Ricardo Abramovay • Tasso Azevedo • V andana Shiva • Nelton

Transcrição

Ricardo Abramovay • Tasso Azevedo • V andana Shiva • Nelton
Ricardo Abramovay • Tasso Azevedo • Vandana Shiva • Nelton Friedrich
ISSN 0104-0030
Ano XXVI • Nº 237 • Agosto 2016 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21
Victoria T. Corpuz • Sergio Trindade • Álvaro dos Santos • Júlio Ottoboni
ECO•21
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ECO•21
A n o X X V I • A g o s t o 2 016 • N º 2 3 7
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O legado, o impeachment e as mudanças climáticas
As mudanças climáticas são implacáveis para com a fauna, a flora e os seres humanos. A história dos eventos
extremos, a partir da antiguidade, registra a extinção maciça de animais e, mais recentemente, de sociedades
organizadas. Um exemplo clássico são os maias que, no primeiro século de nossa Era, quase sucumbiram pela falta
de uma boa gestão da água, assim como os assírios, há 27 mil anos. A inclemência do clima gerou a Revolução
Francesa motivando a revolta dos camponeses que sofriam com a seca e falta de comida. Hoje o perigo é maior
ainda. Já estão desaparecendo países-ilhas no Pacífico e, em algumas décadas, se não adotarmos medidas radicais para controlar o aquecimento global, inúmeras metrópoles e terras baixas ficarão sob as águas dos oceanos.
Felizmente há uma crescente consciência do problema climático e iniciativas como as do Presidente Obama, que
deixa como principal legado o tombamento de uma área do Oceano Pacífico do tamanho do Estado do Amazonas
e a Lei do Ar Limpo. Soma-se a isso, a diplomacia ao ter articulado com os chineses a assinatura do Acordo de
Paris. Durante seus 7 anos e meio no cargo promulgou leis que afetam a economia dos EUA ao exigir o corte das
emissões de CO2, desde nos carros até nas usinas de carvão. Em plena campanha eleitoral, agora a maioria dos
estadunidenses entendem que a mudança climática é real. As sociedades não se desestabilizam somente pelo clima,
mas também a corrupção faz estragos que levam à queda de governos consolidados como o da União Soviética,
que acabou não por uma perestroika ética, mas econômica. O Partido Comunista ruiu entre outras razões pela
enorme despesa gerada na corrida espacial e pela manutenção da estação espacial MIR, que custou bilhões de
rublos. Só um acordo internacional como o da ISS pode manter um programa espacial semelhante em funcionamento. Já no Brasil, a corrupção derrubou uma estrutura de poder consolidada durante 14 anos dos governos
do PT. Fora da quase falência da Petrobras, a disponibilização de um alto volume de crédito para a agricultura
(R$ 202 bilhões para o Plano Safra) foi o estopim para gerar uma denúncia por crime de responsabilidade que
levou à queda da Presidenta Dilma Rousseff. O legado ambiental que deixa a era PT não é nada animador. O
famigerado novo Código Florestal, a questionada obra de transposição das águas do Rio São Francisco, o projeto
de sete usinas nucleares, os discutíveis investimentos das usinas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, as oscilações
no controle do desmatamento, a falta de rigor fiscalizador no setor minerário, fato que levou ao maior desastre
ambiental mundial ao poluir o Rio Doce devido ao rompimento da barragem de Mariana. Fora das ações do
Executivo, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado anunciam preocupantes ações legislativas como o
novo Código Minerário e o enfraquecimento do Licenciamento Ambiental para obras de impacto nos diversos
biomas. A isso se soma a destruição do Cerrado, que foi convertido num sério candidato à desertificação, fato que
levará à falta de água na maior parte do Brasil, tudo para plantar soja transgênica e favorecer as Monsanto da
vida. Também o descontrole do uso de agrotóxicos proibidos gerará graves problemas na saúde pública. É bom
lembrar que a corrupção é um mal maior que derrubou governos de países como Itália, Espanha, Portugal e a
Grécia. Ainda há tempo de corrigir o rumo. O primeiro passo pode ser dado nas eleições municipais elegendo
vereadores e prefeitos identificados com os valores da ética e do respeito para com o futuro das cidades e dos cidadãos.
Gaia viverá!
4 René Capriles - Obama cria a maior área marinha protegida do mundo
6 Mauro Arbex - Ambientalistas manterão pressão ao Governo Temer
7 Tasso Azevedo - Ratificar o Acordo de Paris
8 Lyndal Rowlands - ONU debate melhor gestão dos recursos do alto mar
10 Ricardo Abramovay - Desperdício e destruição na era dos plásticos
12 Mariana Kaipper Ceratti - Vamos mesmo precisar de dois novos Planetas?
14 Sergio C. Trindade - Mudança climática ameaça o agronegócio brasileiro
16 Lúcia Chayb - Entrevista com Nelton Friedrich
20 Ana Maria Almeida - Muitas espécies de plantas estão a caminho da extinção
22 Camila Faria - Diversidade faz Amazônia resistir ao clima
24 José Monserrat Filho - O espaço do ser humano
28 Baher Kamal - Os direitos indígenas e o clima
30 Victoria Tauli Corpuz - Os desafios dos povos indígenas são enormes no Brasil
36 Cimone Barros - O licenciamento ambiental no Brasil está ameaçado
38 Tim Radford - A história ensina o que é a força destrutiva da seca
39 Álvaro R. dos Santos - O Código Florestal ignora a geologia das nascentes
42 Denise David - COP-22: meta de prédios com energia própria até 2050
43 Leandro Duarte - A eólica precisa do governo para se expandir no Brasil
44 Washington Novaes - O primo pobre pede socorro
46 Vandana Shiva - Monsanto desafia a Índia
48 Júlio Ottoboni - Analfabetismo ambiental
49 Guilherme Afif Domingos - O compromisso do Sebrae com a sustentabilidade
50 Elisa Oswaldo-Cruz - Jornal científico homenageia o acadêmico Liu Hsu
Lúcia Chayb e René Capriles
Capa: Ouriço-lápis-vermelho na Reserva Marinha
Papahanaumokuakea, no Hawai
Foto: James Watt
| política ambiental |
René Capriles | Editor da revista ECO•21
James Watt
Obama cria a maior área
marinha protegida do mundo
No último dia 26 de Agosto, o Presidente Obama ampliou
a Reserva Nacional Marinha Papahanaumokuakea localizada
no Oceano Pacífico, na região do Havaí, criando a maior área
marinha protegida do mundo. Consolidando uma liderança
global dos Estados Unidos na conservação marinha, a determinação mais do que quadruplicará o tamanho da atual reserva
marinha existente, protegendo permanentemente recifes de
coral, os hábitats marinhos de alto mar, e recursos ecológicos
importantes nas águas das ilhas havaianas do noroeste.
Para assinar essa ação histórica de conservação, o presidente Obama viajou ao Havaí para participar do Congresso
Mundial da União Internacional de Conservação da Natureza
(IUCN) que, pela primeira vez, aconteceu no território dos
Estados Unidos. Ele também viajou para o Atol de Midway,
localizado dentro da Reserva Papahanaumokuakea, para
marcar o que representa a criação desta Reserva Marinha
e destacar em primeira mão como a ameaça das mudanças
climáticas torna a proteção das terras e águas públicas mais
importante do que nunca.
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A Reserva foi originalmente criada em 2006 pelo Presidente
Bush e classificada como Patrimônio Mundial da UNESCO
em 2010. Desde aquela época, explorações científicas e pesquisas revelaram novas espécies e hábitats de profundidade,
bem como conexões ecológicas importantes entre a existente
Reserva e as águas adjacentes. A decisão expande a área de
1.146.798 km2, para um total de 1.508.870 km2.
A expansão fornece proteção crítica para mais de 7.000
espécies, incluindo baleias e tartarugas marinhas que estão
na Lista de Espécies Ameaçadas e as espécies marinhas de
maior longevidade no mundo, como o coral preto, que pode
viver mais de 4.500 anos. Além disso, como a acidificação
dos oceanos, o aquecimento, e outros impactos das mudanças
climáticas que ameaçam os ecossistemas marinhos, a expansão da Reserva melhorará a resiliência oceânica, ajudará os
diferentes recursos físicos e biológicos da região a se adaptar
e criar um laboratório natural que permitirá aos cientistas
monitorar e explorar os impactos das mudanças climáticas
sobre esses frágeis ecossistemas.
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A tradição local diz ainda que através do mana (poder
espiritual) do nome Papahanaumokuakea incentiva-se a
abundância e as forças de procriação da terra, do mar e do
céu, da mesma forma, os havaianos esperam que seus valores
culturais e espirituais continuem sendo preservados.
A ação do Presidente Barack Obama responde a uma
ambiciosa proposta de conteúdo ambiental apresentada pelo
Senador Schatz e destacados líderes havaianos nativos, além
de uma significativa participação e apoio local de políticos,
grupos culturais, organizações de conservação, cientistas,
acadêmicos e pescadores.
James Watt
A área da Reserva Marinha de Papahanaumokuakea
também contém recursos de grande significado histórico e
cultural. A área expandida, incluindo o arquipélago e suas
águas adjacentes, é considerada um lugar sagrado para a
comunidade havaiana original. Ela desempenha um papel
significativo na história dos ancestrais havaianos nativos,
e é usada para a prática de atividades importantes, como a
tradicional navegação de longa distância.
Todas as atividades de extração de recursos comerciais,
incluindo a pesca comercial e qualquer extração mineral
futura, estão proibidas.
| política ambiental |
Pesca não-comercial, como os
torneis de pesca recreativa, a coleta
de peixes e outros recursos para
as práticas culturais havaianas, é
permitida na área, como também
é a pesquisa científica.
A jornalista Suzana Camargo
informa que, o nome Papahanaumokuakea celebra a união de
dois ancestrais: Papahanaumoku
e Wakea. Segundo a lenda, a primeira seria a Deusa Terra que teria
dado à luz as ilhas do arquipélago
e o segundo, era seu marido, o
Deus do Céu. É considerada uma
área sagrada para os havaianos.
Eles acreditam que nestas águas
nasce toda a vida e após a morte,
os espíritos retornam à elas.
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Esta etapa também se baseia
em uma rica tradição de proteção das águas havaianas, a pesca
bem gerida, incluindo uma frota
de pesca de alto mar. Além de
proteger mais terra e água do que
qualquer administração na história dos EUA, o Presidente Obama
tem procurado dar um exemplo
na conservação marinha através
do combate à pesca ilegal, à não
declarada, não-regulamentada,
além da revitalização do processo
de criação de novos santuários
marinhos, instituindo a Política
Nacional para o Mar, e promovendo a responsabilidade para
com o mar através de decisões
embasadas cientificamente.
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| política ambiental |
Mauro Arbex | Jornalista
José Cruz - Agência Brasil
Christian Hartmann
Ambientalistas manterão
pressão ao Governo Temer
O Governo de Michel Temer, agora efetivo, com a aprovação do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, não
será pressionado por resultados apenas na economia. Os
ambientalistas e a sociedade civil pretendem manter uma
vigilância permanente por melhorias na política do setor pelo
novo governo e, principalmente, por maiores controles em
áreas urbanas hoje densamente povoadas.
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção
Ambiental (PROAM), Carlos Bocuhy, falta ao Ministério do
Meio Ambiente (MMA) e ao Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA) uma política clara e efetiva para as
grandes metrópoles. “A metodologia aplicada hoje em regiões
pouco povoados, como o Pantanal e Amazônia, que cumprem
inclusive regras internacionais, não se repete nas chamadas
grandes metrópoles, que reúnem imensa quantidade de
população”, diz Bocuhy.
Essa situação vem colocando em risco a sustentabilidade
em quesitos como qualidade da água, ar e solo, e se deve
à ausência total de indicadores ambientais para as regiões
metropolitanas. “Não há metodologia ou estudo nesse sentido; é impossível saber qual a capacidade de suporte dessas
regiões para novos projetos industriais, o que cabe ou não
e de que tamanho”, afirma o ambientalista, que é também
conselheiro do CONAMA.
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Ele lembra que as macrometrópoles, como as de São Paulo
e cidades vizinhas, que têm uma população total de cerca de
34 milhões de pessoas, ficam reféns dessa falta de ferramentas
claras de proteção ambiental. “Se houvesse maior capacitação
dos órgãos ambientais e indicadores ambientais precisos, o
sistema de gestão permitiria a agilização do licenciamento
ambiental, como querem o governo e o setor empresarial”,
diz o Presidente do PROAM.
A entidade tem sido uma das maiores defensoras da criação dessas ferramentas de gestão para as áreas urbanas e já
implementou um grupo de trabalho para essa discussão no
CONAMA, protocolando também um pedido para agilização
do processo ao Governo, logo após a posse do novo Ministro
do Meio Ambiente, Sarney Filho. Pouco, porém, avançou nesse
sentido. “Além da inexistência de indicadores ambientais,
órgãos participativos vitais para a transparência da gestão,
como os comitês de bacias hidrográficas estão sucateados e
sem condições de fazer uma fiscalização eficiente”.
Bocuhy acredita que essa política para áreas urbanas é
ainda incipiente no País e dificulta, inclusive “o cumprimento
pelo Brasil do Acordo sobre o Clima assinado em Dezembro
do ano passado em Paris e do qual somos signatários, sem
essa perspectiva em regiões metropolitanas, não temos como
atingir as metas do Acordo”, afirma.
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Tasso Azevedo | Engenheiro florestal. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito
Estufa do Observatório do Clima (SEEG). Foi Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro e Diretor Executivo do Imaflora
Arquivo
É a hora do Brasil ratificar
o Acordo de Paris
No dia 12 de Setembro
será sancionada no Brasil a
ratificação do Acordo de Paris,
o mais abrangente acordo sobre
clima desde que a Convenção
Quadro das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas
foi aprovada, em 1992. EUA e
China, os dois maiores emissores
de Gases de Efeito Estufa, e mais
duas dezenas de países anunTasso Azevedo
ciaram a intensão de ratificar
ou confirmar o Acordo ainda
em Setembro. Na toada, o Acordo de Paris poderá atingir o
limite mínimo de 55 países, representando pelo menos 55%
das emissões globais, para entrar em vigor em menos de um
ano, após o encontro em Dezembro de 2015 em Paris.
Em processos oficiais da diplomacia, é uma velocidade
estonteante. Para efeito de comparação, o Protocolo de Kyoto –
o primeiro instrumento criado no guarda-chuva da Convenção
sobre o Clima e que gerou a obrigação de redução das emissões
para os países desenvolvidos – demorou oito anos para entrar
em vigor. Foi aprovado em 1997 e entrou em vigor apenas
em 2007, quando a Rússia finalmente ratificou o Protocolo,
permitindo atingir o mínimo de 55% das emissões.
Mesmo no caso do Brasil, que não tinha obrigações
vinculadas ao Protocolo, e sim potenciais benefícios com os
créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL),
a ratificação aconteceu apenas em Abril de 2002, cinco anos
após a aprovação.
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O Acordo de Paris é muito mais ambicioso que os instrumentos anteriores, apontando como meta limitar o aumento
de temperatura global bem abaixo de 2ºC, de preferência
próximo a 1,5ºC. Mesmo assim, ou talvez justamente por
isso, no Brasil conta com amplo apoio em universidades,
sociedade civil, empresas e movimentos sociais, o que acabou
dando o tom da tramitação do projeto de ratificação tanto
na Câmara quanto no Senado em tempo recorde em meio
ao turbulento processo de impeachment.
Neste contexto, nada mais adequado que a inclusão da
agenda de clima e floresta na abertura da Olimpíada no
Rio, que alertou para os desafios das mudanças climáticas,
aliados à esperança nas ações práticas para enfrentá-los, como
reflorestar, usar fontes renováveis de energia e nos livrarmos
da dependência do petróleo e carvão.
A hora é de arregaçar as mangas e promover as revoluções
necessárias para zerar as emissões líquidas de Gases de Efeito
Estufa até meados deste século. Nesse sentido, as noticias
das últimas semanas são alvissareiras: a FAO anunciou que
a perda de florestas desacelerou nos últimos cinco anos; a
primeira gigafábrica de baterias de íons de lítio da Tesla
começou a produzir em Nevada, nos Estados Unidos, e vai
derrubar em 30% o preço das baterias no mundo; a China
instalou impressionantes 20.000 MW de capacidade de geração solar apenas no primeiro semestre de 2016 (equivalente
a duas usinas de Belo Monte); e as vendas de carros elétricos
dispararam, devendo a frota mundial chegar a dois milhões
de veículos este ano.
Que venham mais boas notícias! Temos que nos mover
rápido. Muito rápido.
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| legislação ambiental |
Lyndal Rowlands | Jornalista da Envolverde/IPS na ONU
ONU debate melhor gestão
dos recursos do alto mar
A gestão do mar aberto,
ou alto mar, que fica fora da
jurisdição dos países e representa dois terços dos oceanos
e metade da superfície total da
Terra, é um assunto delicado que
os Estados membros da ONU
tratam de negociar. Na sede do
Fórum Mundial em Nova York,
os negociadores debatem como
compartilhar, conservar e usar
de forma sustentável os recursos
marinhos e a biodiversidade dessas vastas extensões de água.
Para além do conteúdo da
Convenção da ONU sobre o
Direito do Mar (CDM), que entrou em vigor em 1994, os
governos ainda devem acordar alguns elementos precisos sobre
como vão administrar os recursos marinhos em alto mar. Os
interesses sobre o que pode ser encontrado aumentam e, com
eles, a necessidade de contar com um acordo bem preciso,
opinou Elizabeth Wilson, Diretora de Política Internacional
de Oceanos do The Pew Charitable Trusts.
“O que vemos agora é que, com o atual estado da tecnologia, o mar aberto se torna cada vez mais acessível e aparecem
muitas ideias sobre como utilizá-lo”, explicou Wilson. Além
de decidir como serão compartilhados os benefícios de alto
mar, os governos também devem debater sobre as possíveis
consequências de sua exploração, acrescentou. “E também
aumenta a preocupação sobre como os usos acumulativos
podem chegar a ter um significativo impacto negativo no mar
aberto e que, portanto, precisamos de uma forma melhor de
administrá-los”, prosseguiu.
Na reunião de Nova York (26/8 a 9/9), um Comitê Preparatório avaliará o texto que terminará por se converter em
um instrumento internacional vinculante para a conservação
e o uso sustentável da biodiversidade marinha em áreas fora
de toda jurisdição nacional. O Comitê considera quatro temas
fundamentais: os recursos genéticos marinhos, incluindo a
questão de compartilhar os benefícios; as medidas como ferramentas de gestão baseadas em zonas, como as áreas marinhas
protegidas; as avaliações de impacto ambiental e a construção
de capacidades; a transferência de tecnologia marinha.
“Até agora se falou mais sobre ideias gerais. Realmente
esperamos que nessa reunião já surjam mais detalhes”, disse
Wilson. “Houve um trabalho muito mais técnico desde a
última reunião do comitê preparatório (Março de 2016) e
esperamos que essa realmente seja uma oportunidade para
se aprofundar em como deverá ser o acordo e como poderá
ser estruturado”, acrescentou.
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A presidência do Comitê
Preparatório criou uma lista
com 120 perguntas que devem
ser debatidas pelos negociadores na segunda rodada de duas
semanas, das quatro que haverá.
A terceira e a quarta acontecerão
no próximo ano, 2017.
As questões que o comitê
examinará são:
1) Como levar em conta os
desafios especiais e as necessidades dos países em desenvolvimento, especialmente dos
pequenos Estados insulares
em desenvolvimento (relacionada com a questão da divisão dos recursos genéticos
marinhos)?
2) Como um instrumento internacional poderia facilitar
a participação de cientistas dos países em desenvolvimento
nas pesquisas (relacionada com a construção de capacidades
e a transferência de tecnologia marinha)?
