o cinema criando conexoes: uma proposta
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o cinema criando conexoes: uma proposta
II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica – Santo Ângelo – 2012 O CINEMA CRIANDO CONEXOES: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE PRÁTICA EDUCATIVA Cilmar Castro1, Alex Fonseca2, Lucia de La Rocque3 1 IFRJ – Campus Pinheiral - RJ, [email protected] IFRJ - Campus Pinheiral - RJ, [email protected] 3 FIOCRUZ / IOC - [email protected] 2 1 CONTEXTO DO RELATO O presente texto representa o relato de uma atividade de prática educativa, integrante de pesquisa de Mestrado do Programa de Ensino em Biociências e Saúde da FIOCRUZ – RJ. Trata-se de uma estruturação de debate, a partir da utilização do cinema de ficção científica, para fomentar discussões e conexões com várias áreas do conhecimento, para alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas. Integrou-se a dissertação “Biociências, Computação e Educação: O Cinema de Ficção Científica como Instrumento Pedagógico de Produção de Conexões e Questionamentos” (CASTRO, 2006), proporcionando elementos de orientação para ações educativas na linha de pesquisa de Ciência e Arte. O foco aqui apresentado se concentra na concepção metodológica de planejamento, execução e análise dos dados, favorecendo assim a outros pesquisadores que buscam diretrizes e experiências para o aprimoramento de seus trabalhos envolvendo o uso pedagógico do cinema. Teve como premissas fundamentais: 1) a utilização do cinema de ficção científica, por sua capacidade de expressar a dinâmica de mudanças de nossa sociedade atual e também por favorecer a abordagem de questionamento e de estabelecimento de concepções alternativas; 2) a abordagem integrada de várias áreas de saber, ao invés do vínculo estritamente disciplinar, tão comum nesse tipo de atividade. 2 DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES Para o desenvolvimento da prática educativa, na forma de um debate a partir de um filme de ficção científica, foi necessária uma cuidadosa estruturação, dividida em 3 fases principais, com suas atividades: Planejamento, Execução e Análise, descritas a seguir: Planejamento Fundamentação teórica: Como ação resultante de uma pesquisa acadêmica, houve anteriormente a fundamentação teórica sobre o uso do cinema, que incorporou ideias de autores como Napolitano (2003), Duarte (2002), Buzzo (1995), Glassy (2001), Brake e Thornton (2003), entre outros. Diretrizes Iniciais: Foram definidas 8 diretrizes para modelagem do debate Diretriz 1) Acolhimento de experiências anteriores 2) Aplicação do experimento em condições típicas 3) Reprodutibilidade do experimento 4) Identificação de limitações e falhas URI, 27-29 de junho de 2012. Descrição Consideração de outras experiências didáticas envolvendo o uso do cinema Uso em sala de aula, com infraestrutura real típica, tempo e demais limitações incluídas Capacidade de a atividade ser repetida e aprimorada por outros pesquisadores Indicação dos limites, obstáculos e falhas detectadas, servindo de alerta para futuras ações II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica – Santo Ângelo – 2012 Diretriz 5) Particularização dos grupos na amostra Descrição Divisão de 2 grupos, um vendo o filme completo e o outro vendo somente cenas específicas, ambos participando em seguida do debate 6) Definição de escopo Abordagem qualitativa, com grupo reduzido de pequeno, analisado em alunos, aprofundando a interpretação dos dados profundidade obtidos a partir dos dados a serem coletados 7) Inclusão de Avaliação Avaliação externa das participações dos alunos e externa do mediador 8) Alto grau de conectividade Adoção de temáticas complexas, que ensejam de conhecimentos e ligações com diversificadas áreas de complexidade conhecimento, indo além das biociências Quadro 1 – Diretrizes para formulação da proposta Seleção de Filme e Mapeamento das Cenas-Categorias: foram consideradas produções cinematográficas de ficção científica de grande popularidade, com recorte temporal de 1999 a 2003, que tinham em comum a perspectiva de não possuir como foco principal vidas alienígenas nem viagens intergalácticas – privilegiando uma abordagem de introspecção do ser humano. De quatro produções pré-selecionadas, foi escolhido o filme Matrix (1999), por seu alto grau de conexão com múltiplas áreas. Tal obra foi analisada, gerando um mapeamento de cenas, destacando algumas categorias (como vida, ser humano, vírus, realidade, aprendizado, evolução, entre outras), para a escolha das cenas que antecederam o debate. Público-Alvo: foi escolhida