As exPeRiênCiAs do design finlAndês

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Resumo
O trabalho traça um breve panorama do estabelecimento do
design na Finlândia, pautado na contextualização histórica, e
principalmente, no comportamento dos atores envolvidos neste
cenário: designers, indústrias e governo. Para tanto realizou-se
um levantamento teórico exploratório baseado nas investigações
do curso “Políticas em Design na Finlândia” do Programa Pós
Graduação em Design da UNESP, ministrado pelo professor Pekka
Korvenmaa da University of Art and Design Helsinki. Esse relato
aponta reflexões e críticas sobre o design brasileiro, tendo em
vista que a bem sucedida experiência na Finlândia pode fornecer
subsídios para futuras análises do design do Brasil.
Palavras-Chave: design de produto; design na Finlândia;
políticas em design
Design, Arte, Moda e Tecnologia.
São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010
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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design
Introdução
A Finlândia se desenvolveu a partir de uma nação predominantemente agrícola e pobre,
à margem da Europa. Evoluiu para um Estado bem industrializado e com um alto padrão de
vida. O design não só está presente nessa realidade, como pode ser apontado como um dos
atores na construção do sucesso internacional da indústria finlandesa.
Pautado no princípio básico do Funcionalismo – ou seja, nas necessidades práticas de
uso – o design desenvolvido na Finlândia acabou por se tornar um modelo internacional. Ao
conservar traços e identidade finlandeses em projetos com funcionalidade estética e pureza
formal, desenvolveu uma linguagem universal.
Nesse país a implantação da indústria e a institucionalização do design, ocorreram de
forma integrada, com a interação e o planejamento necessários dos três principais sistemas
envolvidos – Governo, Indústrias e Instituições de Ensino.
Portanto, esta pesquisa exploratória observou a evolução destes três sistemas e
seus reflexos para o design finlandês, a fim de conhecer como se deu o desenvolvimento de
um design de prestígio internacional e discutir algumas sugestões que poderão auxiliar no
aprimoramento da área no Brasil, provocando reflexões para implantação de futuras ações
no país. Para isso, realizou-se um estudo descritivo amparado por meios bibliográficos de
investigação, baseados em métodos descritos por Marconi e Lakatos (2000). O levantamento
teórico do trabalho resulta das investigações realizadas na disciplina “Políticas em Design na
Finlândia” fornecida ao Programa de Pós-Graduação em Design da UNESP/Bauru, ministrada
pelos professores Paula da Cruz Landim (UNESP) e Pekka Korvenmaa (University of Art and
Design Helsinki).
Referencial teórico
A consolidação da indústria na Finlândia e sua relação com o design
O movimento modernista, surgido na primeira década após 1917, ano da independência
do país, propiciou a aproximação da indústria com artistas locais, gerando soluções atrativas
para os problemas da sociedade moderna emergente. O novo estado precisava de novos
edifícios, objetos e símbolos que refletissem a necessidade de uma identidade nacional;
momento esse que culminou em um discurso progressista do design e um incentivo a sua
prática no país.
O crescimento do design sofreu com os efeitos da depressão em 1930. Os problemas
de urbanização e a industrialização descontrolada levaram os designers a refletir sobre o
funcionalismo, o significado do setor industrial enquanto força social e cultural, e a mudança
dos meios de produção de uma sociedade baseada no artesanato para uma manufatureira;
provocando uma busca de soluções para as transformações vividas na Finlândia.
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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design
O rápido desenvolvimento do design na Finlândia, é claro, não veio do
nada. O trabalho preparatório começou na década de 1930 quando foi
dado ao Modernismo uma interpretação nórdica, chamada Funcionalismo
(KORVENMAA, 2009, p. 15, tradução nossa).
Mais a frente, as décadas de 1950 e 1960 representaram o sucesso internacional
do design finlandês. Produtos que se destacavam principalmente por suas características
intrínsecas – autenticidade, essencialidade exótica e qualidade –, eram acessíveis a muitos
lares finlandeses. Grandes grupos de consumidores domésticos foram alcançados; jogos de
jantar e/ou chá/café de cerâmica, objetos de vidro e várias peças de mobiliário, premiados
internacionalmente, estavam disponíveis aos consumidores da classe média.
O design moderno foi um importante ingrediente na atualização de processos
em vários níveis [...] equalizando racionalidade, democracia e emancipação [...]
