iv colóquio internacional de políticas e práticas curriculares
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iv colóquio internacional de políticas e práticas curriculares
VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino CULTURA, CURRÍCULO E ESCOLA EM CONTEXTO INDÍGENA: REFLEXÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA José Valdir Jesus de Santana1 Ana Elisa Santiago2 Resumo Neste artigo interessa-nos pensar a relação entre cultura, currículo e educação escolar em contexto indígena, a partir dos modos, formas e sentidos como esta (a “cultura”) tem sido acionada e do que ela passa a significar e produzir a partir do contexto escolar. Interessa-nos, ademais, compreender como currículo escolar é produzido no contexto das escolas indígenas, a partir de determinados contextos etnográficos, sobretudo quando, em tais contextos, a escola é acionada como o lugar onde se deve resgatar e valorizar a cultura. O currículo pensado enquanto ato de currículo “aqui perspectivado como uma invenção social e cultural, com possibilidades de se transformar em uma multicriação socioeducacional numa experiência autonomista e compartilhada” (MACEDO, 2013, p. 17). Abstract In this article we are interested in thinking about the relationship between culture, curriculum and school education in an indigenous context, from the modes, forms and meanings like this ("culture") has been fired and that it comes to mean and produce from school context. Interests us, moreover, to understand how curriculum is produced in the context of indigenous schools, from certain ethnographic contexts, especially when, in such contexts, the school is triggered as the place where you must rescue and value the culture. The curriculum understood as an act of curriculum "here viewed as an invention social and cultural, with opportunities to become a multi-authoring a social and educational experience autonomist and shared" (Macedo, 2013, p. 17). Palavras-chave: antropologia; cultura; currículo; educação escolar indígena 1 Graduação em Pedagogia e mestrado em Educação pela Universidade do Estado da Bahia; doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, sob orientação da professora Drª Clarice Cohn; professor assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected] 2 Graduada em Ciências Sociais e mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, sob orientação da professora Drª Clarice Cohn. E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1417 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Introdução A garantia legal de escolas indígenas específicas e diferenciadas, que respeite suas manifestações culturais, organizações sociais e políticas e processos próprios de ensino e aprendizagem, foi uma conquista de direito que se consolida desde a Constituição Federal de 1988 e que se contrapõe à vocação histórica da escolarização dos povos indígenas, catequética e civilizatória. Propondo uma escola que permita aos povos manter, valorizar e reforçar suas culturas e construir sua autonomia, a escola indígena vem se constituindo ao longo das últimas décadas, cada vez mais, embora não nominalmente, em uma política cultural para estes povos. Por ela, ou através dela, é proposto o regaste das culturas e a construção de identidades; e, cada vez mais, nelas se propõem partes diferenciadas como um currículo cultural e indígena que complementa o currículo dos conhecimentos ditos universais. Para tanto, em nome desta especificidade, cursos de formação de professores indígenas são criados e estimulados como política de Estado de modo a fortalecer este projeto de escola. Em 1998, a edição e divulgação do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) ofereceu subsídios para a elaboração e implementação de programas específicos para as escolas das comunidades indígenas e a formação de educadores capazes de assumir essas tarefas e de técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las. A nova proposta de escola indígena, descrita nos Referenciais, se define pelo fortalecimento da autodeterminação dos povos indígenas e a de outros povos. O documento também considera muito importante que a escola esteja articulada com as necessidades da comunidade em que se insere e preconiza a garantia da interculturalidade, que deve ser incorporada a cada conteúdo curricular, tornandoo adequado às características da Educação Indígena. Nesse novo cenário, em que a educação escolar é acionada pelos povos indígenas, na relação com o estado brasileiro, em que se normatizam e se instituem princípios e características do que deva ser a educação escolar em contexto indígena (nos seus sentidos específico, diferenciado e intercultural) emergem questões que se colocam e que atravessam o campo do currículo, a concepção de conhecimento próprio a cada povo indígena e, consequentemente, o que pode e deve ser ensinando no espaço escolar. Nesses termos, o currículo precisa ser interrogado, colocado sob escrutínio, produzido e atualizado, sobretudo porque a escola, em contexto indígena, deve ser pensada e produzida no sentido de atender às demandas e desejos de cada povo e de acordo com o que entendam ser educação diferenciada. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1418 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino É importante notar que os povos indígenas têm investido grandes esforços para criar e manter escolas em seus territórios. As lideranças políticas têm que se mostrar capazes de negociar a criação de escolas e garantir todos os recursos – humanos ou materiais – necessários para o bom funcionamento desta instituição em suas comunidades. As crianças também investem parte importante de seu tempo e de seus interesses no ambiente escolar e suas famílias preocupam-se em oferecer esta formação. As experiências, elas mesmas, são das mais variadas, diferindo como diferem as situações mesmo de povos e comunidades indígenas no Brasil, indo desde o lugar onde se aprende o “conhecimento do branco” até o lugar onde resgata a (própria) cultura. Apesar desta diversidade, percebe-se uma homogeneidade, ou uma espécie de denominador comum, no discurso oficial e nas práticas que deve ser debatida, e que está exatamente nesta característica de uma política cultural para os povos indígenas, e que se refere aos modos como cultura tem sido entendida, operada e construída em cada situação. Nos discursos oficiais (e na prática) a escola, em contexto indígena, é valorizada porque passa a se constituir como espaço de resgate da tradição e de valorização da cultura. A cultura – acionada para as mais diversas finalidades – no ambiente escolar - é entendida como produtora de conhecimento ou tradição indígena. Como e porquê os povos indígenas têm elaborado, de forma criativa, currículos orientados por aquilo que o Estado convencionou chamar de específico e diferenciado, parecenos um exercício de reflexão importante, para perceber o que se tem discutido sobre os modos e as formas como o conhecimento, a cultura e o currículo são produzidos e negociados nas escolas indígenas. Apresentamos a seguir, algumas discussões feitas na antropologia a respeito da escola indígena e sob o viés da produção de currículos. Sobre cultura, currículo e escola em contexto indígena: algumas proposições Na antropologia, os discursos sobre cultura tendem a assumir diversas perspectivas, sentidos e frentes de lutas. Segundo Carneiro da Cunha (2009), é preciso, frente a esses diversos usos que têm sido construídos em situações interétnicas, saber diferenciar a cultura3 da “cultura” (com aspas). Em situações interétnicas ou em casos em que se colocam a 3 “Acredito firmemente na existência de esquemas interiorizados que organizam a percepção e a ação das pessoas e que garantem um certo grau de comunicação em grupos sociais, ou seja, algo no gênero do que se costuma chamar de cultura. Mas acredito igualmente que esta última não coincide com a “cultura”, e que existem disparidades significativas entre as duas. Isso não quer dizer que seus conteúdos necessariamente difiram, mas sim que não pertencem ao mesmo universo de discurso, o que tem conseqüências consideráveis. [...] As pessoas, portanto, tendem a viver ao mesmo tempo na “cultura” e na cultura. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1419 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino necessidade de uma educação intercultural, como pensar a relação entre cultura, conhecimento e currículo? Que discursos sobre cultura têm sido produzidos no contexto da educação escolar? O que ela passa a significar? O que é produzido, agenciado, transformado? Que identidades e que diferenças estão sendo produzidas por meio desses discursos? Como compreender o currículo nesses termos? O que pode um currículo intercultural? Como as escolas indígenas interrogam o currículo? De que forma “atos de currículo” (MACEDO, 2011, 2013) produzem a escola e o currículo em contexto indígena? Além das inspirações e debates em torno da cultura, trazidos por Carneiro da Cunha (2009), compartilhamos da concepção de cultura elaborada por Sahlins (2003, p. 7) ao afirmar que “a cultura é historicamente reproduzida na ação. [...]. Por outro lado, entretanto, como as circunstâncias contingentes da ação não se conformam necessariamente aos significados que lhes são atribuídos por grupos específicos, sabe-se que os homens criativamente repensam seus esquemas convencionais”. Ainda, para Sahlins (2003, p.7), A história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas. O contrário também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na prática. A síntese desses contrários desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas envolvidas. O que nos interessa perceber é como o currículo escolar é produzido no contexto das escolas indígenas, a partir de determinados contextos etnográficos, que apresentaremos a seguir, sobretudo quando, em tais contextos, a escola é acionada como o lugar onde se deve resgatar e valorizar a cultura. Nesse sentido, e como nos adverte Macedo (2013, p. 14) “é fundamental questionarmos como as pessoas pensamfazem o currículo, a partir das suas diversas experiências e opções”. Ademais, O conceito-dispositivo de ato de currículo tem sua origem nos nossos encontros (in)tensos e múltiplas aproximações com atores engajados social e culturalmente, mediadas por uma sensibilidade social vinculante, que emerge de processos implicados de pensarfazer currículos assinados. Implicações que instituem atos de currículo como vinculações responsáveis. [...] Um conceito como vislumbra Deleuze, como heterogênese, acontecimento, que num processo de aproximação de fragmentos cria sua própria e singular totalização. Nesses termos, o conceito é histórico, não surge querendo ser verdadeiro-universal, mas interessante-pertinente na sua provisoriedade, como, aliás, todo conceito. Enquanto dispositivo, pode Analiticamente, porém, essas duas esferas são distintas, já que se baseiam em diferentes princípios de inteligibilidade. A lógica interna da cultura não coincide com a lógica interétnica das “culturas”. (CUNHA, 2009, p. 313- 359). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1420 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino irromper realizando mudanças, deslocamentos, interferências, protagonismo, criando intensidades, mobilizações, olhares outros, práticas outras. Daí sua configuração intencional, seu caráter generativo, sua perspectiva de devir (MACEDO, 2013, p. 15). O currículo compreendido como “uma trajetória, relação de poder, documento de identidade” (SILVA, 2002, p.150), torna-se elemento fundamental de análise para se compreender a organização escolar, o trabalho pedagógico e a relação com o conhecimento no contexto da educação escolar. Além disso, como nos adverte Silva (2010, p. 8) “a fabricação do currículo não é nunca apenas o resultado de propósitos “puros” de conhecimento [...]. O currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas de conhecimentos considerados socialmente válidos”. Segundo Macedo (2007, p. 26), O currículo, como nós o conhecemos, na sua versão moderna, portanto, consolidou-se na virada do século XIX para o século XX em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para a transmissão (aquilo que os gregos chamaram enkukliospaidea, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”). Para o professor Antônio Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveramse relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades educacionais. Refletir sobre os projetos de educação escolar indígena específico, diferenciado e intercultural implica em compreender o sentido, ou os sentidos, do que é específico, diferenciado e intercultural a partir das vozes dos diversos sujeitos índios e não-índios, no sentido de sair, conforme afirma Collet (2006, p. 16) de “um quadro informado muito mais pela arena política e ideológica, em que estão inseridos os projetos, que pelas demandas específicas reais dos grupos indígenas”. Ou, ainda, conforme Silva, A etnologia do pensamento indígena, que revela a complexidade das proposições ontológicas e metafísicas ameríndias e sua originalidade flagrante perante o pensamento ocidental (ilustra-o o perspectivismo amazônico), alerta para a complexidade das questões com que terão de tratar experiências de educação escolar que se desejem efetivamente respeitosas dos direitos indígenas. Por outro lado, uma compreensão maior de processos como os da tradução xamânica, da produção de sentido por meio de sínteses totalizadoras, da construção de mundos e dos circuitos sociais circulares de noções mutuamente referidas pode revelar contradições, impasses e limites do modelo escolar proposto (2001, p. 4041). Diante das questões apontadas acima por Lopes Silva (2001), buscamos, agora, a partir de diversos recortes etnográficos, apresentar os modos e as formas como, em diversos ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1421 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino contextos indígenas, a educação escolar vai sendo concebida, como a cultura é acionada e o que se produz em termos de relações que se experimentam na (e fora da) escola. Weber, em seu livro Um copo de cultura: Os HuniKuin (Kaxinawá) do rio Humaitá e a escola, fruto de sua dissertação de mestrado, nos apresenta reflexões interessantes, mostrando-nos como os Kaxinawa do Acre se apropriam da escola e, da mesma forma, reflete sobre o papel da escola na definição dos limites da comunidade-aldeia e na apropriação da noção de “cultura”. Nesse sentido, a autora afirma: [...] a recente introdução dos saberes especializados da “cultura” no âmbito escolar parece ser, a primeira vista, incompatível e problemática. Como se sabe, nas sociedades indígenas há contextos apropriados para a transmissão desses saberes, o que lhes confere sentido. Para mencionar o aspecto mais saliente do “movimento” atual, os cantos, por exemplo, eram tradicionalmente aprendidos no contexto das próprias cerimônias rituais. Portanto, em tese, ao serem incorporados à escola, esses conhecimentos estariam sendo dissociados de seus contextos legítimos de transmissão. No caso do Humaitá, porém, a maior parte dessas cerimônias não vinham sendo realizadas; em decorrência da longa vivência nos seringais, a “animação”, um fator constitutivo das festas antigas, assumiu outras formas. Nestes novos tempos de “cultura”, a escola kaxi do São Vicente – o cupixau-escola -, vem provendo um (novo) contexto para a transmissão dos cantos rituais, entre outros saberes, e atribuindo sentido a sua prática (2006, p. 220). As reflexões de Ingrid Weber nos remetem a novas possibilidades de análise, talvez mais críticas, acerca do papel que a educação escolar tem assumido nos contextos dos grupos indígenas, partindo das demandas específicas de cada povo e, sobretudo, pensadas a partir dos modos como os grupos indígenas traduzem para dentro da aldeia seus projetos de educação. Nesse caso específico, o modo de ser Kaninawá, vai traduzindo a escola para o contexto da aldeia, ao mesmo tempo em que a escola vai se apropriando desse modo de ser Kaxinawá, conduzindo a novos processos de aprendizagem e de reelaboração da cultura desse povo, ultrapassando a lógica do discurso que busca na educação escolar indígena a possibilidade do resgate cultural a partir de uma idéia de cultura genuína, localizada no passado, necessitando de ser resgatada. Outro aspecto importante trazido pelas análises de Weber, partindo de suas experiências com os Kaxinawá, pode nos direcionar na busca pela compreensão de como os povos indígenas têm se apropriado da escola e quais as reais funções que esta educação escolar tem desempenhado para cada povo, especificamente, a partir de suas perspectivas culturais e das formas de contato estabelecidas historicamente com os não índios. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1422 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Para Mainardi (2010), a escola, entre os Tupi Guarani, da terra indígena Piaçaguera – SP, exerce um papel importante no resgate cultural deste povo, que tem sido feito a partir das relações que estes articulam com seus outros, a exemplo dos Guarani Mbya, os não indígenas e outros indígenas. A escola, segundo Mainardi, tem papel importante, na medida em que se torna o local de ensino da língua e da cultura às crianças. Nesse sentido, a “escola e a casa de reza são locais de negociação, onde ocorre constante atualização/construção do conhecimento e do que pode ser Tupi Guarani” (2010, p. 53). Do mesmo modo, segundo a autora, A atualização-articulação do conhecimento do que é tido como tradicional, da língua, da reza, das histórias, e de quem são seus detentores perpassa o ambiente escolar. Este é um espaço, tal como a casa de reza, de negociação do que pode ser Tupi Guarani. [...] A escola Tupi Guarani adquire, nesse cenário, diversos papeis, ela é tanto marcadora de diferenças e da particularidade tupi guarani, como o espaço no qual conhecimentos não indígenas devem ser ensinados; é o local onde podem resgatar a cultura, mas não deixa de ser atravessadas pelas relações que constroem, constantemente, conhecimento e tradição (MAINARDI, 2010, p. 54-55). No limite, e essa é a discussão que Mainardi faz em sua dissertação de mestrado, ao buscar compreender as relações que atravessam o ambiente escolar Tupi Guarani (mas não somente este ambiente) e que envolvem os Guarani Mbya, Tupi e não indígenas e ainda as relações entre eles próprios, “articulam disposições políticas, a proximidade e o distanciamento entre parentes e os que são considerados conhecedores de algo” (2010, p. 55), acabam por definir o que pode ou não ser considerado como Tupi Guarani e isso implica a construção de redes de relações que atualizam conhecimentos e sujeitos, define o que é a tradição, a quem pertence determinados conhecimentos, produz a pessoa Tupi Guarani, sempre em relação a seus outros. Vieira (2010), em texto intitulado “a gente não faz mais guerra, agora a gente está pensando: xamanismo e educação escolar entre os Maxakali”, analisa a relação entre saber xamânico e educação escolar, sugerindo que, assim como os cantos rituais são usados para pacificar os espíritos, a escrita é usada para pacificar os brancos. Se os Maxakali podem imitar os cantos e ritos ensinados pelo próprio yãmiy4 para pacificá-los, podem também usar a 4 Os yãmiy são agrupados pelos Maxakali em diferentes yãmiyxop (xop– grupo). [...] Durante os rituais taxtaxkox (lagarta da taquara) de iniciação masculina, os meninos são capturados por espíritos e passam um mês em reclusão no Kuxex (‘casa de religião’, no português falado pelos Maxakali. Local frequentado apenas por homens, por onde os espíritos devem passar ao entrar ou sair da aldeia), aprendendo sobre os yãmiy. Cada grupo de parente está ligado a um grupo de yãmiy. Aqueles que frequentam um mesmo Kuxex e sempre realizam rituais juntos são chamados xape (parentes) e possuem o conhecimento de determinado conjunto de práticas rituais e cantos. Este repertório é um patrimônio familiar passado de geração para geração. Um canto é sempre propriedade de um vivente, mas esta propriedade é compartilhada com um yãmiy (Vieira, 2010: 139-139). Para mais informações ver dissertação de Myrian Alvares. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1423 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino escrita e a escola para pacificar o branco. No limite, segundo Vieira, os Maxakali vêm utilizando a escola e a escrita para a produção, num primeiro momento, de um conhecimento sobre os brancos e, num segundo momento, de um discurso para os brancos. (VIEIRA, 2010, p. 146148). Nisso, segundo a autora, Os Maxakali utilizam metáforas do contexto xamânico para compreender o processo de ler escrever. São feitas várias analogias entre escrita e canto, a começar pela tradução literal da palavra ‘escrever’ em Maxakali. Kaxambix significa, literalmente, “desenhar o canto. [...] Os Maxakali comparam frequentemente a escola ao kuxex, pois ambos são lugares próprios à transmissão do conhecimento advindos do exterior (a escrita vem dos brancos e os cantos vem dos yãmiy) (VIEIRA, 2010, p. 144). Ademais, segundo Vieira (2010, p. 146), se os cantos e mitos continuam sendo ensinados de forma ‘tradicional’, nas casas e durante os rituais, a lição mais importante apreendida por professores e alunos das escolas maxakali é como lidar com a burocracia – que se dá via escrita – e, por consequência, como ‘pacificar’ os brancos, fazendo-os passar de potenciais agressores a aliados. A guerra5, cuja prática teria se tornado, atualmente, quase impossível, é atualizada no plano da cosmologia, do pensamento, nos contextos do ritual e da escola. Alvares (2004), no texto “KitokoMaxakali: a criança indígena e os processos de formação, aprendizagem e escolarização”apresenta reflexões sobre os processos próprios de aprendizagem e transmissão do conhecimento e sobre a formação e o desenvolvimento infantil, considerando as possíveis inter-relações e interpenetrações com os processos escolares de ensino/aprendizado, como concebidos e praticados pelos Maxakali. Ademais, no texto, são apresentados diversos aspectos da cosmologia Maxakali, que se traduzem nos processos de construção da pessoa, nos modos como as crianças são percebidas e valorizadas e que relações são possibilitadas por intermédio e agência destas. No que concerne, particularmente, às formas pelas quais os Maxakali têm se apropriado da escola, buscando domesticá-la, é possível afirmar, a partir da etnografia da autora, que as “tradições Maxakali” se apropriam da escola e a produzem através da lógica do xamanismo. Em suas escolas, as crianças continuam aprendendo somente o Maxakali. O ensino da língua e dos cantos rituais no contexto escolar se justificam na medida em que estes são indispensáveis no processo de constituição da pessoa Maxakali. A socialização dessas formas de transmissão do 5 Os Maxakali atuais parecem ter herdado uma memória a respeito de relações com inimigos tradicionais mobilizada hoje para mover uma guerra atualizada na forma de disputa pela ‘autenticidade’ indígena’ alcançada através da prática ritual e do uso da língua, e propagandeada através dos CDs e livros de cantos e histórias em língua vernácula produzidos no âmbito da escola indígena ou de projetos de pesquisa e extensão das universidades (VIEIRA, 2010, p. 137). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1424 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino conhecimento tradicional, no contexto escolar, passa a ser considerado como o maior valor conseguido através da escola. Dessa forma, segundo Alvares (2004, p.74) ao socializarem o conhecimento xamânico, nas “aulas de cultura”, os Maxakali elegeram essa dimensão para constituírem sua imagem para o “outro”. A dimensão ritual amplia o seu campo semântico para dar sentido às relações escolares também, relações essas, que se constituem através dos “brancos”, esses outros extremos. Peter Gow (1997, 2010), a partir de sua etnografia sobre os Piro, no Peru, traz importantes reflexões acerca de como as comunidades nativas do Baixo Rio Urubamba pensam a escola a partir da lógica do xamanismo e do parentesco. Conforme Tassinari (2001, p.59) “Gow mostra como a escola, inicialmente uma instituição alheia às populações nativas do Baixo Urubamba, passou a ser parte integrante e fundamental de seu modo de vida e foi incluída nas suas explicações sobre o mundo e as relações de parentesco”. Para Celia Collet (2006, p.272), a escola, entre os Bakairi, parece, em um primeiro momento, estar completamente alheia aos processos e ao contexto “tradicionais” nativos de aprendizagem, pois os Bakairi fazem questão de que ela seja ‘como a do branco’ e para isso se esforçam em copiar a disciplina, as maneiras, o conhecimento das ‘coisas da cidade’. Todavia, ela acrescenta: Com o tempo, através de várias evidências, comecei a perceber que o método característico da escola bakairi não diferia muito do ‘não escolar’, sendo centrado na ritualização e na performance, bem como na pedagogia da repetição. O que me levou a essa conclusão foi uma questão que me apresentou desde o início da pesquisa. Percebia que a escola era uma instituição extremamente valorizada pelos bakairi, o que era demonstrada pela baixíssima abstenção nas aulas, pela longa distância que os alunos de outras aldeias percorriam diariamente para chegar à escola, pela ansiedade que demonstravam os alunos à espera do horário da aula, pela excitação que demonstram por estar na escola, pelo tempo gasto em preparar seus corpos para ir à aula, pelo lugar de destaque que ocupa o prédio escolar nas aldeias, pela preocupação dos pais diante do estudo dos filhos e pela valorização da posição do professor. Por outro lado, também, observava que os conteúdos escolares não eram tratados com a mesma importância, seja por parte dos alunos, seja pelos professores. A maioria dos alunos não tem o hábito de estudar em casa, abrindo o caderno somente para fazer suas ‘tarefas’ ou para ‘decorar’ o conteúdo da prova, e reclamando muito de ter que ler ou estudar – dizendo que ‘a cabeça dói’ – em decorrência do privilégio da oralidade e da observação na transmissão do conhecimento, o que faz com que o hábito de ler ou estudar ainda seja um comportamento muito distante das formas de aprendizado a que estão acostumados. (Collet, 2006, p. 274). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1425 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Barth (1995) apud Tassinari (2003, p. 32) propõe uma imagem da cultura como conhecimento e, nesse sentido, pensar a cultura nesses termos, a partir do que nos dizem os povos indígenas, em seus contextos escolares, parece-nos interessante, na medida em que nos permite “tornar esse conceito menos abstrato e aberto para o envolvimento das pessoas com o mundo por meio da ação” (TASSINARI, 2003, p.32). Nisso, a cultura, quando acionada na/pela escola produz diversos efeitos e tensões; afirma identidade, constrói pessoas “fortes na cultura” e fortalece o movimento indígena, como afirmam os Tupinambá. Por outro lado, é importante não perder de vista o que nos diz Grupioni Percebe-se que, nos cenários multifacetados, de complexa interação, em que estão inseridos cada vez mais os representantes indígenas, não se produz um único discurso ou um único uso da cultura, mas muitos discursos, que se adaptam e são moldados de modo próprio a cada contexto particular de interlocução. Nesses contextos, tal como propõe Cunha (2009), produzse como discurso uma “cultura” (com aspas), que é utilizada em políticas étnicas que visam à afirmação da diferença por meio de enunciados a respeito da indianidade. Falar sobre a “invenção da cultura”, de acordo com essa autora, não é falar sobre cultura, mas, sim, sobre “cultura” (com aspas); isto é, o metadiscurso reflexivo sobre a cultura. Abre-se aqui um campo importante de reflexão e de atuação para os antropólogos, junto com os demais profissionais envolvidos na formação de professores indígenas, uma vez que a construção de certo tipo de discurso a respeito da “cultura” indígena é, talvez, o resultado menos conhecido e, portanto, menos refletido, sobre o impacto da instituição escolar em meio indígena (GRUPIONI, 2013, p.76). Outra advertência e que nos parece importante destacar é o que nos lembram Tassinari e Cohn (2012), quando afirmam que, Quando pensamos nos impasses da educação escolar indígena, os maiores riscos parecem estar exatamente em imaginar ou esperar que a escola possa se tornar uma “instituição nativa”, se diluir no cotidiano indígena, ou em desconhecer a efetiva diferença que está não só nos conhecimentos escolares, como nos modos de conceber o conhecimento, sua produção, aquisição e expressão. A noção de fronteira nos auxilia exatamente a manter a diferença que deve conviver nas práticas escolares. É disso, afinal, que se trata a interculturalidade, e é só assim que os conhecimentos indígenas e não indígenas poderão, eventualmente, se comunicar, em vez de caminhar em paralelo (TASSINARI &COHN, 2012, p. 268). O grupo do Observatório da Educação Escolar Indígena da UFSCar6, sob coordenação da Profª Drª Clarice Cohn realizou pesquisas em escolas indígenas nas regiões do Alto Rio 6 O Observatório da Educação Escolar Indígena foi aberto pelo edital 01/2009 da CAPES/SECAD/INEP e tem como objetivo realizar um diagnóstico das escolas indígenas de todo o Brasil, fortalecer o regime de colaboração, redesenhado a partir da proposta dos Territórios Etnoeducacionais. O núcleo da Universidade Federal de São Carlos é coordenado pela Prof.ª Dr.ª Clarice Cohn, com o ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1426 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Negro (AM) e de Altamira (PA). O grupo é composto por pesquisadores que produziram etnografias de escolas: Camila Beltrame, que fez o seu trabalho na escola Xikrin Bep Pryti, na região de Altamira (PA); Xanda Miranda, que realizou seu trabalho com os Asurini da aldeia Koatinemo, também na região de Altamira; Eduardo Belezini que faz sua etnografia entre os Arara do Laranjal. Amanda Marqui já concluiu sua pesquisa em que acompanhou o cotidiano das crianças na escola Kariwassu guarani, dos Guarani Mbya do município de Jacundá (PA). No ano de 2012, Marqui começou sua pesquisa de doutorado na comunidade de Vista Alegre, junto ao Professor João Claudio, indígena Baniwa, também membro deste grupo de pesquisa. Em todas as pesquisas buscou-se compreender o grande valor que as populações indígenas dão à escola e como o projeto de educação escolar diferenciada se concretizou (ou não) nas referidas comunidades. Questões comuns relacionadas ao currículo também foram tratadas, como, por exemplo, qual a língua utilizada na escola, qual o lugar da cultura no ambiente escolar e qual a participação da escola na vida da comunidade, a participação da comunidade na escola (COHN, 2011, s/p). Todo o nosso esforço em refletir acerca da relação entre cultura, currículo e escola em contexto indígena se justifica na medida em que entendemos que as escolas indígenas produzem novos sentidos para o currículo, inclusive enquanto campo de conhecimento. Parece-nos que nas escolas indígenas o currículo é praticado como ato de currículo, em constante produção. Nisso, a cultura e tudo o que ela proporciona, torna-se currículo. Como cultura, o currículo “deve passar a ser uma pauta implicacional de muitos segmentos sociais antes alijados dessa possibilidade, com consequências profundas no que concerne à democratização curricular” (MACEDO, 2013, p. 16) e à possibilidade de construção da autonomia nos projetos de escola e de futuro em cada contexto indígena. Considerações finais Neste artigo, através de um aparato antropológico, procuramos debater sob o viés do currículo como a escola indígena específica e diferenciada pode ser pensada e como estas populações se apropriaram das garantias legais para manter, a seu modo, a instituição em suas próprias comunidades. Neste sentido, a escola, o currículo e tudo o que a cerca – parecem acenar para a possibilidade de produção de novos sujeitos sociais (e não somente de identidades sociais), mais “fortes na cultura”, como dizem os tupinambá –, de onde emergem, também, “sujeitos projeto intitulado A educação escolar indígena em duas realidades: uma comparação entre os Territórios Etnoeducacionais Amazônia Oriental e do Rio Negro. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1427 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino tradicionais”, “tradições indígenas” “educação indígena”, “cultura indígena” que, necessariamente, não se contrapõem à educação escolar, mas, antes, buscam marcar diferenças que se tornam compreensíveis a partir da escola. Como afirma Gallois (2007, p.100) “regimes culturais são passíveis de mudanças, geradas por transformações em série e pela complexificação das dinâmicas de transmissão cultural”. Além disso, segundo a autora, “nesses processos, elas [as comunidades indígenas] não só criam novos objetos como constroem a si mesmas, enquanto sujeitos políticos e ativos agentes da mudança” (2007, p. 96). Por tudo o que apresentamos, é interessante pontuar que o currículo no contexto da escola indígena deve ser (e é) mais do que um aparato burocrático. Ele deve atender à especificidade de cada escola e também àquilo que os indígenas concebem como imprescindível dentro do contexto escolar – seja no que se refere aos conhecimentos tradicionais, seja no que se refere ao “conhecimento do branco” – no sentido de tomar a escola como mais um lugar de valorização cultural e, também, como instrumento para apreender e estabelecer relações como realidades externas a cada povo. Por fim, como afirmam Tassinari e Cohn (2012, p. 266) “não se trata, portanto, de ressaltar um limite “natural” entre povos e tradições distintas envolvidas no processo escolar. Ao contrário, tratase de atentar para essa interação, produtora das diferenças, para as possibilidades de troca e para os limites que ele encerra”. Referências ALVARES, Myriam Martins. Kitoko Maxakali: a criança indígena e os processos de formação, aprendizagem e escolarização. Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 8, volume 15(1), 2004. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. 1. Artes de fazer. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. COLLET, Célia Letícia Gouvêa. Ritos de civilização e cultura: a escola bakairi. Rio de Janeiro: UFRJ – Museu Nacional, 2006 (Tese de doutorado). COHN, Clarice. Educação escolar indígena: para uma discussão de cultura, criança e cidadania ativa. Revista Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n.02, 2005, pp. 485-515. COHN, Clarice. 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PALAVRAS – CHAVE: Educação Escolar Indígena. Reconstruir. Educação. ABSTRACT This goal of this study is to analyze the educational practices in the pedagogical and political methods regarding the indigenous education under the prism (Programa de Licenciatura Indígena – PROLIND. We have made use of authors who approach this theme such as: APOLINARIO (2006), FLEURI (2003). As methodological approach we have done a qualitative, making use of interviews with teachers, official documents and analysis of public policies. Looking through the lenses of the knowledge of the indigenous people we can (re) build our practices, focusing on new possibilities on how to work with indigenous Education and its History. KEYWORDS: Indigenous Scholarship Education. Rebuild. Education. INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto de uma pesquisa sobre os povos indígenas. Neste sentido nos debruçamos sobre o programa de Licenciatura dos Povos Indígenas (PROLIND) o qual oferta uma educação superior aos povos indígena pautada por três princípios: o ensino bilíngue, a 7 Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba(UEPB). Mestrando em Serviço Social (UEPB). E-mail: [email protected]. Trabalho orientado pela professora da UEPB, Patrícia Cristina de Aragão Araújo, doutora em educação, membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão comunitária – NUPECIJ. Grupo de Pesquisa, Ensino, Cultura. E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1431 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino interculturalidade e o cotidiano; com uma interface com os estudos acadêmicos do mundo indígena perpassado por professores vinculados a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) ao mundo indígena que são os alunos-professores potiguaras sob os auspícios da Organização dos Professores Potiguaras (OPIP) fazendo o uso da interculturalidade como eixo articulador entre os conhecimentos deste mundo, de forma que os professores indígenas, no caso, os alunos possam apreender estas práticas e possam perpassá-las as escolas onde lecionam tornando a experiência de ensino fluida e dinâmica. Este artigo tempo por objetivo analisar as práticas escolares e pressupostos do Programa de Licenciatura Indígena (PROLIND) em seus desafios e dilemas, assimilado como um curso intercultural e interdisciplinar onde saberes do mundo indígena são (re) construídos constantemente fruto do contato entre povos indígenas e não indígenas. Para isto faremos uma (re) visitação a Historiografia dita “tradicional” que conduziu a História do Brasil, porém esta prática esteve impregnada de um cenário com mitos, preconceitos e estereótipos, logo este estudo tem o intuito de promover uma tessitura sobre a Educação indígena, na qual estes povos, por sua vez, tem sua História (re) contada auxiliando a promover novos sentidos de educação indígena, e novas possibilidades de ensino de História e trato da questão indígena no Brasil. Do ponto de vista metodológico empreendemos uma pesquisa de campo com a visitação da sede do PROLIND, pesquisa documental e a realização das entrevistas com os alunos-professores que são os povos indígenas, contemplando o ato de “ouvir contar” (Alberti, 2004) entendermos como se figura esta educação indígena, e de como estas facetas por meio da interculturalidade (Fleuri,2002) adquirem uma visibilidade prática na ação docente dos professores em escolas de educação indígena, então refletiremos sobre os parâmetros da educação indígena e de como as políticas públicas atuam junto aos sujeitos deste processo em prol de promover uma educação que paute pelo respeito ao culturalismo e as questões étnicoraciais. Assim esperamos que este trabalho promova o debate sobre os povos indígenas no Brasil, e na Paraíba em particular, procurando inserir estes povos na condição de protagonistas da história, dando visibilidade e reconhecimento histórico a estes povos, sem os “emblemas epistemológicos”, oriundos dos arquétipos tradicionais erigidos sobre estes povos, mas vendo os povos indígenas como híbridos culturais (Canclini,2008), e que como tais necessitam ter sua história recontada numa diretriz dinâmica e atual. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1432 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino (RE) CONSTRUINDO SABERES SOBRE OS POVOS INDÍGENAS: A EDUCAÇÃO INDÍGENA SOB A ÉGIDE DO PROLIND – DESAFIOS E DILEMAS A escrita deste texto foi desenvolvida é uma reflexão sobre o curso PROLIND nos seus desafios e dilemas entendido como um curso de formação inicial, que auxilia na Educação Escolar indígena, fornecendo aos (as) professores (as) indígenas conhecimentos que auxiliem na sua prática de ensino, e ao mesmo tempo (re) construa suas práticas de formação, a partir do contato com saberes não indígenas, na busca da promoção de novos saberes que reformulem a educação indígena superior, e que isso reflita nas escolas, possibilitando o pensar em novas diretrizes e problemáticas para a Educação indígena e ensino de História. Para isso faremos uma emersão a Historiografia que caracteriza os povos indígenas sob um prisma histórico, para depois discutirmos sobre o PROLIND, e verificarmos as representações que a Historiografia tece sobre o ensino de História, e as do PROLIND como um curso destinado a formação do docente indígena que fabrica dispositivos textuais e culturais que podem ressignificar os saberes indígenas no século XXI. Neste esboço recorremos à Historiografia que versa sobre o colonialismo e a relação entre os conquistadores e conquistados. Tomamos como norte as discussões tecidas por autores clássicos como Varnhagen( 1878) em História Geral do Brasil tomo I, que apresenta um rigoroso “perfil” do país em aspectos fitogeográficos, naturais e humanos mostrando o cotidiano dos povos indígenas e como se deu o processo de colonização. Na opinião deste autor o processo trouxe a civilização e o progresso ao nosso país, pois os povos indígenas no seu entender eram “preguiçosos e indolentes além de não terem o “espírito desenvolvimentista” lusitano (VARNHAGEN, 1975) Verificamos também com Capistrano de Abreu em Capítulos de História Colonial (1976), aborda os detalhes que envolveram a colonização, porém com uma diferença em sua obra a valorização não era do “lusitanismo puro”. O autor ressaltava as influencias lusitanas no caráter do homem dos sertões, espaço que mais tarde viria a se configurar como Nordeste, explicando o contexto histórico, a partir destas influências, principalmente as positivas, o espírito empreendedor e aventureiro deu qualidades ao homem dos sertões. Sobretudo, ele considerava os povos indígenas como protagonistas da História, ao lado dos homens dos sertões, sendo moldados com “as qualidades dos lusitanos”. Os portugueses eram considerados como seres “seres alienígenas” (ABREU, 1976). A partir das contribuições deste autor foi construída uma “História Nacional” desvinculada dos “projetos ibéricos” e que inseria o “povo brasileiro” como protagonista. Esta ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1433 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino concepção viabilizou novos rumos para se traçar a historiografia colonial brasileira independentemente de correntes lusitocêntricas, capaz de valorizar os conquistados. Esta vertente migrou para o pensamento de outros historiadores como, por exemplo, Sérgio Buarque e inaugurou um novo período de produções intelectuais que imprimiam os aspectos que nos tornavam de fato “brasileiros”. Contudo, não podemos deixar de salientar outra historiadora contemporânea de grande cabedal teórico-metodológico que figura ao lado das mencionadas com a abordagem dos povos indígenas dos estados do Tocantins, Piauí e Goiás em sua análise. A historiadora Juciene Ricarte Apolinário em Os Akroá e outros povos indígenas nas Fronteiras do Sertão – Política indígena e indigenista no norte da capitania de Goiás, atual Estado do Tocantins século XVIII(2006). Nesta obra encontramos um criterioso e rico trabalho, com o emprego de largas fontes e o uso da historiografia, comprovando a sua solidez discursiva, ancorada pela História Cultural em suas vertentes culturais, sociais e políticas. Trata-se da descrição dos aspectos relacionados à colonização do Piauí e Tocantins, e de como as nações indígenas, sobretudo os Akroá, foram desterritorializados de suas terras, religião e cotidiano, sofrendo um processo de etnocídio, inclusive linguístico. Enfatizaremos em geral, o objetivo da gestão colonial e política indigenista e por que seu objetivo ortodoxo para enfim, vislumbrarmos as contribuições que o PROLIND traz sobre os povos indígenas em Âmbito educacional e histórico numa perspectiva atual. O objetivo do colonizador, conforme nos ensinou a tradicional história, era o de povoar explorando e levando as “nossas riquezas”, da antiga colônia Brasil para a metrópole Portugal. Conforme a colonização foi atingindo patamares maiores sentidos pela visível “expansão territorial”, os contornos foram mudando e surgindo novas alianças e “métodos de exploração” distintos dos praticados nos primórdios da nossa colonização. Agora, as Leis, notadamente a partir do século XVIII, emergiam e determinavam com mais veemência os rumos da colonização. Neste sentido, de acordo com autora no século XVIII, foi promulgada a Lei de Liberdade dos Índios de 1755. Segundo ela, os povos indígenas em terras que não pertenciam aos interesses da coroa e fossem catequizados, não seriam escravizados nem envoltos em perda de terras, desde que aceitassem a imposição religiosa da igreja e os “ditames da coroa”. Com isso, os nativos esqueciam muitas vezes suas raízes culturais e étnicas em troca da própria sobrevivência. Porém, o “combustível” desta e de outras legislações em “favor dos indígenas” vinha imbricado de uma ideologia ibérica, expressa nesta fala elucidada por Apolinário (2006): ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1434 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino O objetivo da gestão colonial era passar a implantar, efetivamente, a política indigenista representada pela Lei do Diretório que se deve observar nas povoações dos Indígenas do Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade não mandava o contrário que se estendeu a todas as capitanias do Brasil em 1758. Pretendia-se não só tornar os indígenas tementes ao Deus cristão, sob o auspício da Igreja Católica, mas seres “civilizados” através de ações racionalizadas em espaços planejados. É o que explica na apresentação do mapa da aldeia que segue informando: “Habitação dos indígenas Akroá, que com incomparável zelo e fé católica, e aumento dos vassalos de Sua Majestade que reduziu a civilização o Ilmo.Senhor general, José de Almeida Vasconselos de Soveral de Carvalho, no ano de 1774 (APOLINÁRIO, 2006, p.150) Desse modo para o português católico, nobre e fiel ao rei, a religião não significou apenas um instrumento de controle social, mas também político. Os nativos catequizados se transformavam em “índios domesticados”, com a mortandade de seus “hábitos bárbaros”, adotando os aspectos do “mundo português”. Isso caracterizava um conflito interétnico tanto para os indígenas que se viam temerosos de perder sua vida e, por isso, acabavam comprometendo sua tradição cultural e de outro lado, para os portugueses que, no âmbito de suas práticas exploratórias temiam perder o “apoio” de algumas tribos. Vale salientar que nem todas colaboraram “facilmente” com o colonizador português, apresentando uma impressionante resistência, a exemplo, dos Xavantes no norte, atual Amazonas, e os próprios Akroá, mas, que enfim, sucumbiram ao outro. As tribos que resistiram tiveram o apoio dos jesuítas e se deslocaram a grandes distâncias, com alianças em busca de sua sobrevivência. A autora elucida as relações interétnicas presentes na colonização: As relações interétnicas entre indígenas e colonizadores eram complexas para ambos, Para os portugueses, o modo de vida indígena era compreensível e para os colonos, que conviviam com “medo” do “outro”, a forma de descrevê-lo era utilizando os seus conceitos e preconceitos construídos pelas experiências do passado. Como afirma Carlos Alberto de Moura Ribeiro, o medo era um elemento intrínseco na percepção do “outro” e uma situação de poder diante do desconhecido (Apolinário, 2006, p.63) Pelo exposto vemos o porquê dos colonizadores serem ortodoxos com seu regime colonial, uma vez que o contato estabelecido entre os portugueses e os indígenas foi difícil para ambos dirigidos sob um medo do desconhecido. Ambas as culturas foram encontrando seus espaços de dominação (cultura lusitana) e de exclusão (cultura indígena), e a identidade indígena foi perdendo território e fragmentando-se. Contudo, sua essência na atualidade permanece, embora haja influências dos não indígenas. Verificamos nos potiguaras pesquisados uma mescla de culturas ou um “hibridismo cultural”. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1435 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Com o advento da História Cultural novos paradigmas foram construídos para a História, a exemplo da Interculturalidade e sua visão étnico-racial. Contudo, antes de adentrarmos a nesses pressupostos e a educação escolar indígena proposta pelo PROLIND, convém analisarmos brevemente como a Historiografia tradicional promoveu uma escrita da história desses povos, e como os novos autores modificaram este discurso. Varnhagen(1816-1878), em História Geral do Brasil, descreve com minúcia a colonização, expondo aspectos naturais, da fauna e da flora, compondo os primeiros capítulos da obra. Notamos uma descrição sobre os povos indígenas, porém estes eram marginalizados (pensamento que predominou até o século XIX) e subordinados, vistos como “bárbaros e bons selvagens”, num ideário romantizado, preconceituoso e estereotipado. Enquanto o colonizador era o “referencial” de civilidade, bons costumes, enfim, de tudo que era moderno, culto e belo, sendo as outras raças consideradas inferiores. A própria História eurocêntrica, conservadora e excludente, o que justificava ideologicamente a dominação das “grandes potências”. O autor expressa o que considerou de “positivo” na entrada dos portugueses no Brasil, valorizando totalmente os colonizadores e tratando os povos aqui encontrados como a-históricos, por não estarem inseridos ainda na “cultura portuguesa”. Apesar das vicissitudes, preconceitos, exageros e equívocos deste autor, uma vez que esta obra foi elaborada no auge do império português no Brasil, período em que se fazia preciso estabelecer uma “historiografia” nacional, que ressaltasse os valores lusitanos, é importante refletirmos sobre esse pensamento para o desconstruirmos. No fragmento abaixo Varnhagen(1976) se refere ao atraso do Brasil: Para fazermos, porém, melhor idéia da mudança ocasionada pelo influxo do cristianismo e da civilização, procuraremos dar uma notícia mais especificada da situação em que foram encontradas as gentes que habitavam o Brasil; isto é, uma idéia de seu estado, não podemos dizer de civilização, mas de barbárie e de atraso. De tais povos na infância não há história: há só etnografia. A infância física é sempre acompanhada de pequenez e de misérias. E sirva esta prevenção para qualquer leitor estrangeiro que por si, ou pela infância de sua nação, pense de ensoberbecer-se, ao ler as pouco lisonjeiras páginas que vão seguir-se (VARNHAGEN, 1976, p.30) Esta visão sugere que o autor não considerava os povos indígenas como precursores de nossa nação, denegrindo-os, em detrimento aos portugueses, fazendo uma ode ao portuguesismo, inclusive no aspecto religioso, negando a História antes da colonização. Observamos ainda o descomprometimento com uma “identidade nacional” e o pensamento do homem de sua época, distinto dos “caminhos culturais” adotados anos mais tarde pelos ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1436 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Annales e aperfeiçoados ao longo do tempo, em que a Cultura é a base para entender um sistema nos entremeios das várias identidades e etnias presentes numa dada sociedade. Na ótica de Abreu (1853-1927), em Capítulos de História Colonial, não são descritos com tanta minúcia os aspectos relacionados à colonização, inovando sua abordagem desta temática. Ao invés de enaltecer o papel do português no país ele enfatiza o homem do sertão (interior) como protagonista da História, ao lado dos povos indígenas. O português e outros estrangeiros aqui presentes, são identificados como “alienígenas”. A obra começa descreve os aspectos geográficos e humanos, assim como Varnhagen, mas menciona o perfil do colonizador dos trópicos e de como este foi determinante com as outras etnias no próprio processo de colonização. Esse ponto de vista transfere subjetividade e sensibilidade à história, mesmo que estas categorias estejam presentes em obras de cunho cultural com contornos definidos. Com destaque de ênfase ao homem do interior valorizando a mestiçagem das raças, verificada também nos sertões e que deu origem ao hibridismo étnico neste contexto histórico. A mestiçagem definiu o perfil identitário, cultural e étnico do Brasil, inclusive nas bandeiras e ciclos econômicos que permitiram a interiorização e o desenvolvimento da colônia. A essência desse processo originou uma “pátria de hibridismo cultural” e pluriétnica, que Abreu (1976) salienta como reflexo da migração e da multiplicidade parental das índias: Da parte das índias a mestiçagem se explica pela ambição de terem filhos pertecentes à raça superior, pois segundo as idéias entre elas ocorrentes só valia o parentesco pelo lado paterno. Além disso, pouca resistência deviam encontrar os milionários que possuíam preciosidades fabulosas como anzóis, pentes, facas, tesouras, espelhos. Da parte dos alienígenas devia influir, sobretudo a escassez, se não ausência de mulheres de seu sangue. É fato observado em todas as migrações marítimas e sobrevive ainda depois do vapor, da rapidez e da segurança das travessias (ABREU, 1976, p.29) O autor afirma ainda que a mestiçagem foi “objeto de cobiça” não só do português, mas como objeto de desejo indígena numa relação contratual estabelecido entre colonizadores e colonizado. Na verdade isso foi o elemento constitutivo de nossa identidade e da plurietnicidade do nosso país. Por isso, posteriormente, Abreu (1976) dá visibilidade ao “povo brasileiro” e não ao português, contribuindo com uma análise crítica da sociedade, aprimorada por Holanda. Por fim, ele discutiu o significado do processo de colonização do Brasil, apresentando por desfecho um malogro social e étnico: Cinco grupos etnográficos, ligados pela comunidade ativa da língua e passiva da religião, moldados pelas condições ambientes de cinco regiões diversas, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1437 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino tendo pelas riquezas naturais da terra um entusiasmo estrepitoso, sentindo pelo português aversão ou desprezo, não se prezando, porém, uns aos outros de modo particular, eis em suma ao que se reduziu a obra de três séculos (ABREU, 1976, p.213). Segundo a concepção do autor, a colonização, do ponto de vista etnográfico, simbolizou o afã pelas riquezas naturais dos portugueses e suas práticas predatórias ao longo das cinco regiões geoeconômicas. Quanto aos nativos houve um processo de ruptura com seus hábitos culturais e sua ancestralidade, o que denota um “desprezo” destes povos com as ideologias e práticas lusitanas. Sentimento recíproco nos homens do interior, quando tais práticas fomentarão o sentido de emancipação política do Brasil, no futuro, culminando com a independência e o advento da República. Então, observamos que a tradição portuguesa vai perdendo espaço na historiografia para emergir uma História nacional e crítica, conforme verificado por Sérgio Buarque de Holanda. Na verdade, HOLANDA (1963) faz uma crítica severa à experiência lusitana, discutindo o “aparato religioso, técnico e identitário” português, relatando inclusive como decorria o sistema colonialista e suas consequências. No entender do autor, todo o projeto colonial foi tecido sem uma ética de trabalho e preocupação com as condições do nosso país. Sobre esta conjuntura esclarece: Entre nós, o domínio europeu foi, em geral, brando e mole, menos obediente a regras e dispositivos do que à lei da natureza. A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais, e morais. Nossos colonizadores eram antes de tudo, homens que sabiam repetir o que estava feito ou o que lhes ensinara a rotina. Bem assentes no solo, não tinham exigências mentais muito grandes e o Céu, parecia-lhes uma realidade excessivamente espiritual, remota, póstuma, para interferir em seus negócios de cada dia (HOLANDA, 1963, p.30) Por tais palavras visualizamos como foi o domínio lusitano no Brasil, onde os interesses foram os carros-chefes da colonização. Uma vez que na “cosmovisão portuguesa” os direitos dos indígenas e africanos estavam subjugados as suas práticas exploratórias, não havendo uma preocupação com os explorados. Havia uma ambição de riquezas, mas felizmente em relação a outros conquistadores, os portugueses eram mais “tolerantes”, principalmente no tocante a práticas religiosas e cotidianas dos povos. Todavia, isso não foi um fator que exumasse as más práticas portuguesas, significando que eles estavam aptos para explorar mais e desrespeitando, se encontrassem a margem, os direitos dos povos indígenas. Sobre tais direitos Holanda (1963) que argumenta: ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1438 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino O reconhecimento da liberdade civil dos índios mesmo quando se tratasse simplesmente de uma liberdade “tutelada” ou “protegida”, segundo a sutil discriminação dos juristas tendia a distanciá-las do estigma social ligado à escravidão. É curioso notar como algumas características ordinariamente atribuídas aos nossos indígenas e que fazem menos compatíveis com a condição servil, sua “ociosidade”, sua aversão a todo esforço disciplinado, sua “imprevidência”, sua “intemperança”, seu gosto acentuado por atividades antes predatórias do que produtivas, ajustam-se de forma bem precisa aos tradicionais padrões de vida das classes nobres (HOLANDA, 1963, p.35) O autor prossegue seu argumento mostrando que o pré-julgamento concebido pelos portugueses sobre os “desvios” de conduta dos povos indígenas esta relacionado a características inerentes aos próprios portugueses das classes sociais mais favorecidas. Logo não se devia estigmatizar os povos indígenas, pois eles não eram nem considerados como seres civilizados e “cidadãos”. Apesar da compilação de leis em prol destes povos não havia seu reconhecimento, tampouco o estabelecimento de seus direitos, fato registrado só em 1910 quando o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) vai regular as legislações a favor desta etnia. O ponto positivo da obra é a análise sócio-histórica e cultural destes povos, e sua criticidade marca definitivamente o rompimento com um projeto de historiografia lusobrasileiro. Assim, seu conteúdo é de grande valia, importância e significado para se pensar o contexto colonial no Brasil, servindo de base para as discussões culturais elaboradas anos mais tarde. Sobre as autoras contemporâneas, convém ressaltar, sobretudo, as contribuições de Laura de Melo e Souza em O diabo e a terra de Santa Cruz (2009), que tece uma narrativa sobre os povos indígenas, levando em consideração as mentalidades dos colonizadores ibéricos sobre os colonizados, e o imaginário que a igreja católica formulou gerando uma conjuntura que categorizou o que viriam a ser “práticas de feitiçaria”, ideário presente desde a Idade Média até o período colonial. Um pensamento que migrou para as elucubrações mentais dos colonizadores: Natureza edênica, humanidade demonizada e colônia vista como purgatórias foram as formulações mentais com que os homens do Velho Mundo vestiram o Brasil nos seus três primeiros séculos de existência. Nelas, fundiram-se mitos, tradições europeias seculares e o universo cultural dos ameríndios e africanos. Monstro, homem selvagem, indígena, escravo negro, degredado, colono que trazia em si as mil faces do desconsiderado homem americano, o habitante do Brasil colonial assustava os europeus, incapazes de captar sua especificidade. Ser híbrido, multifacetado, moderno, não poderia se relacionar com o sobrenatural senão de forma sincrética (SOUZA, 2009, p.117) ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1439 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Nesse sentido havia um “arquétipo colonial” projetado pela mentalidade lusitana sobre a colonização, e de como se formavam as práticas religiosas que deflagraram uma “religiosidade popular”, engendrando um hibridismo cultural e étnico no país. Logo, a análise empreendida por esta autora nos mostra outra possibilidade de se trabalhar a historiografia, sendo de suma importância para se trabalhar a colonização. Por isso, empregamos neste breve “recorte historiográfico”. Na concepção de Mesgravis(2010), a historiografia desse período é tecida, a partir de momentos cruciais na colonização por cronistas leigos e religiosos. Sobre os últimos é importante frisar que: “Os jesuítas, ainda que adotando posições baseadas em visões contraditórias da cultura indígena, vão sempre denunciar a violência do processo da conquista com o extermínio e a exploração do índio” (MESGRAVIS, 2010, p. 40). Aqui temos uma construção de História “oficial”, originando a catequese que “domesticou” os nativos, pacificando seus hábitos, mas abdicando de sua cultura e de suas expressões coletivas. Havia a presença de cronistas leigos como Hans Staden, Koster e Tollenare que empreenderam incursões ao interior e litoral e teceram uma história “mais dinâmica”, entremeada por fatos do cotidiano destes povos, como o “antropofagismo”, e hábitos peculiares que se diferenciavam de tribo para tribo e compunham a vida dos povos indígenas. Este “métier” historiográfico é possível no livro didático se compararmos os povos indígenas antes dos colonizadores e o que sobre eles foi descrito por cronistas leigos e religiosos. Nessa perspectiva, poderemos identificar como surgiu um “projeto desenvolvimentista” excludente, que não inseria estes personagens como protagonistas do processo histórico. Assim, seria possível, repensar sobre o papel dos povos indígenas para rememorarmos suas tradições tecendo uma nova historiografia a partir de outro contexto social. Diante do percurso historiográfico realizado verificamos como a trajetória dos povos indígenas, é digna de registro e análise. Assim, neste momento discutimos as tessituras do PROLIND e nossas opções teóricas a fim de tecer novas considerações sobre os povos indígenas no Brasil, tendo por base os sujeitos históricos pesquisados, na direção de uma proposta educativa que os considerem em suas especificidades. O Programa de Licenciatura dos Povos indígenas (PROLIND) apresenta um Projeto Político Pedagógico (PPP) norteado pelas orientações da Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 10.172/01, Plano Nacional de Educação – PNE e do Referencial Curricular para as Escolas Indígenas – RCNEI, além da Portaria Ministerial 559/91 e ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1440 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino da Resolução CNE/CEB nº 003/99. Origina-se da discussão dos Professores Indígenas Potiguaras (OPIP) e do esforço e compromisso da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em criar um curso específico para atender a demanda dos professores indígenas por uma