuada, que incorporará as inovações e o desenvolvimento tecnológico. Portanto,
afirmamos que o administrador escolar é um professor devidamente preparado, instrumentado, ou seja, qualificado para a administração escolar, quer para a direção da unidade, quer para a coordenação pedagógica ou
supervisão.
É necessário ter o foco na tarefa
Em que sociedade se atua? Onde se quer chegar? O que é necessário fazer, comprar, modificar? Onde é necessária
uma atuação mais forte? Com que e com quem se pode contar? São, entre inúmeras outras, questões que devem
preocupar o administrador escolar. Muito se tem falado do excesso burocrático que sobrecarrega a escola e seus
administradores. Muito embora os levantamentos, os questionários devam ser respondidos por serem necessários
à compra de materiais, às análises estatísticas, que são importantes, os administradores devem, de forma criativa
e inteligente munirem-se desses dados de forma que estejam sempre à mão em banco de dados facilmente consultados. A secretaria da escola deve se utilizar dos recursos da informática para isso. A administração da escola
deve estar preocupada com sua tarefa principal: as crianças precisam aprender, e é isso que a escola vai fazer. As
escolas não existem para ser administradas ou inspecionadas, mas para que os alunos aprendam (SILVA JUNIOR,
1990). Hoje, por força de lei, as escolas precisam fazer o seu projeto pedagógico, ou sua proposta pedagógica.
Podemos afirmar que há muitas escolas que elaboram seu projeto, sua proposta com base nas diretrizes e nos
parâmetros curriculares nacionais sem contextualizá-los à comunidade local e regional. E, às vezes somente um
pequeno grupo participa da elaboração. E, muitas vezes, essas propostas ou projetos ficam guardados, não sendo
sequer manuseados. Colocar em prática, reformulando sempre que necessário, é tarefa que os coordenadores,
diretores, vice-diretores devem ter como prioridade. Os Conselhos de Escola, nos quais se representam os professores, os funcionários, os alunos e os pais, precisam ser acionados de forma a terem uma efetiva participação.
Criados por lei, são mecanismos que ainda não se firmaram. É preciso que a escola encontre meios para que eles
funcionem porque são, indubitavelmente excelentes canais pelos quais pode florescer uma visão democrática de
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
educação escolar. Não devem ser vistos com desconfiança, nem como forma de desrespensabilização dos que
dirigem a escola. Devem opinar, decidir sobre o que lhes diz respeito, funcionando como linha auxiliar segura
da administração da escola, como viabilizadores de uma administração democrática. Mecanismos devem ser
buscados para uma melhor institucionalização desses conselhos, a exemplo do que se já conseguiu nas universidades públicas, onde a administração está baseada nos conselhos departamentais e congregações. Não se pode
generalizar a apatia das massas, lembrando que participação é algo inerente ao ser humano, podendo ser melhor
trabalhada pelos administradores escolares, de tal forma que se transforme em um poderoso meio de organização
da sociedade civil em benefício de todos.
É preciso conhecer bem o campo de atuação
Desde os tempos de Maquiavel já se aprendeu que o Príncipe deve conhecer bem o seu território. Com
as devidas ressalvas e adaptações aqui deve-se considerar que o administrador escolar é um pedagogo ( o que
conduz à educação), é um chefe ( tem em seu encargo o pessoal, recursos físicos, materiais e financeiros) e sobretudo é um político, cuidando de estratégias e relações, além de autoridade educacional, representando o Estado,
confere certificação etc.
Muito se tem falado na gestão democrática da escola pública, e, especialmente em suas manifestações:
desconcentração, descentralização, delegação, co-gestão, auto-gestão. Ser pedagogo na administração da escola
é um pouco de tudo isso: ao mesmo tempo em que é capaz de delegar, de descentralizar decisões, é necessário
também não perder o ponto, ou seja, sem desconfianças, é necessário estar “por dentro” de tudo, não perdendo
o foco do trabalho. Processos há na escola nos quais deve predominar a posição dos professores, outros a dos pais
e da comunidade, outros dos alunos, outros ainda dos funcionários e serviçais e, assim por diante. Importante
considerar que a escola existe em função dos alunos, e é em prol desta causa maior que todo o projeto pedagógico deve ser elaborado e executado. Mas, os professores, os docentes, estes são os que mais especificamente se
encarregam da tarefa educativa, e, precisam como tais ser considerados. Os administradores precisam ser capazes
de estabelecer linhas modais que permitam essas nuanças, sem perder de vista os aspectos legais e institucionais,
pois a democracia é o governo das leis (BOBBIO, 2000). Assim, a administração escolar não apenas cria condições, mas tem sua mão forte empenhada no processo do ensino.
Como chefe o administrador, principalmente o diretor, tem responsabilidades sobre o pessoal: pessoas,
suas vidas funcionais, seus direitos estatutários (trabalhistas), envolvendo suas promoções, matéria sobre a qual
deve haver impecabilidade. Membros do corpo docente ou funcional insatisfeitos por motivos de procrastinações de seus direitos se tornam ácidos, o que dificulta o trabalho pedagógico. Além disso, considere-se que o
magistério e o funcionalismo público não podem suportar prejuízos causados no seu próprio local de trabalho.
Esforços devem ser feitos no sentido de se plenizar o atendimento aos seus direitos, não se esquecendo os administradores de que também fazem parte dessa carreira. Aspecto importante que não pode ser olvidado é a
atualização constante tanto dos administradores como dos docentes, como fator de motivação para o trabalho.
Os administradores tem nas suas mãos os recursos físicos: prédios, instalações e equipamentos que precisam ser
cuidados de forma inteligente, procurando-se entender os seus mecanismos, montando acervos de suas plantas
e manuais, instruindo os servidores que deles cuidam para a preservação e manutenção necessárias. Muito embora os recursos financeiros repassados às unidades escolares ainda não sejam os suficientes, não se pode negar o
avanço das últimas décadas, que pode ser considerado como prenúncio de uma futura autonomia financeira da
escola. Urge que os administradores deles encarregados prestem-se diligentes, exatos e conhecedores de noções
necessárias ao bom uso do erário público em benefício da educação.
O administrador escolar é um político. Muito embora sejam os partidos políticos o locus da democracia
(BORGES, 2002), e, portanto, o ideal seria que todo o cidadão fizesse parte de um partido, não é da política
partidária que se trata aqui. Evoca-se a função política do administrador escolar: as estratégias que a equipe
diretiva da escola precisa se ocupar para conseguir os objetivos propostos, a interação com a comunidade local
e com a sociedade para propiciar um processo educativo transformador sem perder de vista o perfil local e as
possibilidades de atuação. Assim os administradores escolares deverão ser profissionais da articulação entre a
escola e a sociedade, estabelecendo a teia de comunicação tanto no plano vertical como no plano horizontal:
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autoridades superiores e forças da comunidade; autoridades educacionais, da saúde, da segurança, da justiça,
sindicais, eclesiais, entidades esportivas, meio ambiente... Ressalte-se também o relacionamento necessário entre
os administradores escolares com as autoridades políticas e institucionais formalmente estabelecidas, o chamado
mundo político: prefeito, vereadores, deputados que atuam na região da escola, independentemente de questões
partidárias ou posições ideológicas. O sentido político da função também é perceptível pelas opções pedagógicas
junto ao corpo docente, bem como junto aos alunos no tocante ao desenvolvimento da cidadania na escola.
Assim, a atuação dos administradores das escolas as tornam diferenciadas junto à população e às autoridades
educacionais.
A administração escolar é um processo de mediações
Os administradores escolares trabalham com pessoas, estabelecendo relações, organizando esquemas de
trabalho interativo, envolvem comunidades em prol da escola. Nesse embate exercem um papel moderador,
aceitando posições divergentes para evitar antagonismos inviabilizadores da ação educativa. Nesse desiderato
também exercem sua influência, modificando posições de outrem, aparando arestas, deixando indeléveis marcas
de suas atuações. Podem ser criativos, necessitam de uma visão cosmopolita, precisam saber ousar, munem-se de
intencionalidade e estabelecem objetivos a curto, médio e longo prazos. Buscam auxilio nas teorias e também
se alicerçam na prática do cotidiano. Tomam decisões em decorrência de apelações para garantir a saúde da organização escolar. Administram decisões originárias dos escalões superiores, adaptando-as à realidade escolar. Tomam
decisões criadoras, personalizando suas gestões nas unidades. Às vezes precisam tomar decisões inusitadas para
solucionar problemas inesperados (GRIFFTHS, 1971). Quer seja estabelecendo consensos, quer seja trabalhando
as contradições, a administração escolar define-se como processo de mediação, intencional e deliberado (SANDER, 1984).
Resta salientar que muitas vezes a escola acaba por legitimar as diferenças sociais, reproduzindo a injustiça, a dominação e o sofrimento das classes trabalhadoras e das minorias em favor do capital e dos dominantes. É de se esperar que a mediação seja feita no sentido inverso, e, para isto os administradores precisam ter
consciência aguçada e tenacidade política para agir no sentido de inverter tendências muitas vezes manifestas
nas atitudes administrativas: recursos precisam ser disponibilizados ou conseguidos, comportamentos precisam
ser modificados. A mudança de atitudes quer seja de membros da equipe como de professores, funcionários,
dos alunos e pais não é tarefa fácil. Inclusão dos excluídos, oferecimento de oportunidades aos portadores de
necessidades especiais, abertura da escola à comunidade, abolição de preconceitos, são excelentes discursos que
encontram muita resistência na prática. O certo é que não se pode, em pleno séc. XXI conviver com tais antagonismos dentro do ambiente escolar que se pressupõe educativo. Os educadores precisam aceitar este desafio,
sanando os prejuízos de milênios.
Não se pode laborar o erro da ingenuidade, mas não há como continuar a maldizer a chuva como faz
a rã dentro da água. É necessário que os administradores escolares assumam a competência que os educadores
tem, de trabalhar em prol da transformação social, muito embora conscientes de que trata-se de uma busca persistente e a longo prazo. Na teoria e na prática a administração pode ser um momento fundamental no processo de
transformação social (PARO, 1996).
Finalizando este pequeno texto, considere-se que os administradores escolares, além do preparo tecno-político-pedagógico, necessitam de lições aprendidas em leituras outras que não as específicas. Bom lembrar o que
escreveu Italo Calvino para as conferências americanas, que não chegou a proferir, nos rascunhos coletados por
sua viúva, intitulados Seis propostas para o próximo milênio, que aqui aproveitamos: Leveza, Rapidez, Exatidão,
Visibilidade, Multiplicidade e Consistência (BORGES, 2005), como marcas de uma escola que serve ao povo
brasileiro no sentido de uma sociedade mais justa e democrática.
176
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
BIBLIOGRAFIA:
ANDERSON, P. – in Neoliberalismo, qualidade total e educação, Petrópolis, RJ, 1995, pág. 117/118.
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Paulo, Pioneira, 1984.
SILVA JÚNIOR, C. A. – A escola pública como local de trabalho, São Paulo, Cortez: Autores Associados,
1990.
177
Novos Caminhos da Inclusão
Rossana Regina Guimarães Ramos
Doutora em Língua Portuguesa pela PUC-SP, dirige a Escola Viva, de Cotia. É autora de 101 livros nas áreas infantil e Pedagógica
[email protected]
O programa de Educação Inclusiva consiste em pôr em prática um novo conceito que tem como base
tornar a educação acessível a todas as pessoas e, com isso, atender às exigências de uma sociedade que vem combatendo preconceitos, discriminação, barreiras entre seres, povos e culturas.
A inclusão, em termos gerais, consiste em uma ação ampla que, sobretudo em países em que há diferenças sociais muito grandes, propõe uma educação com qualidade para todos. Na idéia de “todos” incluem-se
também as pessoas com deficiências físicas e mentais. Especificamente, neste artigo, tratarei sucintamente de
questões práticas e teóricas que dizem respeito à inclusão dos alunos com evidentes limitações físicas e mentais,
no espaço da escola.
Um breve histórico da deficiência no mundo aponta para uma triste realidade, cujos fatos revelam um
longo período de exclusão. Benjamin Rush, médico norte-americano, do final da década de 1700, foi um dos
pioneiros a introduzir o conceito da educação de pessoas com deficiência. Nos Estados Unidos, até 1800, os
alunos com deficiência não eram considerados dignos da educação formal.
Ao longo do tempo, apesar de algumas iniciativas, a evolução dos programas de educação para deficientes não apresentou grandes avanços. Somente no inicio do século XX começam a surgir escolas destinadas a
pessoas com necessidades especiais. Essas escolas, contudo, segregavam os deficientes pelo simples fato de serem
exclusivas a estas pessoas. Em muitos lugares do mundo, surgiram escolas para surdos, cegos e portadores de
outras deficiências.
A educação pública, em uma perspectiva um pouco adiante, criou as chamadas “classes especiais” que,
embora estivessem dentro de escolas regulares, eram destinadas a alunos portadores de deficiências, sobretudo,
de aprendizagem.
Somente por volta dos anos 90, com base na Psicologia e na Epistemologia Genética do psicólogo genebrino Jean Piaget, começam a ser feitas novas leituras da deficiência mental e, por conta disso, evidencia-se uma
nova maneira de compreender o desenvolvimento dos portadores de deficiências mentais e/ou físicas – neste
último, incluem-se os deficientes visuais e auditivos –, ou seja, daqueles que têm formas diferentes de apreensão
do mundo.
Resumidamente, a teoria de Piaget, bem como de seus seguidores versa sobre a idéia do desenvolvimento
de um sujeito psicológico, individualizado, que constrói conhecimento tendo por base um outro conhecimento
que vai sendo pouco a pouco sintetizado e integrado, de modo a formar esquemas sucessivos de novos conhecimentos que revelam através do tempo sua autonomia intelectual.
Esse último dado, o da autonomia intelectual, é o que se torna relevante como conhecimento, principalmente para os professores que ainda crêem que é possível se ter uma classe homogênea em que todos aprendem
as mesmas coisas ao mesmo tempo.
É preciso, portanto, em uma perspectiva didática inclusiva, considerar os diferentes modos e tempos
de aprendizagem como um processo natural dos indivíduos, sobretudo, daqueles que têm evidentes limitações
físicas ou mentais.
As modernas concepções pedagógicas propõem que pensemos a aprendizagem como um processo interativo em que as trocas feitas pelos sujeitos são determinantes na construção ou reconstrução do conhecimento.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Desse modo, considerando os diversos graus de potencialidade entre os indivíduos, surgem novas perspectivas
como a da inclusão de pessoas com deficiências físicas e mentais no processo educacional regular.
Assim, o que antes que era explicado à luz, fundamentalmente, da Medicina, da Psicologia e da Terapêutica passa a ter novos horizontes, ou seja, os da perspectiva social. No campo de uma Pedagogia que leva em
conta as interações entre os indivíduos, passam a ser incluídas pessoas com deficiências físicas e mentais que,
anteriormente, estavam em classes especiais sendo submetidas a tratamentos também especiais.
O novo modo de ver a construção do conhecimento implica uma nova conduta. O modelo mental criado no âmbito da especificidade das deficiências deve ser substituído por um outro que considera as interações
base da aprendizagem. Contudo, o que se faz pontual atualmente nas inclusões escolares é a dificuldade dos
profissionais da Educação em modificar suas concepções em relação ao que consideram como “problema”.
Em face desta questão, cremos que os direcionamentos das capacitações de professores do ensino regular
devem ter vistas para os aspectos teóricos que envolvem uma severa mudança nas concepções e procedimentos
pedagógicos. Contudo, o que nos parece mais complexo nesta mudança é o entendimento por parte dos professores de que a pessoa com deficiência no espaço da escola, deve estar incluída de forma ampla, sem nenhum
tipo de tratamento especial ou conduta que possa vir a excluí-la das dinâmicas escolares.
Assim sendo, os procedimentos devem observar aspectos importantes como os que sugerimos aqui.
1. Ter como Filosofia da Educação a base teórica construtivista que considera as diferenças na aprendizagem dos
indivíduos.
2. Conscientizar a comunidade sobre o fato de que o deficiente não vai atrapalhar a aprendizagem dos outros e
sim ajudá-los a vivenciar uma nova experiência como ser humano solidário.
3. Ter uma equipe de professores e funcionários preparada para lidar com situações inusitadas como, por exemplo, um aluno que necessita de ajuda para usar o banheiro ou outro que prefira estar a maior parte do tempo
fora da sala de aula.
4. Matricular os alunos portadores de deficiência nas classes correspondentes a sua idade cronológica para que
construam, ainda que em defasagem mental, uma idade social.
5. Não priorizar a aprendizagem dos conteúdos educacionais em detrimento da aprendizagem da vida.
6. Elaborar o plano didático não mais mediante parâmetros pré-estabelecidos, mas levando em conta a realidade
dos alunos da classe.
7. Não esperar “respostas” imediatas dos alunos com deficiências.
8. Contudo, não deixar de apresentar determinados temas ao aluno com deficiência, supondo que ele não vá
“aprendê-los”.
9. Avaliar a aprendizagem considerando o potencial do aluno e não as exigências do sistema escolar.
10. Em casos extremos, como alta agressividade ou passividade absoluta, solicitar à família ou aos órgãos competentes o auxílio médico.
11. Fazer da observação atenta o seu mais importante instrumento de tomada de decisão.
12. Não ter medo de, muitas vezes, aliar a intuição aos conhecimentos de natureza psicopedagógicas.
179
Na contra-mão deste evidente avanço da ciência moderna, ainda se encontram alguns grupos de terapeutas – médicos, psicólogos, fonoaudiólogos etc – que entendem a educação do deficiente como algo isolado,
tendo em vista a chamada Educação Especial. Seria o caso das escolas especiais que oferecem terapias médicas e
ocupacionais a pessoas com deficiências, levando em conta as especificidades de cada um.
Não quero dizer aqui que o apoio terapêutico é totalmente desnecessário. Principalmente, em se tratando de deficiências físicas ou mentais severas, muitos indivíduos necessitam deste apoio. Todavia, o contato
com um grupo de pessoas sem deficiência é um componente efetivo para o seu desenvolvimento físico e mental.
Crianças deficientes que têm sido incluídas já nos primeiros anos de vida apresentam avanços significativos em
relação àquelas que permanecem fora da escola regular ou em escolas especiais.
Retomando à questão da escola, especificamente à postura dos professores, podemos observar as mais
diversas reações quando se trata de incluir nas escolas regulares alunos com deficiência. O que vemos é que
muitos profissionais compreendem esta nova perspectiva e desenvolvem com bastante facilidade o seu trabalho.
Já outros apresentam uma série de barreiras, sobretudo, com relação a “não saber o que fazer” com o aluno
deficiente. Há também aqueles que alegam “a falta de estrutura” dos sistemas escolares – salas lotadas, espaços
reduzidos, falta de assistência psicopedagógica etc. Esses mesmos argumentos são utilizados quando são tratadas
as questões do fracasso escolar. O que se observa de fato é que se de um lado estão profissionais que, nas mesmas
condições, atendem a seus alunos de forma eficiente, do outro estão aqueles que ainda precisam ser sensibilizados para compreender a perspectiva da inclusão escolar.
No presente artigo, o objetivo principal é o de chamar atenção para uma realidade que se apresenta em
nosso país no âmbito educacional, já que fora dele diversos setores da sociedade começam a operar mudanças,
ainda que lentas, em direção a um processo de inclusão. Haja vista, as empresas que vêm destinando cotas de
empregos para pessoas com deficiências, bem como oferecendo a elas uma série de benefícios sociais – transporte, equipamentos apropriados, terapias especificas etc.
O fato é que não podemos perder a oportunidade de avançar na perspectiva de uma nova revolução
social, em cuja base estão as concepções interacionistas formuladas pelos grandes mestres da humanidade. Podemos, com isso, também afirmar que uma verdadeira revolução educacional faz-se necessária para de fato possamos dizer que estamos fazendo uma Educação Inclusiva.
BIBLIOGRAFIA
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Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre : Artes Médicas Sul, 1999.
VIGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Educação de Qualidade: o entorno, os atores e
processos
Eduardo Almeida Acosta
PhD em Psicologia Social pela Universidade de Cornell, Professor da Universidade Ibero-Americana de Puebla - México, atualmente é Presidente da
ONG “Projeto de Animação e Desenvolvimento”. Desde 1977 tem colaborado com os conflitos interculturais, que envolvem a crise de identidade mexicana e o anseio por autonomia do povo indígena. Em 1989, fundou a Comissão de Direitos Humanos, em Sierra Norte de Puebla, para ajudar a
população mais vulnerável a entender e lutar por seus direitos fundamentais. Atuou como Professor pesquisador em comunidades de Psicologia Social
na Universidade Nacional do México. Suas áreas de interesse são: Psicologia Social, Direitos Humanos, Educação Popular e Métodos de Pesquisa Seus
trabalhos acadêmicos levaram-no por todo o México, Coréia do Sul, Índia, Israel, Hungria, França, Estados Unidos, Brasil e Chile.
Resumo:
Entendo por educação de qualidade, o resultado da própria educação na formação de sujeitos que se
caracterizem por sua habilidade para a leitura, por sua capacidade de expressão oral e escrita, por sua facilidade
para a abstração matemática. Além disso, que, também se distingam pela maneira de lidar com sua realidade
de forma reflexiva, responsável e afetiva. Idealmente, isso exige um ambiente definido por uma socialização
amorosa, levada a efeito suficientemente cedo, escolaridade cuidadosa, inclusiva, um universo de trabalho e de
lazer acessíveis, uma sociedade cidadã. Requer, ainda, processos quotidianos de atenção à nutrição e saúde com
relação aos sujeitos, relações estreitas entre os professores e seus alunos e um ambiente de disciplina positiva, de
estabelecimento de padrões altos de desempenho e seu acompanhamento, de preocupação com o fortalecimento
do caráter do aluno, interiorizando valores através de experiências-chave, privilegiando a reflexão e a argumentação acima da memorização. Tudo isso implica, necessariamente, a possibilidade da auto formação permanente
do docente e um sistema educativo e de uma cultura magistral e favoreçam essa auto-formação.
ABAIXO A TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DA APRESENTAÇÃO POWER POINT
Educação de Qualidade
É uma intencionalidade
É um processo
É um resultado
Intencionalidade
Condições necessárias para que São Paulo possa ter, cada vez mais, educação de boa qualidade para seus habitantes.
Condições do contexto e protagonistas
Condições dos processos
Condições de continuidade
Processos
• Reforçamento. Saúde e Nutrição, mas também INTERACAO.
• Modelagem. Acompanhamento e Seguimento.
• Atribuição. Valorização e Proteção.
• Apego. Segurança e Autonomia.
(Bronfenbrenner, U., 1970)
(Fundación Este país, 2005: 4-62)
Atores nos processos
Suas condições materiais de existência.
Comunitárias e Sociais.
Suas relações sociais
181
O Sistema Educativo
Seus processos reais de trabalho.
A Cultura do Magistério
Suas condições intra e interpsíquicas.
A Auto-formação
(Oltra, G., 1998: 351-359)
Ambiente dos Sujeitos nos Processos
Socialização primária
Atividade recíproca, complexa, regular, prolongada, com pessoas com apego emocional forte e mútuo.
Escolaridade afetuosa
Sensibilização a traços do ambiente físico, social e cultural que incitam a exploração, a manipulação, a elaboração e a imaginação.
Vizinhança aberta à aceitação.
Dependência social necessária para o desenvolvimento da individualidade e da possibilidade de atuação coletiva.
A utopia comunitária de reconhecimentos, emancipações e projetos.
(Touraine, A., 2005: 202-205)
Trabalho e ócio construtivos.
As formas de enfrentamento do conflito entre as necessidades da família e as demandas do trabalho.
Sociedade cidadã
Políticas públicas e práticas que ofereçam e propiciem as coordenadas espaços-temporais necessárias para a qualidade dos processos educativos.
(Bronfenbrenner, U., 1999: 83-102)
Educação de Boa Qualidade
Habilidade para leitura criativa.
Capacidade para expressão e intercâmbio oral e escrito.
Facilidade para abstração matemática.
Responsabilidade diante dos interesses próprios, dos outros e dos institucionais.
Capacidade reflexiva de assimilar e analisar, aplicar e criar conhecimento.
Caráter para identificar, definir, enfrentar e programar soluções, formular e monitorar estratégias, avaliar resultados diante dos problemas da vida quotidiana.
Leitura criativa
Importância da alfabetização funcional (Ybarra, M.J., 2005: 75-78)
O papel fundamental da leitura:
– Para se informar;
– Para aprender a refletir;
– Para aprender a se expressar.
“Se não se sabe ler se dificulta muito a profissionalização dos líderes camponeses”.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
“Se não se sabe ler não podemos ensinar inglês”.
“Ler nos torna, fisicamente, mais reais”
(Beck, 2004: 53)
Expressão e Intercâmbio
A capacidade de expressão oral e escrita é condição chave para a apropriação daquilo que as novas tecnologias
podem facilitar para se aproveitar dos efeitos do acesso e da comunicação.
É fundamental para se reconhecer e por em jogo na educação e na luta contra a miséria, os saberes de vida, de
ação e do espírito que os explorados e os excluídos possuem.
A formação do espírito matemático
Pode-se contar ainda que não se saiba ler nem escrever. Antes de possuir a escrita, os homens das sociedades
arcaicas tinham criado diversos sistemas de cálculo.
A aptidão para cálculo se manifesta de maneira inata.
Mais do que um conhecimento, a matemática, tal como a ciência, é um modo de pensar.
É uma forma do pensamento racional, que difere do pensamento intuitivo.
Desenvolve facilidade para a abstração.
A responsabilidade
Como pode alguém preparado ser tão ingênuo?
Quatro enganos: o egocentrismo, a onisciência, a onipotência e a invulnerabilidade.
Necessita-se de sabedoria
Sabedoria é o uso da própria inteligência e criatividade para o bem comum, tomando-se em conta os interesses
próprios, os interesses dos outros e o desenvolvendo da ética (realização de valores).
(Sternberg, R.J., 2003A: 5)
(Yurén, T., 1995)
A reflexão
Viver é pensar. Experimentar a alegria do pensamento.
A inteligência de sucesso é a habilidade para se desenvolver adequadamente na vida capitalizando fortalezas e
compensando fraquezas.
Isso é conseguido, graças à combinação de habilidades mnemônicas, analíticas, criativas e práticas para se adaptar, configurar e escolher contextos.
Para tanto, a escola deve ser o lugar no qual se garante e exercita a liberdade incondicional da palavra e do questionamento.
183
(Steiner, G., 2004: 102-108)
(Sternberg, R.J., 2003B:5)
(Derrida, J., 2002)
O Caráter (a resiliência)
Há um conjunto de habilidades que se começa a aprender na infância e que devem seguir sendo aprendidas
como adultos: a resiliência.
Toda trajetória de vida inclui obstáculos difíceis, as vezes insuperáveis. Para o bem ou para o mal isso parece ser
a normalidade.
Trata-se do enfrentamento da vida e do desenvolvimento do caráter frente as às humilhações, derrotas e contratempos de todos os tipos.
A questão não é sofrer tudo isso, mas superar e seguir em frente.
(Sternberg, R.J., 2003c: 5)
Duas experiências
A auto formação e a formação dos professores da escola primaria no Estado de Durango, no México (2002
– 2004)
136 professores das zonas rural e urbana, homens e mulheres.
O projeto de inovação educativa intercultural
na Serra Norte do Estado de Puebla, no
México. (2002-2005)
7 professores da zona rural, 3 homens e 4 mulheres
Autoformação, ou heteroformação?
Uma pesquisa no Estado de Durango.
As práticas autoformativas dos professores ocorrem em espaços muito restritos.
Transitam por um caminho marcado por crescentes incertezas, elevados riscos e formas restritivas de controle
da ação e formação do docente.
Internalizaram hábitos heteroformativos numa rede de disposições marcadas na cultura dos docentes e do sistema educacional.
Sua auto formação se da, quando se da, graças à sua experiência na aula, com relacionamentos formativos com
os colegas. São autoformados na clandestinidade, no anonimato, à margem do sistema.
(Navia, C. 2005: 321-338)
Inovação Educativa Intercultural
Uma experiência no Estado de Puebla.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ayotzinapan. Uma comunidade indígena Náhuatl em zona de alta marginalidade.
Condições educativas deploráveis. Consciência.
1992. Inicia-se uma aventura pedagógica: Um programa de nutrição, saúde e interação.
Acompanhamento e seguimento através de um programa de leitura-escritura a partir da língua materna.
Valorização e projeção: Um projeto de desenvolvimento cultural.
Segurança e autonomia: Um programa de formação em direitos humanos. Um programa de atenção a famílias
vulneráveis.
“Temos um horizonte. Nos serve para caminhar”
(Acevedo, B. et al. (2005)
Condições de Continuidade
Não perder de vista o “regional”. Buscar e destacar o diverso, a diferença, o particular de uma educação de qualidade para São Paulo: Atenção às tentações autoritárias centralizadoras, ampliar os espaços de liberdade, escutar
as vozes daqueles que normalmente não são escutados.
(Tapia, M. y Yuren, T., 2002)
Canalizar as energias, a cólera e as esperanças das grandes maiorias.
(Touraine, A., 2005a: 13-16)
Evitar a fugacidade das reformas educativas
A estabilidade pedagógica é uma das características dos bons sistemas educativos.
Evitar as mudanças baseadas nas necessidades políticas e não educativas.
É requerida a continuidade dinâmica, ir se ajustando as necessidades educativas dos sujeitos, mas dando aos
professores a possibilidade de ir se interiorizando através desses ajustes necessários.
(OECD, 2004)
Lula: “A esperança vence o medo”. Não é somente que a esperança vença o medo no Brasil, mas que a esperança
desperte esperança em todo o mundo.
(Wallerstein, I., 2005: 187-190)
Recomeçar sempre
Retomar a última palavra do que a esperança espera:
Que tal recomeçarmos?
(Desroche, H., 1976:437)
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REFERÊNCIAS
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Innovación Educativa Intercultural en la Sierra Norte de Puebla. Ayotzinapan, Pue.: Mecanograma.
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186
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ações sócio-educativas
educacional
no
âmbito
da
política
Maria do Carmo Brant de Carvalho
Primeira doutora em Serviço Social no Brasil, tem vasta experiência na gestão pública, entre suas experiências destacamos a participação no programa
de pós-graduação em Serviço Social da PUC de São Paulo, no setor de pós-graduação do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, Portugal.
Integrou o Instituto de Estudos Especiais da PUC de São Paulo, participou do Conselho Nacional da Comunidade Solidária da Presidência da Republica,
Casa Civil e atualmente preside o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC.
Boa tarde a todos, estou feliz de estar aqui com vocês para refletir ações sócio educativas, desenvolvidas
tanto pela própria política de educação elas políticas de cultura, assistência social e esporte quanto por iniciativa
das comunidades e organizações da sociedade civil.
Muito se tem falado sobre o desempenho da educação brasileira como excludente quando referida às
classes populares, as mais vulnerabilizadas pela pobreza.
Tem-se colocado com insistência no debate público e acadêmico a importância da educação pública no
enfrentamento das enormes desigualdades sociais que assolam a sociedade brasileira.
Para enfrentar desigualdades e pobreza faz-se necessário pensar sobre o conjunto da política social e não
apenas na educação. Uma política social desenhada na sua inteireza, pelo prisma da multisetorialidade, com
forte protagonismo do Estado mas também da sociedade civil. E, ainda mais, buscar com total radicalidade, a
efetividade de seus resultados. É perverso para a nossa população simplesmente reafirmar o quanto a estrutura
social e a política econômica brasileira reduzem as possibilidades de resultados eficazes no enfrentamento das
iniqüidades sociais. Há um inegável contributo das políticas sociais. Já não são mais toleráveis a descontinuidade
da política, os desenhos centralizadores e setorizados na condução da política social, os conceitos corporativos
de seus agentes que inibem a maior inovação e densidade de respostas da política social. É absolutamente prioritário buscar a maior efetividade e eqüidade da ação pública.
Neste contexto situo minha reflexão sobre as ações sócio educativas no âmbito da política educacional.
1. Os projetos sócio-educativos voltados às crianças e adolescentes vulnerabilizados pela pobreza, no contraturno escolar, nasceram nas comunidades brasileiras por iniciativa da sociedade civil e não pela mão do Estado.
Aliás, é assim que nascem as respostas públicas às demandas da população.
As prioridades contempladas pelas políticas públicas são decididas pelo Estado, mas nascem na sociedade civil. Por isso mesmo estão em permanente conflito e negociação. Elas adentram na agenda do Estado quando
se constituem em demanda fortemente vocalizada por grupos e movimentos da sociedade que adensam forças e
pressões, introduzindo-as no campo da disputa política. Demandas e necessidades se tornam prioridade efetiva
quando ingressam na agenda estatal, tornando-se interesse do Estado e, não mais apenas, dos grupos organizados da sociedade civil (Draibe, 2000).
É preciso insistir que os milhares de programas de pós-escola, hoje existentes no Brasil, são ainda iniciativas da sociedade civil, cunhados pelas próprias organizações da comunidade. A pesquisa que estamos realizando
no Cenpec, por conta do Prêmio Itaú-Unicef (um prêmio que busca dar visibilidade a estas iniciativas no Brasil), constatou ate o momento a presença de aproximadamente 15.000 organizações que operam tais programas
no país, das quais cerca de 1.500 estão na cidade de São Paulo. Dentre essas, cerca de 450 mantêm convênios
com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, pois são reconhecidas como
programas/serviços de proteção social. Tendo nascido nas comunidades e adentrado no Estado pela porta da Assistência Social, não são reconhecidas como projeto educacional. As alianças e parcerias de complementaridade
com a escola, quando ocorrem, têm origem no próprio interesse de cada escola-ONG, não sendo costuradas e
assumidas enquanto política pública da cidade.
187
2. A ações sócio educativas desenvolvidas no contraturno escolar surgiu como iniciativas da comunidade e só
muito recentemente entrou na agenda do Estado. Expandem-se ainda como políticas da comunidade, constroem-se no microterritório e são promovidas por organizações não-governamentais que, em parceria com a prefeitura, a igreja, as empresas e os membros da comunidade oferecem um serviço de atenção à infância e juventude.
Os microterritórios em que estão instaladas têm, em sua maioria, poucos serviços e oportunidades destinados à
proteção, educação e lazer de crianças, adolescentes e jovens.
Estas ações são um bem público comunitário e se constituem em um capital social das próprias populações vulnerabilizadas pela pobreza e escassez de oportunidades e serviços. Ofertam atividades lúdicas, artísticas
e esportivas que contribuem para o desenvolvimento de competências e habilidades, ampliação do universo
cultural e convivência em grupo na perspectiva de inclusão social.
3. No estudo sobre estas iniciativas constata-se a oferta de um mosaico de ações sócio-culturais, lúdicas e de convivência infanto-juvenil. Sem dúvida, constituem-se como serviço de proteção social, mas vão além, compondose como programa multisetorial que abarca, em seu mosaico de atividades, cultura, educação, esporte, lazer e
saúde. Neste sentido, elas indicam uma inovação da maior importância: são ações realizadas nos microterritórios
da cidade, construídas com olhar multisetorial capazes de responder ao leque de aprendizagens sócio-educativas
que o grupo infanto-juvenil precisa e deseja.
Nesta perspectiva já se torna obsoleta a idéia de compor o pós-escola apenas com iniciativas internas da
própria política de educação. O fundamental é concebê-las como políticas da cidade, articulando aí o mosaico
de ofertas de aprendizagem disponibilizadas pelo conjunto das políticas públicas setoriais de assistência social,
educação, cultura, esporte e das ações originárias nas próprias comunidades. Abarcam o conjunto de sujeitos
e espaços de aprendizagem construídos nos microterritórios e operados/conduzidos por organizações sociais e
poder público.
4. O termo sócio-educativo é tomado como um qualificador, designando um campo de múltiplas aprendizagens
para além da escolaridade, voltadas a assegurar proteção social e oportunizar o desenvolvimento de interesses e
talentos múltiplos que crianças e jovens aportam. Tem também como finalidade a convivência, sociabilidade e
participação na vida pública comunitária, entendendo este campo como privilegiado para tratar de forma intencional valores éticos, estéticos e políticos.
Minha reflexão problematiza e propõe que o pós-escola resulte da articulação do conjunto de esforços/
respostas multisetoriais já existentes nos micro territórios da cidade e tomem a realidade local, seus sujeitos e
identidades como pauta inicial das situações de aprendizagem oferecidas à população infanto-juvenil.
5. Pensar em políticas de proteção e desenvolvimento voltadas ao grupo infanto-juvenil é problematizar a ausência de oportunidades para esta população. No caso brasileiro, proteção social é, sobretudo, oportunizar! como
condição de conquista de eqüidade. Dessa forma, falamos em proteção social pela via da oportunidade de acesso
a serviços e programas sócio-culturais e lúdicos disponíveis nos microterritórios das cidades.
Dito de outra forma, um programa sócio-educativo tem intenção protetiva e educacional. Conjuga
em sua ação objetivos de duas políticas setoriais: a da assistência social - responsável pela oferta de serviços de
proteção social - e de educação - responsável por garantir o acesso e apropriação dos saberes sistematizados. Esta
chamada às duas políticas centrais no fazer pós-escola não abdica, porém, da articulação orgânica com as demais
políticas sociais.
Este é o traço inovador: realizar de forma convergente propósitos intersetoriais de desenvolvimento e
proteção integral de crianças e adolescentes, objetivos esses que compartilham a intenção máxima do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA, julho de 1990).
6. É preciso aprofundar os sentidos desta ação sócio-educativa. Primeiro, ela produz oportunidades de aprendizagem sem ser repetição do espaço escolar. Não possui um currículo e uma programação pedagógica padrão.
188
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Ao contrário, sua eficácia educacional está apoiada num currículo-projeto que nasce nas comunidades, de suas
demandas, interesses, particularidades, potencialidades e por seu próprio protagonismo.
7. Como conclusão, resta ainda uma última problematização ou dilema dos tempos atuais: o tempo integral
exigido pela LDB pode ser feito exclusivamente na escola?
Não. Por que?
Uma primeira resposta é pragmática:
A rede escolar opera com dois ou até mesmo três turnos para atender à demanda por vagas, situação que
não se resolverá no médio prazo, o que inviabiliza propostas de escolas em tempo integral.
Assim a busca do tempo integral exige uma articulação orgânica entre escola pública e programas sócioeducativos realizados por ONGs nos próprios microterritórios. A expansão dessa articulação irá pressionar o
maior debate e gerar proposições sobre a educação integral e não apenas de tempo integral.
Uma segunda resposta é definida pela intencionalidade educacional:
A sociedade que nos toca viver é caracterizada pela sua complexidade: uma sociedade multifacetada, tecida pela velocidade de mudanças, constantes e cumulativas, provocadas pelos avanços científicos e, sobretudo,
pelo aumento das possibilidades de acesso à redes de informação e de consumo. Uma sociedade movida pelo
conhecimento e pela informação. Uma sociedade-rede com novos atores e movimentos sociais que incindem seu
papel protagônico não só na revolução cultural, mas também e cada vez mais, na definição da agenda política
dos Estados. As organizações não-governamentais, com todas as suas contradições e mesmo particularismos,
alargam e revitalizam a esfera pública.
Nossa sociedade é também marcada pela transformação produtiva: quebra da sociedade salarial, precarização do trabalho, extinção de postos de trabalho e introdução de novas ocupações no mercado que exigem um
novo perfil de trabalhador.
A sociedade complexa de hoje aumentou o grau de incerteza dos indivíduos e das organizações. Por isso
mesmo a educação tem que avançar nas aprendizagens que este novo cidadão está a exigir. Por isso mesmo não é
possível mais se pensar na escola enquanto o único espaço de aprendizagem. Este novo cidadão requer, para seu
trânsito no exercício da cidadania, circular em diversos espaços de aprendizagem visando à sua maior sociabilidade, o desenvolvimento da capacidade de estabelecer trocas e o exercício da tolerância na pluralidade.
Há uma riqueza de possibilidades contida na complementaridade mais orgânica entre o sistema escolar
e as oportunidades de aprendizagem implementadas por outros sujeitos e espaços de aprendizagem da cidade.
Potencializam as oportunidades de escolhas de trajetórias de desenvolvimento, de trânsito e de circulação de
crianças e adolescentes em diversos espaços. Sintonizam com o modo peculiar de aprendizagem, difuso e descentrado, constitutivo desta sociedade complexa, ampliando as oportunidades de sociabilidade e convivência.
Vários municípios no Brasil já estão operando ou buscando implementar uma rede de serviços pós-escola multisetoriais envolvendo, sobretudo, educação, cultura, esportes e assistência social para constituir a jornada
de tempo integral exigida pela LDB.
Contudo, para responder às demandas de aprendizagem e sociabilidade requeridas na contemporaneidade, há um outro avanço democrático e irrecusável nos tempos que nos tocam viver: articulações e convivência
mais orgânica entre programas e serviços públicos estatais e serviços públicos não estatais - de iniciativa da comunidade e sociedade civil – como uma tendência à expansão de ações de educação pública.
Essas tendências podem e devem trazer em seu escopo compromisso político com: a inclusão e a equidade social; a qualidade da educação e da escola pública; a gestão democrática e partilhada com a comunidade;
a participação e o fortalecimento da sociedade organizada e seus diferentes segmentos.
189
Educação e o Terceiro Setor
David Saad
Especialista em consultoria de gestão e gerenciamento de projetos, é formado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP, trabalhou por sete
anos na Accenture, uma das mais conceituadas empresas de consultoria. Trabalhou dentro do Grupo Promon, coordenou projetos de ensino à distância e,
na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, foi coordenador geral do Programa de Cultura e Cidadania, para inclusão social, sendo responsável pela
interlocução do órgão público com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Atualmente é diretor da Fundação Victor Civita, entidade responsável,
entre outras iniciativas, pela Revista “Nova Escola” e o prêmio “Professor Nota 10”.
Boa tarde a todos. Como foi dito, meu nome é David, eu sou diretor da Fundação Victor Civita. Para
quem não sabe, a Fundação Victor Civita é responsável pela revista “Nova Escola”, também pelo prêmio “Professor Nota 10”, dentre uma série de outras iniciativas na área de responsabilidade social, e voltadas para a educação. No meio deste ano, iniciamos um processo de mudanças na Fundação Victor Civita, que começou com a
entrada da ex-secretária da Cultura, Cláudia Costin, e esse processo de mudança nos levou a repensar um pouco
quais seriam as missões e os objetivos da Fundação. Nós percebemos que era necessária uma reflexão, anterior a
isso, sobre qual seria o papel do terceiro setor, quais seriam as missões do terceiro setor relacionadas à educação
e, para conseguir fazer essa reflexão, nós conversamos com todas as pessoas da própria Fundação, colaboradores
externos, educadores internos e externos, professores, através da nossa revista e de nossos contatos, e tivemos
uma série de entendimentos sobre essa questão. O objetivo da minha apresentação hoje é, justamente, dividir
com vocês alguns desses entendimentos, muitas das coisas que vou colocar aqui são tendências e não necessariamente já estão ocorrendo hoje, mas achamos que seria interessante ter essa conversa sobre esses assuntos.
Bom, obviamente, esse assunto é extremamente complexo e seria impossível discuti-lo completamente,
e em detalhes, em 30 minutos, então escolhemos alguns temas que serão abordados de forma até abrangente,
mas, desde já, eu me coloco à disposição, e coloco a Fundação Victor Civita à disposição, para o caso de alguém
querer entrar em mais detalhes sobre esse assunto, ou sobre qualquer outro assunto. Os temas sobre os quais
vamos tratar hoje são algumas mudanças que vêm ocorrendo no terceiro setor, quais seriam as missões deste
terceiro setor e, por último, alguns casos bem sucedidos relacionados à educação no terceiro setor, e já adianto
que a gente não quer dizer que sejam os melhores casos, mas são casos emblemáticos que nos auxiliam a explicar
o que queremos dizer.
Algumas mudanças que entendemos que estavam acontecendo no terceiro setor: acho que é claro pra
todo mundo, principalmente nessa área de educação e na área de gestão ambiental, o papel que o terceiro setor
vem tendo em influenciar as transformações da sociedade e do país. Essa repercussão toda que o terceiro setor
traz com ele é também fruto de algumas mudanças desse terceiro setor na forma de operar e na forma de se relacionar com o entorno. Algumas mudanças que esse grupo da Fundação Victor Civita identificou que ocorreram
foram as seguintes: primeiro, há algum tempo, 5, 10 anos atrás, a gente tinha técnicas muito pouco profissionais
de gestão. O que quer dizer isso? Não estamos falando da técnica, por exemplo, de um educador, ou da capacidade de executar o que o terceiro setor precisa fazer, o que estamos falando é de gestão administrativa, avaliação,
mensuração de resultado, então essa parte de técnica de gestão era pouco adiantada, pouco atualizada.
Hoje isso já está mudando, a gente tem técnicas de gestão muito atuais, utilizando as melhores práticas
de mercado, dentro do terceiro setor. Hoje acho que é muito difícil alguém pensar em um projeto social de
grande porte que não tenha avaliação, seja qualitativa, seja quantitativa. Isso advém dessas técnicas de gestão que
o terceiro setor começa a trabalhar fortemente. Uma outra questão é o investimento no setor. Eu, sendo do terceiro setor, através da Fundação Victor Civita, acho que o investimento é sempre pequeno, óbvio, mas ele vem
aumentando ao longo do tempo. Outro dia eu estava lendo um material sobre o Fórum de Responsabilidade
Social feito pela “Exame”, e lá havia um comentário de que os investimentos para este terceiro setor nunca foram
tão altos, o que é bom para nós todos aqui, especificamente para a área de educação, porque os financiadores
identificavam que era uma forma de romper o ciclo de exclusão social, em que um grande contingente de brasileiros ainda permanece.
190
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Uma outra questão é a diversidade profissional. Até algum tempo atrás a gente tinha profissionais muito
focados em suas áreas no terceiro setor, então se havia uma organização da educação, a havia apenas educadores,
se era da gestão ambiental, a gente tinha ecologistas. Hoje aumentamos essa diversidade. Eu pego o exemplo da
Fundação Victor Civita, e vejo que temos especialistas em políticas públicas, educadores, especialistas em gestão,
como eu, jornalistas, artistas, então essa diversidade profissional permite que o terceiro setor seja um pouco mais
polivalente e consiga atuar com mais eficiência nas suas missões.
E um último, que é uma tendência, ainda não é uma realidade, mas acho que é bastante claro para o
terceiro setor como um todo, que antigamente o foco era muito específico no atendimento das demandas da
população, uma coisa mais em busca de resolver problemas urgentes. E hoje temos um pensamento focado em
sustentabilidade, resultados mais perenes, que efetivamente impactem de alguma forma as políticas públicas,
e aí eu não estou querendo dizer que façam as políticas públicas, obviamente não, mas que de alguma forma
impactem através da sociedade, ou através dos próprios projetos, para que os resultados alcançados sejam mais
perenes e sejam incorporados às políticas públicas.
Eu vou falar desse tema específico, do foco, quando eu falar aqui um pouco sobre as missões do terceiro setor. Aqui também seria muita pretensão, por parte da Fundação Victor Civita, querer exaurir ou definir
quais são as missões do terceiro setor. Então, nós listamos algumas, que julgamos ser efetivamente as missões
principais, mas aí fica, obviamente, em aberto, porque podem existir outras que outras pessoas considerem tão
importantes quanto estas. A primeira delas é gerar conhecimento sobre assuntos de interesse, e aqui eu estou falando de forma genérica do terceiro setor, então, se estivermos falando de um terceiro setor focado em educação,
obviamente estamos falando de educação. O que significa gerar esses conhecimentos? Significa que o terceiro
setor, por ser uma instância muito ágil, é capaz de agrupar especialistas das mais diversas tendências e tem a
possibilidade, em parceria com financiadores, de gerar estudos, pesquisas e metodologias que posteriormente
possam ser replicadas e, de certa forma, mudarem alguma coisa no quadro da educação no país. Então, essa seria
uma das missões importantes.
A segunda, que, talvez, seja a mais natural e comum, é promover melhorias locais. Eu acho que essa é a
mais óbvia, então, quando eu tenho uma questão local e uma certa organização deseja fazer alguma alteração,
ela promove, de diversas formas, melhorias localmente.
A terceira, que foi muito bem feita pela área ambiental, tocando nesse assunto novamente, é sensibilizar
a sociedade para questões importantes. Eu acho que é muito claro para todos, pegando esse exemplo do ambiental, que uma das fontes da sensibilização da sociedade em relação à questão ambiental foi o papel do terceiro
setor em sensibilizar, constantemente, a sociedade e mostrar as questões, mostrar os problemas e mostrar os
caminhos. Acredito que na educação seja muito parecido, também é papel do terceiro setor, da sociedade, do
Estado, de uma série de áreas, mas também do terceiro setor, tentar sensibilizar a sociedade para as principais
questões relevantes dentro da área educacional,
E por último, que na verdade acreditamos que é a conseqüência de todas as outras e, talvez, a missão
principal, que é efetivamente impactar as políticas públicas. Eu quero falar um pouco sobre isso, porque pode
soar meio pretensioso querer impactar as políticas públicas, mas, de fato, isso já é uma coisa que acontece. Então,
cada vez que o terceiro setor gera algum projeto interessante, consegue definir uma metodologia que faça sentido, ele efetivamente está impactando as políticas públicas. Então, impactar as políticas públicas significa que,
na verdade, o terceiro setor tem sempre que pensar em como, ao iniciar um projeto, fazer com que esse projeto
se torne perene, fazer com que essa mudança, que às vezes ele realizou de forma local, efetivamente impacte a
política pública daquele local, daquele estado, daquele município ou daquele país, impacte a comunidade para
que, quando o terceiro setor parar de se envolver nesse projeto, isso tenha alguma continuidade. Então isso vai
naquele caminho da sustentabilidade, que é hoje um dos focos principais do terceiro setor, quando faz projetos
sociais. E na educação não deixa de ser assim. Eu vou falar de alguns casos mais tarde, e vamos ver que todos
os casos que a gente listou (e por isso eu os listei aqui), além de fazerem mudanças interessantíssimas, se preocuparam com essa questão de impactar a política pública para que a mudança realizada se tornasse perene e
definitiva.
191
Aqui listei algumas ações do terceiro setor relacionadas à educação. Essas ações novamente não são
exaustivas, são algumas só pra identificar como elas estão relacionadas com as missões ou não. A primeira delas
é capacitação de professores, e esse é um termo perigoso, porque em nenhum momento estamos querendo dizer
que é responsabilidade do terceiro setor capacitar o professor, mas efetivamente o terceiro setor pode ajudar de
diversas formas, principalmente das maneiras não formais, a ajudar a capacitar o professor. Um exemplo que
temos disso é a própria revista “Nova Escola”, sobre a qual eu vou conversar um pouco mais pra frente, que tem
a intenção, de alguma forma, de ajudar a atualizar e trocar idéias com o professor, no sentido de melhorar a capacitação dele para que ele exerça melhor suas funções. Acho que é muito claro, tem várias iniciativas relacionadas
ao incentivo à leitura, muitas vezes locais e pequenas, mas que trazem resultados impressionantes e muitas vezes
envolvem metodologias replicáveis para outros projetos interessantes também de incentivo à leitura. A questão
da reforma de instalações é um tanto quanto polêmica, porque, em tese, o terceiro setor não deveria entrar nessa
questão. Sobre isso vamos falar um pouco mais pra frente, quando eu questionar o papel do Estado versus o
papel do terceiro setor.
Vou dar um exemplo que aconteceu na Fundação. Nós queríamos fazer um projeto de formação de
professores em uma cidade da Bahia. Fomos lá, montamos um esquema de formação de professores com educadores, planejamento, e quando íamos iniciar o processo, vimos que as instalações da escola não permitiam que
fizéssemos esse trabalho de maneira razoavelmente bem feita. A decisão que se tomou naquele momento foi, em
parceria com a prefeitura, ajudar na reforma das instalações. Então foi uma condição que tivemos que fazer para
realizar o projeto, que não era o fim, não era o objetivo principal do projeto, mas foi uma atuação nesse sentido.
A outra questão é a valorização dos educadores, que é uma questão muito maior que a capacidade do
terceiro setor de influenciar fortemente nesse item, mas eu acho que é uma coisa que o terceiro setor vem trabalhando com premiações, por exemplo, o “Prêmio Professor Nota 10”, para os melhores trabalhos de professores
do Brasil inteiro, e outros casos em que se atua nessa valorização do educador. Temos o fornecimento do material
escolar, que também é feito, principalmente acesso a novas tecnologias. Eu tenho ouvido muito falar, e acho que
2006 vai ser o ano da inclusão digital, porque têm muitas empresas privadas, empresas estatais, governos estaduais, municipais e federal, que irão trabalhar fortemente para a inclusão digital. Eu acho que no terceiro setor,
e já está claro para todo mundo da área de educação que a melhor forma de incluir digitalmente a sociedade, se
o caminho de entrada for a escola, não é só fornecer computadores, e sim trabalhar uma metodologia, trabalhar
conteúdo, de forma que efetivamente esse acesso à tecnologia possa ser incorporado ao dia-a-dia da sala de aula.
Então, esse vai ser um desafio do terceiro setor, porque vai ter gente colocando computador em todas as escolas
e vamos ter que conseguir trabalhar isso.
Por último, naquela linha da geração de conhecimento, está a produção de pesquisas e estudos que,
devido àquela congregação de especialistas que o terceiro setor pode fazer, é muito interessante. Muitas dessas
ações são pontuais e não estão voltadas especificamente a impactar as políticas públicas, como eu comentei, mas
nós, da Fundação Victor Civita, acreditamos que, futuramente, todas essas ações serão efetivamente focadas em
impactar esse dia-a-dia, essa política pública, não isoladamente, mas em parceria com a comunidade e com o
órgão de direito naquela questão, realizar esse impacto, realizar essa influência, realizar essa transformação.
Uma dúvida que fica, que é constante, que nos perguntamos é como não confundir as responsabilidades
do Estado com a responsabilidade do terceiro setor, e aí fizemos um esqueminha que, sozinho, quer dizer muito
pouco, mas eu vou tentar esclarecer qual foi o nosso entendimento. Nosso entendimento é que o terceiro setor
não deve substituir o Estado em suas responsabilidades. Acho que isso é claro para todo mundo, nem o Estado
quer isso, nem o terceiro setor quer isso. É fato que, às vezes, isso pode acontecer involuntariamente, mas isso
não é o que nenhum dos lados busca. Só que é muito difícil estabelecer limites claros entre o que deveria ser obrigatoriamente tarefa do Estado e o que deveria ser obrigatoriamente responsabilidade do terceiro setor. É muito
complicado. A gente consegue colocar objetivamente os grandes pontos, mas quando se olha o detalhe e se vê caso
a caso, percebe-se que essa fronteira entre um e outro, às vezes, é muito tênue. Então, o que entendemos é que
existe uma área pela qual o Estado é pleno e totalmente responsável, e essa área obviamente vai além da educação
formal, e existe uma área que está fora dessa área do Estado, que seria a área de atuação do terceiro setor. Só que
quando vamos colocar aquelas ações que são realizadas hoje pelo terceiro setor, vemos que elas não estão em só
192
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
uma dessas áreas, elas permeiam as duas áreas. O que significa isso? Significa que o terceiro setor está entrando
na área de responsabilidade do Estado? Não deveria. O que deveria significar é que algumas atividades são emergenciais, e que para realizar a ação do terceiro setor, que seria impactar de alguma forma, ajudar a transformar
a sociedade através de projetos perenes, eficientes, e ajudar a montar políticas públicas consistentes, essas tarefas
emergenciais, às vezes, são feitas pelo terceiro setor. Eu acho isso muito natural e acho até positivo no momento
que vivemos no Brasil, mas eu acho necessário cada vez mais olhar sempre e tomar esse cuidado para que as políticas públicas sejam definidas pelo Estado, com participação do terceiro setor e da sociedade, que a educação formal
seja realizada pelo Estado e assim em outros pontos também. Mas sabemos que são muito tênues essas fronteiras
e, no dia-a-dia, apesar de querermos no escritório escrever, não é tão simples fazer essa separação.
Vou falar de alguns casos considerados bem sucedidos relacionados à educação no terceiro setor. O primeiro deles é “Escola que Vale”, esse projeto é um projeto realizado sob a responsabilidade da Fundação Vale do
Rio Doce, com o objetivo de colaborar no desenvolvimento social das comunidades onde a Vale está presente de
alguma forma. Esse projeto é focado na formação continuada do educador; ele foca, em última análise, a melhoria de aprendizagem dos alunos da rede pública de educação. Então, como resultados numéricos, podemos dizer
que ele já tem mais de 28 mil beneficiários. O que eu acho que é importante desse caso? O importante do caso
da “Escola que Vale”, para mim, são obviamente as melhorias locais que ele produziu, a formação de professores,
quem efetivamente tiver oportunidade de conhecer é um projeto muito interessante; eles efetivamente pensaram
em impactar a política pública. Então, esse projeto, originalmente, pensado para dois anos em cada município
ou em cada região, foi transformado em cinco anos para poder fazer uma transição correta e para poder deixar
esse legado para a comunidade e para os órgãos competentes darem continuidade.
Um outro projeto interessante é “Além das Letras”, que é basicamente uma premiação de projetos desenvolvidos pela rede pública nos diversos municípios e na formação desses técnicos participantes para que se discutissem
idéias, se fizesse uma supervisão sobre esses projetos. Mais uma vez o interessante é que um dos critérios utilizados
para esse prêmio foi efetivamente a continuidade dos projetos, do ponto de vista administrativo e técnico.
Por último, queria falar um pouquinho da revista “Nova Escola”, que é um projeto da Fundação Victor
Civita. A revista “Nova Escola”, acredito que a maioria dos professores deva conhecer, é uma revista que já está
sendo distribuída há 20 anos, hoje a sua circulação é de 680 mil exemplares, é a segunda revista mais distribuída
no país. O seu objetivo é efetivamente trocar idéias com o professor, tentar auxiliá-lo nas questões do seu dia-adia e, de alguma forma, ajudá-lo a exercer melhor as suas tarefas e ser um canal de comunicação informal com
o professor. Essa revista é distribuída pelo MEC, por algumas secretarias de Estado, algumas secretarias municipais, isso já é feito há 20 anos, e isso de alguma forma já está inserido na política desses organismos. No futuro,
mesmo que não seja a revista “Nova Escola”, mesmo que sejam outras revistas, ou mesmo que seja um outro
canal de comunicação que não a revista, o importante é que já está inserido na política pública que é importante
ter esse canal de comunicação com os professores.
Como falei, esses projetos que levantei são alguns dos muitos projetos que considero bem sucedidos
pelo terceiro setor. Só levantamos esses, em particular, porque achamos que era interessante dividi-los com o
grupo, mas tenho que deixar claro que se eu pudesse colocaria 15, 20 projetos, no lugar de só três.
Para finalizar, gostaria de colocar um pensamento que foi, mais ou menos, unanimidade dentro do grupo que
se formou para discutir esse assunto: é que o terceiro setor hoje tem muitos ingredientes que permitem que ele
seja um forte agente transformador da educação no país, em outros setores também, mas na educação em particular, dentro do Brasil. Eu acredito que o terceiro setor já vem tendo um papel importante, mas que agora, com
essa nova forma de operar e com esse novo foco, vai ter um papel muito forte na transformação da educação do
país. Bom, eram esses os pensamentos que eu queria passar para vocês, sei que eles não são muito detalhados,
em alguns momentos são genéricos, são idéias do grupo que discutiu isso na Fundação Victor Civita. Agradeço
a atenção de todos.
193
Educação e profissionalização na cidade de São Paulo
Almério Melquíades de Araújo
Professor e Coordenador do Ensino Técnico do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, licenciado em Física pela PUC São Paulo e mestre
em Educação pela PUC São Paulo
Boa tarde a todos. Inicialmente, em nome do Centro Paula Souza, gostaria de agradecer aos organizadores
deste evento e à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo pelo convite, e cumprimentá-los pelo esforço e
pelo sucesso deste encontro. Considero este processo extremamente importante, e ele já é o quarto de uma seqüência de eventos que promove o encontro de professores com o objetivo de possibilitar uma troca de experiências
entre esses profissionais do ensino. Essa, talvez, seja a melhor forma de atualização e de confraternização.