3) Como respeitar o direito dos Estados costeiros sobre
sua plataforma continental, nos casos em que se aplique,
inclusive além das 200 milhas náuticas (relacionada com as
áreas marinhas protegidas e com as ferramentas de gestão
dessas áreas)?
Durante a primeira reunião do Comitê Preparatório, em
Março, Prim Masrinuan, assessora da missão da Tailândia
na ONU, divulgou um comunicado detalhando a posição
do Grupo dos 77 (G-77), que reúne mais de 134 países em
desenvolvimento mais a China, sobre as ferramentas de gestão
de áreas, que inclui as zonas marinhas protegidas. “Embora
seja importante que o novo instrumento não prejudique as
áreas marinhas protegidas já existentes, sejam organizações
regionais ou setoriais, somos defensores da ideia de que é
necessário que haja um mecanismo institucional para coordenar as ferramentas de gestão existentes em escala global”,
pontuou Masrinuan. O G-77 mais a China queriam princípios
como um enfoque cautelar, baseado na ciência, transparente
e responsável para realizar considerações informadas.
“Esses princípios também são importantes no processo de
criação das áreas marinhas protegidas”, ressaltou Masrinuan.
A favor da importância de um enfoque cautelar, o embaixador
da Tailândia na Organização das Nações Unidas, Virachai
Plasai, que também preside o G-77, disse: “Nossa opinião é
a de que os membros da ONU, incluídos os integrantes do
G-77, devemos estar conscientes de nossas responsabilidades
comuns em relação às futuras gerações. Dependemos dos
oceanos, e a saúde deles depende de nós”.
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| poluição marinha |
Ricardo Abramovay | Professor Sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP
Priscila Zambotto
Desperdício e destruição
na era dos plásticos
É preciso reconhecer, claro, que os plásticos (o termo deve
ser sempre empregado no plural, dada sua imensa diversidade
de materiais, composição e usos) trouxeram benefícios imensos,
ampliando as possibilidades de armazenagem de alimentos
e medicamentos, tornando mais leves os automóveis (dos
quais, em média, hoje, cerca de 50 por cento do volume e de
10 por cento a 15 por cento do peso vêm desses materiais) e
aviões (que possuem 50 por cento de plásticos em seu peso)
e permitindo engradados mais duráveis: sem eles, o uso de
recursos materiais, energéticos e bióticos seria ainda maior
que o atual.
Em muitos setores, os plásticos são sistematicamente
reutilizados. Mas a reciclagem desse material é baixa. Só nos
Estados Unidos, de 10 milhões a 15 milhões de carros saem
de circulação anualmente. As partes metálicas dos veículos
são razoavelmente bem reaproveitadas, mas, como reconhece
um estudo recente, a reutilização dos plásticos está na sua
infância.
Daniel Taylor
Os oceanos recebem hoje
um caminhão de plásticos por
minuto. Isso significa anualmente 8 milhões de toneladas
que vêm acrescentar-se aos
150 milhões de toneladas ali
presentes. Para cada 3 quilos
de peixe, há 1 quilo de plásticos nos ambientes marinhos.
A continuar nesse ritmo, em
menos de 35 anos a proporção
Ricardo Abramovay
será de 1 para 1, como mostra
relatório da Ocean Conservancy.
Um estudo publicado na prestigiosa revista científica PNAS
estima a existência de 580 mil peças de plástico por quilômetro
quadrado nos mares. A produção vem dobrando a cada 11
anos, desde 1950. Entre 2015 e 2026, a sociedade fabricará
mais plásticos do que tudo o que foi feito até hoje.
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| poluição marinha |
Erik de Castro
O setor mais crítico, nesse sentido, é o das embalagens
plásticas. É aí que se concentra o recém-lançado relatório da
Fundação Ellen MacArthur (The New Plastics Economy Rethinking the future of plastics), cuja questão básica é: como
permitir que um produto tão útil e ao mesmo tempo de tão
difícil reaproveitamento, uma vez utilizado, seja parte da economia circular? A resposta vai em três direções: redução no uso
de embalagens plásticas (desde que não sejam comprometidas
as funções de conservação de alimentos e medicamentos que
os plásticos hoje propiciam, bem entendido), melhoria nos
sistemas de coleta pública e, sobretudo, muita pesquisa para
que possam ampliar-se as raras iniciativas de destinação dos
plásticos para biocompostagem ou reciclagem.
O desperdício é o principal chamariz capaz de atrair o
setor privado para uma “nova economia dos plásticos”. Hoje
95% do material que compõe os plásticos usados para embalagens (num valor que oscila entre US$ 80 e US$ 120 bilhões
anualmente) são perdidos após um primeiro uso. Passados
40 anos do lançamento do símbolo da reciclagem, somente
14% dos plásticos são reciclados. Isso é muito menos que o
papel (58%), o ferro e o aço (70% a 90%).
E essa reciclagem distancia-se dos princípios da economia
circular. Na maior parte das vezes destina-se a produtos que,
uma vez utilizados, só poderão terminar suas vidas úteis em
aterros ou incineradores. A virtuosa reciclagem de embalagens
PET no sistema de garrafa a garrafa (bottle-to-bottle), por
exemplo, só beneficia 7% da produção global. Esta é uma das
razões que alarmam especialistas diante da notícia de que hoje
há no mundo mais água vendida em embalagens plásticas do
que refrigerantes, conforme um estudo canadense.
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Pesquisa, o maior desafio
Ao desperdício do não reaproveitamento junta-se a destruição: no mundo, um terço das embalagens plásticas ou não
são coletadas pelos sistemas públicos de limpeza ou escapam
dos caminhões responsáveis por seu recolhimento, sobretudo
nos países em desenvolvimento.
Se as empresas (e os consumidores, claro) tivessem de
pagar pelos custos impostos ao meio ambiente por essa destruição, o valor superaria os lucros globais da indústria do
plástico, segundo estudo publicado pela Organização das
Nações Unidas em 2014.
Mas o maior desafio é o da pesquisa. O relatório da
Fundação Ellen MacArthur mostra que não existem normas
internacionais definindo o que são plásticos compostáveis. Os
chamados “plásticos verdes” atuais contam com biomassa em
sua produção (emitindo menos Gases de Efeito Estufa que os
advindos do petróleo), mas nem de longe, em sua esmagadora
maioria, são passíveis de compostagem. Não são materiais
“biobenignos”. Experiências de plásticos que, misturados a
restos de alimentos, se decompõem, transformando-se em
fertilizantes, são raríssimas e localizadas, ainda que promissoras, como mostra o caso da cidade de Milão.
Qualquer tentativa de flerte com as técnicas anteriores à
idade dos plásticos é irrealista e indesejável. Ao mesmo tempo,
conformar-se com os danos socioambientais de sua crescente
produção será cada vez menos aceito. Limites – como no caso
das águas engarrafadas e das sacolas plásticas –, educação do
consumidor e inovação tecnológica são os caminhos para
enfrentar este tão difícil desafio.
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| análise |
Mariana Kaipper Ceratti | Jornalista do Banco Mundial
Vamos mesmo precisar de
dois novos Planetas?
Se a população global de fato chegar a 9,6 bilhões em 2050,
serão necessários quase três Planetas Terra para proporcionar
os recursos naturais necessários a fim de manter o atual estilo
de vida da humanidade. A voracidade com que se consomem
tais recursos fez as Nações Unidas incluírem o consumo em
sua discussão sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030.
A meta número 12 dos ODS não poupa os países desenvolvidos nem os em desenvolvimento. Insta todos a diminuir
o desperdício de alimentos – um terço deles é jogado fora
anualmente –, repensar os subsídios aos combustíveis fósseis
e reduzir a quantidade de resíduos lançados sem tratamento
no meio ambiente, entre outras tarefas urgentes.
A América Latina e o Caribe têm desafios importantes
a cumprir nesses e em outros quesitos. Atualmente, a região
joga fora 15% da comida que produz. Conseguiu diminuir
de 1% para 0,68% o percentual do Produto Interno Bruto
gasto em subsídios para os combustíveis fósseis entre 2013
e 2015, mas alguns países ainda dedicam cerca de 10% do
PIB a eles. Finalmente, cada latino-americano produz até
14kg de lixo por dia, dos quais 90% poderiam ser reciclados
ou transformados em combustível caso fossem separados
por origem.
A seguir quatro metas de consumo sustentável que valem
para a região e para todo o mundo até 2030.
1 - Reduzir à metade o desperdício mundial de alimentos
per capita na venda a varejo
Estima-se que a cada ano cerca de um terço dos alimentos
produzidos – o equivalente a 1,3 bilhões de toneladas, avaliadas
em cerca de US$ 1 trilhão – acaba apodrecendo no lixo dos
consumidores ou dos varejistas, ou estraga devido a métodos
ineficientes de coleta e transporte. A degradação e queda de
fertilidade dos solos, o uso insustentável da água e a pesca
excessiva estão reduzindo a quantidade de recursos naturais
disponíveis para produção de alimentos. Por isso, é essencial
não só pensar em formas de preservar e recuperar tais recursos,
mas também de reduzir o desperdício para alimentar as 8,3
bilhões de pessoas que o planeta deverá ter até 2030.
Erró
2 - Alcançar uma gestão sustentável e uso eficiente
dos recursos naturais
A voracidade com que os recursos naturais estão sendo
usados fica clara quando se observam alguns números relativos a consumo de energia. Em 2013, apenas um quinto da
energia utilizada no mundo veio de fontes renováveis, como
água, vento e luz solar. Todo o resto foi gerado com petróleo,
carvão, gás natural e urânio.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
E quais setores avançam mais rapidamente no consumo
de energia? Em primeiro lugar, o de transportes: até 2020, o
transporte aéreo global deve triplicar, enquanto as distâncias
percorridas pelos carros aumentarão 40%. Já o uso de energia
para comércios e residências fica em segundo. A boa notícia é
que as medidas para poupar podem facilmente começar dentro
de casa. Segundo estimativas da ONU, se toda a população
mundial começasse a usar lâmpadas de baixo consumo, seria
possível economizar US$ 120 bilhões anualmente.
3 - Racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis
Segundo o estudo Indicadores de Desenvolvimento Global
(WDI), do Banco Mundial, os países mais ricos do mundo
são os que mais gastam com subsídios ao petróleo, carvão e
gás natural (quase 14% do PIB). Depois, vêm as economias
de renda média-baixa, que incluem países da América Central
como Guatemala e Nicarágua e gastam em média 11% do
PIB com subsídios. Para a ONU, os subsídios ineficientes
incentivam o consumo perdulário. Para racionalizá-los – e
estimular, portanto, o uso de fontes de energia que impactem
menos o meio ambiente –, é preciso adotar medidas que
removam as distorções do mercado, como reestruturar os
sistemas tributários nacionais, segundo a instituição.
4 - Alcançar uma gestão ambientalmente racional dos
produtos químicos ao longo de seu ciclo de vida
Ao incluir essa meta no ODS 12, as Nações Unidas buscam
minimizar o impacto dos resíduos químicos tanto na saúde
quanto no meio ambiente. A geração de lixo tóxico per capita
praticamente dobrou no mundo inteiro entre o fim dos anos
1990 e da década de 2000. Nos países de renda média, como
o Brasil, a quantidade subiu de 17 kg per capita entre 1996 e
2000 para 42 kg entre 2006 e 2011. Mas nem de longe eles
são os mais poluentes: os de alta renda, mas que ainda não
se uniram à OCDE (a qual exige boas práticas nas políticas
públicas) despejaram 981 kg de lixo tóxico per capita entre
2006 e 2011.
Outro dado preocupante é que cerca de 200 milhões de
pessoas podem ser afetadas pelos resíduos presentes em 3,000
locais em todo o mundo. Para reverter o quadro, a ONU
destaca a importância de incentivar indústrias a buscar formas
sustentáveis de gerenciar seus resíduos. E, ainda, de estimular
os consumidores a reduzir o consumo e reciclar o lixo.
Como se vê, o conceito de consumo vai muito além do
simples gesto diário de fazer compras, e torná-lo sustentável
passa por uma série de desafios que envolvem toda a sociedade.
É uma meta que precisará ser levada cada vez mais a sério para
não causar novos danos aos limitados recursos do Planeta.
13
| opinião |
Sergio C. Trindade | Consultor de negócios sustentáveis em New York. Membro do IPCC Prêmio Nobel da Paz 2007
Lúcia Chayb
Mudança climática ameaça
o agronegócio brasileiro
O agronegócio brasileiro
é um dos raros setores com
destaque positivo na economia
brasileira recente. Nesse artigo
busco mostrar como foi possível alcançar esse desempenho
em um ambiente e momento
tão negativos no Brasil como
um todo. Procuro evidenciar
a importância de um processo
de cinco décadas de mudança
Sergio Trindade
de paradigma na agricultura
brasileira pela via de iniciativas
governamentais e privadas que enfatizaram a promoção de
educação pós-graduada de qualidade, a criação de um novo e
amplo arcabouço de pesquisa conduzindo à inovação tecnológica, o apoio em crédito orientado para responder à demanda
doméstica e, sobretudo, internacional por alimentos.
O agronegócio brasileiro representa cerca de 20% do PIB
nacional e é gerado por uma fração cada vez menor da população brasileira. A atividade torna-se cada vez mais intensiva
em tecnologia com ênfase em informação nos equipamentos
agroindustriais e na gestão e uso de robôs e drones, que dispensam mão de obra menos qualificada.
Para se ter uma ideia da dimensão dessa atividade, basta
mencionar que a produção total de grãos alcança hoje cerca
de 200 milhões toneladas por ano. Também é bom lembrar
que, depois dos Estados Unidos e da União Europeia, o
Brasil é o terceiro maior exportador agrícola mundial. Além
disso, o nosso país é o maior exportador mundial de carne
bovina (30% do total), frangos (40%), açúcar (45%), suco
de laranja (86%), etanol (52%), café (32%). É o segundo
maior exportador de soja (40%), o terceiro de milho (10%)
e o quarto de carne suína (12%).
Marcos Bergamasco
A mudança climática é risco para o agronegócio
A continuidade do êxito do processo até agora, não está
garantida. Na verdade há sérios riscos na sequência dessa
caminhada. A mudança climática e o aquecimento global e
seus efeitos constituem já um risco sério ao crescimento e à
lucratividade do agronegócio brasileiro. Esse risco tende a se
acentuar, se os signatários do Acordo de Paris – Conferência
das Partes COP-21 - inclusive o Brasil, não levarem a sério
as obrigações que contrataram em Dezembro de 2015.
A mudança climática e o aquecimento global são para
valer e ameaçam gravemente a continuidade do crescimento
e da lucratividade do agronegócio brasileiro.
14
Apesar da descrença de alguns, a mudança climática e correspondente aquecimento global são uma realidade desafiante.
Especialmente para a faixa de latitude em que se encontra o
Brasil. A consequência poderá ser menores produtividade e
lucratividade. Uma vez que o fenômeno escapa em grande
parte ao controle do agronegócio, postulo que a agregação
de valor ao agronegócio é parte importante da gestão dos
riscos impostos pelos vários impactos do clima mutante. O
agronegócio pode também se mobilizar, nacional e globalmente, para promover políticas que promovam mitigação de
emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e adaptação aos
efeitos da mudança climática.
Segundo modelos desenvolvidos no contexto do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), se
não houver nenhuma ação humana proativa, a temperatura
global média em 2100 poderá subir 4,5ºC! Parece pouco, mas
será catastrófico para a vida na Terra tal como a conhecemos
hoje. Se forem adotadas propostas apresentadas pelos países
à 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre
Mudanças Climáticas (COP-21), o chamado Acordo do
Clima, essa temperatura subirá 3,5ºC em 2100, o que ainda
é temerário. O objetivo proposto aos países que se reuniram
em Paris (Dezembro de 2015) era de uma elevação em 2100
de 2ºC, e melhor ainda se fosse 1,5ºC.
O Brasil se comprometeu, em Paris, a reduzir emissões
em 37% até 2025 e considerou redução de 43% até 2030, em
relação aos valores em 2005. Na perseguição dessa meta o país
propôs reduzir a zero o desmatamento ilegal na Amazônia,
a recuperar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas e a
elevar a proporção de energias renováveis em uso.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
No contexto de promover energias mais limpas, o Brasil
prometeu na COP-21, em Paris, consumir 50 milhões de
metros cúbicos por ano de biocombustíveis até 2030. Será
que conseguirá cumprir essa promessa?
Para entrar em vigor, a partir de 2020, o Acordo de Paris
requer que um mínimo de 55 países representando pelo
menos 55% das emissões globais a ratifiquem. O Senado
brasileiro já encaminhou à sanção presidencial sua ratificação
do Acordo de Paris. Entretanto, será necessário transformar
essas aprovações em políticas públicas e acordos mais amplos
entre os “stakeholders” relevantes na sociedade brasileira para
que resultem em contribuição efetiva.
As latitudes mais elevadas, aproximando-se dos polos
da Terra mostram uma velocidade maior na elevação da
temperatura média anual. O degelo de parte da permafrost
traz imensos riscos ambientais, como a liberação de metano e
dióxido de carbono à atmosfera e ao reingresso de bactérias e
outros micro-organismos aos ecossistemas com danos à saúde
pública e animal. Nas latitudes intermediárias poderá até haver
benefício do aquecimento global pela extensão do tempo de
produção e colheita. Nas latitudes brasileiras, o aquecimento
global poderá ter efeito negativo sobre o agronegócio.
Terra mais quente, menor produtividade
Agricultura de Baixa Emissão de Carbono
Uma das formas de se organizar estrategicamente em
nível de fazenda, empresa e país para arrostar os efeitos da
mudança climática é construir, implementar, gerir e modificar
Planos de Negócios de Carbono. Isso mitigaria e reduziria
impactos e promoveria a transição para uma economia baseada em energia mais limpa, como os 50 milhões m3/ano de
biocombustíveis que o Brasil se comprometeu em Paris a
consumir até 2030.
No Brasil, o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão
de Carbono) ou agricultura de baixo carbono, resultou das
promessas do Brasil na COP-15 em Copenhague em 2009.
Merece todo o apoio, mas requer a nível político uma capacidade rara no Brasil de priorização e execução.
Um caminho para um futuro mais sustentável requer
foco em energias mais limpas, não emissoras de GEE, para
reconstruir a economia mundial e evitar os efeitos mais graves do aquecimento global. Nesse sentido, o aprimoramento
de práticas agrícolas pode reduzir as emissões globais de
Gases de Efeito Estufa, incorporar mais carbono aos solos e
recompensar os trabalhadores rurais por seu esforço em prol
da estabilização climática.
Os desafios ao agronegócio estão em constante mutação ao
longo do tempo. Portanto, o agronegócio exitoso no futuro será
aquele que conseguir se antecipar aos desafios que certamente
virão, adaptando-se à mudança e sendo, portanto, proativo e
resiliente diante das circunstancias mutantes.
Dentre a pletora de desafios a enfrentar, o agronegócio
deverá considerar com especial atenção a mudança climática
e seus impactos na sustentabilidade.
Cleverson Beje - FAEP
Conforme já mencionado, as mudanças climáticas são
uma ameaça real e atemorizadora. Além da temperatura mais
elevada, uma maior frequência de tempestades destruidoras,
pestes, ervas daninhas, doenças, poluição pelo ozônio e outros
fenômenos, como a seca, poderão causar maiores danos à
agricultura e pecuária.
| opinião |
ECO•21
Ag
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2016
15
| entrevista |
Lúcia Chayb | Diretora da Revista ECO•21
Estamos diante de um novo
jogo a ser jogado
Entrevista com Nelton Friedrich
Nelton Friedrich é Diretor de Coordenação e Meio
Ambiente da Itaipu Binacional, Coordenador do Programa
Cultivando Água Boa (CAB). O CAB recebeu diversos prêmios
como o Water for Life 2015 da ONU. Na COP-21 ele mostrou
as conquistas do programa e sua projeção internacional. Hoje
atua na interação do CAB com a Agenda 2030.