educação de qualidade em nível superior. Vale ressaltar que este projeto originou-se de uma luta dos professores indígenas potiguaras junto às universidades que se organizaram e manifestaram por uma formação superior específica, buscando em três universidades: a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com campus em João Pessoa, devido a proximidade com a cidade de Bahia da Traição; a Universidade Estadual da Paraíba(UEPB); e, por fim, a Universidade Federal de Campina Grande, que diferente das outras, que não se interessaram pelo projeto, apresentou um parecer favorável a sua implantação. Contudo, os povos indígenas lutaram para que este fosse viabilizado através de reuniões com o magnífico reitor desta instituição, em departamentos como o de Humanidades e o de Antropologia, realização de oficinas como a III Oficina sobre a Educação Escolar Indígena, no período de 31 de maio a 3 de junho de 2004, na Escola Cacique Iniguaçu, aldeia Tramataia, Terra Indígena potiguara. A UFCG foi representada naquele evento pelo prof. Márcio Caniello que participou da mesa: “O ensino superior e os povos indígenas: programa de acesso e permanências nas universidades da Paraíba e a oferta de um curso específica para a formação dos professores potiguara”. Nesta ocasião o professor reconheceu a importância do evento e dos sujeitos históricos dos povos potiguaras como uma das maiores etnias indígenas do Nordeste. De acordo com dados do PROLIND, a tribo alcança aproximadamente 10 mil indivíduos. Logo, em sua visão, havia a necessidade de um curso superior que preparasse estes indivíduos para atuarem como docentes nas escolas de suas respectivas comunidades. Como produto desta oficina, em 14 de outubro de 2004, a diretoria do Centro de humanidades, depois de consultar as Unidades Acadêmicas envolvidas, emite a portaria CH/UFCG/Nº 039, compondo a comissão encarregada de estudar a viabilidade de oferta de um curso de Licenciatura em Educação Indígena. A comissão foi formada por professores representantes dos quatro departamentos desta instituição, a saber: Antropologia, História, Biologia, Letras e Ciências Sociais, que se articularam e buscaram os representantes potiguaras e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para discutir as diretrizes da implantação do curso de Licenciatura. O reitor esteve presente nesta reunião e afirmou o interesse da UFCG na criação da Licenciatura. No dia 14 de dezembro de 2004, a Comissão reuniu-se com professores ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1441 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino potiguaras e a FUNAI, durante a IV Oficina sobre Educação Escolar Indígena, momento em que foram discutidos vários aspectos em busca de critérios de avaliação para a viabilidade deste curso na UFCG. Considerando os resultados dessas reuniões e após a análise de inúmeros documentos relativos a relatórios de seminários, publicações acadêmicas, normas legislativas e administrativas ou pareceres com relação direta ou indireta com o acesso dos indígenas ao ensino superior, a Comissão, contando com a participação ativa da OPIP e da FUNAI-PB, finalizou a elaboração do estudo de viabilidade solicitado pelo conselho Estadual de Educação da Paraíba à UFCG, que foi encaminhado à diretoria do CH em 18 de maio de 2005. No bojo de toda esta conjuntura a comissão julgou viável a criação de um curso de Licenciatura em Educação Escolar Indígena a ser gerido no âmbito do Centro de Humanidade, face ao manifesto interesse da UFCG para tal realização, ressaltando, contudo, a necessidade de ajustes nas condições estruturais e de pessoal docente para sua efetivação. Assim, em 29 de junho de 2005, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da Secretária de Educação Superior (SESU) e da Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) lançam o edital do Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas – PROLIND, com um eixo voltado para a elaboração de Projetos de Cursos de Licenciaturas específicas para a formação de professores indígenas em nível superior. A partir deste contexto, e tendo em vista o engajamento destes povos presenciamos o nascimento deste curso que, dentre outros conceitos, tinha como questões fundamentais: a consolidação da identidade indígena potiguar, expressa nas condições do curso, e a interculturalidade para entender a educação indígena. Podemos sintetizar o “movimento” de criação do curso nesta prerrogativa do PPP do PROLIND que diz: Em suma, o PROLIND/UFCG/OPIP utilizou-se de oficinas, atividades de pesquisa e seminários para construir este Projeto Pedagógico em consonância com a proposta de uma educação indígena diferenciada, baseada nos avanços críticos conseguidos num processo democrático e participativo. Suas perspectivas vão além da formação de educadores capacitados e comprometidos com a perpetuidade da cultura e das tradições, pois pretende, também, auxiliar o povo na gestão de seu território e preparar os jovens para sua inserção na universidade e no mundo do trabalho (PPP-PROLIND, 2007, p.12) Diante do quadro exposto observamos que a conquista foi fruto da luta dos professores indígenas organizados e cônscios de seus direitos, que optaram pela “via do conhecimento” e atuaram em conjunto com a UFCG para tornar o curso possível. Consta nos seus pressupostos a preparação dos professores em sua formação continuada para atuarem na ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1442 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino formação inicial, fomentado o egresso de jovens e adultos no mundo acadêmico e do trabalho. Com isso vislumbra-se a diminuição de preconceitos e estereótipos sobre os povos indígenas, mostrando que o seu hibridismo cultural destes povos os faz terem contato com as culturas escolares dos indígenas e não-indígenas. Deste modo, este curso foi criado e busca atender a esta demanda dos potiguaras. Mas quem são estes povos e quais os motivos que os levaram a criar este curso? O povo potiguara atualmente é o único povo indígena oficialmente reconhecido no Estado da Paraíba. Sua população é superior a 10.000 indivíduos, sendo uma das maiores do Brasil e a maior do Nordeste. Estão distribuídos em 26 aldeias e nas áreas urbanas dos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Historicamente sua presença remota ainda aos primeiros anos do século XVI, quando ocupavam extensa faixa da costa entre Pernambuco e o Maranhão. Foram inseridos rapidamente no contexto da sociedade colonial do açúcar, e reunidos em aldeias de missionários localizadas em pontos estratégicos da beiramar onde serviam como mão de obra à construção de fortificações militares, sendo catequizados e recebendo os primeiros experimentos educacionais sob a direção de missionários jesuítas, franciscanos e carmelitas. Atualmente os potiguaras se encontram distribuídos em povoados e aldeias que possuem um líder ou representante, geralmente chamado de cacique, não importando necessariamente a quantidade de pessoas que habitem estes povoados. As aldeias potiguaras são: Forte, Galego, Lagoa do Mato, Cumaru, São Francisco, Vila São Miguel, Laranjeiras, Santa Rita, Tracoeira, Bento, Silva, Acajutibiró, Faraguá, Silva de Belém, Vila Monte-Mór, Jacaré de São Domingos, Jacaré de César, Estiva Velha, Lagoa Grande, Gupiúna, Brejinho, Tramataia, Camurupim, Caieira, Nova Brasília (Ibyquara) e Três Rios. Possuem uma economia predominantemente agrária com espaços produtivos para sua subsistência e para a comercialização, tendo como destaque o plantio da cana-de-açúcar e a criação de camarões em viveiros, atividades que geram, em especial, a muitos impactos no ecossistema. Porém, nossa ênfase aqui se reporta aos aspectos culturais, especialmente nas questões que desembocam em educação. No âmbito da cultura os potiguaras se apresentam como falantes do português, com grande domínio de várias expressões artísticas e literárias, como a música, a poesia e a prosa. No entanto, eles buscam aprender com professores da USP a língua tupi, o que denota uma “volta às raízes” e à ancestralidade linguística. Isso também nos revela a necessidade de uma proposta educacional que apresente uma alternativa para estes povos, pautada numa ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1443 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino visão étnico-racial, intercultural e bilíngue. Sua religião “materna” é preservada, graças a práticas do Toré, um ritual que expressa traços de suas subjetividades e identidades. Existe entre eles uma diversidade religiosa, pois foram escolarizados até o final do século XX, eminentemente por jesuítas, depois franciscanos e carmelitas, e inicio do século XIX, com o crescimento do protestantismo no Brasil. Os religiosos protestantes migraram para esta região com o intuito de evangelizar e acabaram ensinando a língua portuguesa, assim como os jesuítas se utilizam da religião com essa finalidade. Entretanto, os povos indígenas, almejaram ganhar uma “emancipação cultural” com a organização de um sistema escolar diferenciado, fundamentado em suas próprias perspectivas culturais, que lhes garantissem os conhecimentos necessários ao mundo do trabalho. Contudo, ansivama por uma perspectiva educacional que primasse pela valorização da identidade e etnicidade destes povos, o que converge com a proposta do PROLIND tendo como desafio alcançar a diversidade cultural, preservando a essência dessa etnia, a partir da educação intercultural. O objetivo central do curso PROLIND apresenta a meta de formar e habilitar professores indígenas para lecionar nas escolas do ensino fundamental e médio, com vistas a atender à demanda da comunidade indígena potiguara no tocante à formação superior de seus professores, nas áreas de concentração em Ciências Exatas, Ciências da natureza, Artes, Língua e Literatura e Ciências humanas. Desse modo envolve o comprometimento por parte de seus docentes e discentes, o que está previsto no Projeto Pedagógico, assim como um sistema de avaliação dividido em: aluno, professor e curso, imbricado de ideologias e conceitos. Por isso, enfatizaremos os conceitos chaves, tidos como desafios para sua implementação, a saber: a diversidade cultural e a educação intercultural. O reconhecimento do outro é um fator importante para entender a diversidade cultural dos não indígenas, não por padrões ascéticos e individualizantes, mas por padrões multiculturais, pautados por uma “alteridade cultural”. A cultura não se constitui como algo “estático”, monolítico e unilateral, apesar de a globalização pretender uma “uniformização” dos padrões, hábitos e costumes. Existem as culturas locais, dentre as quais, se destacam os nativos (ancestrais culturais) presentes no processo de formação dos países na Europa, e que no nosso caso estiveram presentes antes da chegada dos europeus. Estes, por sua vez, não viram a possibilidade do outro, e até o século XX as discussões historiográficas tecidas sobre a colonização davam pouca visibilidade à questão cultural. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1444 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Felizmente, com o advento de uma corrente teórica culturalista, na final da década de 60, no Brasil, a partir dos anos 80, devido, entre outras causas, ao golpe militar, houve uma redefinição no conceito de cultura, o que tornou sua discussão um conceito epistemológico. Logo, a produção historiográfica sobre a colonização assume uma nova “roupagem teórica” com contornos que primam pela diversidade cultural e o contato com o outro. Neste sentido, evocamos uma abordagem sobre a diversidade cultural, pois, no entender o PROLIND e os professores indígenas potiguaras só podem ser compreendidos através desse caminho teórico, conforme relatos do indo-britânico Homi Bhabha em O local da cultura (1998), na parte em que o autor discute sobre tal conceito e suas possibilidades de alteridade. A diversidade cultural é o reconhecimento de conteúdos e costumes culturais pré-dados; mantida em um enquadramento temporal relativista, ela dá origem a noções liberais de multiculturalismo, de intercâmbio cultural ou da cultura da humanidade. A diversidade cultural é também a representação de uma retórica radical da separação de culturas totalizadas que existem intocadas pela intertextualidade de seus locais históricos, protegidas na utopia de uma memória mítica de uma identidade coletiva única. A diversidade cultural pode inclusive emergir como um sistema de articulação e intercâmbio de signos culturais em certos relatos antropológicos do inicio do estruturalismo (BHABHA, 1998, p.63) Nessa elucidação enxergamos os propósitos e desafios do PROLIND. Primeiro, porque este curso reconhece o outro, por intermédio de suas práticas culturais sem impor quaisquer condições de currículos não indígenas, e busca uma “aproximação” entre as culturas de indígenas e não indígenas. Articula os saberes antropológicos e históricos, tendo uma acuidade ao tecer representações sobre o cotidiano e a própria essência da cultura indígena enfrentando os dilemas da interculturalidade. Isso sem a necessidade de sobrepujar os “ditames epistemológicos” enraizados no mundo dos não indígenas. Logo, o saber-fazer do PROLIND, na sua concepção teórica e metodológica propõe uma educação pautada nas relações étnico-raciais com respeito mútuo cultural tornando possível alcançar os anseios dos povos indígenas. Descentralizando o currículo dos não indígenas, estes povos podem se preparar de forma inicial e continuada, com “fluidez epistemológica” e “autoridade teórica”, produzindo conhecimentos que modifiquem seus alunos, mas que também os trans (de) formem tornando-os seres críticos e cônscios de seu papel na sociedade brasileira. Desse modo, é possível fazer migrar seus ideais para indígenas e não indígenas, valorizando, enfim as ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1445 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino contribuições identitárias e culturais que estes povos nos legaram ao longo da História do Brasil. Por fim, neste capítulo, é importante ressaltar a proposta da educação intercultural pensada pelos povos indígenas na sua esfera escolar, âmbito no qual são as vozes predominantes das práticas curriculares. Se o PROLIND busca suscitar uma educação nesses moldes, o que é uma educação intercultural? E como é possível que a cultura da escola absorva este conceito? São inquietações que julgamos pertinentes. Fundamentados em Fleuri (2003), compreendemos que no mundo escolar existem as “fronteiras culturais” que perpassam as questões curriculares e estão presentes na vida da “comunidade escolar”, especialmente num país multifacetado com várias etnias e construído sob um olhar multicultural. Emerge no bojo deste conceito a questão da complexidade de culturas e a necessidade de contemplá-las sem a supervalorização de uma cultura sobre a outra, mas através da consciência da diversidade tecer um diálogo com as diferentes culturas existentes no espaço social. Segundo Fleuri (2003) a esta prática podemos denominar de educação intercultural, uma ferramenta para se pensar um currículo norteado pela cultura, não um aporte ou complemento cultural. Em suas palavras: “A educação intercultural, não sendo uma disciplina, coloca-se como outra modalidade de pensar, propor, produzir e dialogar com as relações de aprendizagem, contrapondo-se àquela tradicionalmente polarizada, homogeneizante e universalizaste” (FLEURI, 2003, p.73). Esta cultura se constituiu numa alternativa viável nas escolas de caráter indígena e não indígena, sendo adotada como uma postura teórico-metodológica possível para abarcar a grande diversidade cultural (Lei 11.645/2008) existente na atualidade. Mas se faz necessário analisar as diretrizes propostas por esta educação para, desse modo, tecermos considerações sobre esta temática. Em relação a seus pressupostos o autor salienta que: Uma relação que se dá, não abstratamente, mas entre pessoas concretas. Entre sujeitos que decidem construir contextos e processos de aproximação, de conhecimento recíproco, e de interação. Relações estas que produzem mudanças em cada individuam, favorecendo a consciência de si e reforçando a própria identidade. Sobretudo, promovem mudanças estruturais nas relações entre grupos. Estereótipos e preconceitos, legitimadores de relações de sujeição ou de exclusão, são questionados, e até mesmo superados, na medida em que sujeitos diferentes se reconhecem a partir de seus contextos, de suas histórias e de suas opções. A perspectiva intercultural de educação, enfim, implica mudanças profundas na prática educativa (...) pela necessidade de oferecer oportunidades ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1446 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino educativas a todos, respeitando e incluindo a diversidade de sujeitos e de seus pontos de vista[...](FLEURI, 200, p.78) Diante do exposto, e considerando os parâmetros do PROLIND, entendemos que a educação intercultural se constitui numa atividade de busca e desafio. Busca no sentido de os professores coordenadores deste curso tentam articular o conhecimento dos não indígenas para os indígenas, ao mesmo tempo entendendo o hibridismo cultural destes povos, o que se torna desafiador e complexo. Por outro lado, os indígenas tentam entender o outro (não indígenas) sem promover sua desvalorização, ou ignorando o que já foi construído por eles e sobre eles. Na verdade, compreendem esta perspectiva como uma forma de “ver e entender o outro”, já é instigante para ambos, pois lutam cotidianamente para viver sem as “amarras epistemológicas” tecidas pela historiografia e pela memória introjetada sobre estes povos. Agora, observamos um passo significativo para articular as identidades, e a representação dos povos indígenas numa perspectiva intercultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada com os professores indígenas, tendo como parâmetro a questão de um curso específico de licenciatura indígena que é o Programa de Licenciatura Indígena (PROLIND) em Baía da Traição – PB, sob uma lógica em que os saberes confeccionados no mundo não indígena, tidos como acadêmicos cheguem ao universo indígena permitindo que a ação docente dos alunos-professores em escolas de suas respectivas comunidades contemplem os ditames da educação indígena, com o uso de teares educativos inerentes ao mundo dos não indígenas, assim estes tem seu conhecimento ampliado, modificando todo um arquétipo projetado sobre estes povos e sustentado pelos veículos midiáticos, mas que é disforme e não contempla a realidade indígena. Diante de nossa proposta apresentada neste artigo esperamos que este texto, produza reflexões e mudanças nos paradigmas sobre estes povos, de maneira que o cenário educacional brasileiro, sobretudo, o paraibano, venha a se ressignificar modificando seus parâmetros e inserindo estes povos pelas suas próprias experiências, assimilando os povos indígenas como artífices e participes não apenas da História, Sociedade e Memória da nossa nação, mas como atuantes na sociedade atual em todas as suas dinâmicas e diretrizes. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1447 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino REFERÊNCIAS ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora: FGV2004. APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. 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Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Indígena. Campina Grande, Março de 2007. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil: antes de sua separação e independência de Portugal. São Paulo: Melhoramentos; Brasília, INL, 1975. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1448 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino APRESENTO-LHES HISTÓRIAS E CONTOS AFRICANOS: “TIA POR QUE NESTAS HISTÓRIAS SÓ TEM PESSOAS PRETAS?” Ana Paula dos Santos 8 Universidade Regional do Cariri-URCA- Graduanda - Curso de Pedagogia. E-mail: [email protected] Resumo Este artigo objetiva discorrer sobre literatura infanto juvenil africana na escola e como esta tem contribuído para formação da identidade de crianças negras. É fruto de um projeto de pesquisa-ação realizado no 2º ano do Ensino Fundamental numa escola na cidade do Crato-Ce. A proposta aqui apresentada tem em sua essência a implementação da Lei 10.639/2003 que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da educação) nº 9.394/96, a lei acima citada instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos africanos no currículo escolar do ensino fundamental e médio. O projeto de ação ocorreu no período de agosto à dezembro de 2012; aconteceu a partir de uma atividade realizada na referida sala. Tendo como ponto de partida a história de Kofi e o menino de fogo, do autor Nei Lopes, a qual descreve a vida de um menino africano que se depara com uma criança de traços europeus sendo que ambos tentam conviver com a ideia de serem diferentes culturalmente no contexto social que vivem a história. A narrativa também traz informações sobre o país de Gana e sobre cultura africana. Um livro de linguagem de fácil entendimento e que pode ser usado como ponto de partida para o ensino da história da África no ensino fundamental. Quanto à metodologia é baseado nos moldes da pesquisa-ação, tendo como base o modelo de pesquisa afrodescendente a qual de acordo com Cunha Jr. (2007) tem o intuito de transformar e redefinir a realidade racista e segregacionista da sociedade brasileira. Onde o sujeito pesquisador é reflexo da realidade social racista e tem por sua função interferir na transformação dessa estrutura preconceituosa. Autores como Cavalleiro (2001), Gomes (2005), Munanga (2005) Cunha Jr. (2007) dentre outros fundamentam a presente proposta. Palavras-Chaves: Escola. Identidade. Literatura infanto juvenil. Abstract This article aims to discuss African literature for children and youth in school and how this has contributed to identity formation of black children. It is the result of an action research project conducted in the 2nd year of elementary school in a school in the town of Crato-CE. The proposal presented here is in essence the implementation of Law 10.639/2003 amending LDB (Law of Directives and Bases of Education) No. 9.394/96, the aforementioned law instituted the mandatory teaching of the history of Africa and Africans in curriculum of elementary and secondary education. The action project occurred from August to December 2012; happened from an activity carried out in that room. Taking as starting point the story of and the child Kofi fire, the author Nei Lopes, which describes the life of an African boy who stumbles upon a child of European traits and both try to live with the idea of being culturally different in social context of living history. The narrative also contains information about the country of Ghana and about African culture. A book is easy to understand language and can be used as starting point for the teaching of African history in school. Regarding the methodology is based on the model of action research, based on the research model of African descent which according Cunha Jr. (2007) aims to transform and redefine reality racist and segregationist Brazilian society. Where the researcher subject reflects the social reality is racist and its role in the transformation of this structure interfere prejudiced. Authors like Cavalleiro (2001), Gomes (2005), Munanga (2005) Cunha Jr. (2007) among others underlie this proposal. Key Words: School. Identity. Literature for children and youth. 8 Reginaldo Ferreira Domingos. Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professor do Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri-URCA. E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1449 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Introdução A conquista da lei 10.639/2003, que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da educação) nº 9.394/96 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos africanos no currículo escolar do ensino Fundamental e médio, foi para este país um marco na democracia e na promoção da igualdade racial. Cabe ressaltar que a referida lei foi uma conquista do movimento Negro Brasileiro, neste sentido, enfatiza os DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais) que o avanço nesta discussão, ultrapassa medidas não apenas para a educação, reconhece também as contribuições da população negra para a formação do povo brasileiro, além de garantir outros direitos, assim como está citado no referido documento: Têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais políticas têm, também, como meta o direito dos negros, assim como de todos os cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas [...] (DCN, 2005, p.30.). A lei nos permite perceber o quanto essa cultura tem a nos ensinar. Aprender sobre África, é resgatar nossa memória ancestral e, sobretudo, nos possibilita entender quem somos. É dever de toda a sociedade assumir o compromisso de respeito à cultura de matriz africana, devido todo processo histórico de inferiorização para com este povo, assim sendo, a escola é o lugar por excelência que pode contribuir para que essa história seja ensinada aos nossos educandos e dessa forma compreenderão que fazemos parte de uma sociedade diversa, que revela a riqueza e a luta de um povo que precisa ser respeitado. Como a escola tem tratado estas questões? É importante destacar que a criança aprende muito a partir da leitura de imagens, principalmente, criança em processo de alfabetização. Neste sentido, devemos analisar histórias, contos infantis e personagens que permeiam o universo infanto-juvenil, percebe-se que este universo não tem favorecido para um reconhecimento de uma identidade negra e afrodescendente, as crianças não se identificam como negras, com essa cultura, mesmo tendo marcado em sua pele, no seu cabelo, nos seus ancestrais, as características da sua negritude, imaginam ser de outro jeito. Isso por que: [...] As imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as percepções sobre aquele mundo imaginado. Se examinadas como conjunto, revelam expressões culturais de uma sociedade. A cultura informa através ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1450 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino de seus arranjos simbólicos, valores e crenças que orientam as percepções de mundo. E se pensarmos nesse universo literário, imaginado pela criação humana, como espelho onde me reconheço através dos personagens, ambientes, sensações? Nesse processo, eu gosto e desgosto de uns e outros e forma opiniões daquele ambiente ou daquele tipo de pessoa ou sentimento. (LIMA, 2000.p.101) Este trabalho é fruto de um projeto de pesquisa-ação realizado numa escola na cidade do Crato- Ce; tal projeto, baseado na Lei 10.639/2003, almejou o desejo de atuar na transformação da realidade sócio-racial de crianças negras e não-negras no tocante a formação da identidade e da valorização da cultura africana e afro-brasileira. A partir desta atividade, percebemos os conceitos a respeito do ser negro, do ser afrodescendente na visão das crianças, neste sentido, destaco a fala de uma criança no término da história “Tia por que nesta história só tem pessoas pretas?”, ou seja, no universo literário infantil, causa estranhamento tais personagens. Esta história foi contada através dos livros animados do DVD 2 do Kit A cor da cultura. O projeto A cor da cultura foi lançado em 2006, está posto no caderno de textos9 do referido projeto que a proposta era levar a público o debate sobre diversidade cultural a partir de canais televisivos com intenções educacionais, isto por que o projeto pretendia levar a TV um pouco da história e riqueza cultural do ser negro, ou seja, incluir este assunto como algo, que deveria fazer parte do dia-a-dia da sociedade. Pretendeu-se ainda mostrar o negro, numa perspectiva positiva, na tentativa de desconstruir a imagem negativa a qual o negro está atrelado. Fazem parte também deste projeto, os livros animados que são obras literárias infantis ilustradas através da computação gráfica, dando as narrativas uma conotação muito divertida, é destinada para o público de 5 a 10 anos a qual procura-se enfatizar no enredo das histórias assuntos como: multiculturalismo, identidade, memória e etnia. Quanto à metodologia do trabalho atende a pesquisa afrodescendente, que de acordo com Cunha Jr (2007) a metodologia afrodescendente o pesquisador é conhecedor da cultura de base africana, tendo ele este conhecimento, tem o desejo de romper com as formas de hegemonia do pensamento eurocêntrico e na transformação da realidade racista a qual a sociedade brasileira está arremetida. Dessa forma o pesquisador observa a realidade e se insere a ela, no objetivo de ultrapassar o campo da neutralidade. 1 - A escola e uma educação antirracista 9 É o primeiro caderno do projeto A cor da Cultura - Saberes e Fazeres: Modos de ver. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1451 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Culturalmente a escola tem deixa de lado o ensino da cultura africana e sua influência na formação do povo brasileiro, neste sentido, ausentam-se também dos espaços escolares o debate sobre as relações éticas raciais, assim as crianças internalizam o preconceito e a ideia de inferiorização de um grupo e a superioridade do outro, como algo natural, ou seja, a escola “com a sua omissão e a sua dificuldade em trabalhar a questão racial, [...] crianças continuarão tendo espaço para emitir opiniões preconceituosas e reproduzir o seu racismo” (GOMES, 1995, p.75). A escola enquanto uma instituição importante no combate ao racismo deve construir estratégias pedagógicas e curriculares que promovam a reconstrução e afirmação da identidade étnica positiva, permitindo que os alunos conheçam e valorizem o legado cultural africano. Certamente a postura do educador antes de tudo, deve ser de valorização das diferenças entre os indivíduos, considerar as particularidades dos alunos é o que: Ainda nos falta avançar muito para compreendermos que o fato de sermos diferentes uns dos outros é o que mais nos aproxima e o que nos torna mais iguais. Sendo assim, a prática pedagógica deve considerar a diversidade de classe, sexo, idade, raça, cultura, crenças etc. presentes na vida da escola e pensar (e repensar) o currículo e os conteúdos escolares a partir dessa realidade tão diversa. A construção de práticas democráticas e não preconceituosa implica o reconhecimento do direito á diferenças, e isso inclui as diferenças raciais. [...] (GOMES apud CAVALLEIRO, 2001, p.87). Neste sentido, o discurso de que somos todos iguais, não contempla o compromisso com uma educação antirracista. Pois se pensarmos nesta igualdade como algo justo para todas as pessoas, sabemos que isto não é verdade, existe uma diferença no trato das relações raciais e isto implica dizer que “as práticas educativas que se pretendem iguais para todos acabam sendo as mais discriminatórias” (GOMES apud CAVALLEIRO,2008, p.87). Na sociedade brasileira como destaca Gomes (1995) as pessoas brancas não são vistas apenas superiormente as do grupo negro, elas também são idealizadas como modelos a ser seguido, por isso o importante papel da escola em trabalhar as diferenças a partir dos estereótipos de belo e não belo nos aspectos individuais e coletivos dos diversos seguimentos culturais. A autora pontua ainda que: O difícil processo de construção da identidade racial por parte dos negros e seus descendentes é um fato que repercute em diversas instituições da sociedade e contribui para a perpetuação do racismo e da discriminação racial. A escola não pode ser considerada como um caso à parte nesse processo. Sabemos que ela não é uma instituição neutra, mas inserida ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1452 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino dentro de um contexto social, sofrendo, direta e indiretamente, todas as suas influências. [...] (GOMES,1995, p.89) Nesta perspectiva, a escola é um espaço privilegiado na promoção de uma educação antirracista, principalmente, pela diversidade de pensamentos e por ser um local socializador de conhecimentos. Afirma Santos apud Cavalleiro (2001) que quando se fala em discriminação racial na escola, isso não significa dizer que a partir de agora a escola vai propor estratégias para a criança negra enfrentar o preconceito, até por que isso não é um problema apenas da criança que é negra, implica dizer que, trazer o debate das relações étnicos racial para a sala de aula é uma oportunidade de crianças negras e não negras se conhecerem, discutirem e socializarem novas formas de relacionamentos, que tenham impacto em suas vidas e na sociedade como todo. 1.1 Racismo, Etnia e Preconceito Racial Expõe Guimarães (1999) que poderemos também pensar o racismo não apenas pelo víeis de atos ou atitudes que atingem um indivíduo, mas também poderemos direcionar o olhar para um sistema social vigente pautado em desigualdades que exclui a população negra de participar de determinados setores sociais reservados até então para pessoas não negras, que em virtude dos seus traços raciais estão numa posição de desvantagem nos aspectos políticos, econômicos e sociais “por que os indivíduos de raça ou cor diferentes não têm as mesmas oportunidades de vida e não competem em pé de igualdade [...]” (GUIMARÃES, 1999, p.205). O racismo faz com que pessoas negras ou afrodescendentes sintam-se pequenas e inferiores diante de outras que se acham superiores por motivos que não fazem sentido algum, pessoas tem sentimentos e nas suas diferenças e especificidade merecem respeito e dignidade, toda sociedade tem responsabilidade na erradicação do racismo. 2- Tratando sobre questões de identidade a partir de personagens e imagens literárias Quando se trata de identidade negra ou afrodescendente, o que nos consente pensar favorece para o entendimento de que ela é negada ou não existente no pensamento construído socialmente, justificado pelo mito da democracia racial, logo que se não existe discriminação racial, não se pensa em reconhecer positivamente esta identidade africana brasileira. Para isso argumenta Hall (2006) que a identidade inteiramente segura, coerente, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1453 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino unificada é simplesmente utópica. Cabe ressaltar que se ela se configura irreal, converge para a ideia de perpetuar o pensamento eurocêntrico dominante branco, que mantém privilégios em detrimento de outro grupo social que é negro. Podemos também pontuar neste caso a dificuldade que as pessoas têm em afirmar sua negritude. Assim, de acordo com Hall (2006) esta identidade unificada não existiria, caminhando para o não entendimento de uma possível identidade. Dessa forma, a identidade do Movimento Negro, as identidades das mulheres negras e de outros movimentos sociais estariam sujeitos a não existência; sem definição identitária não se pode pensar políticas para os que não existem. Pensamos em acordo com Cunha Jr. (2012) o qual afirmar que a discussão de identidade pelo viés hallniano enfraquece a luta, privilegia a classe dominante e a elite branca, perpetuando o pensamento racista e mantendo o mito da democracia racial. Lembrando que historicamente toda a sociedade tem uma dívida com esta população, assim defendem os (DCN, 2005) que medidas sejam tomadas para compensar negros e afrodescendentes de todos os danos sofridos no período escravista, inclusive os danos causados pelo sistema meritocrático que agrava desigualdades e injustiças, que ao conduzir-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados negou a existência da identidade negra e afro-brasileira. A identidade para Cunha Jr (2007) tem um pressuposto político que ao pensarmos pelo viés cultural, logo identificamos que identidade e história caminham na horizontal e fazem parte de um conjunto maior, que é dominado pelo pensamento eurocêntrico. A identidade é construída socialmente da relação coletiva entre os indivíduos socializados através da cultura. Assim, quando analisamos o processo identitário percebe-se que essa construção começa ainda na família, depois nas relações estabelecidas com os indivíduos na comunidade e a partir das influências ideológicas perpassadas socialmente. E quando pensamos numa identidade racial alegada, afirmada advertimos que ela não tem circulado no imaginário das pessoas e nem tão pouco contribuído para “construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo” (GOMES, 2005, p. 43). Isso é decorrente das representações negativas em relação ao negro. Temos na nossa memória marcas dos personagens e heróis que admiramos na infância, quantas vezes os são incorporados no faz de conta das brincadeiras infantis. Quando analisamos histórias que apareçam pessoas e elementos da cultura africana e afrodescendente, nos remete a indagar como esse imaginário tem sido construído a respeito ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1454 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino dessa cultura e como esta tem contribuído e influenciado na construção da identidade das crianças negras e afrodescendentes. Isto por que: [...] As imagens que moram em nossas mentes desde a infância influenciam nossos pensamentos durante a vida e podem contribuir (se não forem estereotipadas, inferiorizadas) para a autoestima e aceitabilidade das diferenças, visando a uma vida adulta feliz. Para isso essas imagens devem mostrar nossa “cara”, força e cultura a todos [...] (SOUSA, 2001, p.196). Lima (2005) ao analisar a construção ideológica dos personagens da literatura infanto juvenil, tendo como referência suas características e a maneira como aparecem nas histórias, constatou de antemão que esta presença negra, perpassa uma dimensão caricaturada ou estereotipada e geralmente estão atrelados ao episódio da escravidão ou em uma condição inferiorizada. Destaca que a criança não negra tem muitas referências positiva nos livros infantis, que no caso da criança negra o mesmo não acontece. Para isso, como sugere a referida autora, basta analisar a obra de Monteiro Lobato 10 na figura de Dona Benta que representa um conhecimento mais elaborado, de aparência dócil em contrapartida a imagem de tia Anastácia simulando um saber mais rústico e ainda sendo representada de forma animalizada, suja e de aspecto monstruosa, que neste sentido, representações pejorativas contribuem para a elaboração negativa da identidade da criança negra e afrodescendente impedindo-a de se desenvolver-se cognitivamente e de ter um bom relacionamento com os demais membros da sociedade. 3- Kofi e o menino de fogo “Tia por que nesta história só tem pessoas pretas?” Na realização do projeto no 2º ano do Ensino Fundamental da referida escola, na proposta da lei 10.639/2003, no período de agosto á dezembro de 2012, essa história foi contada como proposta de atividade para o ensino das africanidades na sala de aula, por meio de data show, através das ilustrações dos livros animados do projeto a cor da cultura, do autor Nei Lopes. Foi assistido por um grupo de 22 crianças do referido ano. Logo no início, o livro revela uma contextualização sobre costumes e tradições de países africanos, o mesmo pode ser usado para introduzir conteúdos da cultura africana de maneira mais lúdica. 10 Ilustração de Voltolino para o livro Narizinho Rebitado de 1920. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1455 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A história de Kofi e o menino de fogo é uma passagem histórica de um sábio malinês 11 que quando criança viveu a narrativa ilustrada no referido livro, vale ressaltar que o mesmo também faz referência de forma introdutória à história da independência de alguns países deste continente. Kofi é um menino que mora em Gana12 país Africano, e se chama assim por que nasceu em uma sexta-feira, e nos conta o livro que quando uma criança nasce na África ela não recebe qualquer nome. O nome é algo significativo que está relacionado com o dia em que a criança nasce ou com algum ocorrido no dia do nascimento. Ele é uma criança negra, que nunca viu uma pessoa que não fosse da sua cor, pois tudo o que ele conhecia era o pequeno vilarejo a qual seu povo vivia , sendo que na aldeia o pai dele trabalhava na forja e na oficina de ferreiro construindo objetos de metal e ferramentas e sua mãe plantava e colhia, lavava roupa no rio, cozinhava e cuidava da família. Esta passagem do livro revela traços da vida cotidiana africana, sendo esta, uma história que o livro didático não nos conta, por que conforme Silva apud Munanga (2005), os livros de um modo geral omite ou apresenta de forma simplificada e falsificada o cotidiano e as experiências do processo histórico cultural africano, uma vez que, a presença do negro no livro didático faz referência à figura de escravo e a um povo sem passado, dando a entender que não existe uma historia antes da escravidão. Pode-se também, a partir da vivência de Kofi, nas relações de respeito à memória ancestral, inserir a discursão sobre valores civilizatórios afro-brasileiros, pois o menino e seus irmãos “trabalhavam e aprendiam, sempre ouvindo e respeitando os conselhos dos mais velhos” (LOPES, 2008, p.14) refletir sobre os valores civilizatórios afro-brasileiro, que no caso do conto é o valor da ancestralidade, também se configura na promoção de uma educação para as diferenças, tendo como ponto de partida as heranças dos nossos ancestrais. No enredo da história, o autor nos mostra, o conflito de Kofi ao perceber as diferenças étnicas entre as pessoas, por ser ele uma criança que nunca tivera contato com alguém de outras etnias escutava histórias e “ouvia falar que eram meninos e meninas de cabelos amarelos como a juba de Gyata, o leão [...]” (LOPES, 2008, p.16). Kofi ao deparar-se com uma criança diferente dele: [...] Agarrou o braço do menino com força:_ Ué! Não queimou!