iv colóquio internacional de políticas e práticas curriculares

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iv colóquio internacional de políticas e práticas curriculares
VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
CULTURA, CURRÍCULO E ESCOLA EM CONTEXTO
INDÍGENA: REFLEXÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA
ANTROPOLÓGICA
José Valdir Jesus de Santana1
Ana Elisa Santiago2
Resumo
Neste artigo interessa-nos pensar a relação entre cultura, currículo e educação escolar em
contexto indígena, a partir dos modos, formas e sentidos como esta (a “cultura”) tem sido
acionada e do que ela passa a significar e produzir a partir do contexto escolar. Interessa-nos,
ademais, compreender como currículo escolar é produzido no contexto das escolas indígenas,
a partir de determinados contextos etnográficos, sobretudo quando, em tais contextos, a
escola é acionada como o lugar onde se deve resgatar e valorizar a cultura. O currículo
pensado enquanto ato de currículo “aqui perspectivado como uma invenção social e cultural,
com possibilidades de se transformar em uma multicriação socioeducacional numa experiência
autonomista e compartilhada” (MACEDO, 2013, p. 17).
Abstract
In this article we are interested in thinking about the relationship between culture, curriculum
and school education in an indigenous context, from the modes, forms and meanings like this
("culture") has been fired and that it comes to mean and produce from school context.
Interests us, moreover, to understand how curriculum is produced in the context of indigenous
schools, from certain ethnographic contexts, especially when, in such contexts, the school is
triggered as the place where you must rescue and value the culture. The curriculum
understood as an act of curriculum "here viewed as an invention social and cultural, with
opportunities to become a multi-authoring a social and educational experience autonomist
and shared" (Macedo, 2013, p. 17).
Palavras-chave: antropologia; cultura; currículo; educação escolar indígena
1
Graduação em Pedagogia e mestrado em Educação pela Universidade do Estado da Bahia; doutorando em Antropologia Social
pela Universidade Federal de São Carlos, sob orientação da professora Drª Clarice Cohn; professor assistente da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected]
2
Graduada em Ciências Sociais e mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, sob orientação da
professora Drª Clarice Cohn. E-mail: [email protected]
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Introdução
A garantia legal de escolas indígenas específicas e diferenciadas, que respeite suas
manifestações culturais, organizações sociais e políticas e processos próprios de ensino e
aprendizagem, foi uma conquista de direito que se consolida desde a Constituição Federal de
1988 e que se contrapõe à vocação histórica da escolarização dos povos indígenas, catequética
e civilizatória. Propondo uma escola que permita aos povos manter, valorizar e reforçar suas
culturas e construir sua autonomia, a escola indígena vem se constituindo ao longo das últimas
décadas, cada vez mais, embora não nominalmente, em uma política cultural para estes povos.
Por ela, ou através dela, é proposto o regaste das culturas e a construção de identidades; e,
cada vez mais, nelas se propõem partes diferenciadas como um currículo cultural e indígena
que complementa o currículo dos conhecimentos ditos universais. Para tanto, em nome desta
especificidade, cursos de formação de professores indígenas são criados e estimulados como
política de Estado de modo a fortalecer este projeto de escola.
Em 1998, a edição e divulgação do Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas (RCNEI) ofereceu subsídios para a elaboração e implementação de programas
específicos para as escolas das comunidades indígenas e a formação de educadores capazes de
assumir essas tarefas e de técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las. A nova proposta de escola
indígena, descrita nos Referenciais, se define pelo fortalecimento da autodeterminação dos
povos indígenas e a de outros povos. O documento também considera muito importante que a
escola esteja articulada com as necessidades da comunidade em que se insere e preconiza a
garantia da interculturalidade, que deve ser incorporada a cada conteúdo curricular, tornandoo adequado às características da Educação Indígena.
Nesse novo cenário, em que a educação escolar é acionada pelos povos indígenas,
na relação com o estado brasileiro, em que se normatizam e se instituem princípios e
características do que deva ser a educação escolar em contexto indígena (nos seus sentidos
específico, diferenciado e intercultural) emergem questões que se colocam e que atravessam o
campo do currículo, a concepção de conhecimento próprio a cada povo indígena e,
consequentemente, o que pode e deve ser ensinando no espaço escolar. Nesses termos, o
currículo precisa ser interrogado, colocado sob escrutínio, produzido e atualizado, sobretudo
porque a escola, em contexto indígena, deve ser pensada e produzida no sentido de atender às
demandas e desejos de cada povo e de acordo com o que entendam ser educação
diferenciada.
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É importante notar que os povos indígenas têm investido grandes esforços para
criar e manter escolas em seus territórios. As lideranças políticas têm que se mostrar capazes
de negociar a criação de escolas e garantir todos os recursos – humanos ou materiais –
necessários para o bom funcionamento desta instituição em suas comunidades. As crianças
também investem parte importante de seu tempo e de seus interesses no ambiente escolar e
suas famílias preocupam-se em oferecer esta formação. As experiências, elas mesmas, são das
mais variadas, diferindo como diferem as situações mesmo de povos e comunidades indígenas
no Brasil, indo desde o lugar onde se aprende o “conhecimento do branco” até o lugar onde
resgata a (própria) cultura.
Apesar desta diversidade, percebe-se uma homogeneidade, ou uma espécie de
denominador comum, no discurso oficial e nas práticas que deve ser debatida, e que está
exatamente nesta característica de uma política cultural para os povos indígenas, e que se
refere aos modos como cultura tem sido entendida, operada e construída em cada situação.
Nos discursos oficiais (e na prática) a escola, em contexto indígena, é valorizada porque passa
a se constituir como espaço de resgate da tradição e de valorização da cultura. A cultura –
acionada para as mais diversas finalidades – no ambiente escolar - é entendida como
produtora de conhecimento ou tradição indígena.
Como e porquê os povos indígenas têm elaborado, de forma criativa, currículos
orientados por aquilo que o Estado convencionou chamar de específico e diferenciado, parecenos um exercício de reflexão importante, para perceber o que se tem discutido sobre os
modos e as formas como o conhecimento, a cultura e o currículo são produzidos e negociados
nas escolas indígenas. Apresentamos a seguir, algumas discussões feitas na antropologia a
respeito da escola indígena e sob o viés da produção de currículos.
Sobre cultura, currículo e escola em contexto indígena: algumas proposições
Na antropologia, os discursos sobre cultura tendem a assumir diversas
perspectivas, sentidos e frentes de lutas. Segundo Carneiro da Cunha (2009), é preciso, frente
a esses diversos usos que têm sido construídos em situações interétnicas, saber diferenciar a
cultura3 da “cultura” (com aspas). Em situações interétnicas ou em casos em que se colocam a
3
“Acredito firmemente na existência de esquemas interiorizados que organizam a percepção e a ação das pessoas e que garantem
um certo grau de comunicação em grupos sociais, ou seja, algo no gênero do que se costuma chamar de cultura. Mas acredito
igualmente que esta última não coincide com a “cultura”, e que existem disparidades significativas entre as duas. Isso não quer
dizer que seus conteúdos necessariamente difiram, mas sim que não pertencem ao mesmo universo de discurso, o que tem
conseqüências consideráveis. [...] As pessoas, portanto, tendem a viver ao mesmo tempo na “cultura” e na cultura.
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necessidade de uma educação intercultural, como pensar a relação entre cultura,
conhecimento e currículo? Que discursos sobre cultura têm sido produzidos no contexto da
educação escolar? O que ela passa a significar? O que é produzido, agenciado, transformado?
Que identidades e que diferenças estão sendo produzidas por meio desses discursos? Como
compreender o currículo nesses termos? O que pode um currículo intercultural? Como as
escolas indígenas interrogam o currículo? De que forma “atos de currículo” (MACEDO, 2011,
2013) produzem a escola e o currículo em contexto indígena?
Além das inspirações e debates em torno da cultura, trazidos por Carneiro da
Cunha (2009), compartilhamos da concepção de cultura elaborada por Sahlins (2003, p. 7) ao
afirmar que “a cultura é historicamente reproduzida na ação. [...]. Por outro lado, entretanto,
como as circunstâncias contingentes da ação não se conformam necessariamente aos
significados que lhes são atribuídos por grupos específicos, sabe-se que os homens
criativamente repensam seus esquemas convencionais”. Ainda, para Sahlins (2003, p.7),
A história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas
sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas. O
contrário também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados
historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são
reavaliados quando realizados na prática. A síntese desses contrários
desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas
envolvidas.
O que nos interessa perceber é como o currículo escolar é produzido no contexto das
escolas indígenas, a partir de determinados contextos etnográficos, que apresentaremos a
seguir, sobretudo quando, em tais contextos, a escola é acionada como o lugar onde se deve
resgatar e valorizar a cultura. Nesse sentido, e como nos adverte Macedo (2013, p. 14) “é
fundamental questionarmos como as pessoas pensamfazem o currículo, a partir das suas
diversas experiências e opções”. Ademais,
O conceito-dispositivo de ato de currículo tem sua origem nos nossos
encontros (in)tensos e múltiplas aproximações com atores engajados social
e culturalmente, mediadas por uma sensibilidade social vinculante, que
emerge de processos implicados de pensarfazer currículos assinados.
Implicações que instituem atos de currículo como vinculações responsáveis.
[...] Um conceito como vislumbra Deleuze, como heterogênese,
acontecimento, que num processo de aproximação de fragmentos cria sua
própria e singular totalização. Nesses termos, o conceito é histórico, não
surge querendo ser verdadeiro-universal, mas interessante-pertinente na
sua provisoriedade, como, aliás, todo conceito. Enquanto dispositivo, pode
Analiticamente, porém, essas duas esferas são distintas, já que se baseiam em diferentes princípios de inteligibilidade. A lógica
interna da cultura não coincide com a lógica interétnica das “culturas”. (CUNHA, 2009, p. 313- 359).
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irromper
realizando
mudanças,
deslocamentos,
interferências,
protagonismo, criando intensidades, mobilizações, olhares outros, práticas
outras. Daí sua configuração intencional, seu caráter generativo, sua
perspectiva de devir (MACEDO, 2013, p. 15).
O currículo compreendido como “uma trajetória, relação de poder, documento de
identidade” (SILVA, 2002, p.150), torna-se elemento fundamental de análise para se
compreender a organização escolar, o trabalho pedagógico e a relação com o conhecimento
no contexto da educação escolar. Além disso, como nos adverte Silva (2010, p. 8) “a fabricação
do currículo não é nunca apenas o resultado de propósitos “puros” de conhecimento [...]. O
currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas de conhecimentos considerados
socialmente válidos”. Segundo Macedo (2007, p. 26),
O currículo, como nós o conhecemos, na sua versão moderna, portanto,
consolidou-se na virada do século XIX para o século XX em torno de um
círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para a
transmissão (aquilo que os gregos chamaram enkukliospaidea, desaguando
no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”). Para o
professor Antônio Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que
ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveramse relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas
necessidades educacionais.
Refletir sobre os projetos de educação escolar indígena específico, diferenciado e
intercultural implica em compreender o sentido, ou os sentidos, do que é específico,
diferenciado e intercultural a partir das vozes dos diversos sujeitos índios e não-índios, no
sentido de sair, conforme afirma Collet (2006, p. 16) de “um quadro informado muito mais
pela arena política e ideológica, em que estão inseridos os projetos, que pelas demandas
específicas reais dos grupos indígenas”. Ou, ainda, conforme Silva,
A etnologia do pensamento indígena, que revela a complexidade das
proposições ontológicas e metafísicas ameríndias e sua originalidade
flagrante perante o pensamento ocidental (ilustra-o o perspectivismo
amazônico), alerta para a complexidade das questões com que terão de
tratar experiências de educação escolar que se desejem efetivamente
respeitosas dos direitos indígenas. Por outro lado, uma compreensão maior
de processos como os da tradução xamânica, da produção de sentido por
meio de sínteses totalizadoras, da construção de mundos e dos circuitos
sociais circulares de noções mutuamente referidas pode revelar
contradições, impasses e limites do modelo escolar proposto (2001, p. 4041).
Diante das questões apontadas acima por Lopes Silva (2001), buscamos, agora, a
partir de diversos recortes etnográficos, apresentar os modos e as formas como, em diversos
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contextos indígenas, a educação escolar vai sendo concebida, como a cultura é acionada e o
que se produz em termos de relações que se experimentam na (e fora da) escola.
Weber, em seu livro Um copo de cultura: Os HuniKuin (Kaxinawá) do rio Humaitá
e a escola, fruto de sua dissertação de mestrado, nos apresenta reflexões interessantes,
mostrando-nos como os Kaxinawa do Acre se apropriam da escola e, da mesma forma, reflete
sobre o papel da escola na definição dos limites da comunidade-aldeia e na apropriação da
noção de “cultura”. Nesse sentido, a autora afirma:
[...] a recente introdução dos saberes especializados da “cultura” no âmbito
escolar parece ser, a primeira vista, incompatível e problemática. Como se
sabe, nas sociedades indígenas há contextos apropriados para a transmissão
desses saberes, o que lhes confere sentido. Para mencionar o aspecto mais
saliente do “movimento” atual, os cantos, por exemplo, eram
tradicionalmente aprendidos no contexto das próprias cerimônias rituais.
Portanto, em tese, ao serem incorporados à escola, esses conhecimentos
estariam sendo dissociados de seus contextos legítimos de transmissão. No
caso do Humaitá, porém, a maior parte dessas cerimônias não vinham
sendo realizadas; em decorrência da longa vivência nos seringais, a
“animação”, um fator constitutivo das festas antigas, assumiu outras
formas. Nestes novos tempos de “cultura”, a escola kaxi do São Vicente – o
cupixau-escola -, vem provendo um (novo) contexto para a transmissão dos
cantos rituais, entre outros saberes, e atribuindo sentido a sua prática
(2006, p. 220).
As reflexões de Ingrid Weber nos remetem a novas possibilidades de análise,
talvez mais críticas, acerca do papel que a educação escolar tem assumido nos contextos dos
grupos indígenas, partindo das demandas específicas de cada povo e, sobretudo, pensadas a
partir dos modos como os grupos indígenas traduzem para dentro da aldeia seus projetos de
educação. Nesse caso específico, o modo de ser Kaninawá, vai traduzindo a escola para o
contexto da aldeia, ao mesmo tempo em que a escola vai se apropriando desse modo de ser
Kaxinawá, conduzindo a novos processos de aprendizagem e de reelaboração da cultura desse
povo, ultrapassando a lógica do discurso que busca na educação escolar indígena a
possibilidade do resgate cultural a partir de uma idéia de cultura genuína, localizada no
passado, necessitando de ser resgatada.
Outro aspecto importante trazido pelas análises de Weber, partindo de suas
experiências com os Kaxinawá, pode nos direcionar na busca pela compreensão de como os
povos indígenas têm se apropriado da escola e quais as reais funções que esta educação
escolar tem desempenhado para cada povo, especificamente, a partir de suas perspectivas
culturais e das formas de contato estabelecidas historicamente com os não índios.
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Para Mainardi (2010), a escola, entre os Tupi Guarani, da terra indígena
Piaçaguera – SP, exerce um papel importante no resgate cultural deste povo, que tem sido
feito a partir das relações que estes articulam com seus outros, a exemplo dos Guarani Mbya,
os não indígenas e outros indígenas. A escola, segundo Mainardi, tem papel importante, na
medida em que se torna o local de ensino da língua e da cultura às crianças. Nesse sentido, a
“escola e a casa de reza são locais de negociação, onde ocorre constante
atualização/construção do conhecimento e do que pode ser Tupi Guarani” (2010, p. 53). Do
mesmo modo, segundo a autora,
A atualização-articulação do conhecimento do que é tido como tradicional,
da língua, da reza, das histórias, e de quem são seus detentores perpassa o
ambiente escolar. Este é um espaço, tal como a casa de reza, de negociação
do que pode ser Tupi Guarani. [...] A escola Tupi Guarani adquire, nesse
cenário, diversos papeis, ela é tanto marcadora de diferenças e da
particularidade tupi guarani, como o espaço no qual conhecimentos não
indígenas devem ser ensinados; é o local onde podem resgatar a cultura,
mas não deixa de ser atravessadas pelas relações que constroem,
constantemente, conhecimento e tradição (MAINARDI, 2010, p. 54-55).
No limite, e essa é a discussão que Mainardi faz em sua dissertação de mestrado,
ao buscar compreender as relações que atravessam o ambiente escolar Tupi Guarani (mas não
somente este ambiente) e que envolvem os Guarani Mbya, Tupi e não indígenas e ainda as
relações entre eles próprios, “articulam disposições políticas, a proximidade e o
distanciamento entre parentes e os que são considerados conhecedores de algo” (2010, p. 55),
acabam por definir o que pode ou não ser considerado como Tupi Guarani e isso implica a
construção de redes de relações que atualizam conhecimentos e sujeitos, define o que é a
tradição, a quem pertence determinados conhecimentos, produz a pessoa Tupi Guarani,
sempre em relação a seus outros.
Vieira (2010), em texto intitulado “a gente não faz mais guerra, agora a gente
está pensando: xamanismo e educação escolar entre os Maxakali”, analisa a relação entre
saber xamânico e educação escolar, sugerindo que, assim como os cantos rituais são usados
para pacificar os espíritos, a escrita é usada para pacificar os brancos. Se os Maxakali podem
imitar os cantos e ritos ensinados pelo próprio yãmiy4 para pacificá-los, podem também usar a
4
Os yãmiy são agrupados pelos Maxakali em diferentes yãmiyxop (xop– grupo). [...] Durante os rituais taxtaxkox (lagarta da
taquara) de iniciação masculina, os meninos são capturados por espíritos e passam um mês em reclusão no Kuxex (‘casa de
religião’, no português falado pelos Maxakali. Local frequentado apenas por homens, por onde os espíritos devem passar ao
entrar ou sair da aldeia), aprendendo sobre os yãmiy. Cada grupo de parente está ligado a um grupo de yãmiy. Aqueles que
frequentam um mesmo Kuxex e sempre realizam rituais juntos são chamados xape (parentes) e possuem o conhecimento de
determinado conjunto de práticas rituais e cantos. Este repertório é um patrimônio familiar passado de geração para geração. Um
canto é sempre propriedade de um vivente, mas esta propriedade é compartilhada com um yãmiy (Vieira, 2010: 139-139). Para
mais informações ver dissertação de Myrian Alvares.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
escrita e a escola para pacificar o branco. No limite, segundo Vieira, os Maxakali vêm utilizando
a escola e a escrita para a produção, num primeiro momento, de um conhecimento sobre os
brancos e, num segundo momento, de um discurso para os brancos. (VIEIRA, 2010, p. 146148). Nisso, segundo a autora,
Os Maxakali utilizam metáforas do contexto xamânico para compreender o
processo de ler escrever. São feitas várias analogias entre escrita e canto, a
começar pela tradução literal da palavra ‘escrever’ em Maxakali. Kaxambix
significa, literalmente, “desenhar o canto. [...] Os Maxakali comparam
frequentemente a escola ao kuxex, pois ambos são lugares próprios à
transmissão do conhecimento advindos do exterior (a escrita vem dos
brancos e os cantos vem dos yãmiy) (VIEIRA, 2010, p. 144).
Ademais, segundo Vieira (2010, p. 146), se os cantos e mitos continuam sendo
ensinados de forma ‘tradicional’, nas casas e durante os rituais, a lição mais importante
apreendida por professores e alunos das escolas maxakali é como lidar com a burocracia – que
se dá via escrita – e, por consequência, como ‘pacificar’ os brancos, fazendo-os passar de
potenciais agressores a aliados. A guerra5, cuja prática teria se tornado, atualmente, quase
impossível, é atualizada no plano da cosmologia, do pensamento, nos contextos do ritual e da
escola.
Alvares (2004), no texto “KitokoMaxakali: a criança indígena e os processos de
formação, aprendizagem e escolarização”apresenta reflexões sobre os processos próprios de
aprendizagem e transmissão do conhecimento e sobre a formação e o desenvolvimento
infantil, considerando as possíveis inter-relações e interpenetrações com os processos
escolares de ensino/aprendizado, como concebidos e praticados pelos Maxakali. Ademais, no
texto, são apresentados diversos aspectos da cosmologia Maxakali, que se traduzem nos
processos de construção da pessoa, nos modos como as crianças são percebidas e valorizadas
e que relações são possibilitadas por intermédio e agência destas. No que concerne,
particularmente, às formas pelas quais os Maxakali têm se apropriado da escola, buscando
domesticá-la, é possível afirmar, a partir da etnografia da autora, que as “tradições Maxakali”
se apropriam da escola e a produzem através da lógica do xamanismo. Em suas escolas, as
crianças continuam aprendendo somente o Maxakali. O ensino da língua e dos cantos rituais
no contexto escolar se justificam na medida em que estes são indispensáveis no processo de
constituição da pessoa Maxakali. A socialização dessas formas de transmissão do
5
Os Maxakali atuais parecem ter herdado uma memória a respeito de relações com inimigos tradicionais mobilizada hoje para
mover uma guerra atualizada na forma de disputa pela ‘autenticidade’ indígena’ alcançada através da prática ritual e do uso da
língua, e propagandeada através dos CDs e livros de cantos e histórias em língua vernácula produzidos no âmbito da escola
indígena ou de projetos de pesquisa e extensão das universidades (VIEIRA, 2010, p. 137).
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conhecimento tradicional, no contexto escolar, passa a ser considerado como o maior valor
conseguido através da escola.
Dessa forma, segundo Alvares (2004, p.74) ao socializarem o conhecimento
xamânico, nas “aulas de cultura”, os Maxakali elegeram essa dimensão para constituírem sua
imagem para o “outro”. A dimensão ritual amplia o seu campo semântico para dar sentido às
relações escolares também, relações essas, que se constituem através dos “brancos”, esses
outros extremos.
Peter Gow (1997, 2010), a partir de sua etnografia sobre os Piro, no Peru, traz
importantes reflexões acerca de como as comunidades nativas do Baixo Rio Urubamba
pensam a escola a partir da lógica do xamanismo e do parentesco. Conforme Tassinari (2001,
p.59) “Gow mostra como a escola, inicialmente uma instituição alheia às populações nativas
do Baixo Urubamba, passou a ser parte integrante e fundamental de seu modo de vida e foi
incluída nas suas explicações sobre o mundo e as relações de parentesco”.
Para Celia Collet (2006, p.272), a escola, entre os Bakairi, parece, em um primeiro
momento, estar completamente alheia aos processos e ao contexto “tradicionais” nativos de
aprendizagem, pois os Bakairi fazem questão de que ela seja ‘como a do branco’ e para isso se
esforçam em copiar a disciplina, as maneiras, o conhecimento das ‘coisas da cidade’. Todavia,
ela acrescenta:
Com o tempo, através de várias evidências, comecei a perceber que o
método característico da escola bakairi não diferia muito do ‘não escolar’,
sendo centrado na ritualização e na performance, bem como na pedagogia
da repetição. O que me levou a essa conclusão foi uma questão que me
apresentou desde o início da pesquisa. Percebia que a escola era uma
instituição extremamente valorizada pelos bakairi, o que era demonstrada
pela baixíssima abstenção nas aulas, pela longa distância que os alunos de
outras aldeias percorriam diariamente para chegar à escola, pela ansiedade
que demonstravam os alunos à espera do horário da aula, pela excitação
que demonstram por estar na escola, pelo tempo gasto em preparar seus
corpos para ir à aula, pelo lugar de destaque que ocupa o prédio escolar nas
aldeias, pela preocupação dos pais diante do estudo dos filhos e pela
valorização da posição do professor. Por outro lado, também, observava que
os conteúdos escolares não eram tratados com a mesma importância, seja
por parte dos alunos, seja pelos professores. A maioria dos alunos não tem o
hábito de estudar em casa, abrindo o caderno somente para fazer suas
‘tarefas’ ou para ‘decorar’ o conteúdo da prova, e reclamando muito de ter
que ler ou estudar – dizendo que ‘a cabeça dói’ – em decorrência do
privilégio da oralidade e da observação na transmissão do conhecimento, o
que faz com que o hábito de ler ou estudar ainda seja um comportamento
muito distante das formas de aprendizado a que estão acostumados. (Collet,
2006, p. 274).
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Barth (1995) apud Tassinari (2003, p. 32) propõe uma imagem da cultura como
conhecimento e, nesse sentido, pensar a cultura nesses termos, a partir do que nos dizem os
povos indígenas, em seus contextos escolares, parece-nos interessante, na medida em que nos
permite “tornar esse conceito menos abstrato e aberto para o envolvimento das pessoas com
o mundo por meio da ação” (TASSINARI, 2003, p.32). Nisso, a cultura, quando acionada
na/pela escola produz diversos efeitos e tensões; afirma identidade, constrói pessoas “fortes
na cultura” e fortalece o movimento indígena, como afirmam os Tupinambá. Por outro lado, é
importante não perder de vista o que nos diz Grupioni
Percebe-se que, nos cenários multifacetados, de complexa interação, em
que estão inseridos cada vez mais os representantes indígenas, não se
produz um único discurso ou um único uso da cultura, mas muitos discursos,
que se adaptam e são moldados de modo próprio a cada contexto particular
de interlocução. Nesses contextos, tal como propõe Cunha (2009), produzse como discurso uma “cultura” (com aspas), que é utilizada em políticas
étnicas que visam à afirmação da diferença por meio de enunciados a
respeito da indianidade. Falar sobre a “invenção da cultura”, de acordo com
essa autora, não é falar sobre cultura, mas, sim, sobre “cultura” (com aspas);
isto é, o metadiscurso reflexivo sobre a cultura. Abre-se aqui um campo
importante de reflexão e de atuação para os antropólogos, junto com os
demais profissionais envolvidos na formação de professores indígenas, uma
vez que a construção de certo tipo de discurso a respeito da “cultura”
indígena é, talvez, o resultado menos conhecido e, portanto, menos
refletido, sobre o impacto da instituição escolar em meio indígena
(GRUPIONI, 2013, p.76).
Outra advertência e que nos parece importante destacar é o que nos lembram
Tassinari e Cohn (2012), quando afirmam que,
Quando pensamos nos impasses da educação escolar indígena, os maiores
riscos parecem estar exatamente em imaginar ou esperar que a escola possa
se tornar uma “instituição nativa”, se diluir no cotidiano indígena, ou em
desconhecer a efetiva diferença que está não só nos conhecimentos
escolares, como nos modos de conceber o conhecimento, sua produção,
aquisição e expressão. A noção de fronteira nos auxilia exatamente a
manter a diferença que deve conviver nas práticas escolares. É disso, afinal,
que se trata a interculturalidade, e é só assim que os conhecimentos
indígenas e não indígenas poderão, eventualmente, se comunicar, em vez
de caminhar em paralelo (TASSINARI &COHN, 2012, p. 268).
O grupo do Observatório da Educação Escolar Indígena da UFSCar6, sob coordenação
da Profª Drª Clarice Cohn realizou pesquisas em escolas indígenas nas regiões do Alto Rio
6
O Observatório da Educação Escolar Indígena foi aberto pelo edital 01/2009 da CAPES/SECAD/INEP e tem como objetivo realizar
um diagnóstico das escolas indígenas de todo o Brasil, fortalecer o regime de colaboração, redesenhado a partir da proposta dos
Territórios Etnoeducacionais. O núcleo da Universidade Federal de São Carlos é coordenado pela Prof.ª Dr.ª Clarice Cohn, com o
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Negro (AM) e de Altamira (PA). O grupo é composto por pesquisadores que produziram
etnografias de escolas: Camila Beltrame, que fez o seu trabalho na escola Xikrin Bep Pryti, na
região de Altamira (PA); Xanda Miranda, que realizou seu trabalho com os Asurini da aldeia
Koatinemo, também na região de Altamira; Eduardo Belezini que faz sua etnografia entre os
Arara do Laranjal. Amanda Marqui já concluiu sua pesquisa em que acompanhou o cotidiano
das crianças na escola Kariwassu guarani, dos Guarani Mbya do município de Jacundá (PA). No
ano de 2012, Marqui começou sua pesquisa de doutorado na comunidade de Vista Alegre,
junto ao Professor João Claudio, indígena Baniwa, também membro deste grupo de pesquisa.
Em todas as pesquisas buscou-se compreender o grande valor que as populações
indígenas dão à escola e como o projeto de educação escolar diferenciada se concretizou (ou
não) nas referidas comunidades. Questões comuns relacionadas ao currículo também foram
tratadas, como, por exemplo, qual a língua utilizada na escola, qual o lugar da cultura no
ambiente escolar e qual a participação da escola na vida da comunidade, a participação da
comunidade na escola (COHN, 2011, s/p).
Todo o nosso esforço em refletir acerca da relação entre cultura, currículo e escola em
contexto indígena se justifica na medida em que entendemos que as escolas indígenas
produzem novos sentidos para o currículo, inclusive enquanto campo de conhecimento.
Parece-nos que nas escolas indígenas o currículo é praticado como ato de currículo, em
constante produção. Nisso, a cultura e tudo o que ela proporciona, torna-se currículo. Como
cultura, o currículo “deve passar a ser uma pauta implicacional de muitos segmentos sociais
antes alijados dessa possibilidade, com consequências profundas no que concerne à
democratização curricular” (MACEDO, 2013, p. 16) e à possibilidade de construção da
autonomia nos projetos de escola e de futuro em cada contexto indígena.
Considerações finais
Neste artigo, através de um aparato antropológico, procuramos debater sob o
viés do currículo como a escola indígena específica e diferenciada pode ser pensada e como
estas populações se apropriaram das garantias legais para manter, a seu modo, a instituição
em suas próprias comunidades.
Neste sentido, a escola, o currículo e tudo o que a cerca – parecem acenar para a
possibilidade de produção de novos sujeitos sociais (e não somente de identidades sociais),
mais “fortes na cultura”, como dizem os tupinambá –, de onde emergem, também, “sujeitos
projeto intitulado A educação escolar indígena em duas realidades: uma comparação entre os Territórios Etnoeducacionais
Amazônia Oriental e do Rio Negro.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
tradicionais”,
“tradições
indígenas”
“educação
indígena”,
“cultura
indígena”
que,
necessariamente, não se contrapõem à educação escolar, mas, antes, buscam marcar
diferenças que se tornam compreensíveis a partir da escola. Como afirma Gallois (2007, p.100)
“regimes culturais são passíveis de mudanças, geradas por transformações em série e pela
complexificação das dinâmicas de transmissão cultural”. Além disso, segundo a autora, “nesses
processos, elas [as comunidades indígenas] não só criam novos objetos como constroem a si
mesmas, enquanto sujeitos políticos e ativos agentes da mudança” (2007, p. 96).
Por tudo o que apresentamos, é interessante pontuar que o currículo no contexto
da escola indígena deve ser (e é) mais do que um aparato burocrático. Ele deve atender à
especificidade de cada escola e também àquilo que os indígenas concebem como
imprescindível dentro do contexto escolar – seja no que se refere aos conhecimentos
tradicionais, seja no que se refere ao “conhecimento do branco” – no sentido de tomar a
escola como mais um lugar de valorização cultural e, também, como instrumento para
apreender e estabelecer relações como realidades externas a cada povo. Por fim, como
afirmam Tassinari e Cohn (2012, p. 266) “não se trata, portanto, de ressaltar um limite
“natural” entre povos e tradições distintas envolvidas no processo escolar. Ao contrário, tratase de atentar para essa interação, produtora das diferenças, para as possibilidades de troca e
para os limites que ele encerra”.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
(RE)CONSTRUINDO SABERES SOBRE OS POVOS
INDÍGENAS: A EDUCAÇÃO INDÍGENA DO PROLIND –
DESAFIOS E DILEMAS
Robério Davi Borges Cunha7
RESUMO
Este estudo objetiva analisar as práticas escolares nos pressupostos pedagógicos e políticos da
Educação Escolar indígena, sob o prisma do Programa de Licenciatura Indígena – PROLIND
Referenciamo-nos em autores que discutem a temática, como: APOLINARIO (2006), FLEURI
(2003). Como abordagem metodológica, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, utilizando
entrevistas com docentes, documentos oficiais e análise de políticas públicas, verificando
como no contexto dos saberes dos povos indígenas podemos (re) construir nossas práticas,
enfocando novas possibilidades para trabalhar a Educação Escolar indígena e sua História.
PALAVRAS – CHAVE: Educação Escolar Indígena. Reconstruir. Educação.
ABSTRACT
This goal of this study is to analyze the educational practices in the pedagogical and political
methods regarding the indigenous education under the prism (Programa de Licenciatura
Indígena – PROLIND. We have made use of authors who approach this theme such as:
APOLINARIO (2006), FLEURI (2003). As methodological approach we have done a qualitative,
making use of interviews with teachers, official documents and analysis of public policies.
Looking through the lenses of the knowledge of the indigenous people we can (re) build our
practices, focusing on new possibilities on how to work with indigenous Education and its
History.
KEYWORDS: Indigenous Scholarship Education. Rebuild. Education.
INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de uma pesquisa sobre os povos indígenas. Neste sentido nos
debruçamos sobre o programa de Licenciatura dos Povos Indígenas (PROLIND) o qual oferta
uma educação superior aos povos indígena pautada por três princípios: o ensino bilíngue, a
7
Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba(UEPB). Mestrando em Serviço Social (UEPB).
E-mail: [email protected]. Trabalho orientado pela professora da UEPB, Patrícia Cristina de Aragão Araújo, doutora em
educação, membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão comunitária – NUPECIJ. Grupo de Pesquisa, Ensino, Cultura. E-mail: [email protected]
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interculturalidade e o cotidiano; com uma interface com os estudos acadêmicos do mundo
indígena perpassado por professores vinculados a Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG) ao mundo indígena que são os alunos-professores potiguaras sob os auspícios da
Organização dos Professores Potiguaras (OPIP) fazendo o uso da interculturalidade como eixo
articulador entre os conhecimentos deste mundo, de forma que os professores indígenas, no
caso, os alunos possam apreender estas práticas e possam perpassá-las as escolas onde
lecionam tornando a experiência de ensino fluida e dinâmica.
Este artigo tempo por objetivo analisar as práticas escolares e pressupostos do
Programa de Licenciatura Indígena (PROLIND) em seus desafios e dilemas, assimilado como um
curso intercultural e interdisciplinar onde saberes do mundo indígena são (re) construídos
constantemente fruto do contato entre povos indígenas e não indígenas. Para isto faremos
uma (re) visitação a Historiografia dita “tradicional” que conduziu a História do Brasil, porém
esta prática esteve impregnada de um cenário com mitos, preconceitos e estereótipos, logo
este estudo tem o intuito de promover uma tessitura sobre a Educação indígena, na qual estes
povos, por sua vez, tem sua História (re) contada auxiliando a promover novos sentidos de
educação indígena, e novas possibilidades de ensino de História e trato da questão indígena no
Brasil.
Do ponto de vista metodológico empreendemos uma pesquisa de campo com a
visitação da sede do PROLIND, pesquisa documental e a realização das entrevistas com os
alunos-professores que são os povos indígenas, contemplando o ato de “ouvir contar” (Alberti,
2004) entendermos como se figura esta educação indígena, e de como estas facetas por meio
da interculturalidade (Fleuri,2002) adquirem uma visibilidade prática na ação docente dos
professores em escolas de educação indígena, então refletiremos sobre os parâmetros da
educação indígena e de como as políticas públicas atuam junto aos sujeitos deste processo em
prol de promover uma educação que paute pelo respeito ao culturalismo e as questões étnicoraciais.
Assim esperamos que este trabalho promova o debate sobre os povos indígenas no
Brasil, e na Paraíba em particular, procurando inserir estes povos na condição de protagonistas
da história, dando visibilidade e reconhecimento histórico a estes povos, sem os “emblemas
epistemológicos”, oriundos dos arquétipos tradicionais erigidos sobre estes povos, mas vendo
os povos indígenas como híbridos culturais (Canclini,2008), e que como tais necessitam ter sua
história recontada numa diretriz dinâmica e atual.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
(RE) CONSTRUINDO SABERES SOBRE OS POVOS INDÍGENAS: A EDUCAÇÃO INDÍGENA SOB A
ÉGIDE DO PROLIND – DESAFIOS E DILEMAS
A escrita deste texto foi desenvolvida é uma reflexão sobre o curso PROLIND nos seus
desafios e dilemas entendido como um curso de formação inicial, que auxilia na Educação
Escolar indígena, fornecendo aos (as) professores (as) indígenas conhecimentos que auxiliem
na sua prática de ensino, e ao mesmo tempo (re) construa suas práticas de formação, a partir
do contato com saberes não indígenas, na busca da promoção de novos saberes que
reformulem a educação indígena superior, e que isso reflita nas escolas, possibilitando o
pensar em novas diretrizes e problemáticas para a Educação indígena e ensino de História.
Para isso faremos uma emersão a Historiografia que caracteriza os povos indígenas sob um
prisma histórico, para depois discutirmos sobre o PROLIND, e verificarmos as representações
que a Historiografia tece sobre o ensino de História, e as do PROLIND como um curso
destinado a formação do docente indígena que fabrica dispositivos textuais e culturais que
podem ressignificar os saberes indígenas no século XXI.
Neste esboço recorremos à Historiografia que versa sobre o colonialismo e a relação
entre os conquistadores e conquistados. Tomamos como norte as discussões tecidas por
autores clássicos como Varnhagen( 1878) em História Geral do Brasil tomo I, que apresenta um
rigoroso “perfil” do país em aspectos fitogeográficos, naturais e humanos mostrando o
cotidiano dos povos indígenas e como se deu o processo de colonização. Na opinião deste
autor o processo trouxe a civilização e o progresso ao nosso país, pois os povos indígenas no
seu entender eram “preguiçosos e indolentes além de não terem o “espírito
desenvolvimentista” lusitano (VARNHAGEN, 1975)
Verificamos também com Capistrano de Abreu em Capítulos de História Colonial
(1976), aborda os detalhes que envolveram a colonização, porém com uma diferença em sua
obra a valorização não era do “lusitanismo puro”. O autor ressaltava as influencias lusitanas no
caráter do homem dos sertões, espaço que mais tarde viria a se configurar como Nordeste,
explicando o contexto histórico, a partir destas influências, principalmente as positivas, o
espírito empreendedor e aventureiro deu qualidades ao homem dos sertões. Sobretudo, ele
considerava os povos indígenas como protagonistas da História, ao lado dos homens dos
sertões, sendo moldados com “as qualidades dos lusitanos”. Os portugueses eram
considerados como seres “seres alienígenas” (ABREU, 1976).
A partir das contribuições deste autor foi construída uma “História Nacional”
desvinculada dos “projetos ibéricos” e que inseria o “povo brasileiro” como protagonista. Esta
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concepção viabilizou novos rumos para se traçar a historiografia colonial brasileira
independentemente de correntes lusitocêntricas, capaz de valorizar os conquistados. Esta
vertente migrou para o pensamento de outros historiadores como, por exemplo, Sérgio
Buarque e inaugurou um novo período de produções intelectuais que imprimiam os aspectos
que nos tornavam de fato “brasileiros”.
Contudo, não podemos deixar de salientar outra historiadora contemporânea de
grande cabedal teórico-metodológico que figura ao lado das mencionadas com a abordagem
dos povos indígenas dos estados do Tocantins, Piauí e Goiás em sua análise. A historiadora
Juciene Ricarte Apolinário em Os Akroá e outros povos indígenas nas Fronteiras do Sertão –
Política indígena e indigenista no norte da capitania de Goiás, atual Estado do Tocantins século
XVIII(2006). Nesta obra encontramos um criterioso e rico trabalho, com o emprego de largas
fontes e o uso da historiografia, comprovando a sua solidez discursiva, ancorada pela História
Cultural em suas vertentes culturais, sociais e políticas. Trata-se da descrição dos aspectos
relacionados à colonização do Piauí e Tocantins, e de como as nações indígenas, sobretudo os
Akroá, foram desterritorializados de suas terras, religião e cotidiano, sofrendo um processo de
etnocídio, inclusive linguístico.
Enfatizaremos em geral, o objetivo da gestão colonial e política indigenista e por que
seu objetivo ortodoxo para enfim, vislumbrarmos as contribuições que o PROLIND traz sobre
os povos indígenas em Âmbito educacional e histórico numa perspectiva atual.
O objetivo do colonizador, conforme nos ensinou a tradicional história, era o de
povoar explorando e levando as “nossas riquezas”, da antiga colônia Brasil para a metrópole
Portugal. Conforme a colonização foi atingindo patamares maiores sentidos pela visível
“expansão territorial”, os contornos foram mudando e surgindo novas alianças e “métodos de
exploração” distintos dos praticados nos primórdios da nossa colonização. Agora, as Leis,
notadamente a partir do século XVIII, emergiam e determinavam com mais veemência os
rumos da colonização. Neste sentido, de acordo com autora no século XVIII, foi promulgada a
Lei de Liberdade dos Índios de 1755. Segundo ela, os povos indígenas em terras que não
pertenciam aos interesses da coroa e fossem catequizados, não seriam escravizados nem
envoltos em perda de terras, desde que aceitassem a imposição religiosa da igreja e os
“ditames da coroa”. Com isso, os nativos esqueciam muitas vezes suas raízes culturais e
étnicas em troca da própria sobrevivência. Porém, o “combustível” desta e de outras
legislações em “favor dos indígenas” vinha imbricado de uma ideologia ibérica, expressa nesta
fala elucidada por Apolinário (2006):
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O objetivo da gestão colonial era passar a implantar, efetivamente, a política
indigenista representada pela Lei do Diretório que se deve observar nas
povoações dos Indígenas do Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade não
mandava o contrário que se estendeu a todas as capitanias do Brasil em
1758. Pretendia-se não só tornar os indígenas tementes ao Deus cristão, sob
o auspício da Igreja Católica, mas seres “civilizados” através de ações
racionalizadas em espaços planejados. É o que explica na apresentação do
mapa da aldeia que segue informando: “Habitação dos indígenas Akroá, que
com incomparável zelo e fé católica, e aumento dos vassalos de Sua
Majestade que reduziu a civilização o Ilmo.Senhor general, José de Almeida
Vasconselos de Soveral de Carvalho, no ano de 1774 (APOLINÁRIO, 2006,
p.150)
Desse modo para o português católico, nobre e fiel ao rei, a religião não significou
apenas um instrumento de controle social, mas também político. Os nativos catequizados se
transformavam em “índios domesticados”, com a mortandade de seus “hábitos bárbaros”,
adotando os aspectos do “mundo português”. Isso caracterizava um conflito interétnico tanto
para os indígenas que se viam temerosos de perder sua vida e, por isso, acabavam
comprometendo sua tradição cultural e de outro lado, para os portugueses que, no âmbito de
suas práticas exploratórias temiam perder o “apoio” de algumas tribos. Vale salientar que nem
todas colaboraram “facilmente” com o colonizador português, apresentando uma
impressionante resistência, a exemplo, dos Xavantes no norte, atual Amazonas, e os próprios
Akroá, mas, que enfim, sucumbiram ao outro. As tribos que resistiram tiveram o apoio dos
jesuítas e se deslocaram a grandes distâncias, com alianças em busca de sua sobrevivência. A
autora elucida as relações interétnicas presentes na colonização:
As relações interétnicas entre indígenas e colonizadores eram complexas
para ambos, Para os portugueses, o modo de vida indígena era
compreensível e para os colonos, que conviviam com “medo” do “outro”, a
forma de descrevê-lo era utilizando os seus conceitos e preconceitos
construídos pelas experiências do passado. Como afirma Carlos Alberto de
Moura Ribeiro, o medo era um elemento intrínseco na percepção do
“outro” e uma situação de poder diante do desconhecido (Apolinário, 2006,
p.63)
Pelo exposto vemos o porquê dos colonizadores serem ortodoxos com seu regime
colonial, uma vez que o contato estabelecido entre os portugueses e os indígenas foi difícil
para ambos dirigidos sob um medo do desconhecido. Ambas as culturas foram encontrando
seus espaços de dominação (cultura lusitana) e de exclusão (cultura indígena), e a identidade
indígena foi perdendo território e fragmentando-se. Contudo, sua essência na atualidade
permanece, embora haja influências dos não indígenas.
Verificamos nos potiguaras
pesquisados uma mescla de culturas ou um “hibridismo cultural”.
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Com o advento da História Cultural novos paradigmas foram construídos para a
História, a exemplo da Interculturalidade e sua visão étnico-racial. Contudo, antes de
adentrarmos a nesses pressupostos e a educação escolar indígena proposta pelo PROLIND,
convém analisarmos brevemente como a Historiografia tradicional promoveu uma escrita da
história desses povos, e como os novos autores modificaram este discurso.
Varnhagen(1816-1878), em História Geral do Brasil, descreve com minúcia a
colonização, expondo aspectos naturais, da fauna e da flora, compondo os primeiros capítulos
da obra. Notamos uma descrição sobre os povos indígenas, porém estes eram marginalizados
(pensamento que predominou até o século XIX) e subordinados, vistos como “bárbaros e bons
selvagens”, num ideário romantizado, preconceituoso e estereotipado. Enquanto o
colonizador era o “referencial” de civilidade, bons costumes, enfim, de tudo que era moderno,
culto e belo, sendo as outras raças consideradas inferiores.
A própria História eurocêntrica, conservadora e excludente, o que justificava
ideologicamente a dominação das “grandes potências”. O autor expressa o que considerou de
“positivo” na entrada dos portugueses no Brasil, valorizando totalmente os colonizadores e
tratando os povos aqui encontrados como a-históricos, por não estarem inseridos ainda na
“cultura portuguesa”. Apesar das vicissitudes, preconceitos, exageros e equívocos deste autor,
uma vez que esta obra foi elaborada no auge do império português no Brasil, período em que
se fazia preciso estabelecer uma “historiografia” nacional, que ressaltasse os valores lusitanos,
é importante refletirmos sobre esse pensamento para o desconstruirmos. No fragmento
abaixo Varnhagen(1976) se refere ao atraso do Brasil:
Para fazermos, porém, melhor idéia da mudança ocasionada pelo influxo do
cristianismo e da civilização, procuraremos dar uma notícia mais
especificada da situação em que foram encontradas as gentes que
habitavam o Brasil; isto é, uma idéia de seu estado, não podemos dizer de
civilização, mas de barbárie e de atraso. De tais povos na infância não há
história: há só etnografia. A infância física é sempre acompanhada de
pequenez e de misérias. E sirva esta prevenção para qualquer leitor
estrangeiro que por si, ou pela infância de sua nação, pense de
ensoberbecer-se, ao ler as pouco lisonjeiras páginas que vão seguir-se
(VARNHAGEN, 1976, p.30)
Esta visão sugere que o autor não considerava os povos indígenas como precursores
de nossa nação, denegrindo-os, em detrimento aos portugueses, fazendo uma ode ao
portuguesismo, inclusive no aspecto religioso, negando a História antes da colonização.
Observamos ainda o descomprometimento com uma “identidade nacional” e o pensamento
do homem de sua época, distinto dos “caminhos culturais” adotados anos mais tarde pelos
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Annales e aperfeiçoados ao longo do tempo, em que a Cultura é a base para entender um
sistema nos entremeios das várias identidades e etnias presentes numa dada sociedade.
Na ótica de Abreu (1853-1927), em Capítulos de História Colonial, não são descritos
com tanta minúcia os aspectos relacionados à colonização, inovando sua abordagem desta
temática. Ao invés de enaltecer o papel do português no país ele enfatiza o homem do sertão
(interior) como protagonista da História, ao lado dos povos indígenas. O português e outros
estrangeiros aqui presentes, são identificados como “alienígenas”.
A obra começa descreve os aspectos geográficos e humanos, assim como Varnhagen,
mas menciona o perfil do colonizador dos trópicos e de como este foi determinante com as
outras etnias no próprio processo de colonização. Esse ponto de vista transfere subjetividade
e sensibilidade à história, mesmo que estas categorias estejam presentes em obras de cunho
cultural com contornos definidos. Com destaque de ênfase ao homem do interior valorizando
a mestiçagem das raças, verificada também nos sertões e que deu origem ao hibridismo étnico
neste contexto histórico.
A mestiçagem definiu o perfil identitário, cultural e étnico do Brasil, inclusive nas
bandeiras e ciclos econômicos que permitiram a interiorização e o desenvolvimento da
colônia. A essência desse processo originou uma “pátria de hibridismo cultural” e pluriétnica,
que Abreu (1976) salienta como reflexo da migração e da multiplicidade parental das índias:
Da parte das índias a mestiçagem se explica pela ambição de terem filhos
pertecentes à raça superior, pois segundo as idéias entre elas ocorrentes só
valia o parentesco pelo lado paterno. Além disso, pouca resistência deviam
encontrar os milionários que possuíam preciosidades fabulosas como
anzóis, pentes, facas, tesouras, espelhos. Da parte dos alienígenas devia
influir, sobretudo a escassez, se não ausência de mulheres de seu sangue. É
fato observado em todas as migrações marítimas e sobrevive ainda depois
do vapor, da rapidez e da segurança das travessias (ABREU, 1976, p.29)
O autor afirma ainda que a mestiçagem foi “objeto de cobiça” não só do português,
mas como objeto de desejo indígena numa relação contratual estabelecido entre
colonizadores e colonizado. Na verdade isso foi o elemento constitutivo de nossa identidade e
da plurietnicidade do nosso país. Por isso, posteriormente, Abreu (1976) dá visibilidade ao
“povo brasileiro” e não ao português, contribuindo com uma análise crítica da sociedade,
aprimorada por Holanda. Por fim, ele discutiu o significado do processo de colonização do
Brasil, apresentando por desfecho um malogro social e étnico:
Cinco grupos etnográficos, ligados pela comunidade ativa da língua e passiva
da religião, moldados pelas condições ambientes de cinco regiões diversas,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
tendo pelas riquezas naturais da terra um entusiasmo estrepitoso, sentindo
pelo português aversão ou desprezo, não se prezando, porém, uns aos
outros de modo particular, eis em suma ao que se reduziu a obra de três
séculos (ABREU, 1976, p.213).
Segundo a concepção do autor, a colonização, do ponto de vista etnográfico,
simbolizou o afã pelas riquezas naturais dos portugueses e suas práticas predatórias ao longo
das cinco regiões geoeconômicas. Quanto aos nativos houve um processo de ruptura com seus
hábitos culturais e sua ancestralidade, o que denota um “desprezo” destes povos com as
ideologias e práticas lusitanas. Sentimento recíproco nos homens do interior, quando tais
práticas fomentarão o sentido de emancipação política do Brasil, no futuro, culminando com a
independência e o advento da República. Então, observamos que a tradição portuguesa vai
perdendo espaço na historiografia para emergir uma História nacional e crítica, conforme
verificado por Sérgio Buarque de Holanda.
Na verdade, HOLANDA (1963) faz uma crítica severa à experiência lusitana, discutindo
o “aparato religioso, técnico e identitário” português, relatando inclusive como decorria o
sistema colonialista e suas consequências. No entender do autor, todo o projeto colonial foi
tecido sem uma ética de trabalho e preocupação com as condições do nosso país. Sobre esta
conjuntura esclarece:
Entre nós, o domínio europeu foi, em geral, brando e mole, menos
obediente a regras e dispositivos do que à lei da natureza. A vida parece ter
sido aqui incomparavelmente mais suave mais acolhedora das dissonâncias
sociais, raciais, e morais. Nossos colonizadores eram antes de tudo, homens
que sabiam repetir o que estava feito ou o que lhes ensinara a rotina. Bem
assentes no solo, não tinham exigências mentais muito grandes e o Céu,
parecia-lhes uma realidade excessivamente espiritual, remota, póstuma,
para interferir em seus negócios de cada dia (HOLANDA, 1963, p.30)
Por tais palavras visualizamos como foi o domínio lusitano no Brasil, onde os
interesses foram os carros-chefes da colonização. Uma vez que na “cosmovisão portuguesa” os
direitos dos indígenas e africanos estavam subjugados as suas práticas exploratórias, não
havendo uma preocupação com os explorados. Havia uma ambição de riquezas, mas
felizmente em relação a outros conquistadores, os portugueses eram mais “tolerantes”,
principalmente no tocante a práticas religiosas e cotidianas dos povos. Todavia, isso não foi um
fator que exumasse as más práticas portuguesas, significando que eles estavam aptos para
explorar mais e desrespeitando, se encontrassem a margem, os direitos dos povos indígenas.
Sobre tais direitos Holanda (1963) que argumenta:
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
O reconhecimento da liberdade civil dos índios mesmo quando se tratasse
simplesmente de uma liberdade “tutelada” ou “protegida”, segundo a sutil
discriminação dos juristas tendia a distanciá-las do estigma social ligado à
escravidão. É curioso notar como algumas características ordinariamente
atribuídas aos nossos indígenas e que fazem menos compatíveis com a
condição servil, sua “ociosidade”, sua aversão a todo esforço disciplinado,
sua “imprevidência”, sua “intemperança”, seu gosto acentuado por
atividades antes predatórias do que produtivas, ajustam-se de forma bem
precisa aos tradicionais padrões de vida das classes nobres (HOLANDA,
1963, p.35)
O autor prossegue seu argumento mostrando que o pré-julgamento concebido pelos
portugueses sobre os “desvios” de conduta dos povos indígenas esta relacionado a
características inerentes aos próprios portugueses das classes sociais mais favorecidas. Logo
não se devia estigmatizar os povos indígenas, pois eles não eram nem considerados como
seres civilizados e “cidadãos”. Apesar da compilação de leis em prol destes povos não havia
seu reconhecimento, tampouco o estabelecimento de seus direitos, fato registrado só em
1910 quando o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) vai regular as legislações a favor desta etnia.
O ponto positivo da obra é a análise sócio-histórica e cultural destes povos, e sua
criticidade marca definitivamente o rompimento com um projeto de historiografia lusobrasileiro. Assim, seu conteúdo é de grande valia, importância e significado para se pensar o
contexto colonial no Brasil, servindo de base para as discussões culturais elaboradas anos mais
tarde.
Sobre as autoras contemporâneas, convém ressaltar, sobretudo, as contribuições de
Laura de Melo e Souza em O diabo e a terra de Santa Cruz (2009), que tece uma narrativa
sobre os povos indígenas, levando em consideração as mentalidades dos colonizadores
ibéricos sobre os colonizados, e o imaginário que a igreja católica formulou gerando uma
conjuntura que categorizou o que viriam a ser “práticas de feitiçaria”, ideário presente desde a
Idade Média até o período colonial. Um pensamento que migrou para as elucubrações
mentais dos colonizadores:
Natureza edênica, humanidade demonizada e colônia vista como
purgatórias foram as formulações mentais com que os homens do Velho
Mundo vestiram o Brasil nos seus três primeiros séculos de existência.
Nelas, fundiram-se mitos, tradições europeias seculares e o universo cultural
dos ameríndios e africanos. Monstro, homem selvagem, indígena, escravo
negro, degredado, colono que trazia em si as mil faces do desconsiderado
homem americano, o habitante do Brasil colonial assustava os europeus,
incapazes de captar sua especificidade. Ser híbrido, multifacetado,
moderno, não poderia se relacionar com o sobrenatural senão de forma
sincrética (SOUZA, 2009, p.117)
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Nesse sentido havia um “arquétipo colonial” projetado pela mentalidade lusitana
sobre a colonização, e de como se formavam as práticas religiosas que deflagraram uma
“religiosidade popular”, engendrando um hibridismo cultural e étnico no país. Logo, a análise
empreendida por esta autora nos mostra outra possibilidade de se trabalhar a historiografia,
sendo de suma importância para se trabalhar a colonização. Por isso, empregamos neste breve
“recorte historiográfico”.
Na concepção de Mesgravis(2010), a historiografia desse período é tecida, a partir de
momentos cruciais na colonização por cronistas leigos e religiosos. Sobre os últimos é
importante frisar que: “Os jesuítas, ainda que adotando posições baseadas em visões
contraditórias da cultura indígena, vão sempre denunciar a violência do processo da conquista
com o extermínio e a exploração do índio” (MESGRAVIS, 2010, p. 40).
Aqui temos uma construção de História “oficial”, originando a catequese que
“domesticou” os nativos, pacificando seus hábitos, mas abdicando de sua cultura e de suas
expressões coletivas. Havia a presença de cronistas leigos como Hans Staden, Koster e
Tollenare que empreenderam incursões ao interior e litoral e teceram uma história “mais
dinâmica”, entremeada por fatos do cotidiano destes povos, como o “antropofagismo”, e
hábitos peculiares que se diferenciavam de tribo para tribo e compunham a vida dos povos
indígenas. Este “métier” historiográfico é possível no livro didático se compararmos os povos
indígenas antes dos colonizadores e o que sobre eles foi descrito por cronistas leigos e
religiosos.
Nessa perspectiva, poderemos identificar como surgiu um “projeto
desenvolvimentista” excludente, que não inseria estes personagens como protagonistas do
processo histórico. Assim, seria possível, repensar sobre o papel dos povos indígenas para
rememorarmos suas tradições tecendo uma nova historiografia a partir de outro contexto
social.
Diante do percurso historiográfico realizado verificamos como a trajetória dos povos
indígenas, é digna de registro e análise. Assim, neste momento discutimos as tessituras do
PROLIND e nossas opções teóricas a fim de tecer novas considerações sobre os povos
indígenas no Brasil, tendo por base os sujeitos históricos pesquisados, na direção de uma
proposta educativa que os considerem em suas especificidades.
O Programa de Licenciatura dos Povos indígenas (PROLIND) apresenta um Projeto
Político Pedagógico (PPP) norteado pelas orientações da Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB nº 10.172/01, Plano Nacional de Educação – PNE e do
Referencial Curricular para as Escolas Indígenas – RCNEI, além da Portaria Ministerial 559/91 e
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
da Resolução CNE/CEB nº 003/99. Origina-se da discussão dos Professores Indígenas
Potiguaras (OPIP) e do esforço e compromisso da Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG) em criar um curso específico para atender a demanda dos professores indígenas por
uma educação de qualidade em nível superior.
Vale ressaltar que este projeto originou-se de uma luta dos professores indígenas
potiguaras junto às universidades que se organizaram e manifestaram por uma formação
superior específica, buscando em três universidades: a Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
com campus em João Pessoa, devido a proximidade com a cidade de Bahia da Traição; a
Universidade Estadual da Paraíba(UEPB); e, por fim, a Universidade Federal de Campina
Grande, que diferente das outras, que não se interessaram pelo projeto, apresentou um
parecer favorável a sua implantação. Contudo, os povos indígenas lutaram para que este fosse
viabilizado através de reuniões com o magnífico reitor desta instituição, em departamentos
como o de Humanidades e o de Antropologia, realização de oficinas como a III Oficina sobre a
Educação Escolar Indígena, no período de 31 de maio a 3 de junho de 2004, na Escola Cacique
Iniguaçu, aldeia Tramataia, Terra Indígena potiguara. A UFCG foi representada naquele evento
pelo prof. Márcio Caniello que participou da mesa: “O ensino superior e os povos indígenas:
programa de acesso e permanências nas universidades da Paraíba e a oferta de um curso
específica para a formação dos professores potiguara”. Nesta ocasião o professor reconheceu
a importância do evento e dos sujeitos históricos dos povos potiguaras como uma das maiores
etnias indígenas do Nordeste. De acordo com dados do PROLIND, a tribo alcança
aproximadamente 10 mil indivíduos. Logo, em sua visão, havia a necessidade de um curso
superior que preparasse estes indivíduos para atuarem como docentes nas escolas de suas
respectivas comunidades.
Como produto desta oficina, em 14 de outubro de 2004, a diretoria do Centro de
humanidades, depois de consultar as Unidades Acadêmicas envolvidas, emite a portaria
CH/UFCG/Nº 039, compondo a comissão encarregada de estudar a viabilidade de oferta de um
curso de Licenciatura em Educação Indígena. A comissão foi formada por professores
representantes dos quatro departamentos desta instituição, a saber: Antropologia, História,
Biologia, Letras e Ciências Sociais, que se articularam e buscaram os representantes potiguaras
e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para discutir as diretrizes da implantação do curso de
Licenciatura.
O reitor esteve presente nesta reunião e afirmou o interesse da UFCG na criação da
Licenciatura. No dia 14 de dezembro de 2004, a Comissão reuniu-se com professores
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
potiguaras e a FUNAI, durante a IV Oficina sobre Educação Escolar Indígena, momento em que
foram discutidos vários aspectos em busca de critérios de avaliação para a viabilidade deste
curso na UFCG.
Considerando os resultados dessas reuniões e após a análise de inúmeros documentos
relativos a relatórios de seminários, publicações acadêmicas, normas legislativas e
administrativas ou pareceres com relação direta ou indireta com o acesso dos indígenas ao
ensino superior, a Comissão, contando com a participação ativa da OPIP e da FUNAI-PB,
finalizou a elaboração do estudo de viabilidade solicitado pelo conselho Estadual de Educação
da Paraíba à UFCG, que foi encaminhado à diretoria do CH em 18 de maio de 2005. No bojo de
toda esta conjuntura a comissão julgou viável a criação de um curso de Licenciatura em
Educação Escolar Indígena a ser gerido no âmbito do Centro de Humanidade, face ao
manifesto interesse da UFCG para tal realização, ressaltando, contudo, a necessidade de
ajustes nas condições estruturais e de pessoal docente para sua efetivação.
Assim, em 29 de junho de 2005, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da
Secretária de Educação Superior (SESU) e da Secretária de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade (SECAD) lançam o edital do Programa de Formação Superior e Licenciaturas
Indígenas – PROLIND, com um eixo voltado para a elaboração de Projetos de Cursos de
Licenciaturas específicas para a formação de professores indígenas em nível superior. A partir
deste contexto, e tendo em vista o engajamento destes povos presenciamos o nascimento
deste curso que, dentre outros conceitos, tinha como questões fundamentais: a consolidação
da identidade indígena potiguar, expressa nas condições do curso, e a interculturalidade para
entender a educação indígena. Podemos sintetizar o “movimento” de criação do curso nesta
prerrogativa do PPP do PROLIND que diz:
Em suma, o PROLIND/UFCG/OPIP utilizou-se de oficinas, atividades de
pesquisa e seminários para construir este Projeto Pedagógico em
consonância com a proposta de uma educação indígena diferenciada,
baseada nos avanços críticos conseguidos num processo democrático e
participativo. Suas perspectivas vão além da formação de educadores
capacitados e comprometidos com a perpetuidade da cultura e das
tradições, pois pretende, também, auxiliar o povo na gestão de seu
território e preparar os jovens para sua inserção na universidade e no
mundo do trabalho (PPP-PROLIND, 2007, p.12)
Diante do quadro exposto observamos que a conquista foi fruto da luta dos
professores indígenas organizados e cônscios de seus direitos, que optaram pela “via do
conhecimento” e atuaram em conjunto com a UFCG para tornar o curso possível. Consta nos
seus pressupostos a preparação dos professores em sua formação continuada para atuarem na
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
formação inicial, fomentado o egresso de jovens e adultos no mundo acadêmico e do trabalho.
Com isso vislumbra-se a diminuição de preconceitos e estereótipos sobre os povos indígenas,
mostrando que o seu hibridismo cultural destes povos os faz terem contato com as culturas
escolares dos indígenas e não-indígenas. Deste modo, este curso foi criado e busca atender a
esta demanda dos potiguaras. Mas quem são estes povos e quais os motivos que os levaram a
criar este curso?
O povo potiguara atualmente é o único povo indígena oficialmente reconhecido no
Estado da Paraíba. Sua população é superior a 10.000 indivíduos, sendo uma das maiores do
Brasil e a maior do Nordeste. Estão distribuídos em 26 aldeias e nas áreas urbanas dos
municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Historicamente sua presença remota
ainda aos primeiros anos do século XVI, quando ocupavam extensa faixa da costa entre
Pernambuco e o Maranhão. Foram inseridos rapidamente no contexto da sociedade colonial
do açúcar, e reunidos em aldeias de missionários localizadas em pontos estratégicos da beiramar onde serviam como mão de obra à construção de fortificações militares, sendo
catequizados e recebendo os primeiros experimentos educacionais sob a direção de
missionários jesuítas, franciscanos e carmelitas.
Atualmente os potiguaras se encontram distribuídos em povoados e aldeias que
possuem um líder ou representante, geralmente chamado de cacique, não importando
necessariamente a quantidade de pessoas que habitem estes povoados. As aldeias potiguaras
são: Forte, Galego, Lagoa do Mato, Cumaru, São Francisco, Vila São Miguel, Laranjeiras, Santa
Rita, Tracoeira, Bento, Silva, Acajutibiró, Faraguá, Silva de Belém, Vila Monte-Mór, Jacaré de
São Domingos, Jacaré de César, Estiva Velha, Lagoa Grande, Gupiúna, Brejinho, Tramataia,
Camurupim, Caieira, Nova Brasília (Ibyquara) e Três Rios.
Possuem uma economia predominantemente agrária com espaços produtivos para
sua subsistência e para a comercialização, tendo como destaque o plantio da cana-de-açúcar e
a criação de camarões em viveiros, atividades que geram, em especial, a muitos impactos no
ecossistema. Porém, nossa ênfase aqui se reporta aos aspectos culturais, especialmente nas
questões que desembocam em educação. No âmbito da cultura os potiguaras se apresentam
como falantes do português, com grande domínio de várias expressões artísticas e literárias,
como a música, a poesia e a prosa.
No entanto, eles buscam aprender com professores da USP a língua tupi, o que denota
uma “volta às raízes” e à ancestralidade linguística. Isso também nos revela a necessidade de
uma proposta educacional que apresente uma alternativa para estes povos, pautada numa
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
visão étnico-racial, intercultural e bilíngue. Sua religião “materna” é preservada, graças a
práticas do Toré, um ritual que expressa traços de suas subjetividades e identidades. Existe
entre eles uma diversidade religiosa, pois foram escolarizados até o final do século XX,
eminentemente por jesuítas, depois franciscanos e carmelitas, e inicio do século XIX, com o
crescimento do protestantismo no Brasil.
Os religiosos protestantes migraram para esta região com o intuito de evangelizar e
acabaram ensinando a língua portuguesa, assim como os jesuítas se utilizam da religião com
essa finalidade. Entretanto, os povos indígenas, almejaram ganhar uma “emancipação
cultural” com a organização de um sistema escolar diferenciado, fundamentado em suas
próprias perspectivas culturais, que lhes garantissem os conhecimentos necessários ao mundo
do trabalho. Contudo, ansivama por uma perspectiva educacional que primasse pela
valorização da identidade e etnicidade destes povos, o que converge com a proposta do
PROLIND tendo como desafio alcançar a diversidade cultural, preservando a essência dessa
etnia, a partir da educação intercultural.
O objetivo central do curso PROLIND apresenta a meta de formar e habilitar
professores indígenas para lecionar nas escolas do ensino fundamental e médio, com vistas a
atender à demanda da comunidade indígena potiguara no tocante à formação superior de
seus professores, nas áreas de concentração em Ciências Exatas, Ciências da natureza, Artes,
Língua e Literatura e Ciências humanas. Desse modo envolve o comprometimento por parte
de seus docentes e discentes, o que está previsto no Projeto Pedagógico, assim como um
sistema de avaliação dividido em: aluno, professor e curso, imbricado de ideologias e
conceitos. Por isso, enfatizaremos os conceitos chaves, tidos como desafios para sua
implementação, a saber: a diversidade cultural e a educação intercultural.
O reconhecimento do outro é um fator importante para entender a diversidade
cultural dos não indígenas, não por padrões ascéticos e individualizantes, mas por padrões
multiculturais, pautados por uma “alteridade cultural”. A cultura não se constitui como algo
“estático”, monolítico e unilateral, apesar de a globalização pretender uma “uniformização”
dos padrões, hábitos e costumes. Existem as culturas locais, dentre as quais, se destacam os
nativos (ancestrais culturais) presentes no processo de formação dos países na Europa, e que
no nosso caso estiveram presentes antes da chegada dos europeus. Estes, por sua vez, não
viram a possibilidade do outro, e até o século XX as discussões historiográficas tecidas sobre a
colonização davam pouca visibilidade à questão cultural.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Felizmente, com o advento de uma corrente teórica culturalista, na final da década de
60, no Brasil, a partir dos anos 80, devido, entre outras causas, ao golpe militar, houve uma
redefinição no conceito de cultura, o que tornou sua discussão um conceito epistemológico.
Logo, a produção historiográfica sobre a colonização assume uma nova “roupagem teórica”
com contornos que primam pela diversidade cultural e o contato com o outro.
Neste sentido, evocamos uma abordagem sobre a diversidade cultural, pois, no
entender o PROLIND e os professores indígenas potiguaras só podem ser compreendidos
através desse caminho teórico, conforme relatos do indo-britânico Homi Bhabha em O local da
cultura (1998), na parte em que o autor discute sobre tal conceito e suas possibilidades de
alteridade.
A diversidade cultural é o reconhecimento de conteúdos e costumes
culturais pré-dados; mantida em um enquadramento temporal relativista,
ela dá origem a noções liberais de multiculturalismo, de intercâmbio cultural
ou da cultura da humanidade. A diversidade cultural é também a
representação de uma retórica radical da separação de culturas totalizadas
que existem intocadas pela intertextualidade de seus locais históricos,
protegidas na utopia de uma memória mítica de uma identidade coletiva
única. A diversidade cultural pode inclusive emergir como um sistema de
articulação e intercâmbio de signos culturais em certos relatos
antropológicos do inicio do estruturalismo (BHABHA, 1998, p.63)
Nessa elucidação enxergamos os propósitos e desafios do PROLIND. Primeiro, porque
este curso reconhece o outro, por intermédio de suas práticas culturais sem impor quaisquer
condições de currículos não indígenas, e busca uma “aproximação” entre as culturas de
indígenas e não indígenas. Articula os saberes antropológicos e históricos, tendo uma acuidade
ao tecer representações sobre o cotidiano e a própria essência da cultura indígena
enfrentando os dilemas da interculturalidade. Isso sem a necessidade de sobrepujar os
“ditames epistemológicos” enraizados no mundo dos não indígenas. Logo, o saber-fazer do
PROLIND, na sua concepção teórica e metodológica propõe uma educação pautada nas
relações étnico-raciais com respeito mútuo cultural tornando possível alcançar os anseios dos