Equilibrar qualidade é o que chamamos hoje em dia de valor da marca, seja
de móveis, vidros, cerâmicas e produtos têxteis. Sua penetração no mercado
internacional ocorreu de forma fácil e as receitas trazidas ao país cresceram
significativamente (KORVENMAA, 2009, p. 15, tradução nossa).
Arabia e Iittala são marcas tradicionais de vidro e cerâmica da empresa Hackmann
Designor, o maior produtor de louça da Finlândia. Surgida em meados de 1890, essa empresa
ampliou sua linha de produtos domésticos ao longo dos anos, oferecendo desde facas e
objetos de cutelaria até jogos de jantar em cerâmica ou vidro. Durante a década de 1960,
as importações baratas da Ásia chegaram à costa da Escandinávia e, para manter sua
posição no mercado, a Hackman foi forçada a modernizar seus produtos. A tarefa foi dada a
designers estabelecidos, tais como Kaj Franck, Babel e Adolf Gardberg Bertel. Essa medida
de aproximação da indústria com o design pode ser observada ao longo dos anos e em vários
setores industriais.
Um exemplo recente da continuidade e dos resultados da aproximação desses setores
são os processos avançados de desenvolvimento de produtos criados na Hackmann, razão
pela qual ela se situa dentre as mais reconhecidas empresas cerâmicas do design internacional.
Suas marcas Arabia e Iittala oferecem também uma série de produtos, chamada Pro Arte, de
objetos com design exclusivos (Figura 01) resultados da referida parceria.
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Figura 01 – Copo Iittala HotCool. Fonte: Iittala (2010)
Retomando os aspectos históricos, a indústria finlandesa aposta no potencial da
contribuição do design como fator de competitividade internacional há mais de 60 anos. E,
na década de 1950, investia em design de destaque, ou seja, em indivíduos cujos produtos
comercializados eram associados com a aura artística de seus famosos nomes em design
com reputação internacional.
A indústria finlandesa se desenvolveu rapidamente a partir da Segunda Guerra
Mundial, especialmente a indústria metalúrgica que criou uma gama de produtos
onde um novo tipo de habilidade de design era necessário – por exemplo,
no desenvolvimento de equipamentos de transporte, eletrodomésticos e
aparelhos eletrônicos (KORVENMAA, 2009, p. 17, tradução nossa).
Um outro exemplo, no caso de transportes, trata-se das largas tradições de construção
naval na Finlândia, por ser um país muito ligado ao mar. A associação do amplo conhecimento
adquirido com a longa experiência do setor aliado às novas tecnologias propostas pelo design
gerou resultados de excelência. Os quebra-gelos finlandeses (Figura 02), um dos produtos
mais conhecidos da sua indústria, têm como valor atribuído a navegabilidade do mar durante
todo o ano. A AkerYards (Aker Finnyards), que tem estaleiros em Helsínqui e em Turku, produz
25% das embarcações de cruzeiro no mundo, afirma Peltonen (2008).
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Figura 02 – Unidade de propulsão Azipod de tecnologia finlandesa utilizada em navios luxo. Fonte: ABB (2010)
A década de 1960, marcada pelo grande status do design finlandês, também ficou
conhecida pela crítica ao culto da personalidade que se desenvolveu em torno dos designers
individuais. Conforme Landim (2009, p. 76),
Isto correspondeu a uma crise difundida nas artes aplicadas finlandesas.
Com a recessão global, a indústria não podia mais fornecer emprego para
todos os novos designers por muito tempo. Essas considerações figuraram
na discussão internacional e foram debatidas, mas ofuscadas pelo foco no
design individual na Finlândia, apesar da extensa discussão sobre o papel do
design industrial.
Mesmo em momentos de revisão de postura, os bons resultados da proximidade dos
dois setores permaneciam. Como no caso das tesouras laranja da Fiskars. Desenvolvidas
em 1967, tornaram-se um dos produtos mais conhecidos do design finlandês e um ícone
mundial. Sua cor laranja surgiu, em parte, por acaso, pois seu protótipo foi criado com uma
resina laranja que sobrou na máquina de molde usada para produzir um espremedor de laranja
(FISKARS, 2009), ilustrado na Figura 03.