uma turma de 3º ano de Licenciatura em Ciências Biológicas do UGB (Centro Universitário Geraldo di Biase, Volta Redonda, RJ), cujo mediador do debate não era professor da turma em questão. Adotou-se um critério de mínimo de 15 e máximo de 30 alunos para o evento proposto. Os alunos da referida turma forma segmentados em 2 grupos (pela ordem no diário) para comporem o grupo 1 (que veria antecipadamente o filme na íntegra) e o grupo 2 (que só veria cenas selecionadas antes do filme) Planejamento de Estrutura e Lista de Verificação: correspondeu ao trabalho de definição da infraestrutura necessária (recursos audiovisuais, espaço físico, convite ao público-alvo, etc) e geração de uma lista de verificação (check-list) para assegurar que o protocolo de funcionamento da infraestrutura fosse fielmente seguido. Elaboração dos Questionários: Foram construídos 4 questionários a serem preenchidos, 3 pelos grupos 1 e 2 de alunos e 1 pelo avaliador externo, como no quadro a seguir. Os questionários tinham maior número de questões abertas, favorecendo assim a livre expressão do participante. Foi criado um sistema de numeração de questões a fim de facilitar o processo de tabulação. Questionário 1 – Perfil Para Grupos 1 e 2 2 – Impressão Inicial Grupo 1 URI, 27-29 de junho de 2012. Objetivo Identificar o perfil do aluno (etário, gênero, ...) e seu vínculo com cinema. Preenchido antes de ver o filme Obter a Impressão imediata sobre o filme. Preenchido imediatamente após ver o filme (somente grupo 1) II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica – Santo Ângelo – 2012 Questionário 3 – Avaliação da Dinâmica 4 – Avaliação Externa Para Grupos 1 e 2 Objetivo Registrar a opinião dos participantes em relação à proposta pedagógica do debate, servindo de avaliação da prática educativa. Preenchido após o debate Avaliador Registrar a opinião do avaliador externo Externo (pedagogo) sobre a participação de alunos e do mediador do debate. Preenchido durante e após o debate Quadro 2 – Questionários elaborados Execução Evento: Foi agendado com antecedência com os participantes, divididos em grupo 1 e 2. O grupo 1 (que veria o filme na íntegra), no momento do convite para a prática, recebeu o questionário 1 e 2 e foi incumbido de ver o filme Matrix (em casa) e preencher os questionários. O grupo 2 somente recebeu o questionário 1 (de perfil). Para o evento em si, utilizou-se o horário normal de aula, de uma disciplina (2 tempos de 50 minutos). Contou com 16 alunos da turma, 11 mulheres e 5 homens. Vale salientar que houve um evento piloto com outra turma do mesmo curso, que serviu de teste preliminar da proposta e também houve a aplicação da metodologia em uma turma do curso de Licenciatura em Computação da mesma Instituição, mas aqui o relato trata especificamente da turma de 3º ano de Licenciatura em Ciências Biológicas. Ações: Previamente foi preparada a sala de aula, de acordo com o protocolo estabelecido na lista de verificação. Com a chegada dos alunos, foram recolhidos os questionários e iniciada a apresentação de duas cenas pré-selecionadas, a cena 12 “O mundo verdadeiro” (trabalhando categorias como realidade e interação homemmáquina) e a cena 28 “Cura de virose” (com categorias de virus e ser humano) referências ao DVD do filme. Para ampliar o entendimento da evolução tecnológica atual, aproximando a ficção cientifica da realidade, foi apresentado também o estudo do professor Hunter Hoffman, sobre analgesia em ambientes de Realidade Virtual (HOFFMAN, 2004), que utiliza simulação computacional para redução da dor física em terapias com pacientes com queimaduras. Seria uma “matrix do bem”. Após a exibição de cada cena, eram propostas perguntas (e provocações) feitas pelo mediador, com o propósito de estimular os participantes a emitirem suas opiniões, contestarem pontos de vistas de outros (aplicação de grupo focal, valorizando interferências mútuas na consolidação das ideias do grupo) e produzirem suas próprias questões. Neste sentido ao invés de uma atividade de cunho conteudista ou vinculada a uma disciplina específica, tem na realidade uma aproximação maior com a capacidade de questionar, de elaborar conjecturas, aproximando-se assim de uma perspectiva filosófica de lidar com o avanço tecnológico e de enxergar múltiplas conexões com outras áreas de conhecimento, além da sua formação na área biológica. Após a conclusão do debate, os alunos preencheram o questionário 3, cujo objetivo era servir de avaliação não do filme, mas sim da proposta educativa utilizando o cinema de ficção científica. Tais questionários permitiram análises aprofundadas