Untitled - Centro de Formação Francisco de Holanda

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 ELO 19 A educação sexual nas escolas 1 Revista do Centro de Formação Francisco de Holanda Centro de Formação Francisco de Holanda Escola Secundária Francisco de Holanda Alameda Dr. Alfredo Pimenta 4814‐528 Guimarães [email protected] www.cffh.pt 253 513 073 2
FICHA TÉCNICA Diretor Jorge do Nascimento Pereira da Silva Coordenador Francisco Teixeira ‐ Jorge do Nascimento Conselho Científico Almerindo Janela Afonso – Universidade do Minho Carlinda leite – Universidade do Porto Carla Serrão – Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto Duarte Vilar – Associação para o Planeamento da Família Fernando Ribeiro Gonçalves – Universidade do Algarve Francisco Teixeira – Escola Secundária Francisco de Holanda José Augusto Pacheco – Universidade do Minho Manuela Esteves – Universidade de Lisboa Conselho Redatorial Jorge do Nascimento Pereira da Silva Agostinho Ferreira António Oliveira Sousa Francisco Teixeira Maria Lucinda Palhares da Cunha Bessa Capa Pedro Almeida Maquetagem Francisco Teixeira Propriedade e edição Centro de Formação Francisco de Holanda Escola Secundária Francisco de Holanda Alameda Dr. Alfredo Pimenta 4814‐528 Guimarães [email protected] www.cffh.pt 253 513 073 Depósito Legal 75362/94 ISBN 972‐96465 Impressão Gráfica Covense, Ldª Polvoreira – Guimarães Revista ELO 19 – Junho de 2012 Número Tiragem 500 Exemplares Apoios MEC Revisão por pares Revisão por pares da responsabilidade do Conselho Científico 3 4
ÍNDICE NOTA DE ABERTURA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Jorge do Nascimento Pereira da Silva, Diretor do Centro de Formação Francisco de Holanda 9
TEÓRICOS A EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE E OS MÉDIA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Filomena Teixeira, Instituto Politécnico de Coimbra; Fernando M. Marques, Fundação portuguesa “A Comunidade Contra a Sida” 15
O SEXO E A ONTOLOGIA DO HUMANO‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Francisco Teixeira, Escola Secundária Francisco de Holanda A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES (AS) NO BRASIL E EM PORTUGAL: REFLEXÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO SEXUAL NAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Célia Rossi, Departamento de Educação ‐ IB ‐ Rio Claro/ SP; Dilma Lucy de Freitas, Insituto de Educação da Universidade de Lisboa; Isabel Chagas, Insituto de Educação da Universidade de Lisboa 23
35 EDUCAÇÃO SEXUAL E MASCULINIDADE‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Duarte Vilar, Diretor Executivo da Associação para o Planeamento da Família 41
EDUCAÇÃO SEXUAL PARA EDUCADORES DE CRIANÇAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Ana Cláudia Bortolozzi Maia, Bruna Belusse Demonico, Juliana Spinelli Ferrari, GEPESEC – Universidade Estadual Paulista 47
EDUCAÇÃO SEXUAL E FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES: UMA ESTRATÉGIA PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Andreza Marques de Castro Leão, Paulo Rennes Marçal Ribeiro, Núcleo de Estudos da Sexualidade – Universidade Estadual Paulista 55 EDUCACIÓN SEXUAL EN LA FAMILIA Y LA ESCUELA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Félix López Sánchez, Universidad de Salamanca 63
5 EDUCAR A SEXUALIDADE OU EDUCAR PARA A SEXUALIDADE‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Daniel Serrão, Universidade Católica Portuguesa ‐Porto 75
LA EDUCACIÓN SEXISTA DE LOS VIDEOJUEGOS EN EL ÁMBITO ESCOLAR Y SOCIAL‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Enrique J. Díez Gutiérrez, Universidad de León 83
METODOLOGIA DE ENSINO PARA UMA SEXUALIDADE POSITIVA E RESPONSÁVEL‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Teresa Vilaça, IE ‐ Universidade do Minho 91
A EDUCAÇÃO SEXUAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐
Ana Cláudia Bortolozzi Maia,
Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista 103
O CAMINHO FAZ‐SE CAMINHANDO: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS EM EDUCAÇÃO SEXUAL‐‐‐‐‐ Carla Serrão, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto 109
ORIENTAÇÕES EUROPEIAS PARA A EDUCAÇÃO SEXUAL NAS ESCOLAS‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Manuela Moura, Vice‐Presidente – Norte ‐ da Associação para o Planeamento da Família 115
PINCELADAS SOBRE A ADOLESCÊNCIA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐
Milice Ribeiro dos Santos,
Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar 121
EDUCAÇÃO SEXUAL: DA OBRIGATORIEDADE À REALIDADE‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Alexandra Santos, Agrupamento dos Centros de Saúde de Guimarães – Vizela PRÁTICOS 129
A EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE PEVIDÉM‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Maria Fernanda Faria, Coordenadora do Projeto Educação para a Saúde do Agrupamento de Escolas de Pevidém 133
A EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM PRÁTICA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Beatriz Costa, Coordenadora do Projeto de Educação para a Saúde do AVE Briteiros; Marta Araújo, Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediátrica 6
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A EDUCAÇÃO SEXUAL EM MEIO ESCOLAR NA PERSPETIVA DAS POSSIBILIDADES‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Manuela Nunes, Coordenadora da Educação para a Saúde ‐ Agrupamento de Escolas Prof. João de Meira 145
CRESCER NUMA SEXUALIDADE CONSCIENTE E SAUDÁVEL‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Fernando Jorge Oliveira Novais Ribeiro, Coordenador de Educação para Saúde do Agrupamento de Escolas Mário Cardoso; Ana Paula Pimentel Monteiro Psicóloga do Serviço de Psicologia do Agrupamento de Escolas Mário Cardoso 149
EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE/EDUCAÇÃO SEXUAL NO CURRÍCULO ESCOLAR‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Alexandra Pereira, Coordenadora do projeto educação para a saúde/educação sexual – Agrupamento de Escolas D. Afonso Henriques 159
PROJETO 5 SENTIDOS‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Equipa do projeto de educação sexual, Escola Secundária Francisco de Holanda 163
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA ‐ COMO? PARA QUÊ?
PERFIL DO FORMADOR E MODALIDADES E TÉCNICAS DE IMPLEMENTAÇÃO‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Alexandrina Melo Silva, Escola Secundária das Taipas 171 EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ARÕES‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Helena Sofia Dias Pereira, Sílvia Cristina Moreira Carneiro, Sílvia Maria Barros de Lemos, Professores do Projeto Educação Para a Saúde e Educação Sexual do Agrupamento de Escolas de Arões 175
A EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO VERTICAL DE ESCOLAS SANTOS SIMÕES‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Equipa do Projeto de Educação para a Saúde, AVE Santos Simões 181
IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROJETO DE EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS PROFESSOR ABEL SALAZAR‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Sérgio Silva, Professor Coordenador da Equipa de Saúde Escolar; Sandra Fernandes, Professora formadora PRESSE; Helena Azevedo, Psicóloga 189 7 PROJETO DE EDUCAÇÃO SEXUAL DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DAS TAIPAS‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Beatriz Sousa, Coordenadora do PES do Agrupamento de Escolas das Taipas 193
UMA PROPOSTA DE PROJETO DE EDUCAÇÃO SEXUAL‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ João António Fernandes Vieira, Professor do Agrupamento Vertical de Escolas de Briteiros 199
A RESISTÊNCIA DOS PROFESSORES À EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE, NA ESCOLA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Natércia Daliana Leite da Silva 205
AEDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS PROFESSOR CARLOS TEIXEIRA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Adosinda Machado, Coordenadora do projeto de educação para a saúde do Agrupamento de Escolas Carlos Teixeira 221
A TEATRALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SEXUAL EM MEIO ESCOLAR COM RECURSO ÀS TIC‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Cláudia Arnaud Marques, Agrupamento de Escolas Padre Joaquim Flores 227 CARINHOS, AFETOS E EMOÇÕES ‐ A FAMÍLIA DE SILVARES‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ Sandra Leal, Agrupamento de Escolas de Silvares 8
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NOTA DE ABERTURA Jorge do Nascimento, Diretor do Centro de Formação Francisco de Holanda A modernização da escola pública e a melhoria das aprendizagens dos alunos implicam profissionais em constante formação (life‐long‐learning). As exigências atuais num locus tão específico, heterogéneo e ético‐
culturalmente “colorido” como é a sala de aula obrigam os profissionais da docência a uma constante atualização e aprofundamento do seu conhecimento científico e, por outro lado, a uma permanente reflexão sobre o seu modus operandi. Hoje, à escola é exigido que sejam desenvolvidas nos alunos um vasto leque de competências, nomeadamente as competências técnico‐científicas, culturais, sociais, éticas/morais, cívicas, tecnológicas, de prevenção rodoviária, de educação para a saúde, de educação em sexualidade (…) que perpassam os currículos de todas as áreas disciplinares. A missão do CFFH é, em primeira instância, contribuir para o desenvolvimento dessas competências gerais e específicas dos profissionais da educação, sempre em articulação com a implementação de políticas educativas estruturantes e emergentes, decorrentes de processos de reformas curriculares e organizacionais, implementando planos e projetos de formação capazes de capacitar os docentes para intervir nesse conjunto de áreas diversas que exigem uma continuada relexão e atualização. A revista Elo apresentou‐se no longínquo ano de 1994 como “um espaço de encontro de professores” e de “troca de saberes e de experiências”. Ao longo destes anos tem dado voz às escolas enquanto coletivos e aos educadores e professores e demais atores educativos individualmente. Durante muito tempo foi uma revista eclética, reunindo artigos sobre temáticas muito diversificadas. Nos últimos anos, tomou‐se a opção de cada número incidir sobre uma temática específica. O ELO 16 centrou‐se na avaliação de professores, reunindo contributos de especialistas e das escolas; o ELO 17 na avaliação das escolas, através de um conjunto de textos de diversos autores; o Elo 18 foi dedicado, por inteiro, à temática da cidadania e da democracia nas escolas. O Elo 19 tem como temática central a educação sexual nas escolas. Portugal é um dos países da Europa comunitária com maior número de gravidezes entre as adolescentes. Só este dado justificaria o tratamento da educação sexual nas escolas (em todos os níveis de ensino). Mas essa não é a única razão pela qual se justifica a Educação Sexual. Bem pelo contrário. As questões identitárias e da construção da personalidade são, aliás, focadas logo na alínea a) do artigo 2 da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto (em que se definem as finalidades da Educação Sexual), ao referir‐se que “A valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual” é um dos fins da Educação Sexual em meio escolar. 9 Assim, a Educação Sexual em meio escolar deve constituir uma educação integral e não meramente sanitária, centrada na compreensão reflexiva da natureza corporal e sexuada do humano, o que, aliás, também se indicia na mesma lei já citada. A consciência deste processo de produção da corporalidade humana é, pois, decisiva para a autoconsciência especificamente humana. Sem a consciência dos mecanismos dessa produção dificilmente a vida humana pode ser verdadeiramente prazenteira e, sobretudo, livre. Para além de tudo o mais, a corporalidade e a sexualidade são ainda decisivas na construção da identidade pessoal bem assim como nos equilíbrios emocional e físico, embora este equilíbrio não possa jamais ser integralmente alcançado. A infância e a adolescência são, como se sabe, os momentos determinantes (embora não os únicos) na construção da identidade sexual, e isto através de processos interativos envolvendo uma miríade de condicionantes altamente complexas. Só o domínio teórico e prático adequado permitirá, então, ao educador, intervir nesse processo auxiliando o ou a jovem no processo de construção da sua identidade sexual e pessoal. Todas as disciplinas e práticas educativas veiculam implícita ou explicitamente valores sexuais e antropológicos. O que é fundamental é que o educador tenha consciência desses valores e não se faça a si mesmo veículo inocente dessa transmissão mas antes veículo reflexivo, permitindo, assim, às crianças, adolescentes e jovens uma construção de si igualmente livre e consciente. Na medida em que a sexualidade e a corporalidade lidam com a natureza humana mais profunda, que as crianças, adolescentes e jovens passam uma parte substancial do seu tempo nas escolas, que há dificuldades assumidas por parte dos educadores na abordagem dessa temática bem evidentes no levantamento de necessidades de formação realizado, o CFFH, em sede de Comissão Pedagógica, decidiu implementar ações de formação contínua em praticamente todos os agrupamentos de escolas e em escolas não agrupadas associados. Foi ainda objeto de decisão unânime desse órgão dar continuidade à publicação da revista Elo e eleger como temática central a educação sexual nas escolas, reunindo um conjunto de artigos que, por um lado, levassem a desconstruir opiniões, a esclarecer dúvidas relacionadas com a temática referida, a produzir informações, a ajudar a definir o papel da escola e do educador, dos media…, a formar e, por outro, levar as escolas/agrupamentos a partilharem as suas práticas na abordagem desta área. Deste modo, foram convidados a escrever neste número da revista mais de duas dezenas de autores (as) ligados (as) a universidades portuguesas, espanholas e brasileiras e ainda a diversas instituições como sejam a ARS Norte ‐ Programa Regional de Prevenção e Controle da Sida…, Associação Para o Planeamento da Família (APF), Centro Avançado da Sexualidade e Afectos do Porto, Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida” (FPCCSIDA), Agrupamento dos Centros de Saúde (ACES) de Guimarães ‐ Vizela. 10
Este número 19 da revista ELO está organizado em duas partes: na primeira, encontram‐se 15 artigos de caráter científico e cujos autores são especialistas na área da educação sexual; na segunda parte, encontram‐se 16 artigos que apresentam práticas das escolas/agrupamentos associados. Apesar do fio condutor ter a ver com a educação sexual, os artigos de carácter científico versam sub‐
temas muito diferenciados e que, de algum modo, se complementam: a formção de educadores e professores quer em Portugal, quer no Brasil; a educação sexual e a masculinidade; a educação sexual nos media e os videojogos no âmbito escolar e social; orientações europeias para a educação sexual na família e na escola; a educação sexual e as vivências da sexualidade adolescente; a educação sexual de pessoas com deficiência intelectual; da obrigatoriedade à realidade da educação sexual… Com os artigos que relatam experiências de boas práticas das escolas pretende‐se promover a partilha entre as diversas instituições escolares. No fundo, relevar o que pode e deve ser feito para aumentar a eficácia do trabalho na opercionalização do programa de educação sexual, quer no espaço escola, em geral, quer na turma/sala de aula, em particular. Por fim, deve manifestar‐se o nosso reconhecimento aos membros do Conselho Científico da Revista, pela confiança que têm demonstrado no nosso trabalho e pela qualidade, rigor e prestígio que acrescentam a esta publicação. 11 12
TEÓRICOS 13 14
A EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE E OS MÉDIA Filomena Teixeira, Instituto Politécnico de Coimbra; Fernando M. Marques, Fundação portuguesa “A Comunidade Contra a Sida” Nas sociedades contemporâneas, os média têm vindo a assumir um protagonismo crescente nos processos de socialização e de construção das identidades juvenis. A exposição mediática de crianças e adolescentes é hoje incomparavelmente maior do que a das gerações anteriores. O tempo passado em conexão com a televisão, internet, videojogos, telemóveis, música, cinema e revistas tem sido objeto de pesquisa em vários campos científicos, procurando compreender e mapear os seus efeitos psicossociais. Alguns desses estudos têm evidenciado a influência dos média na hipersexualização do espaço público 1
e na reprodução de estereótipos sexuais . São disso exemplo os trabalhos centrados nos conteúdos sobre sexualidade e género veiculados em videojogos (Díez Gutiérrez, 2004), revistas juvenis (Rubio Gil et al, 2008; Teixeira et al, 2010), programas televisivos (Fischer, 2002), publicidade (Zurinaga, 2001; Teixeira, Marques e Martins, 2008; Marques, 2010), filmes infantis (Sabat, 2003) e recursos pedagógicos digitais (Teixeira e Marques, 2011). Por influência dos estudos culturais, os conceitos de currículo cultural e pedagogia cultural tornam inteligível a natureza construída deste tipo de mensagens e o modo como se inscrevem nos discursos mediáticos. Na perspetiva de Sabat (2001), o currículo cultural envolve um conhecimento organizado em torno de relações de poder, de regulação e controle que se concretizam na vida quotidiana. Esse repertório de significados está na base da construção de identidades hegemónicas, ensinando “modos de ser mulher e de ser homem, formas de feminilidade e de masculinidade”. Para Fisher (2002), o dispositivo curricular está muito para além dos programas e práticas escolares, relacionando‐se diretamente com as produções e significações dos diferentes espaços de cultura. No seu vocabulário crítico, Silva (2000) aplica o conceito de pedagogia cultural a qualquer instituição ou dispositivo que, tal como a escola, esteja envolvido no processo de transmissão de atitudes e valores, dando como exemplos o cinema, a televisão, as revistas e os museus. Neste quadro teórico, currículo escolar e currículo cultural participam nos jogos de poder pela supremacia simbólica em torno da significação sobre o mundo. Convergentes ou divergentes, explícitos ou ocultos, formais ou informais, as leituras do real que esses 1
Sobre a importância e atualidade desta questão ver ainda os seguintes documentos: Les exedans les médias : obstacle aux rapports égalitaires. Avis du Conseil du statut de la femme. Québec, 2008 e Entre le rose et le bleu: stéréotypes sexuels et construction sociale du féminin et du masculin. Étude du Conseil du statut de la femme. Québec, 2010. 15 currículos supõem ajudam à injunção de regimes de verdade. Voltando a Silva (2000), onde a educação e o currículo são vistos como campos de conflito à volta de duas dimensões centrais da cultura: o conhecimento e a identidade, vemos como as questões de sexualidade e género disseminadas pelos média jogam um papel decisivo no mapeamento das fronteiras que territorializa mas sociabilidades juvenis. Uma educação em sexualidade abrangente e igualitária centra‐se no conhecimento e respeito do corpo, na segurança das práticas sexuais, na partilha das responsabilidades, no reconhecimento das pessoas como sujeitos sexuais de pleno direito, na ausência de estereótipos, violência, dominação ou constrangimentos 2
de qualquer espécie . Esta perspetiva confronta‐se diariamente com as representações do género e da sexualidade que os média fazem circular no espaço público. Desde 2009 que, em Portugal, a estrutura curricular dos ensinos básico e secundário prevê a obrigatoriedade do desenho e implementação de um projeto de educação sexual, centrado na escola, no quadro de uma educação para a saúde, envolvendo 6 ou 12 horas anuais em cada turma. Para o efeito foram 3
definidos centralmente conteúdos mínimos por ciclos de ensino . Uma análise desses conteúdos evidencia uma fraca articulação com a problemática do currículo cultural. Tal facto descura a influência dos média na construção de identidades hegemónicas e na adoção de atitudes sexistas e homofóbicas. Esta opção de política curricular diverge de orientações emanadas de organizações internacionais e de linhas diretrizes sobre educação em sexualidade adotadas noutros países ocidentais, como por exemplo Estados Unidos, Canadá e França. Uma publicação recente da UNESCO (2010), realizada em parceria com UNAIDS, UNFPA, UNICEF e WHO, apresenta uma proposta consistente e fundamentada para apoio à elaboração de programas de educação em sexualidade. O documento, intitulado Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade: uma abordagem baseada em evidências para escolas, professores e educadores em saúde, desenha um currículo básico destinado a crianças e jovens, dos 5 aos 18 anos, com necessário prolongamento ao longo da vida. A estrutura assenta em seis conceitos‐chave, desdobrados em vários tópicos e objetivos de 4
aprendizagem, adequados a quatro níveis etários . No conceito‐chave Cultura, Sociedade e Direitos Humanos inclui‐se o tópico Sexualidade e Média que propõe como objetivos de aprendizagem: i) a compreensão dos diferentes meios de comunicação e os níveis de realidade e ficção das mensagens que veiculam; ii) o reconhecimento de formas de representação de homens e mulheres associadas a diferentes valores, atitudes e normas sociais relativas ao género e à 2
Veja‐se a propósito do desenvolvimento do conceito de sexualidade igualitária o documento Le sexe dans les médias: obstacle aux rapports égalitaires. Avis du Conseil du statut de la femme, Québec, 2008. 3
DR, I Série, Lei 60/2009 de 6 de Agosto e DR, I Série, Portaria 196‐A /2010 de 9 de Abril. 16
sexualidade; iii) a análise de estereótipos embutidos nas imagens referentes à sexualidade e aos relacionamentos amorosos; iv) a análise críticada influência dos média na saúde e a necessidade de mobilizar o seu potencial comunicativo para promover comportamentos sexuais seguros num quadro de igualdade de género. A UNESCO incorporou neste documento experiências de terreno em várias regiões do globo e propostas curriculares oriundas de centros especializados nos domínios da saúde, educação e sexualidade. Um desses contributos foi o documento de referência Guidelines for Comprehensive Sexuality Education: Kindergarten ‐ 12th Grade, publicado em 2004 pelo SIECUS – Sexuality Information and Education Council of the United States – para apoio à elaboração de novos programas de educação em sexualidade e à avaliação dos currículos existentes. A estrutura do programa proposto baseava‐se já em seis conceitos‐chave, desdobrados em diversos tópicos, de complexidade crescente, em função da idade, estádios de 5
desenvolvimento e níveis de escolaridade . O conceito‐chave Sociedade e Cultura integra o tópico Sexualidade e média com fundamento no impacto destes dispositivos culturais nos valores e atitudes. Os temas a tratar incidem sobre: os níveis de verdade das mensagens; a confusão entre ficção e realidade; a deturpação e efabulação do quotidiano; a desadequação de alguns conteúdos televisivos, filmes e websites para crianças; a influência dos média nos pensamentos e nas crenças; as mensagens irrealistas sobre género, amor, parentalidade e casamento; o recurso a estereótipos e preconceitos relativos a determinados grupos sociais; o papel das famílias e demais pessoas adultas na elucidação e escolha dos conteúdos destinados às crianças e jovens; a importância da tomada de decisão; aprevalênciade normas heterossexuais; os riscos das redes sociais virtuais; a relevância dos modelos positivos de relacionamento e sexualidade; o reconhecimento da importância das reações cívicas aos estereótipos sexuais “naturalizados” no espaço público. Em 2008, a Agence de la santé publique du Canada apresent ao documento Lignes directric escanadiennes pour l’éducation en matière de santé sexuelle, edição que revê e atualiza as linhas diretrizes nacionais de 2003. Este documento, baseado em princípios orientadores, destina‐se a apoiar os esforços no 6
âmbito das políticas de planeamento, programação e avaliação da educação e saúde sexual . 4
Os conceitos‐chave propostos são: 1. Relacionamentos; 2. Valores, atitudes e competências; 3. Cultura, sociedade e direitos humanos; 4. Desenvolvimento humano; 5. Comportamento sexual; 6. Saúde sexual e reprodutiva. 5
Os conceitos‐chave propostos neste caso são: 1. Desenvolvimento humano; 2. Relacionamentos; 3. Competências pessoais; 4. Comportamento sexual; 5. Saúde sexual; 6. Sociedade e cultura. 6
São apresentados cinco princípios organizadores: 1. Uma educação em matéria de saúde sexual acessível a todos os canadianos; 2. A integralidade da educação em matéria de saúde sexual; 3. A eficácia das abordagens e dos métodos educativos; 4. Formação e apoio administrativo; 5. Planificação, avaliação e atualização de programas e desenvolvimento social. 17 A problemática das relações entre sexualidade e média emerge em vários dos seus princípios e linhas diretrizes, sendo clara a defesa do papel que os média deveriam assumir na criação de ambientes favoráveis à promoção da saúde sexual, em vez de se constituírem como obstáculos. Relativamente à eficácia das abordagens e dos métodos educativos é claramente explicitado o papel dos média na educação sexual. Nesse sentido, defende‐se que uma educação eficaz em matéria de saúde sexual prevê uma formação em estudo crítico dos média como contributo à desconstrução das mensagens e dos estereótipos sexuais aí dissimulados ou evidentes. No domínio da formação assume‐se a importância das competências dos formadores na promoção de estratégias reflexivas e no desenvolvimento de ferramentas para avaliar os efeitos nefastos dos média. No que respeita à planificação e avaliação de programas, para além de se encorajar o marketing social na promoção da saúde sexual, evidencia‐se a consciencialização do papel dos média na adoção de determinados comportamentos sexuais. As encenações mediáticas induzem expetativas irrealistas sobre os relacionamentos amorosos e o desempenho sexual, na medida em que exercem uma forte influência sobre a perceção que as pessoas têm de si, dos outros e do mundo que as rodeia. A importância da avaliação crítica do impacto dos média na educação em sexualidade requer uma reflexão partilhada sobre o que as crianças e jovens veem, o que entendem e o que leem nas mensagens, estabelecendo simultaneamente relações com as diversas normas e práticas sexuais. No mesmo ano de 2008, o Ministère de L`Éducation Nationale de França publica dois documentos de suporte pedagógico à Educação em Sexualidade intitulados: Guide d’intervention pour les collèges et les lycées e Guide du Formateur. Os média são também aqui mencionados como um poderoso fator de socialização no domínio do género e da sexualidade, enquanto difusores de normas sexuais, condutas e papéis sociais. Nas emissões para crianças e adolescentes, as linguagens, os códigos de vestuário e os universos ficcionais de séries televisivas, campanhas publicitárias, videoclips e desenhos animados orientam fortemente um certo número de valores e de atitudes. A sexualidade é frequentemente apresentada sob uma forma fascinante, iludindo as eventuais consequências do ato sexual. Propõe‐se partir destas imagens e representações para falar de uma sexualidade mais quotidiana, fundada sobre o respeito e a partilha de responsabilidades. Podem assim comparar‐se as implicações dos papéis sexuais propostos nas séries televisas, videoclips ou revistas para adolescentes com a “realidade” dos projetos de vida. Com base nestes pressupostos, apresentam‐se fichas pedagógicas sobre diversos temas, como por exemplo a exploração comercial da sexualidade nas mensagens publicitárias e videoclips, onde a violência e o sexismo têm forte expressão. Partindo destas propostas e de diversos outros documentos produzidos em fóruns internacionais, a 7
Carta de Aveiro , aprovada no I Congresso Internacional de Sexualidade e Educação Sexual, realizado em 7
Carta de Aveiro sobre Sexualidade e Educação Sexual. In Teixeira et al [org.] (2010) pp. 413‐416. 18
Novembro de 2010, na Universidade de Aveiro, apela à promoção da saúde sexual, no respeito pela igualdade de género, multiculturalidade e diversidade, manifestando a importância de uma educação em sexualidade abrangente, cientificamente fundamentada e culturalmente relevante, baseada no respeito pelos Direitos Humanos. Aqui se alerta para a necessidade de regulação da produção de conteúdos veiculados pelos média de modo a evitar a difusão de informações erróneas e degradantes sobre sexualidade e género. Como fica patente, a proposta de conteúdos mínimos de Educação Sexual surgida em 2009, no nosso país, afasta‐se das abordagens mais atuais sobre sexualidade e género, não só pela ausência das problemáticas ligadas à sexualização do espaço público, mas também por outras razões pertinentes, como sejam, a fraca articulação temática, a ausência de uma visão interdisciplinar e a cedência a um olhar ainda algo marcado pelo modelo biomédico da sexualidade. Para preencher estas lacunas, as escolas têm de saber utilizar, no seu quadro de autonomia, os corredores de liberdade de que dispõem para a construção do currículo. Na elaboração do projeto de educação sexual, as comunidades escolares não podem deixar de enfrentar criticamente e criativamente estas realidades. Atendendo à dinâmica dos saberes científico‐pedagógicos, aos desafios dos contextos socioculturais e à matriz ético‐política dos Direitos Humanos, devem desenhar os percursos de aprendizagem que melhor capacitem os jovens para fazerem escolhas informadas, seguras e responsáveis nos seus relacionamentos e na sua vida sexual. Assumindo a abordagem crítica dos média como essencial na educação em sexualidade, temos vindo a desenvolver investigação sobre a hipersexualização das mensagens mediáticas com a finalidade de conceber recursos didáticos para trabalho em sala de aula que sejam úteis ao crescimento saudável de crianças e jovens. Entendemos que é no desenvolvimento de ferramentas críticas capazes de desconstruir os estereótipos sexistas difundidos pelos mediano espaço público que reside um dos maiores desafios para docentes e escolas. Uma outra aposta, que se liga estreitamente à anterior, centra‐se na formação inicial e contínua de professores/as, já que a melhoria das competências científicas, metodológicas e relacionais é crucial nos programas de educação em sexualidade. A introdução de unidades curriculares de Sexualidade em Cursos de 8
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formação de professores/as e a realização de Oficinas de Formação para docentes de todos os níveis de 8
A Escola Superior de Educação de Coimbra tem oferta formativa das seguintes unidades curriculares: Sexualidade e Saúde no Curso de Educação Básica; Sexualidade, Saúde e Envelhecimento do Curso de Gerontologia Social e Sexualidade, Saúde, Cultura e Média no Mestrado em Educação para a Saúde. Os programas e a lecionação destas unidades curriculares são assegurados por F. Teixeira desde 2007. 9
No quadro do projeto Sexualidade e Género no Discurso dos Media, em desenvolvimento no CIDTFF da Universidade de Aveiro, acreditámos junto do CCPFC uma Oficina de Formação sobre Sexualidade e Género nos Media: desafios éticos e educacionais. As sessões têm como suporte guiões didáticos elaborados intencionalmente para uma abordagem crítica dos média em sala de aula, incidindo sobre publicidade, séries televisivas, videojogos, revistas juvenis e campanhas de prevenção da infeção VIH/SIDA. 19 ensino, fazem parte de uma estratégia sustentada de qualificação e desenvolvimento profissional que gostaríamos de ver mais desenvolvida e também alargada à formação básica de todos os profissionais de saúde. Num país com elevadas taxas de violência de género, abuso sexual, gravidez na adolescência, sexo comercial, tráfico de mulheres, adição à pornografia, infeção VIH/SIDA, institucionalização de crianças e jovens, pobreza, exclusão étnica ‐ às quais acresce, quer uma memória histórica saturada de hipocrisia e puritanismo sexual, quer uma reverência provinciana às formas tradicionais da masculinidade ‐ deparamo‐nos a cada passo com fenómenos desexismo, desigualdade de género e intolerância à diversidade sexual. Num tempo de incertezas e de ressurgimento de retrógradas tendências hegemónicas que prescrevem a penitência, a humilhação e a culpa como meio eficaz de regeneração da sociedade, cada vez mais se torna claro que o campo da educação em sexualidade é incómodo e emancipador, primeiro, porque lembra felicidade e prazer e depois, porque exige autenticidade, ética da responsabilidade e pleno respeito pela singularidade de cada ser humano. BIBLIOGRAFIA Diez Gutiérrez, E. J. [dir.] (2004). La diferencia sexual en el análisis de los videojuegos. Madrid: CIDE, Instituto de la Mujer. Fisher, R. M. B. (2002) O dispositivo pedagógico da mídia: modos de educar na (e pela) TV. Educação e Pesquisa, janeiro‐junho, vol. 28, número 1, pp. 151‐162. Universidade de São Paulo, Brasil. Marques, F. M. (2010) Os trajetos da sexualidade entre a esfera pública e a esfera íntima. In Teixeira, F. et al [org.] Sexualidade e Educação Sexual: políticas educativas, investigação epráticas. Braga: Edições CIEd – Centro de Investigação em Educação. Universidade do Minho, pp. 261‐270. Rubio Gil, Á., Martín Pérez, A. M., Mesa Olea, M. J. & Mesa Olea, M. B. (2008).Influencias de las Revistas Juveniles en la Sexualidad de las e los Adolescentes. Madrid: CIDE/Instituto de la Mujer. Sabat, R. (2001). Pedagogia cultural, género e sexualidade. Estudos Feministas, ano 9, nº 1, pp. 9‐21. Sabat, R. (2003). Filmes infantis e a produção performativa da heterossexualidade. Porto Alegre: UFRGS. [Tese de Doutoramento]. Silva, T. T. (2000) Teoria cultural e educação. Um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica. Teixeira, F., Marques, F.M. (2011). A dimensão de género nos recursos educativos digitais de Ciências da Natureza. Cadernos Sacausef, nº 8. Lisboa: MEC/DGIDC, pp 67‐71. Teixeira, F., Marques, F. M., & Martins, I. P. (2008). Sexualidade e género no discurso publicitário: implicações educacionais. Anais [recurso electrónico]: currículo, teoria, métodos/IV Colóquio Luso‐Brasileiro sobre Questões Curriculares e VIII Colóquio sobre Questões Curriculares. Florianópolis: UFSC, FAPESC, 2008. 20
https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=explorer&chrome=true&srcid=0Bzof6gyAaUoMNDQzNzZm
MTEtNjU0ZS00ODM4LTkyN2EtYmQyNDVkNTQwNDNm&hl=en_US Teixeira, F., Marques, F. M., Sá, P., Vilar ‐ Correia, M. R., Couceiro, F., Folhas, D., Portugal, S., Silva, I. V., Cardoso, S., Vilaça, T., Frias, A. & Lopes, P. (2010). Sexualidade e género nas revistas juvenis: o caso da Bravo. In Teixeira et al [org.] Sexualidade e Educação Sexual: Políticas Educativas, Investigação e Práticas, pp. 285‐291. Braga: Edições CIEd ‐ Universidade do Minho. Teixeira, F., Martins, I. P., Ribeiro, P. R. M., Chagas, I., Maia, A. C. B., Vilaça, T., Maia, A. F., Rossi, C. R., & Melo, S. M. M. [org.] (2010). Sexualidade e Educação Sexual: Políticas Educativas, Investigação e Práticas. Braga: Edições CIEd ‐ Universidade do Minho. (Ebook) http://www.fpccsida.org.pt/images/stories/Livro_I_CISES.pdf Zurinaga, M. C. (2001). El Género femenino a través de la publicidad. Madrid: Mujeres jóvenes. 21 22
O SEXO E A ONTOLOGIA DO HUMANO10 Francisco Teixeira, Escola Secundária Francisco de Holanda 1. SEXO, CISÃO E HUMANIDADE O estudo da etimologia é, por vezes, notavelmente esclarecedor das raízes dos problemas, uma vez que nos conduz para momentos originários e experiências fundacionais. Expor o modo originário como as palavras se nos ofereceram pode abrir‐nos caminhos até então perdidos no tempo e nas suas múltiplas criações linguísticas. Por isso, a decisão de partir da análise etimológica da palavra "sexo". A palavra "sexo" deriva do termo latino "seccare". "Seccare" quer dizer dividir, partir, cortar. O que esta etimologia, especificamente, nos quer dizer é que a palavra "sexo" transporta consigo a marca da divisão, do corte, logo, da incompletude. Platão, no "Banquete", alude a esta incompletude, através do mito do andrógino primitivo. Neste diálogo, Platão põe na boca de Aristófanes a construção de um discurso sobre o Amor, a sua origem e a sua natureza. Aristófanes narra‐nos a história de uns seres originários (os seres andróginos), de natureza dupla, com quatro pernas, quatro braços, duas cabeças, dois corações e dois sexos. Eram seres de enorme força, inteligência e orgulho, pelo que decidiram desafiar os deuses na sua autoridade. Os deuses, porém, não podiam suportar a arrogância e o sentido de autonomia de semelhantes seres, pelo que, necessitando embora dos seus serviços e prebendas, decidiram cortá‐los ao meio, de modo a diminuir o seu poder e pôr fim ao seu orgulho. Nesta operação, na qual participou não só Zeus mas também Apolo, seu filho dilecto, "O umbigo que está constantemente abaixo dos seus olhos é a cicatriz dessa vivissecção constitutiva" (Brun, 1994: 174). Desde então, diz‐nos Aristófanes, "cada uma das partes, lamentando a outra metade, foi à procura dela e, abraçando‐se e enlaçando‐se umas às outras, no desejo de se fundirem numa só, iam morrendo de fome por inacção, pois nada queriam fazer, umas sem as outras. Quando morria uma metade e a outra sobrevivia, esta procurava logo outra e enlaçava‐se nela, quer fosse metade‐mulher (o que hoje se chama uma mulher), quer fosse metade‐homem e, deste modo, a raça ia‐se extinguindo. Se o amplexo tivesse lugar entre um homem e uma mulher, estes conceberiam para perpetuar a raça e, se tivesse lugar entre dois homens, sobrevinha a saciedade e, depois disso, entregar‐se‐iam ao trabalho e proveriam às necessidades da existência. A partir deste 10
Comunicação apresentada no “II Congresso Internacional de Pedagogia – Sexualidade e Educação para a a Felicidade”, Faculdade de Filosofia da UCP – Braga. 23 momento aparece o amor inato que os seres têm uns pelos outros. O amor tende a reencontrar a antiga natureza, esforça‐se por se fundir num só, e por sarar a natureza humana. Cada um de nós é, por isso, como uma téssera, pois fomos cortados em dois, como o linguado e, de um só, ficaram duas metades. Assim, cada umprocura a metade que lhe corresponde" (Platão, 1968: 66‐67). Estranho étimo e estranho mito! Ambos nos indiciam de modo muito claro que a nossa natureza de seres humanos é uma natureza truncada, partida. Que a plenitude humana e sexual é não só impossível como, mais estranho ainda, é em virtude desse corte, dessa perda primordial, que a humanidade, e a sexualidade nela, se constitui. A Humanidade e a sexualidade são, pois, essencialmente incompletas, imperfeitas e em construção, sem que, porém, se vislumbre qualquer fim para esse constante progredir. O que esta etimologia e este belíssimo mito nos dizem é que não só não há um lugar fixo (e correcto) para o que é sexualmente natural, como também não o há para o que é humano, se aceitarmos que a sexualidade é constitutiva do humano e, mais que isso, que a sexualidade é um sinal do modo constitutivo de ser humano. Este corte, este seccare, que se transmuta com o tempo em sexuar e em sexo, está pois na origem do que nos faz Humanos, homens e mulheres, permanentemente divididos e incompletos, procurando a nossa "cara‐metade", dispersa e confundida entre inumeráveis outras caras metade igualmente perdidas e misturadas. No entanto, o que é próprio desta busca é que ela é uma busca agónica, no sentido em que não se pode não buscar e não se pode senão ser frustrado nos seus resultados. Sem liberdade de procura (e de invenção dos caminhos da procura), não há, pois, sexualidade normal (não patológica) e, bem entendido, humanidade, já que a ausência de liberdade impediria o movimento para a completude que toda a sexualidade acarreta. E esse movimento para a completude é o desejo, pelo que é o desejo que instaura a liberdade, que é uma tensão de procura, de complemento para aquilo que é por natureza incompleto. O desejo, enquanto tensão de procura, instancia a liberdade, o que nos permite concluir que, afinal, é porque somos essencialmente cindidos e incompletos que somos livres, isto é, que a liberdade deriva da imperfeição e a completude significa não tanto o saciar do desejo quanto o fim do humano. O humano só existirá, assim, enquanto tensão trágica de si, sem o que será outra coisa mas não ser humano, enquanto agonia e sentimento trágico de existir, no sentido em que o homem é projecto irrealizável e que é nessa irrealização que se é humano. A estrutura do desejo é especialmente adequada, assim sendo, à estrutura do humano. O desejo é do domínio daquilo que se sente como uma ausência, a presença de ausência, uma falta que nos constitui e nos lança no infinito da indeterminação desejante. 24
No entanto, mesmo o desejo está limitado pela geografia de onde parte, isto é, mesmo o desejo parte de uma configuração prévia, de uma tradição desejante que, de modo amplo embora, estipula as suas possibilidades, o que é o mesmo que dizer que não há liberdade absoluta. No entanto, a razão pela qual não há liberdade absoluta não é a de que a nossa vontade seja estruturalmente limitada pela transcendência, seja a transcendência do real ou a transcendência divina. Tal coisa não faria sentido. A limitação da nossa liberdade advém do facto de toda a procura livre, de todo o desejo, partir de um local de procura e, portanto, ser constrangida por esse ponto de partida. Mesmo em liberdade somos obrigados a partir de um sítio qualquer. Ora, esse local de procura, essa topografia, é a condição limite da nossa liberdade. Mas esse sítio, bem entendido, não é um sítio puro (para lá do tempo e do espaço) de onde a procura, o desejo, o impulso da liberdade parta. Todo o contexto, todo o sítio, por ser no tempo, é já construído e em construção, nomeadamente pela educação, através da transmissão de valores básicos e, mais fundamentalmente, de emoções básicas que modelam as nossas relações com o mundo e com os outros corpos. Entenda‐se, porém, que estes valores, muito em particular, e muito mais que as emoções básicas que nos configuram, têm a natureza de um barco que, em pleno alto mar, como na imagem de Neurath, vê, paulatinamente, cada prancha do casco ser substituída até ao ponto de o barco de partida não ser já o barco de chegada. Supor que é possível determinar um lugar natural que cumpriria a cada um realizar no seu desenvolvimento humano/sexual é não só um erro e uma estultícia científica e moral, como uma cegueira antropológica e ontológica. É, pois, na determinação do local de partida que entra a educação e, particularmente, a educação sexual. Determinar a forma desse sítio inicial, as lógicas e modulações emocionais a realizar pela educação, é o grande problema do educador. Assim, as premissas, ou a topografia deste local da partida, da educação sexual em particular e da educação humana em geral, se partirmos daquele mito e daquela etimologia, só podem ser as da natureza sexuada do ser humano, da ausência de natureza sexual, da liberdade e da contextualização necessária: a) Quanto à natureza sexuada do humano, as coisas funcionam assim porque, como vimos, o desejo é a estrutura essencial do ser humano e porque o corpo humano é um órgão de desejo e de expressão física e mental integral (nos gestos, nos tons, nos olhares, nas palavras, todos vinculados a apegos físicos originários); b) Quanto à ausência de natureza sexual, as coisas funcionam assim porque a sexualidade é uma deriva e uma construção, tal como o barco de Neurath, e não um já aí fisiologicamente reducionista e abjecto, como a genitalidade e a animalidade inumana; c) Quanto à liberdade, as coisas funcionam assim porque a liberdade é produzida pelo desejo e porque sem liberdade não há procura nem criação autênticas, mas apenas reconhecimento de um já aí prévio, inumano, sem qualquer espaço, se quer, para a responsabilidade; 25 d) Quanto à contextualização necessária, as coisas funcionam assim porque toda a construção e toda a deriva necessita de um bornal de base que assegure um sentido prévio (não necessariamente ético‐moral, mas sobretudo emocional) sem o qual nenhum sentido posterior é possível. Ora, acontece que nada disto é do domínio do biológico ou do patológico, dos domínios da medicina, de certa psicologia ou da emancipação sexual, que é por onde muitos querem encaminhar, ou por onde querem perspectivar, a educação sexual. É, bem pelo contrário, do domínio do auto‐edificatório, ou, se quisermos, do domínio do dialógico/reflexivo. 2. A EDUCAÇÃO SEXUAL PERSPECTIVADA COMO DO DOMÍNIO DO BIOLÓGICO A perspectivação da educação sexual pelo lado da biologia parte do princípio de que a sexualidade humana se pode reduzir a um domínio biológico, sanitário, médico ou reprodutivo. Trata‐se, nestas circunstâncias, de reduzir a sexualidade a uma perspectiva mecanicista, em que o corpo é visto como uma matéria a habitar pelas ideologias de dominação, de que a medicina e certa psicologia são dois exemplos primordiais, e de que uma bem conhecida moral repressiva foi, no passado, o principal expoente. Deste ponto de vista, o sujeito é expulso do corpo, que, por sua vez, passa a ser dominadopor uma carne puramente física, por sua vez habitada por terceiros, que o definem e instituem deste e daquele modos. É, basicamente, a perspectiva cartesiana/platónica, para quem o corpo é o habitáculo da alma, sendo que a violentação do corpo não compromete a violentação da alma. A perspectiva biológica, ou biologicista, é a perspectiva de que a sexualidade é uma coisa natural, tal como a humanidade seria uma coisa natural, predeterminada, realizada já antes de ser realizada, competindo ao homem apenas a descoberta ou o caminho de um auto‐reconhecimento. Mas se a humanidade é alguma coisa é um auto‐desconhecimento, um desconhecer‐se a si próprio enquanto desreificação, já que o humano é incompletude por definição, um sendo e não um ser. A perspectiva biológica é também, regra geral, a perspectiva daqueles que são contra a educação sexual na escola (ainda que a sua "educação biológica" seja já uma educação sexual). Ao fazerem do corpo e do discurso sobre o corpo algo de meramente mecânico e naturalístico ou, em alternativa, moralístico e repressivo, supõem desse modo obstar à reflexividade sexual e aos seus frutos, que, amiúde, sugerem ser capaz de libertar de uma Caixa de Pandora todos os monstros que os atormentam, ao seu corpo e ao seu poder. Reduzir a sexualidade à biologia é tapar com esqueletos, diagramas, funções e restrições mecânicas ou moralísticas, a possibilidade de a biologia se autodeterminar, pelo menos dos limites do seu ponto de partida, quer dizer, do seu contexto, até à mais alta espiritualidade; é, no fundo, impedir a espiritualização do corpo através da mais profunda e reaccionária corporalização do espírito sexual que nos habita. 26
3. A EDUCAÇÃO SEXUAL PERSPECTIVADA COMO DO DOMÍNIO DO PATOLÓGICO/PSICOLÓGICO Outra perspectiva é aquela que supõe ser a educação sexual do domínio do psicológico. O que aqui está em causa é a perspectiva pela qual a sexualidade se configura num abismo de relações pulsionais irracionais, ameaçadoras, dissolutoras da ordem social estabelecida, que convém enquadrar e modelar (um certo freudismo pode bem estar na origem desta concepção). É bem certo que há no corpo uma dimensão de absoluta indecisão, de absoluta cisão, que o étimo e o mito nos mostram. Ora, é esta cisão que assusta, que, tomada como uma espécie de pecado original, exige um renascimento e uma recomposição, que a psicologia seria capaz de, como ciência dessa cisão, providenciar. No entanto, não só esta cisão não constitui uma ameaça como, pelo contrário, é condição de possibilidade da própria liberdade, não constituindo um pecado que nos constrange, mas antes uma virtualidade, uma promessa, ou, se quisermos, constituindo um pecado que, ao invés de nos perder, nos salva. A verdade é que esta promessa, porque é uma potência pura e não um acto, porque, tanto como alegria, também inspira medo do futuro, cria a oportunidade para que uns tantos aproveitem esse horror e esse medo para fazer do corpo uma oportunidade de poder. O enquadramento psicológico (enquanto suposta tecnologia daquela cisão fundamental) da sexualidade pode entender‐se como o desejo de contenção de uma pulsão tida como patológica, exorbitante, que se estabelece na pura potência da cisão originária. Deste ponto de vista, a Psicologia teria os meios e a tradição necessários para aceder a esse lugar de phatos, a essa disfunção originária incapaz de se ater ao leito daquilo que o poder dominante entende como "natural". É no divã psicanalítico e no cognitivismo que se configura o normal e anormal, o natural e antinatura; é ali que se institui o sítio certo do corpo, já que é a partir de certa psicologia e das tecnologias de que ela dispõe que o lugar natural é escrutinado e, claro está, instituído. Não que uma outra certa psicologia, mais dada à narratividade e ao construtivismo, não pudesse ajudar a dobrar o corpo sobre si mesmo, de modo a que o olhar múltiplas vezes re‐flectido permitisse instituir uma sexualidade em progresso. Acontece que os mitos do poder da psicologia, mais que aos próprios profissionais, é aos utentes e clientes que contagia, ainda deslumbrados (e portanto cegos) pela ideia de um lugar natural para o corpo que evitasse o esforço (e a angústia) da re‐flexão permanente e do ser pura potencialidade. É esta exigência de lugar natural, de contenção tecnológica do phatos, projectada por certa psicologia no senso comum, que faz dela, enquanto disciplina, inconveniente para a educação sexual, enquanto espaço de liberdade e reflexividade. 4. A EDUCAÇÃO SEXUAL PERSPECTIVADA COMO DO DOMÍNIO DO PAN‐ERÓTICO Muito menos faz sentido uma educação sexual pan‐erótica, espécie de viagra dialéctico. A erotização da vida contemporânea não necessita de novos estimulantes. Pelo contrário, necessita de espaços de reinvenção interior, de instrumentos de desestruturação do pan‐erotismo dominante, que só pode passar pela 27 devolução da sexualidade ao irredutível individual, ao projecto de vida para lá dos estereótipos que raptam a cada um o essencial da sua individualidade e o põe ao dispor dos poderes dominantes. É bem certo que face à alienação consumista e erótica dominante pode parecer atraente uma nova erotização, desalienadora. O problema deste modelo é, porém, o problema de todas as derivas desalienadoras. É que não se sabe quem nos pode desalienar dos desalienadores. Não se sabe (embora se suspeite) se a desalienação não é mais que a substituição de um domínio por outro, dito vanguardista, ao abrigo da alienação e, por isso, dito puro. Acontece que toda a pureza é merecedora de suspeição de irreflexividade, princípio sob o qual não há desalienação possível. A salvação é sempre perigosa. Sobretudo se são outros a salvar‐nos. Ser salvo por terceiros significa ser‐se determinado, configurado pelo salvador. 5. A EDUCAÇÃO SEXUAL PERSPECTIVADA COMO DO DOMÍNIO DO DIALÓGICO/REFLEXIVO A minha proposta é a de um modelo auto‐edificatório ou dialógico/reflexivo. Como alternativa à emancipação proponho a construção. Uma das diferenças entre uma coisa e outra é que a emancipação resulta de uma alienação no outro, enquanto a construção aposta tudo na liberdade e, logo, no desejo que a motiva. Para sermos mais rigorosos, poderíamos falar de uma emancipação própria como alternativa a uma emancipação alheia. Assim, a educação sexual deveria ser espaço de auto‐emancipação, de auto‐construção, do auto‐edificatório como, aliás, deveria ser a educação em geral. Está mostrado que não é por se dar mais informação que se diminui o número de gravidezes entre as adolescentes ou, simplesmente, a iniciação sexual precoce11. A informação burocratizada, as técnicas, os métodos, a biologia, as doenças, as patologias, de nada servem se não forem, por um lado, postas à disposição de uma narrativa pessoal, de um projecto individual e, por outro, se não forem o resultado de uma investigação pessoal, reflexiva. Numa altura em que a escola manifesta profundos e claros sinais de atraso, ou falência, face à sociedade, a educação sexual pode ajudar a encantar a escola, a fazer dela um espaço de auto‐produtividade e de auto‐criação, se se fizer da educação sexual um espaço de pensamento, de diálogo e de criação. Ora, sabe‐
se bem como a criação tem dificuldade em lidar com o poder e, pelo contrário, exige de si própria que, num espaço da auto‐disciplina, se emancipe da vulgaridade, da alienação, da repetição ...e dos emancipadores. Mas esta emancipação de que agora falo não é a emancipação vanguardista, jacobina ou, pior ainda, reaccionária, dadora da sexualidade verdadeira, seja lá o que isso for, para lá de todo o erotismo alienante. É uma emancipação que assume o cruzamento de mim com o mundo, mas que faz do mundo um espaço de 11
KORNBLIT et all, 1996: pp. 245‐262. Este estudo (com uma amostra de estudantes entre os 15 e os 20 anos) mostra que a informação sobre condutas contraceptivas e preventivas relativamente a doenças sexualmente transmissíveis, ainda que sendo assimilada intelectualmente, muitas vezes não produz mudanças nos comportamentos sexuais de risco. 28
habitação e não do si mesmo um espaço de habitação do mundo. É uma emancipação que sugere a cada jovem e a cada ser humano a necessidade de se dobrar sobre si próprio e sobre o mundo de um modo contínuo e exaustivo, mas alegre e irónico, consciente da natureza contingente da sua natureza e das possibilidades que essa contingência lhe abre (embora também dos riscos). Falar de educação sexual, assim, é falar do mundo que me estimula e me determina, de modo a resistir‐lhe e a determiná‐lo. É falar da publicidade, da moda, da história das religiões, do discurso político, da poesia, do romance, da filosofia, da mitologia, dos sistemas de poderes. É ver como pode um homem ser o que é neste cruzamento de cruzamentos; como pode ser um ponto numa rede de relações, constantemente reconstruídas. Ora, resumir tudo isto ou aos genitais, ou à contracepção, ou às disfunções sexuais, ou ao beatismo dos bons sentimentos morais (seja lá isso o que seja), inconsciente ou cego à pulsão/tensão criativa de si que a sexualidade instaura, é não querer as pessoas educadas mas antes ocupadas, como se ocupa um território numa batalha e se assegura o seu controle. 6. EDUCAÇÃO SEXUAL E CURRÍCULO O problema de um modelo deste tipo, está bom de ver, é que não é compatível com um sistema de valores esmagante e refulgente, que conduza e oriente o currículo de modo mecânico e em linha recta, da ignorância ao saber. Outro problema é o do perfil dos educadores. Assim sendo, o currículo da educação sexual não pode ser um currículo clássico, feito de problemas e soluções pré‐estabelecidos ou feitos à medida de ideologias dominantes. Pelo contrário, os problemas devem ser dominantes e as soluções devem ser apenas formais, isto é, dizendo apenas respeito às formas de investigação, de diálogo e de argumentação. Nada disto impede, naturalmente, que os formadores possam e devam ter opiniões e posições sobre os vários problemas e perspectivas relativas ao humano e ao humano sexuado em particular. Mas essas opiniões devem derivar de uma reflexividade exaustiva, tanto quanto possível isenta de preconceitos não conscientes, muito menos obstinados. A sexualidade, problematizada, deve ser vista como um motivo de alegria e da natureza (já que há nela uma pulsão de anulação da distinção entre o homem e o mundo), embora não redutivamente natural, nem vulgar. Os problemas devem ser vistos como problemas humanos, não como desumanos, no sentido em que sobredeterminam o humano, já que a sexualidade é, pese embora a negação das evidências, algo de banalmente humano, pelo menos no sentido em que o humano é algo banal. É algo que existe incrustado no corpo, configurando‐o. Ora, sendo assim, é preciso tratar a sexualidade com a normalidade do que é integralmente humano e temporal e não do que nos liga ao sobre‐humano ou ao infra‐humano. Percebe‐se que alguns tratem desse modo a sexualidade. Isso parece ter a ver directamente com a incapacidade de encontrar o humano em si, dada naquela cisão estruturante, projectando‐se então em qualquer sobredeterminação. Mas a sexualidade é 29 humana. Pelo que o currículo deve ser tratado com a importância da importância da sexualidade, mas sem moralizações humanamente sobredeterminadas. E, claro, o currículo dos problemas deve ser interdisciplinar, fazendo justiça à natureza global do problema, aproveitando para permeabilizar a escola à sociedade, às suas competências e problemas, evitando todos os reducionismos descritos acima (embora, no caso, os reducionismos psicológico e médico, bem como um certo nível de erotização pedagógica posam ser úteis estratégias e motivos de reflexividade). 7. O PERFIL DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO SEXUAL O problema do perfil dos educadores da Educação Sexual é igualmente relevante. Os professores são diversos nas suas relações com o seu próprio corpo, quanto mais com o corpo alheio. Por isso, não pode ser deixado ao voluntarismo individual o tratamento do assunto, já que isso seria correr o risco de instituir uma feérica subjectividade (no caso, dos professores) como regra, como o valor. Por isso é que a solução actual, que é a da transversalidade da educação sexual, é uma muito má solução, correndo‐se o risco muito provável de fazer da escola um campo de batalha entre concepções contraditórias, susceptíveis de produzirem nos jovens uma sensação de caoticidade. A educação sexual exige um altíssimo nível de reflexividade dos docentes, preparação teórica e experiência pedagógica (centrada numa finíssima inteligência analógica e não meramente proposicional) e uma elevada capacidade de diálogo interdisciplinar. Manifestamente, este não é um assunto quer para o autodidactismo voluntarista, quer para a tecnologia médica, se aferirmos a capacidade de um e outro lidarem com os problemas da cultura, da imaginação, da mitologia e da história, imbricados na sexualidade. Sobretudo, não é possível pôrprofessores a lidar com a educação sexual que façam da sua docência um acto irreflexo ou da sexualidade um exercício de ruborização, de medo (que não de impudor) ou de moralização. 8. A EDUCAÇÃO SEXUAL E A FAMÍLIA Há ainda a relação da educação sexual, na escola, com a família. Primeiro, há que explicar à família que a escola já dá educação sexual aos seus filhos. Que, porém, essa é uma educação sexual feita de silêncios, de interditos, de entrevistos, de exemplos, de rubores, maledicências e discriminações. A educação não formal é hoje, certamente, mais importante que a educação formal. Mas, disto isto, as famílias tem que ser parceiras de contrato. Não faria sentido retirar à família a participação na educação e na modulação do corpo dos filhos (que mais não é que a modulação do espírito). Trata‐se, simplesmente, de nos apercebermos de que não é desejável educar os filhos contra os pais (embora seja possível e, por vezes, tentador) e que, por isso, é necessário introduzi‐los, de algum modo concreto, aos pais, no processo de reflexividade pedagógica. Mas, para dizer a verdade, esta tensão não é diferente das 30
outras tensões envolvendo outras componentes do currículo e, portanto, quando falamos da relação da educação sexual, na escola, com a família, estamos a falar, no essencial, do magno problema da relação, em geral, da escola com a família. A sexualidade pode ser um domínio mais conspícuo da actividade pedagógica das escolas. Mas, que fique claro, há outros domínios igualmente conspícuos em que o conflito existe e não pode deixar de existir. A escola não pode ser apenas a média dos valores das famílias. Dada a natureza massificante e diversa das comunidades escolares, já não é possível pensar numa média moral para o ensino, da sexualidade ou do que quer que seja. Por isso é que a educação sexual é um risco (mas o que não o será?). Sócrates morreu acusado pelas famílias (e pela Democracia) de corromper a juventude. E esse é sempre o risco de ser professor. Reflectir implica sempre o risco da destruição, da desconstrução (mesmo que o termo soe pós‐moderno). A sexualidade, assuma‐se isso, é um espaço de desconstrução e, claro, da reconstrução identitária. E não me parece que quer a escola, quer a família estejam a ajudar especialmente esses processos. É altura de a família assumir as suas responsabilidades e, enquanto não o faz, deixar que a escola assuma as suas. Contratualizando, claro; conversando, claro; cruzando‐se, claro, mas não pedindo à escola que eduque sexualmente os seus jovens através de não ditos, de silêncios, quando muito de interjeições, ou de esquemas maquinísticos, ou de fantasmas patológicos, quando o domínio da escola é o domínio da palavra e da reflexão, da educação formal, da interpretação e da criação, mesmo que sob o risco da cicuta, um risco sempre à mão, mas que dá à docência todo o seu valor, já que a responsabilidade do professor e o seu compromisso não é, primacialmente, para com a família dos seus alunos mas, antes e decisivamente, para com esses alunos e pessoas concretas com que depara todos os dias. Por último, aquilo que se espera da família, em termos educativos, não é o mesmo que se espera da escola. A família é o domínio da educação e da reprodução etnocêntrica e doméstica, da construção de uma moral enquanto reduto de um particularismo emocional e ideológico. Já a escola visa mais alto. A escola visa uma ética universal, um espaço de reconhecimento, de construção e de respeito do humano que seja capaz de unir todas as famílias, uma ética universal onde o humano possa refulgir em todas as suas fragrâncias e não apenas na fragrância particular de cada lar. Se a família educa para um projecto particular de vida, a escola educa para um projecto de vida universal, em que os alunos sejam capazes de construir, a partir do seu lugar doméstico, uma relação maximamente humana com todos os homens, de todas as circunstâncias. Assim sendo, a família não pode aspirar a que a escola, pelo menos a escola pública, seja uma espécie de alter‐
família, da sua alter‐família, uma família em ponto grande, em que é o olhar dos pais o lugar natural da configuração dos filhos. A escola pública, pelo contrário, procura dar aos filhos um outro horizonte de vida que amplie o seu ponto de partida e que permita a sua livre auto‐edificação, até à completa auto‐edificação humana e filial. Querer fazer da escola pública um contínuo da família é não perceber o que visa a educação ou querer transformar a escola pública numa escola privada, com um ethos determinado e, quantas vezes, 31 determinístico, que não passa, legitimamente, aliás, de uma extensão da própria família e do espaço doméstico próprio. 9. A EDUCAÇÃO SEXUAL E AS DIRECÇÕES ESCOLARES Claro, bem mais difíceis que as famílias são os órgãos de gestão das escolas. Amedrontados, encolhidos, cheios de movimentos tácticos, porque suspeitam que a educação sexual pode ganhar um lugar no imaginário dos jovens, que os poderes podem ser assaltados, as muralhas derrubadas, é frequente serem os órgãos de direcção das escolas a fazer de Velhos do Restelo. Claro que existem, para além destes, alguns, mesmo dentro da escola, que não suportam a autonomia de professores e dos alunos, os que fazem de ensinar e aprender a procura do lugar natural, da posição certa, como se o universo tivesse um centro que não convém descentrar. É que o medo da educação sexual, não da educação biológica, patológica ou erótica, mas sexual, é basicamente o medo da destruição desse lugar natural, da ideia de essência, da ideia de que o homem e a mulher têm lugares determinados e que, nessa voragem de descentração, também os lugares determinados da escola e da sociedade possam ser postos em causa. São estes, regra geral, os que fazem do argumento da transversalidade, o argumento decisivo para (não)fazer educação sexual na escola. Não que seja impossível fazer uma integração horizontal dos currículos no que neles diga respeito à educação sexual. No entanto, não deve ser essa integração o eixo estruturante do modelo, uma vez que essa transversalidade significa lidar com um número de variáveis impossíveis de coordenar, de harmonizar e, naturalmente, de responsabilizar. Não tenhamos ilusões. A transversalidade é sempre o argumento daqueles que não querem educação sexual nas escolas. Daqueles que querem diluir a sexualidade nos interstícios dos programas, dos seus ritmos impossíveis, das suas exigências avaliativas. De facto, pode dizer‐se que aquilo que no presente se manifesta é essa malfadada transversalidade, na qual a sexualidade podia e devia ser abordada em Português a propósito da poesia e do romance; em Filosofia a propósito de Platão e Descartes; em Artes a propósito da evidência; em Administração Pública a propósito da gestão médica; em Relações Públicas a propósito dos materiais. No entanto, não só nada disto é feito, como, pelo contrário, a sexualidade é (quase) constantemente diferida para o silêncio e para o medo: dos professores, dos alunos e dos pais. Apostar na transversalidade é matar a educação sexual na escola. É deixá‐la ao dispor dos poderes do costume. Dos antigos e dos novos. É também, e sobretudo, matar o encanto da descoberta do corpo, que é uma descoberta e uma invenção do espírito. Terminemos ainda com o mito e a etimologia. Num como noutro, também no processo mesmo da instituição da educação sexual na escola, o que é necessário é um seccare, um corte, uma cisão que dê à escola algum encanto, algum pretexto para que se possa fazer dela alguma coisa de jeito. 32