Jayme de Carvalho Jr
Diretor de Meio Ambiente da Itaipu Binacional, Coordenador-Geral do Cultivando Água Boa
Uma vez que a Agenda 21 foi praticamente esquecida no
Brasil, acredita que existe espaço no âmbito das decisões
políticas para implementar os objetivos da Agenda 2030?
A Agenda 21 nasceu na RIO-92 com um horizonte promissor, mas funcionou apenas em alguns locais. Só em 1996
ela tomou certo corpo no Governo com a Comissão de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 e mais tarde teve certa
presença em algumas políticas públicas. Na verdade, houve
pouca vontade política, raro investimento, baixo empenho
e pouca ação prática. Se você não atuar no concreto, mexer
com o cotidiano das pessoas, se não aterrissar nas instituições, empresas, governos, se não tocar corações e mentes para
valores e novas atitudes fica muito difícil – para não dizer,
impossível – promover iniciativas transformadoras.
A Agenda 21 não foi apropriada pelos governos, corporações. Falhamos. A consequência é a ampliação dos desafios:
mais emissões, menos biodiversidade, mais concentração
de renda e poder e menos paz e tolerância, injustiças, mais
quantidade e menos qualidade.
Hoje, vivemos outro momento em relação à situação
planetária. Existe mais consciência, as pessoas estão mais
sensibilizadas e há certeza científica em relação aos impactos
gerados pela civilização humana. Também aumentaram os
movimentos pela sustentabilidade, dispomos de algumas
tecnologias – inclusive sociais – mais apropriadas, vivemos
a revolução das ferramentas virtuais com redes organizadas
em todas as partes prontas para apontar soluções inovadoras,
boas práticas ou omissões. Também se discutem bloqueios
comerciais a produtos oriundos de cadeias produtivas com
pegadas sociais, ambientais ou hídricas comprometedoras, ou
facilidades, inclusive de financiamento, para os mais saudáveis
e sustentáveis de se produzir. Vale dizer, a grave crise estrutural,
multifacética (de valores/ética, socioambiental, econômica,
cultural, política, de governança e até espiritual) começa a
aflorar o senso de urgência. Já perdemos muito tempo.
16
Nelton Friedrich com o Prêmio Water for Life 2015 da ONU
Nesse contexto, o Acordo do Clima e a construção dos 17
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) emergem
do inédito compromisso com metas firmado por todos os
193 Estados-membros da ONU. Não há como tergiversar.
Indicadores, observatórios, monitoramentos, balanços sobre
ODS e emissões apontarão o estágio de cada região ou país.
Ninguém vai poder se esconder atrás de discursos ou justificativas. Ou o país – governos, empresas e sociedade civil
– cumprem ou fracassam.
Neste contexto de macro decisões e movimentos globais,
é mais prático – e até estratégico – fazer o global com os
locais. Por exemplo, o Brasil tem o compromisso de reduzir
as emissões nacionais em 37% até 2025 e 43% até 2030.
São metas ousadas quando sabemos que mais de 90% das
emissões são geradas pelo uso da terra, desmatamento da
Amazônia, pela energia não renovável, pela agropecuária,
indústrias, resíduos, etc. Para realizá-las, é necessário construir de forma participativa, articulada e proativa a “Agenda
2030: Transformando nosso Mundo Local/Regional”, em
que governos, empresas e sociedade definirão iniciativas concretas, com metas relacionadas aos compromissos brasileiros
quanto à redução das emissões dos gases de efeito estufa e
consecução dos 17 ODS.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
O senhor propõe urgência na construção de uma Agenda 2030
Local/Regional, mas observando a realidade das prefeituras
que, na sua grande maioria, não lograram implantar a Lei
sobre Resíduos Sólidos eliminando os lixões nem mesmo obras
mais custosas como as de saneamento básico, qual o caminho
institucional em nível local para garantir os 17 ODS?
Exatamente à luz do que se deu com a Agenda 21 e a
implementação acanhada da Lei sobre Resíduos Sólidos é
indispensável envolver os atores locais, construir alianças
para ação entre diferentes segmentos da sociedade e ajustar
a forma como os locais se organizam (por exemplo, instrumentos permanentes de implementação das metas climáticas e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, via
Fóruns ou Observatórios). A efetividade da Agenda 2030
Local mais facilmente se dará num diálogo sobre tendências
sócio-econômica-ambientais-culturais, estimulo a padrões de
produção e consumo sustentáveis e na costura de consensos
éticos mínimos sobre valores, cuidados e providências setoriais
e multissetorias, compartilhando responsabilidades (governos,
empresas e sociedade) e tudo sendo mensurado e comunicado
por indicadores, balanços anuais, banco de boas práticas e
ampla transparência.
Consensos mínimos podem acontecer na governança
inovadora, gestão integrada, sistêmica; na identificação das
áreas de impacto das cadeias locais de valor (matérias primas,
fornecedores, logística de entrada, operações da empresa,
distribuição, uso do produto, fim da vida do produto); na
adesão à Plataforma de Cidades Sustentáveis; na implementação do Programa ABC local (Agricultura de Baixo
Carbono); na gestão de resíduos e adoção do modelo de
economia circular; na mobilidade urbana; na consideração
aos segmentos em desvantagens e nas políticas públicas e
incentivos à acessibilidade, à equidade social; na educação
e cultura para sustentabilidade (inclusão da Agenda 2030 e
Acordo do Clima nos currículos escolares); no incentivo ao
cultivo, uso e reuso da água, à auto geração, geração distribuída
e energia e eficiência energética; nas compras públicas com
critérios de sustentabilidade; nas construções sustentáveis;
na arborização e restauração ecológica; no avanço do saneamento básico; na mobilização para o consumo consciente e o
novo jeito de habitar “Nossa Casa Comum”; na alimentação
saudável e segurança alimentar; na capacitação de agentes e
lideranças para a sustentabilidade; na instituição de bônus
ou incentivos para quem cumprir. Evidente, sobre o acima
ou outras propostas, definindo prioridades.
Já existe alguma estimativa brasileira sobre o custo para a
implementação de cada uma das ambiciosas metas propostas
na Agenda 2030?
Desconheço uma estimativa sobre esses custos. Mas tão
ou mais importante do que quanto falar de custos, é falar e
exercer o papel articulador de energias locais. Articular forças
vivas das comunidades, compartilhar sonhos, somar esforços
e dividir responsabilidade antecedem o “quem entra com
dinheiro”. É comum estragar uma boa ideia porque a primeira
questão é “e o dinheiro?”. Só com a convergência de esforços,
de estímulo à cidadania individual e coletiva, dos recursos já
carimbados das esferas de poder (nacional, estadual e local),
do apoio de instituições, corporações públicas e privadas já
oferecem um bom começo.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
| entrevista |
Caio Francisco Coronel Itaipu Binacional
Canal de Piracema na Usina de Itaipu
Há que se garimpar, também, recursos ou mecanismos
em instituições financeiras que dispõem de fundos específicos
para iniciativas voltadas à sustentabilidade, como o BNDES,
Fundos Multilaterais, outros conectados ao Mercado de Carbono/ incentivos ao Carbono Zero ou Neutro em Carbono,
os Green Climate Fund ou o Fundo Nacional sobre Mudança
do Clima, Green Bonds (títulos de dívida com atributos
socioambientais), Creating Climate Cities, Encouraging LowEmission and Climate, CRA (Cotas de Reserva Ambiental),
entre tantos outros, inclusive que vão surgir. Para se ter uma
ideia, os recursos alocados pelo sistema financeiro à economia
verde no Brasil em 2013 e 2014 alcançaram R$ 217 bilhões
(18% do total de financiamentos).
Por certo, estão em gestação muitas iniciativas agregadoras
de critérios de sustentabilidade ao nosso sistema tributário
com objetivo de reduzir emissões de gases de efeito estufa.
Vão desde o potencial dos incentivos positivos (tributários
e creditícios) nas áreas relevantes como a agropecuária,
indústria e energia, até o papel dos indicadores (que apontam, por exemplo, a intensidade carbônica e energética da
atividade produtiva). É importante buscar e divulgar essa
disponibilidade de recursos e capacitar para a elaboração de
bons projetos para acessá-los.
17
Lúcia Chayb
| entrevista |
Coleta de água de chuva para agricultura orgânica
18
O CAB mereceu reconhecimento mundial, tanto da ONU
quanto de diversos países que desejam adotar a sua metodologia. Os excelentes resultados obtidos sob o seu comando
fez do CAB um exemplo de soluções para resolver problemas
de geração de renda e exploração sustentável. Este seria um
caminho para ser replicado? De que forma poderá contribuir
a Rede de Gestão Participativa da Água?
Nosso movimento tem proposto a construção urgente da
Agenda 2030 Local e Regional, em especial nos territórios
da Bacia do Paraná 3 (área de influência do reservatório da
Itaipu) e toda Região Oeste do Paraná para que mantenha
a vanguarda conquistada nos últimos tempos em diversos
campos da atividade econômica, social, ambiental e cultural e obter um salto ainda maior como municípios e região
exemplares na consecução, em nosso pedaço do planeta, das
metas brasileiras compromissadas globalmente. Felizmente,
num esforço exemplar de milhares de parceiros e Itaipu,
superamos obstáculos e alcançamos um patamar de iniciativas
bem sucedidas, referenciais e que atestam o progresso rumo à
sustentabilidade. Na abrangência do Cultivando Água Boa,
como também em outras atividades da Itaipu, cumprimos
muitos componentes dos objetivos previstos nos ODS.
Hoje, contamos com ações presididas pela Ética do
Cuidado, cooperação, solidariedade, vitalidade comunitária, governança inovadora (abordagem sistêmica e ampla
participação social), territórios sustentáveis, inclusão social e
produtiva. O programa, atualmente presente em 217 microbacias da região, atua no cuidado com o solo, a água, o ar, a
biodiversidade, a justiça social, as comunidades, a vida (através
– por exemplo – de recuperação de passivos socioambientais,
com recuperação de nascentes, práticas conservacionistas,
readequação de estradas, matas ciliares, plantio direto de
qualidade, diversificação produtiva na agricultura familiar e
estímulo ao processamento para agregar valores, com educação ambiental para transformação de olhares e atitudes
e edificação da cultura de sustentabilidade); programas de
construções sustentáveis; de destinação adequada de resíduos;
plataforma de energias renováveis/geração distribuída, com
ênfase na biomassa residual e busca de eficiência energética;
cultura da água, multiuso, governança hídrica, cooperação e
distribuição equitativa e otimização do seu uso e reuso; ações
de inclusão social e produtivas com pescadores, catadores,
comunidades indígenas, quilombolas, juventude, agricultores
familiares, assentados; vinculação ao Cultivando Água Boa
do Programa Cidades Sustentáveis, hoje em 38 municípios;
Compras Públicas com Critérios de Sustentabilidade; equidade
de gênero; entre outras medidas.
Outras iniciativas premiadas pela ONU-Água, a exemplo
do CAB, também contam com uma gama ampla de ações em
consonância com os ODS. A ideia é que passemos a atuar em
uma rede global, fomentando outras iniciativas semelhantes
e, assim, ajudando a promover a Agenda 2030. Para isso, é
preciso atuar, com muita ênfase e articulação, em um pacto
ético mínimo entre governos, empresas e sociedade. De forma
articulada, propositiva e dinâmica, contendo etapas e metas
contributivas (por área e no conjunto da região), alcançaremos
em nosso pedaço do planeta o que foi assumido em Paris.
Envolvendo as forças locais e regionais, com sensibilização
de corações e mentes para a ação e alicerçados na responsabilidade compartilhada, teremos pró-atividade para erigir a
transformadora Agenda 2030.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
Qual a sua opinião sobre os megaprojetos realizados nos
últimos anos de geração de energia e fornecimento de água
como a construção da usina de Belo Monte e a transposição
do Rio São Francisco? No caso de Belo Monte, existem estudos
que demonstram que com o capital investido (mais de R$ 30
bilhões pra gerar 11 GW no pico) poderia ser gerada mais
energia se esse capital tivesse sido aplicado em eólica, solar
e ondomotriz. O Diretor Executivo do PNUMA, Achim
Steiner, num artigo publicado na ECO•21, informa que
a Iniciativa Africana para Energias Renováveis tem um
plano de alcançar 300 GW de geração de energia renovável
até 2030 investindo US$ 10 bilhões. De que forma políticas
de estado semelhantes à brasileira podem ser aplicadas à
Agenda 2030?
A energia hidráulica realmente é uma energia cara para
se instalar, mas é barata quanto à operação. Uma usina
hidrelétrica que preserva o meio ambiente em torno de seu
reservatório e tem manutenção em dia pode operar por 200
anos ou mais. Outras energias podem ser mais baratas quanto
à instalação, mas dificilmente se equiparam à hidrelétrica
quanto aos custos operacionais.
Há que se notar também que, quando se pensa na infraestrutura elétrica de um país em desenvolvimento como o
Brasil, há a necessidade de grandes potenciais para garantir
a chamada energia firme e ter disponibilidade de grandes
cargas que podem ser administradas conforme a necessidade
(para atender a um parque industrial, por exemplo) e essas
são demandas que, infelizmente, fontes como a eólica, solar e
ondomotriz ainda não têm capacidade para atender. Em uma
hidrelétrica, podemos estocar energia na forma de água, mas
ainda não temos tecnologia para fazer o mesmo com os ventos,
o sol ou o mar. É claro que essas energias têm o seu papel e o
Brasil precisa seguir investindo nessas modalidades.
Agora, grandes projetos de infraestrutura, como Belo
Monte e a transposição do Rio São Francisco, realmente têm
impacto equivalente a seu porte nas comunidades e no meio
ambiente e, por isso, é preciso evoluir no diálogo com todos
os públicos envolvidos para que se consiga produzir projetos
de excelência, com mínimo impacto e as melhores medidas
compensatórias possíveis.
Essa é uma realidade que pode ser viabilizada pela Agenda
2030 e pelo Acordo do Clima, que podem ser a última oportunidade de mudar. Estamos diante de “um novo começo” como
expressa a Carta da Terra. Não estamos diante de mudanças
no jogo; trata-se de um novo jogo a ser jogado. Transformar
o mundo requer nova ética, a começar pela Ética do Cuidado.
Mais do que conquistar, dominar, ter, é necessário cuidar.
Lúcia Chayb
Primeiro, reafirmo o que há muito defendo: empreendimentos de médio ou grande porte devem ter iniciativas
antes de começar a construção, durante a construção e depois
da construção. Se transformar num ente vivo e envolvido
com o entorno que influenciará e sofrerá influência. Com a
máxima mitigação de todo e qualquer impacto. E, sempre
num amplo e fecundo diálogo e agenda de interesse comum
com os locais.
É preciso destacar que a matriz brasileira é majoritariamente limpa na comparação com os países ricos. Estamos
fazendo um dos maiores investimentos em eólica (46% da
energia consumida no Nordeste já provêm dessa fonte). E os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável poderão contribuir
para expandirmos ainda mais as energias limpas no Brasil.
Só a eficiência energética pode, até 2030, ter a equivalência a
uma nova Itaipu, sem a construção de nenhuma nova usina.
Não sei exatamente o que está sendo considerado nessa conta
de Achim Steiner.
| entrevista |
Desidratador para plantas medicinais, um dos projetos do CAB
ECO•21
Ag
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2016
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| flora ameaçada |
Ana Maria Almeida | Bióloga do Instituto de Biologia/UFBA; California State University East Bay/Hayward
Muitas espécies de plantas
estão a caminho da extinção
Fabio Colombini - CI
Um documento recente produzido pelo Royal Botanical
Gardens, localizado em Kew, subúrbio de Londres, a respeito
do estado atual das plantas vasculares, chamou a atenção do
mundo. De acordo com o Relatório, o Brasil é o país de maior
diversidade de plantas vasculares do Planeta, com mais de
32.000 espécies descritas, das quais 18.423 são endêmicas da
flora brasileira. As plantas vasculares formam um grande grupo
de plantas terrestres, incluindo as samambaias, os pinheiros ou
gimnospermas, e as plantas com flores, também conhecidas
como angiospermas. As plantas vasculares constituem a vasta
maioria das plantas utilizadas pelos seres humanos.
O Relatório do Royal Botanical Gardens traz outras informações curiosas, como o fato de que o Brasil lidera, desde
2008, o ranking de países com maior número de novas espécies
descobertas de plantas vasculares, com aproximadamente 200
novas espécies descritas anualmente. Esse número perfaz um
total de 2.220 novas espécies descritas desde 2006, seguido
da Austrália, com 1.648, e China, com 1.537. Em média,
desde 2004, 2.000 novas espécies de plantas vasculares são
descritas todos os anos.
20
O relatório aponta dados alarmantes: das aproximadamente 390.000 espécies conhecidas de plantas vasculares,
50.000 estão em risco de extinção. Já a International Union
for Conservation of Nature (IUCN) estima que, no ano de
2016, 21% das espécies de plantas vasculares estão em risco
de extinção, o que significa que uma em cada 5 espécies pode
desaparecer do Planeta em breve. Números semelhantes foram
produzidos na década de 1990, a partir de modelos baseados
em perda de hábitat. Há 25 anos, cientistas estimaram que
enfrentaríamos uma perda de 4.000 a 30.000 espécies de plantas até o ano de 2015, baseados principalmente na velocidade
de destruição de hábitats, isoladamente a principal causa de
perda de biodiversidade no Planeta. Entretanto, uma análise
cuidadosa da Lista Vermelha da IUCN mostra que apenas
142 espécies de plantas vasculares são consideradas extintas na
natureza. Assim, uma pergunta óbvia se coloca: qual o motivo
de tamanha discrepância? Por que apenas 142 espécies são
consideradas extintas, quando os modelos baseados em perda
de hábitat previam números 10 a 100 vezes maiores?
Mesmo se considerarmos 142 espécies extintas como uma
medida conservadora, este número ainda está muito distante
das estimativas feitas pelos ecólogos no início da década de
1990. Como aponta um estudo recente (The trajectory of the
Anthropocene: The Great Acceleration), a discrepância entre
as estimativas e o número observado de espécies extintas não
pode, infelizmente, ser explicada por uma redução das taxas
de destruição ambiental. Nos últimos 25 anos observamos um
aumento das taxas de destruição de áreas naturais, incluindo
florestas tropicais, por exemplo, principalmente devido à
expansão da agricultura industrializada.
Em Julho último, o ecólogo Quentin Cronk, em um
comentário recente (Plant extinctions take time) na revista
Science, levantou uma hipótese interessante: apesar da discrepância entre os números estimados e os números observados,
afirma Cronk, podemos estar em meio a uma extinção em
massa, um fenômeno em andamento, cujos efeitos apenas
serão observados no futuro próximo. Ou seja, estaríamos
caminhando para a extinção permanente de milhares de
espécies de plantas vasculares, apesar de poucos indivíduos
dessas espécies ainda sobreviverem na natureza. Esse período
é o que ecólogos chamam de “extinção latente” (extinction
lag time), também conhecido como “tempo de relaxamento”
de extinção (relaxation time).