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Figura 03 – Tesoura laranja fabricada com material de sobra do espremedor de laranja. Fonte: Fiskars (2009)
Na década de 1970 surgiu o interesse pela ergonomia, semiótica, valores simbólicos,
e a ênfase social como sinônimo de bom design. Este período caracterizou-se como um
momento de transição e de autocrítica, com debates frequentes, tendo originado um cenário
no qual o culto ao designer individual era considerado inapropriado e o design anônimo seria o
novo discurso. Um exemplo dos reflexos dessa nova postura é visível no design de mobiliário,
pautado agora em princípios do funcionalismo e ergonômicos, tornando-se um processo
projetual lógico e científico, baseado na pesquisa.
O próximo período, década de 1980, caracterizou-se pela maturidade em design
na Finlândia. Momento em que a ergonomia e o meio-ambiente tornaram-se um assunto
recorrente e os designers transformaram o principio da “forma segue a função” em “forma
segue função e fantasia”. A liberdade e fantasia refletiram-se no design de mobiliário finlandês,
influenciados pelo pós-modernismo na primeira metade da década.
Também, nesse período, os atributos estéticos dos projetos avançaram
consideravelmente, alcançando nível internacional. O conforto e aparência de um utensílio
doméstico recebiam a mesma atenção dispensada a um carro de luxo. Depois do êxito
das tesouras, a Fiskars criou uma série de ferramentas manuais tradicionais (Figura 04),
como machados, pás, enxadas, e ferramentas para jardinagem, cujo novo design melhorou
radicalmente as suas vendas (PELTONEN, 2008).
Figura 04 – Produtos Fiskars. Fonte: Fiskars (2010)
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O cenário econômico finlandês mudou rapidamente no começo dos anos 1990, levando
o país a sua pior crise com o ápice da recessão entre 1992 e 1994. Neste período evidenciou-se
a fragilidade da infra-estrutura da indústria nacional, gerando um consenso sobre a importância
de se redirecionar a indústria do país para áreas maciçamente tecnológicas, assim como para
informação tecnológica.
Os primeiros anos da década de 1990 trouxeram à Finlândia uma crise
financeira muito mais severa que a da Grande Depressão dos Anos 30. Isto
significou uma abrupta interrupção ao florescimento de uma sociedade de
bem-estar, assim como aos mecanismos que apoiaram o design – e aos quais
o design serviu como ferramenta (KORVENMAA, 2009, p.16, tradução nossa).
O cenário do design finlandês mudou significativamente a partir do final dos anos 90,
aumentou-se a intensidade de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), tanto nos
projetos de produtos como no nível estratégico geral. A década de 1990 viu o colapso da
supremacia dos antigos moldes de design e o aumento do design tecnológico, motivado pelas
ferramentas digitais. A atenção a essas mudanças ocasionaram a retomada econômica da
indústria e do design.
Novamente as ações resultantes da associação dos três setores viabilizam a retomada
do crescimento econômico. Como exemplo tem-se a companhia finlandesa Nokia Mobile
Phones, uma das maiores produtoras de celulares no mundo, com exportações para 130
países (PELTONEN, 2008). A Benefon é outro produtor finlandês de celulares e telefones para
segurança com dispositivos de rastreamento. Um bom exemplo é TWIG Protector (Figura 05),
um dispositivo de segurança portátil planejado para os trabalhadores solitários e pessoas que
possam estar em risco.
Figura 05 – Dispositivo de segurança portátil TWIG Protector. Fonte: Benefon (2010)
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O resultado do sucesso de ambas as companhias reside em um design atualizado, com
ênfase sobre a ergonomia, facilidade de utilização e comunicação visual. O design finlandês
novamente é alvo de um considerável interesse internacional. Como afirma Peltonen (2008,
n.p):
Os produtos de sucesso são fruto de um design inovador, capaz de abrir as
portas do mercado mundial. [...] A construção naval, os transportes públicos, a
segurança laboral, a saúde, as atividades de lazer, os desportos, a comunicação
e a eletrônica, são áreas que demonstram a atenção dada pelas empresas
ao design, é a chave da produção de sucesso e da atenção internacional
crescente.
A histórica proximidade entre o design e indústria na Finlândia permitiu um
desenvolvimento “simbiótico”, cuja relação ganhou profundidade e complexidade ao longo dos
anos. No entanto, seu alto desenvolvimento tecnológico resulta da participação de mais outros
dois agentes, o governo e as instituições de ensino. Como relatado a seguir, o planejamento e
os investimentos derivados de ações políticas incentivam as atividades de P&D realizadas nas
instituições em parceria com a indústria local, alimentando essa aproximação.