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A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES(AS) NO BRASIL E EM PORTUGAL: REFLEXÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO SEXUAL NAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES12 Célia Rossi,Departamento de Educação ‐ IB ‐ Rio Claro/ SP; Dilma Lucy de Freitas,IEUL; Isabel Chagas, IEUL INTRODUÇÃO A formação continuada, neste momento, está na pauta de discussão na maioria dos países da Europa, da América do Norte e da América do Sul. Isto porque os desafios de uma sociedade em contínuo processo de mudanças apresentam novas exigências trazendo um movimento de formação continuada que atinge empresas, indústrias, autarquias, órgãos governamentais e também as instituições escolares. Frente a estes novos desafios, os currículos escolares estão sofrendo grandes transformações, sendo alguns conhecimentos ultrapassados, outros reformulados e novos conhecimentos são constantemente incorporados. E, neste movimento de superação e de adequação dos novos conhecimentos, há, por parte da escola em geral, algumas resistências a estas mudanças. Especialmente quando elas se relacionam com aspectos polémicos, como é o caso dos temas ligados à sexualidade, à educação sexual e às relações de gênero que, até há bem pouco tempo, eram mesmo negados dentro do espaço escolar. Entendemos que muitas das dificuldades relacionadas com a inclusão destes temas dentro da escola têm sua origem na formação inicial dos(as) professores(as). Isto porque, tanto no Brasil quanto em Portugal, a maioria das Universidades que os(as) formam ainda resiste à inclusão, nos seus currículos oficiais, das temáticas referentes às questões anteriormente mencionadas. Razão pela qual fica por conta da formação continuada a responsabilidade de preencher esta lacuna deixada na formação inicial. Neste sentido, este texto tem como objetivo problematizar a formação inicial dos(as) professores(as) em relação à educação sexual e refletir o papel que a formação continuada de professores(as), no Brasil e em Portugal, vem desempenhando. Este texto fará um recorte da formação continuada em educação sexual nestes dois países de língua portuguesa, porém enfatizamos que a maioria dos países no mundo tem buscado transformações neste âmbito. Entretanto, aqui, pontuar‐se‐á Portugal e Brasil por serem países que estão buscando alternativas relevantes para a diminuição da gravidez não planejada entre adolescentes, o risco de contaminação pelas doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens, menos violência na escola, menos preconceito e respeito às diversidades sexuais, situaçõesestas tão emergentes nestes dois países. 12
Comunicação feita no Seminário “CAMINHOS PARA O FUTURO”, 17 de março de 2012, Fórum Cultural de Alcochete. 35 REFLETINDO SOBRE A CAMINHADA DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA: PORTUGAL E BRASIL A partir da análise dos currículos de formação inicial de dezasseis Escolas Superiores de Educação (ESES) de Portugal, constatou‐se que em apenas cinco delas o tema da educação sexual apareceu. E, mesmo assim, diluído dentro da educação para a saúde, áreaesta em que a educação sexual em Portugal está afeta. Sem nos aprofundarmos na formação inicial de professores(as), pois este não é o foco principal deste texto, podemos afirmar com certa segurança que, em Portugal, a maioria das instituições que formam professores(as) e educadores(as) de infância não incluem em seus currículos formais a discussão das temáticas ligadas à sexualidade, à educação sexual e às relações de género. Consequentemente, a maioria destes(as) profissionais sente‐se insegura para realizar um trabalho intencional de educação sexual na escola, numa perspectiva histórica e cultural, conforme temos vindo a constatar nas formações que temos ministrado. No Brasil, apesar de haver também uma grande desfasagem na inclusão das temáticas ligadas à educação sexual nos currículos oficiais da maioria das instituições de formação inicial de professores(as), aponta‐se que tal temática passa por momentos de profundas reflexões e alterações. Apela‐se, então, como em Portugal, para a formação continuada aos professores(as) do 1º ciclo, que acabam por levar para a instituição escolar conhecimentos ligados a temas que, até há pouco tempo, causava estranhamento e censura por parte destes(as) mesmos(as) professores(as) que, apoiados pelas famílias, entendiam que sexualidade, a educação sexual e as relações de gênero deveriam ser tratadas somente em casa ou na rua e nunca nas escolas. Mas, por meio da formação continuada foi possível iniciar a fomentação e a discussão em todos os níveis das unidades escolares, assim como nas secretarias e entidades de diferentes níveis (municipal, estadual e federal), criando grupos permanentes de estudos, retroalimentados pelos(as) professores(as) do 1º ciclo. As políticas públicas, juntamente com as universidades públicas do Brasil, estão iniciando estratégias de formação do(a) professor(a) investigador, dentro de uma perspectiva pós‐moderna de educação, de autoria, de leitura crítica e problematização. Neste sentido, o aproveitamento dos diferentes recursos pedagógicos, dos diferentes médias, das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC são instrumentos importantes, para inserção de novas práxis quotidianas de sala de aula a respeito das temáticas da sexualidade e relações de género, diversidade, raça e étnia, pouco discutidas na escola. Consideramos importante destacar que, em muitos casos, os assuntos relativos à sexualidade e relações de gênero, quando discutidos na escola, “entram” por um viés de caráter religioso, com cunho moralista; pelos média, com um cunho mercantilista ou ainda através da disciplina de ciências e biologia, com cunho meramente biológico, sem considerar as questões sociais, políticas, históricas, culturais que envolvem a sexualidade e a educação sexual. Portanto, no Brasil, a formação inicial e a continuada estão possibilitando problematizações ao futuro(a) professor(a), bem como para o(a) professor(a) que já está na escola, formando uma rede social de estudos, proposições, discussões, com leituras e criações significativas e contextualizadas de atividades instigantes para os(as) alunos(as) de diferentes níveis escolares. 36
Em Portugal, a questão da formação continuada iniciou‐se há 20 anos. A sua criação regulamentada deu‐se no primeiro regime jurídico da formação contínua de professores, publicado a 9 de novembro de 1992, através do Decreto‐Lei n.º 249/92. Desde este momento, foram muitas as ações de formação promovidas por distintas entidades formadoras, nomeadamente as Instituições de Ensino Superior, Associações profissionais ou científicas, Serviços de Administração Central e Regional de Educação e Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE). As características que marcaram esta caminhada foram variadas e não cabe aqui ressaltá‐las. Gostaríamos, entretanto, de nos referir ao tipo de oferta de formação continuada que é oferecida aos professores(as), por considerarmos ser este um ponto importante para reflexão. Para o professor Antônio Canhão, diretor de um dos CFAE, as entidades formadoras acabaram por “criar listas de ações para apresentação aos CFAE, passando de seguida à implementação de planos de extensão nacional, junto de todos os professores, praticando estes a sua escolha a partir de um “menu” pronto a usar”. Porém, segundo nossas experiências e contatos com os(as) professores(as) enquanto formadora e professora desta disciplina no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IEUL), neste “menu”, a questão da educação sexual é ainda pouco priorizada. Isto, apesar de haver em Portugal uma legislação que legitima e que regulamenta o trabalho intencional de educação sexual na escola, quais sejam: a Lei nº 60/2009 de 06 de Agosto e a Portaria 196/2010, de 9 de abril. Nas ações de formação que já ocorreram em Portugal, foram muitos os depoimentos trazidos pelos(as) professores(as), (para não dizer em quase cem por cento deles) manifestando a sua insatisfação com o fato de haver uma legislação que os “obriga” a trabalhar com temáticas para as quais não se sentem preparados(as). Não há, por parte do Governo, um investimento real na formação dos(as) professores(as) nesta área. São poucas as formações oferecidas e, as poucas que acontecem, na sua maioria, estão voltadas para questões de ordem biológica ou higiênico‐sanitária, como já falamos anteriormente e como coloca Nápoles (2002, p. 3): “Na sociedade portuguesa, os documentos oficiais apresentam orientações que têm por base, essencialmente, a perspectiva personalista. Contudo, a tendência, na prática, tendo em conta as actuais condições de integração da Educação Sexual na escola, é a restrição à higiénico sanitária, considerando que, de entre os poucos professores que procuram abordar temas relativos à sexualidade, a grande maioria acaba por ficar restrito à anátomo‐fisiologia humana, às doenças sexualmente transmissíveis e ao planeamento familiar”. A perspectiva personalista, segundo Nápoles (ibidem), é aquela que “tem como objetivo principal o desenvolvimento de uma sexualidade construída e amadurecida no sentido psicológico, ético e espiritual”. Nesta perspectiva de trabalho, a educação sexual poderá efetivamente contribuir para superar mitos, tabus e preconceitos relacionados com a sexualidade. Entretanto, parece‐nos que, tendo sido a maioria dos(as) 37 professores(as) educados numa cultura repressora do sexo e tido poucas oportunidades de refletir sobre as questões que envolvem a sexualidade e a educação sexual numa perspectiva personalista, temos como consequência a perpetuação dos tabus e preconceitos e a tendência dos(as) professores(as) em fugir de um tema para o qual não foram e não se sentem preparados para discutir. Já no Brasil, a formação continuada em educação sexual aparece por ter uma demanda nas várias instituições escolares do país. Tem como prioridade e necessidade de discutir, entender e enfrentar a homofobia, o sexismo, a violência, o preconceito, o bullyng entre as relações de gênero, que tanto se manifestam nas escolas, apoiadas pela construção que a sociedade tem exigido com referência a estas temáticas, devido à grande violência que o país atravessa. Evidencia‐se no Brasil a formação continuada em educação sexual e relações de gênero e se introduz pouco a pouco temas ligados à sexualidade nos cursos de licenciaturas, para que o(a) futuro(a) professor(a) possa mediar por meio de outras propostas de ensino e aprendizagem, maneiras de atuar na escola, gerando possibilidades de lidar com a heterogeneidade, com a diversidade e com a diferença sexual na sala de aula. Sabemos que o tema da educação sexual e relações de gênero nas várias instituições escolares tem encontrado resistência de inserção nos currículos escolares e, segundo Camargo e Ribeiro (2003), ainda hoje, abordar tais temas é considerado como algo insalubre, já que poderia estimular precocemente a descoberta da sexualidade em crianças e adolescentes de forma errónea. Diferentemente de Portugal que possui uma legislação sobre a obrigatoriedade da educação sexual na escola, no Brasil, essa temática tem garantido sua inserção nos currículos escolares através dos Temas Transversais, que integram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs/1997). As políticas públicas federais, estaduais e municipais de educação no Brasil começam a criar espaços de reflexão e de novas aprendizagens acerca da sexualidade e das relações de gênero, abrindo para o debate pedagógico outros modos de atuar na escola, olhando e respeitando as diferenças sexuais. Porém, considerando‐se o tamanho e a diversidade cultural do Brasil, bem como a complexidade da temática da educação sexual, temos a consciência que, apesar de todo o empenho do governo neste sentido, estamos ainda longe de afirmar que já temos um trabalho generalizado de educação sexual intencional numa perspectiva personalista. É por esta razão que consideramos que as formações continuadas que inserem a educação sexual e relações de gênero dentro de uma perspectiva histórico‐cultural, sejam no Brasil ou em Portugal, têm uma grande responsabilidade no desvelamento de maneiras de atuar em sala de aula. Grande parte dos(a) professores(as) que não tiveram acesso a estas discussões na sua formação inicial, podem conhecer e aprofundar o tema e multiplicá‐los com seus pares, através das formações continuadas. Por considerarmos importante, reforçamos aqui que as pesquisas atuais, tanto em Portugal quanto no Brasil, apontam para que a educação sexual e relações de género são permeadas de muitos mitos e tabus, que 38
acabam por gerar alguns medos e inseguranças em grande parte dos(as) professores(as) , dificultando a presença de projetos intencionais de educação sexual nas escolas. Razão pela qual entendemos também que a investigação sobre formação continuada de professores(as) em educação sexual, apesar da complexidade e importância do tema e da atual multiplicação de ações de formação, continua sendo um campo de conhecimento por desbravar em Portugal e no Brasil, por falta de entendimento da maioria da população, da importância desta temática na vida das pessoas. Com a legislação vigente em Portugal e os PCNs no Brasil, fica ao professor(a) o direito de poder atuar com a temática na escola de maneira legal, mas ainda falta a formação em todas as esferas educacionais da comunidade, seja na formação inicial, no 1º Ciclo ou na educação de infância. A resistência por parte de professores(as), de gestores e de famílias em levar para dentro das salas de aula os variados conhecimentos relativos à educação sexual e às relações de género ainda é grande emuitos são ainda os caminhos a serem construídos no sentido de envolver todos (as) no processo. Convém ressaltar que a inclusão destes temasnas instituições escolares não deve ficar restrita a uma abordagem terapêutica, mas possibilitar a toda a comunidade escolar reflexões de abordagens sociológicas, psicológicas e fisiológicas da sexualidade, oferecendo multiplicidade de papéis para os homens e mulheres na sociedade, questionando, problematizando e criticando os papéis rigidamente (pré) estabelecidos destes, e (re)construindo outras possibilidades de entendimento das diferentes maneiras que os géneros, masculino e feminino, se apresentam na sociedade. (VIANNA E UNBEHAUM, 2004). Vale destacar que o(a) professor(a) que insere a temática de género nas suas discussões na escola dá o primeiro passo para se apropriar de assuntos referentes à sexualidade, porque género é utilizado como uma “categoria útil de análise histórica”. Falar de género ajuda a entender as relações entre a história de homens e a história de mulheres, que não foram construídas separadas, mas em conjunto. (SCOTT, 1995). Portanto, levar as discussões sobre género para a escola portuguesa e brasileira, assim como para todas as escolas do mundo é romper com o longo silêncio da sexualidade, é criar possibilidade para o início da construção de respeito às diferenças, que são trazidas à escola e quando não problematizadas, entendidas, podem tomar forma com a vinda da violência, dos processos de exclusão, preconceito, marcas que saem da escola, para se fortalecer na comunidade. (ROSSI, 2010). Considerando a importância, a necessidade e a urgência de trabalhos intencionais de educação sexual numa perspectiva histórico‐cultural, entende‐se que é preciso pensar na real condição de trabalho e na qualidade da formação profissional do professor(a), seja ela inicial ou continuada, possibilitando a este, maneiras eficazes de formação, levando assim, para dentro da escola, problematizações, discussão, reflexões, aprendizados, provocando situações novas no olhar, no escutar e no desvelar a sexualidade e relações de género, pautadas em referenciais teóricos pertinentes com cada situação e cultura. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por tudo que refletimos com o leitor neste texto, seja em Portugal ou seja no Brasil, a complexidade e multiplicidade de valores culturais, éticos, estéticos, morais e religiosos, no trabalho intencional de educação sexual na escola numa perspectiva histórico‐cultural, não é uma tarefa tranquila! Atrelando‐se a estas dificuldades temos ainda a falta de formação inicial e a escassa formação contínua de professores (as) que fazem com que a situação fique ainda mais difícil. Situações estas ainda fortemente permeadas por crendices religiosas, por medos, preconceitos enraizados e que deixaram marcas difíceis de transformar. Parece‐nos, a curto prazo, que a formação continuada é a forma mais eficazde enfrentar as dificuldades mencionadas, uma vez que elas podem abrir, ao professor(a) de sala de aula, possibilidades de atuar diferentemente com seus(as) alunos(as). Certamente o melhor seria que pudéssemos utilizá‐las apenas como um aprofundamento, se o(a) professor(a) já tivesse passado por uma formação inicial em educação sexual. Melhor seria que a formação continuada fosse apenas um aperfeiçoamento profissional na área. Mas, infelizmente ainda assim não o é. Resta aos dois países, pela urgência dos acontecimentos pontuados neste texto e como forma de amenizar as violências que estão sendo construídas diariamente por falta de conhecimento com relação às temáticas da sexualidade e relações de género, apostar na formação continuada dos(as) professores(as). Essa formação poderá possibilitar um avanço para o professor(a), valorizando‐o, pelo seu papel de provocador de estudos e criador de novas propostas de ações construídas dia‐a‐dia nas unidades escolares, acarretando em novas práxis cotidianas na sala de aula e favorecendo a toda a comunidade escolar. BIBLIOGRAFIA CAMARGO, A. M. F.; RIBEIRO, C. (2003). Sexualidade(s) e Infância(s) – a sexualidade como um tema transversal. São Paulo: Moderna; Campinas: UNICAMP. NÁPOLES, A. (2002). A escola e a educação sexual. Uma aposta na formação de professores. Tese de Mestrado. Universidade de Lisboa, Lisboa. (pp. 24‐34) ROSSI, C. R. 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2002”.Cad. Pesquisa, vol.34, n.121, pp. 77‐104. 40
EDUCAÇÃO SEXUAL E MASCULINIDADE Duarte Vilar, Diretor Executivo da APF 1. SOCIALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO SEXUAL E PAPÉIS DE GÉNERO – UMA LIGAÇÃO IMEDIATA A sexualidade, assim como o sexo é, em primeiro lugar, uma realidade biológica. Temos um corpo sexuado e, simultaneamente, temos um dimorfismo sexual. Somos machos e fêmeas, homens e mulheres. Mas a nossa identidade sexual (o que pensamos, sentimos e fazemos com a nossa sexualidade) e a nossa identidade de género (a maneira como nos sentimos e agimos como seres masculinos ou femininos) são construções sociais, mediadas pelos contextos sociais e históricos, pelas ideias e pelos papéis que são socialmente veiculados pelos micro e macro contextos da nossa socialização. A construção dos papéis de género e as normas sociais sobre a sexualidade assentam ambas no dimorfismo sexual – macho e fémea, masculino e feminino ‐ e, por isso, identidade de género e identidade sexual estão indissociavelmente ligadas. A esta construção social da sexualidade, podemos chamar‐lhe socialização ou educação sexual que é feita em grande parte nos contextos e nas relações informais – com a família, com os pares, com a exposição aos média – e de forma formal, através da escola e das práticas educativas formais como, por exemplo, as práticas religiosas. 2. AS MUDANÇAS EM CURSO NOS PAPÉIS DE GÉNERO – O DUPLO PADRÃO SUAVIZADO Vivemos num tempo de claras mudanças em relação aos conteúdos e aos contextos da construção/socialização/educação da sexualidade e do género. Fruto de mudanças sociais estruturais e fruto de movimentos sociais específicos em torno das questões do género e da sexualidade, foi posto em causa um modelo masculino de género e de sexualidade, assente na dominação das mulheres e na desigualdade de direitos sociais e sexuais e emerge um novo modelo de relação entre os homens e as mulheres em que, reconhecendo‐se as diferenças, o que está em causa é a igualdade de direitos, quer no plano social, político e até religioso, quer nas áreas de expressão mais íntimas e privadas, como as relações familiares, as relações amorosas e a sexualidade. Este modelo não é somente um modelo discursivo, uma nova maneira de falar politicamente correcta. É, sobretudo, uma mudança efectiva nas funções e papéis sociais das mulheres (e não dos homens), uma nova relação de força que, embora conceda ainda o domínio masculino no Estado, na política, é cada vez mais 41 expressa no crescente predomínio feminino em sectores especializados da actividade profissional e em múltiplas posições de chefia ao nível básico e intermédio. Este é o discurso social actualmente dominante nas nossas sociedades, presente nomeadamente nas leis e nas políticas estatais e na grande maioria do espectro político‐ideológico. É um discurso que, fruto das circunstâncias históricas, passou mais, até agora, pela crítica e desconstrução do poder masculino, pela emergência de uma nova identidade feminina (não mais reduzida ao papel de mãe e de esposa) e pela exigência da igualdade de direitos, e menos pela emergência de uma identidade masculina alternativa. Os homens e as mulheres mudaram efectivamente: há hoje uma recusa clara por parte das mulheres, nomeadamente das mulheres mais jovens, em aceitarem relações onde impera a dominação masculina; há, hoje, um maior envolvimento dos homens em esferas – como a guarda e a educação dos filhos ou a partilha das tarefas domésticas. Por outro lado, os homens não mais se relacionam com mulheres que aceitam ter um papel passivo na família, na profissão ou na sociedade, são pois, confrontados com um novo poder em todos os círculos da sua vida. Vivemos, numa época de transição, de um velho modelo, para um novo modelo que ainda está em construção. Os modelos e as ideias tradicionais, quer em relação ao género, quer em relação à sexualidade, misturam‐se com elementos inovadores em proporções diversas. Daí o termos de falar em sexualidades, mas também em masculinidades e feminilidades. Daí também que Vasconcelos (1998) nos fale de um duplo padrão suavizado, que representa realmente esta mistura de velhos e novos elementos na construção da identidade sexual de género. 3. OS VÁRIOS ACTORES DA SOCIALIZAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DO GÉNERO As famílias – os pais e as mães – reproduzem estas contradições: por um lado, fomentam a formação académica e profissional das raparigas e recusam maioritariamente o velho papel reservado às mulheres que as mães, entretanto, pela força das coisas e pelas mudanças ocorridas já rejeitaram; mas continuam a reproduzir, no plano das tarefas domésticas e da educação sexual dos filhos e das filhas – o duplo padrão, ainda que suavizado. O estudo que tive oportunidade de fazer sobre as famílias dos adolescentes demonstrou esta situação – a centralidade da mãe, o maior envolvimento dos homens, no entanto, a aceitação da sexualidade dos rapazes e as dificuldades ainda que paradoxais da aceitação da sexualidade das raparigas. Ou seja, um espaço marcado por uma dupla diferenciação – a dos papéis domésticos e a dos discursos de género. Mostrou também um maior afastamento dos rapazes na esfera da socialização familiar, de facto, dentro do sistema familiar são os filhos que mostram mais exterioridade. Os mass‐média ora reproduzem com uma lógica crescente das mensagens da igualdade, ora reproduzem os velhos estereótipos masculinos e femininos, ainda que de forma confusa e misturada. As 42
novelas e o discurso cor‐de‐rosa, os musculados e auto‐suficientes heróis dos filmes de acção, misturados com abordagens já diferentes da condição feminina e masculina. Mas a emergência recente, no panorama português de espaços especificamente dirigidos aos públicos femininos e à discussão das temáticas femininas – por exemplo, a SIC Mulher e o novo Fórum Mulher na TSF – demonstram bem a tendência dominante. As mulheres são um segmento chave das audiências, e a maioria das pessoas que produzem e organizam estes programas são, também elas, mulheres profissionalizadas e emancipadas. A resultante deste processo é que os média, apesar da extrema confusão de mensagens que lhes é típica, acompanham e reforçam as mudanças na relação de forças entre homens e mulheres, claramente no sentido das segundas. Os grupos de amigos e de amigas reproduzem também os contextos e as suas modas e tendências dominantes. Muitas vezes, os espaços exclusivamente masculinos – nomeadamente os grupos desportivos, a tropa, os grupos de caça, as tertúlias do bar da esquina, os espaços profissionais maioritariamente masculinos (por exemplo as empresas de construção civil) – reproduzem até ao absurdo o velho estereótipo e a velha solidariedade masculina, que se define a ela própria como diferente, às vezes oposta até à identidade feminina Assim, como os grupos femininos funcionam muitas vezes como espaços de comentário e crítica aos homens, enfim, como espaços de afirmação da identidade feminina por oposição à identidade masculina. Mas os grupos mistos reproduzem a conflitualidade entre os velhos e novos modelos de masculinidade e feminilidade. É nas relações de amizade e nas relações amorosas, que mais se caldeiam e reformulam os estereótipos tradicionais. Quanto à escola, apesar de aqui e ali se encontrarem ainda os velhos discursos – quer nos manuais escolares quer nas práticas pedagógicas – a tendência é também para a mudança, ou não fosse a maioria do corpo docente constituído por mulheres profissionalmente emancipadas. Por outro lado ainda, a escola não é somente um espaço de aprendizagens formais mas um importantíssimo espaço de encontro das crianças e dos jovens, um espaço de aprendizagens informais e de confronto de ideias e experiências, de diferentes histórias de vida e de relações familiares. E como se disse, é nestes espaços que se reformulam as relações, as identidades e os estereótipos. 4. A EDUCAÇÃO SEXUAL E OS RAPAZES? Este processo de mudança das relações de poder entre homens e mulheres fez‐se, naturalmente – e com razão ‐ com uma forte crítica à identidade masculina tradicional. A intervenção profissional nesta esfera não se eximiu a este processo. Muitas vezes, no âmbito da educação sexual e da promoção da saúde, como referiu Ketting (2000), ou existe um discurso crítico que atribui aos homens determinados atributos negativos – por exemplo, a irresponsabilidade ou a violência menoriza os rapazes e homens em papéis claramente secundários, como por exemplo – era bom que os homens viessem com as suas companheiras às consultas de planeamento familiar. 43 O facto de os programas terem sido primeiramente centrados na contracepção – o que foi realmente uma necessidade – e o facto de a maioria dos métodos contraceptivos serem de utilização feminina; o facto ainda de a maioria das profissionais envolvidas nestes programas serem mulheres, fez com que o alvo fundamental destes programas fossem as mulheres e que, mesmo que houvesse acções destinadas aos homens, estas tinham como principal objectivo destruir eventuais barreiras ao pleno acesso das mulheres à contracepção. Por outro lado, as características típicas do processo de socialização masculina, em que os homens são educados para superarem os problemas que encontram sem pedir ajuda e a não partilharem as dúvidas interiores que têm, faz com que, de facto, os homens tenham sido afastados e se tenham eles próprios afastado muitas vezes dos programas de promoção da saúde. É pois, necessário, que os profissionais que intervêm em educação sexual tenham uma percepção clara de que, rapazes e raparigas têm diferentes percepções e vivências das questões da sexualidade e, por isso, têm também diferentes necessidades que têm de ser atendidas. Por outro lado, é também claro que rapazes e raparigas têm todo o interesse em confrontarem as suas diferentes percepções, dúvidas e necessidades uma vez que é entre eles que se estabelecem relações de amizade, relações amorosas e sexuadas. 5. EDUCAÇÃO SEXUAL PARA OS RAPAZES Para quê? Para dar resposta às necessidades específicas de um dos grandes dois grupos humanos. Porque os homens e rapazes têm problemas e necessidades específicas e porque os homens e os rapazes são atores fundamentais em qualquer relação amorosa (tenha ela a orientação sexual que tiver). Quais os temas de interesse específicos? Os rapazes têm, à semelhança das raparigas, bastantes dúvidas e problemas em relação ao seu corpo, à sua imagem corporal e às modificações pubertárias (obesidade, acne, “defeitos”, tamanho e feitio do pénis). Têm também dúvidas sobre comportamentos sexuais como a masturbação (a sua “normalidade”, a frequência, as consequências) e o início das relações sexuais. A diferença fundamental, em relação às raparigas, é que a sexualidade dos rapazes é muito mais aceite e, por isso, encontram um ambiente exterior menos hostil. Mas esse mesmo ambiente exterior também os pressiona a desenvolverem um determinado tipo de imagem e desempenho sexual que é, muitas vezes, irrealista. Os rapazes têm dúvidas em relação às questões de orientação sexual e, nomeadamente, os rapazes com orientação homossexual têm dificuldades específicas em perceber e aceitar a sua orientação sexual, como sendo diferente da expressão sexual mais frequente – a heterossexualidade. 44
Os rapazes têm também, como as raparigas, embora muitas vezes os disfarcem e neguem, problemas de insegurança pessoal e de timidez face ao possível início de relações amorosas, face à abordagem amorosa. A diferença em relação às raparigas é que a identidade masculina projecta a ideia de um homem duro, experiente, decidido, de poucas falas, sem dúvidas ou com uma grande rapidez de decisão e, sobretudo, pouco dado a pieguices. Há que trabalhar a diferença entre o estereótipo e a realidade, mostrando que o mesmo estereótipo não só corresponde à realidade, mas, muitas vezes, esconde uma atitude prepotente e autista, que não interessa ninguém e em, particular, não interessa aos homens. Os rapazes têm também problemas específicos ao nível da sua saúde sexual e reprodutiva: tal como as raparigas, os rapazes podem ter de enfrentar gravidezes que não desejam e situações de emergência contraceptiva porque o preservativo rompeu ou porque não usaram nada. A paternidade adolescente é, portanto, um dos temas a abordar, assim como o é também toda a questão do uso da contracepção (e não só do uso do preservativo). Por outro lado, tal como as raparigas, os rapazes arriscam‐se a ser contagiados ou a contagiar alguém com infecções sexualmente transmitidas – SIDA, hepatites, mas também outras muito menos faladas. Neste contexto, o uso do preservativo é um tema essencial, assim como é essencial o uso do método duplo. Sobretudo, há que trabalhar a questão dos riscos que se quer e se deve correr ou fazer correr alguém. Os rapazes também têm infecções e outros problemas nos seus órgãos genitais. Também têm possibilidade de ter problemas oncológicos. Há que trabalhar os problemas de saúde tipicamente masculinos (livro do Vasco). E tal como nas raparigas, há que informar dos recursos disponíveis em termos de aconselhamento e apoio médico. Finalmente, e como exemplo da sociedade reflexiva em que hoje vivemos, é conveniente discutir e abordar a história do género, das masculinidades e feminilidades, as mudanças havidas e que estão a haver, para que os rapazes e as raparigas entendam o que é diferença e o que é desigualdade, o que é um dado e o que é uma opção. Os rapazes e a vida das mulheres E como foi dito, há todo o interesse em que os rapazes discutam também, para além das suas questões, e das questões de homens e de mulheres, as questões específicas das mulheres. Meninos para um lado, meninas para outro A finalizar, talvez seja importante haver momentos em que os rapazes discutem só com rapazes e as raparigas discutem só com raparigas – os seus assuntos específicos, e também o que pensam uns dos outros, o que pensam sobre o que as outras ou os outros pensam. 45 46
EDUCAÇÃO SEXUAL PARA EDUCADORES DE CRIANÇAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Ana Cláudia Bortolozzi Maia, Bruna Belusse Demonico, Juliana Spinelli Ferrari, GEPESEC, UNESP INTRODUÇÃO Historicamente, o atendimento educacional à criança pequena no contexto brasileiro é alvo de discussões no sentido de definir sua finalidade social. Desde o surgimento das primeiras instituições, vinculou‐
se o serviço de creches ao atendimento exclusivo de crianças advindas de famílias de baixa renda. Assim, desde sua implantação, as estratégias de educação infantil aparecem com a finalidade de combate à pobreza, contando com poucos recursos, muita demanda e carência de formação dos profissionais envolvidos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) atribuem algumas diretrizes para a educação infantil no Brasil e, entre seus objetivos, os conteúdos ligados às expressões de sexualidade também são mencionados, ressaltando a importância das discussões no ambiente educacional, uma vez que se propõe a compreender a sexualidade como um processo amplo e cultural; além disso, a sexualidade como algo inerente ao desenvolvimento infantil exige que o professor saiba lidar diante das ações exploratórias e perguntas das crianças. Apesar de previstas nos PCN, as discussões em educação sexual não parecem ser realidade dos contextos das instituições de ensino, especialmente as de educação na primeira infância (“creches”). Alguns autores como Figueiró (2006), Nunes & Silva (2000), Maia & Spaziani (2010) e Santos (2010) ressaltam a formação deficiente dos profissionais que atuam na educação infantil como um dos impasses à inserção dos conteúdos ligados à sexualidade infantil no cotidiano de ação dos educadores. Outra temática bastante complexa proposta pelos PCN para ser inserida ao trabalho na educação infantil é o que diz respeito às questões de género que deveriam ocupar lugar central nas discussões em sexualidade. Segundo Maia &Maia (2009), o conceito de género deve compreender, para além das diferenças biológicas, as relações de poder e as representações sociais atribuídas ao masculino e ao feminino, além dos preconceitos e estereótipos ligados a estas representações. A compreensão crítica dos conceitos de sexualidade e gênero na educação infantil não é um movimento facilmente identificado na realidade das discussões e propostas das instituições de ensino. O que se pode perceber na realidade educacional é um afastamento dos educadores de ocupar esse lugar na educação sexual das crianças pelas quais são responsáveis. 47 Para que se possa iniciar um processo de formação de educadoras, há necessidade inicial da configuração de uma demanda, ou seja, de que as educadoras sejam capazes de reconhecer seu “despreparo” para trabalhar como educadoras sexuais, a partir de processos como a avaliação de suas funções enquanto categoria e a autoavaliação, além da revisão dos medos e anseios dessas educadoras na relação com alunos, pais e a comunidade escolar (Santos, 2010; Figueiró, 2006). Diante do exposto, consideramos pertinente elaborar e desenvolver um projeto de intervenção que teve por objetivo criar um campo de discussão e reflexão acerca de questões ligadas à sexualidade na infância, visando promover maior esclarecimento em relação às mesmas, capacitando educadores para lidar com situações em que tais questões se tornem evidentes e fornecendo suporte técnico e teórico para o que o trabalho destes seja facilitado. A INSTITUIÇÃO O programa de educação sexual para educadores foi realizado em uma creche situada em um bairro de baixa renda de uma cidade do centro oeste paulista no Brasil. A creche tem caráter comunitário e atende 115 crianças com idades entre 6 meses e 5 anos e 11 meses. São catorze funcionários que atuam na instituição, sendo tratados aqui de uma forma geral como educadores, entendendo que direta ou indiretamente a função desempenhada por cada um deles contribui para a educação das crianças. METODOLOGIA Participantes: quatro a oito educadores da instituição escolar eram em sua maioria mulheres, com idade em torno de trinta anos e com o segundo grau completo. Materiais: recursos de ensino‐aprendizagem, exposição de vídeos, dinâmicas de grupo e literatura expositiva. Procedimento: Foram realizadas três sessões de observação e catorze encontros com o grupo de educadores, todos no espaço da própria instituição. As sessões de observação ocorreram durante um dos períodos da rotina escolar (manhã ou tarde) e cada encontro teve duração de aproximadamente uma hora. OS ENCONTROS Observações. As observações foram realizadas em três visitas à creche. A primeira delas ocorreu para o estabelecimento de um contato inicial com os funcionários e para oficializar o convite para a participação nos encontros. A segunda e a terceira visita serviram para observar e compreender as reações de crianças e educadoras diante de temas e situações ligados à sexualidade infantil a fim de compreender de que forma se dão as relações entre as crianças e entre as crianças e as educadoras no que tange às expressões da sexualidade infantil. Foi possível perceber a partir das visitas que as expressões de sexualidade das crianças são 48
frequentes e, geralmente, repreendidas, quando não ignoradas pelas professoras, como também ressaltam Maia & Spaziani (2010), Maia, Pastana, Pereira & Spaziani (2011), Nunes & Silva (2000) e Laviola (2006). Formação do grupo. A criação e o fortalecimento de vínculos entre os participantes foram objetivos centrais dos três encontros iniciais. Buscou‐se esclarecer expectativas em relação ao grupo, evidenciando os motivos da participação de cada um e promover a interação do grupo, criando um espaço de confiança para falar dos temas propostos. Foi também um momento destinado para iniciar o contato com o tema da sexualidade. Para isso, no primeiro encontro, utilizou‐se uma dinâmica projetiva, em que as participantes foram orientadas a relembrarem e desenharem em um papel aspectos de sua infância e de sua sexualidade para serem discutidos. No segundo encontro, buscou‐se fortalecer a identidade grupal a partir do direcionamento de uma ação coletiva do grupo para refletir acerca de questões referentes ao tema da sexualidade e da educação sexual, e seus valores e conceitos implícitos. Já o terceiro encontro teve como objetivo discutir a importância de respeitar e considerar as diversas formas de sentir e pensar a sexualidade que apareceriam no grupo. As educadoras participaram ativamente, dividindo com o grupo considerações importantes sobre suas noções e valores referentes à sexualidade e suas histórias pessoais. Notou‐se a importância da religiosidade na formação de opiniões das educadoras e na concepção destas sobre alguns fenômenos e conceitos relacionados tanto a sexualidade infantil quanto a sexualidade de uma forma geral. TEMAS GERAIS EM SEXUALIDADE: CONCEITOS E VALORES Para dar início à discussão e ao aprofundamento dos conteúdos em sexualidade infantil de maneira mais específica, optou‐se pela discussão e definição anterior dos conceitos de infância e sexualidade (Maia & Maia, 2005). Discutiu‐se por meio de uma exposição dialogada de conteúdos, diferentes visões da infância em diversas épocas, além da concepção de cada uma sobre o tema, refletindo sobre quais as referências que marcaram e delimitaram esse período do desenvolvimento no decorrer da história geral e como isso se deu em suas histórias pessoais. Foi possível estabelecer contraposições e concordâncias entre as delimitações da infância durante as gerações e a concepção pessoal de infância das educadoras. Da mesma forma, pôde‐se discutir o lugar que a sexualidade infantil ocupou durante a história, e qual lugar ocupa sob a visão delas. O tema foi considerado de forma consensual como “incômodo” de se tratar, mas necessário, pois elas convivem no dia‐a‐dia da creche e em casa com situações de expressão da sexualidade infantil, além de lembrar situações relacionadas à sexualidade que vivenciaram quando crianças. Na sequência, discutiu‐se sobre o conceito de sexualidade e sobre as questões que estão envolvidas que vão além da relação sexual, como: gênero, corpo, valores, educação e experiência individuais. Permitiu‐se com a discussão que as educadoras reconhecessem outros temas, não tão evidentes, também como temas 49 relacionados à sexualidade. Ao tratar do tema, evidenciou‐se a discussão sobre aspectos biológicos e de desenvolvimento sexual e as questões de gênero. SEXUALIDADE E INFÂNCIA: MITO E REALIDADE A fim de desmistificar alguns preconceitos relacionados à sexualidade na infância, desconstruir opiniões cristalizadas e esclarecer dúvidas relacionadas ao tema, optou‐se pela utilização da dinâmica “Mito e Realidade”. A dinâmica consiste na exposição de algumas sentenças que contenham definições de fenômenos e conceitos relacionados à sexualidade infantil, seguida de um julgamento do grupo acerca da veracidade da afirmação e de uma discussão sobre o que pode ser considerado certo ou errado em cada uma. Os conteúdos das afirmações englobavam formas de expressão da sexualidade pelas crianças; a importância de o adulto, enquanto educador, esclarecer as dúvidas e questões das crianças; a necessidade de um olhar atento para as ações e questões levantadas pelas crianças; e aspectos do desenvolvimento sexual infantil a partir do material de Maia & Maia (2005). As discussões mostraram‐se esclarecedoras, pois, além de produzirem informações até então desconhecidas pelas educadoras, permitiu‐se um desdobramento do julgamento das afirmações para além da dicotomia certo/errado, a partir de contribuições e concepções das próprias participantes. As educadoras mostraram‐se resistentes quanto às afirmações que tratavam sobre o tema da homossexualidade, demonstrando um discurso enviesado pela religião, que não aceita essa condição como uma possibilidade de existência humana natural. ABUSO E VIOLÊNCIA SEXUAL Tendo em vista o compromisso ético e humano do educador, considerou‐se de fundamental importância a discussão deste tema, evidenciando a necessidade da proteção da criança. Buscou‐se, assim, esclarecer e discutir a problemática do abuso sexual infantil, suas implicações no contexto educacional e no trabalho do educador. Para isso, iniciou‐se o encontro com a exposição de relatos de crianças que sofreram abuso (Silva, 2007), e de um vídeode campanha contra o abuso e a violência sexual chamado “Ventriloquist”, criado pelo estúdio britânico Saatchi & Saatchi, a pedido da NSPCC (National Society for the Prevention of Cruelty to Children‐ http://www.youtube.com/watch?v=NqZ6uqXTnUA&feature=results_main&playnext=1&list=PL124C56816F4508BB). Na sequência foram expostos conteúdos sobre o tema, retirados do livro citado acima, contendo: a definição do termo violência sexual; maneiras de identificar comportamentos frequentes de crianças que sofrem abuso; informações necessárias sobre o contexto em que ocorre o abuso; e uma discussão sobre o papel da escola e do educador. A exposição permitiu a compreensão das educadoras sobre a necessidade da atenção ao ouvir, falar e observar a criança, além de alertá‐la para sua própria proteção. Além disso, suscitou o compartilhamento de algumas situações vivenciadas na creche e a revelação de uma das educadoras de uma 50
experiência pessoal de situação de abuso. A informação causou um impacto e teve de ser acolhido pelo grupo. Foi um dos encontros que suscitou maior interesse nas educadoras, e a partir do qual elas passaram a dar maior atenção para a necessidade de olhar de maneira mais crítica e menos receosa para as expressões da sexualidade pelas crianças. QUESTÕES DE GÉNERO Pode‐se evidenciar as questões de gênero como uma das que mais aparecem na educação sexual formal e informal dentro do ambiente escolar, aparecendo desde a divisão das brincadeiras, por exemplo. Com isso, procurou‐se sensibilizar e refletir sobre essas questões e temas adjacentes, como educação sexista e a influência dos modelos parentais e sociais. Inicialmente buscou‐se esclarecer acerca dos conceitos de gênero, diversidade sexual e heteronormatividade (Maia & Maia, 2005; 2009). Quanto aos modelos de gênero, as educadoras demonstraram uma visão inicialmente muito influenciada pelos estereótipos normativos, mas que gradativamente durante o encontro foram se desconstruindo. As participantes puderam reconsiderar algumas questões relacionadas aos padrões esperados para homens/mulheres, meninos/meninas, em relação, por exemplo, à escolha do parceiro afetivo e às brincadeiras das crianças. O encontro permitiu discussões e reflexões interessantes sobre a educação sexista, tanto por meio dos relatos sobre as próprias vidas quanto àqueles relacionados ao dia‐a‐dia na creche. Pode‐se mostrar a contradição em alguns discursos, o que mostrou surtir efeitos. Porém, a discussão final acerca da homossexualidade, mostrou‐se mais uma vez limitada pela questão da religião, o que acaba impedindo demais reflexões e parecem tornar Psicologia e Religião inimigas. SEXUALIDADE NA INFÂNCIA E MÉDIA Sensibilizar e questionar o papel dos média na educação sexual informal aparece como um tema fundamental, levando em conta o fato de que é a televisão um dos veículos mediáticos que estão mais presentes no dia‐a‐dia das crianças. Assim, buscou‐se discutir a forma como são retratadas questões de sexualidade e sexualidade infantil, e os padrões sexuais transmitidos explícita ou implicitamente por meio destes veículos mediáticos (Nunes & Silva, 2000). Inicialmente apresentou‐se uma série de comerciais publicitário, seguida da transmissão de uma parte do documentário “Criança, a alma do negócio” (Instituto Alana, 2008), que trata, entre outras questões, sobre a erotização da infância. Foi possível, a partir de uma discussão sobre os vídeos apresentados, desmistificar alguns conteúdos sexistas implícitos nos produtos dos média, tornando consciente as diversas formas de repressão que eles apresentam. Além disso, foi possível avaliar criticamente a representação da sexualidade infantil por meio destes veículos. As educadoras evidenciaram a erotização infantil promovida pelos média e relataram algumas situações com crianças da creche que acreditam ser consequência deste tipo de educação 51 sexual informal, tais como: a imitação de danças sensuais, a utilização de roupas que erotizam o corpo infantil e o comportamento muitas vezes adultizados das crianças, como também observaram Maia & Spaziani (2010). DISCUSSÃO DE SITUAÇÕES QUOTIDIANAS Para os dois últimos encontros foi reservado um momento para se discutir algumas situações quotidianas do ambiente escolar (Figueiró, 2006). O objetivo foi refletir sobre os conteúdos de sexualidade implícitos ou explícitos nas situações vivenciadas em ambiente escolar e trabalhar formas assertivas de educação sexual a partir dessas situações espontâneas. As situações relatadas continham os seguintes temas: a relação da criança com o corpo e a nudez; percepção e relação infantil com o próprio corpo; conversas e comentários sexistas das educadoras na presença de crianças; e questões sobre homossexualidade. Além disso, buscou‐se trabalhar algumas questões vivenciadas no dia‐a‐dia da creche em questão, que surgiam a partir da discussão das situações retiradas do livro, e que de alguma forma geraram certa insegurança por parte das educadoras para administrá‐las. Foi um momento em que puderam compartilhar a vivência de situações em que muitas vezes não sabiam o que dizer ou fazer, e que, a partir das discussões no grupo, passaram a se enxergar capazes de assumir uma postura que oriente os questionamentos das crianças, ou que pelo menos não funcione como repressão agressiva ou negligenciação da curiosidade infantil. As educadoras mostraram‐se aptas a explicar dúvidas relacionadas à gestação e ao corpo mascullino e feminio, a falar sobre as denominações possíveis dos órgãos sexuais e a tratar sobre estes de maneira natural, como se trata qualquer outro órgão do corpo humano. Mais uma vez, a discussão que se mostrou limitada esteve relacionada à questão da homossexualidade, que elas julgam como uma maneira “errada” de se comportar, e que, por isso, não conseguiriam distanciar‐se destes valores ao educar as crianças. ENCERRAMENTO Por fim, realizou‐se um encontro para que as educadoras respondessem a um questionário de avaliação acerca dos temas que foram trabalhados e a maneira que foi coordenado o grupo de discussões. As avaliações se deram de forma positiva, em que as educadoras demonstraram sentirem‐se à vontade nas discussões e estarem mais seguras para fornecer respostas a alguns questionamentos das crianças e mais atentas em perceber atitudes que antes não acreditavam estarem relacionadas com a sexualidade. Todas ressaltaram a importância do processo de formação na área, como também defende Figueiró (2006). 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação infantil é um campo de inúmeras discussões. Sua função social, assim como a de seus educadores está imersa na confusão entre educar e cuidar. Nessa perspectiva, não é incomum que a instituição apresente um funcionamento que se aproxima, muitas vezes, de um modo doméstico. Nesse contexto, a relação dos educadores com as crianças pode aproximar‐se de um caráter maternal, de cuidador. Não se pode deixar de levar em consideração inúmeros aspectos da prática dessas educadoras, como a quantidade de crianças que atendem, o tempo de trabalho e a formação que receberam para exercer suas funções. Entre outras temáticas cuja formação é deficiente, os temas em sexualidade infantil são um dos mais evidentes. Poucas instituições de educação infantil apresentam formação de seus funcionários para lidar com essas questões e quando o fazem, muitas vezes, desconsideram a história de vida de seus funcionários, seus conceitos e valores, assim como os das famílias e crianças que atendem. A proposta do grupo de discussões com as educadoras de uma creche surge dessa demanda de formação, mas também, de espaço de escuta e discussão dos temas ligados à sexualidade infantil. A estratégia do trabalho em grupo permite que os participantes compartilhem suas histórias e valores, colocando‐se cada vez mais no papel de sujeitos de suas ações, que são progressivamente pensadas criticamente. Na experiência relatada nesse artigo percebe‐se algumas características das participantes como a religiosidade e os valores heteronormativos que configuravam sua visão em relação às manifestações de sexualidade das crianças. Entre as preocupações das educadoras, a questão da homossexualidade pode ser considerada a mais “incómoda”, uma vez que, mesmo depois dos encontros, muitas manifestavam seus valores no sentido de considerar “errado”, “pecado”, ou ainda, algo “preocupante”. Apesar disso, destacam‐se algumas considerações a partir do projeto realizado. Inicialmente as conversas das educadoras eram muito pautadas na relação delas com os próprios filhos, mas ao longo do ano, elas foram deslocando a sua responsabilidade na educação sexual das crianças atendidas na escola. Também, gradativamente, as reflexões acerca da educação infantil foram‐se tornando mais críticas, especialmente quando trabalhamos padrões normativos de género e as questões relacionadas com os média e sua influência na formação heteronormativa de crianças, pais e das próprias educadoras. Entre os temas de grande relevância em que as educadoras se mostraram mais envolvidas, estão a atenção ao abuso sexual infantil e o papel do educador e as questões de género presentes nas brincadeiras e comportamentos das crianças. Todavia, os maiores obstáculos foram o distanciamento delas de seus valores pessoais e a religiosidade. Portanto, pode‐se concluir a necessidade de uma atenção maior para a formação de educadores deste período educacional, principalmente no que diz respeito à temática da sexualidade. É necessário também que se rompam alguns preconceitos e tabus relacionados à sexualidade na infância, sendo importante ressaltar a relevância de que essas desconstruções se deem a partir da formação de grupos educativos que visem a produção de sujeitos educadores, e não apenas a transmissão de conceitos e definições científicas. Assim, o 53 relato desta experiência aponta um caminho de obstáculos que necessariamente devem ser superados quando se pensa em uma educação sexual digna e emancipatória desde a primeira infância. BIBLIOGRAFIA Brasil (1998). Referencial curricular nacional para a educação infantil ‐ Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF. Figueiró, M. N. D. (2006). Formação de Educadores Sexuais: adiar não é mais possível. Campinas, SP: Mercado de Letras; Londrina.Eduel. Laviola, E.C. (2006). Reações de educadoras de creche diante de manifestações de sexualidade infantil. Seminário Internacional Fazendo Gênero 7. Florianópolis, Editora mulheres. Maia, A.C.B & Maia, A.F. (2005). Sexualidade e Infância. Cadernos Cecemca, v.1, Bauru: UNESP; Brasília: MEC/SEF. ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐(2009). Educação para as questões de gênero e diversidade sexual. In: M.S.S. Moraes & E.A. Maranhe (Orgs.). Educação na diversidade e cidadania. Bauru: UNESP; Brasília: MEC:SECAD, v.4. Maia, A.C.B; & Spaziani, R. B. (2010). Manifestações da sexualidade infantil: percepção de pais e professoras de crianças de 0 a 6 anos. Revista Linhas, Florianópolis, 11 (1), 68‐84. Maia, A. C. B.; Pastana, M.; Pereira, P. C. & Spaziani, R. B. (2011). Projeto de intervenção em educação sexual com educadoras e alunos de uma pré‐escola. Rev. Ciênc. Ext.7(2),116‐129. Nunes, C. & Silva, E. (2000). Educação Sexual da Criança:Subsídios teóricos e propostas práticas para uma abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas, SP: Autores Associados. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, 72). Santos, V.M.M. (2010). Educação Sexual e Formação de Professor@s: um diálogo de professoras brasileiras e professor@s portuguesas. Fazendo Gênero 9 ‐ Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Em http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277391407_ARQUIVO_VeraMarquesFazendoGenero92
010TEXTOCOMPLETO.pdf Silva, M.C.P. (2007). Sexualidade na Infância. São Paulo: Casa do Psicólogo. 54
EDUCAÇÃO SEXUAL E FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES: UMA ESTRATÉGIA PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA Andreza Marques de Castro Leão, Paulo Rennes Marçal Ribeiro, Núcleo de Estudos da Sexualidade – UNESP O presente estudo tem por objetivo mostrar uma iniciativa do governo brasileiro no sentido de propiciar estratégias para o trabalho pedagógico de professores que atuam em sala de aula. A partir de um sítio da Internet, localizado em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html, os professores têm acesso a várias sugestões de aulas, com recursos multimídia, vídeos, animações, áudios, podendo estudar, pesquisar e explorar os conteúdos. É uma possibilidade que propicia aos professores conhecimento e troca de experiências didático‐
pedagógicas por meio de ações que podem ser aplicadas em sala de aula com a finalidade de subsidiar a reflexão permanente na e sobre a prática docente. No caso específico do campo da Educação Sexual, a utilização do Portal pode ampliar a noção de sexualidade do professor e levá‐lo a refletir sobre as atitudes e comportamentos sexuais; debater a questão da sua responsabilidade enquanto formador de opinião sobre questões ligadas às práticas sexuais e a valores e atitudes vinculados ao sexo; e instrumentalizá‐lo para que possa lidar com as dificuldades naturais resultantes dos tabus e preconceitos inerentes ao sexo, ao gênero e à orientação sexual. A escola é um espaço sexualizado e, como tal, acolhe todo o tipo de manifestação sexual, ainda que, na maioria das vezes de forma negativa, vigorando em seu espaço a dificuldade de se lidar com quaisquer comportamentos ou atitudes que exprimam curiosidade, desejo e prazer decorrentes da sexualidade (Pinto, 2007). Esta afirmação é complementada por Reis & Ribeiro (2005, p. 38) quando explicam que “a escola, geralmente tem uma visão de que sexo só é perigoso para os alunos, pode causar doenças, transmite a SIDA, é responsável pela gravidez precoce e indesejada. Ou seja, [...] associando‐o às doenças ou problemas.” A sexualidade não só nasce com o ser humano, como acompanha‐o por toda a vida e é responsável inclusive pela sua saúde psicológica e emocional. Todavia, nas escolas, geralmente não é percebida como algo que faz parte do desenvolvimento infantil, mas sim como um problema a ser evitado e uma manifestação que precisa ser controlada: para muitos professores “a sexualidade, de certa forma, é inimiga do trabalho pedagógico” (Senatore & Ribeiro, 2001, p. 163). Existe um temor de corromper a candura da criança, embora, como argumenta Maia (2005b), ela tem contato com os diferentes temas da sexualidade desde os primeiros anos de vida, uma vez que está cada vez mais exposta a estímulos relacionados ao sexo nas distintas instâncias sociais, como, por exemplo, a mídia, que 55 visualiza estas questões de forma intensa e repetitiva. Não obstante, o sistema educativo costuma desconsiderar a sexualidade como dimensão da própria existência humana (Camargo & Ribeiro, 1999; Ribeiro, Souza & Souza, 2004; Leão & Ribeiro, 2011). Outra temática importante para ser abordada na escola é o género. Desde a mais tenra idade ocorre nas distintas instâncias sociais um processo de ensinar a criança a que género pertence sob a ótica sexista, fato observado em situações quotidianas como a escolha das cores das vestimentas para os meninos e as meninas, nos brinquedos e brincadeiras, nos comportamentos e atitudes, estimuladas diferentemente para um e outro sexo (Leão & Ribeiro, 2011). Quanto ao contexto escolar, Maia (2005a) expressa que há formas subtis empregadas para reforçar esta educação nas brincadeiras, brinquedos e atividades oferecidas às crianças, sempre em função do género: comportamentos mais ativos e agressivos para meninos, e passivos e contidos para as meninas, assim como valores determinados diferencialmente para cada género. No Brasil, uma diretriz educacional lançada em 1997, denominada Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), destaca a questão de género como um dos elementos curiculares que deve ser trabalhado pelo professor em sala de aula. O género está presente não apenas em grande parte dos assuntos trabalhados nas disciplinas, mas também (e principalmente) no quotidiano escolar, nos comportamentos e atitudes de professores e alunos, nos corredores e salas de aula, até no material didático, o que torna essencial sua abordagem com os alunos, de forma que possam construir relações de gênero pautadas pela equidade, compreensão e respeito pelas diferenças (Brasil, 1997). O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (Brasil, 1998), outro documento brasileiro, chama a atenção para o caráter social das questões de género e sexualidade, da importância dos valores de igualdade e respeito entre as pessoas, e lembra que a educação infantil não só cuida do corpo da criança, mas o educa. O estudo das relações de género põe em evidência o processo de construção histórica das distinções entre homens e mulheres através da sociedade e da cultura. Este termo marca as construções sociais de caráter plural, não universal, inconclusa e mutável de homens e mulheres (Louro, 1997). A autora complementa dizendo que este conceito emerge da necessidade de se revelar a incoerência de se aportar no sexo, no sentido das características físicas do corpo, as diferenças entre homens e mulheres. São questões fundamentais para serem trabalhadas com crianças e adolescentes, sobretudo, porque os estereótipos nas relações de género insistem em se perpetuar na sociedade contemporânea (Leão & Ribeiro, 2011). A escola deve e precisa contribuir para erradicar tais estereótipos. Género e sexualidade são conceitos culturalmente construídos, e são temas que se complementam. Em nossa experiência, trabalhar com sexualidade implica em abarcar as relações de género. E a discussão das relações de género pede um diálogo com as atitudes, comportamentos e valores sexuais. Como a escola “não apenas reproduz ou reflete as concepções de género e sexualidade que circulam na sociedade, mas ela própria 56
a produz” (Louro, 1997, p. 80‐81), é essencial que a Educação Sexual tenha espaço oficial na escola porque sua influência é grande na formação dos alunos, que lá acabam por aprender a se posicionar sobre contextos sociais que envolvem cidadania e direitos, onde se inserem questões de igualdade de género e homofobia que precisam ser tratadas de maneira crítica e reflexiva (Maia & Ribeiro, 2011). Considerando, no entanto, que muitos dos professores apresentam receios e desconforto para esta intervenção (Figueiró, 2006; Leão, 2009), que a temática sexual acaba se envolvendo em uma malha de crendices e interditos de difícil abrangência para a maior parte destes profissionais (Leão, 2012) e que há precariedade em sua formação que possibilite um bom preparo para uma prática pedagógica em educação sexual (Leão, 2009; Leão, 2012), torna‐se imperativo o investimento na educação inicial e contínua dos professores com a inserção de métodos e técnicas para sua ação e conteúdos para seu conhecimento e aprendizado, instrumentalizando‐os para entender e trabalhar com temas de sexualidade, género e educação sexual. Uma educação sexual possibilita que possam se despir de seus temores e tabus e reeconheçam seu papel na transformação dos estereótipos sexistas presentes nas práticas pedagógicas e culturais da escola. OBJETIVO Este artigo tem por objetivo principal levar os professores a refletir sobre a importância e necessidade de se trabalhar com educação sexual no espaço escolar a partir da apresentação de um instrumento para a prática pedagógica que pode ser utilizado em educação contínua por meio de aulas disponíveis em um espaço virtual em um sítio educativo governamental. DESENVOLVIMENTO O Portal do Professor (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/recursos.html) é uma ferramenta complementar no trabalho docente, onde estão disponíveis inúmeras aulas que versam acerca de distintos e importantes temas. O intuito deste sítio é auxiliar os professores no preparo e implementação de suas aulas, apresentando diferentes estratégias e ferramentas que podem ser empregadas, inclusive com um espaço em que ele pode comentar, fazer sugestões e criticar as aulas disponíveis no sítio. Pode‐se dizer que este sítio atua como uma ferramenta de formação continuada em serviço do professor, permitindo que ele tenha acesso a assuntos atuais que precisam ser abarcados em sala de aula e as estratégias de como o fazer. Selecionamos, como objeto de ilustração para este artigo, duas aulas que são disponibilizadas neste portal, e que foram elaboradas visando apresentar aos professores modelos de como eles podem trabalhar com a questão das relações de género em sala de aula. 57 Aula 1 ‐ Diferentes, mas não desiguais Sugerimos para o início da aula que o professor apresente figuras de homens e mulheres para os alunos. O intuito desta atividade é que eles possam perceber e mencionar as diferenças físicas existentes entre homens e mulheres. É importante que o professor anote na lousaos aspectos que eles apontam como sendo diferentes em ambas figuras. O professor pode também, durante esta atividade, interrogar os alunos: • O que vocês acham que o homem e a mulher têm de diferente? • Os homens são tratados de maneira diferente das mulheres na sociedade? Em seguida, o professor deverá apresentar figuras de mulheres e homens realizando atividades domésticas sozinhos, objetivando desconstruir a ideia de que compete somente às mulheres as atividades domésticas. Neste momento, sugerimos que o professor promova uma discussão com os alunos sobre as atividades cotidianas domésticas. Neste sentido, abaixo apresentamos algumas questões norteadoras da discussão: • O que vocês acham destas figuras? • O que lhes vem a mente ao vê‐las? • É comum um homem lavando a louça? E cozinhando? Passando roupa? • O que vocês acham disso? Após as discussões feitas anteriormente, neste momento, o professor deverá ler para os alunos os aspectos apontados por eles, indagando‐os do por que destes aspectos, a fim de que tenham um espaço aberto e acolhedor, de maneira a poderem manifestar suas dúvidas sem ser criticados pelos seus comentários ou opiniões. O intuito é que esta atividade possa desconstruir os papéis socialmente definidos para homens e mulheres desempenharem. Em seguida, os alunos deverão ser divididos em três grupos para a realização de uma dinâmica em sala de aula. Assim, um grupo irá defender que a mulher deve, de fato, exercer atividades domésticas; outro que argumentará que compete ao homem tais atividades, sendo que o terceiro grupo terá de conciliar estas ideias, mostrando que tanto homens quanto mulheres podem exercer estas atividades. A fim de dar fechamento às atividades realizadas nestas aulas, o professor deverá solicitar que os alunos elaborem em grupos um texto jornalístico sobre a temática trabalhado em aula, de maneira que consigam traduzir o que eles puderam refletir sobre a mesma. Este texto será apresentado oralmente (em formato de um telejornal, por exemplo) pelos alunos em sala de aula. 58
Aula 2‐ Géénero em pauta:P
Panela lembra mullher? Futebol é coisa de homem? Como iníício da aula o prrofessor deverá mostrar m
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P
her? Futebol é coiisa de homem? Independente da resposta dos alunos o pro
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pertencer ao seu sexo. Após, o profeessor deverá solicitar as alunas, tam
mbém em grupos, p
para listarem as vantagens e desvantagen
ns de pertencer ao
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professor lerá com
m os alunos as carracterísticas citadaas, buscando a opinião dos mesmoss, se c
concordam ou não, e o porquê. Busca‐se, com estaa atividade, aguçaar o senso crítico dos alunos sobree os a
aspectos tratados.
Como con
ntinuação, sugerim
mos que o professor apresente a ttira retirada de um
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uem a razão do ceebolinha estar zanggado. (Disponíveel em: www.turmaadamonica.com.brr) Em seguid
da, o professor poderá solicitar qu
ue os alunos elabo
orem em grupo um u outro final para a t
tirinha, de modo q
que tanto a Mônicaa quanto o cebolin
nha fiquem felizes.