Durante esse período, os indivíduos sobreviventes a
um evento de extinção, como a destruição de uma floresta,
representariam os últimos sobreviventes das suas espécies,
que estariam, no entanto, funcionalmente extintas, visto que
esses poucos indivíduos estariam incapacitados de perpetuar
a espécie na natureza.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
Alguns ecólogos consideram
esses sobreviventes como “mortosvivos” (the living dead), os últimos de
uma linhagem em extinção latente,
incapazes de restabelecer populações
viáveis das suas espécies, que se tornariam permanentemente extintas
com a morte desses indivíduos. Em
plantas vasculares, esse período de
extinção latente, aponta Cronk, é
relativamente longo, quando comparado à extinção latente da maioria
das espécies animais. Diversos fatores contribuem para um aumento no
período de latência em plantas vasculares. Dentre eles, podemos citar
os bancos de sementes presentes nos
solos, a capacidade de reprodução
assexuada e de autofertilização em
muitas espécies, além de uma maior
sobrevida, quando comparadas à
maior parte dos animais. Dessa
maneira, temos fortes razões para
acreditar que o período de latência
de extinção em plantas vasculares
excede aquele observado para a
maior parte dos animais, e chega,
em florestas temperadas, a ultrapassar 100 anos.
Se levarmos em conta essas considerações, podemos estar
em maus lençóis: muitas das espécies de plantas vasculares
estariam em período de extinção latente, com indivíduos isolados ainda sobrevivendo por algumas décadas, mas fadadas
à extinção permanente com a morte desses indivíduos.
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Ag
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2016
| flora ameaçada |
Se as atividades humanas nos
últimos 25 anos causaram um evento
de extinção em massa, seus efeitos
em plantas vasculares apenas serão
sentidos nos próximos 100 anos,
devido ao seu longo período de
extinção latente.
As previsões de extinção elaboradas para a década de 1990 estariam
refletindo, assim, a extinção latente
de milhares de linhagens, sendo
que uma em cada cinco espécies
de plantas vasculares estaria representada por poucos indivíduos que
não passariam de “mortos-vivos”,
os últimos representantes dessas
espécies em extinção.
Vivemos, assim, a Era dos
“mortos-vivos”, ao menos quando
tratamos de plantas vasculares.
Apesar de sombrio, esse aumento do
período de latência de extinção de
plantas vasculares suscita questões
interessantes. Seríamos capazes de
identificar os “mortos-vivos” na
natureza?
Caso consigamos, o que deveríamos fazer? Além disso, poderíamos entender esse período de
latência como a última chance para que esforços de conservação tentem evitar a extinção permanente dessas espécies. No
pior dos casos, o longo período de extinção latente de plantas
vasculares nos dá um pouco mais de tempo para conhecermos
os organismos que perderemos no próximo século.
21
| pesquisa |
Camila Faria | Jornalista do Observatório do Clima - OC
Diversidade faz Amazônia
resistir ao clima
“É um modelo muito interessante. Revela que, além da
biodiversidade numa floresta, devemos olhar para a diversidade
de características e funcionalidades das plantas para a manutenção do serviço cumprido por elas”, afirma o ecólogo Daniel
Piotto, da UFSB. O modelo biogeoquímico desenvolvido, que
simula ambientes florestais diversos, mostrou que a diversidade
permite que a floresta se ajuste a novas condições climáticas e
mantenha seu potencial de sumidouro de carbono: enquanto
árvores acima de 30 m, atuais maiores contribuintes para a
biomassa, seriam reduzidas no médio prazo, a vegetação do
sub-bosque, de tamanho médio e árvores mais jovens, teria
oportunidade de receber mais luz e se regenerar para as novas
condições. No modelo, essa mudança melhorou o equilíbrio
de carbono e a taxa de sobrevivência das árvores, o que causou
recuperação de biomassa e estrutura para as espécies.
“É nítido que a biodiversidade não é um benefício adicional, e sim um aspecto fundamental para a sobrevivência
em longo prazo das grandes reservas de biomassa da Terra,
como a floresta amazônica”, afirmou Boris Sakschewski, do
Instituto de Pesquisa de Impactos Climáticos de Potsdam,
que liderou o trabalho. “A diversidade vegetal pode permitir
que o maior ecossistema tropical do mundo se ajuste a certo
nível de mudança climática – árvores que hoje são espécies
dominantes, por exemplo, poderiam dar lugar a outras que
seriam mais adaptadas às novas condições”.
Para estudar como a diversidade funcional de plantas
contribui para a resiliência de florestas tropicais, o grupo
primeiro investigou uma pequena área de floresta no Equador,
com base em sua resposta, realizou simulações em computador
para toda a Bacia Amazônica.
A notícia, porém, não representa um alívio de preocupações: enquanto, num cenário de cumprimento das metas do
Acordo de Paris e emissões moderadas, a taxa de recuperação
seria em torno de 84% após alguns séculos, o dano causado
por emissões em massa, sem respeito ao Acordo ou aumento
de ambição das propostas sobre a mesa, permitiria que apenas
13% da área se recuperasse pelas mesmas condições.
O novo estudo é mais um de uma série de trabalhos recentes
mostrando relações importantes entre biodiversidade florestal e
clima. Desde o ano passado, por exemplo, pesquisas chefiadas
pelo ecólogo Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, e
pelo biólogo Mauro Galetti, da UNESP, têm mostrado, entre
outras coisas, que a caça de mamíferos como queixadas e antas
ajuda a reduzir a dispersão de árvores grandes, diminuindo a
fixação de carbono pelas matas na Amazônia.
Claudio Angelo
A floresta com tipos diferentes de plantas se recupera
melhor após ser submetida a um aquecimento moderado,
conclui uma pesquisa, que amplia entendimento da importância da biodiversidade.
Um grupo internacional de cientistas pôde, pela primeira
vez, demonstrar em larga escala que florestas com maior
diversidade de características e funcionalidades de plantas
têm também maior potencial de adaptação a mudanças no
clima, utilizando a Amazônia como estudo de caso.
O estudo “Resilience of Amazon forests emerges from plant
trait diversity”, publicado na edição de Agosto no periódico
Nature Climate Change do Nature Publishing Group (NPG),
reforça a importância da preservação da biodiversidade como
instrumento de políticas públicas contra o agravamento da
crise climática.
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ECO•21
| ecologia humana |
José Monserrat Filho | Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA)*
“... o sistema de privilégios e privilegiados, para se impor à humanidade, deve antes de mais nada
adormecê-la.” Milton Santos
Arquivo
O espaço do ser humano
“Com a mundialização da sociedade, o espaço, tornado
global, é um capital comum de toda a humanidade”, salienta
Milton Santos, e adverte: “Entretanto, sua utilização é efetiva e
reservada àqueles que dispõem de um capital particular. Com
isso, a noção de propriedade privada de um bem coletivo é
Mestre Milton Santos (1926reforçada”. A novidade é que essa noção está englobando tam2001) lançou, em 1982, o
bém o espaço exterior. Basta ver a Lei (HR 2262) sancionada
livro “Pensando o Espaço do
pelo Presidente dos EUA em 25 de Novembro de 2015, que
Homem”, do qual já se publioutorga às empresas norte-americanas o direito de propriedade
caram várias edições e reimsobre as riquezas minerais e outros recursos naturais por elas
pressões. Graduado em direito,
extraídos de asteroides e demais corpos celestes.
José Monserrat Filho
Milton Santos é um dos nomes
“Num mundo em que as determinações se verificam em
mais respeitados da geografia no
escala internacional, num mundo universalizado, os aconteBrasil. Seus estudos sobre a urbanização nos países do terceiro
cimentos são comandados direta ou indiretamente por forças
mundo tiveram grande repercussão acadêmica e política. Em
mundiais”, afirma Milton Santos. A ideia de domínio das
1994 ganhou o Prêmio Vautrin Lud, considerado o Nobel
grandes corporações globais aplica-se igualmente ao espaço
da Geografia, e em 2006 foi agraciado postumamente com
exterior e às atividades lá exercidas, hoje oligopolizadas em
o Prêmio Anísio Teixeira, da CAPES, por suas contribuições
grande parte, embora sejam essenciais à vida cotidiana de
ao desenvolvimento da pesquisa e da formação de recursos
todos os povos da Terra.
Para Milton Santos, “hoje,
humanos no país.
São dele também os livros
quando se fala de espaço total,
“Espaço e sociedade” (1979);
fala-se de uma multiplicidade
“O espaço dividido. Os dois
de inf luências superpostas:
circuitos da economia urbana
mundiais, nacionais, regionais,
dos países subdesenvolvidos”
locais”. Cabe acrescentar as
(1979); “O Espaço do Cidadão”
inf luências espaciais, que só
(1987); “Técnica, espaço, tempo
fazem crescer.
– Globalização e meio técnicoEle também diz que “o espaço
científico informacional” (1994);
é maciço, contínuo, indivisível”.
entre muitos outros.
O espaço exterior realmente não
é maciço, mas tende a ser, cada
Em “Pensando o Espaço do
vez mais, virtualmente contínuo
Homem”, esse baiano de Brotas
de Macaúbas, que lecionou e
e indivisível. Isso, porém, não
Milton Santos
pesquisou em importantes unianula a necessidade de se fixar
versidades do mundo, fala do
a delimitação entre o espaço
espaço globalizado em todo o Planeta Terra, cujo processo
aéreo, onde vigora o princípio da soberania dos Estados,
e o espaço exterior, onde esse princípio não tem vigência.
de formação iniciou-se nos primórdios do capitalismo em
Não pode haver continuidade entre dois sistemas jurídicos
meados do Século 16, há mais de 400 anos.
inteiramente distintos.
Ocorre que, a partir da segunda metade do Século 20,
Ainda segundo o professor Milton Santos, “com o
o espaço global começa a expandir-se pelo espaço exterior,
graças a notáveis avanços científicos e tecnológicos, que ensedesenvolvimento das forças produtivas e a extensão da divijaram os voos espaciais com a criação de foguetes, satélites,
são do trabalho, o espaço é manipulado para aprofundar
as diferenças de classes. Essa mesma evolução acarreta um
sondas e estações espaciais. Iniciaram-se, então, a exploração
movimento aparentemente paradoxal: o espaço que une e
e o uso do novo ambiente pela espécie humana. Em quase
separa os homens”.
60 anos, milhares de objetos construídos pela mão humana
O espaço exterior, por sua vez, une a humanidade, real ou
já foram lançados ao espaço, sobretudo às órbitas da Terra,
potencialmente, pelos serviços vitais que é capaz de prestar
mas também à Lua, além de Marte e outros planetas, e ao
ou vender, e, ao mesmo tempo, a separa, pela desigualdade
espaço profundo.
crescente que produz.
Tal movimento, inaugurado em 1957 e chamado de Era
Espacial, tem imensos efeitos econômicos, políticos, sociais
e culturais, que vêm ampliando a globalização terrestre para
* José Monserrat Filho é também Diretor Honorário do Instituto Internacional
de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA)
o que tem sido denominado de nosso oitavo continente – o
e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB)
sem limites, incomensurável.
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Ag
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ECO•21
| ecologia humana |
Neste tema complexo, Milton Santos frisa:
“O que une, no espaço [terrestre], é a sua função
de mercadoria ou de dado fundamental na produção de mercadoria. O espaço, portanto, reúne
homens tão fetichizados quanto a mercadoria
que eles vêm produzir nele. Mercadorias, eles
próprios, sua alienação faz de cada homem um
outro homem. O espaço, como ponto de encontro
(…) é uma reunião de sombras ou, quando muito,
um encontro de símbolos”.
Milton Santos diz mais: “Como o espaço se
tornou também um produto no mercado, é sua
raridade que une os homens... Trata-se de um
contra o outro, da separação e não da união.” E
conclui: “A unidade dos homens pelo espaço é,
pois, uma falsa unidade... É dessa falsa unidade
que a separação se alimenta. Os progressos de
nossa infeliz civilização conduzem mais e mais
a uma sociedade atomizada por um espaço que
dá a impressão de reunir”. E também: “O espaço
[terrestre], habitação do homem, é também o seu
inimigo, a partir do momento em que a unidade
humana da coisa inerte é um instrumento de
sua alienação.” E ainda: “Os homens vivem cada
vez mais amontoados lado a lado em aglomerações monstruosas, mas estão isolados um dos
outros”.
Se Milton Santos tiver razão, estaremos levando
para o espaço exterior, junto com nossa ciência e
tecnologias de ponta, as maiores mazelas sociais
desenvolvidas aqui na Terra – paradoxalmente,
talvez o único planeta habitado por seres inteligentes.
Daí a recomendação e o apelo de Milton Santos
sobre o que fazer do espaço terrestre, mas, a nosso
ver, igualmente válido para o espaço exterior, se
suas críticas à situação atual se confirmarem e
nada for feito para superar os dramáticos problemas apontados:
“Devemos nos preparar para estabelecer os
alicerces de um espaço verdadeiramente humano,
de um espaço que possa unir os homens para e por
seu trabalho, mas não para em seguida dividi-los
em classes, em exploradores e explorados; de um
espaço matéria-inerte que seja trabalhada pelo
homem mas não se volte contra ele; um espaço
Natureza social aberto à contemplação direta
dos seres humanos, e não um fetiche; um espaço
instrumento de reprodução da vida, e não uma
mercadoria trabalhada por outra mercadoria, o
homem fetichizado”.
Na visão do geógrafo, “desfetichizar o homem
e o espaço é arrancar à Natureza os símbolos que
ocultam a sua verdade, vale dizer: ...é revalorizar o
trabalho e revalorizar o próprio homem, para que
ele não seja mais tratado como valor de troca”.
Não será isso o que mais inspiram aos humanistas “as vastas perspectivas que a descoberta do
espaço cósmico pelo homem oferece à humanidade”, como diz a primeira linha do preâmbulo
do Tratado do Espaço, de 1967 – a Lei maior das
atividades espaciais?
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Ag
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| direitos indígenas |
Baher Kamal | Jornalista da Envolverde / IPS
Marcello Casal Jr - ABr
Os direitos indígenas e o clima
Já não se trata de restabelecer os direitos legítimos dos
mais de 370 povos indígenas em 70 países, muitos dos quais
vivem em condições precárias, mas de seu papel fundamental
na luta contra a mudança climática, destacou Victoria Tauli
Corpuz, relatora especial da ONU sobre os Direitos dos
Povos Indígenas e dirigente indígena do povo kankana ey
igorot, das Filipinas. “Pouquíssimos países assumiram um
compromisso claro com um requisito do Acordo de Paris,
pelo qual os países que empreendem atividades contra a
mudança climática devem garantir os direitos dos povos
indígenas”, afirmou.
A relatora recorda “a grande quantidade de mortes violentas
de pessoas que protegiam as florestas e o direito à terra em
2015” (o ano mais mortal já registrado para os defensores do
ambiente), ressaltou. “É uma situação grave em termos de
respeito dos direitos dos povos indígenas”, acrescentou aos
participantes do Comitê Florestal da FAO, reunido em Roma
entre os dias 18 e 22 do mês passado (Julho 2016).
“Os povos indígenas de todo o mundo experimentaram
as consequências da colonização e a invasão histórica de
seus territórios, e são objeto de discriminação devido às suas
diferentes culturas, identidades e formas de vida”, apontou
Tauli Corpuz. “Os governos devem fazer muito mais para
que os povos indígenas, as comunidades locais, os pequenos
produtores e suas organizações recuperem as paisagens
degradadas e consigam a mitigação e adaptação à mudança
climática na prática”, recomendou a FAO.
28
De concreto, René Castro Salazar, Subdiretor-Geral da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura - FAO, alertou que o tema dos direitos indígenas
à terra e aos territórios é “fundamental” para o êxito das
iniciativas referentes à mudança climática.
“A menos que ajudemos os povos indígenas a terem uma
posse segura da terra e um governo melhor, será muito difícil
alcançar soluções de longo prazo. Estamos ficando para trás,
temos que fazer mais”, enfatizou.
Um terço das florestas do Planeta é administrado de alguma
maneira por famílias, pequenos agricultores, comunidades
locais e povos indígenas, e representam algumas das maiores
reservas de carbono, informaram os especilistas da agência
da ONU para a agricultura durante a reunião do Comitê
Florestal da FAO. Só as florestas comunitárias reconhecidas
pelos Estados abrigam aproximadamente 37,7 bilhões de
toneladas de reservas de carbono.
“Os pequenos produtores familiares, as comunidades locais
e os povos indígenas têm um papel fundamental a desempenhar na preservação dessas reservas de carbono, mediante
redução do desmatamento, gestão sustentável das florestas
e recuperação de árvores como parte das economias rurais
produtivas, particularmente quando pertencem a organizações
de produtores fortes”, afirma a FAO.
Além disso, foi constatado que cerca de 1,5 bilhão de
hectares têm o potencial para os pequenos produtores combinarem a agricultura com árvores.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
“Mas se não for encontrada a melhor maneira de interagir
com os atores locais e alinhar seus interesses com a conservação
florestal, podem ficar significativamente comprometidas as
possibilidades de se alcançar as metas de captura de carbono
e mitigação”, alertou a mencionada agência da ONU.
Em uma declaração divulgada ao final da reunião de
Roma, os participantes exortam os governos a criarem condições propícias necessárias para que as comunidades, os povos
indígenas e os produtores locais “administrem territórios
maiores, garantindo e fazendo cumprir os direitos de posse,
além da criação de incentivos comerciais favoráveis e oferta
de serviços de extensão técnica, financeira e empresarial”.
Também pedem aos mecanismos de financiamento
globais, às políticas estatais e aos investidores privados que
dirijam os investimentos e o apoio às comunidades locais, aos
povos indígenas, aos pequenos produtores e às organizações
de agricultores.
Por fim, solicitam que as iniciativas sobre mudança climática deem “uma importância maior às comunidades locais, aos
povos indígenas, aos pequenos produtores e às organizações
de produtores, para que participem da avaliação qualitativa
da cobertura florestal e das árvores nas explorações agrícolas
que administram”.
Por ocasião da reunião de Roma, a FAO divulgou um novo
estudo que ajuda a preencher um vazio de conhecimento sobre
a presença e a extensão das florestas e das árvores nas zonas
áridas do mundo, onde a segurança alimentar e os meios de
vida de milhões de pessoas, por si só já precários, se veem
cada vez mais ameaçados pela mudança climática.
Os resultados preliminares do estudo indicam que as
árvores estão presentes com enormes diferenças de densidade
em quase um terço dos 6,1 bilhões de hectares de zonas áridas
do Planeta, o que representa uma área mais que duas vezes
superior ao tamanho da África.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
| direitos indígenas |
Calcula-se que dois bilhões de pessoas (90% delas nos
países em desenvolvimento localizados no hemisfério Sul)
vivem em zonas áridas. Estudos recentes indicam a necessidade
de recuperar essas terras para lidar com os efeitos da seca, da
desertificação e da degradação da terra. Em particular, se
espera que a disponibilidade de água nas terras áridas diminua
ainda mais devido às mudanças no clima e no uso do solo,
alerta esse novo estudo.
“As pessoas pobres que vivem em zonas rurais remotas serão
as mais vulneráveis à escassez de alimentos, o que, combinado
com a violência e a agitação social, é um fator importante
que leva à migração forçada nas regiões áridas da África e
Ásia ocidental”, segundo o estudo. Até agora, houve pouco
conhecimento de base estatística sobre árvores de regiões secas,
em particular as que crescem fora das florestas, apesar de sua
importância vital para os seres humanos e o ambiente.
As folhas e os frutos das árvores são fonte de alimentos para
os seres humanos e forragem para os animais. Sua madeira
fornece combustível para cozinhar e aquecer a moradia e
pode ser uma fonte de renda para as famílias pobres. As
árvores protegem os solos, as plantações e os animais contra
o sol e o vento, enquanto as florestas costumam ser ricas em
biodiversidade.
As terras áridas se dividem em quatro zonas. A zona
subsumida é a menos árida das quatro e consiste, sobretudo,
na savana sudanesa, nas florestas e pastagens da América do
Sul, nas estepes da Europa oriental, no Sul da Sibéria e na
pradaria canadense.
A maioria das florestas áridas se encontra nessa zona, da
mesma forma que grandes superfícies de agricultura intensiva
submetidas a irrigação, ao longo dos rios perenes. No outro
extremo, a zona hiperárida é a mais seca e está dominada
pelo deserto. O Saara representa 45% do total, e o deserto
da Arábia é outro componente de grande tamanho.