povos indígenas.
Descentralizando o currículo dos não indígenas, estes povos podem se preparar de
forma inicial e continuada, com “fluidez epistemológica” e “autoridade teórica”, produzindo
conhecimentos que modifiquem seus alunos, mas que também os trans (de) formem
tornando-os seres críticos e cônscios de seu papel na sociedade brasileira. Desse modo, é
possível fazer migrar seus ideais para indígenas e não indígenas, valorizando, enfim as
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
contribuições identitárias e culturais que estes povos nos legaram ao longo da História do
Brasil.
Por fim, neste capítulo, é importante ressaltar a proposta da educação intercultural
pensada pelos povos indígenas na sua esfera escolar, âmbito no qual são as vozes
predominantes das práticas curriculares. Se o PROLIND busca suscitar uma educação nesses
moldes, o que é uma educação intercultural? E como é possível que a cultura da escola
absorva este conceito? São inquietações que julgamos pertinentes.
Fundamentados em Fleuri (2003), compreendemos que no mundo escolar existem as
“fronteiras culturais” que perpassam as questões curriculares e estão presentes na vida da
“comunidade escolar”, especialmente num país multifacetado com várias etnias e construído
sob um olhar multicultural. Emerge no bojo deste conceito a questão da complexidade de
culturas e a necessidade de contemplá-las sem a supervalorização de uma cultura sobre a
outra, mas através da consciência da diversidade tecer um diálogo com as diferentes culturas
existentes no espaço social.
Segundo Fleuri (2003) a esta prática podemos denominar de educação intercultural,
uma ferramenta para se pensar um currículo norteado pela cultura, não um aporte ou
complemento cultural. Em suas palavras: “A educação intercultural, não sendo uma disciplina,
coloca-se como outra modalidade de pensar, propor, produzir e dialogar com as relações de
aprendizagem, contrapondo-se àquela tradicionalmente polarizada, homogeneizante e
universalizaste” (FLEURI, 2003, p.73).
Esta cultura se constituiu numa alternativa viável nas escolas de caráter indígena e não
indígena, sendo adotada como uma postura teórico-metodológica possível para abarcar a
grande diversidade cultural (Lei 11.645/2008) existente na atualidade. Mas se faz necessário
analisar as diretrizes propostas por esta educação para, desse modo, tecermos considerações
sobre esta temática. Em relação a seus pressupostos o autor salienta que:
Uma relação que se dá, não abstratamente, mas entre pessoas concretas.
Entre sujeitos que decidem construir contextos e processos de aproximação,
de conhecimento recíproco, e de interação. Relações estas que produzem
mudanças em cada individuam, favorecendo a consciência de si e
reforçando a própria identidade. Sobretudo, promovem mudanças
estruturais nas relações entre grupos. Estereótipos e preconceitos,
legitimadores de relações de sujeição ou de exclusão, são questionados, e
até mesmo superados, na medida em que sujeitos diferentes se
reconhecem a partir de seus contextos, de suas histórias e de suas opções. A
perspectiva intercultural de educação, enfim, implica mudanças profundas
na prática educativa (...) pela necessidade de oferecer oportunidades
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
educativas a todos, respeitando e incluindo a diversidade de sujeitos e de
seus pontos de vista[...](FLEURI, 200, p.78)
Diante do exposto, e considerando os parâmetros do PROLIND, entendemos que a
educação intercultural se constitui numa atividade de busca e desafio. Busca no sentido de os
professores coordenadores deste curso tentam articular o conhecimento dos não indígenas
para os indígenas, ao mesmo tempo entendendo o hibridismo cultural destes povos, o que se
torna desafiador e complexo.
Por outro lado, os indígenas tentam entender o outro (não indígenas) sem promover
sua desvalorização, ou ignorando o que já foi construído por eles e sobre eles. Na verdade,
compreendem esta perspectiva como uma forma de “ver e entender o outro”, já é instigante
para ambos, pois lutam cotidianamente para viver sem as “amarras epistemológicas” tecidas
pela historiografia e pela memória introjetada sobre estes povos. Agora, observamos um passo
significativo para articular as identidades, e a representação dos povos indígenas numa
perspectiva intercultural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada com os professores indígenas,
tendo como parâmetro a questão de um curso específico de licenciatura indígena que é o
Programa de Licenciatura Indígena (PROLIND) em Baía da Traição – PB, sob uma lógica em que
os saberes confeccionados no mundo não indígena, tidos como acadêmicos cheguem ao
universo indígena permitindo que a ação docente dos alunos-professores em escolas de suas
respectivas comunidades contemplem os ditames da educação indígena, com o uso de teares
educativos inerentes ao mundo dos não indígenas, assim estes tem seu conhecimento
ampliado, modificando todo um arquétipo projetado sobre estes povos e sustentado pelos
veículos midiáticos, mas que é disforme e não contempla a realidade indígena.
Diante de nossa proposta apresentada neste artigo esperamos que este texto, produza
reflexões e mudanças nos paradigmas sobre estes povos, de maneira que o cenário
educacional brasileiro, sobretudo, o paraibano, venha a se ressignificar modificando seus
parâmetros e inserindo estes povos pelas suas próprias experiências, assimilando os povos
indígenas como artífices e participes não apenas da História, Sociedade e Memória da nossa
nação, mas como atuantes na sociedade atual em todas as suas dinâmicas e diretrizes.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
APRESENTO-LHES HISTÓRIAS E CONTOS AFRICANOS:
“TIA POR QUE NESTAS HISTÓRIAS SÓ TEM PESSOAS
PRETAS?”
Ana Paula dos Santos
8
Universidade Regional do Cariri-URCA- Graduanda - Curso de Pedagogia.
E-mail: [email protected]
Resumo
Este artigo objetiva discorrer sobre literatura infanto juvenil africana na escola e como esta tem
contribuído para formação da identidade de crianças negras. É fruto de um projeto de pesquisa-ação
realizado no 2º ano do Ensino Fundamental numa escola na cidade do Crato-Ce. A proposta aqui
apresentada tem em sua essência a implementação da Lei 10.639/2003 que altera a LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da educação) nº 9.394/96, a lei acima citada instituiu a obrigatoriedade do ensino da
História da África e dos africanos no currículo escolar do ensino fundamental e médio. O projeto de ação
ocorreu no período de agosto à dezembro de 2012; aconteceu a partir de uma atividade realizada na
referida sala. Tendo como ponto de partida a história de Kofi e o menino de fogo, do autor Nei Lopes, a
qual descreve a vida de um menino africano que se depara com uma criança de traços europeus sendo
que ambos tentam conviver com a ideia de serem diferentes culturalmente no contexto social que
vivem a história. A narrativa também traz informações sobre o país de Gana e sobre cultura africana.
Um livro de linguagem de fácil entendimento e que pode ser usado como ponto de partida para o
ensino da história da África no ensino fundamental. Quanto à metodologia é baseado nos moldes da
pesquisa-ação, tendo como base o modelo de pesquisa afrodescendente a qual de acordo com Cunha Jr.
(2007) tem o intuito de transformar e redefinir a realidade racista e segregacionista da sociedade
brasileira. Onde o sujeito pesquisador é reflexo da realidade social racista e tem por sua função
interferir na transformação dessa estrutura preconceituosa. Autores como Cavalleiro (2001), Gomes
(2005), Munanga (2005) Cunha Jr. (2007) dentre outros fundamentam a presente proposta.
Palavras-Chaves: Escola. Identidade. Literatura infanto juvenil.
Abstract
This article aims to discuss African literature for children and youth in school and how this has contributed to
identity formation of black children. It is the result of an action research project conducted in the 2nd year of
elementary school in a school in the town of Crato-CE. The proposal presented here is in essence the
implementation of Law 10.639/2003 amending LDB (Law of Directives and Bases of Education) No. 9.394/96,
the aforementioned law instituted the mandatory teaching of the history of Africa and Africans in curriculum
of elementary and secondary education. The action project occurred from August to December 2012;
happened from an activity carried out in that room. Taking as starting point the story of and the child Kofi fire,
the author Nei Lopes, which describes the life of an African boy who stumbles upon a child of European traits
and both try to live with the idea of being culturally different in social context of living history. The narrative
also contains information about the country of Ghana and about African culture. A book is easy to understand
language and can be used as starting point for the teaching of African history in school. Regarding the
methodology is based on the model of action research, based on the research model of African descent which
according Cunha Jr. (2007) aims to transform and redefine reality racist and segregationist Brazilian society.
Where the researcher subject reflects the social reality is racist and its role in the transformation of this
structure interfere prejudiced. Authors like Cavalleiro (2001), Gomes (2005), Munanga (2005) Cunha Jr. (2007)
among others underlie this proposal.
Key Words: School. Identity. Literature for children and youth.
8
Reginaldo Ferreira Domingos. Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professor do
Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri-URCA. E-mail: [email protected]
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Introdução
A conquista da lei 10.639/2003, que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da educação) nº
9.394/96 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos africanos no
currículo escolar do ensino Fundamental e médio, foi para este país um marco na democracia
e na promoção da igualdade racial.
Cabe ressaltar que a referida lei foi uma conquista do movimento Negro Brasileiro,
neste sentido, enfatiza os DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais) que o avanço nesta
discussão, ultrapassa medidas não apenas para a educação, reconhece também as
contribuições da população negra para a formação do povo brasileiro, além de garantir outros
direitos, assim como está citado no referido documento:
Têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional,
expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia,
individual e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais
políticas têm, também, como meta o direito dos negros, assim como de
todos os cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em
escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores
qualificados para o ensino das diferentes áreas [...] (DCN, 2005, p.30.).
A lei nos permite perceber o quanto essa cultura tem a nos ensinar. Aprender sobre
África, é resgatar nossa memória ancestral e, sobretudo, nos possibilita entender quem somos.
É dever de toda a sociedade assumir o compromisso de respeito à cultura de matriz africana,
devido todo processo histórico de inferiorização para com este povo, assim sendo, a escola é o
lugar por excelência que pode contribuir para que essa história seja ensinada aos nossos
educandos e dessa forma compreenderão que fazemos parte de uma sociedade diversa, que
revela a riqueza e a luta de um povo que precisa ser respeitado.
Como a escola tem tratado estas questões? É importante destacar que a criança
aprende muito a partir da leitura de imagens, principalmente, criança em processo de
alfabetização. Neste sentido, devemos analisar histórias, contos infantis e personagens que
permeiam o universo infanto-juvenil, percebe-se que este universo não tem favorecido para
um reconhecimento de uma identidade negra e afrodescendente, as crianças não se
identificam como negras, com essa cultura, mesmo tendo marcado em sua pele, no seu
cabelo, nos seus ancestrais, as características da sua negritude, imaginam ser de outro jeito.
Isso por que:
[...] As imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as
percepções sobre aquele mundo imaginado. Se examinadas como conjunto,
revelam expressões culturais de uma sociedade. A cultura informa através
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de seus arranjos simbólicos, valores e crenças que orientam as percepções
de mundo. E se pensarmos nesse universo literário, imaginado pela criação
humana, como espelho onde me reconheço através dos personagens,
ambientes, sensações? Nesse processo, eu gosto e desgosto de uns e outros
e forma opiniões daquele ambiente ou daquele tipo de pessoa ou
sentimento. (LIMA, 2000.p.101)
Este trabalho é fruto de um projeto de pesquisa-ação realizado numa escola na cidade
do Crato- Ce; tal projeto, baseado na Lei 10.639/2003, almejou o desejo de atuar na
transformação da realidade sócio-racial de crianças negras e não-negras no tocante a
formação da identidade e da valorização da cultura africana e afro-brasileira. A partir desta
atividade, percebemos os conceitos a respeito do ser negro, do ser afrodescendente na visão
das crianças, neste sentido, destaco a fala de uma criança no término da história “Tia por que
nesta história só tem pessoas pretas?”, ou seja, no universo literário infantil, causa
estranhamento tais personagens. Esta história foi contada através dos livros animados do DVD
2 do Kit A cor da cultura.
O projeto A cor da cultura foi lançado em 2006, está posto no caderno de textos9 do
referido projeto que a proposta era levar a público o debate sobre diversidade cultural a partir
de canais televisivos com intenções educacionais, isto por que o projeto pretendia levar a TV
um pouco da história e riqueza cultural do ser negro, ou seja, incluir este assunto como algo,
que deveria fazer parte do dia-a-dia da sociedade. Pretendeu-se ainda mostrar o negro, numa
perspectiva positiva, na tentativa de desconstruir a imagem negativa a qual o negro está
atrelado.
Fazem parte também deste projeto, os livros animados que são obras literárias infantis
ilustradas através da computação gráfica, dando as narrativas uma conotação muito divertida,
é destinada para o público de 5 a 10 anos a qual procura-se enfatizar no enredo das histórias
assuntos como: multiculturalismo, identidade, memória e etnia.
Quanto à metodologia do trabalho atende a pesquisa afrodescendente, que de acordo
com Cunha Jr (2007) a metodologia afrodescendente o pesquisador é conhecedor da cultura
de base africana, tendo ele este conhecimento, tem o desejo de romper com as formas de
hegemonia do pensamento eurocêntrico e na transformação da realidade racista a qual a
sociedade brasileira está arremetida. Dessa forma o pesquisador observa a realidade e se
insere a ela, no objetivo de ultrapassar o campo da neutralidade.
1 - A escola e uma educação antirracista
9
É o primeiro caderno do projeto A cor da Cultura - Saberes e Fazeres: Modos de ver.
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Culturalmente a escola tem deixa de lado o ensino da cultura africana e sua influência
na formação do povo brasileiro, neste sentido, ausentam-se também dos espaços escolares o
debate sobre as relações éticas raciais, assim as crianças internalizam o preconceito e a ideia
de inferiorização de um grupo e a superioridade do outro, como algo natural, ou seja, a escola
“com a sua omissão e a sua dificuldade em trabalhar a questão racial, [...] crianças continuarão
tendo espaço para emitir opiniões preconceituosas e reproduzir o seu racismo” (GOMES, 1995,
p.75).
A escola enquanto uma instituição importante no combate ao racismo deve construir
estratégias pedagógicas e curriculares que promovam a reconstrução e afirmação da
identidade étnica positiva, permitindo que os alunos conheçam e valorizem o legado cultural
africano.
Certamente a postura do educador antes de tudo, deve ser de valorização das
diferenças entre os indivíduos, considerar as particularidades dos alunos é o que:
Ainda nos falta avançar muito para compreendermos que o fato de sermos
diferentes uns dos outros é o que mais nos aproxima e o que nos torna mais
iguais. Sendo assim, a prática pedagógica deve considerar a diversidade de
classe, sexo, idade, raça, cultura, crenças etc. presentes na vida da escola e
pensar (e repensar) o currículo e os conteúdos escolares a partir dessa
realidade tão diversa. A construção de práticas democráticas e não
preconceituosa implica o reconhecimento do direito á diferenças, e isso
inclui as diferenças raciais. [...] (GOMES apud CAVALLEIRO, 2001, p.87).
Neste sentido, o discurso de que somos todos iguais, não contempla o compromisso
com uma educação antirracista. Pois se pensarmos nesta igualdade como algo justo para todas
as pessoas, sabemos que isto não é verdade, existe uma diferença no trato das relações raciais
e isto implica dizer que “as práticas educativas que se pretendem iguais para todos acabam
sendo as mais discriminatórias” (GOMES apud CAVALLEIRO,2008, p.87).
Na sociedade brasileira como destaca Gomes (1995) as pessoas brancas não são vistas
apenas superiormente as do grupo negro, elas também são idealizadas como modelos a ser
seguido, por isso o importante papel da escola em trabalhar as diferenças a partir dos
estereótipos de belo e não belo nos aspectos individuais e coletivos dos diversos seguimentos
culturais. A autora pontua ainda que:
O difícil processo de construção da identidade racial por parte dos negros e
seus descendentes é um fato que repercute em diversas instituições da
sociedade e contribui para a perpetuação do racismo e da discriminação
racial. A escola não pode ser considerada como um caso à parte nesse
processo. Sabemos que ela não é uma instituição neutra, mas inserida
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
dentro de um contexto social, sofrendo, direta e indiretamente, todas as
suas influências. [...] (GOMES,1995, p.89)
Nesta perspectiva, a escola é um espaço privilegiado na promoção de uma educação
antirracista, principalmente, pela diversidade de pensamentos e por ser um local socializador
de conhecimentos. Afirma Santos apud Cavalleiro (2001) que quando se fala em discriminação
racial na escola, isso não significa dizer que a partir de agora a escola vai propor estratégias
para a criança negra enfrentar o preconceito, até por que isso não é um problema apenas da
criança que é negra, implica dizer que, trazer o debate das relações étnicos racial para a sala
de aula é uma oportunidade de crianças negras e não negras se conhecerem, discutirem e
socializarem novas formas de relacionamentos, que tenham impacto em suas vidas e na
sociedade como todo.
1.1 Racismo, Etnia e Preconceito Racial
Expõe Guimarães (1999) que poderemos também pensar o racismo não apenas pelo
víeis de atos ou atitudes que atingem um indivíduo, mas também poderemos direcionar o
olhar para um sistema social vigente pautado em desigualdades que exclui a população negra
de participar de determinados setores sociais reservados até então para pessoas não negras,
que em virtude dos seus traços raciais estão numa posição de desvantagem nos aspectos
políticos, econômicos e sociais “por que os indivíduos de raça ou cor diferentes não têm as
mesmas oportunidades de vida e não competem em pé de igualdade [...]” (GUIMARÃES, 1999,
p.205).
O racismo faz com que pessoas negras ou afrodescendentes sintam-se pequenas e
inferiores diante de outras que se acham superiores por motivos que não fazem sentido
algum, pessoas tem sentimentos e nas suas diferenças e especificidade merecem respeito e
dignidade, toda sociedade tem responsabilidade na erradicação do racismo.
2-
Tratando sobre questões de identidade a partir de personagens e imagens literárias
Quando se trata de identidade negra ou afrodescendente, o que nos consente pensar
favorece para o entendimento de que ela é negada ou não existente no pensamento
construído socialmente, justificado pelo mito da democracia racial, logo que se não existe
discriminação racial, não se pensa em reconhecer positivamente esta identidade africana
brasileira. Para isso argumenta Hall (2006) que a identidade inteiramente segura, coerente,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
unificada é simplesmente utópica. Cabe ressaltar que se ela se configura irreal, converge para
a ideia de perpetuar o pensamento eurocêntrico dominante branco, que mantém privilégios
em detrimento de outro grupo social que é negro. Podemos também pontuar neste caso a
dificuldade que as pessoas têm em afirmar sua negritude. Assim, de acordo com Hall (2006)
esta identidade unificada não existiria, caminhando para o não entendimento de uma possível
identidade. Dessa forma, a identidade do Movimento Negro, as identidades das mulheres
negras e de outros movimentos sociais estariam sujeitos a não existência; sem definição
identitária não se pode pensar políticas para os que não existem. Pensamos em acordo com
Cunha Jr. (2012) o qual afirmar que a discussão de identidade pelo viés hallniano enfraquece a
luta, privilegia a classe dominante e a elite branca, perpetuando o pensamento racista e
mantendo o mito da democracia racial.
Lembrando que historicamente toda a sociedade tem uma dívida com esta população,
assim defendem os (DCN, 2005) que medidas sejam tomadas para compensar negros e
afrodescendentes de todos os danos sofridos no período escravista, inclusive os danos
causados pelo sistema meritocrático que agrava desigualdades e injustiças, que ao conduzir-se
por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os
sempre privilegiados negou a existência da identidade negra e afro-brasileira.
A identidade para Cunha Jr (2007) tem um pressuposto político que ao pensarmos pelo
viés cultural, logo identificamos que identidade e história caminham na horizontal e fazem
parte de um conjunto maior, que é dominado pelo pensamento eurocêntrico. A identidade é
construída socialmente da relação coletiva entre os indivíduos socializados através da cultura.
Assim, quando analisamos o processo identitário percebe-se que essa construção
começa ainda na família, depois nas relações estabelecidas com os indivíduos na comunidade
e a partir das influências ideológicas perpassadas socialmente. E quando pensamos numa
identidade racial alegada, afirmada advertimos que ela não tem circulado no imaginário das
pessoas e nem tão pouco contribuído para “construir uma identidade negra positiva em uma
sociedade que historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é
preciso negar-se a si mesmo” (GOMES, 2005, p. 43). Isso é decorrente das representações
negativas em relação ao negro.
Temos na nossa memória marcas dos personagens e heróis que admiramos na
infância, quantas vezes os são incorporados no faz de conta das brincadeiras infantis. Quando
analisamos histórias que apareçam pessoas e elementos da cultura africana e
afrodescendente, nos remete a indagar como esse imaginário tem sido construído a respeito
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
dessa cultura e como esta tem contribuído e influenciado na construção da identidade das
crianças negras e afrodescendentes. Isto por que:
[...] As imagens que moram em nossas mentes desde a infância influenciam
nossos pensamentos durante a vida e podem contribuir (se não forem
estereotipadas, inferiorizadas) para a autoestima e aceitabilidade das
diferenças, visando a uma vida adulta feliz. Para isso essas imagens devem
mostrar nossa “cara”, força e cultura a todos [...] (SOUSA, 2001, p.196).
Lima (2005) ao analisar a construção ideológica dos personagens da literatura infanto
juvenil, tendo como referência suas características e a maneira como aparecem nas histórias,
constatou de antemão que esta presença negra, perpassa uma dimensão caricaturada ou
estereotipada e geralmente estão atrelados ao episódio da escravidão ou em uma condição
inferiorizada. Destaca que a criança não negra tem muitas referências positiva nos livros
infantis, que no caso da criança negra o mesmo não acontece.
Para isso, como sugere a referida autora, basta analisar a obra de Monteiro Lobato
10
na figura de Dona Benta que representa um conhecimento mais elaborado, de aparência dócil
em contrapartida a imagem de tia Anastácia simulando um saber mais rústico e ainda sendo
representada de forma animalizada, suja e de aspecto monstruosa, que neste sentido,
representações pejorativas contribuem para a elaboração negativa da identidade da criança
negra e afrodescendente impedindo-a de se desenvolver-se cognitivamente e de ter um bom
relacionamento com os demais membros da sociedade.
3-
Kofi e o menino de fogo “Tia por que nesta história só tem pessoas pretas?”
Na realização do projeto no 2º ano do Ensino Fundamental da referida escola, na proposta
da lei 10.639/2003, no período de agosto á dezembro de 2012, essa história foi contada como
proposta de atividade para o ensino das africanidades na sala de aula, por meio de data show,
através das ilustrações dos livros animados do projeto a cor da cultura, do autor Nei Lopes. Foi
assistido por um grupo de 22 crianças do referido ano.
Logo no início, o livro revela uma contextualização sobre costumes e tradições de países
africanos, o mesmo pode ser usado para introduzir conteúdos da cultura africana de maneira
mais lúdica.
10
Ilustração de Voltolino para o livro Narizinho Rebitado de 1920.
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A história de Kofi e o menino de fogo é uma passagem histórica de um sábio malinês 11 que
quando criança viveu a narrativa ilustrada no referido livro, vale ressaltar que o mesmo
também faz referência de forma introdutória à história da independência de alguns países
deste continente.
Kofi é um menino que mora em Gana12 país Africano, e se chama assim por que nasceu em
uma sexta-feira, e nos conta o livro que quando uma criança nasce na África ela não recebe
qualquer nome. O nome é algo significativo que está relacionado com o dia em que a criança
nasce ou com algum ocorrido no dia do nascimento.
Ele é uma criança negra, que nunca viu uma pessoa que não fosse da sua cor, pois tudo o
que ele conhecia era o pequeno vilarejo a qual seu povo vivia , sendo que na aldeia o pai dele
trabalhava na forja e na oficina de ferreiro construindo objetos de metal e ferramentas e sua
mãe plantava e colhia, lavava roupa no rio, cozinhava e cuidava da família.
Esta passagem do livro revela traços da vida cotidiana africana, sendo esta, uma história
que o livro didático não nos conta, por que conforme Silva apud Munanga (2005), os livros de
um modo geral omite ou apresenta de forma simplificada e falsificada o cotidiano e as
experiências do processo histórico cultural africano, uma vez que, a presença do negro no livro
didático faz referência à figura de escravo e a um povo sem passado, dando a entender que
não existe uma historia antes da escravidão.
Pode-se também, a partir da vivência de Kofi, nas relações de respeito à memória
ancestral, inserir a discursão sobre valores civilizatórios afro-brasileiros, pois o menino e seus
irmãos “trabalhavam e aprendiam, sempre ouvindo e respeitando os conselhos dos mais
velhos” (LOPES, 2008, p.14) refletir sobre os valores civilizatórios afro-brasileiro, que no caso
do conto é o valor da ancestralidade, também se configura na promoção de uma educação
para as diferenças, tendo como ponto de partida as heranças dos nossos ancestrais.
No enredo da história, o autor nos mostra, o conflito de Kofi ao perceber as diferenças
étnicas entre as pessoas, por ser ele uma criança que nunca tivera contato com alguém de
outras etnias escutava histórias e “ouvia falar que eram meninos e meninas de cabelos
amarelos como a juba de Gyata, o leão [...]” (LOPES, 2008, p.16). Kofi ao deparar-se com uma
criança diferente dele:
[...] Agarrou o braço do menino com força:_ Ué! Não queimou!_ Pensou
Kofi._ Ele está suando frio igual a mim. Kofi largou o seu braço. Ai, o menino
11
É assim chamada uma pessoa oriunda da República do Mali, sendo este o sétimo maior país da África.
País limitado a norte pelo Burkina Faso, a leste pelo Togo, a sul pelo Golfo da Guiné e a oeste pela Costa do Marfim. A capital
Acra é a maior cidade de Gana.
12
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passou o dedo no rosto de Kofi e examinou a ponta do dedo, para ver se
tinha ficado preta._ Ué?! A tinta dele não saiu! _ falou baixinho o menino
branco. Então os dois sorriram um para o outro, e apertaram as mãos.
(LOPES, 2008, p.28)
Sendo assim, se faz necessário dialogar com as crianças sobre questões das diferenças
e particularidades de cada um, e mostrar que é possível respeitar as pessoas dentre as suas
especificidades.
Uma educação para igualdade racial também tem início no respeito às características
físicas das pessoas e reflexão dos comportamentos do meio em que a criança está inserida,
atentando-se para valorização individual e coletiva de todos os indivíduos.
Há uma passagem de tempo na história e depois de sete anos do episódio em que Kofi
encontra o menino branco, o seu país torna-se independente da Inglaterra, país de origem do
seu amigo, que adota o nome de Gana para homenagear um grandioso império Africano que
havia existido há 700 anos antes.
Kofi fica adulto, estudou na Europa adquiriu novos conhecimentos, depois voltou para
Gana para ajudar seu povo e ao envelhecer teve muitos filhos, netos e alunos. Tornou-se um
mestre do seu povo e aprendeu que pessoas brancas não queimam e entre elas são muitos
seus amigos, porém, sua maior lição foi descobrir que a melhor maneira de entendermos as
pessoas é conhecendo elas e perceber que cada uma é um ser humano, mesmo sendo
diferente na aparência.
O livro traz nas páginas finais, informações adicionais sobre Gana, tais como:
curiosidades sobre o país, história da região, economia, fauna, flora, sobre o vestuário das
pessoas, os tipos de moradia, alimentação e sobre a antiga tradição do cultivo de hortas
domésticas.
As ilustrações do livro mostram as cores e atributos da cultura africana, numa
perspectiva positiva do legado africano, porém, neste sentido ressalto a fala de uma aluna da
referida serie ao assistir a história: “Tia por que nestas histórias só tem pessoas pretas?” No
instante da fala, deparei-me com uma realidade escolar no que dizem respeito ao universo da
literatura infanto juvenil.
As escolas ainda apresentam aos alunos personagem distantes de suas realidades
étnicas, o problema não está em contar os “famosos clássicos”, mas, consistem em só contar
apenas estes clássicos, invisibilizando personagens negros ou de outras etnias, sendo que a
ênfase nestas histórias são as particularidades e características eurocêntricas.
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Ou seja, o estranhamento com personagens negros, a dificuldade da criança em
reconhecer-se e perceber-se no enredo, nos remete a pensar na construção identitária da
criança que está em processo de formação, conforme Lima (2005, p.102) “Nesta dimensão, a
literatura é, portanto um espaço não apenas de representação neutra, mas de enredos e
lógicas, onde ao me representar eu me crio, e ao me criar eu me repito”, Portanto, este não
reconhecimento acaba refletindo na construção de uma identidade negada, tendo como
consequência o impedimento do desenvolvimento cognitivo, a dificuldade de aceitação as
diferenças e o relacionamento afetivo com o restante da sociedade.
Outra fala que aqui destaco é: “Não gostei por que é uma história assustadora”, se
estamos buscando o caminho para uma educação antirracista, precisamos desconstruir do
imaginário social a imagem negativa do ser negro, isso por que
A escuridão, a sombra, a cor negra tem sido consideradas representações
simbólicas do mal, da desgraça, da perdição e da morte e, se o diabo é visto
como mal e associado aos negros temos uma interpretação que reforça a
raiz profunda de um imaginário racista e preconceituoso. A universalidade
do arquétipo do mal, associado à escuridão a ao negrume, se configura
como a base dos estereótipos relacionados às personagens negras (SOUSA
apud OLIVEIRA, 2005, p.186).
Foi a partir desta atividade que percebi e compreendi o pensamento e o imaginário
das crianças em relação à negritude, ao ser negro, a questões relacionadas ao preconceito e ao
racismo.
Portanto, desde a tenra idade a educação da criança deve caminhar para o principio
do respeito às diferenças, tendo em vista que ela ao chegar ao âmbito escolar já conheceu
atitudes e comportamentos sociais. Neste sentido, a criança traz consigo valores e opiniões da
cultura a qual está inserida.
O pensamento social brasileiro, precisa avançar na direção da igualdade racial, não têm
mais condições de sermos conviventes, com práticas racistas, principalmente na educação
devemos acreditar que este debate na escola é o melhor caminho. Pois é um espaço
privilegiado de disseminação dos conhecimentos produzidos pela humanidade, porém, não
seremos ingênuos ao ponto de achar que a escola sozinha vai cumprir toda essa tarefa, sendo
que este é uma responsabilidade de todas as pessoas negras e não negras este é um
compromisso social que todos devem assumir.
4 - Considerações
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Pensamos que o trabalho na escola com as questões raciais devem começar desde
educação infantil, das primeiras relações com as diferentes pessoas, no reconhecimento das
próprias características e particularidades de cada um.
A escola precisa está atenta para a promoção de uma educação antirracista e
ultrapassar os tabus do preconceito com conteúdos de matriz africana, a inserção dessa
história no currículo escolar vai além de ensinar nossos alunos a memorizar datas
comemorativas relacionadas ao tema.
Existe uma riqueza cultural africana que não aparece na escola, muitos conteúdos são
resumidamente enfatizados na perspectiva da escravidão, ou são focadas as influências na
culinária, ou trabalhada a capoeira sem uma prévia contextualização e só. Por exemplo,
estudam-se todos os tipos de arte na escola, mas ninguém menciona arte africana, passamos
boa parte de nossa vida escolar aprendendo história Egípcia ou história antiga e suas
contribuições para o mundo, porém, não aparece ou é pouco dito que o Egito está localizado
no continente africano sendo este o berço das civilizações.
Muito do que é ensinado parte de uma perspectiva unicamente eurocêntrica, a
questão aqui não é propor o caminho inverso de a partir de agora só ver as coisas de um ponto
de vista africano, não é construir uma história, como ressalta Cunha Jr. (2011), por olhar
afrocêntrico, mas, é dar a essa história um sentido que não invisibilize ou inferiorize esse povo,
como assim foi durante toda a história da humanidade.
Acreditamos que a responsabilidade da escola ao inserir no currículo escolar o ensino
da cultura e história africana seja naturalizar estes conteúdos, tal qual, seja normal para a
criança ouvir narrativas de príncipes e princesas com personagens de reinados africanos,
quanto, os contos de fadinhas e princesas lindas e brancas ouvidas todos os dias nas rodinhas
de contações de histórias. Ou seja, está em nosso encargo romper com os paradigmas
eurocêntricos de beleza na literatura infanto-juvenil é importante à criança negra e não negra
perceber a existência conflituosa das relações éticas raciais e a partir disso pensar em atitudes
que respeitem as particularidades de cada um. Para isto o professor precisa está, sobretudo
sensibilizado com a questão.
O autor do livro Kofi nos permite através das ilustrações e do enredo da história ver o
negro numa posição de existência e com foco positivo. É importante destacar o cuidado do
autor em não apenas em contar a história de Kofi, mas também em trazer conhecimentos
adicionais do país do menino, consideramos importantes estas informações, por que elas
pouco ou quase nunca aparecem nos livros didáticos.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
5 – REFERÊNCIAS
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
PROJETO SAGRADA NATUREZA: UMA PROPOSTA DE
CURRÍCULO NA APLICAÇÃO DA LEI 11.645/2008
CRISTIANE GONÇALVES DE SOUZA
[email protected]
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo analisar, uma experiência de currículo em ação
desenvolvida em cinco escolas da rede municipal de educação de Niterói. Esta experiência se
deu a partir do Projeto Sagrada Natureza que, através das oficinas “No Xingu, Oxóssi reina!,
propõe ilustrar uma alternativa de aplicação da lei 11.645/2008, como um tópico da educação
ambiental em uma perspectiva multicultural, no conteúdo escolar de 3º e 4º ciclos. Por meio
de uma pesquisa-ação buscou-se compreender os desafios docentes na implementação de
práticas multiculturalmente orientadas, sobretudo, no que diz respeito à mitologia dos orixás.
A conclusão aponta para a necessidade de fomentar as formações continuadas para os
professores e a instrumentalização dos docentes com material didático sobre a temática. A
presente pesquisa sugere também o aprofundamento da análise dos dados levantados, diante
do peso que o aspecto religioso tem sobre as subjetividades dos professores, pedagogos e
diretores de escola. A partir das análises identifica-se que a implementação da lei 11.645/2008
pode ser potencialmente ampliada em propostas curriculares que avançam da perspectiva
multicultural folclórica para abordagens multiculturais críticas e pós-coloniais.
Palavras-chave: Currículo multicultural. Povos indígenas. Mitologia dos orixás.
11.645/2008.
Lei
ABSTRACT
In the context of the law 11.645/2008 enforcement, had as objective to analyze, an experience
of curriculum in action developed in five municipal schools of Niterói Educational System. This
experiment was performed based on the Project Sacred Nature, which through the workshops
"In Xingu, Oxóssi reigns!”, intends to illustrate an alternative for the enforcement of law nº
11.645/2008, as a topic of environmental education in a multicultural perspective, in school
programs for 3rd and 4th cicles. By means of an action research this study sought to
understand the teacher challenges to implement multiculturally oriented practices, especially
with regard to the mythology of Orishas. The conclusion points towards the need to foster
continuing education for teachers providing them with educational materials on the subject.
This research also suggests a deeper analysis of data collected due to the religious aspect that
shapes the identities of teachers, educators and school administrators. The analyses results
have shown that the implementation of Law nº11.645/2008 can potentially be extended in
curricular proposals that advance from the multicultural folk perspective to multicultural and
postcolonial criticism approaches.
Key-words: Multicultural curriculum. Indigenous peoples. Mythology of the Òrisàs. Law
11.645/2008
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
PROJETO SAGRADA NATUREZA:
CURRÍCULO EM AÇÃO - UMA EXPERIÊNCIA
MULTICULTURAL NA APLICAÇÃO DA LEI 11.645/2008
A escola, cumprindo sua responsabilidade de formar cidadãos e cidadãs, deve
promover práticas pedagógicas que enriqueçam, no cotidiano escolar, a vivência da
diversidade, promovendo o diálogo entre as diferenças, a fim de evitar a proliferação de
atitudes de preconceito e violência, explícita ou não, reforçando, assim, práticas
excludentes.
Portanto, nós, educadores, devemos repensar nosso diálogo com o saber que
legitimamos diante de nossos alunos e repensar o próprio diálogo entre nós e eles. Nos dias
atuais, a escola se defronta com os desafios propostos pela violência, pela evasão escolar,
pela falta de entusiasmo dos professores, pelo descrédito que muitos discursos apontam
diante do magistério e sua competência pedagógica.
Estamos diante de uma escola
tensionada por estes conflitos que se desdobram em soluções que vão desde os índices de
aprovação referendados pelas avaliações institucionais até o inchaço de projetos “culturais”,
que objetivam promover uma escola mais prazerosa e elevar a autoestima dos alunos. As
perguntas que devemos fazer a nós mesmos diante de nossa prática pedagógica são: qual é
o papel da escola diante do conhecimento? Quais são os saberes e valores que elencamos
quando elegemos determinado conteúdo curricular? É possível pensar a escola como espaço
de afirmação de uma sociedade democrática e igualitária, como um espaço em que todos
tenham direito e legitimidade em expressar sua identidade?
O sentido da vida, hoje, para os indivíduos, é constituído de múltiplas referências. Na
vida cotidiana, acentua-se, para todos, a consciência de múltiplos pertencimentos (de
gênero, de religião, de etnia, etc.), tributário dos avanços tecnológicos e pela divulgação dos
meios de comunicação e informação. Com a globalização, cresce a visibilidade das diferenças
e acentua-se a consciência da diversidade cultural.
No contexto da aprovação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, as culturas africana,
afrobrasileira e indígenas, tornaram-se obrigatórias nos currículos escolares, promovendo,
desta forma, um diálogo que rompe com a linha de ensino fundamentada em apenas uma
civilização. No entanto, percebe-se que a tradução da lei, efetivamente em conteúdo
curricular, ainda é frágil. Os saberes indígenas e a religiosidade afrobrasileira são alguns dos
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
pontos mais nevrálgicos quando se aborda a cultura desses povos. Diante disto, coloca-se a
questão: quais os limites que desafiam a inclusão destas temáticas no currículo escolar? Ou
seja, qual é o posicionamento que os professores estão dispostos a manifestar diante da
diversidade de habilidades, desejos, valores e saberes presentes no mundo? Estariam os
profissionais da educação dispostos a confrontar sua cultura com outras formas de saber,
produzidos em outra lógica cultural?
A pesquisa-ação desenvolvida pretendeu problematizar como os valores internalizados
pela comunidade escolar contribuem para o silenciamento de identidades dentro da escola. A
partir deste objetivo, buscou entender de que forma são estabelecidas as relações de poder na
comunidade escolar que legitima ou desafia os preconceitos. Considerando que algumas
propostas curriculares silenciam identidades e os processos de construção da diferença,
poderiam os professores e pedagogos, através de ações curriculares multiculturalmente
orientadas, dar visibilidade às temáticas da diversidade, problematizando a construção das
diferenças? Quais os desafios e potenciais multiculturais presentes em um currículo que
contemple e resgate a relação da cosmovisão africana em uma perspectiva da educação
ambiental?
O Projeto Sagrada Natureza propõe ilustrar, a partir da lógica ambiental presente na
mitologia dos orixás, um dos modos pelos quais podemos elaborar currículos
multiculturalmente orientados e problematizar formas de organização curriculares
monoculturais. Portanto, o Projeto se apresentou como uma das possibilidades de
desenvolvimento de um currículo em ação, como um tópico da educação ambiental em uma
perspectiva multicultural.
Nos limites do presente estudo, os dados da pesquisa-ação desenvolvida incidem
sobre encontros realizados em sala de aula, com os professores regentes, de geografia e
ciências, cujo conjunto apresenta o título “No Xingu... Oxóssi reina”. As atividades
desenvolvidas nos encontros foram conduzidas por mim, sempre na presença do professor
regente, e após a realização da atividade o professor colocava questões a respeito da
temática e abordagem escolhidas.
A escola é um local privilegiado, dinâmico, onde as trocas de ideias são, por vezes,
conflitantes, mas que enriquecem ao reafirmar ou não práticas sociais, posto que são a
discussão e construção de um cotidiano escolar que se deseja dinâmico a partir de seus
conflitos e que se articula entre diversos padrões culturais e modelos cognitivos.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Ao eleger o tema das culturas africanas, afrobrasileiras e indígenas, dialogamos com
os estereótipos e preconceitos que registramos em nosso inconsciente coletivo e que
devemos buscar romper.
Resgatar a cultura afroindígena com a seriedade e o mérito que ela merece é,
também, um exercício de resgate da memória de minorias e marginalizados que, com muito
esforço, mantêm o seu patrimônio histórico e cultural vivo.
Acredito em uma escola como um espaço de cruzamento de culturas, fluido e
complexo, atravessado por tensões e conflitos. Reconhecer a escola como um universo
multicultural, desafia-nos a questionar como legitimamos em nossa trajetória histórica,
como sujeitos socioculturais, silenciamentos de outros tantos sujeitos, negando sua cultura.
A educação, hoje, não deve se limitar à discussão da cidadania e das desigualdades
sociais, lutando apenas contra o que deixa milhares de crianças fora da escola. Cabe aos
pesquisadores em educação aprimorar a discussão e ampliar as possibilidades de pesquisa
para que esta contribua para a reflexão sobre escola e cultura, entendendo esta relação em
perspectiva multicultural, sempre caminhando rumo ao diálogo entre os diversos grupos
sociais, étnicos e culturais.
Como justifica Botelho:
É preciso criar novos espaços e eleger outros atores sociais para um
conhecimento educacional diferenciado e nesse aspecto privilegiar os
conhecimentos dos quilombolas, do povo de santo, das comunidades da
floresta, de grupos que carregam o respeito à natureza. Será benéfico para a
nossa sociedade competitiva e destruidora, que na preeminência do lucro,
devasta grandiosas áreas e desrespeita a irmã-árvore, o irmão-céu, a irmãterra, o irmão-rio, enfim, uma comunidade infinita que sustenta a existência
da humanidade (BOTELHO, 2007, p. 213).
Diante disso, surge a reflexão de que o cotidiano da escola pode ser enriquecido com
novas situações criativas que tenham como objetivo favorecer outras formas de
entendimento do mundo e que estas sejam respeitadas. Por outro lado, ao percebermos o
currículo em constante construção e o nosso potencial de intervenção em nossas salas de
aula e nos demais espaços que se abrem para a discussão, podemos reconhecer o potencial
transformador de nossas ações e reflexão de nossa prática e da escola que buscamos.
Incluir nos conteúdos escolares outras formas de se pensar e fazer ciência, outras
maneiras de leitura e sentido diante do mundo, e diferentes formas de vivenciar o cotidiano
são caminhos que se abrem para o professor e a escola que pretendem praticar um currículo
em ação multiculturalmente orientado.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Um dos caminhos que o Projeto Sagrada Natureza percorreu foi o de promover ações
que escapassem à abordagem unicamente folclórica dos povos indígenas e da mitologia
iorubá. Procurei inserir essas contribuições como conteúdo a ser estudado reflexivamente
pelos alunos. Considero os saberes indígenas e africanos de origem iorubá como possibilidades
objetivas de se pensar o mundo e a ciência.
O título dado a essas ações (aulas temáticas, formações continuadas e oficinas) e que era
divulgado nas escolas foi: “No Xingu, Oxóssi reina!”, inspirado na proposta que o Projeto
defende que é a de que, nas reservas indígenas, o conceito de sustentabilidade ambiental
está presente e pode servir de orientação para as ações ambientais e apresenta a
possibilidade de interpretar o encontro de culturas que estão na base da sociedade
brasileira, que lutam por reconhecimento e que apresentam afinidade em suas mitologias,
nas quais a natureza ganha sua outridade.
Na mitologia iorubá, a natureza é vista como o Outro. Ao contrário da tradição científica
ocidental, que fundamenta o ensino das ciências em nossas escolas, em que a natureza é
tratada como objeto, como um “isso”. (Grün, 2003).
O casamento entre o céu e a terra, assim como o círculo sagrado dos orixás que promove
a união do Orum (céu/orixás) e do Aiê (terra/humanos), parte do princípio de que a natureza
guarda sua outridade e que esta deve ser reconhecida mediante uma relação em que a
natureza é parte fundadora da constituição dos seres e se constitui ela própria em um SER
que atua na tribo, na aldeia e na comunidade.
Para Grün:
A natureza é o Outro que se dirige a nós. A voz do Outro sempre constitui o
campo da compreensão hermenêutica. A linguagem viva do diálogo é que
proporciona a compreensão do Outro. Em toda experiência hermenêutica
existe sempre um potencial para ser outro que repousa não só no consenso,
mas também no respeito pela diferença e pelo Outro. (...) Qualquer
tentativa de interpretar a natureza, a partir da vontade de dominá-la, não é
considerada uma interpretação, uma vez que para a interpretação ocorrer é
necessário que o significado do Outro possa permanecer como autoapresentação, pois ditar o significado da natureza para predição e controle
não é um ato de compreensão. (GRÜN, 2003, p. 179)
O Projeto Sagrada Natureza - A mitologia dos orixás:
Oxóssi, o caçador de uma flecha só e o conceito de sustentabilidade ambiental
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Defendemos, então, uma intervenção através de ações pedagógicas, que discutam
questões ambientais, que caminham em direção ao reconhecimento da natureza e da
cosmovisão africana como sujeitos que estabelecem entre si uma relação que deve ser
contemplada nos conteúdos escolares como mais uma alternativa para as discussões
ambientais na escola.
Como afirma Grün:
Este encontro com a natureza, através de uma dialética da escuta, é sempre
um vir à tona da natureza na linguagem. É importante perceber que tal
processo é relevante para todos os contextos, sejam eles nos currículos das
escolas e universidades, ou contextos macropolíticos como as nações e os
estados políticos. Como Gadamer (1992) nos alerta, nós não precisamos
temer o significado da outridade, pois seu reconhecimento e aceitação é
precisamente o caminho para o reconhecimento e aceitação de nossos
próprios eus, e como meio de genuinamente encontrar o Outro na
linguagem, religião, arte, lei e história. E é isso que constitui o verdadeiro
caminho em direção a uma genuína comunalidade. Assim, a postura acima
esboçada constitui o centro do que Gadamer (1992) formulou como um
princípio político. Eu proponho que é precisamente para esta política e ética
que uma Educação Ambiental efetiva e radical terá que rumar, se nosso
objetivo for nos libertarmos dos constrangimentos causados pelo
Cartesianismo (GRÜN, 2003, p. 184).
Em recente pesquisa, Lima (2011) demonstra como a cultura iorubá, base expoente
das religiões de matriz africana no Brasil, é um exemplo, de lógica diferente de tempo e
narrativa. Lima (2011), argumenta que na concepção africana, o espaço religioso é integrado à
outras esferas da vida, pois a vida se desenvolve num todo orgânico, e não em esferas
específicas e particularizadas. Essa forma de pensar marca distinções importantes frente ao
modelo ocidental:
Enquanto o colonizador marca seu tempo pelo relógio, pelo tempo de
produção, obedecendo a lógica do capital, os Terreiros marcavam o tempo
pelo sistema lunar. Esse jeito de contar o tempo é exatamente contrário ao
do colonizador, pois enquanto esse artificializa o tempo, valorizando-o ao
inventar o sistema produtivo, a comunidade de Terreiro concebe o tempo a
partir de um referencial cultural – os ciclos da lua, o que caracteriza bem a
relação dos últimos com a natureza. Ao invés de um tempo
instrumentalizado pela produção, temos um tempo sacralizado na natureza.
A natureza é o princípio (OLIVEIRA, 2003 apud LIMA, 2011, p. 26).
Os mitos iorubás são patrimônio cultural da humanidade, pois chegaram ao Brasil, na
memória de africanos, que, escravizados, foram obrigados a deixar sua terra natal. Tinha início,
então, uma longa trajetória de luta pelo resgate da identidade desses grupos, que com uma
criatividade imensa recriaram seus mitos, dando origem, dessa forma, ao candomblé,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
expressão religiosa marcada historicamente pela discriminação e, consequentemente, pelo
silenciamento.
Nos livros de história do ensino fundamental, as cruzadas, a atuação dos jesuítas, a
mitologia grega, o mundo islâmico são percorridos pelos alunos nas aulas de história sem
nenhum constrangimento, mas incluir a mitologia dos orixás no currículo escolar, na sala de
aula, causa uma tensão muito grande. Defendemos que talvez não seja por causa do aspecto
religioso, presente nas mitologias, mas sim pelo fato de ser uma mitologia recriada pelos
afrodescendentes a partir de mitos transmitidos pelos antepassados e que ao longo da história
sofreram toda forma de discriminação. Afinal, a mitologia dos orixás foi recriada no Brasil,
dentro das senzalas, é uma cosmologia, que resistiu a séculos de marginalização e que, neste
momento que temos uma legislação que promove a cultura africana e afrodescendente na
escola, tornou-se “a pedra no sapato” para muitos. Como falar de cultura afrobrasileira e não
falar da mitologia dos orixás?
Silva nos ajuda a refletir sobre a relação entre currículo e representação racial quando
afirma que:
Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma
evidente, as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre
outras coisas, um texto racial. A questão da raça e da etnia não é
simplesmente um “tema transversal”: ela é uma questão central de
conhecimento, poder e identidade (SILVA, 2010, p. 102).
Se consideramos que a diferença é um processo relacional – histórico e discursivo – não
podemos desconsiderar que o currículo e os livros didáticos quando não contemplam
determinadas temáticas, ou quando o fazem é de forma superficial, como a mitologia dos
orixás, reforçam a natureza exótica e/ou folclórica da história e cultura afrobrasileira, porque
reduzem a temática a uma questão de informação. As ações desenvolvidas no Projeto Sagrada
Natureza, através de suas oficinas, buscaram trazer essa temática como um conteúdo
curricular, no caso, a temática ambiental, e promoveram a seguinte pergunta: os mitos
indígenas e a mitologia iorubá guardam uma sabedoria e lógica próprias, que também foram
modificadas ao longo da história, mas que resistem e estão presentes na sociedade brasileira.
Sendo assim, por que não podem ganhar representação nos livros didáticos?
Como argumentam Munanga e Gomes:
Tanto a religiosidade negra como outras expressões religiosas devem ser
compreendidas como formas construídas, no interior da cultura, de
estabelecimento de elos com o Criador, com o que está além do que
costumamos considerar como mundo racional. Devem ser vistas como
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“experiências religiosas” e não como mero “credo religioso”. Tomadas como
uma produção da humanidade, fruto das diversas formas de se relacionar
com a natureza, da busca de explicações para questões que afetam a vida de
todos e do modo como se estabelecem relações entre as pessoas e delas
com o mundo (MUNANGA e GOMES, 2006, p. 140).
Entendemos que a mitologia dos orixás guarda em si um fundamento religioso, mas a
leitura e a apropriação desses mitos, em sala de aula e no conteúdo escolar, não é
necessariamente uma vivência religiosa, e, sim, uma aproximação cultural, crítica e reflexiva,
de uma expressão que está presente na sociedade brasileira e que grande parte da sociedade
brasileira desconhece.
Escolhemos o mito de Oxóssi para ilustrar uma temática relacionada ao meio ambiente e
uma aproximação com a cultura indígena.
Oxóssi é o provedor das comunidades. É com ele que a gente aprende que a caça deve
ocorrer para alimentar a sociedade e, assim, deve ter caráter sagrado, de manutenção da
humanidade, sem maus-tratos e sem carnificinas desnecessárias. Pela preservação das
florestas, o grande caçador trará sempre fartura e prosperidade para os lares daqueles que
respeitam a mãe natureza (BOTELHO, 2007).
Relacionamos a partir do seu mito, que o identifica como o caçador de uma flecha, o
conceito de sustentabilidade ambiental.
Portanto, procuramos, nas oficinas, promover o encontro de duas tradições culturais através
de seus mitos e sempre na lógica da sustentabilidade ambiental: os povos indígenas e a
mitologia dos orixás.
Apresentamos para os alunos que a lógica que inspira o arco e a flecha dos índios está
presente na lógica do caçador de uma flecha só, que entra na mata em busca da sobrevivência
e que extrai da floresta o suficiente para a manutenção da vida na aldeia.
Campbell afirma que:
Aprende-se que ao turvar as águas dos rios estaremos maculando o
ambiente das yabás – orixás femininos – e como sabemos que os atributos
de cada orixá nos possibilitam uma vivência mais saudável e íntegra, vamos
assimilando valores de preservação e manejo sustentável, uma vez que
precisamos intervir na natureza, sem, contudo, destruí-la, porque somos
atingidos pela lição da unicidade essencial entre indivíduo e grupo
(CAMPBELL, 1997, p. 369).
Buscamos, assim, inserir a mitologia dos orixás, através do mito de Oxóssi, no conteúdo
escolar, discutindo a trajetória ambiental que marca a história de nosso país. Consideramos
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
que a mitologia dos orixás pode, sim, ser uma alternativa de abordagem para promover uma
nova ética e manejo sustentável da natureza.
A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física e escravização do
“outro”, indígenas e negros, tiveram sua alteridade negadas violentamente. Esta negação se
processa também no plano das representações e no imaginário social. Neste sentido, um
currículo multicultural crítico, que desnaturalize as diferenças e reconheça a trajetória
histórica que legitimou sua construção, nos coloca diante destes sujeitos históricos que foram
massacrados. No entanto, souberam resistir e continuam na atualidade afirmando suas
identidades, produzindo significados e representações que enriquecem o mundo com novas
possibilidades de tradução de sentidos em várias esferas da trajetória humana. O Projeto
Sagrada Natureza, apesar de não abraçar uma trajetória etnográfica, procurou resgatar parte
destes sentidos, significados e representações presentes na cultura destes povos.
No percurso dessas atividades, enfrentamos outros desafios, quase todos relacionados
à pertinência de se contemplar a mitologia dos orixás na escola. O aspecto religioso ganhou
uma relevância que não esperávamos, mas neste momento se apresentava a principal
motivação para a reflexão e pesquisa. O que incomoda é o aspecto religioso ou a forma
equivocada que percebemos ao longo da história. A religiosidade iorubana deve ser vista como
expressão do maléfico, do desqualificado e daquilo que deve, sim, ser apagado de nossa
cultura, ou pelo menos ter expressão apenas folclórica e muitas vezes caricatural? Portanto, o
que nos mobilizou foi tentar entender a motivação religiosa presente nestas críticas e,
consequentemente, o peso das subjetividades que influenciam o cotidiano da escola e a
reflexão e prática dos currículos.
A onça-pintada e a cosmologia dos indígenas no Brasil
O mundo animal tem forte presença como referência cosmológica no universo
mitológico indígena. Trata-se de uma valorização e simbiose com a natureza. São inúmeros
mitos que contam a história de mitos fundadores de vários povos indígenas. Se Prometeu, na
mitologia grega, recebe o fogo de seu pai, Zeus, para transmiti-lo aos homens, os xamãs
também recebem de vários espíritos animais conhecimentos fundamentais para os seres
humanos. O deus criador dos Ashaninka lhes dá a coca; o jacaré está na origem do pequi, tão
importante para os Kuikuro; para os Huni Kuï, a aranha ensina a colher o algodão, e a jiboia é
quem ensina a fazer os desenhos tradicionais – os Kene – que vemos pintados nos corpos das
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
pessoas e feitos nas roupas. A cotia dá o amendoim para os Panará e o rato dá a semente do
milho.
De acordo com Campos (2011), o perspectivismo, concebido por Viveiros de Castro
(2002), é um conceito que qualifica um aspecto muito característico de várias, senão todas, as
cosmologias indígenas:
Trata-se da noção de que o mundo é povoado de muitas espécies e seres
dotados de consciência e de cultura, e, de que, cada uma dessas espécies vê
a si mesma e às demais como animais ou espíritos. Todo ser que ocupa
vicariamente o ponto de vista de referência, estando em posição de sujeito,
apreende-se sob a espécie de humanidade (CAMPOS, 2011, p. 149).
A onça-pintada aparece em vários relatos de mitos fundadores nas cosmologias
indígenas.
Para os Guarani, bem como para outros povos indígenas, o animal está intimamente
ligado aos gêmeos lendários criadores dos povos indígenas. A mãe desses personagens, que os
dá a luz em circunstâncias maravilhosas, vê-se constrangida a procurar refúgio em casa da
onça. A princípio é acolhida, mas, em seguida, as onças que voltavam da caça famintas pelo
fracasso devoram-na. Os gêmeos são poupados e criados pelos felinos, mas quando
descobrem os detalhes da morte da mãe vingam-se, preparando uma armadilha, em que só
sobrevive uma onça que estava grávida.
Entre as tribos sul-americanas, a onça-pintada é reverenciada como a antiga “dona do
fogo”, que os homens roubaram, obrigando-a a comer apenas carne crua, o que a teria
tornado a grande caçadora que é.
Os Kayapós narram da seguinte forma o clássico mito do roubo do fogo da onça:
perdido na selva, um menino é ajudado pelo animal. Em meio às peripécias que se seguem, o
curumim avista um jatobá em chamas. De volta à aldeia, conta aos homens sobre o fogo e o
recolhem, tirando-o da onça. Desde então, os homens comem cozido e ela come cru. Assim, o
homem possui o fogo porque o roubou da onça (segundo algumas versões, ela o deu de boa
vontade). Por causa dessa perda, o animal teria se tornado canibal, devorador de carne crua e
inimigo dos homens. (Levy e Machado, 1999).
Claude Lévi-Strauss (1908-2009) dedicou-se ao estudo desses mitos; registro este que
podemos encontrar no clássico estudo da antropologia nas culturas sul-americanas, O cru e o
cozido (1964). Conforme o antropólogo, nessa mitologia a onça é indissociável da origem do
fogo e da culinária.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Em muitos povos indígenas, os xamãs, quando estão diante de uma doença difícil de
curar, invocam o espírito da onça para lutar contra o mal que ataca o corpo do indivíduo.
Araújo explica que:
Nas culturas indígenas, há uma rica e constante transformação de gente em
animais míticos, de animais míticos em deuses, de deuses em gente, e de
animais em gente. Os seres humanos são muitas vezes formados a partir do
“consórcio entre divindades e animais”. Devemos apreciar essas sofisticadas
elaborações, classificações e associações cosmológicas, como formas de
filosofia indígena. São conhecimentos e interpretações sobre o mundo tão
importantes quanto quaisquer outras formas religiosas e de conhecimento
tradicional (ARAÚJO, 2010, p. 129).
Relatamos alguns mitos que justificaram a escolha da onça-pintada. Além da sua
simbologia mítica e exuberante na cosmologia indígena, a onça-pintada é um dos animais que
marcam a identidade da fauna brasileira, assim como a degradação ambiental e os riscos de
extinção de animais.
Os professores de ciências engajados no Projeto foram convidados a incluir, em suas
aulas, o estudo das onças-pintadas no conteúdo relativo a seres vivos e zoologia,
aprofundando, dessa forma, o conhecimento sobre esse animal.
Nas oficinas, os alunos conheciam alguns mitos relacionados à onça-pintada e sua
relação com a cultura dos povos indígenas.
Nosso principal objetivo era apresentar aos alunos uma lógica diferente de percepção e
convívio com os animais. Contrastando com a caça indiscriminada, que leva os animais ao risco
de extinção, encontramos nos povos indígenas uma possibilidade de recriar esta relação, que
nos inspire para uma lógica ambiental pela sustentabilidade, mas, também, pelo respeito e
reconhecimento da outridade dos animais.
Como explica Campos:
No pensamento indígena a natureza é particular (depende do ponto de vista
do observador) e a cultura é única, humanos e não humanos são sujeitos
dessa cultura, ou seja, uma unidade espiritual e uma diversidade corporal
indígena – uma só cultura e múltiplas naturezas – um “multinaturalismo”. O
perspectivismo evoca a noção de “animismo”, onde as categorias
elementares de estruturação da vida social organizam as relações entre os
humanos e as espécies naturais – o animal é foco estratégico de objetivação
da natureza e de sua socialização. No modo anímico, a relação
natureza/cultura é interna ao mundo social, pois humanos e animais achamse imersos no mesmo seio sóciocósmico (CAMPOS, 2011, p.152).
Dessa forma, animais e outros seres do cosmo se encontram na qualidade de sujeito;
todos se assemelham.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Defendemos, então, uma intervenção através de ações pedagógicas, que discutam
questões ambientais, que caminham em direção ao reconhecimento da natureza e dos povos
indígenas como sujeitos que estabelecem entre si uma relação que deve ser contemplada nos
conteúdos escolares como mais uma alternativa para as discussões ambientais na escola.
Como afirma Grün:
Este encontro com a natureza, através de uma dialética da escuta, é sempre
um vir à tona da natureza na linguagem. É importante perceber que tal
processo é relevante para todos os contextos, sejam eles nos currículos das
escolas e universidades, ou contextos macropolíticos como as nações e os
estados políticos. Como Gadamer (1992) nos alerta, nós não precisamos
temer o significado da outridade, pois seu reconhecimento e aceitação é
precisamente o caminho para o reconhecimento e aceitação de nossos
próprios eus, e como meio de genuinamente encontrar o Outro na
linguagem, religião, arte, lei e história. E é isso que constitui o verdadeiro
caminho em direção a uma genuína comunalidade. Assim, a postura acima
esboçada constitui o centro do que Gadamer (1992) formulou como um
princípio político. Eu proponho que é precisamente para esta política e ética
que uma Educação Ambiental efetiva e radical terá que rumar, se nosso
objetivo for nos libertarmos dos constrangimentos causados pelo
Cartesianismo (GRÜN, 2003, p. 184).
A pesquisa no “chão da escola”: tensões e a afirmação do diálogo.
No decorrer desta pesquisa não foram poucas as afirmações de que todo currículo é
potencialmente multicultural, assim como a escola e a sociedade. Diante disso, qual é a
necessidade de se considerar o multiculturalismo como um referencial teórico para pensar e
orientar os estudos curriculares? Será necessário defender um currículo multicultural, diante
da característica plural da sociedade?
Diante destas questões, nós pesquisadores dos estudos de currículo, inseridos no
referencial teórico multicultural, argumentamos e buscamos promover o diálogo, menos
comprometidos com a verdade inexorável, e mais estimulados pela possibilidade de contribuir
com mais uma forma de olhar a escola, o currículo e a sociedade, dos quais esses mesmos
currículos fazem parte.
Partimos então, não de respostas, mas de novas perguntas. Se reconhecemos a
sociedade como multicultural, entendida aqui, como um mosaico de culturas, que se
encontram, poderíamos dizer mesmo, que se esbarram, no fazer da história, constituindo
desta forma a diversidade cultural, que reconhecemos desde a Antiguidade; então, por que
nos livros de história, por exemplo, encontramos, tão pouco, ou quase nada, a respeito das
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
culturas indígenas? Por que a contribuição do negro na história do Brasil ganha destaque na
escravidão e quase nada se diz sobre as formas de ciência e interpretações do sentido do
universo, tão bem representado na mitologia iorubá? Estes são apenas alguns exemplos de
como devemos cuidar do conceito de currículo multicultural, fazendo a distinção do termo
multiculturalismo, como “encontro” de culturas ou o reconhecimento da diversidade cultural e
da necessidade de lutas pela legitimação da expressão plena das identidades.
Quando estamos comprometidos com um currículo multicultural devemos reconhecer
que a história escolar de cada um de nós e de nossos alunos, foi e é vivida diante de muitos
silenciamentos, os quais foram naturalizados pelo tempo e que na perspectiva multicultural,
que ganha terreno nas discussões sobre currículo, convida a dar voz a estas expressões
identitárias.
E os professores, como lidam com esta nova perspectiva? E os pedagogos e direção de
escolas podem garantir a legitimidade de ações que desafiam preconceitos, mas também
tensionam subjetividades em seus valores éticos e culturais? Quem determina o que deve ser
ensinado em uma determinada comunidade?
Ficou claro, para mim, que muitos professores, com os quais travei discussões a
respeito dos potenciais multiculturais presentes no currículo escolar, conhecem muito pouco
do multiculturalismo e quase sempre reconhecem este termo como diversidade e/ou
pluralidade de culturas, além de, na maioria das vezes, atribuírem a esse conceito as noções de
respeito e tolerância, problematizando menos as questões relacionadas à construção da
diferença.
Dos quatro professores que participaram mais efetivamente com suas turmas das
atividades apenas um deles percebia o multiculturalismo de forma reducionista. Os outros três
eram engajados e, apesar de não adotarem a proposta multicultural como referencial teórico,
buscavam, em suas práticas, o desenvolvimento de ações potencialmente desafiadoras de
preconceitos e abertas a novos saberes. Não é por acaso que foram estes professores que se
engajaram no projeto.
Com o grupo de professores que desenvolvemos o Projeto Sagrada Natureza,
percebemos um potencial reflexivo e disposição para o debate de forma muito positiva.
Apesar de reconhecerem os desafios, refletidos no desconforto que a religiosidade afrobrasileira desperta, todos eles apostaram na possibilidade e participaram ativamente na
construção desta pesquisa.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Relacionar a mitologia iorubá à questão ambiental foi, sem dúvida, o momento de
maior desafio, necessidade de diálogo e comprometimento com a proposta. Sempre foi o
aspecto mais delicado do projeto em seu desenvolvimento, assim como sua articulação com o
saber acadêmico.
Como discutido no capítulo anterior, as críticas eram fundamentadas no caráter laico
da escola pública, e, portanto, a mitologia iorubá na sala de aula poderia representar aspecto
de religiosidade e estímulo à prática desta religião. Por outro lado, recebemos críticas de
colegas pesquisadores, ligados ao movimento afrodescendente, que duvidaram da
legitimidade da ação a partir da afirmação da pesquisadora que mobilizou as ações de que
nunca tinha entrado em um terreiro de candomblé e não tinha a menor tradição no povo de
santo.
Afirmamos, anteriormente, que em nenhum momento as ações do projeto fizeram
qualquer menção aos rituais e práticas do candomblé. O que fizemos foi ilustrar com um dos
mitos relacionados a Oxóssi, o caçador de uma flecha só, o conceito de sustentabilidade
ambiental. Entretanto, não podemos negar que o fundamento religioso esteve sempre
presente como questionamento e atenção, conforme podemos observar na declaração dos
professores quando perguntados sobre qual seria o maior desafio para a abordagem desta
temática na escola:
Profº R.:
A questão religiosa, principalmente devido ao crescimento do número de
evangélicos. Também acho que existiria intolerância de muitos católicos. (R.
Entrevista no dia 16/11/2011)
Profª M.:
Indiscutivelmente o preconceito religioso, muito presente nas nossas
escolas, e a associação dos orixás à macumba, que é sempre vista de uma
forma pejorativa (M. Entrevista no dia 25/11/2011.)
Prof. X.:
O preconceito em relação ao tema, mais fácil de quebrar, e o fato de ser um
assunto religioso, o que exige um cuidado na abordagem (X. Entrevista no
dia 8/12/2011).
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No entanto, os professores entrevistados reconheceram a possibilidade da abordagem
ecológica como forma de lutar contra o preconceito em relação à mitologia iorubá:
Profª R.:
Talvez. Reconheço que pouco conheço sobre o assunto, mas, a princípio
acho que seria importante (R. Entrevista no dia 16/11/2011).
Prof X.:
Sim, principalmente pelo seu caráter panteísta: ver o sagrado, o divino, nas
coisas da natureza (X. Entrevista no dia 8/12/2011).
Profª Maria:
Sim, se a abordagem não for referente ao aspecto religioso (M. Entrevista
no dia 25/11/2011).
De qualquer forma, fica claro, pela reduzida argumentação nas respostas, que a
temática ainda é distante e causa constrangimento.
Considerações Finais
A pesquisa-ação, realizada em escolas da rede municipal de ensino de Niterói, buscou a
partir de experiência anterior em uma das escolas desta rede, ampliar a reflexão e a
intervenção na prática de ensino dos professores, com ações que incluam objetivamente a
temática indígena e afro-brasileira, tendo como fio condutor a relação das mitologia dos
orixás, ilustrando tópicos da educação ambiental.
Com a experiência anterior à pesquisa-ação identificamos que a questão religiosa,
influía subjetivamente na receptividade á temática e se tornou um dos desafios a serem
vencidos. Procurou-se então, com as oficinas que caracterizaram a pesquisa-ação perceber se
em outros espaços escolares, com outros professores e alunos reconheceríamos os mesmos
desafios relacionados a religiosidade e se estes tinham as mesmas motivações. Procuramos
também perceber como as equipes de articulação pedagógica (diretores e pedagogos) se
posicionaram diante da proposta.
O projeto Sagrada Natureza caminhou rumo ao resgate de saberes que ficaram fora do
currículo escolar, da afirmação da escola pública como território onde as identidades tem um
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espaço privilegiado e garantido de expressão e, sobretudo, reconhece o professor como ator
com potencial transformador em seu universo de atuação e esta pesquisa-ação teve como
objetivo mergulhar neste universo e reconhecer este potencial assim como os limites que se
estabelecem para a atuação objetiva e motivação subjetiva do educador.
Cabe a cada um de nós, professores-pesquisadores, em constante reflexão, perceber
nossa arte de fazer como um ato político, transformador e reflexivo. Reconhecer em nosso
cotidiano, o olhar sempre aberto a novas possibilidades, sentir o chão de nossa sala de aula
como um espaço em disputa, internas e externas a ela, defender uma educação e currículo
sensível a outras formas de perceber e viver o mundo que nos cerca, cultivar com mãos
jardineiras a real condição de sujeitos emancipados e plenos de direitos a reinvenção de
nossos caminhos.
Referências
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práticas racistas em espaços escolares. Dissertação (Mestrado em Integração da América