O ensino e institucionalização do design finlandês
A institucionalização do design na Finlândia tem início em 1875 com a fundação da
“Sociedade Finlandesa de Artes e Ofícios”, cujo intuito era promover as artes industriais. Esta
escola se solidificou ao longo dos anos e se tornou um importante centro educacional. Em 1965
passou a ser administrada pelo Estado Finlandês, e em 1973 a ser denominada Universidade
de Artes e Design de Helsinki, responsável por todo ensino de design no país.
Dentre as muitas transformações que o ensino passou desde seu estabelecimento, um
de seus principais marcos acontece após a II Guerra Mundial, momento em que as reformas
direcionaram esse ensino para a indústria. A crescente demanda e diversificação do mercado,
bem como o crescimento da indústria nos anos pós-guerra, aumentaram a carência por
profissionais qualificados e preparados para atender as necessidades da sociedade:
Educação em design, prática profissional e indústria utilizando isso, eram todos
influenciados pela rápida industrialização da nação, e de um modo mais geral
pela concepção de indústria baseada no progresso tecnológico como um dos
principais fatores determinantes da sociedade e cultura (LANDIM, 2009, p.75).
O momento propício para investimentos no ensino em design do país também
possibilitou mudanças em outras instituições. Na década de 1960, a Ornamo se estabeleceu
como a associação central de designers, a Associação Finlandesa de Designers, com suborganizações e associações, dentre eles: designers de moda (1965) e designers industriais
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(1966), os quais se uniram às associações já existentes para arquitetos de interiores (1949) e
designers têxteis (1956). Esta instituição passou a receber anualmente suporte financeiro do
Ministério da Educação para cobrir as despesas de expansão das ações e atividades relativas
ao ensino e prática do design.
A experiência do envolvimento dos três setores apresentou resultados significativos na
educação em design. Esses resultados geraram reconhecimento fora do país, e a partir de
1987 uma série de conferências internacionais em colaboração com líderes do cenário em
design de vários países discutiram a educação e a pesquisa em design. Estabeleceu-se assim o
Design Forum Finland, cujo objetivo é promover o design gerando oportunidades na economia
e nos negócios, aumentando a competitividade nas indústrias do país e capacitando-as para
a exportação de produtos com design (DESIGN FORUM FINLAND, 2009).
Raulik et. al (2009) afirmam que essas ações trouxeram à Finlândia a liderança, como um
dos mais competitivos países no Fórum Econômico Mundial. A atribuição de poder decisório e
verbas a um órgão consciente da importância da participação efetiva dos setores envolvidos
permitiu o estabelecimento de metas coletivas. Como no caso da inclusão do design como
parte essencial do planejamento de investimentos em longo prazo, priorizando o setor de P&D.
Ações surgidas desse movimento acabaram por originar programas de política em design.
Programas estes que dentre seus objetivos, visavam transferir inovação de natureza tecnológica
dos projetos desenvolvidos na Universidade para possíveis utilizações pela indústria, criando
um centro para design como parte dessa política: a Designium (LANDIM, 2009).
O centro de inovação é composto pela Universidade de Arte e Design de Helsinque,
a Universidade da Lapônia, Universidade de Tecnologia de Helsinque (HUT) e a Escola de
Economia de Helsinque (HSE), em estreita colaboração entre elas, e conta ainda com a
cooperação de outras universidades, empresas e organizações públicas.
Esse conjunto de fatores explica a forte presença de instituições ligadas à P&D, uma
característica única não encontrada em outros países, de acordo com Raulik et. al (2009).
Aliada a outro fator importante na promoção do design, a mobilidade dos estudantes - seja de
estrangeiros para a Finlândia ou vice-versa – permite a troca e expansão de conhecimentos e
estimula inovações.
Atualmente se vê a penetração do design em universidades de tecnologia e economia,
gerando transferência de conhecimento e potencializando abordagens multidisciplinares.
Destaca-se também a forma como a política em design se desenrola no país, com a participação
de representantes da indústria, educação, designers e o setor público como meio de gerar
iniciativas para as instituições decisórias, tanto públicas como privadas. Como observa Landim
(2009), a UIAH (Universidade de Arte e Design de Helsinque) tem participado ativamente em
várias ações e iniciativas, de forma que ela não se mantém apenas concentrada em educação
e pesquisa, mas também em colaboração com a política em design.