e foram revelados valores (e pontos frágeis) da atividade desenvolvida. Observador Externo: Durante toda a prática houve o acompanhamento de um pedagogo (perspectiva metodológica de triangulação do observador), cujo papel era avaliar a participação de alunos e do mediador, registrando ao longo do URI, 27-29 de junho de 2012. II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica – Santo Ângelo – 2012 processo e em seu encerramento, no questionário 4, suas considerações e sugestões. Análise Tabulação Estatística e Recursos de Planilha: Visando facilitar a tabulação dos dados, assim como a reprodutibilidade do método, foi utilizado a planilha eletrônica MS-EXCEL versão 2002 para a tabulação, cálculos e formatação dos resultados. Foram criadas duas planilhas, uma para as questões objetivas e outra para as questões abertas (discursivas). No âmbito dos recursos técnicos de planilha, foram usadas fórmulas envolvendo funções matemáticas, estatísticas, de banco de dados e de procura / referência (como SOMA, MÁXIMO, CONT.SE, BDCONTAR, PROCV, entre outras), filtro automático, recursos de edição e formatação avançados (como agrupamento de planilhas para aplicação de formatos, cópia de formatos, etc). O uso de tabelas dinâmicas (pivot tables) foi intenso, agilizando os cálculos, principalmente no que tange aos percentuais de cada grupo e cada categoria. A transcrição das respostas objetivas obedeceu a uma numeração sequencial dos itens para facilitar a elaboração das fórmulas. Já as respostas das questões abertas demandaram um maior trabalho de categorização, descrito no item a seguir. Criação de Categorias Emergentes de Respostas: A diversidade de respostas nas questões discursivas requer um processo detalhado de categorização. Neste caso, foi adotada a construção de categorias emergentes (FLICK, 2004), ou seja, a partir das respostas dadas eram extraídos os conceitos elementares, agrupando respostas semelhantes, formando categorias para posteriores cálculos estatísticos e análises. A planilha das questões discursivas contou com uma estruturação de banco de dados, cada linha representando uma resposta (ou até parte de uma resposta) e as colunas representando id aluno (identificação numérica de cada aluno), questão (codificação de identificação da questão, exemplo 361, questionário 3, questão 6, subitem 1), parte (caso uma resposta contivesse mais de um conceito, era subdividida em partes), resposta (a transcrição da resposta do questionário), sistematização (a definição da categoria emergente) e grupo (grupo 1 ou 2 do participante). Assim foi possível manusear e interpretar mais facilmente os dados, ainda que o agrupamento seja o processo em que está presente o maior grau de subjetividade. Através do layout da planilha até mesmo foi detectada (em outra turma, de Computação) uma situação de “cola”, ou seja, dois alunos com exatamente as mesmas respostas, o que levou à anulação de um questionário, pois não refletia uma convergência legítima de opiniões e sim um plágio de idéias. A presente estrutura da planilha pode ser aplicada em inúmeras circunstâncias que envolvam a tabulação / agrupamento de dados, melhorando a percepção e interpretação dos dados. Id aluno 1 1 2 3 questão 361 parte 1 resposta sistematização XXXX XX XXX YYYY XXXXXXXXXXXX X 361 2 XXX X XX X X XXX YYYYYYYY 361 1 XXXX XX X YYYY 361 1 XXXXXXXX XX XXX XX YY XX X Quadro 3 – Estrutura de planilha para questões abertas 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RELATO URI, 27-29 de junho de 2012. Grupo 1 1 1 2 II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica – Santo Ângelo – 2012 Em cada fase desta prática educativa, cabem análises / considerações próprias. Na fase de planejamento vale começar citando as dificuldades na mobilização de alunos em uma atividade diferenciada e que não implica em nota para o aluno, envolvendo outras turmas, cursos e professores da instituição. A preparação do mediador para conduzir a atividade é de suma importância e este deve estar ciente da amplitude de questões que surgem num debate com esta perspectiva de conexão com várias áreas do saber (tecnologia, religião, filosofia,...). A elaboração dos questionários requer atenção para se evitar que as questões caiam na superficialidade (por exemplo, você curtiu o filme?) ou restrinjam excessivamente a liberdade de expressão do aluno (daí a adoção da maior parte de questões discursivas). Na fase de execução, a cautelosa aplicação do protocolo da lista de verificação é etapa que não pode ser negligenciada, sob pena de inviabilizar a atividade (um simples cabo de áudio com mau