Em relação à questão da educação e sua relação com a formação profissional, podemos fazer as seguintes
reflexões: A formação geral já é em si mesma uma formação profissional, uma educação para a inserção do jovem
no mundo do trabalho. Até que ponto essa formação geral é uma preparação para essa educação profissional,
que, no Brasil, ainda se dá, basicamente, a partir das experiências reais? De fato, a educação profissional formal
no Brasil ainda acontece, majoritariamente, no ensino superior. Temos hoje no Brasil cinco vezes mais alunos
em faculdades, no nível superior, do que no nível médio ou no nível técnico, sem mencionar níveis de qualificações profissionais para aqueles que não alcançaram o nível médio. Como grande parte da população brasileira
não alcançou a escolarização média, ela fica excluída tanto de uma educação profissional no nível superior, que
se dá por intermédio de vestibulares que exigem o ensino médio completo, quanto dos cursos oferecidos pelas
escolas técnicas de nível médio, que exigem como condição de ingresso que o aluno esteja matriculado no ensino médio e, para diplomação no ensino técnico, a conclusão desse ensino médio. Constatamos, portanto, que
a educação profissional no Brasil ainda é um privilégio.
Chegar a uma escola técnica e chegar a uma faculdade ou a uma universidade ainda é algo inacessível para
a maioria da população, ou seja, a educação profissional no Brasil (e eu estou falando na cidade de São Paulo,
mas poderia estar dizendo isso em Guarabira, na Paraíba, ou em uma cidade do interior de Minas Gerais) ainda
se dá na prática profissional, no dia-a-dia, no emprego, na fábrica, no hospital, na fazenda, no hotel e assim por
diante. É assim, dessa maneira empírica, que se desenrola o processo educacional, é assim que os profissionais,
os trabalhadores vão construindo seu itinerário formativo, combinando-o com a sua escolarização básica, ou
contínua, por intermédio de diferentes cursos, buscando a complementação da educação. Penso que qualquer
escolarização hoje, qualquer educação formal já traz em si a construção de um conjunto de competências gerais
que vão subsidiar e garantir o itinerário profissional dessa ou daquela maneira. É impossível hoje a inserção
profissional sem a existência dessa ou daquela escolarização. Nós somos de opinião que, quando o jovem freqüenta uma escola, ele já está somando o conjunto de conhecimentos, de informações e até de desenvolvimento
cognitivo que permitirá seu desenvolvimento profissional. Quer dizer, não há formação escolar absolutamente
separada de uma futura ação social e profissional, não há como dizer que até tal idade se faz apenas educação
no sentido puro, uma formação para a vida em geral. Não. Você já está, de uma certa forma, desenvolvendo
processos cognitivos que vão subsidiar o desenvolvimento de um conjunto de competências específicas.
No mundo do trabalho de hoje, quando se desenvolve, a partir de uma determinada ocupação, um conjunto de atividades, essas atividades sempre estarão associadas a três grandes funções produtivas: a capacidade
de planejar, de executar e de controlar a qualidade daquilo que foi planejado e que está sendo executado. De
uma certa forma, no dia-a-dia, no seu cotidiano, seja como professor, seja em qualquer atividade profissional,
você está sempre desenvolvendo atividades que estão associadas a essas funções. Até para você atravessar uma
rua, de alguma forma, você tem que fazer um plano. Você não atravessa a rua de qualquer maneira. Você tem
que ver qual é o fluxo de carros naquela rua. Você tem que, mais ou menos, estimar qual é a velocidade que tem
que imprimir para atingir o outro lado da rua antes que o carro chegue ao ponto em que você está. E, se houver
alguma alteração na velocidade daquele carro, você tem que mudar, também, aquele seu plano. Isso acontece
também na vida profissional do professor.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
No início de cada período letivo, o professor é obrigado a entregar o seu plano de trabalho docente
ou plano de ensino, no qual se estabelece um cronograma e um conjunto de conteúdos e atividades que se
pretende desenvolver ao longo de um semestre, de um bimestre ou de um ano letivo. Entretanto, isso é apenas
uma estimativa, pois, quando o professor passa a conhecer a sua turma, no momento em que há essa relação
professor-aluno, ele pode ser obrigado a redefinir esse plano. Ou seja, o professor não deve ser escravo do seu
próprio plano. É necessário que nós, professores, tenhamos bom senso para medir qual é a capacidade daquele
coletivo, daquela turma, daquela classe para acompanhar com sucesso aquele projeto, aquele plano de trabalho
feito antes de conhecermos aqueles alunos. E o processo de avaliação da aprendizagem também são avaliações,
são indicadores de que seu plano está sendo adequado ou não àquele conjunto de alunos, ao interesse daqueles
alunos. O ato de planejar, de executar e de avaliar aquilo que foi feito é próprio de qualquer atividade humana,
desde uma mais simples, que é sair de casa e usar a roupa adequada à temperatura ou à previsão do tempo, até
o desenvolvimento de um plano de trabalho docente que foi previsto para um certo período. Esse exercício
inteligente é o que hoje estamos definindo como competências, ou seja, o que traz para a educação esse novo
paradigma educacional que é a construção de competências no processo de ensino e aprendizagem.
Até que ponto isso inova ou traz uma maior complexidade em relação ao paradigma anterior que se baseava em processos de transmissão de conhecimentos e de avaliações estanques e em avaliações escritas ou orais
pré-determinadas? Ou seja, aquele conjunto de conhecimentos que nós chamávamos de conteúdo do curso passa de fim a meio, para que o aluno atinja determinadas competências. Essas competências no nível médio terminam sendo resumidas naquelas cinco grandes competências, a partir das quais é elaborado o exame do ENEM.
Na relação das cinco grandes competências há vinte e uma habilidades. São esses conjuntos de competências
que estão normalmente associados a uma idéia de capacidade e análise que o ser humano vai desenvolvendo,
enxergando essa grande competência que é fazer análise como um conjunto de capacidades de pesquisar, de
projetar alguma coisa, de executar e de controlar. Quer dizer, todo o conjunto de conhecimentos e habilidades
que se constrói para o exercício de uma determinada função está sempre associado a essa grande competência.
Não se quer mais um profissional que simplesmente tenha habilidade, que tenha o domínio de um determinado equipamento ou de uma determinada habilidade pessoal. O que se quer é que um profissional detenha um
conjunto de conhecimentos teóricos, que ele domine uma série de equipamentos e instrumentos, mas que ele
saiba, diante de determinados projetos, de determinados desafios ou situações e problemas, mobilizar de uma
forma apropriada essas informações e essas habilidades para alcançar um determinado fim. Ou seja, a educação
profissional tem caminhado no sentido de combinar as competências gerais cognitivas que o jovem desenvolve
com a capacidade de utilizar conceitos, de fazer análises, de formular propostas, de fazer projetos, de refinar isso
em determinada área de atuação profissional, seja na área da saúde, na área mecânica, na área química, na área
agropecuária, na área cultural e assim por diante.
O que estamos fazendo no Centro Paula Souza, que é uma autarquia do Estado de São Paulo vinculada
à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, é todo um esforço no sentido de promover a integração desse conjunto de competências gerais, que o aluno vai adquirindo ao longo do ensino fundamental e do ensino médio,
com as competências profissionais específicas que o habilitam para uma ação profissional nessa ou naquela área,
nessas ou naquelas ocupações, funções ou cargos. Esse tem sido todo o nosso esforço nos últimos anos: combinar
a educação profissional com esse aprendizado geral que acontece ao longo da educação básica, por intermédio
do ensino fundamental e do ensino médio.
Voltando à colocação inicial, de como acontece a formação profissional, mencionei que ela é, em geral,
desenvolvida empiricamente. Para consolidar a informação que apresentei no início, eu trouxe alguns números
relativos ao ensino médio e ao ensino técnico. Estou falando agora, especificamente, do ensino médio e do
ensino técnico, que nos dão, em termos percentuais, uma idéia da relação entre a educação geral, a educação
básica, e a educação profissional. Eu trouxe uma distribuição da cidade de São Paulo, da região metropolitana,
em relação à oferta de unidades de ensino, e já é possível notar que a educação profissional é algo diminuto.
Existem apenas 13 escolas técnicas públicas em uma cidade como São Paulo, de 10 milhões de habitantes. Está
evidente a deficiência da chamada educação profissional formal na cidade de São Paulo, que é a maior e a mais
desenvolvida e com maior tradição industrial e comercial do Brasil. E vemos como a educação profissional é
reduzida, basta comparar o número de escolas que oferecem ensino médio e ensino fundamental com as que
oferecem ensino técnico.
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Tenho alguns números, por intermédio dos quais isso fica mais evidente: na cidade de São Paulo, temos
559 mil matrículas no ensino médio, e apenas 77 mil no ensino técnico, ou seja, menos de 15%. Essa estatística
exclui os milhões de habitantes da cidade de São Paulo que já têm o ensino médio e que não têm nenhuma formação profissional regular devidamente certificada. A partir dos dados que eu mostrei agora, fiz algumas relações
de percentagem: dentro do ensino médio, nós temos 85%, aproximadamente, da matrícula na escola pública,
majoritariamente na rede estadual, que atende de uma forma muito maior o ensino médio, e apenas 15% a 16%
em escolas particulares. Ou seja, apesar do crescimento nos anos de 1970 e 1980 da escola particular, esse ciclo
se esgotou no final de 1980 e todo o crescimento do ensino médio no Brasil e, particularmente, na cidade de
São Paulo, se deu na rede pública.
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O crescimento da escola particular foi negativo quando comparado ao crescimento real do ensino médio
na cidade de São Paulo. No que diz respeito ao ensino técnico, temos uma equação inversa: nesse caso predomina a escola particular. Temos 80% dos alunos matriculados em ensino técnico nas escolas particulares e apenas
196
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
20% em escolas públicas, o que agrava mais o problema da regularização da certificação e da formação regular
no nível técnico para o jovem da escola pública. Além de a oferta ser escassa, ela ainda se dá majoritariamente
na escola particular, o que torna mais difícil para o jovem e para o trabalhador ter acesso a uma formação técnica regular. Dentro do ensino técnico público há uma desproporção: praticamente 85% da oferta concentra-se
na Secretaria de Ciência e Tecnologia, por intermédio do Centro Paula Souza, ou seja, não temos uma oferta
significativa nem no plano federal, que oferece apenas o CEFET, que tem uma escola técnica e um centro de
formação profissional, nem no plano municipal, que oferece apenas algumas unidades de ensino técnico por
intermédio da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
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Recapitulando, temos uma oferta pequena, oferecemos poucas condições para que o jovem possa complementar a sua formação básica no ensino técnico, situação agravada, ainda, pelo fato de 80% dessa oferta
estar nas escolas particulares, que não são gratuitas, e também ampliada pelo fato de a oferta de vagas no ensino técnico estar concentrada na Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Comparando-se
a situação em outros Estados, vemos, por exemplo, que a maior oferta de educação técnica em Minas Gerais
é oferecida pelo governo federal, pelo MEC, e não pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais. Há
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uma participação grande do governo federal em Minas Gerais, no Paraná, no Nordeste, entretanto em São Paulo
essa participação é diminuta. A situação é complicada, ao mesmo tempo em que constatamos ao longo desses
últimos anos, uma demanda crescente por formação profissional.
Há um conflito: o jovem é hoje o maior desempregado da cidade de São Paulo. Hoje, o desemprego é
muito maior na faixa dos 16 aos 24 anos do que na faixa daqueles que têm mais de 40 anos. Por que? Por conta
da falta de escolarização, da falta de formação profissional, já que as empresas em São Paulo atualmente exigem,
para qualquer função, o ensino médio e experiência de trabalho. Como as empresas sabem que existe pouca gente com formação profissional, nos anúncios de emprego, geralmente, é exigida experiência profissional. Como
fica a situação dos jovens que terminam o ensino fundamental ou o ensino médio, e que não têm acesso a uma
educação profissional? Hoje vivemos esse problema, e o crescimento de vagas de matrículas iniciais na cidade de
São Paulo não é muito alvissareiro. Vejam que a oferta da maior instituição de educação técnica no Estado de
São Paulo, e a maior do Brasil em termos de rede estadual, teve um crescimento significativo ao longo de 5 anos:
foi de 9.600 matrículas para 13.000. Mais o que são 13 mil diante dos números do ensino médio?
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Potencialmente, os candidatos ao ensino técnico são pessoas de origem humilde, que não tem condições
reais de freqüentar um curso superior de 5 anos, ainda mais porque o ensino superior é majoritariamente composto por instituições particulares. Às vezes, o jovem passa no vestibular, mas desiste no primeiro ou no segundo
ano. Infelizmente, temos um número significativo de pessoas que começam e não terminam o curso superior.
Bom, esse é o quadro, e eu lamento não poder trazer informações melhores sobre a questão da educação
e da formação profissional. Estamos diante de um gargalo, e o Estado e a iniciativa privada terão que se debruçar
sobre o problema e oferecer sugestões. Muito obrigado pela atenção.
198
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Experiência Pedagógica da Universidade Livre do
Circo
Marcos Frota
Ator
Alô, São Paulo! Professores e educadores, vamos conversar um pouquinho, prometo que não vai ser
muito demorado e vai ser interessante, também porque tenho muitos filhos pra criar e só saio de casa quando as
coisas são pra valer. Eu queria só chamar o coordenador da Universidade do Circo, que vai sentar aqui comigo.
A música é para lembrar que a novela terminou, mas a minha missão está apenas começando. Vamos falar um
pouquinho sobre educação, sobre a minha experiência à frente da Universidade Livre do Circo, por que escolhi
o Jatobá para comemorar 25 anos de carreira, 50 anos de idade. Trouxe um vídeo que está passando aí no telão,
que é uma experiência da Universidade Livre do Circo, é um espetáculo que a gente faz todo dia 3 de dezembro
e se chama “Somos todos brasileiros”. Um espetáculo de inclusão, na sua maioria realizado por pessoas com
deficiência. Trouxe comigo José Carlos Piccolo, coordenador pedagógico da Universidade do Circo.
Primeiro, boa tarde a todos, é muito bom estar aqui. Acho que esta é uma guerra que estamos perdendo,
não adianta tapar o sol com a peneira e nem ficar em tom de celebração, porque, é claro que as conquistas são
visíveis, mas, infelizmente, a guerra a gente está perdendo. Um dos homens mais conscientes e mais brilhantes
do Brasil na atualidade, de uma lucidez absoluta, de uma sabedoria plena, é o Dr. Dráuzio Varella, e ele, numa
sessão no palácio do Planalto para a pré-estréia do filme “Carandiru”, disse essa frase que me marcou muito: “É
uma guerra que a gente está perdendo”. Temos para cada 10 crianças dentro de escola, quase 20 fora. E mesmo
aquela que está dentro da escola, a condição que ela tem de um desenvolvimento normal, em busca da realização
dos seus sonhos, é muito precária. Então, um Congresso como esse, com essa dimensão, com essa magnitude,
esse envolvimento todo, em uma cidade como São Paulo, é obrigação. Acho que é através do diálogo que vamos
descobrir possibilidades, para que se consiga encaminhar propostas e situações para tentar reverter.
Tenho uma formação em Pedagogia, fiz Pedagogia na PUC de São Paulo junto com meu colega e
companheiro da Universidade do Circo na década de 80, quando a PUC de São Paulo era uma instituição absolutamente efervescente e o curso de Pedagogia, o curso de Educação dentro da PUC, era um curso bastante
significativo. Infelizmente, lamento muito, ter interrompido a faculdade no meio porque comecei a fazer aquela
peça, “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva. Do segundo para o terceiro ano a peça começou a excursionar pelo Brasil inteiro e não pude cumprir o requisito básico para poder terminar o curso, que é a freqüência
acima de 75% das aulas, mas a semente do educador sempre ficou dentro de mim. Sou formado pelo Colégio
Vocacional Oswaldo Aranha, talvez uma das melhores e mais importantes experiências educacionais públicas do
Brasil recente comandado pela Maria Nilde Mascelani, um colégio estadual. Ali, nos nossos sonhos, nas nossas
reuniões, sempre sonhei em ser educador, sempre quis ser um pedagogo, um professor, um diretor de escola
estadual, escola pública, sempre trabalhei muito na possibilidade de me tornar um professor da Rede Pública de
Ensino, e o que me interessava, o que me encantava era a molecadinha, o primeiro momento, a primeira fase
escolar que na minha época chamava primário, hoje é educação fundamental.
Não é à toa que escolhi o circo como atividade complementar, como exercício de cidadania. Sempre
acreditei que, através da arte, poderia realizar alguns dos meus sonhos. Lendo Paulo Freire, conversando com
Darcy Ribeiro, estando com meus amigos da Universidade, ou com os meus colegas do Colégio Vocacional, eu
achava que o circo poderia me aproximar um pouco de tudo que eu sonhei ser, desenvolvi, antes de abraçar a
carreira de artista. Então, para mim, estar presente num congresso como este, podendo falar algumas coisas, é
uma oportunidade e tenho feito isso pelo Brasil todo e estou aberto aqui para as perguntas, para as colocações,
pra gente transformar esse papo numa coisa mais dinâmica, mais orgânica.
O que fica, em primeiro lugar, é o sentimento constante que gera uma certa inquietude, um certo
inconformismo íntimo, pessoal, algumas noites de sono que são perdidas. Não está dando mais para você ser
199
plenamente feliz apenas com as suas coisas, com o seu umbigo, com a sua família, com seus filhos. Não está
dando. Terminei a novela agora - a novela foi um sucesso, também porque as novelas da Globo são um sucesso
mesmo, um sucesso de público, digamos assim, as pessoas param na frente da televisão para acompanhar a teledramaturgia proposta pela TV Globo – a novela propôs vários assuntos e se transformou em um grande êxito de
audiência, mas sabe, quando a novela estava terminando, eu não conseguia curtir a felicidade, o sucesso, tomar
uma garrafa de vinho para comemorar. Gozado, os tempos, os dias não são mais assim, eu pelo menos não consigo mais. Não tem mais graça.
O Brasil, “pátria amada, terra adorada, mãe gentil”, precisa do melhor de cada um, e tudo que tem acontecido, recentemente, na área política, na área social, na área econômica e mesmo na área artística, não dá mais
pra você ficar com nenhum tipo de reivindicação ou protesto, ou aquele inconformismo, bater no peito, vamos
às ruas, vamos apontar os culpados e ficar de dedo em riste, aquela postura acusatória também não é mais isso.
Agora é aqui. “Porque o Lula, o prefeito, o diretor da escola, meu pai...”, não dá mais. Agora o movimento é daqui pra cá, tem que inverter, a gente tem que vir pra dentro, o mundo muda muito, as coisas giram, a velocidade
é muito grande, e agora a consulta tem que ser interna e constante, buscar, realmente, de que maneira eu posso
contribuir, como posso participar.
Eu teria todos os motivos do mundo para estar muito feliz, o lado pessoal, o lado profissional, os amigos
todos, desfrutando da popularidade que a carreira artística oferece e proporciona ao artista, todas as regalias
resultantes. O mundo começa a ficar pequeno, porque você pega uma passagem e vai para qualquer lugar, as
coisas estão muito próximas. Eu tive tantos sonhos que não realizei, tantos lugares que queria conhecer, tantas
atividades que queria desenvolver ou participar, e hoje tenho todas as oportunidades do mundo, mas não consigo mais. Eu vejo meus colegas, acabei de encontrar aqui o Murilo Rosa que fez o Dinho na novela América,
curtindo o sucesso. O papo no final da novela era: “Vou tirar férias”, “Vou para Nova York”, “Acho que vou pra
Fernando de Noronha”, “Vou curtir um pouco”... Eu sou daqueles que não consigo, eu não tenho pra onde
ir, não tenho mais o que fazer, não tenho mais onde estar que não seja caminhar, estar na luta, estar próximo,
contribuir de alguma forma. Então, estar aqui nesse congresso hoje, conversar um pouco com vocês é, em primeiro lugar, tentar compartilhar essa minha inquietude, esse meu de desejo de “não está dando mais pra ser feliz
sozinho”, “não está dando mais pra entrar no carro e curtir uma praia”. Eu estou falando sozinho, mas preciso
compartilhar essa minha vontade de estar junto, pavimentando, preparando talvez não para nossa geração, nem
para os nossos filhos mais velhos – e eu tenho quatro filhos pessoais e dezesseis filhos adotivos –, pelo menos para
os filhos dos nossos filhos.
Cada um tem que fazer a sua parte, eu queria abrir falando isso. Acho que cada um tem que fazer a
sua parte. Não cabe dentro dos meus dias pensar em férias, é o que eu sinto hoje em dia. Quando eu falei que
a novela está terminando, mas na verdade a minha missão está começando, é porque não posso movimentar o
que a gente movimentou com esse personagem e depois sair pelo país fazendo jabá, ou fazendo baile de debutante, ou uma série de comerciais. Não dá. A minha modéstia só não é maior que a minha consciência. Eu sei
o que significa você estar durante 10 meses no horário nobre na televisão tratando de um assunto delicadíssimo
e depois parar e achar que está bom, sendo que agora é que a semente foi plantada, sendo que agora o diálogo
foi proposto, sendo que agora as possibilidades explodiram. E aí, eu digo, “Ah, não, a minha parte foi só aquilo
ali. É claro que poderia ser só aquilo ali, porque cada macaco no seu galho, mas aí é que eu falo: a gente está
perdendo essa guerra, e a gente tem que tentar estar alinhado com seu exército.
Hoje, estou me preparando pessoalmente, intimamente, organizando a minha família, organizando a
minha atividade profissional, tanto na televisão quanto no teatro, quanto no circo, para poder estar 100% disponível para essa causa que eu levantei que é (essa palavra está meio gasta já) a inclusão das pessoas com deficiência.
Eu, em 2003, estava passando por um problema pessoal, delicado, interno, difícil lá dentro de casa e alguém na
rua virou pra mim e disse: “Marcos será que tudo isso que está acontecendo na tua vida, na verdade, não está te
preparando para uma missão que está prestes a se aproximar de você?”. E não é que é verdade! Em 2003, quando
chegou, eu estava pronto, preparado, distante, ausente de mim mesmo, da vaidade, dessa coisa que é pertinente
à carreira artística para estar disponível para essa história.
200
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Em 2003, então, nós realizamos aqui em São Paulo um evento chamado “Somos todos brasileiros”, só
com deficientes, cegos, cadeirantes, tetraplégicos, síndrome de Down, todos eles num palco ao lado de artistas
consagrados. Quando eu olhei para aquilo ali, falei “Puxa, é por aí que eu vou”. Aí bati na porta da TV Globo,
como não sou empresário e também não sou político, nesse sentido de profissão, de escolha, restava a mim a
contribuição como ator, e nada melhor do que estar no horário nobre discutindo essa questão, e aí bati na porta
da Globo e pedi pra fazer um personagem assim. Como pedi em 85, pra fazer o circo, a novela era “Cambalacho”. Fui lá, bati, e falei “Vamos fazer uma novela sobre o circo, o circo está acabando no Brasil”. Sou do interior
e entendia toda a magia circense e descobria o meu destino e a minha vocação através do circo, achava que a
televisão devia permitir um espaço, e aí fizemos a novela “Cambalacho”e o circo explodiu, quer dizer, o circo
ganhou um novo fôlego e eu acabei me apaixonando perdidamente pelo circo, e essa paixão se transformou em
amor para sempre, inteiro. E depois de realizar todos os meus sonhos como trapezista, como malabarista, viajar
o Brasil inteiro, de Manaus a Porto Alegre algumas vezes, e viver um exercício de cidadania que poucos colegas
da minha profissão viveram, pois esse trabalho desaguou, teve um desdobramento e criamos esse programa sobre
o qual vou falar daqui a pouco, que é a Universidade Livre do Circo.
A Pedagogia da Convivência – eu trouxe o Zé Carlos pra falar um pouco sobre esse tema e é sobre isso
que a gente quer tratar com vocês, educadores e pensadores da educação que aqui estão. Pelo menos o congresso
é para isso. Com aquele mesmo ímpeto, com aquela mesma coragem – coragem. O que é coragem? O significado da palavra “coragem” qual é? É agir com o coração – aquilo que me levou a realizar um sonho meu, que
era mergulhar no universo circense, foi esse mesmo sentimento que me levou à porta do diretor da TV Globo
para pedir para fazer uma novela tratando da inclusão das pessoas com deficiência. No início houve uma certa
rejeição porque o público mesmo rejeita um personagem assim no horário nobre. As pessoas, no fundo, estão
mais para se divertir, é muito mais interessante ver a trajetória de um Dinho ou de um Feitosa do que de um cara
deficiente na hora do jantar. E a TV Globo, então, fez uma pesquisa sobre de que maneira se poderia tratar desse
assunto, e aí, como tudo é um querer terreno e uma vontade divina, tudo acontece assim, um querer terreno,
que é essa coisa humana nossa, essa garra, raça, coragem, determinação, sonhos, essas coisas que se aproximam
da gente – hoje eu estava lendo uma crônica do Leonardo Boff sobre a questão da crise. Leonardo Boff é aquele
franciscano que durante um tempo foi conselheiro do presidente Lula, e ele falava que vale tudo, menos o sonho
que não pode acabar. Foi esse tipo de sentimento que me levou a encontrar com a Glória Perez. E quis Deus que
fosse a Glória Perez a escrever esse personagem. Olha, vou falar uma coisa pra vocês, eu me identifico muito
com as pessoas que são forjadas na dor, que vêm carregadas de uma humildade, de um sentimento de gratidão
por tudo. Incrível como foi, de repente, escalada pelos anjinhos a Glória Perez para escrever essa novela. Fiz de
tudo um pouco, mas o que mais me preparei foi pra não perder a sintonia com ela. E me debrucei sobre um
assunto que envolve 25 milhões de brasileiros. E se você colocar, pelo menos, um pai, uma mãe, e um irmão
apenas, num grupo da família, já vai para 75 milhões de pessoas envolvidas com a questão da deficiência, nem
sei se chamo mais de deficiência.
Rapidamente compreendi o refinamento espiritual que passa uma pessoa com deficiência. Quando a
pessoa deixa de perguntar o ‘por que’ e começa a perguntar o ‘pra que’, aí foi uma cachoeira de benção que
recebi por esse trabalho todo. Primeiro, porque conheci pessoas maravilhosas, depois porque mergulhei num
universo absolutamente humano, uma busca de divindade incrível. E em terceiro, porque me permite, mais
uma vez, me perguntar como cidadão o que eu posso e devo fazer, de que maneira eu posso contribuir para isso
tudo. Discutindo a questão das pessoas com deficiência, a gente pensa sobre a educação como um todo, porque
começa dentro de casa, começa no relacionamento, você resgata determinadas palavras como tolerância, como
compreensão, como olhar, como paciência, como diálogo, como respeito e por aí vai, generosidade, bondade,
fraternidade, disponibilidade. Eu não sei como vocês estão, mas eu estou cansado de palavras como carisma,
atitude. Eu já estou cansado disso. Estava aqui na sala VIP conversando com alguns amigos e aí o pessoal disse,
“Marcos, não esquece de falar sobre ética”. É claro, tudo é ética, hoje em dia, então, com tudo que está acontecendo, mas o que é ética, na verdade? O que cerca esse conceito?”. Aí, rapidamente ligou para a assessoria e a
resposta veio assim, do ser, daquilo que a gente é, o que é ético na gente: honestidade, coragem, tranqüilidade,
auto-estima, disciplina, fidelidade. E o que a gente compartilha, o que é da gente para o outro: lealdade, respeito, sensibilidade, bondade, perdão e amor. Dessas e outras palavras, desses e outros conceitos, me aproximei
201
definitivamente por causa do Jatobá. O Jatobá recebeu algumas críticas, principalmente aqui em São Paulo, de
um certo lugar-comum, li algumas críticas na Veja e na Folha de São Paulo. A Veja está aí para criticar mesmo
e a Folha de São Paulo também, não tenho problema com crítica, acho legal, tudo é bem-vindo. E no caso do
Jatobá até aquelas brincadeiras do tipo “Enxerga, Jatobá!”, aquelas coisas do pessoal do Casseta & Planeta e todas as brincadeiras achava legal porque a missão era ampliar a discussão, então, tudo que pudesse falar era bom
porque despertava o assunto, e quem quiser aprofundar cai em coisas bem bacanas. Eu acho que no Jatobá estava
ali a honestidade, principalmente evidenciada no relacionamento dele com a Vera, a coragem de ser feliz, de não
se incomodar com nada e partir em busca da felicidade, a auto confiança porque sem isso a gente não caminha,
a disciplina, a fidelidade, a busca interna de paz, de tranqüilidade, de equilíbrio, a lealdade. Isso me lembra de
uma cena com o Feitosa, um dos maiores elogios que recebi por causa do Jatobá foi de uma pessoa da técnica,
ele falou assim “Marcos impressionante como no seu núcleo todo mundo fez sucesso”. Eu parei e pensei “Não
é que é verdade! A Totia Meirelles era uma atriz mais experiente que fez a Vera, hoje está consagrada. O casal
Feitosa e Islene, o Feitosa de São Paulo, Aílton Graça, do cinema, acabou se tornando uma das unanimidades
da novela. A Cléo Pires, que era minha enteada, acabou se transformando em uma estrela, iluminou o trabalho
do Édson Celulari. Aquele menino Radar encontrou seu espaço e caminhou. A Flor não precisa nem dizer. “É
impossível jogar luz sobre a sua própria vida, sem iluminar a dos outros”, escreveu Simone de Beauvoir naquela
peça “Cerimônia do Adeus”, que fiz com a Cleide Yáconis.
Essa questão do quanto o olhar e a ação a respeito desse tema que envolve os deficientes pode iluminar
o momento em que a gente busca identidade para saber quem a gente é, para onde a gente vai, em termos de
sociedade brasileira. Acho que esses valores contidos internamente na questão da deficiência podem se desdobrar
para todos os outros assuntos. É por isso que estou tão empenhado. Eu estava falando para vocês que a novela
terminou, mas a minha missão começa agora. Estou me preparando para fazer uma grande caminhada pelo
Brasil inteiro, nas universidades, nas ONGs, nas instituições, nos trabalhos voluntários, principalmente aqueles
que incluem a questão artística para não deixar que esse assunto desaqueça. A novela das oito é moda, muito
bem, mas essa “moda” da inclusão das pessoas com deficiência, esse tiro de canhão foi disparado e cabe a mim
não deixar essa semente secar, porque acredito como cidadão que esse é um assunto importantíssimo, suficientemente capaz de iluminar questões essenciais a respeito do Brasil que todos nós queremos construir.
Vou falar um pouquinho sobre o circo agora. Chegou uma frase aqui na mesa: “Educação só acontece, e
acontecerá, porque ainda há professores que acreditam e sonham. É bom estar aqui. Parabéns pelo seu trabalho
e por esse desafio que você assumiu”. É aquela coisa que falei no início, o nível de preocupação e de amor pelos
meus é tão grande que não me permite curtir o sucesso de uma carreira artística. Com 50 anos de idade, com
o espaço que tenho, se coloca no meu lugar, com tudo que já passei, com o grau de maturidade que tenho,
de espiritualidade que a vida me propôs, sou viúvo, já entendi que as coisas são muito mais embaixo, deixar
essa estória do Jatobá virar apenas uma novela, uma capa de revista, é muito pouco. É tudo que eu recebi, de
respeito, de carinho, de espaço, de cada abraço que recebo por causa do Jatobá. Falava para a Glória: “Glória,
o Jatobá não veio só para fazer sucesso”. Eu, com 25 anos de carreira, com 50 anos de idade, cair na cilada do
sucesso quando explodiu o casal com a Vera, a música do Roberto Carlos, algumas coisas vieram me mostrar se
eu fosse por esse caminho ia desperdiçar uma grande oportunidade e o fato de ter sido “escolhido” para tratar
desse assunto. As crianças brincando de cego não tem preço que pague. Casais assumindo relacionamentos com
pessoas com deficiência. Aqui mesmo, hoje no restaurante, veio uma moça bonita e me falou: “Eu assumi meu
relacionamento com uma pessoa com deficiência”.
Dr. Pinotti e a Chefe de Gabinete estão na platéia! Eu achei que estava falando besteira, que ele não
estava aí. Eu sou do seu time, Pinotti, conta comigo, me usa.
A gente caminha por aí com a coisa do circo, e o que vejo, não sei se vocês têm o mesmo sentimento,
mas hoje existe na sociedade brasileira um grande ponto de interrogação, “E agora?”, “O que fazer com todos
os nossos sonhos, com todas as nossas expectativas?”. O sentimento de amor por esse país não diminuiu. Agora,
canalizar pra onde? Canalizar e achar, sinceramente, uma maneira séria, contundente, efetiva, de participar, de
ajudar, de estar junto desse exército.
202
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Universidade Livre do Circo. O circo aonde chegava era uma festa, um sucesso total de público e, é claro, o ator da novela com o circo, eu era trapezista, então tinha essa curiosidade. Levei para dentro do circo atores
e diretores de teatro, coreógrafos, figurinistas, cenógrafos. Sou daqui de São Paulo, toda a minha formação é de
teatro, ganhei alguns prêmios importantes de teatro em São Paulo, logo no início da minha carreira, prêmio
Molière, prêmio Mambembe, APCA, a minha companhia de teatro era Antônio Abujamra, Cleide Yáconis,
Laura Cardoso, Sônia Guedes, Antonio Calloni, Ângelo Antônio, Cássia Kiss, toda uma geração de novos e
eternos ídolos faziam parte da minha companhia de teatro. O que leva um ator com esse espaço, numa arte
tão nobre como o teatro, a ir pro circo, uma coisa tão brega? O que me levou para o circo foi a vontade de me
encontrar com a população, com o povo, ao contrário do teatro. Nós estamos em um teatro, vocês vieram até
aqui, o circo vai onde vocês estão, nas festas, nas feiras, nas praças, nas cidades grandes, nas cidades pequenas,
nos bairros.
O circo é, talvez, o mais importante segmento cênico popular, o circo é o berço do teatro, e queria canalizar a popularidade que a televisão oferece ao artista para o desenvolvimento da arte popular do meu país.
Como não era cantor e também não queria ficar dando uma de cantor – sabe aquele ator que fica famoso e grava
um disco – não era a minha, a minha formação era muito forte, a minha família muito exigente comigo, meus
colegas, os meus amigos, fui para o circo. Inventei o circo, aboli a presença dos animais no circo para buscar
uma nova estética, uma nova linguagem. Esse é um assunto polêmico até, eu respeito a presença dos animais
enquanto tradição do universo circense, faz parte do circo, mas a minha opção era muito mais artística do que
essa posição ecológica ou politicamente correta da ausência dos animais no picadeiro. Quero deixar bem claro
que não sou contra e que se eu respeito, amo o circo, eu amo as suas contradições, a sua tradição, as suas raízes, e a raiz do circo, a história do circo é contada pelas grandes companhias que sempre tiveram a presença dos
animas. Só que não sou de circo, sou do teatro e a minha equipe é gente de dança, de artes plásticas, de teatro,
de cinema, vieram com um outro olhar, com uma outra contribuição para esse segmento. E aí criamos o grande
circo popular do Brasil. Vivi momentos maravilhosos por esse país todo, dividi a minha carreira na televisão e no
teatro com o circo. O circo está em cartaz até hoje, são 20 anos ininterruptos. Circo é como mercado, não fecha
nunca, é como igreja, a porta está aberta de segunda a segunda. Então, hoje, com 20 anos, desde 85 até 2005,
o circo já deixou de ser uma cerveja para ser um vinho, curtido. É uma beleza, vocês nem imaginam as gerações
que a gente formou, e comecei a Universidade Livre do Circo com esse fato. Estava com meu circo em Recife,
entrou um garoto, vendeu maconha para um funcionário...
[pausa na gravação]
... no Rock in Rio, no Rio de Janeiro, falei: “Gente, prepara o circo, vamos para o Rock in Rio!”. Quando estou
no Rock in Rio, três, quatro semanas depois, armando a tenda com aquela dificuldade, preparando o espetáculo para uma platéia de Rock, imagine, dividindo espaço com as grandes atrações internacionais do mundo do
show business, olho do lado e quem está ali: Wellington, de Pernambuco. Falei, “Gente, esse menino veio para
cá! Quem trouxe?”. Esse menino se apresentou no Rock in Rio e aquele Cirque du Soleil estava fazendo uma
audição na época para selecionar valores, como eles fazem no mundo afora, aqui, na África, no Japão, para o
novo espetáculo que eles iam fazer. Todo o meu grupo de artista foi para essa audição, o único que passou foi o
Wellington. Esse menino foi levado para Quebec, no Canadá, e acompanhei a formação desse garoto. Por dois
anos esse menino recebeu aulas de francês, inglês, espanhol, italiano, história da arte para chegar à história do
circo, e na história da arte ele aprenderia um pouco da história do cinema, das artes plásticas para chegar à história do circo, um pouco de balé, um pouco de geografia, um pouco de história., e aí aquela coisa do encontro
dos interesses com os princípios. Acompanhei periodicamente o trabalho desse menino com o Cirque du Soleil,
aquele circo canadense. E o resultado foi que esse brasileirinho, de uma favela lá de Recife, foi se transformando
em protagonista do primeiro espetáculo latino do Cirque du Soleil, que inaugurou o circo fixo em Orlando.
Quando fui ver o espetáculo, que vi aquele menino, com aquela ginga brasileira, aquele sorriso que, de uma
certa forma, exala uma desobediência civil, por isso que ele foi protagonista, por isso que ele enfeitiçava a platéia.
Fui à casa dele e vi que parte daquele dinheiro que ele ganhava, 4 mil dólares por semana, ele começou a reverter
para os projetos sociais lá de Recife, e começou a descobrir novos “Wellingtons”.
203
Juntei um grupo de pedagogos, educadores e, através do professor Luiz Maurício Carvalheira, formatamos, formalizamos, organizamos o que seria uma Universidade de Circo, para formar uma nova geração de
artistas, técnicos e professores circenses. Mas como, de que maneira? Para iluminar, como um disco voador que
chega em um terreno e ilumina, o circo chega em um terreno de bairro de periferia, ou das grandes cidades, ou
do centro, ou dos shoppings, quando ele chega, ele não deveria se concentrar apenas na atividade do picadeiro,
mais do que isso, abrir o picadeiro para que a gente se encontrasse com novos “Wellingtons”, conhecesse as famílias desses “Wellingtons”, e descobrisse a vocação que o circo tem que é a convivência. No circo, em círculo,
tudo pode acontecer. No circo ninguém é mais importante, o trapezista não é mais importante que o palhaço, e
nem o palhaço é mais importante que o barreira porque, na verdade, a necessidade de um do outro é tanta que
não dá pra você falar, “Aquele lá é a estrela”. Não. Por isso que tudo acontece no circo.
E descobrimos, então, e desenvolvemos, a Pedagogia da Convivência. Hoje, com esse projeto implantado,
acredito que ele pode se transformar em uma grande revolução (pra nós já é), a revolução do amor. Você acompanhar a vinda de uma criança das ruas para dentro de uma escola de circo, perceber que aos poucos ela vai se
conhecendo, se respeitando a partir do outro, o outro se torna para ela o grande protagonista do seu destino, da
sua história, e ela começa a desenvolver valores como respeito, cumplicidade e daqui a pouquinho essa criança é
diferente, ela não quer mais para ela, ou para o umbigo dela, a felicidade dela só é plena e completa no momento
que ela participa e constrói a felicidade do seu próximo, pois sem o seu próximo ela também não é nada.
É sobre essa história da convivência que vim conversar um pouco aqui com vocês. A escola tem que descobrir novos caminhos para despertar o melhor de cada ser humano, de cada aluno. O professor é um cientista
social, tem que estar imbuído da invenção de novos espaços, novas técnicas, o que importa é abraçar o aluno, é
transferir para ele essa responsabilidade de ser responsável pelo seu próprio destino, pela sua própria felicidade. O
que todos nós queremos, enquanto professores e educadores, é formar ou ajudar na formação de seres inquietos,
de seres participativos, protagonistas. Sobre essa Pedagogia da Convivência, que é a base do sucesso da Universidade Livre do Circo, eu trouxe o José Carlos Piccolo, que é um técnico, para falar um pouquinho para vocês.
José Carlos Piccolo:
Bom, gente, boa tarde. Eu queria falar bem rapidinho, porque ficar aqui do lado do Marcos é sacanagem. Ele é que é famoso, eu só sou um educador, como todos nós aqui.
Queria continuar a frase do Dráuzio Varella que diz que nós estamos perdendo a guerra, mas não deixamos de lutar, vamos continuar lutando porque acreditamos que essa guerra pode ser vencida, é por isso que está
todo mundo aqui. Educador é louco, não tem jeito, acredita, vem conversar. E é isso que eu acho que a nossa
escola, e quando a gente se propõe a pensar em um espaço como o circo é porque o espaço da escola tem alguma
coisa de atraso, aquelas estruturas de caixote. As escolas por aí são muito parecidas, só que o mundo mudou,
literalmente mudou, a gente não reinventa o espaço. Tem umas historinhas que já li sobre o cara que adormeceu, voltou depois de tanto tempo, e o único lugar que ele achou igual foi a escola. Só que o mundo é diferente,
a escola precisa reinventar o seu espaço, reinventar o seu objeto. A gente fala muito que a escola é o espaço do
conhecimento, e fala muito pouco que a escola é o espaço da vivência, são coisas diferentes, cada coisa no seu
lugar. Temos ações e espaços para todas as coisas, podemos exigir melhores salários se realmente conseguirmos
mostrar que somos bons educadores, que somos efetivamente responsáveis por aquilo que fazemos. Eu como
educador também entendo isso, acho que a gente ganha muito mal, mas acho que tem espaço e espaço, e como
aqui estamos discutindo o espaço do nosso trabalho, o fazer pedagógico, a percepção do outro, e é isso que é
conviver. É perceber o outro, o outro é tão importante quanto eu, e se a gente exacerba o indivíduo, o sucesso, o
mérito, é tudo muito individualizado. Nós estamos em uma sociedade que está pensando em indivíduo, temos
que mudar o ‘eu’ para o ‘nós’, nós somos importantes, isso é ser sócio. Ninguém vai a lugar nenhum sozinho, a
gente depende do outro, a gente precisa do outro, a gente só existe como pessoa se existe o outro, sem o outro
não somos nada, nem conseguimos viver. Essa foi a coisa que talvez a escola, ao longo de sua história, mais perdeu, porque a gente está sempre olhando o outro como adversário, alguém que a gente quer tirar da frente, e
para isso precisamos reinventar o nosso ato educativo.
204
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Não sei se vocês aqui, todos devem trabalhar com Ensino Fundamental, com crianças da primeira à
quarta, a gente anda com uma pressa, falta tolerância, falta olhar, falta perceber outros sentidos, não somos só
fala, somos visão, somos tato, precisamos sentir o outro, precisamos receber o outro. Isso é conviver. Conhecimento, já temos evoluído, a Internet está aí, é clicar no computador, tem muita coisa para pesquisar, mas
convivência se faz no dia-a-dia, no cotidiano, no olhar, no ato de agachar e olhar no olho do outro, ver o que
ele está trazendo, o que ele tem. E em uma sociedade tão estratificada como a nossa, nós temos um modelão de
escola, tudo é para todo mundo. “Péra lá”! Tem necessidades diferentes, gostos diferentes, sentidos diferentes,
percepções diferentes, então precisamos movimentar a escola, eu diria que é uma desobediência, vamos quebrar
as amarras da escola, vamos reinventar aquele espaço, mudar a carteira de lugar. Que tal dar aula sem carteira?
Todo mundo sentado no chão. Será que ninguém tem o que dizer? Todo mundo tem o que dizer. Por que a
gente sempre fala que aprender é um ato que tem que ter significado, tem que ter sentido, e muitas vezes a gente
fala tanta coisa sem sentido para as crianças, sem nenhuma relação com aquilo que ela vive, e a escola tem que
perceber um pouco o seu meio. Como eu também compactuo que a gente tem que olhar o social, a gente tem
que olhar para o nosso entorno. Quem são aquelas crianças que vão ali? De onde elas vêm? Que histórias elas
trazem? Será que a gente já se perguntou isso seriamente, cientificamente? A gente faz na escola, e eu não sou
diferente muitas vezes, porque os educadores do cotidiano, como somos, vivem uma situação extremamente
delicada e muito difícil, porque todo dia a gente está ali com as nossas angústias, com as nossas coisas, e vem o
Joãozinho, a Jéssica, o Pedro, o Paulo, a Maria e a gente tem que estar ali com eles, partilhar a vida. Aí a gente
pode construir bons projetos, boas coisas, mas, principalmente, se a gente der oportunidade para o outro de fato
se conhecer, a gente sai um pouco desse jargão, dessa postura rígida, a escola é uma coisa muito rígida, precisa
relaxar um pouco, ser tolerante com a dificuldade do outro. Não é só o deficiente, não. Quem é igual aqui no
mundo? Não existe ninguém igual. Somos todos, na essência, seres humanos, na compreensão do mundo, no
olhar, muito diferentes, mas temos que conviver juntos. Então é isso que uma Pedagogia da Convivência, da
percepção do outro, propõe, e a gente vai aprendendo a se gostar, a se respeitar, porque tudo isso não é discurso,
é vivido. Não dá para falar de amor, a gente vive o amor. A gente não fala de respeito, a gente respeita. Isso que
tem que mudar. Temos que dar “Bom dia”, todos os dias, desejar de fato “Bom dia”, mas vivemos correndo,
atropelados. Vamos parar.
Nós somos, por obrigação, como educadores, pelo exercício da reflexão. É obrigação, é dever do educador, refletir sobre a sua prática sempre, senão a gente não muda, não altera. E aí a gente chora, fica falando
de salário, não que não se deva falar de salário, tem que falar também, mas não é só isso, tem uma ação ali que
é mais gratificante, que tem a ver com a felicidade, senão a gente vai ficar, como o Marcos estava dizendo no
início, com essa sensação que estamos perdendo, que o outro não é ninguém, que a gente só aumenta presídio.
O desafio está na nossa mão, a gente fez isso por opção, ninguém que está aqui está aqui porque não escolheu,
está aqui porque escolheu, então vamos pensar, vamos ousar, vamos brigar com as autoridades constituídas, eles
têm obrigação também, não foram eleitos à toa, têm que cumprir as coisas. A gente tem que saber reinventar a
nossa luta, porque senão a gente vai continuar perdendo a guerra.
Marcos Frota:
Olha uma frase que recebi, “Trabalho em uma escola, sou educadora, mas não soube educar. Onde eu
errei?”. É para pensar, essa. Essa é a reflexão diária sobre a qual o professor José Carlos falou, é isso aí.
Rapidinho, o que é Universidade do Circo? Tem uma base fixa hoje, dentro do Parque Hopi Hari, e
tem uma itinerante, que está atualmente em Salvador, e tem feito o Nordeste todo. Onde o circo chega, através
dos projetos sociais já cadastrados pela prefeitura, ou alguns loucos e corajosos que se aproximam, o circo estabelece parcerias, os monitores desses projetos vêm até o circo, tomam contato sobre o que é a “Pedagogia da
Convivência”, a pedagogia da Unicirco, fazem eles mesmos as primeiras oficinas, voltam para os seus projetos
e aí preenchem as vagas com os alunos e as crianças dos seus projetos. Essas crianças vêm até o circo e, durante
o período em que o circo fica na cidade, elas têm a oportunidade não só de aprender alguma coisa dentro do
circo como de participar do espetáculo circense à noite, como conviver com o universo do circo através de seus
artistas, técnicos e funcionários, mas acima de tudo conviver umas com as outras, trazer suas famílias e poder ter
alguns momentos de protagonista, porque ali dentro da Unicirco ela pode falar de si mesma, da sua vida, da sua
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família, dos seus sonhos, entre um exercício e outro isso é provocado, essa oportunidade é dada, um novo espaço
é oferecido a elas, um novo espaço educacional, ou educacional-artístico, ou artístico-educacional. É provocado
um encontro entre os nossos artistas e educadores, nossos arte-educadores com os professores deles nas escolas
que eles freqüentam. De uma maneira ou de outra, quando esse circo vai embora, ele deixa na cidade um grupo
de monitores prontos e formados para dar seqüência aos trabalhos da Universidade Livre do Circo, Unicirco,
naquele bairro ou naquela cidade, ou com aquele grupo de pessoas que participaram das nossas oficinas.
Aqui no Hopi Hari a coisa é um pouco mais a longo prazo, ali é feito anualmente, você tem a oportunidade de abrir o espetáculo da inclusão no começo do ano e a avaliação desse trabalho é no final do ano, então
você tem um ano inteiro para poder acompanhar o aluno e ver de que maneira refletiu na vida dele o trabalho
que ele desenvolveu ali dentro. O que eu tenho sentido e acompanhado é que aquela adrenalina que o jovem
busca nas drogas é imediatamente substituída, quando o cara pisa no palco e descobre as suas possibilidades
artísticas – porque é o seguinte, às vezes, o cara não é bom de dança, o cara é bom de desenho, o cara é bom de
produção, ou o cara tem um sentido tão participativo, tão coletivo, que ele vai atuar na feitura do espetáculo, ou
então o cara tem um espírito de liderança e vai para a produção, ou o cara tem uma verve de comunicador, de
comunicação ele vai trabalhar na área de comunicação do espetáculo que os alunos da Unicirco vão realizar ao
final de cada oficina – quando você consegue que eles se enxerguem assim, se descubram assim participativos e
protagonistas, você inverte o eixo de expectativa, eles ficam satisfeitos com eles mesmos, felizes, experimentam
um sentimento de paz interno, acabam se encontrando, essa aura que se aproxima deles, eles começam a querer
dividir com a família. Quantos espetáculos de final de ano de rua fui convidado a assistir, que foi organizado
por um alunozinho nosso da Unicirco. “Vamos brincar de circo? Aqui na rua, eu tenho aprendido lá no circo
do Marcos Frota. Você é isso, você é aquilo, você é aquilo, eu sou isso aqui”, “Mas precisa de uma roupa”, “Acho
que lá em casa tem!”, “Precisa pintar a boca do palhaço. Traz o batom da sua mãe!”, e por aí vai, e daqui a pouco
explode um espetáculo de rua. Acho que é essa a função que a escola deve ter.
Tenho um profundo respeito pelos professores, educadores, Secretários de Educação, a negada que segura uma onda de educação em um país onde, infelizmente, ainda não caiu a ficha. Os governos vêm e vão, não
estou aqui querendo fazer crítica a ninguém, a nada, a partido nenhum, a nome nenhum, mas enquanto não
cair mesmo essa ficha, que nós só temos essa chance, nós somos, na minha opinião, a reserva humana, criativa,
natural, espiritual do planeta Terra, mas a gente está distante desse próprio destino porque a ficha da educação
ainda não caiu. Se a gente não parar e educar, a gente não vai ter nenhuma geração capaz de transformar o país
naquilo que ele realmente vai ser um dia. Ou vocês têm dúvida disso? Que o Brasil é realmente a grande nação
esperada no Terceiro Milênio. Agora, se não preparar na base, se não preparar o lado humano de cada um, a
gente não vai conseguir caminhar.
Então, a escola deveria descobrir meios, políticas, projetos para que ela desabrochasse na comunidade e
não ficasse tolhida, com medo como ela está. É claro que tem todos os grandes problemas, o professor é super
mal remunerado, as condições de trabalho são dificílimas, o material disponível para o professor, as verbas são
pequenas, mas o dia em que a escola for transformada nesse ponto de luz e iluminar a vida das pessoas que estão
ao redor, realmente acho que a gente pode atingir uma revolução, que é o que todos nós esperamos.
Há coisas muito legais que são escritas aqui pra mim, eu queria agradecer muito a maneira como vocês
me vêem, que não é só um ator preocupado em beijar as moças bonitas na novela. Não que eu não goste, mas
não dá mais para ficar olhando o seu próprio umbigo.
Então, para terminar, www.unicirco.com.br. É facílimo entrar na página da Unicirco, o projeto da Unicirco está com a sede nacional no Hopi Hari, porque o parque proporcionou condições pra gente desenvolver
os três lados da Unicirco. O aspecto cultural, que é o resgate do segmento artístico do circo, o lado artístico é
colocar espetáculos cada vez mais criativos, renovadores, revolucionários em cena, e o lado educacional, pedagógico que é o desenvolvimento e a implantação da Pedagogia da Convivência.
O professor Pinotti está aí, e gostaria que ele viesse aqui para encerrar, ficar com a gente um pouquinho.
“Sou de Recife, tenho 16 anos, tenho sonhos e objetivos. Sou escritor, poeta. Quero fazer mais ‘Wellingtons’”.
206
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Valeu, Felipe, já recebi sua carta, vamos conversar um pouco. O professor Pinotti, presente, talvez um dos grandes. Sou suspeito para falar porque sou muito fã dele. Eu queria terminar aqui passando para o Dr. Pinotti.
Queria dizer uma coisa sobre a Glória Perez. Acho que a coisa mais importante que a novela teve, disparada, foi, a novela é aquilo ali mesmo, não dá para ficar pensando em muitas outras questões, mas fazer a
inclusão do Jatobá através do amor, acho que iluminou todas as outras questões, empregabilidade, acessibilidade, exercício pleno de cidadania, porque todos nós queremos amar e ser amados, deficientes ou não, o grande
objetivo, a grande meta das nossas vidas é essa: amar e ser amado. E a poesia que a Glória Perez descobriu é a
coisa mais linda do mundo, quando o Jatobá recebe a Vera naquela igreja vazia, mostrando que o sagrado do casamento é o sentimento. O Jatobá manda assim: “A vida, manso lago azul, algumas vezes mar fremente, tem sido
para nós constantemente um lindo lago azul sem ondas, sem espuma sobre ele. Quando, desfazendo as brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente, nós dois viajamos indolentemente como dois cisnes de alvacentas
plumas. Um dia, por certo, um cisne morrerá e, quando chegar este momento incerto, do lago onde, talvez, a
água se tisne, que o cisne vivo, cheio de saudade, nunca mais cante, nem sozinho nade. Nem nade nunca ao lado
de outro cisne. Oh, Vera, te amo para sempre!”.
Professor Pinotti, um dos grandes batalhadores pela educação e pela inclusão neste país. A única coisa
que a gente pede ao professor é para ele manter essa juventude toda, porque a missão é muito grande, a tarefa é
árdua, mas esse Brasil que todos nós sonhamos só é possível através da educação.
Professor Dr. José Aristodemo Pinotti:
Eu vou usar um chavão e um lugar-comum, mas acho que nós estamos encerrando esse congresso com
chave de ouro, graças ao Marcos Frota e ao Zé Carlos Piccolo que estão aqui, e graças a vocês que ficaram aqui
até o último momento.
Eu só queria dizer que o Marcos Frota é um professor, porque ele usou uma metáfora, que é o personagem dele, o Jatobá, e transformou isso em uma aula de ética, e em uma aula de afeto e amor, de maneira que,
realmente nós estamos muito felizes com o final desse congresso. Além do mais, Marcos, você descreveu o seu
circo, e eu tenho certeza que cada um dos professores e professoras que estão aqui, ao ver você descrever o circo,
se sentiram na sua escola, porque o sentimento é exatamente o mesmo de uma escola e do seu circo.
E quero dizer ao José Carlos Piccolo, que você fez uma fala muito interessante, estimulando a criatividade dos professores para que a escola mude. Realmente a escola tem que mudar. Esse congresso foi inteiro um
hino à mudança da escola, mas foi também uma demonstração de que esses professores que estão aqui têm toda
a capacidade e a criatividade para mudar a escola, porque nós tivemos 70 pôsteres e 70 temas-livres da melhor
qualidade, todos feitos pelos nossos professores, mudando as suas escolas. De maneira que nós estamos terminando realmente com chave de ouro. Quando o Marcos falou da incerteza no amor, eu lembrei de um verso,
que eu vou recitar. É um verso bonito do J.G. de Araújo Jorge, que diz assim:
“Um dia, ela me olhou indiferentemente.
Perguntei-lhe o que era, não sabia.
Desde então, transformou-se de repente,
A nossa intimidade correntina, em saudações de simples cortesia.
E a vida foi andando para frente.
Nunca mais nos falamos, vai distante.
Mas quando a vejo, há sempre um vago instante,
Em que seu mudo olhar no meu repousa.
Eu sinto sem, no entanto, compreendê-la.
Que ela tenta dizer-me alguma coisa,
Mas que é tarde demais para dizê-lo.”
207
Finalmente, quero agradecer a vocês que ficaram aqui o tempo todo e que deram brilho a este congresso
e agradecer, mais uma vez, a todos os nossos colaboradores que organizaram esse congresso. Vou contar uma
coisa para vocês muito importante, nós não contratamos nenhuma firma para organizar este congresso. Este
congresso foi organizado pelas pessoas da Secretaria, da administração da Secretaria, e nós não gastamos nem
um real da educação para organizar este congresso, nós pedimos doações e as doações foram dadas, de maneira
que é com muita emoção que agradeço a todos aqueles que nos ajudaram. Eu até pediria à Lucinha para dizer
duas palavras de agradecimento para a equipe, porque a Lucinha varou madrugadas e sabe muito bem dizer o
que deve ser dito agora.
Professora Lúcia Tojal:
Olha gente, eu realmente fui pega de surpresa. Estou muito feliz, é um sucesso, foi um trabalho imenso e
tivemos um tempo muito curto. A Secretaria é alguma coisa que motiva, que faz a gente acontecer, esse mérito não
é só nosso do nível central, é de todos vocês. As coordenadorias todas colaboraram muito e nós temos, como vocês
sabem, muita gente nos CEUs assistindo a este congresso, então, para nós foi uma honra muito grande poder ter
certeza de que isto ia acontecer com esse sucesso, mas o medo era muito grande que não fosse. Obrigada por vocês
estarem aqui agora, esperarem esse fim que a gente sabia que ia ser com chave de ouro com o Marcos Frota.
Marcos Frota:
Bom, acho que um congresso como este deixa marcas profundas na gente. A gente volta para o nosso
local de trabalho com mais esperança, porque acho que vale tudo menos perder a esperança de que a gente
pode contribuir, e que a escola no Brasil realmente é a grande esperança que a gente tem de mudanças efetivas.
Parabéns a todos vocês, que Deus abençoe cada professor, que é na verdade um anjinho. A gente que tem filhos
sabe o que significa deixar os filhos da gente na responsabilidade de um professor, quer seja no Ensino Básico,
no Fundamental, até a Universidade. Parabéns a todos vocês. Não vamos desistir, a luta continua.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Leitura e Escrita nas áreas do conhecimento
Maria José Nóbrega
Pesquisadora na área de Língua e Escrita – Consultora SME/DOT
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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Alfabetização e Letramento: Desafios e perspectivas
metodológicas
Antônio Augusto Gomes Batista
Professor da Faculdade de Educação da UFMG – Centro de Alfebetização, Leitura e Escrita
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Peça: Memórias de um Educador
Silvionê Chaves
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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Origens Históricas do Elitismo
Nelio Bizzo
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Esta palestra pretende abordar dois aspectos constitutivos do que se poderia chamar de elitismo educacional paulista. De um lado, nosso sistema educacional é tributário de uma história de exclusão, que tinha
por base um sistema produtivo escravista e uma escola que tem no bacharelismo verdadeira marca de nascença.
Mas, de outro lado, nosso sistema educacional foi profundamente influenciado pelo ideário eugênico, que via
na pobreza a expressão de características de cunho biológico.
Origens Históricas
Até os idos de 1759, a tradição educacional brasileira dependia fundamentalmente dos jesuítas e das diretrizes da Companhia de Jesus. Com as reformas pombalinas, Portugal introduziu uma profunda modificação
na maneira pela qual a educação era vista pela Coroa. A expulsão do Brasil infligida a cerca de 600 jesuítas trouxe
a necessidade de orientações explícitas do poder central sobre educação, assunto de efetivo exercício privativo
daqueles.
A tradição lusitana diferia radicalmente da espanhola em relação ao letramento das elites nas colônias.
A coroa espanhola tinha criado universidades nas colônias já no século XVI, como a de S. Domingos (1538),
a de S. Marcos, em Lima, e da Cidade do México, em 1551. Nada disso ocorreu no Brasil em todo o período
colonial, que proibia inclusive a instalação de manufaturas. A República encontrou o país com apenas duas
faculdades de medicina, mesmo assim, criadas quando da vinda da Família Real ao Brasil. No entanto, seus
diplomas dependiam de chancela de Portugal, expedidos que eram em Lisboa, pela Junta do Protomedicato,
criada em 17821, situação que seria modificada apenas em 1822, com a Independência, quando foi constituída
junta similar no Brasil. A Escola Nacional de Engenharia foi fundada em 1810.