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Victoria Tauli Corpuz | Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas
Antonio Cruz - ABr
Claudia Andujar
IISD
Os desafios dos povos indígenas
são enormes no Brasil
Em minha capacidade de
Relatora Especial da ONU sobre
os direitos dos povos indígenas
realizei uma visita ao Brasil, de
7 a 17 de março de 2016, para
identificar e avaliar as principais
questões atualmente enfrentadas
pelos povos indígenas do país e
para fazer um seguimento das
importantes recomendações
apresentadas, em 2008, por meu
Victoria Tauli Corpuz
antecessor James Anaya.
Ao longo dos últimos dez
dias, estive em Brasília e percorri os Estados de Mato Grosso
do Sul, Bahia e Pará. Na capital, me encontrei com representantes dos três Poderes do Governo, e participei de reuniões
nos escritórios nacionais e locais do Ministério Público
Federal, da FUNAI e do Vice-Governador do Mato Grosso
do Sul. Da mesma forma, conversei com diversos membros
da FAMASUL, delegados da União Europeia e diplomatas
da Embaixada da Noruega, assim como com funcionários da
ONU e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA), além de autoridades do BNDES, representantes
dos povos indígenas e de organizações da sociedade civil e de
direitos humanos que atuam no âmbito dos direitos dos povos
indígenas, além de outros atores cujas atividades impactam
sobre esses direitos.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
No Mato Grosso do Sul, visitei o povo Guarani-Kaiowá
nas terras indígenas Kurussu Ambá, Guayviry, Taquara e
na Reserva de Dourados, bem como o Conselho Terena. Na
Bahia, visitei os Tupinambás nas aldeias Serra do Padeiro
e Tikum e conversei com representantes dos Pataxós que
falaram sobre a terra indígena Comexatiba.
Na região da Volta Grande no Pará, visitei os Juruna, da
terra indígena Paquiçamba na aldeia Muratu e me reuni com
representantes dos Parakanã de Apyterewa e com os Arara,
um povo de recente contato da terra indígena Cachoeira
Seca. Estive, igualmente reunida, com representantes dos
povos Curuaia e Xipaya em Altamira. Os Munduruku,
Arara Vermelha, Apiaká, Arapiun, Borari e Tapuia também
me explicaram a situação dos povos indígenas na bacia do
rio Tapajós, no Pará.
Participei, ainda, de reuniões com membros da APIB, uma
articulação nacional de povos indígenas. No total, estive com
representantes de mais de 50 povos indígenas, incluindo os
Yanomami, Maxakali, Manoki e Ka’apor, bem como com a
Rede de Cooperação Amazônica. Recebemos muitos pedidos
de visita por parte de comunidades indígenas de todo o País,
as quais nos relataram as dificuldades que estão enfrentando,
mas devido ao tempo limitado de que dispunha não pude
estar com todas elas.
Agradeço ao Governo Brasileiro pelo convite e pela plena
cooperação prestada, e por me permitir levar a cabo esta visita
livremente e de forma independente.
31
| documento |
Gostaria de expressar minha profunda gratidão aos
representantes dos povos indígenas que me convidaram
para visitar suas comunidades, às organizações indígenas e a
todos aqueles que me auxiliaram na organização de partes de
minha agenda, e àqueles que viajaram de suas comunidades
para reunirem-se comigo em diversas localidades. Queria,
também, manifestar meu apreço pela equipe das Nações
Unidas residente no país por seu apoio de modo a assegurar
o sucesso de minha visita.
No decorrer da visita, representantes dos povos indígenas,
da sociedade civil e do Governo forneceram-me um grande
volume de informações. No transcurso das próximas semanas,
revisarei esse material de modo a elaborar meu relatório que será
submetido, em setembro, ao Conselho de Direitos Humanos
das Nações Unidas. O propósito do citado relatório é ajudar
os povos indígenas e o Governo a encontrarem soluções para
os desafios contínuos enfrentados por essas comunidades no
Brasil. Em antecipação a esse relatório, gostaria de apresentar
algumas observações e recomendações com base no que vi
durante a minha visita. Esses comentários não espelham toda
a gama de questões que foi trazida à minha atenção, nem
refletem todas as iniciativas do Governo Brasileiro.
Primeiramente, gostaria de cumprimentar o Governo do
Brasil por uma série de medidas e de iniciativas que tomou
com vistas a assegurar a realização dos direitos indígenas.
Estas incluem, dentre outras:
• O papel construtivo e proativo da FUNAI e do Ministério
Público, apesar de terem de atuar em circunstâncias difíceis,
em particular os que trabalham em escritórios locais;
• O estabelecimento de um quadro jurídico e administrativo
internacionalmente reconhecido para a demarcação de terras,
e a oposição do governo à Proposta de Emenda à Constituição,
PEC 215, que colocaria em causa esse quadro;
• O conjunto de decisões do Supremo Tribunal Federal para
evitar os despejos dos povos indígenas, especialmente no
Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul
e Paraná;
• A organização da Primeira Conferência Nacional de Política
Indigenista e a criação do Conselho Nacional de Política
Indigenista;
• O engajamento construtivo do Ministro da Cultura com
povos indígenas, baseado no reconhecimento da relação
simbiótica entre suas culturas e seus direitos territoriais e a
necessidade de políticas que sejam fundadas no entendimento
de seus modos de vidas diferenciados;
• Os esforços envidados no sentido de implementar serviços
diferenciados para os povos indígenas em matéria de saúde,
educação e assistência social, tal como recomendado pelo
Relator Especial da ONU em 2009, inclusive o reconhecimento
da necessidade de aprimorar o programa Bolsa Família a fim
de evitar que este provoque efeitos negativos sobre o modo
de vida dos povos indígenas; e
• O apoio dado pelo Brasil no cenário internacional para a proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.
Cabe-me ressaltar, igualmente, a dedicação dos povos
indígenas às boas práticas e aos enfoques proativos de modo
a prosseguir na efetivação de seus direitos. Dentre essas
ações se incluem: a elaboração de protocolos de consulta,
a autodemarcação de terras, o estabelecimento de alianças
com as comunidades quilombolas e ribeirinhas com vistas ao
fortalecimento de seus direitos à terra e à auto governança; e
a autoproteção de territórios.
32
Todas essas ações constituem passos importantes para
a autogestão e regulamentação de seus territórios e para o
exercício de sua autodeterminação e autonomia, tal como
previsto na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU
sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Gostaria de saudar,
também, a atuação da rede de organizações da sociedade civil
que auxilia os povos indígenas na afirmação de seus direitos e
a criação de uma Relatoria Nacional sobre Direitos Humanos
e Povos Indígenas.
Considerações Gerais
Minha visita ao Brasil é um seguimento à vinda de meu
predecessor, James Anaya, em 2008. Ela também foi precedida
por uma série de solicitações por parte dos povos indígenas e
por um conjunto de comunicações entre a Relatoria Especial
e o Governo do Brasil, entre 2010 e 2015, referentes ao Mato
Grosso do Sul, à decisão judicial no caso Raposa Serra do Sol,
à construção da hidrelétrica de Belo Monte e às preocupações
relativas à taxa de demarcação de Terras Indígenas e aos
assassinatos de defensores dos direitos humanos.
Em termos gerais, minha primeira impressão após esta visita
é de que o Brasil possui uma série de disposições constitucionais
exemplares em relação aos direitos dos povos indígenas, e que
no passado o País deixou patente sua liderança mundial no que
se refere à demarcação dos territórios indígenas. Entretanto,
nos 8 anos que se seguiram à visita de meu predecessor, há
uma inquietante ausência de avanços na solução de antigas
questões de vital importância para os povos indígenas e para
a implementação das recomendações do Relator Especial. Ao
contrário, houve retrocessos extremamente preocupantes na
proteção dos direitos dos povos indígenas, uma tendência
que continuará a se agravar caso não sejam tomadas medidas
decisivas por parte do governo para revertê-la.
No Brasil, os desafios enfrentados por muitos povos indígenas são enormes. Dentre eles é possível destacar a Proposta
de Emenda à Constituição, PEC 215, e outras legislações que
solapam os direitos dos povos indígenas a terras, territórios e
recursos; a interpretação equivocada dos artigos 231 e 232 da
Constituição na decisão judicial sobre o caso Raposa Serra
do Sol; a introdução de um marco temporal e a imposição
de restrições aos direitos dos povos indígenas de possuir e
controlar suas terras e recursos naturais; a interrupção dos
processos de demarcação, incluindo 20 Terras Indígenas
pendentes de homologação pela Presidência da República,
como por exemplo, a Terra Indígena Cachoeira Seca, no
Estado do Pará; a incapacidade de proteger as terras indígenas contra atividades ilegais; os despejos em curso e as
ameaças constantes de novos despejos de povos indígenas
de suas terras; os profundos e crescentes efeitos negativos
dos megaprojetos em territórios indígenas ou próximos a
eles; a violência, assassinatos, ameaças e intimidações contra
os povos indígenas perpetuados pela impunidade; a falta
de consulta sobre políticas, leis e projetos que têm impacto
sobre os direitos dos povos indígenas; a prestação inadequada
de cuidados à saúde, educação e serviços sociais, tal como
assinalam os indicadores relacionados ao suicídio de jovens,
casos de adoção ilegal de crianças indígenas, mortalidade
infantil e alcoolismo; e o desaparecimento acelerado de
línguas indígenas. Assim sendo, os riscos enfrentados pelos
povos indígenas estão mais presentes do que nunca desde a
adoção da Constituição de 1988.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
Leticia Leite - ISA
| documento |
Represálias, ameaças e assassinatos
Victoria Tauli Corpuz com o cacique Giliarte Juruna
Esses riscos e desafios tendem a escapar da atenção e do
escrutínio internacionais devido aos avanços significativos
logrados, no passado, pelo Brasil no âmbito dos direitos
dos povos indígenas – especialmente no que diz respeito
à demarcação de terras na região amazônica – e à postura
progressista que o País apresenta no cenário mundial no que
tange à promoção desses direitos.
Há uma representação errônea sobre o que realmente
acontece com a demarcação das terras dos povos indígenas em
áreas fora da Amazônia, e esse fato embasou minha decisão de
visitar essas regiões. Preocupa-me, sobretudo, a apresentação
distorcida da mídia e de outros atores que retratam os povos
indígenas como detentores de grandes extensões de terra em
comparação com suas populações, quando na verdade é o setor
do agronegócio que detém um percentual desproporcional
do território brasileiro. Mesmo onde os povos indígenas
possuem terras demarcadas na região amazônica, eles não
disfrutam do efetivo controle sobre seus recursos devido às
crescentes invasões e atividades ilegais, tais como mineração
e extração de madeira. Nesse contexto, gostaria de expressar
especial preocupação relativa aos impactos sobre a saúde
provocados pela mineração ilegal e pelo uso de mercúrio em
terras Yanomami. A situação dos Yanomamis é reflexo da
intrincada relação entre os direitos dos povos indígenas à saúde,
educação e cultura e a efetivação de seus direitos territoriais
e de auto-governança. Além disso, os esforços envidados por
esses povos para recuperar suas terras, evitar os despejos e
proteger seus territórios contra atividades ilegais os coloca,
frequentemente, em situações de conflito, como é o caso dos
Guarani-Kaiowa e Terenas no MS, dos Pataxós na Bahia, dos
Arara e Parakanã no Pará e dos Ka’apor no Maranhão.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
Uma questão de preocupação premente é a grande quantidade de ataques documentados e relatados contra povos
indígenas. Em 2007, segundo o CIMI, 92 líderes indígenas
foram assassinados, ao passo que em 2014 o número havia
aumentado para 138. O Estado de Mato Grosso do Sul foi o
que registrou o maior número de mortes. Com frequência,
os ataques e assassinatos constituem represálias em contextos
nos quais os povos indígenas reocuparam terras ancestrais
depois de longos períodos de espera da conclusão dos processos
de demarcação. Eu considero extremamente alarmante que
uma série desses ataques, que envolveram tiroteios e feriram
populações indígenas nas comunidades de Kurusu Ambá,
Dourados e Taquara, no Mato Grosso do Sul, tenham ocorrido após minhas visitas a essas áreas. Ainda mais alarmante
é o fato que os povos indígenas têm relatado que nenhuma
autoridade estatal esteve nas áreas até agora. Eu condeno
enfaticamente tais ataques e conclamo o Governo a pôr um
fim a essas violações de direitos humanos, bem como investigar
e processar seus mandantes e autores.
Nessas visitas, muitos indígenas de comunidades do Mato
Grosso do Sul me mostraram ferimentos de bala, levaram-me
aos lugares onde seus familiares foram mortos e relataram
incidentes envolvendo prisões arbitrárias e criminalização de
seus líderes. A aprovação da Lei Antiterrorismo no Congresso,
criticada por muitos Relatores Especiais da ONU, aumenta
o risco de tais atos de criminalização. Da mesma forma, na
Bahia recebi relatos detalhados de práticas de tortura e prisões arbitrárias. Funcionários e membros de órgãos estatais e
organizações da sociedade civil que trabalham em cooperação
com povos indígenas também fizeram relatos perturbadores
sobre um padrão sistemático de ameaças e intimidação.
Embora seja notório o reconhecimento, por parte do
Estado, da necessidade de proteger os defensores de direitos
humanos, inclusive os líderes indígenas e os defensores dos
direitos dos povos indígenas, as informações que recebi de
comunidades em todo o país indicam que os programas para
realizar tal proteção permanecem inadequados no contexto
dos povos indígenas. Há, também, certa falta de confiança nas
forças policiais, principalmente em relação às polícias civil e de
fronteiras e, em alguns casos, da polícia federal, decorrente do
envolvimento de policiais em casos de violência contra povos
indígenas. Em todos os casos, a impunidade permite que a
prática de violência por parte forças de segurança privadas,
pistoleiros e forças estatais permaneça inalterada. Também
foram relatados inúmeros casos de violência contra povos
indígenas em ambientes urbanos – um caso emblemático e
particularmente perturbador foi a decapitação de um bebê
Kaingang em Santa Catarina em 31 de dezembro de 2015.
O fato de a grande mídia não ter relatado esse horrível episódio é considerado, por muitas pessoas com quem conversei,
sintomático do crescente preconceito contra povos indígenas
entre o público em geral.
Mesmo em contextos nos quais a violência física direta não
foi relatada por indígenas, eles enfrentam ameaças profundas
à sua existência. Isso deriva de ações e omissões do Estado e
de atores privados no contexto de projetos de desenvolvimento
impostos aos povos indígenas sem qualquer consulta ou tentativa de obter seu consentimento prévio, livre e informado,
conforme prevê a Convenção 169 da OIT e a Declaração da
ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
33
| documento |
A gravidade da situação se reflete no caso de etnocídio
apresentado em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF)
em Altamira. Em relação a esses grandes projetos, algumas
das principais questões levantadas pelos povos indígenas que
visitei e cujos representantes eu encontrei foram:
A não implementação das condicionantes estabelecidas
e das medidas mitigatórias necessárias com relação ao projeto de Belo Monte, tais como o fortalecimento da presença
local da FUNAI; a demarcação da terra indígena Cachoeira
Seca, bem como a regularização e plena proteção das terras
indígenas Apyterewa e Paquiçamba; a compensação pela
perda de seus meios de subsistência; e a criação de bases de
fiscalização para proteger terras indígenas. O efeito acumulativo de tal inação foi a ameaça à própria sobrevivência dos
povos indígenas impactados;
O uso do instituto da suspensão de segurança pelo
Judiciário em um crescente número de projetos de desenvolvimento para evitar questionamentos legais por parte de
povos indígenas;
A licença emitida, sem consultas, para o projeto de mineração de ouro de Belo Sun, próximo à usina de Belo Monte, e
a falta de uma avaliação acumulativa dos impactos ambientais,
sociais e de direitos humanos sobre os povos indígenas;
A falta de consultas e a ausência de demarcação de terras
indígenas afetadas pelo complexo da represa no rio Tapajós.
A falta de consultas em relação à extração de bauxita e as
usinas hidrelétricas associadas, que, juntas, representam um
enorme complexo industrial, envolvendo povos indígenas e
comunidades quilombolas em Oriximiná, no Pará;
A poluição do Rio Doce causada pelo rompimento da barragem em Minas Gerais e seu impacto sobre povos indígenas,
como os Krenak, que dependem do rio para seu sustento e
subsistência. A ausência de consultas e consentimento para a
instalação de grandes linhas de transmissão dentro de terras
demarcadas protegidas pela Constituição, tais como as dos
Waimiri-Atroari em Roraima.
Esses e outros casos demonstram uma falta de compreensão, por parte do Governo, sobre a natureza da consultas
de boa fé, prévias, livres e informadas com povos indígenas,
que são exigidas a fim de obter seu consentimento e proteger
seus direitos em conformidade com as obrigações do Estado
afirmadas na Convenção 169 da OIT e na Declaração da
ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Demarcação de terras
Um refrão recorrente entre todos os povos indígenas que
visitei e encontrei foi quanto à urgente necessidade de concluir os processos de demarcação, fundamental para todos os
outros direitos dos povos indígenas. A urgência de demarcar
esses territórios é exacerbada pelos índices de desmatamento,
destruição de rios e empobrecimento dos solos decorrentes da
prática intensiva de monoculturas e atividades de mineração, o
que impede as terras e as águas de garantir a sustentabilidade
alimentar dos povos indígenas no futuro.
Os atrasos consideráveis na demarcação e a rápida destruição da capacidade de sustento de suas terras vêm, efetivamente, forçando os povos indígenas a uma situação na qual
a única opção considerada disponível, por tais povos, para
garantir sua sobrevivência física e cultural em longo prazo é
a retomada de suas terras antes da conclusão dos processos
de demarcação.
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A atual estagnação dos processos de demarcação foi
atribuída, pelas pessoas que encontrei, a um conjunto de
fatores, tais como:
Atrasos resultantes do enfraquecimento e falta de pessoal
da FUNAI;
A judicialização de quase todos os processos de demarcação por pessoas não indígenas com títulos concedidos
pelo Estado;
O precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal no caso
de Raposa Serra do Sol, consolidado pela Advocacia Geral
da União por meio da Portaria 303;
A falta de vontade política por parte do Executivo para
ratificar e proteger as terras demarcadas; e
As ameaças constantes e de longa data por parte do
Legislativo no sentido de introduzir reformas aos processos
de demarcação e de modificar a legislação ambiental, com
impactos sobre terras indígenas que se sobrepõem a áreas de
interesse para exploração.
Um dos temas comuns que emergiram de minhas conversas
com diferentes atores no poder Executivo foi o fato que as
autoridades se sentiam impedidas de exercer suas atribuições relativas à proteção dos direitos dos povos indígenas,
e que tal paralisia seria causada pelos poderes Judiciário e
Legislativo.
Embora tais impedimentos certamente existam, eles não
constituem uma desculpa aceitável para a paralisação dos
processos de demarcação e o enfraquecimento da FUNAI.
O Executivo deveria, em vez disso, desenvolver suas próprias
propostas proativas para fazer valer os direitos indígenas à
terra por meio de uma avaliação rigorosa de todas as vias
disponíveis, em colaboração com os povos indígenas e uma
FUNAI significativamente fortalecida e empoderada.
Perspectivas e conclusões
O Brasil está passando por um período de intensas turbulências políticas e econômicas. Um dos temas que contribuem
para essa crise é a alegação de que mega projetos como Belo
Monte são significantemente impulsionados por ganhos
econômicos e políticos individuais. Tais ganhos individuais
se efetivam em detrimento dos direitos dos povos indígenas
e potencialmente sobre sua sobrevivência cultural e física.