59 O professor solicitará que os alunos se dividam em grupo (no mínimo quatro grupos por turma). Cada grupo terá como atividade compor uma música, teatro ou ainda um texto tendo como cerne buscar desmistificar os preconceitos em relação à mulher e ao homem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estas aulas podem ser grandes aliadas no trabalho do professor em sala de aula, porquanto apresentam estratégias educativas dinâmicas, atrativas e de fácil compreensão dos docentes e dos alunos. No presente trabalho apresentamos duas delas como modelo ou exemplo, tendo escolhido aulas que abordam a questão de género, mas há diferentes temas no referido sítio (pedofilia, violência contra a mulher e contra a criança, puberdade, gravidez na adolescência, homossexualidade, entre outras), as quais podem ser aplicadas em sala de aula. É preciso esclarecer que ainda há muito a se fazer pensando na formação plena do profissional da educação para atuar com sexualidade. No entanto, este sítio é uma tentativa encontrada de auxiliá‐los para a prática pedagógica na formação em serviço, que mostra como os espaços virtuais de aprendizagem são extremamente úteis para a educação a distância. A sexualidade é um assunto indispensável de ser tratado em sala de aula, sendo o professor o principal profissional para a implementação da educação sexual. Em vista das dificuldades e da falta de formação de muitos destes, o portal do professor, ferramenta educacional do governo brasileiro, tem dado espaço para que educadores que atuam com a educação sexual postem aulas voltadas a esta temática. O que representa uma tentativa de instrumentalização dos profissionais da educação para a prática pedagógica. BIBLIOGRAFIA BRASIL (1997). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais ‐ terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais.Brasília: MEC/SEF. BRASIL (1998). Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF. CAMARGO, A. M. F.;RIBEIRO, C. (1999). Sexualidade e infâncias: a sexualidade como um tema transversal. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da Universidade de Campinas. LEÃO, A. M. C. (2009). Estudo analítico‐descritivo do curso de Pedagogia da UNESP de Araraquara quanto à inserção das temáticas de sexualidade e orientação sexual na formação de seus alunos. 343 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar), Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. LEÃO, A. M. C. (2012). A percepção do(a)s professore(a)s e coordenadore(a)s dos cursos de Pedagogia da Unesp quanto à inserção da sexualidade e da educação sexual no currículo: analisando os entraves e as 60
possibilidades para sua abrangência. 259 f. Relatório de Pós‐Doutoramento (Sexologia e Educação Sexual), Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. LOURO, G. L. (1997). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós‐estruturalista. Petrópolis: Vozes. MAIA, A. C. B. (2005a). Identidade e papéis sexuais: uma discussão sobre gênero na escola. In: MAIA, A. C. B.; MAIA, A.F. (org.). Sexualidade e infância.Bauru: FCL/CECEMCA; Brasília: MEC/SEF, p. 66‐ 83. MAIA, A. C. B. (2005b). Diálogos sobre sexualidade com a criança. In: MAIA, A. C. B.; MAIA, A.F. (org.). Sexualidade e infância. Bauru: FCL/CECEMCA; Brasília: MEC/SEF, p.120‐133. MAIA, A. C. B. & RIBEIRO, P. R.M. (2011). Educação sexual: princípios para ação. In: DOXA – Revista Brasileira de Psicologia e Educação. Araraquara: Departamento de Psicologia da Educação da UNESP, v. 15, n. 1. PINTO, H.D.S. (1997). A individualidade impedida: adolescência e sexualidade no espaço escolar. In: AQUINO, J.G. (Org.). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e prática. São Paulo: Summus, p.43‐51. REIS, G. V. dos; RIBEIRO, P. R.M. (2005). Sexualidade e educação escolar: algumas reflexões sobre orientação sexual na escola. In: MAIA, A. C. B. & MAIA, A. F. Sexualidade e infância. Cadernos CECEMCA. Brasília: Ministério da Educação; Bauru: UNESP, p. 34‐45. RIBEIRO, P. R. M. (1990). Educação sexual além da informação. São Paulo: E. P. U. SENATORE, R. C. M.; RIBEIRO, P. R. M. (2001) Um estudo sobre a sexualidade infantil a partir do discurso de um grupo de professoras. In: CHAKUR, C. R. S. L. (org.). Problemas da educação sob o olhar da psicologia. São Paulo/Araraquara: Cultura Acadêmica/Laboratório Editorial FCL, p. 141‐ 70. SOUZA, F.C. (2006). Meninos e meninas na escola: um encontro possível? Porto Alegre: Zouk. 61 62
EDUCACIÓN SEXUAL EN LA FAMILIA Y LA ESCUELA13 Félix López Sánchez, Universidad de Salamanca INTRODUCCIÓN Los problemas asociados a la forma en que adolescentes y jóvenes viven la sexualidad y las relaciones amorosas hoy día son muy numerosos y bien conocidos: embarazos no deseados, enfermedades de transmisión sexual, abusos sexuales, frustración en las relaciones, etc. No se trata de problemas generalizados, pero sí demasiado frecuentes, especialmente el primero de los señalados. Afectan a los adolescentes y jóvenes y muy especialmente y de manera aguda a los menores de edad. Por conocidos, no nos vamos a centrar en describirlos, ni en cuantificarlos, algo ya hecho en numerosas publicaciones como puede verse en la bibliografía citada (López, Fernandez‐Rouco, Carcedo, Kilani, y Blázquez, 2010). Lo que pretendemos es hacer una reflexión sobre sus posibles causas y la forma en que deberían ser afrontados, especialmente por la familia, la escuela y los profesionales de la salud. A nuestro modo de ver, entre otras causas, merecen ser tenidas en cuenta especialmente las siguientes causas de estos problemas: (a) la falta de información legitimada por la familia, la escuela y los profesionales de la salud, (b) las contradicciones de la sociedad en los planteamientos sobre la sexualidad de los adolescentes y jóvenes, (c) los nuevos mitos sobre la sexualidad, (d) los escenarios de ocio asociados al alcohol y otras drogas, (e) la carencia de figuras de apego adecuadas, que sean modelo de relaciones amorosas, (f) la falta de una verdadera educación sexual en la escuela y (g) la no implicación de los profesionales de la salud en la prevención y asistencia en este campo. 1 ‐ ¿ESTÁN BIEN INFORMADOS NUESTROS ADOLESCENTES Y JÓVENES? EL ROL DE LA FAMILIA, LA ESCUELA Y LOS PROFESIONALES DE LA SALUD EN RELACIÓN CON LA INFORMACIÓN. Los adolescentes y jóvenes tienen mucha información; no es, por tanto, en sentido estricto, un problema de información. Incluso puede decirse que les llega demasiada información sexual a través de los amigos o amigas, Internet, medios de comunicación y productos culturales como el cine. Hace más de diez años 13
O conteúdo essencial deste texto pode ser encontrado de modo mais desenvolvido em Félix López (2011). Guía para el desarrollo de la afectividad y de la sexualidad de las personas con discapacidad intelectual. Valladolid: Junta de Castilla y León, Gerencia de Servicios Sociales, Conserjería de Familia y Asuntos Sociales. Puede encontrar la publicación completa en: http://www.jcyl.es/web/jcyl/Familia/es/Plantilla100Detalle/1246991411473/Publicacion/1284190278266/Redaccion 63 que, con colegas de diferentes países, hicimos una investigación en España, Canadá y Francia; en los tres países tenían una información bastante precisa de cómo evitar los riesgos asociados a la actividad sexual. ¿Pero es esta información eficaz? La respuesta es también clara: no es eficaz en numerosos casos, de forma que hay, con frecuencia, una clara contradicción entre los conocimientos que tienen y su conducta. Y ¿cuáles son lascausas de esta conducta tan irracional? Seguramente muchas y no tan fáciles de precisar, aunque intentaremos hacerlo en este artículo. Por lo que se refiere a los conocimientos, carecen de una información legitimada por la familia, la escuela y los profesionales de la salud. Y como la información no está legitimada, no pueden usarla abiertamente, con libertad. La información que tienen sexual se oculta a la familia, a los educadores y a los profesionales y la usan, por tanto, de manera furtiva o simplemente no la tienen en cuenta. También la conducta sexual es furtiva: en lugares y tiempos que se ocultan, en formatos precipitados, con alguna frecuencia bajo los efectos de alcohol, etc. Si de la sexualidad y la actividad sexual no se puede hablar en familia y en la mayor parte de las escuelas, los adolescentes y jóvenes tienen que ocultar lo que saben y lo que hacen. Esto no favorece la conducta responsable, especialmente en los más jóvenes, como indican todos los estudios. Si la familia no habla de estos temas abiertamente y con buena información, los hijos, especialmente en la primera adolescencia, no saben muy bien a qué atenerse. La familia debe hablar abiertamente con los hijos de estos temas y ofrecerle una primera información sobre ellos, a la vez que colabora con la escuela. Naturalmente que la familia tiene el derecho y el deber de transmitir los valores en que creen, salvo fundamentalismos, pero no debe negarle informaciones básicas a los hijos; pueden y deben darle consejos, pero no pueden olvidar que tienen que prepararlos para que sean responsables y autónomos. La escuela debe ofrecer una información sistemática sobre todos los temas fundamentales de sexualidad (anatomía, fisiología sexual y de la reproducción, afectos sexuales y sociales: deseo, atracción, enamoramiento, apego, amistad y sistema de cuidados), anticoncepción, etc. En términos de valores la escuela puede y debe respetar los valores de la familia y cada alumno (salvo fundamentalismos) y transmitir valores éticos universales (como, por ejemplo: la ética del consentimiento, de la igualdad, del placer compartido, de la lealtad y de la salud), propuesta ética que hemos desarrollado en otras publicaciones. Los profesionales de la salud, en lugar de hacer objeción práctica casi generalizada, deberían incluir en sus entrevistas y en sus relación con los menores esta temática, en un clima de confianza, sin la presencia de los padres, de forma que les permitiera hablar con libertad y pedir informaciones concretas y ayudas. 64
2 ‐ LAS CONTRADICCIONES DE LA SOCIEDAD Y LAS CARACTERÍSTICAS DE LA ADOLESCENCIA Nuestra sociedad es muy contradictoria en relación a la sexualidad de los adolescentes y jóvenes: (a) Desde un lado de la contradicción, se ha liberalizado la comercialización de todo tipo de productos con contenido sexual y se usa la sexualidad como reclamo asociado en la publicidad de numerosos productos. Los contenidos culturales se impregnan, con frecuencia, de sexualidad con el único objetivo de llamar la atención, los programas de televisión inundan la pantalla de contenidos sexuales adultos muy explícitos y se centran en los trapos sucios de las relaciones interpersonales íntimas. La moda propone formas de vestir y estar atrevidas tratando el cuerpo, especialmente el de la mujer, como un objeto erótico, etc. De esta forma, los menores son incitados, excitados y hasta empujados a interesarse precozmente por asuntos adultos y a tener actividad sexual. (b) Desde el otro lado de la contradicción, los agentes socializadores (familia, escuela y profesionales) guardan silencio, asisten perplejos y desorientados a este espectáculo, no saben que hacer y, por ello, en muchos casos, se sienten sobrepasados y se quedan paralizados. Todos hablan de sexualidad (los productos culturales, la televisión, Internet, los amigos, los medios de comunicación, las revistas, las publicaciones pornográficas, etc.) menos los que tendrían hablar abiertamente, con informaciones precisas y valores familiares (la familia), valores universales (la escuela y los profesionales). Es así como hemos pasado de la represión obsesiva, la prohibición y el castigo a la permisividad desorientada. Padres, escuela y profesionales están paralizados, mientras esta sociedad de mercado ha convertido la sexualidad en un negocio directo o en un mediador de numerosos negocios. En medio, los adolescentes sufren la contradicción en los primeros años de la adolescencia y adquirien, en no pocos casos, un atrevimiento irresponsable una vez se acercan a la mayoría de edad. Y esto les ocurre además en una edad, que por razones evolutivas propias de cada generación adolescente, la conciencia de riesgos es menor, el sentimiento de poder es mayor, la presión del grupo es muy significativa, el sentido de la experimentación y la aventura se acrecienta, a la vez que se ponen en cuestión las opiniones y consejos de los adultos. Por ello, podríamos decir, que vivimos en una sociedad en la que no son pocos los agentes socializadores que renuncian de hecho a ayudar a los menores a vivir mejor la sexualidad. Con ello no queremos decir que la mayoría de las familias y todas las escuelas y profesionales lo estén haciendo mal y que la mayoría de los adolescentes asumen graves riesgos. La mayoría, eso dicen los estudios, son responsables retrasando la actividad sexual o teniendo actividades sexuales saludable. Pero sí afirmamos que son demasiados los que asumen riesgos graves y muchos más los desorientados, de forma que afrontar estos problemas debería ser un asunto prioritario. 65 3 ‐ LOS NUEVOS MITOS SOBRE LA SEXUALIDADE También los científicos, hijos finalmente de la misma cultura, han guardado silencio sobre la sexualidad, al menos hasta el siglo XX. Incluso durante siglos se limitaban a repetir los viejos mitos y las ideas sexofóbicas que han sido dominantes en nuestra cultura durante siglos. La sexualidad era considerada, antes que nada, un instinto peligroso que era necesario controlar. La actividad sexual era legitimada solo dentro del matrimonio heterosexual con el fin de procrear. Cualquier otra diversidad era etiquetada de desorden moral y natural. La masturbación, por poner solo un ejemplo, contra toda evidencia, se decía que producía daños físicos y psíquicos de todo tipo. A principios del siglo XX, con los planteamientos de Freud y, sobre todo, desde mediados de éste mismo siglo, los científicos empezaron a hacer estudios que cuestionaron con éxito esa visión confesional de la sexualidad. Hoy tenemos conocimientos bastante amplios sobre la sexualidad y, en general, se acepta que las personas pueden organizarse su vida sexual y amorosa de formas bien diversas, aún dentro de los criterios de salud sexual. Pero estos conocimientos científicos, incluso los más básicos, no se han generalizado entre la población, no se enseñan en la escuela y muchos profesionales los desconocen o, si no es así, se sienten incómodos y poco formados para usarlos en su práctica profesional. La actitud predominante sigue siendo de miedo e incomodidad, guardando por ello, casi siempre, silencio. Mientras tanto, las nuevas libertades sociales, que en el mundo occidental empezaron después de La Segunda Guerra Mundial y en España en los últimos años de la dictadura de Franco y en la transición a la democracia, han creado las condiciones para que se comercialice con todo tipo de productos sexuales. En esta sociedad de mercado en la que el valor dominante es vender y consumir, la sexualidad se ha convertido en un producto más, presentado de forma explícita o a través de Internet, programas de televisión, productos culturales de todo tipo y publicaciones diversas. La publicidad recurre de forma generalizada y muy explícita, también a contenidos sexuales para vender todo tipo de productos. Industrias específicas como la moda, la cirugía estética, la cosmética, la alimentación, la salud y los cuidados del cuerpo enfatizan una manera de vivir en la que resultar atractivo y atractiva sexualmente son valores prioritarios. El estilo de vida de numerosas personas jóvenes y adultas reflejan este gusto por consumir y estar en le mercado de las relaciones siguiendo los nuevos cánones en relación al cuerpo y la sexualidad. El mercado y las revistas de moda y la publicidad y buena parte de la población han construido así nuevos mitos sobre la sexualidad, una vez abandonados y hasta ridiculizados los antiguos. Mitos que, con frecuencia, comparten de forma más o menos explícita, algunos profesionales ya que han sido favorecidos por la ausencia de una adecuada formación en sexología. 66
¿Cuáles son estos mitos? No siempre son fáciles de señalar y describir porque se trata de un pensamiento difuso, que aparece aquí o allá, de forma más o menos explícita. Aun así creemos necesario ser capaces de indicar qué ideas se acaban haciendo dominantes en una sociedad, aunque no se sabe muy bien quién las propone y cómo se sostienen y cómo se usan. Citaremos algunas, esperando que inciten a una reflexión profunda y al estudio serio de lo que hoy sabemos sobre la sexualidad: a ‐La primera de ellas es la creencia en que “la actividad sexual es necesaria para la salud”. Reviste numerosas formas más o menos explícitas y suele referirse a diferentes manifestaciones sexuales. Según ella, por ejemplo, se puede uno encontrar publicaciones (incluso apoyadas por administraciones públicas) en las que en relación con la masturbación se dicen cosas como: “no te lo pierdas”, “parece lógico que uno se conozca a sí mismo antes de conocer a otro”, etc. Hemos pasado de de un viejo mito (“la masturbación es una conducta desviada que causa graves problemas) a un nuevo mito (“masturbarse es una condición para la salud general o sexual”). Coitar, descargar la tensión sexual en orgasmos, fue visto como una condición para la salud por W‐ Reich, discípulo que siguió al pié de la letra al primer Freud. Esta creencia está hoy bastante extendida en revistas de divulgación y se usa en la publicidad. Incluso no es raro escucharla de forma más o menos explícita en profesionales. De hecho es un mensaje que llega a muchas personas. Un señor de 75 años me dijo durante una de mis intervenciones: “No entiendo por qué tener relaciones sexuales, que antes estaba prohibido, era malo y pecado, desgastaba, etc., hoy es obligatorio”. La verdad es que la naturaleza de la sexualidad permite a los seres humanos organizar su vida sexual de formas muy diferentes, con o sin actividad sexual explícita, como hemos explicado tantas veces al exponer el modelo biográfico‐profesional (López, 2005a). Nos ha costado descubrir que en este campo podemos ser más libres de lo que pensábamos en el pasado, ¿tiene sentido crear nuevas obligaciones? b ‐ La segunda afecta especialmente a los adolescentes y jóvenes. Aparece, sobre todo, en forma de práctica profesional en bastantes educadores sexuales. Consiste en intervenir bajo el supuesto (aunque no suele explicitarse) de que “todos los adolescentes y jóvenes tienen o es conveniente que tengan actividad sexual (implícitamente “coital”)”. Algo que no se corresponde con la realidad, como puede verse en los estudios sobre las conductas sexuales de adolescentes y jóvenes, y que contribuye de forma directa o indirecta a presionarlos para que tengan actividad sexual. De esta manera, hemos pasado de un modelo moral que hace de la abstinencia un deber para todos los no casado heterosexualmente (legítimo discurso religioso, pero no modelo de educación sexual que pueda ser aceptado en la escuela pública de un país no confesional) a un modelo prescriptivo, denominado así 67 porque, de hecho, prescribe la actividad sexual para todos. Este modelo es peligroso, sobre todo, entre los más jóvenes, especialmente si va asociado el silencio y la permisividad familiar. ¿Seremos capaces de educar en libertad, la responsabilidad, la salud, etc., dejando de proponer modelos obligatorios uniformes represivos o prescriptitos? 4 ‐ LA FALTA DE FIGURAS DE APEGO ADECUADAS. LA FAMILIA EN CONFLICTO Y SILENCIOSA Finalmente, lo más importante de la educación sexual depende de la familia (López, 2005b). Y eso que llamamos “lo más importante” es ofrecer a los hijos una experiencia familiar en la que sus figuras de apego se tratan con respeto, saben afrontar los conflictos y tienen una buena relación amorosa, a la vez, claro está, que son cuidadores adecuados de sus hijos. Varios aspectos, por tanto, son nucleares en la experiencia familiar: (a)
Tener modelos de cuidadores que sepan tratarse bien, no solo evitar el maltrato, respetarse, cuidarse mutuamente y transmitir de una u otra forma que las relaciones amorosas valen la pena, son un valor fundamental, y pueden salir bien. Uno de los peligros actuales es que los menores de edad adquieran la idea de que las relaciones amorosas son conflictivas y no valen la pena. En el caso de que haya conflictos, que sepan afrontarlos y, si llegarán a separarse, lo hagan de mutuo acuerdo, cuidando el hacer sufrir a los hijos lo menos posible, sabiendo que no se separan de los hijos y que deben seguir colaborando en sus cuidados. En una publicación muy reciente nos ocupado de este tema analizando los errores que se cometen y proponiendo cómo deben comportarse los padres en un proceso de separación (López, 2010). (b)
sexual son: Recibir los cuidados esenciales. Entre ellos, los que más tienen que ver con la educación •
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Aceptar a los hijos incondicionalmente de forma que se sientan seguros, sabiendo que sus padres no les van a fallar. Aprenden así que existen las relaciones seguras y adquieren una confianza básica fundamental en el ser humano y su capacidad de amar. Estimar a los hijos, para que se sientan valiosos, dignos de ser amados. Interactuar con ellos de forma íntima, para que aprendan a usar y disfrutar el código de la intimidad (mirar y ser mirados, acariciar y ser acariciados, compartir el espacio de intimidad, expresar, entender y compartir emociones, etc.), tan importante en las relaciones amorosas adultas. Ofrecerle informaciones básicas sobre sexualidad respondiendo a sus preguntas de forma abierta, hablando positivamente de las relaciones amorosas, haciendo una prevención básica de los riesgos sexuales (abusos sexuales, embarazo no deseado, etc) y colaborando con la escuela. La familia es el agente socializador más importante, también en todo lo que se refiere a las relaciones sexuales y amorosas. Es fundamental que los padres se comuniquen abiertamente con los hijos sobre estos temas, pero lo es más que la familia sea un lugar donde un grupo de personas se protegen, se apoyan y se quieren. Y donde, específicamente, se vida la experiencia de que los adultos emparejados se respetan, tratan con igualdad y se quieren. Es así como en la familia se adquieren dos cosas fundamentales que solo las figuras de apego pueden ofrecer: la confianza‐certeza básica que los seres humanos saben tratarse bien y quererse, por un lado, y el código de comunicación necesario a toda relación íntima (entre padres e hijos o entre los miembros de una pareja sexual y amorosa). 5 ‐ LA FALTA DE UNA VERDADERA EDUCACIÓN SEXUAL EN LA ESCUELA La historia de la educación sexual en la escuela española es la historia de un fracaso. Las diferentes propuestas de los gobiernos sobre este tema han sido retóricas, no garantizando una verdadera educación sexual en las escuelas. Solo en algunos centros muy concretos y, con frecuencia, fuera del horario escolar, se ha hecho una cierta educación sexual. En otro lugar hemos hecho una valoración crítica de las propuestas del gobierno y la realidad de la educación sexual en España (López, 2005a). Los dos problemas mayores son que se han limitado a proponer la educación sexual como un contenido transversal y que no han formado a los educadores en este campo. Por ello, si la responsabilidad es de todos los profesores y de ninguno en concreto y, además, no se les forma para ello, el resultado no podía ser otro que un fracaso. La última propuesta de una materia de educación para la ciudadanía no solo es contraria a la propuesta general de contenidos transversales (¿por qué la educación en la ciudadanía no es un contenido transversal?), cayendo en una contradicción evidente, sino que al incluir en ella la educación sexual reconocen el fracaso de la propuesta transversal general aun vigente. Por cierto, esta propuesta de educación para la ciudadanía también la hemoscriticado en otra publicación con más detalle (López, 2009b). ¿Qué debería hacer la escuela? En primer lugar, formar a los educadores, al menos a algunos de ellos de cada centro, para que puedan hacer educación sexual de forma específica. En segundo lugar, elaborar o adaptar programas de educación sexual para cada uno de los ciclos. En tercer lugar, asignar tiempos específicos, recursos y dedicación de algunos profesores para este trabajo. Crear un área de Calidad de Vida, de Salud o de Promoción del Bienestar, con una hora de dedicación 69 semanal para todo aquello que la escuela puede hacer explícitamente con la educación formal para ayudar a los ciudadanos a vivir mejor, es lo que hemos propuesto, siguiendo el modelo de algunos países. Desde este espacio se puede colaborar con las familias, los sanitarios y conseguir influir transversalmente todo el currículo educativo sobre contenidos como la salud, la sexualidad, el consumo, la ecología, la educación social, etc. En cuarto lugar, cuidar el currículo oculto escolar de forma que los valores asociados a la educación sexual impregnen, de ésta forma sí, transversalmente la vida escolar. La colaboración de todo el equipo educativo sí es fundamental para cubrir este objetivo. De esta forma, se conseguiría que la escuela cumpliera su función esencial en educación sexual: ofrecer conocimientos profesionales, programados y secuenciados, sobre la sexualidad. Aquellos conocimientos que son esenciales para vivir bien la sexualidad y evitar los problemas asociados a las actividades sexuales de riesgo. Estos conocimientos deben incluir entre otros contenidos los siguientes: anatomía básica, fisiología de la respuesta sexual humana y de la reproducción, identidad sexual y género, orientación del deseo, afectos sexuales (deseo, atracción y enamoramiento) y afectos sociales (apego, amistad y sistemas de cuidado), tipos de parejas y familias, anticoncepción, etc. Una propuesta específica de estos contenidos, por ciclos, puede encontrarse en López (2005a). A estos contenidos hay que añadir la transmisión de una serie de valores éticos universales (ética del consentimiento, ética de la igualdad entre sexos, ética del placer compartido, ética de la lealtad, ética de la salud, etc.), compatibles con un sistema social democrático no confesional y la diversidad sexual saludable. Nuestra propuesta es aplicar un modelo biográfico y profesional que respete el derecho de las personas a organizar su vida sexual y amorosa y el derecho de las familias a transmitir los creencias y valores que consideren adecuados, a la vez que la educación sexual escolar (basada en conocimientos profesionales y valores universales) se considera un derecho de los menores que no puede ser cercenado por la familia. A lo largo de los años hemos conseguido que ésta propuesta no resulte conflictiva a creyentes o no creyentes, a las personas conservadoras o a las personas liberales. Nos alejamos así de forma muy clara de los modelos religiosos que defiende “la abstinencia para toda persona que no éste casada heterosexualmente” (esto nos parece una propuesta religiosa muy respetable, que puede hacerse desde la iglesia o la familia, pero no un modelo de educación sexual en la escuela aceptable en un país no confesional) y de los modelos prescriptivos que de una forma explícita o implícita trabajan con la idea de que todos los adolescentes tienen o van a tener y es conveniente que tengan actividad sexual, sin excluir el coito. En definitiva, creemos que la naturaleza humana nos permite tomar decisiones sobre nuestra vida sexual y amorosa, en eso nos distinguimos de la mayor parte de las especies, y que, por tanto, caben una gran diversidad de formas de vivir la sexualidad. Promocionar que las personas puedan ser lo más libres posibles, a la vez que responsables, es lo fundamental. Por ello concedemos gran importancia a los conocimientos y la 70
ética de las relaciones amorosas. Los conocimientos y éstos valores, antes solo citados, ayudan a fomentar el bienestar personal y social, a la vez que permiten una gran diversidad de biografías sexuales y amorosas. Para ello, la escuela debe colaborar con la familia, respetando el rol de cada agente socializador, siendo concientes de que finalmente se trata de preparar al cada niño y niña para que sepa tomar decisiones de forma responsable en el campo de la sexualidad, concediéndole, a medida que avance su edad, mayor autonomía. La educación finalmente debe intentar que las personas acaben siendo autónomas, libres, éticas y responsables de sus actos, entendiendo que de lo que se trata es de facilitarles aprendizajes para la vida que les eviten errores y las faciliten aciertos que les hagan más felices. 6 ‐ LA FALTA DE IMPLICACIÓN DE LOS PROFESIONALES DE LA SALUD Los profesionales de la salud, especialmente los médicos de familia y todo el personal de los centros de salud, así como los pediatras, ginecólogos, etc., salvo un grupo muy minoritario, no se han involucrado nunca en la prevención y asistencia en relación con los riesgos asociados a las prácticas sexuales de riesgo. Menos aún en la ayuda para que vivan mejor la sexualidad, desde un enfoque positivo. Los riesgos consumados los ha derivado el gobierno a clínicas privadas (caso del aborto) y la anticoncepción de emergencia (píldora del día después) a las farmacias, llegando a legislar que los menores puedan comprar sin receta anticonceptivos de emergencia e incluso abortar sin conocimiento de la familia cuando la menor aduce problemas familiares. Tal manera de proceder expresa muy bien como los gobernantes tiran por la calle del medio, sin afrontar los problemas, promoviendo que familiares y sanitarios se desentiendan de los temas relacionados con la sexualidad de los menores. Los sanitarios deberían colaborar con la familia y la escuela en la prevención de riesgos y el la transmisión de conocimientos sexuales profesionales, abrir consultas específicas para adolescentes y jóvenes y tener entrevistas confidenciales (sin la presencia de los padres) en las que dentro de los temas de salud se ofrecieran informaciones y ayudas en este campo. En este caso, no se trata de alejar a los hijos de la familia, sino de crear un clima profesional de confianza, que los propios padres aceptan muy bien cuando se les explica el sentido, en el que los adolescentes y jóvenes tenga la oportunidad de hablar y ser ayudados por un profesional de la salud. Los programas comunitarios de prevención (con alternativas de vida y ocio saludables) en los que, por barrios o distritos de salud, los educadores, los profesionales de la salud y las familias colaboran pera prevenir los riesgos que amenazan la salud sexual y la salud en general (por ejemplo, el consumo de alcohol y tabaco u otras drogas, los accidentes de tráfico, etc.) es la propuesta más global y adecuada que deberíamos hacer para conseguir que adolescentes y jóvenes tengan un estilote vida saludable en todos los campos. 71 Sabemos, por tanto, lo que hay que hacer y cómo llevarlo a cabo, falta una verdadera conciencia social de lo que nos jugamos con este tema y una respuesta adecuada de las familias, la escuela y los profesionales de la salud. Para ello es fundamental que los políticos se tomen en serio la salud de nuestros adolescentes y jóvenes, cosa que no ha hecho ningún gobierno desde la transición. BIBLIOGRAFIA Bullough V. Children and adolescents as sexual beings: a historical overview. Child and Adolescent Psychiatric Clinics of North America.2004; 13: 447‐59. Davies S, Glaser D, Kossof R. Children’s sexual play and behaviour in pre‐school settings: staff’s perceptions, reports and responses. Child Abuse and Neglect.2000; 24: 1329‐43. Friedrich W, Sandfort T, Oostveen J, Cohen‐Kettenis P. Cultural differences in sexual behavior: 2‐6 year old Dutch and American children. Journal of Psychology and Human Sexuality.2000; 12: 117‐29. Kaeser F, DiSalvo C, Moglia R. Sexual behaviors of young children that occur in schools. Journal of Sex Education and Therapy.2000; 25: 277‐85. Larsson I, Svedin C. Teachers’ and parents’ report on 3 to 6 year old children’s sexual behaviour: a comparison. Child Abuse and Neglect. 2002; 26: 247‐66. López F. La prevención de los abusos sexuales y la educación sexual. Salamanca: Amaru; 1995. López F, Del Campo A, Guijo, V. Prepuberal sexuality. European Journal of Medical Sexology.2003; 12: 49‐65. López F. Conducta sexual de mujeres y varones. Iguales y diferentes. En: Barbera E, Martínez I, eds. Psicología y género. Madrid: Pearson; 2004. p. 145‐70. López F. Educación sexual. Madrid: Biblioteca Nueva; 2005a. López F. Educación sexual de los hijos. Madrid: Pirámide; 2005b. López F. Familia y Homosexualidad. Barcelona: Grao; 2007. López F. (2009) Amores y desamores: procesos de vinculación y desvinculación sexual y afectiva. Madrid: Biblioteca Nueva. López, F. (2009b) Las emociones y la educación. Madrid: Morata. López F. (2010). Separase sin grietas: como sufrir menos y no hacer daño a los hijos. Barcelona: Grao. López F., Fernández‐Rouco N., Carcedo, R., Kilani, A. y Blázquez M. I. (2010). La evolución de la sexualidad prepuberal y adolescente: diferencias en afectos y conductas entre varones y mujeres. Cuestiones de Género: de la igualdadf a la diferencia. 165‐185) Sandfort T, Cohen‐Kettenis P. Sexual behavior in Dutch and Belgian children as observed by their mothers. Journal of Psychology and Human Sexuality.2000; 12: 105‐15. 72
Sandnabba N, Santtila P, Wannäs M, Krook K. Age and gender specific sexual behaviours in children. Child Abuse and Neglect.2003; 27: 579‐605. Topolski T, Patrick D, Edwards T, Huebner C, Connell F, Mount K. Quality of life and health risk behaviors among adolescents. Journal of Adolescent Health.2001; 29: 426‐35. Vizcarral MB, Balladares E, Candia C, Lepe M, Saldivia C. (2004).Conducta sexual durante la infancia en estudiantes chilenos. Psicothema. 2004; 16: 58‐63. 73 74
EDUCAR A SEXUALIDADE OU EDUCAR PARA A SEXUALIDADE Daniel Serrão, UCP‐Porto 1. Permitam‐me que escreva um texto pessoal, pouco académico e com a intenção de ser comunicativo e concreto mais do que hermético e abstrato. Eu sei que, na esteira de Bernhard Fraling, a sexualidade humana pode ser analisada na perspetiva da antropologia filosófica e numa vertente predominantemente psicológica. E logo vem à colação a riquíssima e abrangente concetualização de Sigmund Freud que, ao criar o conceito de libido, intuiu que os seres humanos têm uma “pulsão” interior para o que lhes é exterior. O objeto escolhido e procurado para a satisfação deste impulso, deste movimento pessoal para um outro, pode ser parte do mundo natural, inerte e cósmico, pode estar no mundo vivo, vegetal ou animal, ou pertencer à categoria dos humanos. A procura deste objeto é o exercício da libido; e o seu achado e disfrute gera prazer pessoal. A libido, como impulso interior, nasce na pessoa, como um todo, tem um objecto definido e procurado e busca como fim a satisfação ou felicidade da pessoa. Já Freud, mas especialmente os seus discípulos e os psicólogos que dele divergem não reduzem a libido à simples procura de prazer genital, nem consideram que a sexualidade humana se exprime apenas pela genitalidade e pelo prazer orgásmico. Temos de ter em conta, nesta brevíssima síntese da conceção freudiana, que Freud partiu da patologia sexual observada nos doentes psíquicos que o consultavam na sua clínica de Viena, para construir uma teoria causal das neuroses que tivesse capacidade explicativa e fundamentasse uma intervenção terapêutica. A descoberta, genial, de que o trabalho da libido na definição e busca do objeto sexual, o dito impulso, aconteceria, em grande parte, fora do controlo da consciência percetiva – e, até, podendo por esta, ser negado ou repudiado – está já amplamente confirmado pela moderna neurobiologia14. Analogicamente, Freud referia‐se à libido como uma “energia” psíquica; os neurocientistas atuaisexplicam que é uma “energia” eletroquímica que percorre as redes neuronais e se manifesta quimicamente, nas sinapses. Em termos coloquiais, os jovens dizem que “é uma questão de adrenalina”. Não é rigoroso atribuir o impulso libidinoso apenas à adrenalina mas serve como imagem para a atual explicação neurobiológica do conceito freudiano de libido. 75 Sei tudo isto mas reconheço que o que devemos a Freud está adquirido e atrevo‐me a resumir este adquirido numa frase apenas: a sexualidade é uma estrutura constitutiva do ser humano e manifesta‐se nos quatro níveis principais da realização humana que são o corporal (biológico), o mental (cerebral), o espiritual (transcendente) e o cultural (social). A sexualidade não cabe, apenas, numa antropologia biológica porque ela invade a neurobiologia das emoções, a complexa dinâmica do amor humano e todos os aspetos culturais das sociedades humanas que incluem a moralidade pública e a religiosidade. 2. Haverá na sexualidade um lugar para a educação? É claro que há um lugar e importantíssimo. Vou distinguir entre educar a sexualidade e educar para a sexualidade. Educar a sexualidade é uma tarefa predominantemente pessoal e configura uma responsabilidade autónoma. Cada um a faz; e pode fazê‐lo bem ou mal. Como acontece em tantos outros aspetos do desenvolvimento individual. Esta educação começa, como assinala Freud, e bem, pelo reconhecimento das zonas erógenas do corpo, primeiro inconsciente, como o presumível prazer do nascituro que se amamenta e, depois, consciente no conhecimento dos órgãos sexuais individuais. Este conhecimento está, em regra, completado no final da adolescência, mais cedo na rapariga, um pouco mais tardio no rapaz. Com ele fica construída a identidade do sexo corporal que, por força da programação genética executada pelos cromossomas, divide os seres humanos em duas identidades corporais, uma masculina, outra feminina. Embora o conhecimento, pelo indivíduo, da morfologia do que chamamos carateres sexuais secundários seja fácil e evidente, pela simples observação, a sua fisiologia terá de ser aprendida pela leitura e/ou por comunicação oral. Completada esta fase de conhecimento do próprio corpo como corpo sexuado falta saber como, a partir dele, cada um constrói a sua identidade sexual. E como, a partir desta identidade, escolhe o objeto de desejo sexual corporal. 14
Não tenho dúvidas de que se esta confirmação do inconsciente como um estado psíquico mas com um correlato morfológico e funcional no cérebro humano, tivesse sido provada em vida de Freud ele teria recebido um Prémio Nobel. Dizem alguns biógrafos que ele acalentou a esperança de o receber durante toda a sua vida.
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Se aceitarmos, como faz Clara Costa Oliveira, que, no interior de uma doutrina autopoiética, é muito difícil atingir um conhecimento isento de contaminações subjetivas, quando o observador faz parte do que fenomenologicamente observa, a dificuldade é manifesta. Neste processo, a pessoa observa os seus próprios órgãos sexuais secundários e atribui‐lhes um sentido que o putativo educador externo não conhece, à partida, e que dificilmente conhecerá mesmo que se envolva num processo de educação da sexualidade do outro. A educação da sexualidade de cada um por cada um é um processo que cabe no conceito de auto‐
organização bem analisado por Clara Costa Oliveira. Como acentua esta especialista de educação para a saúde “A aprendizagem ocorre usualmente em processos dinâmicos nos quais os seres vivos são agentes e não atores passivos de informação externa a si próprios”. O desconhecimento do sentido ou significância que o sujeito individual atribui ao conhecimento progressivo das formas e das funções dos seus carateres sexuais secundários deixa‐nos sem uma metodologia adequada para a criação de um modelo didático de ensino/aprendizagem. Cristina Sá Carvalho, autora de um Guia para Professores em Educação da Sexualidade, livro que, no Prefácio que para ele escrevi, considerei “Necessário e Oportuno”, propõe como método didático os Professores responderem às perguntas dos alunos e alunas, tendo na devida conta os fatores pessoais e sociais que tornam muito diferente os sentidos e significâncias que o jovem atribui ao conhecimento direto dos seus carateres sexuais secundários. O segundo passo na educação da sexualidade pessoal por iniciativa do sujeito individual é a escolha de um objeto sexual para que seja atingido um fim que é a felicidade e o prazer. Se o objeto sexual é o corpo próprio sexuado desenvolve‐se a atividade masturbatória com a manipulação dos órgãos genitais externos dirigida à finalidade da obtenção do prazer. O prazer é um resultado complexo que tem graus diversos e que se exprime nos vários níveis de resposta cérebro‐motora aos estímulos externos. Como um orgasmo, apenas sensório‐motor, manifesta‐se em todos os animais pertencentes à espécie gonocórica, ou seja, com duas formas corporais, uma masculina outra feminina, e é promotor da união genital em ordem à procriação e conservação da espécie. Ao lado da memória biológica da compensação positiva resultante do coito, e que motiva a repetição, devemos ter em conta a multiplicidade de estratégias corporais eróticas desenvolvidas por machos e fêmeas para provocarem o encontro corporal e genital. O catálogo é extenso em todas as espécies, umas usando o sentido visual – cores, formas, movimentos, posturas, etc. – outras, o sentido auditivo – os cantos nupciais, os sons prolongados do cio, etc. – e, em muitas, o sentido olfativo estimulado pelas feromonas. 77 Na espécie humana todos estes erotismos estão ativos – visual, auditivo, e olfativo – e porque é um animal sem penas e com poucos pelos fora das áreas genitais deve acrescentar‐se a erotização do contacto da pele e das mucosas de transição (lábios, língua, ânus e vulva). A autoeducação da sexualidade desenvolve‐se a partir da adolescência com a prática destas estratégias de sedução que passam pela exibição visual do corpo próprio ao outro, do mesmo sexo ou de sexo diferente, pelo contacto entre os corpos, pelo contacto dos genitais até ao coito completo. Esta evolução, que hoje é cada vez mais rápida a avaliar pelos inquéritos aos comportamentos sexuais dos jovens no Ensino Secundário, sendo na sua raiz e na sua finalidade, uma educação pessoal que conduz, mais ou menos conscientemente, a uma decisão, dá espaço e tempo para a segunda educação que referi como educação para a sexualidade. Educar para a sexualidade é preparar a pessoa para decidir sobre os seus comportamentos sexuais. Não se trata, agora, de sexualidade em perspetiva individual mas em perspetiva dialogal – um eu e um outro que avançam para um cruzamento de sexualidades individuais. A tónica que proponho nesta edução para a sexualidade, entre muitas outras possíveis, mais abstratas ou mais concretas, é a tónica da educação para a saúde sexual. Porquê? Porque ter saúde, viver com saúde é um objetivo comum a todos nós e manifesta‐se já na adolescência. Fala‐se, hoje, cada vez mais, por causa da tragédia do síndroma metabólico ou obesidade patológica, na necessidade de iniciar muito cedo, pelos 10‐12 anos, um programa escolar de educação para a saúde nutritiva. Sem querer invocar outra vez Freud, que usou a fome como causa do impulso libidinoso do prazer de comer, direi que o impulso para a sexualidade deve ser visto pelos sujeitos como um caminho para a saúde e não para a doença. Temos aqui um vasto campo para a intervenção educativa. É preciso conseguir que os jovens percebam e interiorizem que os contactos sexuais não são apenas fomentadores da alegria do prazer dado e recebido. Podem ser causa de doenças muito graves, algumas das quais, como a papilomatose vírica, podem destruir a possibilidade de usar os órgãos genitais. Podem transmitir a sífilis, a gonorreia, a doença de Nicolas‐
Favre. Podem ser a causa de hepatite com evolução para a cirrose hepática e o cancro. E podem ser o meio de se infetarem com o vírus da SIDA, até há pouco uma doença mortal, hoje, uma doença crónica muito incapacitante. É preciso falar abertamente aos jovens que já fizeram a educação da sua sexualidade, que a prática sexual tem de ter regras bem conhecidas e respeitadas. 78
A primeira é a de que o sexo promíscuo, que não é apenas o da prostituição e pode ser até o de colegas da Escola, é, por princípio, um sexo sujo e perigoso. E que a única atitude inteligente e sensata é a proteção defensiva. Idealmente, a melhor proteção é a abstinência de coitos ocasionais, até que, o mais cedo possível, inaugurem uma vida a dois, monogâmica e mutuamente fiel. Esta é a sexualidade limpa, descontraída, feliz e, principalmente, é uma sexualidade saudável e promotora de saúde. Na vida moderna, ou já pós‐moderna, em que parece predominar um egocentrismo ou egotismo dominante e tudo na vida pessoal se orienta para o princípio do prazer, esta proposta pode parecer absurda e votada ao fracasso. Mas não é verdade. Muitos milhões de jovens em todo o mundo, até em África, estão a perceber que o pequeno prejuízo de terem de esperar algum tempo até iniciarem uma vida conjugal sexualmente muito rica, segura e compensadora, vale bem a pena. Esta opção assumida livremente pelos jovens resultou numa diminuição significativa de novos casos de SIDA nas mulheres jovens e nos seus companheiros, num país africano e em algumas regiões do Brasil, o que não foi conseguido com a livre e intensiva distribuição de preservativos; o preservativo passa a dupla mensagem de sexo limpo e de sexo promíscuo que é sempre sexo sujo, que mantém a propagação do vírus HIV em todas as relações – e são muitas – em que o preservativo não é usado ou não funciona como barreira eficaz à transmissão do vírus. Limpar o mundo da tragédia da SIDA só se conseguirá quando se limpar a sexualidade. Não é saúde sexual a gravidez em adolescentes. Em Portugal, apesar da distribuição gratuita da pílula inibidora da ovulação e do preservativo, temos um número elevado de gravidezes em adolescentes, o que deixa espaço para a promoção de abstinência de relações sexuais completas antes da idade própria e antes do desenvolvimento físico capaz para o corpo suportar uma gravidez. Mas se a jovem, quando foi fazendo a educação da sua sexualidade decidiu que não usaria a sua sexualidade para engravidar, então tem o dever ético de inibir a sua ovulação porque o preservativo não dá proteção absoluta. Do meu ponto de vista pessoal, para quem não opte pela abstinência durante a adolescência, todas as medidas anticoncecionais são eticamente mais apropriadas que a brutalidade do abortamento em que uma nova vida humana é arbitrariamente destruída. 79 3. O último ponto que quero comentar neste texto que pretendo mais de comunicação pessoal que de reflexão académica, diz respeito a quem deverá fazer a educação para a sexualidade. Sempre se coloca, em primeiro lugar, a família: Mas qual família? A família nuclear – pai, mãe, filhos? A família alargada – avós, tios, primos? A família social – parentes afastados, amigos íntimos? E se a família é monoparental? E se a família é recomposta após divórcio, com um dos membros que não é pai ou mãe dos filhos que é suposto serem educados na família? E se a família é má, disfuncional, violenta e alcoólica? E se a família, além de disfuncional, é sexualmente perversa? Não proponho interrogações abstratas, refiro situações concretas identificadas no nosso país pelos Tribunais de Menores e objetivadas pelas centenas de crianças entregues, diria melhor, abandonadas, em Instituições desadequadas nalgumas das quais predominam sexualidades perversas (lembro entre muitos casos, a morte do infeliz travesti por jovens adolescentes que estavam numa dessas Instituições), e das muitas centenas entregues a famílias de acolhimento que recebem algum dinheiro por este serviço e que pode ser péssimo para o desenvolvimento das crianças. Mas vou admitir, com estas reservas, que uma família sexualmente saudável pode educar os seus membros jovens para uma sexualidade saudável. Mas se numa destas famílias que vivem uma sexualidade (aparentemente) perfeita surge um caso de gravidez na filha adolescente ou de seropositividade no filho jovem, alguma coisa correu muito mal. E pode ter sido nas condições exteriores com as quais e pelas quais o jovem fez a educação da sua sexualidade pessoal ou das ações diretas e indiretas com as quais a família pretendeu educar o seu membro jovem para a sexualidade. Se a família se assume como a educadora dos seus membros jovens para o exercício da sexualidade tem de fazer uma preparação adequada e em tempo oportuno, ou seja, antes de surgirem os problemas comportamentais15. A segunda estrutura apontada como educadora em matéria sexual é a Escola Secundária. 15
Penso que o livro já referido de Cristina Sá Carvalho, destinado a Professores, pode ser um auxiliar precioso para os Pais que queiram fazer com seriedade, competência e tempo a educação dos seus filhos para a sexualidade. Sem tabus nem mentiras para não terem surpresas. 80
Arriscando‐me a ser excomungado pelos defensores do que chamam educação sexual nas Escolas atrevo‐me a dizer que não consigo vislumbrar uma instituição mais desadequada para esta tarefa que a Escola Secundária. Vou argumentar. Como educador da sexualidade individual é inútil pois é o jovem que se encarrega pessoalmente de tal tarefa. É ele que se descobre, progressivamente, como corpo sexuado, ; é ele que vive o enamoramento à sua maneira ; é ele que evolui no tempo, modificando‐se ao sabor das circunstâncias. Que vão ensinar os Professores? Dizer às meninas que vão perder algum sangue pela vagina todos os meses. Explicar aos rapazes que a ereção peniana é coisa boa; ou ensinar rapazes e raparigas adolescentes a masturbarem‐se? Já houve quem, no nosso sistema educativo, o propusesse com base na má atitude educativa dos Pais que escondiam estas “verdades” aos seus filhos e os proibiam de falar de sexo em casa. Tudo isto é ridículo e só passa pela cabeça de quem não tenha contacto com os jovens fora do ambiente escolar e do espaço familiar. Sobre genitalidade os jovens não têm hoje nenhuma ignorância. Os grandes educadores da sexualidade são os jovens, com o apoio permanente e diversificado de jornais, revistas, filmes, vídeos, programas de televisão, redes sociais e outros meios de transmissão de conhecimento. As jovens adolescentes enviam constantemente aos rapazes fotos em poses sexy que eles se encarregam de divulgar com comentários que vão do jocoso ao obsceno, consoante a fase em que se encontrem da educação da sua sexualidade. É no ecrã do computador ou do telemóvel que nasce o impulso sexual e a libido é, essencialmente, internética. Deixem a Escola em paz e fora de qualquer tarefa de educação da sexualidade. Mas a Escola pode e deve fazer educação para a sexualidade. Desde logo informando, em abstrato, dos riscos e dos benefícios de uma sexualidade saudável, em geral e para todos os alunos de uma turma, de ambos os sexos. Porque este ensinamento não se dirige à sexualidade individual de nenhum aluno mas à prática sexual como um comportamento próprio dos seres humanos e que é estruturante da sua natureza de seres sexuados. E, porque a Escola é o espaço privilegiado de socialização dos jovens pela via do enamoramento, poderá educar para os afetos e para o amor. Mas esta atividade educativa passa por dois pressupostos que são radicais. 81 O primeiro é que o docente que vai dedicar‐se a esta atividade tenha conhecimentos seguros e corretos de psicologia da comunicação entre um adulto e um jovem, no mundo atual. E que esse docente tenha, ele próprio, uma sexualidade pessoal bem equilibrada e tranquila. Um docente com uma sexualidade pessoal perturbada não deverá ser educador dos jovens para as emoções afetivas e amorosas, pois há o risco de que projete, sobre o educando, as suas dificuldades pessoais, as suas angústias e, eventualmente, as perversões sexuais de que padeça. O segundo pressuposto, que é complicado face à atual organização didática muito esquemática e rígida, é que esta atividade educativa tem de ser feita individualmente ou para um grupo pequeno, homogéneo e que manifeste interesse no diálogo conjunto. Esta atividade deve ser um serviço que se oferece e não uma disciplina que se impõe e o ideal é que a sua organização e desenvolvimento fique a cargo de um Psicólogo Clínico que deverá existir em todos os Estabelecimentos de Ensino Secundário. Dadas as muitas situações de patologia da sexualidade que ocorrem nestas idades da adolescência, muitas delas criadas por famílias disfuncionais, a consulta de Psicologia Clínica é um equipamento escolar tão importante como o microscópio nas salas de biologia. Na falta destas condições, impor às Escolas o ensino da sexualidade e para a sexualidade é um absurdo que cria aos Professores dificuldades insuperáveis e perturba mais do que ajuda os jovens que, nesta idade, se abrem, nos planos biológico natural, psicológico e social, para uma sexualidade que todos desejamos segura, saudável e gratificante. BIBLIOGRAFIA Carvalho, Cristina Sá. (2008). Educação da Sexualidade. Lisboa: Fundação Secretariado Nacional da Educação Cristã. Fraling, Bernhard. Ética Sexual. Gráfica de Coimbra 2 – Publicações, Lda. Oliveira, Clara Costa. (1993). A autopoiesis e a fundamentação das Ciências Humanas. Revista de Educação Vol. III, nº 2 Oliveira, Clara Costa. (2004). Auto‐organização, Educação e Saúde. Coimbra: Ariadne Editora. Serrão, Daniel. A magia e os labirintos da sexualidade, em www.danielserrão.com/gcal?id=96 82
LA EDUCACIÓN SEXISTA DE LOS VIDEOJUEGOS EN EL ÁMBITO ESCOLAR Y SOCIAL Enrique J. Díez Gutiérrez, Universidad de León Mientras que sexo se refiere a las diferencias biológicas, género alude a las diferencias psicológicas, sociales y culturales entre los hombres y las mujeres. Las diferencias en el comportamiento de hombres y mujeres se desarrollan principalmente mediante el aprendizaje social de las identidades femenina y masculina. Los videojuegos contribuyen de una forma inconsciente a este aprendizaje temprano de la diferenciación sexual en función del género. Un aprendizaje social que parece que consolida la cultura patriarcal. Nos estamos socializando en unos valores que impregnan de manera subliminal el inconsciente colectivo de nuestra sociedad y nuestra escuela. Valores ligados a la cultura patriarcal que legitima el dominio masculino, la violencia como estrategia de relación y sumisión, la competitividad y el triunfo sobre los demás como finalidad, el menosprecio hacia los débiles, el sexismo, etc. Esta asunción de la cultura patriarcal ligada a la violencia es un fenómeno estructural al que Galtung denomina ‘violencia cultural’ y que se transmite oculta en el proceso de socialización. Por eso hemos querido analizar los mecanismos que generan la violencia, las estructuras organizativas que la perpetúan y la profundizan, los sistemas sociales que la alientan. Parece que hay un acuerdo inconsciente entre los investigadores e investigadoras de este fenómeno para reducir o limitar el fenómeno de la violencia de género a la dimensión personal y al caso individual, olvidando las claves sociales, mediáticas e institucionales que han creado un mundo y una sociedad tan violenta como la que vivimos, y en la que las personas jóvenes se convierten en receptores y consumidores de esa violencia que terminan reproduciendo en sus esquemas de comprensión de la realidad, en sus comportamientos y en sus pautas de relación. Consideramos que algunos videojuegos podrían ser una de las claves explicativas de esta “violencia cultural”, en la medida en que pueden potenciar contenidos y valores ligados a esa cultura patriarcal. No tratábamos de demonizar a todos los videojuegos. Pero nos hemos encontrado que, tras analizar los 250 videojuegos16 más vendidos, no ha habido ninguno que no exalte la violencia, el sexismo o el racismo. Todos ellos reproducen estereotipos sexistas. Están hechos por hombres y para los hombres, reforzando el comportamiento y papel masculino e incluso, en ocasiones, con claras muestras de incitación al sexismo. Los juegos están pensados para un imaginario masculino, y responden a lo que, desde la representación social, serían los deseos, las afinidades y las aficiones de los varones. Por eso son los chicos los que más juegan. 16
Llegar al final de un videojuego conlleva una media de 300 horas, lo que equivale a la duración de un curso escolar completo. 83 En ellos se exalta un sexismo explícito, centrado en la imagen y el rol de la mujer, y un sexismo implícito, mucho más soterrado y larvado. El sexismo patriarcal del que están empapados los videojuegos no alude únicamente al rol que desempeña la mujer en estos videojuegos, o al lenguaje sexista que se emplea en los mismos, ni siquiera a la imagen de la mujer que en ellos se presenta, sino que hace referencia, también y muy especialmente, a la construcción de un mundo virtual basado en una idea distorsionada de lo masculino. Esta “cultura macho” es elevada a categoría universal y válida, en la que sólo se dan ‘valores’ como el poder, la fuerza, la valentía, el dominio, el honor, la venganza, el desafío, el desprecio y el orgullo. Por el contrario, lo femenino es asimilado a debilidad, cobardía, conformismo y sumisión. El sexismo explícito es obvio: la representación femenina en los videojuegos es mucho menor, generalmente minusvalorada, y en actitudes dominadas y pasivas. Sus modelos corporales son tendentes a la exageración, con idealizaciones de personajes sacados del cómic o hasta del cine porno. Sus vestimentas no responden a las necesidades del momento, de la historia, del trabajo o de la acción que se realiza en el videojuego, sino a mostrarse “insinuantes” o “seductoras” hacia los hombres. Esto supone un fuerte impacto sobre la imagen que las niñas y adolescentes se construyen de ellas mismas y que contribuye especialmente a que los niños y jóvenes asuman pautas de comportamiento respecto a la mujer elaboradas a partir de una visión estereotipada y limitada de lo femenino. De esta forma las chicas aprenden la dependencia y los chicos la dominación. Las protestas internacionales ante este “machismo” primario y burdo, han llevado a incorporar un nuevo tipo de personaje protagonista femenino que asume un rol activo en el desarrollo del juego. No obstante, este nuevo tipo de personaje, de rasgos andróginos y comportamiento agresivo, no trae, salvo con su propia presencia, nada nuevo. Reproducen los esquemas de comportamiento de los héroes masculinos adornados por la dureza, el afán de venganza, el desprecio, el orgullo, etc. Pero eso sí, vestidas o más bien, semidesnudas con trajes escasísimos de tela, con pechos y culos exagerados, dejando entrever un cuerpo escultural entre el armamento que portan. Es la masculinización de las mujeres y su incorporación a la defensa de esa cultura “macho”, reproduciéndola eficazmente. En nuestra civilización jerarquizada, los que están arriba, y no podemos olvidar que los hombres siempre lo han estado, son los que han ido construyendo un modelo en el que lo significante, lo valioso, es aquello que se ajusta más fácilmente al “esquema viril”. Es el denominado “síndrome de John Wayne”, un código de conducta explicito aunque no escrito, un conjunto de rasgos masculinos que hemos aprendido a venerar desde la infancia y al que las nuevas protagonistas femeninas se van asimilando. Esto se puede comprobar haciendo la “prueba de la inversión”: las mujeres pueden hacerse pasar por hombres y utilizar los mismos videojuegos, pero lo contrario es imposible. Lo masculino se ha convertido en la norma, en “el neutro” que engloba a los hombres y a las mujeres, mientras que lo femenino se asocia a la excepción, la ‘anormalidad’. 84
Pero lo más importante no es esta estereotipación explícita de la imagen y el rol de la mujer, sino los valores implícitos que se descubren inmersos en el diseño y desarrollo de estos videojuegos, con estética “disney”, pero anclados en el “pensamiento único”. La violencia se ha convertido en el elemento básico de la acción en estos juegos. Cualquier máquina de destrucción ha recibido su versión simulada: hay simuladores de barcos de guerra, de aviones de guerra, de carros de combate, etc. Las revistas especializadas establecen una relación proporcional entre la violencia de un juego y su calidad17. Porque el verdadero problema es que la violencia vende. De hecho la violencia se ha convertido en uno de los elementos importantes de cualquier videojuego que quiere triunfar y ser número uno en ventas. Algunas autoras y expertos afirman que la violencia fantástica contenida en los videojuegos puede ser un espacio de catarsis, una válvula de escape para descargar tensiones y agresividad contenida en la vida real. La violencia de los videojuegos tiene una función catártica, pues permite “sacar afuera” todas las tensiones de la vida cotidiana, lo que contribuye a reducir la agresividad en la vida real de los jóvenes. Esto parte del supuesto no demostrado y rechazado en psicología de que practicar la violencia simbólicamente es algo bueno o que hacerlo de forma ficticia conlleva que no se haga en la realidad. Lo que se ha demostrado es que eso te “habitúa” a la violencia. A corto plazo, aumenta la capacidad de violencia porque pone en primer lugar las reacciones agresivas y, en segundo plano, las reflexivas. Mientras que, a largo plazo, predispone a la agresividad al ver potenciada esa capacidad con el aprendizaje de técnicas de uso. Un segundo argumento es que los niños y niñas ven más violencia en la televisión y en la realidad, como si esto fuera una eximente. Un tercer argumento es que los niños y las niñas comprenden que la violencia que ven es ficticia: “si ves a alguien al que le han cortado la cabeza, sabes que no es real, es demasiado unidimensional, no huele, no lo tocas; en general, los niños lo encuentran divertido”, afirman. El problema es que trivializan la violencia real y que los niños y niñas acaban volviéndose inmunes a su horror. El mayor peligro no es la generación o no de comportamientos violentos, sino la insensibilización ante la violencia. Se presenta una violencia sin consecuencias para la persona que la perpetra o para la víctima, enviando el mensaje de que la violencia es un modo aceptable de alcanzar objetivos, divertido y sin daño. Como consecuencia no les extraña si sucede en la vida real. No lo ven como malo. Les parece que son prácticas normales, que las hace la gente a diario y que no son condenables. Si se cometen torturas en un país 17
El análisis del videojuego titulado “X‐Men: Mutant Academy” comienza con los siguientes términos: “un buen juego de lucha debería ser duro como una roca; tendrá que provocar tu rabia antes de un nuevo asalto. Tendrás que jugar sin parar hasta que alguien te arrancara los restos deformados y vapuleados de la Game Boy de tus manos temblorosas llenas de sudor” (revista Game Boy, 64). “Mortal Kombatt II, título genial, es una exaltación de la violencia más absoluta que jamás hayamos podido imaginar (...) Un cartucho único que con el tiempo será vital para entender la esencia de los videojuegos” (Super Juegos, 29). 85 determinado o las fuerzas de seguridad de un lugar maltratan a los inmigrantes, les parece normal. Como en el juego están acostumbrados a verlo a diario, no se dan cuenta de que está mal hecho. Las dificultades para probar la relación causa‐efecto entre la violencia virtual y la agresividad real con que topan las actuales investigaciones recuerdan mucho a las que tuvieron los científicos para vincular directamente al tabaco con el cáncer. Seis prestigiosas asociaciones de psicólogos y pediatras de Estados Unidos, han afirmado recientemente que existe un lazo incontestable de causalidad entre la violencia mediática y el comportamiento agresivo de ciertos niños. Aquí, la Asociación Española de Pediatría ya había alertado sobre las consecuencias del alto índice de contenidos violentos de las pantallas. Lo que interviene como un factor determinante en las conductas masculinas violentas, apuntaba su informe. Lo curioso es que las personas jóvenes encuestadas y entrevistadas18 creen que la violencia de los videojuegos no les afecta en su comportamiento. No son conscientes de cómo influye en su concepción de la realidad, en sus creencias y valores, en sus comportamientos, en sus relaciones con los que les rodean. Tanto los niños como las niñas reciben mensajes negativos que influyen sobre la manera en que creen que deben actuar y el aspecto que deben tener. Este tipo de retrato envía señales muy fuertes acerca de lo que significa ser mujer y ser hombre. Muchos de los chicos jóvenes, de la misma manera que las chicas jóvenes, pueden concebir que los personajes extremadamente eróticos representan el “símbolo de la mujer ideal”. Estas imágenes pueden afectar a la capacidad de autoestima de las chicas, así como a la idea que ellas tienen de su puesto en el mundo. Además, estas imágenes también influyen en lo que esperan los chicos de las chicas y en como se relacionan con ellas. Y no hay influencia más marcada que aquella que no es consciente, pues no permite una racionalización de la misma, induce a creer que no es necesario generar mecanismos conscientes de defensa frente a ella. De esta forma, la mayoría de nuestros adolescentes y jóvenes se encuentran inermes ante los valores que transmiten y las actitudes que conlleva la utilización constante de estos videojuegos. Además hemos de ser conscientes de que los juegos de ordenador violentos son aún más peligrosos que las películas de igual signo y que las imágenes de violencia contenidas en televisión. El motivo es que no se limitan a mostrar la violencia ante un espectador pasivo, sino que exigen a la persona identificarse con el personaje y actuar por él. Además, estos juegos exigen a quien los utiliza ser activo o activa frente a las situaciones de violencia que representan. Si además, tenemos en cuenta que las consolas de juego son cada vez más potentes y están incorporando nuevas tecnologías que permiten una calidad de imágenes cada vez mayor, añadiendo realismo a la acción, podremos darnos cuenta de hasta qué punto son peligrosos en el proceso de identificación de la fantasía con la realidad. 18
Se han pasado 5.000 cuestionarios, se han analizado los 250 videojuegos comerciales más vendidos, se han realizado 22 estudios de caso con 44 participantes, se han hecho 60 entrevistas en profundidad, 13 grupos de discusión, 20 observaciones de campo, así como el análisis documental de 14 revistas durante los tres últimos años. 86
Estos videojuegos construyen un universo dantesco. Mundos apocalípticos y terminales, donde predomina la fuerza y las armas, donde están claramente delimitados el éxito –matar o ganar‐ y el fracaso –
morir o perder‐; el bien –los buenos, nosotros‐ y el mal –los malos, ellos, los distintos a nosotros‐. En estos videojuegos no hay historia ni contexto, sólo una amenaza y una necesidad de actuar. Todo vale para cumplir la misión emprendida. No hay “grises”, ni matices, ni circunstancias, ni explicaciones. Esto supone una visión maniquea de la realidad. Un universo en donde la única alternativa es matar o ser matado, comer o ser comido, ganar o perder. El ataque o la defensa se convierten en el único parámetro operacional, en el sustituto de la reflexión y del juicio personal. Incluso se suprime prácticamente el lenguaje oral, predominando la imagen visual y la respuesta mecánica, el instinto y los reflejos. Se configura una visión de la vida y del entorno dominada por la compulsividad, por la inmediatez. El problema es que las estructuras mentales de los seres humanos se van construyendo en función de los instrumentos que utilizan. El tiempo se comprime con los nuevos “juguetes” que manejamos. Todo es acelerado y nuestra espera se convierte en angustia. En esta visión paranoide de la realidad, el otro diferente a mi, es siempre un enemigo que debe ser eliminado. Y es un enemigo “marcado”. Es decir, no es cualquier enemigo, sino supuestos enemigos creados en función de unos intereses sociales y culturales delimitados: se ha pasado del enemigo comunista, al enemigo terrorista que coincide con el árabe o el sudamericano. Potenciándose un racismo implícito y solapado muy potente en la conformación de la visión ante el “otro” diferente. Estamos así acostumbrándonos progresivamente a una indiferencia, incluso a una cierta mirada morbosa, ante la violencia, el sexismo y el racismo. Escudados en el latiguillo de que deben dar al mercado o a la gente lo que pide, los editores y los distribuidores de videojuegos se desligan de cualquier responsabilidad moral o ética acerca del contenido de los juegos. Y desplazan la responsabilidad hacia el consumidor o consumidora que decide con libertad en el mercado. Al final se convierte a las víctimas en culpables. Porque esto no es solamente un problema de la gente joven, sino que es un problema en general de la sociedad. Los valores comerciales o de lucro se ponen por encima de los derechos humanos, de la paz o de la justicia. El mercado se ha convertido en el gran regulador del consumo en función de la oferta y la demanda. Es el sujeto individual quien ha de decidir qué es bueno y qué es malo. Se ha pasado de una regulación social a la “libertad de mercado”. Se están hurtando a la discusión pública y política muchos problemas estructurales y sociales actualmente. Y este es uno de ellos. Se tratan de remitir a la decisión individual, a la libertad de elección del consumidor o de la consumidora. Como si de ellas y ellos dependiera el apagar el televisor o dejar de jugar a los videojuegos. Mientras que lo que se oculta al debate social es qué contenidos y valores son los que tienen que promover esos videojuegos. Esto significa que la socialización esta siendo dirigida esencialmente por el mercado. Y se tiende a responsabilizar a las familias de las salvajes condiciones que impone el dios contemporáneo: el mercado global. Es el sujeto quien tiene que combatir contra él. Porque el mercado se autorregula. Es la divinidad de la libertad 87 de mercado la que se nos impone y nos culpabiliza. Es la perversión que convierte a las víctimas en culpables, y les hace sentirse como tales. La tecnología tiene que estar al servicio de la comunidad, al servicio de la sociedad no al servicio del rendimiento económico. La responsabilidad está antes del mercado, antes de que esos productos lleguen al mercado. ¿Y si hacemos otros productos conforme a los derechos humanos y a los principios y valores que defendemos, al menos teóricamente? ¿Y si ponemos el mercado al servicio de los seres humanos? Por eso las propuestas que planteamos se centran en tres ejes: a) Exigir a las multinacionales que diseñen y creen videojuegos con un enfoque auténticamente “valiosos” (con valores sociales positivos), que tengan en cuenta todas las necesidades emocionales y de experiencias que tiene el ser humano, aportando a la suma aquellas características que injustamente se han denominado típicamente femeninas. b) Establecer un marco legal y normativo que regule el mercado de los videojuegos, principalmente en lo referido a la adecuación de los contenidos y valores de los productos. c) Promover un clima de apoyo a los agentes educativos fundamentales (familias y escuelas) para que eduquen en el análisis crítico de los contenidos y valores que transmiten estos videojuegos. De ahí que, fruto de esta investigación, se ha generado una guía didáctica y un material multimedia, un cd‐rom interactivo, para trabajar con los jóvenes el análisis de los videojuegos y sus consecuencias. En él se sintetizan las conclusiones de esta investigación y se proponen una serie de actividades interactivas. Estas actividades se pueden incorporar también al curriculum de aula en las diferentes áreas, tanto en primaria como en secundaria, para introducir el análisis de los videojuegos desde una perspectiva no sexista en el ámbito escolar. La metodología de trabajo que se propone se basa en la experimentación, la reflexión y la actuación. Por eso hemos dividido las actividades en bloques que ayudan a “sumergirse” progresivamente en este proceso cada vez más profundo y comprometido. Partimos de aquellas actividades que nos ayudan a “aprender a mirar” los videojuegos, hasta llegar a proponer una actuación transformadora que provoque un cambio de actitudes y de valores. Para cada una de las actividades se especifican las áreas en las que se pueden desarrollar, así como los niveles para las que son más adecuadas. Y en los bloques de actividades se concretan los objetivos de aprendizaje que se pretenden en función del currículo establecido, así como los contenidos que se desarrollan y los criterios de evaluación que se pueden aplicar. Pues bien, tanto la investigación como la guía didáctica se pueden descargar gratuitamente de la web http://www3.unileon.es/dp/ado/ENRIQUE/Public21.htm. 88