A educação era escassa na Colônia e mesmo no Império. O disciplinamento do exercício profissional dos professores no Brasil antecedeu até mesmo a fundação da primeira escola normal. O Imperador
D. Pedro I promulgou, em 15 de Outubro de 1827, a Primeira Lei Geral do Ensino, data que constitui
efeméride emblemática em nossos dias. No esteio da criação dos cursos jurídicos no Brasil, em 11 de agosto
daquele ano, estipulava a igualdade de salários pagos a mestres e mestras. Ele atribuía às províncias o dever
de oferecer escolaridade elementar aos cidadãos brasileiros. Essa lei é considerada muito avançada para a sua
época, pois além da igualdade entre sexos e sua perspectiva descentralizadora, dizia, entre outras coisas que
a instrução deveria ser pública e gratuita para todos os cidadãos, reafirmando a concepção da Constituição
de 1824.
Assim, podemos dizer que o descompasso entre documentos legais e a realidade efetiva acompanha a
educação brasileira desde seu berço, desde a primeira Lei Geral do Ensino, no início do Império. Quando escrevem, os educadores se atiram destemidamente em direção àquilo que há de mais avançado; no entanto, quando
põem os pés no chão, se dão conta de uma realidade dura, difícil, na qual nada se identifica com o vanguardismo
de certas propostas. A utopia e a realidade convivem na educação brasileira desde sua origem, em uma relação
simbiótica, dado que quanto piores os resultados dos sistemas educacionais, mais utópicas são as propostas e
teorias que para eles se dirigem.
1 - Na metade do século XVIII Portugal dispunha de pouco mais de 100 médicos e o Brasil, de apenas quatro, segundo queixa do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e
Souza contra as condições sanitárias do país. A junta portuguesa tinha estabelecido a precedência dos médicos formados na Universidade de Coimbra. Na sua ausência,
poderiam outros médicos licenciados tratar de “luxações, fraturas, contusões, feridas aplicar bichas, ventosas, sangrar e sarjar.”(Cf. E. Souza Campos, História da Universidade de São Paulo, EDUSP, 2004:61)
212
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Lei Geral do Ensino de 1827 instituiu um novo método obrigatório para o ensino no Brasil, o método Lancasteriano2. Ele significava adotar as idéias e as práticas que já existiam na Inglaterra daquela época, que
educava grandes quantidades de alunos. Em vez de cada aluno ter seu preceptor, o seu tutor, um grupo de alunos
tinha um professor. E o professor elegia alguns dos alunos para serem monitores; daí a aura de solidariedade
com a qual esse método vinha acompanhado, também chamado de “método mútuo”. Para alguns, tratava-se
apenas de uma escolha que viabilizava, inclusive do ponto de vista econômico, a educação em curto prazo de
grande número de alunos. Isso se explica pelo fato de estar baseado em multiplicação de ajudantes e supervisores
(os “monitores”) para ajudar reduzido número de professores. Para outros, o método estava baseado em normas
militares que, acima de tudo, domesticavam os alunos ensinando-lhes a obediência à hierarquia.
O método era apropriado para a ampliação da educação, incluindo as classes subalternas, dado ter claro
objetivo disciplinador. O processo pedagógico visava à construção de um ser humano militarmente disciplinado
e socialmente ajustado. O projeto das elites pretendia evitar a fragmentação do grande estado nacional e a ampliação da educação teria papel central nesse sentido.3
O Bacharelismo Paulista
Essa mesma Lei Geral do Ensino criou os cursos jurídicos, voltados para a elite propriamente dita. Um
deles em São Paulo, no Largo São Francisco. Ele trará repercussão profunda na educação de São Paulo. Por quê?
Porque em certa medida a Faculdade do Largo São Francisco passou a ser a referência para o ensino secundário.
O ensino secundário paulista chegou durante muitos anos a se resumir aos cursos preparatórios para a Faculdade
de Direito do Largo São Francisco. Não havia outra alternativa para quem quisesse prosseguir seus estudos.
Logo após a Independência, a Constituição de 1824 transferiu, via descentralização, a responsabilidade
pelas ações educacionais no Brasil, pelo menos daquilo que chamamos hoje educação básica. À primeira vista,
poder-se-ia identificar a iniciativa com o reconhecimento da autonomia das províncias; não seria irrelevante,
no entanto, notar que se descentralizava algo que não existia: era transferida a responsabilidade, sem nenhuma
contrapartida efetiva de recursos humanos ou materiais. E, o que é muito importante, essa tendência se pereniza
até hoje, pois a República não vai alterá-la, antes ao contrário, com exceção do período Vargas. Sem entrar nesse
detalhe, que é importante, mas foge ao escopo de nossa palestra, só podemos entender o fato de a cidade de São
Paulo ter criado uma rede de escolas em 1957, a partir da tendência que se instituiu no Império e que sobreviveu
à República.
Essa tendência de conferir autonomia cada vez maior às províncias, sempre queixosas da centralização do
poder, a fim de protelar o fim do Império, fazia da educação terreno particularmente fértil, dado não implicar
expensas adicionais às finanças de Pedro II. Em um contexto no qual as poucas instituições de ensino superior
dependiam de nomeações diretas do Imperador – a exemplo do que ocorria na Europa - a Reforma Leôncio de
Carvalho (1878)4, permitiu certa liberdade de docência, mesmo que tenha sido extremamente efêmera:
“Que possam ensinar todos aqueles que para isso se julgarem habilitados, sem dependência de provas oficiais de capacidade ou prévia autorização; e que a cada professor seja permitido expor livremente suas idéias e ensinar doutrinas
que repute verdadeiras pelo método que melhor entender.”
O Ministro Carlos Leôncio de Carvalho, que era professor da faculdade de Direito do Largo São Francisco,
vivia em um Brasil de cerca de 9 milhões de habitantes (escravos excluídos), sendo que apenas 2% freqüentavam
escola. Na capital Imperial, a cidade do Rio de Janeiro, o censo de 1870 tinha indicado 400 mil pessoas, sendo
que 70 mil eram escravos. E os alunos atingiam 12 mil, a metade deles freqüentando escolas primárias públicas.
Acreditava-se que seria apenas a partir do aumento da participação da iniciativa privada que se poderia aumentar
2 - V. NEVES, F. M. O método Lancasteriano e o projeto de formação disciplinar do povo (São Paulo, 1808-1889). 2003. 293 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2003.
3 - Idem.
4 - Cf Pereira, W. C. (coord). Educação de Professores na Era da Globalização. Nau Editora (2000).
213
significativamente a escolaridade no País, sobretudo a formação de quadros na educação superior. No Rio de
Janeiro, havia 211 escolas primárias, sendo 116 particulares e apenas 95 públicas.
Para que a instrução pública funcionasse na cidade de São Paulo foi criada, pelo governo provincial, a
primeira Escola Normal de São Paulo em 1846. Seu diretor e único professor, foi o bacharel de Direito Manuel
José Chaves, primeiro formador de professores do Estado de São Paulo5. Ele era tido como o melhor professor na
escola de preparação de jovens para a Faculdade de Direito. Sendo um professor da Faculdade de Direito, passou
a ser o único professor dessa Escola Normal, que funcionou de 1846 até 1867. Quando o Professor Manuel
Chaves se aposentou em 1867 a escola fechou suas portas, porque não havia substituto. E nos setes anos seguintes, São Paulo ficou sem nenhuma Escola Normal, sem nenhum centro de formação de professores. Foram sete
anos sem produção de novos professores.
Quantos professores foram formados nos 21 anos de funcionamento dessa Escola Normal? Mesmo soando inacreditável, foram formados 40 professores, o que perfaz uma média de quase dois por ano. Sem professores formados e com o crescimento de sua demanda, os jornais da época falam da prática do “filhotismo”, que
hoje chamamos nepotismo. Por que nepotismo? Porque era preciso designar professores e deles havia extrema
carência. Então os governantes, genitores atenciosos, sabiam admirar o trabalho dos próprios filhos, o aquilatavam condignamente. Nomeados normalmente ainda adolescentes, eram jovens alfabetizados que se tornavam
professores de crianças. Essa prática, cuja fundação se perde no tempo, tem arquitetos até os dias de hoje e nem
mesmo o judiciário repeliu a tradição completamente.
Vejamos o que se ensinava nas escolas que funcionavam próximo ao Largo São Francisco dessa época.
Havia um colégio chamado Colégio Emulação6, que ficava ao lado do Pátio do Colégio, que, em folheto de
1867, dizia o seguinte:
“Nesse Colégio lecionam-se aos meninos todas as disciplinas que são a base da moralidade e instrução necessárias
para matrícula no curso jurídico: religião cristã, leitura, escrita, gramática da língua portuguesa, latim, francês,
inglês, aritmética e geometria, retórica, filosofia, história e geografia e música”.
Mais adiante, se estendia às meninas:
“Às meninas, além da religião cristã, leitura, escrita, gramática portuguesa, aritmética, francês, geografia e música, o
colégio lhes ensinará a costurar, marcar e bordar”.
A educação secundária tinha um único ímã na cidade de São Paulo, que era a Faculdade de Direito, a
qual não aceitava mulheres. Assim, não havia razão em o ensino secundário se aprofundar em todas as disciplinas
que eram oferecidas aos meninos. Essa era a prática que vemos na São Paulo de 1860.7
Em 1894, a inauguração de prédios escolares desvelava a importância da educação para o projeto republicano das elites paulistas. Até hoje, o prédio do Caetano de Campos, emblematicamente situado na Praça da
República, é marco importante. Outra construção que pode ser admirada até hoje se situa no Brás, na Avenida
Rangel Pestana. Trata-se do Primeiro Grupo Escolar do Brás, atualmente Escola Estadual Romão Puiggari, inaugurado em 1898.
Em ambos, como em outros da mesma época, pode-se ver a imponência da arquitetura de Ramos de
Azevedo. As fotos das primeiras turmas do Caetano de Campos, desde o Jardim da Infância, mostram crianças
brancas (nenhuma criança negra), da elite paulistana da época, impecavelmente vestidas. Mesmo nas crianças
pequenas é possível perceber o requinte das vestes, o charme de chapéus com funções que iam para muito além
5 - Marcílio, M. L. História da Escola em São Paulo e no Brasil. Imprensa Oficial (2005).
6 - Atualmente o termo “emulação” ganhou significado técnico, designando imitação de parte ou todo de um sistema, feito por uma combinação de hardware e software,
que permite a sistemas previamente incompatíveis trabalhar e comunicar-se. O termo deriva do latim aemulatione, que significa “desejo de igualar, rivalizar”
7 - Na época imperial não há registros de mulheres ocupando cargos na polícia, para os quais dava-se preferência aos acadêmicos de direito. Apenas em 1914 foi aprovada
pela Câmara Paulista lei que aprovava o ingresso de mulheres em cargos administrativos do funcionalismo, desde que não envolvesse “qualquer parcela de autoridade”.
V.http://www.usp.br/nemge/textos_relacoes_juridicas/acesso_delegada_pol_civil.pdf
214
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
da simples proteção do sol. Assim, as fotografias já permitem perceber certos nuances do projeto republicano
paulista, que reservava a educação a uma elite, ao mesmo tempo em que pregava a ampliação de sua oferta.8
Lembremo-nos que os republicanos paulistas não eram abolicionistas fervorosos. De certa forma, podemos perceber aquele descompasso entre uma belíssima utopia e uma realidade cujas precariedades óbvias são
enfrentadas apenas com lamentos.
É bem verdade que na Primeira República existiram diversos movimentos educacionais dignos de nota,
que procuram modernizar a educação, integrando os imigrantes e diminuindo o analfabetismo, como as reformas levadas a cabo em São Paulo, seja em 1892, seja mais tarde, com Sampaio Dória (1920). No Ceará, a partir
de 1922 há destacada atuação de Lourenço Filho. Em 1924 desponta o jovem Anísio Teixeira na Bahia; em
Minas Gerais, com Mário Cassassanta, e no Rio de Janeiro, em 1927, se destaca Fernando de Azevedo, já com
grande projeção no campo educacional.
Mas foi sobretudo no período getulista (1930-1945) que movimentos de dimensão nacional modificarão o cenário educacional. De certa forma, se inverteu a tendência inaugurada em 1827 de descentralização das
ações educacionais, delegando às províncias atribuições normativas e executivas concernentes à educação básica
e à instauração de normas para a instalação de universidades. De fato, um dos primeiros atos dos insurgentes vitoriosos no movimento de Outubro de 1930 será a criação, já em novembro daquele mesmo ano, do Ministério
dos Negócios da Educação e Saúde Pública, por meio do decreto 19.402, de 14 de Novembro de 1930.9
Foi a partir dele que normas passaram a transitar no sentido do centro para a periferia, adotando o que
logo foi chamado de postura autoritária, e que alguns erroneamente confundem com o fascismo10, do qual
havia uma indisfarçável admiração nos altos escalões do poder. No entanto, a educação da época não adotou a
estrutura fascista, mas incorporou valores de respeito à hierarquia e do conservadorismo católico. A inauguração
da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, com Getúlio e a capital logo abaixo recebendo as bênçãos do
bispo Mendes, em 12 de outubro de 1931, é particularmente emblemática. Ela representa a aproximação da
Igreja Católica, que defendia o papel do ensino privado e confessional, com o novo governo. Além disso, centralização dos atos educacionais conjugados com os da saúde, sinalizava um claro alinhamento com as prescrições
do movimento eugênico brasileiro, que aliava educação e higiene como fórmula de revigoramento racial, sem
que isso fosse aprovado pela hierarquia católica.11
A educação esteve, nesse período, imersa em um debate onde se confrontavam perspectivas opostas. De
um lado, os reformadores liberais, que pregavam a educação pública, gratuita e laica, sem distinção de sexo,
com métodos modernos de ensino. Esta posição tomou forma no Manifesto dos Pioneiros da Educação de
1932, tributário dos movimentos reformadores da década de 1920, que reunia a contribuição de Fernando de
Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, entre outros. De outro lado, os pensadores católicos tradicionais,
defensores do ensino confessional, com normas centralizadas e iguais em todo o país12, que se opunham a uma
escola única, para meninos e meninas entre sete e quinze anos, estatal, gratuita, aberta a todos, contando com
grande autonomia.13
8 - Logo após a Proclamação da República, São Paulo votou sua constituição, que preservou o princípio da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, “princípios
esses silenciados na Constituição Federal da República de 1891” (cf. Marcílio,op cit, p. 137)
9 - Desde 1926 o jornal “O Estado de São Paulo”, porta-voz das elites paulistas, defendia a criação de “ministério de saúde e instrução pública” no âmbito do governo
federal, como parte de um inquérito da Associação Brasileira de Educação. Alguns de seus principais artífices morreram em um desastre aéreo. Ironia trágica, o avião os
levava para receber o navio no qual chegava Santos Dummont! (cf. Campos, op cit: 75)
10 - Deve-se apontar que havia uma convicção disseminada que Plínio Salgado, líder dos integralistas, seria designado Ministro da Educação (substituindo Gustavo
Capanema) logo após a implantação do Estado Novo, o que não se concretizou.
11 - Apesar da simpatia governamental, sobretudo no período do Estado Novo, desde o início o programa eugênico contou com a desaprovação da Igreja Católica.
Com a oposição frontal e oficializada da Igreja, consubstanciada na promulgação da encíclica Casti Connubi por Pio XI, em 1930, o governo getulista ficara com o
campo de ação bastante limitado. Dessa forma, prosperaram as iniciativas de entidades não-governamentais, atuantes lobbistas junto ao Congresso antes de 1930 e
mesmo na Constituinte de 1934. [cf. Vilhena, C.P.S., Práticas Eugênicas, Medicina Social e Família no Brasil Republicano. Revista da Faculdade de Educação 19(1):
79-92, (1993)].
12 - É obrigatório o livro do professor Carlos Roberto Jamil Cury, “Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais”, São Paulo, Cortez,2a. ed. (1984).
13 - O Manifesto dizia, a esse respeito: “A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade
popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação
crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira
vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma
obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão.”
215
O Componente Biológico
Para entender o elitismo paulista não basta entender a forma como a educação foi oferecida à população.
A educação modifica a pessoa. O elitismo parte do pressuposto que essa modificação não vai além de um certo
limite, imposto pela natureza. Temos agora pela frente o componente biológico, que foi alvo de muitas reflexões
– e também de ações – na Primeira República. Essa época coincide com o ápice da propaganda e da prática dos
movimentos eugênicos do Brasil. Os movimentos eugênicos pregavam entre outras coisas a seleção racial para a
ocupação de cargos públicos, a seleção racial para a ocupação das vagas nas escolas, enfim, aquilo que nós hoje
chamamos de racismo.
A eugenia deriva em larga medida do trabalho de um matemático e geógrafo inglês chamado Francis
Galton. Ele escreveu em 1869, um livro chamado “Hereditary Genius” e teorizou matematicamente a classificação, a formação de raças, a partir de fundamentos matemáticos. Alguns deles são utilizados até hoje, na forma de
ferramentas estatísticas, como a regressão, e correlação. É a partir dessas ferramentas que a Biometria começa a
ser praticada. Medições do crânio poderiam supostamente revelar o caráter do indivíduo, inclusive uma suposta
propensão para a prática do crime. No final do século XIX e começo do século XX, houve grande desenvolvimento da eugenia, não apenas na Europa (não apenas da Alemanha), mas também nos Estados Unidos. Francis
Galton era inglês, mas teve seguidores na França, na Itália e em outros países.
No Brasil, encontramos uma repercussão algo defasada, mas igualmente importante. Sua expressão não
ocorreu em políticas públicas – felizmente – mas deitou raízes profundas em diversos campos, inclusive em nossa literatura. Dois pequenos trechos, reproduzidos a seguir, mostram como obras absolutamente fundamentais
na cultura brasileira foram impregnadas pelo movimento eugênico:
“A mistura de raças mui diversas é na maioria dos casos prejudicial, ante as conclusões do evolucionismo, ainda
quando reaja sobre um produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. Um mestiço, traço de união entre as raças, breve existência individual em que se
comprimem esforços seculares, é quase sempre um desequilibrado. Foville compara-os de um modo geral aos histéricos,
mas o desequilíbrio nervoso em tal caso, é incurável, não há terapêutica para esse embater de tendências antagonistas,
de raças repentinamente aproximadas, fundidas num organismo isolado. É um mestiço, mulato, mameluco, cafuzo,
menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual
dos ancestrais superiores, contrastando com a fecundidade que acaso possua, ele revela casos de hibridez moral extraordinários, espíritos fulgurantes, às vezes mais frágeis, irrequietos, inconstantes, deslumbrando um momento e extinguindo-se prestes, feridos pela fatalidade das leis biológicas, chumbados ao plano inferior da raça menos favorecida, uma
moralidade rudimentar em que se pressente o automatismo impulsivo das raças inferiores “.
Muitos se surpreenderiam ao se lembrar que este é um trecho de Euclides da Cunha – Os Sertões! Um cadete expulso da escola militar no final do Império devido a seu declarado pendor republicano e anti-monarquista.
Um outro ícone da nossa cultura, assim escreveu:
“O pai dessa pobre criatura, um opilado, já foi um bichado como foi o avô e o bisavô. Deles recebeu uma vitalidade
menor, uma tonicidade orgânica decaída. Um índice fraco de defesa natural que por sua vez transmitirá ao filho a má
herança acrescida da sua contribuição pessoal da degenerescência consecutiva a ação do verme em seu organismo. Isso
explica porque, como dos Fernões Dias Paes Leme de outrora, terríveis varões enfibrados de aço, ressurtiu uma geração
avelhentada, anemiada, feia e incapaz”.
Seu autor: Monteiro Lobato! Não há como se lançar um julgamento sobre esses autores, projetando os
valores de hoje no passado, perpetrando o que os historiadores chamam “anacronismo”. Não podemos julgar os
autores daquela época com os valores que nós temos hoje, mas é preciso entender os valores dominantes a cada
tempo, expressão de uma classe social que pensava a ampliação da educação no Brasil republicano. O que esperar
que a educação pudesse fazer com os “híbridos”, que demonstravam um suposto “decaimento biológico”, sem
216
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
o vigor físico dos “inferiores”, tampouco com a altitude intelectual dos ancestrais “superiores”, portando um
“desequilíbrio nervoso” tido como verdadeiramente “incurável”?
Esse era o Brasil republicano que viu Getúlio Vargas tomar o poder e, logo em seguida, criar o Ministério da Educação. A partir de Getúlio houve mudanças profundas, mas o elitismo de nosso sistema educacional
permanece praticamente o mesmo em sua essência. Admite-se a expansão da escola, mas isso só ocorre se a escola
for de má qualidade para as massas, identificadas por uma suposta “moralidade rudimentar em que se pressente o
automatismo impulsivo das raças inferiores”. Para muitos, ainda hoje, uma escola sofisticada para os pobres que
vivem nos grotões da periferia, é verdadeiro desperdício a ser combatido.
Mesmo diante do discurso da eficiência gerencial na educação, não há como deixar de lembrar dos escritos do início do século XX. Talvez seja bem verdade que a grande revolução educacional, o grande assalto ao
elitismo colonial, ainda está por ser feito no Brasil do século XXI.
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A Formação Docente e o Conhecimento Científico
Cleide Nébias
Pedagoga e Mestre pela PUC de São Paulo, doutora pela ECA-USP.
Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Marcos.
Eu separei o poema “Ou isto ou aquilo” da Cecília Meireles para começar.
Ou se tem chuva e não se tem sol ou sem tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares naõ fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares! Ou guardo o dinheiro e não compro o
doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou quilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! Não
sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor:
se isto ou aquilo.
O poema trata de situações excludentes e expressam os nossos conflitos cotidianos que exigem que
façamos escolhas; as escolhas sempre excluem; nas escolhas sempre há perdas.
No entanto, há situações nas quais não precisamos pensar por exclusão; não precisamos escolher “isto
ou aquilo”, mas responder as perguntas: Por que não sol e chuva? Por que não luva e anel?
Então, a idéia que eu defendo e que desejo compartilhar com vocês é a de que assim como na vida diária, na profissão docente há situações de escolha, mas há, também, falsas dicotomias e uma delas é a que trata
da atividade docente e da atividade investigativa como escolha entre ser professor ou ser pesquisador. No meio
acadêmico, ouvimos com freqüência: “Ele é um ótimo pesquisador, mas um mau professor” ou “Ele é um bom
professor, mas não pesquisa”. Por que não um ótimo pesquisador ser, também, um ótimo professor como pude
ver, recentemente, no curso “Física para a Poetas” ministrado pelo físico Marcelo Gleiser, na Universidade São
Marcos. O título anunciava que os temas de física seriam tratados de forma acessível às pessoas de outras áreas do
conhecimento interessadas, entre as quais eu me inclui. E isto de fato ocorreu. De Copérnico à física quântica, os
conteúdos foram tratados pelo pesquisador e autor de várias obras com tal clareza que era impossível imaginar
alguém não conseguindo se apropriar das idéias apresentadas. Neste caso, não só exemplifico a possibilidade de
conciliar as duas funções como defendo a idéia de que é possível tornar um conhecimento científico acessível na
proporção em que é dominado e adequado à situação de ensino. Na educação, nomeamos esta característica
como a de transposição didática, ou seja a capacidade do docente de tratar os complexos conceitos científicos de
forma a oferecer situações de ensino favorecedoras de aprendizagens por parte dos sujeitos envolvidos.
Reunir boa atuação científica com bom desempenho docente é um privilégio. Mas, neste espaço, com
vocês, professores da rede pública municipal de ensino, quero tratar de outra concepção de pesquisa. A meu ver,
em qualquer nível de ensino, para ser um bom professor, o profissional precisa ser um pesquisador; não um
pesquisador no sentido estrito de quem produz novos conhecimentos, têm publicações significativas e contribui
para o desenvolvimento da ciência, mas um pesquisador porque é curioso, porque problematiza as suas práticas,
porque questiona o que sabe, porque põe em dúvida as respostas habituais e não se acomoda, mas busca os novos
conhecimentos para aperfeiçoar o seu trabalho docente, reafirmando-o, modificando-o ou redirecionando-o.
Vou comentar duas situações para argumentar sobre esta tese.
É esperado dos professores da educação infantil e das séries inicias do ensino fundamental que eles
introduzam os alunos nos conceitos científicos. Muitas vezes, esta tarefa é tratada, até mesmo pelos livros didáticos, de forma “tão didática” que as informações são acientíficas. Um bom exemplo, são as histórias do
Joãozinho da Maré, personagem criado pelo professor Rodolpho Caniato para ilustrar os equívocos cometidos
pela professora de Ciências, que repete informações sobre os movimentos da terra ao redor do sol e os efeitos
218
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
desses movimentos. Ao afirmar que o movimento da terra ao redor do sol faz com não haja sobra no sol a pino
do meio dia. Ao testar esta afirmação e não obter o resultado esperado, Joãozinho questiona a professora. As informações e os esclarecimentos da professora não resistem aos “como” e “porques” do Joãozinho, que a obrigam
a rever o que “vinha ensinado há anos, exatamente daquele jeito”.
A segunda situação data do início da década de 90, quando a teoria de Ferreiro e Teberosky sobre a
aquisição de língua escrita colocava em questão as práticas pedagógicas de alfabetização apoiadas no uso de
cartilhas, que entre outros equívocos criava uma seqüência didática artificial . Em decorrência dessa crítica,
adotar cartilhas se tornou sinônimo de professora conservadora. Nesse período uma professora alfabetizadora,
respondendo a uma pesquisa sobre o seu trabalho, orgulhosamente afirmou: “Eu não uso mais cartilha”. Ao ser
indagada sobre tal fato, esclareceu: “ Ela (a cartilha) está todinha aqui na minha cabeça” ; uma manifestação
clara de negar o que a rotulava, desconhecendo o que estava negando.
Estas situações nos auxiliam a compreender sobre a necessidade do professor considerar as contribuições da produção científica como imprescindíveis para o seu trabalho docente, no que diz respeito a tornar os
conteúdos de ensino consistentes e a tomar decisões conscientes sobre suas opções metodológicas.
Geraldi, na obra, Portos de Passagem (1997), ao abordar a identidade do professor e a relação que
ele estabelece entre a produção de conhecimento e o ensino, identifica três momentos na histórica: da antiga
Grécia até o início da modernidade, segundo ele, quem ensina é, também, aquele que produz conhecimento;
com o mercantilismo e a divisão social do trabalho, surge uma nova identidade – o mestre, o qual não se constitui pelo saber que produz, mas pela transmissão do saber produzido, bem descrita na obra Didática Magna de
Comenius; o terceiro e atual momento - um profissional professor nem produtor nem transmissor – mas que
domina um certo saber, produto do trabalho científico, e cuja competência será avaliada pelo acompanhamento
e atualização que tiver deste conhecimento.
Essas identidades, construídas historicamente, não se excluíram; convivem e entrecruzam – se no dias
atuais, mas é sobre o terceiro modelo que estou tratando e o qual acredito atender melhor as preocupações que
estou apontando.
O acompanhamento e a atualização sobre a produção científica, que deve constituir a atividade docente,
a meu ver, pode se dar de duas maneiras: pela pesquisa teórica e pela pesquisa de campo. Em ambos os casos, o
conhecimento produzido deve fundamentar e dar consistência ao que ensinamos e nos auxiliar na solução de
problemas que propomos aos alunos ou que são levantados com/por eles como desencadeadores das situações
de ensino-aprendizagem.
Alguns autores quando falam do professor enquanto um pesquisador no campo, referem-se ao professor
que trabalha na pesquisa de situações dessa realidade que está sempre em transformação. Estive, por indicação
do professor Fernando Hernandez, da Universidade de Barcelona, em uma escola que trabalhava com uma
metodologia de projetos. Passei lá alguns dias e pude observar como essa metodologia se concretizava: no início de períodos pré - estabelecidos, toda a comunidade (alunos, professores, funcionários e pais) formulavam
perguntas sobre assuntos do seu interesse; essas perguntas eram categorizadas e organizadas por série de acordo
com as temáticas e grau de complexidade. Que perguntas podem ser respondidas, por que série, por que grupo
de alunos que está aprendendo o quê? E a partir dessas perguntas é que se desenvolviam os projetos nas diferentes séries. Muitas das perguntas que os professores recebiam, nem eles tinham as respostas. Porque poderia
haver, por exemplo, uma pergunta sobre um inseto muito específico que não estava incluído na taxonomia
conhecida pelo professor. Este fato, ao invés de excluir a pergunta, inclui o professor na descoberta. A escola,
torna-se, portanto, um espaço de aprendizado e de investigação para o professor.
Sintetizando, não há dicotomia entre pesquisa e docência e eu reafirmo que o professor deve se ver como
professor - pesquisador no sentido lato, que busca na produção científica precisar os conceitos científicos que
ensina e respostas às perguntas desencadeadas na/para a escola, na/para a comunidade estendida. Obrigada!
219
Formação de professores
Neide Nogueira
Socióloga formada pela USP com mestrado em Educação no IESAE da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Mantém consultoria às Secretarias
de Educação, Organizações não Governamentais e escolas, participa da Coordenação da Equipe de Formadoras do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, Letra e Vida, da CENP, na Secretaria de Educação do Estado. Coordenou e elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais,
os Referenciais para Formação de Professores e os programas Parâmetros em Ação do Ministério da Educação. Profa. do Curso de Arte e Temas Transversais do Centro Universitário Maria Antonia da USP.
Antes de mais nada, por favor me desculpem a confusão do atraso, houve aí um desentendimento de
horário. Eu vou dar continuidade às falas sobre formação de professores e sobre formação continuada, mas mudando um pouco o foco.
Como a Professora Zilma disse, sempre falamos um pouco a partir de histórias vividas. Nas várias experiências de trabalho, tenho percebido que existe uma questão dentro da formação continuada de professores, que
tem sido pouco tratada, pouco vista como sendo do âmbito da formação de professores: é a questão da gestão.
Quando se fala da necessidade de mudança de concepção de formação para trazer a prática, a atuação profissional do professor, para o centro da formação, coloca-se isso como questão metodológica, como questão de
definição de conteúdos, de prioridades, mas muito pouco se fala do quanto isso se relaciona com o âmbito da
gestão em suas várias instâncias: a gestão da escola, dos organismos intermediários e dos organismos centrais
da secretaria da Educação, que são os responsáveis pela ação educativa e pela formação que se realiza em cada
sistema de ensino.
Eu gostaria de refletir um pouco com vocês sobre a relação que existe entre a concepção de formação
de professores que se quer implementar e o papel dos diferentes gestores nesse processo, partindo da idéia de
que todas as ações, e a própria forma como a secretaria e os sistemas são organizados, refletem, ou concretizam,
uma concepção de formação.Portanto existe uma concepção de formação que é dada, isto é, que está posta na
instituição.
No desenvolvimento de processos de formação muitas vezes formadores e professores se defrontam com
essa organização pautada numa outra concepção, isto é, numa concepção de formação diferente daquela que
norteia a referida ação. Vocês com certeza já viveram situações como a que eu vou citar, reproduzindo a fala de
uma professora. Ela pensa que o trabalho em equipe é ótimo, está aprendendo a valorizar a interação entre as
crianças como promotora da aprendizagem, mas o diretor de sua escola não deixa mudar as carteiras de lugar.
Nesse caso não adianta o estudo realizado, que subsidia teoricamente o trabalho em equipe, a sua atuação, que
refletiria o seu desenvolvimento profissional esbarra na questão da gestão. Por quê?
Porque para o diretor, segundo a concepção de aprendizagem que o orienta, o trabalho em equipe entre
os alunos não é tão importante. Há, nesse caso, um grande distanciamento entre o seu trabalho como gestor e
o que essa professora está vivendo na formação, o que não permite a ele entender, com a devida profundidade
as mesmas idéias. Essa distância, assim como a perspectiva do seu cargo e da sua função, fazem com que ele as
entenda de modo completamente diferente.
O mesmo se repete nos órgãos intermediários do sistema. As práticas de formação se dão no contexto
de uma cultura institucional que se constitui a partir da legislação que regulamenta o sistema e também do
‘costume’, daquilo que vai se tornando tradição. Essa cultura faz com que cada um veja o seu lugar, e o lugar
do outro de uma determinada maneira. Se o diretor vê o seu lugar no processo de formação de professores de
uma determinada maneira, o professor também vê da sua perspectiva o lugar do diretor. Assim como as equipes
técnicas, assim como as equipes dos órgãos centrais.
Desse modo, quando se pretende intervir na formação de professores acaba-se esbarrando com todas
essas questões. O que eu tenho pensado e vou colocar a seguir, é que, para que haja uma mudança significa220
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
tiva num sistema que favoreça a prática de professores criativos, interessados, investigadores, é preciso que se
provoque mudanças em toda a hierarquia do sistema. Ou seja, é preciso criar espaços de formação dentro do
sistema que interajam entre si e que envolvam os diferentes níveis. Colocando de outra forma: se os professores
precisam da formação continuada para garantir a aprendizagem dos alunos, os diretores também precisam, os
coordenadores pedagógicos também precisam, os supervisores também precisam, os coordenadores também.
Se é outra a concepção que ser quer, se a mudança deve ser radical a este ponto, é preciso que essa mudança vá
sendo construída nos diferentes espaços e que as pessoas, sujeitos das mudanças e das resistências, se envolvam
em processos, cada um do seu lugar, cada um de acordo com aquela que é a sua tarefa neste grande processo que
é garantir a educação das crianças.
O mais comum, mesmo na formação continuada, é uma concepção pautada na idéia de formação conceitual, teórica, voltada para informar, organizada na forma de cursos, ou na forma de assessorias pontuais, que
estão de acordo com a visão mais tradicional da aprendizagem, que não leva em conta por exemplo, a necessidade da interação como uma forma essencial de aprender; que é muito mais voltada para o falar e o ouvir e muito
pouco para o interagir. A meu ver, informação e teoria não são dispensáveis; pelo contrário o estudo, a exposição
teórica são essenciais, mas para que se garanta uma formação que faça avançar a aprendizagem dos alunos, essas
práticas de formação são insuficientes.
A mudança de concepção a que me refiro (e aqui eu estou falando da formação continuada) tem duas
vertentes:
- uma que se refere à própria natureza da profissão: uma formação continuada que tivesse como perspectiva o
desenvolvimento profissional permanente dos professores, permanente pela vida toda. Entendo que isso não
é uma questão de ter lacunas na formação, é uma necessidade intrínseca à profissão de professor. Hoje não é
possível ser bom professor sem se dispor ao desenvolvimento profissional.
- a outra que se refere à metodologia: uma formação articulada às situações de trabalho, ou seja, à atuação
profissional dos professores. A formação continuada, para além da atualização e do aprofundamento de conhecimentos precisa incluir a formação para o desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola e para a
intervenção promotora da aprendizagem dos alunos, para o que a tematização da prática é essencial.
É claro que toda aprendizagem é válida mas, como política de formação, se não houver um sistema que
garanta aos professores, diretores, coordenadores, enfim, aos responsáveis pela educação um processo permanente de aprendizagem e de desenvolvimento profissional, não será possível manter o processo de aprendizagem
contínua e cada vez maior dos meninos, dos alunos. Isso então remete à idéia colocada no início, à necessidade
de construir os espaços de formação e repensar qual é o papel de cada um desses sujeitos nesse trabalho maior
de formação do professor.
Essa outra concepção pensa a escola como um espaço de formação, um lugar privilegiado de formação
de professores. Se houver a possibilidade de criar dispositivos de formação muito próximos das escolas, por meio
dos quais se faça a reflexão sobre a prática; e de modo que a aprendizagem dos professores garanta o desenvolvimento permanente do projeto político-pedagógico da escola, então as outras ações como os cursos, como as
palestras, os seminários, enfim, todas as outras ações pontuais, serão muito mais significativas porque terão, na
disponibilidade dos professores, um terreno extremamente fértil.
Portanto a concepção de desenvolvimento profissional rearticula as diferentes ações de formação de
modo a potencializá-las e, principalmente, de modo a fazer com que respondam às questões da promoção da
aprendizagem dos alunos.
Para colocar essas idéias em prática é preciso que os gestores assumam a tarefa de acompanhamento desse processo de formação dos professores para promover as mudanças necessárias à concretização das ações dela
decorrentes. E que não se coloquem como tarefa apenas a contratação de ações externas, como tem acontecido
em diferentes sistemas de ensino. Percebe-se neles que há uma preocupação com a formação dos professores, e
221
inclusive bastante investimento nisso, mas a articulação entre as ações que são feitas e a gestão do sistema como
um todo fica muito falha, fica muito lacunada. Com isso, raramente a formação realmente responde às necessidades do sistema, às necessidades dos professores e dos alunos.
Os gestores têm com certeza, uma tarefa pedagógica importante. Para exerce-la bem é preciso que compreendam em profundidade a concepção que orienta as ações de formação, o porquê da formação ser desta ou
daquela maneira; que participem da definição das prioridades da formação articulada à necessidade de aprendizagem dos alunos e atuem não apenas como entes administrativos, como alguém que contrata e paga trabalhos
exteriores, mas como alguém que gerencia acompanhando o desenvolvimento de uma maneira bastante íntima
para poder avaliar, participar e buscar novas demandas se for o caso.
No sistema educativo, qual é o trabalho por exemplo, de um supervisor pedagógico, que faz o elo entre
o órgão central e a escola? O que é acompanhar o trabalho da escola? A discussão do papel de supervisor, que já
vem de há bastante tempo - e eu vejo isso em diferentes Secretarias de Educação.
Ao mesmo tempo que se diz que o supervisor deve ter um perfil pedagógico, que um supervisor não
deve ser um mero burocrata, pouco existe de aprofundamento sobre a definição de qual é e deve ser esse trabalho. Qual é a dimensão pedagógica do trabalho do supervisor? O que é acompanhar o desenvolvimento de um
projeto político-pedagógico? Quais são as tarefas? Quais são as competências que têm a ver com isso? Onde os
supervisores vão discutir isso? Quais são os espaços de formação que o supervisores têm para discutir isso?
A mesma coisa se repete se pensarmos nos coordenadores pedagógicos. Também já é bastante comum a afirmação de que os coordenadores pedagógicos muitas vezes acabam auxiliares de diretores. Mas qual é o espaço
de formação dos coordenadores pedagógicos? Onde está sendo discutido isso, como é que vão aprofundar essa
discussão, o que é ser coordenador pedagógico de uma escola? A mim parece que uma das principais funções do
coordenador pedagógico é a formação de professores, ou seja, é manter o grupo de professores ‘alimentados’ no
seu processo permanente de formação e ser um interlocutor do órgão gestor para ir definindo dentro da política
de formação quais são as prioridades da escola.
Nas estruturas tradicionais, esses espaços não existem, ou então existem pontualmente. Então não garantem que o sistema funcione da forma aqui proposta. A questão que se impõe então é como muda-las, o que seria
necessário para transformar os diferentes espaços educacionais de um sistema, em espaços de formação interligados. É claro que é preciso criar dispositivos institucionais para que isso aconteça, mas também é claro que os
dispositivos institucionais não serão criados se não houver uma pressão para que o sejam. Então me parece que
seria interessante que nós profissionais iniciássemos um movimento em prol dessa formação, ou seja, que cada
um do seu lugar institucional seja como professor, seja como diretor, seja como coordenador, ou como supervisor, nos propuséssemos a criar esses espaços de formação - o que por sua vez, pede que nos disponibilizemos a
também entrar em processo de formação.
Aí vamos nos deparar com outro problema que são os papéis introjetados, papéis que correspondem a
cada um desses lugares institucionais. Muitas vezes, por conta da cultura que institui esses lugares ser pautada
numa idéia de saber estático, cristalizado, e superior, a disponibilidade para aprender fica restrita, obstaculizada
pela impossibilidade do sujeito tomar contato com o ‘não-saber’. Fica muito difícil realmente entrar em contato
com o não-saber, estando num determinado lugar institucional, quando se espera que quem o ocupe, tenha um
saber acabado que lhe serve de autoridade. Entretanto, sem entrar em contato com o não saber, é difícil aprender, é difícil vivenciar um processo de formação.
Chegamos com isso a um outro aspecto que é a questão das relações de poder, que perpassam o sistema.
Como é que eu supervisora, ou eu coordenadora pedagógica, ou eu coordenador, ou eu diretor de escola, posso
desvelar o meu não-saber frente ao professor ou a outras pessoas com quem eu trabalho. Como é que eu posso
me colocar como alguém que está continua em desenvolvimento profissional e que às vezes não dá conta de
coisas básicas? - porque a formação que tivemos não deu conta de coisas que hoje nós consideramos básicas.
Entretanto isso não é só uma questão para quem está num lugar hierarquicamente superior, porque relações de
poder são construídas em relação, quer dizer, é preciso pelo menos dois sujeitos para construir uma relação de
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
poder. É preciso que eu me veja na obrigação de exercer determinado papel e alguém com quem eu trabalho
também me veja nessa posição, ou seja, legitime essa relação de poder, senão ela não acontece.
Portanto é bastante complexa essa questão e não se modifica o sistema com tanta facilidade. É uma questão pedagógica que tem uma dimensão política, ou, se quiserem, uma questão política que tem uma dimensão
pedagógica. É preciso instalar um movimento em que cada um de nós, do lugar onde está, promova mudanças
para que elas possam vir a ser mudanças estruturais. Não estou dizendo que a boa vontade de cada um é que vai
fazer as coisas acontecerem, não é isso que estou dizendo, mas sim que a força de cada um e a força de um movimento podem fazer com que as coisas venham a entrar também num movimento de mudança. Tomar como
objetivo a implementação de uma formação que realmente dê conta de fazer avançar a aprendizagem dos alunos,
é um projeto que pode dar sentido a um trabalho a longo prazo e que vai além do nosso trabalho cotidiano, mas
que não se descola dele.
É isso que eu gostaria de dizer para vocês. Se tiverem perguntas eu estou à disposição. Muito obrigada.
223
A Formação Do Professor de Educação Infantil
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
Licensiada em Pedagogia pela FFLC da USP, Mestre em Psicologia da Educação pela PUCSP, Doutora em Psicologia pelo IPUSP, Livre-Docente em Desenvolvimento pela FFCLRP-USP. Professora Associada junto ao Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRUSP, membro da CEE (1997-2003)
Tenho tido muitas oportunidades de refletir, atuar e falar sobre a formação docente que entendo constituir um processo complexo de apropriação de formas de sentir, pensar e agir nas situações educativas e de
atribuir significados a seus diversos componentes. Agradeço assim mais essa oportunidade para fazê-lo.
A formação docente pode ser compreendida, usando uma linguagem vygotskiana, como um contexto que deve
visar a criação, pelo sujeito de uma zona de desenvolvimento proximal que promove aprendizagens que revolucionem sua forma de agir, decidir e significar a situação didática. Nem sempre essa criação é possibilitada e,
nesse caso, o sujeito esconde-se atrás da repetição de formas de atuação docente por ele vivenciadas, repetindo
modelos de forma não espontânea, não criativa, não respondendo a singularidade de cada situação educativa em
uma sociedade em permanente mudança.
Socialmente construída e pessoalmente reconstruída pelo professor ao longo de sua vida profissional, a
formação docente o marca, lhe confere uma identidade e o orienta (ou não) a tomar decisões sobre as melhores
formas de mediar aprendizagens e revolucionar o desenvolvimento de seus alunos.
A formação docente inicial e a continuada são aspectos centrais no currículo profissional de cada professor, atuando sobre sua história de vida, suas formas de reagir às circunstâncias que cercam seu trabalho com as
crianças e as famílias a partir de metas, princípios e valores. Já da perspectiva dos sistemas de ensino, a formação
de seus profissionais é indicador importante da qualidade da Educação neles exercitada.
Na educação infantil a formação docente foi assumindo diferentes características conforme foram se
definindo as funções da pré-escola e, mais recentemente, da creche como instituições ligadas ao sistema educacional. Nesse caminho foram sendo traçadas muitas concepções sobre o que significa cuidar da criança desde
bebê em um ambiente coletivo de educação. Para tanto tivemos que superar, só para ficar em dois exemplos, a
idéia de que basta ser mulher, e de preferência mãe, para se poder cuidar de crianças pequenas, e a idéia de que
o professor cuida de aprendizagens racionais pela criança, não podendo ocupar-se de tarefas ligadas a dar a ela
conforto físico e sanitário – trocá-la, alimentá-la, banhar-lhe, etc. Essas concepções foram ultrapassadas pelas
novas concepções sobre o que significa educar e cuidar a criança.
Cuidar não é um ato isolado, mas um conjunto de atitudes em benefício do outro. Cuidar da criança
não significa somente atender suas necessidades físicas oferecendo-lhe condições de se sentir confortável em
relação a sono, fome, sede, higiene, dor, etc. Ele inclui criar um ambiente que garanta também a segurança psicológica das crianças e apoios para elas explorem o ambiente e construam sentidos pessoais ao mundo e a elas
mesmas. Nesse processo as crianças vão se constituindo como sujeitos singulares com formas de agir, sentir e
pensar culturalmente determinadas, embora apropriadas de modo inovador.
Dessa perspectiva, cuidar da criança requer planejar situações que ofereçam acolhimento, conforto,
segurança, atenção, estímulo, desafio, à criança de modo que esta satisfaça suas necessidades de diversos tipos e
aprenda a fazê-lo de forma cada vez mais autônoma.
Já educar a criança é criar condições para ela apropriar-se de formas de agir e de significações presentes
em seu meio social, formas estas que a levam a constituir-se como um sujeito histórico.
Uma educação que cuida da criança seleciona experiências de aprendizagem socialmente relevantes e
pessoalmente significativas, propõe metas valiosas para sua aprendizagem e desenvolvimento e organiza situações onde ela participa de atividades e se apropria de saberes e valores elaborados em seu meio sócio-cultural.
224
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
É possível pensar que hoje, o professor de educação infantil:
– coordena situações de interação de modo a que elas sejam comunicativas, significadoras e que revolucionem
o desenvolvimento da criança.
– gerencia tempos e espaços coletivos (roteiros de atividades, campos de experiências) em creches e pré-escolas,
articulando tempos e espaço individuais (necessidades, desejos e projetos).
– interage com as famílias das crianças tomando-as como parceiros na tarefa de educar.
A partir dessas ações esperadas do professor que trabalha com as crianças na creche e na pré-escola, buscase garantir que ele, em sua formação inicial, se aproprie de conceitos e habilidades necessários para uma atuação
promotora da aprendizagem e do desenvolvimento das crianças, na perspectiva de que elas tenham assegurado o
direito à infância e a uma educação de qualidade como forma de construção de uma sociedade mais justa.
A formação docente inicial deve:
- fortalecer no futuro professor atitudes de acolhimento e respeito mútuo às crianças e seus familiares, dentro de
uma prática pedagógica que integra educar e cuidar.
- promover sua apropriação de itens significativos do conhecimento historicamente construído, de modo a capacitar-lhe para mediar a curiosidade e a construção de saberes pelas crianças sobre o mundo das ciências, das
artes, sobre o fantástico e sobre si mesmas.
- mediar a apropriação pelo professor em formação de diferentes linguagens presentes na expressão artística e na
brincadeira infantil para ele atuar como mediador do processo de desenvolvimento da criatividade e imaginação
da criança.
- criar oportunidades para o professor em formação refletir sobre os conflitos surgidos na relação professor-criança e professor-família de modo a abordá-los de maneira cada vez mais profissional e menos impulsiva.
Sobre a formação continuada
Uma formação profissional, como sabemos, não se encerra com a diplomação do profissional, mas estende-se ao longo da vida, desafiada pelas experiências concretas vividas. Daí a importância de programas de
formação continuada para todos os professores, não para suprir eventuais lacunas na formação inicial, mas para
estimular a renovação de saberes em ambiente de aprendizagem coletiva e auto-motivada.
Em programas de formação continuada, os professores devem ser estimulados a articular os vários conceitos trabalhados em sua formação anterior ou atual com sua prática profissional cotidiana. Isso envolve problematizar
sua prática, pesquisar alternativas de ação, sistematizar suas reflexões em várias formas de registro e reconstruir
conhecimentos historicamente elaborados.
Tais programas devem criar um ambiente em que o professor se sinta acolhido e possa examinar seus
próprios modos de agir diante de situações que foram historicamente construídos a partir de condições concretas e perceber o quanto tais formas de reação e as concepções que as justifiquem podem ser modificadas.
Para poder estabelecer uma relação segura com a criança e com ela co-construir conhecimentos em clima
afetuoso, o professor precisa aprender a lidar com os próprios desejos e imaginação, trabalhar certos sentimentos
que a atuação profissional lhe desperta, analisar continuamente suas próprias frustrações e agressividade.
De modo a ampliar sua iniciativa e a autonomia intelectual, os professores necessitam participar de experiências formativas diversificadas que lhes ofereçam oportunidades de construir conhecimentos, habilidades
e valores, fortalecer seu pensamento crítico, seu raciocínio argumentativo, sua sensibilidade pessoal e sua capa225
cidade para trabalhar em equipe, bem como o desenvolvimento de competências para a tomada de decisões nas
situações interativas que estabelecem com as crianças, seus familiares e colegas de trabalho.
Eles devem ser estimulados a investigar, comparar, discutir, anotar e justificar suas respostas. Por sua vez,
o estudo e a reflexão devem voltar-se à construção de novas práticas junto às crianças, completando o processo
de formação pessoal e profissional, além de buscar estabelecer uma relação lúdica e criativa do professor com o
saber, particularmente com a leitura e com as artes.
Em resumo, tanto na formação inicial quanto na continuada é preciso:
- trabalhar a auto-estima dos futuros e atuais professores e dar-lhes oportunidade de serem ouvidos e de se assumirem como protagonistas de seu processo de mudança, condição imprescindível para aprender e ensinar.
- garantir o exame das dimensões éticas da atuação docente.
- ampliar a consciência profissional dos professores sobre a importância da instituição que cuida da educação
coletiva de crianças de 0 a 6 anos, filhas de famílias das camadas populares matriculadas na rede pública, superar
a histórica exclusão que tem marcado a escola brasileira e cujas raízes já se colocam na educação infantil.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Como Desenvolver a Paixão pela Leitura
Anna Maria Martins
Escritora, Diretora da “Oficina da Palavra”, na Casa Mário de Andrade, Diretora da União Brasileira de Escritores, Diretora da Academia Paulista
de Letras. Recebeu os prêmios: “Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro; “Afonso Arinos”, da Academia Brasileira de Letras, e o “Prêmio do Instituto
Nacional do Livro”.
Boa Tarde. Eu sou a escritora Anna Maria Martins e quero começar dizendo que é um prazer participar
deste Congresso de Educação, grandioso por sua relevância, e estar aqui no meio de professores e alunos. Vou falar sobre uma experiência que tive e julgo importante: as oficinas culturais como um subsídio ao conhecimento
e ao incentivo à leitura. Sendo o tema que me foi proposto como incentivar a paixão pela leitura, fiz anotações
que gostaria de ler para vocês. Em seguida, ponho-me à disposição para uma conversa mais informal ou alguma
pergunta que tentarei responder.
Trata-se de um projeto pioneiro da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, na área da literatura.
O local escolhido foi a Casa Mário de Andrade, situada à Rua Lopes Chaves, 546. O tombamento do imóvel,
pelo Condephat, deveu-se não propriamente a seu valor arquitetônico, mas em função de seu proprietário, pois
lá morou o intelectual que é um ícone da nossa Literatura, o escritor Mário de Andrade. Um ícone do Modernismo. A idéia do projeto partiu do jornalista Fernando Moraes, que era então Secretário de Estado da Cultura,
assessorado pelo editor Pedro Paulo de Senna Madureira. O primeiro Diretor da Casa Mário de Andrade foi o
escritor Roniwalter Jatobá, cujo órgão de origem era a Eletropaulo, e encontrava-se comissionado à Secretaria
de Estado da Cultura. Algum tempo após exercer o cargo de Diretor da Casa Mário de Andrade, Roniwalter
foi chamado de volta à Eletropaulo para editar a revista “Memória”. Essa revista é uma publicação excelente,
não tratava apenas do arquivo e do patrimônio da Eletropaulo; havia a inclusão de artigos de temática literária,
comemoração de datas relevantes na cultura e abordagem a assuntos de interesse geral.
Quando Roniwalter foi chamado de volta à Eletropaulo, eu trabalhava com ele como Vice-Diretora e
fiquei incumbida da direção da “Oficina da Palavra”.
O objetivo da “Oficina da Palavra” era incentivar a criação de textos literários, divulgar a literatura,
formar leitores e, eventualmente, formar escritores. Tive o prazer de ver alunos de faixas etárias diferentes publicarem livros, como uma senhora de certa idade que publicou um livro de memórias e jovens que publicaram
livros de poemas. Os nossos coordenadores eram excelentes. Tínhamos uma verba que nos possibilitava trazer
também escritores de outros estados. As atividades desenvolviam-se em oficinas, em workshops, cursos, seminários, depoimentos, balanço da literatura. Realizavamos, procurando ampliar o interesse, depoimentos e cursos
de literatura ligada a outras áreas da cultura, como por exemplo, literatura e cinema, literatura e futebol, roteiro
de cinema, dramaturgia, literatura e jornalismo.
Os projetos eram solicitados ou enviados por pessoas que pretendiam coordenar alguma oficina. Avaliados por uma equipe técnica, esses projetos passavam pela diretoria e eram remetidos à Secretaria de Estado da
Cultura, ao Departamento de Formação Cultural (DFC) para serem referendados.
Escritores renomados coordenavam as oficinas, ou faziam depoimentos no programa “A Arte de Criar”.
Havia também o “Pronto Socorro Literário”, isto é, o aluno que estivesse participando da oficina trazia seu próprio texto, e um coordenador o orientava, dava instruções para a modificação do texto, para um melhor cuidado
com a linguagem, ou conversava a respeito da temática. Essa foi uma oficina bastante procurada.
A Casa Mário de Andrade funcionava em co-atividades à tarde e à noite. Procurava-se diversificar a programação para se chegar ao maior interesse do público. A freqüência era constituída de uma faixa etária que ia do
jovem à terceira idade. Em certa fase da programação instituiu-se também uma oficina para crianças, realizada
no porão, devidamente adequado para tal atividade. Era coordenada por Toni Brandão, que fazia essa oficina
com estórias, jogos lúdicos, despertando o interesse pela leitura e estimulando a crianças a ficar ligada ao livro.
227
Para “A Arte de Criar” convidava-se um escritor de São Paulo ou de outro estado, que discorria sobre seu processo criativo, sobre sua carreira profissional e suas obras. No término do depoimento, o autor colocava-se à
disposição da platéia para eventuais perguntas. Nessa ocasião a Secretaria disponibilizava verba, o que era muito
importante para se poder trabalhar. Tínhamos a oportunidade de trazer escritores de outros estados, pagar a passagem, o hotel e o cachê pelo trabalho do escritor. Havia verba para isso. Trouxemos escritores de vários estados
do Brasil, Rio Grande do Sul, Rio, Bahia, Minas. Às vezes o auditório ficava lotado, como por exemplo quando
Lygia Fagundes Telles foi fazer um depoimento. Lygia é uma escritora muito conhecida, muito querida por seu
público leitor e admirada pela crítica e pela mídia. Colocamos o som para fora da sala para que as pessoas, que
estavam fora, pudessem acompanhar o depoimento.
Cito alguns escritores que foram convidados para a “Arte de Criar”: Rachel de Queirós, Fernando Sabino, Moacyr Scliar, Antonio Callado, Antonio Torres, Antonio Houaiss, Ruy Castro, João Antonio, Mário
Chamie. Nos sábados, na Casa Mário de Andrade, os alunos formaram um grupo para falar sobre poesia. Apareceram poetas que publicaram livros, continuando com oficinas próprias em outros lugares.
Uma outra atribuição que tínhamos era a realização do “Prêmio Pedro Nava”. Um prêmio muito importante, promovido pela Secretaria e instituido, primeiramente, pelo Museu da Literatura que, antes da Oficina da
Palavra, localizava-se na Casa Mário de Andrade. Esse prêmio recebeu o nome de Pedro Nava, vencedor com o
livro “O Círio Perfeito”, na primeira vez em que o prêmio foi outorgado. Era escolhido, a cada ano, o livro de um
autor. Os escritores premiados foram Carlos Drumond de Andrade, Fernando Morais, João Antonio, Ignácio de
Loyola Brandão, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles. No último ano em que o prêmio foi outorgado, quem
o recebeu foi João Cabral de Melo Neto, com a obra “Sevilha Andando”. E, desde então, infelizmente, o prêmio
foi desativado. Em nossas reuniões da União Brasileira de Escritores, à qual pertenço, temos tratado desse assunto.
Reivindicamos a volta do “Prêmio Pedro Nava”. Que se destine verba para essa premiação relevante.
A “Oficina da Palavra” fez da Casa Mário de Andrade um centro vivo de literatura. Foi um pólo de
divulgação cultural, com características específicas. Constituia-se num espaço onde o autor se tornava mais
próximo do público, revelando-se ao leitor já conquistado ou em potencial; estimulava o interesse pela palavra,
abria caminho para a leitura e a escrita. Éramos subordinados ao Departamento de Formação Cultural (DFC),
um dos departamentos da Secretaria de Estado da Cultura. Tudo era realizado através das oficinas. Havia oficinas na periferia e em algumas cidades de São Paulo, como por exemplo, São Carlos, Campinas, Santos. Mas elas
lidavam com a cultura de um modo geral, não se tratava apenas de literatura, trabalhavam com artes plásticas,
dramaturgia, outras áreas da cultura.
Outro projeto que vivenciei e que significa um incentivo à leitura, à paixão pelo livro, foi o projeto “
Mapa Cultural Paulista”. Essa programação da Secretaria de Estado da Cultura dividia São Paulo em 12 regiões, se não me engano. Havia uma coordenação em cada região. Os interessadas, professores ou pessoas que
almejavam escrever, que ambicionavam tornarem-se escritores, mandavam seus textos, que eram selecionados
na própria região e depois enviados para São Paulo. Para cada área da cultura eram convidadas três pessoas, que
integravam um júri, que analisavam e escolhiam os textos. O Prêmio era a publicação em livro.
Outro motivo que se poderia usar para incentivo à leitura são revistas com temáticas específicas, como
a “Leituras Compartilhadas”. Autores conhecidos como Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti, Gerardo de Mello Mourão, escreveram sobre temas como rios, mares. Esses textos servem como incentivo à leitura,
motivam o leitor.
Aprecio muito a narrativa curta, como leitora e escritora. Falando um pouco sobre o meu próprio trabalho, tenho me dedicado à narrativa curta, acho que minha ficção é de fôlego curto. Meus livros publicados são
todos de contos, não me aventurei ao romance, talvez um dia ainda venha a fazê-lo.
O conto, ou a crônica, pode ser lido praticamente de um só fôlego. Serve, portanto, de incentivo à leitura. Há
ótimos livros de crônicas recém editados, que trazem textos antológicos de Rubem Braga, Fernando Sabino,
Paulo Mendes Campos e Luís Martins, entre outros excelentes cronistas.
228
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Refiro-me agora a um assunto pessoal: fui casada com o escritor e jornalista Luís Martins, que trabalhou como cronista no jornal “O Estado de São Paulo” durante 34 anos. Saiu recentemente um livro de crônicas
dos melhores cronistas brasileiros e me pediram autorização para publicar meia dúzia de crônicas de Luis. Acho
que esse tipo de leitura é um incentivo para desenvolver a paixão pelo livro. Precisamos ver se conseguimos tirar
um pouco o jovem da televisão, mostrando-lhe um texto que possa interessá-lo.
Não sei se vocês teriam alguma pergunta, para iniciarmos um diálogo.
[Pergunta inaudível]
Pois não. Chama-se “Leituras Compartilhadas”. Tenho até o no 5. Ignoro se continuou depois disso.
Era uma revista muito bem feita, ilustrada, projeto de uma ONG, Leia Brasil, editada em Brasília. Colaborei no
número cuja temática é Mares. A revista era distribuída gratuitamente em escolas.
Outro modo de incentivar a leitura é presentear as crianças com livros. Tenho esse hábito. No aniversário compro um livro, por exemplo de Ruth Rocha, Ana Maria Machado, ou outra escritora que se dedique a texto
destinado a essa faixa etária, e presenteio o aniversariante.
A criança, que cresce em uma casa onde há uma biblioteca, vai sentindo, manuseando o livro desde a
mais tenra idade. Isso desperta o interesse pela leitura. È necessário mostrar o livro à criança que não desfrute
desse benefício, isto é, a convivência com o livro em seu próprio domicílio.