Além disso, a crise política e econômica tende a invisibilizar
e tornar menos relevantes, aos olhos do público, os direitos e
questões dos povos indígenas. Tal fator está aliado a tentativas
do Congresso de enfraquecer as proteções constitucionais e
legislativas aos direitos dos povos indígenas.
Ao mesmo tempo, o Judiciário vem, cada vez mais,
invocando uma doutrina jurídica do período militar (as
suspensões de segurança) e restringindo, assim, o acesso dos
povos indígenas aos tribunais no contexto de projetos que têm
impactos significativos sobre seus direitos. Embora não seja
necessariamente vinculante, a decisão judicial do Supremo
Tribunal sobre o caso de Raposa Serra do Sol vem dificultando
significativamente a demarcação de terras.
A impunidade em relação a graves violações dos direitos
dos povos indígenas, incluindo assassinatos de seus líderes,
é disseminada, ao passo que a capacidade e presença local da
FUNAI, a única instituição do Estado que goza da confiança
dos povos indígenas e atua proativamente para defendê-los,
vêm sendo enfraquecidas ao ponto que, em breve, talvez esse
órgão seja incapaz de cumprir seu mandato.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
Antônio Cruz
| documento |
Recomendações gerais
Na verdade, as medidas atualmente propostas em relação
à FUNAI contrariam completamente as recomendações
do Relator Especial anterior, que, ecoando as demandas de
todos os povos indígenas que encontrei durante minha visita,
enfatizou a importância fundamental de fortalecer a FUNAI
para que o Estado pudesse cumprir suas obrigações legais em
relação à proteção dos direitos dos povos indígenas.
Povos indígenas do país inteiro repetidamente enfatizaram
que, devido à ausência prolongada de uma proteção eficaz do
Estado, eles se veem forçados a retomar suas terras para garantir
sua sobrevivência. Muitos até declararam que, caso recebam
ordens de despejo ou reintegração de posse, não deixarão suas
terras e, se necessário, morrerão por isso. Efetivamente, por
meio de sua paralisia, o Estado brasileiro parece estar criando
as condições para um conflito que terá, em última análise, um
efeito devastador para os povos indígenas e a sociedade como
um todo. Muitos dos povos indígenas também expressaram
sua preocupação com a situação de povos indígenas isolados
no Pará, Mato Grosso, Maranhão, Rondônia e Amazonas,
principalmente à luz das ameaças à FUNAI, que desenvolveu
uma abordagem internacionalmente reconhecida em relação
à proteção de povos altamente vulneráveis.
Parece haver, portanto, uma tempestade perfeita no
horizonte, na qual a convergência desses e outros fatores
pode levar à busca de interesses econômicos de uma maneira
que subordinaria ainda mais os direitos dos povos indígenas.
O risco de efeitos etnocidas em tais contextos não pode ser
desconsiderado nem subestimado.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
Caso haja vontade política para tal, uma janela de oportunidade ainda existe para que o Brasil reverta essa tendência
e demonstre estar à altura do padrão global estabelecido pela
Constituição Federal de 1988 para a proteção dos povos
indígenas.
Um ativo importante deriva da riqueza de conhecimento
em relação aos direitos e questões dos povos indígenas, tanto
em esfera governamental (principalmente na Fundação Nacional do Índio e no Ministério Público Federal), quanto entre
organizações da sociedade civil que trabalham com povos
indígenas, bem como na dedicação de tais organizações e
suas equipes à causa indígena.
Além disso, a determinação manifestada por todos os
povos indígenas que encontrei de manter suas culturas e
suas línguas e determinar seu próprio futuro, bem como as
medidas proativas que vêm tomando para esse fim, oferece
motivos de esperança para os povos indígenas e a sociedade
brasileira como um todo.
Tendo em vista isso, apresentarei uma série de recomendações em meu relatório ao Conselho de Direitos Humanos
para ajudar a encontrar soluções para os desafios atuais
enfrentados pelos povos indígenas. Considerando a natureza
urgente de algumas dessas questões, gostaria de propor algumas recomendações preliminares com base no que observei
durante minha visita.
• Medidas imediatas devem ser tomadas para proteger a
segurança dos líderes indígenas e concluir as investigações
sobre todos os assassinatos de indígenas;
• Devem ser redobrados os esforços para superar o impasse
atual relativo à demarcação de terras, pois as soluções urgentes e
vitais são possíveis caso exista a necessária vontade política;
• Há uma necessidade premente e imediata de rever os
cortes propostos ao orçamento da FUNAI e garantir que
as representações locais da FUNAI não sejam alvo de tais
medidas, e que sejam, na verdade, fortalecidas para poder
fornecer os serviços básicos dos quais dependem os povos
indígenas e outros órgãos do Estado;
• Devem ser revistas e observadas a jurisprudência dos
órgãos de supervisão da Organização Internacional do Trabalho
e a orientação do Relator Especial sobre a implementação do
direito a consultas prévias em relação a políticas, legislação
e projetos com impacto potencial sobre os direitos de povos
indígenas. Tais consultas devem ser conduzidas de forma a
atender as especifidades de cada povo indígena, conforme
estabelece a Convenção 169 da OIT e a Declaração da
Organização das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas;
• O Estado deve reconhecer e apoiar as medidas proativas
que vêm sendo tomadas por povos indígenas para exercer
seus direitos na prática, em conformidade com seu direito à
autodeterminação;
• Diálogos devem ser iniciados com povos indígenas em
relação à possível realização de um Inquérito Nacional para
sondar alegações de violações de seus direitos, promover
conscientização e oferecer reparação para violações de direitos
humanos;
• Deve ser viabilizada a efetiva participação de povos
indígenas na determinação de como as minhas recomendações e as de meu predecessor podem ser implementadas e
supervisionadas.
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| licenciamento ambiental |
Cimone Barros | Editora da Revista Ciência para Todos
do INPA
O sistema de licenciamento ambiental no Brasil está sob
a ameaça de propostas de novas Leis e Emendas Constitucionais. A afirmação é do pesquisador do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA/MCTIC), Philip Fearnside,
em artigo recentemente publicado, na revista Science (www.
eurekalert.org/pub_releases/2016-08/nifr-bel081716.php).
Fearnside explica que a atual situação brasileira coloca em
risco o ambiente no país mais biologicamente diverso, que é
o lar da maior floresta tropical e do maior rio do mundo: a
floresta amazônica e o Rio Amazonas.
Doutor em biologia, o estadunidense Fearnside estuda
problemas ambientais na Amazônia brasileira há mais de 40
anos. Realiza pesquisas ecológicas, incluindo a estimativa
de capacidade de suporte de agroecossistemas tropicais para
populações humanas e estudos sobre impactos e perspectivas
de diferentes modos de desenvolvimento na Amazônia e
sobre as mudanças ambientais decorrentes do desmatamento
da região.
Uma das ameaças citadas no artigo na seção Fórum de
Políticas Públicas é a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC-65), que estava pendente desde 2012 e de repente foi
aprovada por uma comissão do Senado em Abril deste ano.
Pela PEC-65, praticamente acabaria o licenciamento ambiental
para infraestruturas, como barragens e rodovias tornando
a mera apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) uma aprovação automática, permitindo a construção
de qualquer projeto até a sua conclusão sem a possibilidade
de ser parado.
Para o pesquisador, sem licenciamento ambiental, projetos
de desenvolvimento, que muitas vezes têm impactos ambientais e sociais, terão pouca ou nenhuma consideração sobre
estes mesmos impactos antes de serem implantados. Segundo
Fearnside, o desmatamento e a perda de serviços ambientais
afetam a população brasileira mais diretamente, mas também os habitantes do Planeta. Os serviços ambientais são os
benefícios que as pessoas obtêm da natureza, como o papel da
floresta amazônica no ciclo hidrológico, o estoque de carbono
na floresta e no solo e a manutenção da biodiversidade.
“As decisões políticas sobre as questões ambientais muitas
vezes não refletem os interesses da população como ficou
claro em 2011, quando a Câmara dos Deputados votou por
uma margem de 7 a 1 para reduzir as proteções ambientais
do Código Florestal, apesar de 80% da população brasileira
ser contra qualquer mudança no Código na época”, diz o
pesquisador.
Ele cita outras ameaças que incluem uma proposta de lei
(PL-654/2015) do Senado, que também fragilizará significativamente o licenciamento ambiental e que aguarda votação
do plenário do Senado.
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Paulo Mindicello
O licenciamento ambiental
no Brasil está ameaçado
Philip Fearnside
A proposta permite que qualquer projeto “estratégico”,
como usina hidrelétrica, tenha aprovação ambiental simplificada e rápida. Pela proposta, a sequência normal de três
licenças (preliminar, instalação e operacional) será condensada
em uma só com um prazo de 8 meses para o órgão ambiental
aprovar a licença, que leva normalmente de 4 a 5 anos. Após
o prazo, o projeto será automaticamente autorizado a prosseguir. Outro Projeto de Lei pendente (PL-1.610/1996) é uma
Proposta de Emenda Constitucional (PEC-210) que abrirá
as Terras Indígenas à mineração, enquanto outra proposta de
emenda (PEC-215) elimina o poder dos órgãos ambientais
e indígenas do Governo para criar novas áreas protegidas,
incluindo terras indígenas.
O artigo de Fearnside também sinaliza que o clima
político atual fará com que outras propostas “adormecidas”
surjam e que tenham chances aumentadas de serem aprovadas. “Uma proposta apoiada pelos governos estaduais
(Processo 02000.001845/2015-32) está progredindo através
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para
permitir um “autolicenciamento” para muitos projetos de
desenvolvimento”, destaca.
De acordo com o pesquisador, a comunicação por parte
dos cientistas aos tomadores de decisão é essencial, apesar de
um histórico dessas informações serem ignoradas, como no
caso da revisão do Código Florestal. Para ele, os cientistas
têm contribuído para documentar os serviços ambientais dos
ecossistemas brasileiros e os impactos da destruição. “Estas
informações são mais importantes do que nunca para fornecer
uma base para o debate sobre a multiplicidade de propostas
legislativas que ameaçam as políticas ambientais”.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
| recursos hídricos |
Tim Radford | Jornalista e co-fundador do Climate News Network
A história ensina o que é
a força destrutiva da seca
Resposta à seca
Adam Patterson
O papel da seca na queda da antiga civilização Maia
destaca hoje a necessidade vital para a gestão da água no
combate aos impactos das mudanças climáticas. A civilização
Maia no que hoje é o México desapareceu há mais de mil
anos, não apenas por causa da seca, mas talvez por causa da
dependência exagerada da água nos reservatórios.
A história da ascensão e queda de civilizações antigas
tem ressonância ainda hoje. Pesquisadores da Universidade
de Tecnologia de Viena, na Áustria, modelaram o que eles
calculam que tenha sido o padrão de eventos; confirmaram,
mais uma vez, que a seca prolongada, provavelmente, levou
uma cultura e um povo ao colapso.
Mas advertem: a história não é simples. Os Maias podem ter
sido, de certa forma, vítimas de seu sucesso no enfrentamento
à seca. A sua própria tecnologia de irrigação pode tê-los feito
mais vulneráveis em um momento de crescimento da população
e de seca prolongada. “A água influencia a sociedade e a sociedade influencia a água”, diz Linda Kuil, uma sociohidróloga
do Centre for Water Resource Systems (Centro de Sistemas de
Recursos Hídricos) de Viena e principal autora de um estudo
publicado na revista Water Resources Research.
“O estoque de água determina quanto de comida estará
disponível, de modo que por sua vez afeta o crescimento das
populações. Por outro lado, o aumento da população pode
interferir no ciclo natural da água, por exemplo, através da
construção de reservatórios”.
Ela e seus colegas se organizaram para modelar não apenas o padrão de chuvas, mas também o padrão de respostas
de uma sociedade à precipitação e à seca. Eles não foram os
primeiros a fazê-lo. A seca e as mudanças climáticas foram
associadas ao colapso do Império Assírio há 2.700 anos e
ao desastre que se abateu sobre os governantes da Idade do
Bronze do Mediterrâneo oriental.
As mudanças climáticas foram associadas também à
tomada do Império Chinês e ao avanço das hostes mongóis
no Século 13. E a mudança climática também tem sido
implicada nos conflitos modernos. Na atualidade o controle
dos recursos hídricos transformou-se num instrumento quase
bélico em diversas regiões do Planeta, principalmente no
Oriente Médio e África.
Mas, civilizações europeias e asiáticas caíram e deixaram
testemunhos na forma de registros escritos ou de mitologia. Os
Maias deixaram apenas suas estruturas de pedra em Yucatan
no México como prova de que tinham estado aqui.
A água na torneira
Os pesquisadores de Viena acreditam que o povo Maia
lidou com a seca através da construção de reservatórios para
ajudá-los ao longo da crise. Poderia se esperar que populações
diminuíssem com a seca, mas continuariam a crescer se a
água estivesse na torneira.
Paradoxalmente, isso pode introduzir vulnerabilidade: se a
população cresce, mas o sistema de gestão da água permanece
o mesmo, então um período de seca prolongada poderia ser
devastador. E isso, os pesquisadores acreditam, poderia ser
suficiente para explicar o declínio. O seu próprio modelo
oferece o que eles chamaram de “feedbacks plausíveis” entre a
sociedade e os recursos hídricos que se acredita estar gerindo,
para mostrar que uma redução modesta das chuvas pode levar
a um colapso da população de 80%.
“Quando se trata de recursos escassos, as soluções mais
simples podem vir a ser superficiais e nem sempre as melhores”, diz Kuil. “Você tem que mudar o comportamento das
pessoas, reavaliar a dependência da sociedade sobre este recurso
e reduzir o consumo, caso contrário, a sociedade pode, de
fato, ser mais vulnerável a catástrofes em vez de mais segura,
apesar destas soluções técnicas inteligentes”.
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Ag
o s t o
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ECO•21
| recursos hídricos |
Álvaro Rodrigues dos Santos | Geólogo. Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas
ABGE
O Código Florestal ignora
a geologia das nascentes
Há nessa matéria um relativo consenso técnico em torno
do essencial, o que nos permite assumir conceitualmente que
toda nascente corresponde a uma manifestação em superfície
do lençol freático, entendido esse como a água contida em
zona subterrânea de saturação, normalmente sustentada por
uma camada geológica inferior impermeável. Cumprindo
importante função no ciclo hidrológico, as nascentes colaboram
para a alimentação da rede hidrográfica de superfície.
Quanto à sua disposição no terreno, faz-se distinção entre
uma nascente pontual, quando a surgência de água se dá de
forma concentrada, e uma nascente difusa, quando vários
são os pontos de surgência, como no caso das veredas dos
cerrados brasileiros.
As nascentes caracterizam-se ainda quanto à continuidade
de seu fluxo, como perenes, intermitentes (ou temporárias)
ou efêmeras. Sendo que as intermitentes seriam aquelas de
caráter sazonal, que se mantém ativas somente durante e logo
após o período mais chuvoso, e as efêmeras, aquelas de curta
existência, ou somente como resultado imediato e breve de um
determinado episódio pluviométrico, ou aquelas cujo período
inativo de intermitência se estende por anos.
Ana Huara
Já em sua versão anterior
(1965), e persistindo em sua
atual versão (2012), o Código
Florestal tem sido pródigo na
geração de intrincados conflitos
técnicos e jurídicos decorrentes
dos diferentes entendimentos e
tratamentos sugeridos por suas
disposições sobre as nascentes.
Como parte dessa interminável novela discute-se hoje na
Álvaro Rodrigues dos Santos
Câmara de Deputados um
Projeto de Lei que altera o atual
Código retornando a obrigatoriedade de delimitação das
Áreas de Proteção Permanente (APPs) no caso de nascentes
intermitentes. Essas confusões tem origem básica na insuficiência do suporte conceitual e científico com que o Código
tem contado para estabelecer suas definições a respeito.
Importante de início, portanto, fixarmos algumas questões
conceituais e científicas associadas à essa feição hidrogeológica
conhecida como nascente.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
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| recursos hídricos |
O atual Código Florestal sugere acompanhar basicamente
esse entendimento, mas promove uma distinção pouco clara
entre nascente e olho d’água:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: XVII nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta
perenidade e dá início a um curso d’água; XVIII – olho
d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que
intermitente.
A seguir o Código determina: Art. 4º Considera-se Área
de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para
os efeitos desta Lei: ... IV - as áreas no entorno das nascentes
e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação
topográfica, no raio mínimo de 50 metros;
O que permite interpretar que o atual Código distingue
nascente de olho d’água pelo fato desse ser uma surgência
do lençol freático que não gera um curso d’água, mas pode
ter caráter de perenidade.
Ao que se deduz, é justamente esse caráter temporal de
perenidade no afloramento do lençol freático, seja ele uma
nascente ou um olho d’água, o fator que implicou na obrigatoriedade de delimitação de uma APP associada. Fato é que
ficaram fora dessa obrigação as nascentes e olhos d’água não
perenes, ou seja, intermitentes ou efêmeros, uma novidade
em relação ao Código anterior.
Mas, enfim, como concluir-se sobre qual seja a melhor
determinação, a do Código anterior, que incluía as nascentes
intermitentes na obrigatoriedade de delimitação de respectiva
APP, ou a do Código atual, que excluiu essa inclusão?
Necessário, para tanto, acrescermos mais alguns elementos
a esse exercício analítico, e sublinhar, por sua importância
na matéria, o seguinte entendimento hidrogeológico: toda
nascente e olhos d’água representam sangramentos do
lençol freático, ou seja, constituem pontos de rebaixamento
forçado do nível freático. Continuemos então nossa análise.
Considerando a referida relação das nascentes com o nível
freático, e tendo em conta que é raro e incomum o fato de
ser interessante para o Homem e para o Meio Ambiente um
rebaixamento do nível do lençol freático, é hoje de suma
importância que se traga em consideração um outro fator
de enorme importância: a natureza das nascentes ou olhos
d’água, o que, no caso sugere distingui-los enquanto de origem natural ou de origem antrópica; ou seja, nesse último
caso, aquelas surgências do lençol freático que tenham sido
originadas de ações diretas ou indiretas do homem.
Tomemos o exemplo de uma bossoroca, que se trata de
uma ravina de erosão profunda que atingiu o lençol freático,
e tem sua evolução remontante a ele associada. Pois bem, as
bossorocas – terríveis feições erosivas responsáveis por graves
problemas urbanos e rurais, incluindo o assoreamento de
drenagens - tem essencialmente origem antrópica, ou por
desorganização/concentração de drenagens superficiais, ou
por desmatamento generalizado... A nascente produzida por
uma bossoroca implica o sangramento do lençol freático e
seu respectivo rebaixamento em sua área próxima. O que se
dirá de um campo de bossorocas.
Outro exemplo de uma nascente antrópica: uma escavação
vinculada a uma atividade de mineração, ou a uma terraplenagem para instalação de uma obra civil, ou a uma simples
área de empréstimo, muitas vezes atinge o nível freático, o que
implica a instalação de uma surgência não natural. Tem essa a
mesma decorrência negativa e problemática de rebaixamento
do lençol freático próximo.
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Em áreas urbanas e peri-urbanas essas surgências induzidas, além de graves problemas geotécnicos associados,
acabam por retirar uma considerável quantidade das reservas
estratégicas de água subterrânea de ótima qualidade e lançálas desperdiçadamente logo à frente em algum córrego de
águas poluídas.
Ou seja, não faz o menor sentido o entendimento que leve
a considerar nascentes ou olhos d’água de origem antrópica
como feições hidrogeológicas a serem conservadas e protegidas
por Áreas de Proteção Permanentes. Pelo contrário, muito
mais interessante para a sociedade e para o meio ambiente
uma decisão de proteção das águas subterrâneas, a ser obtida
ou por ações de tamponamento dessas nascentes, reconformando no que for possível a topografia original para o caso
das bossorocas e escavações a céu aberto, ou pela completa
impermeabilização/estanqueamento de escavações profundas, como no caso de pavimentos de subsolos de edificações
urbanas, nas duas situações fazendo com que o lençol freático
local retorne à sua posição e volumes naturais.