BIBLIOGRAFÍA DÍEZ GUTIÉRREZ, E.J. (Dir.). (2008). Investigación desde la práctica. Guía didáctica para el análisis de los videojuegos. Canarias: Instituto Canario de la Mujer. DÍEZ GUTIÉRREZ, E.J. (Dir.). (2004). La diferencia sexual en el análisis de los videojuegos. Madrid: CIDE/Instituto de la Mujer. DÍEZ GUTIÉRREZ, E.J. & TERRÓN BAÑUELOS, E. (2010). El sexismo en los videojuegos. En Filomena Teixeira y otros. Sexualidade e Educação Sexual: Políticas Educativas, Investigação e Práctica (241‐245). Braga (Portugal): Edições CIEd‐Universidade do Minho. DÍEZGUTIÉRREZ, E.J., TERRÓNBAÑUELOS, E. &ROJO, J. (2001). Videojuegos: cuando la violencia vende. Cuadernos de Pedagogía, 305, 79‐83. 89 90
METODOLOGIA DE ENSINO PARA UMA SEXUALIDADE POSITIVA E RESPONSÁVEL Teresa Vilaça, IE ‐ Universidade do Minho INTRODUÇÃO A Educação em Sexualidade é um processo que começa cedo na infância e progride até à idade de ouro, promovendo uma aprendizagem ao longo da vida sobre as diferentes formas de valorização da evolução das dimensões da sexualidade física, cognitiva, emocional e social. Para crianças e jovens, visa apoiar e proteger o seu desenvolvimento sexual, capacitando‐as gradualmente com informações, capacidades e valores positivos para compreenderem e apreciarem a sua sexualidade, terem relacionamentos seguros e cumprirem e assumirem a responsabilidade pela sua própria saúde e bem‐estar sexual e a dos outros. Para as pessoas mais idosas, tem como principais objetivos acabar com os mitos e estereótipos negativos sobre a sexualidade, e promover atitudes de autorrealização sexual e a perceção de que a expressão sexual completa é parte de todas as fases da idade adulta. Há amplas evidências a sugerirem que a Educação em Sexualidade para as pessoas idosas leva ao desenvolvimento de atitudes mais positivas, uma vez que os desejos sexuais, pensamentos e ações continuam durante todas as décadas da vida. Vidas sexuais saudáveis, mesmo que integrem a avaliação e gestão de patologias normais do envelhecimento, evocam sentimentos de romance, alegria, afeto, paixão e intimidade, ao passo que o desânimo e a depressão, muitas vezes, resultam de uma incapacidade de expressar a sua própria sexualidade. A UNESCO (2009b) descreve a Educação em Sexualidade como: "(...) uma abordagem para ensinar sobre sexo e relacionamentos, adequada à idade e culturalmente relevante, fornecendo informações cientificamente precisas, realistas e sem julgamentos. A Educação em Sexualidade proporciona oportunidades para explorar os seus próprios valores e atitudes e construir competências de tomada de decisões, comunicação e redução de riscos sobre muitos aspetos da sexualidade.“ (p.2) Esta definição realça a sexualidade como um potencial humano positivo e uma fonte de satisfação e prazer, colocando em segundo plano a necessidade de aumentar o conhecimento e desenvolver as capacidades necessárias para evitar problemas de saúde sexual, nomeadamente de abuso e exploração sexual, gravidez indesejada, infeções sexualmente transmissíveis, incluindo VIH/SIDA, discriminação de género, homonegatividade, entre outros. Neste sentido, é amplamente reconhecido e aceite que a Educação em Sexualidade ao capacitar as pessoas e ao desenvolver a sua competência para agirem no sentido de 91 controlarem os determinantes da sua saúde sexual (competência para a ação), ajuda a atender aos direitos dos/as jovens, porque é um processo pelo qual eles/as podem adquirir a informação a que têm direito sobre os assuntos que os/as afetam, ter as suas necessidades atendidas e desenvolver as competências necessárias para desfrutar em pleno da sua sexualidade, nomeadamente nas suas relações com os/as outros/as. Com o objetivo de contribuir para a operacionalização desta visão positiva da Educação em Sexualidade nas escolas Portuguesas, serão apresentados, em seguida, de uma forma globalizante, dadas as limitações que um artigo neste contexto tem subjacentes: i) as linhas orientadoras internacionais para a Educação em Sexualidade; ii) as finalidades e conteúdos da Educação em Sexualidade mais atuais; iii) a aplicação da abordagem metodológica IVAM (Investigação – Visão – Ação e Mudança) na educação em sexualidade e o desenvolvimento da competência para a ação nos alunos. 1. LINHAS ORIENTADORAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE HOLÍSTICA A Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade foi desenvolvida pela UNESCO (2009a; 2009b), juntamente com outras instituições parceiras (UNAIDS/UNFPA OMS, UNICEF, ONUSIDA), e peritos independentes de países de todo o mundo que trabalham para reforçar a Educação em Sexualidade. De acordo com esta orientação técnica internacional (UNESCO, 2009 a), a Educação em Sexualidade deve considerar a sexualidade como um aspeto fundamental da vida humana (que inclui aspetos físicos, psicológicos e espirituais, e as dimensões sociais, económica, política e cultural), entendê‐la sempre com referência ao género, aceitar a diversidade como uma das suas características fundamentais e ter em consideração que o comportamento sexual difere muito entre e dentro das culturas, não devendo nenhum comportamento ser excluído do debate no contexto da Educação em Sexualidade. Nesta perspetiva, estes programas devem ter vários objetivos que se reforçam mutuamente para: aumentar o conhecimento e a compreensão sobre a sexualidade; explicar e esclarecer sentimentos, valores e atitudes; desenvolver ou reforçar as competências; e promover e manter comportamentos de redução de risco. Os programas deverão basear‐se na visão que a ameaça à vida e bem‐estar das crianças e jovens existe numa grande variedade de contextos, nomeadamente na forma de relacionamentos abusivos, riscos de saúde associados com a gravidez indesejada precoce, a exposição às ISTs, incluindo VIH ou o estigma e a discriminação por causa da sua orientação sexual. Estes princípios são reforçados pelas Linhas Orientadoras para a Educação em Sexualidade na Europa (WHO‐Europe & Federal Centre for Health Education, BZgA, 2010), que enfatizam a necessidade da Educação em Sexualidade ser baseada em informações cientificamente precisas, apropriada à idade do jovem e corresponder à realidade da sua vida devendo, por isso, ser sensível ao género e à sua cultura, baseada numa abordagem dos direitos humanos, numa visão holística que inclui o bem‐estar na saúde sexual, estar 92
firmemente baseada na igualdade de género, autodeterminação e aceitação da diversidade, devendo ser entendida como uma contribuição para uma sociedade justa e compassiva através da capacitação dos indivíduos e das comunidades. De acordo com a UNESCO (2009 a), a escola ainda deve assumir como compromisso: entregar a educação em sexualidade a professores com formação; envolver os pais; organizar estratégias para responder às preocupações dos pais; apoiar alunas grávidas para continuarem nas aulas; tornar a escolaum ambiente de promoção da saúde com infraestruturas adequadas (ex., casas de banho limpas); agir em caso de violação das políticas de saúde sexual, por exemplo, no caso de violação de sigilo, haver estigma e discriminação, assédio sexual ou assédio moral; e promover o acesso a serviços de saúde locais para a saúde sexual e reprodutiva e a outros serviços necessários, em conformidade com as leis nacionais. 2. FINALIDADES E CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE Atualmente coexistem programas de Educação em Sexualidade de vários tipos: i) programas orientados para a abstinência até ao casamento (abstinence until marriage); ii) programas orientados só para a abstinência (abstinence – only); iii) programas orientados para a abstinência – mais (abstinence – plus); e 4) programas compreensivos (comprehensive programs). Os programas orientados exclusivamente para a abstinência até ao casamento (abstinence ‐ only education) excluem o ensino sobre o uso da contraceção e do preservativo na prevenção da gravidez na adolescência e do risco de ISTs e estão restringidos a proporcionar uma Educação em Sexualidade submetida a uma escala de valores onde é proibido ensinar sobre o comportamento sexual, preservativos ou contraceção, exceto para enfatizar como a contraceção falha frequentemente (Milton, Berne, Patton, Hunt & Wright, 2001). Estes programas são dirigidos para a prevenção de gravidez na adolescência e não discutem a prevenção do VIH e ISTs (Mabray & Labauve, 2002; Santelli, Ott, Lyon, Rogers, Summers & Schleifer, 2006). Na Califórnia surgiu um destes programas, o “Postponing Sexual Involvement” que é baseado em informação sobre os riscos da atividade sexual, resistência à pressão dos pares e na construção de um clima de suporte para a abstinência. As 10 sessões de 45 a 60 minutos em que está organizado, incluem os seguintes temas: 1)“Sexualidade humana”, destinado aos adolescentes mais jovens e ensina sobre o desenvolvimento dos adolescentes, saúde reprodutiva, contracetivos e ISTs; e 2)“Deixar para mais tarde o envolvimento sexual” utiliza as normas dos pares para favorecer o atraso da atividade sexual, analisa as mensagens dos media e as pressões psicológicas, inicia o desenvolvimento de competências para ajudar os alunos a resistir à pressão dos pares para se tornarem sexualmente ativos e ensina as técnicas de assertividade para ensinar os adolescentes a dizer “não” (Mabray & Labauve, 2002). Bennett e Assefi (2005) designam este tipo de programas por “abstinence – plus”, porque são programas orientados para a abstinência que incluem informação sobre 93 contracetivos. Os programas de educação em sexualidade compreensivos têm uma abordagem multidimensional e visam atingir os alunos sexualmente ativos com o objetivo de diminuir a gravidez não desejada na adolescência, por isso, não é um modelo só apropriado aos adolescentes abstinentes, mas também dirigido para os que têm sido sexualmente ativos. Mabray e Labauve (2002) propõem este modelo para os adolescentes de 12 a 16 anos, como oposição às abordagens baseadas só na abstinência dirigidas aos pré‐
adolescentes, pois este modelo cobre os temas da abstinência e contraceção. Goldman e Bradley (2001) salientaram que estes programas incluem a abstinência, pressões para se envolver prematuramente em relações sexuais e o uso de contraceção e de outras medidas de saúde sexual. Como foi referido na primeira parte deste artigo, as linhas orientadoras internacionais e Europeias defendem um modelo compreensivo para a educação em sexualidade na comunidade escolar. O quadro 1, especifica os conceitos‐chave que, segundo a UNESCO (2009b), deverão ser trabalhados numa articulação vertical do currículo em espiral, organizados em quatro faixas etárias: 5 – 8; 9 – 12; 13 – 15 e 16 – 18 anos. Estes tópicos podem fornecer um programa abrangente para o desenvolvimento curricular da Educação em Sexualidade. Quadro 1 Visão geral dos principais conceitos‐chave e tópicos para a Educação em Sexualidade da UNESCO Conceito‐Chave 1:Relacionamentos Tópicos: 1.1 Famílias 1.2 Amizade, Amor e Relacionamentos românticos 1.3 Tolerância e Respeito 1.4 Compromisso de longo prazo, Casamento, e Paternidade/Maternidade Conceito‐Chave 4: Desenvolvimento Humano Tópicos: 4.1 Anatomia e Fisiologia Sexual e Reprodutiva 4.2 Reprodução 4.3 Puberdade 4.4 Imagem Corporal 4.5 Privacidade e Integridade física Conceito‐Chave 2: Valores, Atitudes e Competências Tópicos: 2.1 Valores, Atitudes e Fontes de aprendizagem sexual 2.2 Normas e Influência dos pares sobre o comportamento sexual 2.3 Tomada de decisão 2.4 Comunicação, Recusa e Competências de Negociação 2.5 Procurar Ajuda e Suporte Conceito‐Chave 5: Comportamento Sexual
Tópicos: 5.1 Sexo, Sexualidade e Ciclo de Vida Sexual 5.2 Comportamento Sexual e Resposta Sexual Conceito‐chave 3: Cultura, Sociedade e Direitos Humanos Tópicos: 3.1 Sexualidade, Cultura e Direitos Humanos 3.2 Sexualidade e Media 3.3 Construção social do género 3.4 Violência de Gênero, incluindo abuso sexual, exploração e práticas prejudiciais Conceito‐chave 6: Saúde Sexual e Reprodutiva Tópicos: 6.1 Prevenção da gravidez 6.2 Compreensão, Reconhecimento e Redução do risco de ISTs, incluindo VIH 6.3 VIH e Estigma da SIDA, cuidados, tratamento e apoio Fonte: UNESCO, 2009 b, p. 7 94
Em paralelo, as linhas orientadoras para a europa descrevem um conjunto de tópicos para ser abordado em cada tema, também numa articulação vertical do currículo em espiral. O quadro 2, a título de exemplo, descreve os tópicos para a componente informativa de dois desses temas. Quadro 2 Exemplo dos temas e tópicos informativos para a Educação em Sexualidade na Europa Idade (Anos) Temas Corpo humano e desenvolvimento humano Sexualidade 0 – 4 Todas as partes do corpo e suas funções Diferentes corpos e sexos diferentes Higiene corporal A diferença entre si e os outros Prazer ao tocar o próprio corpo, a masturbação da primeira infância Descoberta do próprio corpo e os órgãos genitais O facto de que o prazer da proximidade física é uma parte normal da vida de todos Ternura e proximidade física como uma expressão de amor e carinho 4 – 6 Todas as partes do corpo e suas funções Diferentes corpos e sexos diferentes Higiene corporal Diferenças de idade no corpo e no desenvolvimento Prazer ao tocar o próprio corpo; masturbação da primeira infância Descoberta do próprio corpo e órgãos genitais Significado e expressão da sexualidade (por exemplo, expressar sentimentos de amor) Linguagem sexual apropriada Sentimentos sexuais (intimidade, prazer, excitação) como uma parte de todos os sentimentos humanos (estes devem ser os sentimentos positivos, pois eles não devem incluir a coerção ou dano) 6 ‐ 9 Mudanças corporais, ejaculação, menstruação, variação individual no desenvolvimento ao longo do tempo Diferenças (biológicas) entre homens e mulheres (internas e externas) Higiene corporal 9 ‐ 12 Higiene corporal (ejaculação, menstruação) •
Mudanças iniciais na puberdade (mudanças •
mentais, físicas, sociais e emocionais e a variedade •
possível) Órgãos sexuais e reprodutivos internos e externos •
•
•
•
•
Amor, estar apaixonado Ternura Sexo nos meios de comunicação (incluindo a Internet) Prazer ao tocar o próprio corpo (masturbação/autoestimulação) • Linguagem sexual apropriada • Relações sexuais Primeira experiência sexual Orientação sexual Comportamento sexual dos jovens (variabilidade do comportamento sexual) Amar, estar apaixonado 95 e funções Conhecimento do corpo, imagem corporal e •
modificação do corpo (mutilação genital feminina, circuncisão, hímen e reparo de hímen, anorexia, bulimia, piercings, tatuagens) •
Ciclo menstrual; as características sexuais secundárias do corpo, a sua função em homens e •
mulheres e sentimentos que acompanham Mensagens de beleza nos media, mudanças •
corporais ao longo da vida •
Serviços onde os adolescentes podem ir para problemas relacionados com estes temas 12‐15 > 15 • Prazer, masturbação e orgasmo • Diferenças entre identidade de género e sexo Expectativas sobre os papéis de género e comportamentos do papel de género em relação à excitação sexual e diferenças de género Identidade de género e orientação sexual, incluindo divulgação da orientação sexual/homossexualidade Como desfrutar a sexualidade de forma adequada (na altura certa para si) Primeira experiência sexual Prazer, masturbação e orgasmo • Alterações psicológicas na puberdade •
• Conhecimento do corpo, imagem corporal, •
modificação do corpo • Mutilação genital feminina, circuncisão, anorexia, •
bulimia, hímen e reparo de hímen • Mensagens de beleza nos media, mudanças •
corporais ao longo da vida • Os serviços onde os adolescentes podem ir para obter ajuda com problemas relacionados com estes •
temas Sexo como mais do que simplesmente o coito Significado do sexo em diferentes idades, as diferenças de género Sexualidade e deficiência, a influência da doença sobre a sexualidade (diabetes, cancro, etc.) Sexo comercial (prostituição, mas também o sexo em troca de pequenos presentes, refeições/noites fora, pequenas quantidades de dinheiro), a pornografia, a dependência sexual Variações do comportamento sexual; diferenças no ciclo de excitação Fonte: Adaptado de WHO‐Europe& Federal Centre for Health Education, BZgA, 2010, pp. 38‐50 O programa deve ser trabalhado a nível das componentes informativa, das competências e atitudes para os seguintes oito temas a serem abordados, em seis faixas etárias (0 – 4; 4 – 6; 6 – 9; 9 – 12; 12 – 15; superior a 15 anos): corpo humano e desenvolvimento humano; fertilidade e reprodução; sexualidade; emoções; relacionamentos e estilos de vida; sexualidade, saúde e bem‐estar; sexualidade e direitos; determinantes sociais e culturais da sexualidade (valores e normas). Estes temas foram escolhidos em conformidade com os grupos de idades e como eles espelham os estágios de desenvolvimento psicossexual, embora esses limites de faixa etária devam ser usados de forma flexível. Os tópicos abordados em cada fase etária estão destinados a antecipar mais tarde a fase do próximo estágio de desenvolvimento, para que as crianças estejam melhor preparados para lidar com ele. A abordagem pedagógica preconizada a nível internacional e europeu para o desenvolvimento destes 96
temas defende a utilização de uma abordagem holística, positiva e ampla da sexualidade, que visa desenvolver capacidades essenciais que permitem às pessoas autodeterminar a sua sexualidade e as suas relações nos diferentes estádios de desenvolvimento. Em seguida, analisam‐se as características dos programas de educação em sexualidade que se têm mostrado eficazes e a abordagem pedagógica IVAM enquadrada no Paradigma de Educação para a Saúde Democrática. 3. MÉTODOS E TÉCNICAS PARA A AÇÃO De acordo com a UNESCO (2009 a), os programas eficazes são aqueles que incluem investigadores envolvidos no conteúdo e pedagogia da sexualidade humana, avaliam as necessidades em saúde reprodutiva e comportamentos dos jovens para desenvolver um modelo lógico no seu programa educativo e especificam nesse programa: os objetivos de saúde; o tipo de comportamentos que afetam esses objetivos; os fatores de risco e fatores protetores que afetam esse tipo de comportamentos; as atividades para mudar os fatores de risco e de proteção. Nas orientações internacionais (UNESCO, 2009 a; 2009 b), são também reforçadas a necessidade de incluir, na planificação, atividades que sejam sensíveis aos valores da comunidade e consistentes com os recursos disponíveis (ex., o tempo dos professores, as suas capacidades, facilidade de espaço e materiais necessários), testar o programa educativo e obter feedback dos alunos sobre como é que o programa em desenvolvimento está a ir ao encontro das suas necessidades, focar‐se em objetivos claros na determinação do conteúdo, método e atividades do currículo, concentrar‐se estritamente em comportamentos sexuais de risco e de proteção específicos que levam diretamente a esses objetivos de saúde, abordar situações específicas que podem levar a relações sexuais indesejáveis ou desprotegidas e como evitá‐las e sair delas, fornecer mensagens claras sobre os comportamentos para reduzir o risco de ISTs ou gravidez e concentrar‐se em fatores de risco e de proteção específicos que afetam determinados comportamentos sexuais e que são passíveis de mudança pelo programa curricular (ex., conhecimentos, valores, normas sociais, atitudes e competências). Neste sentido, segundo a UNESCO (2009 a), durante a implementação do projeto educativo devem ser utilizados métodos de ensino participativos, que envolvam ativamente os alunos e os ajudem a internalizar e integrar informações, e ser implementadas múltiplas atividades destinadas a mudar cada um dos riscos alvo e a promover fatores de proteção. Nessas atividades têm que ser integradas informações científicas precisas sobre os riscos de ter uma relação sexual desprotegida e a eficácia dos diferentes métodos de proteção e devem ser abordadas as perceções de risco (especialmente a vulnerabilidade ao risco), os valores e perceções pessoais da família, e as normas de pares sobre o seu envolvimento na atividade sexual e/ou com múltiplos parceiros. A metodologia IVAM (Investigação, Visão, Ação e Mudança) (Figura 1), criada por Bjarne Bruun Jensen, um investigador dinamarquês, no âmbito do seu trabalho com as escolas promotoras de saúde, tem sido 97 desenvolvida como um instrumento
d
o prático que pode ser usado nas eescolas para estrutturar as atividadess de p
promoção da saú
úde e facilitar a participação doss/as alunos/as, co
om o objetivo dee desenvolver a sua “
“competência parra a ação”, isto é, é a habilidade dos d alunos para, a nível da educaação em sexualidaade, r
realizarem ações r
reflexivas, individu
ual ou coletivamen
nte, e provocarem mudanças positivvas nos estilos de vvida e
e/ou condições de
e vida que levem à saúde sexual. Fig
gura 1 Metodolo
ogia IVAM: Perspeetivas a trabalhar d
dentro dos Projetoss de Educação em Sexualidade Este instrrumento assume um conjunto de perspetivas que podem ser trataadas num projeto
o de EEducação para a SSaúde (Jensen, 199
97; Simovska & Jeensen, 2003, 2008)) e, mais especificamente, de Educaação e
em Sexualidade (R
Rodrigues & Vilaçaa, 2010 a, 2010b, 2011; Viegas & Viilaça, 2010, 2011; Vilaça, 2006, 200
07 a, 2
2007b 2008 a, 200
08b; Vilaça & Jense
en, 2009, 2010). A primeira fase do modelo –
– Investigação (I) ‐‐ ilustra as questõees que deverão oriientar os/as alunos/as p
para que atinjam u
uma perceção parttilhada (comum) ssobre o que é realm
mente o problemaa atual com que esstão a trabalhar: Por que a q é que este problema é importtante para nós? P
Por que é importaante para os outrros? (
(consequências do
o problema); Que iinfluência têm os eestilos de vida e/o
ou as condições dee vida neste probleema d
de saúde? (causas do problema). Os//As alunos/as têm que ser ativamente envolvidos na eescolha do problem
ma e p
procurar uma resposta sobre por que q razão este prroblema é importtante para eles/elas. Também deveerão 9
98
trabalhar com a dimensão histórica pois, para serem capazes de concluir como é que as condições atuais ou um dado desenvolvimento é influenciado, é importante compreenderem quais são as determinantes que contribuíram, ao longo do tempo, para o desenvolvimento dessas condições (Jensen, 2000). Por outras palavras, é necessário olhar para o problema numa perspetiva histórica e incluir as ciências sociais para clarificar as causas por trás do problema, sendo aqui importantes os métodos de observação social para mostrar as estruturas económicas, culturais e sociais em que os problemas se desenvolvem (Jensen, 1995; 1997; Simovska & Jensen, 2003; Vilaça & Jensen, 2010). A segunda fase – Visões ‐ trata do desenvolvimento das visões sobre como é que as condições em que se trabalha e que os/as participantes gostariam de mudar poderiam ser vistas no futuro. Esta fase trata do desenvolvimento das ideias, perceções e visões dos/as alunos/as sobre o que desejam para a sua vida futura e a sociedade em que irão crescer, em relação ao problema em estudo (Simovska & Jensen, 2003; Vilaça & Jensen, 2010). Na terceira fase do projeto de educação em sexualidade, – Ação & Mudança ‐, é importante que haja espaço para que a população‐alvo use a imaginação e pense criativamente para propor uma grande quantidade de ações possíveis relacionadas com a possibilidade de atingir algumas das visões que foram anteriormente desenvolvidas (Jensen, 2000; Simovska & Jensen, 2003, 2008; 2009; Vilaça & Jensen, 2010). Pedagogicamente, é muito importante que se tenha em consideração na discussão das ações que poderão vir a ser realizadas todas as sugestões dadas pelo público‐alvo. As ações poderão ser desenvolvidas pelos/as próprios/as participantes ou por eles/as com a colaboração de professores/as, pais/mães e especialistas da comunidade local. Para cada ação proposta, deverão ser discutidos os seus potenciais resultados em relação às mudanças desejadas e as barreiras que podem surgir e impedir que a ação resulte nas mudanças de estilo de vida e/ou condições de vida desejadas. Finalmente, deverá ser tomada a decisão sobre qual deverá ser a primeira ação a realizar e fazer a sua planificação, incluindo a forma como vai ser avaliada em relação às mudanças desejadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A saúde sexual não é influenciada só pelos estilos de vida (atitudes, valores e comportamentos) ou só pelas condições de vida (ambiente social e físico e a rede cultural e económica que afeta a vida das pessoas) mas pela sua interação. Utilizando a metodologia IVAM, os alunos experienciam que as condições de vida e a sociedade afetam as nossas possibilidades de ação imediata e ficam conscientes que podem agir para ajudar a mudar a rede social e os fatores que determinam a saúde sexual. Neste sentido, os seus projetos contribuem para a sua capacitação e desenvolvimento da competência para a ação, tal como é preconizado pelas linhas orientadoras nacionais e europeias e pela Rede Europeia de Escolas para a Saúde na Europa. 99 BIBLIOGRAFIA Bennett, S. E., & Assefi, N. P. (2005). School‐based teenage pregnancy prevention programs: a systematic review of randomized controlled trials. Journal of Adolescent Health, 36, 72‐81. Goldman, J. D. G., & Bradley, G. L. (2001).Sexuality education across the lifecycle in the new millennium.Sex Education: Sexuality, Society and Learning, 1 (3), 197‐217. Jensen, B. B. (1995). Concepts and models in a democratic health education.In B. B. Jensen, (Ed.).Research in environmental and health education (pp.151‐169).Copenhagen: Research Centre for Environmental and Health Education. The Danish University of Education. Jensen, B. B. (1997). A case of two paradigms within health education.Health Education Research, 12 (4), 419‐428. Jensen, B. 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Europe & Federal Centre for Health Education, BZgA. 102
A EDUCAÇÃO SEXUAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Ana Cláudia Bortolozzi Maia, Faculdade de Ciências, UNESP INTRODUÇÃO A sexualidade é um conceito amplo e cultural na medida em que representa a expressão individual do desejo que se manifesta em diferentes contextos sociais; envolve diferentes formas de sentir afeto e emoções e de viver as práticas sexuais e a expressão de valores (Anderson, 2000; Maia, 2010; Schwier & Hingsburger, 2000). A Educação sexual intencional éum processo sistemático e organizado que ocorre de modo planejado para informar sobre questões da sexualidade (Werebe, 1998). Enquanto no quotidiano uma educação assistemática ocorre em todas as instâncias sociais reproduzindo conceitos e valores sobre as práticas afetivas e sexuais (Couwenhoven, 2007) a Educação Sexual intencional visa o aprendizado formal sobre sexualidade a partir de ações informativas e formativas para esclarecer sobre sexualidade (Maia, 2010; 2011). A educação sexual intencional de pessoas com deficiência intelectual é uma questão ainda omissa ou difícil para muitos professores e profissionais. Muitos comportamentos sexuais considerados inadequados nas pessoas com deficiência intelectual resultam da falta de informação e esclarecimento que eles têm sobre sexualidade. Por isso, Couwenhoven (2007) defende uma educação sexual preventiva em que os educadores percebam as pessoas com deficiências como seres sexuados e os preparem para uma vida adulta saudável; além disso, que os educadores sexuais ofereçam a crianças e jovens com deficiência informações básicas sobre sexualidade de modo repetitivo ao longo de vários períodos da vida e em ampla variedade de situações reais, que os ensinem sobre conceitos de privacidade pessoal e social e, sobretudo, que os preparem para os estágios típicos do desenvolvimento sexual. Educadores, familiares e profissionais de pessoas com deficiência intelectual geralmente não estão preparados para lidarem com a educação sexual, seja porque não têm o devido preparo técnico nem informações adequadas, seja porque também eles têm dificuldades pessoais na área da sexualidade humana. É bastante comum a propagação de vários mitos e preconceitos sobre a relação entre sexualidade e deficiências que acabam por justificar a ideia de que essas pessoas não teriam necessidade de acesso à educação sexual (Amor Pan, 2003; Anderson, 2000; Giami, 2004; Maia, 2006; Maia& Aranha, 2007; Maia & Ribeiro, 2010). Tais mitos referem‐se às crenças de que pessoas com deficiência intelectual são infantis e assexuadas, hiperssexuadas e incontroláveis, incapazes de namorar e casar, incapazes de gerar e cuidar de 103 filhos, etc… (Giami, 2004; Maia, 2006; Maia & Ribeiro, 2010) desconsiderando o direito de todos à expressão e à vivência de sua sexualidade. Assim, um grande mito é considerar a pessoa com deficiência intelectual como assexuada, sem pensamentos e desejos sexuais. Geralmente isso ocorre porque se infantilizam as pessoas com deficiência e atribuem a elas uma ideia de inocência e ingenuidade também sexual. Todos têm necessidade de toque, afeto e relacionamentos afetivos significativos. Outro grande mito é considerar a pessoa com deficiência como hiperssexuada, com uma sexualidade exagerada, mas já sabemos que muitos comportamentos sexuais considerados inadequados e aberrantes nessas pessoas decorem mais de uma educação sexual deficitária do que de algo inerente à deficiência em si (Couwenhoven, 2007; Maia, 2006; Maia & Ribeiro, 2010). Muitas dificuldades no campo sexual de pessoas com deficiência acontecem mais por motivos psicológicos e sociais, como problemas de autoestima, timidez, inabilidade social, preconceito e socialização restritiva do que por motivos orgânicos relacionados à deficiência intelectual ou às síndromes associadas. A puberdade e o desenvolvimento sexual ocorrem de maneira muito semelhante independentemente de déficits cognitivos. Já dissemos outrora que: “(...) deficientes e não deficientes são alvos das mesmas regras sociais que incentivam e cobram de todos que correspondam a um padrão “normal” e feliz de sexualidade. Isso pode resultar no desejo de corresponder aos padrões de masculinidade, feminilidade, de ter um corpo magro e esbelto, de namorar, casar e ter filhos. Nem sempre esses desejos refletem uma iniciativa própria do sujeito, mas sim, o desejo de sentir‐se “mais próximo da sociedade normal” ou do que a família e as pessoas esperam. Deficientes e não deficientes são sexuados e podem viver uma vida afetiva e sexual gratificante. Por isso, precisam receber esclarecimentos e educação sobre saúde sexual e se prevenirem do contágio de doenças sexualmente transmissíveis e outras intercorrências da vida sexual ativa” (Maia, 2010, p.23). Apesar de muitas pesquisas já ressaltarem que pessoas com deficiências são igualmente sexuadas e precisam receber uma educação sexual formal que lhes garanta a saúde sexual e reprodutiva bem como a possibilidade de viver relacionamentos afetivos e sexuais significativos, ainda são poucas as iniciativas nesse sentido (Amor Pan, 2003; Maia, 2006). Como as pessoas com deficiência intelectual aprendem sobre sexualidade? O esclarecimento sobre sexualidade deve ocorrer de modo diferente quando há uma deficiência? Quais são os objetivos e propostas mais adequadas a essa população? Segundo Couwenhoven (2007), as crianças e jovens com deficiência, ou não, aprendem sobre sexualidade no dia‐a‐dia, interagindo com o mundo. Aprende‐se sobre diferenças do corpo, questões de gênero e a expressão do afeto diante de relacionamentos no convívio entre familiares, pessoas na comunidade 104
e mesmo pela mídia. Muitas mensagens são transmitidas informalmente todos os dias e também podem (e devem) ser ensinadas por pessoas preparadas em programas formais, estruturados e voltados para essa finalidade. De qualquer forma, sendo essas informações recebidas de modo formal ou informal, o aprendizado sobre sexualidade será mais efetivo quando nele está presente o lado positivo e favorável da sexualidade. Defendemos que é preciso ensinar sobre comportamentos preventivos visando a garantia da saúde sexual; entretanto, a prevenção não deve ser atrelada a noção de sexo‐pecado, sexo‐sujeira e sim ao sexo que pode ser vivenciado com prazer e responsabilidade. Crianças e jovens com deficiência intelectual aprendem sobre sexualidade do mesmo modo: informalmente e formalmente; no entanto, é mais comum entre essas pessoas haver menos acesso a informação, mais atitudes sociais negativas e preconceituosas em relação à sua sexualidade e atraso na compreensão de conceitos por parte deles (Couwenhoven, 2007; Schwier & Hingsburger, 2000). Há pouca oportunidade de aprendizado sobre sexualidade: poucos programas destinados a essa população ou programas com recursos pedagógicos inadequados e ineficientes. Além disso, geralmente também se pretende mais “controlar” a sexualidade dessas pessoas do que ajudá‐las a expressarem e a viverem sexualmente. É comum quando os jovens falam sobre o assunto mostrarem uma noção assustadora do “sexo”, com informações distorcidas. A retenção de informações é um problema comum para pessoas com dificuldades cognitivas por isso o uso de informações repetitivas e o trabalho com recursos concretos e visuais bem como situações de dramatização são fundamentais como estratégias pedagógicas. A educação sexual para pessoas com deficiência intelectual deve ter os mesmos objetivos daquela educação destinada às pessoas não deficientes, embora, às vezes, os materiais pedagógicos utilizados possam ser adaptados (Maia, 2008; Maia & Camossa, 2003; Maia & Ribeiro, 2009). Para Couwenhoven (2007), alguns procedimentos básicos devem ser diferenciados, como por exemplo: trabalhar com grupos menores, usar de instruções individuais (atendendo as necessidades de cada sujeito em particular), trabalhar poucos objetivos por sessão, falar pausadamente e usar repetições de conceitos e argumentos, focalizar em problemas comuns e questões do dia a dia da pessoa com deficiência e ensinar com materiais gráficos e concretos (como ilustrações, desenhos, modelo e bonecos) e áudio‐visuais (como músicas e vídeos). Geralmente, a educação sexual inclusiva deve favorecer a promoção de condições em que se possa ensinar, principalmente, os direitos à privacidade (deles e a de outros), preparar os jovens para o seu desenvolvimento sexual, dialogar e esclarecer sobre relacionamentos, alertando para situações de abuso sexual, discutir sobre discriminação de gênero e questões sociais da sexualidade humana, e ensinar sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. No preparo de uma educação formal é preciso identificar as necessidades dos educandos, preparar o processo de intervenção, selecionar objetivos, ensinar/instruir 105 conceitos e, ainda, avaliar a aprendizagem (Couwenhoven,2007; Glat & Freitas, 1996; Maia, 2006; Maia & Ribeiro, 2009). Schwier & Hingsburger (2000) sugerem um guia geral para auxiliar em propostas de educação sexual para pessoas com deficiências em diferentes idades, lembrando que se deve sempre considerar a especificidade de cada aluno. Entre a idade de 3 e 9 anos seria interessante esclarecer sobre as diferenças entre meninos e meninas, a discriminação de lugares públicos e privados, a nomeação e função das partes do corpo e, ainda, sobre o nascimento de bebês. Na puberdade (entre 9 e 15 anos) seria bom esclarecer sobre menstruação, polução noturna, mudanças do corpo, modos de reconhecer e dizer não para toques inadequados de outras pessoas, concepção, desejo sexual e masturbação. Após os 16 anos, os autores recomendam que se ensine sobre relacionamento amoroso e sexual, homossexualidade, diferenças entre sexo e amor, leis e consequências sobre abuso e violência sexual, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis, responsabilidades de um casamento, maternidade e paternidade. Os autores ressaltam ainda que seria importante ensinar esses conteúdos sobre sexualidade interagindo os aspectos físicos, emocionais e sociais relacionados. Ao eleger conteúdos importantes e metas de uma educação sexual inclusiva intencional, familiares e educadores precisam ter em mente alguns passos importantes: ‐ Identificar as dúvidas e necessidades dos jovens com deficiência intelectual: o que eles querem saber? O que eles já sabem? De onde vem esse conhecimento? ‐Identificar as expectativas e interesses dos familiares desses jovens: o que eles esperam com a educação sexual destinada a seus filhos(as)? Como eles podem contribuir no processo? Que necessidades de esclarecimentos eles têm? ‐ Eleger conteúdos significativos e relevantes. Que conteúdos são importantes que eles saibam? Por quem? ‐ Planejar como serão transmitidos esses conhecimentos? Que estratégias utilizar? Que recursos pedagógicos seriam importantes? ‐ Colocar em prática o ensino desses conteúdos utilizando informações pausadas, por meio de uma linguagem acessível e não excessivamente técnica, porém, com palavras corretas, sem eufemismos e infantilizações; além disso, utilizar materiais concretos que ajudem os alunos com deficiência intelectual na compreensão de conceitos abstratos, como por exemplo, brinquedos pedagógicos que ilustram o corpo humano, bonecos sexuados que apresentam os órgãos sexuais e as características sexuais secundárias. Vários outros recursos podem ser usados, como figuras, desenhos, vídeos, músicas, enfim, recursos que podem ajudar o educador a trabalhar com seus alunos temas como o desenvolvimento sexual, namoro, nomeação de partes do corpo e reprodução. 106
‐Avaliar a retenção do conhecimento entre os alunos e a generalização do aprendizado em situações cotidianas; garantir que a despeito das dificuldades cognitivas esses jovens possam viver a sexualidade de modo autônomo, prazeroso e responsável; ‐ Dialogar com familiares e/ou a instituição responsável pelos jovens de modo a garantir a continuidade do diálogo e do esclarecimento quando for necessário. O respaldo da instituição e dos familiares para propostas de educação sexual é fundamental. O educador precisa tanto reconhecer a família como uma aliada no processo de educação sexual dos educandos e ajudá‐la na mesma tarefa na educação cotidiana e não intencional dos jovens com deficiência intelectual (Amor Pan, 2003; Maia, 2006, 2010). No caso da instituição, é importante que a proposta de educação sexual faça parte do projeto político‐pedagógico que norteia as ações que nela ocorrem não sendo uma iniciativa isolada e esporádica de profissionais, mas algo contínuo e permanentemente reciclado e melhorado. Com a família e a escola dando suporte ao trabalho do educador, é preciso acordar o que se pretende trabalhar e as finalidades desse projeto, como se pretende abordar a questão e de quais recursos e procedimentos metodológicos serão necessários para que o trabalho seja eficaz. Já dissemos outrora: “As diferenças marcantes entre a sexualidade do deficiente e a sexualidade das pessoas não‐
deficientes parecem estar mais associadas ao tipo de educação sexual que eles têm do que às potencialidades de desenvolvimento de sua sexualidade que, em tese, poderia ser plena, uma fonte de prazer e realização pessoal. Atualmente há um grande esforço para oferecer melhores oportunidades educacionais e sociais às pessoas com deficiência e também para tentar modificar preconceitos e valores sociais profundamente arraigados em nossa cultura. A dimensão sexual precisa ser considerada” (Maia, 2006, p. 247). CONSIDERAÇÕES FINAIS Não existem regras que direcionem para uma proposta ideal de educação sexual para pessoas com deficiência intelectual. É preciso estar disposto a trabalhar essa questão de forma criativa, buscar conhecimento técnico e contar com colaboração dos agentes envolvidos. As pessoas com deficiências necessitam de participar de programas específicos de educação sexual porque têm os mesmos direitos de outros jovens, porque são vulneráveis e necessitam de acesso à prevenção e, principalmente, porque crescem com poucas informações e sofrem preconceitos sociais que desmerecem sua condição de “ser sexual”. A educação sexual para pessoas com deficiência é fundamental para diminuir os riscos de abuso e violência sexual aos quais são vulneráveis; além disso, também ajudaria essas pessoas a terem mais habilidades para viver relacionamentos amorosos e sexuais satisfatórios, a se prevenirem de gravidezes indesejadas e do 107 contágio de doenças sexualmente transmissíveis. Uma educação sexual favoreceria aos jovens com deficiência intelectual o autoconhecimento e o aumento da autoestima e, sobretudo, favoreceria a todos o reconhecimento de que essas pessoas não são “deficientes” em sua sexualidade. BIBLIOGRAFIA Amor Pan, J. R. (2003).Afetividade e sexualidade na pessoa portadora de deficiência mental. Maria Stela Gonçalves, trad. São Paulo: Loyola. Anderson, O.H. (2000). Doing what comes naturally dispelling myths and fallacies about sexuality and people with development disabilities. Illinois, USA: High Tide Press. Couwenhoven, T. (2007). Teaching children with Down Syndrome about their bodies, boundaries and sexuality‐ a guide for parents and professionals. Bethesda/USA: Woodbine House. Giami, A. (2004). O anjo e a fera: sexualidade, deficiência mental, instituição. Lydia Macedo, trad. São Paulo/SP: Casa do Psicólogo. Glat, R & Freitas, R. C. (2006). Sexualidade e Deficiência Mental: pesquisando, refletindo e debatendo sobre o tema. Questões Atuais em Educação Especial, Vol. II. Rio de Janeiro: Sette Letras. Maia, A.C.B. (2006). Sexualidade e Deficiências. São Paulo: Editora Unesp. Maia, A.C.B. (2008). Inclusão escolar e a sexualidade de pessoas com deficiência. In: Actas do III Encuentro Iberoamericano em Educación. CDrom. Espanha, Guadalajara: Universidade de Alcalá. Maia, A.C.B. (2010). Sexualidade e Deficiência Intelectual: questões teóricas e práticas. In: V. Capelinni & O.M.R Rodrigues (Orgs.). Práticas pedagógicas inclusivas: da criatividade às valorizações das diferenças. (pp.11‐38). Bauru: FC/MEC. (Coleção Formação de professores na perspectiva da educação inclusiva, vol.V). Maia, A.C.B. (2011). Inclusão e Sexualidade na voz de pessoas com deficiência física. Curitiba: Ed. Juruá. Maia, A. C. B.& Aranha, M. S. F. (2007). Concepções de professores sobre a sexualidade de pessoas com deficiência In: E. Manzini (Org.) Inclusão do aluno com deficiência na escola: os desafios continuam Marília : ABPEE/FAPESP, v.1, 63‐74. Maia, A. C. B.& Camossa, D.A. (2003). Relatos de jovens deficientes mentais sobre a sexualidade através de diferentes estratégias. Revista Paidéia, v12, 205 ‐ 214. Maia, A.C.B. & Ribeiro, P.R.M. (2009). Orientação e Síndrome de Down: esclarecimentos para educadores (Cartilha Informativa). Bauru: Joarte Gráfica e Editora/Unesp‐FC. Maia, A.C.B. & Ribeiro, P.R.M. (2010). Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiências. Revista Brasileira de Educação Especial, v.16 (2), 159‐176. Schwier, K. M. & Hingsburger, D. (2007).Sexuality‐ your sons and daughters with intellectual disabilities.3a ed. Baltimore, Maryland: Paul H. Brookes Publishing Co. Werebe, M.J.G.(1998). Sexualidade, Política e Educação. Campinas,SP: Autores Associados. 108
O CAMINHO FAZ‐SE CAMINHANDO: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS EM EDUCAÇÃO SEXUAL Carla Serrão, Escola Superior de Educação do IPPorto A vasta demonstração científica relativamente ao impacto positivo e efectivo de programas adequados de Educação Sexual (doravante designado de E.S.) em meio escolar, tem impulsionado várias medidas políticas por parte do Estado Português, nomeadamente da garantia do direito à E.S. como componente do direito fundamental à educação (Lei n.º 3/84, de 24 de Março de 1984), como temática obrigatória (Decreto‐Lei n.º 259/2000, de 17 de Outubro de 2000) e com conteúdos e tempos mínimos estabelecidos para a sua concretização (Portaria n.º 196‐A/2010, de 9 de Abril de 2010). Apesar de um quadro legal e normativo suficientemente amplo e claro, a sua implementação nas escolas, e em sequência da recente legislação publicada a este respeito, tem sido pautada por múltiplos questionamentos, nomeadamente sobre quem deve ser o professor responsável pela sua implementação, em que áreas curriculares devem ser desenvolvidos os conteúdos de E.S., com base em que pressupostos se deve desenhar o projeto curricular de turma em educação sexual, quais as estratégias que poderão ser levadas a cabo. Contudo, não são somente estes questionamentos mais actuais que têm modelado os processos de concretização da E.S. em contexto escolar, mostrando que a implementação da E.S. é uma realidade complexa, onde intervêm muitas variáveis. De facto, vários estudos com o intuito de analisar a complexidade de que se reveste a implementação da E.S., têm pesquisado variáveis sócio‐cognitivas que se podem constituir como facilitadoras ou obstaculizadoras do envolvimento dos professores na E.S., designadamente o nível de conhecimentos em relação a vários temas da Sexualidade, o grau de conforto na abordagem da temática (e.g., Anastácio, 2007; Ramiro & Matos, 2008; Reis & Vilar, 2004; Serrão & Barbosa, 2006), a disponibilidade para a abordagem de determinados temas (e.g., Serrão & Barbosa, 2006), as atitudes (Ramiro & Matos, 2008; Reis & Vilar, 2004), a religiosidade, os estilos de ensino (e.g., Reis & Vilar, 2004), as crenças acerca da Sexualidade e da reprodução humana (Veiga, Teixeira, Martins, Meliço‐Silvestre, 2006), crenças sobre a oposição dos pais relativamente à E.S. (Teixeira, 1999), entre outras. Outro motivo habitualmente alicerçado à dificuldade na abordagem da temática da E.S. nas práticas educativas dos professores é a falta de preparação no âmbito da sua formação inicial. Deste modo, e com vista à concretização da E.S. formal, estruturada e intencional, vários investigadores salientam que o incremento da E.S. na escola passa, também, pela apropriada formação inicial de professores (e.g., Anastácio, 2007) pois, frequentemente, estes agentes percepcionam‐se com baixas competências neste domínio, ainda que considerem ter elevados conhecimentos nos diversos conteúdos que podem ser explorados nesta temática (Serrão & Barbosa, 2006). A intersecção desta temática na formação inicial de professores é justificada, na 109 medida em que os professores que tiveram preparação adequada no âmbito da Sexualidade se sentem mais competentes e confortáveis para abordar tópicos relacionados com a E.S. (Serrão & Barbosa, 2006). Os estudos são unânimes ao sustentarem que a E.S. continua a não fazer parte dos planos de estudos dos cursos de formação de professores (e.g., GTES, 2005; Serrão, 2009; Vilaça, 2006). Assim, na última década, em resposta a esta indigência de preparação dos professores nesta matéria, têm‐se verificado um aglomerado de ofertas formativas neste domínio, nomeadamente ao nível da formação contínua e mais recentemente ao nível da formação pós‐graduada. De facto, somos da opinião que a formação contínua é uma variável importante para desencadear processos de envolvimento dos/das professores/as na promoção da E.S.. Porém, concordamos que nem todos os percursos formativos parecem estar em consonância quer com as expectativas dos/das professores/as relativamente ao espaço formativo, quer com as realidades contextuais onde os protagonistas deste movimento terão de desenvolver o seu papel. Perante este cenário, qual será então o caminho a co‐construir? Qual será o caminho desejado e ideal para que os professores desenvolvam competências efetivas na promoção da E.S.? Tendo como premissa que “o caminho faz‐se, caminhando”, em seguida faremos uma reflexão, integrando dois tipos de estratégias conducentes ao envolvimento do professor em práticas de E.S., ou seja, estratégias de ordem macro e estratégicas de ordem microssistémica. No âmbito das estratégias macrossistémicas e percebendo‐se o efeito da formação, tanto inicial, como contínua, para o envolvimento do professor em práticas de E.S., torna‐se fundamental priorizá‐las enquanto estratégias para a implementação da inovação, dando para isso as condições preambulares para que o processo de envolvimento do professor se comece a construir. No cenário microssistémico, um conjunto de condições se impõe para a concretização da mudança, operada através dos mecanismos de envolvimento dos professores em práticas de E.S.. 1.POLÍTICA DE INCENTIVO E APOIO AOS PROCESSOS DE ENVOLVIMENTO Somos da opinião que as escolas devem ter uma política de incentivo e apoio aos processos de envolvimento, podendo tal, ser desencadeado pelo professor coordenador do projecto. Enquadrado neste cenário, deve ser potenciado o trabalho em rede entre os professores, onde as realizações comportamentais e, ou experiências vicariantes operem como oportunidades de interacção entre os elementos que implementam a inovação e aqueles que ainda não a iniciaram. Tal processo poderá, numa fase inicial, ser incitado através da formação contínua, funcionando esta como plano praxiológico, para em seguida, ser providenciada monitorização, supervisão e avaliação do gradual envolvimento dos professores nestas práticas (Serrão, 2009). 110
2. PLANO FORMATIVO O plano formativo, e em específico no âmbito da formação contínua, deverá ser enquadrado num modelo em que se assume um papel de incitamento à análise, à indagação, à reflexão sobre a realidade educativa (e.g., Cró, 1998; Estrela & Estrela, 2001; Tavares, 1997) e apoio para a mudança de práticas. Neste sentido, “os professores têm que ser protagonistas activos nas diversas fases do processo de formação (…): na concepção e no acompanhamento, na regulação e na avaliação” (Nóvoa, 1991, p.31). A formação de professores deve constituir uma forma globalizante e integradora, valorativa do seu carácter contextual, organizacional e de orientação para a mudança, considerando um conceito vasto do “desenvolvimento profissional dos professores”. Por conseguinte, deve ser concebida “como uma intervenção educativa” e “solidária dos desafios de mudança das escolas e dos professores” (Nóvoa, 1991, p.22). Ora, qualquer mudança sustentada por práticas/realizações comportamentais requer tempo, desta forma é exigido um tempo compatível com esta mudança. Tempo para a investigação, tempo para a acção, tempo para a reflexão, tempo para a avaliação… Deve atender aos seguintes aspectos com o intuito de influenciar o comportamento de envolvimento do professor, sendo eles: aumento da informação, o desenvolvimento de competências auto‐reguladoras e auto‐promotoras, o aumento do conforto, o treino de competências sociais e aumento do sentido de auto‐
eficácia (Bandura, 1993). A área dos conhecimentos deve ser bem planeada, pois é através dela que o professor vai conhecer, compreender e reflectir sobre o conceito de Sexualidade e de E.S., os objectivos e conteúdos da E.S., as directrizes ministeriais existentes nesta matéria, as estratégias de intervenção e promoção, a necessidade de se diagnosticarem as necessidades e os interesses dos estudantes nesta matéria, etc. A discussão e reflexão sobre os diferentes modelos de saúde e sobre os factores envolvidos nas mudanças comportamentais e atitudinais, permitirá minimizar a dissonância entre os objectivos da E.S. e as práticas dos professores. Neste sentido, o aumento da informação contribuirá para o aumento das competências de auto‐eficácia, permitindo que o professor se envolva gradualmente neste processo e reflicta sobre o trabalho diferenciado que a mesma exige. Com vista ao aumento do nível de conforto, torna‐se essencial facilitar a tomada de consciência das emoções associadas ao debate de diferentes temas, sendo este um passo importante para que a informação que elas contêm possa ser útil e para que estas possam ser modificadas. O processo de modelagem é facilitado ao pôr‐se em comum boas práticas, experiências de sucesso e insucesso, ao simularem‐se situações, facultando o desenvolvimento de competências para lidar com os imprevistos, antecipando acontecimentos que possam ocorrer no contexto de ensino‐aprendizagem (Bandura, 1993) e desenvolvendo competências sociais e aumento do sentido de auto‐eficácia. A adopção por parte do professor de uma “orientação personalista”, sendo capaz de escolher e tomar decisões, de uma “orientação prática”, sendo capaz de produzir conhecimento através das suas realizações 111 comportamentais e uma “orientação sócio‐reconstrucionista” (Marcelo, 1999), sendo capaz de transformar os sistemas em que está inserido e no qual participa, ou não directamente, devem marcar a orientação da dinâmica formativa. Em suma, acreditamos que ao serem providenciadas transformações tanto ao nível das estratégias de inovação (macrossistémicas, como por exemplo através de mais ofertas formativas e gratuitas), como ao nível das estratégias de mudança (microssistémicas), criar‐se‐ão cenários tendentes a influenciar as crenças do professor a vários níveis. CONCLUSÃO A participação do professor em settings formativos onde seja possível desencadear a experimentação e a representação de vários papéis (de professor, de estudante, de pai, de amigo…), a partilha de sucessos e insucessos na dinamização de ações de E.S.,a vivência do desconforto perante a discussão de temas polémicos, serão caminhos férteis para a co‐construção e redescoberta do Eu e dos sentidos e significados dos processos de ensino‐aprendizagem. Finalizamos esta reflexão assumindo que a formação pode e deve ser considerada o ponto de partida, na medida em que somos da opinião de que só o quotidiano do professor pode contribuir para que ele aprimore o processo de ensino‐aprendizagem. Cabe a cada um de nós encontrar o caminho e a forma de ensinar a caminhar: “Tentei ensinar‐te formas de andar, mas nem eu nem ninguém tem o direito de te levar às costas. Poderei, apesar de tudo, acabar com um último conselho? Já que se trata de escolher, procura sempre escolher essas opções que depois te permitam o maior número de outras opções possíveis, e não as que te deixem entalado, contra a parede. Escolhe o que abre: aos outros, a novas experiências, a diferentes alegrias. Evita o que te encerra e te enterra. Quanto ao mais, boa sorte!” (Fernando Savater, in Ética para um jovem) BIBLIOGRAFIA Anastácio, Z. F. C. (2007). Educação sexual no 1.º CEB, obstáculos e argumentos dos professores para a sua (não) consecução. Dissertação de Doutoramento não publicada, Universidade do Minho, Minho. Retirado a 6 de Junho de 2007 de http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/7337. Bandura, A. (1993). Perceived self‐efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist, 28(2), 117‐148. 112
Cró, M. D. L. (1998). Relação pedagógica baseada na autonomia. D. Orey (Ed.), Guia da reforma curricular – documentos de trabalho. Lisboa: Texto Editora. Decreto‐Lei n.º 259/2000 (2000). Desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 120/99: Ministério da Educação. Diário da República, I Série A, de 17 de Outubro n.º 240, 5784‐5786. Estrela, M. T., & Estrela, A. (2001). IRA – Investigação, reflexão, acção e formação de professores: estudos de caso. Porto: Porto Editora. Grupo de Trabalho de Educação Sexual (GTES) (2005). Relatório preliminar. Retirado a 20 de Janeiro de 2006 de http://www.dgidc.min‐edu.pt/EducacaoSexual/Relatorio_Preliminar_ES_31‐10‐2005.pdf. Lei n.º 3/84 (1984). Educação sexual e planeamento familiar: Assembleia da República Diário da República, I Série, de 24 de Março, n.º 71, 981‐983. Marcelo, C. G. (1999). Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora. Nóvoa, A. (1991). Concepções e práticas de formação contínua de professores. A. Nóvoa (Ed.), Actas do I Congresso Nacional de Formação Contínua de Professores (pp. 15‐38). Aveiro: Universidade de Aveiro. Portaria n.º 196‐A (2010). Diário da República, 1.ª série — N.º 69 — 9 de Abril de 2010. Ramiro, L., & Matos, M. G. (2008). Percepções de professores portugueses sobre educação sexual. Revista de Saúde Pública, 42 (4), 684‐692. Reis, M. H. A., & Vilar, D. (2004). A implementação da educação sexual na escola: Atitudes dos professores. Lisboa: Análise Psicológica, 4(XXII), 737‐745. Serrão, C., & Barbosa, M. A. (2006). Questionário de opiniões sobre Educação Sexual. Resultados obtidos junto de uma amostra de professores. In C. Machado, L. Almeida, A. Guisande, M. Gonçalves, & I. Ramalho (Eds.), Actas da XI Conferência Internacional, Avaliação Psicológica: Formas e Contextos (pp. 621‐631). Braga: Psiquilíbrios Edições. Serrão, C. (2009). Práticas de educação sexual em contexto escolar. Factores preditores do envolvimento dos professores na promoção da educação sexual. Dissertação de Doutoramento não publicada, Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Teixeira, M. F. (1999). Reprodução humana e cultura científica: um percurso na formação de professores. Tese de Doutoramento não publicada, Universidade de Aveiro, Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Aveiro. Veiga, L., Teixeira, F., Martins, I., & Meliço‐Silvestre, A. (2006). Sexuality and human reproduction: a study of scientific knowledge, behaviours and beliefs of Portuguese future elementary school teachers. Sex Education, 6(1), 17‐29. Vilaça, M. T. M. (2006). Acção e competências de acção em educação sexual: uma investigação com professores e alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário. Dissertação de Doutoramento não publicada, Universidade do Minho. 113 114
ORIENTAÇÕES EUROPEIAS PARA A EDUCAÇÃO SEXUAL NAS ESCOLAS Manuela Moura, Vice‐Presidente da APF Norte A implementação de programas formais de Educação Sexual em contexto escolar sempre levantou várias questões na sociedade, na comunidade escolar e no poder político em Portugal. A promoção da Educação Sexual nas escolas encontra‐se legislada como uma obrigação do Estado Português desde 1984, através da Lei 3/84, de 24 de março. Contudo, apenas em 2009, a Lei 60/2009, de 6 de agosto, seguida da Portaria 196‐A/2010, de 9 de abril, vem regulamentar a sua obrigatoriedade e descreve a metodologia e os conteúdos curriculares que a Educação Sexual deverá contemplar. Atualmente, várias questões voltam a ser levantadas com as novas orientações do Ministério da Educação e a reforma curricular do Ensino Básico e Secundário, nomeadamente na retirada das áreas curriculares não disciplinares. Tendo em conta estes factos, pareceu‐me oportuno reforçar a pertinência da Educação Sexual e salientar as orientações Europeias recomendadas recentemente, quer pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, 2010), quer pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010). Entendemos a Educação Sexual como um processo de aprendizagem que envolve os aspetos cognitivos, emocionais, sociais, físicos e relacionais da sexualidade. A Educação Sexual tem como principal objetivo capacitar as crianças e jovens de informação adequada, competências pessoais e valores positivos face à sexualidade, para que possam fazer escolhas saudáveis e responsáveis. Segundo a UNESCO (2009), a Educação Sexual é definida como o “ensino da sexualidade e dos relacionamentos, apropriado à idade, culturalmente relevante, através da informação cientificamente apropriada, realista e isenta de julgamento. A Educação Sexual proporciona oportunidades para cada um explorar os seus próprios valores e atitudes e permite a tomada de decisões, competências de comunicação e redução de riscos acerca de muitos aspetos da sexualidade”. Entendemos a sexualidade como a expressão dos afetos, a aceitação do corpo e o reconhecimento das suas potencialidades, a capacidade de interação e de relacionamento com um outro, envolvendo o sexo, a identidade, os papéis de género, a orientação sexual, o erotismo, o prazer, a intimidade e a reprodução. A sexualidade é uma componente do ser humano enquanto pessoa biopsicossocial, faz parte do seu corpo, da 115 sua personalidade, da sua expressão social. Segundo a OMS a: “Human sexuality is a natural part of human development through every phase of life and includes physical, psychological and social components […]”. É assim reconhecido que o ser humano é um ser sexual e que a sexualidade é uma componente que o acompanha ao longo da sua vida. A Educação Sexual poderá contribuir para um desenvolvimento pessoal mais positivo e relações interpessoais mais satisfatórias e autodeterminadas. O direito à informação e à educação está já protocolado em vários tratados e convenções internacionais, aos quais Portugal aderiu. Desde a Convenção dos Direitos da Criança até aos próprios Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), inclui‐se o direito à Educação Sexual. É, pois, crucial o reconhecimento dos direitos básicos dos jovens, entre os quais: ‐ Direito à informação em Saúde Sexual e Reprodutiva, Educação e disponibilização de Serviços; ‐ Direito a participar como cidadão ativo e expressar o seu ponto de vista; ‐ Direito a ter prazer e confiança na sua sexualidade e relacionamentos; ‐ Direito a fazer as suas opções livre de exploração, opressão ou agressão física e emocional. A IPPF (Federação Internacional para o Planeamento da Família), na sua Carta Dos Direitos Sexuais e Reprodutivos (1994), promove a divulgação dos direitos sexuais e reprodutivos como parte integrante dos Direitos Humanos. Mais tarde, na sua Declaração dos Direitos Sexuais, assume‐os claramente como sendo questões de Direitos Humanos, nos quais se inclui o direito a viver a sexualidade com prazer e o direito à informação e educação: “Todas as pessoas, sem discriminação, têm o direito à educação e à informação em geral, a uma educação sexual completa e à informação necessária e útil para o exercício de uma cidadania plena de igualdade nos domínios privado, público e político”. A OMS alerta igualmente para o facto de todas as crianças e jovens terem o direito de aceder a uma Educação Sexual apropriada à sua idade e que esta deverá ser baseada em Direitos Humanos Internacionalmente aceites, em particular no direito ao conhecimento como forma de promoção da saúde. Nas Standards for Sexuality Education in Europe, da autoria da OMS (2010), são identificados sete princípios básicos para a Educação Sexual: 1. A educação sexual deve ser adequada à idade, tendo em conta o desenvolvimento e capacidade de entendimento pessoal, responder às necessidades culturais e sociais e ser sensível ao género. Deverá, ainda, corresponder à realidade vivida pelos jovens; 2. A Educação Sexual é baseada numa abordagem dos Direitos Humanos, sexuais e reprodutivos; 3. A Educação Sexual segue uma visão holística de bem‐estar o qual inclui a Saúde; 4. A Educação Sexual está firmemente baseada na igualdade de género, autodeterminação e aceitação da diversidade; 5. A educação Sexual começa com o nascimento; 116
6. A Educação Sexual tem de ser entendida como uma contribuição para uma sociedade justa através do empoderamento dos indivíduos e das comunidades; 7. A Educação Sexual deve ser baseada em informações precisas e científicas. Num trabalho desenvolvido pela UNESCO, do qual resultam as Orientações Técnicas Internacionais sobre Educação em Sexualidade (2010), encontra‐se uma revisão da literatura acerca do impacto da educação sexual sobre o comportamento sexual, envolvendo países em desenvolvimento, os Estados Unidos da América e outros países desenvolvidos, num total de 87 estudos. Desta análise aos diversos programas ressaltam várias recomendações para uma maior eficácia da Educação Sexual. Neste estudo, emergiram as características comuns aos Programas de Educação Sexual, para a prevenção do VIH/SIDA, IST´s e gravidezes não desejadas, que se revelaram ser mais efetivos na aquisição de maior conhecimento, promoção de valores e atitudes, facilitadores de competências e comportamentos: 1. Envolvimento de especialistas, i.e., as pessoas envolvidas na elaboração e/ou seleção de currículos devem estar familiarizadas com as questões a abordar, reconhecer as problemáticas dos jovens em questão e identificar modelos teóricos e de intervenção mais adequados; 2. Determinam as necessidades de saúde reprodutiva e comportamentos dos jovens, construindo os programas a partir do conhecimento, atitudes positivas dos jovens e competências existentes; 3. Usam uma abordagem de modelo lógico que especifica os objetivos de saúde; identificam os comportamentos específicos que afetam esses objetivos e que podem ser modificados; identificam os fatores de proteção e de risco e criam atividades para modificar ou reforçar cada um desses fatores; 4. Concebem atividades sensíveis a valores comunitários e consistentes com os recursos disponíveis (como o tempo e competências da equipe, espaço das instalações,…); 5. Fazem um teste piloto do programa e obtêm feedback contínuo dos alunos acerca do programa e da resposta às suas necessidades; 6. Enfocam objetivos claros ao determinar o conteúdo, a abordagem e as atividades curriculares. Esses objetivos devem incluir a prevenção do VIH, outras IST’s e a gravidez não desejada; 7. Têm um enfoque restrito em comportamentos protetores e de risco sexual específicos que conduzem diretamente a esses objetivos de saúde; 8. Abordam situações específicas que podem conduzir a relações sexuais indesejadas ou sem proteção, e estratégias para evitar e sair dessas situações; 9. Transmitem mensagens claras sobre comportamentos para reduzir o risco de IST’s ou gravidez; 10. Trabalham os fatores protetores e de risco específicos que afetam certos comportamentos sexuais, e que são passíveis de modificação pelo programa baseado num currículo (como conhecimentos, valores, normas sociais, atitudes e habilidades); 117 11. Utilizam métodos participativos de ensino que envolvem ativamente os jovens e ajudam‐nos a internalizar e a integrar a informação; 12. Implementam múltiplas atividades educacionalmente sólidas, concebidas para modificar cada um dos fatores protetores e de risco alvo do programa; 13. Fornecem informações cientificamente corretas sobre os riscos do sexo sem proteção e a efetividade de diferentes métodos de proteção; 14. Abordam as perceções de risco (especialmente suscetibilidade); 15. Abordam os valores pessoais, as perceções da família e as normas de pares sobre o envolvimento em atividades sexuais e/ou múltiplos parceiros; 16. Abordam atitudes individuais e normas de pares em relação a preservativos e contraceção; 17. Abordam tanto as competências individuais, como a autoeficácia em usar tais competências 18. Abordam todos estes tópicos numa sequência lógica. A EDUCAÇÃO SEXUAL junto dos jovens não é ainda satisfatória, sendo de todo importante focar a Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR) e promover um desenvolvimento saudável dos jovens através da informação e prestação de serviços que sejam apropriados, acessíveis e integrados num sistema sustentado e abrangente, que responda às suas necessidades. As orientações protocoladas pela UNESCO recomendam um conjunto de pontos‐chave como boas práticas a serem implementadas nas escolas: 1. Implementar programas com no mínimo doze sessões; 2. Incluir sessões sequenciais ao longo de vários anos; 3. Selecionar educadores capazes e motivados para implementar o currículo; 4. Fornecer formação de qualidade aos educadores; 5. Fornecer gestão, supervisão e reflexão contínuas. Também a OMS (2010) realça alguns requisitos básicos para uma Educação Sexual eficaz: 1. Participação sistemática dos jovens; 2. Seguir os princípios do modelo interativo; 3. Processo contínuo e baseada no entendimento de que o desenvolvimento da sexualidade ocorre ao longo de toda a vida; 4. Recorre à complementaridade multisectorial, envolvendo parceiros dentro e fora da escola; 5. É orientada para os diferentes contextos e responde às necessidades dos alunos; 6. Estabelece uma estreita cooperação com os pais e a comunidade de forma a construir um suporte ambiental favorável; 118
7.