À guisa de exemplo, cito minha filha, Ana Luisa Martins, autora do livro Ai vai meu coração. Foi privilegiada, desde criança, porque tínhamos uma biblioteca imensa. Meu marido, o escritor e jornalista Luís Martins,
e eu lidávamos diariamente com a palavra escrita. Leitores contumazes, os livros transbordavam em nossa casa.
Hoje, nossa biblioteca encontra-se na Universidade Federal de São Carlos, que a adquiriu. Constitui-se, especificamente, de edições literárias de autores expressivos, como Carlos Drumond de Andrade, Cecília Meirelles,
Ribeiro Couto e vários outros que se destacam no panorama literário nacional.
Quanto à documentação que Luís Martins possuía referente a jornalismo e artes plásticas, minha filha
e eu a doamos para o Museu de Arte Moderna (MAM), que criou o “Centro de Estudos Luís Martins”, onde o
pesquisador encontra informações sobre 50 anos de vida cultural do país.
(Pergunta Inaudível)
Na minha juventude, não se tinha essa solicitação enorme de televisão e Internet. Lia-se bastante. Hoje
é necessário ter criatividade para levar o livro ao jovem, estimular a vontade do adolescente, desenvolvendo sua
paixão pela leitura.
(Pergunta inaudível)
Quando eu estudava, havia o primário, de primeiro ao quarto ano; quem estava um pouco atrasado
fazia o quinto ano, em seguida cursava os quatro anos de ginásio. Eu me preparei para ingressar na universidade,
sempre gostei muito de idiomas, pretendia fazer inglês, francês e alemão. Entrei na Sedes Sapientiae, mas fiquei
só um ano porque logo me casei e larguei a faculdade. Complementei a minha cultura com cursos na Cultura
Inglesa, na Aliança Francesa, com muita leitura, palestras, viagens. Mas, sinto não ter terminado a universidade,
embora, modéstia à parte, fale muito bem inglês e francês e tenha lido, no original, muitos autores desses paises.
Mas, gostaria de ter completado a universidade.
(Pergunta inaudível)
Nós tínhamos uma fazenda, perto de Indaiatuba, onde passávamos as férias. Na época de minha infância e juventude, não havia luz na fazenda, usávamos lampião a querosene e velas. Lembro-me de que meus pais
e tios jogavam pif paf e eu ficava lendo perto do lampião. Se não tinha terminado a leitura à hora de ir para o
229
quarto, punha uma ou duas velas no criado-mudo e continuava a ler. O gosto pela leitura me vem da infância.
Sempre tive paixão pelo livro. Meu pai lia bastante e minha mãe lia poetas franceses. Comecei muito jovem a ler
certo tipo de literatura que, mais tarde, considerei piegas. Quando descobri os escritores do Nordeste, Raquel
de Queirós, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, e os grandes poetas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de
Andrade, Cecília Meirelles, o meu amor pelas letras foi aumentando. Cito apenas alguns; ao longo dos anos, a
descoberta de bons autores alargou-se. Li também, no original literatura inglesa e francesa. Já me referi ao apreço
que tenho por idiomas.
Aprecio muito a narrativa curta. O conto insere-se num gênero de minha predileção. Assisto de 2a a 6a
feira, na TV Cultura, o programa “O Conto da Meia-Noite”. Trata-se de um texto literário interpretado por um
ator. Tive a satisfação de ver um dos meus contos, “A Rede”, levado ao ar na interpretação de Paulo César Pereio.
Já assisti “ A Caçada”, de Lygia Fagundes Telles, com Abujamra: “Pequenas Distrações” de Gregório Bacic, com
Beth Goulart: “A Invasão” de Rodolfo Konder, com Lazaro Ramos. E inúmeros outros. Sou telespectadora assídua desse excelente programa produzido por Fernando Barros Martins que, entre outras qualidades, estimula o
interesse pela boa literatura.
(Pergunta inaudível)
Sou contista assumida. Acho que a minha ficção é de fôlego curto. No livro “Mudam os Tempos”, o conto
que abre o livro é um pouco mais longo do que os outros, tem quase a extensão de uma pequena novela. Publiquei
cinco livros de contos, trabalhos em revista, em antologias, em periódicos. A epígrafe que escolhi para “Mudam os
tempos” é um trecho de um depoimento do escritor norte-americano William Faulkner, em que ele diz; “Quando
seriamente explorada a estória curta é a mais difícil, e a mais disciplinada forma de escrever prosa”.
A narrativa curta parece fácil; trata-se, entretanto, de uma impressão equivocada. Tem-se um limite para
o texto, tem-se que expor a idéia dentro desse limite, fazendo um relato, contando uma história ou, algumas
vezes, lidando com a palavra sem tema específico. Lembro-me do cronista Luís Martins, andando de um lado
a outro em busca de assunto. Quando não vinha o assunto, ele começava a lidar com a palavra, a borboletear
com ela, e conseguia escrever uma bela crônica que, muitas vezes, saia lírica, mais leve, ou um comentário sobre
algum livro ou um fato cotidiano.
[Pergunta inaudível]
Os outros estão esgotados, mas eu posso dizer que esse livro, “Katmandu”, me trouxe muita satisfação.
Recebi um prêmio do Instituto Nacional do Livro, por essa obra, que foi muito bem aceita pela crítica. Com
meu primeiro livro, “A Trilogia do Emparedado”, eu recebi um Jabuti, revelação de autor e o Prêmio Afonso
Arinos da Academia Brasileira de Letras. Depois escrevi “Sala de Espera” e “Retrato sem Legenda”. O meu primeiro conto publicado foi no Suplemento Literário do jornal “O Estado de S. Paulo”.
Trabalhei bastante com tradução. Quando traduzia, lia todo o livro primeiro, para saber do que se tratava, depois marcava umas palavras a respeito das quais eu tivesse dúvida e anotava vários sinônimos, para verificar
qual palavra traduziria perfeitamente a idéia do autor. É importante, quando se traduz, não querer melhorar o
estilo do autor, e cuidar bem do significado para não deturpar o que ele expressa.
[Pergunta inaudível]
Não. Era a editora que me solicitava algum trabalho. Mas, parei há algum tempo de traduzir, porque era
um trabalho muito mal remunerado e árduo. Certa vez eu peguei um livro de autor norte americano, um escritor com um estilo muito difícil. Como o pagamento era demasiado pequeno, vi que não compensava. Não valia
a pena ficar em cima daquele texto tanto tempo. Seria só pelo prazer de estar traduzindo um bom escritor.
230
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
[Pergunta inaudível]
“Katmandu” está esgotado, foi publicado pela “Global”. “Mudam os tempos” saiu pela “Girafa”. O
editor Pedro Paulo de Senna Madureira, que gosta muito do que escrevo, modéstia à parte, me telefonou, disse
que queria publicar um livro meu. Gostaria que eu fizesse uma seleção de contos dos meus livros anteriores e
acrescentasse um conto inédito. Foi o que fiz. Do primeiro livro creio que reproduzi só um conto. Não sei se
outros escritores pensam assim, mas acho que no primeiro livro raras vezes se atinge a maturidade necessária.
Sou muita crítica comigo própria, sempre acho que poderia melhorar o texto.
[Pergunta inaudível]
A Casa Mário de Andrade está aberta ao público, mas tem outro tipo de atividade, não apenas a literária:
faz eventos, dedica-se também à dramaturgia. Uma das oficinas que funciona com várias atividades e inclui a
área da literatura é a Oswald de Andrade, na Rua Três Rios, no Bom Retiro.
Obrigada. Espero ter trazido algo que sirva para vocês refletirem, para incentivar a leitura e desenvolver
no jovem o gosto e a paixão pelo livro. Foi um prazer estar aqui e participar deste significativo Congresso de
Educação.
231
Interface entre Mídia e Educação
Marcos Ferreira
Professor Livre Docente da Faculdade de Educação da USP
Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Literatura como espelho de identidades sociais
Heloísa Pires Lima
Mestre e Doutora em Antropologia Social pela USP
Criou e foi Editora de “Negro Edições”
Autora de “Histórias da Preta” e “A Semente que Veio da África”
Vamos iniciar nosso encontro remexendo memórias. Fechem os olhos, respirem, soltem os ombros e
o corpo na cadeira. Assim relaxados, busquem lembranças de vocês mesmos aos 15 anos; aos 12 anos, aos 10,
como era a casa onde moravam, a rua. E aos 8 anos, os amiguinho(a)s quando tinham 8 anos, 5 anos. Lembrem
da família, se recordam de alguma festa de aniversário. Agora, busquem detalhes nessa memória, um brinquedo
que foi muito importante para vocês, uma roupa, uma caneca.
Procurem, então, nesse ambiente em que vocês estejam, um livro. Que livro ficou guardado nessa memória? Abram esse livro do passado, relembrem as cores da capa, folheiem essa obra até encontrarem aquele personagem inesquecível. E, finalmente fechem o livro e, apanhem o exemplar para traze-lo para cá, agora. Abram
os olhos e contem para todo mundo, que livro é esse?
(A platéia interage, respondendo)
O que podemos perceber é o quanto cada uma dessas obras, aparentemente esquecidas, modelaram
muitos de nossos desejos, ou o quanto influenciou na nossa vida atual.
Vou propor um segundo exercício: gostaria que vocês buscassem, novamente, nesse universo da infância
e da adolescência ou do magistério, personagens particulares. Procure um oriental, depois um indígena, um
modelo de mulher. E então, um personagem negro.
(A platéia cita Peri, Ceci, Ubirajara, Iracema. A platéia cita Saci Pererê, Negrinho do Pastoreio, etc.)
Tais referências indígenas foram criadas no séc. XIX, partindo de um projeto gerado por D. Pedro II,
para comporem uma identidade nacional. Isto quer dizer que há um contexto sócio-político relacionado à
criação. Chegamos, portanto a um aspecto importante acerca dessa produção e, para enfatiza-lo busquem na
memória, um personagem que habitou o imaginário de vocês, que esteja associado à origem européia
As bibliotecas nos informam sobre o mundo. Mas percebamos a diferença quantitativa relacionada
aos repertórios disponíveis nos acervos, seja dos lares ou institucionais. Se os personagens negros, indígenas ou
árabes cabem nos dedos das mãos, isto significa que estiveram ausentes enquanto repertório de referência. Ou
ainda, uma presença notada com o agravante de serem representados através de estereotipias recorrentes. O caso
da origem européia, ao contrário, apresenta uma diversidade infinitamente maior de modelos. São monarcas,
carpinteiros, heróis, bandidos, gordos, magros, ricos, pobres, enfim com uma complexidade de parâmetros para
os processos de identificação dos leitores. Se cada história, com a qual entramos em contato traz chaves emocionais que nos permitem a elaboração de uma série de questões, são os protagonistas, que muitas vezes, auxiliam
as elaborações emocionais. Como presença constante ele se torna o protótipo do que, inconscientemente, deve
ser exemplar. O modelo europeu não é parte dessa humanidade, ele é a humanidade de referência.
Uma conseqüência importante desse espelho ofertado é a construção da auto imagem partindo dessa
europeização tão fortemente presente e bem avaliada pelos mais diferentes enredos.
Vamos explorar um pouco mais o caso do modelo negro de humanidade. Podemos citar o exemplo da
Tia Nastácia, de Monteiro Lobato (por volta de 1912). No início e meados do séc. XIX entraram no Brasil muitas editoras francesas; a educação privilegiada disponibilizava obras para as crianças lerem no original francês.
No início do século XX, a revolução lobatiana marcou a dissidência com essa tradição arraigada, historicamente,
233
que valorizava unicamente o universo literário francês. Lobato, como todos conhecem, focou sua criação nacionalizando figuras estrangeiras e integrando repertórios brasileiros. Como projeto, e isso é uma interpretação,
a Tia Nastácia e Dona Benta representavam o comando de uma república, o sítio do pica-pau amarelo, sob a
sabedoria do saberes popular e erudito. Nas primeiras edições, o ilustrador da proposta representou as duas
personagens tendo o cuidado de mantê-las diferenciadas, mas com equidade na expressão das faces, das vestes,
na postura corporal. Estou chamando a atenção para a importância da ilustração e isto não significa que uma
análise da escrita também não resguarde as concepções de época e, aliás, nesse caso terríveis. Mas, a primeira edição tratou o desenho de uma forma e a ela seguiram várias edições. A Nastácia vai sofrendo mudanças bastante
reveladoras do contexto de sua produção.Ela vai ficando gorda, muitas vezes suja, adquire aspecto monstruoso
e, sobretudo a construção de sua figura pode, facilmente, ser associada à figura de animais. Ela é bestializada,
perde a humanidade.
Outro caso, também relevante, delimitado na referência ao modelo de humanidade negra, está na representação da África encontrada nos livros para crianças. A África também é uma idéia construída sob determinados ângulos. Cada um de vocês possui uma imagem inicial sobre a África. Se eu, nesse momento, pedir
um relato sobre o que veio à cabeça assim que falei África, teremos a África como é percebida por cada um para
trabalharmos.
A cartografia demonstra esse mesmo processo dimensionado na história da humanidade. Senão, imaginemos um chinês elaborando um mapa sobre essa região na antiguidade. Senão um chinês, então um árabe
e sua experiência com aquele pedaço de continente que hoje chamamos África. Os gregos e romanos também
deixaram os seus registros. Alguém já imaginou a comunicação de um grupo étnico do coração da África com
outro do sul ou norte do mesmo continente, durante a idade média? Devia haver formas próprias de localização.
Mas, enfim, a ótica envolvida na representação é um fator relevante quando falamos de representação. Trata-se
de uma interpretação do real.
Anualmente, temos uma África representada em nossas casas: por ocasião do Natal. São os 3 Reis Magos
e, um deles, Baltazar, remete a uma realeza africana e a uma África cristã. Há equidade entre os reinos envolvidos.
Exemplo contrário poderia ser a série de imagens produzidas pelos imperialismos que tomaram conta do continente no início do século XX. Uma dessas vertentes também de fundo religioso, pois foram feitas por missionários
ardilosos na conversão dos mundos preocupados em difundir notícias sobre as diferentes regiões ocupadas. Essas
imagens não poupam os habitantes africanos marcando-os como boçais submetidos a culturas exóticas.
Na tradução desses contextos para a infância e juventude, temos o caso exemplar da obra Tintin, bastante conhecida até os dias de hoje. Um dos números da coleção recebeu o título “Tintin na África”. Seu autor
é o belga Hergé, e a época em que foi escrita, a década de 30, faz parte do contexto de possessão do Congo pela
Bélgica. Essa relação de investimentos econômicos e políticos relacionados ao Congo precisava ser divulgada aos
súditos do reino belga que pouco ou nada sabiam a respeito do potentado.
Os africanos do Tintin receberam uma pele cujo preto é literal, tornando-as grotescas, e ainda traços
estereotipados, como os lábios extremamente grossos e o corpo arcado. O Tintin heróicizado a partir da imbecilidade atribuída aos congoleses infantilizados. Uma das mensagens contidas no enredo conduz o leitor a
concluir que todos os africanos desejam ser como Tintin. Essa é uma divulgação da África para os europeus que
se soma a outros clichês tão bem reforçados pelo universo da literatura. São Áfricas quase sempre associadas ao
canibal com o ossinho na cabeça, cujos africanos comumente aparecem desumanizados na aproximação com o
macaco. Nessas análises são importantes os detalhes. Por exemplo, o Tintin não recebe uma pele de cor branca
literal. Ela é roseada conforme mostra a imagem.
Se saltarmos para o momento o governo de Nelson Mandela após sua prisão, temos outro caso interessante. Frente ao histórico apartheid, uma de suas primeiras políticas públicas considerou a literatura como
recurso auxiliar na inversão cultural necessária no país. O racismo da África do Sul só poderia ser erradicado a
médio e longo prazo e as investidas nesse sentido se voltaram para próximas gerações. Os livros didáticos passa234
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
ram a receber um cuidado especial na representação da África e dos africanos, sobretudo para a equidade entre
a imagem branca e negra que circulavam nas obras.
Portanto, esses casos todos demonstram a importância de uma biblioteca e nela, a garantia da representação adequadas das mais diversas humanidades, que fazem parte e enriquecem nosso mundo.
Voltando a atenção para a imagem relacionada ao modelo de humanidade negra, as populações negras
reais oferecem um campo muito mais vasto de referências do que o encontrado freqüentemente nos livros de
nossas bibliotecas. O problema não é o personagem ser escravizado, menino de rua ou figura folclórica. O
problema está em ser apenas estes. Existe, portanto, a necessidade de ampliarmos esse repertório de referência,
de atentarmos para a abordagem na construção das figuras e termos consciência de que há um ponto de vista
envolvido nessas construções. Mais do que isso, que elas agem como espelhos para a arquitetura de auto-imagens
e mesmo da percepção do outro.
Esta percepção começa por nossa vida pessoal, pelo quanto estão sedimentados informes que atuaram na
nossa infância. Se soubermos que as notícias chegam, entram e permanecem, temos a oportunidade de agirmos
em perspectiva. Por quê não remodelarmos os ambientes oferecidos para nossas crianças e adolescentes?
235
Os Índios e nós. A questão indígena revisitada
Adrian Ribaric
Antropólogo
Prof. da PUC/SP
Vivemos numa sociedade perversamente desigual e essa desigualdade está presente na economia, na organização política da sociedade e também na forma como os contingentes culturais são distribuídos na sociedade. Nos últimos dias foi divulgado mais um relatório do IBGE no qual a distribuição de renda é relacionada com
as origens étnicas e culturais da população. As condições de desigualdade sócio-econômica que normalmente já
são alarmantes no Brasil tornam-se escandalosas quando observamos como elas se apresentam em contingentes específicos como os afro-descendentes por exemplo. Se por acaso considerássemos as populações indígenas
então, teríamos que nos confrontar com uma realidade que fere toda consciência cidadã deste país. Mas, no
entanto, isso não acontece. Por que?
Por outro lado, quando olhamos para nossa cidade, nossa grandiosa metrópole, mega povoada, hiperurbana e moderna, parece que não conseguimos ver a incrível diversidade cultural que pulsa vivamente em seu
interior. Dificilmente sabemos ou aceitamos que entre nós vivem grupos indígenas sobreviventes da hecatombe
civilizacional que se abateu sobre eles no último meio milênio. Qual de nós já passou por alguma aldeia indígena
aqui em São Paulo? No entanto eles existem, e exibem uma realidade econômica, política e cultural que nos desafia enquanto educadores e cidadãos. Não é que eles não existam, tem sido mais cômodo torná-los invisíveis.
Quando falamos em grupos indígenas, o que vêm em nossas mentes são aquelas imagens de livros e documentários de sociedades tribais que, em sua nudez e inocência selvagem, nos remetem as origens de nossa civilização
brasileira. Quando temos notícias de índios andando de automóveis, falando em celulares e reclamando seus
direitos nas cidades, pensamos baixinho ou não: Não são mais índios.
No entanto o que vem ocorrendo nas últimas décadas e em todo o Brasil, é que estas sociedades (assim
como todas as outras sociedades rurais ou rústicas brasileiras), estão rapidamente sendo conduzidas para uma
realidade urbana. Muitos migram para os centros urbanos à procura de melhores condições de existência como
os Pankaruru, indígenas originários do nordeste brasileiro que vieram para São Paulo como milhões de outros
nordestinos, e hoje vivem na região de favelas do bairro do Morumbi, tentando recriar formas de sociabilidade
e cultura que sustentem sua identidade enquanto pessoas diferentes, que se vêm diferentes, que desta forma se
sentem no meio do anonimato urbano. Outros, ao contrário, embora escondidos em seus refúgios, foram encontrados e engolidos pelo crescimento da malha urbana da metrópole.
Na cidade de São Paulo existem três aldeias Guarani, duas na região de Parelheiros e uma no pé do Pico
do Jaraguá, à beira de uma das mais movimentadas estradas do país e totalmente envolta na realidade da periferia
paulistana que todos nós conhecemos muito bem, marcada pela precariedade sócio-econômica e pelo descaso institucional. Dificilmente passamos por ali e conseguimos ver que ali existe uma aldeia indígena. Nossos olhos não conseguem decifrar aquela realidade. Suas casas são semelhantes as mais pobres construções de nossas favelas, vestem-se
como os mais pobres de nós, de longe muito pouco há o que os diferencie. Eles são visivelmente invisíveis.
Trabalhei, durante muitos anos, com populações caiçaras do litoral sul de São Paulo. Procurávamos uma
formulação de políticas institucionais que contemplassem um tripé: preservação do meio ambiente, melhoria de
qualidade de vida e respeito aos padrões e personalidade cultural daquela população. Durante aqueles meus anos
caiçaras, fomos envoltos por uma espinhosa polêmica sobre a preservação da cultura deles. Como preservar uma
cultura? Qual era o nosso direito de dizer o que e como deveria ser preservado? Preservar ao custo de mantê-los
afastados do mundo moderno e do desenvolvimento e mesmo contra a sua vontade?
A mesma questão pode ser colocada hoje quando abordamos a questão indígena no Brasil e particularmente na cidade de São Paulo. Parece-me que estas questões que tentei alinhavar agora com vocês estão relacionadas e estão profundamente conectadas com uma visão preconceituosa e ignorante que temos da cultura
indígena e que tem origens profundas e longínquas.
236
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Vamos falar um pouco sobre o imaginário. A figura do índio é uma figura clássica no imaginário ocidental. Quando o europeu chega na América pela primeira vez, encontra uma paisagem humana e natural
paradisíaca, que vai servir de matéria prima imaginária para as construções ideológicas que carregamos até hoje.
As utopias modernas de direita ou esquerda, tudo isso é modelado pelas imagens que constrói com o mundo
que ele encontra na América.
Esse europeu, cansado da Idade Média e de universo de pecados e castigos divinos, encontra de repente
um mundo onde tudo é exuberante, colorido, belo. A figura do indígena aparece como um ser puro , um homem bom, que não necessita de trabalhos aviltantes para sobreviver, que convive em paz com o outro, não está
vilipendiado pelas estruturas de poder, não tem vergonha de si ou de sua própria existência. Podemos lembrarnos de Rousseau, falando do “bom selvagem”.
Mas, se por um lado, há essa idéia de pureza, por outro, há também a imagem do canibal selvagem, que
precisa ser civilizado como dizem Montesquieu e Montaigne.Na realidade, isso não tem nada a ver com o indígena de carne e osso, com os homens e mulheres que encontraram aqui, mas com a nossa própria necessidade
de construir quem seria o Homem.
Nesta Antropologia ingênua (e que permanece profundamente arraigada em nossa cultura), inventa-se o
homem bom e puro em estado de natureza, ou seja ainda não contaminado pelas idiossincrasias da civilização, para
podermos justificar a idéia de liberdade que deveríamos conquistar na modernidade. Por outro lado, sendo um
selvagem canibal, precisamos urgentemente estabelecer regras, leis e governos para podermos viver em sociedade.
No Brasil, na literatura, essa ambivalência do bem e do mal, dificilmente vai ser encontrada, como em
Hobbes: “O Homem é o Lobo do Homem” . O que vemos é uma idealização romântica do indígena, que quer
construir uma natureza brasileira pura, bela, generosa, como encontramos em Gonçalves Dias e José de Alencar.
O indígena é aquele a quem podemos imputar imagens preconceituosas, mesmo que de “bonzinho”. Isso se
revela em idéias, tais como: “o índio não se pode modernizar porque vai deixar de ser índio”. Só recentemente
há uma virada nessa visão indígena. Na metade da década de 80, Antonio Calado, em “Quarup”, ou Darcy Ribeiro em Mayra se esforçam em mostrar o indígena como um ser humano concreto, complexo, como qualquer
um de nós.
Na verdade, se pensarmos como a Antropologia construiu a idéia do que é ser brasileiro, ficaremos horrorizados com o que já foi reconhecido como a melhor ciência social da sua época. Se observarmos a história
do pensamento social brasileiro, veremos que 90% dos autores justificam a miséria e a desigualdade social, a
miséria cultural que supostamente existiria no Brasil, baseado na idéia de que haveria um conluio entre o índio
preguiçoso, que só fica balançando na rede, o negro que só trabalha se apanhar, e o pior tipo de branco que é o
português, católico, barroco. Juntando os três, chegava-se à conclusão de que o Brasil não poderia chegar a lugar
algum e estava condenado a viver às margem da civilização mundial. Pelo menos grande parte do Brasil, não nós,
brancos, bonitos e inteligentes, mas o resto sim.
Pode parece engraçado, mas essa já foi a melhor Ciência Social do Brasil. E esse era o espelho que as Ciências Sociais ofereciam ao brasileiro. Esse pensamento perdurou do século XVIII até a década de 30 do século
XX. Até então, tínhamos somente essa visão do homem brasileiro e o Brasil era um lugar onde a civilização não
floresceria jamais.
Isso continuou até o aparecimento de Gilberto Freyre. Ele desconstruiu a idéia de que somos um povo e
uma sociedade, uma cultura à míngua, no subsolo da civilização. Ele mudou essa composição ideológica e colocou a idéia, bastante discutida, da miscigenação. Graças a essa miscigenação, o brasileiro seria a etnia e a cultura
mais apta a poder criar uma civilização nos trópicos. Seríamos uma espécie híbrida que se apropriaria das qualidades mais interessantes de cada etnia: todo o conhecimento e sabedoria indígenas, toda a voluptuosidade africana
e toda a “malandragem” portuguesa e construiríamos, aqui, os pilares da civilização do terceiro milênio, agora.
237
Se fixa desde então no imaginário da cultura e ideologia brasileiras, a idéia da miscigenação, que reproduz a idéia de uma sociedade pura, os contingentes étnicos e culturais só tem sentido como matéria prima que
deverá diluir-se em um grandioso futuro longínquo.
Mas a sociedade brasileira é perversa, é desigual. É fruto de 400 anos de escravidão e a idéia da miscigenação subestima isso. Observando a história e a atualidade da sociedade brasileira, fica evidente como a nossa
elite não se importa com o destino da população. A concentração de renda a que me referi no início de nossa
conversa é fruto direto desta raiz escravocrata, embora nunca olhemos para ela dessa forma. Por isso, é necessário
tomar cuidado com a idéia de miscigenação: porque escondemos isso. Darcy Ribeiro dizia: “O Brasil sempre foi
e ainda é uma grande máquina de gerar riqueza e essa máquina de gerar riqueza teve como produto indesejável,
um povo”. Esse é o melhor retrato da sociedade brasileira e de sua hipocrisia étnica, racial e cultural.
Na verdade, é muito cômodo para o antropólogo, falar do indígena, do caboclo, do quilombola....porque evita
falar de si mesmo, de sua sociedade. É como observar os costumes exóticos de outros povos, abstendo-se de
tentar desmascarar a estrutura de minha própria sociedade.
O Brasil nasceu com europeus que vieram para organizar um lugar que achavam que era deles. Então, é
da própria natureza da América Latina e, especialmente, do Brasil, ser fruto da globalização, a qual não deveria
assustar-nos. O que é interessante perceber com a globalização e com os processos culturais que a acompanham,
é que o Estado como o conhecemos até ontem começa a sair de cena. Isso traz consigo, um hiato no processo de
identidade. Num lugar como o Brasil, cuja cultura e identidade é algo volátil, onde não existe um grupo étnico
dominante, hegemônico, isso significa que devemos reformular nossas idéias de nacionalidade e identidade. No
Brasil, desde Getúlio Vargas, o Estado se encarregou de formular as bases imaginárias da identidade nacional.
Mas, na verdade, ser brasileiro (como ser Espanhol, Iugoslavo, Alemão), é ficção. Na Espanha, por exemplo,
se for tirada sua capa nacionalista, o que sobra? Sobram catalães, bascos, madrilenos, etc. E aqui? Se tirarmos a
nossa capa, o que sobra?
Vemos como o preconceito pode ser mais melindroso do que imaginamos. Hoje, já não podemos pensar
num estado cultural e étnico único. Hoje, claramente, os Estados estão tentando construir uma nova identidade étnica plural, que seja capaz de abarcar uma idéia de componentes ideológicos, culturais, étnicos e raciais
diferentes sem com isso perdermos nossa singularidade de brasileiros.
É neste sentido que se coloca a importância de despovoarmos nossas consciências de falsas imagens sobre
as populações indígenas. Os índios (se é que esta categoria realmente existe), não são bons ou maus, são seres
humanos como nós, com defeitos e virtudes e cujo maior desejo e continuar criando seus filhos em sua língua
e costumes, continuando a existir em meio a um mundo que lhe nega o direito de ser o que são, com ou sem
celulares ou automóveis. É este índio que devemos nós aprender a conhecer e respeitar.
Mesmo em uma sociedade etnicamente complexa como a nossa, posso dialogar com as diferenças,
respeitar e reconhecer essas diferenças sem julgá-las ou desejar que elas deixem de existir (pelo extermínio ou
pela miscigenação). Viver em Democracia é percebê-la existindo em todos os âmbitos; Democracia é diálogo e
diálogo significa respeitar a diferença e ser capaz de ouvir, de incorporar a diferença no nosso discurso e nossa
própria existência.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Literatura Indígena: escrita pelo próprio índio
Olívio Jekupé
Escritor Indígena, escritor e poeta e presidente da Associação Guarani Nhe’e Porã, aldeia indígena Krukutu. ([email protected])
Para a sociedade, é uma novidade encontrar, hoje, um escritor indígena. Eu sempre disse para os Guaranis e outras etnias que é importante escrever.
Desde a década de 70, foi uma luta grande, conseguir construir escolas nas aldeias indígenas. E não
havia literatura escrita por índios. Agora, começou uma nova fase, a dos índios escritores, que ainda são poucos,
aproximadamente 100. Nas aldeias, o índio é contador de histórias, na prática. Assim, o índio contava as histórias para o branco e o branco as escrevia; mesmo não tendo ido à aldeia e visto de perto os costumes, o branco
escrevia as histórias.
Tenho 7 livros publicados e vou fazer um pequeno resumo sobre eles:
• De Obras Inesquecíveis: como José de Alencar tinha um livro sobre os índios, eu escrevi um livro sobre os
brancos.
• Quinhentos Anos de Angústia: é um livro de poesia, como uma forma de relatar como penso muitas coisas e
mostrar os problemas indígenas.
• O Saci Verdadeiro: o protetor da floresta é o Camba-I. O personagem é indígena. Eu mostro como é esse personagem. O Camba-I é imortal, é eterno. Tem poder. O Saci, de Monteiro Lobato, morre a cada 7 anos, então
não tem poder.
• Iarandu – O Cão Falante: essa é uma criação. Já não é mais uma história de pai para filho. Então, essa é uma
criação minha. Tenho dito que não é suficiente recontar só o que é contado na aldeia. Criei uma história em
que o cachorrinho, ganho da avó, aprende a falar com o menino, seu dono. Iarandu quer dizer gênio, grande
inteligência. É uma forma de valorizar o animal.
• Xereckó Arandu: a morte de kretaã, esse livro relata os problemas sociais indígenas, uma vez que Ângelo kretaã
foi um líder indígena, assassinado.
Os brancos nunca escreveram as histórias dos líderes que foram assassinados, mas somente as dos mitos.
As histórias dos líderes também não podem ser esquecidas. E a literatura escrita pelos índios é importante para não deixar morrer, na memória, os grandes líderes. É importante que os professores disseminem entre as
crianças estas histórias.
É importante trabalhar com a criança as histórias escritas pelos próprios índios pois, os escritores brancos acabam escrevendo histórias sob sua ótica européia e, muitas vezes, confundem as crianças com conceitos e a
cultura divulgada não é a correta: há confusão de costumes de uma tribo para oura e, na verdade, as informações
passadas são incorretas. Atribuem-se falsos costumes, equívocos lingüísticos, etc... E as crianças, tanto as indígenas
como as brancas, recebem informações equivocadas sobre os acontecimentos, sobre a cultura, sobre os costumes.
Além disso, a tradição oral acaba fazendo com que se percam muitas historias. O registro escrito dessas
histórias ajuda a preservá-los, em sua inteireza, para várias gerações.
Gostaria de registrar que minha filha é a mais jovem escritora indígena do Brasil; tudo começou quando
ela me pedia que lhe contasse histórias. Posteriormente, ela aprendeu a ler e depois, passou a escrever.
A visão, sob a escrita do indígena, permitirá que as pessoas, realmente, conheçam a realidade dos indígenas
e, não, a ficção criada pelos escritores brancos, tais como José de Alencar, o que permitia uma ficção sobre a ficção.
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Capacitação dos Professores e Especialistas de Educação
João Gualberto de Carvalho Meneses
Presidente da Academia Paulista de Educação; Professor Aposentado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; Professor de Políticas
Públicas de Educação no Programa de Mestrado em Educação da UNICID – Universidade da Cidade de São Paulo; Exerceu os cargos de Secretário
Municipal de Educação de São Paulo e de Conselheiro e Presidente dos Conselhos Estadual e Municipal de Educação de São Paulo. Foi Presidente da
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação e Fundador e Presidente da União Paulista de Conselhos Municipais de Educação.
Sumário
O tema é desenvolvido a partir das mudanças ocorridas na escola na segunda metade do século passado (XX),
principalmente em decorrência das políticas públicas de democratização da educação. A escola passa a assumir
novas funções sociais com o advento da Constituição Federal de 1988, da Emenda Constitucional No14/96,
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei No 9.394/96) e do Plano Nacional de Educação. Nesse
período é criada uma nova estrutura didática para o sistema nacional de ensino. A Educação Básica passa a ser
constituída pela Educação Infantil, com creches (para crianças de até 6 anos de idade) e a Pré-Escola (de 4 a
6 anos de idade); o Ensino Fundamental (Direito Público Subjetivo para todos, inclusive para os que não o
tiveram na idade própria); e o Ensino Médio e a modalidade da Educação Profissional. Um capítulo especial
trata da Formação e Capacitação de Professores e Especialistas da Educação. São apresentados, a cada passo da
palestra, comentários sobre os desajustes entre as propostas filosóficas e políticas da educação e os procedimentos administrativos e pedagógicos, ao mesmo tempo em que são relatados projetos inovadores nos sistemas de
ensino. A palestra apresenta algumas produções acadêmicas que estudam a questão de formação e capacitação
em serviço do magistério. Especialmente, são citados trabalhos baseados em experiências de vida escolar ou na
realização de programas desenvolvidos com sucesso nas redes escolares públicas. Conclui com observações sobre
as perspectivas frente aos desafios da capacitação dos educadores para o século XXI.
Preliminares
É um prazer estar aqui com vocês mais uma vez. Tenho acompanhado as atividades da área de educação
há algum tempo. Antes mesmo de formado no Curso Normal dei aulas em cursos noturnos de alfabetização de
adultos e fui professor primário, diretor de escola, inspetor (supervisor) escolar, diretor regional de educação,
professor do ensino médio e superior e, ainda hoje, após aposentado como docente da Faculdade Educação da
Universidade de São Paulo dedico-me ao magistério e à administração educacional. Sinto-me bem entre vocês,
colegas do magistério.
Quando estudei na Escola Normal o curso realmente formava professores. Na minha turma havia 59
professorandos, dos quais, 12 eram homens. Nas rodas do magistério não se falava em Professor Primário; falava-se em Professora Primária. E não era uma discriminação de gênero. Os homens estavam fazendo o curso
para terem uma habilitação profissional ou para iniciar a carreira de magistério. Iam lecionar durante 2 ou mais
anos e, depois, prestar o concurso para diretor de escola e prosseguir na carreira administrativa de inspetor e de
delegado de ensino. E a Escola Normal formava tanto os profissionais para a docência quanto para o exercício
de cargos administrativos.
Como todas as atividades do magistério estavam minuciosamente previstas em leis e regulamentos o
curso praticamente treinava os alunos para o desempenho da rotina escolar. Havia uma programação completa
para todas as matérias do curso primário e os docentes de Metodologia e Prática de Ensino ensinavam as técnicas e processos didáticos para que as aulas ministradas fossem eficazes. Assim, o aluno saia formado professor
primário. Durante muitos anos esse esquema didático funcionou de modo satisfatório, ao contrário do que
ocorre hoje. Atualmente, não funcionam nem a Escola Normal, que praticamente não existe mais, nem aquela
metodologia milagrosa que conseguia, no final do 4o ano do Grupo Escolar, ensinar meninos e meninas a ler,
escrever e contar.
240
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
No projeto de reforma da educação na França é proposto o que as crianças, ao final do Ensino Fundamental devem saber. Leitura, que é saber ler e entender um texto simples. Escrever: o quê? Algo como um bilhetinho, convidando o colega para uma festa em sua casa. Contar; dominar as operações fundamentais, alguns
cálculos de relações, porcentagens, dados comparativos. E isso é o mais importante porque é o que a criança vai
fazer pelo resto da vida.
Agora é necessária uma outra aprendizagem a respeito do mundo repleto de siglas, de novos nomes,
de palavras estrangeiras, nomenclaturas que têm um significado próprio. Quem não domina tais significados
transforma-se em um analfabeto funcional. Analfabeto funcional não é só a criança que saiu da escola e não
aprendeu a ler e escrever; é, também, a pessoa adulta que está vivendo numa cidade como São Paulo e não tem
informações do sistema de transportes, na sinalização do trânsito e das vias públicas e do comércio.
A Capacitação de Professores para essas novas situações está na pauta da necessidade de estudo permanente para atualização constante em um mundo em mudança.
Nestes mais de cinqüenta anos acompanhei de perto a fertilidade legiferante dos governos e assisti a inúmeros valores proclamados contrapondo-se a valores reais nas instituições escolares brasileiras. Vi ótimas políticas prometidas, algumas efêmeras, já esquecidas e outras adiadas. Sem voltar muito no tempo, basta relembrar
as campanhas de alfabetização que ainda não conseguiram resolver a questão do analfabetismo e está no rol das
políticas adiadas. A proposta constitucional que estabelece a educação primária (que hoje constitui o Ensino
Fundamental) obrigatória e gratuita, como direito público subjetivo dos sete aos catorze anos de idade e que é
assegurado a todos que não o tiveram na idade própria, também está para ser realizada na dimensão quantitativa
e de qualidade. Nem se fale da valorização do magistério e das condições salariais dos profissionais da educação,
também, sem soluções satisfatórias.
É verdade que no ano 2000 o Censo Escolar do IBGE demonstrou a universalização do ensino fundamental na cidade de São Paulo. Foi um trabalho de escolas da Prefeitura feito em conjunto com o Estado e que
resultou na taxa de 99,4% da matrícula de alunos, na faixa dos 7 a 14 anos.
Neste Congresso que tem o tema “Contextos e Protagonistas”, vocês - do magistério municipal - são os
Protagonistas do Contexto Educacional da cidade de São Paulo. A matéria a ser apresentada é da maior importância, pois, a Formação e a Capacitação do Magistério estão a sofrer profundas mudanças e deve permear a vida
toda.
1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO INTRODUZIDAS A PARTIR DE 1988.
O ano de 1988 foi um marco em mudanças sociais. Terminava um período conturbado do regime
militar com uma série de leis e regulamentos que determinava o funcionamento do ensino. A primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 4.024, de 21 de dezembro de 1961), já estava sendo aplicada
em 1964 quando ocorreu o movimento militar e a edição dos atos institucionais. O próprio Governo Militar
construiu uma política baseada no binômio desenvolvimento e segurança. Além da edição dos Atos Institucionais uma nova Constituição Federal (República Federativa do Brasil) é outorgada em 1969. Também uma nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é aprovada (Lei no 5.692, de 19 de setembro de 1971), que
criou uma nomenclatura para o sistema nacional de ensino. Substitui o Ensino Primário ao instituir o ensino
de 1o grau, com 8 (oito) anos de duração. Altera o ensino médio ao criar o 2o grau de caráter profissionalizante
com as habilitações profissionais. O Exame de Madureza que concedia diplomas de ensino primário e médio é
substituído pelo ensino supletivo com modalidades de suplência e suprimento. Ainda não se falava em ensino a
distância, mas era admitido o ensino supletivo não presencial.
Com o fim do regime militar é retomada a luta pela redemocratização do país e pela convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte para a elaboração de uma Constituição Federal democrática.
241
Em outubro de 1988, finalmente, é promulgada a nova Constituição Federal, que em seu 1o artigo estabelece que: “A República Federativa do Brasil se organiza como um Estado Democrático de Direito”. Este artigo
aplica-se por toda a vida do cidadão e a formação da cidadania começa por aí: pelo respeito ao direito do nosso
colega, do nosso vizinho, do nosso familiar.
A democracia, diz Hanna Arendt (Rio, Bertrand, 1998), é o regime em que todos os cidadãos tenham
a possibilidade de participação. Democrático significa que todos os cidadãos têm voz e participam das decisões
do governo, sem excluídos desse processo por preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas
de discriminação.
Os princípios constitucionais gerais repercutem no sistema de ensino, como, por exemplo, o sistema de
gestão participativa na administração dos sistemas e das unidades escolares. Hannah Arendt diz que um estado
democrático é um estado em que todos os cidadãos falam, devem se expressar. Mas falar, não basta; é preciso ser
ouvido. É preciso falar e ser ouvido e ser respondido. Daí o regime democrático ser um regime de solidariedade.
Cabe à escola criar um ambiente de diálogo que incentive a solidariedade humana.
1.1. A Educação Após 88
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência da União Federal para legislar sobre Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Após a apresentação de inúmeros projetos e discussões a Lei é aprovada
no final do ano de 1996 (Lei Federal No 9.394, de 20 de dezembro de 1996) com as mesmas características
democráticas preconizadas na Constituição. No interregno (88-96) várias Emendas Constitucionais foram introduzidas na Constituição, algumas se referindo, direta ou indiretamente, à educação. A mais importante delas
é, certamente, a Emenda Constitucional No 14/96 que modificou artigos da Constituição (34, 208, 211 e 212)
e deu nova redação ao artigo 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa Emenda criou o
FUNDEF- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
A Lei Federal No 9.424, de 24 de dezembro de 1996 regulamentou os dispositivos introduzidos pela Emenda
14. Este conjunto legislativo destinou-se, como a denominação está a indicar, a propiciar a universalização do
ensino fundamental (inclusive para jovens e adultos) e a valorização do magistério, entendida como melhor
formação e maior salário. Em 2001 é aprovada a Lei Federal No 10.172, de 9 de janeiro que “Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências”. O PNE dedica o Capítulo IV ao Magistério de Educação Básica
com propostas para a formação profissional, condições de trabalho, salário e carreira e formação continuada.
2. A ESTRUTURA DIDÁTICA DO SISTEMA DE ENSINO E A CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE
EDUCAÇÃO
2.1. O Sistema Nacional de Ensino
Como o nome está a indicar é a organização responsável pela formação da nacionalidade brasileira. A
União tem a competência para organizar o sistema nacional e o federal de ensino. Existem normas aplicáveis a
todas as instituições escolares brasileiras que vão caracterizá-las como pertencentes ao sistema nacional de ensino. Para consolidar a nacionalidade é que se tem uma estrutura didática comum a todos os sistemas de ensino.
A obrigatoriedade do ensino na Língua Portuguesa é fator que identifica a unidade do sistema nacional.
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são autônomos para organizarem seus sistemas de ensino. O
princípio geral que norteia a organização desse grande número de sistemas de ensino é o regime de colaboração
entre eles.
2.2. A Formação dos Profissionais da Educação no Título VI da LDB
A formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em ensino superior; mas, é admitida
a formação em nível médio, na modalidade Normal para o exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental. A LDB tratou, novamente, da Década da Educação que teve
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
início em 1997. E determinou que, ao seu final (2007) “somente serão admitidos professores habilitados em
nível superior ou formados por treinamento em serviço”.
São previstos cursos para a formação de profissionais da Educação Básica e programas de educação
continuada em Universidades e em Institutos Superiores de Educação a serem desenvolvidos no Curso Normal
Superior. A Prática de Ensino de, no mínimo, trezentas horas é incluída na formação docente.
2.2.1. A Formação de Professores Para Instituições de Educação Infantil.
Como está previsto na LDB “a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade
o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social
complementando a ação da família e da comunidade.” A Educação Infantil é oferecida em duas etapas: em creches,
ou entidades equivalentes; em pré-escolas. A formação de pessoal para o exercício nessas instituições pode ser
realizada em nível médio.
Uma das principais mudanças introduzidas pela LDB foi a concepção educacional que deve preponderar
para as crianças de até três anos de idade assistidas nas creches. Até então as instituições que acolhiam essas crianças tinham um papel principalmente assistencialista; nem tinham, necessariamente, propósitos educacionais. Tal
mudança na Lei provoca a necessidade da formação de professores de creche. De pajens, passaram a ser educadores
com uma formação de educadores. São pessoas que devem ter formação pedagógica, capazes de dar orientação
para essas crianças que estão iniciando um seu contacto com o mundo, se educando. A Educação Básica que
começava com o Ensino Fundamental aos sete anos de idade passa a ter início com o nascimento da criança. A
“educação” infantil, além de seu componente sócio-cultural contém aspectos de um processo pedagógico. Quem
ensina, educa. Mas, ensinar é um processo pedagógico. Dizer à criança: “Tire o dedo da boca”, “Mastigue dessa
maneira”, etc. são instruções que contribuem para a formação de hábitos de higiene e informações para a preservação da saúde; mas, comunicam às crianças os modos e costumes sociais, isto é, educam-nas. A inclusão dessas
crianças na estrutura didática do sistema escolar muda a concepção de “tomar conta da criança” para a de exercício
de uma atividade em um processo educacional e pedagógico para o qual há necessidade de uma formação especial.
Portanto, a formação desse pessoal é obrigatória, não podendo ser-lhes dispensada uma formação técnica.
Ao ser promulgada a LDB, as pré-escolas mantidas pela Prefeitura do Município São Paulo já possuíam
uma organização pedagógica que vinha se aperfeiçoando nos últimos cinqüenta anos. Tinham prédio, equipamento e pessoal capacitado. Eram consideradas entre as melhores instituições de educação infantil do país.
Certamente, elas competem com as melhores escolas privadas. Mesmo porque havia instituições privadas que
recebiam crianças pequenas e que não tinham autorização de funcionamento emitido pelas autoridades escolares, isto é, estavam (e ainda estão?) fora do sistema escolar. De acordo com a legislação não mais se pode aceitar
tal irregularidade. Pessoal (administrativo, técnico e pedagógico) e todo o equipamento material devem estar
adequados às finalidades educacionais a que essas instituições se propõem. A normatização exarada pelos órgãos
do sistema escolar tem dado prazo para que a formação de docentes e profissionais da educação seja completada.
Mas, passados quase dez anos da vigência da LDB muitas dessas instituições são, pejorativamente, chamadas
pela imprensa “depósitos de crianças” ou “escolinhas de fundo de quintal”. É uma situação que precisa mudar,
com urgência.
2.2.2. O Ensino Fundamental de 8 Anos
A formação dos docentes para o Ensino Fundamental tem sua orientação geral no Título VI da LDB.
Entretanto, a regulamentação dos dispositivos ainda está sendo discutida no Conselho Nacional de Educação.
–Quais as formas de organização de formação de pessoal docente das 1as. Séries, da 1a. à 4a? da 5a. à 8a? e de
Ensino Médio? Ainda há muitas proposições a respeito: formação em Curso de Pedagogia? Formação em
Curso com ou sem Habilitações? - Quantos são os Institutos Superiores de Educação? Muito poucos. Mas essa
situação deve sofrer mudanças. Enquanto elas vão acontecendo vive-se, ao mesmo tempo, com a convivência
da legislação e de formação de profissionais, anteriores às novas propostas. Então, há um descompasso entre os
243
professores já formados e que estão trabalhando e o que a LDB está pretendendo.Encontra-se em discussão no
Congresso Nacional Projeto de Lei que amplia o ensino fundamental para 9 anos de duração, a partir dos seis
anos de idade.
2.2.3. A Formação De Especialistas Em Educação
A Lei de Diretrizes e Bases introduz novos termos para se referir à formação de profissionais da educação
para administração (administradores escolares, diretores de escola, dirigentes, gestores), planejamento, inspeção,
supervisão e orientação educacional. São novos termos (apenas palavras que mudaram) para atividades educacionais existentes nos sistemas de ensino. Estabelece que a formação desses profissionais deva ser realizada em
cursos de pós-graduação (lato sensu). Cada sistema de ensino estabelece a habiltação ou qualificação e as condições exigidas para o provimento das funções de especialista em educação.
3. ALGUMAS QUESTÕES REFERENTES AO TRABALHO NA ESCOLA
A LDB propõe algumas normas bem claras para a sua organização. São três regras gerais que devem ser
consideradas por aqueles que vão trabalhar na escola:
• Proposta pedagógica;
• Participação da Comunidade, decorrente do regime democrático;
• Autonomia da Escola.
3.1. Proposta Pedagógica (Art. 12. I)
Conforme o Professor José Mário Azanha sempre dizia: “Proposta pedagógica é o que nós queremos que
a escola faça neste ano letivo. Qual o perfil que desejamos desenhar hoje para a nossa escola? Para fazer o quê?
Quais são os objetivos que temos e como queremos ou podemos atingi-los? Estas questões cabem numa folha
de papel”. Como se vê, é um trabalho coletivo. Geralmente, o que acontece na escola, no início do ano letivo,
na reunião de planejamento escolar, após breve discussão sobre proposta pedagógica é deixar a tarefa para um
colega ou um grupo de colegas. Ou utilizar um programa padrão (gravado em disquete). Subscrito por todos,
aprovado e mandado para a Diretoria. È uma “proposta pedagógica” puramente formal sem compromisso de
concretizá-la. Também se confunde Proposta Pedagógica com projetos ou planos de órgãos da administração
(executar o Plano da Secretaria); ou com programas governamentais que podem ser incluídos como tarefas da
rede escolar.
3.2. Participação da Comunidade (Art. 12. Vi).
A LDB dá aos estabelecimentos de ensino a incumbência de “articular-se com as famílias e a comunidade,
criando processos de integração da sociedade com a escola”. A escola não pode mais desconhecer a comunidade
onde se encontra. Então, não se trata de derrubar os altos muros que a cerca, tornando-a inacessível à população e, ao mesmo tempo, protegendo-a contra invasores em final da semana, depredando-a ou subtraindo-lhe
equipamentos e materiais como os computadores. Envolver a comunidade, trazer pais e instituições sociais para
colaborar com a escola de tal maneira que se tornem seus parceiros, não é fácil. Exige por parte dos dirigentes
uma formação técnica que eles não têm. Trabalhar com o público pressupõe conhecimentos especializados de
Relações Públicas e Humanas e de Comunicação, entre outros. Além disso, há por parte de certos educadores
restrições à presença de “estranhos” (família e membros de organizações não-governamentais) nas atividades
escolares, especialmente, nas pedagógicas. Consideram a educação como uma atividade técnica e que o seu exercício exige uma formação em curso profissional – que o magistério tem. E quem não é profissional da educação
desconhece. Mas, apesar das dificuldades, são conhecidas inúmeras iniciativas de profissionais da educação que
mobilizam a comunidade para participar do processo educacional e do ensino-aprendizagem e para atividades
de preservação do equipamento escolar (edifício, móveis e utensílios escolares). Elas têm apresentado muito
sucesso na melhoria das condições de funcionamento da escola, inclusive nos resultados pedagógicos referentes
à questão do ensino-aprendizagem.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
3.3. Autonomia da Escola (Art. 15)
A LDB estabelece que “Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica
que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as
normas gerais de direito financeiro público”. Este artigo decorre dos princípios constitucionais que dispõem sobre
o regime democrático. Uma de suas características é a descentralização do poder. Os regimes totalitários são
centralizadores; a democracia, por definição, tem que acreditar nas instituições e nas pessoas que nelas atuam.
E por isso, devem ser dadas condições de autonomia às escolas, aos professores e aos que nelas atuam. Nossas
escolas públicas ainda não conseguiram atingir o grau de autonomia que as escolas privadas têm. A herança centralizadora ainda inibe a conquista da liberdade obtida pelas unidades escolares de educação básica para a gestão
democrática.
Outro dispositivo que favorece o exercício da autonomia da escola está proposto no parágrafo 1o, do Art.
88 da LDB que determina: “As instituições educacionais adaptarão seus estatutos e regimentos aos dispositivos desta
Lei e às normas dos respectivos sistemas de ensino, nos prazos por estes estabelecidos”.
O Conselho Municipal de Educação de São Paulo estabeleceu as diretrizes para a elaboração do Regimento Escolar das instituições escolares jurisdicionadas ao Sistema Municipal de Ensino (Indicação CME No
04/97 e Deliberação CME 03/97). Logo no primeiro item dessa Indicação se lê: “O uso dessa competência faz
com que os princípios da autonomia e da flexibilidade pedagógica de cada escola se realizem na prática”. A responsabilidade para a implantação da escola autônoma não é dos órgãos administrativos do Sistema, nem dos órgãos
técnicos como a supervisão e a coordenação pedagógica. Não! Ou os estabelecimentos de ensino, seus docentes
e seu corpo técnico-administrativo assumem as incumbências que lhes dá a LDB (arts. 12 a 15) ou então nunca
será instituída a autonomia. Não existem normas para a autonomia. A Lei estabelece para as escolas públicas
uma única restrição, de ordem orçamentária e financeira, para a qual existe legislação específica. Mas, já se têm
providências para que a escola possa gozar de autonomia financeira. É o caso do Programa de Dinheiro Direto
à Escola. Também neste assunto as escolas particulares não possuem total liberdade: obtida a autorização de
funcionamento e obedecidas às normas educacionais elas são autônomas, para a execução de sua proposta pedagógica e de todas as suas próprias atividades.
4. OS PROGRAMAS DE CAPACITAÇÃO DO MAGISTÉRIO
Tendo em vista a necessidade de se ampliar o nível de formação do magistério e prover a sua constante
atualização, a legislação e as políticas públicas de educação vêm propondo a realização de cursos de longa e
curta duração, presenciais, semi-presenciais e a distância, com a utilização de técnicas específicas. A realização
desses cursos não fica restrita a iniciativas do Poder Público. Associações do Magistério têm promovido reuniões
(Congressos, Seminários) de Educação; Instituições de Ensino Superior mantêm Cursos de Especialização; Organismos governamentais proporcionam bolsas de estudo ou condições para freqüência aos cursos. Mas, cada
professor deve se responsabilizar por seu preparo, a cada dia. Acompanhar pela imprensa os artigos especializados sobre a educação, como os do Gilberto Dimenstein e da Rosely Sayão e outros. Habituar-se às leituras sobre
os fatos que acontecem nas escolas. E hoje não há mais a possibilidade de não se ler jornais diariamente. Pois,
o que acontece no mundo interfere em nosso cotidiano escolar. Os programas de formação preconizados em
Declarações educacionais compreendem, obrigatoriamente, programas de capacitação ao longo da vida toda.
4.1. Alguns Recentes Programas de Capacitação
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo tem desenvolvido Programas de Capacitação de seu
Magistério pelos seus órgãos técnicos e, também, com instituições conveniadas, com universidades públicas e
privadas. Muitos desses Programas têm produzido importantes Relatórios e Livros que se encontram à disposição de professores, pessoal técnico e administrativo da rede escolar.
245
A SME em convênio com a FIA – Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo
desenvolveu diversos cursos de treinamento de diretores de escola, no denominado Programa de Melhoria do
Desempenho da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Esses cursos resultaram em trabalhos publicados como
“O Papel Gerencial da Escola”, (SME/FIA-USP, s/d) e “A Participação da Comunidade na Escola” (SME/FIAUSP) elaborado por professores e diretores de escolas municipais. Esse Programa, coordenado pelo Professor
Hélio Janny Teixeira da Faculdade de Economia e Administração da USP, também proporcionou a publicação
de seu livro “Da Administração Geral à Administração Escolar-Uma revalorização do Papel do Diretor da Escola
Pública” (São Paulo: Edit. E.Blücher, 2003).
Com o objetivo de contribuir para a formação continuada dos quadros dirigentes da Secretaria, em colaboração com a FAFE-Fundação de Apoio à Faculdade de Educação da USP foi realizado Seminário cujas palestras
estão publicadas no livro “O Ensino Municipal e a Educação Brasileira” (FAFE-SME, 1999). Em convênio com
a Faculdade de Educação da USP foram realizados diversos cursos, alguns com o objetivo de preparar os profissionais das escolas para a elaboração de seus Projetos Político-Pedagógicos. As atividades desenvolvidas nesses
cursos estão publicadas, especialmente, em duas obras, ambas coordenadas pela Professora Doutora Anna Maria
Pessoa de Carvalho, da FEUSP. “Formação Continuada de Professores-uma Releitura das Áreas de Conteúdo”
(São Paulo: Thomson, 2003). “Ensino de Ciências-Unindo a Pesquisa e a Prática” (São Paulo: Thomson, 2004).
Outros programas foram desenvolvidos com entidades privadas, como a PUC-Universidade Católica de
São Paulo. Na UNICID-Universidade de São Paulo desde 1999 vêm sendo realizados cursos de extensão universitária destinados ao pessoal da rede escolar com a finalidade de promover a sua capacitação com a atualização de
temas educacionais. As palestras apresentadas nesses cursos pelos docentes do Programa de Mestrado em Educação estão publicadas. “Interdisciplinaridade-Formação de Profissionais da Educação”, organizado pela Professora
Doutora Ana Gracinda Queluz (São Paulo: Pioneira, 2000); “Revisitando a Prática Docente-Interdisciplinaridade,
Políticas Públicas e Formação” (São Paulo, Thomson, 2003) coordenado por Meneses J.G.C. e Batista, S.H.S.S,
; “Revisitando o Saber e o Fazer Docente”, coordenado por Peterossi, H.G. e Meneses, J.G.C. Além dessas obras,
frutos dos cursos de capacitação ministrados, o Professor Doutor Jair Militão da Silva publicou “Como fazer trabalho comunitário?” (São Paulo: Paulus, 2003) e o Professor Doutor Júlio Gomes Almeida” Como se faz Escola
Aberta ?- experiência de abertura de uma escola na periferia de São Paulo” (São Paulo: Paulus, 2005).
Como se nota há grande número de iniciativas visando à capacitação continuada do magistério.
5. CONCLUSÃO - O MAGISTÉRIO EM BUSCA DE NOVAS PERSPECTIVAS
5.1.
Ultimamente os termos capacitação e valorização do magistério têm aparecido juntos. Certamente, a
valorização salarial, que todos consideram da maior importância, dependerá, cada vez mais, de sua maior e melhor capacitação. As propostas governamentais, dos programas dos partidos políticos e das associações de classe
sempre foram válidas. Mas, possivelmente, a luta pela valorização do magistério não depende exclusivamente
nem de órgão público, nem das associações e sindicatos profissionais Depende muito mais do trabalho e do
desempenho individual. Então, - Quais são as perspectivas que se apresentam no momento para o magistério?
Tudo está a indicar que as perspectivas são estas: quanto mais eficiente for a escola, mais valorizados serão os
profissionais de educação. Assim, a questão da capacitação do magistério não é apenas uma questão da aplicação
da Constituição Federal, de Emendas Constitucionais e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
5.2.
Os mais recentes estudos sobre a valorização profissional e salário do magistério apontam para a correlação entre formação diferenciada do magistério e o reconhecimento social da importância de seu trabalho. A
valorização social virá antes da valorização profissional e será cada vez mais reforçada na medida em que a escola
for, também, valorizada pela comunidade.
246
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Evidentemente, isso vai exigir esforço. Todos vivem dizendo: “Estamos numa sociedade de mudança!”.
Mas, mudar é muito difícil. Pois exige mudanças de comportamento pessoal e de arraigadas convicções. É muito
fácil dizer: “Eu preciso mudar. “Você precisa mudar”. “A escola precisa mudar”.
Mas se não mudarmos a nós mesmos, não conseguiremos mudar nada.
247
Classificação Indicativa de Programas de TV e Diversões
Públicas
Anderson de Oliveira Alarcon
Ministério da Justiça
Quero agradecer o convite da Secretaria. Estamos no Ministério da Justiça realizando um amplo processo de regulamentação da nova Classificação Indicativa. Como sabemos, a censura foi abolida definitivamente, o
que não significou emprestar ao direito de liberdade de expressão a categoria de direito absoluto. A Constituição,
para atuar em defesa das crianças e dos adolescentes, previu, em seu texto, o dever do Estado de exercer a classificação indicativa de diversões públicas e de programas de rádio e televisão.
O processo de regulamentação da Nova Classificação Indicativa desenvolve-se em 4 etapas:
• Constituição de um Grupo de Trabalho em Brasília, composto por especialistas em comunicação, criança e
adolescente; educadores; representantes das emissoras de televisão aberta e por assinatura; e membros do Estado
que, debateram algumas questões, resultando daí alguns subsídios.