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abr. 2011
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
RELAÇÕES ETNICORACIAIS: ESTUDOS DAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS DOS ORIENTADORES SOCIAIS NO
PROGRAMA PETI
JANYNE BARBOSA DE SOUZA
[email protected]
Resumo
Este trabalho apresenta os resultados de uma investigação realizada no Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil no município de Jequié-BA. O objetivo central foi investigar as
práticas pedagógicas dos orientadores sociais no trato com as relações etnicorraciais.
Tomando como base observações do cotidiano e entrevistas com orientadores sociais,
procuramos compreender o currículo praticado. Como referencial teórico, foram utilizados os
estudos desenvolvidos sobre as relações raciais. As conclusões apontam para o pouco
reconhecimento das desigualdades raciais que podem ser encontrados nos vários documentos
da política de assistência social, em enfrentar as discriminações, consideradas como
vulnerabilidade social.
Palavras-chave: Relações Etnicorraciais. Práticas Pedagógicas. Programa PETI.
RACIAL ETHNIC RELATIONS: STUDY OF PEDAGOGICAL PRACTICES OF GUIDING SOCIAL PETI
PROGRAM
Abstract
This paper presents the results of an investigation carried out in the Programme for the
Eradication of Child Labor in Jequié-BA. The main objective was to investigate the pedagogical
practices of the racial and ethnic relations . Based on observations and interviews with
everyday social agents, we seek to understand the curriculum practiced. Was Used the
theoretical studies on race relations. The findings point to the little recognition of the racial
inequalities in several documents of social welfare policy.
Key-words: Racial ethnic relations. Pedagogical practices. PETI Program
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Introdução
A escola e os espaços socioeducativos são locais de disputas e de conflitos. De forma
geral, o sistema educacional está estruturado de um modo mais conservador do que
transformador, perpetuando o status quo da sociedade e os preconceitos de classe, gênero e
de raça, legitimando as classes sociais e as ideologias sexistas e racistas.
É nesse contexto que se encontra a demanda curricular de introdução da educação
para as relações etnicorraciais, o que demanda mudanças de representação, de práticas e a
produção cotidiana de currículos que tornem possível/viável a implementação da lei
10.639/03.
O trabalho com a Lei 10639/03 exige mudança de práticas e descolonização dos
currículos em relação à África e aos afro-brasileiros. Exige questionamento dos lugares de
poder. Indaga a relação entre direitos e privilégios arraigada em nossa cultura política e
educacional, em nossas escolas e na própria prática pedagógica. Nesse sentido, descolonizar
os currículos é mais um desafio para a educação (GOMES, 2006).
Os espaços socioeducativos e os programas sociais podem ser compreendidos como
locais de diálogo, luta e resistência contra as injustiças sociais ou quaisquer práticas
discriminatórias13 e preconceituosas que impeçam a superação e a promoção da igualdade
racial, de forma que os sujeitos envolvidos nesse contexto possam aprender a conviver
vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural.
Assim sendo, torna-se fundamental aliar, na luta política, a dinâmica racial. Portanto, a
questão racial deve ser um componente importante a ser considerado não apenas pela escola,
mas também pelos programas socioeducativos na superação das desigualdades raciais. Nesse
sentido, a pesquisa buscou investigar as práticas pedagógicas e o tratamento da questão racial
com crianças e adolescentes do Programa PETI, verificando as maneiras pelas quais essas
práticas revelam sobre a questão racial.
A pesquisa pode ser caracterizada como um estudo de caso investigativo de natureza
qualitativa. Ao realizar o estudo de caso foi possível conhecer em profundidade o particular, os
sujeitos, a instituição, nesse caso o Programa PETI e o grupo social do referido Programa.
Para a compreensão das práticas pedagógicas voltadas para a questão racial e ao
enfrentamento do racismo e da discriminação no PETI os instrumentos metodológicos
13
Comportamento iníquo ou tratamento desigual de outros com base em sua pertença grupal ou possessão de um traço
arbitrário, como a cor da pele (Guimarães, 2008, p. 50).De acordo com Munanga a discriminação é o nome que se dá para conduta
(ação ou omissão) que viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a
opção religiosa e outros (Munanga, 2008, p. 59).
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utilizados foram observação in loco, registros no diário de campo e entrevistas
semiestruturadas. Após ir a campo, fez-se a análise dos dados, com as informações recolhidas
no diário de campo, o que permitiu a triangulação dos dados coletados.
Destacamos que a inserção da diversidade nos currículos, nas práticas pedagógicas
implica ampliação da compreensão sobre as causas dos fenômenos como: desigualdade,
discriminação, etnocentrismo, racismo, preconceito e na dimensão de educar para relações
etnicorraciais.
SITUANDO O CAMPO EMPÍRICO: EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS NO
PROGRAMA PETI
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) implantado pelo Governo
Federal, em 1996, articula um conjunto de ações visando proteger e retirar crianças e
adolescentes com idade inferior a 15 anos do trabalho precoce, resguardado o trabalho na
condição de aprendiz a partir de 14 anos. O PETI tem como objetivo erradicar todas as formas
de trabalho infantil no país, em um processo de resgate da cidadania de seus usuários e
inclusão social de suas famílias (BRASIL, 2003).
Em parceria com os três níveis de governo (municipal, estadual e federal), o PETI se
respalda nos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988, em especial, no artigo
227, que determina:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
A política da assistência social foi incrementada após a Constituição de 1988 e foi
regulamentada com a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993. Outro marco
importante para refletir sobre as questões voltadas ao PETI é o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, o qual assegura às crianças e adolescentes o pleno
desenvolvimento físico, moral, espiritual e social, além dos direitos consagrados pela
Constituição, tais como: à convivência familiar e comunitária, à educação, à saúde, à cultura,
ao esporte e ao lazer. Basicamente a LOAS e o ECA apontam para a universalidade das políticas
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
assistenciais. Assim, as ações públicas devem ser orientadas para todas as crianças,
adolescentes e jovens sem discriminação de cor, sexo, religião dentre outros (BRASIL, 2003).
Quando se discute as relações raciais no Brasil, percebemos que estamos impregnados
de ideologias, contradições e paradoxos. Sem dúvida, o racismo é um fenômeno social
presente de forma concreta na estrutura social brasileira. Vale ressaltar que este fenômeno
não pode ser analisado de maneira isolada e descontextualizada, pois ele se manifesta dentro
da dinâmica e das relações sociais.
Com relação a esse contexto, Munanga (2008, p.183) ressalta que:
Os negros, ao longo da história do Brasil, têm sido, juntamente com os
índios, os mais discriminados. Essa questão deve ser abordada na escola,
incluída objetivamente no currículo, de tal forma que o aluno possa
identificar os casos, combatê-los, resolvê-los, fazendo que todos sejam
cidadãos em igualdade de condições, a respeito das diferenças e
especificidades que possam existir.
Neste sentido, a discriminação racial se faz presente como fator de seletividade na
instituição escolar e o silêncio é um dos rituais pedagógicos por meio do qual o racimo e a
discriminação se expressam, conforme já apontaram os estudos de Oliveira (1985) e Cavalleiro
(2003). Não se pode confundir esse silêncio com o desconhecimento sobre o assunto ou a sua
invisibilidade.
Com efeito, o processo de construção do conhecimento escolar sofre, inegavelmente,
efeitos de relações de poder, o currículo instituído pela escola e pelas ações socioeducativas
acabam hierarquizando determinado saberes e, no mesmo sentido, definindo o que deve e o
que não deve ser ensinando pela escola. Como consequência desse poder de legitimação do
que deve ser ensinado, na construção do conhecimento escolar (e de seu currículo),
Legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se saberes
populares. Silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e grupos sociais e
classificam-se seus saberes como indignos de entrarem na sala de aula e de
serem ensinados e aprendidos. Reforçam-se as relações de poder favoráveis
à manutenção das desigualdades e das diferenças que caracterizam nossa
estrutura social (MOREIRA & CANDAU, 2007, p.25).
Assim, o currículo não está envolvido em um simples processo de transmissão de
conhecimentos e conteúdos. Possui um caráter político e histórico e também constitui uma
relação social, no sentido de que a produção do conhecimento nele envolvida se realiza por
meio de uma relação entre pessoas (GOMES, 2007).
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
O UNIVERSO DA PESQUISA: A REALIDADE DO PETI
O racismo é uma mazela histórica, cuja raiz se encontra na própria natureza humana.
Ele assume várias formas que vai de manifestações explicitas de violência quanto de ações
camufladas de segregação. Certos valores vão sendo construídos para justificar a atitude
racista, valores estes que espalham no inconsciente coletivo das pessoas, produzindo e
reproduzindo uma geração preconceituosa e indiferente com essa realidade de
marginalização.
Nesse sentido, a constante atitude de preconceito da cor da pele representa ainda um
forte desafio para os afrodescendentes, a condenação de quem o pratica, revela para o branco
certo alívio ou reparação pelo mal causado durante todo processo de escravidão do negro.
Essa sensação de alívio, na verdade, camufla e dissimula em si mesmo o “preconceito de não
ter preconceito”.
Florestan Fernandes (1965, p.43) diz que o homem branco
(...) em lugar de procurar entender como se manifesta o ‘preconceito de cor’
e quais são seus efeitos reais, ele suscita o perigo da absorção do racismo,
ataca as ‘queixas’ dos negros e dos mulatos como objetivação desse perigo e
culpa os ‘estrangeiros’ por semelhante ‘inovações estranha ao caráter
brasileiro.
Essa posição do homem branco camufla um racismo que existe e está interiorizado,
permitindo que ele fique em uma zona de conforto, ou seja, que se isente de suas
responsabilidades diante dos seus comportamentos e atitudes que representa intolerância
racial ou étnica.
A realidade evidencia episódios de pessoas de pele branca apresentando atitudes que
revelam desprezo ou até mesmo que inferiorizam o negro na sociedade, mas que quando
questionadas são explicadas como se nunca tivessem ocorrido tais comportamentos. Em
certos momentos tais atitudes são justificadas como se o negro ou o mulato fossem os
responsáveis por elas, ou ainda, o que é pior, como se fossem idealizadas por eles, por não
aceitarem sua cor de pele ou sua posição social, histórica e econômica.
Essa realidade é comprovada pelas análises da investigação, quando as orientadoras
foram questionadas se já passaram ou presenciaram algum fato discriminatório contras
pessoas negras na escola onde estudou ou no espaço de trabalho, as repostas foram unânimes
positivas, todas afirmaram que sim. Essas afirmações estão evidencias nas suas falas:
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Geralmente acontece muito isso no cotidiano, pois a discriminação é um
fato que cresceu muito na sociedade. Aqui há discriminação, não só em
relação a cor, mas a tudo. Com os assistidos, em geral sempre constato esse
fato, às vezes até discutindo, eles se vingam discriminando o colega. Agora
com a gente adulto não! Só com os meninos, todo momento, a gente vê a
discriminação entre eles, no caso da gente, a gente brinca com nossa colega
(C), mas não somos racistas, apenas brincamos com ela”... (INFORMANTE A).
Sim, claro! Todos os dias os deparamos com isso e aqui no PETI existe entre
assistidos e assistidos, eles mesmo, uns xinga o outro de negro de cabelo
duro, e o próprio preto não gosta de ser chamado de negro. Ele mesmo é
racista. O próprio negro, não aceita quem ele é (INFORMANTE B).
Já sim! Eu mesma, eu sou exemplo, sempre sofro práticas racistas. Aqui no
PETI, as práticas racistas acontecem abertamente entre os assistidos, em
relação às pessoas que trabalham aqui, não vemos a prática discrimintória
declaradamente, aparece nas entrelinhas, é camuflado (INFORMANTE C).
Já presenciei vários casos discriminatórios. De maneira geral isso acontece e
vai existir sempre. Aqui no PETI, entre os assistidos, mas nada que não fosse
resolvido depois de uma boa conversa (INFORMANTE D).
Nota-se, portanto, que a discriminação representa para os orientadores entrevistados
algo indesejável porque penaliza pessoas e grupos sociais, por outro lado, estes defendem um
discurso sobre o tratamento igualitário dado a todos os assistidos do Programa. A partir desse
discurso de igualdade, os agentes educativos acabam fixando um modelo de sociedade e
punem todos aqueles que dele desviam isso, é legitimado não só por aquilo que é dito, mas
por tudo que é silenciado.
Além das observações, os depoimentos das crianças e adolescentes, revelaram através
de conversa informal que sofriam práticas discriminatórias não só no PETI, mas em todos os
espaços sociais. Algumas no decorrer da conversa, ficaram constrangidas em falar sobre
assunto, outras abertamente revelaram sofrer com a discriminação. Numa atividade em grupo
onde deveriam falar sobre a cor da pele, como elas se identificavam, as crianças e
adolescentes negras (os) timidamente se classificaram como morenas, não se identificaram
como negras, as crianças e adolescentes brancas (os), não tiveram problemas nem receio em
se classificarem como brancas.
Outro ponto observado foi a questão da autoestima das crianças e adolescentes
brancas (os) em relação às crianças e adolescentes negras (os). Os estudos realizados apontam
que as crianças brancas são vistas como o tipo ideal e como as mais bonitas, essas preferências
podem ser explicadas pelo silenciamento em relação ao negro na escola e durante todo
processo histórico de negação.
A criança ou adolescente chega à escola e seus valores, sua cultura são ignorados,
prevalecendo um estereótipo de beleza e cultura já padronizada como ideal. Com isso ela
passa a desprezar sua aparecias física ou até mesmo suas raízes ancestrais e culturais.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Nesse contexto,
A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e para
a emancipação dos grupos discriminados, ao propiciar acesso aos
conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de
racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos
avançados, indispensáveis para a consolidação e concerto das nações como
espaços democráticos e igualitários (BRASIL, 2004, p. 6).
A pesquisa aponta para a necessidade de se considerar as diferenças nas práticas
educativas do PETI, pois, não há uma sensibilização em relação aos processos culturais
vivenciados pelas crianças e adolescentes que são atendidas pelo Programa, o que contribui
para que estas crianças construam ou reforçam uma representação negativa do negro a partir
do ideário do branqueamento.
Sobre esse contexto Cavalleiro (2008, p.19-29) afirma que:
Numa sociedade como a nossa, na qual predomina uma visão
negativamente preconceituosa, historicamente construída, a respeito do
negro e, em contrapartida, a identificação positiva do branco, a identidade
estruturada durante o processo de socialização terá por base a precariedade
de modelos satisfatórios e a abundância de estereótipos negativos sobre os
negros. Isso leva a supor que a imagem desvalorativa/inferiorizante de
negros, bem como a valorativa de indivíduos brancos, possa ser
interiorizada, no decorrer da formação dos indivíduos, por intermédio dos
processos socializadores. Diante disso, cada indivíduo socializado em nossa
cultura poderá internalizar representações preconceituosas a respeito desse
grupo sem se dar conta disso, ou até mesmo se dando conta por acreditar
ser o mais correto.
As políticas de branqueamento que sustentaram o preconceito, o racismo e a
discriminação ao longo da formação do Brasil serviram para retardar as ações de combate a
essas posturas. Embora, legalmente, todos sejam considerados cidadãos na sociedade, na
prática os afrodescendentes são os que mais sofrem com as condições desiguais que se
intensificam com os estereótipos criados para desqualificar o negro.
Algumas entrevistadas apresentam ter um conhecimento superficial a estes conceitos
e outras não souberam conceituar. As observações evidenciaram a existência do racismo no
Programa PETI ora de forma sutil, outras vezes de forma explícitas nas práticas educativas
diárias, nas atitudes das orientadoras, nos comportamentos das crianças/adolescentes.
Penso que o preconceito é não saber distinguir a raça, só existe uma raça só,
e discriminação é excluir as pessoas, acho que esses conceitos deveriam ser
trabalhados de uma forma melhor para conscientizar as pessoas
(INFORMANTE A).
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Não concordo com o preconceito e a discriminação, para mim o preconceito
é fazer um conceito antes de conhecer, e a discriminação é você afastar,
fazer o afastamento. Aqui tem negro, mas a gente leva na brincadeira... O
preconceito e a discriminação já tá encravado entre eles, já ta enraizado, já
vem de casa, eles mesmo tem preconceito um do outro. O próprio negro,
não aceita quem ele é (INFORMANTE B).
Pra mim o preconceito é uma coisa de raiz, desde da colonização, da forma
como foi criado a população. Pra mim o preconceito é um conceito formado
sem conhecimento de causa, sem conhecimento do que existe. O
preconceito é o sinônimo de ignorância e a discriminação é rejeitar,
desvalorizar, é o proibido da sociedade, é a falta de respeito total com as
pessoas. Ele existe e, é difícil de ser combatido (INFORMANTE C).
O racismo é uma questão extremamente complexa que pode ocorrer independente da
classe social que seus envolvidos pertencem. No Brasil ele é fruto de um processo histórico
que impuseram ao povo negro uma condição de exclusão social, política, culturas e econômica
que atualmente tem sido analisados e combatidos por várias instituições, principalmente a
educacional.
Dando continuidade à análise, a pesquisa realizada no Programa PETI, aponta a
existência de práticas racistas discriminatórias nas relações interpessoais adulto/adulto,
adulto/crianças e adolescentes e crianças/ adolescentes. As crianças utilizam termos
pejorativos que desvalorizam a imagem do negro, os adultos por sua vez, reforçam essas
práticas na medida em que, acham graça e chamam as crianças pelo apelido e não pelo nome,
além disso, não sabem lidar com a situação de enfrentamento e combate do racismo e
discriminação.
Aqui no PETI, eles mesmos discriminam uns aos outros, eles xigam o outro
de negro do cabelo duro, a gente nem sabe como interferir, o que fazemos é
chamar pra conversar. Mas o próprio preto não gosta de ser chamado de
negro. Ele mesmo é racista.
No PETI nós trabalhamos o racismo, mas eles não se aceitam, eles xigam os
outros de negro preto, e o outro diz: eu não sou negro! sou moreno.
Aqui no PETI, não vemos a prática racista e discriminatória declaradamente,
aparece nas entrelinhas, é camuflado usa-se sempre alguns termos, me
recordo de alguns especificamente, como por exemplo, se dirigem a mim:
“A bichinha é preta, mas é retada”, “só é preta, mas é inteligente” ou seja, o
meu defeito é ser Negra! Lembro também de alguns termos pejorativos,
momentos em que já vejo colegas e até os próprios assistidos sofrerem com
brincadeiras e apelidos maldosos que servem pra reforçar e inferiorizar ou
revelar certa incapacidade por ele ser negro. Expressões tipo: Seu macaco,
urubu, negro preto, negro não tem onde cair morto, cabelo de pixaim,
picolé de betume (FALAS DAS INFORMENTES).
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
As referidas falas refletem como a ideologia do branqueamento está impregnada e
perpetua nos comportamentos das pessoas, principalmente das crianças/adolescentes, elas
internalizam uma imagem negativa, de si própria, e uma imagem positiva do outro, a
criança/adolescente negro é estigmatizada e tende a se rejeitar, a não se estimar. Torna-se
desejável querer ser branco, já que o ideal é branco. Dessa forma, as crianças negras
percebem quando são desqualificadas, são consideradas feias e elas introjetam a inferioridade.
Em sua concepção, ser negro, é ser feio.
De acordo com Cavalleiro (2008, p.46):
Muitas vezes as crianças são incentivadas pelas próprias professoras a
revidarem as agressões sofridas na escola. Não são levadas a refletir sobre
os momentos de agressividade, nem a ponderá-los. O modo como essas
educadoras concebem o cotidiano escolar e as relações interpessoais nele
estabelecidas dificulta a percepção dos conflitos étnicos e, inclusive, a
realização de um trabalho sistemático que propicie a convivência
multiétnica, já que para elas esses problemas inexistem.
Assim, a constituição da identidade do ser humano, está ligada ao processo de
socialização que abrange a inculcação de valores que dão referências de sua visão de mundo e
da sua própria imagem ou auto representação. De acordo com Romão (2001, p. 16), a questão
da identidade negra fragmentada, ter ou não ter autoestima, está relacionado com a dimensão
histórica que por vezes coopera para a construção de estigmas, e se esse fato não for
considerado acaba por naturalizar a baixa autoestima da criança negra como sendo algo
inerente à sua personalidade. Ainda segundo a autora, ninguém nasce com alta ou baixa
autoestima ela é aprendida e resulta das relações sociais e históricas.
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre esse tema, relações raciais, e mais especificamente sobre estas relações
raciais no contexto do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um grande desafio o que
a referida pesquisa sugere como uma das ferramentas de combate ao racismo no espaço do
PETI e Programas Sociais, é que a questão racial não continue sendo ocultada nesses espaços,
devendo possibilitar um espaço permanente para discussão e reflexão de práticas racistas e
preconceituosas visando à superação de estigmas e discriminação contra os negros que é tão
presente nesse espaço de convivência como é o caso do PETI, no município de Jequié.
As contribuições obtidas pontam como resultados no que concerne ao PETI no trato
com as questões raciais, é que existe pouco reconhecimento das desigualdades raciais que
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
podem ser encontrados nos vários documentos da política de assistência social, em enfrentar
as discriminações, consideradas como vulnerabilidade social.
Somado a isso, os esforços das políticas de assistência social estão limitados para o
combate do racismo e a promoção da valorização da dignidade e identidade negra. A questão
racial é tratada de maneira pontual, vazia, solta, superficial e precária. O discurso que permeia
as práticas educativas de não abordar a temática, porque o assunto é polêmico, revela o
“medo” que se tem em discutir a questão racial na sociedade.
O Programa precisa urgentemente rediscutir sua proposta educativa para que atenda as
políticas públicas de promoção da igualdade racial nesse espaço. Com efeito, é preciso avançar
nas discussões e implementação da Lei 10.639/2003 nos espaços socioeducativos no sentido
de garantir às crianças e adolescentes do referido Programa a plenitude de sua dignidade,
respeito a sua identidade étnica. Indubitavelmente, é imprescindível um trabalho pedagógico
comprometido com a cidadania visando o combate ao racismo e à discriminação racial.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS E A
CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR: UM CAMINHO
A SER TRILHADO
Josilene Rodrigues da Silva14
[email protected]
Resumo
Este trabalho tem por objetivo, refletir sobre a educação para as relações étnico-raciais a partir
da implantação da Lei Federal n°10. 639/03 (alterada pela Lei 11.645/08) e suas implicações no
currículo escolar. Tais leis exigem a inserção dessa temática na educação escolar, a fim de
promover a valorização e o reconhecimento das diferenças étnicas e culturais que compõem a
formação do povo brasileiro. Tomamos como referência a legislação atual sobre a temática e
os estudos voltados para a diversidade étnica e cultural. Concluímos que a ressignificação do
currículo escolar é imprescindível para a construção de uma educação anti-racista e mais
humanitária.
Palavras chaves: Currículo escolar. Relações Étnicorraciais. Lei 10.639/03
Introdução
Trata-se de um estudo referente à implantação da Lei Federal 10.639/03 (alterada pela
Lei 11.645/08), que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Etnorraciais que dispõe sobre a introdução no currículo da educação básica, o Ensino
de História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana.
O estudo da história da África compreende a discussão dos diferentes aspectos da
história e da cultura desses povos, que caracterizam a formação da população brasileira
possibilitando a reconstituição de suas contribuições à história do Brasil nos aspectos social,
econômica, político e cultural.
As DCNS para a Educação das Relações Etnorraciais constituem-se como um conjunto
de orientações, princípios e bases para o planejamento da inclusão do ensino da História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Tem por fim promover a educação de cidadãos (ãs)
pensantes, críticos, formadores de opinião e atuantes dentro de uma sociedade multicultural e
pluriétnica no Brasil.
A educação para as relações étnico-sociais investem na geração de imagens positivas
ao mesmo tempo em que combatem as imagens negativas que se tem em relação aos povos
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Trabalho elaborado em co autoria com Luciene Chaves de Aquino. E-mail: [email protected]
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
oriundos dos países do continente africano, contribuindo para uma sociedade mais
democrática e tolerante. Um dos caminhos a ser trilhado para chegarmos ao estado pleno de
democrácia e respeito à diversidade é através da educação. Nessa perspectiva as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais assinala que
Precisa, que o Brasil, país multi-étnico e pluricultural, de organizações
escolares em que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o
direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser obrigados a negar
a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes,
idéias e comportamentos que lhes são adversos (BRASIL, 2005, p. 18).
Embora sua obrigatoriedade se estenda ao Ensino Fundamental e Médio, o (a)
educador (a) pode propor situações e atividades educativas que enfatize aspectos da História e
Cultura Afro-Brasileira e indígena ainda na Educação Infantil. Considerando que as relações
etnorraciais não acontecem a partir do Ensino Fundamental, mas sim, perpassam toda vida
escolar.
Portanto, partimos da compreensão que na condição de sujeitos sociais estamos
envolto às relações étnico-raciais e humanas, na medida em que compreendemos que o
diálogo e o conhecimento sobre o outro é essencial para a construção do respeito.
Nessa perspectiva, Candau (2007, p. 15) nos esclarece que “para se construir uma
sociedade pluralista e democrática, o diálogo com o outro, os confrontos entre os diferentes
grupos sociais e culturais são fundamentais e nos enriquecem a todos”. Desse modo o
conhecimento é indispensável para convivermos com as diferenças étnicas, sendo a escola
responsável por essa formação mais humanística que favoreça o desenvolvimento da
criticidade e de sujeitos menos preconceituosos. Por que não é possível abandonar as práticas
preconceituosas sem antes termos nos aceitado como pessoas preconceituosas.
No entanto as diretrizes curriculares ou a legislação por si só, não são suficientes para
a efetivação de uma educação que valorize e reconheça a maioria étnica enquanto
constituinte e construtores da nossa nação.
O diferencial implicará na reformulação do currículo escolar, entendido como uma
construção estruturada e organizada como um repertório que orienta a prática educativa.
Constituído por atividades, conteúdos, métodos, experiências utilizadas para cumprir e
alcançar as finalidades educativas, que na maioria das vezes são definidos pelos interesses
capitalistas. Tal como afirma Silva (2007, p. 34), “o currículo da escola está baseado na cultura
dominante: ele se expressa na linguagem dominante. Ele é transmitido através do código
cultural dominante”.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Esses fins da educação podem estar implícitos ou explícitos, eles atendem aos
interesses dos grupos homogêneos. Portanto é indispensável que o currículo escolar e a
escola, enquanto espaço de formação dos sujeitos envolvidos nesse processo, seja organizado
para acolher as novas demandas educacionais que atentam especificidades e amplitudes do
ensino para as Relações Étnicos Raciais, atuando na descolonização do currículo.
Currículo escolar e os recursos pedagógicos como instrumentos de perpetuação de
preconceitos.
O currículo escolar da educação básica precisa estar isento da veiculação de
informações discriminatórias. De igual modo, é essencial que os livros didáticos e os demais
recursos pedagógicos sejam desprovidos de qualquer forma de estereótipo, e venha a
favorecer um estado de preconceito no espaço educacional e na sociedade vigente. Apoiandonos nas palavras de Munanga (2005, p. 17) “livros e outros materiais didáticos visuais e
audiovisuais carregam os mesmos conteúdos viciados, depreciativos e preconceituosos em
relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental”.
Percebemos que os próprios recursos didáticos, a começar pelo livro didático
contribuem para a construção de uma imagem negativa ou de inferioridade do negro na
saciedade, quando em geral, “o negro” figura na história apenas como escravos que “vieram”
para o Brasil em um dado momento histórico, deixando de ressaltá-lo como sujeito construtor
dessa sociedade.
Deste modo os materiais pedagógicos utilizados pelos professores, são impregnados
de preconceitos em relação aos grupos étnicos originários de outros países, sobretudo dos
países africanos. Como somos frutos de uma educação eurocêntrica e por isso,
conscientemente ou inconscientemente, muitas de nossas práticas estão arraigadas de
discriminação.
Compete à escola o papel de desmistificar as representações sociais preconceituosas a
pessoa negra na sociedade, de modo que nossos alunos (as) sejam capazes de inferir de forma
crítica os processos históricos nos quais os(as) negros(as) que foram trazidos, subjugados,
aculturados, negados e renegados pelos grupos homogêneos que formavam a elite brasileira.
E neste processo compreender a diversidade, etnicidade, identidade e cidadania como um
direito constitucional do indivíduo brasileiro.
Diante do exposto, percebemos que é necessário ter um currículo que reflita
integralmente sobre as contribuições dos grupos étnicos na formação das identidades
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
culturais, bem como no crescimento e desenvolvimento do nosso país. Partindo do
entendimento de que o não reconhecimento de suas contribuições para nossa sociedade
também constitui como forma de discriminação racial.
Currículo tradicional e Educação étnicos-raciais
Historicamente os (a) negros (a) foram negligenciados pela sociedade, e a escola como
formadora de cidadãos (ãs) não está preparada para acolher as diferenças étnicas, culturais e
religiosas, ou seja, as diversidades. Porque nossa educação ainda é pautada num currículo
tradicional, eurocêntrico e monoculturalista que privilegia e valoriza a cultura dominante em
detrimento da cultura e costumes da população negra.
Proponha-se um currículo despojado de preconceitos que supere o a falsa democracia
racial, que Munanga (2005, p.20) denominou “mito segundo o qual no Brasil não existe
preconceito étnico-racial”. Isto falseia e mascara o preconceito racial em nosso país.
Dessa forma a escola tem sido aliada para que esses grupos ocupem posições de
inferioridade, entretanto o que se pretende é que ela torne-se um espaço múltiplo e diverso e
acima de tudo inclusivo. Não podemos esquecer que o Brasil é pluriétnico e multicultural.
Portanto a educação brasileira não pode desconsiderar as relações entre os diversos grupos
étnicos que compõem o país.
Considerações finais
A implantação da Lei 10.639/03 e as Diretrizes convoca a comunidade educacional:
alunos (as) professores (as), gestores (as), coordenadores (as), pesquisadores (as) e a
comunidade, a refletirem sobre as Relações Étnicos Raciais. Buscando uma educação menos
racista e preconceituosa o que é não fácil, pois como já foi argumentado, a história dos negros
(as) ao longo dos anos foi camuflada.
Começando por descolonizar o currículo enquanto instrumento de poder de grupos
hegemônicos. Sendo assim, a reformulação do currículo para incluir a Educação para as
Relações Étnicos-Raciais significa transformá-lo numa ferramenta de conhecimento contra o
pensamento da hegemonia dominante.
Por fim, entendemos a emergência da desconstrução de velhos paradigmas. Isto
possibilitará resinificar o currículo, considerando seu potencial social, político e cultural,
englobando sua dimensão multifuncional e dimensional, como caminhos que levam ao
favorecimento da igualização e convivência respeitosa com das diferenças.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
REFERÊNCIAS
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CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e direitos humanos. In.: Direitos humanos: relações
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Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
2005.
SILVA, Tomaz Tadeu da: Documentos e identidades: uma introdução ás teorias do currículo. 2
ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2007.
ISSN 18089097
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A TESSITURA DA IDENTIDADE NEGRA E AS RELAÇÕES
INTERRACIAIS NA FAMÍLIA E NA ESCOLA
Margareth Maria de Melo, UEPB
RESUMO
Este artigo tem por objetivo
discutir como as identidades das estudantes negras são
tecidas nas relações interraciais na família e na escola e os desafios que os currículos escolares
enfrentam nos cotidianos. O caminho percorrido foi a pesquisa qualitativa nos/dos/com os
cotidianos (ALVES, 2008). Neste texto dialogamos com quatro estudantes negras sobre suas
histórias de vida (BOSI, 2003) e a partir de suas narrativas refletimos sobre a tessitura de suas
identidades, as relações interraciais presentes nos cotidianos do ambiente familiar, no interior
das escolas e as lacunas na formação docente no trato do racismo. O grande destaque é o
fenótipo que define o que é ser negro/a. A partir de estudiosos/as como Munanga (2006;
2009), Gomes (2002), Fernandes (2007), Pollak (1989), dentre outros, buscou-se compreender
sobre como a estética negra influenciou na tessitura da identidade e como os silêncios foram
se representando nas tramas cotidianas das histórias de vida de cada estudante. Os silêncios e
o “não dito” foram táticas usadas pelas praticantes (CERTEAU, 2007) para conviver com o
racismo e a discriminação. O desafio é como no processo de formação docente enfrentar as
lacunas tanto do currículo do curso de formação de professores, como do currículo da escola
básica?
Palavras – chave: Relações Interraciais. Cotidianos. Formação Docente. Racismo.
ABSTRACT
This article aims to discuss how female black students are woven in the interracial
relationships in the family and in school and the challenges that the school curricula face every
day. The path taken was a qualitative research in / from / with daily (ALVES, 2008). In this text
we dialogue with four female black students about their life histories (BOSI, 2003) and from
these narratives we reflected about the tessitura of their own identities, the interracial
relationships present in daily familiar environment, within schools and the gaps in teacher
training in the treatment of racism. The highlight is the phenotype that defines is what is being
black. From the scholars such as Munanga (2006; 2009), Gomes (2002), Fernandes (2007),
Pollak (1989), among others, we have sought to understand how black aesthetic influenced in
the tessitura of identity and how the silences were representing themselves in daily plot of life
histories of each student. The silences and the “unsaid” were tactics used by the practitioners
(CERTEAU, 2007) to live together with racism and discrimination. The Challenge is like in the
process of teacher’s formation face the gaps both in the curriculum of the course of teacher
training and in the curriculum of elementary school.
KEYWORDS: Interracial Relationships. Everyday. Teacher Training. Racism.
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O presente artigo se refere a uma parte da minha tese de doutorado realizada no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(PROPED/UERJ), intitulada “Gerando eus, tecendo redes e trançando nós: ditos e não ditos das
professoras e estudantes negras nos cotidianos do Curso de Pedagogia” da Universidade
Estadual da Paraíba. Neste artigo, pretendo discutir como as identidades das estudantes
negras são tecidas nas relações interraciais na família e na escola bem como os desafios que os
currículos escolares enfrentam nos cotidianos.
A pesquisa qualitativa nos/dos/com os cotidianos (ALVES, 2008) foi o caminho trilhado
permitindo o diálogo com quatro estudantes negras sobre suas histórias de vida (BOSI, 2003).
A partir de suas narrativas refletimos sobre a tessitura de suas identidades, as relações
interraciais presentes nos cotidianos do seio familiar e no interior das escolas. Esses momentos
de troca e aprendizado mútuo possibilitaram observar as lacunas na formação docente no
trato da diversidade e do racismo.
As estudantes (Rose, Cláudia, Emanuela e Carla) demonstraram nas nossas conversas
as influências que o ambiente familiar provocou na tessitura de suas identidades, a
afirmaçãonegação15 das mesmas são indícios de como essas relações contribuíram para uma
autoestima positivanegativa na trajetória de vida destas praticantes (CERTEAU, 2007). O
grande destaque nessa dinâmica é o fenótipo que define o que é ser negra.
Segundo Munanga (2009) os problemas dos/as negros/as com relação a sua estética
são de ordem específica e devem ser enfrentados por eles/as para se superar a alienação.
O negro tem problemas específicos que só ele sozinho pode resolver,
embora possa contar com a solidariedade dos membros conscientes da
sociedade. Entre seus problemas específicos está (CIC), entre outros, a
alienação do seu corpo, de sua cor, de sua cultura e de sua história e
consequentemente sua “inferiorização” e baixa estima; a falta de
conscientização histórica e política, etc. Graças à busca de sua identidade,
que funciona como uma terapia de grupo, o negro poderá despojar-se do
seu complexo de inferioridade e colocar-se em pé de igualdade com outros
oprimidos, o que é uma condição preliminar para uma luta coletiva. A
recuperação dessa identidade começa pela aceitação dos atributos físicos de
sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais, intelectuais,
morais e psicológicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os
aspectos da identidade (MUNANGA, 2009, p.19) (grifos do autor).
Nos depoimentos a seguir se percebe claramente a alienação tratada por Munanga. À
medida que as estudantes se apropriam da história e cultura negras elas passam a se
15
Alves (2008, p.11) faz a junção de termos como uma “forma de mostrar os limites para as pesquisas nos/dos/com os cotidianos,
do modo dicotomizado criado pela ciência moderna para analisar a sociedade”. Assim, sempre que for necessário farei junção de
termos indicando a superação da dicotomia entre os mesmos.
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identificar com o povo negro, mesmo que com relação à estética tenham provocado
modificações, a exemplo dos cabelos.
A estudante Rose ressaltou, logo no início de nossas ‘conversas’, a implicância de sua
avó paterna com o seu cabelo, levando-a, desde cedo, a fazer alisamento. Oriunda de uma
família de classe média, do interior da Bahia, o pai se identifica como caboclo16 e a mãe é
negra. Essa estudante percebeu o sofrimento que sua mãe passou por ser negra, e ela própria
vivenciou situações difíceis, tudo por conta da cor da pele e da textura do cabelo. Em alguns
momentos, seu pai precisou intervir junto a sua avó. Em suas palavras:
Na minha infância o tratamento da minha avó comigo era difícil, porque ela
implicava com o meu cabelo, que era mais enrolado, como na família de
minha mãe. (...) E como minha avó tinha preconceito com a minha mãe,
especialmente pelo cabelo, então eu sofri muito com isso. Ela não deixava
meu cabelo solto como o das minhas irmãs. Sempre era amarrado, porque
segundo ela, ele era “ruim”. Minhas irmãs, por causa disso, implicavam
comigo com apelidos, dizendo que meu cabelo era duro, como na música de
Luís Caldas – “Negra do cabelo duro” (narrativa da estudante Rose).
O mesmo ocorreu com Emanuela. A implicância também era com o cabelo, várias
pessoas da sua família insistiam para que ela o alisasse.
A questão era o meu cabelo que era bem cacheado, e as pessoas da família
sempre diziam para eu fazer chapinha, mas eu dizia que gostava dele como
era. No entanto, eu rejeitava. Com relação ao meu cabelo, eu fiz um
tratamento e modifiquei totalmente. Hoje, eu gosto do meu cabelo liso.
Minhas colegas até estranharam quando viram umas fotos minhas antigas.
(...) Eu usei muito o cabelo preso, não podia ficar solto (Narrativa da
estudante Emanuela).
Deste modo, nota-se que a representação estética do “cabelo traz consigo marcas
voltadas à formação da identidade que, muitas vezes, é vista como marca de inferioridade”
(GOMES, 2002, p. 7). Mesmo fazendo parte da família, ainda se tinha a ideia de que deveria
modificar a estética, neste caso, o cabelo, como forma de negar ou não admitir suas raízes.
Parece que alisando os cabelos estas mulheres deixariam de ser negras para suas famílias.
Ambas cederam à pressão, na época, e alisaram os fios. No entanto, Rose mostra que,
mesmo com cabelo liso, sempre assumiu que é negra. E Emanuela, durante muito tempo, se
percebia morena, mas à medida que foi estudando sobre a temática, na universidade, assumiu
a identidade negra de forma expressiva. No caso de Rose, que é baiana, a pressão era só de
sua avó e das brincadeiras das irmãs quando criança. Segundo ela, as mulheres baianas gostam
e valorizam o cabelo cacheado.
16
Mistura de indígena com branco.
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Com Emanuela foi mais difícil, porque várias pessoas da família insistiram para ela
alisar. Além disso, neste período, ela não encontrou nenhuma referência que a apoiasse na
decisão de permanecer com a estética do seu cabelo.
Percebo que o fato de me sentir melhor com o cabelo liso, tem origem no
estereótipo criado pela sociedade, de que o cabelo liso é bonito e o crespo
feio. Lembro-me de passar alguns anos afirmando gostar do meu cabelo
cacheado, mas, na verdade, isso me incomodava. (...) As críticas ao meu
cabelo antes, incomodaram tanto que acabei mudando totalmente, a
aparência em 2009. Hoje, gosto dele desta forma. Muitos amigos
estranharam, mas o cabelo é meu, e faço o que quiser com ele (Narrativa da
estudante Emanuela).
A mulher, independentemente da raça, deve assumir o direito sobre o seu corpo e
tratá-lo da forma que preferir, não se deixando escravizar por modelos estéticos que anulam
sua identidade e alimentam a indústria de cosmético.
A mãe de Carla apresenta essa consciência na orientação dada à filha:
No período da adolescência, minha irmã e eu pedimos a minha mãe para
alisar o cabelo. Ela não concordou, mas nos levou ao salão para mostrar que
não era bom. Falou sobre o nosso tipo de cabelo, da importância de
aceitarmos sua textura e das indústrias de cosméticos que lucram com esse
tipo de alisamento. Nem minha irmã e nem eu gostamos do resultado e
buscamos possibilidades que melhorassem o aspecto dos cabelos, por isso
que os apelidos da escola incomodaram. Hoje, aprendi a gostar e me sinto
muito bem com meus cachos (Narrativa da estudante Carla).
Como foi apresentado anteriormente por Gomes (2002), nesta questão quero destacar
as marcas de inferioridade na tessitura da identidade. Se a família trata de forma positiva a
negritude, como no exemplo acima, a relação com a estética negra se diferencia, tanto na
questão da autoestima da pessoa, quanto na forma de comportamento em relação a ela.
No entanto, como mudar essa visão se nas famílias não se discute sobre isso, como
mostra Emanuela. Não se valoriza a cultura negra, tratando-a de forma pejorativa e com
preconceito. A falta de conhecimento sobre a história e cultura negra é uma realidade
cotidiana e a escola, que é etnocêntrica, é uma das responsáveis por reforçar os estereótipos
negativos.
No ambiente escolar, o negro ainda é associado à escravidão vivida no país. Quando se
estuda o tema no Ensino Fundamental e Médio, o negro só aparece relacionado ao trabalho
escravo. Após um século de história, as escolas e o seio familiar ainda reproduzem essa ideia,
com indícios de preconceito e discriminação, até mesmo nos espaços multirraciais.
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Na casa de Carla se discute sobre a temática porque desde muito jovem sua mãe
sofreu com o preconceito, a discriminação e buscou conhecimento para enfrentá-los quando
passou a participar do Movimento Negro.
Além do cabelo, a cor da pele é outro destaque na fala das praticantes (CERTEAU,
2007). A percepção de que só é negro aquele de pele muito escura aparece em todas as
narrativas, a ponto de algumas, durante muito tempo, se autodenominarem morenas, pardas,
como citavam Emanuela e Carla. Ou ainda existe o caso de pessoas do convívio, sejam
familiares ou amigos, não aceitarem a denominação de negra, como relatam Rose e Cláudia.
No Brasil, é a “marca” aparente que classifica a sociedade e não a ancestralidade.
Assim, quanto mais escura for a cor da pele, mais a pessoa é identificada como negra; quanto
mais clara for, há um distanciamento desta denominação, originando as denominações de
pardas, morenas, dentre outras. Segundo Munanga (2006), em pesquisa realizada pelo
historiador Clóvis Moura, após o senso de 1980, registrou-se a existência de 136
denominações diferentes para as pessoas não brancas. O que isso significa? Segundo a
narrativa de Emanuela, o fato de o negro ser marginalizado na sociedade, a identificação como
negra, para algumas pessoas, parece ser algo negativo, que não favorece à autoestima.
Hoje, eu me assumo como negra, por que estou estudando no grupo de
pesquisa. Mas há alguns anos eu não me assumia, justamente por conta de
vivermos em uma época que infelizmente a raça negra é muito
marginalizada. Então, eu me assumia como morena, mulata, mas não como
negra. (...) Mas a maioria das pessoas diz que eu sou morena e que não sou
negra e até fazem brincadeiras: -“sua negra!” E eu digo: -“eu sou mesmo,
não estão dizendo que sou? Eu tenho orgulho disso.” Então, as pessoas
ficam surpresas com o fato de você se assumir. Atualmente, chamar alguém
de negro é como se insultasse a pessoa e era assim que eu me sentia antes
(Narrativa da estudante Emanuela).
Nas palavras de Emanuela, diversas vezes a questão da cor da pele aparece como
indício para definição do que é ser negro/a entre seus familiares. O conflito afirmaçãonegação
está sempre presente: ou nas brincadeiras que são feitas sobre o negro, ou mesmo no silêncio.
Pessoas da mesma família com tonalidades de pele diferentes não compreendem que a
ancestralidade é a mesma e, portanto, se uma é negra, todas as outras também são.
Assim, a relação entre brancos e negros na minha família não é normal, não
se fala sobre o assunto, pois se considera a cor da pele como referência.
Como a cor da pele não é muito escura, por conta da mistura, eles se
consideram morenos. As brincadeiras, em alguns momentos, destacavam
aspectos negativos; algumas vezes era tratada a questão negando a
existência do negro na família. Minha mãe, até hoje, não aceita que o
marido e a filha são negros. Uma vez, afirmou que nossa cor era “castanho
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claro,” e meu pai comentou que isso era cor de cabelo. Eles não apresentam
situações valorativas do negro, confirmando o que ocorre na sociedade, em
que o negro sempre aparece associado a aspectos negativos ou então fica
invisível. (...) Minha avó paterna é negra e me falou sobre sua mãe, minha
bisavó, que era branca e a rejeitava por conta da sua cor. Mas eu não sabia
disso e nunca percebi diferenças dela comigo. Mas lembro que ela dava uma
atenção maior a meu irmão, que é branco, tem traços mais afilados
(Narrativa da estudante Emanuela).
Emerge desse contexto familiar o conflito velado, uma vez que não se fala sobre a
situação da pessoa negra. Todos se percebem como morenos e, quando se fala, é com tom de
ironia ou sarcasmo, não se trata de aspectos valorativos da população negra. Parece que só o
branco tem valor na sociedade.
Segundo Munanga (2006) a mestiçagem teria o objetivo de destruir a identidade racial,
o embranquecimento levaria a uma homogeneidade, isto é, uma nova identidade, o povo
brasileiro, como defendeu Gilberto Freyre e Darci Ribeiro. A mestiçagem alimenta o desejo de
embranquecer, não apenas a cor da pele, mas de assumir a cultura do outro, dita culta,
superior e rejeitar as demais culturas numa visão hierárquica.
Uma situação descrita por Emanuela me chamou a atenção. Ela fala que era filha única
e depois nasceu sua irmã, branca e bonita.
Passei quatro anos sendo filha única, depois veio minha irmã, aí toda a
atenção da família se voltou para ela, que era branca e mais bonita. Como
eu era muito tímida, não falava o que estava sentindo. Em casa, minha mãe
também não tinha o hábito de conversar comigo, por conta da sua formação
familiar. Eu sentia uma ausência de mãe, por falta do diálogo. Na escola, via
as professoras como uma referência para mim, como se eu recebesse delas
o carinho que eu não tinha em casa. Eu não lembro ter sofrido discriminação
por ser negra (Narrativa da estudante Emanuela).
Para mim, parece que ela não partilhou com ninguém o que estava sentindo na
ocasião do nascimento de sua irmã “branca e mais bonita”. Tanto que cresceu distante dessa
irmã, o que ela denomina “solidão”, afinal as duas são bem diferentes também no
comportamento familiar. Mas afirma não lembrar ter sofrido discriminação por ser negra. Esse
esquecimento pode revelar uma memória traumatizada como afirma Pollak (1989). Em outro
momento, as lembranças são silenciadas para serem protegidas, muitas vezes porque o
indivíduo não encontra escuta, ou tem receio de se expor, ser mal-entendido e ser punido
(POLLAK, 1989).
Na história de Cláudia, ela destaca o pai, que é o único negro entre os irmãos e por isso
é discriminado pela família. Ele é sempre escolhido para o trabalho, enquanto que os outros
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são poupados. Essa visão do negro associado a trabalho parece fazer referência ao período da
escravidão. Vejam sua narrativa:
Por incrível que pareça, a família do meu pai é toda branca apenas meu pai
nasceu negro. Aconteceu que, dentro da própria família, sofreu racismo por
ser negro e os outros serem brancos. Meu avô dava privilégios para aqueles
que eram brancos. Meu pai, como negro, era excluído ou sacrificado em
termos de mão de obra, porque ele sempre era escolhido para o trabalho.
Foi o que mais trabalhou. Algumas pessoas da família se referiam a ele,
dizendo: -“esse neguinho isso, esse neguinho aquilo.” Então, por que não
ligar para essa questão de cor? Todos eram privilegiados e ele era sempre o
escanteado de alguma coisa que era privilegio de todos. Ele era sempre o
‘último’ e isso eu vejo na história do meu pai até hoje (Narrativa da
estudante Cláudia).
O exposto indica que Cláudia fala muito sobre seu pai, é visível a admiração que tem
por ele. Também se torna claro como esse problema do seu pai com a família de alguma forma
a incomoda. Ela se autodenomina negra, mas parece viver o conflito da afirmaçãonegação do
ser negra em algumas situações de sua história de vida:
No Ensino Médio, algumas amigas falaram que eu tinha preconceito com o
negro, isto é, comigo mesma. Na hora não aceitei, mas depois percebi isso
melhor. Um exemplo era a escolha pelas cores de roupas. Sempre fui muito
discreta e não gostava do vermelho, branco, laranja, que destacam a cor
negra. (Narrativa da estudante Cláudia).
Quando a pessoa negra não demonstra querer ter visibilidade, no meu entendimento,
revela o conflito afirmaçãonegação. Quando se adquire conhecimento sobre a história e a
cultura da África e afrobrasileira, o desejo é de se assumir, se revelar. Assim, é preciso resgatar
a afrodescendente que existe em cada mulher, suas ligações mais sensíveis com a raça, sua
identificação com a negritude, de forma que reconheça o valor e as potencialidades da
população negra. Esse conflito de Cláudia pode ter influência das relações familiares, por conta
da situação vivenciada por seu pai. E ainda aponta a falta de formação sobre a temática
Africana e afrobrasileira, pois a estudante não teve oportunidade de participar de grupos de
estudos para se aproximar de suas origens e valorizá-las.
Na narrativa de Rose ela destaca a rejeição sofrida por sua mãe, também, pela questão
da cor e que, posteriormente, reproduziu-se na sua própria história, quando hoje a sua sogra a
rejeita. O seu relato sinaliza essa problemática:
No início do relacionamento dos meus pais, a minha avó paterna rejeitou
minha mãe por ela ser negra. Em especial, implicava com seu cabelo. (...)
Minha mãe sofreu muito; sofreu preconceito por conta da cor e por causa
da situação financeira. O que a ajudou foi o estudo, pois ela sabia ler e
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escrever. Meu pai não sabia. Ele tinha posses, era filho de fazendeiro, mas
não estudou, desde cedo foi trabalhar na roça, diziam que por ter dinheiro
não precisava ter estudo. A minha mãe tinha a vantagem de ter estudado.
(...) Antes de me casar eu vim a Campina Grande conhecer a família dele [o
marido] e não gostei muito da sua mãe: ela me rejeitou por eu ser negra.
(...) Sofri muito, fui vítima de preconceito da minha sogra, porque eu era
negra. (...) Minha mãe chegou a dizer que eu tinha a mesma ‘sina’ que ela,
pois, como havia sido com ela, minha sogra me rejeitava por conta da cor.
Nós moramos oito meses na casa da mãe de Marcos [o marido], foram os
piores meses da minha vida! Eu precisei fazer três cirurgias e ela não cuidava
de mim, me tratava mal, queria controlar tudo (Narrativa da estudante
Rose).
Rose apresenta diversos exemplos de rejeições sofridas em Campina Grande.
Novamente as situações de conflito por conta da cor marcando profundamente a vida das
estudantes e interferindo nas suas trajetórias. São marcas de sofrimento que foram sendo
superadas e outras que ainda precisam ser tratadas, porque estão latentes.
Ainda em relação à cor, a estudante Carla, na sua narrativa, destaca a vida da sua mãe
que sofreu rejeição materna, da sua avó, do marido e da família dele. Seu depoimento revela
essa história de discriminação:
Minha mãe e meu pai são separados, ele mora em São Paulo. Antes da
separação meu pai tratava os filhos bem, apesar de não participar
diretamente da nossa formação. Ficamos distantes quando conhecemos a
história dele com a minha mãe. Segundo ela, meu pai se casou porque
queria uma mulher que cuidasse da casa e dos filhos, uma ‘doméstica’, na
verdade. A família do meu pai não aceitava minha mãe por ser negra, e ele
chegava a dizer para seus irmãos que escolhera casar com uma negra para
ter ‘quem cuidasse de tudo’. (...) Negra, pobre, filha de uma mãe racista,
pois minha avó era branca, se casou com meu avô que era negro, por
conveniência, para ter uma vida melhor, mas sempre o criticou. Sua própria
mãe a discrimina ainda hoje. Prefere minha tia, que é branca, de olhos
verdes. Minha mãe era a preferida do meu avô, o apoiava em várias
atividades e, muitas vezes, minha avó a maltratou, chegando a expulsá-la de
casa com 12 anos. Ela teve que ir trabalhar, estudar e morar sozinha, em São
Paulo (Narrativa da estudante Carla).
Carla não fala de constrangimento vivido no seio familiar. Segundo ela, como a mãe
sabia do racismo da família do marido, não permitia o convívio do filho e das filhas com essas
pessoas, exagerou na proteção, pois não queria que ele/as sofressem. Carla demonstrou
indiferença em relação ao pai e como sempre foi super protegida pela mãe, sente dificuldade
de confrontar, de se defender, e fica calada diante da agressão. O fato de não falar do pai
revela sua solidariedade à mãe. Será que isto pode significar algum problema? Quando se
referiu a avó que discrimina sua mãe, ela se emocionou, dando indícios de mágoa com esse
comportamento e não falou de sua relação com a avó. O não dito, assim como o
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esquecimento, seria então um indício de dor, de algo não resolvido, de uma memória
traumatizada? Sua narrativa deixa transparecer a mágoa.
Como vimos, as relações familiares são profundamente marcadas por situações de
preconceito e discriminação entre os membros das famílias das praticantes (CERTEAU, 2007),
provocando conflitos os mais diversos. No entanto, a forma de convivência com estes parece
indicar o não enfrentamento. Busca-se a convivência sem confronto, sem rompimentos. Só a
mãe de Carla, que reagiu quando foi expulsa de casa na adolescência pela própria mãe racista
e também quando se separou do marido, depois de 15 anos de convivência.
Nos outros casos, mesmo convivendo com a rejeição, as pessoas silenciam, não se fala
do problema do racismo, rejeitam o/a negro/a e este/a parece aceitar. Rose chegou a ficar oito
meses convivendo com os maus tratos na casa da sogra. A reação dessas pessoas, o pai de
Cláudia ou as mães de Rose e Cláudia, parece ser um ensinamento para que as estudantes
também não busquem o confronto, a denúncia, e que prefiram o silêncio. Só que esse silêncio
não é passivo, pois todas as pessoas da família e as estudantes se destacaram nos trabalhos e
estudos e procuraram se sobressair nas atividades que desenvolveram rejeitando a condição
de subalternas, subservientes, coitadinhas ou vítimas.
Certeau (2007) mostra que nos cotidianos a indisciplina se apresenta de diversas
formas, mesmo no silêncio. O trabalho e o estudo foram reações assumidas pelas pessoas que
permitiram o crescimento, a valorização e o orgulho de ser negro/a. As praticantes (CERTEAU,
2007) se espelharam nesses exemplos e também aprenderam a lutar buscando nos estudos
mostrar suas capacidades. Mesmo Emanuela, que não teve esse exemplo na família, também
não foi para o confronto, buscou através do estudo um espaço social para mostrar o seu valor.
Cláudia sofreu um agravante para a questão da cor, pois sua origem humilde favoreceu
para que se deparasse ainda mais com o racismo na infância. Desde os cinco anos vivenciou
essas atitudes e a cada ano na escola a situação piorava, a ponto de imaginar que não
conseguiria se relacionar com as pessoas. As outras meninas não evidenciam essa situação,
pois a condição financeira da família era mais favorável e estudaram em escolas privadas. No
entanto, quando o pai de Rose perde a fazenda e passa a ser administrador de outra
propriedade, Rose passa por tempos de constrangimento em Ilhéus por conta da cor. Além
disso, aparece na fala de Rose e Cláudia a rejeição sofrida pelas suas mães por parte das
famílias de seus pais, tanto por conta da cor negra, quanto pela condição financeira que
apresentavam.
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Tanto a aluna como sua mãe relevaram a discriminação sofrida, perdoaram as pessoas
da família envolvidas e conviveram ou convivem com elas até hoje sem problemas.
No relato de Cláudia torna-se evidente que seu pai e sua mãe nunca aceitaram a forma
como a família discriminava a pessoa negra e reagiram construindo outra família independente
dos conceitos racistas e que respeitava a diversidade, porém, não provocaram confrontos e
rompimentos, mantendo uma postura de silêncio frente às atitudes discriminatórias:
Assim, o racismo emerge nas relações familiares, por mais que se releve e a
convivência pareça sem conflito. Está presente nas situações do cotidiano e precisa ser
enfrentado, discutido, superado. Há, na sociedade, uma concepção de desvalorização do
sujeito por alguém que se considera superior em decorrência de traços físicos e de um padrão
de beleza dominante. Os/as negros/as são vistos ainda hoje como seres inferiores devido aos
resquícios de uma história marcada pela escravização. É preciso mudar esse pensamento.
As condições financeiras da pessoa negra influenciam muito a forma como ela é
tratada na sociedade, e mesmo no seio familiar essa situação marca os relacionamentos. É
como se a prosperidade fosse um fator de inclusão que promove aceitabilidade e igualdade de
classes, para além dos traços físicos.
As situações vivenciadas pelas estudantes nos fazem pensar sobre o racismo e o que é
ser negro/a no Brasil. Diversos autores/as discutem essa questão e é preciso considerar dois
aspectos: a questão do fenótipo, que é a “marca”, e a questão da escravização dos africanos.
Olhando para o primeiro aspecto, as pessoas são definidas pelo fenótipo e o mais
considerado é a cor da pele e a textura do cabelo. Esse aspecto produz uma representação
negativa que parece “identificar” pessoas, como vimos com Gomes (2002), e não precisava ser
assim.
É necessário compreender a origem desta questão para desmistificá-la, buscando
desvelar as teorias raciais que surgiram no final do século XVII, que se consolidaram no século
seguinte e influenciaram até o início do século XX (SANTOS, 2002; MUNANGA, 2006; OLIVEIRA,
2007). Ainda que hoje não encontrem ecos no campo científico, as ideias estão presentes na
memória coletiva provocando reações de afirmaçãonegação nos cotidianos.
O estranhamento entre europeus, africanos e ameríndios provocou um campo
favorável ao estudo científico que justificasse as diferenças e as ações de colonização
realizadas pelos primeiros. O racismo científico se apresentava como objetivo e imparcial, mas
tinha subjetividade na sua classificação e visava atender a interesses econômicos em jogo.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A visão negativa sobre o povo africano tem origem nesse estranhamento e as teorias
racistas serviram para justificar o sequestro, o tráfico e a escravização de milhares de
africanos/as ao longo de quase quatro séculos. Assim, preocupadas com o futuro da nação, as
elites brasileiras investiram no embranquecimento, através da miscigenação do povo negro e
da migração de europeus. Somou-se a isso a falta de políticas públicas para população negra
que, após a abolição, ficou a mercê da própria sorte, sem moradia, escola, emprego, saúde,
dentre outros benefícios.
Na verdade, a Abolição constitui um episódio decisivo de uma revolução
social feita pelo branco e para o branco. Saído do regime servil sem
condições para se adaptar rapidamente ao novo sistema de trabalho, à
economia urbano-comercial e a modernização, o “homem de cor” viu-se
duplamente espoliado. Primeiro, porque o ex-agente de trabalho escravo
não recebeu nenhuma indenização, garantia ou assistência; segundo,
porque se viu, repentinamente, em competição com o branco em
ocupações que eram degradadas e repelidas anteriormente, sem ter meios
para enfrentar e repelir essa forma mais sutil de despojamento social. Só
com o tempo é que iria aparelhar-se para isso, mas de modo tão imperfeito
que ainda hoje se sente impotente para disputar “o trabalho livre na Pátria
livre” (FERNANDES, 2007, p. 66-67) (grifos do autor).
O autor nos mostra o sacrifício que foi o pós-abolição para a população negra
sobreviver na sociedade “livre”, que precisou usar diversas táticas (CERTEAU, 2007) para
sobreviver no trabalho informal, especialmente, o comércio nas ruas. Alguns permaneceram
nas fazendas, no trabalho agrícola, mas sem a condição de escravo. Outros se organizaram nas
periferias das cidades, realizando biscates, trabalhos domésticos e temporários, ou na
mendicância. Diante dos infortúnios e por falta de emprego alguns partiram para o alcoolismo,
os vícios, a vadiagem e a criminalização, pois era preciso sobreviver de algum modo. Assim, a
imagem do negro foi associada à marginalidade, a doenças ou a atividades subalternas. No
entanto, nos cotidianos as famílias negras se esforçavam para mostrar sua capacidade de
trabalho, seu empenho no cumprimento de seus deveres, sua dignidade, honestidade e suas
habilidades para as artes, músicas, danças, expressões religiosas e a culinária.
Deste modo, observa-se que o conceito do/a negro/a parte daquilo que é visível e não
da genealogia. Há pessoas que têm a pele clara, apresentando outros traços característicos das
negras, porém são consideradas brancas. Do mesmo modo, as que têm a pele escura, mas com
traços característicos de pessoas brancas, são consideradas pardas ou morenas e só quando a
pele é bem escura é identificada como negra. Com isso, surgem as diversas posturas
discriminatórias baseadas na aparência dos traços físicos dos sujeitos envolvidos.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Assim, a discussão do que é SER negro/a precisa considerar a questão de se sentir ou
não pertencente àquele grupo cultural. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e
Africana “ser negro no Brasil não se limita as características físicas. Trata-se, também, de uma
escolha política. Por isso, o é quem assim se define” (BRASIL, 2004, p. 15). Se as famílias
conversassem sobre identidade racial, como relatam Cláudia e Carla, tornariam mais fácil a
convivência nos cotidianos. Se não existe diálogo, a situação social pode chegar à
afirmaçãonegação dependendo da conveniência para as pessoas negras.
Essa também seria uma tarefa da escola na promoção deste debate, pois o currículo
pode contribuir para a afirmaçãonegação da identidade. Se as crianças começarem a conhecer
a história do povo negro, nossos/as ancestrais, guerreiros/as e as lutas por liberdade,
dignidade e cidadania, irão se orgulhar da sua origem que é múltipla e rica do ponto de vista
cultural. Entender a história da África permite a percepção da diversidade e da forma de ser do
povo brasileiro, pois nos cotidianos se expressam de modo significativo as heranças africanas e
indígenas, além das européias.
“É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para
designar pejorativamente os escravizados e este sentido negativo da palavra se estende até
hoje” (BRASIL, 2004, p. 15-16). Logo, desvendar essa história e valorizá-la implica superar o
consenso ideológico e a naturalização da exploração do povo negro, reconhecer as diversas
formas de astúcia e resistência como táticas usadas (CERTEAU, 2007) para manter vivas as
tradições, crenças, costumes, enfim, a sua cultura e, assim, garantir-lhe autonomia e
cidadania.
Entendemos que essa é uma missão dos educadores comprometidos com a causa da
diversidade. Isto é, de todos os profissionais, da educação infantil ao ensino superior, que
desejam contribuir com a superação do modelo de sociedade excludente e racista. Numa
época marcada por desigualdades profundas, em diversos contextos sociais, a luta por
igualdade de direitos e democracia, o respeito à diversidade e à alteridade torna-se uma tarefa
coletiva. Só uma educação emancipatória pode combater a exclusão e o racismo.
Nos casos aqui referidos, diversos contextos de afirmaçãonegação trazem indícios de
memória traumatizada. As relações interraciais vividas no seio familiar e nas escolas do Ensino
Fundamental e Médio marcaram profundamente as identidades das discentes. Em todas
encontramos relatos de constrangimento e sofrimento. Muitas vezes, a memória não revelou
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
na primeira conversa os traumas, o esquecimento, o silêncio, o ato de não conseguir falar
sobre as experiências dolorosas.
Pollak (1989) compreende que o silêncio pode ser uma prática social que deseja
expressar protesto e não passividade e conformismo. Algumas alunas afirmaram que,
mediante seu silêncio, buscavam mostrar indiferença com a agressão sofrida. Elas achavam
que os agressores iriam se cansar, porque não viram reação. Todavia, dentro de si estavam
indignadas com os insultos e desrespeitos. Quando as alunas compreenderam os objetivos da
minha pesquisa se sentiram mais confiantes para mencionar detalhes e assim acrescentaram
relatos de fatos marcantes em suas vidas. Rose descreveu a experiência como doméstica. Carla
e Emanuela destacaram as dificuldades com as colegas da universidade. Cláudia trouxe o
exemplo da rejeição com as cores vibrantes das roupas e que as pessoas de sua cidade
criticavam. Todas carregavam marcas que foram assimiladas, parecendo, então, que, na
convivência, teriam que se esconder, ficaram apagadas, sem visibilidade.
Na ausência de toda possibilidade de se fazer compreender, o silêncio sobre
si próprio – diferente do esquecimento – pode mesmo ser uma condição
necessária (presumida ou real) para manutenção da comunicação com o
meio ambiente. (...) um passado que permanece mudo é muitas vezes
menos o produto do esquecimento do que de um trabalho de gestão da
memória segundo as possibilidades de comunicação (POLLAK, 1989, p.13).
Cláudia aos poucos, também, foi entendendo que o silêncio seria a melhor maneira de
conviver na escola, pois era muito difícil enfrentar todas as expressões de discriminação por
parte de seus colegas, até chegou a pensar que não conseguiria conviver bem em um grupo.
Para dificultar um pouco mais muitos/as professores/as não sabiam como mediar essas
situações e agiam reforçando o racismo na escola. Segundo Cláudia a professora chegou a falar
que ‘ela não tinha “culpa” de ser negra’ quando abordou a questão.
Essa postura de mediação da professora mostra como a escola não está preparada
para enfrentar o racismo presente em seus cotidianos e que a falta de formação docente sobre
a temática pode levar a reforçar esse racismo. A própria Cláudia falou que não estava
preparada para trabalhar essa temática em sala de aula. Por isso, minha preocupação com a
formação inicial, pois se no Curso de Pedagogia não for tratada essa questão, como as futuras
docentes irão lidar com esse conteúdo em sala de aula? Aliás, nas oficinas realizadas com as
alunas do curso do currículo anterior, todas afirmaram não ter recebido formação para tratar
esse assunto, que estavam concluindo o curso e não ouviram falar nada sobre a lei 10.639/03.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Assim, todas essas narrativas, marcadas por expressões de rejeição em relação à cor,
são indícios do racismo vivido por essas praticantes (CERTEAU, 2007). À medida que a relação
de confiança se instalou nas nossas conversas, as estudantes adentravam mais nas suas
histórias de vida e as lembranças de alguns momentos as emocionaram. Rose foi a que mais
evidenciou esse sentimento, quando falou do trabalho que tinha com as crianças netas de sua
patroa e a agressão física sofrida. Chegou a chorar relembrando esses fatos. Cláudia se
emocionou quando ressaltou a figura do pai e no final da conversa confessou o quanto tudo
aquilo que conversamos trouxe aprendizado para si mesma. Carla se emocionou diante da sua
dificuldade de reagir às situações de racismo ou inveja, por parte de suas colegas, e,
sobretudo, quando se lembrou da forma como sua avó tratava sua mãe. Emanuela também
demonstrou emoção diante da crise que vive em relação a sua identidade. As mudanças de seu
comportamento têm provocado estranhamento, de modo especial, no que concerne à religião.
Em muitos momentos me identifiquei com minhas interlocutoras, porque todas
narraram situações que também vivi. Em determinadas circunstâncias diante do seu silêncio,
antecipei uma situação vivida por mim. Esse cenário permitiu que elas se colocassem com
sinceridade no processo. A partir do meu depoimento perceberam que também tinham vivido
algo semelhante e narraram seus percalços e esperanças.
Gomes (2002) também destaca os depoimentos colhidos na sua pesquisa quando
afirma:
A trajetória escolar aparece em todos os depoimentos como um importante
momento no processo de construção da identidade negra e,
lamentavelmente, reforçando estereótipos e representações negativas
sobre esse segmento étnico/racial e o seu padrão estético. O corpo surge,
então, nesse contexto, como suporte de identidade negra, e o cabelo crespo
como um forte ícone identitário (GOMES, 2002, p. 41).
Como foi visto, as estudantes sofreram em alguns momentos de suas trajetórias por
conta do seu corpo negro ou de seu cabelo crespo. No entanto, essas experiências não
anularam as praticantes, não negaram sua cor, mesmo que o silêncio tenha sido a tática
utilizada por elas. Suas histórias evidenciam a luta para conquistar um lugar diferente do que
era reservado à pessoa negra. A dedicação ao estudo e ao trabalho foi um diferencial na vida
destas mulheres, pois permitiu um crescimento da autoestima e a tessitura positiva de suas
identidades.
À guisa de concluir
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Assim, para as praticantes (CERTEAU, 2007) o processo de afirmaçãonegação da
identidade negra é algo que provoca conflito, pois a modificação de seus cabelos ou não e as
roupas que destacam mais a cor negra ou não são indícios do processo de negociação e
renegociação que Munanga (2006) destaca, pois dão mais visibilidade à pessoa negra.
Para além disto, conhecer a história do povo negro fortaleceu a identificação e o
orgulho de ser negra, superando a alienação abordada por Munanga (2009). Este é o legado
que suas heranças ancestrais provocaram nos seus cotidianos de vida, gerando novos eus. São
guerreiras que, com graça e garra, enfrentaram/enfrentam o racismo, o preconceito e a
discriminação, num processo que não se concluiu, mas que continua vivo nas relações tecidas
nos cotidianos, em especial, quando a pessoa negra tem visibilidade, destaque, poder.