Tem em conta as questões de género garantindo uma resposta adequada às preocupações e necessidades diferentes. O envolvimento dos jovens é igualmente um ponto forte e crucial para a eficácia dos programas em Educação Sexual. Nos vários trabalhos consultados e manuais internacionais, reforça‐se a importância do envolvimento dos jovens, quer na participação do desenvolvimento curricular, como no próprio planeamento e execução de atividades. Também o PROJETO SAFE, projeto desenvolvido numa parceria entre a IPPF Europeia, a OMS e a Universidade de LUND (Suécia), que contou com a participação da APF Portuguesa e de outros 25 membros associados da IPPF EN (European Network), aborda questões fundamentais para uma política de sucesso sobre a Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR) direcionada para os jovens. Este projeto, que findou em 2007, teve como principais objetivos: obter uma imagem do que se faz na Europa na área dos Direitos em SSR dos jovens; desenvolver novas linhas de orientação ao nível da informação e serviços; promover novas políticas juvenis. Reforça‐se, assim, que uma política em Educação Sexual e SSR para jovens terá que ter em conta aspetos centrais como a informação apropriada à idade e adequada à realidade do jovem, na ajuda em fazerem escolhas e tomarem decisões em SSR no respeito por si e pelo outro e perspetivar a sexualidade como algo positivo e sem receios, no respeito pelo prazer e satisfação sexual. Pensamos, assim, que nos últimos anos o esforço vigente da promoção da Educação Sexual em Portugal, envolvendo diferentes atores das escolas, comunidades e poder político, espelha as recomendações e orientações europeias. O percurso efetuado tem permitido um crescimento de iniciativas, reflexões e generalização dos saberes. Um retrocesso neste desenvolvimento teria, com certeza, severas consequências a médio e longo prazo. Não nos podemos esquecer que uma Educação Sexual eficaz possibilitará aos adultos de amanhã, crianças e jovens de hoje, a capacidade de enfrentarem os desafios do desenvolvimento afetivo e as competências de autonomia e negociação com os parceiros. BIBLIOGRAFIA Fisher, J.; McTaggart J. (2008) ‐ Review of Sex and Relationships Education (SRE) in Schools.Chapter. 3, Section 14. www.teachernet.gov.uk/_doc/13030/SRE%20 nal.pdf Grupo de Trabalho de Educação Sexual (GTES) (2005). Relatório preliminar. http://www.dgidc.min‐
edu.pt/EducacaoSexual/Relatorio_Preliminar_ES_31‐10‐2005.pdf. Inácio, A. (2010) ‐ Apresentação das novas orientações em Educação Sexual da UNESCO. In Educação sexual em rede, Nº 6. APF. 119 IPPF European Network (2007) – Um guia para o desenvolvimento de políticas sobre Direitos e Saúde Sexual e Reprodutiva na Europa de Jovens. The SAFE Project. Bélgica. UNESCO (2010) ‐ Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade. Uma abordagem baseada em evidências para escolas, professores e educadores em saúde. Vilar, D.; Ferreira, P.M. (2009) ‐ A educação sexual dos jovens portugueses ‐ conhecimentos e fontes. In Educação Sexual em Rede, nº 5. APF WHO Regional Office for Europe and BZgA (2010).Standards for Sexuality Education in Europe.A Framework for policy makers, educational and health authorities and specialists.Federal Centre for Health Education, BZgA. Cologne LEGISLAÇÃO Lei n.º 3/84 (1984). Educação sexual e planeamento familiar: Assembleia da República Diário da República, I Série, de 24 de março, n.º 71, 981‐983. Portaria n.º 196‐A (2010). Diário da República, 1.ª série — N.º 69 — 9 de abril de 2010. 120
PINCELADAS SOBRE A ADOLESCÊNCIA Milice Ribeiro dos Santos, Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar Adolescência é continuidade e rutura, reorganização, movimento em espiral de construção e desconstrução em que buscando no passado se vive o presente e se fantasia o futuro. A adolescência traz transformações no corpo, na sexualidade, no pensar, nos afetos, no relacionar, nas tomadas de decisão, nos compromissos, no sonhar… Cada adolescente, nesta fase existencial, muda em todos os aspetos e com ritmos de maturação diferentes. Frequentemente, quando a criança se sentia bem consigo, com a família, com os colegas, com os vizinhos, quando sabia quem era, surgem as manifestações pubertárias, sente um movimento interno que a faz estranhar‐se com o que se está a passar e a deixa, muitas vezes, surpreendida, confusa, encantada, alegre, triste, preocupada..... Assim, cada jovem tem no seu percurso de se (des)entender consigo mesmo: saber quem foi, compreender o que se passa e escolher quem se quer ser. Na adolescência, frequentemente, sofre‐se, vive‐se, têm‐se saltos de humor, desejos ambivalentes de continuar criança e de crescer; é‐se psicoafetivamente vulnerável. A adolescência é a representação e a compreensão de si e de uma diferente e diferenciada aparência física, com uma imagem corporal sexualizada. É o tempo do assumir uma masculinidade ou feminidade; é o pensar enquanto pensador, é o ensaiar ser e perceber‐se como membro de uma comunidade. A crise de adolescência tem sido considerada rutura no equilíbrio homeostático. O conceito eriksoniano de crise dá esta dimensão de adaptação e de potencialidades, de flutuação, de transformação, de realização, de plasticidade e de resolução de problemas. Perspetivada como “crise normativa” cabe‐nos a nós questionar o que essa crise tem de desorganizadora e/ou organizadora. É fundamental precavermo‐nos contra os riscos das generalizações estereotipadas pois há adolescentes e adolescências. A normalização é insuportável, paradoxal, pois o movimento da adolescência é precisamente este processo de construção de uma individuação/singularidade, de uma identidade pessoal, sexual e psicossocial. Uma identidade construída em diversificadas trajetórias e com modelos de identificação em mudança. Crescer é também ultrapassar identificações infantis: aos pais sucedem‐se os pares. A identificação não é um modelo a copiar é um processo de diferenciação que implica a compreensão de si na relação com os outros significativos. Todavia, a adolescência não é obrigatoriamente uma fase perturbada e perturbadora pois, como muito bem sabemos, muitos dos problemas com que os jovens se deparam e em que se enredam, com o tempo, normalmente, são resolvidos. Daniel Sampaio analisa no Lavrar o Mar (2006)como, teoricamente, a adolescência é considerada uma fase de tensão, desequilíbrio, conflito consigo e com os outros abordando as 121 implicações de se apresentarem os adolescentes como atormentados e incompletos “um jovem é alguém inacabado, imperfeito, em busca de uma coisa melhor, a adultícia”. As dificuldades, as perturbações mesmo as que nos parecem graves integram‐se, na sua maioria, no processo idiossincrático de desenvolvimento. É bem perigoso um diagnóstico e uma classificação em termos de patologia, dado o processo de adolescência ser complexo e diverso com tantas, profundas e permanentes mudanças existindo manifestações do processo adolescente que se podem facilmente confundir com patologias. Estas conceções são reforçadas pelas representações dos media que apresentam os adolescentes como irreverentes, insolentes, inquietos, a precisarem de ajuda e de controlo. Em contrapartida, simultânea e paradoxalmente, temos a imposição de uma sociedade de anseios juvenalizados onde o que é jovem é o que está a dar, bem patente nos cânones de beleza, no que é considerado atraente e valorizado na moda, na publicidade, na vida urbana e social. Dias Cordeiro (1987) afirma‐nos: “Um dos maiores progressos no estudo do funcionamento mental do adolescente foi considerá‐lo do ângulo da saúde e não da doença”. Na verdade, muito mudou quando as investigações em psicologia se desenvolveram fora do espaço clínico e do “adolescente‐problema” e as observações e recolha de dados foram obtidas nos contextos vivenciais e se deu a palavra ao adolescente. Não há um modelo único de se comunicar, de se relacionar, de se expressar, de se emocionar. Daí ser necessário um entendimento capaz de apreender cruzamentos, complexidades e diversidades. Os jovens socialmente representados como problemáticos, frágeis e imaturos são mais objetos de medidas do que seres de direitos e deveres, do que cidadãos e cidadãs. A adolescência traz mudanças biológicas, intelectuais, emocionais, afetivas e relacionais, na visão do mundo, nos valores, nas tomadas de decisão e de responsabilidades. Cada jovem tem a sua adolescência; há adolescências avançadas, retardadas, prolongadas, sofridas, bem vividas, harmoniosas, desarmoniosas... Podem existir irregularidades entre os diferentes níveis de maturação nas vertentes de desenvolvimento físico, cognitivo, social, emocional e afetivo. Estas discrepâncias podem dificultar uma compreensão pessoal, bem como, falsas apreciações de idade e dificuldades comunicacionais por parte dos adultos. A sexualidade é inerente à vida, desde os pequenos hábitos de todos os dias até aspetos tão vastos como as nossas opiniões, entusiasmos e sensibilidades acerca dos acontecimentos, problemas e valores do mundo. Assim, a par das mudanças físicas que se verificam, irá efetuar‐se um manancial de transformações psicológicas. A puberdade tende por razões alimentares e socioculturais a iniciar‐se cada vez mais cedo e a idade adulta é atingida cada vez mais tarde, sobretudo devido a fatores de ordem social como sejam o 122
alargamento do período de escolarização, as dificuldades de entrada no mundo do trabalho, a crise da habitação. A adolescência é mais marcada pelos contextos socioculturais do que pelos impulsos biológicos. É a sociedade que define as expectativas, os padrões comportamentais, as normas e a normalidade, que dá significação social a determinados comportamentos. O comportamento de uma rapariga sueca pode ser considerado delinquência em vários outros locais da Europa e, mesmo, levar à prisão em muitos países orientais. As vivências da sexualidade são muito marcadas por fatores sociais, culturais e geográficos como os contextos culturais, ideológicos e religiosos, os mitos e tabus, os hábitos comunitários. Fácil é pois entender como a família, a escola e a comunidade podem criar climas repressivos e culpabilizantes (“legitimadamente” pois é para o bem deles), destruidores da espontaneidade e bem‐estar fazendo os adolescentes sentirem‐se mal com as curiosidades eróticas, com o corpo, as emoções e a vida. Os rapazes e as raparigas, nesta idade, são normalmente preenchidos por fantasias eróticas e desejos de índole sexual, de sentimentos intensos de paixão e enamoramento que podem causar sentimentos diversos como orgulho, alegria, tensão, vergonha, timidez. Todavia, a ausência destas manifestações pode, igualmente, trazer aos adolescentes tristeza e sentimentos de inferioridade. O grupo de colegas e amigos tem uma importante função estruturadora funcionando como um espelho onde se veem crescer apresentando modelos, linguagens e normas, fazendo descobrir habilidades, prazeres e gostos tais como de música, atividades recreativas e desportivas. No entanto, este grupo pode também ser muito impositivo desrespeitando a personalidade, valores e opções de cada um e forçando os jovens a determinados comportamentos pela necessidade de conformidade grupal. Na questão da sexualidade, uma pressão frequentemente sentida pelo grupo dos coetâneos refere‐se à quase obrigação de ter relações sexuais nuns casos, e de noutros não as dever ter. Os projetos de educação sexual na escola e as relações com adultos podem ser muito importantes no sentido de criticar pressões facilitando processos de autonomização e de afirmação do que se quer, para si, na vida. O corpo dos adolescentes muda profundamente e a sua interiorização e aceitação de uma imagem corporal diferente e sexualizada não é, muitas vezes, nem automática nem fácil. Tem sido estudada a importância da representação corporal de si no bem‐estar pessoal e referenciado como uma imagem corporal negativa pode causar ansiedades, sofrimentos e mesmo levar a comportamentos patológicos de rejeição do seu próprio corpo ou de partes dele (cabelos, pele, nariz, nádegas, ancas, altura, peso... ). Sublinhe‐se quão importante é os adolescentes estarem rodeados por pessoas que se sintam bem consigo próprias, no seu corpo e com quem troquem empáticos olhares e com quem mantenham relações interpessoais satisfatórias. Quem contacta com adolescentes tem que ser sensível a estes aspetos pois é muito comum os adultos tecerem recriminações e discursos negativos sobre o corpo, a aparência, as roupas, os adereços, os gestos, a 123 forma de andar e de se movimentar. Os adolescentes precisam de se sentirem autoestimados e confiantes, precisam precisamente de compreender que aquilo que os tornam pessoas atraentes, interessantes, e bonitas é o seu estilo personalizado de ser e de socialmente estar. A idade das primeiras relações sexuais alterou‐se nos dois sexos. A idade da primeira relação sexual das raparigas tem vindo a diminuir, verificando‐se o inverso no caso dos rapazes, talvez devido ao facto das raparigas estarem mais abertas ao erotismo e os rapazes valorizarem mais a qualidade afetiva dos relacionamentos. É, atualmente, muito pouco frequente os rapazes terem a primeira experiência sexual com uma prostituta. Há todo o interesse na abordagem destas temáticas com os jovens, em transmitir a ideia de que as relações sexuais e protegidas apenas deverão ter lugar quando se está amadurecido, insistindo na necessidade destas corresponderem, de facto, aos desejos das pessoas envolvidas e não a quaisquer pressões do grupo, do meio ou do(a) parceiro(a). A abstinência deve ser apoiada como um direito de igual valor ao direito a relações sexuais ou a outras práticaseróticas. Também, por vezes, os adultos adiantam‐se aos acontecimentos e evoluções da vida e tratam os jovens como se eles já tivessem tido experiências sexuais (logo, o normal é as terem tido ) o que é uma outra forma de pressão e de não aceitação das opções feitas. Nem sempre são fáceis as vivências da sexualidade adolescente “As dúvidas e ambivalências sobre a forma como deve ser vivido um relacionamento emocional e/ou sexual são muitas. É o medo de se dizer o que se sente, de não se falar direito, o medo de não dar um beijo como “deve ser”, de não corresponder ao que se sente que o outro ou a outra espera. Estes medos geram, por vezes, muita ansiedade e evitamento.” Moita e Ribeiro‐dos‐Santos (2011). Os adolescentes fazem, nesta idade, escolhas sexuais, sentimentais e emocionais e, como sabemos, essas escolhas podem orientar‐se para pessoas do mesmo ou do outro sexo. Os estereótipos sociais, os rótulos de homossexual, heterossexual e bissexual são não só limitativos das opções e da realização pessoal como são perigosas fontes de mecanismos de desvalorização e de exclusão de tantos jovens. Chamo a atenção para o facto do direito das pessoas às suas orientações sexuais ser considerado um item civilizacional. A escola dos adolescentes influencia marcadamente os jovens na autoestima e representação de autocompetência, nas modalidades de comunicação, na capacidade de resolução de problemas e de gestão de conflitos, nas formas como se vive e se sobrevive nas instituições. A escola abre ou fecha horizontes: a mobilidade social e os projetos de futuro estão, hoje, profundamente relacionados com o êxito escolar. As crianças e jovens permanecem na escola entre 9 e 18 anos e entre 25 e 35 horas semanais (podendo elevar‐se a 38 horas nos cursos profissionais) num total de 180 dias de aulas. A escola dos adolescentes atravessa as transformações corporais, as novas pulsões sexuais, as descobertas interiores, as 124
paixões, os sonhos, as revoltas, os sofrimentos, as ambivalências, a desidealização dos pais, as grandes amizades, os projetos de vida, os processos de autonomização e de construção da identidade. Os adolescentes são muito sensíveis ao clima envolvente, às relações interpessoais. Ora, na escola existe uma importante filigrana relacional com muitos outros jovens e adultos de ambos os sexos e de diferentes idades. O universo escolar pode contribuir para ultrapassar as identificações infantis permitindo escolhas e facultando agradáveis descobertas de pessoas, de figuras de identificação, adultos com quem convivem ou mesmo personagens que encantam surgidas nos livros. A escola terá que se oferecer como um espaço/tempo de promoção da pessoa como cidadão e cidadã. Esta instituição socializante é um lugar privilegiado de aprendizagem da vida social, daí a importância das crianças e jovens participarem ativamente na vida escolar. Este aspeto de protagonismo social dos jovens está consignado na Convenção sobre os Direitos da Criança embora seja um dos aspetos mais esquecido pelos países signatários. Hoje, que há tanta informação fora da escola, esta tem que assumir um papel fundamental de atividade reflexiva partilhada sobre esses saberes contribuindo para a sistematização, a crítica e a pesquisa. As capacidades cognitivas adquiridas na adolescência – pensamento abstrato, raciocínios hipotético‐dedutivos, compreensão das discrepâncias entre o real e o possível, descentração da sua perspetiva com tomada em conta do raciocínio dos outros, desenvolvimento de autorreflexão – permitem aos jovens interessarem‐se pelas questões éticas e ideológicas, pensar a vida pessoal, relacional e social de outra forma. Ora, o ensino está na generalidade muito desligado dos contextos sociais e culturais numa lógica de fechamento dos alunos em disciplinas e de fechamento das escolas ao meio comunitário. A escola centra‐se mais nos conteúdos do que nas crianças e jovens, centra‐se no rendimento escolar e individual em vez de ser no desenvolvimento pessoal e na solidariedade de grupo. O clima da escola secundária é de grande competitividade, as dificuldades de entrada no Ensino Superior estão a adulterar a consistência deste ciclo de estudos, tornando‐a um degrau de passagem. A escola secundária pede aos alunos que não percam muito tempo a perder‐se … a entrada na universidade torna‐se, para muitos, incompatível com as crises da adolescência. Acrescente‐se que a escola nem sempre gere bem a diversidade existente na sua população e nem sempre responde aos jovens com expectativas, motivações, projetos de futuro diversificados e em construção. Em Portugal, não existem a nível nacional, salvo honrosas exceções, políticas de juventude que revitalizem os espaços comunitários de associativismo e de intervenção em redes de vida social. As capacidades cognitivas e de raciocínio social dos adolescentes, de pensar, argumentar e debater criticamente vai permitir à escola polemizaranimados debates sobre questões complexas como o aborto, as drogas, as religiões, o desemprego, a adoção de crianças por gays e lésbicas, a televisão, o facebook e 125 comportamentos on‐line, a moda, questões sociais e políticas, problemáticas ecológicas... Os jovens necessitam de compreender o mundo contemporâneo e as suas caraterísticas, exigências, subtilezas, problemáticas. A educação sexual na escola pode contribuir para os adolescentes adquirirem informações e vocabulário, aprofundar reflexões sobre si e o mundo, sentirem‐se amadurecer especialmente na capacidade de antecipação dos atos e de autocontrolo. Investigações realizadas evidenciam que os jovens que tiveram educação formal sobre sexualidade e contraceção, tendem a iniciar as relações sexuais mais tarde, de forma mais confiante e consciente, prevenindo‐se mais contra as possíveis situações de risco. Os debates nas sessões de educação sexual podem contribuir para os jovens compreenderem como a vida sexual, o erotismo, estão para além relações sexuais coitais, em todo o corpo, aumentando as possibilidades de realização e de ter prazer. Estamos a falar do “curtir” englobando manifestações sensuais tais como beijos, abraços, carícias, toques. A sexualidade está, como se sabe, envolta em ignorâncias e crenças erróneas (numa primeira vez não se fica grávida; o preservativo serve apenas contra o vírus da sida; não associarem gravidez e relação sexual; quem tem bom aspeto não transmite a sida; a contraceção de emergência só é eficaz nas 24 horas a seguir....) É célebre e ilustrativa dos riscos que podem correr a imagem dos três “is” com que os adolescentes se autorrepresentam: imunes, inférteis e imortais. Debater estas questões com os adolescentes tem uma importante função preventiva a desempenhar num país com tão grande taxa de gravidez adolescente (a segunda maior taxa europeia e a maior nas adolescentes mais novas), de infeções de transmissão sexual, de comportamentos de risco e de violência nas relações amorosas, como muitos estudos têm revelado. Para além dos conteúdos tratados na educação sexual saliente‐se a importância de um véu que se levanta sobre temáticas sexuais assunto onde reina o evitamento e a ausência de diálogo, é a relação dos jovens com “adultos perguntáveis”. A educação sexual na escola é também enriquecedora para os adultos (educadores, professores, funcionários, pais) abrindo importantes e profundas reflexões sobre a sexualidade e sobre si próprios como pessoas, sobre a comunicação com os jovens, bem como, sobre a função da escola. Muitos adultos antes desta experiência não se sentiam preparados para ajudar os adolescentes a lidarem com as novas emoções nem em os alertar para as situações de risco a que estão sujeitos, nem sobre a forma de as evitar. Em Portugal, a educação sexual decorreu em muitas escolas com um forte cunho de inovação pedagógica envolvendo professores e alunos, escola e comunidade, alargando a outros espaços de interesse e de participação, criando empáticas interações entre todos, assim como, de novos processos de aquisição de conhecimentos e de pesquisa. Gostaria de terminar com uma nota de otimismo e de respeito pelos adolescentes, de confiança nas suas competências e potencialidades e de aposta numa escola humanizada e de sucesso; gostaria de terminar 126
citando Freinet: “ Só a infância e a juventude são capazes de subir ousadamente aos cumes mas é preciso não os impedir”. BIBLIOGRAFIA Cordeiro, J.D. (1987). Os adolescentes por dentro. Lisboa: Salamandra. Erikson, E. (1976). Identidade, juventude e crise (2ª ed.).Rio de Janeiro: Zahar. Gomes, C. (2012). “Adolescentes do Alentejo e Algarve com mais comportamentos de risco”. Jornal Público, 16‐03‐2012. Moita, G. & Ribeiro‐dos‐Santos, M. (2011). A Lua não fica cheia num dia. Porto: Afrontamento. Sampaio, D. (2006).Lavrar o mar.Lisboa: Caminho. 127 128
EDUCAÇÃO SEXUAL: DA OBRIGATORIEDADE À REALIDADE Alexandra Santos, Agrupamento dos Centros de Saúde de Guimarães ‐ Vizela Recentemente,a educação sexual passou a ser uma realidade impostaao sistema educativo. A publicação da Lei 60/2009, de 6 de agosto e a subsequente regulamentação pela portaria 196A/2010 de 9 de abril, definiram, em teoria, o essencial para a aplicação da educação sexual em meio escolar. Estamos no terceiro ano de implementação nas escolas, no entanto, ainda muitas dúvidas pairam sobre o porquê da obrigatoriedade da educação sexual nas escolas, como fazê‐lo e que resultados vamos obter. A minha curta experiência, ou nem tanto, como profissional de saúde e mãe, leva a que hoje não tenhaa menor dúvida da importância da educação sexual, na escola, na construção do ser humano. Sabemos que uma parte importante da sociedade continua a reproduzir afirmações díspares, que ouve aqui e ali, sobre os alegados malefícios da educação sexual nas escolas, tais como “a educação sexual leva ao início precoce das relações sexuais”, “os pais são sempre os únicos responsáveis e melhores educadores dos seus filhos nas questões relacionados com a sexualidade e os afetos”, “os jovens não precisam da educação sexual na escola para desenvolverem uma sexualidade responsável”, “os jovens não querem a educação sexual nas escolas”, entre outras. No entanto, foi cientificamente comprovado que todas estas afirmações não tinham qualquer fundamento. Ao longo destes anos de intervenção em meio escolar, vi, muitas vezes, os jovens a solicitarem, quando lhes dávamos espaço para se manifestarem, a abordagem de temáticas relacionadas com a sexualidade e os afetos nas áreas curriculares não disciplinares ou disciplinares. É verdade que esta iniciativa parte, sobretudo, dos mais velhos mas, não será porque as dúvidas e angústias na área da sexualidade e dos afetos é uma realidade nestas idades? Depois, quando pedíamos a estes jovens que colocassem todas as questões que gostariam de ver respondidas, quase sempre não valorizavam os seus sentimentos, a importância do respeito e demonstravam poucos ou nenhuns conhecimentos sobre o crescimento, a fisiologia do aparelho reprodutor, a reprodução, os métodos anticoncecionais, mas, sobretudo, não conheciam o seu corpo nem cuidavam dos afetos. Esta situação conduz a comportamentos de risco, provenientes de uma decisão menos assertiva e objetiva ou mesmo a uma má decisão. As consequências todos as conhecemos ‐ gravidez na adolescência, infeções sexualmente transmissíveis, violência nas relações, entre outras. A educação sexual pretende contrariar a iliteracia da sexualidade e afetos. Relembramos o significado do conceito de literacia, que consiste na capacidade do indivíduo em obter, processar e interpretar informação básica em saúde, tendo, como finalidade, um adequado processo de tomada de decisão em saúde. É preciso abordar a sexualidade e valorizar os afetos desde a infância, de forma adequada à idade ou maturidade, género, e mesmo à individualidade de cada ser. Mas porque é que esta responsabilidade não pode ser só dos pais? A resposta é 129 simples! A escola é um setting importante nas idades mais jovens porque é lá que passam uma parte importante do seu dia, porque é lá onde estão os amigos, onde se desenvolvem afetos. Depois são poucos os pais que abordam com os seus filhos questões relacionadas com a sexualidade e muitos até se consideram incompetentes para o fazer. Assim, facilmente se depreende que a escola poderá preencher esta lacuna tão importante na construção do ser e não podemos dissociar esta aprendizagem da aquisição de outros conhecimentos e saberes. Considero o meu filho um sortudo, pois, entre nós, não há assuntos tabus, mas, como profissional de saúde, vejo muitos jovens, muito voltados para si, sem ter com quem partilhar angústias, receios e dúvidas. Estamos numa sociedade em que todos podemos e devemos desempenhar os diversos papéis que temos na vida. Ultrapassada a primeira questão ‐ a do porquê da obrigatoriedade da educação sexual nas escolas ‐ surge uma outra: como fazê‐lo? Aqui é fundamental conseguirmos a envolvência de todos os atores, dos mais jovens, dos pais ou encarregados de educação, do pessoal docente e não docente. A formação pós‐graduada na área da educação sexual dos professores é necessária mas a existência de um grupo de trabalho pluridisciplinar de apoio é fundamental dada a complexidade de algumas temáticas. As escolas podem contar com alguns recursos da comunidade, como técnicos das Unidades de Saúde ‐ médicos, enfermeiros, psicólogos,… ‐ ou outras entidades credíveis como a APF, a Coordenação VIH/SIDA, entre outras. As temáticas a abordar já constam na regulamentação da lei da educação sexual. Mas será que 6 a 12 horas anuais, consoante o nível de ensino, são suficientes? Talvez não. A solução pode passar pela criação de uma área curricular, com a finalidade de melhorar a literacia em saúde e com a abordagem de temas tão diversos, mas igualmente importantes, como a alimentação, o consumo de substâncias lícitas e ilícitas, entre outras. Hoje, penso que o maior obstáculo na implementação da educação sexual nas escolas não é a falta de formação dos professores, nem a falta de recursos, mas a ausência de tempo e espaço para abordar essa temática de forma consistente e contínua. Por fim, todos temos de ultrapassar o grande constrangimento que sentimos quando os jovens abordam as questões mais íntimas da relação. O nosso papel, mais uma vez, é capacitá‐los para a procura e interpretação da informação de qualidade que os ajude a tomarem decisões adequadas. Ao ajudar os jovens a encontrar respostas para as suas dúvidas, ao transmitir novos saberes, ao desenvolver neles competências sociais contribuímos para o desenvolvimento de uma sexualidade consciente e responsável. A educação sexual reveste‐se de importância fundamental na formação estruturada do ser humano e na construção da personalidade. Sabemos que quanto mais informação e formação dermos às nossos crianças e jovens na área da sexualidade, mais tarde eles iniciam a atividade sexual, têm menos comportamentos de risco e vivenciam melhor os seus afetos. Podemos dizer que com esses contributos podemos ter jovens mais responsáveis, mais saudáveis e, principalmente, mais felizes. 130
PRÁTICOS 131 132
A EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE PEVIDÉM Maria Fernanda Faria, Coordenadora do Projeto Educação para a Saúde do Agrupamento de Escolas de Pevidém A educação para a saúde deve ter como finalidade primordial a preservação da saúde individual e coletiva. Segundo a Organização Mundial de Saúde (1993), “a saúde é um recurso quotidiano que implica um estado completo de bem‐estar físico, social e mental e não apenas a ausência de doença e/ou enfermidade”. Em contexto escolar, educar para a saúde consiste em dotar as crianças e os jovens de conhecimentos, atitudes e valores que os ajudem a fazer opções e a tomar decisões adequadas à sua saúde e ao seu bem‐estar físico, social e mental, bem como à saúde dos que os rodeiam, conferindo‐lhes, assim, um papel interventivo, o que implica, desde logo, uma abordagem da educação para a saúde em todas as suas vertentes, nomeadamente na da sexualidade. Segundo a OMS (1993) a sexualidade pode ser definida como “uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser‐se sensual e ao mesmo tempo sexual, ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental”. Parte integrante da interação do indivíduo com o meio e com os outros, a sexualidade assume um papel fundamental no seu desenvolvimento pessoal e social, afirmando‐se como parte integrante da existência, não podendo, por isso, ser indissociada da própria personalidade. Axiomaticamente presente na existência humana, acompanhando o indivíduo desde o nascimento até à morte, a sexualidade constituiu, ao longo dos tempos, uma temática polémica, controversa, durante muito tempo mesmo socialmente proibida. A pós‐modernidade, as influências das novas tecnologias e a própria globalização acabaram por alterar profundamente tal estado de coisas, chamando a atenção para a importância da sexualidade, enquanto vertente fundamental da realização e interação humanas. Tal consciência, por outro lado, tem vindo a acentuar a importância de uma efetiva educação no domínio da vivência e realização sexual, a exigir dos agentes sociais, nomeadamente da família e da escola, um papel ativo neste processo. E se é certo que a família vem alienando cada vez mais a sua quota‐parte no processo educativo dos seus filhos, não deixa de ser menos certo que a escola vem consciencializando a 133 importância de assumir a educação sexual como vertente fundamental de uma educação integral, de uma educação para o bem‐estar e equilíbrio pessoal e social. Tal papel, no entanto, deve apresentar‐se como comunitariamente contextualizado e participado, numa complementaridade de papéis e funções, sem a qual difícil se torna a superação de um conjunto diversificado de constrangimentos alicerçados, muitas vezes, nas próprias raízes da cultura judaico‐cristã, que fundamenta e sustenta as vertentes principais da nossa axiologia social e moral. A falta de tal complementaridade, aliás, poderá constituir, quiçá, um dos fatores explicativos de muitas resistências a projetos de educação sexual, de pré‐conceitos que só uma interação educativamente cooperativa e colaborativa torna capaz de desconstruir. Neste sentido, importante se torna uma formação adequada e específica de pais, professores, agentes de saúde e outros elementos da comunidade educativa, no sentido de, em conjunto e ancorados por tais conhecimentos, se delinearem estratégias e linhas educativas que motivem e consciencializem os jovens para a importância de uma séria e efetiva educação para a vivência da sexualidade. Tal formação, no entanto, deve assentar numa referência ética simultaneamente clara, abrangente do pluralismo moral e promotora do debate de ideias e valores. Numa época em que a família se afirma e alicerça cada vez mais na e pela realização afetiva, contrariamente ao peso do contrato social e religioso prevalecente em tempos não muito distantes, a sexualidade e a afetividade assumem cada vez maior importância enquanto componentes essenciais da intimidade e das relações interpessoais, enquanto fatores ancoradores de um harmonioso desenvolvimento emocional. Tais pressupostos, alertam, desde logo, para a importância de projetos que motivem os elementos da comunidade para a consciencialização de tal problemática, que os dotem de conhecimentos específicos neste domínio, que contribuam para a desconstrução de pré‐conceitos, mais ou menos ancilosados, estereotipados, social, moral e educativamente ultrapassados. Foi no âmbito destes pressupostos que surgiu o projeto PRESSE. O PRESSE é o Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar promovido pela ARS Norte, I.P., através do seu Departamento de Saúde Pública, em parceria com a DREN. Apoia a implementação da educação sexual nas escolas de uma forma estruturada e sustentada. Tem como finalidades principais contribuir para a diminuição de comportamentos de risco e para o aumento dos fatores de proteção em relação à sexualidade dos alunos da região Norte. Ao apoiar a implementação da educação sexual nas escolas de uma forma estruturada e sustentada, o PRESSE promove um trabalho conjunto entre profissionais de saúde escolar e professores, apresentando‐se como uma resposta facilitadora de todo o processo de educação sexual através de formação dos profissionais de saúde escolar, professores e psicólogos em sexualidade humana, educação sexual e metodologias pedagógicas e 134
disponibilização de recursos pedagógicos que facilitam a aplicação dos conteúdos curriculares em educação sexual previstos para os vários níveis de ensino. Consciente da importância do contributo que um projeto deste jaez poderia trazer para a educação dos seus alunos e restantes elementos da comunidade educativa, o Agrupamento de Escolas de Pevidém, em parceria com o Centro de Saúde de Urgezes, assumiu o compromisso de implementar este programa nas várias escolas do Agrupamento. O desenvolvimento do projeto foi operacionalizado em três fases complementares: uma 1ª fase essencialmente votada à formação da coordenadora do PES e à enfermeira do Centro de Saúde que connosco estabeleceu parceria; uma 2ª fase, em que as duas profissionais anteriormente referidas ministraram formação aos professores titulares de turma do 1º ciclo e diretores de turma dos 2º e 3º ciclos. Foi um trabalho onde importa destacar a colaboração do Centro de Formação Francisco de Holanda, que coordenou uma ação de formação específica, desenvolvida numa permanente reflexão na e sobre a ação, o que acabou por incrementar uma grande motivação e aderência ao projeto por parte dos professores, que se manifestou, entre outras vertentes, no desenvolvimento de projetos de interesse, tendo nos seus trabalhos práticos finais sido elaboradas planificações de trabalho para cada ano de escolaridade. Estes trabalhos/projetos, que passaram a fazer parte do projeto curricular de turma, revelaram‐se, posteriormente, uma mais‐valia, uma vez que foram facultados aos colegas diretores de turma que não tiveram a oportunidade de frequentar a referida formação, que com agrado o receberam, e com o apoio e colaboração do grupo de trabalho PES o estão também a implementar nas suas turmas. É com imensa satisfação que constatamos que o Agrupamento está a trabalhar a 100%; este trabalho está em realização em todas as turmas, abrangendo todos os alunos desde o 1º ao 9º ano de escolaridade. Foi, por isso, uma ação que marcou um efetivo ponto de viragem em todo o processo, já que contribuiu para a desconstrução de muitos constrangimentos, anteriormente sentidos pelos participantes e que abriu novas perspetivas de interação e de linhas de rumo para o desenvolvimento do próprio projeto, para além de contribuir igualmente para a desmistificação do papel dos professores no âmbito da educação sexual e, sobretudo, chamar a atenção para o facto de tal tarefa não dever desenvolver‐se de modo isolado, antes integrar os pais/encarregados de educação/família e profissionais de saúde, numa prática cooperativa e colaborativa, como anteriormente se referiu. Ao dotar os professores de conhecimentos específicos neste domínio, tão sensível, a ação de formação em questão possibilitou ultrapassar não só a insegurança daqueles docentes e o consequente receio na participação em anteriores tentativas deste âmbito educativo, como os motivou para o desenvolvimento do projeto, numa cabal compreensão da sua importância educativa. A ação em referência permitiu assim a consciencialização de que não é indispensável ser especialista em educação sexual para desempenhar a função de professor de Educação para a educação sexual em saúde escolar, antes deve possuir‐se uma “genuína 135 preocupação com o bem‐estar físico e psicológico dos outros; aceitação confortável da sua sexualidade e da dos outros; respeito pelas opiniões das outras pessoas; atitude favorável ao envolvimento dos pais e encarregados de educação e outros agentes de educação; compromisso de confidencialidade sobre informações pessoais que possam ser explicitadas pelos alunos; capacidade para reconhecer as situações que requerem a intervenção de outros profissionais/técnicos para além dos professores” (Went, 1985, citado pelo M.E./M.S., 2000, p. 41). Foram estes valores e competências que a formação dos professores acima mencionada relevou, verificando‐se que aqueles que a frequentaram ficaram muito mais motivados, revelando atitudes mais positivas e atribuindo maior importância ao tema, sentindo‐se mais capazes de passar à execução da 3ª fase, que consistiu na implementação e desenvolvimento do projeto, atualmente a decorrer, com os professores que receberam a formação a trabalhar com os seus alunos. Porque a escola que defendemos e preconizamos é uma escola‐comunidade educativa, perspetiva‐se já, neste momento, uma quarta fase de desenvolvimento do Projeto, que consistirá no alargamento de ações de formação específica aos Pais/Encarregados de Educação e Pessoal Não Docente, elos fundamentais em todo o processo educativo. Para tal, ainda neste ano letivo, perspetiva‐se uma candidatura ao projeto, neste domínio. Como se referiu, o projeto propunha, essencialmente, nos seus objetivos principais, promover uma educação para a saúde no contexto da sexualidade; promover transdisciplinarmente a abordagem da temática, de modo a desenvolver atitudes de auto e heterorespeito; desenvolver as competências emocionais que sustentem atitudes e respostas adequadas no âmbito da sexualidade; desenvolver parcerias, de modo a envolver efetiva e cooperativamente a família e as restantes estruturas comunitárias na implementação e desenvolvimento do projeto. Tais objetivos têm sido progressivamente atingidos culminando, no final do presente ano letivo, com a apresentação dos trabalhos/projetos desenvolvidos pelos alunos no âmbito da educação para a sexualidade em saúde escolar, os quais serão apresentados à comunidade educativa durante a III semana da saúde que decorrerá de 4 a 9 de junho no Agrupamento de Escolas de Pevidém. Deste modo, e como conclusão geral, cremos poder afirmar que o trabalho desenvolvido com a implementação e desenvolvimento deste projeto de educação sexual, pretendemos não só, nem sobretudo, transmitir conhecimentos, mas antes e preferencialmente promover, desenvolver e consolidar sentimentos, competências e atitudes positivas no domínio da sexualidade, a par das competências fundamentadoras de bem‐estar social individual e coletivo e de entre as quais destacamos a capacidade de auto e heteroconhecimento, a capacidade da gestão das emoções, a empatia e a assertividade. 136
A EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM PRÁTICA Beatriz Costa, Coordenadora do Projeto de Educação para a Saúde do AVE Briteiros; Marta Araújo Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediátrica INTRODUÇÃO A educação para a saúde sexual e reprodutiva dos indivíduos é tida, atualmente, como uma área prioritária de atuação nos setores da Educação e da Saúde, sendo, de acordo com o atual quadro normativo, de inclusão obrigatória no Projeto Educativo de Escola de todos os estabelecimentos do ensino básico e secundário. Para uma implementação organizada e estruturada da Educação Sexual na Escola, o Agrupamento Vertical de Escolas de Briteiros (AVEB) elaborou um Programa de Educação Sexual que está a ser implementado em todo o Agrupamento, respeitando as orientações legais e tendo em conta as sugestões de todos os intervenientes neste processo, o papel dos professores, os anseios dos alunos, assim como as preocupações dos pais/encarregados de educação. Com este artigo pretendemos revelar como o AVEB tem exercido o seu papel através da operacionalização do Programa de Educação Sexual, proporcionando, desta forma, oportunidades estruturadas para que os seus alunos beneficiem de educação sexual (ES), explorem as suas atitudes e valores, pratiquem a tomada de decisão e as competências de vida que necessitarão para serem capazes de fazer escolhas informadas na sua vida sexual. 1. DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE “A sexualidade é uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser‐se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental.” (O.M.S. in Frade et al,2009). Esta definição de Sexualidade dada pela Organização Mundial de Saúde, reflete a complexidade e multidimensionalidade desta temática, que abarca dimensões como a: biológica (seres com corpo sexuado), psicológica (identidade de género, atitudes, comportamentos, autoimagem, relações afetivas,…), social (normas e modelos), religiosas e culturais (valores). 137 A sexualidade desenvolve‐se ao longo da infância sofrendo influência de fatores familiares, culturais, sociais e hormonais. É na interseção destes vários contextos e face às várias experiências e influências que se vai formando a identidade sexual, a par do amadurecimento biológico e psicológico. A sexualidade manifesta‐
se de diferentes formas conforme a etapa do ciclo de vida em que se encontra o sujeito e é na adolescência que encontra uma evolução mais significativa, consequência, das rápidas mudanças que ocorrem a nível físico, social, e necessariamente psicológico. 2. PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO SEXUAL: O PAPEL DOS INTERVENIENTES A ES tem como objetivo proporcionar a integração das diversas facetas da sexualidade humana, promovendo a aquisição de uma postura responsável, flexível e gratificante desempenhandoum papel de extrema importância na promoção da autoestima, afirmação pessoal e desenvolvimento da personalidade de crianças/jovens (APF, 2009). O contributo para a ES de crianças/jovens é tarefa e responsabilidade de todos os cidadãos, mas o contributo dos intervenientes educativos é imprescindível, nomeadamente, pais, educadores/professores e profissionais de saúde. 2.1 O Papel da Escola O papel da escola é criar espaço para a promoção e educação para a saúde, designadamente na educação sexual, para que a pluralidade de conceções, valores e crenças sobre sexualidade, se possam expressar. Para que tal aconteça a ES não pode circunscrever‐se a um conjunto de conteúdos integrados numa ou mais disciplinas, mas sim numa dimensão interdisciplinar, plenamente integrada na organização e na vida da Escola (APF, 2009). Simultaneamente, a escola não pode assumir sozinha um processo de construção de um sistema de valores e condutas neste domínio, devendo haver também uma corresponsabilização da família, pois a implementação, com êxito, da ES na escola, depende, em grande parte, do apoio dos pais/encarregados de educação. Sendo assim, cabe à escola informar os pais/encarregados de educação sobre os conteúdos/competências e as atividades curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da ES. Desta forma, a atuação da escola será um complemento à educação dada pela família. 2.2 O Papel do Professor/Educador O papel e o contributo do professor como educador/formador é necessário e essencial neste processo. Ao professor, como ator de mudança e transformação, de transmissão de saberes e experiências ou, como refere Teixeira (1995), “um ser de relação numa profissão de relação”, deverá, também no campo da sexualidade humana, assumir essa responsabilidade e compromisso. O papel do professor em ES não difere muito do papel que lhe é atribuído nas demais áreas do processo educativo. Será talvez necessário um apoio técnico que lhe permita refletir sobre os seus próprios valores e atitudes face àsexualidade. Este auxílio pode 138
ser o recurso à formação contínua dos professores e educadores ajudando‐os a desenvolver as competências necessárias (APF, 2009). O modo como a ES é operacionalizada pelos professores pode estabelecer toda a diferença. Os especialistas nesta área são unânimes em afirmar que são as metodologias ativas/participativas, tais como as dinâmicas de grupo, as mais adequadas, pois centram‐se no aluno e promovem a sua própria aprendizagem. 2.3 O Papel da Família A família é a instância social com papel mais determinado no desenvolvimento e na educação da sexualidade da criança/jovem quer pela importância dos vínculos afetivos entre filhos e pais, quer pela influência destes modelos de observação quotidiana, nomeadamente enquanto casal (APF, 2009). É consensual para vários autores que os pais têm, ou devem ter, um papel ativo no que concerne à ES dos seus filhos. Contudo, e pelo facto do tempo efetivo de vivência familiar ser cada vez mais restrito, a escola deve ter, em si, responsabilidades acrescidas na ajuda e apoio a esta educação/formação. A escola deve ser a “parceira” ideal nesta aliança. Esta parceria pode passar por programas paralelos direcionados aos pais, para orientá‐los sobre o conteúdo do aprendizado de seus filhos e dotá‐los de competências que facilitem a comunicação entre eles sobre a sexualidade, de forma aberta e honesta, afastando os seus receios e apoiando os esforços da escola para fornecer educação em sexualidade de qualidade. 2.4 O Papel da equipa de Saúde Escolar O Programa Nacional de Saúde Escolar é um programa de âmbito nacional definido pela Direção Geral da Saúde (DGS)e que tem por finalidade a melhoria da saúde das crianças e dos jovens e da restante comunidade educativa, com propostas de atividades assentes na vigilância e proteção da saúde e na aquisição de conhecimentos, capacidades e competências em promoção da saúde. Uma das áreas estabelecidas como prioritárias pela DGS (Orientação 9/2010) foi a saúde sexual e reprodutiva/educação sexual, discriminando que o papel da intervenção das equipas de saúde escolar passa por: • apoiar/colaborar na concretização de projetos de ES; • ser o elo de ligação entre o gabinete de informação e apoio ao aluno (GIA) do agrupamento de escolas e as unidades funcionais do agrupamento de centros de saúde; • disponibilizar‐se para integrar o GIA; • disponibilizar ou apoiar a elaboração de materiais didáticos. A relação entre as equipas de saúde escolar dos centros de saúde e as escolas constitui um dos fatores primordiais para o sucesso da implementação da ES em meio escolar, sendo a qualidade das interações entre os profissionais de ambos os setores (saúde e educação) fundamental para uma efetiva parceria. 139 3. OPERACIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SEXUAL DO AVEB O Programa de Educação Sexual do AVEB insere‐se no âmbito do Projeto de Educação para a Saúde e surge na sequência da publicação dos mais recentes normativos legais: a Portaria nº 196‐A/2010, de 9 de abril, que procede à regulamentação da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, a qual estabelece a ES nos estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário e define as respetivas orientações curriculares adequadas para os diferentes níveis de ensino. Segundo a UNESCO (2010), os programas de ES, geralmente, têm vários objetivos que se reforçam mutuamente: ‐ aumentar conhecimentos para a tomada de decisões responsáveis; ‐ explicar e esclarecer sentimentos, valores e atitudes; ‐ desenvolver ou fortalecer habilidades; ‐ promover e sustentar comportamentos de redução de risco. Neste sentido e para a prossecução das finalidades da ES previstas no quadro normativo atual, importa que os professores sejam capazes de desenhar um projeto de educação sexual na turma e de se organizarem para a sua implementação. Assim, este programa pretende facultar à escola e aos professores os princípios orientadores da ES em meio escolar, os conteúdos da educação sexual por ciclo de ensino, assim como um conjunto de recursos didático‐pedagógicos. O Programa de Educação Sexual do AVEB dirige‐se aos alunos do 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico, aplica‐se de forma estruturada e sustentada envolvendo um trabalho conjunto entre os profissionais de saúde19 e os professores. 3.1 Do Projeto Educativo de Escola ao Projeto de Educação Sexual de Turma Como refere o art.º 6º, da Lei nº 60/2009, de 6 de agosto, “a educação sexual é objeto de inclusão obrigatória nos projetos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, nos moldes definidos pelo respetivo conselho geral, ouvidas as associações de estudantes, as associações de pais e os professores”. Assim, realizámos diversas ações conducentes à implementação da ES: a) Sessões (in)formativas para os pais e encarregados de educação Como já foi referido, a implementação da ES compreende a ação da escola como complemento à educação dada pela família. Sendo assim, cabe à Escola assegurar que os pais e encarregados de educação sejam ouvidos 19
A Equipa de Saúde Escolar da UCC Sol Invictus – Unidade do Centro de Saúde das Taipas. 140
em todas as fases de organização da educação sexual. Desta forma foram realizadas sessões formativas para os pais e encarregados de educação, promovidas pela Equipa de Educação para a Saúde do AVEB em colaboração com as Associações de Pais e Encarregados de Educação. b) Inclusão da área de ES no Projeto Educativo do Agrupamento No Projeto Educativo foram incluídas as orientações emanadas da Lei nº60/2009 de 6 de agosto e da Portaria nº 196‐A/2010 de 9 de abril, consubstanciadas no Programa de Educação Sexual do Agrupamento. c) Formação de Professores Foi promovida uma ação de formação para professores: “A Educação Sexual no Ensino Básico: Conteúdos, Recursos e Metodologias”. Com fundamento nas diferentes dimensões da sexualidade, propusemos ao Centro de Formação Francisco de Holanda a referida ação de formação e os respetivos formadores20: enfermeira, psicóloga, professora. Assim, foi possível constituir uma equipa de formadores que desenvolveram a formação em articulação permanente, possibilitando, desta forma, a implementação da ES numa perspetiva holística. d) O Projeto de Educação Sexual de Turma Segundo o nº 1, do art.º 7º, da Lei nº 60/2009, de 6 de agosto, o diretor de turma é o professor responsável pela implementação da ES, devendo elaborar o projeto de educação sexual da turma, no início do ano escolar, em articulação com os professores da turma no âmbito da transversalidade. Na ação de formação que referimos anteriormente, os docentes tiveram oportunidade de elaborar os projetos de educação sexual para os diferentes anos de escolaridade, os quais eram constituídos por sete componentes: conteúdos; competências; atividades; metodologias; transversalidade curricular; calendarização das atividades; avaliação. Na programação das atividades em ES, a metodologia é basicamente a mesma de qualquer planificação pedagógica, contudo, o tratamento dos temas implica sempre a garantia da transversalidade curricular; a definição de objetivos de aprendizagem ao nível dos conhecimentos, das atitudes e competências; a definição de técnicas e jogos a utilizar numa perspetiva de participação ativa dos alunos; a definição de formas de avaliação das sessões. e) Gabinete de Informação e Apoio ao Aluno Recorremos, novamente, ao quadro normativo atual e refere o nº 1, do art.º 10º, da Lei nº 60/2009, de 6 de agosto que “os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e 20
A enfermeira e a psicóloga pertencem à equipa de Saúde Escolar da UCC Sol Invictus. A professora pertence à equipa do Projeto de Educação para a Saúde do AVEB. 141 do ensino secundário devem disponibilizar aos alunos um gabinete de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual”. Neste seguimento, o AVEB criou o GIA para atendimento no âmbito da Educação para a Saúde, incluindo a área de ES. O GIA garante respostas às questões e dúvidas dos alunos e funciona cinco horas/semana, sendo dinamizado pela Equipa de Educação para a Saúde em articulação com a Equipa de Saúde Escolar da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) Sol Invictus (Unidade do Centro de Saúde das Taipas). 3.2 Avaliação do Programa de Educação Sexual O Programa de Educação Sexual iniciou no ano letivo 2010/2011 com aplicação nas 28 turmas dos docentes que concluíram a ação de formação que referimos. Dos Projetos de Educação Sexual de Turma desenvolvidos, podemos constatar que o número de horas e os conteúdos para cada ano de escolaridade corresponderam ao previsto – seis horas nos 1º e 2º ciclos, doze horas no 3º ciclo; a transversalidade curricular foi garantida, no 1º ciclo, nas áreas curriculares de Estudo do Meio e Língua Portuguesa; nos 2º e 3º ciclos, nas áreas curriculares de Língua Portuguesa, Inglês, Ciências da Natureza, Ciências Naturais, Educação Moral e Religiosa Católica. As atividades foram realizadas através de estratégias de aprendizagem ativo‐participativa – brainstorming, trabalhos de pesquisa, resolução de problemas, jogos de clarificação de valores, dramatizações, produção de cartazes, exploração de vídeos e outros meios audiovisuais, exploração de histórias, caixa de questões, debates, assembleias de alunos, fichas de trabalho e realização de exposições, entre outras. Em nove turmas, uma das atividades, foi promovida em parceria com a UCC Sol Invictus. No presente ano letivo, continua em curso a implementação do Programa e realizar‐se‐á uma segunda ação de formação para os docentes do AVEB que ainda não tiveram oportunidade de receber a formação necessária para a implementação da ES em contexto escolar. No final do ano letivo e com o objetivo de promovermos uma reflexão participada sobre o trabalho desenvolvido, disponibilizaremos um questionário de avaliação do Programa de Educação Sexual, a ser preenchido pelo professor titular de turma/diretor de turma, ouvidos todos os intervenientes no processo, baseado nos seguintes parâmetros: ‐ Número de horas estabelecidas para cada ciclo; ‐ Conteúdos previstos para cada ano de escolaridade; ‐ Impacto das atividades na aprendizagem dos alunos; ‐ Feedback da Comunidade Educativa. 4. CONCLUSÃO 142
O Programa de Educação Sexual do AVEB conduziu à implementação da ES no Agrupamento, mediante uma abordagem transversal do currículo, da responsabilidade do professor titular de turma ou do conselho de turma, que articula as planificações das várias áreas curriculares, numa perspetiva interdisciplinar. De forma a continuar a permitir aos alunos conhecimentos para uma vivência mais informada, mais autónoma e, logo, mais responsável da sexualidade na esfera dos conhecimentos, sentimentos, atitudes e competências, pretendemos que o Programa de Educação Sexual tenha continuidade nos próximos anos letivos. BIBLIOGRAFIA Associação para o Planeamento da Família (2009). Kit Educativo – saúde e sexualidade 2.º ciclo. Lisboa. APF Bastos, A. (2003). Afetividade na Adolescência – Sexualidade e Educação para os Valores. Lisboa: Edições Paulinas. Departamento de Saúde Pública – ARS Norte, I.P. (2008). Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar. ARS Norte: Ministério da Saúde. Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. (2008). Planeamento e Avaliação de Projetos – Guião Prático. Lisboa: DGIDC. Direção Geral de Saúde (2010). Educação Sexual em Meio Escolar. Orientação n.º 9/2010. Lisboa. DGS. Fonseca, H.(2002). Compreender os adolescentes, um desafio para pais e educadores. Lisboa: Edital Presença. Frade, Alice, et al (2009). Educação Sexual na Escola – Guia para Professores, Formadores e Educadores. 8.ª Edição.Lisboa: Texto Editora. Freitas, F. & Pereira, M. (2001). Educação Sexual ‐ Contextos de sexualidade e adolescência. Lisboa: Edições ASA. Ministério da Educação; Ministério da Saúde; Associação para o Planeamento da Família e Centro de Apoio Nacional ‐ CAN Rede Nacional de Escolas Promotoras de Saúde (2000). Educação Sexual em Meio Escolar ‐ Linhas Orientadoras. Lisboa: ME/MS/APF/CAN. UNESCO (2010). Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade ‐ Uma abordagem baseada em evidências para escolas, professores e educadores em saúde. Vol. I. France: UNESCO. 143 144
A EDUCAÇÃO SEXUAL EM MEIO ESCOLAR NA PERSPETIVA DAS POSSIBILIDADES Manuela Nunes, Coordenadora da Educação para a Saúde ‐ Agrupamento de Escolas Prof. João de Meira Como implementar a educação sexual em meio escolar? Como operacionalizar a lei n.º 60/2009 de 6 de agosto e a sua regulamentação pela Portaria nº 196‐A/2010 de 9 de Abril? A partir da experiência do trabalho realizado no Agrupamento de Escolas Prof. João de Meira, das orientações dos documentos legais e da formação existente nesta área, estruturámos um modelo possível, entre um universo de possibilidades. A essência do nosso projeto assenta na partilha de trabalho já realizado por outros, na constituição de uma equipa com funções específicas, no traçar de objetivos gerais e específicos e no esclarecimento de uma série de prossupostos teóricos. Tudo isto permitiu dar os primeiros passos no sentido de operacionalizar as questões teóricas, ultrapassar obstáculos, levantar muitas dúvidas e questionar constantemente o percurso traçado. Definiram‐se temas por nível e escolaridade, do pré‐escolar até ao 9ºano, procuraram‐se atividades adequadas a cada faixa etária, organizaram‐se as atividades num modelo definido de plano de aula, realizaram‐
se reuniões de trabalho com os representantes dos pais, divulgaram‐se as atividades junto de todos os professores do Agrupamento. Parece fácil e simples mas, de facto, foi mais complicado do que aparenta, embora mais simples do que alguns fazem supor. As dificuldades existiram sempre e continuam a limitar muito o trabalho já planeado. A falta de formação específica dos professores é sempre um dos argumentos mais usados por quem procura argumentos contra esta temática. O Agrupamento iniciou um trabalho na área da formação de professores, em modelos distintos, mas sempre como formação acreditada para que esta pudesse ser tida como relevante no modelo de progressão profissional dos docentes. Nesta formação, procurou‐se desmistificar um pouco as ideias e preconceitos existentes e demonstrar através de exemplos concretos o que se pretende e como se pode trabalhar em contexto de sala de aula. Evidenciaram‐se os aspetos mais relevantes que podem pautar um crescimento saudável e a vivência de uma sexualidade sem fantasmas, em liberdade e com responsabilidade. Não se pretendeu oferecer receitas, nem fórmulas de sucesso garantido, antes pelo contrário, procurou‐se sempre articular as atividades propostas ao contexto curricular das diferentes disciplinas e à criatividade de cada docente na planificação do trabalho a desenvolver. 145 A partilha dos materiais com todos os interessados e em especial com os pais e encarregados de educação foi um dos aspetos importantes deste projeto, permitindo assim clarificar todas as atividades que se pretendem desenvolver e eliminar todas as dúvidas ou suspeitas que pudessem ser levantadas. A delimitação de temas por ano de escolaridade foi também um aspeto importante para que os alunos não fossem obrigados a ver o “Philadelphia” repetidas vezes em disciplinas diferentes e em anos diferentes. As estratégias apresentadas também reúnem um conjunto diversificado de propostas que podem ser dinamizadas em contextos muito diversos, a saber: reuniões de coordenação com professores, realização de atividades com os encarregados de educação, visionamento de filmes, jogos lúdico‐pedagógicos,workshops temáticos, comemoração de datas festivas,dinâmicas de grupo,participação em concursos,participação em feiras,dramatizações, inquéritos e avaliações. Procurou‐se sempre dar relevo às metodologias ativas que envolvem os alunos no seu processo de formação em detrimento de exposições teóricas, assentes numa perspetiva sanitária da temática. Outro aspeto pertinente é o estabelecimento de parcerias, pois a escola não tem meios próprios que lhe permitam dar respostas atempadas a todas as solicitações. O centro de saúde, a associação de pais, os centros de formação de professores ou outras entidades próximas permitiram recrutar técnicos especializados que foram apoiando no desenvolvimento de algumas das atividades. Uma das grandes dificuldades prende‐se com a falta de tempo; a Formação Cívica é uma área curricular não disciplinar para a qual se remetem múltiplas atividades, propostas de trabalho e resolução de problemas, pelo que nem sempre é possível desenvolver o trabalho planeado de forma exemplar. Vários foram os constrangimentos encontrados ao longo deste percurso que já conta com seis anos de trabalho; em primeiro lugar, não posso deixar de referir a falta de orientações concretas por parte das equipas de trabalho na direção regional. Como coordenadora da Educação para a Saúde procurei estar presente em todas as reuniões e encontros de trabalho para as quais fui convocada e/ou convidada a estar presente. As orientações apelavam sempre para a autonomia da escola, para os seus recursos existentes e para a partilha de práticas. Penso que o trabalho destas equipas devia ter sido muito mais específico, orientador e mobilizador de recursos e meios disponíveis. Cada diretor nomeou os seus coordenadores de acordo com critérios muito diversos, as verbas mobilizadas para esta área foram sempre diminutas e as condições criadas para os professores foram sempre manifestamente insuficientes. Achar que é possível coordenar tudo isto, com duas horas letivas no horário (como estava previsto até ao final do ano letivo anterior), é lirismo puro. Achar que a execução de tudo isto é possível na componente não letiva (como está atualmente a ser considerado) é um convite à desistência! A outra ideia romântica que foi surgindo é pensar em projetos desta natureza a ser implementados num ano letivo. Nenhum projeto consistente, organizado e planeado para todos os alunos de um agrupamento é possível de concretizar com as condições criadas atualmente. Há muito que os professores se habituaram a fazer o impossível sem meios e recursos, nesta como noutras áreas. Porém, penso que o 146
investimento realizado se irá dissipar nos próximos anos atendendo ao contexto atual em que vivemos e aos cenários que se afiguram. Não posso terminar sem referir o fator de maior relevância que nos permitiu idealizar, planear, trabalhar e por em prática todo este projeto, ou seja, o grau de envolvimento da direção do agrupamento. Nesta como noutras áreas, nunca foram criados entraves ou dificuldades ao trabalho proposto. Pelo contrário, como coordenadora fui sempre incentivada a levar a cabo as ideias e a encontrar as soluções possíveis para a realidade do Agrupamento de Escolas Professor João de Meira; foi‐me dada a liberdade e a autonomia que me permitiram continuar a trabalhar, com a consciência de que sem esse apoio todo este trabalho teria sido impossível. Estamos conscientes de que este não é um projeto exemplar, no sentido em que há muito a fazer para ultrapassar as muitas dificuldades que se vão colocando, há muito a fazer para melhorar a articulação entre as várias disciplinas, há muito preconceito para derrubar, há muito trabalho para tão pouco tempo, mas sabemos que com os meios disponíveis, com os recursos existentes encontramos um caminho possível, que podemos melhorar e que estamos sempre dispostos a partilhar! Apresentamos, de seguida, a estrutura do projeto “ Educação Sexual em Meio Escolar” implementado no Agrupamento de Escolas Professor João de Meira. 147 Coordenadora
Subcoorden
nadora
Coordenadorass dos DT´s
A. Paiss
Psicólogga Informáttico
Feiras
Edital d
do ME
Página da escolaa
Angariação de fundos
Jornal
A. De Pais
Moodle
Seminário
Equip
pa coordenaação
Apoio
os Financeiros
Divulgação
Estruturaa do Projeto
o
Parcerias
Avaliação
Formaçãão
Centro d
de Saúde
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Figgura 1‐ Esquema d
da estrutura do Pro
ojeto “ Educação Sexual em Meio Esccolar” 1
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CRESCER NUMA SEXUALIDADE CONSCIENTE E SAUDÁVEL Fernando Jorge Oliveira Novais Ribeiro, Coordenador de Educação para Saúde do Agrupamento de Escolas Mário Cardoso; Ana Paula Pimentel Monteiro Psicóloga do Serviço de Psicologia do Agrupamento de Escolas Mário Cardoso INTRODUÇÃO A educação sexual na escola é um tema atual e pertinente que levanta muitas questões mas também muitas dúvidas sobre a forma como deve ser implementada. É um assunto que reúne múltiplas visões e diferentes perspetivas, para além de gerar alguma controvérsia. O que pode e deve ser feito para aumentar a eficácia do trabalho desenvolvido dentro da sala de aula para que os conhecimentos científicos se transformem em comportamentos saudáveis e responsáveis? Os dados recolhidos até agora, a partir de um amplo suporte teórico analisado em diferentes perspetivas, sugerem a realização de atividades diversificadas que podem, e devem, ser um contributo para a introdução desta temática na escola. A educação sexual é contextualizada no âmbito da educação para a saúde, já que as investigações realizadas permitem concluir que os objetivos a atingir, bem como as metodologias e as estratégias a utilizar, são comuns às duas áreas. Naturalmente que a educação para a saúde não seesgota nesta temática: há outros temas importantes para abordar na escola, no âmbito da saúde individual e coletiva. Uma breve análise sobre os problemas sociais dos nossos dias conclui que a saúde e a educação são o maior de todos os bens que as sociedades atuais podem desejar para os seus cidadãos. Inverter os dados problemáticos na área da saúde implica uma aposta na mudança de comportamentos, o que exige maior investimento em projetos educativos mais eficientes. É possível estabelecer uma relação entre estado de saúde e comportamentos de risco. Há comportamentos individuais que condicionam o estado de saúde individual e coletivo. Os acidentes rodoviários e o tabaco são exemplos de como o comportamento individual condiciona a saúde dos outros. 21
A saúde é determinada pelo meio ambiente, estilo de vida, biologia humana e assistência sanitária .A saúde, nesta perspetiva, é vista num prisma ecológico, onde o indivíduo se desenvolve harmoniosamente com o seu meio envolvente, fazendo parte integrante dum ecossistema mais vasto. 21