• Um amplo processo de consulta pública, por todo o país, ouvindo a população sobre as novas regras de classificação indicativa, ainda em curso e com término previsto para dezembro de 2005.
• Especialização dos dados e subsídios resultantes das demais etapas, com a participação de educadores e outros
especialistas que vão ajudar na consolidação de uma minuta de texto normativo válido para todo o país, estabelecendo as novas regras da classificação indicativa.
• Publicação das novas normas e Campanha de Divulgação.
A classificação não se confunde, em nenhum momento, com a censura. É importante ressaltar que no
estado democrático de direito, devem existir formas de controle sobre a comunicação social para atendimento
das finalidades constitucionais, educativas, artísticas, informativas, culturais etc. a fim de, sobretudo, promover
a cultura nacional, respeitando valores éticos e sociais.
Quais são os critérios que norteiam esse controle? Se toda censura é controle, nem todo controle é censura.
É preciso compreender que a distinção entre um e outro não está na substância, nas intenções de quem os pratica,
mas na forma, no procedimento. É o procedimento que garante o contraditório, a ampla defesa, e que as pessoas
participem do processo. A classificação é indicativa: é apenas sob essa condição que está na Constituição.
A classificação indicativa é uma norma constitucional, processual, que resulta do equilíbrio entre outras
duas normas: o direito à liberdade de expressão e o dever de proteção absoluta a crianças e adolescentes.
Resulta daí um duplo comando: pesa sobre o Ministério da Justiça o dever de exercer a classificação
indicativa e exige-se da sociedade e emissoras que se respeite e veicule essa classificação.
Alguns aspectos normativos que regem essa atividade:
• Há um decreto autônomo do presidente da República, que delega ao Ministério da Justiça, que tem o compromisso histórico de defender e proteger a criança e o adolescente, a responsabilidade de organizar as atividades
do Ministério, entre elas, a classificação indicativa.
• Ligado a esse decreto, há um conjunto de portarias que regula essa atividade.
248
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
• Ao lado desse decreto, há a lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que disciplina o que determina
a Constituição Federal (já reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 392-5 DF), há também a lei que nos possibilita, neste momento, a promover esse
debate, qual seja a Lei 10.359 de 2000, que trata da necessidade dos aparelhos de TV possuírem um dispositivo
de bloqueio (o V-Chip - violence chip), bem como a necessidade de proceder à classificação indicativa ouvindo
as emissoras interessadas.
A questão que se coloca é: Que critério é usado para classificar? Como classificar um programa dizendo
que ele e inadequado?
Para responder a esse desafio, a nova gestão dedicou-se à qualificação do trabalho, reformulando seus
critérios.
Anteriormente, a classificação se fazia da seguinte forma: existia uma tabela com um conjunto de descrições e se, no filme, ou programa aparecesse uma cena que se identificasse com alguma descrição da tabela,
fazia-se uma correspondência direta com uma faixa horária e uma faixa etária para aquele programa. Antigamente, classificavam-se programas por critérios do tipo “desvirtuamento de valores morais e éticos e conflitos
psicológicos”. Isso além de não funcionar, mascarava preconceitos.
Essa tabela não existe mais e deu lugar a um método triangular de análise. Por isso, a classificação indicativa configura-se por um método que pode oferecer uma análise objetiva qualificada, com a subjetividade
controlada e que passa necessariamente por um procedimento.
Atualmente, os procedimentos para classificação indicativa são 3:
• Descrição fática: a análise descritiva e figurativa do conteúdo;
• Descrição temática: contextualiza o conteúdo e identifica temas;
• Gradação.
Ao observar como esses temas são tratados, é possível avaliar de que forma estão expressos na obra, no
espetáculo, os princípios constitucionais que regem o nosso país e a gradação, constituindo-se por tendências,
que podem ser relativizadas.
A tendência para indicação para 18 anos, por exemplo, está contida na definição a seguir: “tendem a ser
considerados como inadequados para menores de 18 anos obras e espetáculos que contenham sexo explícito,
pornografia, violência excessiva, tortura, estupro, apologia ao consumo de drogas, assassinato, mutilação, exposição detalhada de cadáver, suicídio etc.”
Tratando-se de TV, essa tendência representa, também, a classificação, a indicação como programa não
recomendado para antes das 23:00 horas e, no caso de sexo explícito e programa pornográfico, para antes das
24:00 horas. A classificação indicativa também abrange teatro, jogos eletrônicos, filmes para cinema, DVD,
vídeo, jogos de RPG.
Perguntamos em nossa consulta pública: a população quer que, na televisão, assim como no cinema, se
acrescente a faixa etária de 10 anos? Esta questão representa uma novidade para a TV.
Finalmente, quem analisa? A responsabilidade é do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e
Qualificação, que pertence à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, vinculado à defesa e proteção da criança e do adolescente. É composto por um grupo multidisciplinar de 20 analistas, entre eles, advogados, psicólogos, administradores, comunicadores sociais, filósofos, publicitários, especialistas em letras, artes
cênicas, pedagogos.
249
A seleção é feita inicialmente pela análise de currículo. Não há concurso. A vantagem é ter uma equipe
sempre renovada e qualificada. Os analistas participam de um treinamento e assumem uma série de compromissos, tais como não reproduzir fitas ou jogos pra uso pessoal, participar de oficinas de reciclagem, aplicar como
critério de classificação a proteção e defesa da criança e adolescente.
As atribuições complementares da classificação indicativa são a classificação propriamente dita (a emissora
submete o programa para a classificação do Ministério) e o monitoramento de todo horário livre da TV aberta.
Ainda não monitoramos a TV por assinatura, pois não temos estrutura para tal. Verificar a ocorrência de novas e
eventuais inadequações, se os programas que são exibidos estão de acordo com o horário para serem transmitidos
e se estão divulgando a classificação atribuída. Hoje, sabe-se que isso não está ocorrendo como deveria, o que
dificulta às pessoas o entendimento de nosso trabalho.
O questionário que está veiculado pela Internet faz uma pergunta bastante importante para a população:
se o horário de proteção à criança, que hoje vai das 06:00 às 21:00 horas, deve ser ampliado.
Há, também a questão do fuso horário: hoje isso ainda não está regulamentado; assim, um filme com conteúdo
pornográfico que é exibido em São Paulo às 23:00 vai passar, em Manaus, às 21:00. Essa questão é colocada ao
público.
A classificação indicativa é nada mais que um instrumento de informação de utilidade pública, de caráter pedagógico dirigido à sociedade, educadores, pais, professores. Não é proibitiva, mas somente indicativa.
Sugere o debate, entre os educadores, dos pais com seus filhos etc.
Há uma novidade: a classificação, além de sinalizar a tendência, explicita o conteúdo do programa. Por exemplo: “O programa é inadequado para menores de 18 anos porque contém cenas de violência excessiva e relação
sexual. O tema é violência contra a mulher”.
Precisamos inserir esse tema nas escolas, entre os educadores e a população em geral. Está em debate,
atualmente, quando deve ser colocado o símbolo indicativo: se no início do programa, nos intervalos, com que
periodicidade, se deve ou não aparecer durante o programa etc.
A classificação indicativa não tem o poder de suspender o programa ou aplicar multas, não tem poder sancionador, de punição. Isso nos distingue da censura e nos caracteriza como um instrumento pedagógico. Ela também
contribui para o debate da democratização das comunicações sociais e, indiretamente, para a qualificação dos
programas de TV.
Neste novo modelo de classificação, a atuação em rede e a presença dos educadores é essencial para que a
natureza pedagógica, democrática e educativa da classificação seja a verdadeira característica e utilidade colocada
em prol da sociedade para uma melhor promoção e defesa dos direitos de nossas crianças e adolescentes.
O Ministério da Justiça está à disposição para atuar em conjunto com escolas e educadores do País.
www.mj.gov.br/classificacao
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Questão da Educação Informática para Crianças e
Adolescentes
Alessandro Dell’Aira
Consulado Geral da Itália
Diretor do Departamento de Educação
Primeiramente, tenho que explicar o que é pós-escola: trata-se do tempo escolar no qual a prática e a teoria da informática e da telemática podem ser ensinadas e as respectivas competências desenvolvidas facilitando
muito a aprendizagem, fora do tempo escolar regular. A informática é a elaboração digital de informações de
forma ordenada, de textos, imagens, hipertextos. A telemática é o intercâmbio de arquivos, é a transmissão, à
distância, dos arquivos. O professor é um facilitador e assim deve ser, sobretudo no caso do pós-escola.
O futuro da tecnologia de informação fica nas mãos dos meninos de hoje. Eles serão, depois, os usuários,
os experimentadores. O problema é que a escola fica sempre nas mãos do educador. Portanto, o educador não
pode desconhecer essa temática, essa teoria, a prática e a filosofia do uso dessa tecnologia.
O Conselho Europeu é um organismo do qual fazem parte os chefes de Estado e de governo de cada
País da União Européia, cujo objetivo é, também, intercambiar idéias, harmonizar e integrar, em alguns casos,
experiências e competências nas escolas. Houve em Lisboa, em 2000, um Conselho Europeu extraordinário para
uma Europa da inovação e do conhecimento, muito importante para a harmonização e a integração dos sistemas
de educação europeus, sobretudo sobre a tecnologia informática. Discutiu-se a modernização dos sistemas de
educação europeus, investindo no capital humano e na constituição de um estado de bem-estar.
Isso quer dizer que a escola não pode ser mais somente uma instituição que pertence rigidamente a um
sistema: tem que ser autônoma e, ao mesmo tempo, integrada com o sistema nacional e com o sistema europeu;
tem que fazer propostas, tem que ter a participação da comunidade.
Anotei, aqui, algumas questões importantes que podem ser úteis para a modernização de um modelo
social da escola, para o investimento em capital humano e, sobretudo, para a constituição de um estado de bemestar. As escolas e os centros de formação conectados à Internet deveriam:
• Transformar-se em centros locais de aprendizagem polivalentes, acessíveis a todos. O tempo da escola é o tempo da formação contínua, até dos idosos. Não se pode falar em desescolarização, não se pode fechar as escolas.
• Utilizar os métodos mais adequados para dirigir-se a um grupo amplo de destinatários, não somente a crianças
e adolescentes.
• Estabelecer, para benefício mútuo, comunidades de aprendizagem entre escolas, centros de formação e de
investigação , agências educativas, empresas, com vistas à criação, no entorno escolar, de um sistema formativo
integrado, em que a escola não seja o centro, pois um sistema não tem centro, mas ocupe o seu lugar e desempenhe o seu papel apropriado.
A tecnologia é uma influência positiva ou negativa na aprendizagem? Na verdade esta é uma pergunta
falaciosa, porque cada coisa pode influenciar positiva ou negativamente a aprendizagem. O uso da tecnologia
que se faz na escola é o que determina a boa qualidade da educação, da instrução e da formação. A educação é
uma capacidade para transmitir e elaborar valores, envolve a família e a comunidade inteira. A formação é muito
complexa, específica: são capacidades e habilidades aplicadas à solução de problemas. Solucionar problemas, e
transmitir os métodos da solução de problemas, é muito importante.
O que as crianças pretendem dos educadores? Esta pergunta é mais importante do que definir o que
são educadores. O mau uso da tecnologia é o verdadeiro perigo. O mau uso do tempo, no computador, é um
problema sério na escola.
251
Associar-se é muito importante entre os alunos, e a tecnologia pode ajudar na socialização.
Para a escola primária, as operações são simples: colocar em função o computador, a apresentação e
instalação do software, a elaboração de pequenos textos e desenhos, sem esquecer as operações manuais. E, sobretudo, a recomendação de transmitir o know-how sem matar a criatividade dos alunos.
Há o momento em que a escola tem que decidir qual é o educador que vai acompanhar o aluno na faixa
do 7 e 8o ano de escolaridade. É melhor que seja um professor de ciências, porque a aprendizagem deve ser
formal, sucessiva. Nesta fase, deve-se transformar os saberes em saber que deve ser compartilhado.
o
Qual e quanta informática deve ser introduzida na escola? A informática deve ser uma disciplina em si, ou
de apoio às outras? Deve ser usada a informática teórica ou a aplicada? Como deve ser a formação dos docentes?
Como atuar na escola?
• É um método estruturado: “Não há gramática, há prática”. É importante que o aluno perceba seu papel de
autonomia e criatividade.
• Deve-se promover o autocontrole. Isso quer dizer que deve haver o uso produtivo do computador, lembrando
que é um instrumento interativo. O uso deve acontecer sem prejuízo do tempo. Por isso, deve haver um responsável pelo uso ou mau uso do computador.
• É necessário fazer a manutenção do equipamento.
• Não se deve esquecer a manualidade, apesar de se incentivar o uso do computador.
Como deveriam ser os educadores na visão dos jovens? Diz uma pesquisa aplicada ao pós-escola:
• Para 23%, deve ser “uma pessoa com quem eu possa falar à vontade”
• Para 20%, “uma pessoa que me ajude a aprender as coisas”
• Para 20%, “uma pessoa que me ajude a me divertir”
• Para 19%; “um bom organizador de festas”
• Para 18%, “uma pessoa que seja um exemplo para mim”
O educador deve ser muito controlado, mas também muito espontâneo, e a informática educativa deve
ser, para nós, educadores, em qualquer ponto da carreira, sistemática, embora divertida e não formalista.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Missão do Educador: Arte e Educação
Maria Aparecida Alcântara
Coordenadora do Programa Especial de Formação de Professores e do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Agradecemos o convite recebido pela Secretaria da Educação do Município da Cidade de São Paulo,
para apresentar algumas experiências profissionais de Arte e Educação na área da educação pública da capital.
Inicialmente neste nosso encontro faremos a apresentação de algumas experiências profissionais no magistério
públicos estadual decorrentes da realização dos cursos em Licenciatura em Desenho e História da Arte, Licenciatura em Educação Artística e História da Arte, e Pedagogia, entre outros, sendo o mestrado foi realizado nas
áreas da Educação Arte e Cultura. Profissionalmente atuamos como alfabetizadora, professora de Desenho, Artes Plásticas na Educação Básica, e no ensino superior, exercemos a função docente nas disciplinas pedagógicas
em diversos cursos de licenciatura e de especialização.
No transcorrer de nossas atividades profissionais nos inserimos numa trajetória contínua de aprendizagem, até quando Deus assim o permitir!. Apaixonamos-nos cada vez mais pela profissão, assumindo sempre que
possível, os desafios que ela nos proporciona, e que não são poucos.
Aprendemos continuamente a buscar o entendimento sobre fundamentos conceituais da área educacional fundamentais para o exercício profissional do educador que sempre pretendemos exercer. Os questionamentos naturalmente foram surgindo: como criar processos inovadores voltados para a promoção da aprendizagem,
da organização das informações, da construção de conhecimentos e da criatividade pelos nossos estudantes?
Como viabilizar um processo de aprendizagem que possa despertar produções criativas por parte dos alunos?
Com construir um repertório teórico-prático, conceitual e educacional que possa dar o suporte necessário às minhas ações docentes? São questionamentos como estes e tantos outros, que nos sempre estimularam o exercício
profissional.
Procuramos refletir continuamente sobre a construção do papel do professor, educador. Cury1, é muito feliz quando ressalta que os desempenhos de bons professores concorrem para educar para uma profissão,
enquanto os professores fascinantes educam para a vida. O educador transcende ao conceito de atuação de
professor, já que em sua atuação há constante preocupação voltada não apenas para possibilitar a aprendizagem
de conteúdos necessários, mas, especialmente visa contribuir para a formação da cidadania do sujeito. Segundo
Perrenoud2, educar para a cidadania é fundamental a promoção da apropriação dos saberes, da razão crítica e o
exercício democrático responsável.
O professor enquanto educador é uma espécie de artista em sua atuação visando desenvolver criativamente um trabalho educacional interativo, dinâmico, sensibilizador, instigando a participação dos alunos,
tendo estes como coadjuvantes de um trabalho a ser produzido com as marcas singulares da sua criação. Para
criar, o aluno precisa ser estimulado por conteúdos geradores da promoção de leitura crítica e reflexiva de mundo, da realidade observada, e, com as marcas de sua sensibilidade, capacidade crítica e criativa, passando pela
observação, análise e interpretação expressiva, traduzindo expressivamente estes conteúdos pelos caminhos da
arte, pela linguagem presentacional. Para a efetivação deste processo, o professor criativo, recorre à construção de
processos estimuladores sensibilizadores, para o aluno realizar prazerosamente a leitura, releitura e interpretação
da realidade, deixando em suas produções as marcas de sua concepção criativa.
A escola deve proporcionar de forma possível, o máximo de intercâmbios entre as diferentes áreas do
conhecimento. Como continuar a trabalhar de forma compartimentalizada, quando o ser humano tem a necessidade de inter-relacionar os conteúdos para a construção de seus conhecimentos, já que quanto mais aberto
1 – in Augusto Cury em Pais brilhantes, professores fascinantes, Sextante,p.79, 2003.
2 – in Philippe Perrenoud em Escola e cidadania: o papel da escola na formação para a democracia, ARTMED p.30, 2005.
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estiver aos inúmeros estímulos, tanto poderá ampliar a riqueza de suas criações expressivas na linguagem proposta como desenhar, pintar, cantar, dançar, escrever, representar etc. Entendo que não há existência dom, para
criar, mas sim que todos trazem um potencial humano a ser estimulado por estímulos geradores para desvelar o
seu potencial criativo. O estímulo gerador pode ser um toque, uma palavra, um som, um aroma, um sensação,
levando o aluno a pensar, a imaginar e criar.
“Um olhar atento sobre a vida e o tempo revela as inúmeras linguagens que acompanham o cotidiano, mas a escola,
em geral, aprisiona-se nos limites estreitos de uma ou, quando muito apenas duas linguagens.” 3
O trabalho docente sempre que possível deverá propiciar ao aluno, o sentir, a distinguir cheiro, sabor;
sons, sabores, estimular os sentidos a serem despertados para a leitura de seu ambiente pelas diferentes formas de
linguagens expressivas. Há pessoas “enrijecidas” tendo dificuldades em se expressar em determinadas situações.
É pelo estímulo do diálogo com a realidade, que o ser humano passa a interagir com a realidade, construindo
processos expressivos e contribuindo para à superação das dificuldades.
A construção do conhecimento resultante da interação entre o sujeito e o “sujeito-objeto”4 foco da atenção do aluno, desperta as possíveis trocas do organismo com o meio, pela abstração reflexionante e progressiva,
predominando sobre o processo de leitura mecânica, construindo gradativamente a leitura perceptiva. Assim
sendo, o saber não vem simplesmente da prática, mas decorre da prática reflexionante. Segundo Becker seria
uma ingenuidade pensar que o saber tem a sua origem da prática, pois de fato é decorrente da práxis reflexiva.
Praticar, refletir, tornar a analisar a expressão, explorar o uso da palavra, do gesto, da solidariedade, representam algumas das condições imprescindíveis para acionar no ser humano a percepção, razão e emoção de
forma mais sensível e produtiva. A intervenção do professor deve sempre estar visando adotar procedimentos
didáticos para proporcionar informações significativas à construção de conhecimentos, a partir de estímulos,
situações que concorrem para o repensar da prática, da reconstrução contínua dos conhecimentos, já que as
informações gradativamente organizadas vão passando para a fase da construção do conhecimento.
A organização da sala de aula é outro fator relevante para facilitar a interatividade, a integração, as
intervenções, os questionamentos, quando numa disposição circular facilitadora do processo participativo e
criativo. Qual o desafio do professor de arte em especial? Ao nosso entender, facilita a comunicação, o processo
interativo professor e aluno, a sensibilização, na construção de um clima propício para o aluno sentir, imaginar,
interiorizar, questionar, interpretar, trocar, e melhorando a sua participação nas propostas do professor. Esta
organização associada ao desempenho docente adequado, facilita as inter-relações necessárias, atendendo ou
mesmo promovendo os interesses dos alunos, com o foco das essencialidades previstas.
No curso de formação de professores que coordenamos, o trabalho docente é resultante da construção
gradativa da interatividade, favorecendo, a inter-relação entre os componentes curriculares, despertando o interesse para o estabelecimento das relações pertinentes entre as disciplinas, representando passos iniciais de um
processo que esperamos consolidar, a desejada interdisciplinaridade. Embora exista por parte do estudante sempre uma tendência para esta ou aquela disciplina, o que é muito normal a sadia relação aluno-professor, facilita
de forma oportuna a inter-relação entre as disciplinas.
Ao iniciarmos as nossas atividades docentes na Escola Estadual Gonçalves Dias, como professora de arte
e desenho, reorganizamos a programação das séries iniciais do então ginásio, começando a pleitear o uso da
sala-ambiente destinada a arte, que estava ociosa, preservando a sua conservação. Assim que tivemos a possibilidade de realizar as nossas aulas na sala ambiente, reunimos pais e mães para ouvirmos as sugestões no sentido
de garantirmos a preservação do ambiente e mobiliário. Sugeriram a confecção de capas para a proteção das
pranchetas, que estavam sem uso há um bom tempo.
3 – in Celso Antunes em Como transformar informações em conhecimento, Vozes, p.21, 2.001.
4 – Expressão utilizada por Fernando Becker em Educação e construção do conhecimento, Artmed, p.59, 2001.
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Começamos a desenvolver processos de sensibilização, relaxamento, ao som de músicas clássicas inicialmente, e no transcorrer do processo, os alunos passaram a trabalhar ao som de músicas de suas preferências,
atendendo as solicitações, para incluirmos além das músicas clássicas as da preferência da turma. O ambiente ia
se tornando cada vez mais propício para o desenvolvimento das atividades de criação e interpretação expressiva.
Prevíamos para o ano letivo uma programação com as necessidades de materiais que seriam utilizados nas aulas
de artes plásticas, nas diferentes séries procurando evitar o transtorno em trazer e levar materiais que contribuíam para aumentar o peso do material escolar a ser transportado.
Organizamos numa saleta junto à sala de aula, uma espécie de acervo de materiais a serem utilizados
nas aulas, facilitando o acesso pelos alunos, e que em suas pranchetas, eram colocados antes da aula, contando
com a colaboração de alunos voluntários, para nos ajudar nesta tarefa. Os materiais disponibilizados de acordo
com a natureza do conteúdo do dia a ser desenvolvido, davam muito trabalho, mas um bom grupo de ajudantes
voluntários tornaram viável o processo.
Organizamos o acervo, para facilitar o acesso aos materiais pela organização classificada por categoria
de material, como tintas, pincéis, tipos de papel, etc., Embora o processo sobrecarregasse o professor, a colaboração de voluntários, foi fundamental para o processo. Colegas que exerciam atividades artísticas, em seus
momentos disponíveis, e quando da existência de lugares disponíveis na sala, traziam seus trabalhos para realizar
a sua produção.
O processo de uso dos materiais tornou-se uma espécie de material comunitário solicitados para o cumprimento da programação. Tínhamos o controle da entrega dos materiais, com a data de entrega. Os materiais
eram disponibilizados de acordo com o tema das aulas contando com a colaboração dos alunos voluntários. A
colaboração das mães foi muito importante na adequação das salas, confeccionando capas para as pranchetas
evitando causar danos ao mobiliário. Após deixar as aulas para assumir a direção, a sala permaneceu ativa, possibilitando aos colegas dar continuidade à organização.
Criamos e montamos exposições de arte e depois se transformaram em Feira de Artes e Ciências. Os resultados quanto aos eventos merecem um capítulo à parte. O processo de criação e expressão realizado pelos alunos
em Artes Plásticas, ou mesmo Desenho, era constituído de relaxamento, sensibilização ao som de músicas clássicas inicialmente trazidas por mim, e que no transcorrer do processo, os alunos passaran a sugerir as músicas
Em busca da expressão dos alunos, começamos a instigá-los: “Como é seu quarto? A cama, os móveis?
Desenhe seu quarto, sua cama etc” ao som de músicas de Beatles e Rolling Stones, e outras atendendo as suas
preferências. Gradativamente, estabelecemos uma feliz interação professor-aluno. Exploramos temas: desenhar
as fachadas de suas casas, passeios preferidos etc. Integramos com Português na apresentação de obras de escritores brasileiros pelas expressões das artes plásticas e cênicas desenvolvendo obras de literatura trabalhadas na
disciplina de português.
A técnicas e criatividade foram diversificando-se, de acordo com as experiências obtidas nas visitas às
Bienais e Pré-Bienais (estas existiram num bom período!), visitas aos museus como o MAC, MASP, Galerias de
Arte, cidade de Embu das Artes, Galerias, etc.
Quanto às técnicas foram sendo introduzidas as dificuldades de forma gradativa, como lápis preto e
coloridos, canetinhas hidrográficas de várias cores, de fácil uso evitando maiores dificuldades. Depois passamos
para guache, aquarela, tela e pintura a tinta óleo de acordo com a opção dos alunos, ate �mesmo chegar em
escultura em madeira. Entraram pela escultura de forma surpreendente. Em 1972, ganhamos três prêmios no
Concurso Anchieta promovido pela Secretaria de Estado da Educação. Provocávamos sempre a criatividade da
turma, explorando experiências do cotidiano.Nessa época, uma jornalista da Espanha realizou uma reportagem
sobre os trabalhos dos alunos das séries iniciais do ginásio, ressaltando as vivas cores, as leituras criativas da realidade vivenciada, e o colorido acentuado, vivo e alegre dos jovens próprios de um país tropical e cheio de luz.
Realizávamos viagens virtuais como a que especialmente agora passamos a comentar. Saímos da sala de aula,
com lápis, borracha, prancheta e fomos nos reunimos numa área entre os corredores do prédio do ginásio, onde
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havia alguns arbustos ou mesmo pequenas árvores que ainda cresceriam mais. Sentamos ao redor de uma das
pequenas árvores e solicitamos que mantivessem os fechados, relaxassem ao som da suave música e liberassem a
imaginação. Primeiramente solicitei se imaginassem estar encolhendo até ficarem bem pequenos, até podendo
entrar num pequeno buraquinho numa das folhas, escorregando primeiramente pelo galho e depois pelo tronco
da árvore, descendo, descendo, descendo até chegar na raiz. Suavemente perguntei-lhes o que sentiam, viam ou
mesmo se havia algum cheiro. Pedi que observassem bem o que estavam encontrando. Deixamos uns poucos
minutos somente com a música suave, e sussurrando estimulava-os a “observarem o ambiente que visitavam”,
para não esquecerem nada. Muito pausadamente fomos orientando para que retomassem o caminha da volta,
descrevendo o percurso inverso da vinda.
Assim que puderam voltar à condição normal, aos poucos e muito lentamente abrissem os olhos e conforme estavam se sentindo a vontade, fossem um por vez tentando descrever as suas sensações, comentassem o
seu passeio virtual. As revelações e opiniões de cada um foram diferenciadas, revelando uma “libertação” e “imaginação” decorrente dos estímulos recebidos. As revelações foram muito ricas, evolvendo sensações, emoções,
que variaram desde a resistência e dificuldades de uma pequena minoria, até revelações impressionantes, como
a visão de um rio lá embaixo da terra. Uma outra proposta fizemos em sala de aula , mas oposta a primeira
proposta. Resumidamente era a de ficar muito mais leve, flutuar, voar, até enxergar a terra, mas passando por
etapas, e depois retornarem e contarem as suas experiências virtuais, vendo a terra do espaço, etc.
Estávamos estimulando os jovens a pensar, imaginar, criar, saindo um pouco da realidade, mas nunca
deixando de relacionar posteriormente com a realidade, para que soubessem imaginar, criar, sem perder a noção
da realidade vivida. As atividades eram muito valorizadas concorridas, mas muito conscientes da realidade, e a
relação com a imaginação.
Fomos a museus, ao Embu, apresentávamos slides de História da Arte, trouxemos e traziam artistas
para comentar o processo de criação de suas obras.. As montagens e desmontagens de trabalhos para a feira de
ciências e artes da escola Gonçalves Dias eram realizadas pelos alunos, e inauguradas no dia 10 de Agosto, dia
do Patrono da Instituição. Os jovens desenvolviam temas criativos, diferente em todos os anos, tanto referente
às instalações da sala, que gerava expectativa e se constituía sempre numa agradável surpresa, tornando-se um
fator de expectativa da comunidade escolar.
A professora que não devia saber antecipadamente de como seria a organização, decoração da sala projetada e efetivada por comissões de alunos, envolvendo criatividade e inovações em todos os anos da existência das
Feiras de Arte e Ciências (FAC) do Gonçalves Dias, situado na zona norte de São Paulo. O evento fazia muito
sucesso na tanto área das artes como das ciências. As escolas da região agendavam horários de visitas nos dias
em que exposição estava programada, despertaram interesses da comunidade do entorno, dos bairros vizinhos,
e especialmente dos alunos da instituição. Foram dias inesquecíveis àqueles vividos no Gonçalves Dias, e aqui
apresentamos apenas um dos aspectos dessas experiências.
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Hoje Quem Conta a História Sou Eu
Deborah Santos Soares da Silva
Ganhadora do prêmio “Professor Nota 10” da Fundação Victor Civita
Profa. da EMEI Jardim Monte Belo
A escola situa-se numa região muito carente, na periferia de São Paulo. Começou como escola de latinha, passou a madeira e, há duas semanas ( inaugurada em 27/10/05) passou a ser de alvenaria. A população
aposta muito na escola, que é a única opção de lazer da região e a comunidade lhe atribui grande valor como
referência de cultura.
Meus alunos são crianças de 4 anos, pela primeira vez na escola, chegando assustadas, inseguras, tentando acreditar no que suas famílias disseram sobre a importância da escola.
Meu objetivo, primeiramente, era que as crianças criassem um vínculo comigo e com a escola e, usei
para isso os contos de fadas. No momento em que se junta o grupo e começa a contar histórias, o medo fica
menos intenso, baixa a ansiedade e, a curiosidade dirige a atenção para o mundo da imaginação. O olho no
olho – os olhos de quem conta nos olhos de quem escuta – estabelece um vínculo que se fortalece à medida em
que se constrói uma certa cumplicidade nas emoções.A magia dos contos de fadas foi meu ponto de apoio neste
primeiro momento.
Além dessa aproximação e confiança, queria que as crianças aprendessem a escutar atentamente uma
história - escutar é uma habilidade a ser desenvolvida, ao contrário do que pode parecer – despertassem e alimentassem a imaginação, desenvolvessem o raciocínio e atentassem para a narrativa e a seqüência lógica de fatos.
Queria também, que essas crianças se aproximassem da língua escrita.
Considerando que a linguagem oral é o grande foco nesta fase da Educação Infantil, a próxima etapa foi
orientada pelo objetivo de romper barreiras de comunicação – sentidas e observadas no grupo - e trabalhar para
desenvolver a oralidade.
Combinamos construir uma caixa de histórias para que, a partir da caixa, elas começassem a reproduzir
oralmente as histórias conhecidas.
Aquelas histórias que eram contadas passaram a ser lidas - quando contamos, nós transmitimos o conteúdo da história, mas colocamos as nossas marcas pessoais e quando lemos o texto se mantém constante e além
do conteúdo, transmitimos características e propriedades da língua escrita – para que as crianças desenvolvessem
um comportamento leitor e se apropriassem da linguagem escrita.
Os contos de fadas foram apresentados em várias versões, sendo oferecido a elas a oportunidade de escolher. Começaram, então, a se tornar críticas e a estabelecer e identificar diferenças entre as versões.
Houve uma votação e a história de que foi eleita para ser o tema da caixa de histórias foi “Chapeuzinho Vermelho”. Começamos a construir a caixa...
Minha proposta foi que começassem pelo cenário, procurando estimular a imaginação delas com perguntas como: “Vamos fechar os olhos e pensar: Como é uma floresta ?/ O que existe na floresta?/ Como é a
árvore?/ Tem mais alguma coisa ?/ Como é o céu da floresta? ”. Produzidas as ilustrações para o cenário, tivemos
que ser seletivos. A princípio todos queriam colar tudo na caixa, mas após uma discussão sobre a questão de
espaço, as crianças selecionaram o material, que foi recortado e colado na caixa de papelão.
Abrimos aqui um parêntese para lembrar que as crianças não tinham experiência com os materiais
como: giz de cera, caneta hidrográfica, cola, tesoura, etc... O primeiro passo antes da produção, propriamente
dita, foi a apresentação do material e orientação de uso.
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Durante as produções de desenho e ilustrações, os materiais ficavam disponíveis para que fossem utilizados segundo escolha das crianças.
Aconteceu o mesmo com a produção e construção dos personagens, que foram depois recortados e colados em palitos de sorvete. Então, passamos a contar a história...
Primeiro eu contei a história “Chapeuzinho Vermelho”, utilizando os fantoches de palito e usando a caixa a como cenário e depois, as crianças começaram a contar a história para o grupo: candidatavam-se e contavam
a história respeitando os combinados. Posteriormente, deixei a caixa disponível nos cantinhos, para brincar de
contar histórias, mas... Começaram as brigas: uma única caixa disputada por 35 crianças, no momento em que
todas as atenções estavam voltadas para o mesmo objeto. Por essa razão, surgiu a proposta de que fizéssemos uma
nova caixa. Desta vez, a história escolhida foi “João e Maria” e repetiu-se o processo de construção, agora com
maior facilidade: as crianças já eram conhecedoras dos procedimentos envolvidos.
Quando este trabalho foi classificado entre os 100 finalistas para o prêmio “professor nota 10”, uma
das selecionadoras da Fundação Victor Civita solicitou que eu enviasse o material para ser analisado. Conversei
com as crianças explicando que o que aconteceria com as caixas que haviam construído. Partimos então, para a
construção de uma terceira...
Na terceira caixa houve uma inovação: combinamos fazer uma caixa que servisse para todas as histórias.
Após uma análise dos contextos onde a maioria dos contos de fadas conhecidos por eles se desenrolava, percebemos que o cenário de base poderia ser o mesmo. Foram construídos personagens variados e alguns lugares de
referência para algumas histórias como a casinha de doces de “João e Maria”, a torre da “Rapunzel” e colocamos
tudo dentro da mesma caixa. Na hora de contar a história, cada um escolhia de acordo com sua preferência.
Foi muito bom perceber durante o percurso, que a participação das crianças aumentava efetivamente e a autonomia na utilização e escolha de materiais estava cada vez mais presente. Na medida em que produziam e o seu
trabalho era valorizado, eles adquiriam autoconfiança.
A ampliação e apropriação de vocabulário, a escuta atenta, o prazer de ouvir histórias, a escolha dos livros
e o comportamento leitor, podem ser facilmente observados. Hoje, embora sem ler convencionalmente, ao manusear um livro procuram o índice, o autor, as páginas, e já têm um repertório, apesar da idade (4 a 5 anos).
Por sugestão de uma das crianças, esta última caixa começou a ser levada para casa por elas. Fizemos um sorteio e uma lista com os nomes da turma para que todos pudessem levar a caixa pelo menos uma vez para sua casa.
O inesperado foi o retorno das famílias: algumas entusiasmadas, outras emocionadas, outras “corujas”,
falando-me sobre sua criança contando histórias para os pais e irmãos.
A caixa está levando arte e literatura para as famílias. Nossos pequenos contadores de histórias são multiplicadores de cultura.
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PAPERS
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O Papel da Leitura no Centro de Educação Infantil:
Parlendas e Cantigas, Brincadeiras Rítmicas que Encantam,
Divertem, Ensinam e Integram a Escola e a Família
Professora: Deblas Pereira Silva Tavares de Souza – Grupo I Manhã.
Coordenadora Pedagógica: Abigail Silva
CEI Ver. Aloysio De Menezes Greenhalgh - Coordenadoria de Educação do Butantã
Agosto mês do Folclore, mês em que devemos privilegiar o ensino das tradições que permeiam a nossa
infância, e a nossa memória atávica, memória que nos une ao passado de nossos bisavós, avós e pais, memória
perpetuada com ações e atividades que resgatam e constróem a identidade cultural do povo brasileiro.
Mês em que dedicamos o nosso fazer pedagógico para festejar e resgatar um pouco das nossas tradições através
das lendas, das cantigas de roda, das adivinhas, dos trava línguas e das parlendas.
Época em que os aromas dos chás das vovós perfumam o ar misturados aos cheiros dos pratos típicos que
havíamos degustado nas festas juninas e julinas e que permaneceram guardados em nossa memória gustativa e
sensorial.
Tempo de dançar ritmos com as sutilezas das cores da chita, das tramas dos chapéus de palha e das
camisas xadrezes multicoloridas.
Envoltos nesse clima de continuidade e busca das tradições, iniciamos o nossa trabalho sobre o folclore,
em junho, cantando músicas de santos, entoando nossas vozes para fazer com que o balão subisse, enquanto a
garoa ia caindo, outras vezes fazendo-o cair em nossa mão. Casando Antônio com a filha de João, ou pulando
a fogueira com cuidado para não se queimar. Ao mesmo tempo ensaiamos os passos da tradicional quadrilha,
então dançamos festejamos com as famílias em espaços cobertos com bandeirinhas de papel de seda das mais
variadas cores e matizes.
Então, agosto chegou e decidimos continuar resgatando as tradições brasileiras. Primeiro foram as
lendas que povoaram o imaginário dos pequenos. Os sacis fizeram estripulias amarrando as crinas dos cavalos,
roubando os cachimbos até serem presos na peneira ou em pirulitos de papel.
A Iara, sereia lendária que encanta os jovens levando-os para o rio, se fez presente. Moças fotografadas e
expostas nas revistas da moda emprestaram parte (tronco) de seus corpos para que completássemos com um rabo
de peixe, ao qual cobrimos com escamas de papel laminado colorido. Ainda do mundo das águas emergiu dos
rios brasileiros o boto cor-de-rosa, que na lenda contada se transformou em homem e se enamorou das jovens.
Para que não saísse de nossas lembranças, foi por nós resgatado em sua forma original, e assim como fizemos
com as sereias, foi coberto por escamas de isopor e depois pintado com guache cor-de-rosa e pincel.
A mula sem cabeça, moça que namorou o padre, foi transformada em molde, contornada e pintada com
as cores vibrantes dos gizes-de-cera.
O Curupira afugentou os caçadores da mata, o Caipora defendeu a floresta, o Negrinho de Pastoreio de
vela acesa ajudou a encontrar objetos perdidos, suas imagem foram personificadas em forma de desenhos aos
quais olhávamos todos os dias, como quem olha um álbum de fotos antigas, efeito de um recurso mnemônico.
Monteiro Lobato também se fez presente e a máscara da Emília, tradicional boneca de pano, também
povoou o nosso estudo e contato com as tradições e as criações do imaginário popular.
Entramos então, numa fase nova após uma reunião coletiva, onde decidimos continuar desenvolvendo
o projeto folclore resgatando as tradições orais dando ênfase às cantigas, parlendas, trava-línguas e brinquedos
populares (peteca, pipa de jornal, manipulação de fantoches).
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Passamos a recitar as parlendas e a cantar com gestual, cantigas conhecidas e outras desconhecidas que
nos foram ensinadas pela professoras Aura e Luzia que haviam freqüentado o curso do Grupo Colméia, com
Renata Meirelles, e muito tinham a nos repassar sobre o tema.
As crianças passaram a dar atenção especial a recitação de parlendas revelando encanto e gosto ao fazê-lo,
acompanhando num 1o momento a leitura feita em cartaz com imagens e letras das mesmas. Eram incentivadas
a cantarem em casa para seus pais e a recitarem para que os seus familiares também aprendessem.
A cada dia líamos e repetíamos dez parlendas, coletivamente formando um grande coro, outras vezes
cada um repetia individualmente a parlenda que mais lhe agradava, acompanhadas ou não das ilustrações com
trabalhos práticos com pintura, colagem, dobradura e desenho.
Passados alguns dias as parlendas já faziam parte da vida de todos nós da sala e, mesmo sem serem solicitadas, eram recitadas durante algum momento da nossa convivência diária. Da mesma maneira as cantigas.
Nelas o sol ia nascendo, a velhinha com a trouxa enorme de roupas lavava, torcia, secava, dobrava, passava, guardava a roupa que quanto mais limpa mais cheirava, outras vezes apresentavam a igrejinha com sua torrezinha
a o sacristão tocando o sino ao som do bambalalão, noutras batíamos à porta do castelo da princesinha que
desmaiava ao ver e sentir o cheiro do xixi de rato, em seguida sacudíamos nosso pé, coxa, bumbum, barriga,
mão, nariz, cabeça para afastarmos a formiguinha teimosa que não se cansava de subir, logo depois cirandávamos, namorávamos com a pombinha branca, fazíamos doce de maracujá, procurávamos o galinho que se perdera, cantávamos o alecrim dourado que nascera no campo... e assim passávamos nossas manhãs brincando
e cantando.
Aprendidas, parlendas e cantigas foram ensinadas aos pais pelas crianças no dia da Festa da Primavera.
As crianças vestidas com as cores do Brasil, cobertas com chita colorida estampadas com flores, afloraram convidando os pais para juntos comungarmos e valorizarmos a tradição cultural oral do povo brasileiro cantando
cantigas e repetindo as parlendas. Batatinha quando nasce..., Serra, serra serrador..., Pisei na pedrinha..., O
ursinho tem pata de veludo..., Uni duni tê..., Um dois feijão com arroz..., A galinha do vizinho bota ovo amarelinho..., Quem cochicha o rabo espicha..., Fui passar na pinguelinha..., Janela, janelinha..., Hoje é Domingo pé de
cachimbo..., ecoando vozes com os sons da terra, com o tom das tradições culturais passadas de pai para filho
saudamos o folclore brasileiro nas matizes das flores da primavera.
Com essas ações procuramos resgatar valores, unir a comunidade à escola e valorizar a máxima que norteia a filosofia educacional no CEI, “Quem educa cuida, quem cuida educa” inserindo os cidadãos brasileiros
desde a mais tenra idade a diversão rítmica, à ampliação do vocabulário, treinando habilidades e a motricidade
individual e coletivamente, reunindo-nos para sociabilizar a cultura que nos pertence, colocando em prática
nosso Projeto Estratégico de ação: “A leitura de mundo antecede a leitura da palavra”.
As crianças do Cei. Ver. Aloysio de Menezes Greenhalgh ampliaram de forma lúdica seu acervo de palavras, conhecendo a estrutura de parlendas e as brincadeiras de roda, mesmo antes de conhecerem todas as letras,
onde ampliaram a coordenação motora, ampla, fina e grossa, através de atividades plásticas que foram expostas
nas paredes da escola e das cantigas e brincadeira do folclore brasileiro, que apresentaram à comunidade convidando-a a fazer parte da roda. Com a música “A Lavadeira” construíram oralmente uma seqüência didática
cantada, ordenando os fatos, pois a lavadeira esfrega, depois enxágua, torce, pendura para secar, recolhe, dobra,
passa e no final guarda, ampliando assim seu conhecimento sobre a estrutura da nossa língua portuguesa.
Configuramos desta forma um contexto de letramento, para que as crianças ampliassem a visão de mundo, estimulando o desejo por outras leituras, exercitando a fantasia e a imaginação, desenvolvendo estratégias de
leitura através de imagem, ampliando a familiaridade com os textos, ampliando os repertórios textuais, orais e
de conteúdo para a produção própria de textos orais (recontos ou criação) e futuramente escritos ou reescritos.
Esperamos que com todo este acervo literário interiorizado nas crianças de forma tão prazerosa, o processo definitivo de alfabetização seja tranqüilo, e ocorra de forma natural.
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Acantonamento: “Uma Vivência Noturna”
Alessandra Borges Norinho
Maria Aparecida Leal Puccio
CEI Casa Verde
PROJETO: UMA VIVÊNCIA NOTURNA NUM CEI MUNICIPAL
ATIVIDADE
Acantonamento “Uma Vivência Noturna”
TURMA
Crianças de 4 a 6 Anos
OBJETIVO
• Promover a autonomia, a socialização e a integração das crianças.
• Propiciar o desenvolvimento global das crianças: cognitivo, afetivo e psicomotor.
• Despertar a criatividade, a imaginação e prazer, através do lúdico.
DESENVOLVIMENTO
A criança permanece no CEI durante a noite, participando de jogos, brincadeiras, histórias e músicas. Realizam
refeições e dormem no CEI e vão embora pela manhã.
RECURSOS UTILIZADOS
• Fantasias,
• Músicas,
• Lanternas,
• Livros,
• Recursos Humanos.
LOCAL E MOMENTO DO DIA
CEI CASA VERDE (área interna e externa)
Durante a noite.
DURAÇÃO
das 19:00 hora às 10:00 horas (do dia seguinte)
CRONOGRAMA
19:00
20:00
21:00
22:00
24:00
00:30
01:00
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: RECEPÇÃO (cantigas de roda com violão)
: JANTAR (pizza)
: BAILE
: CAÇA AO TESOURO COM A PARTICIPAÇÃO DA FADA.
: LANCHE
: PREPARAÇÃO PARA O SONO (pijamas,arrumação das camas)
: HORA DA “HISTÓRIA”
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
01:30 : DORMIR
08:00 : ACORDAR
09:00 : BRINCADEIRAS
10:00 : SAÍDA
RELATO DA EXPERIÊNCIA
A idéia do acantonamento surgiu com o questionamento de duas professoras (Alessandra e Puccio)
sobre um evento noturno, que proporcionasse experiências diferenciadas das vivências das crianças.
A partir das possibilidades de colocar em práticas com recursos possíveis para nós e ao CEI, começamos
a planejar nosso acantonamento.
Haviam no princípio impedimentos, como a autorização da direção e pais(não havia registros de um
evento noturno em CEI municipal e por ser uma prática desconhecida por parte dos pais); os recursos financeiros (para a realização de atividades extras: decoração, alimentação, preparativos em geral).; e a colaboração de
outros funcionários.
No primeiro momento, fomos expor a idéia a diretora do CEI, que em todo momento apoiou, incentivou e participou. Assim como outras funcionárias apoiaram e conseguimos o consentimento dos pais.
Com os impedimentos resolvidos, começamos a dar vida ao nosso acantonamento.
Primeiramente escolhemos um tema, uma história para conduzir a nossa “aventura”, seria uma caça ao
tesouro, com a presença de uma fada para despertar o encanto das crianças.
Preparamos todo o ambiente, começamos pelo”teto”, abaixamos o teto com panos e enfeitamos com
estrelas para caracterizar um céu.
O acantonamento realizou-se no dia 10/12/2004, com 45 crianças, e começou às 19:00 horas, com as
crianças sendo recepcionadas com cantigas de roda e músicas tocadas no violão pela diretora.
Em seguida houve um jantar,foram várias rodadas de mini-pizzas e refrigerante!
Após o jantar, houve o “BAILE”, que contamos com a presença da supervisora, que ficou satisfeita com
o evento e a dedicação das funcionárias, ela participou durante toda a caça ao tesouro, contribuindo com toda
nossa aventura.
Enquanto ocorria o baile, a fada se preparava....a professora PUCCIO.
Com o CEI todo escuro, a fada surgiu e as crianças observam deslumbradas as primeiras aparições da fada.
Orientamos para que as crianças não corressem até a fada “pois ela iria embora” a fada jogava estrelinhas
com as pistas para continuar a busca e recadinhos para as crianças.
A fada ia aparecendo em vários lugares, e era iluminada pelas lanternas trazidas pelas crianças, foram
momentos mágicos vividos pelas crianças, que se encantavam sempre que encontravam a fada,esta que circulou
por todo o CEI, nas salas, nas áreas externas e internas.
Decidimos por as crianças não entrarem em contato direto com a fada , para que não descobrissem sua
verdadeira identidade e que dessa forma a magia e o encanto daqueles momentos permanecessem em suas lembranças.
263
Na primeira parada, após a aparição da fada, a mesma deixou um presente a cada criança, “um colar de
néon”. E com esse colar, seguimos pelo CEI, na busca da fada e do tesouro, trazido por ela. Coordenamos toda
essa “busca” com muito cuidado, para que as crianças não “encontrassem” a fada de perto.
Toda a caça levou mais de uma hora,quando uma criança finalmente encontrou o “tesouro”, que era um
“baú de moedas de chocolate”, quando ela foi abrir o “baú” e disse surpresa e espantada na sua inocência que
eram moedas de chocolates, foi o maior alvoroço,todas as crianças ao redor queriam seu tesouro. O “BAÚ DE
CHOCOLATE’ foi dela, mas todas acabaram ganhado algumas moedas...”.
Foi muito bacana, essa busca pelo tesouro, esses momentos mágicos trazidos pela fada !
Com o fim da caça, ficamos mais alguns momentos na área externa, dançando e brincando com as crianças,
entramos para um breve lanche e fomos nos preparar para dormir.
Cada criança havia trazido seu pijama, cobertor...depois de todo preparo, houve uma guerra de travesseiros entre eles e com os ânimos mais calmos, aconteceu a “hora da história”.
Com todos já deitados, a professora Puccio contou histórias para embalar o sonho das crianças, seguido
por músicas de ninar.
Ao acordar na manhã seguinte, após o café-da-manhã, iriam ocorrer momentos de brincadeiras e jogos,
o que não foi possível, devido às condições do tempo e principalmente as condições de professoras e crianças.
Ocorreu uma roda de história com todas as crianças, enquanto elas esperavam o momento dos pais
chegarem .
A saída seria a partir das 10,00 horas, mas algumas crianças permaneceram no CEI até ás 12 horas.
Foi uma experiência muito rica e divertida que nos trouxe momentos de prazer e alegria. E que com
certeza, ficará na lembrança de cada criança que participou do nosso primeiro Acantonamento.
Primeiro, porque virão muitos outros...
264
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A Experiência da Educação Infantil Indigena:
Cuidar e Educar. Um Antigo Ensinamento Sob um Novo
Enfoque!
Profa Soraia Zanzine
CEI CECI Jaraguá
A rede municipal de ensino da cidade de São Paulo, introduziu em seu patrimônio um novo paradigma
de educação: a educação escolar indígena infantil. Lideranças das três aldeias guaranis das regiões de Parelheiros
e Pirituba, procuraram o poder público para conseguir apoio na construção de centros culturais que teriam por
objetivo inicial oferecer à população interessada na cultura indígena um espaço acolhedor para conhecer a fundo
a diversidade cultural dos primeiros habitantes deste continente.
Sensibilizada com a questão, em especial a da falta de recursos para garantir a qualidade de vida nas
aldeias, no que se refere à confecção de artesanatos e produção de alimentos, dada a escassez de terra produtiva
e perda de territórios, a Secretaria Municipal de Educação instituiu um grupo de interlocutores formado por
especialistas em educação com a finalidade de manter um diálogo que pudesse responder às principais questões
mediante tal solicitação: qual o objetivo da construção do Centro Cultural? Como seria constituído? Quem deveria atuar no trabalho cotidiano? Como seria o projeto arquitetônico? Enfim, perguntas que no desdobramento
das reuniões que ocorreram ao longo de dois anos, ininterruptamente, foram aos poucos sendo respondidas de
modo a procurar atender às solicitações das lideranças guarani.
Com o diálogo, percebeu-se que havia grande numero de crianças que padeciam por doenças, que
não raro, às levaram à mortalidade. A constatação pelo grupo de trabalho do precário quadro de subsistência,
mediante o empobrecimento do solo para o plantio de agricultura tradicional foi uma das questões que mais
chamaram a atenção dos interlocutores, aliada à constatação da renda familiar em torno de dez dólares por mês,
levaram à sugestão da criação da escola de educação infantil, que acabou sendo agregada à proposta inicial foi
acatada pela comunidade indígena como um novo desafio.
A partir das premissas calcadas na defesa da cultura tradicional indígena, que tem no ensino da língua
materna uma das principais estratégias de resistência e manutenção dos valores e ensinamentos dos antepassados, a proposta pedagógica dos três Centros de Educação e Cultura Indígenas, CECIs, que foram construídos
abarcou os desejos das comunidades atendidas: entre os quais prevalência do ensino da língua guarani, monitores indígenas conhecedores da língua e da cultura, atividades voltadas para o fortalecimento e valorização da
cultura indígena. Assim, a partir das diretrizes emanadas pela comunidade indígena, aliadas aos saberes que a
Educação Infantil perpetua, através do paradigma cuidar e educar, as comunidades indígenas atendidas puderam constar ao longo destes dois anos de inauguração do projeto o aumento do repertorio e do vocabulário das
crianças, o aumento da auto-estima das crianças e ainda o aumento de peso em cerca de três quilos por parte das
crianças que ainda passaram a apresentar um quadro de saúde significativamente melhor em relação ao quadro
inicial que se encontravam.
A rotina das atividades desenvolvidas, pautada pelo calendário indígena tem procurado garantir o aumento do conhecimento que a cultura indígena manteve, apesar dos quinhentos anos de colonização. Através
do saber ancestral preservado pode-se conceber o convívio com o meio ambiente em sintonia com o eco sistema
e devemos à cultura indígena o reconhecimento de um modo de ser e de vida capaz de preservar a vida na mata
que vem sendo hoje sistematicamente violentada. As visitas e os encontros propiciados por educadores envolvidos com a questão da diversidade cultural e do meio ambiente tem propiciado a possibilidade de reflexão sobre
o processo de reorientação curricular para uma história da formação do povo brasileiro que vai para alem dos
livros didáticos.
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Organização dos espaços
Profa Célia Pereira da Cruz
Profa Márcia Cordeiro
Prof. Bruno L.Becheli
CEI CEU PERUS
INTRODUÇÃO
Nosso trabalho foi organizado na “aprendizagem ativa”, valorizando as experiências diretas das crianças
com pessoas, materiais, eventos e idéias. O espaço foi organizado em áreas de interesses definidas. As crianças
foram encorajadas a explorar e trabalhar com uma diversidade de materiais, elaborar planos e fazer escolhas, seguir interesses, desenvolver projetos, interagir entre si e com adultos. As educadoras criam um ambiente positivo
e desafiador, apóiam suas iniciativas, compreendem suas ações, colocam expectativas e limites claros e adotam
uma atitude de incentivar a solução de problemas pelas próprias crianças.
OBJETIVOS PARA ÀS CRIANÇAS
• oferecer às crianças experiências sistemáticas de estabelecer seus próprios objetivos e os passos necessários para
atingi-los;
• encorajar as crianças a pensar de forma sistemática sobre suas decisões e as possibilidades e conseqüências relacionadas às escolhas que fazem;
• fortalecer na criança a capacidade de refletir sobre seus planos e ações;
• desenvolver a iniciativa, autonomia, independência, responsabilidade e sentido de empreendimento;
• desenvolver a capacidade de articular idéias, escolhas e decisões e de lidar com desafios de forma criativa;
• desenvolver a capacidade de planejar e expressar intenções, executar e aprimorar projetos;
• trabalhar as diferentes linguagens: corporal, musical, plástica, dramática, literária de forma integrada
OBJETIVOS DO PROFESSOR
Encorajar a criança à:
• elaborar planos cada vez mais complexos;
• expressar seus planos utilizando-se de gestos, materiais, verbalizações simples ou complexas;
• desenvolver brincadeiras e atividades progressivamente mais complexas: imaginativas, prolongadas, concentradas e engenhosas;
• rever seus planos e ações de forma reflexiva;
• para o prazer de estar juntos;
a participar de atividades de forma lúdica e imaginativa, expressando emoções e sentimentos;
• a dar sugestões, expressar opiniões e trocar pontos de vista em situação de construção e/ou negociação de regras;
• a participação ativa com idéias.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Observar
• como as crianças elaboram e expressam seus planos;
• os níveis de dificuldades e ajuda necessária;
• a distribuição espacial ou áreas preferidas ao longo do tempo;
• a composição do grupo: dinâmica, organização, preferências;
• a adequação dos materiais e equipamentos;
• a evolução da capacidade de planejamento, ação e revisão;
• atitudes grupais, como lidam com regras e conflitos sociais;
• as atividades que lidam com fantasias;
• se ficam presas ao real ou se permitem um mergulho no imaginário;
• o desempenho das crianças em atividades de movimento.
Planejar
• antecipadamente as atividades e ter presente diversas alternativas no caso da atividade não correr bem.
ESTRATÉGIAS
Sensibilização das educadoras: Dinâmicas com relatos de memórias
Roteiro de leituras
Cap.V “Arranjo, organização e equipamentos dos espaços destinados às crianças em ação”
p.161-222. In:Hohmann,M:Weikart,D. Educar a criança, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1997
• Confecção da planta do espaço físico de sua atividade contendo maior número possível de detalhes,
• Elaboração de uma proposta de reorganização do espaço;
Estratégias junto às crianças
Planejamento
Apresentação de crachás com os respectivos desenhos das áreas a serem escolhidas pelas crianças ( vídeo,
casinha, artes, faz de conta, jogos)
Essa atividade é feita pela educadora junto a sua turma, permitindo que as crianças expressem opções e
tome decisões, tenha consciência de seus interesses.
As crianças, portanto, decidem o que vão fazer no tempo de trabalho, em que área irão trabalhar, se
vão trabalhar sozinhas ou com outras crianças, de sua turma e/ou de outras turmas, pois nas áreas escolhidas as
turmas estão misturadas.
Em cada turma a educadora ajuda e apóia as crianças a planejarem, usando várias estratégias de interação, como conversar individualmente, ouvir com atenção a cada uma, fazer perguntas abertas, interpretar gestos
e ações.
267
Trabalho
Este é o momento mais longo da rotina diária, durando em torno de 45 à 60 minutos;
A medida que cada criança acaba o seu plano, começa a realizar aquilo que se propôs a fazer sozinha ou
com outras crianças na área escolhida, através do crachá correspondente.
Em cada área terá uma educadora responsável em observar e registrar as ações das crianças, incentivando-as a conversarem e colaborarem umas com as outras, ajudá-las a concretizar os seus planos.
Organização
Terminado o tempo de trabalho, as crianças e as educadoras recolhem os materiais usados e os trabalhos
acabados.
Revisão
As crianças voltam para sua turma com sua educadora para falar, refletir ou mostrar o que fizeram ao
longo do tempo de trabalho.
Essa conversa pode se estender ao longo de outros momentos da rotina.
A tarefa da educadora é de observar e registrar o desenvolvimento da criança e do grupo. E a partir daí
planejar atividades dirigidas e significativas às crianças, que podem estar integradas em projetos que serão realizados na unidade. Acreditando que enquanto a criança se diverte, brinca, interage com pessoas e materiais, ela
realiza experiências que lhe permite construir um conhecimento do mundo que a cerca.
Conclusões
As experiências realizadas pelas crianças em áreas diferentes permitiu às educadoras compreender que
tipo de conhecimento as crianças construíram em um determinado momento.
O ato da observação e registro pelas educadoras direcionou o olhar para os interesses, talentos e dificuldades emergentes, e a partir daí planejarem as atividades educativas de maneira a apoiar individualmente cada
criança.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
Zabalza, Miguel A. Qualidade em educação infantil,Trad. Beatriz Affonso Neves, Porto Alegre, ArtMed, 1998.
Hohmann,Mary, W.P.David, Educar a Criança, Trad.Helena A.M.,Luís,M,N.Fundação Calouste.
G.Lisboa,2003.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Oficina de Arte: Trapocatas
Profa Raquel Evangelista dos Santos
CEI Maria José de Souza
HISTÓRICO
Criada em 2000 pela professora Raquel Evangelista dos Santos.
A oficina tem o nome de TRAPOCATAS, pois é a junção de duas importantes palavras que revela todo
o trabalho com trapos e sucatas.
JUSTIFICATIVA
A OFICINA DE ARTES TRAPOCATAS teve seu início por uma brincadeira folclórica “Os Escravos
de Jô”, realizada com um grupo de crianças de seis anos.
A brincadeira foi feita com caixinhas de fósforo. No decorrer desta, uma criança juntou caixinhas para
construir uma casa. Ao observar a criatividade da criança e com o objetivo de estimulá-la, forneci outros materiais que proporcionassem a construção.
Observando que o trabalho com sucatas proporciona às crianças a aprendizagem significativa, expressada através do prazer que demonstram ao concretizar um brinquedo/objeto. A atividade trabalha também com
elementos, como a criatividade, a solução de situações-problema, o jogo simbólico, a coordenação motora, autoestima e principalmente o lúdico.
A partir de então o trabalho com sucatas é realizado freqüentemente com o grupo de crianças com seis
anos, no CEI Maria José de Souza. Ao término da atividade, as crianças levam o trabalho para casa para ser
apreciado pela família e poder brincar com sua construção.