Voltando à questão temporal, e mais especificamente, às
nascentes intermitentes. Não faz sentido pretender-se estabelecer uma regra comum a todas as situações para se decidir se
esse tipo de nascente deva ou não implicar a obrigatoriedade
de uma APP. Há no caso que se ter em conta, primeiramente,
a localização geográfica/físiográfica da nascente intermitente
considerada, o que vai determinar o grau de sua importância
social e ambiental.
Exemplificando, uma condição é avaliarmos o papel de
uma nascente intermitente na Amazônia ou no Sul-sudeste
pluvioso, onde não expressam contribuição notável aos recursos
hídricos de superfície ou ao abastecimento humano, outra
condição é avaliarmos essa nascente em um clima semiárido, onde, apesar de sua intermitência, pode representar
recurso hídrico inestimável às necessidades humanas por sua
capacidade de alimentar sistemas construídos de reservação
hídrica duradouras.
Outro aspecto fundamental a ser observado é justamente
a temporalidade da referida intermitência. Não há qualquer
sentido social e ambiental em se determinar a interdição de
aproveitamento de uma área por essa apresentar o histórico
de uma nascente com intermitência da ordem de anos. Esse
período longo de intermitência nem permite a configuração
de nichos ecológicos associados a esse tipo de nascente. Talvez
um bom parâmetro temporal para essa diferenciação seja o
intervalo de 2 anos.
Por fim, há que se avaliar a natureza do meio em que
estaria instalada nossa nascente intermitente. Meio rural ou
espaço urbano? Esses ambientes são tão diversos em suas
características, funções e demandas que, na verdade, estão a
sugerir há muito tempo a necessidade de formulação de um
Código Florestal específico para as cidades. Mas enquanto a
inteligência brasileira não nos provê essa virtuosa providência, fiquemos no contexto do atual e generalizante Código.
Pelo que, diante das necessidades urbanas típicas, também
carece de sentido imobilizar uma área, pela adoção de uma
APP a ela associada, pelo fato de haver testemunhos que ali
esteja instalada uma nascente intermitente com período de
intermitência, por exemplo, superior a um ano.
De todos esses aspectos considerados, talvez se possa ter
como diretriz de melhor bom senso e conteúdo científico as
seguintes orientações a serem adotadas e explicitadas claramente pelo Código Florestal:
Ag
o s t o
2016
ECO•21
| recursos hídricos |
Jefferson Rudy - MMA
- surgências do lençol freático originadas de ações antrópicas
não devem ser consideradas nascentes a serem protegidas. A
melhor indicação no caso estaria na estratégia de proteção dos
aquíferos subterrâneos com o tamponamento das referidas
surgências;
- nascentes intermitentes deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente quando situadas em regiões
de clima semiárido e com período de intermitência inferior
a dois anos;
- nascentes intermitentes situadas em espaço urbano
deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente caso
apresentem período de intermitência inferior a um ano;
- nascentes efêmeras não deverão ser objeto de delimitação
de APP correspondente.
Cumpre ainda chamar a atenção para um fator hidrogeológico importantíssimo: a dinâmica de uma nascente
não está associada restritamente ao que possa acontecer no
círculo de 50 metros definido por sua APP correspondente.
Essa dinâmica está associada a toda a bacia de contribuição
a que a nascente está vinculada.
Ou seja, uma política de proteção de nascentes envolve
tão mais essencialmente do que uma providencial delimitação de uma APP, um amplo programa de recuperação da
capacidade de infiltração de águas de chuva em toda a bacia
de contribuição.
Consideradas essas questões conceituais, resta para os
profissionais da área o grande desafio técnico prático de,
quando chamados a decidir sobre o caráter da presença de
água livre ou de umedecimento na superfície de algum terreno,
diagnosticar corretamente se essa água corresponde a uma
nascente, ou seja, a uma manifestação da água subterrânea em
superfície, ou não, e de perfeitamente caracterizá-la quanto
à sua diversificada tipologia.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
Bom reconhecer que essa não é uma tarefa simples, que
prescinda de conhecimentos teóricos e práticos sobre o tema.
Vale a pena chamar a atenção, a título de exemplos, para duas
situações que normalmente confundem os observadores e os
têm muitas vezes levado a equivocadamente as caracterizar
como nascentes, com decorrente aplicação das disposições
legais de uma APP. A primeira refere-se a terrenos localmente
de topografia plana ou bastante suave, com dificuldade natural
de escoamento superficial de águas de chuva. Há nessas situações a possibilidade de formação de camada sub-superficial de
argilas hidromórficas que, por sua grande impermeabilidade,
dificultam a infiltração e proporcionam a sustentação de uma
camada superficial saturada ou úmida, especialmente em
períodos chuvosos. São situações que sugerem, erroneamente,
uma classificação como nascente difusa.
Outro caso controverso diz respeito a olhos d’água intermitentes originados de águas de infiltração que, ao atravessar a
zona superior do solo (zona de aeração) encontram obstáculos
com menor permeabilidade ou mesmo impermeáveis, decorrentes da existência de variações geológicas internas horizontais ou sub-horizontais (uma lente argilosa, por exemplo, ou
algum tipo de estrutura geológica). Nessas condições, e em
dependência de feições topográficas, essas águas de infiltração podem resultar na formação de “lençóis suspensos” ou
“empoleirados” e acabam aflorando à superfície de um terreno
declivoso antes de atingir o lençol freático propriamente dito.
Uma situação que, pelas definições conceituais estabelecidas,
também não pode ser caracterizada como uma nascente, ainda
que sugira cuidados especiais de proteção.
Percebe-se do quadro descrito que a melhor e indispensável ferramenta para o exame de nascentes é o bom
conhecimento da geologia, da hidrologia e da hidrogeologia
da região investigada.
41
| energia|
Denise David | Jornalista
COP-22: meta de prédios
com energia própria até 2050
Zhome
O Green Building Council (GBC) Brasil, ONG parte do
World Green Building Council, está apoiando uma das metas
divulgadas para discussão na Cúpula do Clima, a COP-22
da Convenção sobre Mudanças Climáticas a ser realizada
em Novembro em Marrakech, de tornar todos os edifícios
do mundo Net Zero Energy até 2050. Isso significa que os
empreendimentos deverão produzir a energia que consomem
com implantações de técnicas e sistemas de geração de energia
renovável e sustentável.
O lançamento do projeto converte em ação um comprometimento do World GBC e seus 74 Green Building
Councils, incluindo o do Brasil e 27.000 empresas membros
em todo o mundo, para a redução de emissões de CO2 pelos
edifícios em 84 gigatoneladas através de edifícios Net Zero e
reformas profundas, comprometimento já em discussão desde
a COP-21, ocorrida em Dezembro, em Paris.
Edifícios e construções são responsáveis por mais de 30%
das emissões globais de CO2. As estimativas da Agência Internacional de Energia sugerem que o modelo atual as emissões
provenientes do setor contribuirão para o aumento de 6°C do
aquecimento global. Dessa forma, as edificações Net Zero são
fundamentais para reduzir 84 gigatoneladas das emissões de
CO2, o equivalente a não construir 22.000 centrais de carvão
até 2050 e manter o aquecimento global em menos de 2°C.
Pensando nesse cenário e em como acelerar esse processo no
Brasil, que já possui alguns projetos Net Zero, o tema será
discutido na Greenbuilding Brasil que acontece em São Paulo,
de 9 a 11 de Agosto.
42
“Reconhecemos a importância de acelerar as discussões
sobre edificações Net Zero com as empresas associadas,
respeitando os compromissos assumidos durante a COP-21
Paris junto ao WGBC e demais Green Building Councils,
em direção ao avanço das edificações Net Zero. Vale ressaltar
que já temos cases de grande importância para o país, como
o Eco Commercial Building, a Catuçaba Ecovila e o Estádio
do Mineirão.” comenta Maíra Macedo, Coordenadora de
Relações Institucionais e Governamentais do Green Building
Council Brasil.
Anunciando o projeto na cúpula de
negócios e clima em Londres, no Acordo
de Paris, Terri Wills, CEO do World GBC
disse: “O sucesso de nossas ambições de
manter o aquecimento global entre 1.5
ou 2°C dependerá da nossa habilidade
de avançar com relação aos edifícios Net
Zero – aqueles que geram energia limpa
e não produzem emissões. Edifícios Net
Zero serão uma contribuição definidora
para nossos esforços de combater as alterações climáticas. Reduzir à zero não será
fácil, mas contaremos com a dedicação
e expertise de nossos grupos e parceiros
para criar um mercado promissor a esses
edifícios altamente eficientes e torna-los
uma nova realidade”.
No projeto a será apresentado na
COP-22, os participantes desenvolverão
planos de ação para verificar a viabilidade
de uma certificação para Net Zeros.
Objetivos em longo prazo incluem:
• Todos novos edifícios e grandes reformas devem ser
Net Zero, começando em 2030, o que significa que nenhum
edifício deve ser construído abaixo do padrão Net Zero a
partir deste ano.
• 100% dos edifícios deve ser Net Zero até 2050.
• 75.000 profissionais serão treinados em construção Net
Zero até 2030, e 300 mil até 2050.
• Todos os Green Building Councils que operam certificações terão uma ferramenta Net Zero funcionando até 2030
para validar essas construções sustentáveis
Apesar de o projeto focar inicialmente em certificação e
treinamento, é esperado que também estimulará empresas
e governos a adotarem objetivos ambiciosos com relação a
edifícios Net Zero. A implantação também contará com a
experiência e consultoria da Arquitetura 2030, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para reduzir as emissões
de edifícios.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
| energia |
Leandro Duarte | Jornalista da Agência Gestão CT&I
A eólica precisa do governo
para se expandir no Brasil
A energia eólica é cada vez mais uma realidade tanto do
ponto de vista energético como econômico. Este segmento
atualmente é responsável por 7% da matriz energética
brasileira, mas até 2020 a expectativa do mercado é que ela
possa alcançar 12%. Em termos financeiros, o setor recebeu
investimentos superiores a R$ 4 bilhões, com potencial de
atingir patamares ainda maiores.
Contudo, para elevar os investimentos privados no setor,
a orientação estatal é fundamental. Esta foi a avaliação de
Elbia Gannoum, Presidente-Executiva da
Associação Brasileira de Energia Eólica
(ABEEólica). Durante audiência pública
organizada pela Comissão de Serviços
de Infraestrutura do Senado neste mês, a
dirigente explicou que o principal desafio
para a expansão da energia eólica hoje é o
sinal de investimentos para o setor produtivo. “Nosso desafio não é busca por mais
recursos. Recursos nós temos em grande
quantidade. Precisamos fazer uma política
adequada para cumprir esse objetivo. Construímos uma cadeia produtiva relevante e
ela precisa ser sustentada. O setor privado
está muito disposto a investir, mas é preciso
ter o sinal de investimento. Estamos aqui
para colaborar, mas precisamos de sinais
adequados”, explicou Gannoum.
Dados da Bloomberg News Energy
Finance mostram que de 2006 a 2015 o
investimento em energia eólica saltou de
US$ 110 milhões para US$ 4,93 bilhões – um aumento superior
a 4000%. Tal número coloca o Brasil na quarta posição entre
os países que mais injetam recursos nessa fonte. O estudo, no
entanto, revela também uma queda no patamar de investimentos. Em 2011, eles alcançaram R$ 5,07 bilhões e em 2012,
R$ 6,03 bilhões. Estes números estão atrelados ao sucesso do
setor em leilões de energia nestes anos. Esta modalidade de
contratação foi um dos fatores que estimularam a expansão
eólica. Segundo a presidente da ABEEólica, o anúncio feito
pelo governo da realização de dois leilões para contratação de
energia de reserva direcionada para fontes renováveis, entre
elas a eólica, é um sinal de posicionamento do governo.
Outro estímulo para as empresas aumentarem seus investimentos virá do Acordo de Paris já ratificado pelo Senado.
Pelo documento, o Brasil se compromete a diminuir 37% das
emissões de gases de Efeito Estufa até 2025 e 43% até 2030.
Para alcançar as metas, uma das diretrizes é ter, em 2030,
33% de participação das chamadas novas energias renováveis
(eólica, solar; biomassa) na matriz energética nacional.
ECO•21
Ag
o s t o
2016
“Para tal, é necessário fazer muito investimento, fazer
muita contratação. Precisa realizar muitos leilões ou criar um
programa de incentivos para geração. Hoje, nós temos uma
forte participação de eólica e biomassa, as duas somando são
11,5%. Se a gente quer chegar lá em 2030 com 33%, nós
temos um longo caminho a percorrer”, disse Elbia.
Além do patamar financeiro, ela também valorizou a
evolução da capacidade instalada; capacidade instalada
acumulada; capacidade instalada nova; geração; e fator de
capacidade da energia eólica. Em 2005, a
capacidade instalada era de 27,5 megawatts
(MW). Hoje passou para 9,98 gigawatts
(GW) – aumento de mais de 360 vezes –
com projeção de atingir 18,4 GW em 2020.
Dados de 2015, quando ainda a capacidade
instalada no Brasil era de 8,72 GW, levaram
o país à 10ª posição no ranking das nações
com maior produção de energia eólica. No
que se refere à capacidade instalada nova,
também houve evolução. Em 2012 o Brasil
foi 8º no ranking mundial deste indicador
com 1,08 GW. Em 2015 produziu 2,75
GW de energia eólica, saltando para a 4ª
posição, atrás da China (30,5 GW), EUA
(8,6%) e Alemanha (6,01%).
Um dos maiores saltos no ranqueamento veio do indicador geração de energia.
Há três anos, estávamos em 15º lugar com
a produção de 6,43 terawatt-hora (TWh).
No ano passado, pulamos para 8ª colocação, com 21,6 TWh. A evolução nos indicadores também
está diretamente relacionada a pujança da indústria eólica.
Hoje, o Brasil conta com sete fabricantes de aerogeradores que
produzem 80% dos componentes. Na avaliação de Gannoun,
toda essa transformação no setor eólico nacional foi viável em
virtude do potencial dos ventos do país. “A média mundial
de fator capacidade ou produtividade é em torno de 24%. A
média aqui é superior a 38%. Isso que torna a fonte eólica
tão competitiva”, destacou Elbia Gannoun.
Apesar do crescimento do setor nos últimos dez anos, ainda
há desafios a serem trabalhados. Para Gannoun, o principal
obstáculo é a crise econômica. “Pelo fato da demanda por
energia ter caído, a gente percebe uma sinalização de não muita
contratação, pelo menos em 2015. Acredito que, na medida
em que o cenário econômico mude, voltaremos a contratar
energia”. A dirigente ainda apontou a transmissão de energia,
a atração de novos atores, disponibilização de recursos para
bancos de fomento, tributos e políticas de incentivos como
desafios a serem trabalhados.
43
Washington Novaes | Jornalista
Arquivo
O primo pobre pede socorro
Há sinais extremamente
preocupantes no horizonte – e
não se trata de forma simbólica
de expressão. O panorama
visível no País até a olho nu
mostra com extrema clareza o
aumento das queimadas, que
somadas a outros fatores de
devastação apontam para perdas
alarmantes. E principalmente
naquele considerado ao longo
Washington Novaes
do tempo o “primo pobre dos
biomas brasileiros”, o Cerrado.
Como se se tratasse de um bioma imenso, mais de 2 milhões
de quilômetros quadrados, mas coberto por campos sem
fertilidade e sem valor.
O jornal Estadão tem mostrado (3/8/2016), com base em
informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que
os focos de incêndio no País, desde o começo do ano até fins
de Julho, cresceram 57% comparados com igual período de
2015 – foram 40.765 (28/7). E poderão chegar a um aumento
de 80%, com uma situação de extrema gravidade também
na Amazônia. No mês de Julho as queimadas no Estado de
São Paulo (687) aumentaram 361%, comparadas com Julho
de 2015. São os maiores números de uma série histórica que
começa em 1998. Desde o começo do ano foram 1.702.
44
O Ministério do Meio Ambiente dizia desde o ano
passado (Estado, 26/11/15) que “o desmatamento já atinge
metade do Cerrado”, mais exatamente 54,6%. Num dos
Estados mais atingidos, Goiás, os incêndios, que foram 172
em 1998, chegaram a 1.374 em 17 de julho deste ano. Lá
“só sobraram 34,5% do Cerrado (no Estado de São Paulo,
9,8%; no Piauí 83,1%)”.
Da Mata Atlântica, no Estado de Goiás, restaram 2,7%,
ou 290 quilômetros quadrados, de acordo com o IBGE (O
Popular, 20/6/15).
As perdas no Bioma Cerrado têm um dos efeitos mais
graves na redução das águas ali nascidas e que correm para as
principais bacias hidrográficas brasileiras: Araguaia-Tocantins,
Paraná e São Francisco. Essas águas podem reduzir-se em
até 40 por cento, afetando também a produção das usinas
hidrelétricas. Tão graves quanto são as perdas na área da
diversidade biológica.
O bioma (Revista ECO•21, Maio de 2016) “é uma das
mais ricas regiões de savana tropical do mundo e abriga
comunidades biológicas altamente diversas, com muitas
espécies únicas e variedades”. Parte delas, endêmicas. De
acordo com a União Internacional para a Conservação da
Natureza (UICN), 1.629 espécies terrestres e de água doce
estão ameaçadas – entre elas, peixes e plantas raros. Mas
também pesam ameaças sobre a pecuária, a agricultura e a
produção de biocombustíveis.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
Ana Huara
ECO•21
Ag
o s t o
2016
Valter Campanato - ABr
Começam a ser cada vez mais frequentes os estudos
científicos sobre a importância do Cerrado. Stephanie Spera,
da Brown University, por exemplo, (Eco-Finanças, 18/4),
mostrou num deles o impacto da devastação no Cerrado no
ciclo de chuvas – e os efeitos na área da agricultura. O bioma
é um hotspot da biodiversidade, com mais de 4 mil espécies
endêmicas. E “a vegetação do Cerrado recicla água para a
atmosfera, que é essencial também para a sustentabilidade
da Amazônia”.
Outro cientista, Paulo Tarso Sanches Oliveira, doutor em
Engenharia Hidráulica e Saneamento, autor da tese “Water
balance and soil erosion in the brazilian Cerrado”, afirma que
a substituição da vegetação nativa do Cerrado por áreas destinadas à produção agrícola tem causado intensas mudanças
nos processos hidrológicos e acelerado a erosão dos solos.
Essas mudanças são “fundamentais na tomada de decisão
de uso e manejo do solo da região”.
Segundo o mencionado Paulo Tarso, o desmatamento
no Bioma Cerrado está ocorrendo “mais rapidamente” que
na Floresta Amazônica – e com isso pode até “desaparecer
nos próximos anos”. E “a substituição do Cerrado para o uso
agrícola tem o potencial de intensificar a erosão do solo de
10 a 100 vezes”. Pode haver “alterações no balanço hídrico,
intensificação dos processos erosivos, perda da biodiversidade,
desequilíbrios no ciclo do carbono, poluição hídrica, mudanças no regime de queimadas e alteração do clima regional”
(amazonia.org, 2/3/2015).
Outro estudo relevante é o Perfil do Ecossistema Hotspot
da Biodiversidade do Cerrado ([email protected]), coordenado por Donald Sawyer e do qual participaram mais de cem
instituições. A região é uma das maiores e biologicamente mais
ricas entre as de savana tropical do mundo; abriga comunidades
biológicas “altamente diversas”; muitas espécies e variedades
únicas. É vital para o abastecimento de água e geração de
energia no Brasil; para o controle da erosão e para a redução
no País da emissão de Gases de Efeito Estufa.