Como essas estudantes estão no processo de formação docente ficou evidenciado que
a reflexão sobre a tessitura de suas identidades foi significativo neste momento, porque
permitiu dar mais visibilidade a estas jovens e, especialmente, questionar tanto o currículo do
curso de formação de professores, como o currículo da escola básica. Será que existem
docentes que não conseguem trabalhar a temática afrobrasileira porque viveu um processo
traumático de preconceito e discriminação? Como enfrentar o “não dito” por essas futuras
docentes no cotidiano escolar? Como favorecer um ambiente de troca e diálogo sobre a
história e cultura africana e afrobrasileira nos diversos níveis da educação básica e superior?
Essas são questões que desafiam o processo de reflexão da prática docente, a pesquisa e a
produção de conhecimento.
Referências:
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cotidianas. In. OLIVEIRA, I. B. de; ALVES, N. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas:
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2004.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 13. ed. (Tradução de Ephraim
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FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos Brancos. 2. ed. São Paulo: Global, 2007.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de
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UERJ, 2012.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3.ed. Belo Horizonte: Autentica Editora,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
CURRÍCULO, POVOS INDÍGENAS E A LEI DE DIRETRIZES E
BASE DA EDUCAÇÃO NACIONAL 1996: RECONSTRUINDO
SENTIDOS DE EDUCAÇÃO E ENSINO
Maria da Penha da Silva17
Resumo
O presente texto é resulta de um estudo em desenvolvimento no Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea no Centro Acadêmico do
Agreste/UFPE. Nosso estudo tem como objeto de análise, “as práticas curriculares dos/as
professores/as” da rede municipal de ensino de Pesqueira/PE, em relação com a presença de
estudantes indígenas nas escolas da área urbana do referido município. Diante da
complexidade de tal objeto, nos propomos a uma abordagem metodológica qualitativa, por
entendermos ser a mais adequada, tendo em vista os elementos socioculturais circundantes
ao cotidiano escolar e nas práticas curriculares dos/as professores/as. Portanto, pretendemos
com esse texto situar o nosso objeto de estudo, discutindo o conceito de currículo a partir do
pensamento de Gimeno Sacristán, e J. Augusto Pacheco, e refletindo sobre como ocorreu a
inclusão da diversidade étnico-racial no currículo da Educação Básica por meio da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996.
Palavras-chave: currículo, LDB e diversidade étnico-racial.
CURRICULUM, INDIGENOUS PEOPLES AND THE LAW OF GUIDELINES AND BASIS OF
NATIONAL EDUCATION 1996: REBUILDING THE SENSES OF EDUCATION AND TEACHING.
Abstract
This text is the result of a study on the development of the Master's Degree Program Graduate
Education in Contemporary in Centro Acadêmico do Agreste/UFPE. Our study is the object of
analysis, "the practices of curriculum the teacher the" the municipal teaching Pesqueira/PE, in
relation to the presence of indigenous students in schools in the urban area of the
municipality. Given the complexity of such an object, we propose a qualitative approach, as we
believe to be the most appropriate, given the socio-cultural elements surrounding in school life
and practices of curriculum the teacher the. Therefore, we intend this text to place the object
of our study, discussing the concept of curriculum from the thought Gimeno Sacristan, and J.
Augusto Pacheco, and reflecting on how occurred the inclusion of ethnic and racial diversity in
the basic education curriculum through the Law of Guidelines and Bases of Education
Nacional/1996.
Keywords: curriculum, LDB and ethnic and racial diversity.
17
Mestranda em Educação Contemporânea (CAA/UFPE), Licenciada em Pedagogia pela FUNESO, Especialista em Ensino das Artes
e das Religiões pela (UFRPE), professora no Ensino Fundamental I na PCR/PE.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Introdução
A partir das históricas mobilizações e reivindicações dos povos indígenas no Brasil
pelo reconhecimento e respeito às identidades étnicas, notamos alguns avanços na legislação
brasileira, como expresso na Constituição Federal de 1988, no que diz respeito à garantia de
alguns direitos sociais para os referidos povos, entre esses, o direito ao reconhecimento
étnico, a livre expressão sociocultural, a demarcação de terras, atendimento diferenciado nas
áreas de saúde e educação escolar.
A Educação Escolar Indígena foi instituída pela Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional de 1996, expressada no artigos 78 e 79. Enquanto o Art. 26-A, tornou obrigatório na
Educação Básica o ensino sobre a História e as Culturas das populações negras e indígenas no
Brasil. Entretanto, no que se refere às populações indígenas, supomos que, em razão dessas
majoritariamente habitarem nas regiões interioranas, as escolas dos municípios que se
localizam mais distantes desses povos, parecem não abstraírem a existência dessas populações
na sociedade contemporânea. A exemplo da cidade do Recife, localizada à 215 km do povo
indígena mais próximo. Contudo, contou com aproximadamente 3.600 moradores/as indígena
no último censo demográfico do IBGE (2010), mas pouco se ouve falar das crianças indígenas
que frequentam as escolas da rede municipal de ensino da referida cidade.
A partir de um estudo preliminar, notamos que as pesquisas em educação que
tratam sobre diversidade étnico-racial, vêm expressando maior interesse pela temática afrobrasileira ou pela modalidade da Educação Escolar Indígena, e são escassos os estudos sobre a
presença indígena em escolas fora das aldeias. Sentimos, portanto, a necessidade de
investirmos em estudos mais aprofundados a respeito dessa problemática.
Nesse sentido, encontramos alguns dados ainda na fase da pesquisa exploratória, o
que nos ajudou a vislumbrar o universo populacional indígena no estado de Pernambuco. E
observamos que esse estado se destacou em âmbito nacional no último censo do IBGE/2010
com a quarta maior população indígena, e a nível regional se colocou em segundo lugar,
contando com 13 povos localizados em diversos municípios, somando aproximadamente
53.284 indivíduos, e muitos desses por diversas razões morando nas áreas urbanas. O que nos
leva a inferir sobre a presença de estudantes indígenas nas escolas das redes municipais.
Todavia, em razão de ser muito amplo o universo escolar municipal onde habitam
todos os povos indígenas em Pernambuco, delimitamos o nosso olhar apenas para o município
de Pesqueira/PE, onde habita a etnia indígena mais populosa em Pernambuco, o povo Xukuru
do Ororubá, com uma população superior a 12.000 indivíduos, desses, mais de um terço reside
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
na área urbana da cidade (IBGE/2010), e as crianças indígenas frequentam as escolas
municipais, pensadas para atender a população em geral.
A partir desse cenário, elegemos como nosso objeto de pesquisa as práticas
curriculares dos/as professores/as do Ensino Fundamental, por acreditar ser possível por meio
dessas práticas, compreender as ações educacionais a respeito da diversidade étnico-racial nas
escolas da referida rede de ensino.
Compreendemos
que
para
analisarmos
as
práticas
curriculares
dos/as
professores/as, primeiramente devemos adentrar nos estudos no campo do currículo. Por ser
esse um campo bastante amplo, nesse momento nos deteremos apenas em discutir o conceito
de currículo a partir dos estudos de Sacristán (2000) e Pacheco (2001).
E como condição para refletirmos sobre práticas curriculares e diversidade étnicoracial, vimos a necessidade de situar nossa discussão a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional/1996, em razão de ser esse o primeiro marco legal no âmbito da educação
formal que anunciou a necessidade de mudanças curriculares na Educação Básica nessa
direção.
O que é currículo?
A nos debruçarmos sob os estudos contemporâneos acerca das teorias do campo do
currículo, encontramos inúmeras concepções acerca do é currículo. Cada uma expressa sua
relação com o contexto social, político e econômico no qual emergiu. Quanto ao termo
currículo propriamente dito, indícios históricos apontam o seu surgimento ainda no século
XVII, sendo usado para nomear a organização do curso universitário da Universidade de
Glasgow, na Inglaterra. (LOPES e MACEDO, 2011).
E ao longo do tempo o termo currículo assumiu inúmeros significados, desde uma
perspectiva mais fenomenológica, defendida por William Pinar, atribuindo o sentido de
caminho, trajetória, percurso a ser seguido, ou processos, movimento. Até a mais simplista das
definições expressadas pela maioria dos/as educadores/as, que vem o currículo como algo
rígido traduzido nos programas educativos formais destinados às escolas. (SACRISTÁN, 2000;
PACHECO, 2001).
Para Sacristán (2000), pensar o currículo como movimento subtende a participação
efetiva de todos os atores envolvidos, mesmo que de forma não linear, esses atuam nas
decisões acerca do funcionamento do sistema curricular, pois muitas das ações ocorrem
independentes umas das outras, e às vezes contraditórias entre si. Mas, perpassam por
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
instâncias de atuações convergentes tendo por finalidades a definição das práticas
pedagógicas no espaço escolar. Porém, para que não se caracterize como um determinismo,
uma imobilidade ou passividade dos sujeitos dessas práticas, o currículo é entendido como
processos em permanente construção e exige intervenções de todos os sujeitos neles
envolvidos, (SACRISTÁN, 2000, p.102).
Compreendendo a dinâmica curricular como movimento, é imprescindível considerar
o campo de forças e interferências inerentes ao processo contínuo de construção do currículo.
Sendo coerente afirmar que esse processo é constituído por um sistema social, composto por:
a sociedade civil organizada que exercerá certa influência sobre as decisões de como deve ser
definido o currículo, os grupos de especialistas que devem atuar diretamente na formulação
da proposta curricular, os/as gestores/as que estão à frente do governo nacional e local que
organizam o sistema educacional (o/a Ministro/a da Educação e os/as secretários/as estaduais
e municipais), responsáveis pela regulamentação e implementação das políticas curriculares,
os/as editores/as dos subsídios didáticos, mais a comunidade escolar, dentre outros.
Para Pacheco, o currículo organizado dessa forma assumirá dimensões políticas e
ideológicas como reflexo das relações entre escola e sociedade, indivíduos e grupos.
(PACHECO, 2001, p. 19). Todavia, as tensões e conflitos de interesses geram antagonismo
entre determinadas instâncias, provocando assim interpretações ambíguas do que é currículo.
Onde por um lado o currículo como movimento pode representar um conjunto de experiências
educativas formando um sistema dinâmico que possibilita pensar para além dos programas
curriculares, promover as vivências educativas no interior da escola, sob a intervenção dos
sujeitos que o materializa. E assim o currículo é visto como um todo organizado em função de
questões previamente planejadas, imbuídas de valores, crenças contextualizadas. Enquanto
por outro lado, a hierarquização estabelecida entre os grupos e indivíduos que participam
desse processo, geralmente resulta na crença do significado do currículo como um conjunto de
conteúdos a serem ensinados, guiados por um determinado programa educacional baseado
em objetivos bem definidos que antecipam a intencionalidade dos resultados e
comportamento da sociedade, caracterizando assim como um objeto rígido.
Considerando a dualidade entre as diferentes perspectivas, é pertinente afirmar que,
“[...] jamais se achará uma resposta definitiva, visto que a conceituação de currículo é
problemática e não existe à sua volta um consenso.” (PACHECO, p. 17-18). Nesse sentido, o
referido autor afirmou também que não cabe ao currículo um conceito geral que o defina, por
ser um objeto em construção. Devendo ser analisado em consonância com o contexto no qual
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
se situa todo o processo de planejamento e implementação, as relações existentes entre a
escola, a sociedade, os indivíduos e grupos. Todas permeadas pelos interesses políticos e
ideológicos. Em síntese, “O currículo é uma construção permanente de práticas, com um
significado marcadamente cultural e social e um instrumento obrigatório para a análise e
melhoria das decisões educativas” (p.19).
Pensando na realidade brasileira, em especial refletindo sobre o nosso objeto de
estudo, “as práticas curriculares de professores/as do Ensino Fundamental”, trazendo para o
campo das discussões acerca da (re)construção do sentido de educação e ensino, não
poderíamos deixar de rever as influências dos Estudos Culturais e dos movimentos sociais no
currículo escolar contemporâneo. Considerando que tais movimentos teceram a crítica às
práticas curriculares que se fundamentavam numa ideia de currículo eurocentrado. E dessa
forma possibilitaram que posteriormente víssemos emergir no país algumas políticas públicas
em favor das minorias étnicas, dentre essas, a implementação das políticas afirmativas e
reparatórias que exigiram mudanças educacionais e consequentemente curriculares,
(re)significando o sentido da educação, do ensino e dos estudos sobre currículo.
A esse respeito, os estudos de Silva (1999), Moreira e Silva (2009) e Carvalho (2004),
indicaram que a introdução dos estudos sobre currículo no Brasil, pelo viés sociocultural, teve
início nas duas primeiras décadas do Século XX, ganhando mais visibilidade nos anos 1940,
com a ênfase nos grupos étnicos com o enfoque do “movimento negro” se contrapondo ao
mito da “democracia racial”. (CARVALHO, 2004, p.34-35).
Duas décadas depois, esse movimento ganhou força com a inserção dos grupos feministas, os esquerdistas e mais os movimentos sociais da educação, com as discussões voltadas
para o campo do currículo, tendo como principal incentivador o educador Paulo Freire (SILVA,
1999).
Nos anos 1980, com o fim do regime político ditatorial, a pressão social de outros
grupos intensificou-se, a exemplo dos homossexuais, instituições religiosas e os povos
indígenas, essa última categoria, como mencionamos no início do presente texto,
reivindicavam o direito a terra, atendimento digno de saúde e educação diferenciadas.
Ocorreram grandes mobilizações nesse sentido resultando na aprovação dos direitos
reivindicados na Constituição Federal brasileira promulgada em 1988, onde dentre outros
destacamos o artigo 231 que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
bens.” (apud, BRZEZINSKI, 2010). Entendermos que a partir desse instrumento legal abriu-se as
possiblidades de se pensar na garantia dos demais direitos reivindicados pela população
indígena. Pois, o reconhecimento da diversidade étnica representou a garantia do direito às
diferenças e a um tratamento diferenciado, onde inclua a valorização das práticas
socioculturais, religiosas e a preservação das línguas originárias de cada povo indígena ainda
mantinha.
Na década seguinte essa discussão resultou em importantes conteúdos que
influenciaram diretamente na formulação do Plano Decenal de Educação (1993-2003), para em
seguida fazer-se presente também na Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que
estabeleceu as Diretrizes e Base da Educação Nacional. Sobre tal processo trataremos nos
próximos itens.
A nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 1996, em construção
Ao concordarmos com o pensamento de Sacristán, quando afirmou que o currículo é
uma construção processual e contínua, imbrincada com o contexto social e político no qual se
insere, nos foi exigido uma reflexão sobre as bases legais que regulamentam o currículo. Bases
essas que geralmente trazem a confirmação de uma proposta educacional existente, ou uma
contraposição que exigirá a (re)construção do sentido de educação e de ensino.
No caso do Brasil, observamos que alguns grupos sociais organizados, dentre esses os
negros e os indígenas, no contexto da formulação e tramitação da nova Lei de Diretrizes e Base
da Educação Nacional, reivindicavam uma nova proposta de educação escolar que
reconhecesse as diversidades socioculturais e étnico-raciais existentes no país, se contrapondo
a um sistema educacional historicamente fundamentado em princípios hegemônicos. Assim,
exigindo uma nova reconfiguração da educação e do ensino, atribuindo-lhe sentidos outros:
educação e ensino como mecanismo de afirmação identitária, instrumento de combate aos
preconceitos e discriminações raciais, espaço de construção de relações interculturais, dentre
outros.
Portanto, pensamos ser relevante tomar como base a LDB, sendo essa um dos
marcos legais da educação formal que impulsionou as mudanças curriculares na Educação
Básica ocorridas na ultima década no Brasil. E a partir dessa perspectiva, compreendermos os
reflexos nas práticas curriculares dos/as professores. Nessa direção procuramos situar o
contexto sociopolítico no qual ocorreu a formulação e aprovação da LDB, suas tensões e
negociações políticas.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Ao tentarmos uma aproximação com o contexto sociopolítico no qual ocorreu o
processo de tramitação da LDB 1996, encontramos dentre outros, os estudos de Didonet
(2010), que nos trouxe alguns elementos para nos ajudar a entendermos melhor o contexto no
qual emergiu a primeira proposta de Projeto de Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em dezembro de 1988, apresentada no Congresso Nacional pelo Deputado Octávio
Elísio. Naquele momento o Brasil encontrava-se em processo de grandes transformações
políticas e sociais. Naquele ano tinha sido promulgada a nova Constituição Federal, como
resultado das visíveis mobilizações e pressões por parte da sociedade civil organizada.
Havíamos passado recentemente por um longo período de regime político ditatorial, e a
sociedade brasileira reivindicava a participação direta nas definições dos rumos políticos do
país, em todos os campos: saúde, segurança, educação, dentre outros.
Contrariamente aos Projetos de Lei das LDB anteriores que foram impostos pelo
Poder Executivo, o projeto que resultou na Lei 9.394/96 surgiu, como mencionamos, no
Congresso Nacional. E passou por um acirrado debate entre diferentes atores18 sociais e
institucionais, tanto as organizações educacionais em defesa da educação pública, quanto da
educação privadas e mais as instituições de pesquisas educacionais. Tendo como finalidade se
constituir um processo democrático que resultasse no mínimo de consenso sobre o que
deveria versar uma nova proposta educacional baseada nos princípios constitucionais de 1998.
(SAVIANI, 1997; BRZEZINSKI, 2010; DIDONET, 2010).
Todavia, o processo democrático e participativo esperado sofreu inúmeros percalços
em razão das disputas de poder e interesses políticas e econômicos, dando vazão ao que os/as
referidos/as pesquisadores/as chamaram de manobra política protagonizada pelo defensor do
projeto final aprovado em dezembro de 1996, o Senador Darcy Ribeiro.
A atuação do Senador Darcy Ribeiro, foi motivo de críticas ferrenhas na análise
realizada por Dermeval Saviani sobre a trajetória dos debates em torno do processo de
formulação e aprovação do texto da LDB 1996. A análise foi apresentada logo após a primeira
etapa conclusiva desse processo. Consideramos como primeira etapa, a promulgação da Lei
aqui em discussão, tendo em vista que os debates permaneceram após sua aprovação, e foram
efetivadas várias outras alterações nos anos subsequentes.
Uma das críticas de Saviani (1997) se fundamentou na argumentação da postura
antidemocrática de Darcy Ribeiro, frente ao processo pelo qual vinha se desenvolvendo o
debate democrático com a participação dos diversos atores sociais e institucionais
18
Para maiores informações acerca de quais atores participaram do processo de discussão do Projeto de Lei 9.394/96, ver:
SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: LDB trajetória limites e perspectivas. Campinas/SP, Autores Associados, 1997.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
mencionados. Dentre esses atores ressaltamos também a presença significativa do educador e
Deputado Federal Florestan Fernandes, que se destacou como promotor e coordenador dos
debates iniciais na Câmara dos Deputados. Em contrapartida Darcy Ribeiro, na condição de
Senador da República, em 1992 apresentou à Comissão de Educação do Senado um projeto de
LDB de sua própria autoria agindo assim na contra mão do processo democrático participativo
no qual vinha transcorrendo o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados, aderindo à concepção
de democracia apenas na perspectiva representativa. (SAVIANI, 1997, p. 129).
A nossa estranheza, em relação à postura política de Darcy Ribeiro, está na sua
atitude de desconsiderar todo o processo pelo qual transcorria o projeto anterior ao que ele
apresentou, desprezando inclusive o Fórum em Defesa da Educação Pública, uma bandeira que
Darcy tinha hasteado no passado junto ao educador Anísio Teixeira. Mas, principalmente na
forma como o referido Senador se articulou para que o seu projeto fosse aceito: se aliando à
políticos da “direita” (o Senador Marco Maciel/PFL-PE, dentre outros)! Indo de encontro ao
projeto que tramitava na Câmara, que tinha como relator o Deputado Jorge Hage/ PDT-BA do
mesmo partido político que o seu. Como também se aliando aos proprietários de grandes
redes privadas de escolas e instituições de ensino superior. Inclusive nessa sua parceria
defendeu a não exigência de titulação de Mestrado ou Doutorado para lecionar nas faculdades
privadas. (SAVIANI, 1997, p. 161). Será que o Darcy Ribeiro, que advogava a popularização da
educação em outros tempos, como também defendeu a universidade pública, conforme
afirmou Rogge (2010, p. 349) perdera sua utopia? Ou será que nos bastidores da política e do
poder não há lugar para utopias!
Nesse sentido, constatamos que nos estudos mais recentes de Brzezinski (2010), essa
crítica foi reafirmada, quando a pesquisadora comentou sobre as manobras políticas
regimentais do Senador Darcy Ribeiro em um momento posterior a não aceitação do seu
primeiro projeto da LDB, frente à permanência da tramitação do projeto da LDB da Câmara
dos Deputados, seguido de alguns substitutivos,
Astuciosamente, o próprio autor do anteprojeto do Senado, Darcy Ribeiro,
nessa nova etapa de tramitação do projeto foi escolhido relator na Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Investido desta autoridade e de
poder a ele conferido, Darcy Ribeiro
apontou inúmeras
inconstitucionalidades aos dispositivos do anteprojeto da Câmara dos
Deputados e ao Substitutivo Cid Sabóia, declarando seu voto pela rejeição
de ambos. (p. 192-193)
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Inclusive mais tarde o próprio Darcy apresentou um substitutivo. E segundo
Brzezinski (2010, p. 193), foi aprovado confirmando o autoritarismo do Poder Executivo, frente
a iniciativa da Câmara dos Deputados,
Com efeito, as estratégias regimentais favoreceram a aprovação do
substitutivo Darcy Ribeiro pelo plenário do Senado Federal. De imediato foi
encaminhado à Câmara dos Deputados, como projeto único e depois
sancionado pelo presidente da República em 20/12/1996. Fernando
Henrique Cardoso, então presidente, em cadeia radiofônica nacional no
programa A voz do Brasil, lançou a ideia de a lei n.º 9.394 ser cognominada
LDB ‘Darcy Ribeiro’. Entre os educadores não teve ressonância alguma esse
ato de FHC, porque decepcionados com os encaminhamentos dados pelo
senador Darcy Ribeiro, que investiu por várias vezes contra as políticas
educacionais autoritárias da ditadura militar, mostrando-se defensor da
democracia e da educação pública, revela-se, neste episódio, inimigo dos
educadores brasileiros, pois se rendeu às artimanhas regimentais
provocadas pelo Executivo no âmbito do Legislativo. Enfim, a LDB/1996
transformou-se, autoritariamente, em mais uma lei do Executivo.
Por fim, analisando no referido processo as tensões e disputas pelo poder, nos veio
algumas indagações: qual o sentido de educação e ensino contido na LDB 1996? E como esse
sentido se reflete nas práticas curriculares? Notamos no próprio texto da referida Lei, em
especial nos fundamentos filosóficos educacionais evocados, que tal documento anunciou
princípios educacionais de fundo neoliberais, incentivando o individualismo e a
competitividade no âmbito da educação e do ensino. O que podemos constatar também no
favorecimento e incentivo à iniciativa privada, próprio da postura política do Governo Federal
(Fernando Henrique Cardoso) naquela ocasião.
Em relação ao sentido neoliberal atribuído à educação e ao ensino, repercutiu nas
práticas curriculares, por meio de todo um direcionamento curricular voltado para a afirmação
do projeto político de governo, se expressando na preocupação com o desenvolvimento das
competências de cada indivíduo, em detrimento do compartilhamento das responsabilidades
coletivas pelo desempenho de todos/as. Provocando a sensação de que o fracasso e o
insucesso escolar de professores/as e estudantes são de ordem interna e individual,
desconsiderando os fatores externos que interferem no desempenho desses atores. Inclusive
fatores relacionados à ausência de políticas públicas sociais que complementem o
atendimento educacional destinado à escola pública, como condições de vida dignas por meio
do bom atendimento à saúde, emprego, alimentação, moradia, dentre outros direitos.
Retomando a nossa preocupação sobre o que a LDB 1996 anunciou a respeito das
possibilidades de se pensar em uma educação para as relações étnico-raciais, observamos que
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
o primeiro projeto apresentado pelo Deputado Octavio Elísio ao Congresso Nacional, não
continha nenhum conteúdo relacionado com essa problemática. Só encontramos os primeiros
indícios dos debates a respeito da exigência do reconhecimento da diversidade sociocultural e
étnico-racial, a partir do substitutivo apresentado pelo relator Jorge Hage. Enquanto o
primeiro projeto apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro à Comissão de Educação do Senado,
copiou apenas parte do texto apresentado pelo relator Jorge Hage, mas descartou o capítulo
destinado as orientações para a educação escolar indígena. Especificamente sobre tal
processo, reservamos o próximo tópico.
A diversidade étnico-racial na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 1996:
percurso e descaminhos
As mobilizações dos grupos étnico-raciais organizados (negros e índios) em defesa da
reforma constitucional em 1988 ressoaram como pressão durante o processo de tramitação do
projeto da nova LDB. Assim, reivindicaram a inclusão de conteúdos de ensino na Educação
Básica relacionados às suas expressões socioculturais como mecanismo de reconhecimento e
valorização de suas identidades étnicas.
Nessa direção, como mencionamos no tópico anterior, observamos que o texto do
primeiro anteprojeto apresentado pelo Deputado Octavio Elísio/PSDB-MG não expressou
nenhuma intenção a esse respeito. Enquanto no substitutivo defendido pelo relator Jorge
Hage, encontramos indícios do reconhecimento da participação da diversidade étnico-racial no
Brasil. Disposto no Capítulo VII, Art. 38, item III, “O ensino da História do Brasil levará em conta
as contribuições das diferentes culturas, raças e etnias para a formação do povo brasileiro.”
(SAVIANI, 1997, p. 86). No Capítulo IX, encontramos também recomendações da prática do
bilinguismo nas escolas indígenas. E o Capítulo XV foi dedicado à Educação para Comunidades
Indígenas, cujo teor discutiremos mais adiante.
Ao observarmos o projeto do Senado apresentado por Darcy Ribeiro, notamos a
incorporação dos dois primeiros itens abordados no projeto citado anteriormente. Quanto ao
conteúdo exposto sobre a especificidade da Educação Escolar Indígena, nada foi mencionado.
Ressaltamos que o silenciamento desse conteúdo por parte do referido ator nesse processo,
nos causou grande surpresa, em razão da forte relação do próprio Darcy Ribeiro com os povos
indígenas, reconhecido internacionalmente pelos seus estudos etnográficos e pela sua atuação
como indigenista em tempos passados, esperávamos uma postura favorável a essas
populações. Contudo, além de tumultuar todo o processo democrático e participativo em que
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
tramitava o projeto da LDB, ainda reduziu as diretrizes destinadas à Educação Escolar Indígena
apenas à prática do bilinguismo. Deixando de fora, a preocupação com os povos nomeados por
Darcy como “mestiços”, “aculturados”, “civilizados”, os considerados não indígenas.
O posicionamento do Darcy Ribeiro nesse primeiro momento frente às questões
indígenas na LDB reafirmou a crítica feita pelo pesquisador Silva (2008), quando escreveu que
a visão do referido etnólogo tinha sobre os índios baseava-se na ideia da extinção desses, em
via da mestiçagem. Portanto, é possível afirmar que no texto final aprovado a ideia sobre os
índios resultou da atuação dos indígenas com o apoio do Conselho Indigenista
Missionário/CIMI, órgão da Igreja Católica Romana, com respaldo do educador e Deputado
Florestan Fernandes.
Não tendo o seu projeto aprovado inicialmente, Darcy Ribeiro empenhou-se
posteriormente em buscar apoio para derrubar o projeto da Câmara dos Deputados. Não
conseguindo tal feito, apresentou um substitutivo. E diante da pressão social e política, acabou
por incorporar quase todos os conteúdos referentes à Educação Escolar Indígena, contido no
substitutivo anterior, realizando apenas algumas alterações que podemos analisá-las, a partir
da apresentação do texto na íntegra do Capítulo XV do substitutivo Jorge Hagge, para em
seguida compararmos ao substitutivo apresentado por Darcy Ribeiro.
Capitulo XV
Da Educação para Comunidades Indígenas
Art. 88 – O Sistema Nacional de Educação, preferentemente através do
sistema de ensino da União, e com a colaboração das agências federais de
fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas
integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e
intercultural aos povos indígenas.
Parágrafo único – Os programas previstos nesse artigo serão formulados
com audiência das comunidades envolvidas, através das respectivas
organizações e de entidades representativas das comunidades indígenas.
Art. 89 – Os programas referidos no artigo anterior deverão ser incluídos nos
Planos Nacionais de Educação, com recursos específicos das agências de
cultura e de assistência ao índio, além das dotações ordinárias da educação,
e terão os seguintes objetivos:
I – preservar e fortalecer a organização social, a cultura, os costumes, as
línguas, crenças, e tradições das comunidades indígenas;
II – fortalecer as práticas socioculturais, a língua materna de cada
comunidade indígena e desenvolver metodologias específicas do processo
de ensino-aprendizagem da educação escolar de comunidades indígenas,
especialmente na aprendizagem da primeira e segunda língua;
III – manter programas de formação de recursos humanos especializados,
destinados à educação escolar de comunidades indígenas, garantindo,
preferencialmente, ao índio, o acesso aos mesmos;
IV – desenvolver currículo, programas e processos de avaliação de
aprendizagem, bem como material didático e calendário escolares
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
diferenciados e adequados às diversas comunidades indígenas; (grifos
nossos).
V – publicar material didático em línguas indígenas maternas e material
bilíngue, destinados à educação em cada comunidade indígena, visando a
integração do ensino em seus diversos níveis;
VI – preparar o educando da comunidade indígena para o exercício da
cidadania, tal como expresso no art. 2º desta lei. (SAVIANI, 1997, p. 103),
(Grifo nosso).
Grifamos parte do texto dos objetivos de II à VI para ressaltar que os trechos grifados
correspondem ao conteúdo que foi excluído no texto do substitutivo do Darcy Ribeiro.
Dispostos no Título VIII das disposições gerais no Art. 79, expresso da seguinte forma:
I – Fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada
comunidade indígena;
II – Manter programas de formação de recursos humanos especializados,
destinados à educação escolar de comunidades indígenas,
III – desenvolver currículo, e programas específicos, neles incluindo os
conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades. (apud,
BRZEZINSKI, 2010, p. 307)
A nosso ver, a redução do texto do Item I não trouxe nenhum prejuízo, pois o direito
aos processos próprios de aprendizagem para os povos indígenas foram contemplados no Art.
32, inciso 3º da referida Lei, que diz: “O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada as comunidade indígenas a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem.” (apud, BRZEZINSKI, 2010, p. 307).
Enquanto a redução do texto expressa no objetivo II, trouxe grande prejuízo para a
qualificação profissional dos/as professores/as indígenas. E assim abrindo precedentes a
contratação de professores/as não indígenas para lecionar nas escolas indígenas. Quando
muitos desses profissionais desconhecem os processos próprios de aprendizagem nas
referidas escolas, podendo contrariar o fortalecimento das práticas socioculturais dessas
populações, como anunciou o objetivo I.
Observamos semelhante contradição no objetivo III, pois quando foi descartada a
possibilidade de adequação do calendário letivo para as comunidades indígenas, estava-se
negando também as especificidades de cada povo, assim dificultando os processos de ensinoaprendizagem próprios.
Além das alterações mencionadas, o projeto substitutivo de Darcy Ribeiro, excluiu
ainda o conteúdo do Art. 90 do Projeto defendido pela Câmara dos Deputados. Expressando a
desatenção com as escolas localizadas próximas às áreas indígenas. Sendo atualmente o caso
das escolas lócus do nosso interesse de estudo e de tantas outras,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Substitutivo Jorge Hage:
Art. 90 – Os sistemas de ensino da União, dos Estados e dos Municípios
articular-se-ão para assegurar que as escolas situadas em áreas indígenas ou
em suas proximidades, vinculadas a qualquer dos sistemas, observem as
características especiais da educação de comunidades indígenas
estabelecidas nos artigos anteriores, inclusive quanto à formação
especializada dos seus professores.
Parágrafo único – é obrigatória a isonomia salarial entre professores índios e
não índios. (SAVIANI, 1997, p. 103-104).
Compreendemos que o dispositivo legal acima não só favoreceria a população
indígena, mas também a população não indígena, que de alguma forma mantém contatos com
os povos nativos.
Com a exclusão do conteúdo textual mencionado, o substitutivo Darcy Ribeiro
ignorou a presença de estudantes indígenas nas escolas fora da área indígena, como também
desobrigou o investimento na formação de professores/as que atuam nas escolas não
indígenas acerca das expressões socioculturais desses povos. E ainda perpetuou a ilegalidade
da função dos professores/as indígenas na maioria dos Estados, quando não tratou no novo
projeto da LDB, da obrigatoriedade da isonomia salarial para esses/as professores/as.
Por fim, analisando todo o processo, observamos ainda que no substitutivo
defendido por Darcy Ribeiro, o conteúdo referente à modalidade da Educação Escolar Indígena
perdeu o mérito de ter um Capítulo exclusivo, sendo disposto apenas no final do documento,
diluído no Título VIII das Disposições Gerais, em meio a tantos outros conteúdos distintos
entre si.
Enquanto em ambos os projetos, os conteúdos mais gerais que diz respeito a
inclusão do ensino sobre as expressões socioculturais diversas, foi exposto de forma tão
superficial que exigiu mudanças posteriores. A exemplo dos Artigos 26 e 79, da LDB original,
que manteve a mesma redação do projeto substitutivo anterior, precisando serem
modificados por força da mobilização do Movimento Negro resultando na Lei nº 10.639/2003.
Sendo ao Art. 26, acrescentado o Art. 26-A, tornando obrigatório o ensino da História e Cultura
Afro-brasileira nas instituições escolares públicas e privadas. Como também, anunciando os
componentes curriculares a serem explorados. Quanto ao Art. 79 que compõe a parte das
Disposições Gerais do Título VIII foi acrescentado o Art. 79-B, que incluiu no calendário escolar
o Dia Nacional da Consciência Negra. (apud. BRZEZINSKI, 2010, p. 285).
No ano de 2008, por pressão das mobilizações dos/as professores/as indígenas foi
promulgada a Lei nº 11.645/2008, que alterou o Art. 26-A, estendendo a obrigatoriedade do
ensino sobre a História e as Culturas dos povos indígenas no Brasil. Entretanto, a referida Lei
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
ainda encontra-se em processo de normatização complementar, para que possam ser
estabelecidas as Diretrizes Curriculares necessárias a sua adequação, como foi estabelecida às
orientações curriculares para as relações étnico-raciais demanda pela Lei nº 10.639/03.
Passaram-se cinco anos desde a promulgação da Lei 11.645/2008, e ainda é
recorrente a ignorância sobre o seu conteúdo para a maioria dos/as professores/as,
principalmente nas regiões interioranas do Nordeste, em razão da ausência dessa discussão
nos cursos de licenciaturas e de formações continuadas. Ocasionando um déficit sobre essa
abordagem nas práticas curriculares nas escolas não indígenas.
Considerações finais
O direito as diferenças para os povos indígenas no Brasil, constitui a base de todos os
demais direitos sociais anunciados pela Constituição Federal em vigor. Quanto ao direito à
educação formal, pensamos que essa questão transcende a modalidade da Educação Escolar
Indígena, na medida em que existem muitos povos em contato com a nossa sociedade por
razões históricas conhecidas que resultaram na expropriação das suas terras, a exploração da
mão-de-obra escrava como visto recentemente noticiada na mídia, dentre outras situações
degradantes obrigando-os a morar nas periferias das grandes e pequenas cidades desse país.
Os/as
profissionais
da educação
(gestores/as coordenadores/as
pedagógicos/as
e
professores/as) não tem mais como ignorar as presenças desses indivíduos nas escolas
localizada nas áreas urbanas, nem tão pouco, o que diz a LDB a respeito da atenção com o
ensino sobre a história e as culturas desses povos.
Precisamos ir além dos conteúdos curriculares expressos nos livros didáticos, que
geralmente são carregados de estereótipos, preconceitos e generalizações, e da imposição da
legislação educacional. A própria diversidade étnico-racial na nossa sociedade vem provocando
os/as profissionais da educação a repensar suas práticas. E nesse repensar, é possível tecer
reflexões sobre o currículo como espaço de tensões e disputas pelos mais variados interesses.
É possível construir uma postura critica sobre os conteúdos curriculares que orientam as
atividades cotidianas das escolas. É possível se mobilizar por uma participação mais efetiva nos
processos de formulação do currículo por meio das associações profissionais das universidades
e dos grupos de trabalhos nesse campo.
Por fim, pensamos que as questões étnico-raciais na educação passam pelo
compromisso de todos/as que nela atuam, mas principalmente está relacionado com os
valores e crenças sobre qual o tipo de sociedade que desejamos.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, O SISTEMA DE
COTAS E O CURRÍCULO DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO:
TESSITURA ÁRA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA
MARIA BENILDES UCHÔA DE ARAÚJO
[email protected]
MARIA LUCIENE FERREIRA LIMA
[email protected]
Resumo
Este artigo discorrerá sobre o sistema de cotas implantado em todas as Instituições Federais
como Política Pública para acesso ao ensino técnico e superior para alunos oriundos de escolas
públicas, resultado da aprovação da Lei Nº 12.711/2012l, fazendo um paralelo com os
dispositivos legais que direcionam as políticas de currículo para a educação em e para os
direitos humanos e as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Pedagogia, Engenharia e
Medicina. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a análise dos documentos que
oficializam e direcionam a política pública implementada.
Palavras chaves: Sistema de cotas, currículo, educação em direitos humanos.
ABSTRACT
This article will discuss the quota system implemented in all Federal Institutions and Public
Policy for access to higher and technical education to students from public schools, a result of
the adoption of Law No. 12.711/2012l, drawing a parallel with the regulations that guide
policies curriculum for education in and for human rights and the National Curriculum
Guidelines of Pedagogy, Engineering and Medicine. The methodology used was the literature
search and analysis of the documents that formalize and direct public policy implemented.
Keywords: system of quotas, curriculum, human rights education.
INTRODUÇÃO
Há tempos que estamos sendo regidos por uma democracia capitalista que tem
influenciado não só o setor da economia, mas também, a forma de gerenciamento da
administração pública, e aqui, me refiro de forma especial à administração da educação
pública que nos moldes do neoliberalismo tem influenciado o individualismo e a competição,
de forma que o conhecimento, baseados em competências e habilidades a serem alcançadas
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
pelos educandos, é atualmente, o capital de maior valor para quem queira conquistar sua
independência e autonomia.
Por outro lado, temos acompanhado algumas conquista coletiva, à medida que a
sociedade se organiza para lutar pelos seus direitos, e é por isso que, o direito a educação
precisa ser entendido como direito de todos e para todos, de forma que seja permanente e
universal e que proporcione mudanças de concepções e de paradigmas de todos os agentes
envolvidos no processo ensino aprendizagem. É pena que, as conquistas a que nos referimos,
muitas vezes, se configuram apenas nos dispositivos legais, fazendo a prática parecer
excessivamente burocrática, como se fôssemos apenas cidadãos de papel, e talvez, seja só
isso, que nos tornamos, haja vista que uma educação em e para os direitos não é fácil de
transmitir em um processo de aulas normais, requer entre outras coisas, considerar todos os
sujeitos, os contextos e suas relações, para que os dispositivos legais possam ratificar os
valores que queremos ver consolidados em nossa sociedade.
Nessa perspectiva sendo as ações afirmativas medidas especiais a serem adotadas
para a ampliação de oportunidades de igualdades de direitos para grupos vulneráveis, este é
um tema que ainda precisa ser amplamente debatido, haja vista que a questão da
discriminação racial no Brasil fica sempre escondida por traz de uma imagem de um país de
várias cores, que não tem preconceito, mas que, no entanto quando se fala de medidas de
reparação que tem por objetivo superar as desigualdades e promover justiça social a
determinados grupos ainda causam grandes tensões.
Dessa forma, a educação como direito humano deveria estar na agenda política numa
perspectiva de promover a igualdade e a equidade de oportunidades para todos visando à
construção de uma sociedade democrática e cidadã. No entanto, algumas demandas só
ganham corpo e se incorporam às agendas públicas a partir da ação de grupos ativistas que
luta pelos seus direitos em meio às tensões geradas por varias formas de violações. Sabemos
que o tema das ações afirmativas no Brasil é recente e surgiu nas agendas públicas por meio
das lutas dos movimentos sociais, em particular o Movimento Negro, por sua trajetória de
lutas por direitos e questões sociais e étnico-raciais, entre esses direitos, estão o direito ao
aceso a educação superior.
Precisamos então aproveitar esse momento de efervescência, em que os mais variados
grupos sociais têm consigo colocar na agenda política e na mídia suas necessidades, fazendo
com que estas se transformem em Leis. Esses grupos “cobram que as políticas se abram para o
princípio da equidade, na garantia do acesso aos direitos universais aos homens e às mulheres,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
por meio de ações específicas e afirmativas voltadas aos grupos historicamente discriminados”
(Conae 2010).
Assim, O objetivo deste trabalho será fomentar o debate sobre o sistema de cotas e
seus desdobramentos, para que possamos descobrir como tratar pedagogicamente as
necessidades de um grupo tão diverso, trazendo à tona a importância da educação em e para
os direitos humanos como forma de nos reeducarmos quanto aos nossos conceitos e/ou
preconceitos, disfarçados sob a ilusão da tão propagada democracia racial.
Dessa forma, se faz necessário pensarmos inicialmente nas práticas pedagógicas que
permeiam as estruturas do currículo formal e se tais práticas não estão de certa forma
contribuindo para um currículo oculto que oprime e discrimina, fazendo um paralelo com os
dispositivos legais que direcionam as políticas de currículo, tais como, O Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos e as Diretrizes Curriculares Nacionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de graduação em Pedagogia, engenharia e Medicina e quais a proposta que
teremos para a construção do novo Plano Nacional de Educação expresso no Documento
Referência da CONAE 2014.
Para tanto o desenvolvimento do texto enfocará: 1) a política de cotas no Brasil e suas
implicações, 2) A nova Lei de cotas seus conceitos e definições, 3) As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos e o currículo para os cursos de graduação.
Destarte esperamos fomentar o debate sobre a importância da Educação em Direitos
humanos em todos os cursos de graduação e inspirar novas práticas que contribuam para a
construção de uma sociedade mais justa, a superação das desigualdades e o reconhecimento
de diferentes grupos socioculturais.
A POLÍTICA DE COTAS NO BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES
A convenção da UNESCO relativa à luta contra as discriminações na esfera do ensino
realizada em 1960 inicia recordando a afirmação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de que não devem ser estabelecidas discriminações de qualquer natureza. Todos os
estados presentes concordaram que a educação deve atender ao pleno desenvolvimento da
personalidade humana e reforçar o respeito aos direitos humanos e das liberdades
fundamentais. É importante frisar que o preâmbulo da referida declaração reforça que o
respeito aos direitos humanos e das liberdades fundamentais deve ser feito através do ensino
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
e da educação e acrescenta no artigo XXVI que toda pessoa tem direito a instrução gratuita nos
graus elementares e fundamentais e que a educação superior será baseada no mérito.
Vejamos que preocupação com o respeito aos direitos do homem é fundamental e
necessária e que esta foi sempre uma preocupação de nível internacional compartilhada e
ratificada por diversos países, no entanto, a questão do mérito sempre se sobressaiu, em
detrimento de uma lacuna do próprio Estado de não poder oferecer educação superior a todos
que dela precisa e mesmo com a experiência da política de cotas implementadas em várias
universidades brasileiras ao longo desse doze anos, o seu acesso continua sendo pelo mérito.
Passados mais de 50 anos da Convenção da UNESCO, podemos constar ao longo do
tempo que a educação superior sempre foi voltada para as elites e o que temos acompanhado
no Brasil com relação à entrada de estudantes nas instituições de ensino superior é que os
estudantes que ingressam nas universidades públicas são, em sua maioria, egressos de escolas
particulares e que os resultados obtidos pelos estudantes tornaram-se alvo de marketing
empresarial para as escolas. Como paradoxo, poucos alunos oriundos de escolas públicas
conseguem ingressar em uma universidade pública, tendo estes, que trabalhar para pagar uma
universidade particular.
Atendendo aos apelos da sociedade civil organizada o Governo do Estado do Rio de
Janeiro, em 2002, foi o primeiro a adotar um sistema de cotas instituído através de uma Lei
Ordinária, disponibilizando 50% das vagas para estudantes que tivessem cursado
integralmente o ensino fundamental e médio em escola pública. Dois anos depois a UNB adota
um sistema de cotas para negros e em seguida várias outras universidades passaram a adotar
programas de cotas com o objetivo oferecer maiores oportunidades para estudantes oriundos
de grupos vulneráveis às desigualdades social e étnico-racial que persiste em nosso país. Os
programas adotados, em sua maioria, levavam em conta o critério social ou de raça.
Com um programa de cotas implantado no Brasil recentemente através da Lei 12.711
de 2012, oficializa-se a nível nacional um sistema de cotas que tem inicialmente um recorte
social, fundados no combate a qualquer tipo de discriminação que deverá considerar as
diferentes trajetórias de vidas e as desigualdades sociais. Assim, os cotistas definidos pela lei
são sujeitos oriundos de escolas públicas, sejam este, brancos, amarelos, negros, pardos,
índios que comprovem uma renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um vírgula cinco)
salário-mínimo per capita.
Surge assim, a necessidade de implementar programas para
garantir não só o acesso, mas também a permanência de um grupo tão diverso. Ao adotar um
sistema de cotas baseado inicialmente no critério social o Estado assume que as desigualdades
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
no país advêm da pobreza e não do critério de raça, embora haja o recorte étnico racial
atendendo o que afirma o artigo 4º do Estatuto da Igualdade Racial “A participação da
população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social,
política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de adoção de medidas,
programas e políticas de ação afirmativa”.
Sabemos que o preconceito com relação aos cotistas são muitos e existem dentro da
própria universidade, apoiados no discurso de que o aluno oriundo de escolas públicas
implicaria em resultados negativos para a qualidade dos cursos de graduação e licenciaturas,
sendo que, os egressos dos cursos de Licenciatura voltariam para a escola básica pública e
teríamos um ciclo que perpetuaria a má qualidade do ensino público. Tal discurso está incutido
no cotidiano escolar nas relações e práticas não formais, fazendo com que os cotistas, para
não sofrerem maiores preconceitos, acabem se escondendo e desistindo de lutar pelos seus
direitos enquanto grupo, até porque estamos acostumados a um discurso de que somos uma
nação democrática, ledo engano, o que acontece na realidade é o que afirma Kabengele
Munanga:
A partir de um povo misturado desde os primórdios, foi elaborado, lenta e
progressivamente, o mito de democracia racial. Somos um povo misturado,
portanto, miscigenado; e, acima de tudo, é a diversidade biológica e natural
que dificulta a nossa união e o nosso projeto enquanto povo e nação. Somos
uma democracia racial porque a mistura gerou um povo que está acima de
tudo, acima das suspeitas raciais e étnicas, um povo sem barreiras e sem
preconceitos. Trata-se de um mito, pois a mistura não produziu a declarada
democracia racial, como demonstrado pelas inúmeras desigualdades sociais
e raciais que o próprio mito identidade política dos membros dos grupos
oprimidos. (1996: 216).
Pelo contexto exposto é claro e notório a importância da Educação em/para os Direitos
humanos, devendo esta estar pautada nos principais documentos que norteiam as práticas
pedagógicas das instituições públicas o que implica a adoção de um conjunto de estratégias
integradoras a nível nacional para que as práticas metodológicas sejam adotadas e postas em
prática por todos e em todos os níveis de ensino, pois
Na medida em que o objetivo da pedagogia crítica é o de capacitar seus
praticantes a falar com autoridade, enquanto perturba a naturalização de
convenções fixas e de contingências enraizadas, esta prática não deve,
entretanto, ser desenvolvida de maneira autoritária. Ao criticar o legado
disfuncional do positivismo que presume a objetividade sem preconceitos, a
pedagogia crítica busca construir uma coalizão intelectual inovadora e
significativa na luta anticapitalista, antirracista, antissexista, antihomofóbica e anticolonialista. Na sua contestação pelo esmaecimento,
periferização e marginalização das pessoas de cor e no seu desafio da
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
inescapável fragmentação e diferenciação do sujeito pós-moderno, ela
mobiliza um discurso de esperança e possibilidade que se recusa a colocar o
sucesso” e a “falha” na pessoa e não no sistema (MacLarem 1997, p. 50).
Para o direcionamento dessa perspectiva da pedagogia crítica que MacLarem propõe
tivemos em termos de conquista a nível nacional e resultado de uma ação coletiva que
envolveu a sociedade civil e os agentes públicos a elaboração do Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos, iniciado em 2003 e pautados na Declaração Universal dos Diretos
Humanos, na Conferência Nacional de Viena e na Constituição Federal do Brasil e inserido em
um contexto internacional reconhecendo que
a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio
indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto,
mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e
às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente
excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena
para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores,
atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça
social. (PNEH, 2007, pág, 25.).
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos com cinco eixos estruturantes:
Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-Formal; Educação dos Profissionais dos
Sistemas de Justiça e Segurança Pública e Educação e Mídia. Para o eixo da educação Superior
propõe 21 ações programáticas, entre elas a de
desenvolver políticas estratégicas de ação afirmativa nas IES que
possibilitem a inclusão, o acesso e a permanência de pessoas com
deficiência e aquelas alvo de discriminação por motivo de gênero, de
orientação sexual e religiosa, entre outros e seguimentos geracionais e
étnico-raciais. (PNEH, 2007, p. 40)
Todas as ações deverão ter como princípios norteadores a interdisciplinaridade, a
transversalidade e a trasndisciplinaridade de forma que
No ensino, a educação em direitos humanos pode ser incluída por meio de
diferentes modalidades, tais como, disciplinas obrigatórias e optativas,
linhas de pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto
político-pedagógico, entre outros.
Na pesquisa, as demandas de estudos na área dos direitos humanos
requerem uma política de incentivo que institua esse tema como área de
conhecimento de caráter interdisciplinar e transdisciplinar.
Na extensão universitária, a inclusão dos direitos humanos no Plano
Nacional de Extensão Universitária enfatizou o compromisso das
universidades públicas com a promoção dos direitos humanos15. A inserção
desse tema em programas e projetos de extensão pode envolver atividades
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
de capacitação, assessoria e realização de eventos, entre outras, articuladas
com as áreas de ensino e pesquisa, contemplando temas diversos. (PNEH,
2007, pág, 38.).
Definidos os princípios norteadores para a inclusão da educação em direitos humanos
no ensino superior é preciso reforçar que o currículo de qualquer curso, seja este licenciatura
ou bacharelado, deverá prever a discussão e o estudo de temáticas que envolva a história da
formação do povo brasileiro, sua cultura, suas leis, de forma que haja a construção de uma
pedagogia antirracista e antidiscriminatória, visando uma educação integral, para a formação
de uma consciência crítica que respeite o outro, as diferentes culturas e tradições que prepare
os profissionais de todas as áreas do conhecimento.
A NOVA LEI DE COTAS: CONCEITOS E DEFINIÇÕES
A Lei Nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 que dispõe sobre o ingresso nas
universidades federais de ensino técnico de nível médio, seguida do Decreto Nº 7.824 de 11 de
outubro de 2012 e da Portaria Normativa Nº 8 também de 11 de outubro de 2012 que dispõe
sobre a implementação das reservas de vagas em instituições federais de que tratam a Lei e o
Decreto supracitados traz às definições dos elementos que estruturam a lei, as modalidades de
reservas de vagas, as condições para concorrência das reservas de vagas, e como se fará o
cálculo e o preenchimento das vagas.
A referida Lei entrou em vigor, quando a maioria das universidades já havia elaborado
seus editais, trazendo uma nova demanda de trabalho para as instituições federais que teriam
que se adaptarem as novas regras, devendo estas oferecer em seus editais, a partir de 2013,
50% de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, devendo ser implementado este
percentual em até quatro anos a partir da aprovação da lei, de forma gradativa, sendo
obrigatória no primeiro ano, a adoção de 25% do percentual total.
Com relação às definições a Portaria Normativa nº 8/2012 nos incisos do artigo
segundo considera
I - concurso seletivo, o procedimento por meio do qual se selecionam os
estudantes para ingresso no ensino médio ou superior, excluídas as
transferências e os processos seletivos destinados a portadores de diploma
de curso superior;
II - escola pública, a instituição de ensino criada ou incorporada, mantida e
administrada pelo Poder Público, nos termos do inciso I, do art. 19, da Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996;
III - família, a unidade nuclear composta por uma ou mais pessoas,
eventualmente ampliada por outras pessoas que contribuam para o
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade
familiar, todas moradoras em um mesmo domicílio;
IV - morador, a pessoa que tem o domicílio como local habitual de
residência e nele reside na data de inscrição do estudante no concurso
seletivo da instituição federal de ensino;
V - renda familiar bruta mensal, a soma dos rendimentos brutos auferidos
por todas as pessoas da família, calculada na forma do disposto nesta
Portaria.
VI - renda familiar bruta mensal per capita, a razão entre a renda familiar
bruta mensal e o total de pessoas da família, calculada na forma do art. 7o
desta Portaria.
Assim definidos os elementos estruturantes e o percentual mínimo a ser reservado
pelas instituições federais de educação superior e de nível médio técnico a Portaria Nº 8/2012
acrescenta em seu artigo 12 que
Art. 12. As instituições federais de ensino poderão, por meio de políticas
específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas:
I - suplementares, mediante o acréscimo de vagas reservadas aos números
mínimos referidos no art. 10; e
II - de outra modalidade, mediante a estipulação de vagas específicas para
atender a outras ações afirmativas.
Art. 13. Os editais dos concursos seletivos das instituições federais de ensino
de que trata esta Portaria indicarão, de forma discriminada, por curso e
turno, o número de vagas reservadas em decorrência do disposto na Lei nº
12.711, de 2012, e de políticas de ações afirmativas que eventualmente
adotarem.
Com a lei de cotas em vigor espera-se que a educação formal possa promover uma
pedagogia crítica que dê sentido aos conteúdos estudados para que os sujeitos consigam se
reconhecer e se auto afirmar dentro de sua comunidade, e assim, se fortalecer enquanto
grupo na luta pelos seus direitos.
AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E O
CURRÍCULO PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO
Como desdobramento das ações previstas dentro do Plano Nacional de Educação em
Diretos Humanos, tivemos recentemente uma grande conquista que foi a Resolução de nº 01
de 30 de maio de 2012 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos e que servirá de bússola para os sistemas de ensino e suas instituições na
construção de suas propostas pedagógicas, na organização curricular, no modelo de gestão e
avaliação, na produção de materiais didáticopedagógicos, quanto na formação inicial e
continuada dos profissionais da educação e demais profissionais, indicando os Conselhos de
Educação como os responsáveis pela elaboração de estratégias de acompanhamento das
ações de Educação em Direitos Humanos.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
As Diretrizes curriculares orientam os sistemas de ensino e suas instituições no que se
refere ao planejamento e ao desenvolvimento de ações de Educação em Direitos Humanos,
devendo estas adequar-se às necessidades, às características sociais, culturais e locais ao
propor que:
Art. 6º A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser
considerada na construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP); dos
Regimentos Escolares; dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI);
dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Educação
Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino,
pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos diferentes processos de
avaliação.
Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes à educação em Direitos
Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da Educação
Superior poderá ocorrer das seguintes formas:
I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos
Humanos e tratados interdisciplinarmente;
II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no
currículo escolar;
III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e
disciplinaridade.
Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação em Direitos
Humanos poderão ainda ser admitidas na organização curricular das
instituições educativas desde que observadas as especificidades dos níveis e
modalidades da Educação Nacional.
Art. 8º A Educação em Direitos Humanos deverá orientar a formação inicial
e continuada de todos(as) os(as) profissionais da educação, sendo
componente curricular obrigatório nos cursos destinados a esses
profissionais.
Art. 9º A Educação em Direitos Humanos deverá estar presente na formação
inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais das diferentes áreas do
conhecimento.
Nessa perspectiva, como vencer a cultura escolar dominante que permeiam as práticas
pedagógicas atuais e por em prática uma pedagogia que possibilite a análise dos problemas
vivenciados pela sociedade para conhecê-los e prover meios para transformá-los? Já
percebemos que o caminho é a educação, aquela que emancipa o cidadão e o resgata da
massa, lembrando que a educação se materializa através do currículo, é este que orienta o que
se deve ensinar e aprender nas escolas.
Assim, fizemos uma breve analise das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de
Pedagogia da área de humanas comparando com as dos cursos de engenharia da área de
exatas e o de Medicina da área de saúde, a fim de verificar qual a proposta de organização
apresentados para estes cursos. Nos cursos analisados o que se observou foi que as diretrizes
do curso de Pedagogia orientam as instituições para que, na construção de seus projetos
pedagógicos, seus componentes curriculares contemplem práticas integradoras e a realização
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
de oficinas e seminários temáticos, com o objetivo de discutir temas contemporâneos que
contemplem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira. A Resolução CNE/CP Nº 1,
DE 15 de maio de 2006, que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia, licenciatura ratifica que
O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:
IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura
investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas,
com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étnico-raciais,
econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras;
X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de
natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais,
classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre
outras;
As diretrizes dos cursos da área de exatas, e em especial as engenharias, até apontam
a preocupação em ampliar os horizontes para a formação sociocultural, no entanto o conteúdo
proposto concentram-se em um núcleo básico, um núcleo de conteúdos profissionais e um
núcleo de conteúdos específicos e as atividades complementares estão voltadas para a
realização de projetos, desenvolvimentos de protótipos, monitorias e participação em
empresas júniores e outras atividades empreendedoras afirmando que
Na nova definição de currículo, destacam-se três elementos fundamentais
para o entendimento da proposta aqui apresentada. Em primeiro lugar,
enfatiza-se o conjunto de experiências de aprendizado. Entende-se,
portanto, que Currículo vai muito além das atividades convencionais de sala
de aula e deve considerar atividades complementares, tais como iniciação
científica e tecnológica, programas acadêmicos amplos, a exemplo do
Programa de Treinamento Especial da CAPES (PET), programas de extensão
universitária, visitas técnicas, eventoscientíficos, além de atividades
culturais, políticas e sociais, dentre outras, desenvolvidas pelos alunos
durante o curso de graduação. Essas atividades complementares visam
ampliar os horizontes de uma formação profissional, proporcionando uma
formação sociocultural mais abrangente (Parecer/CNE/CES nº 1362/2001).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina enfoca que o futuro
médico deverá atuar com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania e
propõe que
Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o
Currículo do Curso de Graduação em Medicina para um perfil acadêmico e
profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a
compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das
culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto
de pluralismo e diversidade cultural.
Art. 12. A estrutura do Curso de Graduação em Medicina deve:
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
I - Ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde
dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e identificadas pelo
setor saúde;
II - utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na
construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de
estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência;
III - incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno
atitudes e valores orientados para a cidadania;
IV - promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência com o eixo
de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas,
psicológicas, sociais e ambientais;
V - inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a
sua futura vida profissional;
VI - utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno
conhecer e vivenciar situações variadas de vida, da organização da prática e
do trabalho em equipe multiprofissional;
VII - propiciar a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de
saúde desde o início de sua formação, proporcionando ao aluno lidar com
problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes como agente
prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia,
que se consolida na graduação com o internato;
VIII - vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médicoacadêmica às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS.
Nessa perspectiva, as práticas pedagógicas que contemplem uma educação em
direitos humanos só serão possíveis se os professores conhecerem e se identificarem com os
temas que fazem parte das agendas políticas e dos documentos que orientam o tratamento
didático referente aos direitos humanos. Daí a importância de um programa de formação
continuada para todos os profissionais de todas as áreas que contemple a educação em
direitos humanos.
O Documento Referência da Conae 2014 que propõe ações e metas para a discussão e
elaboração coletiva da organização da educação nacional, inicia seu eixo estruturante II
enfocando que o tema “Educação e diversidade: justiça social, inclusão e direitos humanos”
constitui o eixo central da educação e objeto da política educacional a ser desenvolvida de
forma laica e com qualidade social, em todos os níveis, modalidades e etapas da educação.
Destarte, uma política educacional que considere a diversidade e a educação em para
os direitos humanos deve considerar todas as segregações e discriminações sofridas pelos
coletivos sociorraciais e proporcionar a participação ativa desses sujeitos na reelaboração de
seus documentos visando à construção coletiva de um currículo que contemple todas as
etnias, a inclusão e os direitos humanos, haja vista que nossos discursos e práticas estão
marcados pelo colonialismo, pois qualquer política ao ser implantada, só será eficaz, se suas
práticas forem democráticas. É preciso então aprender outras culturas para entender as
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
diferenças. É preciso que o professor seja ele da área de humanas, da saúde ou de exatas
conheçam e aceitem a temática dos diretos humanos e incorpore em sua prática diária.
Por fim, precisamos repensar e discutir nossas práticas sempre que a diversidade for
entendida como problema ou forem hierarquizadas em uma escala de valor onde se priorizam
algumas demandas em detrimento de outras para que possamos avançar rumo a uma prática
pedagógica efetiva que considere o direito a diversidade e a equidade e que estas possam ser
a base para a elaboração dos projetos político-pedagógicos dos cursos de graduação, dos
planos de desenvolvimento institucional da educação pública e privada, em articulação com
coletivos sociorraciais e consequentemente se efetivem nas práticas diárias dos professores.
REFERÊNCIAS:
BRASIL,
CONAE
2014:
Documento–referência.
Disponível
http://fne.mrc.gov.br/images/pdef/documentoreferenciaconae2014publicacao_numerada3.pdf.
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em Medicina. Brasília: Disponível em
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NAS
PRÁTICAS CURRICULARES: CONTEÚDOS SELECIONADOS
E SILENCIADOS
MICHELE GUERREIRO FERREIRA
[email protected]
Resumo
Este trabalho baseia-se nos Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos (QUIJANO, 2005, 2007;
MIGNOLO, 2005, 2011; WALSH, 2008; SARTORELLO, 2009) e faz parte da pesquisa de
Mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea
(CAA/UFPE). Neste trabalho apresentamos parte dos resultados obtidos na referida pesquisa
questionarmos a presença da herança colonial (MIGNOLO, 2005, 2011) nos currículos
escolares, a qual se pauta na cosmovisão da sociedade moderna constituída no âmbito da
Modernidade. Utilizamos a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004; VALA, 1990) para analisar os
dados coletados/produzidos nas entrevistas semiestruturadas (MINAYO, 2010) e nos
questionários aplicados. O objetivo do presente trabalho é apresentar parte dos resultados da
pesquisa ao identificar e caracterizar os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana presentes nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s. Com base nesses resultados
discutimos os limites e as possibilidades abertas para a decolonização dos currículos e a
construção da Educação das Relações Étnico-Raciais pautada na Educação Intercultural na
Perspectiva Crítica.
Palavras-chave: Práticas Curriculares; Relações Étnico-Raciais; Interculturalidade.
Abstract
This paper is based on the Postcolonial Studies Latin American (QUIJANO, 2005, 2007;
MIGNOLO, 2005, 2011; WALSH, 2008; SARTORELLO, 2009) and is part of the research
developed in the Masters Program Graduate in Contemporary Education (CAA/UFPE). We
present some of the results obtained in the initial research about the question of the presence
of the colonial legacy (MIGNOLO, 2005, 2011) in the school curriculum, which is guided in the
worldview of modern society constituted under Modernity. We use content analysis (BARDIN,
2004; VALA, 1990) to analyze the data collected/produced in semi-structured interviews
(MINAYO, 2010) and in questionnaires. The aim of this paper is to present the results of
research to identify and characterize the contents of History and Afro-Brazilian and African in
curricular practices of teachers. Based on these results we discuss the limits and the
possibilities open to the decolonization of the curriculum and the construction of the
Education of Racial-Ethnic Relations ruled in Intercultural Education in Critical Perspective.
Keywords: Curricular Practices, Racial-Ethnic Relations; Interculturality.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Introdução
Este artigo é parte da pesquisa de Mestrado intitulada: Sentidos da Educação das
Relações Étnico-Raciais nas Práticas Curriculares de Professore(a)s de Escolas Localizadas no
Meio Rural, a qual foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação
Contemporânea do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco.
O objetivo do presente trabalho é apresentar parte dos resultados obtidos na referida
pesquisa ao identificar e caracterizar os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana presentes nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s. Com base nesses resultados
refletimos sobre os limites e as possibilidades abertas para a decolonização dos currículos e a
construção da Educação das Relações Étnico-Raciais pautada na Educação Intercultural na
Perspectiva Crítica.
A lente teórica adotada para desenvolver este artigo foi os Estudos Pós-Coloniais da
vertente Latino-Americana (QUIJANO, 2005, 2007; MIGNOLO, 2005, 2007; WALSH, 2008;
SARTORELLO, 2009). Destacamos que estes Estudos ajudam-nos a compreender as implicações
da racionalidade eurocêntrica19 em relação à construção sócio-histórica da raça e do racismo,
do conhecimento cientifico moderno e de seus efeitos sobre o currículo.
Adotamos a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004; VALA, 1990), a qual de acordo com
Vala (Ibid.) leva-nos, através da inferência, a ultrapassar o limite da mera descrição,
conduzindo-nos à interpretação através da atribuição de sentidos dada as características do
objeto que foram criteriosamente levantadas e organizadas. É por essa razão que para
analisarmos os dados coletados/produzidos a partir das entrevistas semiestruturadas
(MINAYO, 2010) e dos questionários aplicados, adotamos a Análise de Conteúdo Temática
(BARDIN, Ibid.). A qual se propõe a construir os núcleos ou indicadores de sentidos que partem
das categorias teóricas, ou seja, da abordagem teórica que precisamos nos apropriar para