contato, por exemplo, pode provocar o cancelamento do evento). O dimensionamento e o cumprimento do tempo previsto é um fator crucial, reservando tempos suficientes para exibição das cenas, debate entre alunos e preenchimento do questionário 3 de avaliação, para que se evite que após a exibição do filme não haja tempo suficiente para uma discussão e expressão mais ampla por parte dos alunos (com todos querendo ir embora, como se a “pipoca” e a sessão de cinema tivessem acabado e também a vontade de debater). Na fase de análise a estruturação em planilhas permitiu uma melhor visualização e interpretação dos dados. O processo de definição das categorias emergentes pode ser trabalhoso, principalmente com a ampliação do número de respostas a serem analisadas, pois é necessária a leitura de todas as respostas de uma determinada pergunta para se propor as categorias. Diferentes pesquisadores elegeriam diferentes agrupamentos, pela subjetividade na percepção das similaridades nas respostas. No que tange às interpretações / avaliações da proposta educativa, por parte dos alunos, algumas questões geraram interessantes respostas, como o interesse por filmes de ficção científica não sendo influenciado por gênero (masculino e feminino) apontando gostos semelhantes. A diferenciação de grupos 1 e 2 reforçou a importância da visualização do filme na íntegra, pois o grupo 1 foi quantitativamente mais participativo que o grupo 2 (maior número de respostas, pois uma análise qualitativa aqui requer uma avaliação de mérito que talvez não seja interessante e justa de ser feita). O principal e mais estimulante resultado obtido foi referente à questão 361 Quais os principais pontos positivos da proposta?. Perceberam e manifestaram como resposta: Melhoria do entendimento (20,5%), Outros (17,5%), Favorecimento do debate /diversidade (12,8%) Estratégia educacional interessante (10,3%), ficando a Mobiliza a atenção / motivação dos alunos (7,7%) somente na sétima posição, o que representa que enxergam autênticos valores educacionais na proposta, não ficando restrita a uma forma de “controlar” a atenção dos alunos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS São considerações finais a respeito da metodologia e prática descritas: 1) Constatada a aplicabilidade do cinema de ficção científica em uma proposta pedagógica de integração de áreas de conhecimento. 2) Ampla aceitação do gênero para o público alvo. 3) Demanda alto grau de preparação conceitual e técnica do mediador. URI, 27-29 de junho de 2012. II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica – Santo Ângelo – 2012 4) A vista / análise completa do filme é mais proveitosa do que somente cenas isoladas, demandando assim estratégias para contornar limitações de tempo. 5) Aspectos culturais do público devem ser considerados. 6) Necessidade de proposições de futuras variações na dinâmica, ampliando o público-alvo e alternativas de procedimentos. 7) Principal resultado: a percepção dos alunos que o uso do cinema de ficção científica fomenta autênticos valores educacionais, indo além da mera mobilização da atenção. Desta forma, espera-se que a trilha metodológica aqui detalhada sirva de orientação (e também inspiração) para que outros pesquisadores proponham, critiquem, ampliem e reinventem formas de iluminar, corações e mentes, com os saberes interconectados que emergem de atividades envolvendo o cinema. 5 REFERÊNCIAS BRAKE, M; THORNTON, R. Science fiction in the classroom. Jornal of Physics Education [online]. January 2003. Disponível em: <www.iop.org/journals/physed>. Acesso em 10 de março de 2004. BUZZO, Cristina. O cinema na escola: o professor, um espectador. 1995. Tese (Doutorado em Educação) UNICAMP, Campinas. CASTRO, Cilmar. Biociências, Computação e Educação: O Cinema de Ficção Científica como Instrumento Pedagógicode Produção de Conexões e Questionamentos. 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências) FIOCRUZ, Rio de Janeiro. DUARTE, Rosália. Cinema e Educação. Belo Horizonte: Autêntica; 2002. FLICK, Uwe. Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre: Bookman; 2004. GLASSY, MC. The Biology of Science Fiction Cinema. North Carolina, McFarland & Company; 2001. HOFFMAN, HG. Virtual-Reality Therapy. Scientific American. August 2004 . Disponível em <http://www.sciam.com/article.cfm?articleID=000CDC34-D80E-10FA89FB83414B7F0000>. Acesso em 13 de Janeiro de 2005 MATRIX. Direção: Andy e Larry Wachowski. Produção: Joel Silver. Intérpretes: Keanu Reeves, Laurence Fishburn, Carrie-Anne Moss. Los Angeles: Warner Bros, 1999. 1 DVD (136 min). URI, 27-29 de junho de 2012.