Cf. SALLERAS S. L. – Educación Sanitaria ‐ Principios, Métodos y Aplicaciones. Madrid: Ediciones Díaz de Santos, 1985, 20. 149 EDUCAR EM SAÚDE PARA FOMENTAR ESTILOS DE VIDA SAUDÁVEIS Com o intuito de melhorar o estado de saúde das populações, foram estruturados alguns modelos de educação para a saúde que não atingiram os objetivos desejados, isto é, mais e melhor saúde para todos, uma vez que o nível de conhecimentos, só por si, não determina o tipo de comportamento dos indivíduos. Os modelos tradicionais de educação para a saúde pressupunham que a transmissão de informação por profissionais especializados conduziria a alterações de comportamentos. Tal não acontece sempre, porque são ignorados os contextos em que as pessoas vivem, criam‐se dependências em relação aos técnicos, não se promove a autonomia e não se oferece a possibilidade de optar, configurando ao sujeito um papel passivo.(22) Acima de tudo, tais modelos não avaliam as causas que conduziram o indivíduo a determinado comportamento e o prazer que esse comportamento proporciona. Quantos médicos fumam, mesmo conhecendo todos os malefícios do tabaco e lidando diariamente com doenças provocadas pelo tabaco? A educação para a saúde deve centrar‐se em promover estilos de vida saudáveis, o que implica o desenvolvimento de competências individuais por parte dos alunos e a mobilização dos conhecimentos adquiridos, no sentido de os integrar no seu património cultural. Educar para a saúde é provocar alterações positivas de comportamento; é um processo que envolve a participação de profissionais oriundos de áreas distintas no sentido de ajudar o indivíduo a crescer, melhorando a sua autocompreensão e autoestima e desenvolvendo respeito por si e pelos outros. A carta de Ottawasalienta que promover a saúde implica analisar as questões políticas e legislativas que determinam os contextos de vida e as vulnerabilidades dos mais desfavorecidos. Enfatiza a responsabilidade individual e coletiva pela promoção de percursos que desenvolvam capacidades pessoais e sociais.Segundo os princípios enunciados naquele documento, “a saúde é entendida como um recurso para a vida e não como uma finalidade de vida”.(23). Trata‐se de preparar os alunos para procurar o seu bem‐estar, dotando‐os da capacidade de tomar decisões, reduzindo os fatores de risco, fixando metas realistas e valorizando o domínio afetivo. PERSPETIVA DO PLANO DE EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE /SEXUALIDADE ”A sexualidade é uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser‐se sensual e ao mesmo tempo (22) Cf. NAVARRO, M. F – Educar para a Saúde ou para a Vida? Conceitos e Fundamentos para Novas Práticas. In PRECIOSO, J. [et al.]–Educação para a Saúde. Braga: DME, UM, 2ºed. 2000, 16. (23) A carta de Ottawa é um documento que resulta da 1ª Conferência Internacional sobre a promoção da saúde nos países industrializados. Realizou‐se no Canadá, entre 17 e 21 de novembro de 1986. Este documento procurava traçar as metas de saúde para todos no ano 2000, definindo condições e compromissos para atingir os objetivos propostos. 150
sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental.”, O.M.S. ‐ Organização Mundial de Saúde A abrangência desta definição é sintomática da sua complexidade mas, por arrastamento, também das inúmeras possibilidades que sugere no âmbito de atividades que se podem propor numa escola. «Amor, contacto, ternura e intimidade»: os diferentes matizes do amor, as relações que se travam tanto no contexto familiar como no social, o sentimento de ternura e intimidade que se podem revelar em todas estas relações constantes na vida do dia‐a‐dia de qualquer um. Sexualidade foge ao significado denotativo do termo que, muitas vezes, fica restringido às diferentes áreas da vida sexual do indivíduo. Sexualidade é muito mais do que isso, como a OMS a quer expor. Sensuais e sexuais, todos querem ser. E é esta atitude que vai condicionar todos os demais comportamentos nas diversificadas situações da vida social, profissional e familiar. Tendo em conta a especificidade das crianças e dos jovens, deseja‐se, então, que a sua formação na área da educação sexual consiga aumentar e consolidar os seus conhecimentos e desenvolva atitudes e competências que os ajude a crescer de forma equilibrada e feliz. Assim, o Plano a implantar deve contemplar atividades diversificadas mas que nunca percam de vista o objetivo final, a Educação Sexual. EDUCAR EM SAÚDE/SEXUALIDADE ACARRETA ALTERAÇÕES POSITIVAS DE COMPORTAMENTO Tomando ainda como referência a definição proposta pela OMS para Sexualidade, ela «influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental». Ou seja, uma consciência assertiva da sexualidade vai orientar de uma forma positiva os comportamentos individuais e, por contágio, de grupo. Conhecer e lidar bem com o corpo, nos seus aspetos físicos e sociais, favorece um crescimento capaz de lidar com maior competência as diferentes etapas deste crescimento. As crises normais de qualquer adolescente terão respostas mais positivas e remediadoras se houver uma aprendizagem capaz da sua sexualidade nos seus aspetos diversificados. ORGANIZAÇÃO DO PROJETO DE EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE NO AEAMC O esquema organizador da educação para a saúde no Agrupamento AEAMC baseia‐se nas leis emanadas pelos ministérios da tutela (educação e saúde). No entanto, e de acordo com as especificidades socioeconómicas onde se insere o Agrupamento, o esquema organizador decorre de reuniões entre vários elementos da equipa de educação para a saúde, coordenador de educação para a saúde, enfermeiras da equipa de saúde escolar UCC Sol Invictus, serviços de psicologia e orientação da escola e alguns professores de diferentes níveis de ensino. Apresentamos, de seguida, um quadro organizativo contendo as dimensões dos projetos de educação para a saúde a serem explorados, no qual se insere a educação sexual. 151 Quadro organizativo CICLO/ANOS DE ESCOLARIDADE Pré‐escolar Dimensões dos projetos de educação para a saúde a serem explorados PERÍODO DE TEMAS ATUAÇÃO Alimentação saudável (Hábitos alimentares; Cuidados a ter com os alimentos; saber estar à mesa; significado social da alimentação). Ano Letivo 2011/2012 DISCIPLINAS Noção de corpo; O corpo em harmonia com a Natureza e o seu ambiente social e cultural; Noção de família; Diferenças entre rapazes e raparigas; Proteção do corpo e noção dos limites, dizendo não às aproximações abusivas. 1.º Ciclo Alimentação saudável (Hábitos alimentares; Cuidados a ter com os alimentos; saber estar à mesa; significado social da alimentação). Ano Letivo 2011/2012 Todas CICLO/ANOS DE ESCOLARIDADE 2.º Ciclo 5.º Ano Dimensões dos projetos de educação para a saúde a serem explorados PERÍODO DE TEMAS ATUAÇÃO Higiene individual (pessoal, oral, mental e social). Alimentação "Bem‐estar para bem viver* ‐ Distúrbios alimentares (Obesidade; Anorexia; Bulimia; Hipertensão; Diabetes; etc.). Ano Letivo Diversidade e respeito; 2011/2012 Sexualidade e género; Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas; Dimensão ética da sexualidade humana. 152
Exercício físico (Como ocupar os tempos livres de forma saudável; promover hábitos de atividade física). DISCIPLINAS Formação Cívica; Atividades de Estudo; Outras disciplinas. 6.º Ano Puberdade — aspetos biológicos e emocionais; O corpo em transformação; Caracteres sexuais secundários; Reprodução humana e crescimento; contraceção e planeamento familiar; Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; Normalidade, importância e frequência das suas variantes biopsicológicas; CICLO/ANOS DE ESCOLARIDADE 7.º Ano 3.º Ci cl o 8.º Ano Dimensões dos projetos de educação para a saúde a serem explorados PERÍODO DE TEMAS ATUAÇÃO DISCIPLINAS Consumo de substâncias lícitas e ilícitas (Álcool; Tabaco; Outras drogas). Dimensão ética da sexualidade humana: Compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa, no contexto de um projeto de vida que integre valores (por exemplo: afetos, ternura, crescimento e maturidade emocional, capacidade de lidar com frustrações, compromissos, abstinência voluntária) e uma dimensão ética; Ano Letivo Violência na escola ”Bullying" Relações interpessoais (Amizade; Solidariedade; 2011/2012 Desigualdade social; Descriminação social; Racismo; xenofobia; Guerra; Paz). Conhecimento das taxas e tendências de maternidade e da paternidade na adolescência e compreensão do respetivo significado; Conhecimento das taxas e tendências das interrupções voluntárias de gravidez, suas sequelas e respetivo significado; Compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e reprodutiva saudável e responsável; Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas. Formação Cívica; Atividades de Estudo; Outras disciplinas. 153 CICLO/ANOS DE ESCOLARIDADE 3º ciclo 9.º Ano Dimensões dos projetos de educação para a saúde a serem explorados PERÍODO DE TEMAS ATUAÇÃO DISCIPLINAS Sexualidade (Prevenção e Métodos contracetivos). Compreensão da fisiologia geral da reprodução humana; Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; Compreensão do uso e acessibilidade dos métodos contracetivos e, sumariamente, dos seus mecanismos de ação e tolerância (efeitos secundários); Compreensão da epidemiologia das principais IST em Portugal e no mundo (incluindo infeção por VIH/vírus da imunodeficiência humana — HPV2/vírus do papiloma humano — e suas consequências) bem como os métodos de prevenção. Saber como se protege o seu próprio corpo, prevenindo a violência e o abuso físico e sexual e comportamentos sexuais de risco, dizendo não a pressões emocionais e sexuais; Legenda: ‐ Temas distribuídos de acordo com Lei nº 60/2009, de 6 de Agosto e regulamentada pela Portaria nº 196‐A/2010, de 9 de Abril ‐ Temas distribuídos de acordo com as carências identificadas na área geográfica onde se insere o Agrupamento. IMPLEMENTAÇÃO A implementação e avaliação periódica do Projeto de Educação para Saúde são realizadas em Conselho Turma e registadas no Projeto Curricular de Turma. A implementação do Projeto no âmbito do Conselho de Turma permite uma adaptação dos temas e de metodologias moldadas aos alunos a que se destinam, assim como às disciplinas, programas e Professores colaboradores. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS As atividades desenvolvidas decorrem de um trabalho conjunto do Grupo do GIAA (gabinete de informação e apoio ao aluno) (professor coordenador e professores voluntários), SPO (psicóloga do agrupamento) e UCC Sol Invictus (enfermeiras da unidade de saúde familiar). Para uma implementação 154
sustentada da educação sexual, o agrupamento aderiu ao programa PRESSE (programa regional de educação sexual em saúde escolar) para o qual foi selecionado; este preconiza a formação de todos os agentes da comunidade educativa (professores e pais), a implementação do GIA e o trabalho comunitário. De acordo com os objetivos definidos no início do ano letivo, foram levadas a cabo as seguintes ações para os concretizar: Formação: ‐ Formação dos professores que iriam implementar o programa de educação sexual, ‐ Reuniões semanais da equipa de educação para a saúde, ‐ Uso da plataforma moodle para disponibilização dos recursos/prestação de esclarecimentos aos professores, GIAA: ‐ Concurso do logotipo, ‐ Elaboração de uma caixa de dúvidas em que os alunos colocariam lá as suas questões, ‐ Criação de um blog com informação disponível e com as respostas às questões dos alunos, ‐ Atendimento individual e confidencial de alunos neste gabinete. Trabalho Comunitário: ‐ Organização de um “caça ao tesouro” com questões escondidas pela escola sobre vários temas da educação para a saúde (um dos temas era a sexualidade). Os alunos tinham de encontrar as questões e devolvê‐las no gabinete, ‐ Dinamização de uma página no jornal da escola, ‐ Realização de uma “feira da saúde” com disponibilização de bancas informativas sobre a saúde e sexualidade, ‐ Formação sobre a prevenção do abuso sexual para o 1.º ciclo, ‐ Formação sobre “violência no namoro”, dirigida para os CEF da escola. Estes usufruíram, ainda, de outras palestras/trabalhos no âmbito do alcoolismo, sexualidade, drogas, etc. Outras atividades: ‐ Rastreio de saúde oral, ‐ Programa de saúde oral no 1.º ciclo, ‐ Registo de acidentes escolares, ‐ Organização dos pedidos de cheques dentista, ‐ Formação dos assistentes operacionais sobre primeiros socorros. Existem diversos estudos que associam a sociabilização da sexualidade ao seu ensino intencional na adolescência. Esta sociabilização é precursora de bons hábitos ao nível sexual e de integração na vida adulta. Esta sociabilização é feita por diversos agentes, mas assumem papel protagonista os pais e a escola. Cada um 155 destes agentes tem a sua especificidade neste trabalho. Ambos contribuem para a sociabilização dos comportamentos e crenças associadas à sexualidade. Tendo em conta as problemáticas da área geográfica em que se inserem algumas escolas do agrupamento, temos consciência que nem sempre as famílias cumprem na totalidade este papel, ou porque estão centrados noutros problemas, ou porque não sabem abordar determinados temas. Assim, cabe à escola o redobrar dos esforços sempre que sinalize uma turma que pelas suas caraterísticas necessite de uma intervenção mais alargada neste âmbito. Por este motivo realizamos trabalhos mais específicos junto das turmas CEF do agrupamento. CONCLUSÃO A sexualidade, como ficou devidamente expresso, está intimamente ligada à vivência de todas as pessoas, desde o nascimento até à velhice. É ela que, de uma forma mais ou menos consciente acaba por comandar a maioria dos comportamentos individuais e coletivos. A sexualidade humana aparece como um misto e um mistério, de sentido e de força. Tantas atitudes incompreensíveis que, às vezes, se tomam, são reflexo consciente ou inconsciente da nossa sexualidade. As múltiplas formas em que ela se manifesta deverão ser tomadas como diretrizes para propor atividades de descoberta e de compreensão aos alunos, para que estes possam crescer física, psíquica e socialmente de uma forma harmoniosa, respeitadora, consciente dos seus direitos, mas sempre também com os olhos postos nas obrigações. As atividades a desenvolver neste contexto nunca devem esquecer todos os contextos em que o aluno se insere, para que ele, através delas e de uma forma mais ou menos lúdica e aprazível, consiga absorver os ensinamentos que lhes estão inerentes. Conhecer a realidade da transformação pubertária, por exemplo, vai facilitar ao adolescente a passagem por essa fase tão complexa do crescimento humano e talvez facilitar‐lhe um conjunto de respostas que, de outra maneira, talvez não conseguisse obter. O ideal destas aprendizagens é que conduzam o aluno a olhar‐se como indivíduo no seu pleno, mas digno e consciente de que a multiplicidade das atividades que a vida lhe proporciona terão que ser vivenciadas sempre integradas no coletivo social a que pertence. BIBLIOGRAFIA ANASTÁCIO, Z.; SIMÕES, G.; PIERRE, C. ‐ Concepções dos Professores de 1ºCEB sobre o Contributo da Educação Sexual para a Promoção da Saúde e sua Relação com a Formação. Repositório da Universidade do Minho. 2005. BANDURA, A. – Teoría del Aprendizaje Social. 3ª ed. Madrid: Espasa‐Calpe, 1987. Cf. BRITZMAN, D. P. – Sexualidade e Cidadania Democrática. In SILVA, L. H. Org.‐A Escola Cidadã no Contexto da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1998 156
Cf. NAVARRO, M. F – Educar para a Saúde ou para a Vida? Conceitos e Fundamentos para Novas Práticas. In PRECIOSO, J. [et al.]–Educação para a Saúde. Braga: DME, UM, 2ºed. 2000 Cf. SALLERAS S. L. – Educación Sanitaria ‐ Principios, Métodos y Aplicaciones. Madrid: Ediciones Díaz de Santos, 1985 CARTA DE OTTAWA PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE, 17‐ 21 de Novembro – 1ª Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde Ottawa, Canadá, 1986 DIAS, A.M. [et al.] – Educação da Sexualidade no Dia‐a‐Dia da Prática Educativa. 1ªed. Braga: Edição da Casa do Professor, 2002. VAZ, J. M. – Educação sexual na Escola. Lisboa: Universidade Aberta, 1996. 157 158
EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE/EDUCAÇÃO SEXUAL NO CURRÍCULO ESCOLAR Alexandra Pereira, Coordenadora do projeto educação para a saúde/educação sexual ‐ Agrupamento de Escolas D. Afonso Henriques O currículo nacional do ensino básico integra a educação para a cidadania e a formação cívica, enquanto disciplinas essenciais para aprender a viver em sociedade. Integrado no currículo escolar, o Projeto Educação para a Saúde deve ser desenvolvido de forma a dotar os alunos das competências necessárias para decidirem enquanto cidadãos responsáveis. De acordo com o Despacho do Senhor Secretário de Estado da Educação, de 27 de setembro de 2006, a Educação para a Saúde pretende assegurar o acompanhamento, monitorização e desenvolvimento das atividades da saúde em meio escolar, na vertente da Educação para a Saúde uma vez que, ”(...) à escola não cabe apenas a transmissão de conhecimentos organizados em disciplinas, mas que entre as suas múltiplas responsabilidades estão o desenvolvimento de competências capazes de sustentar a aprendizagem ao longo da vida.” In despacho nº 25995/2005, de 16 de dezembro de 2005. A Educação para a Saúde enquanto disciplina obrigatória integra‐se no Projeto Educativo da Escola, no âmbito do protocolo estabelecido entre os Ministérios da Educação e Ministério da Saúde ‐ Despacho nº 25 995/2005, de 16 de dezembro 2005 e Despacho nº 2506/2007, de 20de fevereiro 2007. Foi aprovado o Programa Nacional de Saúde Escolar, que consagra a orientação educativa do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo as quais o agrupamento de escolas ou escola não agrupada se propõe cumprir na sua função educativa ‐ artigo 9ºdoDecreto Lei nº75/2008 de 22 de abril. Tendo em conta o despacho número 15 987 de 27 de setembro de 2006 são consideradas temáticas prioritárias, a alimentação e atividade física, consumo de substâncias psicoativas, sexualidade, infeções sexualmente transmissíveis, designadamente VIH ‐ SIDA e violência em meio escolar. Cada agrupamento/ escola deve nomear um coordenador responsável pela prossecução dos objetivos fixados no presente despacho. A Educação Sexual constitui‐se como um dos temas a ser privilegiado no âmbito deste projeto da educação para a saúde, sendo de caráter obrigatório, como determina o decreto‐lei, acima referido. A educação para a saúde tem como objetivos centrais a informação e a consciencialização de cada pessoa acerca da sua própria saúde e a aquisição de competências que a habilitem para uma progressiva auto‐
159 responsabilização, integrando‐se por lei no projeto da Educação para a Saúde, por obedecer ao conceito da promoção da saúde física psicológica e social. Na sequência e reconhecimento que a educação sexual é uma das dimensões da educação para a saúde, a Assembleia da República fez aprovar em 2009, através da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, e regulamentada pela Portaria n.º 196‐A/2010, de 9 de abril a aplicação da educação sexual em meio escolar, conferindo‐lhe o estatuto e obrigatoriedade, com uma carga horária adaptada e repartida por cada nível de ensino, especificada por cada turma e distribuída de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo. Estabelece‐se ainda que a educação sexual deva ser desenvolvida pela escola e pela família, numa parceria que permita respeitar o pluralismo das conceções existentes na sociedade portuguesa. Neste sentido, a escola deve proporcionar ao aluno atividades que facilitem e tornem prazenteira a abordagem da sexualidade em toda a sua plenitude. No âmbito do projeto da Educação Sexual na escola, pretende‐se criar um espaço, o gabinete de apoio ao aluno, onde seja possível aos alunos esclarecer as suas dúvidas acerca da sexualidade, nas suas diversas componentes e sem receio de serem censurados. Como dinamizadores do projeto Educação Sexual compete‐nos uma abordagem das diversas áreas prioritárias e a implementação de diversas atividades que propiciem uma resposta afirmativa à política dos três “P’s” – Proteção, Promoção e Prevenção. Para isso, pretendemos articular as diversas atividades com a Comunidade Escola (Professores de Formação Cívica, Ciências da Natureza/Naturais, Matemática, Língua Portuguesa, Educação Visual e Tecnológica, Educação Física, EMRC, TIC, Diretores de Turma, Equipa da Biblioteca Escolar, Pessoal não docente e alunos) e estabelecer parcerias com a Comunidade Educativa (Instituto Português da Juventude, Cruz Vermelha Portuguesa, Centro de Saúde de Guimarães, Centro de Coordenação do VIH/SIDA e outras). Da avaliação diagnóstica realizada na escola, verificamos que os alunos referiram terem grandes dificuldades em discutir a temática da sexualidade com os pais, que segundo um estudo recente da Associação para o Planeamento Familiar (APF), sobre a educação sexual dos jovens, mais de 50% nunca falaram com o pai sobre sexualidade, e mais de 30% nunca falaram com a mãe, e em que uma larga maioria assume ter já tido relações sexuais. Neste sentido, torna‐se imperioso um papel complementar da escola em matéria de educação sexual, uma vez que os jovens portugueses e europeus passam cerca de dois terços do dia na escola. O elevado número de infetados de VIH/SIDA em Portugal (com mais de 30 mil portugueses infetados, dos quais 15% com menos de 25 anos), a elevada taxa de gravidez na adolescência, e os comportamentos sociais discriminatórios em relação ao género e à orientação sexual. Estes pressupostos constituiram a base para a elaboração do projeto de educação sexual, nomeadamente para estabelecer os objetivos gerais e as atividades a promover. Propomo‐nos a desenvolver os seguintes objetivos: 160
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Valorizar a sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual; Desenvolver competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade; Melhorar os relacionamentos afetivo‐sexuais dos jovens; Reduzir as consequências negativas dos comportamentos sexuais, tais como a gravidez não desejada e as infeções sexualmente transmissíveis; A de proteção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais; Promover o respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais; Valorizar uma sexualidade responsável e informada; Promover a igualdade de género; Reconhecer a importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde. Os objetivos serão desenvolvidos em articulação com as várias áreas curriculares disciplinares e não disciplinares, elaboradas em conselho de turma. Na área curricular não disciplinar de formação cívica serão desenvolvidos projetos, com horário estabelecido, por lei, para cada nível de ensino (1º e 2º ciclo ‐ 6 tempos letivos e 3º ciclo ‐ 12 tempos letivos desenvolvidos na área curricular não disciplinar de Formação Cívica, dividida equitativamente pelos três períodos). Procedeu‐se à criação de um gabinete de apoio ao aluno, que está em funcionamento 12 horas semanais, distribuídas por 9 professores, 8 deles com formação em educação para a saúde/educação sexual. O seu funcionamento decorrerá num local condigno e onde se assegura a confidencialidade. O gabinete de informação e apoio ao aluno articula a sua atividade com as respetivas unidades de saúde da comunidade local ou outros organismos do Estado, nomeadamente com a Equipa de Saúde Escolar do ACES Guimarães/Vizela, o Instituto Português da Juventude, a coordenação portuguesa de luta contra a sida, a Universidade do Minho, APF (Associação Planeamento Familiar), Assistência Social; CPCJ – Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Guimarães, Direção Geral da Saúde, Instituto de Apoio à Criança (IAC), DGIDC – Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, IPJ (Linha Jovem), Liga Portuguesa de Higiene Mental, Linha Vida – S.O.S. Droga (IPDT), Projeto de Apoio à Família e à Criança... As atividades desenvolvidas ou em desenvolvimento ao longo do ano letivo são: Divulgação do gabinete com recurso à elaboração de cartazes; divulgação nas turmas; contacto formal e informal com Professores, Alunos, Auxiliares de Ação Educativa, Pais / Encarregados de Educação; a divulgação será direcionada a Alunos, Auxiliares de Ação Educativa, Pais / Encarregados de Educação; criação de um blog; uma disciplina na plataforma da escola; criação de um email acessível a todos; comemoração de datas importantes como o dia internacional de luta contra a SIDA; semana dos afetos, de 13 a 17 de fevereiro; levantamento de 161 problemas/questões/necessidades (junto dos alunos) através de “caixa correio” para posterior encaminhamento; criação e dinamização de espaços para afixação de notícias/trabalhos dos alunos sobre as diversas temáticas. No ano letivo transato e decorrente da inscrição no edital do ministério da saúde, a escola beneficiou de um pecúlio de 900 euros, 600 dos quais foram aplicados em formação de professores na área da educação sexual. Procedeu‐se também à inscrição da escola no projeto PRESSE (projeto regional de educação sexual em saúde escolar. A coordenadora do projeto de educação para a saúde recebeu formação, no âmbito da educação sexual, e replicou‐a para os titulares de turma do 1º ciclo e diretores de turma do 5º e 7º anos, turmas estas em que será aplicado o referido projeto. A inscrição da escola nestes projetos reveste‐se de importância fundamental. Para além do apoio técnico e material para desenvolver várias atividades no campo da educação sexual, presta formação a professores e técnicos da saúde que articulam com a escola, de forma apromove o desenvolvimento de competências e de conhecimentos promotores de atitudes positivas e responsáveis face aos problemas atuais, prevenindo, entre outros aspetos, comportamentos de risco que possam conduzir a valores indesejados. Para a prossecução dos nossos objetivos, realizaremos uma avaliação sistemática de todo o projeto uma vez que “A avaliação de resultados permite analisar se os objectivos propostos pelo projecto foram alcançados e seleccionar as iniciativas mais eficazes” (Hawe, 2000 cit in Dias, 2006). O projeto será avaliado de forma quantitativa e qualitativa. Na primeira, aplicaremos pré e pós testes e, na segunda, serão elaborados inquéritos, relatórios das várias atividades, sendo tidas em conta a participação, o empenho e o grau de satisfação dos intervenientes e, ainda, um relatório anual. 162
PROJETO 5 SENTIDOS Equipa do projeto de educação sexual, Escola Secundária Francisco de Holanda Em 2009, foi sugerida a introdução da disciplina de Educação Sexual na oferta curricular da Escola Secundária Francisco de Holanda, justificando‐se esta inclusão por “constituir para os jovens/adolescentes da nossa escola um mecanismo de aprendizagem da sexualidade, entendida esta como componente da natureza humana absolutamente essencial para uma vida plena de significado”. Pensou‐se na construção de um programa que acompanhasse os jovens na construção e aquisição de um conjunto de conhecimentos e valores básicos, próprios do senso‐comum científico e do senso‐comum moral das comunidades demo‐liberais, sendo que, apesar disso, cada jovem tivesse a principal palavra, fazendo a promoção da liberdade, da responsabilidade e da felicidade individuais e comunitárias. Em termos estritamente pedagógicos este programa apostava, sobretudo, na educação sexual como espaço de construção da identidade pessoal e, simultaneamente, de reflexividade cultural, embora também apostasse numa componente biológica como mecanismo de desdramatização e banalização (que não vulgarização) da sexualidade humana. Tematizou‐se igualmente neste programa de estudos e atividades a natureza sexuada da totalidade do corpo humano, mostrando como as relações humanas envolvem integralmente o corpo enquanto instância dialógica básica, mesmo se inconscientemente. Do programa da disciplina de “Educação sexual” constava o seguinte: 1. As bases biológicas do amor 1.1. O comportamento sexual nos animais 1.1.1. A escolha sexual 1.1.2. Reprodução e sincronização 1.2. Sexualidade humana 1.2.1. Emancipação do controle hormonal 1.2.2. Evolução e ligação macho‐fémea 1.2.3. O significado humano do corpo 2. O desenvolvimento dos papéis do sexo 2.1. Os papéis do género 2.1.1. Os estereótipos dos papéis do género 2.1.2. Desvios dos estereótipos dos papéis do género 2.2. Fatores constitucionais e diferenças de sexo 163 2.2.1. A agressão 2.2.2. Os padrões das aptidões intelectuais 2.2.3. O valor adaptativo das diferenças 2.3. Os fatores sociais e as diferenças sexuais 2.3.1. O medo do fracasso 2.3.2. A reatribuição do sexo durante a infância 3. A orientação sexual 3.1. A aquisição da orientação sexual 3.1.1 A aquisição da identidade sexual masculina 3.1.2. A aquisição da identidade sexual feminina 3.2. A incidência da homossexualidade e bissexualidade. 3.2.1. A homossexualidade e a bissexualidade: uma diferença ou um estilo de vida diferente? 3.2.2. O que causa a homossexualidade e a bissexualidade? 4. A adolescência 4.1. A natureza da transição 4.1.1. A adolescência é sempre turbulenta? 4.1.2. Tentativa para encontrar uma identidade pessoal 5. A reprodução humana 5.1. Órgãos genitais masculinos 5.1.1 Externos 5.1.2. Internos 5.2. Órgãos genitais femininos 5.2.1 Externos 5.2.2. Internos 5.3. A resposta sexual humana 5.4. Bases fisiológicas do coito 5.4.1. Lubrificação na mulher 5.4.2. Ereção no homem 5.4.3. Fases da excitação 5.4.4. Orgasmo feminino 5.4.5. Orgasmo masculino 5.4.6. Papel das hormonas na sexualidade humana 5.5. Bases neurais do coito 5.5.1. O sistema nervoso e o seu envolvimento com o comportamento sexual 164
5.5.2. Funcionamento do sistema nervoso durante o ato sexual 5.6. Doenças sexualmente transmissíveis 5.7. Disfunções sexuais 5.8. Métodos contracetivos 5.9. Gravidez e parto: o que fazer e não fazer 5.9.1. Estarei grávida? 5.9.2. Testes e procedimentos 5.9.3. Questões frequentes 5.9.4. Alimentação 5.9.5. Exercício físico 5.9.6. Complicações da gravidez 5.9.7. Trabalho de parto e nascimento 5.9.8. Reprodução medicamente assistida 5.9.9. Situações especiais 6. Problemáticas sociais emergentes da sexualidade humana 6.1. A variabilidade das práticas de sexualidade humana 6.2. O sexo pré‐matrimonial 6.3. A prostituição 7. Amor e sexualidade no Ocidente 7.1. O amor em liberdade 7.1.1. A literatura amorosa 7.1.2. A homossexualidade na Grécia e em Roma. 7.1.3. Os primórdios da contraceção 7.2. O amor e o casal 7.2.1. As núpcias do casal romano 7.2.2. A rejeição do prazer 7.2.3. A génese do casamento cristão 7.2.4. A longa marcha do divórcio 7.3. O prazer e o sofrimento 7.3.1. Fetiches 7.3.2 Disfunções sexuais 7.3.3. A masturbação 7.3.4. A sexualidade e a maternidade 165 Na implementação destes conteúdos decidiu‐se por uma metodologia ativa e nunca por uma meramente discursiva por parte do professor. A turma funcionaria como um grupo de trabalho de projeto em atividade permanente, sendo que a interdisciplinaridade e o relacionamento com os outros professores da turma, e da escola, constituiriam estratégias de trabalho nucleares. A avaliação do trabalho desenvolvido, pelos alunos e pelo professor, teria em conta as ações concretas desenvolvidas (os trabalhos práticos), que seriam do tipo qualitativo e apresentadas pelo professor ao conselho de turma (ou turmas) respetivo, ao conselho executivo e ao conselho pedagógico, por altura das avaliações regulares. Este programa ao ser apresentado em sede de conselho pedagógico foi chumbado. Com o aparecimento da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto que estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar, regulamentado pela Portaria n.º 196‐A/2010, de 9 de abril, a escola sentiu grandes dificuldades em implementar e dar cumprimento ao legislado (aliás legislar sempre foi mais fácil do que implementar medidas pedagógicas que se traduzam em aprendizagens significativas e mudanças efetivas de comportamentos e atitudes). A legislação em vigor determina que a carga horária, embora adaptável, não pode ser inferior a doze horas para o ensino secundário, distribuídas de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo (art.º 5, da Portaria n.º 196‐A/2010). Defendendo ainda que os conteúdos a ser abordados são a “Compreensão ética da sexualidade humana” nomeadamente uma reflexão sobre: 1) “Compreensão/determinação do ciclo menstrual em geral, com particular atenção à identificação, quando possível, do período ovulatório, em função das características dos ciclos menstruais; 2) Informação estatística, por exemplo sobre: • Idade de início das relações sexuais, em Portugal e UE; • Taxas de gravidez e aborto em Portugal; 3) Métodos contracetivos disponíveis e utilizados: segurança proporcionada por diferentes métodos; motivos que impedem o uso de métodos adequados; 4) Consequências físicas, psicológicas e sociais da maternidade e da paternidade de gravidez na adolescência e do aborto; 5) Doenças e infeções sexualmente transmissíveis e suas consequências; 6) Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.” Assim, o diretor da escola constituiu um grupo de trabalho, em junho de 2010, com docentes das diferentes áreas disciplinares, nomeadamente, português, economia, biologia, filosofia e história, tendo como 166
parceiros privilegiados os serviços de SPO da escola, o Centro de Saúde, a Associação de Estudantes e a Associação de Pais/EE e o CFFH, tendo como principal objetivo a formação na área da Educação Sexual (e para a Saúde) de professores. O projeto “nasceu” com o título de “projeto 5 sentidos”, fundamentado na reflexão dos elementos do grupo de trabalho sobre as linhas orientadoras emanadas pelo Ministério da Educação24 e sobre um trabalho desenvolvido pelo núcleo de estágio de Educação Física, coordenado pela docente Manuela Brochado, no ano letivo 2009/2010, junto da comunidade discente da nossa escola. Esse trabalho de inquirição, com uma amostra de 450 alunos, com o título “ Educação Sexual no Meio Escolar”, ajudou a equipa ao “fornecer pistas de orientação temática de seleção do público‐alvo” e a “diagnosticar a realidade escolar“ que serviu de orientação na implementação e na definição inicial de estratégias de intervenção. A título de curiosidade, destacamos os seguintes resultados: • 90% dos inquiridos achou pertinente a integração da Educação Sexual na escola; • 78% considerou estar bem informado sobre o assunto; • 95% considerou que aulas de Educação Sexual ajudariam à aquisição de competências; • 62% pensou que os principais intervenientes pedagógicos para as aulas de Educação Sexual deveriam ser profissionais de saúde; • A ser na escola, as três principais disciplinas a trabalhar a temática seriam AP (26%), Biologia (21%) e Psicologia B (20%); • As principais atividades a desenvolver seriam filmes‐debates (20%), perguntas/resposta (14%) e debates (11%); • 47% defenderam que o principal objetivo a atingir com Educação Sexual é prevenção; • 50% defendeu que as aulas deviam ter, no máximo, a duração de uma hora semanal; • Os alunos de 10º e 12º anos elegeram a sexualidade e relações amorosas como tema principal; • Os alunos de 11º ano escolheram o tema “Evolução e consequências das taxas de gravidez e aborto”. O “projeto 5 sentidos” iniciou‐se no ano letivo 2010/2011, com a finalidade, para além das decorrentes da legislação em vigor, de contribuir para uma vivência mais informada, mais autónoma e, logo, mais responsável da sexualidade no âmbito dos conhecimentos, sentimentos, atitudes e competências, sendo que um dos seus pilares fundamentais é o total respeito para com os valores e ideologias, quer científicas ou religiosas, que cada aluno possui e que a sua família defende. 24
Guia Anotado de RecursosColecção “Materiais de Apoio ao Currículo – Guia Anotado deRecursos”, Ministério da Educação (2001). 167 Relativamente à modalidade e carga‐horária, pretendeu‐se que cada conselho de turma através do seu Projeto Curricular de Turma (mais ou menos formalizado) fosse o principal motor de aplicação da Educação Sexual, responsabilizando‐se pelo desenvolvimento de uma abordagem transversal às diversas disciplinas, articulando as planificações das várias áreas disciplinares e não disciplinares, numa perspetiva interdisciplinar, privilegiando sempre a avaliação formativa. O esquema seguidamente apresentado foi objeto de trabalho e reformulação por cada conselho de turma: Ano / Tema aglutinador Disciplinas Português Educação Física Filosofia/Área de Integração História A Geografia A 11º Desenho A Anatomia e Fisiologia ‐ Evolução e Inglês consequências da gravidez Biologia e Geologia Física e Química A 10º Sexualidade e Relações Amorosas 12º Sentimentos, Gostos e Decisões Nº Blocos 2ºP 3º P Total A definir em sede de conselho de turma 12h A definir em sede de conselho de turma 12h 1ºP Projeto interdisciplinar a definir pelo conselho de turma no 12 Horas final do 1º período. A avaliação no ano letivo anterior (2010/2011) foi positiva, tendo‐se registado apenas alguma dificuldade de implementação nas disciplinas sujeitas a avaliação externa; neste ano letivo, há novos constrangimentos à sua implementação, decorrentes da falta de espaço temporal para atividades não letivas, devido à pressão imposta pelo cumprimento dos conteúdos programáticos e pela supressão da disciplina área de projeto no 12º ano. BIBLIOGRAFIA A Educação Sexual dos Jovens Boletim n.º 23 do Centro de Estudos, Documentação e Informação sobre a Criança Instituto de Apoio à Criança http://guiasexualidadeafectos.blogspot.com/ BADINTER, Elisabeth, (1993), XY ‐ A identidade Masculina, Ed. Asa, Lisboa. 168
BELLIOTTI, Raymond A., (s/d), "La Sexualidad" in SINGER, Peter, Compendio de Ética, Ed. Alianza. BUHLER, Charlotte, (1990), A Psicologia na Vida do Nosso Tempo, Ed. F.C.G., Lisboa. CARDOSO, Silvia Helena, (1999), Como o http://www.epub.org.br/cm/n03/mente/sexo.htm. Cérebro Organiza o Comportamento Sexual, CLAES, Michel, (1990), Os problemas da Adolescência, Ed. Verbo, Lisboa. DAMÁSIO, António, (1995), O Erro de Descartes, Ed. Europa América, Mem Martins. DENNETT, Daniel, (1995), La Consciencia Explicada, Ed. Paidós Básica, Barcelona. DUBY, George, (1992), Amor e Sexualidade no Ocidente, Ed. Terramar, Mem Martins. FENWICK, Elizabeth, WALKER, Richard, (1997), Os Adolescentes e o Sexo, Ed. Civilização, s/l. FREUD, Sigmund, (s/d), Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, Ed. Livros do Brasil, Lisboa. GEVAERT, Joseph, (1987), El Problema del Hombre, ED. Sigueme, Salamanca. GLEITMAN, Henry, (1993), Psicologia, Ed. F.C.G., Lisboa. MARTI, José Maria Farré, (1996), Programa de Formação de Educadores ‐ Psicologia Infantil e Juvenil ‐ A Adolescência, Ed. Liarte, Lisboa. MATURANA, Humberto, (1999), Transformación en la Convivencia, Ed. Dolmen, Santiago de Chile. MAUCO, Georges, (1986), Educação da Sensibilidade na Criança, Moraes Ed., Lisboa. WALKER, Kenneth, (s/d), A Fisiologia do Sexo, Ed. Ulisseia, Lisboa. Sexualidades, http://www.sexualidades.com/docs/edsex/htm. VARELA, F., THOMPSON, E., Rosch, E., (1992), De Cuerpo Presente, Ed. Gedisa, Barcelona. 169 170
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA ‐ COMO? PARA QUÊ? PERFIL DO FORMADOR E MODALIDADES E TÉCNICAS DE IMPLEMENTAÇÃO Alexandrina Melo Silva, Escola Secundária das Taipas Educar é um processo controverso que visa orientar comportamentos, hábitos e atitudes, ultrapassando amplamente o conceito de ensinar. Estamos permanentemente a educar e a ser educados, mesmo que não estejamos conscientes disso. Esta tarefa, educativa de âmbito escolar, familiar, social e global reveste‐se, ainda, de um caráter mais sensível quando pensamos na educação sexual. A publicação da Lei nº 60/2009, de 6 de agosto e da Portaria 196‐A, de 9 de abril, colocam aos docentes o novo desafio de promover a educação sexual em meio escolar. Trata‐se de um assunto “polémico” que foi ignorado durante o nosso percurso escolar, ao longo do qual, fomos estudando os diversos aparelhos constituintes do organismo humano, sem nunca abordar o aparelho sexual! “Cortava‐se” o corpo pela cintura e só se “descobria” um pouco acima do joelho…. Considerava‐se que esta “ignorância assexuada” constituía uma fonte de virtudes e que falar de sexualidade era assunto tabu e “pecaminoso”. Agora, “mudam –se os tempos e as vontades” e é tempo de promover a educação sexual dos jovens… Mas, como podemos falar de sexualidade sem ofender a moral e os bons costumes? Inicialmente, teremos de pensar que o nosso desenvolvimento físico e sexual constitui uma parte integrante do nosso desenvolvimento biológico e aceitar que a espécie humana é sexuada, pois só aos anjos foi concedido o “privilégio” de não ter sexo…. Acresce que a formação de atitudes e valores no domínio das relações afetivas é imprescindível ao desenvolvimento integral do ser humano, como espécie humanizada e racional, e que a omissão da abordagem da sexualidade não evita que os jovens sejam diariamente bombardeados e, socialmente pressionados, com informação publicitária, de novelas, filmes, etc. Como proceder neste contexto? Será essencial levar os alunos a refletir sobre o seu desenvolvimento sexual, responsabilizando‐os pelas suas opções, consciencializando‐os, sem os culpabilizar, que têm oportunidade de escolher o seu percurso de vida… Isso implica que, ao iniciar a sua vida sexual, devem ponderar a probabilidade de ocorrer uma gravidez e/ou contrair uma infeção sexualmente transmissível, logo devem refletir sobre a importância de desenvolver comportamentos preventivos. Devemos considerar as suas dúvidas, receios e anseios para desenvolver um projeto de educação sexual de turma e perspetivar o debate e a isenção, para permitir aos jovens uma opção individual, consciente e saudável no seu percurso de vida afetivo…. Não pensar no que fomos ou o que decidimos no contexto em 171 que vivemos, mas levar os jovens a pensar, no contexto atual, como devem proceder sendo detentores do máximo de informação disponível. Não temos de saber “tudo de tudo”, temos “apenas” de ajudar os alunos a pensar… Contudo, na área da educação sexual, a tarefa educativa reveste‐se de suscetibilidades e obedece a princípios éticos, que devem ser devidamente clarificados com os alunos. Ao longo dos tempos, a implementação da educação sexual tem alcançado maior aceitação, quer por parte dos professores, quer por parte das famílias, que reconhecem existirem dificuldades em abordar estes assuntos no ambiente familiar. Reivindica‐se à escola uma formação na área da sexualidade, sobretudo, perspetivando um modelo de educação sexual médico‐preventivo ou biológico, no qual se privilegia uma abordagem centrada nos aspetos técnicos e fisiológicos na prevenção de riscos – gravidez não desejada, infeção pelo HIV (Sida) e outras Infeções Sexualmente Transmissíveis. Todavia, este modelo educativo revela óbvias limitações, pois não “aborda as componentes emocionais e relacionais da sexualidade e, muitas vezes, os professores são confrontados com as necessidades de informação e deformação dos jovens nestas matérias” (Marques, 2002). Surge então um modelo educativo mais abrangente baseado em valores essenciais apresentado nas declarações internacionais, nomeadamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e na própria Constituição da República Portuguesa. Este modelo Biográfico ou de Desenvolvimento Pessoal e Social perspetiva a sexualidade como uma fonte potencial de vida e de prazer, reconhecendo a pluralidade de posições morais a ele associadas. Enfatiza o respeito pelas diferentes orientações sexuais e promove a igualdade de direitos entre homens e mulheres, contribuindo para uma vivência saudável da sexualidade. O novo contexto educativo condiciona o perfil do educador que deve evidenciar respeito pela pluralidade de opiniões, ser neutro e nunca emitir juízos de valores, ou, talvez, numa visão mais realista, ser tão neutro quanto possível e evitar emitir juízos de valor. Deve, sobretudo, promover o debate e a reflexão possibilitando aos alunos, a identificação de valores pessoais, o desenvolvimento do espírito crítico e da capacidade de fazer escolhas livres e informadas, que lhes permitam o desenvolvimento da sua sexualidade num contexto de saúde e afetividade. O bom educador é aquele que gosta de aprender, partilhar reflexões e pensamentos alcançando patamares de valores educativos e cívicos congruentes, que possibilitem novos patamares de liberdade e de felicidade na evolução da espécie humana. Desenvolver este contexto educativo exige também um grande envolvimento dos alunos, que devem assumir um papel predominantemente ativo e participativo. A utilização da metodologia de projeto será a ideal para a implementação da educação sexual em meio escolar. Assim, devemos diagnosticar dúvidas, interesses e conhecimentos prévios dos alunos, aliciando‐os à descoberta de novos percursos de conhecimentos, atitudes e valores. 172
O recurso a técnicas de partilha de informação, como é o caso do brainstorming ou chuva de ideias, de questionários, de fichas de trabalho, de entrevistas ou de palestras com visitantes externos, pode facilitar a interação com os alunos envolvendo‐os na construção dos seus próprios conhecimentos. As técnicas de debate e clarificação de opiniões, valores e atitudes, utilizando, por exemplo, histórias valorativas, serão essenciais no domínio da educação sexual, uma vez que o esclarecimentos dos valores será primordial no modelo educativo de desenvolvimento pessoal e social. Salienta‐se, ainda, a utilização de técnicas de treino de competências específicas, pois para o debate de ideias é imprescindível saber ouvir e expressar opiniões e sentimentos. Ajudar os alunos a desenvolverem a sua autoestima e competências de comunicação de modo a defenderem o seu ponto de vista de forma clara e confiante, sem desrespeitar o outro, ou seja, tornando‐os assertivos, permite favorecer a sua interação com os outros e estabelecer relacionamentos interpessoais mais gratificantes, estimulando a sua realização pessoal. Adolescentes e jovens felizes, saudáveis e seguros não será uma utopia, mas um caminho que se constrói passo a passo. BIBLIOGRAFIA CARPINTERO, E. (2004) Prevenção de riscos associados ao comportamento sexual: gravidez não desejada, DST e SIDA. Lisboa: APF. KOHNER, Nancy. (1999) Como falar às crianças sobre sexo. 2ª Edição. Lyon Edições. Mem Martins Lyon Edições. PEREIRA, Manuela; FREITAS, Filomena. (2001) Educação Sexual: contextos de sexualidade e adolescência. Lisboa: Edições Asa. SUPLICY, Marta (1995)– Sexo para adolescentes. (2ª Edição), Porto, Edições Afrontamento. BERDÚN, Lorena. (2001) Na tua casa ou na minha. Porto Areal Editores. FRADE, Alice [et al.]. (1996) Educação Sexual na Escola. (2ª Edição). Lisboa: Texto Editora. LÓPEZ, Félix; FUERTES, António. (1999) Para Compreender a sexualidade. Lisboa: APF. LÓPEZ, Félix [et al.]. (1986) Educación sexual en la adolescencia. Salamanca: Instituto de Ciencias de la Educación. Ediciones Universidad de Salamanca. Machado Vaz, J.(1996). Educação Sexual na Escola. Universidade Aberta. Ministério da Educação. (2007). Relatório Final do Grupo de Trabalho de Educação Sexual. Acedido em: 02.03.2010 em: http://sitio.dgidc.min‐edu.pt/saude/Documents/GTES_RELATORIO_FINAL.pdf MIGUEL, Nuno; GOMES, Ana Maria Allen. (1991) Só para jovens! (2ª Edição). Lisboa: Texto Editora. 173 174
EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ARÕES Helena Sofia Dias Pereira, Sílvia Cristina Moreira Carneiro, Sílvia Maria Barros de Lemos, Professores do Projeto Educação Para a Saúde e Educação Sexual do Agrupamento de Escolas de Arões A educação para a saúde tem como objetivos centrais a informação e a consciencialização dos alunos acerca da sua própria saúde, assim como a promoção da aquisição de competências que os habilitem para uma progressiva autorresponsabilização. Precisamente por se enquadrar no mesmo conceito de abordagem, a educação sexual é essencial para a promoção da saúde física, psicológica e social. No seguimento do definido pela Lei nº 60/2009 de 6 de Agosto e pela Portaria nº 196A/2010 de 9 de Abril, que estabelece o regime de aplicação da educação sexual nos estabelecimentos de ensino básico e secundário, os diretores de turma, os professores responsáveis pela educação para a saúde e educação sexual, bem como os demais professores envolvidos na educação sexual, elaboraram, no início do ano escolar, os projetos de educação sexual onde constam os conteúdos e temas a abordar e as iniciativas a desenvolver. A maioria dos projetos encontra‐se ainda em fase de execução, tendo‐se decidido que os produtos finais serão apresentados no terceiro período letivo. Pela análise das planificações apresentadas, constata‐se que os alunos propuseram conceber diferentes tipos de produtos finais, como, por exemplo, músicas com letras originais, coreografias, apresentações eletrónicas, bandas desenhadas, bilhetes de identidade alusivos às infeções sexualmente transmissíveis, poemas e peças de teatro. A título de exemplo, apresentamos alguns dos trabalhos já concluídos e que resultam da abordagem dos conteúdos segundo as orientações curriculares emanadas dos ministérios da educação e da saúde. Ao nivel do 1.º ciclo, têm sido abordadas a noção de corpo e de família; o corpo em harmonia com a natureza; a proteção do corpo e a noção dos limites, dizendo não às aproximações abusivas. Nas áreas curriculares de Formação Cívica e Estudo do Meio, os alunos fizeram o seu autorretrato ilustrado; completaram ilustrações do sistema reprodutor; exploraram e ilustraram uma história, de forma a reconhecerem a importância da família e como nasceram (relação sexual); assinalaram em esquemas os “toques maus e os bons”; registaram no caderno alguns comportamentos a adotar perante estranhos e exploraram atividades no site da Seguranet. 175 1
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Ilustraçãão da história “Som
mos a alegria dos nossos pais” ‐ Escola Básica de Cepãães, 1.º ano No segundo ciclo, 5.º ano, foi selecionado o o tema puberdade. Os alunos têm trabalhado t
os aspeetos b
biológicos e emoci
ionais; as transform
mações do corpo ee os carateres sexu
uais secundários. As atividaades que os conse
elhos de turma deesenvolveram nas áreas curricularess de Formação Cívvica, E
Educação Física, Ed
ducação Moral e R
Religiosa Católica, Português e Educação Musical, incluíram o visionameento d
de pequenos filme
es sobre o tema esscolhido, seguindo‐se a discussão/deebate no grupo turrma e a elaboração
o de u
uma letra e música
a para uma canção
o. 177 “Saber Crescer / Saber Viver” Refrão (bis) Logo que eu nasci, Nasci para aprender. Crescer sempre saudável, Com vontade de viver. I. Nesta idade tão bonita, Sinto o corpo a transformar. Os adultos me disseram: “Isso é fruto da idade” II. O meu coração palpita, Por uma cara metade. Mas que havemos de fazer, São as hormonas a pular. III. Para cuidar de mim, Devo os outros respeitar. Tudo o que me aparece, É do corpo a transformar. IV. Nesta fase de transformação, Vamos viver com alegria. Respeitar nossas mudanças, E crescer em harmonia. V. Se saudáveis crescermos, Longa vida iremos ter. Viver com muita alegria, Vendo os filhos a crescer. E.B. 2,3 de Arões | 5º A e 5ºB com o professor José Marinho (letra) 178
No 3.º ciclo, 9.º ano, e no âmbito do currículo das áreas de Ciências Naturais, Formação Cívica e Educação Moral Religiosa e Católicas têm sido abordados os temas seguintes: puberdade;morfofisiologia geral da reprodução humana; contraceção; infeções sexualmente transmissíveis; interrupções voluntárias de gravidezes, as suas sequelas e respetivo significado. Da exploração transversal dos temas abordados resultaram a dramatização, em sala de aula, da peça “O encontro dos Gâmetas” e bilhetes de identidade das infeções sexualmente transmissíveis. “Herpes genital” ‐E.B. 2,3 de Arões | 9.ºA| Bruno Ribeiro, João Ribeiro, Rúben Costa 179 Numa lógica de promoção do desenvolvimento pessoal e social dos nossos alunos, visamos contribuir para a melhoria dos relacionamentos afetivos e sexuais entre os jovens, para a redução das possíveis consequências negativas dos comportamentos sexuais e para a tomada de decisões conscientes na área da educação para a saúde – educação sexual. Seguindo as orientações do Conselho Nacional de Educação (CNE), no seu Parecer n.º 6/2005, o trabalho desenvolvido neste âmbito, “uma área aberta ao pensar, ao diálogo e ao questionamento que integra a formação pessoal, social e moral”, pautou‐se pela transdisciplinaridade, atendendo‐se à maturidade dos alunos, avaliando as suas dúvidas e inquietações e respeitando o seu enquadramento cultural, religioso e familiar. É crucial a preparação das crianças e jovens para a adolescência, marcada por profundas alterações biológicas e na personalidade. Assim, esta formação, tão importante para o desenvolvimento harmonioso das nossas crianças e jovens e para o seu equilíbrio emocional, traduzir‐se‐á em claros ganhos no que respeita à diminuição de futuras escolhas ou decisões potencialmente nefastas, uma vez que, com informação, formaremos indivíduos capazes de refletir por si próprios, com poder de decisão e aptos para enfrentar com confiança os desafios. BIBLIOGRAFIA CNE (2005), Parecer n.º 6/2005 ‐ Educação sexual nas escolas. [http://www.cnedu.pt/files/cnepareceresmodule/Parecer_6_2005.pdf, acedido a 19.04.2012] CNE (2009), Parecer n.º 2/2009 ‐ Parecer sobre os projectos de lei relativos ao regime deaplicação da Educação Sexual nas escolas. [http://www.cnedu.pt/files/cnepareceresmodule/Parecer_2_2009.pdf, acedido a 19.04.2012] FERNANDES, Arménio (2006), Projecto SER MAIS ‐ Educação para a Sexualidade Online, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto. LEGISLAÇÃO PORTUGAL (2009), Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto. [Estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar] PORTUGAL (2010), Portaria n.º 196A/2010, de 9 de Abril. [Procede à regulamentação da Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto] 180
A EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO VERTICAL DE ESCOLAS SANTOS SIMÕES Equipa do Projeto de Educação para a Saúde, AVE Santos Simões A promoção da Educação Sexual nos estabelecimentos de ensino em Portugal enfrentou avanços e retrocessos nas últimas duas décadas. Do ponto de vista legislativo, a preocupação com a lecionação desta área já remonta a 1984, ano em que assistimos à publicação da Lei n.º 3/84, de 24 de março. Posteriormente foram também publicados a Lei n.º 120/99, de 11 de agosto e o Decreto‐Lei n.º 259/2000, de 17 de outubro. Apesar dos dois primeiros normativos legais apresentarem um carácter mais geral especificaram, no entanto, a obrigação do Estado Português integrar e promover a Educação Sexual nas escolas. Por sua vez, o Decreto‐Lei n.º 259/2000, de 17 de outubro, forneceu informações mais claras sobre como esta integração deveria ser feita, nomeadamente, no projeto educativo de cada escola e nas planificações de trabalho de cada turma. Pese embora a publicação dos normativos, os professores ficaram como que adormecidos, alheando‐
se um pouco da obrigatoriedade de lecionar Educação Sexual aos seus alunos. A aprovação da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto que “estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar” veio, mais uma vez, reforçar a obrigatoriedade desta abordagem em contexto de sala de aula de uma forma explícita, intencional e pedagogicamente estruturada. Mais recentemente, pensamos nós que, provavelmente, pelas dificuldades sentidas na aplicação desta lei, é publicada, em 9 de abril de 2010, a Portaria n.º 196‐A, que veio regulamentar a aplicação da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, no que respeita aos conteúdos que devem ser privilegiados no ensino da Educação Sexual em cada ano e ciclo de ensino. A Lei n.º 60/2009 clarifica, ainda, “a estrutura organizativa em que se deve basear a educação sexual nas escolas, assente numa equipa dinamizadora e nos gabinetes de educação para a saúde.” (Frade et al, 2010:21). Deste modo foi criada, no Agrupamento, a equipa do Projeto de Educação para a Saúde (equipa PES) constituída por docentes, psicóloga (Serviço de Psicologia e Orientação) e uma enfermeira da Unidade de Saúde Familiar de Urgezes. A escola tem de assumir a sua responsabilidade na construção do currículo dos seus alunos e isso implica que inclua,na sua oferta educativa, também, a Educação Sexual. Como é sabido, a alteração de práticas pedagógicas não se faz por imposição legislativa. Nesse sentido, a equipa PES constatou ser necessário auxiliar os docentes, procurando facultar‐lhes formação específica na área da Educação Sexual, por forma a colocarem em ação o que a tutela pretende. Tendo por base esta preocupação, agilizou‐se a candidatura do Agrupamento ao Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar (PRESSE), considerando‐se que seria um caminho para a promoção de ações de formação e, também, uma mais‐valia para desenvolver um trabalho estruturado e sustentado na 181 implementação da Educação Sexual. Uma vez aprovada a candidatura ao PRESSE passou‐se, de imediato, à estruturação de uma ação de formação, em parceria com o Centro de Formação Francisco de Holanda. Entendemos que a conquista dos docentes para darem início à lecionação da Educação Sexual deveria ser de forma gradual. Por essa razão, consideramos que a formação deveria ser destinada, prioritariamente, a todos os professores/diretores de turma que se encontravam a lecionar o primeiro ano de cada ciclo. Não obstante esta intenção ‐ munir os docentes de informação e atividades específicas ‐ o Projeto de Educação Sexual foi dirigido e aplicado a todos os níveis de ensino, por forma a envolver todos os docentes e alunos, desde a educação pré‐escolar ao ensino secundário. Desta forma, foi implementada a Oficina de Formação PRESSE, num total de cinquenta horas (vinte e cinco horas presenciais e vinte e cinco horas de trabalho autónomo) visando, sobretudo, a implementação da Educação Sexual em todas as escolas do agrupamento de uma forma estruturada e sustentada. Através da Oficina de Formação, os formandos tiveram oportunidade de conhecer o PRESSE, ou seja, um precioso recurso para abordar e aprofundar os diversos conteúdos no âmbito da Educação Sexual de forma orientada. Sabemos que o PRESSE permite o envolvimento não só de professores e alunos, mas também dos pais/encarregados de educação em parceria com a Unidade de Saúde Pública, possibilitando que os professores fiquem mais informados, confiantes e seguros na abordagem dos conceitos. Nesta matéria, também se pretende que os professores possam ajudar os seus alunos a crescer de forma equilibrada, melhorando a sua compreensão e auto‐estima e desenvolvendo atitudes assertivas face à sexualidade. Na Oficina de Formação foi possível experimentar algumas atividades em contexto de sala de aula através de metodologias ativas, refletir em conjunto sobre as dinâmicas criadas com os alunos e partilhar algumas dificuldades e estratégias de resolução de problemas. Permitiu, sobretudo,munir os professores de materiais e conhecimentos adequados para que a implementação da Educação Sexual em contexto curricular se torne mais fácil e exequível. Agora, os professores,como agentes promotores da Educação Sexual nas escolas, têm à sua disposição um conjunto de ferramentas que os auxiliam a materializar um programa que visa levar os alunos a adquirir competências individuais e a desenvolver valores fundamentais à vivência da sexualidade de forma consciente e responsável. Nas sessões da Oficina de Formação, ao nível do 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico, privilegiaram‐se o conhecimento do corpo humano e a educação para os afetos, adequando‐se as atividades ao currículo e às idades destes níveis de ensino. No 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, os temas da Educação sexual foram, igualmente, ajustados ao currículo de cada ano de escolaridade. A principal abordagem em contexto de sala de aula prendeu‐se, sobretudo, com o conhecimento da sexualidade em todas as suas dimensões, reconhecendo‐a como uma das componentes mais sensíveis do ser humano. Dentro deste tema foram, também, trabalhados o conhecimento e a prevenção de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST). 182
Levar os alunos a refletir sobre o impacto da sexualidade humana (por exemplo,analisando as taxas de IST e de gravidez na adolescência), é, também, um caminho para prevenir a maternidade e a paternidade precoces e identificar as sequelas e significados de uma interrupção voluntária da gravidez, abordando, desde cedo, como se processa a reprodução humana e as várias fases do crescimento e conhecendo a importância dos métodos contracetivos e do planeamento familiar. Outra grande preocupação da equipa do PES tem sido privilegiar ações de prevenção de maus tratos e das aproximações abusivas, reconhecendo, neste aspeto, a importância do uso correto da Internet. As atividades propostas no âmbito da Oficina de Formação PRESSE estão, assim, a ser concretizadas de acordo com as planificações dos Projetos de Educação Sexual de cada turma. As propostas de planificações que servem de base a todos os docentes foram elaboradas pela equipa do PES e fazem parte integrante do Projeto de Educação para a Saúde, por forma a serem do conhecimento de todos os docentes possibilitando, deste modo, a articulação vertical entre todos os níveis de ensino. Uma outra vertente do PES prende‐se com o facto de que a escola, como meio inclusivo, deve proporcionar a todos os discentes a possibilidade de usufruírem de um lugar em que possam esclarecer as suas dúvidas, procurar aconselhamento e receber todo o apoio necessário, bem como a possibilidade de encaminhar os alunos para as devidas instituições que poderão, de modo adequado, fazer o seu acompanhamento. Nesse sentido, no presente ano letivo, na escola sede e após a renovação do espaço, reabriu o Gabinete de Apoio e Informação ao Aluno (GIA), destinado ao apoio e orientação dos alunos acerca de dúvidas relacionadas com a escola, com a família e outras associadas à saúde juvenil e, também, relacionadas com inseguranças do foro sexual, questões que, por vezes, necessitam de ser tratadas com confidencialidade. Com a abertura deste gabinete não se pretendeu substituir as consultas de planeamento familiar, ou similares, disponibilizadas pelos diferentes serviços de saúde. Pretende‐se sim, que este seja um elo de ligação entre estes últimos e os jovens, proporcionando meios de apoio através de uma comunicação mais eficiente. 183 GABINETEE DE INFORMAÇÃO
O E APOIO AO ALU
UNO Neste gab
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edifício da antiga e
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última temática fo
oi (e continuará a sser) seguramente mais aprofundadaa. Em parte, deve‐sse fundamentalmeente à tomada de con
à nsciência da impo
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de abordagem e consequentemente algu
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perantee os alunos, prin
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ue proporcionou uma u
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ções referem, os p
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m Educação Sexual demonstram atitu
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mais co
onfortáveis, revelaando um maior níível de conhecimeentos do que aqueles p
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unca fizeram formação nessa área (R
Reis e Vilar, 2006). 1
184
Como tem
m vindo a ser referrido e reforçado ao
o longo deste artiggo, a Oficina de Formação PRESSE do
otou os docentes de reecursos técnico‐pe
o
edagógicos e didátticos atualizados p
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sexual em sala de aula de forma orientada. Deve acreescentar‐se, que o
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o da f
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o às a
atividades proposttas. O facto de oss formandos perteencerem a vários níveis de ensino e e a diferentes gru
upos d
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nriquecedor por p
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diferentes faixas etárias. e
Foi visívell o elevado grau de satisfação, por parte dos docen
ntes, relativamentte à f
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disponibilizados. A longo das sessõ
Ao ões, foi possível clarificar c
a ideia de que as questõees relacionadas com a s
sexualidade, que as crianças e os jovens colocam, tal t como todas as outras perguntaas, merecem a no
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m Educação Sexuall, mas um profissio
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devidamente informado sobre a sexualidade s
humaana que, enquantto educador, deve ser capaz de criar c
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gicos adequados à abordagem do tema. Os trabalhos produzidos e as dinâmicas criadas em sala de aula, eviden
nciaram ser posssível ucação Sexual em meio escolar sem
i
implementar a Ed
m constrangimento
os. Neste contexto
o e a título ilustrattivo, a
apresentam‐se alg
gumas imagens (a, b e c) que exemplificam o tipo de attividades que foram
m dinamizadas. EXEMPLOS DEE ATIVIDADES PRÁ
ÁTICAS REALIZADA
AS NO CONTEXTO DA OFICINA DE FO
ORMAÇÃO PRESSEE a) Conhecimento doo corpo humano nnas diferentes faixxas etárias, 1.º e 2.º CEB 185 b) Traabalho sobre “educar para os afetoss”, 2.º CEB “
“A discriminação m
magoa o coração.” A
Ana Margarida e Joã
ão Pedro “
“Somos todos igua
ais, apesar das nossas diferenças.” A
Ana Rita e Beatriz “
“Se uma pessoa te
e contar um segred
do, não te afastes d
dela, a
apoia‐a.” “
“Não te deixes leva
ar pelo aspeto físicco, mas sim pelo q
que está n
no coração.” S
Sérgio e Rita “
“Encara a homosse
exualidade como u
uma coisa natural.”” B
Bárbara e Gabriel ““Não deixes de serr amigo de uma pe
essoa pelas suas diferenças. N
Não rebaixes os co
olegas mas sim ajuda‐os.” A
Ana Cláudia e Franci
isco ““Não julgues as peessoas pela sua apaarência.” “
“Faz com que sejam
m teus amigos e dá‐te melhor com eeles.” I
Inês Sofia, João An
ntónio e João Dioggo 1
186
c) Exposição de trabalhos dos aluno
os do Ensino Secun
ndário na escola sede Relativam
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o e a a
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do escolar e teve aa massiva participaação d
dos docentes de to
odas as escolas do Agrupamento. 187 Palestra – “Metodologia de Ensino da Educação Sexual Orientada para a Ação” (08‐03‐2012) Para o sucesso de qualquer Projeto é importante apostar no trabalho colaborativo, cruzando saberes e experiências e estabelecendo Parcerias que possam enriquecer as iniciativas criadas. Assim, devemos valorizar a partilha de informação entre Coordenadores de Educação para a Saúde de diferentes escolas, a parceria entre o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, nomeadamente entre a ARS Norte e a DREN, que sustenta o Programa “PRESSE”. Deve também ser referida a importante colaboração do Centro de Formação Francisco de Holanda, que ao funcionar como entidade promotora, teve um papel orientador/ facilitador e, direta ou indiretamente, contribuiu para que os objetivos delineados na Oficina de Formação PRESSE fossem cumpridos, com êxito. Para concluir importa sublinhar que a aposta na formação de docentes, em matéria de Educação Sexual, constituiu ao longo deste ano letivo a principal prioridade do Projeto de Educação para a Saúde, para que a Educação Sexual possa efetivamente fazer parte integrante dos Projetos Curriculares de Turma e ser implementada em sala de aula, conduzindo a uma visão positiva e responsável da sexualidade no contexto do crescimento equilibrado e da formação integral dos nossos alunos, com mais e melhor saúde para todos. BIBLIOGRAFIA Frade, A., Marques, A. M., Alverca, C. & Vilar, D. (2009). Educação Sexual na Escola. Guia para professores, formadores e educadores. Lisboa: Texto Editora. Reis, M. H. e Vilar, D. (2006) – Validity of a Scale to Measure Teachers – Attitudes Towards Sex Education. Sex Education 6:2. REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS Lei 120/99, de 11 de agosto. Decreto‐Lei 259/2000, de 17 de outubro. Lei n.º 60/2009, publicada em Diário da República n.º 151 de 6 de agosto. Portaria n.º 196‐A/2010, publicada em Diário da República n.º69 de 9 de abril. 188
IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROJETO DE EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS PROFESSOR ABEL SALAZAR Sérgio Silva, Professor Coordenador da Equipa de Saúde Escolar Sandra Fernandes, Professora formadora PRESSE Helena Azevedo, Psicóloga INTRODUÇÃO A entrada em vigor de um quadro legal e normativo, que aponta a educação sexual como uma componente basilar da educação e da promoção da saúde, acarretou um desafio acrescido para as escolas em termos de articulação interna ao nível do plano de atividades, projeto educativo e projetos curriculares de turma. As escolas são um contexto de intervenção privilegiado para a promoção da educação sexual, não só pelo acesso a um número elevado de jovens de diferentes faixas etárias, mas também porque a educação sexual pode ser abordada e deve ser assumida como parte integrante do projeto educativo, o qual compete também à escola definir. A educação sexual diz respeito ao processo através do qual a pessoa se desenvolve como ser sexuado e sexual, através de ações estruturadas e formais (educação sexual explícita) e, ao mesmo tempo, ações não estruturadas e informais (educação sexual implícita). É um processo que decorre ao longo da vida e não a partir do início da atividade sexual. Acontece em diversos contextos: em família, com os amigos, no sistema educativo, através dos media, etc. O objetivo primordial da promoção de educação sexual é contribuir para uma vivência mais informada, mais gratificante, mais autónoma e mais responsável da sexualidade. (Luís, Gonzaga, Sousa, & Guimarães, 2011). A Educação Sexual não engloba unicamente a simples transmissão de informação sobre os órgãos sexuais femininos e masculinos, a contraceção e as infeções sexualmente transmitidas (Luís, Gonzaga, Sousa, & Guimarães, 2011), nem deve ser encarada como uma área científica destinada a ser tratada por técnicos especializados (Dias, Ramalheira, Marques, Seabra, & Antunes, 2002). Os resultados da avaliação da implementação de projetos de educação sexual em meio escolar demonstram que a mudança de atitudes e comportamentos não se opera, primordialmente, através da informação e que esta, de forma isolada, poderá mesmo ter efeitos perversos (Pereira & Freitas, 2001). A educação sexual não se pode restringir à transmissão de informação sobre aspetos biológicos ou médicos, na medida em que é considerado um conceito mais amplo, complexo e que envolve questões de natureza ética, moral, religiosa, familiar, cultural e social (Luís, Gonzaga, Sousa, & Guimarães, 2011). Desta 189 forma, a educação sexual em meio escolar assenta em três domínios: conhecimentos, atitudes e competências individuais (Frade, Marques, Alverca,& Vilar, 2003), com objetivos distintos, que apresentamos de seguida. No domínio dos conhecimentos, pretende‐se atingir os seguintes objetivos: as várias dimensões da sexualidade; a diversidade dos comportamentos sexuais ao longo da vida e das caraterísticas individuais; os mecanismos da resposta sexual, da reprodução, da contraceção e da prática de sexo seguro; as ideias e valores com que as diversas sociedades foram encarando a sexualidade, o amor, a reprodução e as relações entre os sexos ao longo da história e nas diferentes culturas; os problemas de saúde ‐ e as formas de prevenção ‐ ligados à expressão da sexualidade, em particular as gravidezes não desejadas, as infeções de transmissão sexual, os abusos e a violência sexuais; os direitos, a legislação, os apoios e recursos disponíveis na prevenção, acompanhamento e tratamento destes problemas. No que concerne às atitudes, os objetivos que se pretende alcançar são os seguintes: uma aceitação positiva e confortável do corpo sexuado, do prazer e da afetividade; uma atitude não sexista; uma atitude não discriminatória face às diferentes expressões e orientações sexuais; uma atitude preventiva face à doença e promotora do bem‐estar e da saúde. Os objetivos inerentes ao domínio das competências individuais centram‐ se no desenvolvimento das competências para tomar decisões responsáveis; das competências para recusar comportamentos não desejados ou que violem a dignidade e os direitos pessoais; das competências de comunicação; na aquisição e utilização de um vocabulário adequado; na utilização, quando necessário, de meios seguros e eficazes de contraceção e de prevenção do contágio de infeções de transmissão sexual; no desenvolvimento de competências para pedir ajuda e saber recorrer a apoios, quando necessário. A prossecução destes objetivos implica a articulação entre os vários agentes educativos, professores, psicólogos, assistentes operacionais, pais e outros representantes da comunidade social (Dias, Ramalheira, Marques, Seabra,& Antunes, 2002). Assim, a implementação de programas de educação sexual em meio escolar implica a conjugação de um conjunto de fatores, tal como descrito nas Linhas Orientadoras para a Educação Sexual em Meio Escolar, dos Ministérios da Educação e da Saúde (2000), nomeadamente a formação dos agentes educativos, no sentido de serem capazes de agir de forma adequada e coerente face às dúvidas e manifestações das crianças e jovens relativas à sua sexualidade; abordagem pedagógica de temas da sexualidade humana, feita em contextos curriculares e extracurriculares, numa lógica interdisciplinar, privilegiando o espaço turma e as diferentes necessidades das crianças e dos jovens; apoio às famílias na educação sexual das crianças e dos jovens, nomeadamente através do seu envolvimento no processo de ensino/aprendizagem e/ou promoção de atividades específicas de formação dirigidas aos encarregados de educação ou dinamizadas por eles; estabelecimento de mecanismos de apoio individualizado e específico às crianças e jovens que dele 190
necessitarem, através da criação e manutenção de parcerias no interior da escola e com outros serviços da comunidade, nomeadamente os serviços de saúde. Neste sentido, e de acordo com o quadro legal em vigor, a promoção da educação sexual obrigou o agrupamento de escolas a um esforço de articulação entre os vários agentes educativos envolvidos neste processo, nomeadamente professores, psicóloga, enfermeiras e pais/encarregados de educação, de forma a integrar a educação para a sexualidade nos projetos curriculares das turmas. Os projetos foram construídos, numa lógica de ciclo, de forma a abranger várias áreas temáticas, nomeadamente corpo em crescimento, expressões de sexualidade, relações interpessoais e saúde sexual e reprodutiva. Não obstante, cada projeto inclui conteúdos e estratégias específicos, de acordo com as necessidades e especificidades de cada turma. Aquando da implementação dos projetos no Agrupamento de Escolas Professor Abel Salazar, a maioria dos professores relatou algumas dificuldades e inseguranças, apesar de possuírem formação pedagógica adequada aos vários níveis etários e um conhecimento efetivo dos seus alunos. Deste modo, manifestaram a necessidade de formação nesta área e de materiais pedagógicos para trabalharem com os alunos. Tendo em consideração esta necessidade, no final do ano letivo 2010/2011 foi realizada a candidatura ao PRESSE (Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar). Este Programa é promovido pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARSN), através do seu Departamento de Saúde Pública (DSP), em parceria com a Direção Regional de Educação do Norte (DREN), que apoia a implementação da educação sexual nas escolas, de uma forma estruturada e sustentada, envolvendo o trabalho conjunto entre os profissionais de educação e de saúde escolar. O programa PRESSE dirige‐se a alunos e professores dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário, envolvendo também pais, encarregados de educação, pessoal não docente e restante comunidade possuindo todos estes atores um papel ativo no desenvolvimento deste programa. O PRESSE apresenta‐se como uma resposta facilitadora de todo o processo através de medidas de intervenção definidas regionalmente e aplicadas a nível local. O modelo de intervenção PRESSE assenta na metodologia de projeto e promove a intervenção interdisciplinar. Desta forma, o programa PRESSE desenvolve‐se através de várias medidas, tais como: formação dos profissionais de saúde escolar, professores e psicólogos em sexualidade humana, educação sexual e metodologias pedagógicas; disponibilização de recursos pedagógicos (guiões de formação de professores, cadernos de atividades para alunos, jogos pedagógicos, entre outros) que facilitam a aplicação dos conteúdos curriculares em educação sexual previstos para os vários níveis de ensino; promoção de iniciativas de complemento curricular que contribuem para dinamização da educação sexual nas escolas tais como: teatro‐
debate, concursos, exposições, entre outras; apoio para a implementação de Gabinetes de Informação e Apoio (GIA), no âmbito da educação para a saúde e educação sexual. 191 Numa primeira fase de implementação deste programa no Agrupamento (no final do ano letivo 2010/2011), uma professora da Equipa de Saúde Escolar do Agrupamento frequentou uma formação de formadores PRESSE, dinamizada por vários profissionais (psicólogos, médica, enfermeira). A fase seguinte, iniciou‐se, no presente ano letivo, com a dinamização de uma Oficina de Formação, com a duração de 50 horas, para professores dos 2.º e 3.º ciclos do Agrupamento. Nesta formação foram abordadas, recorrendo a diferentes métodos pedagógicos, os seguintes temas: sexualidade como realidade evolutiva, saúde sexual, expressões da sexualidade, relações interpessoais, psicossexualidade e construção de um projeto de educação sexual. No próximo ano letivo, pretendemos estender esta formação aos professores do 1.º ciclo e organizar ações de sensibilização dirigidas a assistentes operacionais e pais/encarregados de educação. Podemos considerar que a implementação do projeto de Educação Sexual ainda está numa fase embrionária, pelo que ainda não é possível fazer uma avaliação nem do processo nem do produto. O objetivo que pretendemos alcançar é contribuir para que os alunos adquiram conhecimentos, atitudes e competências que lhes permitam uma vivência saudável, responsável e feliz da sexualidade, tendo por base um modelo que defende o respeito pelo direito à diferença e pela pessoa do outro, nomeadamente as suas características físicas, os seus valores, a sua orientação sexual, promovendo a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, recusando expressões da sexualidade que envolvam violência ou exploração (Luís, Gonzaga, Sousa, & Guimarães, 2011). BIBLIOGRAFIA Dias, A. M., Ramalheira, C., Marques, L., Seabra, M. E., & Antunes, M. L. C. (2002). Educação da sexualidade no dia‐a‐dia da prática educativa. Braga: Edições Casa do Professor. Frade, A., Marques, A. M., Alverca, C., & Vilar, D. (2003). Educação Sexual na Escola. Guia para professores, formadores e educadores. Lisboa: Texto Editora. Luís, M. P., Gonzaga, M., Sousa, S., & Guimarães, C. (2011). Guião PRESSE. Formação para professores. Porto: Administração Regional de Saúde do Norte, Departamento de Saúde Pública. Pereira, M. M., & Freitas, F. (2001). Educação Sexual: contextos de sexualidade e adolescência. Porto: Edições Asa. 192
PROJETO DE EDUCAÇÃO SEXUAL DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DAS TAIPAS Beatriz Sousa, Coordenadora do PES do Agrupamento de Escolas das Taipas A Sexualidade está presente ao longo de todas as fases da vida humana, o que não significa que seja um tema fácil de abordar, mas é sem dúvida essencial. A educação sexual, além do ensino sobre a anatomia e psicologia da reprodução humana e demais aspetos do comportamento que se relacionam com o sexo, engloba também conteúdosrelacionados com a sexualidade, a discussão de valores, atitudes, preconceitos, sentimentos e emoções. De acordo com a Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, a educação sexual é objeto de inclusão obrigatória nos projetos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, e, por este motivo, a sua implementação é determinante na prevenção e identificação de comportamentos de risco e no aumento dos fatores de proteção em relação à sexualidade dos alunos. Através das atividades implementadas, durante o ano letivo de 2010/2011, no âmbito da educação sexual em meio escolar, diagnosticámos a situação e pudemos constatar que a maior parte dos alunos que participou nas atividades apresentava: associação exclusiva da sexualidade à sua dimensão física; crença em mitos relativamente à sexualidade; informação incorreta sobre a utilização de métodos contracetivos; desconhecimento sobre possibilidade de gerar uma gravidez nas diferentes práticas sexuais; desconhecimento ou informação incorreta relativamente às formas de transmissão das principais IST conhecidas, inclusivamente o HIV/SIDA; informação incorreta sobre as formas de deteção das IST; informação incorreta relativamente à proteção conferida pelo preservativo na transmissão das IST; desconhecimentos da possibilidade de muitas das IST não apresentarem sinais/sintomas visíveis. Tornava‐se, pois, premente uma intervenção cuidada, tendo em vista as falhas detetadas. Assim, de uma forma concertada com o PES (Projeto de Educação para a Saúde), do qual é uma parte importante, a educação sexual foi uma preocupação desta equipa no decorrer das reuniões semanais, em articulação com a equipa de Saúde Escolar do Centro de Saúde de Caldas das Taipas, tendo feito uma reflexão sobre a forma de abordar temáticas e desenvolver o projecto, uma vez que já não existia a área curricular não disciplinar ‐ Área de Projeto ‐ onde muitos temas deste âmbito eram abordados. E decidiu‐se por uma abordagem transversal dos mesmos para que a informação fosse interiorizada e que houvesse uma sistematização do que devia ser transmitido e apreendido. Apenas o tema da educação sexual foi também abordado em Formação Cívica com o número de horas estabelecido pela lei 60 de 8 de agosto de 2009, em todos os ciclos. O projeto foi ambicioso, na medida em que procurou abarcar os vários públicos da comunidade educativa: alunos dos 1º/2º/3º ciclos do ensino básico; docentes dos 1º/2º/3º ciclos do ensino básico; 193 assistentes operacionais e encarregados de Educação/Pais, tendo começado, precisamente, pela formação dos elementos da equipa de formadores PRESSE, recolha de material de apoio para utilização na dimensão curricular e elaboração de recursos de formação, passando, de seguida, para a formação de professores e implementação das atividades previstas nos Projetos Curriculares de Turma. Assim, no início de 2011‐2012, o grupo de educação para a saúde, em parceria com o Cffh, calendarizou e concretizou uma ação de formação creditada sobre “Educação sexual” para professores e diretores de turma realizada, em outubro de 2011, na Escola Básica 2,3 de Caldas das Taipas, tendo‐se realizado ainda uma outra ‐ “A Educação Sexual em meio escolar: metodologias de abordagem e intervenção” ‐ que fez parte plano de formação do Cffh, tendo decorrido em novembro e dezembro de 2011, para o mesmo público e no mesmo local. Desta forma, recorrendo aos recursos fornecidos pelo grupo de trabalho do PRESSE, a Kit’s da APF de educação sexual para cada nível de ensino, ao Kit da APF de métodos contraceptivos, o material de campanha da Prevenção da transmissão de HIV/SIDA e a bibliografia recolhida com conteúdos e atividades relativamente a cada nível de ensino, a equipa do projeto de educação para a saúde do agrupamento com o apoio da equipa de saúde escolar da UCC Sol Invictus do Centro de Saúde das Taipas procuraram implementar na sala de aula o PCT elaborado na formação, com inclusão de conteúdos tratados transversalmente; programar atividades com a comunidade escolar, englobando os Encarregados de Educação/Pais e promover reuniões com a comunidade escolar. O projeto focou‐se em objetivos de aprendizagem que exploraram de forma gradativa (conforme o ciclo de estudos e os diferentes anos de escolaridade) e num crescendo os grandes temas da educação sexual. Pretendeu, pois, consolidar conhecimentos sobre diferentes componentes anatómicas do corpo humano, da sua originalidade em cada sexo e da sua evolução com a idade; regras de higiene pessoal; fenómenos de discriminação social baseada nos papéis de género; diversidade dos comportamentos sexuais ao longo da vida e as diferenças individuais; mecanismos básicos da reprodução humana, compreendendo os elementos essenciais acerca da conceção, da gravidez e do parto; cuidados necessários ao recém‐nascido e à criança; significado afetivo e social da família, das diferentes relações de parentesco e da existência de vários modelos familiares; adequação das formas de contacto físico nos diferentes contextos de sociabilidade; abusos sexuais e de outros tipos de agressão; infeções de transmissão sexual, formas de prevenção e tratamento; mecanismos da resposta sexual humana; as ideias e valores com que as sociedades foram encarando e encaram a sexualidade, o amor, a reprodução e a relação entre os sexos; recursos existentes para a resolução de situações relacionadas com a saúde sexual e reprodutiva; tipos de abuso sexual e estratégias dos agressores. Pretendia‐se, da mesma forma, desenvolver atitudes no sentido da aceitação das diferentes partes do corpo, das mudanças fisiológicas e emocionais próprias da idade e da imagem corporal; da aceitação positiva da sua identidade sexual e da dos outros; da aceitação da diversidade dos comportamentos sexuais ao longo da 194
vida; da reflexão face aos papéis de género; do reconhecimento da importância das relações afetivas na família; do reconhecimento da importância dos sentimentos e da afetividade na vivência da sexualidade; da valorização das relações de cooperação e de interajuda; da prevenção face a riscos para a saúde, nomeadamente na esfera sexual e reprodutiva; da aceitação do direito de cada pessoa decidir sobre o seu próprio corpo. Era igualmente importante para o projeto que o aluno desenvolvesse competências para expressar opiniões e sentimentos pessoais; comunicar acerca de temas relacionados com a sexualidade; cuidar, de modo autónomo, da higiene do seu corpo; envolver‐se em atividades escolares e na sua criação e dinamização; atuar de modo assertivo nas diversas interações sociais (com familiares, amigos, colegas e desconhecidos); adequar as várias formas de contacto físico aos diferentes contextos de sociabilidade; identificar e saber aplicar respostas adequadas em situações de injustiça, abuso ou perigo e saber procurar apoio, quando necessário; tomar decisões e aceitar as decisões de outros; aceitar os tipos de sentimentos que podem estar presentes nas diferentes relações entre as pessoas, incluindo os do âmbito da sexualidade; adotar comportamentos informados em matérias como a contraceção e a prevenção das infeções de transmissão sexual; reconhecer as situações de abuso sexual, identificar soluções e procurar ajuda. TEMÁTICAS PARA O ANO LETIVO DE 2011/2012, nos 1º, 2º E 3º CICLOS DO ENSINO BÁSICO ANOS DE ESCOLARIDADE TEMAS 1º Ano O corpo‐ Noção de corpo. O corpo em harmonia com a Natureza. Diferenças entre rapazes e raparigas. Identidade sexual‐ Género. Papéis sexuais. Sexualidade e sociedade‐ Sentimentos e emoções. Género. Papéis sexuais. Noção de família. Sexualidade e relações interpessoais‐ Proteção do corpo e noção dos limites, dizendo não às proximidades abusivas. Saúde sexual e reprodutiva‐ Higiene e saúde . O corpo sexuado‐ A descoberta de si mesmo. A sua identificação. O seu corpo. A saúde/segurança do seu corpo. Sexualidade e Sociedade‐ A Família Identidade sexual: sentimentos, gostos e sensações‐ Relações Familiares Sexualidade e Relações Interpessoais‐ Segurança do Corpo. 2º Ano PERÍODO DE ATUAÇÃO Ao longo do ano Ao longo do ano DISCIPLINAS Estudo do Meio Língua Portuguesa Expressões Formação Cívica Estudo do Meio Língua Portuguesa Expressões Formação Cívica 195 3º Ano 4º Ano 5º Ano 6º Ano 196
Identidade Sexual e Papel de Género‐ Diferenças entre rapazes e raparigas. Aceitação positiva da própria identidade sexual e da dos outros. Segurança e bem estar‐ Proteção do corpo e noção dos limites dizendo não às aproximações abusivas. Conhecimento e valorização do corpo‐ Mudanças do corpo. Conhecimento e valorização do corpo‐ Mudanças do corpo. Relações interpessoal‐ Proteção do corpo e noções dos limites, dizendo não às aproximações abusivas. Sexualidade‐ Emoções e sentimentos. Ao longo do ano Ao longo do ano 1‐ EDUCAÇÃO SEXUAL ‐Identidade e sexualidade‐ Sentimentos, gostos e decisões. Auto Estima ‐Corpo Sexuado‐ Mudanças pubertárias ‐Sexualidade e relações interpessoais‐ Competências Ao longo do ano relacionais ‐Sexualidade e Sociedade‐ As famílias Saúde sexual e reprodutiva‐ Higiene e saúde 1‐ EDUCAÇÃO SEXUAL 1.1 A adolescência e as transformações do corpo. ‐ Puberdade (aspetos biológicos e emocionais); ‐ O corpo em transformação; ‐ Carateres sexuais secundários; ‐ A Fisiologia e Morfologia dos aparelhos reprodutores. Ao longo do ano ‐ Reprodução humana e crescimento. ‐ Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório. 1.2 ‐ Dimensão Biológica (diversidade e respeito); ‐ Identidade sexual (sexualidade e género); ‐ Sexualidade humana (prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas, contraceção e planeamento familiar). Estudo do Meio Língua Portuguesa Expressões Formação Cívica Estudo do Meio Língua Portuguesa Expressões Formação Cívica Formação Cívica Ciências da Natureza Educação Moral e Religiosa Católica e Formação Cívica Formação Cívica 7º ano 8º Ano 1‐ EDUCAÇÃO SEXUAL Corpo sexuado‐ A sexualidade humana: introdução ao conceito. Identidade e sexualidade‐ Mudanças Pubertárias. Ao longo do ano Género. Sexualidade e relações interpessoais‐ Sentimentos, gostos e decisões. Sexualidade e sociedade‐ Os diversos tipos de relações. As famílias. Saúde sexual e reprodutiva‐ Comunicação e sexualidade /Higiene e saúde. 1‐ EDUCAÇÃO SEXUAL Corpo sexuado‐ Conceção, gravidez e parto. Imagem corporal. Identidade e sexualidade‐ Género. Diversidade sexual. Sexualidade e relações interpessoais‐ Sexualidade e relações amorosas Saúde sexual e reprodutiva‐ Doenças Sexualmente Ao longo do ano transmissíveis. Contraceção 2‐ EDUCAÇÃO SEXUAL – (Sexualidade na dimensão comportamental, social e psicológica) 2.1 ‐ Dimensão ética da sexualidade Humana; ‐ Compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa no contexto de um projeto de vida que integre valores. ‐ Prevenção de maus tratos e das aproximações abusivas. Formação Cívica Educação Moral e Religiosa Católica Formação Cívica Educação Moral e Religiosa Católica 197 9º Ano 1‐ EDUCAÇÃO SEXUAL Expressões da Sexualidade e Diversidade ‐ Género. Imagem Corporal Relações Interpessoais‐‐ Os meus amigos e a minha família Expressões da Sexualidade e Diversidade ‐ Sexualidade. Saúde Sexual e Reprodutiva‐‐ Sistema reprodutor (IST’s). Gravidez na adolescência A dignidade da pessoa humana sexual e comportamentos sexuais de risco, dizendo não a pressões emocionais e sexuais. ‐ Compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e reprodutiva saudável e responsável. ‐Conhecimento das taxas e tendências das interrupções voluntárias de gravidez, suas sequelas e respetivo significado. Ao longo do ano Ciências Naturais Formação Cívica Educação Moral e Religiosa Católica Como em qualquer projeto, a avaliação esteve presente na ficha de avaliação de conhecimentos a aplicar no final das sessões em formação cívica ou noutras áreas disciplinares; no questionário sobre DST – aplicado ao 9º ano no final do projeto; no questionário sobre sexualidade a aplicar no início do ano letivo e no final do ano letivo de 2012/2013; na participação, interesse e empenho na realização das atividades ao longo das aulas; na capacidade de reflexão sobre os temas; na participação oral; no interesse demonstrado; no desempenho nos trabalhos propostos. Os objetivos propostos no projeto e plenamente atingidos falam por ele: melhorar os conhecimentos/atitudes dos alunos dos três ciclos do ensino básico; conseguir que 100% dos alunos dos 1º e 2º ciclos do ensino básico tivessem seis horas dedicadas à educação sexual em meio escolar; conseguir que 100% dos alunos do 3º ciclo do ensino básico tivessem 12 horas dedicadas à educação sexual em meio escolar; melhorar os conhecimentos sobre Prevenção de IST e Gravidez nos alunos do 3º ciclo do ensino básico. 198
UMA PROPOSTA DE PROJETO DE EDUCAÇÃO SEXUAL João António Fernandes Vieira, Professor do Agrupamento Vertical de Escolas de Briteiros IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA Falar da sexualidade em ambiente escolar não é tarefa fácil, até pelas reações das pessoas menos avisadas, mas já se percebeu a necessidade da implementação da Educação Sexual ou, mais propriamente, da Educação da Sexualidade nas escolas, desde o 1º ciclo ao ensino secundário. A educação da sexualidade é essencial para promover a formação integral da pessoa humana. Desde muito cedo, as crianças contactam com imagens e linguagens que não entendem, mas que interiorizam e as despertam precocemente. Os pais e encarregados de educação deixam os filhos e os seus educandos muitas vezes à deriva nas descobertas da sexualidade, porque não sabem, porque acham o campo perigoso, porque entendem que mais cedo ou mais tarde eles entendem “esse mundo”, ou porque concluem que a sexualidade é um campo que não é preciso ser ensinado. Os tempos modernos e a velocidade de comunicação e aprendizagens obrigam a que os jovens estejam minimamente preparados e atentos às solicitações que diariamente se lhes deparam. O campo da sexualidade é uma delas e jovens mal informados, mal preparados e com uma formação pessoal pouco consistente podem ter o seu futuro comprometido por falta de informação e formação. É, pois, necessário, que o jovem reconheça a sexualidade integrada num conjunto de valores para a realização e desenvolvimento pessoal, onde se encaixam os sentimentos, os valores, as atitudes e os afetos. É necessário que adquira aptidões de autonomia e comportamentos responsáveis na busca da confiança para a resolução das dificuldades, descobrindo o valor da sexualidade e refletindo sobre o significado que ela tem na sua vida. É urgente a formação dos jovens sobre a sexualidade, para que haja uma mudança de atitude perante a ausência de conhecimentos nesta área. PROPOSTA DE SOLUÇÃO A vivência da sexualidade merece ser tratada com atenção e delicadeza, respeito e responsabilidade, pois, se for mal orientada, se não for orientada no sentido do amor humano autêntico, pode ser fonte de sofrimento. Os jovens têm de aprender a conduzir os seus desejos e possuir capacidade para escolher a alternativa mais conveniente para o seu desenvolvimento pessoal. 199 Apesar das certezas e incertezas, do consensual e não consensual, a educação da sexualidade deve ser objeto de intervenção pedagógica estruturada, intencional, assumida pelas escolas e por toda a comunidade escolar. É, então, necessário definir claramente os objetivos da educação da sexualidade, aferir e aumentar os conhecimentos, preparar um programa e treinar capacidades pedagógicas. Para assegurar estes objetivos, as atividades desenvolvidas com grupos pequenos, onde seja possível a participação ativa dos alunos, é a metodologia mais adequada. A partir daqui, pode‐se partilhar a informação, clarificar e adquirir valores e atitudes e treinar competências específicas. Para verificar a eficácia em termos de mudanças, é necessário avaliar o alcance dos objetivos, o grau de satisfação em relação à informação, à mudança de atitudes, ao conhecimento adquirido, à forma como se desenrolam as participações dos intervenientes. Sem uma avaliação constante, não se pode ver o grau da mudança, o que modificar, o que aprofundar. PLANO DE AÇÃO A educação sexual tem como objeto uma área complexa e sensível dos comportamentos e das relações humanas. Todos os intervenientes: pais, alunos e professores, têm uma experiência baseada em conhecimentos certos e errados. É necessário desenvolver ações que ajudem e apoiem o jovem ao longo de todo o seu desenvolvimento físico, emocional, cultural, moral e espiritual. Que o ajude a desenvolver o sentido do valor e da dignidade da vida humana. Que o oriente na aquisição de aptidões de autonomia e comportamentos responsáveis que lhes permita ultrapassar com confiança e sucesso as dificuldades com que se depara. Que o oriente na apropriação de valores e na formação de atitudes, na aquisição de conhecimentos fidedignos sobre a sexualidade, nomeadamente sobre o funcionamento e as transformações do corpo feminino e masculino ao longo da vida. O plano de ação centrar‐se‐á nos alunos do terceiro ciclo por serem aqueles que já revelam alguma maturidade e onde os problemas relacionados com a sexualidade despertam com mais intensidade. OBJETIVOS Neste sentido, este projeto tentará dar resposta aos seguintes objetivos: ‐ reconhecimento de que a sexualidade, como fonte de prazer e de comunicação, é uma componente positiva e de realização no desenvolvimento pessoal e nas relações interpessoais; ‐ valorização das diferentes expressões da sexualidade nesta faixa etária da adolescência; ‐ respeito pela pessoa do outro, quaisquer que sejam as suas caraterísticas; ‐ respeito pelo direito à diferença; 200
‐ reconhecimento da importância da comunicação e do envolvimento afetivo e amoroso na vivência da sexualidade; ‐ reconhecimento de que a autonomia, a liberdade de escolha e uma informação adequada são aspetos essenciais para a estruturação de atitudes responsáveis no relacionamento sexual; ‐ recusa de formas de expressão da sexualidade que envolvam manifestações de violência; ‐ promoção da saúde dos adolescentes no campo sexual; ‐ conhecimento do corpo como parte de si. METODOLOGIA A metodologia a usar deve estar adaptada à fase de desenvolvimento psicossexual. Os interesses e necessidades dos rapazes e raparigas da mesma idade são diferentes e devem ser encarados de forma diferente. Os temas de interesse podem variar em cada ano escolar e ao longo do mesmo. A intervenção direta, através da participação no processo ensino/aprendizagem é a metodologia mais adequada. A estratégia mais adequada deve investir em atividades desenvolvidas no âmbito da turma com a participação ativa dos alunos, num clima geral de diálogo construtivo. A metodologia de aprendizagem ativa implica sempre a participação de dois intervenientes: o aluno que é o principal agente da sua aprendizagem e que deve ser capaz de construir o seu próprio conhecimento, nas suas diferentes dimensões – cognitiva, emocional e comportamental. O professor tem o papel de o apoiar e acompanhar nesse processo de construção, estando atento e fornecendo‐lhe os meios e os recursos necessários para a construção do seu processo de aprendizagem. Pode recorrer‐se a uma larga gama de metodologias ativas e participativas com três objetivos fundamentais: ‐ partilha de informação depois do trabalho de pesquisa; ‐ clarificação e aquisição de valores e atitudes; ‐ treino de competências específicas. Este trabalho pode ser desenvolvido em pequenos grupos, recorrendo à utilização de várias técnicas: ‐ técnicas de descontração; ‐ brainstorming; ‐ fichas de trabalho; ‐ recolhas documentais; ‐ jornais de parede; ‐ discussão de casos; ‐ dramatização e trocas de papeis; ‐ jogos de desenvolvimento pessoal. 201 INTERVENIENTES Os pais são os primeiros e os principais responsáveis pela educação dos filhos e, em princípio, os seus modelos, até na vida amorosa. Por isso, devem fazer parte deste projeto, até porque a escola não pode ultrapassar as opções educativas defendidas pela família. A escola só cativará os pais se lhes der oportunidade de participação e envolvimento no processo. Terão um papel muito importante se forem motivados e envolvidos, porque só assim motivarão os alunos e os professores. Se toda a comunidade estiver envolvida o projeto avança, porque têm todos o mesmo objetivo. Então que papel compete aos pais? Acima de tudo um papel de vigilância e de diálogo. Vigilância das atitudes dos educandos e diálogo com eles, com os professores e com as estruturas da escola. Também têm o papel de comunicador de experiências e de vivências que podem ser úteis no processo de aprendizagem dos alunos. Os professores possuirão o papel fundamental, porque serão eles que acompanharão os alunos no evoluir da aprendizagem e que supostamente estarão mais bem preparados para esta tarefa. Aos professores exige‐se que conheçam a legislação aplicável ao domínio da sexualidade. Que estabeleçam os objetivos e os conteúdos das atividades a desenvolver. Que tracem as linhas de atuação e definam a respetiva calendarização. Que invistam na sua formação a nível de conhecimentos e a nível de competências éticas, afetivas, relacionais, de comunicação e de metodologias participativas. A eles compete uma cuidada planificação, execução e avaliação das atividades, bem como a produção e a seleção criteriosa de meios pedagógicos auxiliares apropriados. Os profissionais de saúde também serão chamados a participar no projeto, não será uma participação constante, mas poderão ser chamados sempre que a temática a abordar se enquadre dentro dos seus conhecimentos, nomeadamente na realização de ações sobre a saúde sexual. Poderão ser realizadas parcerias com instituições ou organismos que possam colaborar no desenvolvimento do projeto. Os alunos são os intervenientes por excelência. Eles são o sujeito e o objeto do processo da aprendizagem e devem ser motivados para a sua participação, usando pedagogias cativantes e participativas. Outros membros da comunidade escolar poderão dar o seu contributo. Recursos Os recursos utilizáveis poderão ser, entre outros: revistas temáticas, folhetos, desdobráveis, vídeos, livros, Internet. Todos os materiais pedagógicos que se enquadrem na área da educação sexual poderão ser usados. 202
Calendarização O projeto tem a sua aplicação em alunos do terceiro ciclo, desenvolvendo‐se, por conseguinte, durante três anos ( 3º ciclo). Numa primeira fase e no início de cada ano letivo será elaborada a planificação dos conteúdos programáticos a desenvolver durante o ano. No final de cada ano letivo será feito o relatório da avaliação do desenvolvimento do projeto. Como sugestão poderão ser abordados ao longo do ciclo temas relacionados com a sexualidade na adolescência: caraterísticas da sexualidade na adolescência; noção de sexualidade; eu e os outros; orientação sexual; a família, a contraceção; doenças de transmissão sexual; abusos sexuais, o namoro. Proposta de Avaliação A avaliação deve centrar‐se nos objetivos propostos. É importante que a todo o momento se avalie o impacto das intervenções. As atividades devem ser monitorizadas de modo a que não se afastem dos objetivos estabelecidos. Após a sua conclusão deve ser verificado em que medida foram alcançados os objetivos pretendidos e identificar as causas de eventuais fragilidades para as corrigir. A avaliação nem sempre se pode traduzir em aspetos quantificáveis. Sendo este projeto qualitativo, não podemos contar com a avaliação quantitativa. Toda a avaliação deve distinguir múltiplos planos (atitudes e valores, conhecimentos, aptidões e comportamentos manifestos). Deve ser centrada sobre as mudanças de nível pessoal e não em meros dados estatísticos. Os encarregados de educação poderão verbalizar a mudança de atitude dos seus educandos, nomeadamente na abordagem de assuntos de cariz sexual no ambiente familiar, revelador de uma abertura para o tema. Outro aspeto a analisar será a adesão ao projeto: boa adesão corresponde a interesse pelo projeto. Também os alunos poderão dar informações sobre o andamento do projeto a partir do modo como abordam os temas com naturalidade, de uma forma adequada e responsável, respeitando as opiniões dos colegas, sabendo argumentar para sustentar as suas opiniões. O professor deverá ser o responsável pela avaliação, em parceria com a equipa do projecto, a partir de fichas de auto e heteroavaliação, da observação de comportamentos, da mudança de atitudes e da adesão dos participantes. Poderá dizer‐se que o projeto teve sucesso se os resultados alcançados não se afastarem dos objetivos anteriormente definidos. As grelhas de observação serão úteis na obtenção de dados. 203 BIBLIOGRAFIA DIAS, Alda Maria e al. Educação da Sexualidade no dia‐a‐dia da prática educativa. Braga, Edições Casa do Professor, 2002. DIAS, Alfredo, HAPETIAN, Isabel, Projectos de Turma, Guia mensal para professores e educadores. Colecção Educação Hoje, Texto Editora. 1996 FRADE, Alice e al. Educação Sexual na Escola, Guia para professores. Formadores e Educadores, Lisboa, Texto Editora. 2001 SANTOS, Ana Cristina e al. Educação da Sexualidade na Escola. Lisboa, Didáctica Editora. 2001 VAZ, Júlio Machado, coord., A Educação Sexual na Escola. Lisboa, Universidade Aberta. 1966. 204
A RESISTÊNCIA DOS PROFESSORES À EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE, NA ESCOLA Natércia Daliana Leite da Silva 1. INTRODUÇÃO O tema da educação para a sexualidade, na escola, relaciona‐se, diretamente, com a formação das novas gerações, e por isso não pode deixar de ser especialmente considerado. Desde logo, diretivas e organismos internacionais responsáveis, como a Unesco, têm visado melhorar a educação para a sexualidade, das crianças e dos jovens, considerada, em muitos casos, pelo menos "inadequada” (Jornal ‘i’, 28.08.2009). No Relatório intitulado Princípios Internacionais sobre Educação Sexual (Unesco, 2009), são focadas, como áreas a privilegiar: as relações pessoais, os valores, as atitudes e as qualidades, a cultura, a sociedade e as leis, o desenvolvimento humano, os comportamentos sexuais e a saúde sexual e reprodutiva. Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem‐se empenhado em esclarecer, generalizadamente, conceitos da área da saúde, como o de sexualidade, sexo, direitos e deveres envolvidos, procurando fazer com que a compreensão desses aspetos seja um primeiro passo para a implementação de práticas eficazes. Com ‘informação’ e ‘formação’, defende a OMS, será possível, se não resolver de todo os problemas, pelo menos atenuá‐los (OMS, 2000), numa intervenção em consonância com as instituições educativas e a cultura de cada país e região do mundo. Entre nós, desde logo a Constituição da República (art.º 73) garante o acesso de todos à educação, realizada através da escola, nos mais diversos sentidos – e para isso contribui, profundamente, a educação para a sexualidade. Depois, a Lei de Bases do Sistema Educativo (versão consolidada com a Lei nº 49/2005, de 30 de Agosto) determina que “os planos curriculares do ensino básico incluirão, em todos os ciclos, e de forma adequada, uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componente, entre outras, a educação sexual e a educação para a saúde (art.º 50, n.º 2). Na sequência disto, foram publicados diplomas legais que concretizam essas determinações, tendo o Ministério da Educação (ME) produzido normativos, visando a regulamentação, neste domínio, e a promoção da saúde sexual, através das escolas. No Relatório Final elaborado pelo Grupo de Trabalho de Educação Sexual (GTES), para o ME, recomenda‐se, entre outros aspetos, que a educação para a saúde seja obrigatória, em todas as escolas, integrada no seu projeto educativo e dinamizada por professores especializados e formados; que seja estabelecida colaboração com instituições e organismos da especialidade; que sejam abrangidas as áreas da 205 alimentação e da atividade física; que se aborde o consumo de substâncias psicoativas, tabaco, álcool e drogas; que se trate da sexualidade e das infeções sexualmente transmissíveis, especialmente a Sida (GTES, 2007, pp.4‐
5). Também as orientações curriculares, a nível nacional, têm traduzido esta realidade. Nelas, se incentiva a educação sexual, nas escolas, se definem os objetivos a perseguir e os conteúdos científico‐curriculares a considerar, se sugerem metodologias de ensino a praticar e processos avaliativos a aplicar – de modo que os jovens, também a este nível, sejam compreendidos, orientados, educados (Pereira & Freitas, 2001, pp.34‐35). Consciente destas realidades e da sua relevância, na formação das crianças e dos jovens, propomo‐
nos, neste trabalho, focalizar a educação para a sexualidade, na escola. E fazemo‐lo sob uma perspetiva especial: a da ‘resistência’ dos professores perante a necessidade de ela aí ser focalizada. O problema que suscitamos é o seguinte: se os professores diretamente envolvidos em matérias das ciências naturais e da biologia não evidenciam, por regra, dificuldades na assunção da necessidade de tal tratamento, será que o mesmo se pode dizer relativamente às outras áreas disciplinares? Sabemos que, por exigência social/formativa e determinação normativa superior, não é apenas aos professores da especialidade que é devido o envolvimento nas questões da educação para a sexualidade, na escola. Sendo esta, reconhecidamente, uma área de grande impacto e transversal aos currículos, importará que todos os professores (e não apenas os de ciências naturais e biologia) se envolvam, empenhadamente, nela, se sintam motivados e sejam devidamente formados e acompanhados para a exercer. O que pensamos, e nos é dado a conhecer pela realidade, é que, muitas vezes, não é isso que acontece, verificando‐se, por parte de professores e escolas, tomadas de posição de resistência, a este nível. É essa a hipótese de trabalho que formulamos, para a nossa investigação, procurando compreender mais aprofundadamente o problema. Dentro das limitações de espaço que aqui nos são impostas, desenvolvemos esta temática, tomando como referência um questionário que elaborámos e passámos a professores, para conhecermos o seu entendimento sobre conceções e práticas, no âmbito da educação para a sexualidade, sobre as quais refletiremos e procuraremos retirar conclusões. 2. A EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE: OS CONTRIBUTOS DA SOCIEDADE, DA FAMÍLIA E DA ESCOLA Como refere Fernando Salvater, “não basta nascer para se ser homem: é também necessário aprender” (Salvater, 2006:45). E continua esse autor: “a genética predispõe‐nos a que nos tornemos humanos, mas só por meio da educação e da convivência social conseguimos, efetivamente, sê‐lo” (idem, ibidem). Assim acontecendo com a educação, em geral, assim não pode deixar de acontecer com a educação para a sexualidade. 206
A educação para a sexualidade reveste‐se, no mundo de hoje, de grande importância e complexidade. Vivemos num mundo marcado por constantes apelos sexuais (através da rádio, da televisão, da internet, do cinema, da imprensa…), daí decorrendo perigos a que a infância e a juventude poderão, sem ajuda, não saber resistir. Além disso, há a tendência para reduzir a sexualidade a aspetos particulares. Está nesse caso a transmissão de meros conceitos ou informações. Embora a educação sexual envolva conceitos e informações, ela não se pode reduzir a isso, devendo implicar a consideração de dimensões muito mais amplas, como opções, atitudes, sensibilidades, toda a personalidade humana (Conti, 1976, 118‐119). Está, também, nesse caso, a consideração da saúde reprodutiva, que a Organização Mundial de Saúde define como “um estado de completo bem‐estar físico, mental e social em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e processos, e não a simples ausência de doença ou enfermidade” (CIPD, 1996, p.57). Embora se trate de um conceito muito importante (idem, ibidem) e se incluam, nele, direitos essenciais, como o direito à informação, o acesso ao planeamento familiar, o entendimento da saúde sexual com a finalidade de “melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais"…, o certo é que a sexualidade humana também não se esgota nisso. Está, ainda, nesse caso a consideração das doenças sexualmente transmissíveis, os comportamentos de risco, a violação dos direitos individuais relacionados com o corpo, as transgressões à lei a esse nível, as interferências culturais e ético‐religiosas que acompanham a existência dos indivíduos e afetam a sua sexualidade… que são áreas importantes e difíceis, que, exigem cuidados especiais, mas às quais também não é possível reduzir a sexualidade. A Organização Mundial de Saúde definiu a sexualidade como “uma necessidade básica e um aspeto inerente à realidade de ser humano que não pode separar‐se de outros aspetos da vida” (OMS, 2000, p.50). Segundo essa instituição, a sexualidade “é a energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade” (idem, ibidem), e interfere “nos pensamentos, nos sentimentos, nas ações, nas interações e, por essa via, sobre a nossa saúde mental e física”. A mesma instituição acrescenta que a sexualidade se reporta aos “significados individuais e sociais do sexo”, “para além dos seus aspetos biológicos”, afetando “elementos complementares da nossa natureza sexual” (idem, ibidem, p.9), e que “a capacidade humana para entender e atribuir significados, tanto simbólicos como concretos, a experiências e conceitos constitui a força de vinculação da sexualidade” (idem, ibidem). Por aqui se vê que a sexualidade humana, se possui uma envolvência genital, fisiológica, vai muito além dela, implicando outras linguagens, como a linguagem afetivo‐sexual e a linguagem afetivo‐sexual‐
espiritual (Puerto Pascoal, 2009, pp.14‐20). 207 E tudo isto desencadeia responsabilidades acrescidas, para a sociedade, a família e a escola. E se a sociedade e a família têm um importante papel a desempenhar (Jordan, 1974, p.9 e p.13), um papel especial (delegado nela pela sociedade e pela família) está reservado aos professores e à escola. Mas, na escola, a educação para a sexualidade não poderá ser confiada apenas aos professores da área específica da saúde (ciências naturais e biologia), mas a todos os professores – porque se trata de uma área transversal, e de educação, e todos os professores, e toda a escola, tem o dever de educar. Se o tratamento das questões da sexualidade, na escola, tem uma componente científica e de fundamentação, tem também uma outra de formação, e, como tal, o seu tratamento torna‐se extensivo a todos os professores. Compete, assim, a todos os professores, sem preconceitos nem deformações, mas sempre por uma via positiva, observando, refletindo, compreendendo, intervindo (Cholette‐Pérusse, 1974, p.10), completar e reforçar o papel da sociedade e dos pais neste importante domínio de formação. E se a sociedade e os pais sentem dificuldades na educação para a sexualidade das crianças e dos jovens, o mais natural é os professores não lhes ficarem atrás (Conti, 1976, pp.112‐113). Essas dificuldades podem ser de vária ordem, e prendem‐se, em linhas gerais, com a desmotivação, a falta de formação específica, os valores pessoais e os entendimentos particulares assumidos acerca das realidades envolvidas (Dias, et al., 2002, p.14). Da educação para a sexualidade farão parte, além de uma adequada focalização terminológica e conceptual, aspetos como (Vilaça, 2006, p.4): “promoção de comportamentos que ajudem os indivíduos a adquirirem resultados positivos e a evitarem resultados negativos”; “utilização de experiências de aprendizagem”, incluindo “o acesso a informação apropriada para a idade, suporte motivacional e oportunidades para desenvolver as competências necessárias para a harmonização sexual dos indivíduos para terem relações interpessoais satisfatórias”; capacitação dos “indivíduos, os pares, as famílias e as comunidades, para desenvolverem conhecimento, motivação e competências comportamentais necessárias para aumentarem a saúde sexual e evitarem os problemas relacionados com a saúde sexual”; manutenção de “um diálogo aberto que respeite as crenças individuais” – e os professores devem preparar‐se (ser preparados) para tratar tudo isto. Exercida sem falsos moralismos, ainda que sem ignorar a moral (Puerto Pascoal, 2009, pp.12‐13), a educação para a sexualidade, a praticar na escola, deverá contribuir para dotar cada criança e jovem de uma “personalidade autónoma” (Valinieff, 1975, p.50), equilibrada, abrindo portas para a formação de adultos integrados e realizados, “capazes de amar, em todos os sentidos da palavra” (Cholette‐Pérusse, 1974, p.9). Por isso a educação para a sexualidade é tão importante e justifica todos os investimentos que, pela sociedade, pelas famílias e em especial pela escola, nela sejam feitos. 208
3. NORMATIVOS LEGAIS, AFETANDO A EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE, NA ESCOLA São diversos os instrumentos legais publicados sobre educação para a sexualidade, que envolvem, direta ou indiretamente, a função da escola. Refiramos alguns dos principais, que são importantes, não apenas pelos conteúdos que veiculam, mas ainda por apresentarem propostas de intervenção que se poderão revelar muito úteis no trabalho dos professores. ‐ Lei n.º 3/84, de 24 de Março – Educação Sexual e Planeamento Familiar. Aí se pode ler, para além de diretivas sobre planeamento familiar, que “o Estado garante o direito à educação sexual como componente do direito fundamental à educação” (n.º 1 do art.º 1), e que “os programas escolares incluirão, de acordo com os diferentes níveis de ensino, conhecimentos científicos sobre anatomia, fisiologia, genética e sexualidade humanas, devendo contribuir para a superação das discriminações em razão do sexo e da divisão tradicional de funções entre mulher e homem” (n.º 2 do art.º 2). ‐ Lei n.º 120/99, de 11 de Agosto – Reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva. Determina‐se que, “nos estabelecimentos de ensino básico e secundário, será implementado um programa para a promoção da saúde e da sexualidade humana, no qual será proporcionada adequada informação sobre a sexualidade humana, o aparelho reprodutivo e a fisiologia da reprodução, sida e outras doenças sexualmente transmissíveis, os métodos contracetivos e o planeamento da família, as relações interpessoais, a partilha de responsabilidades e a igualdade entre os géneros (art.º 2, n.º 1). Os conteúdos a tratar serão “incluídos de forma harmonizada nas diferentes disciplinas vocacionadas para a abordagem interdisciplinar desta matéria, no sentido de promover condições para uma melhor saúde, particularmente pelo desenvolvimento de uma atitude individual responsável quanto à sexualidade e uma futura maternidade e paternidade conscientes” (art.º 2, n.º 2). Nesta abordagem, será tida em conta a educação para a saúde sexual e reprodutiva, que “deverá adequar‐se aos diferentes níveis etários, consideradas as suas especificidades biológicas, psicológicas e sociais, e envolvendo os agentes educativos” (art.º 2, n.º 3). ‐ Decreto‐Lei nº 259/00, de 17 de Outubro – Promoção da educação sexual, em meio escolar. Este Decreto‐Lei, que veio regulamentar a Lei n.º 120/99, de 11 de Agosto, “reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva, fixando condições de promoção da educação sexual e de acesso dos jovens a cuidados de saúde no âmbito da sexualidade e do planeamento familiar” (do Preâmbulo). 209 ‐ Despacho n.º 19737/05, de 15 de Junho – Criação de um grupo de trabalho de educação para a saúde. Através dele, “é criado, no Ministério da Educação… um grupo de trabalho incumbido de proceder ao estudo e de propor os parâmetros gerais dos programas de educação sexual em meio escolar, na perspetiva da promoção da saúde escolar” (art.º 1). ‐ Despacho n.º 25995/05, de 16 de Dezembro – Consideração da educação para a sexualidade e para os afetos, numa dinâmica de promoção da saúde física, psicológica e social. Refere o Despacho, entre outros aspetos, que “o currículo nacional do ensino básico integra… a educação para a sexualidade e para os afetos, numa dinâmica curricular que visa a promoção da saúde física, psicológica e social” (Preâmbulo), atende às conclusões do relatório preliminar apresentado pelo grupo de trabalho, criado para o efeito, e aprova e reafirma “os princípios orientadores das [suas] conclusões… no que se refere ao modelo de educação para a promoção da saúde” (art.º 1). ‐ Despacho n.º 2506/07, de 20 de Fevereiro – Instituição das funções de docente coordenador da educação para a saúde. Neste Despacho, considera‐se que “a educação para a saúde, para a sexualidade e para os afetos” se inclui “entre as múltiplas responsabilidades da escola atual”, e por isso é instituído um docente dos 2º ou 3º ciclos do ensino básico, por agrupamento, para exercer as funções de coordenador da educação para a saúde (n.º 1), na escola. ‐ Despacho n.º 19308/08, de 21 de Julho – Define o alcance das áreas curriculares não disciplinares, no domínio da educação para a saúde e sexualidade. Este Despacho determina, entre outros aspetos, que (art.º 10), “ao longo do ensino básico, em área de projeto e em formação cívica, devem ser desenvolvidas competências” no domínio da educação para a saúde e sexualidade, ao lado de outros. ‐ Lei n.º 60/09, de 6 de Agosto – Estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar. Esta importante lei (e por isso a percorremos com cuidado), que “estabelece a aplicação da educação sexual nos estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário” (art.º 1), apresenta como finalidades da educação sexual (art.º 2): “a valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das conceções existentes na sociedade portuguesa”, “o desenvolvimento de competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade”, “a 210
melhoria dos relacionamentos afetivo‐sexuais dos jovens”, “a redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco, tais como a gravidez não desejada e as infeções sexualmente transmissíveis”, “a capacidade de proteção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais”, “o respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais”, “a valorização de uma sexualidade responsável e informada”, “a promoção da igualdade entre os sexos”, “o reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde”, “a compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos”, “a eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual”. Estabelece a mesma Lei que (art.º 3), entre outros aspetos, que a educação sexual é transversal a todo o ensino; que a definição dos conteúdos curriculares (art.º 4) será da competência do Governo; que os projetos educativos de escola (art.º 6) terão de referir, obrigatoriamente, a educação sexual; que, em cada turma, será elaborado, no início do ano escolar, um “projeto de educação sexual da turma” (art.º 7); que (art.º 8) caberá ao professor‐coordenador da educação para a saúde e educação sexual de cada agrupamento coordenar a equipa interdisciplinar de educação para a saúde e educação sexual, nele formada; que, em cada turma (n.º 5), existirá “um professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual”; que os professores não estarão isolados no tratamento destes temas e desempenho destas funções (art.º 9); que será constituído (art.º 10) um Gabinete de Informação e Apoio, em cada agrupamento de escolas, para apoio aos alunos; que a formação na área da educação sexual” (n.º 3) será sobretudo da competência dos Conselhos Pedagógicos. ‐ Portaria nº 196‐A/10, de 9 de Abril – Regulamenta a Lei nº 60/2009, de 6 de Agosto. Esta Portaria assume que (Preâmbulo), tendo a educação para a saúde subjacente “a ideia de que a informação permite identificar comportamentos de risco, reconhecer os benefícios dos comportamentos adequados e suscitar comportamentos de prevenção”, são seus objetivos centrais “a informação e a consciencialização de cada pessoa acerca da sua própria saúde e a aquisição de competências que a habilitem para uma progressiva autorresponsabilização”. São focalizadas, na Portaria, modalidades de realização, integração no projeto educativo da escola, carga horária, intervenção do pessoal docente e sua formação, modos de organização, parcerias a desenvolver. Em quadro anexo à Portaria, são apresentados os conteúdos que “podem ser” abordados nas áreas disciplinares ou nas áreas curriculares não disciplinares. Como se pode verificar, não será de normativos legais que nos encontramos carenciados. É certo que eles podem, sempre, ser melhorados; mas o que é necessário é tirar o melhor proveito dos que já existem. 211 Um ponto que merece observação é o resultante da revisão que sofreu a área de projeto, nos moldes em que existia, sobretudo a partir do ano letivo 2011‐2012 (jornal Público, de 15.07.2011; Decreto‐Lei n.º 50/2011, de 08 de Abril; Decreto‐Lei n.º 94/2011, de 03 de Agosto). E importa considerar isto, porque o Despacho n.º 19308/08, de 21 de Julho, que define o alcance das áreas curriculares não disciplinares, no domínio da educação para a saúde e a sexualidade, apresenta (art.º 10) a área de projeto e a formação cívica como vias privilegiadas para se desenvolverem competências no domínio da educação para a saúde e a sexualidade. Ora, o Decreto‐Lei n.º 94/2011, de 03 de Agosto (que republica, no seu anexo II, o Decreto‐Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro), não deixa de falar em “área de projeto” (art.º 5), embora referindo (n.º 4) que “o desenvolvimento das áreas curriculares não disciplinares… [fica à] responsabilidade… do conselho de turma, no caso dos 2.º e 3.º ciclos” e que (n.º 5) “as escolas, no âmbito da sua autonomia, devem desenvolver outros projetos e atividades que contribuam para a formação pessoal e social dos alunos…”. As alterações efetuadas no desenho curricular vieram, sem dúvida, também a este nível, exigir, dos professores, esforços e disponibilidades acrescidos. 4. CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFESSORES, NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO SEXUAL: DADOS FORNECIDOS PELA REALIDADE Partindo do pressuposto que enunciámos, pretendemos conhecer, com o fundamento e a validade possíveis, o pensamento dos professores sobre aspetos da educação para a sexualidade – para o que elaborámos, e fizemos responder, o seguinte questionário (apresentado, aqui, deste modo, por absoluta falta de espaço): 1. Numa escala de 0 a 5, que nível de importância atribui à educação sexual, na escola? 2. Numa escala de 0 a 5, que nível de importância atribui à educação sexual, no contexto educativo da disciplina que leciona? 3. Com que periodicidade são tratadas questões relacionadas com a educação sexual, nas aulas que leciona? (Em todas as aulas, Uma vez por semana, Algumas vezes por período, Às vezes, Nunca). 4. Qual é a recetividade/participação que verifica nos seus alunos perante as temáticas de educação sexual focalizadas? (Muito boa, Boa, Aceitável, Má). 5. Como considera que deve ser trabalhada a educação sexual na escola? (Como disciplina autónoma, Integrada na área de projeto e/ou em formação cívica, Partilhada por várias disciplinas curriculares). 6. Que modalidade formativa/curricular de tratamento considera mais adequada para a formação/desenvolvimento de competências, no domínio da educação sexual, por parte dos alunos? (Tratamento casual, dependendo das circunstâncias e/ou das solicitações dos alunos, Como intervenção 212
planificada, mas sem programa, Com programa nacional e intervenção planificada, Com programa a nível de escola, definido com respeito pela sua autonomia). 7. Em que moldes considera que a educação sexual deverá ser participada pelos alunos, na escola? (De participação obrigatória, De participação facultativa). 8. Que conteúdos/temas considera que deverão ser prioritariamente focalizados? (Dimensão da saúde, Dimensão da sexualidade, Dimensão da saúde e da sexualidade). 9. Como considera que deve ser avaliada a participação dos alunos, no âmbito da educação sexual? (Com avaliação/classificação autónoma, Com avaliação/classificação integrada na disciplina que leciona, Com referência qualitativa autónoma, Desligada de qualquer ato avaliativo). 10. Numa escala de 0 a 5, que necessidade de formação atualizada considera ter para o tratamento de questões relacionadas com educação sexual, na escola? O questionário foi passado a professores de duas escolas do norte do país, a lecionarem no 3º ciclo do ensino básico. Foram abrangidos 25 professores de cada escola, num total de 50 inquiridos. A escolha dos inquiridos foi feita de modo aleatório, dado que pretendíamos focalizar a globalidade dos professores e valorizar o caráter transversal que possui, na escola, a educação para a sexualidade. O questionário foi validado pela consulta a dois especialistas e a dois professores. Não se distinguiram as duas escolas, para efeitos de tratamento de dados, porque tal não foi achado relevante. Foram considerados professores de duas escolas, e não apenas de uma, para, tratando‐se de um estudo de caso (Bogdan & Biklen, 1994, pp.88‐89), se alargar a representatividade dos resultados. Os inquiridos foram considerados na sua globalidade, e no tocante ao género (15 homens e 35 mulheres) e à experiência profissional (menos de 10 anos, de 10 a 30 anos e mais de 30 anos). Todavia, por motivos de limitação de espaço, apenas apresentamos e comentamos os resultados totais. Com a 1ª e a 2ª perguntas, pretendemos conhecer a importância atribuída (numa escala de 0 a 5), pelos professores (total de 50 inquiridos), à educação sexual – na escola e no contexto educativo da disciplina lecionada. Quanto à importância atribuída, pelos professores, à educação sexual, na escola, 46% dos inquiridos referem o nível 4, e 34%, o nível 3. No nível 5, situam‐se 20%. Quanto à importância atribuída, pelos professores, à educação sexual, no contexto educativo da disciplina lecionada, 46% posicionaram‐se no nível 3, 24% no nível 2, 16% no nível 4 e 14% no nível 1. 213 Ou seja: os professores consideram de grande importância a área da educação sexual, a ser trabalhada na escola, mas já a consideram bem menos quando tiver de ser (e deverá ser) trabalhada na sua disciplina. Desde modo, estão a desvalorizar o carácter transversal que se recomenda que tenha o tratamento da educação para a sexualidade, na escola (Lei n.º 60/09, de 6 de Agosto). Ao mesmo tempo, isto pode indiciar que as disciplinas curriculares são entendidas, pelos professores, como “compartimentos”, fechadas a outras áreas da formação e do saber. Com a 3ª pergunta, pretendemos conhecer a periodicidade com que os professores tratam de questões relacionadas com a educação sexual, nas aulas que lecionam: em todas as aulas, uma vez por semana, algumas vezes por período, só às vezes ou nunca. O que obtivemos foi que ninguém o faz em todas as aulas, e uma vez por semana, apenas 2%; algumas vezes por período, fazem‐no 36%; às vezes, 44%; nunca, 18%. Predominam os professores que o fazem às vezes, 44%, e algumas vezes por período, 36%. Apesar de não revelarem grande gosto em trabalhar a educação para a sexualidade, na sua disciplina, e de tenderem a considerar pouco o carácter transversal a que ela deverá estar sujeita, a percentagem dos que o fazem às vezes e algumas vezes por período, ainda revela alguma expressão. Mas é preciso considerar que assim acontece abaixo dos 50%. Verifica‐se que a maior parte dos inquiridos não trata, com consistência, questões relacionadas com a educação sexual, nas aulas que leciona. Com a 4ª pergunta, pretendemos conhecer qual a recetividade/participação que os professores verificam nos seus alunos, quando desenvolvem assuntos da área da educação para a sexualidade: muito boa, boa, aceitável ou má. O que se verifica, pelas respostas obtidas, é que a maior parte dos alunos manifesta uma recetividade/participação boa (46%) e muito boa (26%), só 22% a revelando aceitável, e 6% má. Isto poderá querer dizer que, apesar de os professores não terem na melhor conta o tratamento de temas da área da educação para a sexualidade, nas suas aulas, e de o fazerem abaixo daquilo que seria de desejar, os alunos aderem, genericamente, muito bem às temáticas, dessa área, que lhe são propostas. Com a 5ª pergunta, pretendemos conhecer como consideram os professores que deve ser trabalhada a educação sexual na escola: como disciplina autónoma, integrada na área de projeto e/ou de formação cívica, partilhada por várias disciplinas curriculares. 214
Como resposta, obteve‐se que 40% dos professores preferem a área de projeto e/ou de formação cívica, para o tratamento dessas temáticas; como disciplina autónoma, é a opção de 36%; a partilha por várias disciplinas curriculares é referida por 24%. Ao valorizarem a área de projeto e/ou de formação cívica, os professores estão a corresponder ao que é determinado na lei (Despacho n.º 19308/08, de 21 de Julho). Se, como já foi dito, se mantém, na escola, a possibilidade do trabalho com projetos, a alteração curricular introduzida pelo Decreto‐Lei n.º 94/2011, de 03 de Agosto, como também já foi referido, não deixará de ter consequências no desempenho dos professores e das escolas, também a este nível. A preferência de 36% dos inquiridos pela disciplina autónoma e a sua tendência para a partilha, no tratamento das questões da área da educação para a sexualidade, poderão explicar‐se pela pouca vontade, manifestada por parte considerável dos mesmos inquiridos, de integrar essas questões na disciplina que lecionam. Com a 6ª pergunta, pretendemos conhecer a modalidade formativa/curricular de tratamento que os professores consideram mais adequada para a formação/desenvolvimento de competências, no domínio da educação sexual, por parte dos alunos: um tratamento casual, dependendo das circunstâncias e/ou das solicitações dos alunos; como intervenção planificada, mas sem programa; com programa nacional e intervenção planificada; com programa a nível de escola, definido com respeito pela sua autonomia. Pelas respostas dadas, verifica‐se que 42% dos inquiridos opta por um tratamento casual, dependente das circunstâncias e/ou das solicitações dos alunos. A intervenção planificada, mas sem programa, recebe a preferência de 28% dos inquiridos. O programa nacional e a intervenção planificada e o programa a nível de escola, definido com respeito pela sua autonomia, são indicados, respetivamente, por 16% e 14% dos questionados. Por aqui poderá ser inferido que os professores, na sua maior parte, desejam que o tratamento das questões relacionadas com a educação para a sexualidade seja feito sem plano nem organização prévia, poderá esta ser uma maneira de aligeirar o tratamento da temática, pelo improviso e o pouco empenhamento. Admitindo que o importante e essencial é a disciplina que lecionam, os professores parecem estar a dizer, com estes resultados, que não pretendem despender demasiadas energias, neste âmbito – com a agravante de se tratar de uma área com os melindres e a sensibilidade acrescida das temáticas que envolvem a educação sexual, e de os jovens serem, por natureza, inconformados e exigentes. Com a 7ª pergunta, pretendemos conhecer em que moldes, obrigatórios ou facultativos, consideram os professores que a educação sexual deve ser participada, pelos alunos. 215 Responderam 62% dos professores que essa participação deverá ser facultativa, optando 38% por uma participação obrigatória. Estas respostas condizem com a leitura que vimos a fazer dos resultados ao questionário, visto que, sendo a participação dos alunos facultativa, e não desejando os professores envolver‐se profundamente nesse âmbito, ser‐lhes‐á mais fácil não serem objeto das pressões que seriam inevitáveis, caso a participação fosse obrigatória. Todavia, uma leitura de valorização da autonomia e da liberdade individual, por parte dos professores e da escola, em relação aos alunos, sobretudo em área tão íntima e difícil como é a da educação para a sexualidade, será igualmente possível. Com a 8ª pergunta, pretendemos conhecer que conteúdos/temas consideram os professores que devem ser prioritariamente focalizados, no âmbito da educação para a sexualidade: a dimensão da saúde, a dimensão da sexualidade ou a dimensão da saúde e da sexualidade. Nas respostas, verificou‐se que a dimensão, simplesmente, da sexualidade não foi preferida por ninguém. A dimensão da saúde e da sexualidade foi a que recebeu mais adesões, com 92% das respostas. A dimensão apenas da saúde foi apontada por um número residual de inquiridos, 8%. A resposta prevalecente, obtida (dimensão da saúde e da sexualidade), inscreve‐se na consciência que os professores revelaram acima (pergunta n.º 1), acerca da importância da educação para a sexualidade, na escola. Os desempenhos que evidenciam, no tratamento destas áreas, podem não ser os que mais se desejam, mas isso não significa que não estejam convictos da sua importância e necessidade. Com a 9ª pergunta, pretendemos conhecer como consideram os professores que a participação dos alunos, no âmbito da educação para a sexualidade, deve ser avaliada: com avaliação/classificação autónoma; com avaliação/classificação integrada na disciplina que o professor leciona; com referência qualitativa autónoma, desligada de qualquer ato avaliativo. A opção que aponta para uma avaliação/classificação integrada na disciplina que o professor leciona não recebeu qualquer resposta. Isto reforça o ponto de vista que estamos a seguir, segundo o qual os professores não desejam ver a sua disciplina/área do saber partilhada por outra e que a educação para a sexualidade deverá ser avaliada à parte. E na verdade, isto é coerente com a preferência pela inclusão do tratamento das questões de sexualidade na área de projeto e/ou de formação cívica, acima revelada (pergunta n.º 5), que se inscrevia, até à publicação do Decreto‐Lei n.º 94/2011, de 03 de Agosto, fora do alcance das disciplinas curriculares. 216