OBJETIVO
1- Despertar a criatividade e o potencial de cada criança;
2- Valorizar os materiais aparentemente desprezíveis;
3- Envolver profissionais e crianças do CEI, na busca de materiais recicláveis para a confecção de brinquedos;
4- Resgatar o ato de educar e brincar com brinquedos não industrializados;
5- Serve como exemplo: garrafas plásticas, tampinhas, caixa de papelão de vários tamanhos, retalhos de tecidos,
jornais, rolo de papel higiênico, etc;
ESPAÇO UTILIZADO
De acordo com o clima, pode-se usar a sala de aula ou solário externo.
DURAÇÃO
Cada atividade tem uma duração de tempo
Todas as atividades são colocadas em exposição no próprio CEI e também em Reuniões Gerais de Pólo
(RGP), sendo que após a exposição às crianças podem levar para casa.
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Recriando Espaços Através da Arte
Profa Maria do Rosário Ferreira de Souza
Glicelaine Caraça Peramos Alves
CEI Parque Edu Chaves
JUSTIFICATIVA
A representação gráfica da escola feita pelos alunos de 5 a 6 anos, pertencentes aos Grupos III e IV,
nesta CEI, era preocupante. Uma caixa, dentro de outra caixa maior, com um labirinto de caminhos. Assim as
crianças viam a instituição, um lugar com uma divisão rígida de espaços e muitas portas, com muitas trancas...
Em situações de crise, alunos de 5 e 6 anos tornavam-se agressivos e chutavam as portas, destruindo-as. As educadoras também reclamavam da feiúra do prédio e da opressão que sentiam dentro dele. Uma das reclamações
era de um painel pintado num corredores – uma tentativa mal-sucedida de alegrar o ambiente, feita por um
pintor anônimo, com cores escuras e proporções desastrosas.
Partindo da necessidade de uma maior identificação dos alunos com o espaço escolar, paralela à intenção de proporcionar uma melhor acolhida a todos que freqüentam a instituição, propusemos uma intervenção
no espaço do refeitório, escolhido por ser um dos espaços comuns mais utilizados, seja nas refeições diárias dos
alunos, nas reuniões entre educadores e gestores, de pais e mestres, nas comemorações ao longo do ano e até em
aulas que demandam um espaço mais amplo.
Escolhemos a obra do pintor Romero Brito por ser brasileiro e seu trabalho estar voltado para o universo
infantil, além do regional, e nos auxiliará no resgate da cultura brasileira. A respeito do artista escolhido, Romero
Brito, seu “website” é bastante completo. Captamos algumas imagens e a biografia do pintor, que foi recontada em forma de história para as crianças. Conseguimos outras informações através da imprensa, em revistas e
jornais. Após o estudo da obra do pintor Romero Brito, será construído, de forma coletiva, um painel com as
representações dos alunos e da comunidade.
OBJETIVOS
Com este projeto pretendemos iniciar os alunos no conhecimento das artes;no desenvolvimento da
oralidade através da participação do aluno; conhecer e valorizar os artistas brasileiros; favorecer a expressão
individual e melhorar o espaço escolar proporcionando um ambiente bonito, agradável e acolhedor; ampliar o
conhecimento dos educadores sobre Artes e estabelecer relações com a música, a dança, o movimento e a escrita;
favorecer a expressão individual.
ESTRATÉGIA
Nossos primeiros encaminhamentos foram no sentido do planejamento e sistematização das idéias.
O projeto foi escrito e, após alguma reflexão, sentimos a necessidade de definir o plano de curso, ou seja, as
atividades, passo a passo. Isto ficou claro desde i início, revelando-se importante para que o projeto inicial não
“transbordasse” com tantas idéias novas que surgiam.
Desta forma, calculamos 30 aulas por semestre para o seu desenvolvimento. As “aulas de Arte” têm a
duração aproximada de 30m minutos e acontecem duas vezes por semana. Procuramos alternar as aulas ligadas
à apreciação de obras e domínio de materiais, com aulas de arte ligadas ao corpo e seus movimentos. O projeto
envolve, ainda, o conhecimento de representações espaciais, como: leitura e construção de mapas, além da contextualização histórica, como a confecção da linha de tempo com eventos da vida de Romero Brito.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Esta intervenção envolve os alunos na construção de um painel mural, medindo 5 x 1 m, a partir do
estudo das obras do pintor pernambucano.
A metodologia desenvolvida baseia-se na apreciação de obras do artista, segundo roteiro prévio, além
de: leitura e procedimentos de pesquisa, exibição de vídeos; expressão individual e coletiva dos alunos; desenho,
pintura e escultura, com técnicas e suportes diversos: jogos envolvendo obra de arte, audição e canto de música
popular brasileira; apresentação de danças regionais: frevo, bumba-meu-boi, cavalo-marinho, pastoril, marujada; jogos dramáticos, resultando num Auto de Natal.
Registro do processo através da observação, da escrita do professor, do desenho do aluno, das fotos das
ações e exposição do material produzido.
Todo processo é acompanhado por audição de música popular brasileira e aulas de dança regional.
O projeto foi embasado na Proposta triangular para o Ensino de Arte, difundida no Brasil pela arteeducadora Ana Mãe Barbosa. Utilizamos o “Roteiro de apreciação estética e crítica da obra de arte”, proposto
por Amanda P.F. Toja, do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, adequando-o ao repertório e faixa etária
dos alunos.
Realizamos pesquisas sobre a Cultura Popular Brasileira – nordestina, principalmente pernambucana,
encontrado no livro de Silvio Romero: Cantos Populares do Brasil – EDUSP – um rico acervo a ser explorado.
A culminância do projeto acontecerá numa apresentação aberta à comunidade, com a exposição dos
trabalhos, apresentação de um Auto de Natal baseado na cultura nordestina e a inauguração do novo mural.
RESULTADOS
Maior identificação dos alunos com os espaços do CEI.
Ambiente mais agradável e bonito.
Respeito, valorização e preservação dos trabalhos expostos dos alunos, o que antes não acontecia.
A criança passou a expressar-se de outras formas, além da oral.
Os próprios autores fazem sua auto-avaliação. Isto proporciona um exercício do olhar para além do
“certo ou errado”, comuns em situações escolares.
Para os professores que acompanham o processo, alguns detalhes saltam aos olhos: os alunos estão mais
concentrados, passaram a valorizar o trabalho e a opinião dos colegas, estão mais atentos a detalhes, seu vocabulário melhorou e crianças arredias se aproximam de forma inesperada.
A auto-estima de todos os envolvidos aumentou significativamente, e, de alguma forma, a escola já está
mais alegre.
AVALIAÇÃO
A avaliação prevê a observação e registro pelos professores, possibilitando diagnosticar se o aluno apresenta interesse pelas atividades; interage em momentos coletivos; modifica seu comportamento em relação ao
ambiente; despertou o interesse pelas obras de arte; utiliza bem o material apresentado; se expressa com clareza;
percebe a evolução de sua expressão ao longo do tempo.
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Curso de Formação de Pais Enquanto Protagonistas no
Processo Educativo dos Filhos no CEI
Alvarina Fernandes Naves
Coordenador Pedagógico
Aparecida de Jesus Rocha Carezzato
Diretor de Escola - Coordenadoria De Itaquera
CEI Parque Guarani
JUSTIFICATIVA
• Os pais por uma série de fatores afetivos, sociais, históricos, não atentaram para a importância de reconhecer
o valor dos progressos de seus filhos. Esquecendo de elogiar, incentivar, estimular. Esqueceram o quanto eles
mesmos sentem a carência do reconhecimento.
OBJETIVOS
• Sensibilizar e envolver os pais no processo educativo do filho;
• Subsidiar tecnicamente no processo de contar estórias, fazer artesanato e pintura (o uso de tesoura, cola, sucata);
• Orientar os pais sobre os cuidados básicos de saúde (diarréia, piolho, alergias, febres e vacinações) e doenças
corriqueiras;
• Subsidiar tecnicamente no processo de contar estórias, usando fantoches;
• Subsidiar tecnicamente no processo de confeccionar objetos com “Pet” (sucata).
CONTEÚDO
• Contação de estórias;
• Artesanato;
• Pintura;
• Sexualidade, relação escola e família;
• Saúde – Alternativas – Colaborativas.
METODOLOGIA
• O curso foi realizado em forma de palestra e oficinas.
10 MOMENTO
As Oficinas foram dividas em temas; e os funcionários do CEI se distribuíram pela oficina de sua simpatia e das quais tinham habilidade reconhecida por todos em administra-las:
• Artesanato;
• Pintura;
• Sexualidade;
• Saúde;
• Contação de estórias.
2o MOMENTO
Foi montado as salas ambientes com os materiais e decoração atraentes;
272
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
3o MOMENTO
Confecção e distribuição de convites aos pais.
4o MOMENTO
As oficinas foram divididas em módulos temáticos de 50 minutos, cada uma; tendo 5 minutos de intervalo para que cada grupos de pais se deslocassem para próxima oficina, para que se acomodassem e inciassem as
práticas.
5o MOMENTO
Procurou-se a parceria do Posto de Saúde de Vila Ramos, que nos ofereceu uma caixa de preservativos
para serem distribuídos aos pais, folders sobre o uso do mesmo; e lamentaram não terem o preservativo feminino
e funcionários para dar a palestra, mas orientaram no que puderam as nossas PDI’s.
6o MOMENTO
Para as outras oficinas foram usados recursos do CEI, como: papéis crepon, papéis espelho, contact
transparente, tesouras, tintas guache, colas, papel pardo, e outros recursos. As “Pets” foram doações dos funcionários que foram recolhidas durante a semana.
7o MOMENTO
Ao término dos trabalhos, foi oferecido bolo e refrigerante para comunidade, para que confraternizasse
com os funcionários do CEI e nas conversas informais foram levantados os dados de apreciação e elogios pela
iniciativa, e como, eles ficaram surpresos com o próprio desempenho diante das oficinas. Os subsídios dessas
conversas informais forma norteadores que indicaram sucesso da nossa iniciativa e apontaram a necessidade de
se estar fazendo no 2o semestre o mesmo trabalho acrescentando o tema: “Obesidade Infantil” na Oficina de
Saúde e apresentar novas técnicas de pintura e artesanato.
PÚBLICO ALVO
• Pais ou Responsáveis das crianças matriculadas no CEI
BIBLIOGRAFIA
• Revista Nova Escola;
• Revista Super Interessante;
• O Cotidiano da Creche: Um Projeto Pedagógico / Autor: Durlei de Carvalho Cavicchia / Editora Loyola.
273
Novas Tecnologias na Educação Infantil
Luciane Alessi de Almeida
CEI Parque Sabará
A chegada dos computadores no Centro de Educação Infantil Parque Sabará - CEI gerou mudanças na
organização do espaço e inquietação não só nos educadores, mas também nos pais e alunos pelo motivo dos
equipamentos, instalados em uma sala de uso coletivo, permanecerem sem uso.
Com a convicção de que o uso das tecnologias favorece a inclusão e contribui para uma prática pedagógica mais dinâmica e diversificada, buscamos na formação dos educadores uma solução para a utilização dos
computadores. É de fundamental importância que todos os educadores possam refletir sobre as tecnologias
aplicadas à educação, bem como desenvolvam habilidades no uso dos equipamentos (computadores, máquinas
fotográficas, filmadoras e outros).
Em virtude do curso para a formação dos educadores ter sido autorizado recentemente, a aplicação desta
linguagem computacional será realizada somente com as crianças do Grupo II (crianças com a idade de 4 anos a
4 anos e 11 meses), pois estas não estarão conosco no próximo ano, ampliando suas possibilidades de expressão
para a finalização do projeto desenvolvido desde o início do ano.
274
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Projeto Brincar
Elizabete Izidoro Gonçalves
CEI Vila Santa Inês
OBJETIVOS
• Valorizar a importância do brincar na vida das crianças;
• Favorecer a aprendizagem através do lúdico;
• Incentivar as brincadeiras tradicionais, cooperativas, corporais e construção de brinquedos;
• Favorecer o lazer como fonte de prazer;
• Resgatar brincadeiras através da sensibilização dos pais para recordarem como brincavam quando eram crianças;
• Propiciar o desenvolvimento da identidade e autonomia das crianças, através das escolhas, resgates sócio-culturais e exercício da cidadania.
ETAPAS DO TRABALHO
• Roda de conversa com as crianças;
• Frases espalhadas pelo CEI, como: “VOCÊ JÁ BRINCOU HOJE?”, “DESPERTE A CRIANÇA QUE EXISTE
DENTRO DE VOCÊ.”, “VENHA BRINCAR COM A GENTE.”, “NÃO IMPORTA SUA IDADE, BRINQUE.”,
“QUANDO VOCÊ ERA CRIANÇA GOSTAVA DE BRINCAR DE...”
• Oficina de brinquedos;
• Resgate de brincadeiras, músicas, estórias e brinquedos;
• Produção de texto coletivo - carta ao Suubprefeito de São Miguel Paulista - solicitando uma rua de lazer;
• Entrega da carta ao subprefeito;
• Abaixo-assinados - crianças colhem assinaturas dos moradores da rua indicada;
• Encaminhamento de um ofício ao Subprefeito, onde em anexo segue o abaixo-assinado.
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
As atividades do PROJETO BRINCAR ocorreram de forma satisfatória, pois participaram crianças,
pais e funcionários do CEI.
No dia 23/05/05, início do Projeto, as professoras colocaram frases pelos corredores do CEI, com o
objetivo de todos resgatarem suas brincadeiras de infância.
Explicamos para as crianças sobreo Projeto e foi solicitado que pedissem a seus pais para que os ensinassem algumas brincadeiras da época em que eles eram crianças, contassem como eram os brinquedos que usavam
e onde costumavam brincar.
Durante a semana brincaram de roda, amarelinha, pular corda, mímica no espelho e muitas outras
brincadeiras. Construíram alguns brinquedos com sucata (jornal, papelão, garrafas pet, etc.) e levaram esses
brinquedos para casa no fim do dia. Uma das crianças, Gustavo, ensinou aos colegas uma brincadeira e uma
música da infiancia de sua mãe.
Alguns funcionários fizeram coreografias, ginástica e cantaram, o que envolveu bastante todas as crianças.
Outros relembraram o palhaço Arrelia, como homenagem pelo seu falecimento. Foi explicada a importância desse
artista brasileiro para a infância de muitas crianças, que hoje são adultos. As crianças souberam quem era o autor
do famoso cumprimento: “COMO VAI? COMO VAI? COMO VAI? MUITO BEM, MUITO BEM, BEM, BEM.”
As crianças do G2 receberam a visita da mãe Jubeneide, natural do estado da Bahia (cidade Ibiquera),
que veio fazer espontâneamente uma apresentação de como ela brincava. Relatou para as crianças que dividia
275
o tempo entre o trabalho na roça, os alfazeres de casa e as brincadeiras de menina. Trouxe milho para mostrar
como era feita a plantação, trouxe bonecas e brincou de casinha com as crianças. Fez comidinha e improvisou o
batizado de uma boneca. Algumas crianças buscaram àgua no rio (lousa) para que fosse feita a comida, enquanto
outras preparavam o bolo de limão, arroz doce e gelatina.
Em outro momento tivemos a presença da mãe, a Sra. Lucimara, que veio contar uma história para as
crianças. Recebemos também o Luciano, morador da região, que trouxe seu violão e passou uma manhã tocando
e cantando com as crianças. A Sra. Solene, mãe de outra criança, também esteve presente para brincar de roda,
cantar e contar história.
Destacamos a integração desses adultos e crianças e a alegria das mesmas em tê-los participando de uma
parte da rotina diária do CEI.
Em roda de conversa, as crianças relataram onde e com quem brincam quando estão no CEI. A maioria
das nossas crianças reside em quintais de pouco espaço, os quais são divididos com muitas outras famílias. Sendo
assim, dizem que brincam com seus vizinhos ali mesmo sem muito espaço, outras ficam trancadas dentro de casa
e algumas ficam na rua. As crianças reconhecem que é muito perigoso ficar na rua, pois, segundo elas, passam
muitos carros e motos e, por esse motivo, têm que parar as brincadeiras a todo o momento, pois não existe espaço para o lazer. Daí surgiu a idéia de fazer uma carta coletiva ao Sr. Subprefeito de São Miguel Paulista, pedindo
uma rua de lazer.
As crianças foram os relatores/autores e coube a professora escrever. Para terminar a carta todos assinaram seus nomes e enveloparam a mesma.
Próximo passo? Marcamos e levamos essa carta ao subprefeito. Assim foi feito. No dia 15/07/05, fomod
recebidos pelo Sr. Subprefeito de São Miguel Paulista, que se sensibilizou com o resultado daquele trabalho e
com o pedido das crianças.
Dias depois fomos procurados por um dos assessores do Subprefeito que nos orientou sobre quais as
etapas para conseguirmos a rua de lazer. Entre as orientações, está a coleta de assinaturas dos moradores da rua
indicada, sua localização e um ofício endereçado ao Subprefeito.
As crianças entram em ação novamente e, desta vez, para colher assinatura dos moradores para o abaixoassinado, reivindicando a rua de lazer. Ao andarmos de casa em casa, descobrimos que esse movimento em prol
da ria de lazer, já existia na comunidade e, então, resolvemos unir as forças - comunidade e CEI
RESULTADO/ CONCLUSÕES
Ao iniciarmos esse Projeto, o qual era para ser realizado no período de uma semana, não pensamos que
fosse tomar esse rumo. Tinhamos apenas a intenção de resgatar algumas brincadeiras infantis e fazer com que os
pais percebessem o quanto é importante a brincadeira para as crianças
Estamos felizes com o resultado que o trabalho tem dado e irá dar. Ira dar sim, pois está tudo encaminhado e existe um movimento de união entre CEI e Comunidade, que irá resultar na RUA DE LAZER e facilitará
o BRINCAR. As crianças do CEI e as da Comunidade realmente precisam desse espaço seguro e tranquilo para
brincar, pois são desprovidas de recursos financeiros para irem a outras localidades para se divertirem. Cabe ao
Poder Público garantir e proporcionar o lazer, pois para essa faixa etária é principalmente através do BRINCAR
que a aprendizagem acontece.
Através desse trabalho efetivamos de fato o exercício da cidadania, estreitamos os laços com a comunidade em prol de um interesse comum, envolvemos a família que pôde vir e participar dos nossos trabalhos.
Enfim, essa é a ESCOLA que queremos. ESCOLA capaz de favorecer a construção do conhecimento de forma
dinâmica, que promove e integra CRIANÇAS - EQUIPE ESCOLAR - COMUNIDADE.
276
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Protagonista Aprendiz: construindo aminhos por meio
da Educação Física Infantil
Adriano Valdir Giovani
Clayton Vieira Lira
Cristiane da Silva de Oliveira
Gisely Aparecida de Souza
José Ricardo dos Santos
Karen Karpusenko
Márcia Regina Antonia Sacco
Silvio Roberto Negrão
Thiago Lemes de Queiroz
CEI São Mateus
O período de 1920 e 1928 marca a importância da Educação Física por passar a ser um componente
curricular do ensino primário e secundário (FILHO, 1988), porém, somente em 1937, na elaboração da Constituição é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física em textos constitucionais federais, incluindo-a no currículo como prática educativa, obrigatória, e não mais como disciplina curricular.
Grandes mudanças e influências foram ocorrendo depois deste período até à referência da Lei de Diretrizes e Bases, a qual promulgou em 20 de dezembro de 1996, artigo 26, parágrafo 3o que “a Educação Física,
integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas
etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.” (PCN’s :6)
Passou-se então a relacionar a educação física à cultura, pois desde suas origens o ser humano produziu
cultura, ou seja, sua história é uma história de cultura (entendendo o conceito de cultura como “produto da
sociedade, da coletividade à qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcedendo-os”, PCN’s :7)
Portanto, hoje a Educação Física contempla múltiplos conhecimentos produzidos e usufruídos pela
sociedade a respeito do corpo e do movimento. “Entre eles, se consideram fundamentais as atividades culturais
de movimento com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos, e emoções, e com possibilidades de
promoção, recuperação e manutenção da saúde.” (PCN’s : 7)
Ensinar a praticar esporte (entendendo o conceito de esporte como prática corporal) é preparar o aluno
para executar determinadas habilidades por meio da descoberta do prazer de se exercitar. É conscientizá-los de
suas capacidades e limitações. É mostrar diferentes maneiras de aprender um movimento. A ludicidade da proposta pode ser o caminho dessa conscientização. (PICOLLLO, 1999 : 11)
Já no âmbito da Educação Infantil, a Constituição do Brasil de 1988 trouxe consigo pela primeira vez
referências sobre os direitos específicos das crianças, não no que diz respeito ao Direito Familiar, mas o direito
da criança de 0 a 6 anos de idade e dever do Estado, “o atendimento em creche e pré-escola.” (Art.208, inciso
IV). Tornando-se assim um avanço significativo para o desenvolvimento integral da criança, pois deixou-se de
se enfatizar expressões como “assistir” à criança, para se focar em uma educação voltada para a criança, para o
aprendizado e não mais para o assistencialismo.
No decorrer desta trajetória sobre a educação infantil, foram surgindo diversas propostas com intuito de
focar mais o conceito de educação para as crianças pequenas. Sendo assim, notou-se que as propostas e programações que foram surgindo estavam deixando de considerar fatores importantes como: o universo da cultura
da criança; privilegiando assim o desenvolvimento cognitivo, organizando-o em áreas compartimentadas e com
277
ênfase na alfabetização; dicotomizou-se o conhecimento e o desenvolvimento; desvalorizou-se os jogos e as brincadeiras como atividades fundamentais para as crianças; antecipando-se a escolaridade; deixando de esclarecer as
articulações entre as atividades de cuidado e a função pedagógica preconizada.” (KUHLMANN, p. 200)
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), houve um reconhecimento da educação
infantil tornando-a primeira etapa da educação básica.
Sendo assim, acreditamos ser importante salientar que a citação da LDB associada à citação descrita
anteriormente no sexto parágrafo sobre a Constituição do Brasil, no que se refere a Educação Física e a Educação Infantil, enfatiza que ambas pertencentes a Educação Básica, são asseguradas por lei. No entanto, elas não
acontecem nos dias de hoje. O que seria de fundamental importância, pois a Educação Física poderia auxiliar a
Educação Infantil na construção do conhecimento dos educandos.
Seria importante que a Educação de um modo geral, pudesse enfatizar o desenvolvimento de um trabalho que tivesse em seu ensejo o cuidado, o afeto e o amor, presentes no processo assistencialista, fossem incluídos
na proposta educacional, buscando maior qualidade e proporcionando um aprendizado mais qualificado, significativo e prazeroso.
A Educação Física Infantil aliada à Educação Infantil auxilia na busca desse caminho, pois incentiva o
aprendizado por meio da prática corporal, proporcionando aos educandos um processo educacional mais significativo. Isto ocorre, porque o lúdico encontra-se muito presente no decorrer dessas práticas e, portanto, permite
ao aluno um aprendizado mais espontâneo, prazeroso e alegre.
Isso acontece porque os jogos e as brincadeiras sempre estiveram presentes em nossas vidas, caracterizando e exercitando a paixão humana, pois eles se desenvolvem de forma lúdica dentro do contexto do lazer.
O jogo, enquanto conteúdo, constitui matéria prima para a consecução dos objetivos tanto de ordem motora, como cognitiva e sócio-afetiva, levando em conta que, o ser humano é uma totalidade sob esses aspectos.
As crianças devem ter liberdade de agir por suas próprias características e interesses, facilitando o seu
desenvolvimento de maneira prazerosa, passando a inserir-se mais nas suas atividades, pois as mesmas sentem a
necessidade de explorar o material e o espaço que utilizam,, usufruindo da sua criatividade. Ou seja, ela executa
tudo o que lhe é solicitado, através do lúdico, podendo compreender melhor os seus próprios movimentos.
As crianças que compreendem as faixas etárias entre 3 e 7 anos são capazes de perceber o seu próprio corpo, tomando consciência das suas características e verbalizando-as, pois primeiramente os seus movimentos são
executados voluntariamente, de modo global, tornando-o posteriormente intencionais favorecendo o controle
dos segmentos corporais.
Jean Le Boulch (1983), entende que a melhor maneira de levar uma criança a conquistar e consolidar
sua lateralidade é promover exercícios de motricidade global.
Esse controle dos movimentos só iniciará por volta dos 6 e 7 anos, onde a criança encontrarar-se-á no
período de maturação neuro-perceptivo-motora. (ARAÚJO, 1992).
O professor de Educação Física pode oferecer cada vez mais estímulos as crianças para que elas possam
aperfeiçoar os seus movimentos, mas isso só pode ocorrer quando não há interferência na seqüência natural de
suas atividades.
Compete ao adulto compreender a criança, e não o contrário, pois, como escreve Wallon: “A criança só
sabe viver a sua infância. Conhecê-la cabe ao adulto. O problema é partir do ponto de vista da criança, e não imporlhe o referencial adulto.”
278
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
A atividade motora desenvolvida de forma lúdica e bem estruturada pode fazer com que as crianças
passem a executar melhor os movimentos, facilitando posteriormente o aprendizado de atividades mais complexas.
O movimento corporal pode e deve ser considerado um recurso pedagógico valioso, particularmente na
primeira infância.
Na primeira infância, a criança apresenta características cognitivas que levaram Piaget a chamá-las préoperatória.
A psicomotricidade auxilia o professor, pois se caracteriza por ser a educação do homem pelo movimento
e desenvolvimento do comportamento da criança, sendo que o exercício físico é capaz de estimular o desenvolvimento total da criança e estimulá-la no conhecimento de si mesma e do mundo que a rodeia (MUTSCHELE,
1988).
A criança quando joga aprende de forma espontânea e criativa, pois o jogo representa para a criança o
que o trabalho representa para o adulto, pois ela se sente forte por suas obras e cresce através de suas proezas
lúdicas (FREIRE, 1994), Isto porque, por meio do jogo a criança antecipa suas condutas, conscientizando-se do
seu esquema corporal e suas possibilidades e potencialidades, pois para a criança o jogo é algo muito sério.
Entendendo o jogo infantil enquanto cultura e educação por excelência, não constitui uma forma pura
de assimilação descomprometida com o contexto da realidade das crianças da primeira infância.
O desenvolvimento da criança para Wallon ocorre em seus domínios afetivos, cognitivos e motores
sendo o organismo a condição primeira do pensamento, para ele a criança aprende estabelecendo relações com
o meio ambiente, sendo o ritmo de seu desenvolvimento descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, pois cada etapa traz profundas mudanças nas formas de atividade do estágio anterior.
Portanto, o foco mais importante na teoria de Wallon são as emoções, pois essa revela que é na ação
sobre o meio humano e não sobre o meio físico que se busca o significado das emoções.
Para Piaget o sujeito aprende através de suas relações com os objetos físicos, priorizando os processos
cognitivos e os fatores internos na construção desse conhecimento.
Já Vygotsky considera com maior ênfase a influência dos fatores externos na construção do conhecimento da criança, pois os fatores externos interferem nos fatores internos.
Sendo assim, notamos que “... Piaget busca compreender as estruturas do pensamento através do mecanismo interno que as produz, Vygotsky procura compreender de que maneira se dá a interferência do mundo externo no
mundo interno, ou como a natureza sócio-cultural se torna a natureza psicológica.” (GARCIA, 2001. p. 111).
O projeto desenvolvido pelos Técnicos de Educação Física (TEFs) do Núcleo de Esporte e Lazer do
CEU São Mateus juntamente com a EMEI, tem por objetivo mediar o aprendizado dos alunos da educação
Infantil na busca da construção dos seus conhecimentos. Visando facilitar a aquisição das informações que são
adquiridas pelas crianças.
As aulas realizadas têm duração de quarenta e cinco (45) minutos por semana onde são trabalhadas
atividades de práticas corporais, por meio de brincadeiras, jogos, vivências corporais, atividades de agilidade,
coordenação, manipulação, equilíbrio, velocidade, locomoção, condução, consciência corporal, orientação espacial, expressão corporal, atividades rítmicas, atividades coletivas que visam a interação e integração com o outro,
além do respeito mútuo, o convívio com outras pessoas, respeito as regras, construção de regras entre outras
propostas. Estas atividades são desenvolvidas de forma lúdica e recreativa.
279
As atividades são realizadas em espaços variados como sala de ginástica, ginásio com quadra coberta,
quadra externa, campo de areia, rua de lazer, piscina, espaços alternativos como: espaço fama, estúdios, sala
multiuso, entre outros.
Este projeto é experimental, é um pré-projeto onde estamos todos envolvidos em mostrar sua importância pedagógica, criando uma educação de maior
qualidade para os nossos educandos, proporcionando um direito constitucional do sujeito-cidadão desde sua
mais tenra idade.
A avaliação do projeto é realizada de forma: diagnóstica: para conhecimento dos alunos; contínua/
progressiva: no decorrer do processo; formativa: nos auxílios cotidianos e diários; somativa: para nova análise
das atividades e elaboração do próximo plano; auto-avaliação: para compreensão individual dos movimentos e
mútua/cooperativa: quanto um colega auxiliou o outro.
A avaliação do projeto é realizada de forma contínua pelos Técnicos e Coordenadores. Pela Unidade,
por meio de reuniões pedagógicas na qual relatam-se o desenvolvimento da prática educativa e onde são direcionados e redirecionados novos parâmetros. Essa avaliação dar-se concomitantemente pela equipe docente e
coordenação da EMEI que discorre sobre mudanças e avanços dos educandos na educação propriamente dita.
Portanto, tem sido possível notar melhoras significativas no desenvolvimento e aprendizado dos alunos,
pois os mesmos reagem melhor às regras, respeitam as atividades solicitadas com mais facilidade, compreendem
melhor as informações que lhe são passadas, refletem sobre as aulas colocando suas opiniões, reagem bem ao
trabalho coletivo, e outros fatores.
Infelizmente, este projeto não é aplicado em diversas unidades educacionais, pois seu desenvolvimento
seria muito importante para os educandos, podendo tornar o aprendizado mais qualitativo e significativo. Além
de contribuir e muito para com a relação do sujeito (criança) com o objeto, isto é, a construção do conhecimento que deve ter seu enfoque multidisciplinar, visando sempre uma educação de maior qualidade.
BIBLIOGRAFIA
FILHO, L. C. Educação Física no Brasil: A história que não se conta. Campinas, SP: Papirus, 1988 – Coleção
Corpo e Motricidade, 5° ed. 2000.
Ministério da Educação e do Desporto/ Secretaria do Ensino Fundamental SEF – Parâmetros Curriculares Nacionais/ Educação Física.
GALVÃO, I. Henri Wallon: Uma concepção dialéticas do desenvolvimento infantil. Petrópolis, RJ: Vozes,
1995.
PEREIRA, D. K. R. Inteligência Expressiva: à partir da teoria psicogenética de Henri Wallon. São Paulo: Summus, 1995.
KUHLMANN Jr. M Infância e Educação Infantil: Uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.
CAMPOS, M. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São Paulo:Cortez; Fundação Carlos Chagas, 3 ed. 2001.
GARCIA, R L. Reinventando a pré escola. São Paulo. Cortez. 5 ed. 2001.
Projeto Político Pedagógico do CEU SÃO MATEUS.
LE BOULCH, J. A Educação pelo movimento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1983.
WALLON, H. Psicologia e Educação da infância. Lisboa, Estampa, 1975
280
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Inclusão de Jovens e Adultos Portadores de
Necessidades Especiais: um Aprendizado Necessário
Edeli Gonçalves Saba
Roseli Aparecida de Oliveira Pereira
CIEJA Butantã
“Nada jamais será tentado, se todas as objeções possíveis tiverem de ser superadas antes”.
Samuel Johnson
UMA QUESTÃO NOVA QUE NOS REMETE A PROBLEMAS ANTIGOS
Uma grande preocupação dos educadores da Rede Municipal de Ensino de São Paulo tem sido a inclusão
de portadores de necessidades especiais em salas regulares. Muitas questões surgem nas relações cotidianas: o que
fazer? como fazer? o que é preciso saber? quais expectativas temos em relação à aprendizagem desses alunos?
Algumas iniciativas para orientar os educadores foram realizadas pelas Coordenadorias de Educação em
parceria com entidades como APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), CIAM (Centro Israelita
de Assistência ao Menor), Universidades e outros setores da Saúde Pública e da Promoção Social. Nos últimos
anos, equipes de educadores especialistas em Educação Especial passaram a compor os quadros dos Grupos de
Acompanhamento da Ação Educativa (GAAE) nas Coordenadorias, cursos foram oferecidos aos professores e
aos coordenadores pedagógicos e fóruns de discussão permanente foram criados.
Contudo, o atendimento a essa clientela ocorreu paralelamente ou até mesmo anteriormente às iniciativas de SME, por isso a sensação de que não estávamos preparados para atender esses alunos que procuravam as
escolas era dominante.
No caso do Cieja-Butantã, iniciamos o atendimento de alunos jovens (em sua maioria) e adultos portadores de necessidades especiais, ainda na estrutura de CEMES (Centro Municipal de Ensino Supletivo)1 nos
módulos I e II, cujo atendimento se dava através de aulas presenciais ministradas por professoras do Ciclo I.
Naquele momento, como a preocupação central era um atendimento mais individualizado, em grupos
pequenos, pudemos perceber que, além das dificuldades de aprendizagem decorrentes de pouca ou nenhuma
escolarização, alguns desses alunos também apresentavam dificuldades diferenciadas.
Certos fatores favoreciam essa percepção. Um deles se dava no momento da inscrição dos alunos. Durante o preenchimento da ficha de inscrição, conversávamos com o aluno e/ou familiares, levantando dados de
sua escolaridade anterior e de suas expectativas em relação aos estudos. Outro aspecto era a avaliação diagnóstica
realizada através de uma prova escrita e de uma pequena entrevista no momento da correção da mesma.
Um terceiro fator que proporcionava um maior conhecimento dos alunos que nos procuravam era que,
no início das aulas, todas as equipes docentes realizavam a orientação inicial que consistia na apresentação da
proposta do curso, bem como no diagnóstico inicial dos conhecimentos que alunos trazem para a sala de aula.
Nesse momento, os professores procuravam detectar as necessidades do grupo para, nas reuniões coletivas,
definir melhor como os objetivos seriam desenvolvidos. A equipe de professoras de Módulos I e II que atendiam alunos portadores de necessidades especiais discutia, nas reuniões de equipe, as dificuldades encontradas
1 - No segundo semestre do ano de 2000, o CEMES-NAE 12 iniciou o atendimento aos alunos. A estrutura da época oferecia aulas presenciais apenas para o Ciclo I do
Ensino Fundamental nos Módulos I e II. O ciclo II do Ensino Fundamental, ou seja, o Módulo III era desenvolvido à distância, através de estudo individual orientado
por professores e da realização de avaliações para a eliminação de matérias.
281
e iniciativas realizadas no dia-a-dia. Podemos afirmar que partilhar com o grupo as experiências foi o primeiro
passo para a compreensão de nosso papel no trabalho com as diferenças. Tivemos que desvelar nossas limitações,
preconceitos e, ao mesmo tempo, nossos desejos de superá-los, reformulando e formando nossa intervenção
pedagógica.
[...] As diferenças constituem soluções e não problemas, desde que sejam reconhecidas, valorizadas e consideradas como ponto de partida para a construção do conhecimento, orientando o processo de ensino, aprendizagem e
avaliação. (SME, EducAção 4: 2003, p. 5).
Com a implantação do Cieja (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos), que veio substituir
o antigo Cemes, não abandonamos as práticas citadas.Elas têm sido determinantes para o desenvolvimento de
nosso trabalho.
Cabe ressaltar que a organização da intervenção coletiva da equipe só foi possível porque todos os professores dispõem de horário coletivo comum realizado às sextas-feiras.
Um outro fator preponderante refere-se ao Projeto Especial de Ação (PEA) definido por nosso Centro
que prioriza, desde aquela época, o desenvolvimento da autonomia de docentes e discentes. Esse projeto foi
incorporado por todos os funcionários. Apesar de nem sempre encontrarmos respostas às questões cotidianas,
temos como orientação ao nosso trabalho o desenvolvimento da autonomia construída nas relações interpessoais
e na formação permanente.
Algumas professoras de módulos I e II relatam seus questionamentos e dúvidas advindos do trabalho
com portadores de necessidades especiais:
Professora 1 - “Quando iniciei meu trabalho com inclusão, confesso fiquei insegura e cheia de dúvidas. Temia
não saber ajudá-los, foram dias de angústia, questionava todos os colegas do Centro, como se, de repente, alguém aparecesse com uma poção mágica e pronto, tudo resolvido... Eles seriam apenas mais um na sala? Não,
isso eu não queria... Hoje me sinto mais segura e com eles vou aprendendo o caminho a seguir.”
Professora 2 - “Passado o primeiro impacto, com o apoio e a troca com algumas colegas, o aprendizado em alguns cursos, me senti mais confiante. E hoje tenho clareza de que este é um trabalho desafiante, mas vou dia-adia me superando pela experiência como educadora e também pelos insights que recebo dos próprios alunos”.
Professora 1 - “A inclusão social não deve ser pensada somente para os portadores de necessidades especiais, mas
também para a aceitação geral das diferenças individuais. Mas ela se dá com a valorização de cada indivíduo e
com a convivência em meio à diversidade humana, investindo na aprendizagem por meio da cooperação.”
AFINAL, O QUE É INCLUIR?
Não fugimos de uma conceituação de normalidade, que não foi explicitada e nem discutida, mas se
desvela nas queixas acerca de como lidar com as pessoas que apresentavam comportamentos destoantes do grupo. Por isso, incluímos também, nesse grupo, alunos adolescentes que trazem “hábitos cristalizados”2 de outras
experiências escolares, tais como, a não realização da atividade proposta, do questionamento sobre a validade ou
importância de determinada atividade. Assim, ampliamos o sentido que se faz de “inclusão”.
Skliar, referindo-se às diferenças em educação, afirma que elas não podem ser apresentadas ou descritas
em termos de melhor ou pior, bem ou mal, superior ou inferior, positivas ou negativas. São simplesmente diferenças. Mas o fato de traduzir algumas diferenças como ‘diferentes’- e já não, simplesmente, como diferenças
2 - Referimo-nos a hábitos cristalizados que foram desenvolvidos no ambiente escolar, ou seja, foram aprendidos na escola; apesar de seu aspecto negativo, são frutos
da aprendizagem nas relações de poder entre professor e aluno, como também nas relações entre alunos, decorrentes da tentativa de homogeneização do ensino e,
conseqüentemente, da aprendizagem.
282
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
– volta a posicionar essas marcas como contrárias, como opostas e negativas à idéia de ‘norma’, do ‘normal’ e,
então, daquilo que é pensado e fabricado como o ‘correto’, como o ‘positivo’, como o ‘melhor’.
O diálogo entre professores da área de Ciências da Natureza e Matemática ilustra um pouco a preocupação que temos em relação à inclusão e o trabalho com as diferenças:
Professor 3 - “O que quer dizer ser incluído? Eu acho que quando usamos este termo estamos dizendo que há
um padrão de normalidade e o resto é que são os excluídos... Incluir é considerar todos os aspectos, todas as cores
da vida que a gente trabalha aqui dentro. Em algumas escolas, há uma tentativa de tornar as relações impessoais,
há um distanciamento. E eu acho que a gente trabalha com vida”.
“O desafio é trabalhar com uma gama muito variada de interesses e de vivências; por exemplo, um aluno que
vem procurar a escolaridade por razões profissionais, porque a empresa em que ele trabalha está exigindo a escolaridade. Parece que, nesse caso, ele é menos excluído do que outros”.
Professor 4 - “Muitas escolas privilegiam a avaliação, o desempenho do aluno através das notas e dos conceitos,
e isso acaba dificultando muito o relacionamento com a pessoa; aqui, por exemplo, não existe essa preocupação
com a questão desta nota que vai levar, ou não, a uma promoção e isso facilita a relação com as pessoas”.
Professora 5 - “Nem sempre podemos afirmar que os alunos do CIEJA saem com as competências e conhecimentos esperados, ou, pelo menos, com o que almejamos que eles saibam. Então, o desafio é não ter só esse lado
humano trabalhado, mas o humano que incluísse, de fato, essa perspectiva de ser competente”.
Em nosso caso específico, trabalhamos com pessoas que trazem consigo o estigma da exclusão escolar,
seja por não terem tido o acesso à escola na idade apropriada, seja pelo fracasso em sua vida escolar anterior.
O grupo de educadores do CIEJA compreende como tarefa primordial trabalhar os aspectos que envolvem essa exclusão. Os eixos temáticos definidos confirmam essa prioridade; os objetivos e conteúdos tratam das
questões que envolvem a identidade cultural e social do aluno e também dos aspectos relacionados à qualidade
de vida.
A seguir, professoras da área de Linguagens e Códigos, considerando tal perspectiva, buscam identificar
elementos facilitadores de seu trabalho:
Professora 6 - “No início, eles chegam introspectivos, não se comunicam muito, são fechados como conchinhas
mesmo, mas, com o tempo, a própria dinâmica do grupo, do atendimento às pessoas, faz com que esses alunos
se soltem e mostrem suas potencialidades. Só que isso leva um tempo. A estrutura do CIEJA facilitou (esse processo) e os amigos (também) [...]”.
Professora 7 - “A aceitação da classe facilita, eles acolhem”.
Professora 8 - “Eu imagino esse universo que a gente tem aqui multiplicado, numa sala maior, deve ser muito
difícil trabalhar”.
Professora 9 - “Uma estrutura como essa permite que a gente conheça mais sobre o aluno. Numa estrutura
maior, a professora não vai ter condições de conhecer o aluno”.
“A estrutura da sala facilita, essa coisa da gente estar se olhando... As salas voltadas para o pátio interno, um
espaço que também é compartilhado por todos”.
Professora 8 - “Nosso centro não parece com escola”.
Professora 9 - “Lembro também de um aluno que não conseguia perceber que tinha hora para falar, porque
quando ele chegou aqui ele falava o tempo todo. Foi na convivência com o grupo que ele encontrou os limites
necessários”.
283
Um dilema que nós educadores enfrentamos em relação à aprendizagem de nossos alunos é o ponto de
chegada. Até concordamos que os pontos de partida são diferenciados, mas nos angustiamos ao saber que ao
final da etapa, nem todos os alunos irão apresentar as mesmas competências e habilidades daquelas trabalhadas
e por nós esperadas. Dizemos dilema porque ainda não fomos capazes de problematizar, encaminhar ações que
auxiliassem a compreensão desse processo. Argumentamos que, ao analisarmos a aprendizagem de determinado
aluno, comparando o diagnóstico inicial (como ele chegou) com o que ele construiu no processo, podemos
apontar seus avanços e limitações. Contudo, quando analisamos o que ele construiu comparando, por exemplo,
com a competência da leitura e compreensão daquilo que se lê, constatamos que essa construção nem sempre é
suficiente. Outra argumentação usual é que, às vezes, não podemos apontar muitos avanços na construção do
conhecimento, mas que, se analisarmos as mudanças de atitudes e comportamentos, somos capazes de reconhecer muitos avanços.
É nesse último aspecto que, talvez, devamos focar, em primeiro plano, nosso trabalho de inclusão. O
indivíduo capaz de interagir satisfatoriamente com seus pares e de lidar adequadamente com as mais diversas
situações-problema, será, espera-se, um indivíduo mais apto também cognitivamente. Tal processo só é possível,
entretanto, em meio à diversidade de natureza sócio-cultural. Há, portanto, de se considerar esses aspectos dentro da escola, em especial a escola voltada à educação do jovem e do adulto.
Encerramos estas considerações com as palavras da Profa. Marta Kohl, as quais consideramos pertinentes aos fatos relatados:
A escola voltada à educação de jovens e adultos, portanto, é ao mesmo tempo um local de confronto de
culturas (cujo maior efeito é, muitas vezes, uma espécie de “domesticação” dos membros dos grupos pouco ou
não escolarizados, no sentido de conformá-los a um padrão dominante de funcionamento intelectual) e, como
qualquer situação de interação social, um local de encontro de singularidades.
BIBLIOGRAFIA
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Trabalho encomendado pelo GT “Educação de pessoas jovens e adultas” e apresentado na 22a.Reunião Anual da ANPED – 26
a 30de setembro de 1999, Caxambu.
SME / DOT (Secretaria Municipal de Educação – Diretoria de Orientação Técnica). Cidade Educadora - Educação Inclusiva, um sonho possível. Caderno EducAção 4. São Paulo: 2003.
SKLIAR, Carlos. Outras alteridades, outras perguntas: outras políticas educacionais? In: Currículo e Diversidade - Educação Especial - Novas Perspectivas em uma Educação Inclusiva. Caderno Temático de Formação 3.
Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica, São Paulo: 2004.
02
284
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Projeto - 1o Sarau Cultural
Helena Krupinsk
Marlene Elias da Silva
Marlene Alves Silva Robles
CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo
OBJETIVO (COMPARTILHADO COM OS ALUNOS)
Apresentação do primeiro sarau cultural dos alunos de Educação de Jovens e Adultos dos módulos III e
IV para os demais módulos, funcionários e convidados.
PRODUTO FINAL
Criação de um livro com os textos, fotos, ilustrações e trabalhos realizados para documentar e valorizar
toda a produção de nossos alunos-artistas-músicos-criadores e trabalhadores.
JUSTIFICATIVA
A escolha do tema partiu de uma proposta feita à equipe dos professores para realizar atividades em
homenagem ao Dia Internacional da Alfabetização - Oito de setembro.
Reunidas por área de conhecimento, nós, professoras de Linguagens e Códigos, achamos que o “Sarau
Cultural” seria uma oportunidade para nossos alunos manifestarem sua capacidade criativa, através da produção
de “textos diversos”, poemas, narrações, músicas, artes plásticas, artes cênicas, etc.
A partir da escolha do tema do projeto, planejamos as etapas do trabalho, como, quando e onde seria realizado
o primeiro Sarau do CIEJA, pois a mesma atividade contemplaria todos os alunos dos módulos III e IV, nos
três períodos de funcionamento de nossa unidade: Manhã – Profa Helena, Tarde – Profa Marlene Elias e Noite
– Profa Marlene Robles.
Os alunos foram sensibilizando-se, através da leitura de poemas de autores consagrados, observando
a forma, a expressividade, os aspectos sonoros da linguagem, como ritmo, rimas, melodia e jogo de palavras e
escreveram sobre diversos temas, tais como: infância, saudades da terra natal, amor, tristeza, trabalho e questões
sociais, alegrias, pessoas queridas, histórias verdadeiras ou inventadas. Sempre com liberdade de criação, usando
rimas ou não, utilizando desenhos, ilustrações, sem nenhuma restrição ou preconceito, apenas uma tarefa: escrever, soltar a imaginação, “viajar”, sem pensar no resultado, preocupados apenas em expressar-se e soltar-se nesse
infinito mundo das palavras escritas e faladas, imprimindo sua visão de mundo, baseados em suas histórias de
vida, respeitados e valorizados o seu jeito próprio de falar e de expressar os sentimentos verdadeiros.
OBJETIVOS
• Ler e escrever significativamente;
• Ler, escrever, desenhar, criar, dramatizar e expressar-se com liberdade;
• Familiarizar-se com a escrita e leitura de textos diversos: poemas, narrações, dissertações, etc. ;
• Escutar poemas lidos pelos professores e pelos colegas;
• Entrar em contato com as características do texto poético: musicalidade, ritmo, diagramação, interpretação;
• Conhecer um repertório variado de poemas de autores dos diversos movimentos literários;
• Organizar o espaço da sala, de forma que os alunos sintam-se convidados a ocupar o papel de autores, leitores,
músicos, artistas e criadores;
• Ampliar o repertório de textos que se sabe de cor;
• Valorizar os saberes dos mais velhos e dos mais novos e a interação significativa entre eles;
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• Planejar, executar e valorizar o trabalho em grupo;
• Divulgar e envolver todos os funcionários das demais áreas de trabalho da unidade escolar, socializando conhecimentos;
• Pesquisar autores, textos, temas, etc. ;
• Gostar de ler e ouvir histórias;
• Gostar de cantar e ouvir música de vários gêneros;
• Valorizar suas próprias histórias de vida, suas visões de mundo e sua maneira de expressar-se;
• Apreciar e interpretar obras de arte;
• Revelar talentos;
• Interagir e trocar experiências entre si, com os professores e demais envolvidos;
• Elevar a auto-estima;
• Surpreender e superar expectativas.
CONTEÚDOS
• Participação em situações nas quais o aluno é o autor e leitor;
• Pesquisa e manuseio de materiais impressos, como livros, textos e telas de autores e artistas consagrados;
• Audição de vários gêneros musicais: ópera, valsa, samba, chorinho, moda de viola, canções clássicas e contemporâneas do Brasil;
• Pesquisa na “internet” sobre os temas trabalhados: geradores e transversais;
• Valorização da leitura e da escrita como fonte de prazer;
• Características e recursos do texto poético;
• Musicalidade e sensibilização através dos textos poéticos e da própria música;
• Sensibilização, através da leitura e interpretação de obras de arte, de vários autores consagrados;
• Manifestação de sentimentos e suas histórias de vida, através da liberdade de criação e expressão;
• Valorização e respeito à visão de mundo e produções de cada aluno, como ser autônomo, criativo e capaz.
ETAPAS
• Apresentação da proposta de trabalho aos alunos e discussão sobre as possibilidades de realização do mesmo;
• Leitura de diversos autores e estilos literários;
• Debate sobre a interpretação das idéias do poema e ilustração individual, através de desenhos e / ou colagens;
• Pesquisa em diversos meios, tais como, livros e Internet sobre o que são e como surgiram os saraus e como são
realizados atualmente;
• Oficina de poesia em sala de aula, com fundo musical, inspirados em vários temas;
• Oficina de releitura de obras de arte conhecidas com interpretação livre;
• Ensaios individuais de leitura e interpretação das poesias de suas próprias autorias e em grupo dos jograis com
textos conhecidos;
• Técnicas de leitura com emoção e treinamento de respiração e relaxamento;
• Estudo sobre “O que é poesia, poema, verso, estrofe, prosa, formas de criação e composição”;
• Ensaio de músicas conhecidas e de suas próprias autorias, apresentadas, cantadas e tocadas durante o “Sarau”;
• Planejamento das apresentações, elaboração de roteiros e organização;
• Elaboração e distribuição de convites;
• Arrumação da sala, utilizada como palco e platéia, com clima de casa noturna e salão de exposição de artes
para a “festa literária”;
• Apresentação do “Sarau” por períodos ou turnos, dada a dificuldade de realizar em outros horários, pois a
maioria são alunos trabalhadores;
• Documentação através de fotos e filmagem;
• Elaboração de um livro do “Primeiro Sarau Cultural do Cieja”, com as suas criações e digitado pelos próprios
alunos;
• Exposição na Mostra Cultural de 05.11.2005: livro, fotos, a fita editada, os poemas manuscritos e desenhados
e as obras de releitura de vários artistas;
286
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
• Acordo com os alunos: o livro e os demais trabalhos pertencerão ao grupo e serão utilizados sempre que houver
interesse ou necessidade;
• A leitura e a escrita de literatura poética, narrações, dissertações, crônicas, etc. continuam como práticas constantes em sala de aula e no seu dia-a-dia, como forma maior de expressão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A educação pela pedra, João Cabral de Melo Neto, Editora Nova Fronteira;
A importância do ato de ler, Paulo Freire, Moderna;
Canções do Brasil, Laura Bacellar e Sâmia Rios (org.), Editora Scipione;
Como ler poesia, José de Nicola e Ulisses Infante;
Educação como prática da liberdade, Paulo Freire, Paz e Terra;
Fernando Pessoa, Adolfo Casais Monteiro, Agir;
Na boca do povo, Ana Maria Filipouski (org.), L±
O que é método Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Editora Brasiliense;
Os cem melhores poemas brasileiros do século, Ítalo Moriconi, Objetiva;
Ou isto ou aquilo, Cecília Meireles, Civilização Brasileira;
Poemas para a infância, Henriqueta Lisboa, Edições de Ouro;
Poemas que contam a história, Ana Maria Machado (org.), Editora Nova Fronteira;
Poesia romântica brasileira, Marisa Lajolo (org.), Moderna;
Simplesmente Drummond, Carlos Drummond de Andrade, Record;
Trabalhando com poesia, Alda Beraldo, Editora Ática;
Três homens falam de amor, Affonso Romano de Sant’ana, Manuel Bandeira e Olavo Bilac, Rocco.
OBRAS DE ARTE PESQUISADAS
Rio de Janeiro, Urutu, Sol Poente e Abapuru, Tarsila do Amaral;
Carnaval, Di Cavalcanti;
Bananal, Lasar Segall;
Atirador de Pedras, Miro.
ELABORADO POR
Helena Krupinsk
REVISADO POR
Helena Krupinsk
Marlene Elias da Silva
Marlene Alves Silva Robles
APOIO
Equipes técnica, administrativa, pedagógica e equipe de apoio
COORDENADORA GERAL
Maria Helena Ramos Watanabe
287
Festival de Paródias – Festicieja
Professores de Linguagens e Códigos e alunos dos III e IV Módulos
CIEJA Ermelino Matarazzo
À primeira vista, pode-se ter a impressão de ser apenas um festival como qualquer outro e “Paródia?”,
quem nunca propôs? Porém, nosso trabalho tem um diferencial. A idéia de realizar esse Festival de Paródias foi
amadurecida durante um processo iniciado no início deste ano. Conforme decidido pelo coletivo, nosso PEA
(Projeto Especial de Ação / 2005) traz como tema gerador a “Pluralidade Cultural” e eixo temático a “Diversidade”, visto que em atividades desenvolvidas no ano anterior, alguns depoimentos de alunos, professores e
funcionários reproduziram preconceitos historicamente construídos em nossa sociedade. Assim, percebemos a
necessidade de proporcionar momentos de reflexão que envolvessem a problemática social, cultural e étnica, no
sentido de contribuir, gradativamente, para a transformação da sociedade.
Com esse propósito, iniciamos nossos trabalhos a partir da reflexão “Quem sou eu?” e “Como os outros
me vêem?”, ou seja, a “Identidade”. Posteriormente, uma a uma, fomos introduzindo as “Diferenças”: lingüísticas, étnico-raciais, estéticas, sociais, com o intuito de conhecê-las; a fim de respeitá-las.
E foi ao trabalharmos as questões étnico-raciais, que o Festival surgiu como um presente dos alunos para
a equipe. Acreditando que eles são protagonistas do seu aprendizado, através de pesquisas e discussões enriquecedoras travadas em sala de aula, tanto na área em questão, quanto nas demais áreas (Ciências Humanas e Ciências
da Natureza), as paródias foram nascendo e tomando corpo.
Em Linguagens e Códigos, a proposta começou com a leitura do texto “Um novo aluno na classe” (Márcia Kupstas), que traz a figura de um aluno negro, vindo de um outro estado, discriminado pela turma, a princípio; e que, posteriormente, após conhecê-lo, passa a respeitá-lo; aberto um debate com questões dirigidas, os
alunos puderam colocar suas opiniões e iniciar a reflexão a cerca do preconceito, discriminação e racismo, bem
como à tolerância. A seguir, apresentamos a música “Ilê Ayê” (O Rappa), que mostra o valor do negro; visando
à valorização, para o respeito. Aproveitando a empatia que os alunos têm para com a música, a equipe achou
interessante abordar o conceito de paródia e sugerir que os alunos produzissem uma sobre as questões étnicoraciais, que levasse o leitor / ouvinte a refletir, propondo uma mudança de atitude, já que a sociedade reproduz,
ainda que velado, um grande preconceito com relação ao negro.
Assim foi feito. Em equipes, elaboraram suas paródias. Posteriormente, sentiram a necessidade de um
acompanhamento, usando os próprios latões de lixo da sala de aula. Dessa maneira, propusemos, então, que
confeccionassem instrumentos musicais com sucata, para que pudessem fazer o acompanhamento.
Aproveitando o entusiasmo que tomou a todos, brincamos “Que tal um FESTICIEJA?”. E, quando
menos esperávamos a escola toda já estava mobilizada. Organizamos, então os procedimentos para o Festival:
decidiu-se que cada sala teria uma paródia que a representaria e, depois, a que representaria cada período. Foram,
assim, elencados os critérios para a escolha: letra abordando tema, instrumentos musicais, harmonia/ritmo, participação. Os próprios alunos escolheram, em suas respectivas classes, a paródia que os representaria e, no Festival,
que foi realizado por período, um júri escolheu a que melhor se enquadrava nos critérios estabelecidos.
Os ensaios tornaram-se aulas ministradas por nossos alunos, visto a riqueza das letras que compuseram
e o Festival foi um grande evento em que puderam, não competir uns com os outros, mas compartilhar conhecimentos.
Como saldo, tudo foi positivo: o empenho do coletivo, a alegria dos alunos em aprender com prazer,
o encontro aos objetivos do nosso grande projeto visando minimizar as diversas formas de preconceito, valorizando o convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural, desenvolvendo uma
atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminação e compreendendo a desigualdade
social como problema de todos e como passível de mudança; tendo o conhecimento como fundamento para essa
transformação, possibilitando reconhecer o verdadeiro valor do que é “ser humano”.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Valorizando a Terceira Idade
Roseli da Costa Sol
Mônica Paraiso Collado Sabatim
CIEJA Mandaqui
Desde o princípio do mundo o homem tem a curiosidade de conhecer a mente humana e entender as
diversidades que cada uma apresenta. Hoje, um número maior de profissionais se dedica a compreender e explicar o comportamento nas diversas faixas etárias do homem. Um dos períodos mais complexos e mais estudados
do ser humano até hoje, sempre foi a adolescência, mas isso vem mudando dia após dia.
Há algum tempo, as pessoas não se preocupavam tanto com a velhice, pois não se chegava a uma idade
avançada. Hoje, pelo contrário, cada vez mais pessoas pensam no futuro e tentam chegar à 3a idade da melhor
maneira possível, sempre com dignidade e qualidade de vida.
Atualmente os estudos estão direcionando seus olhares para a fase mais madura, a terceira idade, onde
a personalidade, o caráter, os valores e experiências pessoais que nortearam as suas vidas, deveriam ser uma das
parcelas de contribuição pessoal mais importante dentro da família.
Há ainda uma análise do papel da escola na formação não acadêmica, com a preocupação da re-inserção
do idoso na sociedade, fazendo um paralelo com a educação das gerações posteriores.
O projeto em questão visa preparar os idosos, nosso protagonista e como conseqüência suas famílias
para enfrentar as dificuldades atuais nos campos profissional, afetivo e pessoal, através da conscientização de seus
direitos legais e as opções oferecidas para a melhoria da qualidade de vida.
Nosso público alvo são os alunos de EJA, desde adolescentes até idosos.
Através de palestras e vídeos os alunos são convidados a dar uma volta pelo mundo, conhecendo a valorização ou não dos idosos nas diferentes culturas. Buscamos com esse trabalho, quebrar preconceitos, pois na
maioria das vezes, o idoso é tratado como incapaz, inútil, um estorvo na família, um peso para a sociedade.
Nesse caso, o aluno, como protagonista é levado a observar os comportamentos nas diversas sociedades
e fazer um paralelo com a nossa, comparando a qualidade de vida em todos os segmentos sociais.
Em um segundo momento do trabalho, foi proposto um questionário e também uma pesquisa sobre a
legislação que ampara o idoso no Brasil, seus direitos e deveres. Nessa mesma fase, os alunos formularam seus
questionamentos sobre a aplicabilidade do Estatuto do Idoso.
Já em uma terceira etapa, os alunos são convidados a relatar suas experiências de vida, comentar sobre
a palestra, discutir sobre os pontos de vista dos vídeos, divulgar suas pesquisas, dar opiniões, questionar e sanar
dúvidas. É um momento enriquecedor, onde a troca de experiências é o nosso maior propósito, pois é assim que
surgem novas idéias e paradigmas são quebrados.
Em uma quarta etapa, os alunos, produziram sugestões de leis que consideram importantes para o Idoso,
mas que ainda não constam no Estatuto e outras que deveriam ser revistas ou reformuladas para que realmente
funcionem e tragam melhores resultados.
Já em uma etapa final, os trabalhos foram expostos e cada aluno relatou o que sentiu e a sua visão sobre
a realização desse projeto, passando assim por mais um momento de troca de experiências.