fazer as inferências.
Este artigo está organizado em três seções: a) análise da presença da herança colonial
nos currículos escolares; b) análise dos conteúdos previstos e não previstos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana refletindo
sobre os conteúdos selecionados e silenciados nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s;
c) e as considerações finais que versam sobre os limites e as possibilidades abertas pela
19
Segundo Santos, essa racionalidade é “totalitária na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento
que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas regras metodológicas” (1999, p. 11).
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
promulgação da Lei nº 10.639/2003 e sua contribuição para a decolonização dos currículos
escolares e para a promoção de uma Educação Intercultural Crítica.
A Herança Colonial nos Currículos Escolares
A presença do eurocentrismo nos currículos escolares, ou seja, a herança colonial
ultrapassa o período do colonialismo20 e chega aos nossos dias como “história universal”. A
herança colonial é tudo aquilo que herdamos do processo civilizador constituído no âmbito da
modernidade. Os Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos refletem sobre os efeitos do
colonialismo a partir da análise do Sistema-Mundo Moderno (WALLERSTEIN, 1999), ou seja, da
constituição do Mito da Modernidade e do seu lado perverso, a colonialidade21.
Um dos principais postulados do Grupo Modernidade/Colonialidade22 é que a
colonialidade é constitutiva e não derivada da modernidade. Isto é, para garantir o sucesso do
expansionismo europeu ou do imaginário do Sistema-Mundo Moderno, fez-se necessário
subalternizar os povos conquistados em nome de um discurso que proclamava a civilização e o
desenvolvimento aos moldes europeizados. Tal discurso ganhava materialidade através de
ações concretas e simbólicas com o objetivo de garantir que a
cosmovisão ‘primitiva’ dos povos nativos fosse convertida à visão europeia e
‘civilizada’ de mundo, expressa através da religião, da ciência, das artes e da
linguagem e convenientemente adaptada ao estágio de ‘desenvolvimento’
das populações submetidas ao poder colonial (SILVA, T. 2000, p. 133).
Mesmo com o fim do colonialismo, o padrão de poder que buscava “converter” as
visões de mundo dos povos nativos e dos sequestrados do continente africano ao
eurocentrismo, se mantém vivo até os dias atuais. Ou seja, os currículos monoculturais
sustentam a herança colonial, isto é, os mesmos padrões que valorizam uma única forma de
ser, de saber e de viver, a eurocêntrica.
As marcas da presença da herança colonial que perpassa a nossa sociedade e,
consequentemente, os currículos escolares refletem-se no que não sabemos sobre História e
20
O colonialismo era, inicialmente, uma relação política e econômica na qual a soberania de uma nação é subjugada por outra.
O colonialismo forja em seu bojo a colonialidade. Esta consolida um padrão de poder que não se restringe às relações formais
de dominação de um povo sobre outro como ocorrera no início do colonialismo, mas intenciona firmar os pilares da racialização e
da racionalização ao estabelecer e universalizar a hierarquização dos sujeitos, dos conhecimentos e das relações de trabalho para
responder ao mercado capitalista global.
22
O grupo representa o Pensamento Decolonial Latino-Americano e tem sua formação inicial composta por intelectuais como: o
sociólogo Aníbal Quijano (Peru), o antropólogo Arturo Escobar (Colômbia), a linguista Catherine Walsh (radicada no Equador), o
filósofo Enrique Dussel (Argentina), o filósofo Nelson Maldonado-Torres (Porto Rico), o sociólogo Ramón Grosfoguel (Porto Rico),
o semiólogo Walter Mignolo (Argentina), entre outros. O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein mantem diálogos e
atividades acadêmicas com o grupo.
21
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Cultura da África, dos Afro-Brasileiros e dos Povos Indígenas. E o pouco que sabemos da
História e da Cultura em questão aprendemos sob o imaginário da História e a Cultura
europeia. Por isso, currículo escolar quando não silencia as Histórias e Culturas outras, trata-as
sob a lógica eurocentrada. E esse tratamento manifesta-se em práticas curriculares alicerçadas
na dinâmica da hierarquização, da subalternização e do silenciamento.
Epistemologicamente, esse é o tipo de educação que Freire (2002, 2005) chamava de
bancária, na qual é depositado o conhecimento considerado necessário na cabeça do
educando, através de currículos colonizados. O conhecimento selecionado é o que irá garantir
a posição hegemônica do padrão eurocentrado na sociedade, através de práticas que
privilegiam a transmissão de saberes propedêuticos que são “depositados” no outro,
colonizando-o, subalternizando-o.
Os efeitos desse tipo de “currículo colonizado” e monocultural, apesar de seu poder
destruidor, são praticados através de artimanhas sutis, porém contundentes, como a negação
do conflito e o silenciamento dos subalternizados através da imposição do padrão hegemônico
que, sob o jugo da colonialidade do ser, não ousa questioná-lo. De acordo com Silva, D. (2000),
através de práticas baseadas no modelo eurocêntrico, as escolas acabam por reproduzir esse
quadro negando e silenciando as diferenças presentes no universo escolar e na sociedade.
Há ainda outra relação silenciada no currículo que é a de ordem epistemológica. De
acordo com Ferreira e Silva (2013, p. 06):
Muitas vezes a discussão no território curricular fica restrita aos conteúdos a
serem ensinados: quem os selecionam? Como são selecionados? Quais
foram selecionados?... Mas não se discute que epistemologias estão
presentes na metodologia da escolha dos conteúdos e que epistemologias
estão embutidas nos conteúdos selecionados e nos silenciados. Que
epistemologias estão presentes nas formas de tratar os conteúdos centrais
nas práticas curriculares e que epistemologias estão presentes nos
conteúdos periféricos dessas mesmas práticas. Por exemplo, quando as
culturas dos povos negros e dos povos indígenas são tratadas na escola
restritamente na semana do folclore, há conflitos epistêmicos velados: a
epistemologia eurocêntrica expressa nos conteúdos considerados centrais
oriundos da cultura "erudita" impõe às epistemologias expressas nos
conteúdos dos povos não europeus a condição subalterna de ser restrita à
uma semana (concessão de tempo) e à condição de folclore. Assim, a cultura
dos povos subalternizados mesmo que não silenciada completamente no
currículo por estar presente na semana do folclore, é-lhe imposta a condição
subalterna, por isso nem é cultura e nem arte, mas folclore e artesanato.
Desta maneira, a diferença que se faz presente no currículo na maioria das vezes é
ainda uma forma disfarçada de discriminação e de pré-conceito e sua não problematização
perpetua desigualdades raciais, visando homogeneizar e naturalizar as diferenças, sob o
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
pretexto da não discriminação. Para Backes e Pavan (2011), evitar os processos de
discriminação não passa pelo tratamento igual/normal das diferenças, ou seja, tratando-as de
maneira naturalizada ou essencializada, mas passa pela problematização e pelo
questionamento das relações de poder responsáveis pela hierarquização e pelas assimetrias
dos grupos culturais.
É nesse sentido que percebemos a questão da geopolítica do conhecimento presente
nos currículos colonizados. Como mostra Mignolo (2005, 2011), a geopolítica do conhecimento
é uma das estratégias da modernidade europeia para afirmar sua cosmovisão de mundo como
verdades universais. Isto é, a geopolítica do conhecimento expressa no currículo tem a função
de reafirmar e cada vez mais consolidar as verdades universais que não passam de verdades
restritas de determinados grupos hegemônicos que se vestem de universais.
Tais verdades são questionadas nos currículos pelos grupos subalternizados através
das lutas pela coexistência de diferentes formas de produção de conhecimento, o que pode
evidenciar a emancipação epistêmica (decolonialidade), em detrimento da condição
hegemônica que impera na sociedade brasileira sob os efeitos da colonialidade. A resistência
dos grupos subalternizados, aos poucos vai se materializando em certas conquistas a custo de
grandes mobilizações e lutas. Um exemplo de conquista das mobilizações dos Movimentos
Negros é a promulgação da Lei nº 10.639/2003 e a continuação das lutas desses movimentos
se fazem nas reivindicações pelas condições da implementação da mesma.
A seguir apresentamos a discussão sobre as práticas curriculares em torno da
educação das relações étnico-raciais a partir dos conteúdos de História e Cultura AfroBrasileira e Africana identificados nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s que foram
sujeitos da pesquisa de mestrado conforme mencionamos anteriormente.
O critério para a escolha dos sujeitos da referida pesquisa foi atuar como professor(a)
em pelo menos uma das três disciplinas citadas diretamente no Art. 26-A da LDB (Lei nº
9.394/96), ou seja, professore(a)s de Arte, Língua Portuguesa e História nas escolas que foram
selecionadas como campo da pesquisa. Duas escolas localizadas no meio rural de Caruaru –
PE23.
Os sujeitos da pesquisa foram identificados como PHE1 (Professora de História da
Escola 01); PPE1 (Professora de Português da Escola 01); PHE2 (Professor de História da Escola
02); PPE2 (Professor de Português da Escola 02) e PAE2 (Professora de Arte da Escola 02). A
Escola 01 estava sem professora de Arte no período da pesquisa.
23
Nos Anexos I e II apresentamos a caracterização do campo e dos sujeitos da pesquisa.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Educação das Relações Étnico-Raciais: análise dos conteúdos selecionados e silenciados nas
práticas curriculares de professore(a)s
É de longa data as lutas dos Movimentos Sociais Negros para ter garantido um espaço
no arcabouço legal vigente em nosso país a respeito da História e da Cultura de identidades
que foram subalternizadas por séculos. Nessas lutas percebemos o esforço para romper com a
obediência epistêmica que é a forma como o mundo moderno se constituiu pensando a partir
dos padrões ditados pelo eurocentrismo. Dessa forma, a promulgação da Lei nº 10.639/2003
representa em boa medida os anseios dos movimentos sociais para ver o negro retratado de
maneira positiva nos currículos oficiais da educação básica brasileira.
No entanto, como sabemos, a política curricular não se restringe ao texto legal, mas
tem rebatimento nas práticas e são estas que dão materialidade às lutas pela decolonialidade.
Nesse sentido, para que o ensino dos conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
se tornasse obrigatório nos sistemas de ensino por força de Lei fez-se necessária uma grande
mobilização dos Movimentos Sociais Negros e de diversos setores da sociedade que
encamparam essa luta. Por isso e por outras razões consideramos na promulgação da Lei uma
intenção de política intercultural.
Neste trabalho focamos os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana,
que servem de mote para o desenvolvimento da educação das relações étnico-raciais. Embora
tenhamos a convicção, em consonância com os próprios movimentos sociais, que não basta a
inclusão de novos conteúdos para que se concretize uma educação intercultural e antirracista,
não podemos ignorar a importância da inclusão dos conteúdos para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Tal inclusão decorre das lutas que resultaram na
promulgação da Lei nº 10.639/2003, normatizada através de suas diretrizes: o Parecer CNE/CP
nº 03/2004 e a Resolução nº 01, de 17 de março de 2004.
Gimeno Sácristan (1998, p. 148) afirma que a determinação dos conteúdos que
compõem o currículo implica em qual “função queremos que se cumpra, em relação aos
indivíduos, à cultura herdada, à sociedade na qual estamos e à qual aspiramos conseguir”.
Percebemos que tal entendimento nos remete ao fato de que constituir uma seleção curricular
representa as tensões, as lutas e os anseios de diversos setores da sociedade e dos
Movimentos Negros para ver o negro retratado no currículo escolar de forma positiva.
A obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana não se
restringe a incluir novos conteúdos ao currículo, mas colocar esses saberes vis-à-vis com os
saberes hegemônicos em função do combate ao racismo e à discriminação étnico-racial.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Assim, sua intenção é apresentar esses componentes curriculares articulados com a promoção
da Educação das Relações Étnico-raciais.
Nesse sentido, entendemos que construir uma educação das relações étnico-raciais
significa horizontalizar tais relações, superando os discursos que criaram o outro para
subalternizá-lo e valorizando a participação de todos na construção da História.
Assim, consideramos que por um lado, o currículo escolar valida uma seleção cultural,
daí a importância em ter estabelecido conteúdos curriculares que possam materializar o
objetivo central de promover a educação antirracista e intercultural. Por outro lado, não
podemos ser ingênuo(a)s e acreditar que a obrigatoriedade do ensino de determinados
conteúdos, por si, já dá conta de promover as mudanças almejadas pelas lutas dos
movimentos sociais.
Há um entrecruzamento de processos, sujeitos e âmbitos que vão atribuir sentidos a
tais conteúdos por meio das práticas curriculares e das influências de contextos externos, pois
os conteúdos a que nos referimos dizem respeito a saberes epistêmicos que foram negados,
silenciados, subalternizados por séculos através do eurocentrismo como já mencionamos.
Os conteúdos sugeridos nas DCN estão pautados em três princípios que trazem
desdobramentos e encaminhamentos para todo o sistema educacional do país, são eles:
Consciência Política e Histórica da Diversidade; Fortalecimentos de Identidades e de Direitos; e
Ações Educativas de Combate ao Racismo e às Discriminações. E estão organizados em seis
eixos:
1. História Afro-Brasileira
2. História da África
3. Cultura Afro-Brasileira
4. Cultura Africana
5. História e Cultura Afro-Brasileira
6. História e Cultura Africana
Os princípios e os eixos não são, necessariamente, disciplinares, o que denota a
complexidade em promover a educação das relações étnico-raciais através do ensino de
conteúdos que para serem aprendidos precisam estar relacionados, embora percebamos a
ênfase dada à História.
Diante dessas considerações buscamos identificar quais são os conteúdos trabalhados
pelo(a)s professore(a)s. Assim, classificamos os conteúdos como aqueles Previstos nas DCN e
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
aqueles Não Previstos nas DCN. Consolidamos a relação dos conteúdos trabalhados no
Quadro 01 (em anexo).
Para procedermos à análise, primeiramente, debruçamo-nos sobre os conteúdos
Previstos nas DCN, analisando cada eixo para identificar quais os conteúdos selecionados e
quais os silenciados pelo(a)s professore(a)s em suas práticas curriculares.
Os conteúdos do primeiro eixo, História Afro-Brasileira, remetem às efemérides e
identificamos que há o silenciamento epistêmico do conteúdo que é justamente aquele que
destaca as datas significativas para a região, ou seja, o conteúdo que nos possibilitaria olhar
para a História Afro nas comunidades onde as escolas estão inseridas. Porém, o calendário
escolar do Sistema Municipal de Ensino não contempla nenhuma data referente a esta
questão e, consequentemente, as escolas não as vivenciam.
O Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial também foi
silenciado. Sabemos que a negação dos conflitos raciais em nosso país sustentou por muitas
décadas o mito da democracia racial, que ao mesmo tempo em que negava a ideia de que as
diferenças raciais geravam desigualdades sociais, também semeava o ideal de branqueamento,
através do discurso da mestiçagem. A presença do 21 de março como conteúdo previsto nas
DCN indica uma luta dos movimentos sociais contra esta acomodação racial da sociedade
brasileira.
Os conteúdos do segundo eixo, História da África, como conteúdos relativos à
disciplina História, foram assinalados pelo(a)s professore(a)s de História. Uma professora de
português, a PPE1, assinalou seis conteúdos, mas na entrevista ela revelou que
teve um ano aqui que eu peguei seis disciplinas diferentes da minha área.
Aliás, duas eram da minha área e quatro não eram, então eu peguei
História, Geografia, Inglês, Língua Portuguesa, Religião e Artes. Aí ficava bom
pra trabalhar interdisciplinarmente, quando chegava na parte de História é...
a questão do negro, não tem como não falar do povo, não tem como falar
separado (PPE1).
Assim, os conteúdos assinalados pela PPE1 no questionário nem sempre revelam o seu
trabalho na disciplina de Português, mas ao trabalho realizado inclusive nesse ano letivo
específico que a professora cita.
Cabe destacar o silenciamento do conteúdo que corresponde à memória histórica dos
povos africanos que é repassada pelos anciãos e pelos griots através da tradição oral, que vai
de encontro às sociedades da escrita fundadas com o eurocentrismo.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A supremacia da palavra escrita em detrimento da oralidade expressa uma relação de
poder em torno daquele que detém o conhecimento do código escrito e que passa a contar e a
registrar a História dessa forma. Assim, a História passa a registrar apenas um ponto de vista
histórico, onde os heróis são sempre aqueles que contam essa História. E as Histórias que
eram transmitidas por via da expressão oral nas culturas africanas, por exemplo, são
silenciadas, negadas ou, no máximo, restritas à condição de lenda ou folclore. Para os povos
africanos, os griots são o elo de ligação entre o passado e o presente, através de suas histórias
a ancestralidade se corporifica no presente. O silenciamento desse conteúdo pode apontar
para a razão pela qual conhecemos tão pouco a respeito das Histórias outras e porque fomos
levados a crer na existência de uma História Universal, que no caso, é marcada pela geopolítica
do conhecimento, a eurocêntrica.
Os conteúdos do terceiro eixo, Cultura Afro-Brasileira, foram assinalados apenas
pelo(a)s professore(a)s de História e pela PPE1. Mas nas entrevistas e pelo trabalho
desenvolvido pelos outro(a)s professore(a)s percebemos que todo(a)s trabalham com esse
eixo de conteúdos. Selecionamos uma fala que representa este eixo de conteúdos:
O objetivo é esclarecer essa questão. E além de esclarecer trazer a questão
do respeito, a questão da consciência da descendência dele, não é? E
principalmente a questão do respeito, não é? Porque a gente tem obrigação
de respeitar as religiões [...], eles respeitam muito os colegas. Pode ter rixa
assim, brigas comuns entre eles, mas a gente, não escuta mais um chamar
assim, o outro de negro, nem mexer com a cor do colega, né. Eles não fazem
mais isso. A gente sempre bate nessa tecla, né (PAE2).
A fala da professora revela mudança nas atitudes do(a)s estudantes, devido ao
trabalho desenvolvido nas escolas, ressaltando o respeito para com outro. Chama a atenção
que a professora destaca que “sempre bate nesta tecla”, revelando que este é um trabalho de
caráter contínuo.
Os conteúdos do quarto eixo, Cultura Africana, também trabalhados pelo(a)s
professore(a)s de História. É perceptível que estes conteúdos buscam romper com o
eurocentrismo, mostrando que há produção de conhecimento além dos territórios do norte
global. A colonialidade do saber tenta negar esses conhecimentos outros, e por vezes, faz com
que o eurocentrismo se aproprie indebitamente deles, como por exemplo, transmitindo a falsa
ideia de que o Egito é um território desconectado da África! Por isso, os conhecimentos
científicos e filosóficos que contribuem para o pensamento ocidental não seriam africanos,
mas de certa forma, ocidentais. A PHE1 reconhece esse fato como podemos ver na seguinte
fala:
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Bom, eu trabalho o Egito como uma civilização africana, porque era uma
coisa que não tinha (PHE1).
Os conteúdos desse eixo corroboram com a afirmação de Abdelkebir Khatibi (apud
MIGNOLO, 2011, p. 135), quando o autor afirma que paralelamente “a las sociedades
‘subdesarrolladas’ existen ‘sociedades silenciadas’”, pois, embora tais sociedades falem e
escrevam, não são escutadas pela produção global do conhecimento.
Porque você, pelo menos agora, conhece a História. E antes que você nem
conhecia? Você só sabia que na África ou tem fome, ou tem guerra tribal,
né, ou tem safári. São as quatro opções, né. Agora pelo menos eles sabem
um pouquinho. Se não ficar muita coisa, mas eles já estudaram, já tá aí
(PHE1).
Trazer esses conteúdos para a sala de aula significa romper com a geopolítica do
conhecimento. A professora PHE1 mostra em sua fala a importância de conhecer a História da
África além dos “clichês” que são passados através dos currículos colonizados.
Os conteúdos do quinto eixo, História e Cultura Afro-Brasileira, foram assinalados
pelo(a)s professore(a)s de História. E os conteúdos do sexto eixo, História e Cultura Africana,
também foram marcados pelo(a)s professore(a)s de História. Porém, nas entrevistas o PPE2
afirma que elaborou uma apostila com a biografia de várias personalidades negras, incluindo
as que estão previstas neste eixo de conteúdos. Vejamos:
Em português eu trabalho com as personalidades negras, as mais
conhecidas, né. Mandela, Martin Luter King... (PPE2).
Os conteúdos dos eixos quinto e sexto são considerados conteúdos procedimentais
(ZABALA, 2002) e operativos (SOUZA, 2009) porque eles devem ser divulgados, o trabalho não
se encerra após conhecer a biografia das personalidades negras, mas na sua divulgação entre a
comunidade.
O(a)s professore(a)s revelam que antes da Lei nº 10.639/2003 havia um
desconhecimento sobre temas relativos à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e hoje
está-se rompendo com este silenciamento e subalternização dos assuntos referentes a esta
temática. Vários temas têm sido abordados nas aulas como vemos nas falas acima. Vale
destacar algumas falas do(a)s professore(a)s sobre os conteúdos Previstos nas DCN:
Antes você só sabia da África é... aqueles clichês: a África da fome, da AIDS,
ou do... do... dos Safáris, né (PHE1).
Eu trabalho basicamente a discriminação, o racismo, o preconceito (PPE1).
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Os valores culturais, a questão do sincretismo religioso agora são
trabalhados (PHE2).
Como conteúdos Não Previstos nas DCN, apareceu o Black English, introduzido pelo
PPE2 nas aulas de Inglês que ministra na escola:
Em inglês eu trabalho o Black English. O Black English, que é um pouco
diferenciado, né. Que é o inglês da periferia, que se a gente for analisar
direitinho tem algumas diferenças, com relação ao vocabulário, pronúncia...
(PPE2).
O PPE2 mostra que nas aulas de Língua Portuguesa tem pouco espaço para trabalhar
as questões referentes à educação das relações étnico-raciais. O professor nesse trabalho
procura relacionar as aulas de inglês com as biografias de personalidades negras que levantou
para desenvolver seu trabalho sobre a educação das relações étnico-raciais.
Percebemos pelas falas do(a)s professore(a)s indícios de uma prática decolonial em
construção ao contemplar os conteúdos propostos pelas DCN e ao avançarem em busca de
mais referências e tratarem mais conteúdos que favoreçam a promoção da educação
antirracista e intercultural.
Embora a maioria dos conteúdos previstos tenha sido marcada pelo(a)s professore(a)s
de História, o objetivo das DCN em pauta nos remeteria ao Enfoque Globalizador, pois para
Gomes (2008, p. 81), “a discussão sobre a questão africana e afro-brasileira só terá sentido e
eficácia pedagógica, social e política se for realizada no contexto de uma educação para as
relações étnico-raciais” (Grifo da autora).
Percebemos em tais DCN uma preocupação em relação às formas de organização, ao
estabelecer que “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 1996, Art. 26A, § 2º - Grifo nosso).
Tal preocupação em definir áreas disciplinares preferenciais pode estar pautada na
experiência dos Temas Transversais, definidos pelos PCN no final dos anos 1990, que deveriam
estar em todas as áreas ou disciplinas, mas que na prática continuaram sendo silenciados.
Porém, como pudemos perceber nas falas do(a)s professore(a)s, suas práticas curriculares
buscam ultrapassar a organização meramente disciplinar no trato dos conteúdos identificados.
Os próprios conteúdos, especialmente dos eixos III, IV, V e VI, remetem à
interdisciplinaridade ou mesmo à transdisciplinaridade (ZABALA, 2002), uma vez que ensejam
a mobilização de conceitos, de procedimentos e de atitudes no trabalho com tais conteúdos.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Considerações
As lentes teóricas dos Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos em diálogo com a
práxis dos movimentos sociais pela emancipação das populações negras no Brasil nos
auxiliaram a produzir uma reflexão crítica das implicações da política de ações afirmativas na
política curricular, mais especificamente nas práticas curriculares narradas pelos(as)
professores(as) sujeitos(as) desta pesquisa, focando na educação das relações étnico-raciais
através do ensino dos conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
No Brasil, a atuação dos Movimentos Sociais Negros foi determinante para a revelação
de que o racismo regula(va) as relações sociais existentes nas bases da sociedade. As
mobilizações sociais foram decisivas para formalmente o país assumir que é afetado pelo
racismo.
A promulgação da Lei nº 10.639/03 é resultado advindo de dois séculos de lutas
protagonizadas pelos sujeitos que resistiram à colonização e continuam lutando pela
decolonialidade, o que nos permite afirmar que o ritmo de promoção de equidade neste
campo ainda está lento. Apesar do ritmo lento, consideramos que tal dispositivo materializa
enquanto proposta uma cosmovisão outra, direcionada para a de(s)colonização dos currículos
escolares que ainda encontram-se referenciados numa epistemologia eurocêntrica, o que em
alguns casos revela-se em racismo epistêmico (SILVA; FERREIRA; SILVA, 2013).
Percebemos nas políticas e nas práticas curriculares que em alguns momentos a
Interculturalidade na sua perspectiva crítica é exaltada ao evidenciar as conquistas em relação
à questão étnico-racial, enfrentando a colonialidade, principalmente ao combater o silêncio
imposto historicamente aos povos subalternizados e às suas diferenças. Por isso, as políticas e
práticas curriculares, em boa medida, carregam elementos que questionam fundamentos do
padrão hegemônico de poder.
Em outros momentos, no entanto, as políticas e práticas curriculares assumem a
perspectiva funcional da Interculturalidade devido aos limites impostos à sua real
materialização, tais como: a falta de formação para o(a)s professore(a)s; a ausência de
conteúdos nos livros didáticos; ao tempo previsto para o trabalho com esta temática e às
referências que subsidiam as práticas curriculares, muitas vezes marcadas pela colonialidade.
Os limites destacados apontam para a algumas das razões dos conteúdos silenciados e
para a fragmentação da implantação da política para a educação das relações étnico-raciais e
para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana pelos sistemas de ensino. Embora
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
o(a)s professore(a)s sejam os grande protagonistas da implementação da referida política, o
fato de selecionarem estes ou aqueles conteúdos não representa necessariamente que o
enfrentamento ao racismo e à discriminação estejam garantidos. Pois certas práticas são
profundamente marcadas pela herança colonial.
Assim, concluímos que as políticas e práticas curriculares são interculturais tanto na
perspectiva funcional como crítica simultaneamente. Caminham na fronteira se contaminando
ora pela decolonialidade, apontando para um caminho outro devido aos avanços já
alcançados, aos limites já superados; ora se contaminando pela colonialidade, devido às
reações que perpetram cada vez que a voz de um silenciado se faz ouvir, cada vez que um
saber subalternizado exerce sua condição epistêmica e alcança espaço nos currículos já não
tão monoculturais assim.
Referências
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
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Porto Alegre: ArtMed, 2002.
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ANEXO I
Quadro 01 - Caracterização das Escolas-Campo da Pesquisa
Caracterização do Campo da Pesquisa
Distrito
1º
2º
Localidade
Sítio Peladas - 20 Km
Sítio Riacho Doce - 30 Km
Identificação
Turnos de Funcionamento
E1
Matutino/Vespertino/Noturno
E2
Matutino/Vespertino
nº de Turmas
21
10
ISSN 18089097
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nº de Docentes
25
12
nº de Estudantes
573
218
1332
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
ANEXO II
Quadro 02 - Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa
Distrito
Escolas
1º
E1
2º
E2
Identificação
Cor/Raça
Onde reside
Cat. Funcional
PHE1
Branca
Meio Urbano
Efetiva
PPE1
Parda
Meio Rural
Contratada
PHE2
Pardo
Meio Urbano
Efetivo
PPE2
PAE2
Preto
Branca
Meio Urbano
Meio Urbano
Efetivo
Contratada
Curso
História
Pedagogia
História
Letras
Pedagogia/Matemática
Tempo de Atuação como Docente
No meio
No campo da
Total
rural
pesquisa
Menos de 1
Vespertino/Noturno 7 anos
Menos de 1 ano
ano
Matutino/Vespertino 12 anos
12 anos
12 anos
Menos de 1
Vespertino
4 anos
Menos de 1 ano
ano
Vespertino
6 anos
6 anos
6 anos
Matutino/Vespertino 37 anos
12 anos
7 anos
Turno de atuação
Escolaridade
Instituição
UFSE
UPE
UFRPE
FAFICA
FAFICA/FABEJA
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Ano de Conclusão
2006
2008
2008
2006
1998/2006
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
ANEXO III
Quadro 03 - CONTEÚDOS PRESENTES NAS PRÁTICAS CURRICULARES DO(A)S PROFESSORE(A)S
EIXOS
CONTEÚDOS
A história dos quilombos, a começar pelo de Palmares.
PAE1
SUJEITOS
PPE1 PHE1 PPE2
X
X
PHE2
X
Datas significativas para a região.
HISTÓRIA AFROBRASILEIRA
13 de maio, Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo.
20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.
X
X
X
X
A história da ancestralidade e religiosidade africana.
X
X
X
Os núbios e os egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da
humanidade.
X
21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
O papel dos anciãos e dos griots como guardiões da memória histórica.
As civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe.
HISTÓRIA DA
ÁFRICA
X
X
X
O tráfico e a escravidão do ponto de vista dos escravizados.
X
X
X
O papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no tráfico.
X
X
X
A ocupação colonial na perspectiva dos africanos.
X
X
X
X
X
As relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora.
X
X
A formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus
descendentes fora da África.
X
X
As lutas pela independência política dos países africanos.
As ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana para tanto.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa, Ásia.
CULTURA AFROBRASILEIRA
X
Os acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e outros países da
diáspora.
X
O jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quanto em celebrações como
congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras.
X
As contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais.
CULTURA
AFRICANA
X
X
X
X
As universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene que floresciam no século XVI.
As tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas
pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança,
teatro) política, na atualidade.
X
X
X
HISTÓRIA E
CULTURA AFROBRASILEIRA
Divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da História do
Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em
diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta
social (tais como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João
Cândido, André Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de Barros,
Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura,
Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino,
Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros).
X
X
HISTÓRIA E
CULTURA
AFRICANA
Divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da
História mundial, na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da
diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação
profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: rainha Nzinga, ToussaintL’Ouverture, Martin Luther King, Malcom X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, Mariama
Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré, Christiane Taubira).
X
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X
X
X
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A PRESENÇA NEGRA NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
DOS ANOS INICIAIS E O CURRÍCULO
Mônica Teodosio da Silva - UEPB
Jéssica de Sousa Barbosa - UEPB
RESUMO
O presente trabalho resulta de uma pesquisa em andamento de Iniciação CientíficaPIBIC/CNPQ, a qual estuda a presença negra no livro didático de história dos anos iniciais do
Ensino Fundamental em duas escolas da rede Municipal de Campina Grande. Os objetivos são
analisar e compreender de que forma é notabilizada a presença negra nesses livros e como o
currículo e as práticas docentes cotidianas têm contribuído ou não para a emancipação do
povo negro. Utilizamos como procedimentos metodológicos estudos bibliográficos
documentais, relacionados à temática Afrobrasileira, e pesquisa de campo etnográfica em
duas escolas, com a finalidade de coletar os livros didáticos, observar a prática docente e
entrevistar os/as professores/as. Os resultados preliminares nos levaram a constatar que
embora alguns livros didáticos tenham apresentado mudanças significativas em relação a
esses aspectos, ainda há muitos equívocos e lacunas sobre a História Afrobrasileira. Contudo,
alguns materiais analisados já representam um avanço na desconstrução de estereótipos do
negro.
Palavras-chave: Livro didático; Currículo; Presença Negra.
O presente trabalho resulta de uma pesquisa em andamento de Iniciação CientíficaPIBIC/CNPQ, “A presença negra no livro didático de história dos anos iniciais no Ensino
Fundamental e a prática docente”, a qual estuda a imagem negra no livro didático e como
os/as docentes tratam à temática afrobrasileira em duas escolas da rede Municipal de
Campina Grande, no Estado da Paraíba. Nossos objetivos são analisar e compreender de que
forma está inserida a presença negra nos livros didáticos de História e como o currículo e as
práticas docentes cotidianas têm contribuído ou não para a emancipação desses povos. Os
objetivos específicos são: verificar quais os conteúdos referentes à temática afrobrasileira é
presentes nos livros didáticos de história dos anos do Ensino Fundamental utilizados nas
escolas da rede Municipal de Campina Grande; identificar como estes conteúdos são tratados
nos livros didáticos e apresentados aos alunos pelo/a professor/a; descobrir se os livros usados
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
e os/as professores/as das escolas escolhidas estão coerentes com as diretrizes oficiais sobre a
temática afrobrasileira; avaliar como a imagem do negro e da negra é representada nos livros
didáticos e discutida em sala de aula pelo/a professor/a; relacionar como o conteúdo sobre a
questão negra provoca professor/a e aluno/a no cotidiano da sala de aula a discutir ou não
sobre o racismo.
Para a melhor compreensão da temática Afrobrasileira no currículo escolar, se faz
necessário uma discussão sobre o que é currículo, porém entendemos que o seu significado
não é de fácil compreensão, visto que o mesmo possui várias definições e abordagens.
Conforme: Lopes e Macedo (p.19, 2011):
Desde o início do século passado ou mesmo desde um século antes, os
estudos curriculares têm definido currículo de formas muito diversas e
várias dessas definições permeiam o que tem sido denominado currículo do
cotidiano das escolas.
Nota-se dessa maneira que o currículo está intrinsecamente permeado em todo
espaço escolar de forma sutil que vai desde as relações interpessoais, aos gestos,
comportamentos, disciplinas, metodologias, indumentária, entre outros. Sendo assim, não
podemos entender o currículo como um instrumento neutro mediante a sociedade, pois o
mesmo implica relações de poder e de hegemonia. Desse modo, o contexto educacional atual
que tem como princípio a inclusão, exige uma reorganização curricular não mais centrada na
homogeneização e sim na perspectiva da diversidade.
Tendo em vista esse novo contexto educacional a escola é convocada a repensar suas
práticas cotidianas na tentativa de dialogar com as diversas realidades presentes no ambiente
escolar, pois só a partir desse diálogo que a escola poderá tornar-se um ambiente agradável,
produtivo e democrático, onde as relações estão alicerçadas no respeito às diferenças do
outro.
“A elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a
determinações de uma sociedade estratificada em classes” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 29).
Sendo assim, a escola passa a legitimar determinados conhecimentos privilegiando
determinadas classes sociais, ou até mesmo prioriza determinadas disciplinas consideradas
como relevantes, enquanto outras ficam à margem, tendo sua carga horária reduzida e em
alguns momentos são deixadas em segundo plano, como por exemplo, quando colocam a
disciplina de Português e Matemática diariamente, em detrimento de outras, como história,
geografia e ciências. Será que tais disciplinas são vistas como menos importantes no processo
de aprendizagem da criança?
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Dessa maneira, é notório o poder que o currículo exerce sobre o cotidiano escolar a
fim de homogeneizar o conhecimento, porém, fazendo isso, acaba por reafirmar
desigualdades, pois o mesmo ignora a realidade das diferentes classes sociais, regiões, etnias,
culturas, religiões, gêneros, etc., criando entraves entre o educando das classes menos
favorecidas e o conhecimento, pois ele não se sente pertencente a esta estrutura curricular.
Mediante esta situação, é perceptível que o sistema educacional, por meio do
currículo, transforma a escola em um mecanismo de reprodução de desigualdades sociais. “O
currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem
dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante” (SILVA, 2011, p.35).
Neste sentindo, é importante pensarmos, por que certos conhecimentos são presentes
nos currículos e não outros? Por que certas culturas são consideradas melhores que outras?
Trazendo para nossa realidade, podemos observar, por que a cultura européia é considerada
por muitas escolas, como sendo melhor do que a africana, asiática ou indígena?
Conforme Moreira (1997, p. 36), “a cultura de diversos grupos sociais fica
marginalizada do processo de escolarização e, mais do que isso, é vista como algo a ser
eliminado pela escola, devendo ser substituída pela cultura hegemônica, que está presente em
todas as esferas do sistema de ensino”. Será que isto acontece devido às relações de classes
existentes em nossa sociedade? Ou será uma estratégia da classe dominante, para sua
permanência no poder?
O professor qualificado irá, não somente perceber as manobras do currículo, mas
também poderá usar de estratégias para driblar as barreiras impostas por ele, na busca de
promover a aprendizagem e o senso crítico de seus alunos, não permitindo que o currículo
priorize apenas uma cultura, mas oferecer a oportunidade ao aluno de conhecer e reconhecer
as diversas culturas, de modo que possibilite a desconstrução dessa visão homogeneizadora e
eurocêntrica que se tinha do conhecimento.
Assim, o currículo pode servir como mecanismo de reprodução de poder e hegemonia
como:
Aponta Althusser para o duplo caráter de atuação da escola na manutenção
da estrutura social: diretamente atua como elemento auxiliar do modo de
produção como formadora de mão de obra, indiretamente contribui para
difundir diferenciadamente a ideologia, que funciona como mecanismo de
cooptação das diferentes classes (LOPES E MACEDO, 2011, p. 27).
Sendo assim, para Althusser (apud LOPES e MACEDO, 2011) a escola pode ser um
mecanismo pelo qual a classe dominante transmite suas ideias para a sociedade como
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verdades absolutas, a escola tem esse duplo caráter, pois tanto pode ajudar as pessoas a
encarar de maneira crítica a sociedade, como torná-las alienadas aos problemas sociais que
são presentes em nosso cotidiano.
Segundo Lopes e Macedo (2011) os diversos conceitos de currículo tratam sobre o que
ensinar da cultura universal, as relações de poder presentes nas escolhas dos conteúdos, a
percepção de que os conhecimentos não são externos aos estudantes, pois interagem com
estes e que o currículo deve dar conta do que ocorre na escola e transmitir conhecimentos.
Assim, o currículo “é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de
atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa, constrange nosso
comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos” (LOPES e MACEDO,
2011, p.41).
Hoje a educação é desafiada a viver um processo de inclusão social e de uma nova
concepção crítica a respeito das relações sociais. Neste trabalho nos voltamos para a imagem
do negro, a qual sofreu uma negação por muito tempo. Fez-se necessário a criação de uma Lei
que assegurasse o direito da pessoa negra, como sujeito participante social. A lei 10.630/2003,
altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura
Africana e AfroBrasileira’, e dá outras providências (BRASIL, 2004, p.35).
Ela é uma conquista do movimento negro que provoca transformações para a
educação, mudanças essas que dão prioridade ao conceito Afrobrasileiro e Africano. Esta
política pública contribui para o processo de formação de identidade e autoestima, tanto dos
negros quanto dos não negros, uma vez que ela, não diz respeito apenas à população negra,
mas a todos os brasileiros.
O desafio a partir de então é fazer com que o currículo considere a presença negra na
formação da sociedade brasileira, contando a história a partir da visão do povo negro, suas
lutas, resistências e conquistas.
Na nossa pesquisa, utilizamos como procedimentos metodológicos o estudo
bibliográfico e documental relacionado à temática em estudo, e a pesquisa de campo, com
visitas a duas escolas com a finalidade de coletar os livros de História e observar a prática
docente.
Buscou-se fazer uma correlação com a teoria estudada e a realidade vigente nas
escolas visitadas. Como suportes teóricos foram utilizados os seguintes autores: D’ ADESKY
(2009), SILVA (2010), SILVA (2011), MUNANGA (2008) FREIRE (2011), dentre outros.
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No primeiro momento da pesquisa, notou-se que algumas lacunas ainda permanecem
entre a Lei e a realidade. Alguns dos professores, em conversas informais, alegaram ter ouvido
falar da Lei, mas não sabiam ao certo do que a mesma tratava. Outra questão detectada foi a
falta de formação docente em relação à temática, visto que muitos professores afirmaram não
trabalhar por falta de conhecimento. Será que não existe a formação continuada para estes
professores? A Lei é de 2003, por que os professores continuam sem conhecimento sobre ela?
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são de 1997, eles já chamavam a atenção dos
docentes para temática da Pluralidade Cultural, mesmo assim, pouco se discute sobre a cultura
afrobrasileira.
Os resultados demonstraram que alguns livros didáticos já apresentam uma imagem
melhor do negro, embora outros persistam em mantê-lo em condições inferiores e mesmo
aqueles livros didáticos que já retratam a imagem do negro de forma positiva, ainda é possível
encontrar alguns equívocos.
Percebe-se que há uma resistência em trabalhar com a temática. Será que a formação
profissional contribui para que tal resistência possa acontecer? Sabe-se que algumas escolas
apresentam poucos recursos pedagógicos, no entanto, outras possuem todo o aparato
pedagógico e material, mesmo assim, os livros ficam engavetados ou empilhados, sem uso
algum. O que faz com que esta situação aconteça? Por que certos professores não fazem uso
dos materiais, se os possuem?
Assim, a pesquisa mesmo ainda em andamento, já nos trouxe uma base de como se
encontra a situação da imagem dos negros nos livros didáticos de história dos anos iniciais do
Ensino Fundamental e a próxima etapa da pesquisa se dará na observação de como acontece à
mediação de conhecimentos da cultura afrobrasileira através dos professores. Na pesquisa,
foram utilizados sete livros da rede Municipal de Campina Grande para análise, iremos nos
deter apenas a dois livros, sendo um com ênfase ao acompanhamento da lei e das mudanças,
por ela exigida e o outro como condutor de informações errôneas e equivocadas a respeito da
representação negra.
O primeiro livro da autora Rosane Cristina Thahira é do Projeto Buriti, 2º ano, segunda
edição do ano de 2011, este já passou por mudanças significativas no que diz respeito à
representação das imagens do negro e sua história. O mesmo retrata o negro na maioria de
suas imagens e nota-se que também há uma preocupação a respeito das ilustrações, pois em
outros livros já analisados percebeu-se que o negro era, na maioria das vezes, ilustrado de
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
maneira caricatural, sempre com os seus traços muito acentuados. O livro do Projeto Buriti
segue uma sequência lógica dos conteúdos com os termos acessíveis às crianças.
O segundo livro analisado foi dos autores Fernando Cunha e Soleni Biscouto Fressato,
O Criar e Aprender: um projeto pedagógico, do ano de 2007. No mesmo, observou-se um
número significativo de imagens representando o negro de forma negativa. Notaram-se vários
equívocos quanto à representação e posição social dos negros na sociedade. Neste os negros
foram sempre minoria diante do grupo e em nenhum momento os mesmos foram
evidenciados positivamente. Em relação aos conteúdos observou-se que os mesmos não
seguem uma sequência lógica, os termos apresentados fogem da faixa etária a qual as crianças
se encontram, ocorre uma fragmentação dos conteúdos, ou seja, aborda-se superficialmente a
questão e antes de concluir, se avança para outra temática. Assim, dificulta a compreensão da
história de forma integral deixando lacunas na aprendizagem dos alunos.
Mediante esta constatação, percebemos que se faz primordial a formação dos
profissionais da educação para lidar com o livro didático em sua prática educativa. Segundo
Figueiredo (2008, p. 144)
(...) a formação dos professores só poderá acontecer inscrita no espaço
coletivo, que possibilitará uma mudança de cultura na escola, criando
mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, em que
a reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico seja um dos seus
componentes.
Assim, nota-se que o espaço escolar é rico nas manifestações culturais dos educandos.
Essa diferença, muitas vezes se torna motivo de conflitos entre os alunos, gerando certa
violência que muitas vezes é resultado de uma violência anterior, gerada pelo preconceito
sofrido pelos negros. Por que algumas escolas ignoram tais questões com relação ao não
reconhecimento e pertença a cultura africana e afrobrasileira? Devido a que, há certa
resistência de alguns professores em admitir a existência de preconceito, discriminação e
racismo nos espaços escolares, como também, fora deles?
Em conversas informais, alguns educadores admitiram a existência de conflitos entre
os alunos com relação ao racismo, ao preconceito e a dificuldade de lidar com tais conflitos,
admitindo seu próprio despreparo para desconstruir esta concepção de que o lugar do negro
na sociedade é a subserviência.
Conforme Chiavenato (1999, p. 73):
Para justificar política e moralmente, o escravismo gerou uma ideologia
fundamentada na redução do negro à condição de “ser inferior”. Essa
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
postura conferia às classes dominantes o “direito ético” de usar o negro sem
considerar sua condição humana. Ele era a besta de trabalho: sua
humanidade não foi pensada ou questionada.
Tudo isso, talvez explique o descaso cultural com relação à questão do preconceito e
racismo, sofridos por tais pessoas, bem como, a repulsa de muitos não admitindo sua própria
identidade, pois nenhum ser humano quer ser identificado com algo desprezado, excluído e
diminuído na sociedade.
Nesse sentido, percebe-se o grande papel que se espera da escola e dos seus
educadores/as, a desconstrução da concepção desastrosa que por séculos se perpetuou nos
segmentos da sociedade, legitimando o racismo e o preconceito contra o povo negro.
A identidade e alteridade são construções históricas e, enquanto
oportunizadas no contexto da escola, precisam ser esmiuçadas. Até que
ponto as diferenças são vistas como fator positivo no cotidiano da sala de
aula? Afinal de contas, a aprovação pode ser traduzida por uma questão
muito forte: todas as pessoas são realmente bem vindas à escola? (SANTOS,
2008, p. 147).
A preocupação de Santos é pertinente quanto à escola estar aberta as diferenças,
muitos/as professores/as não acreditam que a educação possa incluir e transformar o
indivíduo, deixando-os de certa forma, a mercê da própria sorte, enfatizando ainda mais a
exclusão no âmbito educacional. Será que a educação não pode contribuir com a mudança da
realidade da criança? Ou será que o ensino não se adéqua a realidade dos mesmos?
Machado nos faz refletir que:
A educação não é a busca pela verdade, mas a oportunidade de os sujeitos
se emanciparem intelectualmente quando há espaço para a dúvida e a
construção do conhecimento. Dessa forma, garantir o acesso ao
conhecimento não é garantir a igualdade diante de um conhecimento que
não desafia, que não coloca a dúvida como mola propulsora para se
conhecer. Não é o conhecimento que emancipa, mas a forma como lidamos
e como construímos conhecimento (MACHADO, 2008, p. 71).
Sendo assim, um professor jamais pode diminuir ou desacreditar de um aluno pelo
fato do mesmo apresentar dificuldade de aprendizagem, por sua religião, pela classe social a
qual é pertencente, nem tampouco pela cor de sua pele. Muito menos permitir que os alunos
discriminem os colegas dentro da escola. Para tanto, o professor necessita de conhecimentos e
estratégias pedagógicas e de forma sutil, vá desconstruindo concepções excludentes
existentes no cerne dos indivíduos. Tanto o professor tem que estar aberto para trabalhar na
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
perspectiva da diversidade consigo mesmo, quanto com seus alunos, mesmo que seja um
trabalho árduo, mas que é possível e necessário.
Em relação ao livro didático de história dos anos iniciais do Ensino Fundamental é
pertinente que os docentes reflitam sobre seus conteúdos, se estão de acordo com a faixa
etária das crianças, se favorecem o entendimento de conceitos básicos sobre a história, o
tempo e os sujeitos que fazem essa história, não se concebe mais uma história dos heróis
brancos e cristãos. É necessário contar a história dos vencidos, negros, indígenas, mulheres e
os movimentos sociais que transformaram a realidade brasileira.
Nas palavras de Moreira (1997, p. 33), “(...) práticas democráticas exigiriam o
reconhecimento e a valorização da diferença como condição básica para a prática política de
todos os níveis”, pois é por meio do diálogo baseado pelo princípio do respeito que essas
questões precisam ser trabalhadas no ambiente escolar.
Mais uma vez nota-se a importância da formação crítica que instigue o olhar do
educador para perceber a forma sutil em que o racismo e a descriminação acontecem no
currículo, as quais surgem no currículo, desde os livros didáticos de histórias e às relações
entre os educandos e professores.
A postura de todos que fazem a escola e compõem seu espaço, precisa ser considerada
como fonte de conhecimentos significativos, os quais são responsáveis para o
desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. Pois não basta ter a Lei 10.639/2003, que
assegura o direito das escolas de inserir em seu currículo o ensino da cultural africana e
afrobrasileira, mas faz-se necessário oferecer condições à prática pedagógica para que se
torne realidade o que está posto no papel, ou seja, aconteça a inclusão social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de tudo, faz-se necessário enfatizar que a pesquisa ainda se encontra em
andamento. O que notamos primeiramente, foi que seus resultados preliminares nos levaram
a constatar que embora alguns livros tenham apresentado mudanças significativas em relação
à imagem do negro, percebe-se que ainda há muitos equívocos nos mesmo. A última fase da
pesquisa se dará na observação da atuação docente, mediante o ensino da cultura
Afrobrasileira e Africana em suas aulas de História. Assim, a priori, observamos como a Lei
10.639/2003 está sendo aplicada nos livros didáticos, e posteriormente, iremos analisar a
atuação dos professores nesta mesma perspectiva.
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Vale apena salientarmos a importância da capacitação do professor dentro de uma
sala de aula, ao ponto de conseguir transformar o que está escamoteando a realidade,
encontrada na maioria dos livros didáticos, com relação à cultura africana e afrobrasileira,
trazendo-a para uma reflexão mais profunda, valorizando e respeitando a mesma, tendo como
princípio o respeito à diversidade. É uma nova perspectiva de educação e currículo.
O que a história sempre contou foi o ponto de vista dos colonizadores. Hoje, faz-se
necessário que a voz parta do ponto de vista dos colonizados. Essa, talvez, seja uma das
maneiras que contribuirá para o reconhecimento dos outros para com os negros, e dos negros
para com eles mesmos. O conhecimento sobre a história e cultura africana e afrobrasileira
gera um sentimento de orgulho do ser negro, isto é, assumir a identidade e o pertencimento a
esta cultura, desconstruindo concepções estereotipadas sobre o povo negro, ou eurocêntricas
e homogeneizadoras da cultura hegemônica.
Partimos do livro didático, por ele ser um dos principais instrumentos utilizados
pelos/as professores/as em sala de aula, e para observar melhor sua prática de mediação dos
conhecimentos, mesmo que os livros tragam informações errôneas a respeito de qualquer que
seja a temática, um profissional bem capacitado, saberá utilizar os erros como caminhos para
ampliação do conhecimento e a criticidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade
Racial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racial e para o
Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.
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CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Moderna, 1999.
(Coleção polêmica)
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LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
MACHADO, Rosângela. Educação Inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar. In: MONTOAN.
Mª T. Eglér (Org.).Odesafio das diferenças na escola. Petrópolis: Vozes, 2008. P. 69 – 75.
MOREIRA, Antônio Flávio. Currículo, Utopia e pós-modernidade. In______. Currículo:questões
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MONTOAN, Maria Tereza Eglér (Org.).O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis, RJ:
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3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
THAHIRA, Rosane Cristina. Projeto Buriti, 2° ano. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2011.
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EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: INTEGRANDO A LEI FEDERAL
10.639/2003 AO CURRÍCULO ESCOLAR
Nadirjane Medeiros Carneiro Nascimento
[email protected]
RESUMO
Este artigo mostra resultados do projeto escolar intitulado de HERDEIROS DA ÁFRICA:
Vivenciando a lei 10.639/2003, desenvolvido durante o ano de 2012, junto aos alunos do 4º
ano do ensino Fundamental I da Escola Estadual Irmã Severina Cavalcante Souto, situada no
bairro do Varadouro, João Pessoa/PB, onde foram desenvolvidas variadas atividades pensadas
com o intuito de enaltecer a história e cultura da África, contribuindo dessa forma para a
diminuição do racismo inegavelmente existente no âmbito educacional brasileiro. A
Compreensão de que introduzir a Lei Federal 10.639/2003 no currículo escolar é dever de todo
educador consciente do cumprimento de seu dever é que motivou o desenvolvimento de tal
projeto, de maneira a trazer uma ampla discussão sobre a cultura, hábitos e costumes
africanos hoje tão arraigados no nosso dia a dia e passados muitas vezes, despercebidos e até
ofuscados pelo racismo que marcou tão negativamente a história da humanidade.
PALAVRAS-CHAVE: educação, antirracista, currículo.
SUMMARY
This article shows when they resulted from the school entitled project of HEIRS OF the DEED:
When are surviving the law 10.639/2003, developed during the year of 2012, near the pupils of
the 4th year of the Basic teaching I of the State School Sister Severina Cavalcante Souto,
situated in the district of the Graving-dock, João Pessoa/PB, where varied thought activities
were developed with the intention of elevating the history and culture of Africa, contributing
in this form to the reduction of the racism undeniably existent in the education Brazilian
extent. The Understanding of which to introduce the Federal Law 10.639/2003 in the school
curriculum is a duty of every conscious educator of the fulfillment of his duty is that it caused
the development of such a project, of way to bring a spacious discussion on the culture, habits
and African customs today so rooted in ours day by day and passed very often, played no
attention and up to obscured by the racism that marked so negatively the history of the
humanity.
KEY WORDS: education, antiracist, curriculum.
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1 INTRODUÇÃO
Desenvolver um currículo escolar que respeita as diversidades, aplicando a Lei Federal
10.639/2003 é de fundamental importância no combate ao racismo no cotidiano escolar e na
valorização da cultura e da contribuição dos africanos para a formação da nação brasileira.
Tendo a possibilidade de contribuir para uma diminuição do preconceito racial dentro do
sistema educacional através de projeto escolar, não titubeei em aplicá-lo e com essa atitude
obtive grande êxito nas aulas. Vejamos o que diz Silva, sobre a contribuição que o professor
pode dar em sala de aula, para diminuição do preconceito de cor;
Para nós professores, uma ferramenta extremamente poderosa para o
combate ao preconceito de cor que se apresenta no Brasil como racial é o
trabalho em sala de aula com essa ampla discussão em torno do conceito de
raça, pois ela nos leva a perceber o absurdo da inferiorização de seres
humanos com base na questão biológica, uma vez que somos todos
fisiologicamente iguais. (SILVA, 2013, p. 349).
O Projeto escolar “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, fez parte
durante o ano de 2012, dos conteúdos aplicados e desenvolvidos por mim em sala de aula, no
4º ano B da Escola Irmã Severina Cavalcante Souto, na condição de educadora, onde
juntamente com os 25 alunos envolvidos, foi possível aplicá-lo com bastante desenvoltura e
interesse por parte dos mesmos, que vieram a obter melhorias no que diz respeito ao
desempenho escolar, em termos de participação, valorização e comprometimento com os
estudos, além de melhorar significantemente o respeito às diferenças raciais e étnicas.
Em um país conhecido por atitudes racistas como foi durante o período da escravidão,
onde milhares de negros foram trazidos da África para exercerem o trabalho escravo, onde até
os dias atuais podemos presenciar tais atitudes por parte de adultos e o que é pior, por parte
de crianças em idade escolar também.
Pôr em prática a Lei Federal 10.639/2003 torna-se algo que deveria ser natural no
cotidiano escolar, ao contrário do que pude perceber em minhas pesquisas dentro do grupo
Afroeducação (UFPB), grupo este que faço parte desde o ano de 2010, pesquisando as culturas
africanas e indígenas, coordenado pelos professores Dra. Ana Paula Romão de Souza Ferreira,
Dr. Wilson Honorato Aragão e colaboração da prof.ª Ms. Norma Maria de Lima, realizamos
pesquisas bibliográficas, participação na aplicação de questionário com os professores, assim
como, intervenções, além da minha vivência como educadora que sou.
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É perceptível o distanciamento de alguns professores dentro da aplicação da Lei
10.639/2003. Muitos sequer têm conhecimento da existência dessa Lei e de sua
obrigatoriedade dentro do âmbito educacional, tornando a responsabilidade de divulgá-la
ainda maior, além da necessidade de complementá-la com investimento por parte das
autoridades em formação continuada para os professores, direcionada à importância do negro
para a nossa nação.
No cotidiano escolar é comum, se presenciar alunos com atitudes e comparações
racistas com relação aos outros colegas de escola. Nesse momento o projeto escolar
“HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, atuou como um forte aliado no
combate ao preconceito, pois, ele veio mostrar aos alunos algo além do que eles vinham
conhecendo sobre a trajetória do povo negro na história do Brasil, sem contrariar a veracidade
dos fatos, mas, apenas ressaltando, a riqueza cultural que foi por nós herdada, dos nossos
irmãos africanos e que é muitas vezes omitida durante as aulas, restando à história dos negros,
apenas a desumana escravidão e o sofrimento por eles vividos, fatos esses, que não devem
passar despercebidos, porém não devem ser únicos na explicação das aulas que relatam a
ligação da África com a história do Brasil.
Durante a execução dos conteúdos, tive sempre a preocupação de não diminuir a raça
negra, mas sim, ressaltar e mostrar suas riquezas e contribuições para a formação da nossa
nação brasileira. Não tachando os negros de escravos, coitados, sem cultura, mas sim,
estampando através de atividades diversas a África e sua beleza.
Fazer o cumprimento da Lei 10.639/2003 em sala de aula é por muitas vezes,
considerado um empecilho para professores que se acostumaram a passar apenas
conhecimentos superficiais a respeito da formação do Brasil, pensando nesse aspecto resolvi
criar o Projeto: “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, contribuindo assim,
para a aplicação de tão importante Lei e de seu cumprimento.
Para garantir o direito de termos nossa memória étnico-cultural e histórica
preservadas é que foi criada a lei 10.639/2003, que nos diz; "Art. 26-A. Que nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório
o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”.
Na citação abaixo a revista Nova Escola de abril de 2002, deixa bastante claro, a
importância de abordar temas e criar ações que valorizem as diferenças, para com isso, o
educador ajudar seus alunos a aprender a serem cidadãos que respeitam as diferentes etnias e
culturas existentes desde que o mundo é mundo.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Ações que valorizem as diferentes etnias e culturas devem, sim, fazer parte
do dia-a-dia de todos os colégios. Mas isso não é tudo. É preciso que os
alunos aprendam a repudiar todo e qualquer tipo de discriminação, seja ela
baseada em diferenças de cultura, raça, classe social, nacionalidade, idade
ou preferência sexual, entre outras tantas. "A Pluralidade Cultural é uma
área do conhecimento", lembra Conceição Aparecida de Jesus, uma das
autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 5ª a 8ª série, que têm um
capítulo inteiro dedicado ao tema. Pedagoga e consultora, ela ensina a
incluir o tema no planejamento. "Cultive o hábito de ouvir as pessoas e
desenvolva projetos pedagógicos com propostas que tenham por base
questões presentes no cotidiano das relações sociais." Quem adota essa
prática com estudantes que sofrem com o preconceito garante: a agitação
da turma diminui, todos se aproximam do professor e os mecanismos de
ensino e aprendizagem são facilitados. (PELEGRINE, 2002 ,p.30).
Saber trazer para dentro da sala de aula, informações sobre as diferentes culturas e
principalmente a cultura que fez e faz parte da história de seu país é importante e é lei, logo
deve ser cumprida, sem atropelos e sem discriminação, principalmente por parte do professor,
para que não passe concepções errôneas para seus alunos.
Silva (1998, p.34) diz que a escola é articuladora de mudanças. Ele vem nos afirmar
que:
(...) é urgente o resgate da autoestima das pessoas negras. A educação tem
um papel fundamental nessa tarefa de reconstrução da autoimagem da
mulher e do homem negros. Nossas crianças precisam conhecer sua história
e é tarefa da escola ensinar a história do povo negro. É imprescindível
superar as mentiras das histórias oficiais, que mais atrapalham do que
ajudam. É imperativo que esta história seja ensinada por pessoas que,
verdadeiramente, conheçam a história do povo negro. É preciso que o
estudo sobre a História da África integre os currículos das escolas do 1º. ao
3º. graus.
Foi buscando o resgate de uma autoestima, que vem baixa desde a época da
colonização brasileira, que vim dar minha parcela de contribuição ao aplicar a Lei Federal
10.639/2003, dentro de um projeto escolar com os alunos com meus alunos, que passaram a
conhecer melhor suas raízes, suas origens, seu povo e valorizar a cor negra, herdada dos
africanos, contribuição essa que deve ser continuada diariamente, em cada situação e
conteúdo que a mesma possa ser introduzida, para que futuramente tenhamos diminuído a
discriminação, ainda marcante apesar de hoje ser mais camuflada no Brasil.
DESENVOLVIMENTO
Enfatizar na escola o estudo da história da nossa afro-descendência é de suma
importância no combate ao racismo e à violência por ele gerada. Poder contar com a
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
contribuição escolar para a formação de futuros cidadãos bem mais tolerantes e respeitosos
com seu próximo e que valoriza e preserva sua história, é de uma importância impar para o
futuro de toda a humanidade. Vejamos a baixo o que diz Joelson Alves Onofre, a respeito do
currículo escolar,
O currículo, pensado em toda a sua dinâmica, não se limita aos
conhecimentos relacionados às vivências do educando, mas introduz
sempre conhecimentos novos que, de certa forma, contribuem para a
formação humana dos sujeitos. Nessa perspectiva, um currículo para a
formação humana é aquele orientado para a inclusão de todos no acesso
aos bens culturais e ao conhecimento. Assim, teremos um currículo a
serviço da diversidade. Como a diversidade é característica da espécie
humana nos saberes, modos de vida, culturas, personalidades, meios de
perceber o mundo, o currículo precisa priorizar essa universalidade. A
instituição escolar não pode isentar-se do seu compromisso enquanto
propiciadora de formas acolhedoras da diversidade. Com o avanço de novos
estudos culturais e sobre a diversidade, a escola precisa apoderar-se dessas
discussões e levá-las para seu interior, debatendo, com os gestores,
educadores, educandos, corpo técnico e administrativo, questões tão atuais
que, às vezes, nos pegam desprevenidos. Ou seja, esses assuntos precisam
estar na pauta de discussão de toda unidade escolar. Não dá mais para fingir
que determinados conteúdos extracurriculares não precisam ser
contemplados também no chamado “currículo tradicional”. Os saberes
escolares transmitidos aos educandos em processo de escolarização nada
mais são que uma ideologia pautada num currículo conservador e
estagnado. Esse processo meramente instrucional, que perdura até os dias
atuais, impossibilita que outros saberes sejam acrescidos ao currículo.
(ONOFRE, 2008, p.104).
Daí, percebemos a extrema importância e responsabilidade da escola, para a
abordagem e introdução de temas que desmitifiquem a dificuldade encontrada por alguns
educadores em aplicar a Lei 10.639/2003 em suas aulas. O currículo deve ser flexível para
introduzir novos saberes àqueles já existentes em cada indivíduo.
Logo entendemos que o estudo da trajetória dos povos africanos no Brasil, parte de
uma temática que exige uma universalização que envolve tanto a história, quanto a cultura
dos colonizadores europeus assim como, dos povos vindos da África e de toda a diversidade
que os envolve e os diferencia entre si e nos mostra a imensa variedade que existe entre esses
povos, fazendo com que através de um aprofundamento e reconhecimento da importância
dos Africanos para o Brasil e da imensidade cultural das diferentes etnias africanas aumente o
respeito aos negros e diminua o preconceito, ainda tão presente nos dias atuais, apesar de
menos evidente ou disfarçado.
No aspecto referente à diversidade presente entre os diversos povos e etnias
africanas, tão pouco exploradas historicamente, Silva Jr. Diz,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A dizimação da população jovem da África, durante os primeiros anos da
captura e escravização inclui diferentes culturas e etnias que foram
formando um amálgama de população negra, sem considerar diferenças
inerentes a cada grupo. Instituir uma história da África como um continente
único e com uma população com os mesmos traços culturais derivaria em
considerar todos os africanos como idênticos, ou seja, sem traçar os limites
de suas tradições e contradições. (SILVA Jr, 2002, p. 39).
E é olhando por esse ponto que podemos enxergar o quanto nos foi negada a história
dos africanos e suas diferentes culturas. Cada uma com sua particularidade e sua própria
história que foram se transformando em uma única história: A da população negra! Enquanto
essa amálgama permanecer, a história se perde cada vez mais e fica no esquecimento, mas, se
a educação e seus professores contribuírem com o repasse correto das culturas oriundas da
África e dos seus diversos povos, serão um grande passo ou talvez o primeiro passo, de muitos
que virão. Barros enfatiza:
Somente um trabalho pedagógico que compreenda a determinação
histórica dos que atuam e vivem na escola; que questione a educação e seus
compromissos com a dominação, submissão e disciplinarização em nossas
sociedades contemporâneas; que critique o saber produzido e veiculado na
escola, discutindo as condições de vida dos indivíduos, pode auxiliar na
construção de outra escola e de outras práticas sócio pedagógicas. (BARROS,
1997, p. 226).
“Qualquer proposta de mudança em benefício dos excluídos jamais receberia um
apoio unânime, sobretudo quando se trata de uma sociedade racista”. (MUNANGA, 2001,
p.32). O Brasil é constituído por uma sociedade ainda racista. Empresários fortalecidos com o
capitalismo e que enriquecem cada vez mais com o trabalho mal remunerado ou até sem
remuneração, principalmente dos negros e população oriunda do campo, que raramente
conseguem alcançar lugar de destaque ou cargos elevados nas empresas e na sociedade.
Num país onde os preconceitos e a discriminação racial não foram zerados,
ou seja, onde os alunos brancos pobres e negros pobres ainda não são
iguais, pois uns são discriminados uma vez pela condição socioeconômica e
os outros são discriminados duas vezes pela condição racial e pela condição
socioeconômica, as políticas ditas universais defendidas, sobretudo pelos
intelectuais de esquerda e pelo atual ministro da Educação não trariam as
mudanças substanciais esperadas para a população negra. (MUNANGA,
2001, p.33, 34).
Baseada em tais concepções é que foi aprovada a lei federal 10.639/2003, que torna
obrigatório o ensino da cultura africana no Brasil, apesar de ainda faltar políticas de
fiscalização do cumprimento da lei;
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinente à História do Brasil. (BRASIL, Lei
10.639, 2003).
Essa lei específica trás para dentro da sala de aula a real contribuição dos povos
africanos no crescimento socioeconômico brasileiro e suas tradições e cultura que estão
presentes até os dias atuais e que marcam de maneira tão positiva a história do povo
brasileiro.
O professor deve está sempre aberto aos novos conhecimentos e compartilhá-los com
seus alunos que se envolverão com a aplicação de maneira lúdica e interativa de tais
conteúdos. Trazer as diferentes culturas e resgatar a história de um povo lutador que foi
injustiçado, mas, nunca cansou de lutar por seus direitos é de fundamental importância para
fazer com que o aluno negro não se envergonhe de suas origens, mas, do contrário, orgulhe-se
delas.
Muitas, foram as atividades trabalhadas em sala de aula dentro do projeto
“HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, mas, maiores foram as trocas de
experiências, os ricos debates e o aprendizado que levaremos após a sua execução. A imensa
riqueza cultural discutida em sala e a troca de conhecimentos e de experiências, os momentos
de contar estórias e histórias, as sessões de filmes de longa e curta metragem envolvendo o
tema, a criação textual e poética, entre tantas outras atividades que tornou o ano educacional
de 2012, inesquecível tanto para educadora, quanto para educandos.
VEJAMOS AS PRINCIPAIS ATIVIDADES REGISTRADAS DO PROJETO:
Atividade 1 - Trabalhando os provérbios africanos, exposição de cartaz e debate;
Na citada atividade, confeccionamos um cartaz contendo alguns provérbios africanos,
para divulgar entre os alunos, o alto nível de conhecimento existente entre os africanos, antes
mesmo de o Brasil ser descoberto.
A África, que já era um continente bastante evoluído muito antes do descobrimento
do Brasil, portava universidades e muitas outras formas de desenvolvimento que só chegariam
ao Brasil séculos após o seu descobrimento. Da África saíram muitos estudiosos, escritores,
cientistas, ativistas, poetas e pensadores que fizeram e fazem parte da história da
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
humanidade. Pensando nesse aspecto, foi introduzido no projeto escolar, o estudo dos
provérbios africanos como fonte de enriquecimento e valorização da cultura africana.
O trabalho foi realiado em círculo, onde os alunos debatiam os significados dos
provérbios após o terem transposto para o papel, onde eles debateram colocaram suas
opiniões sobre os diversos significados dos mesmos e o que os provérbios lhes deixaram como
exemplo para a vida.
Na atividade, pude perceber o desconhecimento por parte dos educandos de fatos
discutidos na aula com respeito à África e sua história.