O desenvolvimento de um perfil do ecossistema, diz o
sumário executivo, relaciona 1.629 espécies terrestres e de água
doce classificadas pela UICN como globalmente ameaçadas,
bem como peixes e espécies de plantas raros. E a melhor forma
de conservação para muitas espécies é a proteção de “áreas
adequadas de hábitat apropriado”. No Brasil, 761 áreas-chave
foram identificadas.
O Bioma Cerrado tem 43 milhões de habitantes em
áreas urbanas, mas cerca de 12,5 milhões ainda dependem
de terras agrícolas, ecossistemas naturais e zonas úmidas.
As mudanças são aceleradas e acentuadas com o processo
de ocupação da fronteira agrícola “no coração do Cerrado”,
após a construção de Brasília.
O estudo entende que “as principais ameaças” ao Bioma
no presente e no futuro próximo são a pecuária, as culturas
anuais (principalmente soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar), carvão vegetal, fogo e “silvicultura de
monoespécies”, junto com erosão, espécies invasoras, culturas
permanentes, suínos, transporte e aquecimento (local e global).
Tudo isso leva um desmatamento anual de 6 mil km2 e já
produziu a perda de 50% da cobertura natural.
Não faltam, portanto, informações científicas respeitáveis.
Mas faltam políticas nacionais, regionais e locais adequadas
que permitam a sobrevivência de um hotspot de biodiversidade – garantia de futuro. Que precisam ser formuladas e
executadas sem perda de tempo.
45
| ogm |
Vandana Shiva | Física, ambientalista, feminista, escritora e ativista política
Monsanto desafia a Índia
O Dia Internacional da Biodiversidade pela ONU (22/5)
oferece a oportunidade de tomar consciência da rica biodiversidade desenvolvida por nossos agricultores, como cocriadores
junto à natureza. Também permite conhecer as ameaças que
as monoculturas e os monopólios de Direitos de Propriedade
representam para nossa biodiversidade e nossos direitos.
Assim como nossos Vedas e Upanishads não possuem
autores individuais, nossa rica biodiversidade, que inclui as
sementes, desenvolveu-se cumulativamente. Tais sementes são
a herança comum das comunidades agrícolas que as lavraram
coletivamente. Estive recentemente com tribos da Índia Central, que desenvolveram milhares de variedades de arroz para
o seu festival de “Akti”. Akti é uma celebração do convívio
entre a semente e o solo, e do compartilhamento da semente
como dever sagrado para com a Terra e a comunidade.
Além de aprender sobre as sementes com as mulheres e os
camponeses, tive a honra de participar e contribuir com leis
nacionais e internacionais sobre biodiversidade. Trabalhei com
o governo indiano na RIO-92, quando a Convenção sobre
Biodiversidade (CDB) foi adotada. Os três compromissoschave da CBD são a proteção dos direitos soberanos dos países
sobre sua biodiversidade, do conhecimento tradicional das
comunidades, e da biossegurança, no contexto de alimentos
geneticamente modificados.
A ONU indicou-me para integrar o painel de especialistas encarregado de pensar o Protocolo de Biossegurança,
adotado como Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.
Fui membro do grupo de especialistas que fez a Lei Nacional
sobre Biodiversidade, assim como a Lei sobre Variedade de
Plantas e Direitos dos Agricultores, na Índia. Em nossas leis,
garantimos o reconhecimento dos direitos dos agricultores.
“Um agricultor deve ser considerado capaz de conservar,
usar, semear, ressemear, trocar, compartilhar ou vender seus
produtos agrícolas, incluindo as sementes de variedades protegidas por esta Lei, do mesmo modo que estava autorizado
antes da vigência dela”, diz o texto.
Trabalhamos nas últimas três décadas para proteger a
diversidade e a integridade de nossas sementes, os direitos dos
agricultores, e resistir e desafiar os monopólios de propriedade
intelectual ilegítimos de empresas como a Monsanto, que faz
engenharia genética para exigir patentes e royalties.
Patentes de sementes são injustas e injustificáveis. Uma
patente ou qualquer direito de propriedade intelectual é um
monopólio garantido pela sociedade em troca de benefícios.
Mas a sociedade não se beneficia de sementes tóxicas e não
renováveis. Estamos perdendo biodiversidade e diversidade
cultural, estamos perdendo nutrição, sabor e qualidade em
nossos alimentos. Sobretudo, estamos perdendo nossa liberdade
fundamental de decidir quais sementes plantaremos, como
iremos cultivar nosso alimento e o que iremos comer.
De bem comum, as sementes transformaram-se em commodities de empresas privadas de biotecnologia. Se elas não
forem protegidas e colocadas novamente nas mãos de nossos
agricultores, corremos o risco de perdê-las para sempre.
46
Em todo o mundo, as comunidades estão armazenando e
trocando sementes, conforme cada contexto. Criam e recriam
liberdade – para as sementes, seus protetores e para a vida.
Quando conservamos uma semente, também renovamos e
restauramos o conhecimento da reprodução, da conservação,
do alimento e da agricultura. A uniformidade é usada como
medida pseudocientífica para criar monopólios de propriedade intelectual sobre sementes. Quando uma empresa tem
patente sobre sementes, ela empurra para os agricultores suas
produções patenteadas para receber royalties.
A humanidade tem se alimentado de milhares de espécies
de plantas. Hoje estamos condenados a comer milho e soja
geneticamente modificados. Quatro culturas – milho, soja,
canola e algodão – são cultivadas às custas de outros cultivos,
porque geram royalties por cada hectare plantado. A Índia
cultivava 1.500 tipos diferentes de algodão, e agora 95% é
Algodão Bt, geneticamente modificado, pelo qual a Monsanto
recebe royalties. Mais de 11 milhões de hectares de terra são
empregados no cultivo de algodão. Destes, 9,5 milhões são
usados para cultivar a variedade Bt da Monsanto.
Uma pergunta comum é: por que razão os agricultores
adotam o algodão Bt, já que os prejudica? Os agricultores não
escolhem o algodão Bt, são obrigados a comprá-lo, já que todas
as alternativas estão destruídas. O monopólio de sementes é
imposto pela Monsanto através de três mecanismos: 1- Fazer
com que os agricultores desistam das velhas sementes, o que no
jargão da indústria é chamado de “substituição de semente”;
2- Influir junto às instituições públicas para deter a reprodução
das sementes tradicionais. O Instituto Central de Pesquisa do
Algodão (CCIR) da Índia não liberou variedades de algodão
para a região de Vidharba, depois que a Monsanto entrou
com suas sementes de algodão Bt; 3- Manter as empresas
indianas presas a acordos de licenciamento.
Esses mecanismos coercitivos estão caindo por terra. A
Rede Navdanya criou bancos de sementes comunitários onde
os agricultores têm acesso para obter sementes nativas orgânicas
e polinizadas. O CCIR, sob a liderança de Keshav Kranti,
está desenvolvendo variedades nativas de algodão. Finalmente,
o Governo também interveio para regular o monopólio da
Monsanto. Em Março, baixou uma ordem de controle do
preço da semente sob a Lei de Commodities Essenciais.
A Monsanto e a indústria de biotecnologia desafiaram
a ordem do Governo. Entramos com uma ação na Corte
Superior do Estado de Karnataka. Em 3 de Maio, a Justiça
de Bopanna baixou uma ordem reafirmando que o Governo
tem o dever de regular os preços das sementes e a Monsanto
não tem o direito ao seu monopólio. A biodiversidade e os
pequenos agricultores são a base da segurança alimentar, e
não corporações como a Monsanto, que estão destruindo a
biodiversidade e levando os agricultores ao suicídio. Esses
crimes contra a humanidade precisam parar. Essa é a razão
pela qual em 16 de Outubro, Dia Internacional da Alimentação, vamos organizar em Haia um Tribunal da Monsanto
para “julgar” a corporação por seus vários crimes.
Ag
o s t o
2016
ECO•21
| ecofilosofia |
Júlio Ottoboni | Jornalista científico. Colaborador fixo da Agência Envolverde
Arquivo
Analfabetismo ambiental
Adrian Paci
Uma quantidade imensa de
pesquisas, de diversos cantos,
inclusive da academia, colocam
a questão ambiental entre as 5
maiores preocupações atuais da
humanidade. Há momentos que
ela alcança o terceiro lugar neste
ranking, só sendo superada por
questões ligadas ao cotidiano
humano, como a insegurança e a
economia. Embora esses estudos
Júlio Ottoboni
apontem a saúde do Planeta
como algo crucial, ela é – sem
dúvida – a que menos recebe atenções e intervenções diretas,
tanto por parte de governos ou da própria sociedade.
O jornalismo sob enfoque científico ou ambiental se esforça
em colocar uma lupa e, por vezes, uma lente macro em ações
pontuais na esperança de sensibilizar as pessoas sobre ações
positivas. Ou parte para exemplos trágicos como os fenômenos
extremos ligados ao clima. Mesmo com esse esforço comunicacional, nota-se que entre a sensibilização e a ação prática há
um abismo. Há um latente analfabetismo ambiental e científico fundamental para que os barbarismos da antropização
no ambiente natural acabem mitigados pela própria mídia ao
apresentar soluções individuais, de pequeno alcance. A resposta
inconsciente – ou consciente – é simplória e indolente: já há
gente trabalhando nesta mudança planetária.
Como se isso aplacasse a culpa e a inoperância de grande
parte da sociedade. A situação piora se isso mexer com algum
interesse particular ou com a alteração do status quo do
indivíduo. É a dicotomia do “precisamos mudar, mas, por
favor, não altere nada”.
O homem ainda não se apercebeu do óbvio: o risco de extinção envolve a própria espécie. Ele passará e permanecerá sobre
o modificado Planeta como um registro fóssil, unindo-se assim
aos seres marinhos, grandes répteis, dinossauros e a megafauna
– a qual incluiu diversos mamíferos. Em 500 milhões de anos
de evolução da vida planetária e de extinções em massa (essas
ocorridas diariamente em menor escala), a melhor definição
do que venha ser a espécie humana é do jornalista e naturalista
David Attenborough: “Somos muito mais filhos de desastres
naturais do que da própria evolução natural”.
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Para uma parcela da população, a busca por informação
ambiental cresce proporcionalmente a sua importância e
gravidade. O assunto ganha espaço desde os debates acadêmicos até as conversas de bar, criando um paradoxo curioso: a
humanidade precisa da informação, de compreendê-la dentro
de uma linguagem acessível ao leigo, mas não está disposta a
bancá-la. Precificá-la, como qual outro produto informativo. Os
sites e publicações especializadas no tema vivem à mingua para
manter-se e vários já encerraram suas atividades. A sociedade,
em sua esquizofrenia mercantilista, paga altos preços, direta
ou indiretamente, para ter informações de ordem econômica.
Mas não parece disposta a fazer o mesmo pela ambiental.
Para a maioria preocupada com a situação planetária
(embora haja uma significativa parcela que sequer atente para
a gravidade do quadro) compreender o alerta sobre a elevação
de um ou dois graus na média térmica mundial pode esfacelar
dramaticamente esse modelo econômico. Mais difícil ainda
se aperceber que as estruturas sociais se transformarão em
questões de dias ou mesmo horas, num colapso fatal.
Existe aí um autismo das sociedades urbanas movidas
pelo consumo apregoado por uma economia desenfreada,
autofágica e narcisista. Sem a compreensão do problema e
sentindo os feitos do colapso se abre espaço para o surgimento
de salvadores do mundo, que se utilizam da prostração geral,
para difundir seus discursos céticos e redentoristas, livrando
de culpa a humanidade em seu rastro de atrocidade. Vários
acreditam na figura de um Deus redentorista, difundido pelas
religiões monoteístas. Os mais pragmáticos buscam as respostas
em governantes com ares messiânicos. Ou no empresariado
ávido por ser o timoneiro da construção de uma nova ordem
mundial. Em todos esses casos há a redenção dos desastres
ambientais provocados pelo homem, sua perpetuação como
espécie soberana sobre os demais seres e numa tentativa fracassada – e hoje entendida suicida – de controlar o Planeta.
Para completar o cenário, parte do segmento científico
procura desqualificar os movimentos ambientais num exercício
de supremacia, num distante e obtuso discurso de decanos da
erudição. Os pesquisadores diminuíram sensivelmente a divulgação de informações científicas e poucas vezes estabelecem
vínculos entre seus trabalhos e de colegas ‘concorrentes’. Infelizmente essa ainda é uma prática comum no meio acadêmico
e tão provinciana quanto as tiranias do conhecimento que
condenaram Galileu, Pasteur, Darwin e outros que ousaram
enfrentar as organizações detentoras do saber.
Só haverá real esperança em alterar a dramática situação
planetária quando o volume de conhecimento e de informações
cruciais destinadas à criação de uma massa crítica saltar das
dissertações e teses, pesquisas mantidas sob o anonimato e
estudos, inclusive inconclusos, deixarem o mofo de seus escaninhos e saltarem para a democratização do conhecimento.
Enquanto o império do egoísmo, fomentador de sistemas
enclausurados e sectários, não superar a falta de visão universal
estamos fadados a sermos os autores da mais cruel e programada
extinção em massa do que chamamos hoje de Terra.
Ag
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| iniciativas |
Guilherme Afif Domingos | Presidente do Sebrae Nacional
Arquivo
O compromisso do Sebrae
com a sustentabilidade
Trata-se da mais importante certificação internacional
para construções sustentáveis, com uma classificação inédita
para uma edificação da América Latina. O CSS foi concebido
para ser referência em difusão de conhecimento e também em
termos de estrutura. Seus conteúdos online já foram acessados
por mais de 5,5 milhões de pessoas. As técnicas utilizadas na
construção permitem economia de cerca de 50% em água e
energia. Entre as medidas adotadas, estão o aproveitamento
de iluminação natural, captação e aproveitamento da água
da chuva, coleta seletiva e reciclagem.
O empreendedor deve compreender que as razões para
defender a sustentabilidade vão além da responsabilidade
ambiental. A escassez de recursos naturais para os atuais
padrões de consumo e a conscientização crescente de consumidores e fornecedores sobre essa questão deixam evidente
que a adoção de práticas sustentáveis é um fator-chave para
sobrevivência e crescimento no mercado.
No último mês de Julho, o Sebrae lançou o Termo de
Referência em Sustentabilidade, que reúne diretrizes para
orientar nossa atuação, junto aos pequenos negócios, em relação
a esta temática. Convido os empreendedores a contar com o
Sebrae para se aprofundar nessa estratégia. Ganharão, assim,
as empresas, a sociedade atual e as gerações futuras.
Rai Reis
Em 1972, a Conferência da
Organização das Nações Unidas
sobre o Ambiente Humano
– Conferência de Estocolmo
– reconheceu o conceito de
desenvolvimento sustentável.
Crescimento econômico e meio
ambiente não poderiam mais
ser vistos de forma dissociada.
Desde então, a sustentabilidade
ganhou força não apenas como
Guilherme Afif Domingos
pressuposto de qualidade de vida
da sociedade, mas também como
fator de competitividade empresarial.
Devido a essa convicção, o Sebrae investe cada vez mais na
orientação para a adoção de práticas sustentáveis em pequenos
negócios. Um marco nessa estratégia foi a criação, em 2010,
do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), em Cuiabá
(MT). No início de Setembro, o prédio do CSS conquistou
um importante reconhecimento: a classificação “Excelente” do
Building Establishment Environmental Assessment Method
(BREEAM) In-Use, da Building Research Establishment
(BRE), certificadora do Reino Unido.
Centro Sebrae de Sustentabilidade em Cuiabá, no Mato Grosso
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| homenagem |
Elisa Oswaldo-Cruz | Editora de Notícias da ABC (Academia Brasileira de Ciências)
Jornal científico homenageia
o acadêmico Liu Hsu
Arquivo
O acadêmico Liu Hsu, professor do Programa de Engenharia Elétrica do Instituto Alberto Coimbra de Pós-Gradução
e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (COPPE/UFRJ) foi homenageado na edição de
Julho do International Journal of Adaptive Control and Signal
Processing (Jornal Internacional de Controle Adaptativo e
Processamento de Sinal).
Liu Hsu no morro da Urca
A homenagem foi idealizada por Tiago Roux Oliveira,
professor da Faculdade de Engenharia da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, de quem Liu Hsu foi orientador
no mestrado e no doutorado; Leonid Fridman, professor da
Faculdade de Engenharia da Universidade Nacional Autônoma do México e Romeo Ortega, membro do Conselho
Nacional de Pesquisa da França (CNRS) e tem um editorial
assinado por Petar Kokotovic, professor do Departamento de
Engenharia da Universidade da Califórnia, e Vadim Uktin,
professor do Departamento de Engenharia Elétrica e da
Computação da Universidade do Estado de Ohio, ambas
nos Estados Unidos.
Nos artigos da revista, são destacadas pesquisas marcantes
desenvolvidas pelo professor da COPPE nas áreas de Teoria
do Controle Adaptativo, incluindo a prova da existência
do fenômeno de surto (bursting) causado pela modificação
sigma no Controle Adaptativo por Modelo de Referência
(MRAC). Também desenvolveu um filtro notch adaptativo
globalmente estável para determinar on-line a frequência de
um sinal senoidal de amplitude desconhecida com resultados
práticos em uma larga variedade de aplicações em engenharia. Também, com seus coautores, resolveu um problema de
longa data de controle MRAC multivariável com ganho de
controle desconhecido.
50
Biografia
Liu Hsu é o sexto dos sete filhos de Liu Tze Liang e de
sua esposa Chang Swai Ching, nascido em Fuzhou, Província
de Fujian, China, em 1946. Fez seus estudos secundários em
Curitiba (PR), inicialmente na escola pública Grupo Escolar
Conselheiro Zacarias e em seguida no Colégio Santa Maria.
Passou em engenharia
elétrica da Universidade
Federal do Paraná em 1963
e, em 1964, foi aprovado
para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
São José dos Campos (SP),
onde obteve o diploma de
engenheiro em eletrônica
no ano de 1968.
Realizou seu mestrado
no ITA, orientado por Yaro
Burian Jr., na área de análise
de oscilações não-lineares.
Com bolsa da Fundação
de Amparo à Pesquisa no
Estado de São Paulo (FAPESP), iniciou em 1971 o doutorado
no Laboratoire d’Automatique et d’Analyse des Systèmes
(LAAS/CNRS) de Toulouse na área de sistemas dinâmicos
não-lineares discretos no tempo, sob orientação de Christian
Mira, obtendo o título de Docteur d’Etat pela Université Paul
Sabatier de Toulouse, em 1974. Ingressou na COPPE/UFRJ,
em 1975, como professor adjunto do Programa de Engenharia
Mecânica. Em 1983, pediu transferência para o Programa de
Engenharia Elétrica onde é professor titular desde 1989.
Sua área principal de atuação é Controle e Automação.
Dirige o Grupo de Simulação e Controle em Automação e
Robótica (GSCAR) que fundou em 1990. Suas áreas atuais de
pesquisa incluem Sistemas de Controle Adaptativo, Sistemas
a Estrutura Variável, Estabilidade e Oscilações de Sistemas
Não-Lineares, Aplicações a Processos Industriais, à Robótica
Industrial e à Robótica Submarina.
Desde 1997, é o representante do Brasil na International
Advanced Robotics Programme (IARP). Presidiu o International Workshop on Underwater Robotics for Sea Exploitation and Environmental Monitoring, IARP, realizado no
Rio de Janeiro em 2001. Na UFRJ, foi Presidente da CPPD
no período de 1993 a 1995. Na COPPE, foi Presidente da
Comissão de Avaliação de Docentes na qual, em 1990, introduziu reformas sobre os métodos de avaliação que vigoram
até o presente. Foi vice-Presidente do Conselho Deliberativo
da COPPE de 1999 a 2001. Atualmente está aposentado e
mora no Rio de Janeiro.
Ag
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