289
Ao final da realização dos trabalhos, pudemos concluir que o projeto foi pertinente a realidade local, pois
o nosso aluno mesmo que não seja um idoso, teve a conscientização que prolongar a juventude é desejo de todos,
mas desfrutar de uma velhice sadia e com qualidade ainda é sabedoria de poucos, pois o idoso só conserva suas
faculdades se mantiver o interesse pela vida, se for reconhecido e obtiver respeito da e na sociedade e principalmente sendo atuante e fazendo valer os seus direitos.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Sexualidade - História e Arte
Mônica Paraiso Collado Sabatim
Roseli da Costa Sol
CIEJA Mandaqui
O projeto visa abordar o assunto em questão de uma forma diferente da convencional. Para isso, voltamos no tempo e fomos buscar recursos na História, na Mitologia Grega e nas Obras de Arte que retratam a
sexualidade de uma forma tão sensível e enriquecedora.
Sexualidade inclui sentimento, saúde, erotismo, e principalmente, sexo. O sexo é tratado de maneira diferente em cada cultura, em todas as partes do planeta. Mas, em todas elas, o amor é citado como o princípio de tudo.
A origem do mundo cita a formação do Homem e da Mulher, a tentação e o livre arbítrio. Na arte Rupestre já havia registros de vida sexual e acasalamento. A Mitologia Grega retrata histórias de amores impossíveis
e seus Deuses. Mas existe ainda o lado da sexualidade como pecado, como imoralidade, e com visão apenas para
a procriação.
O objetivo maior do projeto é mostrar a sexualidade vista por um novo ângulo, de forma abrangente e
diversificada, não esquecendo que o amor é a base da vida.
Nosso público alvo são alunos de EJA, desde adolescentes até idosos.
Através de palestras sobre o tema, os alunos são convidados a dar uma volta ao passado, conhecendo a
sexualidade através dos tempos, de forma sensível, fora da convencional. Buscamos com esse trabalho, quebrar
paradigmas e mitos, pois na maioria das vezes, sexualidade é tratada como algo proibido, cheio de regras, pecados e comportamentos impostos pela sociedade.
Nesse caso, o aluno é levado a observar a beleza que é o corpo humano, retratado de pinturas a esculturas e até mesmo símbolos fálicos. Em nenhum momento citamos regras de comportamento, o certo ou
o errado, o que é ou não permitido. O aluno, nosso protagonista, é que deve seguir o seu caminho e buscar a
melhor forma de se expressar em relação a sua própria sexualidade.
Na segunda etapa do trabalho, foi proposta uma pesquisa sobre a sexualidade na Literatura em geral, na
Arte, na História enfim, em todos os momentos da humanidade. Nessa mesma etapa o aluno optou qual a melhor forma de expressar a sua sexualidade na arte: esculturas em argila ou biscuit, pinturas em tela, utilizando
aquarela, tinta óleo, grafite, lápis de cor, giz de cera, mosaico, enfim, todos os instrumentos disponíveis .
Na terceira etapa os alunos são convidados a relatar suas experiências sobre o assunto, comentar sobre a
palestra, divulgar suas pesquisas, dar opiniões, questionar e sanar dúvidas. É um momento muito enriquecedor,
onde a troca de experiências é o nosso maior propósito.
Na quarta etapa, os alunos como protagonistas, produziram suas próprias obras de Arte, retratando sua
visão de sexualidade, onde alguns se identificaram com reprodução de obras pré-existentes e outros retrataram
seus próprios sentimentos.
Na etapa final, os trabalhos foram expostos e cada aluno relatou o que sentiu e a sua visão sobre a realização desse projeto, passando assim, por mais um momento de troca de experiências.
Ao final da realização de todas as etapas, pudemos concluir que o projeto foi bastante pertinente a realidade local, pois o nosso aluno tem muita dificuldade de se expressar sobre o assunto em questão. Observamos
que eles antes introspectivos passaram a se sentir mais à vontade quanto ao tema, tanto para a discussão como a
exposição de suas idéias e sentimentos.
291
Na Teia de Novos Saberes : Competência e Inclusão
Uma História Especial
Marizilda Escudeiro de Oliviera e Zenaide da Costa
CIEJA Santo Amaro
O Centro Integrado de educação de Jovens e adultos-CIEJA-SANTO AMARO concretiza uma ação
pedagógica buscando realizar um sonho coletivo: o sonho de uma educação solidária, ética e inclusiva na articulação do mundo da cultura e do trabalho.
A construção de uma teia de novos saberes resgatando competências necessárias para o cidadão do século
XXI resgata a idéia de uma educação inclusiva pelo saber.
Muitas histórias especiais passam pelo CIEJA todos os dias. Histórias de conquistas, de superação, de
felicidade , de inclusão, de respeito e dignidade.Relatamos como exemplo a história de uma turma de móduloI
( referente à 1a e 2a série do ensino fundamental)para representar toda a vida que perpassa pelo CIEJA-Santo
Amaro
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Projeto Meio Ambiente
Coordenadora : Elizabete dos Santos Manastarla
Supervisora Técnica: Maria Elisa Frizzarini
Diretoria de Orientação Técnica Pedagógica: Francisco José Pires e Equipe
Diretoria de Programas Especiais: Adalcina Helena Magalhães e Equipe
Representante do Meio Ambiente: Margarete Louzano da Silva
Coordenadoria de Educação de Itaquera
INTRODUÇÃO
Para se entender historicamente o significado do despertar para a necessidade de preservação do
Meio Ambiente e da busca por leis que amparem esta questão faz-se necessário tomar por base o contexto dos
esforços das Nações Unidas, preocupadas em identificar as questões fundamentais relativas à segurança mundial.
Quando da criação da ONU, em 1945, entre os temas da discussão, destacavam-se a paz, os direitos humanos
e o desenvolvimento eqüitativo.
Durante os primeiros anos de existência da ONU, a questão ambiental ainda não se colocava como uma
preocupação comum, da mesma maneira que era dada pouca atenção ao bem-estar ecológico. Não obstante,
desde a Conferência de Estocolmo, sobre entorno Humano em 1972, a segurança ecológica passou a ser a quarta
preocupação principal das Nações Unidas.
Face ao exposto, os movimentos pela legalidade de ações que permeiam o bem estar do Meio Ambiente arfam asas em prol de um desenvolvimento sustentável, dentre os quais podemos destacar os mais recentes.
Em 1987 a CMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) conhecida por Comissão
Brundtland, recomendou a criação de uma nova carta ou declaração universal sobre a proteção ambiental e o
desenvolvimento sustentável. Em 1992 a Eco-92 iniciou o processo e chegou a um primeiro consenso sobre a
“Declaração de Princípios do Rio”. Formou-se uma secretaria internacional incumbida de dar prosseguimento ao projeto Carta da Terra. Em 1995 o Seminário Internacional sobre a Carta da Terra, realizado em Haia,
na Holanda. Ali foram definidas as necessidades, os elementos principais e a forma de elaboração da Carta da
Terra. Baseada em princípios e valores fundamentais, que norteiam pessoas e Estados no que se refere ao desenvolvimento sustentável, a Carta da Terra serve como um código ético planetário. Em 1997 durante a Rio+5
foi constituída uma Comissão da Carta da Terra. Naquela ocasião chegou-se ao texto da primeira minuta de
referência, que baliza hoje as discussões em todo o mundo. Em 1996 Inicia-se, com vários grupos, o processo de
consulta, como parte da preparação para a Rio+5, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1997, cinco anos depois da
Eco-92. Em 1998 realizou-se em Cuiabá, Mato Grosso/Brasil, a primeira conferência regional, envolvendo os
países da América Latina e Caribe e da América do Norte. Essa conferência abriu o processo das sistematizações
continentais.
Além dos acontecimentos específicos destacados temos a Constituição da República de 05/10/1988
em que o Artigo 225, Capítulo IV trata do MEIO AMBIENTE,
‘”Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações”
Assim sendo, cabe a todos os cidadãos brasileiros, o cumprimento dos deveres aqui atribuídos os quais
lançamos como dever da comunidade educacional, educar a sociedade para um futuro melhor. Pautados ainda,
na Lei Orgânica do Município de São Paulo -04/04/1990 Artigos 180 a 190 capítulo V do Meio Ambiente
(ver documento na sua integra nos anexos a este projeto) que trata das responsabilidades do Município com as
293
questões do Verde e Meio Ambiente e a própria Legislação Ambiental de São Paulo em que assegura que a vegetação no município de São Paulo vem sendo sistematicamente suprimida ao longo de todo processo de ocupação
urbana, restando apenas porções preservadas no extremo sul, na Serra da Cantareira ao norte e em manchas
isoladas, como as APAs do Carmo e Iguatemi, na zona leste e que a vegetação urbana restringe-se a existente nos
parques e praças municipais, na arborização viária e em terrenos particulares isolados. Sendo assim, propomos
que a educação assuma o papel de divulgar, esclarecer e conscientizar a comunidade educativa, educadores e
educandos, para um despertar humano em relação à necessidade de ações que visem harmonia entre o Homem
e a Natureza para a sustentabilidade da vida no planeta.
* Assumindo a postura de uma cultura em defesa do Meio Ambiente em nossa região, a Coordenadoria
de Educação de Itaquera será mais uma parceira nesta jornada com o objetivo de ampliar e dar continuidade
aos trabalhos já desenvolvidos pelas Unidades Educacionais a ela jurisdicionadas, incentivando projetos em
consonância com as necessidades locais, destacando a coleta seletiva do lixo, trabalhos com a fauna e a flora,
estudos das bacias hidrográficas e das APAs da região, a revitalização das praças locais, o consumo consciente e
uso racional da água e da luz, as possibilidades de trabalho com o Planetário e a participação na Agenda 21 da
Zona Leste.
OBJETIVOS
Geral:
Levar a comunidade educativa a despertar para a necessidade do trabalho de conscientização com o
Meio Ambiente para uma vida de hábitos e de possibilidades de sustentabilidade, visando um mundo de PAZ
entre o Homem e a Natureza.
Específicos:
• Identificar os Projetos de Educação Ambiental existentes nas Unidades Educacionais da Coordenadoria de
Itaquera e organizar ações de divulgação e socialização dessas vivências entre as escolas.
• Proporcionar à comunidade educativa possibilidades de conhecimentos sobre as necessidades de uma interação
sadia entre o Homem e o Meio Ambiente.
• Possibilitar e favorecer o desenvolvimento de trabalhos que levem ao hábito de seleção e coleta de lixo, preservação da fauna e da flora, bem como da Natureza em si para garantir a qualidade de vida e a harmonia entre o
Homem e a Natureza.
• Incentivar o consumo responsável, visando a diminuição da produção do lixo.
• Incentivar o consumo consciente e uso racional da água e da luz, as possibilidades de trabalho com o Planetário
e a participação na Agenda 21 da Zona Leste.
• Colaborar com a implementação do processo da Agenda 21 Local oferecendo e disponibilizando espaço físico
para as reuniões mensais.
• Incentivar os trabalhos com o Projeto PraçAção – lançado pelo prefeito em setembro de 2005.
• Possibilitar que a comunidade educativa descubra e crie ambientes e materiais adequados e de qualidade relacionados às atividades com o Meio Ambiente junto com educandos e comunidade.
• Proporcionar aos educadores momentos de reflexão, análise e critica sobre suas ações do dia-a-dia, sensibilizando-o a orientar seu trabalho sobre o Meio Ambiente, por meio de Projetos.
JUSTIFICATIVA
Justificamos a edição deste II volume ( que mantêm o conteúdo do I Projeto, criado no início deste
ano de 2005) pela necessidade de acrescentar trabalhos fundamentais tais como, a água e a luz, o Planetário e a
participação na Agenda 21 da Zona Leste.
A Legislação Ambiental afirma que os instrumentos legais existentes desde a década de 50 não foram
eficientes para preservar a cobertura vegetação, nem garantir a criação de novas áreas verdes em número sufi294
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
ciente para a qualidade ambiental da cidade, como demonstram inúmeros estudos já realizados e os primeiros
resultados obtidos pelo Projeto Atlas Ambiental. Neste sub-tema são apresentados as principais leis, decretos e
portarias no âmbito federal, estadual e municipal de proteção ambiental, relacionados com a vegetação (Código
Florestal, Lei de Crimes Ambientais, Legislação Estadual de Recursos Hídricos e de Proteção aos Mananciais),
bem como a legislação mais específica, que disciplina a preservação, criação e o corte/poda de vegetação. Temos
também um importante plano de ação lançado no mundo todo, o qual tem como objetivo a sustentabilidade do
planeta. Estamos falando da Agenda 21 que é um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente,
por organizações do sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação
humana impacta o meio ambiente. Constitui-se na mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um
novo padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental,
social e econômica, perpassando em todas as suas ações propostas.
Justifica-se portanto, este Projeto, pelas demandas advindas da realidade contemporânea em função da
degradação ambiental no mundo, além de outras questões como chuva ácida, falta de água potável no planeta,
desmatamento, poluição dentre outras as quais necessitam de cuidados urgentemente e de serem discutidas pela
humanidade sobre pena de provocar um caos no habitat humano. Na prevenção desse caos, faz-se necessário
ações locais as quais dependem do envolvimento das comunidades.
PÚBLICO-ALVO
Comunidade Educativa
CRONOGRAMA
Projeto para ser desenvolvido em um espaço de 4 anos
METODOLOGIA
Para alcançarmos os objetivos estabelecidos neste projeto trabalharemos com a pesquisa e o levantamento das Unidades Educacionais jurisdicionadas à esta Coordenadoria de Educação que já possuem Projetos
Pedagógico direcionados ao Meio Ambiente incentivando e apoiando tal iniciativa. Em relação às Unidades que
ainda não possuem nenhum Projeto específico do Meio Ambiente buscaremos inserir a idéia sensibilizando a
comunidade educativa quanto à importância e a necessidade de se construir um projeto que trabalhe a questão
ambiental com educandos e comunidade, de acordo com a realidade local.
Buscaremos ainda, promover parcerias e possibilidades de troca de experiência entre as escolas, a comunidade, entidades, empresas e da próprias Coordenadorias de Educação.
RESULTADOS ESPERADOS
Que todas as UEs desta Coordenadoria tenham, até 2008 ao menos 1 Projeto sobre o Meio Ambiente.
Que a comunidade Educativa se envolva e que assuma a responsabilidade da Educação Ambiental.
Que as ações dentro dos Projetos do Meio Ambiente sejam significativas para os educandos, que envolvam a comunidade local e que transforme a realidade no sentido de melhoria na qualidade de vida e da sustentabilidade.
Obs: na apresentação temos registros e imagens dos avanços na Ed. Ambiental das Escolas, envolvimento e adoção de Projetos neste ano de 2005.
295
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:
Agenda 21. Brasília, 02 Ago. 1994. Tradução do Ministério das Relações Exteriores.
KRANZ, Patrícia. Pequeno Guia da Agenda 21 Local. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 1995.
SÃO PAULO (Cidade). Comissão Municipal de Defesa Civil. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
__________________. Empresa Municipal de Urbanização. Agenda 21 Local: Relatório Geral de Propostas.
São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal do Abastecimento. A Importância da Higiêne dos Alimentos na
Manutenção da Qualidade de Vida. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal da Administração. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal das Administrações Regionais. Agenda 21 Local. São Paulo,
1995.
__________________. Secretaria Municipal de Cultura. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal de Educação. Projeto de Educação Ambiental. São Paulo,
1995.
________________. Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação. Agenda 21 Local. São Paulo,
1995.
__________________. Secretaria Municipal da Família e Bem Estar Social. Agenda 21 Local. São Paulo,
1995.
. São Paulo, 1995
__________________. Secretaria Municipal da Saúde. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal de Serviços e Obras. Departamento de Limpeza Urbana. Manejo
Ambientalmente Saudável dos Resíduos Sólidos. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal de Transportes. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal de Transportes. Companhia de Engenharia de Tráfego. São Paulo
Transportes. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
__________________. Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Diagnóstico Cartográfico Ambiental do Município de São Paulo. São Paulo, 1992.
__________________. Secretaria Municipal de Vias Públicas. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995.
296
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Educação de Jovens e Adultos
“Um Olhar Para o Currículo”
Douglas Sanches da Silva
Coordenadoria de Educação de Itaquera
JUSTIFICATIVA:
Em tempos de significativas mudanças, de progressos tecnológicos e desenvolvimento científico, acreditamos viver num mundo sem fronteiras, numa grande “aldeia global”. Entretanto, e principalmente, nos
grandes centros urbanos, uma parcela da população encontra-se excluída e impossibilitada de exercer seu pleno
direito à cidadania através da educação.
Cabe, fundamentalmente, ao poder público e a sociedade civil organizada resgatar desta marginalidade
milhões de brasileiros. Conscientes da necessidade de atrair essas pessoas e de garantir sua integração e emancipação, devemos proporcioná-las, dentro de nossas escolas, um currículo que atenda as suas necessidades, pois
a Educação de Jovens e Adultos possui especificidades e deve ser observada como uma modalidade diferente
dentro do Ensino Fundamental.
Porém, justificados pelos argumentos dos professores de nossa rede, os estudos acadêmicos dentro das
Universidades que habilitam o magistério, não propiciam a formação de educadores voltados à estas questões,
assim como a organização dos espaços nas Unidades Educacionais não foram projetados à esta camada social.
Vemos, na discussão junto aos educadores, a possibilidade de construção
de um currículo adaptado a realidade dos jovens e adultos, projetando a
superação dos entraves mencionados.
OBJETIVOS
Discutir, conscientizar e construir junto aos educadores da rede, a possibilidade de um currículo que
atenda as necessidades do jovem e do adulto, compreendendo e relacionando a educação formal e permanente
a toda gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural, na qual se reconheçam os enfoques teóricos relacionando-os com a realidade do educando.
Reconhecer os impactos que o retorno ao processo de escolarização causa a estes educandos que, por
anos ausentaram-se das escolas.
Investir em discussões que apresentem as áreas de conhecimento como linguagens para a compreensão
do mundo,contextualizando e relacionando os conhecimentos.
Apropriar-se da Metodologia Dialógica, que propõe investigar, problematizar e sistematizar os conhecimentos para que se alcance uma educação com significados e apreensão crítica; metodologia que aproveita a
experiência acumulada dos educando, valoriza a cultura local e possibilita a ampliação à chamada cultura erudita
ou dominante.
Utilizar e explorar as múltiplas linguagens e diferentes portadores de textos.
Garantir a compreensão, por parte dos educadores, da relação entre currículo, poder e cultura e aplicálo como prática de significações.
Apresentar como produto final, propostas de atenção e ações para que a Educação de Jovens e Adultos
seja plenamente integrada e contemplada nos Projetos Pedagógicos que norteiam as Escolas.
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METODOLOGIA
A proposta de utilizarmos a Metodologia Dialógica, tem por finalidade vivenciá-la nos encontros para
explicitar suas possibilidades de aplicação nas escolas.
Diferentemente do que muitos viveram nos meios acadêmicos, os encontros partem sempre de uma
situação problema sobre o tema a ser estudado no dia. Para isto, buscamos utilizar nos momentos de investigação e problematização, diferentes linguagens e portadores de textos que se relacionam com as tarefas executadas
pelos educadores em suas salas de aula. Assim, essas tarefas garantem, não só a aplicação prática do curso, como
também fornece material para a problematização das práticas para o encontro seguinte.
A sitematização é trabalhada com suportes teóricos elencados de texto e bibliografia sobre currículo. A
avaliação é processual e a cada encontro voltamos aos registros das tarefas executadas para a conclusão e apreensão crítica.
Foram abertas 40 vagas para participação de Educadores (professores e Coordenadores Pedagógicos) que
trabalham diretamente com a Educação de Jovens e Adultos.
O tempo determinado em lauda para o curso foi de 20 horas, divididos em 5 encontros de 4 horas,
ocorrendo mensalmente no auditório da Coordenadoria de Educação de Itaquera.
BIBLIOGRAFIA:
SOARES, Leôncio. Aprendendo com a diferença. Estudos e Pesquisas em EJA. Belo Horizonte: Autêntica, 2003
SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo, documento de identidade.Belo Horizonte: Autêntica, 2004
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Ed. Cultrix, 1982
GARCIA, Regina Leite. Currículo: pensar, sentir, diferir. São Paulo: DPA Editora, 2004
FURLANETTO, Ecleide Cunico. Como Nasce um Professor? São Paulo: Paulus, 2000
COSTA, Marisa Vorraber. O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DPA Editora, 2003
IMAGENS
Fotografias de Sebastião Salgado
O Olho do Tempo – Salvador Dali
A Persistência da Memória – Salvador Dali
O Móvel Antropomórfico – Salvador Dali
Pelourinho – Jean Batista Debret
O Mercado de Valongo - Jean Batista Bebret
Pelourinho – Paulo Harro Haring
Mercado de Escravos – Paul Harro Haring
Manipulação – Rogério Teruz
Resistência – Alessandro Buzo
TEXTOS
O que é a CRISE? – Leonardo Boff
Crise de identidade, crise de sentido. – Moacir Gadoti
0 Currículo como prática de significação – Tomaz Tadeu Silva
FILME
Narradores de Javé
MÙSICAS
Paciência – Lenine
O Sal da Terra – Beto Guedes
Intuição – Osvaldo Montenegro
298
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Desenvolvendo as Competências leitora, escritora e
discursiva através da Lógica como Arte de Pensar
Cezira Bianchi
Cecília Aparecida Cocco
Coordenadoria de Educação do Ipiranga
Este tema foi desenvolvido na Coordenadoria do Ipiranga, no segundo semestre de 2005, como Curso
Optativo de Formação de Professores e teve 23 educadores inscritos, dos quais apenas 18 freqüentaram o curso.
Destes, seis eram Coordenadoras Pedagógicas e as outras doze restantes eram professoras de Português, Inglês,
Matemática, Geografia, História, Ciências, Educação Artística. Como se pode ver, era um grupo bem diversificado, apesar de nenhum elemento masculino.
Todos os cursistas vieram movidos pela curiosidade com o tema, e pela mudança que tem havido na
Educação, que aponta para a necessidade de busca de novos caminhos.
JUSTIFICATIVA
O enfrentamento das questões relacionadas às dificuldades da escola tem sido uma preocupação constante de pesquisadores, gestores e educadores da educação. Avaliações externas têm apontado um descompasso
entre o aumento das oportunidades educacionais e a persistência de índices altíssimos de fracasso escolar. Esta
proposta de formação procurou oportunizar a professores das áreas curriculares do ensino fundamental II e coordenadores pedagógicos a conscientização da responsabilidade coletiva pela alfabetização e dar-lhes subsídios
para o desempenho da tarefa contributiva para o desenvolvimento das capacidades leitora, escritora e discursiva,
tendo como foco principal a construção e crítica de textos argumentativos.
Para se pensar logicamente, há que se detectar e atentar bem para relações (quantitativas, espaciais,
hierárquicas, estruturais, etc), para processos e conexões lógicas e saber descrevê-las. A linguagem natural (informal) é boa para exprimir o significado geral de uma situação, as linhas mestras de uma argumentação, ou dizer
“do que se trata”. Mas para entendermos todo o contexto que nossa sociedade abarca, precisamos de diversas
linguagens formais - sistemas simbólicos, linguagens de computador, vocabulários do discurso matemático ou
científico – que nos habilitam a argumentar com clareza: devemos ser capazes de exprimir o sentido geral do que
queremos dizer e acrescentar precisão a esse sentido em contextos variados.
OBJETIVOS
1- compreensão de fatores contributivos a uma prática pedagógica comprometida com o desenvolvimento das
competências leitora e escritora dos educandos.
2- ampliar possibilidades e competências de:
• Compreender como se processa a apreensão da leitura e a construção da escrita, sob o ponto de vista argumentativo, identificando quais fatores favorecem ou dificultam esse processo;
• Contribuir cotidianamente para o avanço dos alunos nas capacidades crítica, criativa e argumentativa;
3- Levar o professor a perceber e discutir com seus alunos nuances e ambigüidades, que devem ser muito bem
cuidados, não só na matemática, mas também no direito, na fala e na escrita. Os alunos devem ter oportunidade
não apenas de usar definições, mas também de analisá-las e criar as suas próprias. Para comunicar e pensar com
clareza, há que se levar os alunos à reflexão sobre o que querem dizer com os termos que usam e ver como o
contexto afeta o significado.
299
4- O professor deve usar esquemas de classificação e definições que possam exprimir o que há de comum ou de
equivalente entre elementos não idênticos, porque a noção de invariância é essencial. Não podemos falar sobre
a história de um país ou de uma pessoa sem identificar o que foi preservado e o que mudou.
5- A demonstração é característica matemática, mas o hábito dela derivado – o de mostrar como uma idéia
deriva de outras – é uma disciplina central na literatura, na argumentação jurídica, na ciência, etc... Podemos
encadear nossos pensamentos coerentemente, em qualquer disciplina.
6- Ensinar modos de pensar, otimizando a capacidade de análise e interpretação de quaisquer textos.
7- Preparar crianças e jovens para pensar e estabelecer relações produtivas com as informações que, hoje em dia,
podem acessar facilmente, via informática e modos de pensar como refletir, indagar, estabelecer hipóteses, pesquisar, organizar idéias, duvidar, testar, criar, re-elaborar, reorganizar, demonstrar, argumentar, contextualizar,
mudar, experimentar.
METODOLOGIA
As atividades de formação se orientaram por duas finalidades básicas: ampliação do universo de conhecimento dos professores sobre a arte de pensar e a reflexão sobre a prática profissional. O curso apoiou-se na crítica
e construção de textos argumentativos, análise da adequação de textos a seu público-alvo, aplicação, análise dos
resultados da discussão com os alunos, discussão das implicações pedagógicas das conclusões. A pergunta crucial
a ser respondida foi: “é possível inserir a Lógica no currículo?”.
Além dos encontros presenciais, o curso foi complementado com horas adicionais (uma por encontro),
em trabalho individual de realização dos estudos, tarefas e registros das análises feitas pelos alunos dos cursistas.
PÚBLICO ALVO
Professores de Ensino Fundamental II, em regência no ciclo II de todas as áreas de conhecimento ou
no 1o ao 4o termo da Educação de Jovens e Adultos, de Salas de Apoio Pedagógico, de Salas de Leitura e de
Informática Educativa e Coordenadores Pedagógicos das EMEFs, EMEFMs e CIEJAs.
CONTEÚDO
1 Willian Blake: leitura da imagem escolhida para capa do material e comparação com o poema do poeta que
enfoca contrários.
2. Noções sobre a Lógica como arte que dirige o ato da razão; as três operações do espírito humano: apreensão,
juízo e raciocínio; a Lógica menor, ou lógica da Razão Correta; as Leis da Inteligência. A lógica Aristotélica,
história e a Lógica Aristotélica recuperada por Chaim Perelmen. Conexão com a Linguagem; conectivos, quantificadores.
3. Regras de Inferência da Lógica.
4. Silogismos Bem-Humorados: raciocínios válidos ou falácias?
5. Poesia “Consideração do Poema”, de Carlos Drummond de Andrade: relações com a Lógica.
6. Texto lido em casa, de Rubem Alves, “Moluscos e Homens”: qual a tese que o artigo defende e com quais
argumentos se fundamenta? Quais são as palavras chave? O autor usa metáforas no texto?
7. Discussão dos resultados obtidos pelos alunos com um texto de opinião escolhido por eles.
300
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
8. Raciocínio Dedutivo e Indutivo: distinções e conexões.
9. Falácias e Paradoxos. Lista de Falácias.
10. Descrição de alguma situação em que foi obrigado a parar para pensar. Colocação desta experiência em
texto.
11. Discussão de algumas falácias e paradoxos com os alunos, dentre as da lista de “pérolas” que recebeu no fim
do encontro. Questionamento de como os alunos se apropriaram destes conceitos e como se sentem com este
exercício de pensar sobre o pensar. Registro das reflexões sobre os resultados.
12. Sensibilização com o tema Terra representando a passagem do todo para a parte (raciocínio dedutivo) e
Água representando a passagem do todo à parte (raciocínio indutivo).
13. A Arte de Argumentar, com figuras de linguagem e técnicas argumentativas.
14. Escrita e discussão de textos argumentativos escritos pelos cursistas, sobre o referendo.
CONCLUSÃO
Pudemos constatar a sede dos educadores da Rede Municipal de Ensino por novos conhecimentos e por
novas didáticas, motivados pelo fato do tema nunca ter sido abordado em curso de formação de que tenhamos
conhecimento. A relação entre raciocínio e linguagem, conforme se pôde constatar, é uma busca de professores
de todas as disciplinas do currículo do Ensino Fundamental.
Esta proposta de ensinar usando a Lógica pretende ressaltar o trabalho indispensável do professor como
“arquiteto da aprendizagem”, ao observar a seqüência de temas, a interdependência entre eles e a participação
ativa e criativa dos alunos, que devem ser desafiados a refletir, discutir com o grupo, elaborar hipóteses e estratégias e a enfrentar situações inusitadas.
A necessidade de valorização dos conteúdos, apesar de não ter sido abordada explicitamente, aparece
subjacente, visto a relação entre forma e conteúdo ser imprescindível na prática pedagógica. Procurei estabelecer
um paralelismo entre o método tradicional, que enfatizava o raciocínio dedutivo e o método mais atual, que
privilegia o raciocínio indutivo, sugerindo que o caminho correto é começar pelo método heurístico, onde se
desenvolve o raciocínio indutivo, mas dando continuidade, para que o aluno possa formalizar a teoria subjacente, desenvolvendo o raciocínio dedutivo.
A análise aqui realizada não se esgotou, apenas visou contribuir para que os educadores possam planejar, desenvolver e analisar experiências de ensino que utilizem intencionalmente a Lógica como elemento
articulador da forma-conteúdo e como elemento de interpretação de textos, ampliando assim a capacidade
argumentativa do aluno.
Temos que aprender a identificar as razões lógicas que se encontram na base das respostas errôneas de
nossos alunos, dando-lhes, no momento certo, o remédio certo. De outra forma, estaremos sonegando-lhes não
só a ajuda a que têm direito, como também a que esperam e precisam de nós.
Lógica, pensamento, linguagem e discurso, são termos estreitamente associados. Só temos acesso ao
pensamento dos outros e ao nosso próprio através da fala e da escrita, ou seja, do discurso. Pensar é estabelecer
relações. A aquisição da linguagem marca a entrada da criança na sociedade e na cultura, é a partir dela que ela
recorda, tem expectativas, fala e pensa.
Que este trabalho possa ser um embrião para a Lógica passar a ser meio e método de transformação do
conhecimento real pela análise crítica, contribuindo para o aprender, desaprender e reaprender.
301
Projeto Adole-ser: Uma Proposta Para Orientação
Sexual No Espaço Escolar
Maria de Fátima de Castro e Silva
Natanael Bispo de Souza
Paulina Fernandes de Souza
E.M.E.F. Vereadora Anna Lamberga Zéglio
INTRODUÇÃO
O Projeto Adole-ser foi concebido levando em consideração o número de adolescentes grávidas em nossa região, que chega a índices alarmantes, o que evidencia a necessidade da criação de espaços de aconselhamento
para a juventude no que se refere à promoção da saúde, prevenção à gravidez precoce e orientação para uma
sexualidade saudável, tendo em vista o jovem como protagonista no processo de ensino-aprendizagem através
da tomada de consciência e transformação de sua realidade.
Assim como a família à escola tem papel fundamental para a construção deste processo tanto nas questões cognitivas como as de relacionamento humano e é no espaço escolar onde as relações humanas e afetivas
durante a infância e adolescência são mais latentes. A sexualidade dos jovens fica “a flor da pele”, são os hormônios em pleno exercício o que deve levar a escola a pensar meios de contribuir a esse número significativos de
jovens que precisam de orientação para poder vivenciar sua sexualidade de forma responsável.
EDUCAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE E SEXUALIDADE RESPONSÁVEL
Neste projeto temos por objetivo oferecer uma parcela de contribuição para a formação de uma autoestima positiva que possibilite aos jovens vivificar sua sexualidade de forma espontânea oferecendo informações
e formação que os auxiliem no conhecimento do corpo e na compreensão de que ele faz parte de um todo,
compondo uma harmonia.
Ao desmistificar idéias relativas a sexualidade e esclarecendo as questões que permeiam as fantasias sobre o
corpo e DSTs, relações de gênero procuramos, através da reflexão, criar condições para o diálogo em grupo, sobre
opiniões e valores, evitando comparações que enfatizem a supremacia ou inferioridade de um sobre o outro.
Com este trabalho esperamos que os jovens passem a refletir mais sobre sua sexualidade e prevenção as
DST/AIDS e a gravidez na adolescência com condições de a partir daí escolher o melhor momento para iniciar
sua vida sexual.
A base metodológica do projeto vem pautando os conceitos de vulnerabilidade e de situações de riscos
com uma proposta pedagógica que oriente a desmistificação de conceitos que só vem a oprimir, contrapondo-se
às práticas que em nome da “educação”, acabam por reproduzir métodos autoritários e moralistas.
Além dos objetivos apresentados acima, pretendemos a partir desse momento formar jovens que possam
atuar como monitores / facilitadores nos demais grupos da escola bem como na comunidade de forma que estes
possam protagonizar a realidade de sua geração.
As oficinas desse tipo podem ser realizadas de duas formas: Grupos com no máximo 25 alunos cada para
garantir assim um bom rendimento e assimilação dos assuntos a serem tratados, criando em formato de curso
e possibilitando que só participem os alunos interessados no assunto. Lembrando que neste formato poderão
surgir alunos multiplicadores em prevenção. Porém optamos por trabalhar os assuntos com as turmas / série
envolvendo todos os alunos como um todo e a partir daí instigá-los a participar de grupos específicos e fora do
horário de aulas.
302
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Temos a preocupação de desenvolver discussões partindo de conteúdos e estratégias que estão de acordo
com a faixa etária de cada turma utilizando uma linguagem que respeite o estágio formativo de cada educando.
TEMAS EM QUESTÃO
Os temas propostas estão divididos por faixa etária sendo que a 1o e 2o anos do Ensino Fundamental
estão sendo trabalhados:
• Conhecimento do corpo (órgãos reprodutivos);
• Vulnerabilidade;
• Corpo afetivo (afetividade, amizade, namoro e ficar);
• Auto-estima;
• Prevenção as DST/AIDS.
No caso dos jovens dos anos seguintes que teoricamente, na sua maioria, estão os anseios sexuais mais
voltados ao ato sexual propriamente dito, propomos a seguinte reflexão.
• Auto-estima;
• Afetividade (corpo sexual, afetivo e erótico);
• Gênero e Sexualidade (papéis sexuais);
• Sexo seguro (prevenção HIV / AIDS / DST);
• Gravidez na adolescência;
• Uso abusivo de drogas.
Para desenvolver este projeto estamos com uma equipe formada por três professores de diferentes áreas de
atuação que tem em comum o carisma e objetivo de contribuir nesta reflexão junto aos estudantes da Unidade.
A avaliação do projeto vem ocorrendo ao final de cada oficina / encontro possibilitando assim a autoavaliação constante do processo educativo.
Como visto o projeto Adole-ser está em pleno andamento e estamos mapeando os postos de saúde dos
arredores da escola e os serviços que oferecem aconselhamento em DST / AIDS e sexualidade do distrito como
o CTA e casa de atendimento a vítimas de violência doméstica e saúde da mulher para assim criar uma rede de
compromissos e responsabilidade à saúde sexual dos jovens de nossa comunidade.
O Projeto Adole-ser teve início no segundo semestre de 2005, sendo realizado durante uma semana a
cada mês para assim desenvolver melhor os temas e criar um vínculo com as turmas.
DIFICULDADES ENCONTRADAS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Ao trabalharmos com toda a turma enfrentamos problemas com os jovens que possuem faixa etária diferente e que estão na mesma série / ano e, portanto possuem interesses diferenciados, indicando a urgência de mudar a estratégia, formando grupos de interesse e por faixa etária desconsiderando a série e valorizando a idade.
Para atender a essa necessidade na 2a fase do projeto estaremos agrupando esses jovens por idade e fora
do horário de aula.
Temos observado nas oficinas que muitos jovens apresentam grande dificuldades em conversar sobre
temas voltados a sexualidade, em se oferecer como voluntários para o desenvolvimento de algumas dinâmicas,
demonstrando uma grande timidez em lidar com o corpo. Por outro lado apresentam muita tranqüilidade em
dançar e cantar músicas que abusam dos movimentos eróticos e palavrões como o Funk e o Axé. Sabemos que
isso reflete a pressão da mídia e o apelo sexual dessas músicas que estão sendo consumidas por grande parte de
jovens e os dos adultos das periferias de nosso país.
303
Essa questão merece uma atenção especial e estamos chamando a atenção dos jovens para este assunto
e para desenvolvermos e/ou fortalecermos uma cultura de valorização do corpo e das relações humanas sem cair
no risco de recorrer aos tabus historicamente construídos em nossa cidade.
BIBLIOGRAFIA
AQUINO, Julio Groppa (Org.) Drogas na Escola: alternativas teóricas e Práticas.
São Paulo: Summus, 1998.
AQUINO: Júlio Groppa (Org.) Sexualidade na Escola: Alternativas Teóricas e Práticas. São Paulo: Summus,
1997
FREIRE: Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
CONSENTINO, Edson Noel Urizar. Para educar é preciso pensar! Reflexões dirigidas a pais e educadores de
adolescentes. São Paulo: Organon, 2000.
OZELLA, Sérgio (Org.) Adolescências Construídas: Uma visão da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez,
2003.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Políticas de Saúde – Coordenadoria Nacional de DST e AIDS – Manuel do Multiplicador: Adolescente. Brasília, 2000.
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, Programa Prevenção Também se Ensina – Fala Garoto, Fala
Garota! – São Paulo, 2002.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Comunivência
Aparecida M. Lellis
Carlos Santana
Doselene Carvalho de Oliveira
Eliane Ap M. da Cruz
Gilmara B. França da silva
Ivone Ap Vilas Boas Friscio
Lílian Ap. Pistori
Maria Shirlei Vallone
Mikiko Matsumoto
Nelson M. Zilig
Regiane Maciel
Renata Cavaci
Rogelia P. C. Machado
Ronaldo Latorre
Grupo de JEI da EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré
BREVE HISTÓRICO
Esse projeto é uma continuidade do projeto iniciado no ano de 2004.
Desencadeado após análise da avaliação da U.E no final de 2003 , percebemos a necessidade de estreitar
as relações entre a comunidade escolar,equipe docente e pais. O grupo então norteado por esses indicadores estabeleceu algumas etapas a serem seguidas para que estes objetivos fossem atingidos,visando maior participação
da comunidade e privilegiando a relação entre pais e filhos.A partir daí,o grupo estabeleceu algumas ações que
viabilizassem o objetivo.
Planejaram um calendário de ações ,trabalharam a legislação enfocando a importância da participação
dos pais no conselho de escola.Assim encaminharam as ações sob a forma de oficinas que envolvessem a participação de pais e filhos.As oficinas realizadas foram: Legislação e Conselho de Escola,Conversando com os pais
sobre Drogas ,Cinema e Pipoca na escola,Oficina de Brinquedos,Noite do Videokê, Diversidade na escola, Arte
com areia colorida, Rede Solidária (arrecadação de 30 cestas alimentares para famílias carentes de alunos da
escola).
ELABORAÇÃO DO PROJETO 2005
Para a elaboração do projeto foram utilizadas todas as informações recebidas e os conhecimentos adquiridos através de diversas literaturas indicadas.Nosso objetivo principal para este ano era estreitar ainda mais as
relações já iniciadas no ano anterior.Visávamos com isso as relações pessoais e maior envolvimento dos pais no
processo de formação de seus filhos.
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO
Os encontros acontecem sempre no período noturno,visando atender as necessidades dos pais trabalhadores.O grupo procurou diversificar as palestras/ oficinas, utilizando diferentes espaços da U.E.para que os pais
pudessem se apropriar desses espaços.Foram realizados encontros na sala de leitura,sala de artes,sala de vídeo e
pátio da escola .Tendo ainda previsto a utilização de outros espaços disponíveis entre eles a sala de informática e
arte.
305
ELABORAÇÃO DE FORMULÁRIOS
Elaboramos questionários avaliativos de cada palestra,com o objetivo de avaliar a receptividade e receber
sugestões para os próximos encontros.
MONTAGEM DOS ENCONTROS
Após a leitura das avaliações feitas em 2004 do próprio grupo e dos pais partimos para a seleção dos
temas 1o Encontro: Contadora de História (parceria com a contadora de história da Biblioteca infantil de Santo
Amaro); 2o Encontro: Brigada de Incêndio(palestra ministrada por pai de aluno que , voluntariamente se ofereceu para ministrar a palestra); 3o Encontro: Cine-Família (exibição de um filme que suscite a discussão sobre
relacionamento familiar);4o Encontro: Sexualidade na Adolescência(palestra ministrada por dois professores da
U.E.); 5o Encontro: Rede Solidária(ações a serem desencadeadas pelo grupo).
DIVULGAÇÃO DO INÍCIO DOS ENCONTROS
Para cada encontro ficou estabelecido um público alvo.A divulgação aconteceu na sala de aula do público pertinente.Este se inscreve e recebe um convite.
RECEBIMENTO DOS PAIS
Esse procedimento ocorre sempre de duas formas :
1o) inscrição dos interessados;
2o)Participação nas oficinas.Tal procedimento visa estabelecer um mínimo de conforto e acolhimento aos pais,
podendo prever espaço físico adequado mediante números de inscritos. Sempre nestes encontros recebemos os
mesmos com uma mesa de lanches e em alguns dos encontros também recebem uma lembrança do grupo como
imã de geladeira com data e tema do encontro.
EXECUÇÃO DO PROJETO
Com o objetivo de atender as necessidades dos grupos, partimos para as ações.
Estipulamos como primeiro encontro a oficina “Contadoras de História”, onde nossa proposta era
integrar este trabalho ao da Sala de Apoio Pedagógico . Convidamos então, os pais dos alunos desta sala para
este encontro e tendo como destaque a necessidade da criação do vínculo. A partir daí as outras oficinas foram
realizadas mediante as sugestões dos pais participantes , dadas as avaliações.
Percebemos que a cada encontro o entusiasmo dos pais aumentava pois, saíam motivados e satisfeitos,
sugerindo a continuidade através de outros temas.
Tomamos o cuidado de atingir um público alvo diferente, contemplando pais de alunos do Fundamental I e Fundamental II .
ACOMPANHAMENTO DOS AVANÇOS
A partir das avaliações e sugestões dos pais tabulamos os resultados para planejar uma nova ação , procurando superar aspectos negativos identificados no encontro anterior.
306
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grupo escolheu o nome “COMUNIVÊNCIA” sendo uma mescla da convivência da vida escolar com
a comunidade, ou seja propiciando momentos de orientações através de encontros/oficinas com a comunidade.
Acreditamos muito que os resultados alcançados só foram possíveis até o momento devido ao trabalho
coletivo desenvolvido na escola pelo grupo e, principalmente pela colaboração e apoio que recebemos da direção, coordenação, professores , demais funcionários e familiares.
Notamos que ao final do 20. projeto os pais participaram com mais entusiasmo percebendo que a escola
está visando cada vez mais sua participação.
Na última Reunião de Pais foi realizada em todas as salas de aula uma pesquisa onde os pais deveriam
apontar quais temas gostariam que a escola abordasse através de encontros/oficinas para pais . Percebemos pelas
respostas o grande interesse dos mesmos em estarem envolvidos em atividades diversas na escola , visando a
melhor orientação para os filhos.
“Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura que marcha, que não tem medo do risco, por isso recuso o
mobilismo. A escola em que se pensa , em que se atua, em se fale, em que se ama, se adivinha , a escola que apaixona
da mente diz sim à vida”.
Paulo Freire
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Ninguém é Igual a Ninguém
Professora Sueli de Paiva Grillo
EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré
ELABORAÇÃO DO PROJETO
A partir das orientações recebidas da Coordenação e ex-professoras da Sala de Apoio da escola, da Equipe Pedagógica da Coordenadoria de Santo Amaro em 2004 e as informações recebidas durante o estágio, foi
possível entender melhor o funcionamento da Sala de Apoio, identificando quais procedimentos precisariam
ser adotados para início das atividades. A primeira providência foi agendar uma reunião com a coordenação,
estabelecendo etapas para concretização do trabalho, como segue:
1. Reunião com as professoras informando o funcionamento da sala de apoio reorganizada e os critérios para
encaminhamentos dos alunos.
2. Apresentação da professora da Sala de Apoio aos pais na reunião do início do ano, informando a existência
deste recurso na escola no ano de 2005.
3. Entrega do formulário de encaminhamento aos professores/Montagem dos grupos.
4. Convocações das famílias para esclarecimento dos objetivos do trabalho e autorização para que os alunos
participassem da Sala de Apoio Pedagógico.
5. Elaboração do Projeto de Apoio Pedagógico
6. Organização da sala / Início do trabalho/ Conhecimento dos alunos
7. Elaboração do Plano de Ação pautado nas necessidades dos alunos.
Para a elaboração do projeto, utilizei todas as informações recebidas, e os conhecimentos adquiridos
através de diversas literaturas indicadas, que vieram contribuir muito para o entendimento de como melhorar a
relação do aluno com o processo de ensino-aprendizagem, numa sala com as características da sala de apoio pedagógico, procurando fazer com que o projeto também estivesse integrado ao Projeto Pedagógico – “Comunicação, Expressão e as Inter-relações”, oferecendo aos alunos um atendimento mais adequado as suas necessidades,
possibilitando avanços significativos, porém o plano de ação só seria elaborado após o conhecimento do grupo
de alunos, através do contato pessoal, do levantamento dos conhecimentos prévios, da sondagem individual,
das entrevistas com familiares e dos contatos com os professores das salas regulares, determinando quais seriam
as melhores estratégias para trabalhar com cada grupo.
REORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO
A Sala de Apoio Pedagógico já estava formada, porém para o ano de 2005 contou com a colaboração
da Direção e da Coordenação para a realização de algumas modificações, como pintura, decoração, troca de
mobiliário, mesa com cavalete e bancos, para uma melhor adequação do ambiente, quando se torna necessário
ampliar o espaço, foi também disponibilizado um aparelho de som, e a colocação de prateleiras para exposição
de trabalhos realizados pelos alunos, estante de ferro para organização do material da sala e dos jogos, armário,
troca do computador, instalação da mesa para o jogo “Alfabeto”, impressora, novos jogos e materiais necessários
para o desenvolvimento das atividades durante o ano.
A preocupação com a reorganização do espaço, teve como objetivo preparar um ambiente acolhedor, e
um lugar bom de se ficar, nos momentos necessários, proporcionando a criança o prazer de estar ali.
MONTAGEM DOS GRUPOS / HORÁRIOS / AUTORIZAÇÃO DOS PAIS
Respeitando o horário pós-aula ou pré-aula, os grupos foram montados os de forma que cada aluno
recebesse 2 atendimentos semanais com 2 horas-aula em cada encontro, respeitando a quantidade de alunos
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
determinado na portaria por turma, adequando ao nosso espaço físico, favorecendo a otimização do trabalho.
Outro aspecto que contribui para a formação dos grupos foi a própria organização dos anos/ciclo da escola, que
possibilitou agrupamentos adequados à faixa etária, tornando o planejamento mais eficiente para cada grupo,
devido a proximidade de idades.
Para que os responsáveis pelos alunos tomassem conhecimento do porquê da indicação e de como o trabalho seria desenvolvido e permitissem a participação dos alunos, realizamos uma reunião no dia 15/03/2005,
às 19:30 horas na escola. Encaminhamos bilhete por escrito pelo aluno e comunicamos também por telefone. A
reunião foi realizada em conjunto com a Coordenação Pedagógica e durante o encontro foi ressaltado a necessidade e o direito da criança a este atendimento diferenciado, apresentamos a proposta do trabalho e formalizamos
a participação dos alunos, tivemos um número pequeno de ausências, já que o horário favoreceu. Conseguimos
aprovação de 99,9% das famílias, pois os que faltaram neste dia compareceram para uma segunda reunião, apenas tivemos um caso que não conseguimos a presença e a participação da família, porém este foi encaminhado ao
conselho tutelar. A criança começou a freqüentar a sala de apoio no 2o. Semestre, apresentando hoje freqüência
e bons avanços, relatados pela própria mãe e a professora da sala regular, se interessando pelas lições de casa e
atividades da sala de aula.
DIVULGAÇÃO DO INÍCIO DOS ENCONTROS
Para receber o apoio dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, montei um aviso
informando a data de início das atividades e anexei uma lista com os nomes dos alunos e horários dos grupos,
entreguei pessoalmente para direção, coordenação, professores, secretaria, auxiliares de direção, inspetores e
agentes de apoio, deixando-os bem informados do que estaria acontecendo na escola, tendo assim a colaboração
dos colegas na adaptação dos alunos à nova rotina, pois eram crianças que estariam fora do seu período de aula
e precisariam da ajuda de todos.
RECEBIMENTO DOS ALUNOS
Organizei os grupos por turmas e cores, os alunos foram recebidos com entusiasmo, bilhete e bombom
de boas vindas, demonstrando a alegria que sentia de estar na presença deles, para que a partir daquele momento, pudéssemos fazer e aprender muitas coisas.
Fizemos apresentações, falamos sobre expectativas, contamos novidades, falamos sobre o que já sabíamos, conhecemos a sala e o porquê de estarmos ali, para aprender mais do que já sabíamos, falamos sobre conseqüências de nossas atitudes e estabelecemos três grandes combinados para um bom convívio: respeito ao outro,
respeito a rotina e aos combinados do dia e ainda andarmos sempre juntos, fora da sala de apoio para respeitar
e não interferir no período de aula dos demais colegas.
Neste primeiro encontro expliquei que para realizarmos grandes conquistas, nem sempre poderíamos
fazer tudo o que quiséssemos e que aprenderíamos muito e de diversas formas: brincando, jogando, lendo, conversando, discutindo, ouvindo e participando.
Defini com as crianças como o horário seria dividido, percebi que apesar da aceitação do grupo, houve
certa desconfiança, perguntando se não ia ter caderno, que se podiam mesmo brincar com o que estava ali, outros não falavam nada, alguns diziam que não gostavam de brincar, outros que a mãe jogou todos os brinquedos
fora, alguns diziam já ter freqüentado a sala, mas que esta estava diferente, era legal, podiam jogar e brincar.
CONHECENDO OS ALUNO
O processo para conhecimentos dos alunos se deu através de atividades que proporcionassem conhecer
em que ponto estava o desenvolvimento das crianças, em relação ao afetivo: observando como procuravam
resolver suas dificuldades, como era seu humor, autonomia, quanto a linguagem: como estava a construção do
seu vocabulário, se apresentava fluência se tinham boa articulação e como era a organização do pensamento,
309
depois o neurossensório-motor : esquema corporal, lateralidade, estruturação espacial, orientação temporal,
tônus, postura, equilíbrio, coordenação dinâmico-manual, coordenação visual-motora, escolar : em contato
com a professora da sala regular, anotando a relação com a organização de estudo, estética, limpeza, participação nas aulas, disciplina, conhecimento adquirido, caligrafia, acompanhamento das aulas, social : construção
do relacionamento grupal e familiar, e intelectual : tempo de concentração, nível de leitura, nível da escrita e
raciocínio lógico.
Depois, de estabelecer uma relação maior com os alunos, comecei a sondagem individual, em relação a
leitura e a fase da escrita, utilizando critérios adquiridos no curso do Programa de Professores Alfabetizadores.
Em paralelo realizava o contato com as professoras da sala regular e fazia as entrevistas individuais com
os responsáveis.
Com os resultados das avaliações, preparei um relatório descritivo relatando as observações feitas durante o processo de investigação e montei um caderno de sondagem com a escrita da criança, que foram utilizadas
para definir como as ações deveriam acontecer.
EXECUÇÃO DO PLANEJAMENTO
Com o objetivo de atender as necessidades dos grupos, o trabalho da sala de apoio ficou dividido em
uma rotina que proporcionasse desenvolver as habilidades, favorecendo o processo de ensino-aprendizagem,
possibilitando consequentemente o desenvolvimento da leitura e escrita.
A rotina foi se estabelecendo de acordo com as necessidades e o andamento da sala, ficando, portanto da
seguinte forma : atividades iniciais – roda para conversa, trabalhando aspectos afetivos, agradecimento pelo dia,
música, brincadeira que trabalhe atenção e concentração; atividades de mesa – recebeu este nome, pois nas primeiras atividades que precisei da mesa como recurso facilitador para realizar o trabalho planejado, senti que as
crianças apresentavam uma certa fobia não pela mesa, mas por aquilo que ela representava, pois eram momentos
que exigiam atividades de reflexão, concentração, em que a criança precisasse mostrar o que já sabia muitas
vezes em relação a escrita e leitura, apesar de ser atividades desenvolvidas a partir de jogos, ocorria resistência,
recusa e desinteresse. Em discussão com a coordenação percebemos que isto acontecia por ser momentos que
se aproximavam das atividades desenvolvidas em sala de aula, que exigia da criança conhecimentos os quais
acreditava não saber e realizar, portanto o nome surgiu pensando em tornar aquele momento diferente, ressaltei para as crianças que aquela atividade seria muito importante como qualquer outra dentre as combinadas
desde o princípio, pois iríamos aprender de diversas formas. Hoje as crianças já não apresentam mais recusas,
e quando pergunto o que mais gostam de fazer na sala de apoio muitos dizem que são as atividades de mesa;
depois atividades externas - trabalhando esquema corporal, lateralidade, orientação espacial e outros, como o
dia da pizza que foi formidável para melhorar a relação com o grupo, explorar outras formas de organização,
de procedimentos, seqüência, raciocínio-lógico, concentração, e muito mais, foi realmente ótimo; depois atividades de informática – utilizando recursos que são oferecidos pela sala de informática planejado em conjunto
com a POIE, onde a professora busca através das necessidades das crianças as atividades mais adequadas para
seus avanços, apenas dois grupos por enquanto contam com esta atividade, devido a falta de horário livre neste
espaço, porém para os demais utilizo o computador da sala de apoio, inclusive com o recurso da mesa do jogoalfabeto, aproveitando o lúdico que esta ferramenta nos oferece.
Hoje percebo na execução das ações realizadas em toda rotina, a excelente participação dos alunos, pois
as características desta Sala de Apoio Pedagógico permitem resgatar o prazer de aprender, rompe com a questão
da sala de aula, onde muitos acabaram por desenvolver “fobia por pela leitura e escrita”, e por “não aprenderem”, é muito interessante perceber que o rompimento destas questões são também percebidos pelos familiares
e professores das salas regulares, quando dizem que as crianças participam mais, demonstram mais entusiasmo,
ficam mais aberta para o aprendizado, se aproximam mais para perguntar, tirar dúvidas, realmente é maravilhoso e gratificante, pois percebo que o mérito e da própria criança, só que ela não sabia o quanto era capaz, só
foi permitido que ganhasse confiança e segurança, poderia ser ainda bem melhor se não fosse por tantos
310
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
problemas que estas crianças acabam enfrentando no meio em que vivem, só sinto porque esta mudanças ainda
não são totalmente suficientes para compensar rapidamente o que ficou durante o processo, permitindo que o
avanço seja enorme em relação a ela mesma, mas ainda não o necessário para o ano/ciclo que se encontra.
ACOMPANHAMENTO DOS AVANÇOS/ REPLANEJAMENTO/ RESULTADOS
Os avanços são registrados em relatório descritivo bimestrais, apontando as conquistas realizadas durante
os encontros e os resultados da sondagem individual referente a evolução da leitura e escrita, que são registradas
em caderno próprio os quais podem ser acompanhadas. O replanejamento é realizado em virtude das evoluções
apresentadas pelas crianças e dos relatos feitos, principalmente pelos professores da sala regular relatados constantemente e durante as reuniões de conselho de classe. A observação destes resultados mais o entusiasmo das
crianças, o índice de freqüência na sala de apoio, e a dispensa de alunos, são indícios de que o trabalho oferece
possibilidades verdadeiras de resultados.
Acredito muito que os resultados alcançados até o momento, só foram possíveis em conseqüência do
trabalho coletivo desenvolvido na escola, e principalmente pela colaboração e apoio que este projeto recebe da
direção da coordenação, dos professores e demais funcionários, e dos familiares. É importante ressaltar que a
reunião feita no início do ano com os responsáveis pelos alunos, para conseguir o apoio e garantir a presença das
crianças foi decisiva, pois sem eles não existiria o projeto, e as crianças não teriam o benefício que estão tendo,
e os pais não estariam comprometidos como estão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sei que é do conhecimento coletivo, e até óbvio, que problemas emocionais afetam o pedagógico, porém
só realmente passei a ter noção da gravidade, conhecendo os problemas sociais/familiares e a relação aluno/escola, relatados pelas famílias nas entrevistas individuais, muitas vezes alheios as suas próprias vontades, como:
moradia, acomodação, problemas financeiros, separação, ausência de familiares, violência, desemprego, vícios,
discussões, falta de organização, inexperiência, ausência de limites, hábitos do lar, falta de convívio com outros
ambientes, solidão, falta de incentivo, e ainda a imaturidade, só agora percebo com tanta convicção o quanto
estas dificuldades causam os problemas emocionais encontradas nos alunos, acabam prejudicando o desenvolvimento pedagógico. Vivencio o quanto às crianças acabam reproduzindo exatamente no ambiente externo o
modelo vivido no lar. Portanto a realização de um trabalho coletivo que oriente os familiares se faz necessário e
urgente, para que a realidade não seja tão nociva, ajudando as crianças a enfrentarem melhor suas dificuldades
emocionais, ajudando as crianças a voltar a ter prazer de aprender, ter esperanças, crer, romper barreiras e fobias,
pois como sabemos existem crianças em famílias, que enfrentam situações semelhantes, mas que, no entanto
a interferência acaba não sendo tão prejudicial ao seu desenvolvimento, pois de alguma forma recebem meios
para se tornarem saudáveis, capazes de conviver e respeitar diferenças, diferentes relações e os diversos espaços,
mesmo não tendo vivido um modelo tão satisfatório no lar, pois aprende que suas atitudes levam as conseqüências positivas ou negativas, e que os limites colocados precisam ser respeitados e os combinados seguidos, e que
muitas vezes na nossa vida precisaremos fazer coisas pelas quais não temos tanta preferência.
311
Alfabetização construtivista-interacionista
1o ano do ciclo I
Nádia Nunes da Silva
EMEF Antonio Duarte de Almeida
JUSTIFICATIVA
Durante muitos anos trabalhei com 2o ano, nunca havia alfabetizado antes, mas estava em processo de
estudo da concepção construtivista . Percebia que vários alunos, que recebia, eram trabalhados de forma tradicional e chegavam nas demais séries com dificuldades de aprendizagem , muitos na hipótese pré-silábica, outros
retidos por vários anos.
Observando alguns trabalhos, realizados dentro da proposta construtivista, percebi que os alunos obtinham melhores resultados. Senti, então, a necessidade de pôr em prática os estudos teóricos que ainda estava
realizando.
Iniciei este trabalho na EMEF “ Antônio Duarte de Almeida “ visando melhores resultados na aprendizagem da
leitura e escrita, na diminuição dos índices de retenção e do fracasso escolar.
Objetivos:
Alfabetizar os alunos tendo-os como um sujeito que tem um papel ativo em sua aprendizagem, que
pensa, que estabelece relações e elabora informações.
Elaborar estratégias que ajudem os educandos a serem alfabetizados dentro da concepção construtivista
e que ao final do 1o ano do ciclo I o maior número esteja além de alfabetizados, letrados.
METODOLOGIAS E ETAPAS DO TRABALHO
- diagnóstico no início do ano para saber o que os alunos pensam sobre como funciona o sistema de escrita;
- trabalho com o alfabeto e com a listagem dos nomes próprios;
- elaboração de atividades (intervenções) para que os alunos avancem em suas hipóteses de escrita;
- elaboração do contrato didático junto com os alunos ;
- registro diário da rotina de trabalho na lousa(agenda);
- criação de um ambiente alfabetizador ;
- agrupamento produtivo ( dupla) desde o início do ano para que os alunos possam trocar informações entre si
promovendo avanços na aprendizagem;
- leituras diárias feita pelo professor de diversos gêneros;
- rodas de conversas;
- leituras compartilhadas;
- leituras feita pelos alunos, circulo de leitura;
- escritas feitas pelos alunos mesmo sem estarem alfabetizados, de textos que eles tenham de memória;
- acompanhamento, através do registro em portifólio , das hipóteses em que se encontra cada aluno;
- registro em ficha de acompanhamento individual por bimestre;
- registro dos resultados obtidos e montagem de gráfico do rendimento da sala;
- encontros mensais para avaliação do processo com a coordenadora pedagógica e os demais professores primeiros anos;
- elaboração de um quadro de programação de trabalho com os diversos gêneros;
- atividades diversas de leitura e escrita que envolvam todos os gêneros trabalhados, de modo que o aluno seja
capaz de utilizar a estrutura textual corretamente e diferenciando um gênero do outro,apropriando-se da função social da escrita;
312
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
- utilização da sala de leitura como espaço diferente para realização de leituras diversas e contato com matérias
de leitura;
- utilização da sala de informática como espaço para pôr em prática a escrita de textos diversos;
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
O trabalho realizado na EMEF Professor Antônio Duarte de Almeida é fruto de um longo estudo sobre
alfabetização que tenho realizado há 16 anos, em cursos, leituras e trocas de experiências com profissionais que
utilizam esta prática.