Atividade 2 – Filme e atividade relacionada ao Conto africano “Kiriku e a feiticeira”.
O filme Kiriku e a feiticeira, (um conto africano), diferente dos habituais contos de fadas,
com princesas sempre brancas e loiras de olhos azuis. O filme mostrou a vida em uma aldeia
africana, com todo seu misticismo e causou bastante interesse nos alunos, que logo após
fizeram uma atividade relacionada ao filme.

Atividade 3 - Estudo do poema “ A galinha d`Angola” ( Vinícius de Morais).
Na atividade 3, foi apresentado um cartaz atrativo, com o poema de Vinícius de Morais
“A galinha d`Angola” e nele foi enfatizado os versos, as estrofes e a forma de recitar um
poema. Em seguida foi entregue aos alunos uma atividade em folha, relacionada ao poema,
estimulando os alunos à uma interpretação textual.

Atividade 4 – Animais africanos / Ficha técnica dos animais
1
Os alunos visualizaram um vídeo, onde conheceram um pouco da vida
selvagem na África, chamado “Animais Africanos - África, terra de gigantes!!!” disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=iiI0zB1zFfg. Neste vídeo eles puderam ver variadas
espécies de animais que habitam o Continente africano e foram construindo semanalmente
um livrinho com a ficha técnica de alguns desses animais. Nas fichas eles desenhavam e
colocavam as principais características dos animais que eles acabaram por conhecer mais a
fundo.

Atividade 5 – A historinha da ovelha negra
Os alunos assistiram ao filme que contou a historia da ovelhinha negra (Bernardo
Aibê), a história de uma ovelhinha negra que era triste por ter a cor diferente das demais. Ela
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era negra e passou a ser feliz a partir do momento que se aceitou com a cor que tinha. A
história foi bastante interessante e após a execução da mesma, os alunos puderam
confeccionar suas ovelhinhas feitas com material reciclável ( rolo de papel higiênico, algodão,
papel, cola e palito de madeira). Todos adoraram participar da atividade, que os levou a
valorização da cor de forma bem lúdica.

Atividade 6 – Máscaras africanas e seus encantos.
Na atividade 6, os alunos ficaram sabendo da importância das máscaras para os africanos e
seus significados, diante das diversas tribos habitantes naquele continente. Foram expostas
algumas máscaras confeccionadas por mim, para estimulá-los a fazerem suas próprias
máscaras em papelão. A atividade envolveu desenho, pintura e arte, que tornou a aula
divertida e atraente, onde eles aprenderam brincando.

Atividade 7 – Egito, pirâmides e suas múmias.
A história do Egito, dos seus reis e do mistério que envolve a civilização egípcia. A
descoberta de que o Egito está localizado no Continente Africano e de todo o fascínio dos
egípcios pela vida após a morte, que veio a levá-los a desenvolver técnicas de mumificação e à
construção das históricas pirâmides. O passo a passo do processo de mumificação e logo após
de forma bem artística, os alunos vieram a construir suas próprias múmias.

Atividade 8 – Xilogravuras com motivos africanos.
Nesta próxima atividade, Os alunos aprenderam a história da xilogravura e de como foi
desenvolvida esta técnica. Após a explicação e o estudo, os alunos criaram uma xilogravura
com motivos africanos, utilizando um carimbo feito com restos de pratos de isopor e tinta
guache.

Atividade 9 – Historinha digitalizada: “Meninas Negras ( Madu Costa)”.
Para visualização da história das Meninas Negras, eu usei o recurso de tecnologia digital (Net
book, fornecido pelo governo do estado após a minha conclusão do curso do PROINFO). Contei
a mesma história umas 3 vezes para que toda a sala pudesse ver e entender, já que na escola
infelizmente, não dispomos de um Data show, que seria grande aliado na apresentação desse
tipo de aula, mas, todos conseguiram entender bem e logo após fizeram uma atividade sobre o
filme em folha.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A história é de 3 meninas negras; Mariana, Dandara e Luanda, que são felizes e amam suas
origens africanas. Gostam de estudar, de ler e de contar histórias.
Os alunos ficaram curiosos e adoraram a aula com netbook.

Atividade 10 – Historinha “Que cor é a minha cor?” (Martha Rodrigues).
Que cor é a minha cor, foi uma das historinhas que eu contei em sala com o auxílio do
computador e aconteceu uma interação muito boa, até porque, eu preparei uma atividade que
continha um mapa do Brasil e com o auxílio do livro de geografia, os alunos puderam pesquisar
os nomes dos estados brasileiros e pintar cada um de cor diferente, mostrando que conforme
a história relatou, fomos um povo formado de muitas misturas, de várias cores e o resultado
foi perfeito.

Atividade 11 – Historinha “As tranças de Bintou” (Sylviane A. Diouf).
A história conta a vida de uma menina africana, que sonhava em ter tranças, mas, só tinha
quatro birotes na cabeça e terminou os achando bonitos, após sua avó tê-los enfeitado com
pássaros coloridos.

Atividade 12 – Estudo do poema “Todos Iguais”(Nadirjane Medeiros Carneiro
Nascimento) própria autoria.
Resolvi levar os alunos ao estudo poético de um dos poemas de minha autoria
(
Todos Iguais), aguardando publicação em artigo de livro coletivo do grupo Afroeducação da
UFPB, já em etapa final. Com esse estudo poético, os alunos sentiram-se estimulados a
produzirem seus próprios poemas, que logo após foram recitados pelos mesmos e expostos
em mural na escola.

Atividade 13 – A capa das atividades do projeto
O dia em que os alunos pintaram as capas das atividades, também foi especial. Eles
usaram muitas cores, alegres como a África e se juntaram em grupos para fazer arte e concluir
as atividades que ocorreram de Fevereiro, início do ano letivo de 2012, até a culminância,
ocorrida em outubro do mesmo ano.