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Ações do governo e o design na Finlândia
Com a crise finlandesa no começo dos anos 90, o cenário econômico mudou
rapidamente, levando o país à recessão, com ápice entre 1992 e 1994. Momento caracterizado
por crise bancária, alta taxa de desemprego, inflação, entre outros fatores. Como fator
agravante, o colapso da União Soviética, principal mercado exportador da Finlândia, produziu
um impacto negativo enorme no setor industrial. Assim, se evidenciou a fragilidade da infraestrutura da indústria nacional, gerando um consenso sobre a importância de se redirecionar
e atualizar as indústrias do país para áreas tecnológicas.
A necessidade de investimentos significativos, para melhorar o patamar de
desenvolvimento tecnológico, tornou o sistema nacional de inovação um conceito “guardachuva”. Que de acordo com Landim (2009) passou a abrigar toda e qualquer ação de melhoria
econômica e social.
Assim, em 1996, o Fundo Nacional Finlandês para Pesquisa e Desenvolvimento convidou
um grupo de representantes da área de design para discutir como o design poderia contribuir
para a inovação industrial e desenvolvimento econômico da Finlândia. Estabelecendo-se um
sistema nacional de design e um plano de políticas chamado “Design 2005!”.
Esse programa de política denominado “Government Decisions in Principle on Finnish
Design Policy” é uma ação governamental consistente e de efetivo esforço para se introduzir
o design de modo mais eficiente a serviço da indústria, do comércio e da cultura. E, apesar
da política nacional em design não ser novidade na Finlândia, ele diferenciava-se por seus
três principais objetivos: melhorar a qualidade do design, promover o uso do design com
foco para alavancar a competitividade e emprego, e ainda aumentar o nível de qualidade,
promovendo uma cultura genuinamente nacional. Ações que complementam a já estabelecida
política industrial, que valoriza o papel do design como agente de competitividade para as
exportações da indústria.
O plano de política finlandesa começou a se desenrolar antes mesmo de ter sido
oficialmente lançado. De acordo com Korvenmaa (2009), em 2000, os ministros da Cultura e o
da Indústria e Comércio juntamente com representantes de altos escalões das organizações –
os grandes empregadores –, assinaram um acordo para tornar a nova política de fato real. Isto
ocorreu em um cenário de retomada econômica e pela percepção global do valor do design
na criação de valor em mercados altamente saturados e competitivos.
Korvenmaa (2009) ainda afirma que a importância fundamental para a compreensão
do papel do design na política foi o fato de que ela foi realizada pelas mesmas pessoas e
instituições que a escreveram. Ou seja, a própria comunidade do design e seus parceiros mais
importantes foram os que fizeram as perguntas e deram as sugestões, fazendo com que o
processo se desenvolvesse de baixo para cima e com as reais preocupações e vivências dos
profissionais do meio.
A figura 06, a seguir, ilustra como é composto o Sistema Nacional de Design Finlandês,
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com os ministérios envolvidos, os conselhos, fundações e empresas finlandesas – como fontes
de financiamento; o Comitê de Design e o Centro Designum – representando a política; e os
Centros de educação, promoção, P&D, suporte e associações profissionais. Em um sistema
que envolve o público e o privado, de forma abrangente e consistente.
Figura 06 – Sistema Nacional de Design na Finlândia. Fonte: Raulik et. al (2009)
Essa estrutura organizacional, que prevê ações e o envolvimento de todos os agentes,
permite o desenvolvimento da política nacional em design e a internacionalização do design
finlandês. São iniciativas que promovem a transferência dos novos conhecimentos e aptidões
em design das instituições para o setor empresarial e em contrapartida leva as necessidades
e também o apoio das indústrias até o ensino.
Discussões e Considerações finais
Este estudo é um relato de uma experiência bem sucedida e não uma análise crítica
do design brasileiro, por conseqüência busca trazer subsídios para futuras ações na política
nacional do design.
Os constantes avanços tecnológicos e a fácil circulação de mercadorias no comércio
mundial causaram profundos impactos nas economias dos países, ocasionando uma
competitividade interna e externa cada vez maior. Nesse cenário o Design recebe o papel de
importante agente de valorização e de identificação, motivos que tornam as ações para sua
promoção e suporte, estratégicas para países, governos e empresas.