Durante os sete anos que atuo nesta unidade, tenho realizado um trabalho de alfabetização, dentro da
proposta construtivista, a princípio sozinha, mas no decorrer dos anos, fui procurando divulgar meus conhecimentos, transmitindo-os, o que se tornou mais fácil com meus pares no trabalho coletivo.
Devido ao conhecimento teórico construído, colocá-los em prática não foi difícil. Minha meta agora
é trocar essas experiências com outras professoras para que um maior número de alunos possa ser alfabetizado
dentro desta proposta e que juntas possamos melhorar ainda mais nossa prática.
Com a incorporação de novas formas de registro, alcancei meus objetivos de forma mais rápida, obtendo
melhor qualidade no processo de alfabetização.
Utilizar outros espaços na escola possibilitou um trabalho coletivo significativo, assim, os alunos puderam usufruir ainda mais do conhecimento da leitura e da escrita.
RESULTADOS
Tenho conseguido excelentes resultados no decorrer do trabalho que realizo, muitos alunos chegam présilábicos e, apenas em alguns meses, já estão alfabéticos. Poucos ou quase nenhum, como é o caso deste ano,
não atingem a base alfabética.
Neste ano, com uma classe de 36 alunos, 33 estão na hipótese alfabética, apenas um se encontra na garatuja, aluno este de inclusão e dois se encontram na hipótese silábica alfabética, mas são alunos novos que recebi
no 2o semestre. Este é um dos maiores desafios que enfrento: integrá-los à rotina da classe com mais rapidez e
deixá-los mais confiantes para que, ao final do ano, cheguem juntos com os demais que estão alfabéticos.
As leituras diárias feitas pelo professor influenciaram, ao longo do processo, os alunos a lerem, em voz alta, com
naturalidade, sem medo ou vergonha.
Da sala de leitura, semanalmente, os alunos levam livros para lerem em casa. Isto fez com que eles tivessem ainda mais prazer nesta atividade, e, na roda de leitura, utilizam até equipamentos como o microfone para
o sarau com livros escolhidos por eles.
Em relação a escrita, temos atividades diárias e diversas com escritas de músicas de memórias, listagem,
carta, bilhete, receitas, parlendas , entre outras resultado este que foi atingido, pois os alunos escreviam mesmo
sem saber escrever e hoje o fazem com tamanha competência escritora.
Através das escritas coletivas, tendo o professor como escriba, eles puderam aperfeiçoar suas escritas
individuais ou em dupla, onde um aluno interagia com o outro. Após as escritas realizadas o professor com esse
material, pôde fazer revisões juntos com os alunos, utilizando-se de diversas estratégias para revisão de texto.
Com a utilização da sala de informática para a escrita de textos, o trabalho ficou ainda mais rico.
Como todo o processo de evolução dos alunos está registrado, ficou fácil elaborar estratégias e interferências para que os objetivos fossem atingidos.
313
CONCLUSÃO
Os avanços que tenho adquirido no decorrer do meu trabalho só tem ajudado ainda mais meus alunos.
São por eles, que procuro melhorar sempre a minha prática. As dificuldades têm sido superadas junto com eles,
nas intervenções, conversas, rodas de conversas, conversa com os pais nas reuniões, explicando-lhes as hipóteses
de escrita pela seus filhos passam no processo de aquisição da leitura e da escrita.
Com o curso, Programa de Formação de Professores Alfabetizadores , o PROFA, meus conhecimentos
sobre o processo de alfabetização se confirmaram e minha prática se ampliou, possibilitando-me fazer um registro do processo com mais eficiência. Hoje posso dizer que planejo melhor minhas aulas e tenho tido melhores
resultados no processo de ensino e aprendizagem.
Os alunos precisam de bons ensinamentos, para se constituírem em sujeitos da construção de seu conhecimento e participantes da riqueza do mundo que os cerca, pois São Paulo é uma cidade-escola, onde todos
podem aprender.
Sei que ainda precisa ser feito muito para que outros profissionais desenvolvam suas práticas pedagógicas
numa perspectiva construtivista.
Numa escola que tem registrado fracasso na alfabetização de seus alunos, é importante que os educadores incorporem a prática do construtivismo e acreditem que os alunos têm condições de aprendizagem, podendo
assim serem alfabetizados e letrados num menor período de tempo.
BIBLIOGRAFIA
CURTO, MORILLO & TEIXIDÓ -Escrever e ler vol.I – Como as Crianças Aprendem e como o Professor
pode ensiná-las a Escrever a Ler.Porto Alegre, Artmed editora, 2000
CURTO, MORILLO 7 TEIXIDÓ- Escrever e ler vol.II - Materiais e recursos para a sala de aula. Porto alegre.
Artmed Editora, 2000
FERREIRO, E & TEBEROSKY, A - Psicogênese da Língua Escrita
FERREIRO, E- reflexões sobre alfabetização, São Paulo, Cortez Editora, 24a edição, 2000
CURSOS
- PROFA –Curso Optativo do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, módulo I,II,e III ,
Proposta de Ensino e Aprendizagem da Língua Escrita, Ministério da Educação, SME/DOT/DOT-2/PROFA,2003/2004
- Curso de extensão cultura l- Da Teoria a Prática de Alfabetização e de Leitura nas Séries Iniciais, módulos
I,II,III. Cenp, 1989
- Curso de extensão cultura l- Literatura infanto-Juvenil.Cenp,1989
- Curso de extensão cultural- Metodologias de Ensino dos Componentes -Curriculares: Ciclo I – Ensino Fundamental, Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE,2003
- Curso -A criança e o conhecimento, Cenp, 1990
- Curso – Dinamizando Leituras em sala de aula, Programa de leitura da Petrobrás, 2000
314
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Academia Estudantil de Letras
Profa. Maria Sueli Fonseca Gonçalves – Presidente – idealizadora do Projeto
Profa. Rosane Martins da Cruz – Vice Presidente – Assessora Geral
Profa. Sueli Gonçalves de Medeiros – Secretária
Profa. Iara Veneziano Fraga – Assistente de Cerimonial
Telma Cristina A. Evangelista – 1a Representante da Comunidade e Orientadora de
Artes Cênicas
EMEF Padre Antonio Vieira
OBJETIVOS
• Desenvolver o gosto pela leitura nos alunos que já possuem uma vocação literária e despertar naqueles que não
possuem o desejo de adquirir essa competência, promovendo a inclusão social na aquisição da linguagem e da
leitura do mundo, propiciando a elevação da auto-estima como fator preponderante para a aquisição de outras
habilidades;
• Apresentar textos, poéticos ou não, atuais ou não, de reconhecidos de valor literário, que sirvam de mote à
criação de produções autênticas;
• Relacionar diretamente a biografia dos autores, no contexto histórico de cada um, com o entendimento da
realidade estudada, em comparação com o momento atual;
• Contribuir para a edificação do espírito de solidariedade, na medida em que os conhecimentos adquiridos são
compartilhados e as pesquisas acerca dos diversos autores e sua obra são discutidas e assimiladas coletivamente;
• Incentivar o hábito da disciplina do estudo, por meio do cumprimento de horários às reuniões acadêmicas;
• Preencher de maneira salutar o tempo ocioso do jovem estudante, evitando que se perca em divagações errôneas, nessa fase delicada de sua formação;
• Realizar excursões de caráter notadamente cultural, promover concursos literários e vivenciar a efervescência
literária no ambiente escolar;
• Convidar escritores, poetas, artistas de toda a gama, como forma de incentivo e desmistificação, tornando real
uma aproximação entre esses e os acadêmicos;
• Promover a desenvoltura do ato de falar em público, num processo gradativo de autoconfiança e realização;
• Possibilitar o exercício efetivo do protagonismo infantil;
• Favorecer a replicação da Academia de Letras em outras escolas da Rede Municipal de Ensino, como facilitadora nos processos de alfabetização e de letramento dos estudantes do Ensino Fundamental.
ETAPAS DO TRABALHO
1. Os alunos interessados em participar da Academia começam a freqüentar as reuniões semanais, como simpatizantes (1o estágio);
315
2. Num 2o estágio, os alunos simpatizantes podem vir a interessar-se, eventualmente, por estudar a vida e a obra
de algum escritor ou poeta. Se a cadeira já existir e estiver ocupada, eles deverão aguardar pela vacância, quando
o titular deixar a escola por motivo de conclusão de curso. Nesse caso, continuarão freqüentando a Academia
como suplentes, estudando juntamente com o titular a vida e a obra do patrono escolhido.
Se a cadeira não existir na Academia, os alunos simpatizantes poderão vir a criar uma nova cadeira, porém, isto
só acontecerá uma vez por ano, quando do aniversário da fundação. Nesse caso, freqüentarão a Academia como
aspirantes.
3. Os acadêmicos participam das reuniões semanais, trocam entre si as informações obtidas sobre os patronos,
lêem trechos de suas obras, dramatizam-nos, ensaiam, expõem suas opiniões, escrevem, organizam álbuns, desenham, elaboram autobiografias literárias e tomam conhecimento dos eventos agendados.
Na reunião mensal, dois acadêmicos são escolhidos para apresentarem o resultado de seus estudos a todos os
presentes, contando com a participação de outros acadêmicos, simpatizantes e aspirantes para ilustrarem o seu
trabalho. Essa é uma reunião especial, realizada sempre às últimas quintas-feiras de cada mês e conta com a
presença de um escritor, poeta ou artista convidado, além de representantes da equipe técnica, parte do corpo
docente, alguns pais e alunos da escola.
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
A “Academia Estudantil de Letras Padre Antônio Vieira” é um Projeto que evoluiu naturalmente de um
outro trabalho: “Poesia – um atalho para a Paz – desde 2002”.
O nome é uma homenagem ao patrono da nossa escola – Padre Antônio Vieira – notável orador e exemplo de vida a serviço da igualdade social.
Foi fundada em 30.05.2005, na EMEF PADRE ANTÔNIO VIEIRA, à Rua Antonino Bacaeri, 171,
Jardim Nordeste, São Paulo, Capital.
A Academia foi constituída, a princípio, por 25 alunos-acadêmicos, que tomaram posse no dia da fundação, e que ocupam 25 cadeiras literárias, escolhidas por eles próprios, a partir da identificação com textos
oferecidos em sala de aula.
A exemplo da Academia Brasileira de Letras, pretende-se que o número de cadeiras chegue a 40, gradativamente, ao longo do tempo necessário para “cativar” novos alunos, que hoje ainda freqüentam a educação
básica.
RESULTADOS / CONCLUSÕES
1. As alunos estão muito motivados, procuram a sala de leitura para empréstimo de livros e o Laboratório de
Informática para realizarem pesquisas, por livre iniciativa;
2. Percebemos que muitos melhoraram a postura em sala de aula, sentem-se valorizados e felizes;
3. Em pouco tempo já constatamos que os alunos dos anos mais adiantados preparam suas apresentações sozinhos, organizando-se em grupos fora do horário das aulas, criando textos, ensaiando, produzindo;
4. É relevante o progresso na escrita: os textos apresentam maior criatividade e coerência. Muitos estão escrevendo poemas, espontaneamente;
5. Os alunos “defendem” os seus autores com entusiasmo; tornaram-se “amigos” de seus patronos;
316
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
6.
Alguns já se posicionam como futuros escritores, atores, atrizes e professores de Língua Portuguesa;
7. Os alunos do 4o ano do Ciclo II “ensaiam” os mais jovens; preparam-nos para as apresentações;
8. Muitas vezes as citações feitas pelos escritores convidados nas reuniões mensais são repetidas por eles em momentos oportunos na sala de aula;
9. Muitos alunos do Ciclo I perguntam “o que fazer para se tornarem “Acadêmicos”...
317
Alfabetização e letramento para todos?
Profa Suzete de Souza Borelli
Profa Simone Rosa Xisto
EMEF Prof. Arlindo Caetano Filho
JUSTIFICATIVA
Ao iniciarmos o ano, nas reuniões de organização da EMEF Prof. Arlindo Caetano Filho, discutimos
com os professores e com os demais funcionários da unidade o que de dados reais a escola dispunha para saber
sobre as condições de alfabetização e letramento dos alunos. Tínhamos os dados das comissões de classe do ano
anterior e o depoimento dos professores que já trabalharam na escola em anos anteriores. Nada que estivesse sistematizado e disponível para nos ajudar a tomarmos uma decisão sobre a continuidade ou não do projeto que a
escola estava desenvolvendo. Havia inferência sobre tais condições, poucos registros para que pudéssemos avaliar
se a temática Valorização da Vida tendo como eixo a Leitura do Mundo, Alfabetização e o letramento era ainda
pertinente ao trabalho que seria desenvolvido durante o ano. Discutimos com o grupo uma investigação mais
profunda onde envolveríamos não só os alunos, mas também, o conhecimento leitor e escritos dos docentes da
unidade. Os professores responderam a um questionário e aos alunos foi solicitada uma produção de texto. Após
a avaliação das produções de textos, os docentes preencheram uma planilha com observações simples como o
no de alunos pré-silábicos, silábicos, alfabéticos e quantos produziam textos, no Ciclo I. Através desta pesquisa
constatamos que um número significativo de alunos não dominavam ainda a base alfabética cerca de 33% e
37,7% ainda não produziam textos. Diante dos resultados constatados decidimos dar maior investimento na
aquisição da base alfabética, na leitura e produção de textos.
OBJETIVO GERAL
Diminuir em pelo menos 20% o número de crianças não alfabetizadas no Ciclo I.
Melhorar a produção textual dos alunos do Ciclo I.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Subsidiar o trabalho de formação dos professores no que diz respeito a aquisição da base alfabética (conhecer
melhor a Psicogênese da língua escrita);
- Ampliar os momentos de leitura em sala de aula;
- Fazer circular o maior número de gênero/portadores textuais na escola;
- Contribuir na organização da rotina de trabalho dos professores para que efetivamente os objetivos gerais pudessem ser alcançados.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada é a dialógica, ou seja, é a partir do conhecimento real das dificuldades que se
pensa as estratégias e o suporte teórico que será utilizado para superação das mesmas.
ESTRATÉGIAS
O primeiro investimento foi no convencimento dos professores em participar do horário coletivo, mais
especificamente do PEA, onde acreditamos que este espaço é favorável a formação, discussão, aplicação de conhecimentos. A partir das discussões conseguimos um grande número de professores participantes, apenas três
professoras do Ciclo I, de 16 não participaram do PEA (uma do 2o ano, uma do 3o ano e uma do 4o ano) que
tem como temática Leitura do mundo, alfabetização e letramento.
318
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
1) Leitura e discussão de texto:
- de suporte para a compreensão da psicogênese da língua escrita;
- que mostrem a importância de ampliar o conhecimento leitor das crianças para repertoriá-las nos momentos
de escrita.
2) Discutir com os professores as práticas desenvolvidas em sala de aula, a partir das rotinas de leitura e de escrita
que estão sendo trabalhadas na nossa escola.
3) Mapeamento periódico dos avanços e das dificuldades enfrentadas com relação a aquisição da leitura e da
escrita no Ciclo I.
4)Levantamento da rotina de leitura de alguns professores e discussão delas nos horários coletivos, pensando se
os textos trabalhados contribuem para ampliação do conhecimento leitor e escritor das crianças.
5) Análise das atividades desenvolvidas em sala de aula, verificando se as mesmas são pertinentes ao objetivo
proposto pelo professor.
6) Ampliação do conhecimento do professor sobre as reais condições de leitura e escrita que se tem em cada
sala e, portanto, maior clareza da intervenção necessária para ampliar as competências leitoras e escritoras dos
alunos.
AVALIAÇÃO
A avaliação se dá continuamente, através dos mapeamentos periódicos solicitados pela coordenação
pedagógica, no intuito de acompanhar os avanços relativos ao processo de aprendizagem dos alunos no que se
refere a leitura, escrita e produção de textos, repensando novas estratégias para superar as dificuldades e alcançar
as metas traçadas.
RESULTADOS ALCANÇADOS
Tínhamos em fevereiro, 30 alunos do 2o ano ao 4o ano do Ciclo I, pré-silábicos não alfabetizados; em
junho este número caiu para 17, incluindo as salas do 1o ano, que não haviam sido mapeadas em fevereiro.
Os alunos silábicos passaram de 41 para 72, incluídos aqui as crianças do 1o ano.
O número de crianças alfabéticas passou de 212 para 294, incluídos os alunos dos 1o anos.
A produção de textos melhorou sensivelmente, passamos de 141 alunos produtores de textos para 216,
incluindo também alunos do 1o ano, tudo por causa do trabalho efetivo de leitura realizado pelas professoras,
através de caixas volantes de livros e da ida das professoras na Sala de Leitura, mesmo não tendo o OSL na
escola. A organização de horários e da rotina das professoras para que as caixas volantes de livros circulassem
e as professoras pudessem ocupar efetivamente a Sala de leitura, contribuíram para que o número de crianças
alfabetizadas aumentasse já no final do 1o semestre e conseqüentemente almejássemos uma meta ainda maior
para o 2o semestre.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1- Lerner, Delia – Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário – Porto Alegre, ARTMED – 2000
2- Weisz, Telam – O diálogo entre o ensino e a a prendizagem – São Paulo- Ed. Ática – 2002
3- Ferrero, Emília – Psicogênese da Língua escrita -Porto Alegre – ARTMED
4- Sole, Isabel – Estratégias de Leitura. Porto Alegre – ARTMED
5- Curto, Luís Maruy – Escrever e Ler: Como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler- Vol. 1 e 2 – Porto Alegre – ARTMED - 2000
319
Conheça a África, Suas Histórias, Sua Cultura, Sua
Gente...
Coordenadoria de Educação de Itaquera
Diretora: Elcia Dias Francisco
Coordenadora: Eliane dos Santos Nore
Profa. Marisa da Conceição Palopoli
EMEF Professor Aurélio Arrobas Martins
JUSTIFICATIVA
Desde os tempos mais remotos, vivemos em uma sociedade repleta de preconceitos e estereótipos.
O que, de fato, se passa com o ser humano? O que tem havido com o homem desde o início de sua vida
no planeta Terra?
Quem determina e escolhe o que é certo e o que é errado, o que é bonito e o que é feio, o que pode e
o que não pode, quem é melhor e quem é pior, quem tem direito e quem não tem, o que é de um e o que é de
outro?
Enfim, como as situações vêm sendo estabelecidas através dos tempos, quem é o dominador, quem é
o dominado na raça humana? Como são vistas as diferenças entre os seres humanos, o que os une e o que os
separa? Como lidar e entender todas essas questões e muitas outras...
Preferimos não falar em “raça”, escolhemos falar sobre “povos”, sobre “gente”.
O que tem acontecido na história há humanidade?
Se nos aprofundarmos na literatura a respeito, faremos grandes descobertas, descobertas estas, que nos
levarão a repensar sobre os estereótipos e preconceitos que vêm fazendo parte da nossa história. Com certeza
ficaremos surpresos e estarrecidos diante da nossa ignorância.
Este nosso trabalho teve por pretensão abrir um caminho para a busca do conhecimento dos nossos alunos, priorizando, neste momento, um olhar mais atento para o Continente Africano, para conhecer e entender
a sua cultura, sua gente e sua história, bem como, conhecer um pouco mais sobre a sua influência na cultura e
formação do povo brasileiro, reconhecendo e valorizando essa herança cultural e étnica.
Conhecedores que somos de toda a violência e injustiça social que permeia a História da África, quisemos, através deste trabalho, proporcionar aos nossos alunos a oportunidade de conhecer melhor o sentido da
palavra cultura e descobrir que em cada dia, em cada palavra, em cada flerte, em cada emoção, em cada jeito de
ser, entre inúmeras outras coisas, as culturas dos povos se manifestam e se perpetuam. Cantigas, gestos, cheiros,
danças, lendas, histórias, sotaques, roupas, culinária, arte, sonhos, imaginário... Tudo isso e muito mais, espalha-se, mescla-se em cores, tamanhos e formas e, a todo instante, vão fazendo, refazendo e continuando a nossa
História... Portanto, para entender a História da humanidade e suas múltiplas manifestações culturais é preciso
começar a se perceber e a perceber o outro...
OBJETIVO GERAL
Proporcionar aos nossos alunos condições de conhecerem a história da África, sua cultura e o seu povo
e, a partir desse conhecimento, levá-los a refletir sobre a influência da cultura africana em nosso país e sobre a
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sua real importância. Ao conhecer a nossa herança africana, esses alunos poderão transportá-la para o nosso
cotidiano e reconhecê-la nos mais diferentes usos e costumes brasileiros, em toda a nossa cultura no seu sentido
mais amplo, e reconhecer o seu valor, uma vez que, mesmo estando presente no nosso dia-a-dia, tende a passar
despercebida, pela grande falta de conhecimento histórico e sócio-cultural.
Por outro lado, dentro dessa contextualização, também refletir sobre a condição humana, sua criação e
seus direitos de igualdade, enquanto seres semelhantes, embora diferentes, como ocorre em outras espécies da
natureza.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Apresentar as diversas versões para a criação do mundo e dos seus seres, a fim de que se possa refletir na criação
do homem, como um ser semelhante e diferente ao mesmo tempo.
- Despertar a consciência da diversidade racial/étnica, como riqueza e não como um problema.
- Levar aos alunos um conhecimento sobre a história da África, sua cultura e o seu povo.
- Mostrar a grande influência da cultura africana na cultura brasileira e estimular o reconhecimento dessas influências no nosso cotidiano, usos, costumes e artes em geral.
- Tratar sobre o assunto da escravidão de forma que o indivíduo possa perceber a sua violência e injustiça, por
outro lado enfatizar a soberania e a resistência da raça negra que, mesmo dentro dessas condições, pôde deixar
para sempre a sua grande contribuição para a nossa cultura.
- Levar os alunos a conhecerem melhor a Literatura Africana, suas histórias, seus mitos e lendas que, durante
séculos, foram abafados pela proibição, desvalorização e pelo descaso, atestando a ignorância, soberania e arrogância de boa parte do mundo.
- Perceber que a crença religiosa é uma questão cultural, que difere de um povo para outro.
- Dar suporte para que os nossos alunos tenham condições de interagir com as informações que forem recebendo
ao longo de sua formação escolar e se interessem em pesquisar e ampliar os seus conhecimentos sobre a cultura
africana.
- Provocar uma sensibilização para que, sendo detentores de conhecimentos, os nossos alunos possam ser sujeitos
que reflitam e estejam conscientes de suas condições e das condições dos outros, respeitando-os e valorizando-os
no que há de mais importante na condição humana: a essência.
METODOLOGIA
Este trabalho foi realizado em três etapas, que se apresentaram da seguinte forma:
I – A partir das versões que se tem sobre a criação do mundo, bíblica e científica, foram discutidas as condições
do homem como ser humano, criado e nascido em condições reais de igualdade e como sujeito capaz de transformar e modificar sua vida, sua sociedade e sua história, o que nos leva aos seguintes questionamento: O que
é ser humano? Existe mais de uma raça humana?
II – Após a discussão supra citada, o nosso trabalho foi voltado para o Continente Africano, que foi apresentado
aos alunos, de forma que estes puderam situá-lo geográfica e historicamente, de forma mais específica e detalhada do que se tem feito ao longo da História.
III – Num terceiro momento, o que foi o nosso objetivo maior, por tratar-se de um Projeto de Sala de Leitura,
através da literatura, os alunos tiveram acesso a conhecimentos mais específicos da cultura e da tradição africana,
suas histórias, suas lendas, seus mitos e, sobretudo, sua gente.
Intercalando esses conhecimentos, foi abordada a situação da colonização e escravidão no Brasil, bem
como em outros países, de maneira mais superficial.
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As aulas foram contempladas e ilustradas com: histórias, lendas, poesias, músicas, filmes, documentários, manifestações artísticas, jornais, revistas, textos em geral. Foram utilizados todos os recursos tecnológicos
dos quais a Unidade Escolar dispõe, tais como: multimídia, vídeo, som e retro-projetor. Além de uma visita ao
museu Afro, no Parque do Ibirapuera.
A nossa proposta também acolhe a idéia de provocar e estimular, em todos os momentos possíveis debates, discussões e reflexões sobre os temas abordados.
Todos os conteúdos trabalhados em Sala de Leitura contaram com um suporte interdisciplinar, abrangendo os alunos dos 2o, 3o e 4o anos do Ciclo I e os alunos do 1o ano do Ciclo II, contando com o apoio e
participação dos professores de sala de aula e Língua Portuguesa e com atividades desenvolvidas em parceria com
a Informática Educativa em um projeto de pesquisa temática.
AVALIAÇÃO
A avaliação ocorreu de modo contínuo, durante o transcorrer das atividades. Os resultados mostraram,
através da surpresa, do interesse e da participação dos alunos, que os objetivos foram atingidos conforme o que
havia sido proposto no início do trabalho.
O tempo previsto para a realização do projeto foi para o ano letivo de 2005, porém, como já havia
sido previsto, será prorrogado e estendido se preciso for, em virtude da sua relevância neste momento em que
se procura tratar as questões de igualdade racial e justiça social, bem como, pela riqueza de materiais que estão
disponíveis para a busca do conhecimento e da reflexão.
BIBLIOGRAFIA
AGOSTINHO, Cristina e ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Alfabeto Negro. Maza: Belo HorizonteMG, 2001.
BARBOSA, Rogério Andrade. Histórias Africanas para contar e recontar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001.
BRAZ, Júlio Emílio. Felicidade não tem cor. São Paulo: Moderna, 2003.
________. Pretinha, eu? São Paulo: Scipione, 2003.
CABRAL, Gladir. Cada Dia, Volume Especial – Coração de Estudante. Campinas - SP: LCP Comunicações.
CAMPOS, Flávio de e outros autores. O jogo da História – de corpo na América e de alma na África, 6a e 7a
séries. São Paulo: Moderna, 2002.
CHAIB, Lídia e RODRIGUES, Elizabeth. Ogum o rei de muitas faces e outras histórias dos Orixás. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
CRUZ, Nélson. Chica e João. Belo Horizonte: Formato, 2000.
DEL PRIORE, Mary e VENÃNCIO, Renato Pinto. Ancestrais – uma introdução à história da África Atlântica.
Rio de Janeiro-RJ: Campus, 2004.
HALEY, Gail E. O baú das Histórias. Petrópolis-RJ: A&A&A, 1998.
JACQUARD, Albert. Todos Semelhantes, Todos Diferentes. São Paulo: Editora Augustus, 1993.
LIMA, Heloísa Pires. Histórias da Preta. São Paulo: Cia. das Letrinhas, 2002.
LUSTOSA, Izabel. A história dos escravos. São Paulo: Cia. das Letrinhas, 2001.
MIGUEZ, Fátima. Em boca fechada não entra mosca. São Paulo: DCL, 1999.
PINTO, Ziraldo Alves. O menino Marrom. São Paulo: Melhoramentos, 2004.
PRANDI, Reginaldo. Ifá, o adivinho. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2002.
PRICE, Leontyne. Aída. São Paulo: Ática, 2002.
PRUDENTE, Celso. Mãos Negras – Antropologia da Arte Negra. São Paulo: Panorama do Saber, 2003.
SANTOS, Joel Rufino. Gosto de África – histórias de lá e daqui. São Paulo: Global, 2001.
SCHMIDT, Mário Furley. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2001.
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VIDEOGRAFIA
- “ATLÂNTICO NEGRO – A ROTA DOS ORIXÁS” – filme de Renato Barbieri, com pesquisa e projeto de
Victor Leonardi e Renato.
- CONTOS DE CINDERELA – “A Gata Borralheira” (França), “A menina com a estrela na testa” (Chile) e “A
menina, o sapo e o filho do chefe” (Nigéria) Enciclopédia Britânica do Brasil.
- “O POVO BRASILEIRO” - filme idealizado e dirigido por Grinspum Ferraz, baseado na obra de Darcy Ribeiro.
- “VISTA MINHA PELE” – Coordenação geral: Hédio Silva Jr., Maria Aparecida Silva Bento e Bel Santos.
CEERT- Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades.
- “NARCISO RAP” – Prefeitura de São Paulo – Secretaria Municipal de Educação – Projeto Vida – Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra.
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EU: protagonista da transformação do espaço
Profa Rosa R. Simão
Profa Ma Alice B. Batista
EMEF Cacilda Becker
OBJETIVOS E FUNDAMENTAÇÃO
Um dos primeiros conteúdos que trabalhamos na disciplina de geografia em 8a série, é a questão da
evolução no modo de produzir produtos. Iniciamos pelo artesanato, seguimos com a manufatura, e com as
várias fases da Revolução Industrial.
Nosso objetivo é construir o conceito de que a produção de produtos evolui em uma constante, e que a
fase atual de evolução tecnológica não é a final..
Pretendemos também, que o aluno compreenda e reconheça, que esta tecnologia influi e contribui para
que o espaço seja constantemente alterado, seja pela extração de matérias-primas, seja pela construção de novos
prédios, ou outros elementos facilitadores da vida humana.
Finalmente, o objetivo principal, é que o aluno ao final do processo tenha construído a concepção de
que é ele, o protagonista destas transformações e mudanças, e de que as elas começarão a acontecer, a partir do
momento em que cidadão agir em seu meio com responsabilidade social. Do despertar da consciência ao protagonismo social temos apenas um pequeno passo.
CONTEÚDO
Evolução tecnológica e transformação do espaço
Procedimentos:
Pesquisas sobre o tema, e os sub-temas escolhidos;
Produção de histórias sobre os sub-temas;
Animação das histórias no laboratório de informática
Atitudes:
Cooperação e participação na realização do trabalho
Construção da consciência de responsabilidade social
ETAPAS DO TRABALHO E ESTRATÉGIAS:
Partimos do princípio de que com o uso de estratégias que agradam ao aluno, ele se torna mais produtivo. Esse é o caso da informática. Depois de muitas discussões concluímos que o trabalho deveria ser realizado
com GIFs ANIMADOS.
1o MOMENTO: Em sala de aula estudamos os conceitos.
2o MOMENTO: Em duplas os alunos escolhem um sub-tema, para pesquisar como sua transformação se deu
ao longo do tempo EX: a cidade ontem e hoje.
3o MOMENTO: Pesquisas em sites de busca, sobre o produto escolhido.
4o MOMENTO: Montagem de pequenas histórias, e desenhos no Paint.
5o MOMENTO:Foi baixado da Internet o programa “MICROSOFT GIF ANIMATOR” (FREE).
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6o MOMENTO: Animação em Gif.
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Os alunos se sentiram imediatamente motivados, quando lhes comunicamos que trabalharíamos o
conteúdo da evolução tecnológica e da transformação do meio, com pesquisas e animações com GIFs.
Seguimos os passos descritos nos item anterior. Todas as semanas, tínhamos uma aula no laboratório
de informática, o que viabilizou a realização do trabalho. Como em todos os trabalhosurgiram momentos de
dificuldades: ficamos sem rede, alguns computadores deram problemas, mas ao final tudo deu certo.
O mais importante, foi a mudança nas atitudes dos alunos, se tornando parceiro e comprometido, para
que nosso produto final fosse perfeito.É fundamental ressaltar: todo trabalho realizado, com estratégias agradáveis a faixa etária em questão, é feito com muito mais dedicação.
RESULTADOS
Observação: todos os trabalhos contam com vários desenhos, feitos pelos alunos, e que no final foram animados.
As imagens acima são apenas duas, de uma seqüência de imagens de um dos trabalhos realizados. Nosso objetivo
aqui, é o de ilustrar parcialmente o que foi feito pelos alunos. Caso nosso trabalho seja selecionado, levaremos
em power point as animações.
CONCLUSÃO
No final, como tudo que é feito com empenho e dedicação, deu certo. Os alunos atingiram aos objetivos propostos. Compreenderam que a tecnologia se encontra em constante evolução, e que a transformação do
espaço é de sua responsabilidade, esse o maior passo para que ele possa atingir o protagonismo. Tudo, de maneira
lúdica.
Concluímos, que quando a estratégia escolhida atende as expectativas do aluno, os objetivos são atingidos mais facilmente.
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Uma Experiência de Ensino e de Aprendizagem:
Partindo do Cotidiano Escolar
Francisco Antônio Moreira Rocha
Maria Helena Bertolini Bezerra
EMEF Cândido Portinari
O objetivo do presente artigo é relatar e discutir uma das experiências de ensino e aprendizagem junto aos alunos que acontece no espaço escolar público, mais especificamente, em uma das Escolas Municipais
– EMEF Candido Portinari – localizada em Perus, na Região Noroeste do Município de São Paulo.
Umas das experiências, pois o espaço escolar é repleto de ações desencadeadas pela equipe escolar, visando uma
melhoria do ensino, em um contexto desfavorável para muitos, pois Perus, é uma região extremamente carente,
constituída de dois públicos bem distintos. O primeiro é representado pelas famílias tradicionais, com características de uma cidade do interior e que vivenciou o crescimento acelerado do bairro, principalmente no que diz
respeito às ocupações e uso do solo desordenado. Outro público é formado por pessoas que foram ocupando o
bairro recentemente através de programas de moradia do Governo do Estado e do Município de São Paulo, os
famosos CDHU e COHAB, além de vários núcleos de ocupação/invasão de terras até então ociosas. Exemplo
dessa realidade desordenada é o famoso Recanto dos Humildes, que abriga centenas de famílias e com poucas
condições dignas de moradia.
É neste contexto que o espaço escolar existe. Com o desafio permanente de criar junto aos nossos alunos,
um ambiente favorável para ensinar e aprender, formando assim, alunos que percebam e que possam no futuro
próximo, intervir nessa diversidade espacial existente, na busca de uma melhoria na qualidade de vida, respeitando o meio ambiente ainda existente e recuperando áreas abandonadas pelo poder público.
A EXPERIÊNCIA
Ao longo dos meses de agosto e setembro de 2005, realizamos durante as reuniões de JEI e PEA, várias
reflexões e proposições sobre o currículo escolar. Discutíamos como trabalhar os problemas de indisciplina e
aprendizagem em sala de aula. Buscávamos alternativas didáticas pedagógicas no nosso fazer docente que tivesse uma metodologia diferenciada e que fugisse da famosa organização tradicional das disciplinas escolares.
Conversávamos sobre o currículo e ousávamos a discorrer sobre alternativas, buscando dialogar com as áreas
de conhecimento, com experiências existentes em outros espaços escolares e com teorias, através de estudos e
reflexões permanentes durante as reuniões.
Dentre essas reflexões, destacamos: a constituição do currículo escolar, a relação entre currículo e sociedade, a profissão e profissionalização do professor.
Atrelado a essa vontade de querer fazer diferença no ensinar e aprender pedagógico encontramos em
uma das propostas governamentais, a possibilidade de concretização dos nossos ideais. No material encaminhado às escolas pela equipe do MEC “II Conferência Nacional Infanto Juvenial pelo Meio Ambiente: vivendo a
diversidade na escola”, foi o diferenciador para implementação de um currículo alternativo. Os temas presentes
para a realização da conferência, contemplaram as problemáticas existentes no bairro, como a existência do Aterro Sanitário Bandeirantes, bem como a proposta de instalação de mais um na Chácara Maria Trintade, muito
próximo e com a mesma capacidade do existente. Outra problemática diz respeito ao Rio Ajuá que é jogado no
Rio Juqueri, encontram-se totalmente poluídos, sendo o segundo a principal via de acesso dos esgotos da região
até desaguar no Rio Tietê, no Município de Pirapora do Bom Jesus.
Não descreveremos a proposta do Mec, mas sim, as possibilidades a partir dela, que foram se configurando em um projeto interdisciplinar em que todas as áreas de conhecimento interagiram sobre um tema maior, o
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meio ambiente, especificamente o lixo e o crescente número de famílias, que aumentam ainda mais os grandes
problemas ambientais dessa região. O tema da II Conferência Nacional aceito pela plenária realizada no dia 06
de outubro de 2005 foi o “lixo” e que será trabalhado até o final do ano letivo.
A experiência que destacamos, teve início durante a segunda quinzena de setembro de 2005, ocorre ainda no mês de outubro e tem como pretensão, continuar durante o mês de novembro, culminando num grande
evento denominado de feira cultural, que acontece todos os anos no espaço escolar. Logo, entendemos projeto
como um processo, mesmo tendo claro o produto final, prazos e etapas, desdobramentos, enfim...
No primeiro momento, foi cumprido todas as etapas propostas para a realização da conferência, os
professores Apresentaram a proposta aos alunos, discutiram, elaboraram cartazes que representava a proposta da
turma, levaram para a plenária e votaram.
No segundo momento, os professores começaram a ousar junto aos alunos, foram além do simplesmente
proposto para a conferência. Organizaram diferentes materiais didáticos como textos, pesquisas na internet, debates, assistiram a vídeos temáticos e palestras, elaboraram e apresentaram teatro, confeccionaram quebra-cabeça, promoveram oficinas, elaboraram questões, participaram de um questionário abordando os conhecimentos
prévios sobre o bairro onde moram, confeccionaram cartazes e histórias em quadrinhos. Todas essas atividades
voltadas a questão ambiental do bairro para depois pensar o mundo.
RESULTADOS PRELIMINARES
Como resultados preliminares, entendemos o que foi realizado e as possibilidades decorrentes desse
processo, o que vivenciamos e pudemos verificar nas atitudes e nas proposições dos professores e alunos.
Quanto aos professores percebemos em suas práticas cotidianas a flexibilidades criada para atender as expectativas de ensino, diferente do antes realizado. Tiveram que respeitar outros tempos/espaços de aprendizagem,
aceitando o que antes era utópico, deixar um pouco de lado o conteúdo programático e investir em outras necessidades mais latentes. Discutir o realizado isoladamente, perguntar/ouvir se é esse o caminho, o que falta e
no que posso ajudar, foram/são atitudes percebidas até então. Um espírito de eterno colaborador nos diferentes
momentos de partilhar as práticas docentes.
Nos alunos notamos atitudes muitas vezes idênticas as dos professores, como companheirismo na realização das atividades, questionam constantemente o que estão fazendo, se é dessa, ou daquela forma que devem
iniciar e findar. Estão mais próximos dos professores, são mais amigos.
Observa-se também, que aqueles alunos que não realizam as atividades durante as aulas, começam a
participar, pois o assunto está mais próximo deles, o bairro não é estranho, é interdisciplinar, logo possuem
conhecimentos e o que relatar. Alguns assumem a responsabilidade na organização, outros se encarregam de
desenhar e apresentar as atividades para o grupo.
Os alunos conseguem perceber uma interação entre as disciplinas, pois os professores falam a mesma
linguagem, assumem uma postura única, trabalhar o meio ambiente do bairro a partir dos diferentes olhares
existentes nas áreas de conhecimento e dos conhecimentos prévios dos professores e alunos sobre a temática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEZERRA, Maria Helena B. (2002). História e Memória: a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus
na prática pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Cândido Portinari. PUC/SP.
ROCHA, Francisco A. M. (2005). Uma Pesquisa Participante no Ciclo I: professores em formação e propostas
em discussão. Dissertação de Mestrado, FEUSP.
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Uma Sala de Ciências Como Um Espaço Alternativo
Maria Nizete de Azevedo
EMEF Cândido Portinari
Este trabalho relata uma experiência de ensino de Ciências, desenvolvido com crianças em idade escolar,
na faixa etária de 7 a 11 anos, numa escola pública, em um bairro periférico da cidade de São Paulo. O projeto
iniciou-se há cerca de 7 anos, a partir de iniciativas individuais de alguns professores, com a montagem de um
laboratório-oficina de Ciências que, além de inovar com uma prática metodológica diferenciada, acabou por
tornar-se um elemento integrador na U.E. Desde então, apresenta o grande desafio que é despertar os professores do Ensino Fundamental I para a busca de práticas educativas que valorizem o Ensino de Ciências no
que tange à elaboração conceitual por parte das crianças, buscando entrelaçar esse ensino com outras áreas do
conhecimento, bem como o processo de alfabetização.
Como educadores há vários anos no ensino público, nós precursores deste projeto, temos consciência do
quadro sócio-político da educação em nosso país. Estudos e pesquisas apontam para uma crise no ensino que
sabemos não se restringir à área de Ciências e nem se circunscrever no território brasileiro. As dificuldades que
se apresentam são abrangentes e, ao nosso ver, não decorrem apenas de causas localizadas na esfera metodológica
e epistemológica. Se olharmos para as nossas escolas com a preocupação de não isolá-las do contexto social e
político do país e do mundo, perceberemos o quanto são um universo complexo e o quanto as relações estabelecidas neste cotidiano refletem a situação de crise, não só do sistema de ensino, mas do sistema social como um
todo. As contradições sociais inerentes a esse sistema estão presentes em nossas salas de aula e convivem com
o processo de ensino e aprendizagem. Além do mais, presenciamos cotidianamente o desprestígio da educação
pública perante a escala de prioridades dos poderes públicos.
Com relação ao ensino de ciências, constatamos uma enorme defasagem entre o avanço científico e
tecnológico existente no mundo e a prática desenvolvida em sala de aula. Esse ensino ainda é caracterizado pela
transmissão de conhecimentos, tidos como prontos e inquestionáveis, referendados pelo livro didático, que,
em muitas situações, consiste em única fonte de referência teórica para o professor. Apesar das várias pesquisas
terem levado a muitas propostas metodológicas, há o reconhecimento de que essas “propostas inovadoras pouco
alcançam a maior parte das salas de aula, onde, na realidade, persistem velhas práticas” (PCN, Ciências Naturais,
1998). Esses documentos oficiais indicam a continuidade dos debates, afirmando que tais mudanças exigem
uma nova forma de compreensão do processo de educação na sua totalidade, não ocorrendo apenas a partir de
novas teorias construídas em um mundo exterior ao ambiente escolar.
A experimentação, quando praticada, na maioria das vezes não extrapola a condição de demonstração,
realizada com o único intuito de comprovar teorias, não levando à reflexão, à investigação e, conseqüentemente,
à construção dos conceitos. No Ensino Fundamental I, o ensino de Ciências também passa por esses problemas
e ainda é acrescido com outros agravantes. Estão sob responsabilidade dos professores do ensino fundamental I,
principalmente na escola pública, a educação conceitual em todas as áreas e a articulação dessa educação com a
alfabetização na língua materna portuguesa. Ou seja, os alunos, ao final desse ciclo de ensino devem estar capacitados à leitura e à escrita, e, além disso, alfabetizados em ciências. Estas não são tarefas simples e, pelo que posso
observar, a formação inicial desses profissionais, apesar da polivalência, não os capacita para que cumpram esses
objetivos. Este desafio “ainda representa para muitos docentes um problema, sobretudo em termos do conteúdo
a ser ensinado e o modo como este deve ser ensinado” (Brandi & Gurgel, 2002).
Entretanto, não compartilhamos com aqueles que, diante desse quadro, ficam inertes e nada contribuem
para superar tal situação. Acreditamos que a escola pública, apesar de todas as dificuldades existentes, ainda permite questionamentos, experimentações, pesquisas, se constituindo em um ambiente fértil ao desenvolvimento
de novas concepções, desde quando, é lógico, hajam grupos de professores dispostos e organizados.
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Foi a partir dessa avaliação e imbuídos deste corpo de concepções que, há cerca de 07 anos atrás, alguns
professores, com a cooperação de alunos, direção e pais e contando apenas com recursos advindos da comunidade escolar, implementaram o projeto de estruturação de um espaço alternativo de aprendizagem, ao qual
denominamos de “laboratório-oficina de Ciências”. A área era muito pequena, pois se tratava de um banheiro
desativado, onde se depositavam carteiras velhas. Além do mais, dispúnhamos tão-somente de dois bancos
grandes, duas bancadas, algumas vidrarias e um microscópio. Foi nestas condições que atuamos durante seis
meses, quando já podíamos dizer que possuíamos um equipamento de apoio pedagógico ao ensino de Ciências
na U.E., onde muitas ações significativas já eram experimentadas. O sucesso deste trabalho garantiu, dois anos
mais tarde, a substituição deste laboratório por um outro, amplo e razoavelmente equipado com recursos, neste
momento, garantidos pela Secretaria Municipal de Educação.
Se essa conquista, por si só, já era algo relevante dentro das circunstâncias, mais relevante ainda era a
concepção de trabalho que norteava essa nova estrutura dentro da escola.
As atividades eram elaboradas nas horas das reuniões coletivas, que contava com a participação da coordenação pedagógica, professores e com o meu apoio, enquanto especialista na área de Ciências Naturais. As
atividades a serem desenvolvidas no laboratório, eram planejadas, de forma que houvesse a continuidade dos
conteúdos estudados na sala de aula, na sala de leitura e no laboratório de informática (equipamento instalado posteriormente), evitando a fragmentação entre os fazeres nos diversos espaços. Os conhecimentos prévios
dos alunos já eram, por nós, bastantes valorizados, bem como a participação de todos através de observações,
levantamentos de hipóteses, criação de experimentos para testar suas hipóteses, reformulações, comparações,
desconstruções, reconstruções, com o grande intuito de estabelecer constantemente uma relação de troca e de
co-produção.
Em diversos momentos eram instaurados processos investigativos a partir de algum fato constatado
em experimentos, ou mesmo numa rápida saída ao jardim da escola, ou num estudo do meio mais elaborado
em algum local significativo do bairro. Essa prática de Estudo do Meio, que costumeiramente adotamos, além
de se constituir em um grande instrumento fecundo em situações problematizadoras nas diversas áreas do conhecimento, possibilita o resgate da nossa memória na perspectiva de construir a identidade da comunidade.
Faz-se necessário dizer que a fantasia e a magia, próprias das crianças, não foram esquecidas, fazendo com que
buscássemos o uso freqüente de brincadeiras, músicas, histórias infantis, teatro, enfim tudo que é lúdico e que
as atraiam, permitindo, de forma agradável, uma maior aprendizagem.
Ao longo desses anos tivemos condições de refletir e ampliar a nossa visão. Hoje, 07 anos após a construção do laboratório, avaliamos que essa experiência trouxe vida ao ensino de ciências naquela escola. Revelou
que, apesar da carência material, foi e é possível desenvolver um trabalho capaz de despertar o entusiasmo de
todos aqueles que se envolveram e que se envolvem; que a escola pode vir a ser um lugar no qual a brincadeira
e o lúdico convivem com a atenção e concentração que a aprendizagem exige; que estudar não é memorização
de conteúdos do livro didático; que instigar a criança a problematizar, a levantar hipóteses, a buscar respostas,
cria nela o espírito da investigação, da pergunta, da dúvida do que vem pronto e acabado e envolto na aura
da “verdade”; que é possível, também, articular o processo de alfabetização na língua materna com a educação
científica.
Avaliamos que a persistência do projeto demonstra o seu valor e a sua importância. O envolvimento
das crianças é, para nós, o principal indicador. Esse trabalho é, sem dúvida, alimentado e enriquecido com o
encantamento desprendido por elas. É impressionante a alegria e a curiosidade com que todas se voltam para
qualquer situação problematizadora nova. Demonstram a todo instante, surpresa, espontaneidade, ausência de
timidez ou medo de errar e a vontade explícita de explicar as coisas da natureza. São capazes de observar detalhes
que passam despercebidos pelos adultos. Perguntam, relatam e narram com desenvoltura. Essas características
chamam a atenção dos professores, direcionando, de certa forma, suas ações e servindo também como estímulo
à continuidade.
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O desenrolar dessa experiência tem levado ao amadurecimento de uma nova concepção de ensino e
nos proporcionado resultados positivos, não só do ponto de vista da aprendizagem dos alunos, mas também do
nosso crescimento e aprendizado enquanto educadores. É claro que todas as conquistas exigiram muitos esforços. Temos consciência de que participamos de um movimento, onde cada um, apesar do esforço coletivo, se
encontra em um grau diferenciado de atuação e aprendizagem. Muitas são as reflexões e sabemos da importância
do estudo e da pesquisa para a teorização e fortalecimento de nossa prática.
De tudo isso, fica para nós, a vontade de prosseguir, garantindo a continuidade do projeto, na perspectiva de ampliá-lo e de estendê-lo a outras escolas.
Participam do projeto na Unidade Escolar
Professores do Ensino fundamental I
Regina Célia Soares Bortoto (Língua Portuguesa).
Coordenadora pedagógica – Maria Helena Bertolini Bezerra (Ciências Humanas);
Professora orientadora do Laboratório de informática – Maria Cristina Marinelli de Oliveira
Professora responsável pelo Laboratório de Ciências e coordenadora do projeto – Maria Nizete de Azevedo
(Ciências e Biologia);
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Crianças e professores em situações de aprendizagem:
Investigando e aprendendo com os animais que vivem em nossa escola
Maria Nizete de Azevedo (Formadora)
Marisa De Mari (Professora 2oE)
Sara da Silva Bezerra Lima (Professora 2oC)
Adelina Rodrigues Pires (Professora 2oD)
Suami G. Navarro (Professora 2oB)
Irene Santos(Professora 2oA)
Rosângela A. M. Lima e Maria Helena B. Bezerra (Coordenadoras Pedagógicas)
EMEF Cândido Portinari
Este trabalho relata uma experiência de ensino de Ciências, desenvolvido com crianças na faixa etária de
7 a 8 anos que cursam o 2o ano do ciclo I, planejada e organizada por seus respectivos professores envolvidos
no projeto “ABC da Educação científica- mão na massa”.
Trata-se do desenvolvimento de vários ciclos didáticos ou ciclos investigativos inseridos no eixo temático “animais que habitam o espaço escolar”. Este eixo temático abrange investigações bastante pertinentes e
adequadas para crianças de todas as idades. Por meio dele é possível estabelecer relações nítidas com o estudo da
natureza, com os seus movimentos, além de propiciar um amplo processo de Educação Ambiental. Isto é possível a partir do momento em que levamos a criança a olhar a natureza com cuidado e com afetividade. Aliado
ao processo de Educação Ambiental está a construção das noções de ecossistema, garantida ao se tomar a escola
enquanto um meio para estudo, ao se considerar todas as inter-relações perceptíveis neste ambiente e ao se optar
em estudar os animais que habitam esse espaço, indo até eles, observando-os, preocupando-se em estabelecer
relações entre a forma de vida destes seres e o ecossistema no qual está inserido.
Alem do mais, é um tema de fácil contextualização, já que se trata de escolher ou delimitar um espaço
para investigações, que pode ser a própria escola ou parte dela ou qualquer área do entorno. Como pode ser
também áreas maiores e mais distantes, como parques, praças, etc.
Optamos pela metodologia investigativa por acreditarmos que por meio dela tudo isso seja possível.
Além do mais, o planejamento dos processos investigativos, bem como o seu desenvolvimento e interpretação
exigem de nós professores a atenção redobrada para que consigamos, de fato, encorajar as crianças para que
estas atuem ativamente como sujeitos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem. O exercício desta metodologia constitui, portanto um processo de aprendizagem não só das crianças, mas também dos professores.
O ciclo didático consiste em um processo pelo qual organizamos e sistematizamos o trabalho realizado
por meio desta opção metodológica. Cada ciclo é estruturado por um conjunto de seqüências didáticas ou processos investigativos inter-relacionados, onde um dá continuidade ao outro, ou um gera o outro, compondo um
ciclo de investigações.
Toda seqüência didática é iniciada por um problema de aprendizagem ou situação problema, sendo este
o elemento que garante a instauração do processo investigativo. O problema é, para as crianças, uma situação relativamente nova e difícil, cujas respostas são desconhecidas para estas. Quando as crianças se deparam com uma
situação problematizadora, e se esta for de fato uma boa situação, presencia-se a profusão de hipóteses e de novas
perguntas dos alunos. Perguntas, muitas vezes, orientadoras, indicadoras e sugestivas. Cabe ao professor transformar estas perguntas em possibilidades investigativas. Temos consciência, no entanto, do grau de dificuldade
que geralmente enfrentamos para isto. O problema deve ser “uma boa pergunta”, e isto não é fácil de elaborar.
A boa pergunta é: concisa, clara, objetiva, capaz de estimular a criatividade e de fazer emergir as representações
da criança, o seu pensamento livre e espontâneo.
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As hipóteses levantadas são discutidas e coletivizadas no grupo para em seguida comporem o plano de
ação. É por meio de uma experimentação ou de qualquer outra estratégia de investigação, que as crianças testam suas hipóteses e colocam em prática seus planos de ações, buscando, com isso, a resolução do problema,
bem como a superação dos conflitos instaurados.
A experimentação – estratégia comumente utilizada, pode assumir diversos papéis, ora como elemento problematizador, ora como elemento resultante de um momento de criação diante de um desafio ou um problema.
Ao se deparar com determinados resultados observados ao final das experimentações, imediatamente as
crianças recorrem às suas representações, às suas hipóteses, usando-as como parâmetros comparativos, chegando então, a refutá-las ou a confirmá-las. Este é um momento em que as crianças, ao se colocar diante de um
conceito científico desconhecido interagem com ele, estabelecendo relações entre este e os seus conhecimentos
previamente elaborados. Pode, aqui ocorrer, a possibilidade de extrapolação das visões de mundo imediatas e
de alcance de níveis de abstrações crescentes e superiores, ou seja, de construção de novas generalizações e de
reestruturações dos esquemas mentais.
Essas reestruturações ou construções de novas generalizações são resultantes de um processo de construção de novos significados e também de ressignificações de conceitos, inclusive daqueles que já foram construídos
e acumulados historicamente pela humanidade. Os conceitos que temos como universalizados não podem ser
tidos enquanto verdades absolutas, embora sejam referenciais e muito contribuem na explicação de muito do
que acontece ao nosso redor. Por este motivo falamos em ressignificação.
O processo experimental investigativo potencializa as situações de comunicação e interação, pois a todo
instante surgem perguntas, novas hipóteses e a necessidade de socializar as pré-conclusões. O momento de finalização da seqüência didática é um bom exemplo de reflexão coletiva, pois o processo precisa ser retomado,
desde a sua instauração até as conclusões. O professor refaz o problema e suscita a participação do grupo classe
na rememoração de toda a vivência. As falas das crianças, mediadas com novas perguntas formuladas pelo professor, vão, pouco a pouco, compondo o quadro das ações realizadas.
Este é o instante muito rico, em que se percebe com clareza a interação dos conceitos científicos com os
conceitos trazidos pelas crianças. Gradativamente novos conceitos e novas atitudes são construídos: a linguagem
da criança se amplia com o ganho de mais palavras, de mais gestos e de mais argumentos; palavras desconhecidas vão se tornando conhecidas e já aparecem nas falas; as crianças, embora falem sem medo de errar, se preocupam em falar explicitamente, de forma que todos compreendam; além do mais, é preciso saber ouvir e esperar a
vez de falar.
Finalmente, conclui-se a investigação com as produções escritas, onde, individualmente, são registradas
as percepções e as relações estabelecidas por cada um. Evidencia-se, neste instante, o esforço da criança na transformação das reflexões coletivas, das falas anteriores em texto escrito. Cada criança escreve e/ou desenha o que
foi significativo para ela, o que conseguiu elaborar em todo o processo desenvolvido. A pretensão é transformar
a aprendizagem coletiva em aprendizagem individual, onde a criança, dialoga consigo mesma, rememoriza, reelabora e interioriza muito do que teve oportunidade de vivenciar. Um ciclo didático é assim finalizado para dar
início imediatamente a outro, na maioria das vezes desencadeado pelas necessidades construídas anteriormente.
Estas reflexões, construídas e acumuladas ao longo de muitos anos de trabalho, podem ser demonstradas
no relato que aqui trazemos.
Os ciclos de investigações aos nos referimos, possuem metas pré-estabelecidas, todas elas direcionadas
para a construção de conhecimentos relacionados ao reconhecimento dos animais que habitam a escola, suas
características e formas adaptativas de sobrevivência e perpetuação da espécie. Pretende-se também construir um
movimento de aprendizagem, onde as crianças são levadas a pensar, a planejar, a buscar saídas coletivas. Pretendese que nesse movimento de aprendizagem, as crianças, em interação com outras crianças, construam habilidades
próprias, desenvolvam autonomia e autoconfiança para buscar formas de raciocínio para planejar suas ações.
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IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
Iniciamos com a investigação do espaço escolar, processo que foi instaurado pelo seguinte problema:
“que animais você imagina que vivem na escola”? Embora pareça uma questão sem muita importância, tem um
grande potencial mobilizador. Ao recebê-la, a criança imediatamente se põe a pensar, a se localizar espacialmente
na escola, a lembrar dos espaços que a compõem, a se perguntar sobre o que é realmente um animal, a listar
tudo que considerava animal e que vive naquele ambiente tão “aparentemente” conhecido. O segundo desafio
é escrever e/ou desenhar estes pensamentos, primeiro individualmente, para em seguida ser coletivizado junto
ao grupo classe. As hipóteses coletivizadas são agora publicadas. Entre os resultados, temos algumas surpresas: a
lista compunha animais como tigre, leão, tartaruga que fazem parte do imaginário da criança e não necessariamente do habitat escolar; nós, seres humanos não fomos considerados animais; e para muitos, insetos, como
baratas, moscas, por serem “nojentos”, também não eram animais e sim “bichos”.
Após a discussão dos resultados, inicia-se o planejamento e preparação para a saída à campo. Esta etapa é
fundamental, pois concomitante ao planejamento do que se vai fazer durante a saída (o quê e para quê?), constrói-se coletivamente as atitudes e comportamentos que serão adotados por todos no percurso.
Durante a saída a campo, a habilidade mais necessária foi a observação cuidadosa e apurada de todos os
detalhes. É surpreendente o comportamento das crianças diante daquele espaço já conhecido, mas que parecia
nunca ter sido visto antes. E de fato nunca tinha sido enxergado, nunca tinha sido notado ao mesmo tempo, por
tantos olhos, por tantos sentidos. Era uma explosão de alegria, a cada animal encontrado. Todos se voltavam para
vê-lo, registra-lo e fotografá-lo. Não era permitido tocar no animal. Caso estivesse morto, o professor o coletaria
para futuras investigações. Os animais encontrados fora do seu habitat natural, como minhocas, por exemplo, eram
imediatamente “socorridos e salvados” pelos professores. Ao retornar a classe, inicia-se o processo de organização
e sistematização das informações coletadas. Várias estratégias foram elaboradas para este fim. Uma delas foi a projeção de todas as fotos tiradas ao longo da saída, onde as crianças tiveram a oportunidade de reverem os animais
encontrados e de também se verem. As crianças gostam muito de serem fotografadas e isto traz efeitos muitos
positivos para o processo de aprendizagem. As fotos também contribuíram na produção da lista dos animais vistos,
na comparação destes com as hipóteses levantadas previamente e no planejamento das futuras investigações.
Para concluir a seqüência anterior sentimos a necessidade de verificar melhor a concepção das crianças
sobre os animais: “como sabemos que a aranha que vimos é realmente um animal?” ”quais são as principais
características dos animais?” E nós somos animais?” os objetivos destas questões eram simplesmente organizar
melhor as idéias do grupo classe sobre o conceito de animal e nos inserirmos neste conjunto.
Bem, na verdade, esta seqüência didática, além de ter sido um processo investigativo, foi também o
elemento desencadeador das várias outras seqüências realizadas subseqüentemente. Como não será possível descrevê-las, apenas demarcaremos o início de cada uma com o problema que a desencadeou.
Os primeiros animais investigados foram os insetos: “ o que é um inseto e como é o seu corpo”? A estratégia de investigação foi a observação pormenorizada, realizada com a ajuda de instrumentos especializados
( lupas de mesa, por exemplo) dos vários insetos coletados (pernilongos, borboletas, besouros, etc). Contamos
com o constante apoio do laboratório de informática e da sala de leitura em todos os momentos em que isto se
fez necessário.
Nesta mesma semana recebemos de uma mãe um galho de “fícus” com uma bela lagarta de borboleta.
Organizamos rapidamente uma seqüência, por meio da qual levantamos as nossas expectativas quanto ao ciclo
de vida da borboleta e iniciamos o acompanhamos do processo de metamorfose.
No processo de conclusão do e