Atividade 14 – Desfile da Independência leva o Projeto para as ruas.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino

Atividade 15 – Culminância do projeto “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a Lei
10.639/2003”
A culminância reuniu todos os trabalhos feitos pelos alunos e relacionados ao projeto.
Nela foram expostos para visita dos demais alunos da escola e dos familiares dos alunos, que
puderam prestigiar os trabalhos dos seus filhos, unindo dessa forma comunidade e escola, em
um só objetivo... Unir-se em prol de uma melhor educação, pelo fim da discriminação racial.
Os visitantes foram antecipadamente convidados, para visitar a culminância. Os trabalhos
dos alunos foram expostos e explicados um a um por eles mesmos, o que fizeram, com muita
satisfação e conhecimento do tema por eles vivenciado durante todo o ano.
Ao trazer para dentro da escola os sujeitos envolvidos na vida dos educandos, podemos
disseminar os conhecimentos sobre as culturas africanas entre os visitantes expandindo assim
o conhecimento para além dos muros da escola.
CONCLUSÃO
Vivenciamos a importância de incluir a diversidade no currículo escolar, de forma que
o mesmo viesse a contribuir de maneira positiva para o fim do preconceito e da discriminação,
enriquecendo as aulas e ampliando o conhecimento tanto dos educandos, quanto do
educador, que aprende mais durante a abordagem ao trata-la no âmbito educacional.
Ciente de que contribui um pouco, para a diminuição do preconceito racial,
inegavelmente existente no Brasil e no mundo, conclui o meu projeto com grande satisfação e
sensação de dever cumprido e com a certeza de que, se cada educador se esforçar um pouco
mais e as autoridades buscarem formas de concretizar e por em prática a Lei 10.639/2003, a
educação será a maior aliada contra o racismo no Brasil e no mundo.
O projeto “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a Lei 10.639/2003”, aconteceu de
forma tranquila e proveitosa, na qual tanto educadora, quanto educando, puderam juntos
descobrir as belezas e os encantos que envolvem a formação do povo brasileiro e conhecer
mais a fundo as nossas heranças africanas.
De maneira lúdica e envolvente, os alunos participaram ativamente de todas as
atividades referentes ao projeto e contribuíram para o seu sucesso, levando conhecimentos
novos para sua vida adulta e transformando de maneira lúdica e educativa seus preconceitos
em aceitação de si e do seu próximo.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
REFERÊNCIAS
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Animais
africanos
África
terra
de
gigantes.
disponível
http://www.youtube.com/watch?v=iiI0zB1zFfg Acesso em: 15 de agosto de 2012.
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BARROS, M. E. B. A transformação do cotidiano: vias de formação do educador a experiência da
administração de Vitória/ES (1989-1992). Vitória: Edufes, 1997.
BRASIL, Lei nº10639 de 9 de janeiro de 2003.Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnicos Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. MEC/SECAD. 2005.
BRASIL. MEC/SECAD. Educação Anti-racista: Caminhos Abertos pela Lei Federal 10.639/2003.
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MACHADO, Ana Maria. Menina Bonita do laço de fita. Ilustração: Claudius. 7.ed. São Paulo: Ática,
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MUNANGA, Kabengele, Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil:
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ONOFRE, Joelson Alves. Repensando a questão curricular: caminho para uma educação anti-racista.
Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 4, n. 4, p.103-122, jan./jun. 2008. p. 104.
PARR, Todd. Tudo bem ser diferente. 1. ed. Editora Panda Books, 2002.
PELEGRINE, Denise. Respeitar as diferenças, Nova Escola, ed. abril, abril, 2002.
RODRIGUES, Martha. Que cor é a minha cor? Ilustração: Rubem Filho. 1. ed. Mazza Edições, 2006.
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SILVA Jr, Hédio. Discriminação racial nas escolas: Entre a lei e as práticas sociais. Brasília: UNESCO,
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reimpressão – São Paulo: Contexto, 2013.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
CURRÍCULO E RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS:
APLICABILIDADE DA LEI 10.639/2003 EM UMA ESCOLA
DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA
Silvia Karla Batista de Macena Martins dos Santos24 - UFPB
[email protected]
Jakeline da Silva Farias25 – UFPB
[email protected]
Resumo
Esta comunicação26 apresenta reflexões sobre a aplicabilidade da lei 10.639/03, que torna
obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas instituições de ensino,
a partir de uma pesquisa realizada em uma escola da rede municipal de ensino da cidade de
João Pessoa. Entrevistamos onze profissionais da educação, entre gestores e professores do
ensino fundamental. Utilizamos como metodologia um questionário, o qual buscava identificar
o conhecimento dos professores a respeito da lei, os recursos utilizados para execução da
mesma, a introdução do conteúdo no currículo escolar, como a escola tem se empenhado na
educação das relações étnico-raciais e o que pensam os professores sobre o que está faltando
para que a lei seja cumprida nas escolas. Concluímos que além da falta de conhecimento e
interesse dos professores sobre o assunto, a falta de planejamento e a inserção da temática
nas no Projeto Político Pedagógico e nas atividades escolares, tem se tornado principal
obstáculo na aplicabilidade da Lei 10.639/03 na escola analisada.
Palavras-chaves: Lei 10.639; Currículo; História e Cultura Afro-Brasileira; Educação.
Introdução
Pretendemos neste trabalho, discutir alguns aspectos relacionados à aplicabilidade da
Lei 10.639/03 em uma escola pública no município de João Pessoa.
Sancionada pelo Presidente Lula, em 09 de Janeiro de 2003, a Lei 10.639 altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, instituindo a obrigatoriedade da temática História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, nos estabelecimentos de ensino da educação pública e
privada, e a sua inserção no conteúdo programático das disciplinas já existente em cada
instituição. Com isso, deseja-se estabelecer práticas pedagógicas que reconheçam a
24
Graduanda em Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo/UFPB. Atualmente atua como bolsista do
PROLICEN.
25
Graduanda em Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo/UFPB. Atua como professora de Educação
Infantil na rede municipal de Santa Rita.
26
Trabalho elaborado em co autoria com Josefa Manuela Santos da Silva ([email protected]), graduanda em
Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo/UFPB. Atuou como Estagiária do Laboratório de Estágio
Supervisionado/LAES.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
importância de africanos e afro-brasileiros na construção no processo de formação do estado
nacional.
Mesmo sabendo que os sistemas de ensino da educação básica, devem por lei, inserir
em seu currículo a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, acreditamos que algumas
instituições deixam a desejar quanto ao cumprimento da mesma. Assim, a partir de uma
pesquisa exploratória, que tem como principal objetivo entender se, mesmo depois de dez
anos, ainda existem escolas, que não conhecem ou ainda não colocaram em prática a Lei
10.639/03, analisamos através de um questionário com perguntas objetivas e subjetivas com
os professores e gestores da escola, até que ponto há conhecimento sobre lei, sua
aplicabilidade em sala de aula, o que os professores pensam sobre o ensino da História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, se e como a escola tem inserido esse tema em seu currículo.
À margem do processo de educação e “Deixados à própria sorte”, de acordo com
Florestan Fernandes (FERNANDES, 1978), os negros perceberam a necessidade de encontrar
meios para melhorar sua vida, superar sua condição de excluídos e resgatar sua história de
lutas e conquistas. Assim, as organizações e os movimentos negros, começaram a reivindicar
sua inserção do cenário educacional como ressalta (SANTOS, 2005)
Ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a
reprodução da discriminação racial contra os negros e seus descendentes no
sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais negros (bem como os
intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de
reivindicações junto ao Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo
da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional brasileira. (SANTOS, 2005)
Diante disso, a Lei 10639/03 simboliza uma vitória para o movimento, pois garante não
só aos brasileiros afrodescendentes, mas a todos os membros desta nação, um
reconhecimento histórico e cultural da sua origem e da diversidade de povos que aqui vivem
desde o início da construção do território nacional, (re) conhecendo assim, a sua própria
história.
Refletindo sobre a lei 10.639/03
Diferente do que é ensinado em algumas instituições, a relação histórica entre Brasil e
África vai muito além do período colonial e do comércio de escravos, ela sempre esteve ligada
nos meios escolares e acadêmicos de forma secundária.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
De um modo geral, idealiza-se a África primeiro como um país e não como um
continente, o que ao homogeneizar o lugar, lembra-se apenas num espaço marcado por
miséria, fome, epidemias, sem nenhum contexto histórico-político-social e cultural e
desconsiderando totalmente as especificidades de cada país.
Diante disso e de outras evidências, é possível afirmar que a base de conhecimento
que chega às escolas é necessariamente eurocêntrica. Estuda-se a História da Europa, a
História dos Estados Unidos e é isso que é reproduzido. Assim, as outras culturas e aquilo que
eles produziram: os seus mitos, as suas crenças, sua história, tornam-se de pouco valor como
afirma Santos (2005):
A educação formal não era só eurocentrista e de ostentação dos Estados
Unidos da América, como também desqualificava o continente africano e
inferiorizava racialmente27 os negros, quer brasileiros, quer africanos ou
estadunidenses. (SANTOS 2005, p.22)
Outra questão a refletir, pois tem se reproduzido em nossa sociedade ao longo dos
anos, como instrumento de invisibilidade da cultura e da população negra em nosso país, tem
sido o livro didático, que muitas vezes apresenta crianças negras através de estereótipos
inferiorizantes, como minoria e excluídas. Aspecto esse, preocupante quando pensamos que
muitas crianças e professores, tem o livro didático como única fonte de conhecimento.
Preocupação essa que Silva apresenta:
ao veicular estereótipos que expandem uma representação positiva do
branco, o livro didático está expandindo a ideologia do branqueamento, que
se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de
inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação
pelo Estado, dos processos civilizatórios indígena e africano, entre outros,
constituintes da identidade cultural da nação. (SILVA, 1989, p.57)
Diante disso, temos um quadro um tanto contraditório, já que no Brasil existem leis
que abordam questões étnico-raciais há algum tempo, embora a sua aplicabilidade tenha sido
prejudicada por uma série de obstáculos. Silva (2007) nos lembra que “a constituição Federal
de 1988, garante, de forma inequívoca, a promoção de todos os cidadãos brasileiros, sem
preconceito de origem, raça, sexo e quaisquer outras forma de discriminação”. Já o decreto
1.904 de 1996, garante a presença histórica das lutas dos afrodescendentes na constituição do
país, como também a lei 7.716 de 1999, regulamenta os crimes de preconceito de raça e cor,
estabelecendo o cumprimento de penas para os atos de discriminação.
27
Esse processo de discriminação racial contra os negros infelizmente ainda não foi eliminado da educação formal brasileira até a
presente data. (NOTA DO AUTOR)
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
No que diz respeito à educação, e de acordo com as Diretrizes Nacionais de Educação
das relações étnicos-raciais e para o Ensino de História Afro-Brasileira e Africana, a Lei 10.639
de 2003 tem como objetivo:
promover a valorização e o reconhecimento da diversidade étnico-racial na
educação brasileira a partir do enfrentamento estratégico de culturas e
práticas discriminatórias e racistas institucionalizadas presentes no
cotidiano das escolas e nos sistemas de ensino que excluem e penalizam
crianças, jovens e adultos negros e comprometem a garantia do direito à
educação de qualidade de todos e todas. (BRASIL, 2008)
Com isso, a Lei 10639/03 pode ser considerada uma conquista na história da
população negra que busca ter sua cultura e seus valores tratados da mesma forma que a dos
outros povos que vieram para o Brasil.
Observamos que muitos conceitos e preconceitos são transmitidas sistema
educacional, através de livros didáticos e falta de capacitação dos professores para trabalhar
essas questões na escola e nesse aspecto é possível considerar, com a implementação desta lei
uma perspectiva de rompimento com o currículo eurocêntrico presente por muito tempo no
nosso sistema de ensino.
Portanto, abordar a temática das relações étnico-raciais a partir do ensino da história e
cultura Afro-Brasileira e Africana se faz de fundamental importância para o fortalecimento e
afirmação de identidades étnicas afim de minimizar os estereótipos construídos por muito
tempo sobre as relações étnico-raciais em nosso país.
Pesquisa e Análise de Resultados
Em meados de Junho, realizamos uma pesquisa em uma escola localizada na zona
oeste da cidade de João Pessoa e foi feita através de aplicação de um questionário, onde
estabelecemos as seguintes divisões: o conhecimento da lei e a importância que cada um
atribuía ou não a mesma; a inserção da temática e os recursos didáticos utilizados na sala de
aula; a comemoração do dia 20 de novembro (dia da Consciência Negra) - determinado pela lei
como data que deve fazer parte do calendário escolar; e o que falta para que a lei seja aplicada
na escola.
Foram entrevistados onze profissionais da educação, entre gestores e professores do
ensino fundamental.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Das duas gestoras entrevistadas, uma afirmou conhecer a lei e achar importante o
ensino da História e Cultura Afro-Brasileira para formação dos alunos, e a outra afirmou saber
que existia, mas, não sabia do que tratava, embora considerasse ser importante. Entre os
professores, cinco afirmaram conhecer, três disseram saber que existe, mas não saber do que
se trata. E apenas uma, disse que nunca ouviu falar.
Quando questionados sobre achar importante o ensino do referido tema, oito
responderam que sim e dois responderam que não tinha importância. Porém, responder se
considera importante ou não o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, na pesquisa
realizada, não era o suficiente. Desejamos ouvir dos professores o porquê de suas respostas.
P1: “Através do ensino afro-brasileiro, os alunos passaram a ter mais
conhecimento da importância desse povo na nossa cultura.” P2: “É
importante para conscientizar as crianças que independente da raça, somos
iguais.” P3:” Acho importante, porque podemos diminuir o preconceito racial
e conscientizar mais os nossos alunos para diminuição dos preconceitos.” P4:
“É importante, porque mostra a importância dos negros africanos que
trabalharam pelo nosso Brasil.” P5: “Sim. Porque possui uma grande
influência em nossa cultura, seja em termos musicais, vestuário, comida,
dança, etc.” P6: “Sim. Para que os preconceitos referentes a cultura
afrodescendente sejam, ao menos, diminuídos.”
É importante destacar que, em suas justificativas, três professores abordaram o tema religião,
o que denota que esta questão também está presente na discussão sobre a temática das
relações étnico-raciais, e em dois dos casos, que a crença pessoal interfere na abordagem do
assunto:
P7: “Sim. Para que eles possam entender logo cedo as diferenças das
religiões.” P8: “Não. O nosso país já está cheio de crendices e superstições.”
P9:” Não acho importante. De acordo com meu conhecimento, as crianças
não entenderiam uma mistura de religiosidade e ficariam confundidas.”
Quanto a respostas das gestoras entrevistadas, cada uma respondeu de forma
diferente. Mas, concordando que era importante para “diminuir o preconceito”.
Questionados quanto aos recursos didáticos utilizados para o ensino da História e
Cultura Afro-Brasileira, levando em consideração a distribuição dos livros ofertados pelo MEC,
entre todos os entrevistados nove responderam que o livro distribuído, não é suficiente. Uma
entrevistada afirmou não conhecer o material didático e outra não respondeu a pergunta.
Quando perguntamos que recursos os professores entrevistados utilizam em sala de
aula para trabalhar o tema, as respostas foram mais variadas: Duas professoras, afirmaram
não usar nenhum tipo de material didático para falar sobre o tema; duas professoras,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
afirmaram utilizar vídeo; quatro afirmaram utilizar livros e exercícios no quadro em datas
comemorativas. E uma professora não respondeu
Analisando as respostas dos professores, observamos que muitos trabalham a
temática somente em datas comemorativas, como 13 de maio (dia da Abolição da Escravatura
no Brasil), e 20 de novembro (dia da Consciência Negra). E prevalece ainda como recurso mais
utilizado, o livro didático. O que exige de nós certa atenção quanto à forma como os
conteúdos relativos à educação das relações étnico-raciais são abordados nesses livros, pois
como vimos anteriormente, durante muito tempo o livro didático em nosso país vêm
reproduzindo a invisibilidade da população negra. Por isso, precisa ser observado criticamente
antes de utilizá-lo como única fonte de conhecimento da História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana.
Outra questão abordada no questionário e que está relacionada à cultura escolar28 é
sobre a comemoração do dia 20 de novembro. Essa questão nos deixou intrigadas quando
comparamos as respostas.
As duas gestoras entrevistadas, afirmaram que a escola comemora o dia da
Consciência Negra, com festa e apresentação da cultura africana além da aula expositiva. Já
entre os professores (vale lembrar que da mesma escola que as gestoras), seis afirmaram que
a escola não comemora a data, dois afirmaram que sim com aula expositiva e uma não
respondeu.
Finalizamos o questionário com a pergunta: “O que você acha que falta para que a lei
10.639/03 seja aplicada na sua escola?” As respostas foram bem diversificadas. Entre os
professores, as mais comuns referem-se à responsabilidade da escola por meio de projetos e
incentivos por parte da direção:
P1: “Acrescentar aos projetos da escola.” P2: “Inserir no PPP para que seja
trabalhado ao longo do ano” P3: “Falta mais incentivo por parte da escola.”
P4: “Acho que só seria aplicada se fosse uma disciplina separada. Porque a
gente não liga muito por isso não. Eu ainda falo um pouco, mas os outros ...”
P5: “Ela já é aplicada.” P6: “Deveria entrar no planejamento, e discutido com
todos, mas com incentivo da direção.”
Nessa questão ainda observamos a falta de interesse (seja por questões religiosas ou
não) por parte de alguns professores em relação as suas respostas que observaremos a seguir:
P7: “Creio que nada. Já temos assuntos demais pra trabalhar” P8: “Não
conheço direito esta lei e não vejo importância maior que as outras leis que
28
Ver Libâneo, 2001.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
deveriam ser cumpridas e não são.” P9: “Nada. Temos assuntos mais
pertinentes e de maior importância para serem desenvolvidos na escola.”
Já entre as gestoras entrevistadas, uma não respondeu e a outra atribuíram a
responsabilidade à iniciativa dos professores, como podemos observar:
G1: “É necessário conscientizar os professores e alunos da importância da
Cultura Afro-Brasileira, do respeito a diferença, para acabar com o
preconceito no nosso país, e para isso é indispensável que os professores
procurem meios de se informar para trabalhar esse assunto em sala de aula
de maneira eficiente.”
Com isso percebemos que, nesta escola de um modo geral, infelizmente falta o
engajamento e a união da equipe para que a temática seja desenvolvida de forma satisfatória
e a lei seja cumprida, pois apesar de sua promulgação a mesma não está sendo implementada.
Abdias do Nascimento (2007) afirma:
Reconheço o grande avanço que significa a Lei 10 639/2003, que visa fazer o
resgate de nossa história e de nossa memória e torná-las patrimônio cultural
de todo o povo brasileiro, mas tenho que elevar a minha voz para dizer que
esta lei não está sendo cumprida, ou tem a sua implementação dificultada,
por todos aqueles que não querem mudanças nas relações de dominação
racial em nosso país.
Além disso, observamos que além da falta de conhecimento e interesse dos
professores sobre o assunto, a falta de planejamento e a inserção da temática nas no Projeto
Político Pedagógico e nas atividades escolares, também é um obstáculo na aplicabilidade da
Lei 10.639/03 na escola pesquisada.
Considerações Finais
Durante a pesquisa, nos deparamos com diversas questões que merecem reflexão e
mudança
De acordo com as respostas, percebemos de forma explícita a falta de interesse e
desconhecimento dos professores sobre o assunto (salvo as poucas exceções), e que mesmo
assim há uma grande resistência quanto à compreensão da importância da temática, alguns
por achar que ao tratarmos de História e Cultura Afro-Brasileira, nos referimos apenas à
questão religiosa, outros por falta de interesse e conhecimento.
Já as gestoras, demonstram saberem da importância de abordar as temáticas
referentes à História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, porém, atribuem a
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
responsabilidade ao professor, onde os mesmos devem buscar meios de trabalhar o tema em
sala de aula.
No que diz respeito ao reconhecimento e/ou comemoração do dia 20 de novembro
(dia da Consciência Negra), esta questão acarreta muitos questionamentos. O que está
errado? As escolas realmente comemoram o dia 20 de novembro, como consta na fala das
gestoras? Ou os professores não sabem ou realmente não se interessam pelo assunto a ponto
de simplesmente ignorar qualquer manifestação cultural que ocorra nesta data na escola? Essa
é uma questão que necessita uma atenção mais concisa, pois de acordo com a Lei 10.639, o dia
20 de novembro deve fazer parte do calendário escolar. Por que esta temática não está
inserida no currículo da escola?
Desta forma, concluímos que, mesmo que a compreensão da História e Cultura AfroBrasileira venha se fortalecendo nos últimos anos, é importante enfatizar que a situação
pedagógica é bastante preocupante, tendo em vista que, se não há uma formação na temática
étnico-racial, o modelo eurocêntrico de educação continuará sendo reproduzido, e com ele a
falta de conhecimento e consequentemente o preconceito.
E é nesse sentido que colocamos a escola como um lugar de construção de
conhecimento e quebra de paradigmas, e para isso, é fundamental que a temática das relações
étnico-raciais esteja presente no currículo escolar e a Lei 10.639/03 seja cumprida. Já que é na
escola que é possível construir valores de solidariedade e justiça, onde se pode propor o
modelo de democracia inclusiva, sem preconceito, que irá formar professores, técnicos,
engenheiros, médicos, homens e mulheres para a sociedade que desejamos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étinicorraciais e para o
ensino da História afro-brasileira e africana. Brasília/DF: SECAD/MEC, 2004.
FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Ática, 3º
Ed., 2 Vols., 1978 [1965].
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
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PAIXÃO, M. Desenvolvimento Humano e desigualdades raciais no Brasil: um retrato de final
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PANISSET. O Brasil Precisa de Lei para Ensinar a História do Negro? Folha de São Paulo. SP, 28,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
APRENDIZAGEM DO CUIDAR EM ENFERMAGEM: POR QUE
ABORDAR EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL NESSE PROCESSO?
Valdeci Silva Mendes
29
Candida Soares da Costa
30
Resumo
Esse artigo tem por finalidade fazer uma exposição do projeto de pesquisa, inserido na linha de Pesquisa
Movimentos Sociais, Política e Educação Popular do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE),
da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). O Projeto de pesquisa tem por objetivo geral analisar
e compreender o cenário que ocorrem as relações de cuidados em saúde entre enfermeiro e pacientes
negros em regime hospitalocentrico, e como a formação desses profissionais tem contribuído para
legitimar essa relação. Nesse contexto um dos objetivos específicos será conhecer as Diretrizes
Curriculares Nacionais e o Currículo do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT Campus
Universitário de Cuiabá e compreender em que medida o conjunto teórico comportam conteúdos de
princípios eugênicos. Compete ressaltar que os princípios eugênicos são caracterizados por uma
ideologia de purificação de raça, originária de uma pseudociência racista, que objetou classificar as
raças, onde o branco foi elevado a uma condição de raça superior e o negro inferior. Pretendemos
realizar a pesquisa do tipo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa, por entender que esse tipo
de pesquisa melhor se ajusta para compreensão da problematização do objeto de pesquisa. Até o
presente momento da pesquisa, percebe-se que as configurações em que foram germinadas as ciências
biomédicas no Brasil, em boa parte, estão configuradas e centralizadas em ideologias eugênicas, e há
apontamentos que a enfermagem tem conservado até os dias atuais elementos dessa ideologia na
aprendizagem do cuidar.
Palavras-chave: Aprendizagem do cuidar. Enfermagem. Eugenia. Relações raciais.
LEARNING IN NURSING CARE: WHY DISCUSSING RACIAL-ETHNIC EDUCATION IN THIS PROCESS?
Abstract
This paper is aimed to do an exposure of the research project inserted in the research line Social
Movements, Politics and Popular Education from the Post Graduation Program (PPGE), in the Federal
University of Mato Grosso (UFMT). The research project has as general objective to analyze and
comprehend the scenario where the care relations happen between a nurse and black patient in a
hospital-centered regime and how these professionals formation have contributed to legitimize this
relation. In this context one of the specific objectives is to analyze the National Curricular Guidelines and
the Curriculum of the Undergraduate Nursing UFMT campus University of Cuiabá and understand to
what extent the theoretical set behave content eugenic principles. We found relevant to highlight that
eugenic principles are characterized by an ideology of race purification originated from a racist pseudoscience which has aimed to classify the races, when white people is elevated to a higher condition of
superior race and the black to a lower condition. We intend to realize the research in a descriptive
exploratory type of qualitative approach by understanding that this kind of research better fits for the
comprehension of the contextualized research object. Until the present moment of the research, it is
able to perceive that the configurations in which the biomedical science was germinated in Brazil are
ideological eugenic characterized and there are notes that nursing has maintained to the present day
elements of this ideology in learning to care.
Key Words: Learning care. Nursing. Eugenics. Racial relations.
29
Enfermeiro, aluno do Mestrado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, Especialista em Docência no Ensino Superior (2011).
30
Dr.ª em Educação (2011) pela Universidade Federal Fluminense-UFF/RJ, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso, nível Mestrado. Orientadora do Projeto.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Introdução
Esse artigo tem por finalidade fazer uma exposição do projeto de pesquisa que
iniciou no ano de 2013, inserido na linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação
Popular do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), Campus Universitário de Cuiabá.
O projeto de pesquisa tem como tema central discutir relações raciais em saúde e o
processo de Ensino-Aprendizagem da ciência do cuidar humano, essência de ser em
enfermagem. Insere-se dentro de um contexto de proposta de grupo de professores e
pesquisadores da UFMT que constituem o Grupo de Pesquisa Educação e Formação em Saúde
e Enfermagem (GEFOR) da Enfermagem, em parceria com a Faculdade de Educação.
A proposta do GEFOR foi introduzida no conjunto de iniciativas desenvolvidas em
resposta à ação induzidora pelo Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e
Tecnológica na Saúde (Pró-Ensino na Saúde), uma parceria entre a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Secretaria de Gestão do Trabalho e
da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde (MS), com intuito de formação de
quadros de profissionais qualificados no campo do Ensino na Saúde na perspectiva de
consolidação das Diretrizes e Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na UFMT, por meio do edital Pró-Ensino na Saúde a proposta do grupo vai se
materializando na formação de recursos humanos no nível de Mestrado e Doutorado em
Educação para profissionais de saúde com ênfase no ensino em saúde para o SUS.
O Projeto de pesquisa, no âmbito do Curso de Mestrado em Educação tem por
objetivo geral compreender como ocorre a aprendizagem da ciência do cuidar em
enfermagem do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT campus Universitário de
Cuiabá-MT e como essa aprendizagem tem configurado nas interfaces das relações de
cuidados em saúde com paciente negros em regime hospitalocentrico.
Nesse contexto um dos objetivos específicos será conhecer as Diretrizes
Curriculares Nacionais e o Currículo do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT campus
Universitário de Cuiabá e compreender em que medida o conjunto teórico comportam
conteúdos de princípios eugênicos. Compete ressaltar que os princípios eugênicos estão
caracterizados por uma ideologia de purificação de raça, "assegurar a constante melhoria da
composição hereditária da sociedade" (STEPAN, 2005, p. 9), "originária de uma pseudociência
racista, que objetou classificar "as raças humanas", onde o branco foi elevado a uma condição
de raça superior e o negro inferior" (SKIDMORE, 2012, p. 92). Para Marques (1994), ao
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
pesquisar os discursos de médicos e educadores brasileiros e a proximidade dos princípios
eugênicos justificáveis dada a inferioridade de raça, na medida que compreendiam que
numerosas doenças constituíam fatores degenerativos da raça, a autora afirma, que "parecia
sensato que os eugenista brasileiros adaptassem a ciências eugênicas à realidade do país,
então em condições sanitárias tão precárias, estabelecendo nexos entre eugenia e
sanitarismo" (MARQUES, 1994, p. 55).
A justificativa para a pesquisa se da a medida que, a prática de racismo contra
pacientes negros no atendimento de saúde é desencadeadora de privação de direito e de
desigualdade de oferta de assistência em saúde, e que, o profissional enfermeiro enquanto
profissional da área clínica é um sujeito envolvido nesse processo.
Compreender como ocorre a aprendizagem desse profissional e como esse
aprendizagem tem configurado nas interfaces das relações de cuidados em saúde com
pacientes negros em regime hospitalocentrico faz-se necessário a medida, que as práticas de
racismo pelos profissionais em saúde tem sido decisivo no processo de viver ou morrer de
indivíduos considerados da população negra, e esse atendimento diferenciado pode em certa
medidas, e ser em boa parte, reflexo da aprendizagem da ciência do cuidar como elucidado
por Waldow (2004) ao apontar que a formação dos profissionais em saúde/enfermagem estão
acentuada no modelo biomédico, modelo este que em boa parte passou a existir no Brasil em
um momento em que as pseudociências racista estavam em evidência e as teorias eugênica
constituía em um poderoso movimento científico, político e social em favor da construção da
nação brasileira.
Para melhor compreender objeto de estudo e reconhecer o estado da arte sobre
relações raciais em saúde foi realizado uma revisão literária31 em junho de 2013, que ocorreu
por meio de levantamento das produções científica na base de dados da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Virtual de Saúde,
usando quatro estratégias de busca, cujos descritores utilizados foram: relações raciais e
saúde; relações raciais, saúde e enfermagem; equipe de cuidados de saúde, grupos étnicos; e
equipe de cuidados de saúde e racismo. Utilizou como critério de inclusão para analise os
textos em idioma em português, os que não atendiam esse critério foram excluídos.
Totalizaram-se trinta e cinco trabalhos para analise sobre relações raciais em saúde.
31
O resultado da pesquisa foi apresentado e publicado nos Anais do Seminário da Educação 2013, promovido pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFMT, intitulado "Herança de uma ciência racialista: introdução ao cenário de pesquisa sobre
relações raciais em saúde" no Grupo de Trabalho 15 Relações Raciais e Educação.
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Constatamos com o resultado da pesquisa que o racismo relacionado às práticas
de cuidados em saúde em relação à população negra é em muitas vezes apresentados de
formas não reveladas, porém, sua disseminação mantém-se de forma lenta e gradativa e tem
repercutido decisivamente sobre o direito de viver ou morrer dessa população. Atos de
racismo no setor da saúde ocorrem geralmente pela dificuldade de acesso da população negra
aos serviços de saúde e por um atendimento negligenciado, repercutindo em um descuidado à
saúde a membros dessa comunidade.
Alguns dos estudos analisados apontam que a maioria dos profissionais de saúde,
conceituam saúde centrado ainda no modelo biomédico, sem analisar os variáveis fatores
sociais determinantes no processo de saúde/doença.
A motivação para pesquisa nesse contexto é resultado de um processo iniciado no
andamento da Graduação no Curso de Enfermagem no ano de 2007 na UFMT, Campus
Universitário de Rondonópolis (CUR), espaço este, onde na abordagem metodológica, no
processo ensino-aprendizagem de alguns professores, vislumbrei conteúdos e práticas
pedagógicas que faziam exposição de seres humanos negros associados na perspectiva da
doença. Ademais nos estágios obrigatórios percebia entre os profissionais de saúde mesmo
que sutilmente certo descuido de atenções com os pacientes negros, atitudes essas
compartilhadas por alguns estagiários de enfermagem e enfermeiros docentes.
Esse olhar atento e sensível as essas questões foi edificado a partir de minha
vivência enquanto militante no Movimento Negro de Rondonópolis (MNR), no qual me
aproprie de razoável fundamentação teórica para melhor compreender essa problemática e
atualmente venho aprofundando e ampliando esse conhecimento no Núcleo de Estudos de
Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE) da UFMT. Além disso, as iniciativas como
Coordenador de um Movimento Social e Político denominado Coletivo Negro Universitário, na
perspectiva de ações pontuais sobre relações étnico-raciais e implementação da lei
10.639/2003 na UFMT vem reforçando e expandindo essa motivação à pesquisa.
Ao fazermos esse movimento de retorno ao espaço de Graduação em
Enfermagem, agora como pesquisador, arriscaremos em analisar o conjunto teórico que
compõem o currículo do curso de graduação em enfermagem da UFMT, bem como reconhecer
o processo de ensino-aprendizagem do cuidar enquanto uma ciência de domínio da
enfermagem, também recorrer aos espaços de estágios obrigatórios, observando como ocorre
esse aprendizado, a princípio, na tentativa de compreender, em que medida os princípios
eugênicos estão presente ou não, na produção científica teórica e prática, bem como no
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
imaginário dos docentes e discentes do curso de enfermagem envolvidos nesse processo, e
como esse conhecimento gerado tem repercutido ao cuidar de pacientes negros, descrevendo
como ele ocorre e em quais dimensões é compreendido pelos docentes e discentes do curso
de enfermagem.
Pretendemos realizar a pesquisa do tipo exploratório-descritivo de abordagem
qualitativa, por entender que esse tipo de pesquisa melhor se ajusta para compreensão da
problematização do objeto de pesquisa. De acordo com Sampieri, Collado e Lúcio (2006), os
estudos exploratórios têm como objetivo essencial familiarizarmo-nos com um tópico
desconhecido ou pouco estudado ou novo. Esse tipo de pesquisa serve para desenvolver
métodos a serem utilizados em estudos mais profundos. Os estudos descritivos servem para
analisar como é e como se manifestam um fenômeno e seus componentes.
Na abordagem qualitativa são levados em conta os níveis mais profundos das
relações sociais, operacionalizando-os por meios de aspectos subjetivos, visando compreender
a lógica interna de grupos, instituições e atores quantos aos valores culturais e representações
sobre sua história (MINAYO, 2007). Desta forma esta pesquisa contemplará estas questões, ou
seja, buscaremos compreender o cenário que ocorrem as relações de cuidados em saúde entre
enfermeiro e paciente negros em regime hospitalocentrico, e como a formação desses
profissionais tem contribuído para a legitimar essa relação.
Usaremos
como instrumento de coleta de dados, documentos internos da
instituição, entrevista semi-estruturada com enfermeiros docentes. Reservamos para coleta de
dados dos discentes do curso de enfermagem a técnica de grupo focal. Para Minayo (2007, p.
129) "o grupo focal é de inegável importância para se tratar das questões da saúde sob o
ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados
grupos de profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população".
Também lançaremos mão da técnica de observação não participante como espectador atento
na etapa de coleta de dados no processo de Ensino-Aprendizagem da ciência do cuidar no
período de estágio obrigatório, colhendo informações sobre como ocorrem esse aprendizado e
como se da as relações entres os sujeitos da pesquisa e o cuidado à pacientes negros em
regime hospitalocentrico, sujeito este instrumento desse aprendizado.
Fazerá necessário também o registro diário e minucioso de toda a fase da
pesquisa. Para isso adotaremos o diário de pesquisa e/ou diário de campo entendido por
Nogueira (1977, p. 103) como "um dos mais úteis instrumento de trabalho de campo,
principalmente quando o pesquisador está interessado numa visão de conjunto da organização
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
social e da cultura de um certo grupo". As anotações nesse diário será realizada a partir das
informações reveladora do campo de estudo, que contribuirá para o patrimônio de dados da
pesquisa e ao mesmo passo aguçará o pesquisador em torno do objeto de estudo. Os dados
serão analisados por meio da técnica de análise temática de conteúdo (MINAYO, 2007).
Para que esta proposta de pesquisa seja desenvolvida a mesma deverá ser
analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de
dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde que trata das Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo seres humanos.
Desenvolvimento, Problematização e Construção do Referencial Teórico
Primeiramente, nessa construção, preocupou-se problematizar o cuidar enquanto
ciência de aprendizagem e de campo de atuação da enfermagem, precisamente em relação às
práticas de cuidados com pacientes negros, e em que medida a edificação desse aprendizado
esta interligado a conceitos racista e de ideologias eugênicas.
Para Waldow (2004), pesquisadora que dedicou-se por mais de duas décadas a
docência e a pesquisa da ciência do cuidar da enfermagem no Brasil, retrata que em grande
parte as instituições de assistência em saúde, bem como as instituições de ensino de
enfermagem, o cuidado é desenvolvido de forma mecânica, instrumentalizado, seguindo
normas, rotinas e prescrições, tornando as relações de cuidado nesse ambiente, frágeis,
encoberto de hostilidades, tensão, indiferença. Podera ainda a autora que
o cuidado,
enquanto uma ciência de propriedade da enfermagem não tem sido assumido pelos
profissionais, sendo um dos fatores condicionantes a precária formação centrada no modelo
biomédico.
É possível encontrar conteúdos substanciais sobre a história do nascimento das
Ciências Biomédicas no Brasil nos estudos de Rocha (2003) e mais objetivamente no de Costa
(1999), Faria (2007) e Kobayashi (2007) a origem que pode responder, até certo ponto,
inquietações sobre aprendizagem da ciência do cuidar humano, enquanto uma conhecimento
de domínio da enfermagem. Também ancoramos nos estudos de Schwarcz (1993), Marques
(1994), Stepan (2005), Müller (2011) e Skidmore (2012), sobre como foi racionalizado o
conceito de raça no Brasil, na tentativa de entender como esses sistemas de ideias raciais
foram estruturantes no processo de formação da nação brasileira, configurando-se em um
movimento científico, político e social, nesse caso, especificamente buscamos compreender
nesses estudos, como foi emaranhado no surgimento das ciências biomédicas/enfermagem.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Os estudos em particular de Faria e Kobayashi trazem informações implícitas
sobre como ocorreu o processo de constituição do campo das ciências biomédicas atrelado ao
Projeto de Nação Brasileira e como a Instituição Norte Americana conhecido como Instituto de
Higiene participou efetivamente desse processo. A efetivação dessa parceria concentrou-se
nos aspectos relacionados á pesquisas científicas em saúde, formação profissional em
Educadoras Sanitária em 1925 e posteriormente na formação das Enfermeiras de Saúde
Pública no Brasil em 1942. Incumbia também esse Instituto a prestação de serviços de saúde e
formulação e implantação de políticas públicas de saúde as quais se concentravam em
princípios higiênicos a serviço da nação, a fim de civilizar os considerados degenerados e por
meios pedagógicos instituir uma consciência sanitarista e higiênica, considerada necessária à
população, em particular, a camada social preta e consequentemente as mais pobres.
Por meio dessa concepção, em parceria com as elites dominantes, a Instituição
Norte Americana introjetou e encontrou campo fértil para os princípios eugênicos no Brasil,
principalmente no período entre 1918 a 1945 em São Paulo. Esse empreendimento deu
origem à primeira Escola sistematizada de formação de Enfermeiros no Brasil. Primeiramente
em 1925 as profissionais eram reconhecidas como Educadoras Sanitária e, em 1942,
definitivamente como Enfermeiras de Saúde Pública. Interessa-nos nesse sentindo, identificar
e compreender até que ponto esses princípios eugênicos configuram até nos dias atuais na
formação dos profissionais em saúde em particular do profissional enfermeiro e, em que
medida tem implicado diretamente no processo de cuidado de pacientes negros.
Em estudo recente de doutorado intitulado"Análise da produção do
conhecimento em eugenia na Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn) entre os anos de 1932
e 2002", destacando três ênfases na expressão do termo eugenia na REBEn: conceituação e
objetivos (1931-1951); conflitos éticos, legais e morais (1954-1976) e eugenia como tema de
início do século XX (1993-2002), o autor conclui que a enfermagem não tem sinalizado
alterações concretas na racionalização das atividades de pesquisa, ensino e assistência (MAI,
2004). Nesse sentindo infere-se apontar que os currículos que norteiam as práticas
pedagógicas para formação de profissionais enfermeiros podem estar de certa forma, implícita
com conteúdos de princípios eugênicos, constituindo em uma das limitações para a
aprendizagem da ciência do cuidar, principalmente quanto se trata a respeito de cuidar de
pacientes negros.
Ao discutir currículo e cultura e posteriormente currículo e poder, Moreira e Silva
(1995, p. 28) descreve que [...] "o currículo não é o veiculo de algo a ser transmitido e
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura."
Posteriormente os autores enfatizam que [...] "o currículo é expressão das relações sociais de
poder".
Nesse contexto é de reconhecimento que os currículos de formações nas
instituições de ensino não tem se constituído com conteúdos que abordem educação étnicoracial. O pensamento social brasileiro sobre raça e racismo é compartilhado e vivenciado nesse
espaço sem qualquer esforço de superá-lo, mesmo após a Constituição Federativa do Brasil/88
ter conteúdos de promoção da igualdade racial e dez anos do surgimento da Lei nº 10.639/03,
bem como a Resolução CNE/CP 01/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, ainda é percentual pequeno as ações e efetividades dos objetivos proposto em
conjunto.
Fazendo uma análise retrospectiva do processo histórico social, político,
econômico e intelectual em que se configurou o racismo no Brasil nas últimas décadas do
século XIX e percorreu metade do século XX, encontramos o emprego de raça em todos os
setores da sociedade, racionalizada e disseminada em uma ideologia eugênica. Não diferente,
as ciências médicas teve importância relevante nesse aspecto e o conceito de raça também é
compreendido baseando na “superioridade da raça branca" e "inferioridade da raça negra".
Stepan (2005), pesquisadora sobre a eugenia, define que em termos prático a
teoria eugênica encorajou a administração cientifica e "racional" da composição hereditária da
espécie humana. Para essa autora houve também a introdução de novas ideias sociais e
políticas inovadoras e potencialmente explosivas na America Latina.
Na construção da concepção da nação brasileira, nesse período, não houve
espaço idealizado para a população dos alforriados e descendentes de escravos, por outro lado
o Brasil não poderia negar que a população constituía-se de uma população majoritariamente
negra. Ideologicamente iniciou-se um processo político compreendido como branqueamento
da população brasileira baseado na mestiçagem biológica e imigração européia. A mestiçagem
foi ao mesmo tempo um projeto de manobra para limitar os conflitos entre raças, ao mesmo
tempo fortalecer o mito da democracia racial, por outro lado os espaços sociais
hierarquicamente já estavam definidos pelas teorias raciais (SKIDMORE, 2012).
Segundo Stepan (2005), a eugenia envolveu proposta de extermínio gradativo de
povos considerados inferiores, desencorajando ou evitando que os inadequados transmitissem
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
suas qualidades de inferioridade a gerações futuras. Para Schwarcz (1993, p. 60) foi [...] "um
ideal político que se converteu em uma espécie de prática avançada do darwinismo social".
Didaticamente, Müller (2011) descreve como as teorias científicas racialistas
foram aceitas ideologicamente na construção da sociedade brasileira, detalhando cada
momento histórico da população. A autora enfatiza que a elite branca da sociedade a partir da
metade do século XIX, iniciou uma profunda mudança a respeito sobre a heterogeneidade e
cultura étnica da população e adaptaram no país teorias racistas produzidas na Europa e nos
Estados Unidos baseada em uma suposta hierarquia entre as raças, considerando os povos
negros como inferiores.
Nesses aspectos, Damatta (1987) enfatiza que as doutrinas determinantes sempre
estiveram à frente de outros conhecimentos científicos e em relação ao racismo, ela
repercutiu no campo das ciências eruditas e popular. Para esse autor, a consciência e a
compreensão dos indivíduos em sociedade, as relações que estabelecem em grandes partes
são reflexo de concepções ideológicas herdadas dessas ciências.
Para Monteiro e Maio (2008, p. 121), "as interfaces entre raça, medicina e saúde
pública estiveram em voga entre as últimas décadas do século XIX e os anos 40 do século XX,
enquanto fontes inspiradoras de políticas públicas". Nos dias atuais, o campo científico, a
legislação e a política pública brasileira têm avançado sobre os aspectos étnico-racias, mas o
pensamento social brasileiro herdado sobre raça ainda é um fator que reproduz, em primeira
ordem, nos espaços da sociedade desigualdades. As iniquidades em saúde provocadas pelo
racismo tem se legitimado nos espaços de saúde e são um fenômeno corriqueiro.
Encontramos na publicação do livro Saúde da População Negra (2012), de
pesquisadores associados à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), pesquisas
que nos norteiam e melhoram nossa compreensão sobre a saúde da população negra. As
pesquisas assinalam o quadro de vulnerabilidade de saúde em todo o ciclo de vida de
indivíduos dessa população brasileira, ocasionada pelo racismo e apresentam algumas
iniciativas e as dificuldades de implementação de políticas de atenção à saúde da população
negra, bem como o conceito de raça, que tem sido nos últimos anos, mesmo que insuficiente
devido ao seu impacto na saúde da população negra, incorporado como determinantes sociais
de saúde da população.
Estudos de Gomes (2005, p. 146), em uma tentativa preciosa, explica a percepção
dos nossos valores em relação ao negro e reporta o quanto é profundo as razões que nos
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
fazem pensar e agir de forma racista. Aponta que [...] "a discussão sobre a questão racial está
ligada a um terreno delicado, as nossas representações e os nossos valores sobre o negro".
Cordeiro e Ferreira (2009), ainda afirmam que as modalidades pelas as quais a
discriminação se expressa na área de saúde nunca são diretas e evidentes, estão envolvidas
nas teias das relações sociais e econômicas que estruturam e determinam o processo saúdedoença, sendo eles determinantes diretos ou indiretos.
Nos espaços de saúde por meios dos profissionais em saúde o racismo
institucional é o desencadeador das iniquidades em saúde da população negra. As
representações herdadas e mantidas das teorias raciais permeiam no imaginário desse público
assim como da sociedade brasileira. [...] "A raça na cabeça das pessoas é um grupo social com
traços culturais, lingüísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao
grupo a qual ele pertence" (MUNANGA, 2006, p.6).
Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), as
manifestações do racismo nas instituições são verificadas por meio de normas, práticas e
comportamentos discriminatórios naturalizados no cotidiano de trabalho resultantes da
ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer
situação, o racismo institucional restringe o acesso das pessoas, de grupos raciais ou étnicos
discriminados aos benefícios gerados pelo Estado e pelas instituições/organizações que o
representam (BRASIL, 2011).
As instituições de assistência em saúde e de formação de quadros de profissionais
para a saúde estão configuradas nessas concepções e não há rompimento desse sistema de
ideias raciais no processo de aprendizagem da ciência do cuidar. As instituições de ensino em
muitos casos vivenciam e corroboram do racismo e o sustenta. O cuidado, essência de ser dos
profissionais enfermeiros além das particularidades de materializa-se nos espaços de ensino,
nas práticas profissionais, como debatido e pesquisado por Waldow (2001), tende a ser mais
resistentes, circunscritos pelo racismo como subentendemos no estudo de Mai (2004), ao
ressaltar a produção científica da enfermagem e a proximidade de conceitos eugênicos.
Diante desse enigma surgem alguns questionamentos sobre prática de ensino de
profissionais em saúde em particular dos profissionais enfermeiros docentes que desenvolvem
a ciência do cuidar e contextualizam na assistência como método de ensino. Como tem se
configurado os currículos de formação para o processo de aprendizagem da ciência do cuidar?
Nessa mesma perspectiva, como o exercício da ciência do cuidar tem-se configurado nas
relações entre paciente e profissionais, nesse caso, enfermeiro e pacientes negros? As
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
dimensões que ocorrem as relações de cuidados em saúde à pacientes negros são
compreendidas em quais dimensões pelos profissionais enfermeiros docentes e discentes do
curso de enfermagem no processo de aprendizagem?
Compreendendo que um dos aspectos desafiadores ao cuidado humano esta
vinculado ao racismo, há possibilidades de superá-lo? Superando, o cuidar, tornaria mais
simplificado, seria assimilado e incorporado, possibilitando ser exercitados pelos profissionais
para além de pacientes negros, com particularidades estética e ética, enquanto campo de
ciência, vislumbrada no cuidar pelos profissionais enfermeiros? Quais as contribuições para
além das relações étnico-raciais resultariam para a sociedade brasileira em geral, se o quadro
de profissionais em saúde/enfermagem rompesse com as ideologias raciais em sua
aprendizagem e praticassem um cuidado que se espera? "Cuidado como valor imperativo
moral, sensibilizador. O cuidado humano como um processo de empoderamento, de
crescimento e de realização de nossa sociedade" (WALDOW, 2001, p.191).
O estudo será realizado do Município de Cuiabá-MT no período de janeiro de
2013 a abril de 2014. Devido o acompanhamento do grupo de sujeitos de pesquisa em
momentos específicos,
a pesquisa será desenvolvida em dois locais, primeiramente na
Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Cuiabá - Curso de Graduação
em Enfermagem, seguindo posteriormente para o Hospital Público Universitário da UFMT para
a coleta de dados dos sujeitos envolvidos no processo de estágio obrigatório, momento este
considerado de extrema importância no processo de ensino-aprendizagem da ciência do
cuidar em enfermagem e devido a necessidade de observar como docentes e discentes do
curso de enfermagem se relacionam nesse processo ao cuidar de pacientes negros.
A escolha pelos locais da pesquisa justificam-se por duas questões: primeiro é no
ambiente hospitalar que os sujeitos da pesquisa relacionaram mais intensamente e por mais
tempos juntos. Segundo, é geralmente nesses espaços onde os pacientes estão mais
dependentes de cuidados. Nesse caso, apesar de os docentes e discentes cumprirem um carga
horário menor, regido pelas normas de estágio, é nesse processo de assistência um espaço
também para aprendizagem do cuidar. Em relação aos espaço da Universidade na coleta de
dados sobre o currículo, é justamente por meio do currículo que em boa parte
compreenderemos a elaboração do conceito da ciência do cuidar.
Em relação à escolha pelos sujeitos da pesquisa, a mesma ocorreu à medida que,
compreendermos que é nessa relação de aprendizagem (docente e discente) um dos
mecanismos que se materializa o profissional enfermeiro.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Em relação à escolha pela profissão enfermagem, justificamos por esse
profissional atuar 24 horas na assistência de cuidado ao paciente. É o profissional que
supervisiona as atividades do cuidar e é o agente na formação de toda a equipe de
enfermagem, além de atuar ativamente na administração de todo processo que envolve o
cuidar em uma unidade de saúde.
Também é esse profissional que desenvolve pesquisas sobre a área de atuação, e
entre os objetos de pesquisas, o cuidar tem sido particularmente investigado. Consideramos
ainda que é por meio da ciência do cuidar que o processo de humanização é idealizado [...]
"Trata-se da valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e
gestão no SUS" (BRASIL, 2004). Nesse caso, para além da formação dos profissionais em
enfermagem, o quadro de profissionais em saúde, tem em suas afinidades na aprendizagem,
no campo de atuação da assistência e da pesquisa em saúde, o cuidar humano como
incumbência reveladora, ou ao menos deveria ser.
Considerações preliminares
A analise e compreensão do racismo e seus desdobramentos na sociedade
brasileira, em particular, no campo das ciências biomédicas/enfermagem constituem em
grandes desafios. As implicações originam diante da complexidade e dimensão em que se
configura o racismo na sociedade brasileira, ademais há negação e omissão do racismo pelos
profissionais da saúde, compactuado do pensamento social brasileiro de uma ideia de
democracia racial.
Compreender o cenário que ocorrem as relações de cuidados em saúde entre
enfermeiro e pacientes negros em regime hospitalocentrico, e como a formação desses
profissionais tem contribuído para legitimar essa relação faz-se necessário à medida que as
práticas de racismo pelos profissionais em saúde tem sido decisivo no processo de viver ou
morrer de indivíduos considerados da população negra. Por outro lado, o reconhecimento e a
compreensão do racismo na área da saúde/enfermagem, e as interfaces que se da no processo
de aprender o cuidado como uma ciência legítima da enfermagem poderá conjeturar no saber
pensar/fazer/ser/conviver em saúde desse profissional. Ademais essa pesquisa poderá
contribuir para formação de profissionais em saúde/enfermagem e refletirá em melhor
qualidade de atendimento e acolhimento em saúde para população negra e certamente
desdobrará para os também não negros e servirá de mais um instrumento de combate ao
racismo.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Até o presente momento da pesquisa, percebe-se que as configurações em que
foram germinadas as ciências biomédicas no Brasil, em boa parte, estão configuradas e
centralizadas em ideologias eugênicas, e a enfermagem tem conservado, aparentemente, até
os dias atuais elementos dessa ideologia na aprendizagem do cuidar, e este pode estar, em
certas medidas dificultando no processo de cuidar de pacientes negros, configurando em
prejuízo a essa camada da sociedade brasileira.
.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA CURRICULAR DA EJA EM
ALAGOAS: UM DIÁLOGO COM A LEI 10.639/2003
IRANI DA SILVA NEVES
[email protected]
VALÉRIA CAMPOS CAVALCANTE
[email protected]
RESUMO
Neste artigo pretendemos apresentar a proposta de elaboração curricular da EJA da Secretaria
de Estado da Educação e do Esporte de Alagoas. Considerando os atuais índices educacionais
do Estado e da precariedade em relação à oferta na modalidade da Educação de Jovens e
Adultos (EJA), a Gerência de EJA vem empreendendo esforços para garantir o acesso dessa
população à Educação de qualidade, nesse sentido, para o estabelecimento de uma política
educacional que realmente atenda aos interesses desse público há que se
implementar/reelaborar a proposta curricular especifica para a modalidade. A proposta aqui
apresentada pretende garantir ao trabalhador e à trabalhadora da EJA a elevação da
escolaridade e as condições da continuidade de aprendizagens, mediante estudo das diversas
áreas de conhecimento, tomando a realidade cultural e natural como objeto de
pesquisa/estudos, auxiliando os sujeitos da EJA numa construção de identidade, considerando
suas histórias de vida reais e experiências vividas. Compreendendo ainda que o maior
contingente de educandos da EJA, em Alagoas, são indivíduos negros ou afrodescendentes
que sofrem as desigualdades e discriminações, essa proposta curricular traz como orientação a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura Afro-Brasileira e Africana, nas escolas públicas
da EJA.
Palavras-chave: Proposta curricular, EJA, Identidade, Cultura
ABSTRACT
This article aims to present the proposal to develop the curriculum of EYA Ministry of
Education and Sports of Alagoas. Considering the current state of educational indicators and
insecurity in relation to the offer in the form of Youth and Adults ( EJA ), the management of
adult education has been making efforts to ensure that population access to quality education
, in this sense , for the establishment of an educational policy that truly meets the interests of
this audience we must implement / redesign the curriculum specific to the sport . The proposal
presented here is meant to guarantee the worker and the worker 's EJA raising the educational
level and the conditions of continuity of learning through study of various areas of knowledge ,
taking the cultural and natural as a research / studies , assisting subjects EJA in identity
construction , considering their real life stories and experiences . Further comprising the
largest contingent of students of EJA in Alagoas are blacks or African descent who suffer
inequality and discrimination , such as guidance curriculum brings the compulsory teaching of
history and culture Afro - Brazilian and African , in public schools EJA .
Keywords: Proposed curriculum , EJA , Identity , Culture
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
APRESENTAÇÃO
A Gerencia de EJA, da Secretaria Estadual de Educação de Alagoas, diante dos atuais
índices educacionais do Estado e da precariedade em relação à oferta do Ensino Fundamental
e do Ensino Médio na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), vem empreendendo
esforços para garantir o acesso dessa população à Educação Básica, uma vez que necessita
disponibilizar a educação escolar a esse público que lhes possibilite a inserção satisfatória na
atual sociedade excludente, conforme determina o art. 208 da Constituição Federal e o inciso
VII, art.4º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº9394/1996, as
Diretrizes Curriculares da EJA, (2001), já garantido no Plano Estadual de Educação de Alagoas
(PEE/AL).
Nesse sentido, para o estabelecimento de uma política educacional que realmente atenda
aos interesses desse público há que se implementar/reelaborar a proposta curricular
especifica para a modalidade que se considere nessa proposta as três funções garantidas nas
Diretrizes Curriculares da EJA:

Função reparadora diz respeito não só ao direito a uma escola de qualidade, mas
também ao reconhecimento do direito subjetivo de igualdade para todos. A negação
deste direito resultou na perda do acesso a um bem real, social e simbólico;