Condizendo com o que é referido, uma avaliação ‘livre’ (desligada de qualquer ato avaliativo) recebeu 78% das respostas. A avaliação com uma referência qualitativa autónoma foi preferida por 16% dos professores questionados, e a avaliação/classificação autónoma foi pretendida por 6%. Com a 10ª pergunta, pretendemos conhecer a necessidade de formação que os professores consideram ter. Na escala de 0 a 5, proposta, 4% dos professores posicionaram‐se no nível 2; 44%, no nível 3; 46%, no nível 4; 6%, no nível 5. Ou seja: independentemente de terem já recebido, ou não, formação (o que não procurámos saber), na área da educação para a sexualidade, focalizada, os professores reconhecem sentir necessidade dela, o que pode ser uma das explicações para algumas das tomadas de posição indiciadas nas respostas às perguntas formuladas. Em suma, os professores mostram reconhecer a necessidade de a área da educação sexual ser trabalhada na escola, mas não parecem dar muito valor ao seu carácter transversal, aceitando que ela se integre na ‘sua’ disciplina. Por isso a trabalham pouco. Reconhecem, porém, que, quando o fazem, os alunos aderem, genericamente, muito bem às temáticas que lhes são propostas. Como espaço educativo para o tratamento dessas temáticas, aparecem valorizadas as áreas de projeto e de formação cívica, correspondendo, desse modo, ao que é determinado na lei (mas que corre riscos de ser afetado pelo desenho curricular em vigor). Os professores mostram desejar que o tratamento das questões relacionadas com a educação para a sexualidade seja feito sem plano nem organização prévia, o que poderá indiciar um aligeiramento no tratamento desta área. Pela opinião manifestada, a participação dos alunos deverá ser facultativa, e o trabalho desenvolvido deverá estar fora de qualquer ato avaliativo, o que reforça a possibilidade de os professores não pretenderem um grande envolvimento nesta área. Relativamente à formação, os inquiridos reconhecem que sentem necessidade dela, podendo residir aí uma das explicações para alguns dos desempenhos menos positivos, indiciados pelas respostas ao questionário. 217 5. CONCLUSÕES FINAIS Atendendo à área focalizada, em si mesma, e às circunstâncias do mundo de hoje, a educação para a sexualidade reveste‐se da maior importância. E os professores terão de assumir, no seu tratamento, a parte de responsabilidade que lhes compete, que é grande. Se dos professores de ciências naturais e biologia será de esperar um desempenho adequado, já o mesmo poderá não acontecer por parte dos professores das outras áreas curriculares, a quem, igualmente, está confiado o tratamento destas matérias, vistas pelo prisma formativo, na escola. Formulado o problema, o estudo que realizámos, ainda que sujeito às limitações naturais de um estudo de caso, permite supor que uma parte considerável dos professores portugueses não se envolverá, como deveria, na escola, na educação para a sexualidade. Perante os resultados nele obtidos, parece ser clara a necessidade de, junto dos professores, se proceder a uma aposta renovada na motivação e na formação – compreendendo esta informação, reflexão, fundamentação, debate, seleção de modos de intervir, consideração da legislação existente –, de modo a tornarem‐se capazes de responder às necessidades existentes. Por outro lado, perante a resistência que se verifica, por parte de muitos professores, no tratamento da educação para a sexualidade, poderá concluir‐se que se justifica, igualmente, um maior atendimento a estas questões, por parte dos órgãos organizativos da escola, nomeadamente o seu conselho pedagógico, coordenando, consciencializando, motivando, promovendo a reflexão e o debate, dando à área em questão a relevância que ela merece. Além disso, se é da educação que depende, em grande medida, a formação das crianças e dos jovens, em idade escolar, mas cidadãos adultos futuros, que se deseja bem formados e individualmente realizados, dos cuidados que se tiver com eles dependerá, também, e em igual medida, o desenvolvimento do país. E nesse sentido, a educação para a sexualidade, integrando‐se num âmbito educativo específico, e envolvendo a escola e os professores, mas também as famílias, as instituições e a sociedade em geral, não poderá nem deverá ser esquecida. É para esse fim que esperamos contribuir com este trabalho. BIBLIOGRAFIA BOGDAN, Robert & BIKLEN, Sari (1994). Investigação qualitativa em educação: fundamentos, métodos e técnicas. Porto: Porto Editora. CHOLETTE‐PÉRUSSE, Françoise (1974). Que é o sexo, mamã? A sexualidade explicada às crianças. Lisboa: Publicações Europa‐América. 218
CIPD – Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (1996). Relatório da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento. Brasília: CNPD/FNUAP. CONTI, Laura (1976). Sexo e educação. Lisboa: Publicações Europa‐América. DIAS, Alda Maria, et al. (2002). Educação da sexualidade no dia‐a‐dia da prática educativa. Braga: Edições Casa do Professor. GTES – Grupo de Trabalho de Educação Sexual (2007). Relatório final. Lisboa: Ministério da Educação. JORDAN, William (1974). O assistente social nas situações de família. Rio de Janeiro: Zahjar Editores. OMS (2000). Actas de una reunión de consulta convocada por Organización Panamericana de la Salud (OPS), Organización Mundial de la Salud (OMS), en colaboración con la Asociación Mundial de Sexología (WAS). Antigua Guatemala: Organización Mundial de la Salud. PEREIRA, Maria Manuela & FREITAS, Filomena (2001). Educação sexual. Porto: ASA. PUERTO PASCOAL, Cosme (2009). Educação sexual e a escola. Lisboa: Id Books, 2009. SALVATER, Fernando (2006). O valor de educar. Lisboa: Dom Quixote. UNESCO (2009).International technical guidance on sexuality education.An evidence‐informed approach for schools, teachers and health educators.Paris: Unesco [volume I]. VALINIEFF, Anne (1975). Educação sexual das crianças. Lisboa: Publicações Europa‐América. VILAÇA, Maria Teresa Machado (2006). Acção e competência de acção em educação sexual: uma investigação com professores e alunos do 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário. Braga: Universidade do Minho. 219 220
A EDUCAÇÃO SEXUAL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS PROFESSOR CARLOS TEIXEIRA Adosinda Machado, Coordenadora do projeto de educação para a saúde do Agrupamento de Escolas Professor Carlos Teixeira “No ensino básico, a educação sexual integra‐se no âmbito da educação para a saúde, nas áreas curriculares não disciplinares, nos termos a regulamentar pelo Governo.” Lei nº 60/2009, 6 de agosto Falar de Educação Sexual (ES) no contexto escolar não é fácil! Trabalhar esta temática com os alunos ainda é menos fácil, mas não é impossível e até se podem obter excelentes resultados. Este artigo não pretende desmistificar a ES, nem dar lições ou apresentar citações de estudiosos, filósofos, sexólogos, psicólogos, técnicos de saúde ou outros peritos nesta área, nem dizer qual a sua importância nas escolas, porque está mais do que provada a sua necessidade no dia a dia escolar, mas sim apresentar um pouco do trabalho que tem sido feito no Agrupamento de Escolas Professor Carlos Teixeira. Desde o ano letivo 2007/2008, que o agrupamento integra, no seu Projeto Educativo, a Educação para a Saúde como projeto, com o compromisso dos elementos da comunidade educativa e do meio envolvente. Em 2008, o Agrupamento foi selecionado como agrupamento piloto para desenvolver o Projeto Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar (PRESSE) e, assim, a ES passou a fazer parte do nosso Projeto de Educação para a Saúde, sendo definida como uma das suas áreas prioritárias, ao lado da Alimentação e Atividade física, Consumo de substâncias psicoativas e Violência em meio escolar/saúde mental. Mas qual foi o trabalho desenvolvido, perguntar‐se‐á? Na verdade, desde que iniciámos o projeto até hoje, a maior preocupação foi a formação estruturada e completa dos alunos, tornando‐os indivíduos responsáveis pelas suas atitudes e comportamentos. Partilhávamos a ideia de que saber mais sobre sexualidade evita embaraços na adolescência e leva‐a a aceitar melhor o seu corpo, evitando gravidezes indesejadas, doenças infeciosas e abusos sexuais… Quanto mais informados estão, menos vulneráveis se tornam e são capazes de tomar decisões inteligentes e responsáveis no que diz respeito ao relacionamento e comportamento sexual. Não falar sobre sexualidade às crianças, adolescentes e jovens leva‐os, quantas vezes, a procurarem informação de qualidade duvidosa! Para que esse processo começasse da melhor forma, optámos pelo princípio da formação dos docentes. Assim, através do Centro de Formação Francisco de Holanda, foram acreditadas duas oficinas de formação e um curso de formação, que decorreram em Fafe e em Guimarães. A formação permitiu a setenta docentes partilhar medos, experiências e criar ferramentas para enfrentar, com maior segurança e assertividade os desafios colocados 221 pelos alunos. Embora estas ações tenham sido acreditadas para docentes do ensino básico, no Agrupamento de Escolas Professor Carlos Teixeira, os docentes do ensino pré‐escolar também foram convidados a assistir para se envolverem no desenvolvimento deste projeto. Acresce ainda que a coordenadora do projeto realizou reuniões periódicas nas unidades de ensino pré‐escolar com o intuito de dar formação nesta área às educadoras de infância. Para complementar a formação dos professores e uniformizar procedimentos ao nível do Agrupamento, foi elaborado e disponibilizado um “Guião de Educação Sexual” com a informação legislativa, metodologias de trabalho, exemplos de atividades a desenvolver, sites e bibliografia a consultar. Este foi o primeiro passo. Mas havia ainda mais caminho a percorrer. Quando saímos do que é considerado normal no meio escolar e se entra em “algo” que, para alguns, ainda é tabu, ou é do foro da educação dos pais, há que ponderar o meio, a cultura, a religião, ou seja, toda a envolvência da comunidade. Para aferir procedimentos tiveram‐se reuniões com os pais para apresentar o projeto que se pretendia desenvolver e, ao mesmo tempo, convidá‐los a colaborar no seu desenvolvimento. Foi elaborado e disponibilizado um “Guião Informativo aos Pais” contendo a informação sobre a legislação de ES e os subtemas a serem trabalhados com os alunos. Foi também disponibilizado um “Guião Informativo ‐ A Educação Sexual nos Deficientes”. Para se manter esta estreita relação e os pais terem acesso à maior informação e formação possível foram feitas palestras e sessões de sensibilização, num total de 18 horas, durante oito dias, distribuídas pelas diferentes escolas do agrupamento, com a temática “Conhecer a sexualidade: uma questão parental”. O que se pretendia? Começar por promover uma mudança de atitudes com vista à introdução da ES nas escolas, despertar nos pais/encarregados de educação a necessidade de se co‐responsabilizarem com a formação integral dos seus educandos e desmistificar os conceitos da ES. Assim, a coordenadora do projeto e um psicólogo, ao longo destes dias de formação, nas suas deslocações às escolas, puderam conhecer as realidades escolares e sentir as dúvidas e os medos dos diversos atores educativos. Foram sempre sessões muito positivas e aliciantes, confirmadas pelo grau de satisfação e do envolvimento dos pais durante as sessões, sobretudo nos debates, onde havia sempre troca de ideias e levantamento de questões. O trabalho continuou tendo‐se num outro momento feito uma palestra sobre “Educação Sexual em Meio Escolar”, dirigida ao pessoal docente e não docente e pais/encarregados de educação de uma escola do Agrupamento ‐ EB1/JI de S. Jorge. A coordenadora do projeto e a docente universitária especializada na área da ES, doutora Teresa Vilaça, falaram do desenvolvimento psicológico da criança ao longo dos primeiros anos de vida e da sua sexualidade. Salientou‐se que esta deve ser encarada com realismo e que as crianças têm atos naturais que devem ser esclarecidos sem tabus ou medos. Foram apresentadas imagens e textos alusivos ao desenvolvimento das crianças e atitudes naturais que vão surgindo. Foram apreciados e contextualizados os temas a serem trabalhados ao longo do ano com os alunos, tendo‐se o cuidado de referir que todos eles teriam de ser abordados tendo sempre em atenção as idades dos alunos que estavam à frente de cada docente, assim 222
como sugestões do acompanhamento que deveria ser feito por parte dos encarregados de educação. Durante o discurso fez‐se questão de realçar o excelente trabalho que já estava a ser feito na escola em ES mostrando‐
se alguns diapositivos que representavam trabalhos elaborados pelos alunos, que abordavam conteúdos relacionados com a temática. Os pais/encarregados de educação decidiram aplaudir esta iniciativa e, ao longo da palestra, mostraram‐se muito ativos e preocupados com o seu papel no âmbito desta temática que, muitas vezes, lhes passa ao lado. Falar de ES com pais/encarregados de educação não tem de ser necessariamente em palestras e sessões de formação formais. Assim, resolvemos, num outro momento, trazer à escolauma peça de teatro da atriz Maria Paulos “Deixemos o Sexo em Paz”. Esta sessão decorreu à noite e esteve aberta a toda a comunidade. Não esteve uma sala cheia, mas decorreu como se estivesse! Sentiu‐se muito calor humano e a motivação da atriz era tão forte que contagiou os presentes. Os comentários de todos os que estavam presentes foram muito positivos! Nem eram necessárias palavras, pois os sorrisos e as faces deslumbrantes diziam tudo. Verificou‐se que se pode ensinar e aprender de uma forma divertida! Conseguiu‐se desmistificar muitos mitos que ainda prevalecem. Também se abordou o Bullying! Poder‐se‐á questionar qual a relação com ES e o porquê de se ter abordado. Na verdade, quando se trabalhou a orientação sexual surgiram algumas situações que poderiam ser consideradas como comportamentos situados no bullismo. Como todos saberão, é necessário “Conhecer para Prevenir”. Foi então decidido fazer‐se três sessões de três horas pois, “Pais informados, serão Pais Ativos!”. Debateram‐se os pontos principais desta temática, desmistificando um pouco o sensacionalismo que tem tido e dialogando à volta de frases como: “Bullying, uma nova problemática da Sociedade?”, “Crianças e Jovens mais violentos?” e “Bullying, um problema antigo!”. Foram notórias e grandes as dúvidas e confusões a propósito deste conceito. Os media têm vindo a deturpar, com imagens e slogans, o seu verdadeiro significado, levando a pensar que qualquer ato ocasional é sinónimo de bullying. Mais uma vez os pais/encarregados de educação corresponderam e sentiram que foi oportuno o momento para se debater esta temática e que, afinal, bullying é “um tipo de comportamento agressivo, em que um agressor intencional e repetidamente provoca danos a uma vítima mais fraca física e psicologicamente”. Chegou o momento de falarmos um pouco dos atores principais deste projeto que são os alunos e que, ao longo destes anos, têm desenvolvido um excelente trabalho na temática da sexualidade. São eles que nos fazem concluir que, apesar de todas as dificuldades, se nos empenharmos, os resultados aparecem. Então, o que fizemos? Que resultados alcançámos? Ao nível dos conteúdos foi feita uma divisão pelos ciclos tendo em conta a sua articulação com os anos de escolaridade e seguindo as normas regulamentadas pela legislação em vigor. Estes conteúdos permitiram aos alunos fazer debates, pequenas peças de teatro, canções, poemas, cartazes, panfletos informativos, escrever artigos para o jornal da escola e para a página eletrónica da escola, 223 fazer exposições para a comunidade, celebrar os dias relacionados com a temática e, sobretudo, permitir as suas interrogações e o direito às respostas das suas dúvidas mais importantes ‐ o saberem olhar‐se, conhecer‐
se respeitar‐se uns aos outros nas suas diferenças. Considerando os afetos essenciais nas relações humanas, foram sempre celebrados os dias do Pai e da Mãe, trazendo à escola a família para ver e escutar os seus filhos com os seus poemas, as suas canções e o teatro, sempre com a colaboração de docentes e dos assistentes operacionais. Outros dias importantes foram celebrados, como o “Dia dos Namorados” com a construção de árvores de mensagens, em três línguas, com as cartas aos amigos e os debates (namorar, estar, andar, curtir, flertar); o “Dia Mundial da Luta Contra a SIDA”, com informações escritas e orais à comunidade, o dialogar com pessoas que vivem situações reais, o mostrar a realidade aos jovens, o ver os adolescentes a dialogar com os mais jovens sobre o que não podem ou não devem fazer. Os alunos também tiveram direito a enriquecer os seus conhecimentos nesta temática através de palestras e de teatro. Assim, com a colaboração de duas psicólogas ao serviço do IPJ de Braga, os alunos dos 5º e 6º anos de escolaridade puderam assistir a uma palestra sobre “Sou adolescente, e agora?...”. Durante duas horas viu‐se uma plateia atenta a todos os pormenores que eram transmitidos e quando chamados a intervir eram vários os braços levantados que solicitavam a palavra. Foi mais tarde feita uma segunda palestra, pelos mesmos elementos, aos alunos dos 7º e 8º anos de escolaridade sobre a temática “A minha sexualidade”. Mais uma vez foi possível observar o interesse que os alunos revelaram pela sua atenção, a sua participação ativa e o seu agrado. Num contexto mais lúdico puderam assistir à peça de teatro “Deixemos o Sexo em Paz”, de Maria Paulos. Foram feitas duas sessões dividindo‐se os alunos do 3º ciclo em dois grandes grupos, sendo necessárias duas sessões. As duas sessões de teatro foram muito apreciadas pelos alunos e pelos professores, onde todos se divertiram e aprenderam a dialogar sobre a temática da sexualidade, sem constrangimentos. Num outro momento, a psicóloga ao serviço da escola com a colaboração da coordenadora do projeto fez uma ação de sensibilização “Violência nas relações de Namoro”. Esta ação foi dirigida aos alunos dos 8º e 9º anos de escolaridade e decorreu durante uma semana. De referir que, apesar de ser um tema atualmente bastante abordado pelos meios de comunicação, a maior parte dos alunos apresentava ainda crenças desajustadas relativamente ao que constituem atos de violência. Apresentavam‐se essencialmente focalizados na violência física, negligenciando outros tipos de violência. Revelaram não ter noção da dimensão do fenómeno entre as camadas mais jovens, sendo muitas vezes entendido como um tema que “só acontece nos casais mais velhos”. Com esta ação de sensibilização e através dos slogans e quadras elaboradas pelos discentes, pós ação, foi possível verificar que foram interiorizadas as noções debatidas sobre o tema, assim como também foram desconstruídas determinadas crenças desajustadas. Os alunos evidenciaram interesse e preocupação pela temática. 224
Poder‐se‐ia escrever muito mais, pois o trabalho desenvolvido ao longo destes quatro anos não se pode resumir em meia dúzia de páginas. Naturalmente não seria uma tese, mas daria um bom livro e, sobretudo, constituiria um bom volume de provas para comprovar a grande importância de se trabalharem temáticas que estão diretamente direcionadas aos alunos, à construção da sua identidade sexual e da sua vida. Para terminar é importante sublinhar que, no final de cada ano letivo, o Agrupamento abriu as portas a toda a comunidade para oferecer a grande “Festa da Saúde”. Uma festa com sentido pedagógico, refletida na mostra dos trabalhos desenvolvidos ao longo do ano, distribuídos pelas dezenas de barraquinhas construídas no recreio da escola, na partilha e na venda simbólica de produtos. À noite, recebemos milhares de pessoas, todos os anos, que encheram a escola para assistirem ao brilhar das luzes e ao espetáculo proporcionado pelos nossos pequenos grandes artistas em palco que, com as suas canções, músicas, danças e dramatizações, dentro da temática da ES, comunicaram saberes e transformaram o silêncio da noite em estrondosos aplausos e sorrisos contagiantes. 225 226
A TEATRALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SEXUAL EM MEIO ESCOLAR COM RECURSO ÀS TIC Cláudia Arnaud Marques, Agrupamento de Escolas Padre Joaquim Flores INTRODUÇÃO A Educação Sexual tem vindo a tornar‐se, nestes últimos anos, num motivo de debate, de controvérsia e de polarização de conceções e opiniões, reflexo das medidas legislativas relativas a esta temática, conducentes à sua introdução na escola. Ao falar de Educação Sexual estamos a falar em sexualidade e afetos, sendo estes fundamentais na formação estruturada do indivíduo, tendo a instituição escolar também uma função determinante nessa construção do ser humano, em qualidade, particularmente pela desconstrução de mitos e tabus. Educar para esses assuntos, respondendo a questões, é também ter um papel pedagógico. Urge agir neste âmbito para que se aufiram proveitos, até por uma questão de cidadania e de justiça para com os nossos jovens e adolescentes. Assim, não podemos negligenciar o papel da escola e dosprofessores como agentes educativos importantes nesta área. Educar, no seu sentido mais lato, significa criar situações de aprendizagem, pequenos espaços em que cada um se sinta implicado e possa, assim, tornar‐
se individualidade. A ideia da dinamização de um clube de teatro escolar e de uma peça de teatro educativa aliada às Tecnologias de Informação e Comunicação, cuja temática se prende com a Educação para Saúde e Sexualidade, em particular, surge a partir da ligação de alguns elementos – professores – ao mundo das Artes de Palco, atividade já desenvolvida com alunos do agrupamento ao longo de três anos consecutivos, com temáticas diversas. Associar a experiência adquirida na arte cénica à atividade docente, valendo‐se das mais‐valias das Tecnologias da Informação e Comunicação, aplicadas em contexto escolar, foi e é condição motivadora para a implementação deste projeto a que nos propomos dar continuidade. Na realidade e quanto a nós, uma peça de teatro nunca deve ser algo acessório, encenada apenas para uma apresentação pontual ou meramente festiva. Similarmente, a enorme e observável dificuldade de abordagem do tema em contexto de sala de aula e a originalidade intrínseca da temática (a teatralização da Educação Sexual) que, conjeturamos, dê novo alento aos desgastados projetos em contexto escolar, por um lado, e a escassez nas nossas escolas de projetos que superem as limitações dos tradicionais projetos “um professor da turma ‐ a turma” por outro, constituíram a motivação necessária para avançarmos com a criação e implementação desta peça de teatro educativa, suportada por algumas ferramentas da Web,na Escola onde trabalhamos. Por outro lado, os meios que utilizamos são, quanto a nós, entendidos como ferramentas com potencial de uso educativo, que oferecem aos alunos ambientes de trabalho, onde podem servir‐se das suas 227 habilidades para desenvolver vários níveis de capacidades e facilitar a expressão e a criatividade, levando‐os a aprender fazendo. Neste sentido, podemos dizer que estas ferramentas sustentam e promovem o desenvolvimento dos processos cognitivos dos alunos de forma excecional, pois exploram potencialidades bem distintas daquelas que os recursos tradicionais, como o lápis e o papel, propiciam. Consideramos relevante mencionar que este projeto, com as características supramencionadas, é pioneiro nas escolas do concelho onde se situa a nossa instituição (Fafe) e, pelo que nos é dado conhecer, praticamente único nas escolas dos ensinos básico e secundário do país. A peça de teatroSexu@l(idades), apresentada no âmbito do Projeto de Educação para a Saúde e Sexualidade, teve a sua estreia no ano letivo 2010/2011, tendo sido idealizada, criada e escrita pelo grupo de professores, com a colaboração dos alunos, do Clube de Teatro Escolar da Escola EBI/JI Padre Joaquim Flores, Revelhe. Os discentes integram turmas do oitavo e nono ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os doze e os quinze anos. Aliada à construção cénica de palco surge a parte multimédia de som e imagem, com a projeção de vídeos, imagens fixas e música. Procedeu‐se, previamente, a um trabalho de pesquisa de informação em livros, revistas, filmes, documentários e sites temáticos, para a produção de um texto dramático coadunado com a temática. A peça consentânea com a cenografia digital resultou, pois, de uma criação coletiva, em que toda a dramaturgia é da autoria dos professores dinamizadores do Clube. O Clube de Teatro aceitou o convite e apresentou a peça (com a duração aproximada de quarenta e cinco minutos), noutras escolas, como a Escola EB 2,3 Dr. Flávio Gonçalves, da Póvoa de Varzim, tendo desenvolvido esforços logísticos, conciliando disponibilidades de alunos e professores, para responder ao desafio proposto. No final do ano letivo, o teatro teve como espetadores privilegiados, encarregados de educação, professores, funcionários e elementos da direção da nossa instituição e, ainda, representantes da equipa de saúde escolar do centro de saúde de Fafe. A apresentação da citada peça ao público escolar recebeu críticas bastante objetivas e construtivas, e teve a finalidade, para além de outras, de mostrar que a Educação Sexual pode ser apresentada “(…) como um aspeto de educação afetiva com influências na formação da personalidade, na socialização e na escolha de um conjunto de valores morais e pessoais” (Fuste, 1989, p.84). Porque educar para a sexualidade ou educar para uma sexualidade responsável transpõe o mero processo de transmissão‐receção de conteúdos: 228
“A sexualidade abrange também a reprodução, os aparelhos reprodutores, a fecundação, a gravidez e o parto, a maternidade e a paternidade. No entanto, a sexualidade pode trazer sensações desagradáveis como sejam as gravidezes não desejadas, que na maior parte das vezes levam ao aborto clandestino feito em condições impróprias, que por vezes acabam por prejudicar a mãe, o aparecimento de doenças sexualmente transmissíveis, que acontece na maior parte das vezes por falta de informação” (Who, cit. Frade, Marques, Alverca & Vilar, 1999, p. 17). FUNDAMENTAÇÃO PARA A ABORDAGEM DA TEMÁTICA EM FORMATO TEATRALIZADO O Homem, desde sempre, demonstra a sua necessidade de representar, declarando os seus sentimentos, as suas tristezas, angústias e alegrias. Inicialmente,fazia‐o para exaltar e glorificar os deuses, depois, criando atividades dramáticas culturais, encenadas por diversos povos. Ofacto é que, desde tempos remotos, o teatro faz parte das nossas culturas. Desde Platão que, na civilização ocidental, o teatro é abordado com o propósito de educar. Factualmente, ações de expressão dramática eram estudadas suportando valores didáticos, ou seja, o teatro encarado como contributo para a formação da personalidade do Homem. Esta arte cénica foi, indubitavelmente, um marcante instrumento educacional, nos tempos de Platão e Aristóteles, na medida em que difundia o conhecimento e representava para o povo o único prazer literário disponível na época. A palavra "teatro" deriva do grego "théatron" (θέατρον, teatro, lugar de reunião), lugar de ver, ver o mundo, do indivíduo se ver no mundo e de se perceber, de perceber o outro e a sua relação com este. Dessa forma, de acordo com a visão pedagógica, o teatro tem a função de mostrar o comportamento social e moral, através da interiorização e construção de valores e do bom relacionamento entre indivíduos, da partilha de saberes e experiências. A expressão artística, desde as artes visuais como a Fotografia, o Cinema, a Pintura e o Design, até às artes de palco ‐ como o Teatro ou a Dança ‐, passando pela Música e Literatura, sofreram transformações significativas com o surgir de novas ferramentas inovadoras, fruto do crescente desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação. Encontrando‐se estas tecnologias, hoje, facilmente acessíveis, quer na escola quer em casa, parece‐
nos ser indispensável que os professores não desenvolvam as suas atividades escolares à margem das mesmas, pois, quanto a nós, uma articulação entre as TIC e a Expressão Artística de Teatro poderá ser profícua e fecunda e proporcionar excelentes resultados no uso, desenvolvimento e aprendizagem das tecnologias por parte de professores e alunos (Conferência Nacional de Educação Artística, 2007). Vigotsky (1978), refere que o conhecimento é socialmente construído, na extensão das relações humanas. Essa suposição tem por base, o desenvolvimento do sujeito como resultado de um processo socio‐
histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria vista 229 como histórico‐social. Este processo acontece na relação com o outro, nas trocas, onde o professor, aprimorando a sua prática, constrói, consolida, fortalece e enriquece a sua aprendizagem. Porém, trabalhar teatro na escola, não é meramente fazer com que os alunos assistam a peças, mas também e primordialmente, que colaborem na sua idealização, conceção,preparação e representação. Tal inclui uma série de vantagens óbvias para o aluno: aprende e desenvolve a capacidade de improviso; desenvolve a competência da oralidade, da expressão corporal e da colocação de voz; aprende a interagir com as pessoas; desenvolve o vocabulário; trabalha o lado emocional; otimiza a pesquisa; estimula e desenvolve a redação; trabalha a cidadania, a ética, os sentimentos e a interdisciplinaridade; incentiva a leitura pelo contacto com textos, obras, fábulas e reportagens; ajuda a desinibir e a adquirir autoconfiança; desenvolve o trabalho colaborativo; possibilita a descoberta de habilidades adormecidas e ainda estimula a imaginação e a organização do pensamento. Quando um jovem aluno encarna uma personagem, dramatizando uma situação ou toda uma conjuntura, revela uma parte de si próprio, mostrando como sente, pensa e vê o mundo. Deve privilegiar‐se, desde o início, o trabalho do ator, de modo a que cada aluno‐intérprete se sinta plenamente confortável “na pele” do seu personagem. É uma atividade artística que lhe permite expressar‐se, explorando praticamente todas as formas de comunicação humana. O teatro propicia o ampliar das perspetivas e horizontes de cada aluno, melhorando a sua autoimagem, tornando‐o mais crítico e aberto para o mundo em que vive. São incontáveis as vantagens de se trabalhar o teatro em meio escolar, não existindo, praticamente, temas impossíveis para o teatro dos dias de hoje, assim como não há uma temática preferencial. O teatro na escola vislumbra‐se como estratégia de ensino, sendo encarado como um processo para o desenvolvimento das atividades do currículo ou como oficina de apoio às atividades curriculares. Conforme diz Mbuyamba (2007), a UNESCO sustenta que a Educação Artística pode ser um estimulante instrumento para enriquecer os processos de ensino e aprendizagem e tornar essa aprendizagem mais acessível e mais eficaz, como algumas experiências no campo da educação preventiva já demonstraram, em particular na educação sobre o HIV/SIDA. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este projeto fica patente que os alunos têm a possibilidade de trabalhar e criar conteúdos, de partilhar conhecimentos, de desenvolver novos saberes e novas experiências, trabalhando, professores e alunos, praticamente em igualdade de circunstâncias. Pelo exposto, torna‐se evidente a necessidade de os professores assumirem, cada vez mais, um novo papel em que a sua atuação resulte do estudo da realidade específica em que se movimentam. Tendo em conta os objetivos propostos, esperamos continuar a concretizar o projeto de forma a que o mesmo seja gratificante por si próprio e, também, por ser motivador de novas estratégias e experiências. 230
“Os vários episódios produzidos acabaram por proporcionar, aos alunos, novas formas de aprendizagem dos conteúdos curriculares que normalmente são falados em contexto de sala de aula. Os professores envolvidos no projeto mencionaram que a experiência foi interessante, e, mesmo até, uma estratégia de motivar os alunos para a abordagem de novos conteúdos” (Diegues, 2010, p. 138). A avaliação de todo o processo e do produto inerentes ao projeto, com a devida instrumentação e os testemunhos dos implicados, foram e continuam a ser momentos de reflexão que determinam o prosseguir do projeto nos moldes supra descritos. Visando a divulgação da atividade e a disponibilização das várias etapas dos ensaios, da recolha, seleção e tratamento de imagens, sons e músicas e, ainda, da edição da peça de teatro em si, o trabalho culminou, na sua versão final, com a colocação de um excerto de alguns dos atos da dramaturgia, no Youtube25e no site26 do agrupamento, acauteladas as devidas autorizações. Pretendemos futuramente recorrer à criação de um Blog (espaço Web) cuja estrutura, de configuração simples e direta, permitirá o registo cronológico, frequente e imediato das opiniões, emoções, factos, imagens estáticas e vídeo, áudio e outro tipo de conteúdos partilhados. O espaço criado será usado para promover e registar o percurso e desenvolvimento da peça de teatro Sexu@l(idades), para o esclarecimento de dúvidas e, ainda, para a auscultação de opiniões, sugestões e críticas construtivas. Para terminar, é nossa pretensão contribuir com uma reflexão sobre a construção de uma escola voltada para a formação de um indivíduo crítico‐reflexivo, deixando o possível contributo que o papel do teatro, aliado às Tecnologias de Informação e Comunicação, pode desempenhar no contexto escolar, sendo que o teatro é uma das linguagens do conhecimento artístico responsável por promover experiências estéticas expressivas na formação humana, desenvolvendo a reflexão crítica do indivíduo sobre o Homem e o mundo. BIBLIOGRAFIA Conferência Nacional de Educação Artística (2007). Educação Artística: conceito(s) e terminologia(s). Coimbra, Instituto Português da Juventude. Diegues, V. (2010). Educomunicação: produção e utilização de Podcasts na dinamização de uma WebRádio. (Dissertação de Mestrado em Educação, Área de Especialização em Tecnologia Educativa). Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. 25
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http://www.youtube.com/watch?v=Piq06CRnYu4 http://www.aepjf.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=133:sexualidades&catid=49:eb23pjf&Itemid=128
231 Frade, A., Marques, A.M., Alverca, C., & Vilar, D. (1999). Educação sexual naescola (3.ª ed.). Lisboa: Texto Editora. Galego, C., & Gomes, A. A. (2005). Emancipação, ruptura e inovação: o “focus group” como instrumento de investigação. RevistaLusófona de Educação, 55, 173‐184. Fuste, E. (1989). Os nossos Filhos: Guia dos pais para uma educação integral das crianças. Barcelona: Ediciones Nauta, S. A. Mbuyamba, L. (2007). Sessão de Encerramento. Conferência Mundial sobre Educação Artística: Desenvolver as Capacidades Criativas para o Século XXI. Lisboa, Comissão Nacional da UNESCO. Vigotsky, L. (1978). Mind in society – The Development of Higher Psycological Processes.Cambridge MA: Harvard University Press. ANEXO SCRIP (PARCIAL) DA PEÇA DE TEATRO SEXU@L(IDADES) Cláudia Arnaud Marques, Rui Quinteiro , Cristina Nogueira, Florinda Nogueira , Rosa Barbosa, Cena I Prelúdio Ambiente escuro e silencioso para projeção do vídeo inicial. Video: “Dull flame of desire” by Bjorg = 2’ Cena II Namoro Viola e voz: Música ao vivo tocada por três alunos: “Aqui ao luar” do grupo Xutos e Pontapés Duas sombras chinesas por trás de um lençol branco: entram em cena duas personagens (masculina e feminina), fazendo de marionetas humanas, uma manipula a outra e vice‐versa, trocando afetos, simulando o namoro, ao som da música. Depois e continuando ao som da música: quatro casais de namorados trocam carinhosamente objetos entre si … almofadas coloridas e com formato de coração. 232
Num dos extremos do palco, o narrador, omnipresente, contextualiza o namoro e observa. Faz o gesto de pedir silêncio ao público e fala em tom de surdina, como se contasse um segredo aos espectadores. Narrador: ‐ A Rita tem 14 anos e o João 15, andam aqui na escola, gostam muito um do outro e saem juntos há cerca de 6 meses. Ambos são bons alunos, gostam de praticar exercício físico e têm uma alimentação saudável e equilibrada. Quando estão um com o outro sentem‐se muito bem, falam das suas coisas, dos seus problemas e alegrias, trocam carícias tímidas (mas só se atrevem a fazê‐lo por cima da roupa)! (As personagens saem de trás do lençol branco, tomam a palavra e interagem verbalmente) João: ‐ Oh Rita, isto para mim não chega! Cortas‐te sempre!!! QUERO TER ALGO MAIS ÍNTIMO CONTIGO… todos os rapazes da minha idade dizem que já tiveram. Rita: ‐ Olha, antes demais: os rapazes da tua idade são uns gabarolas. É só garganta! Adoram gabar‐se de coisas que não fizeram, só para dar o ar de que são uns homenzinhos. Além do mais, já te disse que não quero! NÃO ESTOU PREPARADA! É demasiado cedo para isso. Para mim a nossa relação está ótima assim! João: ‐ Pois… mas para mim… (Entra a Alice, amiga da Rita e surpreende‐os. João é apresentado à amiga e mostra um ar muito interessado … depois sai desculpando‐se) Alice: Olá Rita! Rita: Olá! João, esta é a Alice. João: Olá Alice!!! És muito gira … Alice: Hum … obrigada … João: ‐ Bem… tenho aulas, depois falamos. Dá‐me um toque ou manda sms! Rita: ‐ Ok! Alice: ‐ Está tudo bem? Rita: ‐ É o João que não pára de me stressar com a mania das relações mais íntimas… Alice: ‐ Alta seca… Os rapazes só pensam nisso!? Livra! Rita: ‐ Pois … tenho medo de o perder. Não sei o que fazer! Alice: ‐ Olha amiga, se ele gostar mesmo de ti, tem mais é que te respeitar! E saber esperar. Há tantas coisas interessantes para fazer … Olha, vamos mas é ao cinema! Rita: Sim, vamos lá. (Vão saindo de cena abraçadas, enquanto a projeção da cena seguinte começa) 233 Cena III Anatomofisiologia divertida (Papel do corpo humano: projeção de imagens com sistema reprodutor masculino e feminino) Cena IV A reprodução As DST Professor Estranho Amor: professor numa aula explica a um grupo de alunos o que é o ato sexual, a fecundação e como esta se processa. Animação vídeo em projecção: início 00.48’. (alunos discutem ao estilo das lições do Tonecas) Entra em cena o Professor, com ar sério, respeitoso e muito profissional. Professor: ‐ Bom dia, meninos! Alunos: ‐ Bom dia, Professor! Professor: ‐ Têm dúvidas sobre a matéria anterior? Não? Então, como sabem, na aula de hoje vamos abordar algumas questões e assuntos relacionados com a educação para a saúde e sexualidade. Querem fazer alguma questão em particular? Aluno 1: ‐ Sim!!! Como se faz um bebé? Aluno 2: ‐ O que é um espermatozóide? Aluno 3: ‐ O que é um óvulo? Aluno 4: ‐ E a fecundação o que é?! Professor: ‐ Calma! Vamos por partes … Antes de mais é preciso uma mulher e um homem! Aluno 1: ‐ Pois é, eles fazem festinhas um ao outro e o bebé nasce! Professor: ‐ Calma aí! Não nasce logo… Aluno 2: ‐ E tem de ser bem feito! Aluno 3: ‐ Então!? Aluno 1: ‐ Sei lá! Eles deitam‐se em cima um do outro e … fazem festinhas … e depois … fazem o bebé! (risinhos…) Entra em cena, batendo à porta da sala, uma Encarregada de Educação de um dos alunos presentes (muito humilde, simples e com pouca escolaridade) e dialoga com o Professor. ‐ Interação entre professor e Encarregada de Educação 234
Entra outra Encarregada de Educação (mais sofisticada e escolarizada) e interage com o Professor, com os alunos e com a 1ª EE que já se encontra em cena. ‐ Interação entre os atores que se encontram em cena Entra uma 3ª Encarregada de Educação (de postura semelhante à da 1ª EE) e interage com o Professor, com os alunos, com a 1ª EE ‐ que já se encontra em cena – e, ainda, com o público em geral. ‐ Interação entre os atores que se encontram em cena e o público (gera‐se uma situação muito divertida e hilariante) (As Encarregadas de Educação ficam a assistir à aula e vão intervindo também) Exemplo: Falar da SIDA (vizinha e doença) EE1: ‐ SIDA?! Oh Miquelina, a SIDA é aquela nossa vizinha! Tu sabes quem é! EE3: ‐ Sei pois! É aquela que tem p’ra aí 10 filhos! Não sabe o que são preservativos! Professor: ‐ Oh minhas Sras. …Neste contexto, a SIDA é um síndrome e surge pela infecção do vírus HIV, que pode ser transmitido através de uma relação sexual sem proteção, mas não só! EE1: ‐ Ai é, Sr. Professor? E o Sr. já explicou bem isso aos meninos? Olhe que é muito importante que eles estejam bem informados e conheçam essas coisas da “vida sexxxxual”… É que sabe… foi assim que eu engravidei! Não sabia nada da vida, sabe… EE3: ‐ No nosso tempo, ninguém nos dizia nada! (E o diálogo continua entre todos) (As Encarregadas de Educação saem de cena e o professor continua a aula com os alunos) Professor: ‐ Bem, continuando… onde estávamos mesmo?! Aluno 4: ‐ Então o homem e a mulher deitam‐se um em cima do outro e … fazem festinhas! Aluno 2: ‐ Não, não é só assim, deitados! Aluno 3: ‐ Pois não! Aluno 1: ‐ NÃO?! Professora: ‐ Vamos lá ver… O pénis do homem entra na vagina da mulher. Aluno 2: ‐ Vagina?! Ai é?! Aluno 3: ‐ Então o homem e a mulher têm relações sexuais… é isso?! 235 Aluno 4: ‐ E a mulher engravida! Professor: ‐ Só se o espermatozóide entrar no óvulo, ou seja, fecundar o óvulo. Aluno 1: ‐ Ah… então esses têm que se deitar em cima um do outroooooooooooooo… Aluno 2: ‐ Quem?! O óvulo e o espermatozóide?! Professor: ‐ Nãoooo, o homem e a mulher é que têm que fazer amor. Ou seja, os óvulos estão na mulher dentro de dois ovários e os espermatozóides estão nos testículos do homem. Aluno 2: ‐ Ovários?! Professor: ‐ Sim. Os ovários têm milhares de óvulos. Todos os meses sai dos ovários um óvulo que desce por um tubo, chamado trompa de Falópio, até outro sítio chamado útero. No mês seguinte sai do outro ovário. Aluno 3: ‐ E se não for lá nenhum espermatozóide ter com ele? Aluno 1: ‐ Ou se ninguém fizer amor? Professor: ‐ O óvulo “morre” e sai pela vagina, isso chama‐se menstruação. Aluno 2: ‐ Também é na vagina que o pénis do homem tem que entrar? Aluno 3: ‐ E os bebés também saem por lá? Professor: ‐ Sim, mas só há bebés se aparecer lá algum espermatozóide. Senão, as mulheres ficam com a menstruação alguns dias e têm de usar tampões ou pensos higiénicos e todos os meses é assim. Aluno 1: ‐ Ah … mas como é que se faz amor para nascerem bebés?! Professor: ‐ Como é que te hei‐de explicar… Ora bem, como já disse, os espermatozóides estão nos testículos do homem e saem como se ele fosse fazer “xixi”. Aluno 2: ‐ Então ele faz xixi quando faz amor? Professor: ‐ Não! Não se pode fazer xixi quando se faz amor. Aluno 3: ‐ Ai não? Professor: ‐ Ora vejam … (Projeção de vídeo) Professor: ‐ Então vimos que do pénis do homem sai o esperma que contém milhões de espermatozóides e entra no corpo da mulher. Sobem pela trompa de Falópio. Aluno 1: ‐ Vão a nadar! Têm uma caudinha! Aluno 2: ‐ Parecem peixinhos. Professor: ‐ E ficam muito tristes se o óvulo não aparece quando eles chegam lá. Mas se o óvulo lá estiver, pode ser fecundado por um dos espermatozóides. E eles fazem uma grande corrida, porque só um deles é que vai poder entrar. Aluno 4: ‐ Então o espermatozóide une‐se ao óvulo? Professor: ‐ Claro! Formando o ovo ou zigoto. 236
Aluno 1: ‐ Então esse ovo é uma célula?! Professor: ‐ Sim! Vejo que começam a compreender. Essa célula vai‐se dividindo até chegar ao útero. Aluno 2: ‐ Quanto tempo demora a chegar lá? Professor: ‐ Cinco dias, desde a trompa ao útero. (Professor vira‐se para os alunos e plateia e pergunta em género de despedida: ‐ Entendido? Perceberam tudo?) (Alunos responderem em coro: ‐ SIM! E aplaudem (palmas) Cena V A gravidez (em sequência da Cena IV) Sra. Enfermeira Parteira: a história de uma gravidez (continuação da projecção vídeo) (Sai o Professor e entra a Sra. Enfermeira Parteira, de bata e touca) Diálogo entre alunos e Sra. Enfermeira Parteira (Projeção do vídeo da evolução da gravidez e tic‐tac) ‐ O tempo passa e chega o 4º mês. E o tempo passa… passa… 5º mês… e o tempo continua a passar. 6º mês! Aluno 3: ‐ Agora o pai do bebé já o sente a mexer! Sra. Enfermeira Parteira: ‐ E o tempo nunca mais passa. Já devem estar cansados de esperar. (CORO): ‐ 7º mês! Sra. Enfermeira Parteira: ‐ A cabeça do bebé vai ficar voltada para baixo. Está a preparar‐se para sair! Aluno 1: ‐ O bebé já podia nascer. Aluno 2: ‐ Há bebés que nascem ao 7º mês! Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Pois há. Mas, são prematuros. O melhor mesmo é nascer ao 9º mês. (Projeção de Filme) (Coro e alunos): ‐ E o tempo passa … oh… E continua a passar … oh… E passa … 8º mês … E… finalmente chega o 9º mês!!! 237 Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Um dia, o saco onde está o bebé rompe‐se e o líquido começa a sair. Aluno 3: ‐ O bebé está quase a querer sair! Aluno 1: ‐ A mãe está a sentir umas contracções… Sra. Enfermeira Parteira: ‐ São os músculos dela que se contraem para ajudar o bebé a sair. Quando essas contracções são muito rápidas, é porque o bebé está quase a sair e os pais vão para o hospital. Aluno 2: ‐ Também se pode ter os bebés em casa! Aluno 3: ‐ Mas tem que ser com pessoas que sabem. Aluno 1: ‐ Uma parteira, por exemplo! Aluno 2: ‐ O que é uma parteira? Sra. Enfermeira Parteira: ‐ É o que eu sou. Uma enfermeira que sabe muito de nascimentos! O pai pode ajudar a mãe a respirar de uma certa maneira, para ela sentir menos dor durante as contracções. O útero alarga e ela tem de fazer força para expulsar o bebé! Aluno 4: ‐ E não dói muito?! Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Dói um pouco, mas a vagina é elástica e alarga para o bebé passar… Aluno 1: ‐ E se o bebé não nascer naturalmente? Aluno 2: ‐ Sim… e se for muito grande? Aluno 3: ‐ Ou se estiver numa má posição? Aluno 4: ‐ Ou se houver risco para a mãe ou para o bebé? Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Os médicos podem fazer uma cesariana e o bebé é tirado pela barriga… Bem, então considerando que o parto é normal, a cabeça começa a sair … depois sai o resto do corpo, líquido e até um bocadinho de sangue. Aluno 3: ‐ O bebé está todo molhado… Aluno 1: ‐ Tem uma cor esquisita … Sra. Enfermeira Parteira: ‐ É gordura! É como um creme, senão a pele ficava toda engelhada por estar tantos meses no líquido amniótico. Aluno 2: ‐ É como os nossos dedos, quando estamos muito tempo na banheira! Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Depois com o auxílio de uma pinça cortam o cordão umbilical. (Alunos gritam, em simultâneo, cada um para seu lado): ‐ Aiiiiiiiiiii! Isso dói! Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Dói nada! Ao fim de alguns dias, o cordão cai. A seguir a mãe ainda tem mais contracções para expulsar a placenta. Aluno 3: ‐ O médico vê se ficou tudo bem. Aluno 1: ‐ Lavam o bebé e começa uma Vida nova! Aluno 4: Esperem! Mas, o bebé não chora mal nasce?! 238
Sra. Enfermeira Parteira: ‐ Chora, para que o ar entre nos pulmões! É um choro que todos gostam de ouvir! (Choro do bebé – áudio) CENA VI MONÓLOGO DO PÉNIS Mr. Condom e o monólogo do pénis: a história do preservativo narrada pelo pénis… Eu sou o pénis! Venho convidar‐vos para uma breve viagem à história tumultuosa da minha polémica existência: A minha vida não tem sido fácil … ai, ai … Na Inglaterra Vitoriana do século XIX, conservadora e austera, o povo só podia ter relações sexuais, para procriação e com o consentimento do Rei. Era feito um pedido formal ao monarca e se ele autorizasse, era colocado um letreiro na porta da casa. Ao longo da história, Portugal, sempre teve relações privilegiadas com a Inglaterra. A Rainha D. Catarina de Bragança, foi prometida em casamento aos oito anos de idade, ao Rei D. Carlos II de Inglaterra, para reforçar a aliança histórica entre os dois países. Foi uma rainha muito infeliz! Porém, levou para Inglaterra hábitos novos que ainda hoje perduram: tomar chá, comer com talheres e pratos de porcelana… Os ingleses comiam à mão e em pratos de metal. Ela, coitada, reclamava por ter sempre a comida fria. O Rei era um libertino mulherengo! Sempre rodeado de amantes, mas nada escondia… D. Catarina sabia de tudo e sofria em silêncio. Na época a Sífilis era a doença sexualmente transmissível mais mortal. E por isso, diz‐se que a Rainha, com medo de ser contagiada, chamou à sua corte um famoso médico, de seu nome Mr. Condom. D. Catarina sabia que em Portugal, desde a Idade Média, se usava a tripa de porco como contraceptivo. Assim, a Rainha pediu ao médico para aperfeiçoar esta técnica, a fim de a colocar ao serviço de Sua Majestade, o Rei. Por isso, preservativo, em inglês, se diz Condom. E desde então, em dias de festa é assim que eu me visto para impedir uma gravidez indesejada e prevenir as infeções sexualmente transmissíveis, como a SIDA ou a Sífilis, entre outras. Mas atenção! O preservativo masculino deve ser usado correctamente. É claro que existem outros métodos anticoncepcionais, mas sobre eles falaremos numa próxima vez! Posto isto, let’s party! 239 240
CARINHOS, AFETOS E EMOÇÕES ‐ A FAMÍLIA DE SILVARES Sandra Leal, Agrupamento de Escolas de Silvares O Agrupamento de Escolas de Silvares localiza‐se no extremo sul do concelho de Fafe, na fronteira com Felgueiras, e abrange as freguesias de Ardegão, Arnozela, Regadas, Seidões, Silvares S. Clemente e Silvares S. Martinho. Tem a sua sede na Escola Básica c/ Jardim de Infância de Silvares, cuja oferta educativa inclui a Educação Pré‐escolar e os 1º, 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico, e inclui as escolas básicas de Regadas, Silvares (S. Clemente) e Seidões, cuja oferta formativa é o Pré‐escolar e o 1º Ciclo do Ensino Básico. O nosso agrupamento recebe alunos desta área geográfica bastante restrita, com características sociais e económicas muito próprias. Os nossos alunos são, de uma forma geral, familiares, vizinhos ou conhecidos de todos, como se de uma grande família se tratasse. A população escolar do nosso Agrupamento é proveniente de uma comunidade que apresenta carências diversas, constatando‐se a existência de graves problemas sociais e económicos que devem resultar de um baixo nível de habilitações literárias. Nesta área de influência destaca‐se a freguesia de Silvares S. Martinho como a mais industrializada, sendo que a sua economia reside na pequena indústria têxtil e de calçado, exploração de águas, construção e agricultura. As restantes freguesias são de cariz agrícola. Esta é a nossa realidade: é com ela que nos propusemos trabalhar; é ela a base do nosso Projeto Educativo; é o ponto de partida para todas as atividades a desenvolver. A Educação Sexual está prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Cabe então à escola adequá‐la ao currículo e dividir com os pais as expectativas e os objetivos a serem construídos pela filosofia da escola, nos moldes definidos pelo Conselho Geral. Determina o Projeto Educativo do Agrupamento que, face aos problemas detetados, as estratégias de atuação assentem nas três grandes áreas de intervenção prioritárias: Sucesso Escolar, Desenvolvimento Pessoal e Saúde, indo assim a educação sexual de encontro aos segundo e terceiros pilares. Entendemos este trabalho como uma parceria com a família, que deve ser informada e (por que não?) educada para entender a sexualidade como um impulso presente em todos os estágios do desenvolvimento do ser humano. Cada professor, torna‐se um educador sexual, mas, deve trabalhar interiormente todas as questões sexuais, procurando livrar‐se de preconceitos, superando os tabus e informando‐se sempre, de forma a ser um bom orientador e um formador de valores. 241 O NOSSO PROJETO A sexualidade apresenta‐se de distintas formas, transformando‐se ao longo o tempo e com o passar dos anos. Não está conectada somente aos órgãos genitais nem tampouco à relação sexual, mas compreende uma série de processos psicológicos e físicos de sensações, sentimentos, trocas afetivas, necessidade de carinho e contacto e necessidade de aceitação. Aceitar a criança como um ser sexuado, ou seja, que apresenta uma sexualidade das mais diversas formas é um grande passo para uma educação sexual saudável e consciente. A crença na universalidade do saber científico, na objetividade e na neutralidade marcou a história no seculo XX e está na base de muitas práticas educativas em saúde. A prescrição de comportamentos tecnicamente justificados como únicas escolhas possíveis para o alcance do bem‐estar de todos os indivíduos, independentemente de sua história de vida é prática comum. Essa visão tem como finalidade convencer cada indivíduo a mudar seus comportamentos, a partir de alertas sobre os riscos para a saúde e a transmissão de informações, deixando para segundo plano, ou desvalorizando, a sabedoria prática dos indivíduos e das comunidades, suas experiencias prévias e sua situação social. Incorporamos na nossa cultura a suposição de que comportamentos que não são orientados pelos padrões científicos são insuficientes, insalubres e inadequados, constituindo os chamados comportamentos de risco. Segundo essa forma de entender a questão, correr riscos é sinal de ignorância, fraqueza, falta de interesse no cuidado de si e na aprendizagem das formas “certas” de viver que depende da transmissão de um conhecimento especializado para uma população leiga, que precisa de “desaprender” grande parte do aprendido no cotidiano da vida. Para nós, o impacto de programas de educação sexual voltados para crianças e adolescentes, aplicando estratégias de prevenção apoiadas nessa ideia pode não retardar a iniciação sexual, nem aumentar a utilização de métodos contracetivos, nem mesmo reduzir a gravidez na adolescência. Disponibilizar informação científica, embora seja um direito, não é uma verdade absoluta que orienta escolhas racionais, nem é suficiente para aumentar a liberdade de decisão individual. É necessário que sejamos capazes de dialogar com os nossos alunos, tendo em conta o seu saber prático, oferecendo elementos que façam sentido no universo cultural e nos projetos de vida deles. Desta forma, reavaliamos as potencialidades e os limites da educação sexual preventiva, questionando profundamente os seus objetivos e procurando referências e éticas mais eficazes na realização da prevenção e da educação em saúde e sexualidade. Quando se fala de sexualidade, pressupõe‐se falar de intimidade, uma vez que ela está estreitamente ligada às relações afetivas. A sexualidade, como atributo de qualquer ser humano, para ser compreendida, não pode ser separada do indivíduo como um todo. Ela é parte integrante e intercomunicante de um individuo 242
consigo mesmo e com os outros. Portanto, é muito mais do que simplesmente ter um corpo desenvolvido ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos sexuais. Trata‐se, também, de uma forma peculiar que cada indivíduo desenvolve e estabelece, para viver suas relações pessoais e interpessoais a partir de seu papel sexual. Assim, acreditamos que a sexualidade é um instrumento relacional importante, embora não seja o único, e que, partir do carinho, afetos e emoções, é a melhor forma de a transmitir. A recetividade e omanifesto interesse que os alunos têm revelado pela educação sexual faz‐nos crer que estamos a percorrer o caminho certo. Consideramos ainda que a educação sexual em meio escolar é uma oportunidade de responder à esperança de muitos pais e encarregados de educação que se esquivam do assunto quando estão com os filhos ou, pior, acreditam que falharam. Na escola, pensam eles, os professores poderão, com o saber que têm, dar a melhor orientação e as informações corretas sobre a sexualidade. Oxalá seja possível! Este projeto tem como pilar de construção a contribuição, ainda que parcialmente, duma vivência mais informada, mais autónoma e, logo, mais responsável da sexualidade na esfera dos conhecimentos, sentimentos, emoções, atitudes e competências. Desde sempre, o Agrupamento, como um todo, encarou a Educação Sexual como fundamental e alvo de atenção particular. Atividades dirigidas aos alunos, formação interna de docentes foram realizadas com persistência. A partir da publicação da Lei 60/2009, que a determina como uma área de carácter obrigatório desde o 1º ciclo do ensino básico até à conclusão do secundário, a educação sexual passa a ser encarada de forma ainda mais realista, já que incluí o pré‐escolar, e de um modo mais estruturado e com avaliação das aprendizagens. No sentido de melhorar as nossas práticas, procuramos estabelecer parcerias com diversas instituições, a saber: Associação de Pais, Centro de Saúde, Hospital, Câmara Municipal, Juntas de freguesia, Comissão de Proteção a Crianças e Jovens (CPCJ), Instituto Português da Juventude (IPJ) e organizações não‐
governamentais. A participação de técnicos da rede local de saúde em cada um dos grupos visa fortalecer os vínculos entre a escola e os serviços de referência em seu território. O envolvimento de profissionais da área da saúde não pressupõe, no entanto, uma participação enquanto especialistas, mas geradores de oportunidades para a aprendizagem compartilhada, numa busca conjunta de estratégias para a concretização e/ou o aprofundamento de politicas, programas e projetos comuns. Em virtude da abordagem ser, primordialmente, levada a cabo nas Áreas Disciplinares Não Curriculares, como Formação Cívica e Área de Projeto, torna‐se necessário que os objetivos da educação sexual sejam consentâneos comos perfis de competências gerais a desenvolver, preconizados para o Ensino Básico. Aplicamos a metodologia de “projeto”, o que pressupõe planear e estruturar a intervenção, corresponsabilizando os parceiros na definição do projeto. Numa dinâmica de pesquisa e ação, este projeto 243 engloba uma sequência lógica de fases. Partimos do diagnóstico e identificação das necessidades, estabelecemos objetivos, definimos estratégias e planificamos as atividades. No plano escolar, o incremento da educação sexual passa pela conjugação de quatros vetores essenciais: • Formação dos agentes educativos (educadores, professores, psicólogos escolares, auxiliares da ação educativa …) no sentido de serem capazes de agir de forma adequada e coerente face às dúvidas e manifestações das crianças e jovens relativas à sua sexualidade; • Abordagem pedagógica de temas da sexualidade humana, feita em contextos curriculares e extracurriculares, numa lógica interdisciplinar, privilegiando o espaço‐turma, as diferentes realidades e necessidades das crianças e dos jovens, baseada noaprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver; • Apoio às famílias na educação sexual das crianças e dos jovens, nomeadamente através do seu envolvimento no processo de ensino/aprendizagem e/ou promoção de atividades específicas de formação dirigidas aos encarregados de educação ou dinamizadas por eles; • Estabelecimento de mecanismos de apoio individualizado e específico às crianças e jovens que dele necessitarem, através da criação e manutenção de parcerias no interior da escola e com outros serviços da comunidade, nomeadamente os serviços de saúde – materializadas, por exemplo, no funcionamento adequado do Gabinete de Apoio ao Aluno,no atendimento nos Serviços de Psicologia nas escolas e no estabelecimento de formas de articulação estreita e dinâmica destes com os centros de saúde respetivos. Em todas as circunstâncias, os protagonistas do projeto de educação sexual deverão ser sempre os alunos, pois é para estes que a iniciativa existe. No ensino básico, a educação sexual integra‐se no âmbito da educação para a saúde.No caso concreto deste agrupamento, foi constituída uma Equipa Multidisciplinar de Educação para a Saúde e Educação Sexual, coordenada pelo professor‐coordenador e da qual fazem parte o coordenador dos Diretores de Turma, o coordenador de 1º ciclo, o coordenador do pré‐escolar e a psicóloga escolar, uma peça fundamental para a concretização do projeto. Do projeto do agrupamento fazem parte os Projetos Curriculares das diferentes turmas, onde se faz referência aos temas a abordar, às atividades a realizas, aos intervenientes, aos objetivos a atingir e à distribuição da carga horária dedicada à educação sexual. Esta deve ser adaptada a cada nível de ensino e a cada turma, não devendo ser inferior a seis horas para o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, nem inferior a doze horas para o 3.º ciclo do ensino básico, distribuídas de forma equilibrada pelos diversos períodos e disciplinas ao longo do ano letivo. Na perspetiva curricular, damos preferência a um carácter interdisciplinar, 244
demonstrando adequação e aplicabilidade, tendo em conta a possibilidade de tratamento de temas de Educação para a Sexualidade ao nível dos currículos e ao longo de todo o processo de escolaridade. Na metodologia a adotar, deve‐se ter em conta a identificação de necessidades, já que em cada turma existe uma realidade sociocultural diferente, o que se reflete numa multiplicidade de padrões cognitivos, atitudinais e comportamentais por parte dos alunos. Partimos da caracterização dos alunos ou das turmas de modo a ser possível detetar problemas ou deficiências, aos quais é preciso atender prioritariamente. As metodologias participativas expressam a utilização de um conjunto muito vasto de técnicas. Não sendo nosso objetivo descrevê‐las exaustivamente, parece‐nos importante referir algumas das mais frequentemente utilizadas, Brainstorming ou «Tempestade de ideias»; ABRP‐ Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas; Jogos de clarificação de valores; Role‐play ou dramatização; Caixa de perguntas; produção de materiais de informação nos mais diversos suportes e meios audiovisuais. As atividades extracurriculares são ainda um campo muito explorado, já que constituem sempre momentos para os quais podem contribuir os vários elementos da Comunidade Educativa com diversas atividades, como é o caso da celebração de datas de referência como os “Dias Mundiais”. Como disposto no ponto 4 do artigo 8º do Lei 60/2009, a todos os intervenientes deve ser garantida a formação necessária ao exercício das suas funções. Por tal, procuramos garantir a formação contínua, quer através de contactos com os Centros de Saúde, Centros de Formação das Escolas e outras entidades; quer através de recursos da própria escola aproveitando os professores com formação sobre estas matérias. É importantíssimo referir que, atualmente, mais de metade dos docentes do agrupamento já possuem a formação exigida na área da educação sexual, proporcionadas pelo próprio agrupamento e em parceria com o Centro de Formação Francisco de Holanda. AS NOSSAS ATIVIDADES Todas as atividades desenvolvidas no agrupamento partem do mesmo pressuposto e são gizadas por uma diretiva comum – trabalhar para os alunos e principalmente com os alunos. Eles assumem o papel principal, propondo o que realizar, como levar a cabo, quem participa, as metas a atingir e também construindo os materiais necessários à concretização das dinâmicas, sendo, deste modo, os docentes meros orientadores e facilitadores das descobertas. Cada grupo‐turma define o seu próprio projeto de educação sexual, escolhendo as temáticas a abordar, atividades a realizar, parcerias a estabelecer, sendo o diretor de turma o responsável por organizar a informação e por enquadrá‐la no PCT. Uma outra forma de desenvolver o projeto de educação sexual do agrupamento foi a criação do Clube da Saúde. Este clube funciona em horário não lectivo, como atividade extra‐curricular, e com inscrição voluntária. Foram desta forma criadas condições de espaço e tempo para promover a educação de pares. O grupo de alunos que o frequenta recebe formação inicial nesta temática e passa a ser agente fulcral no 245 desenrolar do processo, é responsável por promover debates e sessões de esclarecimento sobre diversos aspetos ligados à promoção da saúde e educação sexual, impulsionando a tomada de decisões de forma consciente e esclarecida, renovando os valores de cidadania, atitudes de solidariedade, cooperação e respeito mútuos. Deste trabalho de parceria, acionado por estes pequenos educadores, importa salientar algumas atividades que resultaram num grande impacto em toda a comunidade educativa. Jogo dos Afetos – cada um dos elementos do grupo é responsável pela distribuição de afetos, procurando chegar a todos, num ambiente de partilha, em que se podem preencher necessidades afetuosas, em quem menos se espera, até mesmo num desconhecido, quebrando‐se barreiras e obstáculos entre os distintos parceiros da comunidade educativa. O ambiente de festa e naturalidade proporciona um despertar de emoções. Dramatizações com recurso a Role‐play – foram levadas a cena pequenas dramatizações escritas, encenadas, representadas e promovidas pelos próprios alunos. Estas pequenas peças desenrolavam‐se e criavam momentos de escolha, de assunção de determinados comportamentos, cujo arbítrio cabe ao público, que, no final, é levado a ponderar as suas próprias decisões mediantes as consequências que daí decorrem. Pelo debate e contraponto de ideias, criámos condições de análise, reflexão dos comportamentos em situações reais. Realização de pequenos vídeos e outros materiais audiovisuais – à semelhança das dramatizações, nestes instrumentos, procuramos divulgar informações, elucidar algumas temáticas levando à consciencialização dos riscos e oportunidades na adoção de comportamentos impulsionadores de saúde nas suas mais diversas formas. Porque os encarregados de educação e a restante comunidade escolar são por si educadores sexuais, consideramos necessário informá‐los e incrementar os seus conhecimentos para que ajam em conformidade com a escola e sejam mais um apoio para as nossas crianças e adolescentes. Desta feita, as sessões sobre “Falar de Sexualidade com os nossos Filhos” têm sido muito dinâmicas e participadas, onde a partilha de ideias e experiências satisfaz quem nelas se envolve. GABINETE DE APOIO AO ALUNO No gabinete de apoio ao aluno, o atendimento e funcionamento respetivo são assegurados por profissionais com formação nas áreas da educação para a saúde e educação sexual. Para tal, foram estabelecidas parcerias com as respetivas unidades de saúde da comunidade local ou outros organismos do Estado, nomeadamente a Câmara Municipal (assistente social e programa InJovem), APF ou outras entidades devidamente credenciadas. Tendo isto por linha orientadora, consideramos que a implementação deste tipo de projeto acarreta a adoção de objetivos específicos a fim de se atingirem melhores resultados futuros. A disponibilização de um 246
local onde os alunos e famílias podem ser ouvidos, ajudados e até mesmo aconselhados nas suas dúvidas, dificuldades e ansiedades foi o primeiro passo para a criação do GAA. Foi criado um grupo de trabalho que estabelece a ligação entre todos os elementos da comunidade escolar, que permite a abordagem de temas fora do âmbito meramente pedagógico, valorizando o contanto entre as pessoas e respeitando o pluralismo das conceções existentes na comunidade. Este gabinete destina‐se ao contacto direto com os alunos e suas famílias, porque consideramos que eles são elementos preponderantes no estabelecimento de objetivos mais específicos e na definição das atividades a levar a cabo. Numa perspetiva de inclusão e de disponibilidade, os atendimentos e esclarecimentos são de carácter confidencial, sendo este, o local privilegiado. Garantimos e gerimos um espaço na Internet com informação que assegura, prontamente, resposta às questões colocadas pelos alunos, o Blog“sexualmente_nos”, bem como um perfil no facebook. A metodologia de divulgação e de acolhimento são preponderantes, já que a frequência dos alunos e respetivas famílias é de carácter voluntário, anónimo/confidencial. Procurando satisfazer as necessidades de horário, permanecemos disponíveis, à hora de almoço e nos intervalos, acessíveis a quem nos procura por iniciativa própria. A AVALIAÇÃO A avaliação é uma condição essencial para o desenvolvimento de qualquer projeto e, porque esta é uma tarefa sempre difícil e inerente ao trabalho desenvolvido, deverá ser contínua e sistemática e com o objetivo de acompanhar/controlar o desenrolar das actividades, de modo a que os objetivos propostos sejam atingidos. Assim, a avaliação por nós realizada tem por base instrumentos fornecidos pelo Ministério da Educação ou produzidos pela equipa do projeto. É desenvolvida de forma mais evidente no fim de cada ano letivo, tendo em conta as diferentes dimensões, pela equipa, através de relatórios; pela Direção do Agrupamento, pelo Conselho Pedagógico, pelo Conselho Geral e pela restante comunidade educativa. Em suma, pretendemos formar cidadãos mais esclarecidos, conscientes, conhecedores e participativos, capazes de mobilizarem os seus saberes e competências na preservação da saúde e no desenvolvimento psicossocial equilibrado que alavanque a obtenção de uma boa qualidade de vida. Muitos afetos. 247 

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