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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design
Amplamente discutida, essa função atribuída ao Design é cada vez mais compartilhada
em experiências por todo o mundo. No caso da Finlândia, o reconhecimento global, chama os
olhares para o seu sucesso e a história de seu desenvolvimento.
Com a tradição do design agindo junto às indústrias e refletindo diretamente na economia
do país, a Finlândia não só alavancou a competitividade de suas empresas como também
proporcionou bem-estar aos seus cidadãos. Como visto, as histórias da industrialização e do
design no país estão ligadas, e desde a década de 1930, essa relação é uma força social e
cultural. O perfil da população e a cultura finlandesa foram fatores cruciais para o sucesso das
políticas de design finlandesas.
O reconhecimento e qualidade internacional, gerando produtos acessíveis à sociedade,
e a proximidade com a indústria, fizeram do design finlandês um modelo. Porém, sem o
envolvimento do governo por todo esse percurso, com os planejamentos e ações efetivas, não
teria como resultado o surpreendente crescimento econômico do país. São ações que ainda
promovem investimentos em P&D, sempre contando com aproximação das empresas com as
universidades, ou seja, despertando interesses em comum que primam pela inovação.
Visto por esse ângulo, as ligações entre inovação, design e tecnologia ainda são raras
na política brasileira. Suas ações costumam ser pontuais, em centros de projetos regionais
que eventualmente se associam aos institutos de tecnologia.
Em muitos casos os centros geram resultados bem sucedidos, entretanto ainda não
contam com uma política nacional clara e de longo prazo para tais iniciativas. Na Finlândia,
estas ações são continuadas ou foram substituídas por novas estratégias aprimorando seus
resultados ao longo dos anos. Diferença que parece estar relacionada à estabilidade política
do país, visto que o apoio do governo não se alterou devido às sucessões políticas e sim pela
evolução do cenário econômico.
Ainda hoje, o design e a indústria caminham em paralelo, e as políticas governamentais
se mostram desconexas e insuficientes. Portanto, respeitando os contrates na história do
design do Brasil e da Finlândia, é preciso reconhecer que sem o envolvimento da indústria, do
governo e das instituições de ensino, como na experiência finlandesa, a indefinição no design
brasileiro permanecerá. O investimento em educação e políticas de inserção do design, a
exemplo da finlandesa, de forma a unir tecnologia, design e empresas, é fundamental para
que o país consiga aumentar a qualidade, a competitividade e principalmente, a inovação de
seus produtos.
Este estudo não propõe soluções específicas, mas espera que com a divulgação
da experiência da Finlândia se amplie as perspectivas sobre as possíveis ações de design
no Brasil, já que a realidade multi-étnica e pluri-regional do país permite explorar os mais
variados atributos locais, diversificando ainda mais a produção nacional. Como por exemplo
o crescimento sustentável, grande desafio da indústria brasileira, momento em que os
programas de design podem fornecer as bases para esse desenvolvimento. Buscando, no
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entanto, envolver as indústrias, universidades, e principalmente, as ações do governo em
interesses comuns. E para tanto, observou-se a necessidade da aproximação de todos esses
setores para um planejamento global que estabeleça as bases de ações e permita adaptações
às várias peculiaridades dos meios de produção locais que integram a economia nacional.
Referências
ABB. Azipod Propulsion, 2010. Disponível em: <http://www.abb.com/industries/
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LANDIM, P. C. Design/Empresa/Sociedade. Bauru: UNESP, 2009. Tese apresentada à
FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - UNESP para obtenção do Título de
Livre-Docente.
MARCONI, M.; LAKATOS, E. Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
PELTONEN, Jarno. Design Finlandês no Novo Milénio. Disponível em: <http://www.finland.
org.mz/Public/default.aspx?contentid=124176>. Acesso em: 20 dez. 2009.
KORVENMAA, P. Design, Research and Policies of Innovation: Case Finland. In: Congresso
Internacional de Pesquisa em Design, 05, 2009, Bauru/SP. Anais... Bauru/SP: UNESP, 2009.
RAULIK, M. G,; CAWOOD, G.; LARSEN, P.; LEWIS, A. A comparative analysis of strategies
for design in Finland and Brazil. In: Undisciplined! Design Research Society Conference
2008, 16-19 July 2008, Sheffield, UK : Sheffield Hallam University, 2009.
Agradecimentos
Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Proc. 2009/02991-9 e 2009/02125-0).
Design, Arte, Moda e Tecnologia.
São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010
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