Função equalizadora atende aos trabalhadores e a outros segmentos sociais, tais
como: donas de casa, migrantes, aposentado/a(s) e privado/a(s) de liberdade. A
reentrada no sistema educacional dos que forçadamente tiveram uma interrupção
dos estudos pela repetência ou evasão, resultado de desigualdades sociais, deve ser
reparada, mesmo que tardiamente, possibilitando novas oportunidades no mundo do
trabalho e na vida social.
 Função permanente ou qualificadora da EJA propicia a todos a atualização de
conhecimentos. Essa função é o próprio sentido da EJA, pois Superintendência de
Políticas Educacionais, através da Diretoria de Educação Básica Diretoria das
Modalidades e Diversidades da Educação Básica compreende o caráter incompleto do
ser humano como um potencial para o desenvolvimento, a adequação e a atualização
em espaços escolares ou não.
Pensar numa construção de EJA em Alagoas significa contextualizá-la num cenário de
profundas desigualdades sociais, arraigadas num modelo de desenvolvimento onde prevalece
a idéia de que não interessa um serviço público que só enfatize ou erradique o analfabetismo,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
mas crie mecanismos de uma educação pública e de qualidade para um contingente
significativo da população rural e urbana que durante décadas foram excluídos do sistema
regular do ensino oficial.
A reverência e o respeito público a este segmento merecem uma atenção e uma
postura ética e de dignidade de uma educação popular, de abordagem construtivistainteracionista que veja nos jovens e nos adultos, homens e mulheres trabalhadores com
histórias de vidas, práticas sociais não só presentes no mundo do trabalho, mas convivendo
com dificuldades, com um mercado que altera com velocidade surpreendente o perfil dos
trabalhadores (as) numa economia globalizada, expressa nas hierarquias desiguais das áreas
sociais e econômicas, que não cabe mais aos trabalhadores (as) conviverem sem o domínio do
código escrito para situarem-se nas mudanças bruscas do modelo econômico ou mobilizaremse com naturalidade nos cotidianos gestos de sentir-se e exercer direitos sociais conquistados
na luta por uma vida digna e de qualidade.
Neste sentido, a efetivação de uma proposta curricular coerente com a realidade da
EJA em Alagoas, necessitam ocorrer através de uma concepção metodológica de avaliação e
currículo que valorizem o conhecimento, a produção e a socialização dos conhecimentos dos
sujeitos, deve-se, portanto, construir a contemporaneidade de uma EJA em Alagoas marcada
pela criatividade, por sonhos e utopias que humanizam educadores (as) e educandos.
Devendo, para tanto, ultrapassar as barreiras de conteudismo e encontrarmos o lugar mais
adequado para a construção de conceitos, determinando aos conteúdos o lugar de meio e não
fim do (e no) processo de ensino aprendizagem em EJA.
Estudos recentes vêm mostrando a importância de se repensar o currículo, levando
em consideração o conhecimento das vidas dos/as alunos/as, sujeitos de aprendizagem. E esse
conhecimento surge da prática social e educativa. Silva (2005) faz uma discussão sobre as
teorias do currículo, das quais aprofundaremos as reflexões sobre a teoria crítica. O autor
afirma que para se refletir sobre alguma teoria do currículo, é preciso entender qual tipo de
conhecimento deve ser ensinado, quais questões essas teorias buscam responder. O currículo,
como afirma Silva (2005, p.15): “é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais
amplo de conhecimentos e saberes selecionado aquela parte que vai construir precisamente o
currículo”.
Conhecendo essa realidade, o texto aqui proposto se organizará metodologicamente
da seguinte maneira: I. indentidade e currículo da EJA em Alagoas, II. História e Cultura Afrobrasileira no espaço da escola: o trato com a questão Racial.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
1. INDENTIDADE E CURRÍCULO DA EJA EM ALAGOAS
Mesmo havendo uma certa procura em direção a escolaridade no Estado de Alagoas
percebemos que ainda existe muitos analfabetos totais e funcionais no Estado, basta
avaliarmos índices nacionais e compararmos com os do Estado e os da capital, do município de
Maceió: O analfabetismo acima de 10 anos é de 22,5%, quase três vezes a média nacional que
é de 9,02%, (IBGE, 2010); e o IDEB publicado em 2012 referente ao 5º ano do Ensino
Fundamental, permanece sendo o mais baixo do Brasil com 2,9.
Um dos principais fatores que cooperam para que essa realidade não mude no Estado
é que a proposta curricular do Estado, para a modalidade está obsoleta, sendo desconhecida
da maioria dos educadores da EJA, desta maneira, estes profissionais acabam utilizando em
sua prática pedagógica conteúdos descontextualizados da realidade dos sujeitos.
Essa realidade nos indica a necessidade de reestruturarmos o currículo das nossas
escolas, com uma nova perspectiva de romperemos com a política de implantação de um
currículo baseado na cultura dominante, predeterminado imposto de cima para baixo, que
tenta a todo custo atender as necessidades do mercado de trabalho, sem levar em conta a
realidade e as dificuldades dos principais interessados no processo no educacional – os
educandos.
Diante desta ausência, percebe-se ao visitarmos algumas escolas que ofertam EJA no
Estado que o trabalho realizado para esse público continua acontecendo numa perspectiva
compensatória, desta forma, prevalece, na maioria dessas instituições, a incorporação de um
currículo oculto, no qual é ensinado pontualidade, asseio e subserviência ( Apple 1989. p.83).
Conhecendo essa problemática
a Superintendência de Políticas Educacionais de
Alagoas, mais especificamente através da gerência de EJA, decide reformular a proposta
curricular existente para EJA, uma vez que ao analisarmos este documento percebemos que a
mesma não contempla questões
referentes a diversidade cultural e identitária dos
sujeitos/alunos da EJA. Este projeto está alicerçado nos conceitos Freireanos, é uma proposta
que pretende trazer a tona toda discussão atualizada sobre a EJA, conceitos, currículo, sujeitos,
acesso e permanência, bem como, a legislação especifica que norteia o trabalho com a
modalidade no país, e mais especificamente no Estado de Alagoas.
Compreendemos que com essa proposta curricular auxiliaremos os professores da EJA
a superarem a visão, muitas vezes limitadora e preconceituosa, de que os educandos da EJA
não conseguem aprender, “tem muita dificuldade” ou que “não querem nada”, da mesma
maneira, estaremos implantando no Estado uma política de formação continuada que nos
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
possibilite construir nas escolas uma prática educativo-crítica para o público da EJA, conforme
nos indica Freire ( 2002. p. 79), quando ele nos aconselha que: “Em nome do respeito que devo
aos alunos não tenho por que me omitir, por que ocultar a minha opção política, assumindo
uma neutralidade que não existe”.
No entanto, isso só acontecerá quando enxergamos nossos educandos como sujeitos
históricos que necessitam aprender não só para aceitar tudo passivamente, mas que precisam
aprender para “interferir” mudando a sua realidade, transformando as atuais escolas em
ambiente de reflexão, para podermos romper com a visão tradicional da “educação bancária”.
Uma vez que para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo
programático da educação não é uma adoção ou uma imposição - um conjunto de informes a
ser depositados nos educandos - mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao
povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 2005, ).
Ao avaliarmos
a realidade acima apresentada, percebemos a urgência de uma
mudança nos currículos de nossa escolas públicas. Entendemos que a melhor alternativa
metodológica para uma prática educativa reflexiva é seguirmos uma postura dialógicoinvestigativa, pois, pretendemos criar condições para despertar nos educandos uma postura
que seja, da mesma maneira dialógica e transformadora. Sobretudo considerando a realidade
dos educandos.
Os Jovens e Adultos que frequentam as turmas da EJA, em Alagoas são pessoas que
possuem conhecimentos adquiridos na vida cotidiana, através das experiências com familiares,
comunidade, mundo do trabalho, e em saídas e entradas da escola. Podem ser caracterizados
de acordo com a visão de Freire (2001), como pessoas que possuem uma leitura de mundo
que antecede a leitura da palavra. Entretanto, muitas vezes, as experiências anteriores e os
conhecimentos prévios desses alunos são simplesmente apagados ao chegarem à escola.
Em geral, esses sujeitos voltam à escola reconhecendo que o aprendizado alcançado
anteriormente, de maneira formal ou informal, não lhes garantiu a independência e a inclusão
desejada numa sociedade competitiva e excludente. Observam, portanto, que seus níveis de
leitura e de escrita os colocam sempre em posição de desvantagens perante aqueles que
dominam essas habilidades. Sendo assim, apresentam o sentimento de incapacidade e
incompetência diante da aprendizagem. Entretanto, a escola finge não enxergar essa realidade
e tentam impor um currículo padrão, desrespeitando a diversidade em nome da
competitividade.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Em seus depoimentos os educandos afirmam que o retorno à escola deve-se à
imposição do mercado de trabalho e, para outros, há o desejo de adquirir as habilidades
básicas de leitura e escrita. Segundo esses mesmos alunos, entre os adultos prevalece a
ansiedade em adquirir as habilidades de leitura para, sozinhos, realizarem a leitura dos livros
religiosos (a exemplo a Bíblia), conseguir “pegar” ônibus sem necessitar de ajuda de outras
pessoas, ler extratos bancários, ler receitas culinárias, enviar e receber mensagens no celular.
Entre outros, para os jovens e adolescentes a necessidade mais urgente em relação à
aquisição da leitura é o desejo da elevação da escolaridade para o ingresso no mercado de
trabalho. Os jovens da EJA veem na escolarização, através da leitura, a possibilidade de
ascensão profissional e pessoal. Assim, esses demonstram grande interesse por diferentes
práticas de leitura. Muitos deles são oriundos de famílias analfabetas, por isso esperam que as
instituições lhes possibilitem a apropriação da leitura para usá-la no dia-a-dia ou no mundo
trabalho, exercendo melhor seus papéis na sociedade.
Esses indivíduos são, em grande maioria, vítimas da indiferença, do desemprego e do
descaso, socialmente estigmatizados e excluídos, e muitas vezes, vítimas ou envolvidos em
casos de violência. Na escola, como nos chama atenção Andrade (2004), de maneira geral são
tratados como uma massa de alunos, sem identidade, qualificados sob diferentes nomes:
repetentes, evadidos, defasados, relacionados diretamente ao chamado "fracasso escolar".
São oriundos da periferia – os “fugitivos da seca” que assola a zona rural. Acreditamos
que isso se deva a quase inexistência de políticas públicas que gerem empregos e rendas para
a população do Estado e do município, tanto na zona urbana como na rural. Esses educandos
e educandas se autodeclaram de cor branca e de religião católica. Isso ocorre porque esses
sujeitos não reconhecem suas diversidades culturais e sociais, pois desde sempre a escola
impôs um currículo único, no qual não é respeitada nem a diversidade cultural, nem a
realidade dos educandos, como Giroux (1988, p. 63, 64) nos alerta: Suas peculiaridades,
contradições e a qualidade do que é vivido ficam dissolvidas sob a ideologia do controle e do
gerenciamento. Em nome da eficiência, os recursos e a riqueza das histórias de vida dos
estudantes são ignorados.
Grande parte desses educandos já frequentou escolas em horário diurno durante anos,
tendo uma história escolar marcada por múltiplas reprovações, o que faz com que cheguem à
EJA como alunos marcados pelo fracasso. Por conta da idade avançada, mais de 15 anos,
acabam sendo empurrados para a referida modalidade. Dessa maneira, podemos observar
uma enorme demanda de jovens com idade entre 15 e 18 anos frequentando o ensino
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
noturno. Alguns deles não se escolarizaram no tempo considerado devido por terem sido
obrigados a realizar trabalhos infantis/escravizados no período de infância.
A maioria de suas famílias vivem abaixo da linha da pobreza, sentindo-se vítimas do
alto índice de discriminação e preconceito a que são submetidos quando estão fora de suas
comunidades, já que, muitas vezes, para conseguir empregos, realizar compras, entre outros;
necessitam omitir seus endereços. Essa difícil realidade faz com que esses indivíduos se
percebam excluídos e discriminados, pois a todo momento a sociedade, com seu poder,
auxiliada pela mídia, enfatiza a inferioridade de moradores de favelas ou grotas, afirmando
que eles são desocupados e perigosos.
Entretanto, esse processo ideológico não ocorre de forma explícita, ao contrário,
acontece de forma camuflada, penetra no discurso e vai aos poucos sendo disseminado na
sociedade sem resistência, quando percebemos já se tornou senso comum. Sendo assim, nós
que realizamos a educação do país temos a obrigação de transformar as atuais escolas em
ambiente de reflexão, para podermos romper com a visão tradicional da “educação bancária”.
Principalmente, em nossas escolas públicas onde os alunos pertencem a classe menos
favorecida.
II.
História e Cultura Afro-brasileira no espaço da escola: o trato com a questão
Racial
Percebemos que a escola pública em Alagoas ainda é omissa no trato das questões
raciais dentro do seu espaço, seja pelo fato de desconsiderar o problema, tratá-lo de forma
menor ou mesmo fingir que essas questões não existem. Os acontecimentos sobre casos de
discriminação racial nas escolas evidenciam a existência do problema racial nesse espaço,
reproduzindo o que já acontece na sociedade, perpetuando assim, desigualdades de
tratamento. Isso reforça que “Em muitas escolas públicas, a diversidade racial permanece
diluída no cotidiano escolar, como se não constituísse aspecto importante para alunos e
alunas.” (CAVALLEIRO, 2001, p.148).
Mesmo com toda a dificuldade em Alagoas ignora-se as especificidades dos
educandos, o que prevalece na grande maioria das escolas da rede pública é justamente a
incorporação de um currículo oculto no qual é ensinado pontualidade, asseio e subserviência,
como afirma Apple (1989. p.83):
Vemos as escolas como um espelho da sociedade, especialmente o currículo
oculto das escolas. A “sociedade” precisa de trabalhadores dóceis; as
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
escolas através de suas relações sociais e de seu currículo oculto, garantem
de alguma forma a produção dessa docilidade. Trabalhadores obedientes no
mercado de trabalho são espelhados no “mercado das idéias” da escola.
Além de refletirmos sobre essas considerações, nós que fazemos a EJA em Alagoas
necessitamos agir frente às necessidades apresentadas, iniciemos repensando o currículo das
nossas escolas, Essa nova postura não solucionará todos os problemas dos alunos e da escola,
mas ao menos romperemos com a política de implantação de um currículo baseado na cultura
dominante, predeterminado imposto de cima para baixo, que tenta a todo custo atender as
necessidades do mercado de trabalho, sem levar em conta a realidade e as dificuldades dos
principais interessados no processo educacional, os alunos.
Sendo assim, entendemos que a melhor alternativa metodológica para uma prática
educativa reflexiva na EJA é seguirmos uma postura dialógico-investigativa, pois, pretendemos
criar condições para despertar no educando uma postura que seja, da mesma maneira
dialógica e transformadora. Por acreditarmos que essa alternativa metodológica nos
possibilitará uma prática educativa que nos aproxime de nosso educandos, a Gerência de EJA
está propondo a elaboração de uma proposta pedagógica para a EJA do estado, estabelecendo
uma relação dialógica com a realidade dos sujeitos EJA, como afirma Silva (2005. p. 54).
A escola e o currículo devem ser locais onde os estudantes tenham a
oportunidade de exercer as habilidades democráticas da discussão e da
participação, de questionamento dos pressupostos do senso comum da vida
social. Por outro lado, os professores e as professoras não podem ser vistos
como burocratas, mas como pessoas ativamente envolvidas nas atividades
da crítica e do questionamento, a serviço do processo de emancipação e
libertação.
Assim, é indispensável que as escolas da EJA discuta coletivamente
para discutir a
concepção de currículo que se pretende adotar, mas que considerem, ainda, neste processo a
proposta curricular elaborada pela Secretaria Estadual de Educação toma como referencia as
Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA, o Plano Estadual de Educação e toda legislação
vigente no país para a modalidade.
Nesse sentido, Moreira e Candau (2008,p.24), afirma que:
§ Uma Base Nacional Comum, com a qual se garante uma unidade nacional,
para que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos mínimos
necessários ao exercício da vida cidadã. A Base Nacional Comum é,
portanto, uma dimensão obrigatória dos currículos nacionais e é definida
pela União.
§ Uma Parte Diversificada do currículo, também obrigatória, que se compõe
de conteúdos complementares, identificados na realidade regional e local,
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
que devem ser escolhidos em cada sistema ou rede de ensino e em cada
escola. Assim, a escola tem autonomia para incluir temas de seu interesse.
[,,,] É através da construção da proposta pedagógica da escola que a Base
Nacional Comum e a Parte Diversificada se integram. A composição
curricular deve buscar a articulação entre os vários aspectos da vida cidadã
(a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente, o trabalho,
a ciência e a tecnologia, a cultura, as linguagens) com as áreas de
conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia,
História, Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Educação
Religiosa).
Assim, propõem-se uma proposta que considere a base comum nacional, mas que
possibilite a elaboração de um currículo interdisciplinar, próprio da escola, via abordagem
temática, através de uma formação permanente, que visa desencadear junto ao corpo docente
da escola um posicionamento crítico-prático, tomando como foco primordialmente uma
educação que considere as relações étnico-raciais como salienta Silva, P. (2007, p. 489):
A educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos,
mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no
exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver,
pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnicoraciais e sociais. Em
outras palavras, persegue o objetivo precípuo de desencadear
aprendizagens e ensinos em que se efetive participação no espaço público.
Isto é, em que se formem homens e mulheres comprometidos com e na
discussão de questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e
valorizar visões de mundo, experiências históricas, contribuições dos
diferentes povos que têm formado a nação, bem como de negociar
prioridades, coordenando diferentes interesses, propósitos, desejos, além
de propor políticas que contemplem efetivamente a todos.
Assim, percebemos que a escola tem como característica ser um espaço de conflito no
qual, crianças, adolescentes e adultos, negros/as, sentem dificuldades de construir de maneira
positiva sua identidade e auto-estima. A identidade se dá pelo reconhecimento positivo ou
negativo que o outro faz de cada um de nós, influenciando como nos percebemos e como
percebemos o grupo a que pertencemos. Segundo Brandão (1986):
as identidades são representações inevitavelmente marcadas pelo
confronto com o outro: por se ter estado em contato, por ser obrigado a se
opor, a dominar ou ser dominado, a tornar-se mais ou menos livre, a poder
ou não constituir por conta própria o seu mundo de símbolos e, no seu
interior, aqueles que qualificam e identificam a pessoa, o grupo, a minoria, a
raça, o povo. Identidades são, mais do que isto, não apenas o produto
inevitável da oposição por contraste, mas o reconhecimento social da
diferença.
Em sua tese Franco (2008) afirma que “muitas vezes o aluno só se descobre enquanto
negro, no momento da relação com o outro (vizinho, colega, professor), no momento em que
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
as diferenças são estabelecidas.” Desta forma, nas relações sociais estabelecidas, família,
comunidade, amigos/as se constrói uma identidade pessoal. Percebe-se que a idéia que o
sujeito faz de si mesmo é intermediada pelo diálogo com o outro. Como afirma Gomes (2005,
p. 9):
É nesse sentido que entendo identidade negra como uma construção social,
histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de diálogos. Ela
implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que
pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da
relação com o outro.
No conceito de diferença usaremos Silva (2005, p. 88):
Do ponto de vista mais crítico, as diferenças estão sendo constantemente
produzidas e reproduzidas através de relações de poder [...]. Na medida em
que elas estão sendo constantemente feitas e refeitas, o que se deve
focalizar são precisamente as relações de poder que presidem sua
produção.
Diferença que a escola precisa reconhecer e respeitar, pois no seu interior há
diferentes experiências sócio-culturais e que refletem diversas formas de inserção social: há
empregados/as formais/informais, desempregados/as, jovens que não conseguiram seu
primeiro emprego. Para entendermos currículo usaremos a definição de Silva, (2004, p. 57):
O currículo escolar é entendido não mais como um rol de conhecimentos
preestabelecidos por diferentes disciplinas e presumivelmente indiscutíveis
e imparciais, mas como uma escolha intencional de concepções de mundo,
de valores e de homem que, em um determinado momento histórico,
seleciona práticas sociais atendendo a interesses que nem sempre são
explícitos e conscientes, preservando tradições culturais e de classes sociais,
com a perspectiva de legitimar e perpetuar organizações socioculturais
hegemônicas e ratificando o “capital cultural” coadunado a um “currículo
oculto”.
Entendemos, assim que o currículo escolar deve proporcionar aos sujeitos o
enfrentamento dos problemas e injustiças da vida cotidiana. As salas de aula têm que ser
espaço em que os homens e mulheres sejam estimulados/as a criticar, questionar todas as
informações que entrem em contato.
Analisando o que fora acima citado a gerência de EJA, da Secretaria do Estado de
Educação e do Esporte percebe a urgência de se implementar nas escolas da EJA, da rede
estadual uma proposta curricular que traga para toda comunidade escolar um conhecimento
aprofundado da diversidade como um todo e mais especificamente da diversidade étnicoracial.
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Esse processo pretende-se que aconteça de maneira coletiva, com momentos de
estudos por área, nos quais os professores da Rede Estadual poderão construir um curricular
interdisciplinar por área do conhecimento, acreditamos que
assim
esses profissionais
conseguirão auxiliar os educandos a superarem a visão ingênua que eles possuem em relação
aos principais problemas vivenciados no seu cotidiano.
Não é possível haver uma experiência pedagógica, desvinculada das questões
culturais, educação e cultura não podem ser analisadas desvinculadas. Na atualidade a cultura
não deve ser ignorada no espaço escolar, pois cairemos no erro de nos distanciarmos dos
universos simbólicos, dos sujeitos inseridos nos espaços escolares.
No Brasil a questão multicultural se apresenta de maneira diferenciada, onde a história
dos grupos indígenas e afrodescendentes acontecem de forma dolorosa e trágica. Como
afirma Candau (2008, p.17):
A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do ‘outro’ ou
por sua escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua
alteridade. A problemática multicultural nos coloca de modo privilegiado
diante dos sujeitos históricos que foram massacrados, que souberam resistir
e continuam hoje afirmando suas identidades e lutando por seus direitos.
É sabido que a educação é um processo constitutivo da humanidade, por isso está
presente em toda e qualquer sociedade e que a escolarização, especificamente, é um dos
recortes desse processo educativo mais amplo. Tanto neste âmbito mais geral quanto na
educação escolar, realizamos aprendizagens de natureza mais diversas e construímos
diferentes representações e valores.
Nessa vertente, essa propostas curricular da EJA necessita favorecer uma formação
humana que entendam quem são esses sujeitos e que processos pedagógicos deverão ser
desenvolvidos para dar conta de suas especificidades. A EJA voltada para a formação humana
deverá entender:
[...]a pluralidade dos seus sujeitos, compostos de conhecimentos, atitudes,
linguagens, códigos e valores que, muitas vezes, são desconhecidos ou
vistos de forma desvalorizada pela cultura escolar e pelos currículos
tradicionalmente oferecidos. Deve abandonar os modelos tradicionais de
suplência e inventar novos modos. Os conteúdos curriculares precisam ser
pensados no contexto da identidade e das aspirações dos diversos sujeitos
da EJA. (ANDRADE, 2004, p. 4).
Por isso, a proposta aqui apresentada pretende garantir ao trabalhador e à
trabalhadora da EJA a elevação da escolaridade e as condições da continuidade de
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
aprendizagens, mediante estudo das diversas áreas de conhecimento, tomando a realidade
cultural e natural como objeto de pesquisa/estudos, reafirmando a construção de sua
identidade, considerando suas histórias de vida e experiências vividas. Assim, os princípios e
as perspectivas dos processos educativos, defendidos nessa proposta curricular, construída
por essa gerência para a Educação de Jovens e Adultos deve permitir que se garanta a análise
das vivências econômicas, políticas, ideológicas, e escolares, numa palavra, culturais, de forma
crítica, democrática, libertadora e transformadora servindo de experiência para o aluno em
sua vida social.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Enfim gostaríamos de reafirmar a importância de juntamente com o grupo de
educadores das escolas da Rede Estadual de Educação refletirmos sobre um processo de
reconstrução curricular baseado na realidade da EJA em Alagoas. Este trabalho culminará em
uma proposta curricular interdisciplinar, baseado na Lei 10.639/2003, essa nova cultura
curricular está significando, para todos nós que fazemos a escola pública em Alagoas uma
superação do individualismo pedagógico e o fortalecimento do coletivo pedagógico
sistemático e dinâmico, esses temas transitarão pelos âmbitos local, micro e macro da
sociedade, possibilitando, assim, aos sujeitos estudantes e professores integrantes da nossa
realidade a reflexão e compreensão de sua realidade, para conseguir transformá-la.
REFERÊNCIAS
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
DIVERSIDADE E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS: OLHARES
PARA A PROPOSTA CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL
DO RECIFE
Roseane Maria de Amorim32
RESUMO
Este artigo pretende contribuir com o debate sobre a educação das relações etnicorraciais
problematizando a proposta curricular da Rede Municipal do Recife. A discussão é fruto de uma
pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco. Nessa pesquisa, procuramos compreender a vivência das relações
etnicorraciais nas práticas curriculares escolares de professores e estudantes. Nesse sentido,
indagamos: a Rede Municipal do Ensino tem investido nas discussões sobre diversidade e a
educação das relações etnicorraciais? O caminho escolhido implica adotar algumas categorias
teóricas centrais para a análise do objeto da nossa investigação. Sabemos que o debate curricular
pode ajudar professores e professoras, gestores de ensino e diversos profissionais ligados à
educação na compreensão das múltiplas dimensões envolvidas no trato com as questões
educacionais, possibilitando que as mesmas deixem de ser vistas apenas como algo estritamente
pertencente às instituições de ensino e à sala de aula. Dentre as categorias trabalhadas ao longo da
tese, destacamos: currículo, práticas curriculares, diversidade e relações etnicorraciais. Na
realização deste artigo, dialogamos com Kramer (1999) Moreira (1999), Freire (1992) Batista
(2010), Amorim (2004), entre outros autores.
Palavras-chave: Currículo. Propostas curriculares. Educação e relações etnicorraciais.
DIVERSITY AND RELAÇÕES ETNICORRACIAIS: GLANCES FOR THE PROPOSTA CURRICULAR OF THE
MUNICIPAL NET OF THE REEF
ABSTRAT
This article intends to contribute with the debate about the education of the relationships
etnicorraciais problematizing the proposal curricular of the Municipal Net of Recife. The discussion
is fruit of a doctorate research accomplished in the Program of Masters degree in Education of the
Federal University of Pernambuco. In that research, we tried to understand the existence of the
relationships etnicorraciais in the practices school curriculares of teachers and students. In that
sense, we investigated: has the Municipal Net of the Teaching been investing in the discussions
about diversity and the education of the relationships etnicorraciais? The chosen road implicates to
adopt some central theoretical categories for the analysis of the object of our investigation. We
know that the debate curricular can help teachers and teachers, teaching managers and several
linked professionals to the education in the understanding of the multiple dimensions involved in
the treatment with the educational subjects, making possible that the same ones leave of being
just seen as something strictly belonging to the teaching institutions and to the class room. Among
the categories worked along the thesis, we highlighted: curriculum, practices curriculares, diversity
and relationships etnicorraciais. In the accomplishment of this article, we dialogued with Kramer
(1999) Moreira (1999), Freire (1992) Batista (2010), Amorim (2004), among other authors.
Word-key: Curriculum. Proposals curriculares. Education and relationships etnicorraciais.
32
Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas.
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
INTRODUÇÃO
Inicialmente, pode-se dizer que este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado
realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Pernambuco. Nessa pesquisa, procuramos compreender a vivência das relações etnicorraciais
nas práticas curriculares escolares da Rede Municipal do Recife. Nesse sentido, indagamos: a
Rede Municipal do Ensino tem investido nas discussões sobre diversidade e a educação das
relações etnicorraciais?
O currículo, como o coração de todo trabalho educativo, é sempre um espaço
contestado, lugar de exercício de poder, de conflito e contradições. É uma possibilidade ou um
vim a ser. O currículo é também um lugar de memória coletiva, de esperanças e de
concretização de desejos e utopias.
Sabemos que o debate curricular pode ajudar professores e professoras, gestores de
ensino e diversos profissionais ligados à educação na compreensão das múltiplas dimensões
envolvidas no trato com as questões educacionais, possibilitando que as mesmas deixem de
ser vistas apenas como algo estritamente pertencente às instituições de ensino. Em
consequência, esse debate poderá proporcionar um maior entendimento sobre questões
relacionadas à sociedade mais ampla e, em particular, à educação escolar (AMORIM, 2004).
Assim sendo, o currículo pode ser pensado como espaço de criação, recriação e
difusão da cultura. Portanto, o currículo tomado como movimento institucional representado
por interesses conflitantes (SANTIAGO, 1997) nos faz rever as formas de pensar os conteúdos
selecionados, as atividades, as festividades vivenciadas nas práticas escolares e o porquê dos
silêncios e das ausências de certos temas na escola e também na sociedade mais ampla, a
exemplo do que observamos como o trato das relações etnicorraciais.
É possível dizer, portanto, que o currículo é um modo de organizar as práticas
educativas, isto é, é uma construção social e cultural que envolve também a visão de mundo
dos diferentes grupos sociais. Sendo assim, o currículo, de certa forma, constitui significativo
instrumento utilizado por diferentes membros dentro de uma mesma sociedade ou de
sociedades diferentes como meio de conservação, de transformação e de renovação do
conhecimento historicamente construído (MOREIRA, 1997).
O trato com a diversidade e a questão etnicorracial é um desafio para todos que
trabalham com o campo educacional. Com o objetivo de dar conta de alguns pontos dessa
discussão, procuramos no primeiro momento fazer algumas considerações sobre proposta
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
pedagógica e a questão etnicorraciral, para depois analisarmos a proposta pedagógica da Rede
Municipal de Ensino do Recife.
PROPOSTAS CURRICULARES OU PEDAGÓGICAS E A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO PARA A
DIVERSIDADE ETNICORRACIAL: O QUE PODEMOS DIZER?
Uma proposta curricular ou pedagógica33 se configura como uma promessa, como
um devir. Contudo, uma proposta não pode ser pensada como uma alternativa mágica, ela
precisa ser tecida e construída num processo contínuo de interação e debate. Por isso, ela (a
proposta) não pode negar os saberes consolidados pelos educadores e educadoras (KRAMER,
1999).
Toda proposta pedagógica tem uma história e um movimento. Uma história que
envolve os diversos autores na sua construção e na vivência daquilo que foi pensado num
determinado momento e espaço. Uma proposta pedagógica é algo construído num
movimento contínuo em passado, presente; é sempre uma aposta que algo será mudado,
consolidado e construído. Ela também deveria ser um lugar em que o diálogo é sempre o
objetivo a ser atingido. As contradições surgidas ao longo do caminho precisam promover
reflexões em diferentes âmbitos.
Dentre as definições existentes, o currículo pode ser entendido também como
conjunto de experiências vividas pelos sujeitos na educação escolarizada, ou até no processo
de aprendizagens vivenciado na educação informal. Assim, o currículo constitui hoje o alvo
privilegiado dos políticos e dirigentes das redes de ensino por ser o coração do trabalho
educativo.
Assim sendo, uma proposta pedagógica para a educação é sempre um desafio, é um
convite, é um projeto político de sociedade. Portanto, não tem como trazer respostas prontas
para serem implementadas. Por outro lado, já sabemos que a prática pedagógica não é
transformada por propostas bem escritas, sendo necessárias melhores condições de trabalho e
salariais, a participação dos envolvidos, dentre outras questões (KRAMER, 1999).
As práticas curriculares escolares correspondem ao conjunto de ações e experiências
que envolvem educadores (professores e outros profissionais que estão em outras funções,
tais como coordenadores, diretores, apoio, etc.), estudantes, pais, materiais didáticos (livros,
quadro, encartes, gibis, tarefas, etc.), organização dos diversos espaços (como as coisas são
33
Com base em Kramer (1999), não estabeleço diferença conceitual entre proposta pedagógica e proposta curricular.
Compreendo tanto uma como a outra como algo dinâmico, complexo, dinâmico e flexível.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
organizadas e distribuídas, tais como mural, organização das salas, refeitórios), prática
docente, metodologia, festividades, celebrações, planejamentos coletivos ou individuais,
projetos, processos avaliativos, relações sociais que se expressam por meio de gestos, falas e
escritas, silêncios, ausências, símbolos, entre outras formas. Por essa razão, entendemos que
as práticas curriculares estão inseridas no contexto da prática pedagógica.
A esse respeito, é oportuno lembrar que as práticas curriculares vivenciadas nas
escolas por professores/as e estudantes podem ser compreendidas como espaço de relações
etnicorraciais no qual se dão as experiências. Assim, entendemos que, nas práticas
curriculares, há probabilidades de o/a estudante discutir elementos da sua cultura e, portanto,
confrontar as possibilidades de ser e de estar no mundo, além de negociar possibilidades de
construção de identidades que historicamente foram negadas e silenciadas.
Nesse sentido, a educação das relações etnicorraciais é um termo chave para se
entender as experiências vividas por professores/as e estudantes no cotidiano escolar. Com
base em Silva (2009), é possível afirmar que elas podem ser compreendidas como um conjunto
de dinâmicas estabelecidas entre os diversos grupos sociais e entre os indivíduos do mesmo
grupo, orientadas por conceitos, ideias sobre as diferenças e semelhanças relativas ao
pertencimento racial e étnico e de todas as consequências desse pertencimento, isto é, nós e
os outros pertencemos a determinados grupos e esse pertencimento acarreta consequências e
hierarquizações nas relações entre sujeitos e grupos.
É fulcral que esteja claro para os/as pesquisadores/as que as políticas curriculares, e
isso inclui as leis, os documentos diversos e os contextos das práticas nas escolas, se dão em
meio a muitos embates e conflitos. Os educadores, portanto, precisam estar preparados para
participarem desses debates.
É possível dizer, diante da realidade atual, que tanto as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana como a Lei nº 10.639/2003e a 11.645/2008 constituem avanços nas
políticas curriculares do Brasil contemporâneo. A efetivação dessas políticas nas práticas
cotidianas, entretanto, depende de muitos fatores. Talvez, o primeiro passo esteja relacionado
ao processo de formação inicial e continuada de docentes e, claro, melhores condições
salariais e de trabalho.
A PROPOSTA CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL DO RECIFE: O QUE É DITO E O QUE É
SILENCIADO EM RELAÇÃO A IDENTIDADES CULTURAIS E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A Rede Municipal do Recife, em momentos diferentes, teve como política, com o
apoio da formação continuada, a construção de um constante diálogo com os professores e as
professoras através de socializações das experiências vivenciadas nas práticas curriculares.
Para exemplificar essa situação, analisamos o livro Respeitando as diferenças no espaço
escolar, publicado em 2007. Assim, o esforço do documento é de fazer uma reflexão teóricoconceitual quanto a uma avaliação crítica sobre o que é produzido e vivenciado no cotidiano
escolar. Nessa relação mundo escola, é lembrado que
[...] a Conferência Mundial contra o Racismo e a Discriminação Racial, a
Xenofobia e Formas Correlatas da Intolerância (Burban, 2001) solicitou que
os Estados desenvolvessem programas culturais e educacionais que
combatam o racismo, a discriminação racial, a Xenofobia e intolerância
correlata, com o intuito de assegurar o respeito à dignidade e o valor de
todos os seres humanos e para aumentar o entendimento mútuo entre
todas as culturas e civilizações. Tais programas e campanhas devem ser
dirigidos a todos os setores da sociedade, em particular as crianças e aos
jovens. Além disso, recomendou a correção e revisão de livros e currículos
para a eliminação de quaisquer elementos que venham promover racismo,
discriminação racial e intolerância correlata ou reforçar estereótipos
negativos [...] (RECIFE, 2007, p. 22).
Esse documento, distribuído para uma parcela de professores e professoras que
participavam da formação continuada, vai buscar nas políticas internacionais o respaldo para a
legitimação do seu discurso. Não é diferente também em relação aos documentos nacionais.
Assim, é afirmado no referido material: “na década de 1990, o Governo Federal aprovou os
novos Parâmetros Curriculares Nacionais que preconizam temas transversais, entre os quais,
Orientação Sexual, Raça e etnia” (RECIFE, 2007, p. 22). Batista (2010, p. 300) vai dizer o
seguinte em relação ao papel das políticas internacionais e a questão local:
Em 2004, iniciamos nossa participação como um dos membros
representantes da Secretaria de Educação do Recife no combate ao Racismo
Institucional (PCRI). Nesse momento alguns funcionários públicos da
Prefeitura do Recife, militantes e simpatizantes do movimento negro e
aqueles que reconhecem o direito à cidadania, levaram como desafio a
discussão do Programa de Combate ao Racismo Institucional. Tiveram como
parceiro o Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID),
com a finalidade de apoiar de maneira integrada o desenvolvimento de
ações no setor público municipal na prevenção e combate ao racismo
institucional e a sociedade civil na avaliação e monitoramento desse
processo.
Irremediavelmente,
a
desconstrução
das
lógicas
binárias
construídas
na
modernidade constitui um desafio constante. Este desafio precisa desencaixar as pessoas de
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
determinadas lógicas, regras e categorias construídas e efetivadas ao longo do processo
histórico. No dizer de uma professora entrevistada em nossa pesquisa,
[...] só através da educação, da informação, do estudo, da análise de
situações do cotidiano é possível mudar o preconceito. É perverso que a
escola não utilize seu poder para eliminação do preconceito e pior ainda,
mais perverso, é que todos os meios de comunicação não se mobilizam para
essa coisa horrorosa (Professora de Artes da RMER).
De todo modo, a inserção dessas temáticas na Rede Municipal do Recife vem
acontecendo gradativamente, através de esforços diversos. Essas ações, em diferentes
medidas, têm possibilitado sensibilizações para a importância do debate, para despertar nas
pessoas o envolvimento com a transformação da sociedade. As pessoas precisam entender
que o currículo forja os sujeitos, logo está intrinsecamente relacionado com a construção das
subjetividades e das identidades dos sujeitos.
Nesses novos diálogos e itinerários, são seguidas outras demandas. Mas esses
caminhos trilhados não podem ficar presos a momentos pontuais; é preciso uma
realimentação da prática o tempo todo. No entanto, a formação docente em relação a essa
questão tem acontecido “com pouca frequência, limitada a dois seminários (março e
novembro)”. Como afirma França (2008, p. 223).
[...] neste prisma, o campo educacional, ao reinventar a escola, tem na
formação continuada uma aliada em todo esse processo, se constituindo
numa prática salutar e propícia quando, ao subsidiar o professor, afloram
indicadores reais e qualitativos para o repensar de sua prática, ou seja, os
professores assumem-se pesquisadores de suas práticas, de modo a
tomarem consciência da razão de ser das mesmas, bem como seu potencial
transformador. Assim, o processo de formação continuada incorpora novas
teorias à carga de experiências construídas pelos professores numa ação
dialógica de sua intervenção.
A análise dos textos oficiais pode ser entendida como discurso pedagógico oficial que
regula a produção, o conhecimento e introduz mudanças nos discursos e que, por sua vez,
pode gerar a recontextualização da própria prática. Na relação macro-micro, esse discurso
pedagógico em forma de texto constituiu uma seleção que expressa as vozes de vários autores
(BERNSTEIN, 1996).
Assim, teria existido, de fato, na experiência da Rede Municipal do Recife uma
reestruturação das políticas e das práticas curriculares a partir das lutas dos movimentos
sociais e das políticas de âmbito federal. No que se refere às possibilidades e aos efeitos na
formação e na transformação dos e das estudantes, não podemos afirmar que estes tenham
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
causado transformações radicais e positivas. O processo de cumprimento da lei não é linear, é
um processo de idas e vindas, de embates e negociações.
A Rede Municipal do Recife precisa caminhar muito em relação às discussões sobre a
educação das relações etnicorraciais no âmbito escolar. Um dos textos presente no livro
Respeitando as diferenças no cotidiano escolar diz respeito à educação antirracista no âmbito
escolar. Desse modo, é afirmado no material “que é relevante conceder aos educadores a
possibilidade de identificação com a causa, a inserção do negro(a) na cultura brasileira em sua
diversidade, o reconhecimento da identidade negra na formação da identidade brasileira”
(RECIFE, 2007, p. 75). Nesse sentido, o foco recai sobre as relações vividas entre estudantes e
educadores no cotidiano escolar. Por isso, é preciso discutir com esses profissionais suas
angústias e necessidades para que a partir daí possamos buscar alguns encaminhamentos.
Entretanto, como bem salientam os autores do referido texto, ainda encontramos nas nossas
escolas professores e professoras que compreendem que discutir sobre a educação das
relações etnicorraciais não é tarefa da escola e que o preconceito racial não existe no
cotidiano escolar.
Por outro lado, a situação descrita não corresponde ao pensamento de todos e
todas. Há, portanto, envolvimento de professores e professoras no sentido de implementar
essas discussões no espaço escolar. Há também aqueles e aquelas que não percebem que o
currículo tem vinculação com o que se passa na sociedade. Por isso, não se pode negligenciar a
discussão do currículo na formação de professores e professoras, pois é importante que os/as
professores/as entendam que o currículo não está desvinculado do processo de exclusão e
inclusão que tem sido vivido na sociedade. Entendê-lo, nesse sentido, levará os gestores(as) e
os educadores(as) a repensarem as práticas escolares e, em particular, as práticas curriculares.
O currículo constitui, por isso, um processo intenso de significação e pode ser
utilizado nas sociedades tanto como instrumento de conservação como também de inovação.
“Em virtude da importância desses processos, a discussão em torno do currículo assume cada
vez mais lugar de destaque no conhecimento”, como salienta Moreira (1997, p. 11).
Com base nesse entendimento, é preciso conhecer o campo curricular para poder
dialogar com a realidade de modo que possamos tomar decisões mais conscientes.
Objetivando compreender o que se passa na prática, a Rede Municipal do Recife, por meio dos
gestores e a equipe de ensino, procurou no referido documento conhecer as práticas e
escrever o relato de seis experiências vivenciadas no espaço escolar. Dessas seis experiências,
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
três dizem respeito à educação das relações etnicorraciais. O quadro abaixo explicita essa
questão.
Quadro 1 – Experiência no espaço escolar
Título da Experiência
Autora
A questão racial na escola Poeta Paulo Bandeira da Cruz
Daisy Rodrigues Quirino
Relações raciais: conhecendo e respeitando as diferenças
Elizama Pereira Messias
Convivendo com a diversidade
Ginalva Costa de Sousa
Fonte: Bezerra (2007).
Conhecer o que se passa nas práticas escolares e ouvir o que esses/as professores/as
dizem sobre os problemas diários é essencial para o redirecionamento das políticas
educacionais e curriculares. Os três trabalhos registrados acima nos fazem pensar como
esses/as professores/as investiram tempo para a produção e estudo, a fim de que essas
discussões chegassem à sala de aula, mesmo diante das dificuldades vividas no cotidiano. Além
disso, é no momento de aprofundamento de questões surgidas através dos estudos que
muitos desses/as professores/as descobrem-se negros ou negras. No dizer de Silva (2009, p.
281), “o estudo da história e da cultura afro-brasileira constitui-se como uma outra situação
por meio da qual as professoras têm percebido seu pertencimento”.
Outro documento que busca resgatar a produção de experiências voltadas para a
educação das relações etnicorraciais no cotidiano escolar da RMER foi o intitulado: As escolas
do Recife descobrindo-se negras. Esse caderno procura descrever e relatar os projetos
especificamente voltados para essa temática. Vamos analisar novamente um quadro abaixo:
Quadro 2 – As escolas do Recife descobrindo-se negras
Título do Projeto
Autora
Valorizando a Negritude: a exposição Pérola Negra
Lucia Helena Sarmento
Beleza negra: a descoberta da identidade cultural
Elisângela Maria do Nascimento
O racismo no cotidiano escolar
Valéria Fonseca
Índios, brancos e negros contam sua história
Rosa Maria O. T. de Vasconcelos
A capoeira ressignificando a identidade cultural e cultura Mônica Beltrão
afro-brasileira
Fonte: Santos e Bandeira (2008).
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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
De todos esses projetos, apenas um foi realizado por uma professora de 3º e 4º ciclos
de aprendizagem. Isso demonstra mais uma vez que romper com a lógica disciplinar em
turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental é um desafio maior. Em contrapartida, isso não
quer dizer que os professores e as professoras de 3º e 4º ciclos não tenham produzido
projetos, apesar de todas as dificuldades encontradas.34 O livro intitulado I Encontro de
Socialização das Práticas Pedagógicas de 3º e 4º Ciclos de Aprendizagem, organizado por
Freire et al. (2008), apresenta trinta e três projetos didáticos com temáticas bem diversas.
Desses projetos, três remetem à questão da diversidade, identidade e diferença no cotidiano
escolar.
O documento faz referência à necessidade de mudança da escola, que se encontra
em crise e necessita buscar novos itinerários. A crise se configura pela própria transformação
da sociedade, que a partir das lutas dos movimentos sociais tem exigido que a justiça social se
efetive para atender às demandas dos excluídos e excluídas. Em conformidade com esse
raciocínio, podemos pensar que a escola, ao abrir suas portas para todos e todas das camadas
populares, está longe de ser um lugar que remete à equidade nas oportunidades de inserção
social. Assim, a escola revela-se com muitos desafios para acolher e conviver com as
diferenças. “Nesse sentido, o que se observa é que os desafios postos à sociedade
contemporânea pelos chamados “tempos modernos” alcançam a educação e produzem
embaraços à escola e às práticas educativas [...]” (FREIRE et al., 2008, p. 8). Disso se deduz que
os embaraços que têm mexido com a escola têm também favorecido a busca de novas saídas.
Daí que essa busca por caminhos novos tem angustiado os professores e as professoras.
Mas, isso não ficou sem explicação. Os docentes, ao receberem o livro Educadores
em rede: articulando a diversidade e construindo singularidades, tiveram a oportunidade de
estudar com Souza (2008) o debate sobre o multiculturalismo e consequentemente sobre a
diversidade. Assim, argumenta Souza (2008, p. 271):
[...] para Freire o multiculturalismo não se refere a essa justaposição. Aí
teríamos uma situação de pluriculturalidade ou diversidade cultural e não
multiculturalidade. A multiculturalidade se constitui a utopia, a esperança
de uma nova configuração da convivência humana (em suas dimensões
econômica, política, religiosa e gnosiológica) nos novos cenários mundiais.
Em outro livro, encontramos a seguinte reflexão:
34
Comumente os professores e as professoras apontam como dificuldades: a falta de tempo destinado para estudo na medida em
que trabalham em mais de um lugar, a falta de apoio humano e material nas escolas para desenvolver projetos e a necessidade de
melhorias das estruturas das escolas, além dos salários baixos.
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A educação inclusiva, fundamentada na atenção à diversidade, apresenta-se
como um novo paradigma no contexto da educação e como princípio de
uma educação de qualidade para todos (as). Sua fundamentação filosófica
pressupõe que todos (as) os (as) alunos (as) de uma comunidade têm o
mesmo direito de acesso à escolarização, com o grupo de sua faixa etária e
que a escola deve acolher e respeitar as diferenças (ALVES, 2008, p. 279).
Como exemplo disso, temos uma experiência de projeto didático publicado no livro I
Encontro de Socialização das Práticas Pedagógicas de 3º e 4º Ciclos de Aprendizagem. O
referido projeto foi desenvolvido em uma das escolas da rede municipal, produzido por um
coletivo de professores e professoras, intitulado Quem somos? Quem queremos ser? No
resumo da produção, afirma-se o seguinte: “no dia a dia da escola, percebemos que existia de
modo claro, a falta de respeito do aluno consigo e o próximo, refletindo-se em desmotivação,
causada possivelmente pela falta de perspectiva de vida e objetivos para o futuro” (RECIFE,
2008, p. 169).
Isso indica que pequena parcela de professores/as já despertou para a problemática
da construção das identidades e da importância da mesma para o processo de formação da
pessoa. A construção das identidades do e da estudante se dá num processo de interação
constante com o que é vivido e sentido, enfim, experimentado. Daí se deduz a importância
dessa questão para o debate educacional. Pensando dessa forma, entendemos o quanto as
culturas são elementos fundantes para se entender a questão curricular.
Também não podemos esquecer que o currículo das nossas escolas tem história.
Uma história construída a partir dos elementos da cultura hegemônica, de quem deteve, e, de
certa forma, ainda continua detendo as instâncias do poder, seja o poder central ou os
micropoderes difundidos por meio da referência ideológica do homem ocidental, europeu e
branco. Nesse sentido, Silva (2009, p. 38) salienta que
[...] as práticas escolares que negam, inferiorizam ou marginalizam a
diversidade étnico-racial são também resultado da própria história da
instituição escolar na sociedade brasileira, marcada pela escravidão,
hierarquias raciais e miscigenação. Considera-se, então, que alguns aspectos
de tal história são relevantes para compreender a realidade vivida hoje nas
instituições escolares.
Por sua vez, no livro Tecendo a proposta pedagógica da Rede Municipal do Recife,
procura-se resgatar, a partir do pronunciamento dos professores e das professoras (Gestores
da Rede Municipal do Recife) que estão no espaço escolar, “o que não pode faltar numa
proposta pedagógica”, para poder entender o projeto que se quer construir, para poder
aprender com “as experiências significativas”. Mais uma vez, as experiências falam, dizem que
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são possíveis mudanças, nem que sejam mudanças parciais. Afirmam que novas configurações
podem tornar-se realidade. Como afirma Kramer (1999), é preciso que as Secretarias de
Educação se organizem e procurem saber o que se passa nas escolas para que a proposta vá se
materializando.
No capítulo intitulado Experiências significativas – os projetos didáticos dessa obra,
são apresentadas quarenta e oito produções, dentre as quais seis estão voltadas para a
temática da diversidade. Dentro desse grupo de seis, uma experiência volta-se
especificamente para a África, e outra se refere ao racismo. Novamente vamos apresentar um
quadro, o de número 3, para facilitar a análise.
Quadro 3- As escolas tecendo a proposta pedagógica da rede
Título do Projeto
Escolas
Um novo olhar às diferenças
E. M. da Iputinga
Da África ao Brasil
E.M. João Batista L. Neto
Inclusão
E. M. João Amazonas
Racismo no cotidiano escolar
E. M. Vila São Miguel
Pais e alunos especiais
E. M. Santa Maria Goretti
Fonte: Abranches, Almeida e Mendes (2008).
É claro que podemos questionar como essa diversidade está entrando na escola,
como determinados professores e professoras têm compreendido essas mudanças. Para uma
professora de Arte entrevistada,
um dos grandes desafios é a falta de conhecimento sobre questões
relacionadas às diferentes etnias. Outro desafio é o preconceito cultural que
trazemos dentro de nós e também está presente nos estudantes que trazem
consigo a rejeição a aspectos como: a música, os rituais, as danças, a religião
de origem negra. No entanto, é importante ressaltar que estamos
avançando nessa discussão como também na prática pedagógica.
Precisamos estar atentos para acolher os conhecimentos trazidos pelos
educandos.
A fala da referida professora é bastante significativa, pois ela reconhece as
dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar. Por outro lado, não descarta as possibilidades
de mudanças. Abaixo, vamos registrar alguns desses projetos já citados com os respectivos
objetivos e resultados.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Quadro 4 - Temas sociais atuais e seus respectivos objetivos e resultados
Projeto
Da África ao Brasil
Inclusão
Racismo
escolar
no
Objetivos
Resultados
Conhecer a cultura africana e Conhecimento da cultura
sua influência na nossa africana.
cultura
Trabalhar a inclusão
Aceitação da diversidade.
cotidiano Valorizar as etnias e superar Superação do preconceito.
os preconceitos.
Fonte: Abranches, Almeida e Mendes (2008).
Nesse sentido, é importante dizer que, analisando apenas o documento, não
podemos dizer especificamente como esses projetos foram vivenciados. Contudo, eles
sinalizam para a emergência da questão, para a necessidade do trato com a temática, o
desenvolvimento de ações geradoras de questionamentos sobre as diferenças que adentram o
espaço escolar e, em especial, para a educação das relações etnicorraciais. Enfim, sinalizam
para as relações de poder e a hegemonia de elementos da cultura dominante no interior da
escola.
Por outro lado, a partir das sinalizações nos documentos, em relação ao currículo
multicultural e à questão da identidade negra, os docentes recontextualizam materiais e
discursos de acordo com seus interesses e condições. De todo modo, no documento
denominado Cadernos da Educação Municipal: as escolas tecendo a proposta pedagógica
(RECIFE, 2008, p. 25), são afirmados os seguintes pontos:
[...] longe de uma homogeneização engessante da prática pedagógica, a
proposta é construir junto com o conjunto de educadores da rede o que é
na prática, a realização sobre indicadores de ensino-aprendizagem nos anos
iniciais do ensino fundamental, em cada um dos componentes curriculares,
bem como as questões étnico-raciais.
Sendo assim, para os autores do documento, não se trata de entender as práticas
curriculares como homogêneas e sem conexão com o que se passa na sociedade, nem negar as
interferências do processo subjetivo que faz parte do processo educativo. Assim, tanto os
professores e professoras como os/as educadores/as que estão na Secretaria de Educação da
Rede Municipal de Ensino do Recife, precisam olhar as diferenças culturais sem daltonismo,
sem assimilar o outro, sem guetorização. Por isso, a discussão sobre diversidade, identidade e
negritude é fundamental para a construção de novas relações entre os sujeitos, seja no âmbito
macro ou no micro. A esse respeito, Freire (1992, p. 156) afirma que
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
A multiculturalidade é outro problema sério que não escapa igualmente a
essa espécie de análise. A multiculturalidade não se constitui na
justaposição de culturas, muito menos de poder exacerbado de uma sobre
as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se
cada cultura num respeito uma da outra, correndo o risco livremente de ser
diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada um para si (1992, p. 156).
De posse das ideias de Freire (1992), é possível afirmar que há muitas dificuldades
para se trabalhar com a diversidade e com as identidades culturais e, claro, com o debate
voltado para a educação das relações etnicorraciais. Assim, entendemos que ainda estamos
longe de mudanças profundas nas relações etnicorraciais estabelecidas no cotidiano escolar.
De certa forma, se por um lado não podemos negar que essas discussões sobre as
identidades culturais não chegaram ao âmbito escolar de modo profundo, por outro não
podemos perder de vista também que estamos num processo de mudanças e que as políticas
estão influenciando as práticas cotidianas de alguma forma. Na produção da Rede Municipal
de Ensino do Recife, percebemos nos últimos anos uma preocupação maior com os saberes
dos/as professores/as produzidos no cotidiano escolar. As práticas são tomadas como
sinalizadoras de mudanças e de possibilidades para a reformulação das próprias ações das
políticas instituídas pelas instâncias gestoras. Assim, é possível dizer que há boas sinalizações
de que a educação das relações etnicorraciais e o trato com a diversidade têm sido objeto de
estudo na rede de ensino analisada e, por isso, podemos afirmar que os avanços no cotidiano
escolar já começam a ser observados.
Há, contudo, um longo caminho para se fazer. Uma proposta curricular é uma aposta.
Como aposta, constrói-se no caminhar, nasce de questões que não foram resolvidas e
esgotadas. Ela traz consigo as falas de muitos e apresenta uma gama de dificuldades a serem
enfrentadas (KRAMER, 1999). Por isso, não está pronta, não tem um fim em si mesma, mas
representa um longo começo. Tem uma longa história que precisa ser contada.
Assim, enfatizamos que as políticas e práticas curriculares estão inter-relacionadas e,
portanto, não podem ser tomadas separadamente. Ademais, aquilo que é ensinado em sala de
aula está associado às relações desiguais de poder existentes na sociedade. O currículo não é
uma questão meramente técnica. É constituído, como não poderia deixar de ser, por um
intricado contexto simbólico, material e humano que envolve ao mesmo tempo permanências
e mudanças. Por isso, o campo curricular precisa preocupar-se com as práticas curriculares
para que o discurso não se torne fechado e abstrato.
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Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino
Os efeitos das políticas nas práticas curriculares passam pela reinterpretação dos
sujeitos sobre tais políticas e sobre a forma como elas se materializam no cotidiano a partir do
projeto curricular, isto é, do modo como educadores e educadoras ressignificam e dão
sentidos aos conteúdos, à construção do conhecimento e ao ensino. Por outro lado, os efeitos
das práticas curriculares no âmbito das políticas curriculares (documentos35, leis, etc.) somente
acontecem quando os gestores e os legisladores, conscientes das suas responsabilidades,
procuram também aprender com os dizeres dos e das professores/as, ouvindo-os e dando
apoio para que as mudanças realmente aconteçam. É importante reconhecer e privilegiar os
saberes docentes. Sobre essa questão, Oliveira (2001, p. 183) argumenta o seguinte:
[...] é importante, portanto, que aqueles que têm a seu cargo formular
propostas de inovação curricular estabeleçam um diálogo com esses
saberes, interrogando as diversas realidades no sentido de buscar a
compreensão dos componentes curriculares presentes nessas propostas
cotidianas, que se por um lado, não são estruturadas e explícitas como
oficiais, trazem dimensões da vida humana que recuperam o papel dos
sujeitos nas práticas educativas, o que é fundamental para o
desenvolvimento crítico e cidadão.
Os professores e as professoras com os/as estudantes criam “maneiras de fazer”,
tecendo redes de ações reais, formas de sobrevivências nas quais burlam e usam de modo não
autorizado, situações, contextos, materiais, regras e ressignificam as práticas. Esses
professores e professoras, no entanto, são, muitas vezes, desvalorizados e criticados tanto
pelos pesquisadores/as como pela sociedade de maneira geral, como também pelas
autoridades educacionais (OLIVEIRA, 2001).
Nessa perspectiva, assumimos uma visão de que o currículo constitui algo complexo,
dinâmico, assentado em uma rede de interesses, alianças, disputas, negociações e em torno de
lutas e conflitos concretos, mas, também, simbólicos e cheios de significados. Nesse sentido, a
teoria pós-crítica do currículo ao questionar o postulado da Modernidade, por meio das
discussões pós-modernas e pós-estruturalistas, redefine o conhecimento escolar com base em
novas formas de interpretação da sociedade e consequentemente do papel da instituição
escolar.
Assim, é possível dizer que a Proposta da Rede Municipal do Recife, nos últimos anos,
foi ressignificada de acordo com o momento histórico vivido pelos sujeitos. As questões
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Estamos querendo dizer que as leis e os documentos podem ser reformulados, repensados e ampliados a partir dos problemas
vividos na prática.
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econômicas, políticas, culturais e de visão de mundo foram delineando novos mapas, seja de
resistência, seja de concordância.
Por isso que o cotidiano escolar pode ser entendido como espaço privilegiado de
produção, de construção. O cotidiano não apenas se repete, mas se cria e se recria. Sendo
assim, o cotidiano escolar é um lugar de produção curricular que vai além do que está previsto
nos documentos oficiais. Assim, é possível afirmar que diferentes leituras podem ser feitas
nos/dos textos políticos, pois estes são sempre reinterpretados de maneira diferente pelos
diversos atores sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise das Propostas Curriculares da Rede Municipal do Recife e das
práticas cotidianas escolares, entendemos que há ambiguidade e ambivalência próprias do
momento de instabilidade social em que estamos inseridos. Se, por um lado, não houve
mudanças radicais nas práticas escolares, por outro, não podemos esquecer, com base nos
dados analisados, que a Rede Municipal do Recife tem avançado em relação ao trato dado à
educação das relações etnicorraciais, apesar de todos os problemas existentes.
Na medida das possibilidades, outro ponto a considerar é que a formação inicial
docente discuta o processo cultural brasileiro. Os novos docentes que estão saindo das
Instituições de Ensino Formadoras precisam estar preparados para trabalhar com estudantes
das classes populares. Em outras palavras, os docentes atuais que estão principalmente nas
escolas necessitam trabalhar com múltiplas culturas.
Não estamos dizendo com isso que a formação tanto inicial como a continuada são
as chaves para resolver os problemas da crise em que a sociedade vive e em que a escola está
imersa, mas também sem elas pouco se avançará. O que estamos afirmando é que as políticas
curriculares apontam demandas e exigem mudanças em diferentes aspectos. As políticas
curriculares apresentam-se como problema ou problemas a serem resolvidos, e essas
inquietações exigem tomadas de posição dos diferentes grupos.
No decorrer dos nossos estudos, vários questionamentos surgiram do confronto
entre o campo teórico e a realidade investigada. Tomamos como pressuposto que a inserção
das discussões sobre as relações etnicorraciais introduzidas nas práticas curriculares da Rede
Municipal do Recife se realiza sob enfrentamento, tensões e desacordos.
REFERÊNCIAS
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