_ Pensou Kofi._ Ele está suando frio igual a mim. Kofi largou o seu braço. Ai, o menino 11 É assim chamada uma pessoa oriunda da República do Mali, sendo este o sétimo maior país da África. País limitado a norte pelo Burkina Faso, a leste pelo Togo, a sul pelo Golfo da Guiné e a oeste pela Costa do Marfim. A capital Acra é a maior cidade de Gana. 12 ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1456 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino passou o dedo no rosto de Kofi e examinou a ponta do dedo, para ver se tinha ficado preta._ Ué?! A tinta dele não saiu! _ falou baixinho o menino branco. Então os dois sorriram um para o outro, e apertaram as mãos. (LOPES, 2008, p.28) Sendo assim, se faz necessário dialogar com as crianças sobre questões das diferenças e particularidades de cada um, e mostrar que é possível respeitar as pessoas dentre as suas especificidades. Uma educação para igualdade racial também tem início no respeito às características físicas das pessoas e reflexão dos comportamentos do meio em que a criança está inserida, atentando-se para valorização individual e coletiva de todos os indivíduos. Há uma passagem de tempo na história e depois de sete anos do episódio em que Kofi encontra o menino branco, o seu país torna-se independente da Inglaterra, país de origem do seu amigo, que adota o nome de Gana para homenagear um grandioso império Africano que havia existido há 700 anos antes. Kofi fica adulto, estudou na Europa adquiriu novos conhecimentos, depois voltou para Gana para ajudar seu povo e ao envelhecer teve muitos filhos, netos e alunos. Tornou-se um mestre do seu povo e aprendeu que pessoas brancas não queimam e entre elas são muitos seus amigos, porém, sua maior lição foi descobrir que a melhor maneira de entendermos as pessoas é conhecendo elas e perceber que cada uma é um ser humano, mesmo sendo diferente na aparência. O livro traz nas páginas finais, informações adicionais sobre Gana, tais como: curiosidades sobre o país, história da região, economia, fauna, flora, sobre o vestuário das pessoas, os tipos de moradia, alimentação e sobre a antiga tradição do cultivo de hortas domésticas. As ilustrações do livro mostram as cores e atributos da cultura africana, numa perspectiva positiva do legado africano, porém, neste sentido ressalto a fala de uma aluna da referida serie ao assistir a história: “Tia por que nestas histórias só tem pessoas pretas?” No instante da fala, deparei-me com uma realidade escolar no que dizem respeito ao universo da literatura infanto juvenil. As escolas ainda apresentam aos alunos personagem distantes de suas realidades étnicas, o problema não está em contar os “famosos clássicos”, mas, consistem em só contar apenas estes clássicos, invisibilizando personagens negros ou de outras etnias, sendo que a ênfase nestas histórias são as particularidades e características eurocêntricas. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1457 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Ou seja, o estranhamento com personagens negros, a dificuldade da criança em reconhecer-se e perceber-se no enredo, nos remete a pensar na construção identitária da criança que está em processo de formação, conforme Lima (2005, p.102) “Nesta dimensão, a literatura é, portanto um espaço não apenas de representação neutra, mas de enredos e lógicas, onde ao me representar eu me crio, e ao me criar eu me repito”, Portanto, este não reconhecimento acaba refletindo na construção de uma identidade negada, tendo como consequência o impedimento do desenvolvimento cognitivo, a dificuldade de aceitação as diferenças e o relacionamento afetivo com o restante da sociedade. Outra fala que aqui destaco é: “Não gostei por que é uma história assustadora”, se estamos buscando o caminho para uma educação antirracista, precisamos desconstruir do imaginário social a imagem negativa do ser negro, isso por que A escuridão, a sombra, a cor negra tem sido consideradas representações simbólicas do mal, da desgraça, da perdição e da morte e, se o diabo é visto como mal e associado aos negros temos uma interpretação que reforça a raiz profunda de um imaginário racista e preconceituoso. A universalidade do arquétipo do mal, associado à escuridão a ao negrume, se configura como a base dos estereótipos relacionados às personagens negras (SOUSA apud OLIVEIRA, 2005, p.186). Foi a partir desta atividade que percebi e compreendi o pensamento e o imaginário das crianças em relação à negritude, ao ser negro, a questões relacionadas ao preconceito e ao racismo. Portanto, desde a tenra idade a educação da criança deve caminhar para o principio do respeito às diferenças, tendo em vista que ela ao chegar ao âmbito escolar já conheceu atitudes e comportamentos sociais. Neste sentido, a criança traz consigo valores e opiniões da cultura a qual está inserida. O pensamento social brasileiro, precisa avançar na direção da igualdade racial, não têm mais condições de sermos conviventes, com práticas racistas, principalmente na educação devemos acreditar que este debate na escola é o melhor caminho. Pois é um espaço privilegiado de disseminação dos conhecimentos produzidos pela humanidade, porém, não seremos ingênuos ao ponto de achar que a escola sozinha vai cumprir toda essa tarefa, sendo que este é uma responsabilidade de todas as pessoas negras e não negras este é um compromisso social que todos devem assumir. 4 - Considerações ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1458 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Pensamos que o trabalho na escola com as questões raciais devem começar desde educação infantil, das primeiras relações com as diferentes pessoas, no reconhecimento das próprias características e particularidades de cada um. A escola precisa está atenta para a promoção de uma educação antirracista e ultrapassar os tabus do preconceito com conteúdos de matriz africana, a inserção dessa história no currículo escolar vai além de ensinar nossos alunos a memorizar datas comemorativas relacionadas ao tema. Existe uma riqueza cultural africana que não aparece na escola, muitos conteúdos são resumidamente enfatizados na perspectiva da escravidão, ou são focadas as influências na culinária, ou trabalhada a capoeira sem uma prévia contextualização e só. Por exemplo, estudam-se todos os tipos de arte na escola, mas ninguém menciona arte africana, passamos boa parte de nossa vida escolar aprendendo história Egípcia ou história antiga e suas contribuições para o mundo, porém, não aparece ou é pouco dito que o Egito está localizado no continente africano sendo este o berço das civilizações. Muito do que é ensinado parte de uma perspectiva unicamente eurocêntrica, a questão aqui não é propor o caminho inverso de a partir de agora só ver as coisas de um ponto de vista africano, não é construir uma história, como ressalta Cunha Jr. (2011), por olhar afrocêntrico, mas, é dar a essa história um sentido que não invisibilize ou inferiorize esse povo, como assim foi durante toda a história da humanidade. Acreditamos que a responsabilidade da escola ao inserir no currículo escolar o ensino da cultura e história africana seja naturalizar estes conteúdos, tal qual, seja normal para a criança ouvir narrativas de príncipes e princesas com personagens de reinados africanos, quanto, os contos de fadinhas e princesas lindas e brancas ouvidas todos os dias nas rodinhas de contações de histórias. Ou seja, está em nosso encargo romper com os paradigmas eurocêntricos de beleza na literatura infanto-juvenil é importante à criança negra e não negra perceber a existência conflituosa das relações éticas raciais e a partir disso pensar em atitudes que respeitem as particularidades de cada um. Para isto o professor precisa está, sobretudo sensibilizado com a questão. O autor do livro Kofi nos permite através das ilustrações e do enredo da história ver o negro numa posição de existência e com foco positivo. É importante destacar o cuidado do autor em não apenas em contar a história de Kofi, mas também em trazer conhecimentos adicionais do país do menino, consideramos importantes estas informações, por que elas pouco ou quase nunca aparecem nos livros didáticos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1459 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino 5 – REFERÊNCIAS BRANDÃO, Ana Paula. (coordenação do Projeto) Saberes e Fazeres, V1: Modos de ver. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006.( A cor da Cultura) CUNHA JR, Henrique. História e Cultura Africana e Afrodescendente: Pesquisa sobre os Conceitos, Métodos e Conteúdos. CUNHA JR, Henrique. Metodologia Afrodescendente de pesquisa. 2007. CUNHA Jr. Henrique.História e cultura africana e os elementos para uma organização curricular. Texto Disciplina Pós-Graduação, Fortaleza: 2009-2. GOMES, Nilma Lino. A mulher Negra que Vi de Perto. Belo Horizonte: Mazza Edições,1995. GOMES, Nilma Lino. In CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e Anti-Racismo na Educação: Repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro,2001. GOMES, Nilma Lino. 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Racismo e Anti-Racismo na Educação: Repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro,2001. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1460 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino PROJETO SAGRADA NATUREZA: UMA PROPOSTA DE CURRÍCULO NA APLICAÇÃO DA LEI 11.645/2008 CRISTIANE GONÇALVES DE SOUZA [email protected] RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo analisar, uma experiência de currículo em ação desenvolvida em cinco escolas da rede municipal de educação de Niterói. Esta experiência se deu a partir do Projeto Sagrada Natureza que, através das oficinas “No Xingu, Oxóssi reina!, propõe ilustrar uma alternativa de aplicação da lei 11.645/2008, como um tópico da educação ambiental em uma perspectiva multicultural, no conteúdo escolar de 3º e 4º ciclos. Por meio de uma pesquisa-ação buscou-se compreender os desafios docentes na implementação de práticas multiculturalmente orientadas, sobretudo, no que diz respeito à mitologia dos orixás. A conclusão aponta para a necessidade de fomentar as formações continuadas para os professores e a instrumentalização dos docentes com material didático sobre a temática. A presente pesquisa sugere também o aprofundamento da análise dos dados levantados, diante do peso que o aspecto religioso tem sobre as subjetividades dos professores, pedagogos e diretores de escola. A partir das análises identifica-se que a implementação da lei 11.645/2008 pode ser potencialmente ampliada em propostas curriculares que avançam da perspectiva multicultural folclórica para abordagens multiculturais críticas e pós-coloniais. Palavras-chave: Currículo multicultural. Povos indígenas. Mitologia dos orixás. 11.645/2008. Lei ABSTRACT In the context of the law 11.645/2008 enforcement, had as objective to analyze, an experience of curriculum in action developed in five municipal schools of Niterói Educational System. This experiment was performed based on the Project Sacred Nature, which through the workshops "In Xingu, Oxóssi reigns!”, intends to illustrate an alternative for the enforcement of law nº 11.645/2008, as a topic of environmental education in a multicultural perspective, in school programs for 3rd and 4th cicles. By means of an action research this study sought to understand the teacher challenges to implement multiculturally oriented practices, especially with regard to the mythology of Orishas. The conclusion points towards the need to foster continuing education for teachers providing them with educational materials on the subject. This research also suggests a deeper analysis of data collected due to the religious aspect that shapes the identities of teachers, educators and school administrators. The analyses results have shown that the implementation of Law nº11.645/2008 can potentially be extended in curricular proposals that advance from the multicultural folk perspective to multicultural and postcolonial criticism approaches. Key-words: Multicultural curriculum. Indigenous peoples. Mythology of the Òrisàs. Law 11.645/2008 ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1461 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino PROJETO SAGRADA NATUREZA: CURRÍCULO EM AÇÃO - UMA EXPERIÊNCIA MULTICULTURAL NA APLICAÇÃO DA LEI 11.645/2008 A escola, cumprindo sua responsabilidade de formar cidadãos e cidadãs, deve promover práticas pedagógicas que enriqueçam, no cotidiano escolar, a vivência da diversidade, promovendo o diálogo entre as diferenças, a fim de evitar a proliferação de atitudes de preconceito e violência, explícita ou não, reforçando, assim, práticas excludentes. Portanto, nós, educadores, devemos repensar nosso diálogo com o saber que legitimamos diante de nossos alunos e repensar o próprio diálogo entre nós e eles. Nos dias atuais, a escola se defronta com os desafios propostos pela violência, pela evasão escolar, pela falta de entusiasmo dos professores, pelo descrédito que muitos discursos apontam diante do magistério e sua competência pedagógica. Estamos diante de uma escola tensionada por estes conflitos que se desdobram em soluções que vão desde os índices de aprovação referendados pelas avaliações institucionais até o inchaço de projetos “culturais”, que objetivam promover uma escola mais prazerosa e elevar a autoestima dos alunos. As perguntas que devemos fazer a nós mesmos diante de nossa prática pedagógica são: qual é o papel da escola diante do conhecimento? Quais são os saberes e valores que elencamos quando elegemos determinado conteúdo curricular? É possível pensar a escola como espaço de afirmação de uma sociedade democrática e igualitária, como um espaço em que todos tenham direito e legitimidade em expressar sua identidade? O sentido da vida, hoje, para os indivíduos, é constituído de múltiplas referências. Na vida cotidiana, acentua-se, para todos, a consciência de múltiplos pertencimentos (de gênero, de religião, de etnia, etc.), tributário dos avanços tecnológicos e pela divulgação dos meios de comunicação e informação. Com a globalização, cresce a visibilidade das diferenças e acentua-se a consciência da diversidade cultural. No contexto da aprovação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, as culturas africana, afrobrasileira e indígenas, tornaram-se obrigatórias nos currículos escolares, promovendo, desta forma, um diálogo que rompe com a linha de ensino fundamentada em apenas uma civilização. No entanto, percebe-se que a tradução da lei, efetivamente em conteúdo curricular, ainda é frágil. Os saberes indígenas e a religiosidade afrobrasileira são alguns dos ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1462 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino pontos mais nevrálgicos quando se aborda a cultura desses povos. Diante disto, coloca-se a questão: quais os limites que desafiam a inclusão destas temáticas no currículo escolar? Ou seja, qual é o posicionamento que os professores estão dispostos a manifestar diante da diversidade de habilidades, desejos, valores e saberes presentes no mundo? Estariam os profissionais da educação dispostos a confrontar sua cultura com outras formas de saber, produzidos em outra lógica cultural? A pesquisa-ação desenvolvida pretendeu problematizar como os valores internalizados pela comunidade escolar contribuem para o silenciamento de identidades dentro da escola. A partir deste objetivo, buscou entender de que forma são estabelecidas as relações de poder na comunidade escolar que legitima ou desafia os preconceitos. Considerando que algumas propostas curriculares silenciam identidades e os processos de construção da diferença, poderiam os professores e pedagogos, através de ações curriculares multiculturalmente orientadas, dar visibilidade às temáticas da diversidade, problematizando a construção das diferenças? Quais os desafios e potenciais multiculturais presentes em um currículo que contemple e resgate a relação da cosmovisão africana em uma perspectiva da educação ambiental? O Projeto Sagrada Natureza propõe ilustrar, a partir da lógica ambiental presente na mitologia dos orixás, um dos modos pelos quais podemos elaborar currículos multiculturalmente orientados e problematizar formas de organização curriculares monoculturais. Portanto, o Projeto se apresentou como uma das possibilidades de desenvolvimento de um currículo em ação, como um tópico da educação ambiental em uma perspectiva multicultural. Nos limites do presente estudo, os dados da pesquisa-ação desenvolvida incidem sobre encontros realizados em sala de aula, com os professores regentes, de geografia e ciências, cujo conjunto apresenta o título “No Xingu... Oxóssi reina”. As atividades desenvolvidas nos encontros foram conduzidas por mim, sempre na presença do professor regente, e após a realização da atividade o professor colocava questões a respeito da temática e abordagem escolhidas. A escola é um local privilegiado, dinâmico, onde as trocas de ideias são, por vezes, conflitantes, mas que enriquecem ao reafirmar ou não práticas sociais, posto que são a discussão e construção de um cotidiano escolar que se deseja dinâmico a partir de seus conflitos e que se articula entre diversos padrões culturais e modelos cognitivos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1463 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Ao eleger o tema das culturas africanas, afrobrasileiras e indígenas, dialogamos com os estereótipos e preconceitos que registramos em nosso inconsciente coletivo e que devemos buscar romper. Resgatar a cultura afroindígena com a seriedade e o mérito que ela merece é, também, um exercício de resgate da memória de minorias e marginalizados que, com muito esforço, mantêm o seu patrimônio histórico e cultural vivo. Acredito em uma escola como um espaço de cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões e conflitos. Reconhecer a escola como um universo multicultural, desafia-nos a questionar como legitimamos em nossa trajetória histórica, como sujeitos socioculturais, silenciamentos de outros tantos sujeitos, negando sua cultura. A educação, hoje, não deve se limitar à discussão da cidadania e das desigualdades sociais, lutando apenas contra o que deixa milhares de crianças fora da escola. Cabe aos pesquisadores em educação aprimorar a discussão e ampliar as possibilidades de pesquisa para que esta contribua para a reflexão sobre escola e cultura, entendendo esta relação em perspectiva multicultural, sempre caminhando rumo ao diálogo entre os diversos grupos sociais, étnicos e culturais. Como justifica Botelho: É preciso criar novos espaços e eleger outros atores sociais para um conhecimento educacional diferenciado e nesse aspecto privilegiar os conhecimentos dos quilombolas, do povo de santo, das comunidades da floresta, de grupos que carregam o respeito à natureza. Será benéfico para a nossa sociedade competitiva e destruidora, que na preeminência do lucro, devasta grandiosas áreas e desrespeita a irmã-árvore, o irmão-céu, a irmãterra, o irmão-rio, enfim, uma comunidade infinita que sustenta a existência da humanidade (BOTELHO, 2007, p. 213). Diante disso, surge a reflexão de que o cotidiano da escola pode ser enriquecido com novas situações criativas que tenham como objetivo favorecer outras formas de entendimento do mundo e que estas sejam respeitadas. Por outro lado, ao percebermos o currículo em constante construção e o nosso potencial de intervenção em nossas salas de aula e nos demais espaços que se abrem para a discussão, podemos reconhecer o potencial transformador de nossas ações e reflexão de nossa prática e da escola que buscamos. Incluir nos conteúdos escolares outras formas de se pensar e fazer ciência, outras maneiras de leitura e sentido diante do mundo, e diferentes formas de vivenciar o cotidiano são caminhos que se abrem para o professor e a escola que pretendem praticar um currículo em ação multiculturalmente orientado. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1464 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Um dos caminhos que o Projeto Sagrada Natureza percorreu foi o de promover ações que escapassem à abordagem unicamente folclórica dos povos indígenas e da mitologia iorubá. Procurei inserir essas contribuições como conteúdo a ser estudado reflexivamente pelos alunos. Considero os saberes indígenas e africanos de origem iorubá como possibilidades objetivas de se pensar o mundo e a ciência. O título dado a essas ações (aulas temáticas, formações continuadas e oficinas) e que era divulgado nas escolas foi: “No Xingu, Oxóssi reina!”, inspirado na proposta que o Projeto defende que é a de que, nas reservas indígenas, o conceito de sustentabilidade ambiental está presente e pode servir de orientação para as ações ambientais e apresenta a possibilidade de interpretar o encontro de culturas que estão na base da sociedade brasileira, que lutam por reconhecimento e que apresentam afinidade em suas mitologias, nas quais a natureza ganha sua outridade. Na mitologia iorubá, a natureza é vista como o Outro. Ao contrário da tradição científica ocidental, que fundamenta o ensino das ciências em nossas escolas, em que a natureza é tratada como objeto, como um “isso”. (Grün, 2003). O casamento entre o céu e a terra, assim como o círculo sagrado dos orixás que promove a união do Orum (céu/orixás) e do Aiê (terra/humanos), parte do princípio de que a natureza guarda sua outridade e que esta deve ser reconhecida mediante uma relação em que a natureza é parte fundadora da constituição dos seres e se constitui ela própria em um SER que atua na tribo, na aldeia e na comunidade. Para Grün: A natureza é o Outro que se dirige a nós. A voz do Outro sempre constitui o campo da compreensão hermenêutica. A linguagem viva do diálogo é que proporciona a compreensão do Outro. Em toda experiência hermenêutica existe sempre um potencial para ser outro que repousa não só no consenso, mas também no respeito pela diferença e pelo Outro. (...) Qualquer tentativa de interpretar a natureza, a partir da vontade de dominá-la, não é considerada uma interpretação, uma vez que para a interpretação ocorrer é necessário que o significado do Outro possa permanecer como autoapresentação, pois ditar o significado da natureza para predição e controle não é um ato de compreensão. (GRÜN, 2003, p. 179) O Projeto Sagrada Natureza - A mitologia dos orixás: Oxóssi, o caçador de uma flecha só e o conceito de sustentabilidade ambiental ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1465 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Defendemos, então, uma intervenção através de ações pedagógicas, que discutam questões ambientais, que caminham em direção ao reconhecimento da natureza e da cosmovisão africana como sujeitos que estabelecem entre si uma relação que deve ser contemplada nos conteúdos escolares como mais uma alternativa para as discussões ambientais na escola. Como afirma Grün: Este encontro com a natureza, através de uma dialética da escuta, é sempre um vir à tona da natureza na linguagem. É importante perceber que tal processo é relevante para todos os contextos, sejam eles nos currículos das escolas e universidades, ou contextos macropolíticos como as nações e os estados políticos. Como Gadamer (1992) nos alerta, nós não precisamos temer o significado da outridade, pois seu reconhecimento e aceitação é precisamente o caminho para o reconhecimento e aceitação de nossos próprios eus, e como meio de genuinamente encontrar o Outro na linguagem, religião, arte, lei e história. E é isso que constitui o verdadeiro caminho em direção a uma genuína comunalidade. Assim, a postura acima esboçada constitui o centro do que Gadamer (1992) formulou como um princípio político. Eu proponho que é precisamente para esta política e ética que uma Educação Ambiental efetiva e radical terá que rumar, se nosso objetivo for nos libertarmos dos constrangimentos causados pelo Cartesianismo (GRÜN, 2003, p. 184). Em recente pesquisa, Lima (2011) demonstra como a cultura iorubá, base expoente das religiões de matriz africana no Brasil, é um exemplo, de lógica diferente de tempo e narrativa. Lima (2011), argumenta que na concepção africana, o espaço religioso é integrado à outras esferas da vida, pois a vida se desenvolve num todo orgânico, e não em esferas específicas e particularizadas. Essa forma de pensar marca distinções importantes frente ao modelo ocidental: Enquanto o colonizador marca seu tempo pelo relógio, pelo tempo de produção, obedecendo a lógica do capital, os Terreiros marcavam o tempo pelo sistema lunar. Esse jeito de contar o tempo é exatamente contrário ao do colonizador, pois enquanto esse artificializa o tempo, valorizando-o ao inventar o sistema produtivo, a comunidade de Terreiro concebe o tempo a partir de um referencial cultural – os ciclos da lua, o que caracteriza bem a relação dos últimos com a natureza. Ao invés de um tempo instrumentalizado pela produção, temos um tempo sacralizado na natureza. A natureza é o princípio (OLIVEIRA, 2003 apud LIMA, 2011, p. 26). Os mitos iorubás são patrimônio cultural da humanidade, pois chegaram ao Brasil, na memória de africanos, que, escravizados, foram obrigados a deixar sua terra natal. Tinha início, então, uma longa trajetória de luta pelo resgate da identidade desses grupos, que com uma criatividade imensa recriaram seus mitos, dando origem, dessa forma, ao candomblé, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1466 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino expressão religiosa marcada historicamente pela discriminação e, consequentemente, pelo silenciamento. Nos livros de história do ensino fundamental, as cruzadas, a atuação dos jesuítas, a mitologia grega, o mundo islâmico são percorridos pelos alunos nas aulas de história sem nenhum constrangimento, mas incluir a mitologia dos orixás no currículo escolar, na sala de aula, causa uma tensão muito grande. Defendemos que talvez não seja por causa do aspecto religioso, presente nas mitologias, mas sim pelo fato de ser uma mitologia recriada pelos afrodescendentes a partir de mitos transmitidos pelos antepassados e que ao longo da história sofreram toda forma de discriminação. Afinal, a mitologia dos orixás foi recriada no Brasil, dentro das senzalas, é uma cosmologia, que resistiu a séculos de marginalização e que, neste momento que temos uma legislação que promove a cultura africana e afrodescendente na escola, tornou-se “a pedra no sapato” para muitos. Como falar de cultura afrobrasileira e não falar da mitologia dos orixás? Silva nos ajuda a refletir sobre a relação entre currículo e representação racial quando afirma que: Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente, as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. A questão da raça e da etnia não é simplesmente um “tema transversal”: ela é uma questão central de conhecimento, poder e identidade (SILVA, 2010, p. 102). Se consideramos que a diferença é um processo relacional – histórico e discursivo – não podemos desconsiderar que o currículo e os livros didáticos quando não contemplam determinadas temáticas, ou quando o fazem é de forma superficial, como a mitologia dos orixás, reforçam a natureza exótica e/ou folclórica da história e cultura afrobrasileira, porque reduzem a temática a uma questão de informação. As ações desenvolvidas no Projeto Sagrada Natureza, através de suas oficinas, buscaram trazer essa temática como um conteúdo curricular, no caso, a temática ambiental, e promoveram a seguinte pergunta: os mitos indígenas e a mitologia iorubá guardam uma sabedoria e lógica próprias, que também foram modificadas ao longo da história, mas que resistem e estão presentes na sociedade brasileira. Sendo assim, por que não podem ganhar representação nos livros didáticos? Como argumentam Munanga e Gomes: Tanto a religiosidade negra como outras expressões religiosas devem ser compreendidas como formas construídas, no interior da cultura, de estabelecimento de elos com o Criador, com o que está além do que costumamos considerar como mundo racional. Devem ser vistas como ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1467 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino “experiências religiosas” e não como mero “credo religioso”. Tomadas como uma produção da humanidade, fruto das diversas formas de se relacionar com a natureza, da busca de explicações para questões que afetam a vida de todos e do modo como se estabelecem relações entre as pessoas e delas com o mundo (MUNANGA e GOMES, 2006, p. 140). Entendemos que a mitologia dos orixás guarda em si um fundamento religioso, mas a leitura e a apropriação desses mitos, em sala de aula e no conteúdo escolar, não é necessariamente uma vivência religiosa, e, sim, uma aproximação cultural, crítica e reflexiva, de uma expressão que está presente na sociedade brasileira e que grande parte da sociedade brasileira desconhece. Escolhemos o mito de Oxóssi para ilustrar uma temática relacionada ao meio ambiente e uma aproximação com a cultura indígena. Oxóssi é o provedor das comunidades. É com ele que a gente aprende que a caça deve ocorrer para alimentar a sociedade e, assim, deve ter caráter sagrado, de manutenção da humanidade, sem maus-tratos e sem carnificinas desnecessárias. Pela preservação das florestas, o grande caçador trará sempre fartura e prosperidade para os lares daqueles que respeitam a mãe natureza (BOTELHO, 2007). Relacionamos a partir do seu mito, que o identifica como o caçador de uma flecha, o conceito de sustentabilidade ambiental. Portanto, procuramos, nas oficinas, promover o encontro de duas tradições culturais através de seus mitos e sempre na lógica da sustentabilidade ambiental: os povos indígenas e a mitologia dos orixás. Apresentamos para os alunos que a lógica que inspira o arco e a flecha dos índios está presente na lógica do caçador de uma flecha só, que entra na mata em busca da sobrevivência e que extrai da floresta o suficiente para a manutenção da vida na aldeia. Campbell afirma que: Aprende-se que ao turvar as águas dos rios estaremos maculando o ambiente das yabás – orixás femininos – e como sabemos que os atributos de cada orixá nos possibilitam uma vivência mais saudável e íntegra, vamos assimilando valores de preservação e manejo sustentável, uma vez que precisamos intervir na natureza, sem, contudo, destruí-la, porque somos atingidos pela lição da unicidade essencial entre indivíduo e grupo (CAMPBELL, 1997, p. 369). Buscamos, assim, inserir a mitologia dos orixás, através do mito de Oxóssi, no conteúdo escolar, discutindo a trajetória ambiental que marca a história de nosso país. Consideramos ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1468 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino que a mitologia dos orixás pode, sim, ser uma alternativa de abordagem para promover uma nova ética e manejo sustentável da natureza. A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física e escravização do “outro”, indígenas e negros, tiveram sua alteridade negadas violentamente. Esta negação se processa também no plano das representações e no imaginário social. Neste sentido, um currículo multicultural crítico, que desnaturalize as diferenças e reconheça a trajetória histórica que legitimou sua construção, nos coloca diante destes sujeitos históricos que foram massacrados. No entanto, souberam resistir e continuam na atualidade afirmando suas identidades, produzindo significados e representações que enriquecem o mundo com novas possibilidades de tradução de sentidos em várias esferas da trajetória humana. O Projeto Sagrada Natureza, apesar de não abraçar uma trajetória etnográfica, procurou resgatar parte destes sentidos, significados e representações presentes na cultura destes povos. No percurso dessas atividades, enfrentamos outros desafios, quase todos relacionados à pertinência de se contemplar a mitologia dos orixás na escola. O aspecto religioso ganhou uma relevância que não esperávamos, mas neste momento se apresentava a principal motivação para a reflexão e pesquisa. O que incomoda é o aspecto religioso ou a forma equivocada que percebemos ao longo da história. A religiosidade iorubana deve ser vista como expressão do maléfico, do desqualificado e daquilo que deve, sim, ser apagado de nossa cultura, ou pelo menos ter expressão apenas folclórica e muitas vezes caricatural? Portanto, o que nos mobilizou foi tentar entender a motivação religiosa presente nestas críticas e, consequentemente, o peso das subjetividades que influenciam o cotidiano da escola e a reflexão e prática dos currículos. A onça-pintada e a cosmologia dos indígenas no Brasil O mundo animal tem forte presença como referência cosmológica no universo mitológico indígena. Trata-se de uma valorização e simbiose com a natureza. São inúmeros mitos que contam a história de mitos fundadores de vários povos indígenas. Se Prometeu, na mitologia grega, recebe o fogo de seu pai, Zeus, para transmiti-lo aos homens, os xamãs também recebem de vários espíritos animais conhecimentos fundamentais para os seres humanos. O deus criador dos Ashaninka lhes dá a coca; o jacaré está na origem do pequi, tão importante para os Kuikuro; para os Huni Kuï, a aranha ensina a colher o algodão, e a jiboia é quem ensina a fazer os desenhos tradicionais – os Kene – que vemos pintados nos corpos das ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1469 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino pessoas e feitos nas roupas. A cotia dá o amendoim para os Panará e o rato dá a semente do milho. De acordo com Campos (2011), o perspectivismo, concebido por Viveiros de Castro (2002), é um conceito que qualifica um aspecto muito característico de várias, senão todas, as cosmologias indígenas: Trata-se da noção de que o mundo é povoado de muitas espécies e seres dotados de consciência e de cultura, e, de que, cada uma dessas espécies vê a si mesma e às demais como animais ou espíritos. Todo ser que ocupa vicariamente o ponto de vista de referência, estando em posição de sujeito, apreende-se sob a espécie de humanidade (CAMPOS, 2011, p. 149). A onça-pintada aparece em vários relatos de mitos fundadores nas cosmologias indígenas. Para os Guarani, bem como para outros povos indígenas, o animal está intimamente ligado aos gêmeos lendários criadores dos povos indígenas. A mãe desses personagens, que os dá a luz em circunstâncias maravilhosas, vê-se constrangida a procurar refúgio em casa da onça. A princípio é acolhida, mas, em seguida, as onças que voltavam da caça famintas pelo fracasso devoram-na. Os gêmeos são poupados e criados pelos felinos, mas quando descobrem os detalhes da morte da mãe vingam-se, preparando uma armadilha, em que só sobrevive uma onça que estava grávida. Entre as tribos sul-americanas, a onça-pintada é reverenciada como a antiga “dona do fogo”, que os homens roubaram, obrigando-a a comer apenas carne crua, o que a teria tornado a grande caçadora que é. Os Kayapós narram da seguinte forma o clássico mito do roubo do fogo da onça: perdido na selva, um menino é ajudado pelo animal. Em meio às peripécias que se seguem, o curumim avista um jatobá em chamas. De volta à aldeia, conta aos homens sobre o fogo e o recolhem, tirando-o da onça. Desde então, os homens comem cozido e ela come cru. Assim, o homem possui o fogo porque o roubou da onça (segundo algumas versões, ela o deu de boa vontade). Por causa dessa perda, o animal teria se tornado canibal, devorador de carne crua e inimigo dos homens. (Levy e Machado, 1999). Claude Lévi-Strauss (1908-2009) dedicou-se ao estudo desses mitos; registro este que podemos encontrar no clássico estudo da antropologia nas culturas sul-americanas, O cru e o cozido (1964). Conforme o antropólogo, nessa mitologia a onça é indissociável da origem do fogo e da culinária. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1470 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Em muitos povos indígenas, os xamãs, quando estão diante de uma doença difícil de curar, invocam o espírito da onça para lutar contra o mal que ataca o corpo do indivíduo. Araújo explica que: Nas culturas indígenas, há uma rica e constante transformação de gente em animais míticos, de animais míticos em deuses, de deuses em gente, e de animais em gente. Os seres humanos são muitas vezes formados a partir do “consórcio entre divindades e animais”. Devemos apreciar essas sofisticadas elaborações, classificações e associações cosmológicas, como formas de filosofia indígena. São conhecimentos e interpretações sobre o mundo tão importantes quanto quaisquer outras formas religiosas e de conhecimento tradicional (ARAÚJO, 2010, p. 129). Relatamos alguns mitos que justificaram a escolha da onça-pintada. Além da sua simbologia mítica e exuberante na cosmologia indígena, a onça-pintada é um dos animais que marcam a identidade da fauna brasileira, assim como a degradação ambiental e os riscos de extinção de animais. Os professores de ciências engajados no Projeto foram convidados a incluir, em suas aulas, o estudo das onças-pintadas no conteúdo relativo a seres vivos e zoologia, aprofundando, dessa forma, o conhecimento sobre esse animal. Nas oficinas, os alunos conheciam alguns mitos relacionados à onça-pintada e sua relação com a cultura dos povos indígenas. Nosso principal objetivo era apresentar aos alunos uma lógica diferente de percepção e convívio com os animais. Contrastando com a caça indiscriminada, que leva os animais ao risco de extinção, encontramos nos povos indígenas uma possibilidade de recriar esta relação, que nos inspire para uma lógica ambiental pela sustentabilidade, mas, também, pelo respeito e reconhecimento da outridade dos animais. Como explica Campos: No pensamento indígena a natureza é particular (depende do ponto de vista do observador) e a cultura é única, humanos e não humanos são sujeitos dessa cultura, ou seja, uma unidade espiritual e uma diversidade corporal indígena – uma só cultura e múltiplas naturezas – um “multinaturalismo”. O perspectivismo evoca a noção de “animismo”, onde as categorias elementares de estruturação da vida social organizam as relações entre os humanos e as espécies naturais – o animal é foco estratégico de objetivação da natureza e de sua socialização. No modo anímico, a relação natureza/cultura é interna ao mundo social, pois humanos e animais achamse imersos no mesmo seio sóciocósmico (CAMPOS, 2011, p.152). Dessa forma, animais e outros seres do cosmo se encontram na qualidade de sujeito; todos se assemelham. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1471 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Defendemos, então, uma intervenção através de ações pedagógicas, que discutam questões ambientais, que caminham em direção ao reconhecimento da natureza e dos povos indígenas como sujeitos que estabelecem entre si uma relação que deve ser contemplada nos conteúdos escolares como mais uma alternativa para as discussões ambientais na escola. Como afirma Grün: Este encontro com a natureza, através de uma dialética da escuta, é sempre um vir à tona da natureza na linguagem. É importante perceber que tal processo é relevante para todos os contextos, sejam eles nos currículos das escolas e universidades, ou contextos macropolíticos como as nações e os estados políticos. Como Gadamer (1992) nos alerta, nós não precisamos temer o significado da outridade, pois seu reconhecimento e aceitação é precisamente o caminho para o reconhecimento e aceitação de nossos próprios eus, e como meio de genuinamente encontrar o Outro na linguagem, religião, arte, lei e história. E é isso que constitui o verdadeiro caminho em direção a uma genuína comunalidade. Assim, a postura acima esboçada constitui o centro do que Gadamer (1992) formulou como um princípio político. Eu proponho que é precisamente para esta política e ética que uma Educação Ambiental efetiva e radical terá que rumar, se nosso objetivo for nos libertarmos dos constrangimentos causados pelo Cartesianismo (GRÜN, 2003, p. 184). A pesquisa no “chão da escola”: tensões e a afirmação do diálogo. No decorrer desta pesquisa não foram poucas as afirmações de que todo currículo é potencialmente multicultural, assim como a escola e a sociedade. Diante disso, qual é a necessidade de se considerar o multiculturalismo como um referencial teórico para pensar e orientar os estudos curriculares? Será necessário defender um currículo multicultural, diante da característica plural da sociedade? Diante destas questões, nós pesquisadores dos estudos de currículo, inseridos no referencial teórico multicultural, argumentamos e buscamos promover o diálogo, menos comprometidos com a verdade inexorável, e mais estimulados pela possibilidade de contribuir com mais uma forma de olhar a escola, o currículo e a sociedade, dos quais esses mesmos currículos fazem parte. Partimos então, não de respostas, mas de novas perguntas. Se reconhecemos a sociedade como multicultural, entendida aqui, como um mosaico de culturas, que se encontram, poderíamos dizer mesmo, que se esbarram, no fazer da história, constituindo desta forma a diversidade cultural, que reconhecemos desde a Antiguidade; então, por que nos livros de história, por exemplo, encontramos, tão pouco, ou quase nada, a respeito das ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1472 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino culturas indígenas? Por que a contribuição do negro na história do Brasil ganha destaque na escravidão e quase nada se diz sobre as formas de ciência e interpretações do sentido do universo, tão bem representado na mitologia iorubá? Estes são apenas alguns exemplos de como devemos cuidar do conceito de currículo multicultural, fazendo a distinção do termo multiculturalismo, como “encontro” de culturas ou o reconhecimento da diversidade cultural e da necessidade de lutas pela legitimação da expressão plena das identidades. Quando estamos comprometidos com um currículo multicultural devemos reconhecer que a história escolar de cada um de nós e de nossos alunos, foi e é vivida diante de muitos silenciamentos, os quais foram naturalizados pelo tempo e que na perspectiva multicultural, que ganha terreno nas discussões sobre currículo, convida a dar voz a estas expressões identitárias. E os professores, como lidam com esta nova perspectiva? E os pedagogos e direção de escolas podem garantir a legitimidade de ações que desafiam preconceitos, mas também tensionam subjetividades em seus valores éticos e culturais? Quem determina o que deve ser ensinado em uma determinada comunidade? Ficou claro, para mim, que muitos professores, com os quais travei discussões a respeito dos potenciais multiculturais presentes no currículo escolar, conhecem muito pouco do multiculturalismo e quase sempre reconhecem este termo como diversidade e/ou pluralidade de culturas, além de, na maioria das vezes, atribuírem a esse conceito as noções de respeito e tolerância, problematizando menos as questões relacionadas à construção da diferença. Dos quatro professores que participaram mais efetivamente com suas turmas das atividades apenas um deles percebia o multiculturalismo de forma reducionista. Os outros três eram engajados e, apesar de não adotarem a proposta multicultural como referencial teórico, buscavam, em suas práticas, o desenvolvimento de ações potencialmente desafiadoras de preconceitos e abertas a novos saberes. Não é por acaso que foram estes professores que se engajaram no projeto. Com o grupo de professores que desenvolvemos o Projeto Sagrada Natureza, percebemos um potencial reflexivo e disposição para o debate de forma muito positiva. Apesar de reconhecerem os desafios, refletidos no desconforto que a religiosidade afrobrasileira desperta, todos eles apostaram na possibilidade e participaram ativamente na construção desta pesquisa. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1473 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Relacionar a mitologia iorubá à questão ambiental foi, sem dúvida, o momento de maior desafio, necessidade de diálogo e comprometimento com a proposta. Sempre foi o aspecto mais delicado do projeto em seu desenvolvimento, assim como sua articulação com o saber acadêmico. Como discutido no capítulo anterior, as críticas eram fundamentadas no caráter laico da escola pública, e, portanto, a mitologia iorubá na sala de aula poderia representar aspecto de religiosidade e estímulo à prática desta religião. Por outro lado, recebemos críticas de colegas pesquisadores, ligados ao movimento afrodescendente, que duvidaram da legitimidade da ação a partir da afirmação da pesquisadora que mobilizou as ações de que nunca tinha entrado em um terreiro de candomblé e não tinha a menor tradição no povo de santo. Afirmamos, anteriormente, que em nenhum momento as ações do projeto fizeram qualquer menção aos rituais e práticas do candomblé. O que fizemos foi ilustrar com um dos mitos relacionados a Oxóssi, o caçador de uma flecha só, o conceito de sustentabilidade ambiental. Entretanto, não podemos negar que o fundamento religioso esteve sempre presente como questionamento e atenção, conforme podemos observar na declaração dos professores quando perguntados sobre qual seria o maior desafio para a abordagem desta temática na escola: Profº R.: A questão religiosa, principalmente devido ao crescimento do número de evangélicos. Também acho que existiria intolerância de muitos católicos. (R. Entrevista no dia 16/11/2011) Profª M.: Indiscutivelmente o preconceito religioso, muito presente nas nossas escolas, e a associação dos orixás à macumba, que é sempre vista de uma forma pejorativa (M. Entrevista no dia 25/11/2011.) Prof. X.: O preconceito em relação ao tema, mais fácil de quebrar, e o fato de ser um assunto religioso, o que exige um cuidado na abordagem (X. Entrevista no dia 8/12/2011). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1474 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino No entanto, os professores entrevistados reconheceram a possibilidade da abordagem ecológica como forma de lutar contra o preconceito em relação à mitologia iorubá: Profª R.: Talvez. Reconheço que pouco conheço sobre o assunto, mas, a princípio acho que seria importante (R. Entrevista no dia 16/11/2011). Prof X.: Sim, principalmente pelo seu caráter panteísta: ver o sagrado, o divino, nas coisas da natureza (X. Entrevista no dia 8/12/2011). Profª Maria: Sim, se a abordagem não for referente ao aspecto religioso (M. Entrevista no dia 25/11/2011). De qualquer forma, fica claro, pela reduzida argumentação nas respostas, que a temática ainda é distante e causa constrangimento. Considerações Finais A pesquisa-ação, realizada em escolas da rede municipal de ensino de Niterói, buscou a partir de experiência anterior em uma das escolas desta rede, ampliar a reflexão e a intervenção na prática de ensino dos professores, com ações que incluam objetivamente a temática indígena e afro-brasileira, tendo como fio condutor a relação das mitologia dos orixás, ilustrando tópicos da educação ambiental. Com a experiência anterior à pesquisa-ação identificamos que a questão religiosa, influía subjetivamente na receptividade á temática e se tornou um dos desafios a serem vencidos. Procurou-se então, com as oficinas que caracterizaram a pesquisa-ação perceber se em outros espaços escolares, com outros professores e alunos reconheceríamos os mesmos desafios relacionados a religiosidade e se estes tinham as mesmas motivações. Procuramos também perceber como as equipes de articulação pedagógica (diretores e pedagogos) se posicionaram diante da proposta. O projeto Sagrada Natureza caminhou rumo ao resgate de saberes que ficaram fora do currículo escolar, da afirmação da escola pública como território onde as identidades tem um ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1475 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino espaço privilegiado e garantido de expressão e, sobretudo, reconhece o professor como ator com potencial transformador em seu universo de atuação e esta pesquisa-ação teve como objetivo mergulhar neste universo e reconhecer este potencial assim como os limites que se estabelecem para a atuação objetiva e motivação subjetiva do educador. Cabe a cada um de nós, professores-pesquisadores, em constante reflexão, perceber nossa arte de fazer como um ato político, transformador e reflexivo. Reconhecer em nosso cotidiano, o olhar sempre aberto a novas possibilidades, sentir o chão de nossa sala de aula como um espaço em disputa, internas e externas a ela, defender uma educação e currículo sensível a outras formas de perceber e viver o mundo que nos cerca, cultivar com mãos jardineiras a real condição de sujeitos emancipados e plenos de direitos a reinvenção de nossos caminhos. Referências BOTELHO, Denise. Aya nini (coragem): educadores e educadoras no enfrentamento de práticas racistas em espaços escolares. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina) – Universidade de São Paulo, 2000. ______ . Religiosidade afrobrasileira e o meio ambiente: vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola, Brasília/UNESCO, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. 1998. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 12 abr. 2011 ______ . Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 12 abr. 2011. ______ . 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Tomando como base observações do cotidiano e entrevistas com orientadores sociais, procuramos compreender o currículo praticado. Como referencial teórico, foram utilizados os estudos desenvolvidos sobre as relações raciais. As conclusões apontam para o pouco reconhecimento das desigualdades raciais que podem ser encontrados nos vários documentos da política de assistência social, em enfrentar as discriminações, consideradas como vulnerabilidade social. Palavras-chave: Relações Etnicorraciais. Práticas Pedagógicas. Programa PETI. RACIAL ETHNIC RELATIONS: STUDY OF PEDAGOGICAL PRACTICES OF GUIDING SOCIAL PETI PROGRAM Abstract This paper presents the results of an investigation carried out in the Programme for the Eradication of Child Labor in Jequié-BA. The main objective was to investigate the pedagogical practices of the racial and ethnic relations . Based on observations and interviews with everyday social agents, we seek to understand the curriculum practiced. Was Used the theoretical studies on race relations. The findings point to the little recognition of the racial inequalities in several documents of social welfare policy. Key-words: Racial ethnic relations. Pedagogical practices. PETI Program ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1478 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Introdução A escola e os espaços socioeducativos são locais de disputas e de conflitos. De forma geral, o sistema educacional está estruturado de um modo mais conservador do que transformador, perpetuando o status quo da sociedade e os preconceitos de classe, gênero e de raça, legitimando as classes sociais e as ideologias sexistas e racistas. É nesse contexto que se encontra a demanda curricular de introdução da educação para as relações etnicorraciais, o que demanda mudanças de representação, de práticas e a produção cotidiana de currículos que tornem possível/viável a implementação da lei 10.639/03. O trabalho com a Lei 10639/03 exige mudança de práticas e descolonização dos currículos em relação à África e aos afro-brasileiros. Exige questionamento dos lugares de poder. Indaga a relação entre direitos e privilégios arraigada em nossa cultura política e educacional, em nossas escolas e na própria prática pedagógica. Nesse sentido, descolonizar os currículos é mais um desafio para a educação (GOMES, 2006). Os espaços socioeducativos e os programas sociais podem ser compreendidos como locais de diálogo, luta e resistência contra as injustiças sociais ou quaisquer práticas discriminatórias13 e preconceituosas que impeçam a superação e a promoção da igualdade racial, de forma que os sujeitos envolvidos nesse contexto possam aprender a conviver vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural. Assim sendo, torna-se fundamental aliar, na luta política, a dinâmica racial. Portanto, a questão racial deve ser um componente importante a ser considerado não apenas pela escola, mas também pelos programas socioeducativos na superação das desigualdades raciais. Nesse sentido, a pesquisa buscou investigar as práticas pedagógicas e o tratamento da questão racial com crianças e adolescentes do Programa PETI, verificando as maneiras pelas quais essas práticas revelam sobre a questão racial. A pesquisa pode ser caracterizada como um estudo de caso investigativo de natureza qualitativa. Ao realizar o estudo de caso foi possível conhecer em profundidade o particular, os sujeitos, a instituição, nesse caso o Programa PETI e o grupo social do referido Programa. Para a compreensão das práticas pedagógicas voltadas para a questão racial e ao enfrentamento do racismo e da discriminação no PETI os instrumentos metodológicos 13 Comportamento iníquo ou tratamento desigual de outros com base em sua pertença grupal ou possessão de um traço arbitrário, como a cor da pele (Guimarães, 2008, p. 50).De acordo com Munanga a discriminação é o nome que se dá para conduta (ação ou omissão) que viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a opção religiosa e outros (Munanga, 2008, p. 59). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1479 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino utilizados foram observação in loco, registros no diário de campo e entrevistas semiestruturadas. Após ir a campo, fez-se a análise dos dados, com as informações recolhidas no diário de campo, o que permitiu a triangulação dos dados coletados. Destacamos que a inserção da diversidade nos currículos, nas práticas pedagógicas implica ampliação da compreensão sobre as causas dos fenômenos como: desigualdade, discriminação, etnocentrismo, racismo, preconceito e na dimensão de educar para relações etnicorraciais. SITUANDO O CAMPO EMPÍRICO: EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS NO PROGRAMA PETI O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) implantado pelo Governo Federal, em 1996, articula um conjunto de ações visando proteger e retirar crianças e adolescentes com idade inferior a 15 anos do trabalho precoce, resguardado o trabalho na condição de aprendiz a partir de 14 anos. O PETI tem como objetivo erradicar todas as formas de trabalho infantil no país, em um processo de resgate da cidadania de seus usuários e inclusão social de suas famílias (BRASIL, 2003). Em parceria com os três níveis de governo (municipal, estadual e federal), o PETI se respalda nos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988, em especial, no artigo 227, que determina: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A política da assistência social foi incrementada após a Constituição de 1988 e foi regulamentada com a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993. Outro marco importante para refletir sobre as questões voltadas ao PETI é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, o qual assegura às crianças e adolescentes o pleno desenvolvimento físico, moral, espiritual e social, além dos direitos consagrados pela Constituição, tais como: à convivência familiar e comunitária, à educação, à saúde, à cultura, ao esporte e ao lazer. Basicamente a LOAS e o ECA apontam para a universalidade das políticas ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1480 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino assistenciais. Assim, as ações públicas devem ser orientadas para todas as crianças, adolescentes e jovens sem discriminação de cor, sexo, religião dentre outros (BRASIL, 2003). Quando se discute as relações raciais no Brasil, percebemos que estamos impregnados de ideologias, contradições e paradoxos. Sem dúvida, o racismo é um fenômeno social presente de forma concreta na estrutura social brasileira. Vale ressaltar que este fenômeno não pode ser analisado de maneira isolada e descontextualizada, pois ele se manifesta dentro da dinâmica e das relações sociais. Com relação a esse contexto, Munanga (2008, p.183) ressalta que: Os negros, ao longo da história do Brasil, têm sido, juntamente com os índios, os mais discriminados. Essa questão deve ser abordada na escola, incluída objetivamente no currículo, de tal forma que o aluno possa identificar os casos, combatê-los, resolvê-los, fazendo que todos sejam cidadãos em igualdade de condições, a respeito das diferenças e especificidades que possam existir. Neste sentido, a discriminação racial se faz presente como fator de seletividade na instituição escolar e o silêncio é um dos rituais pedagógicos por meio do qual o racimo e a discriminação se expressam, conforme já apontaram os estudos de Oliveira (1985) e Cavalleiro (2003). Não se pode confundir esse silêncio com o desconhecimento sobre o assunto ou a sua invisibilidade. Com efeito, o processo de construção do conhecimento escolar sofre, inegavelmente, efeitos de relações de poder, o currículo instituído pela escola e pelas ações socioeducativas acabam hierarquizando determinado saberes e, no mesmo sentido, definindo o que deve e o que não deve ser ensinando pela escola. Como consequência desse poder de legitimação do que deve ser ensinado, na construção do conhecimento escolar (e de seu currículo), Legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se saberes populares. Silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos de entrarem na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos. Reforçam-se as relações de poder favoráveis à manutenção das desigualdades e das diferenças que caracterizam nossa estrutura social (MOREIRA & CANDAU, 2007, p.25). Assim, o currículo não está envolvido em um simples processo de transmissão de conhecimentos e conteúdos. Possui um caráter político e histórico e também constitui uma relação social, no sentido de que a produção do conhecimento nele envolvida se realiza por meio de uma relação entre pessoas (GOMES, 2007). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1481 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino O UNIVERSO DA PESQUISA: A REALIDADE DO PETI O racismo é uma mazela histórica, cuja raiz se encontra na própria natureza humana. Ele assume várias formas que vai de manifestações explicitas de violência quanto de ações camufladas de segregação. Certos valores vão sendo construídos para justificar a atitude racista, valores estes que espalham no inconsciente coletivo das pessoas, produzindo e reproduzindo uma geração preconceituosa e indiferente com essa realidade de marginalização. Nesse sentido, a constante atitude de preconceito da cor da pele representa ainda um forte desafio para os afrodescendentes, a condenação de quem o pratica, revela para o branco certo alívio ou reparação pelo mal causado durante todo processo de escravidão do negro. Essa sensação de alívio, na verdade, camufla e dissimula em si mesmo o “preconceito de não ter preconceito”. Florestan Fernandes (1965, p.43) diz que o homem branco (...) em lugar de procurar entender como se manifesta o ‘preconceito de cor’ e quais são seus efeitos reais, ele suscita o perigo da absorção do racismo, ataca as ‘queixas’ dos negros e dos mulatos como objetivação desse perigo e culpa os ‘estrangeiros’ por semelhante ‘inovações estranha ao caráter brasileiro. Essa posição do homem branco camufla um racismo que existe e está interiorizado, permitindo que ele fique em uma zona de conforto, ou seja, que se isente de suas responsabilidades diante dos seus comportamentos e atitudes que representa intolerância racial ou étnica. A realidade evidencia episódios de pessoas de pele branca apresentando atitudes que revelam desprezo ou até mesmo que inferiorizam o negro na sociedade, mas que quando questionadas são explicadas como se nunca tivessem ocorrido tais comportamentos. Em certos momentos tais atitudes são justificadas como se o negro ou o mulato fossem os responsáveis por elas, ou ainda, o que é pior, como se fossem idealizadas por eles, por não aceitarem sua cor de pele ou sua posição social, histórica e econômica. Essa realidade é comprovada pelas análises da investigação, quando as orientadoras foram questionadas se já passaram ou presenciaram algum fato discriminatório contras pessoas negras na escola onde estudou ou no espaço de trabalho, as repostas foram unânimes positivas, todas afirmaram que sim. Essas afirmações estão evidencias nas suas falas: ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1482 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Geralmente acontece muito isso no cotidiano, pois a discriminação é um fato que cresceu muito na sociedade. Aqui há discriminação, não só em relação a cor, mas a tudo. Com os assistidos, em geral sempre constato esse fato, às vezes até discutindo, eles se vingam discriminando o colega. Agora com a gente adulto não! Só com os meninos, todo momento, a gente vê a discriminação entre eles, no caso da gente, a gente brinca com nossa colega (C), mas não somos racistas, apenas brincamos com ela”... (INFORMANTE A). Sim, claro! Todos os dias os deparamos com isso e aqui no PETI existe entre assistidos e assistidos, eles mesmo, uns xinga o outro de negro de cabelo duro, e o próprio preto não gosta de ser chamado de negro. Ele mesmo é racista. O próprio negro, não aceita quem ele é (INFORMANTE B). Já sim! Eu mesma, eu sou exemplo, sempre sofro práticas racistas. Aqui no PETI, as práticas racistas acontecem abertamente entre os assistidos, em relação às pessoas que trabalham aqui, não vemos a prática discrimintória declaradamente, aparece nas entrelinhas, é camuflado (INFORMANTE C). Já presenciei vários casos discriminatórios. De maneira geral isso acontece e vai existir sempre. Aqui no PETI, entre os assistidos, mas nada que não fosse resolvido depois de uma boa conversa (INFORMANTE D). Nota-se, portanto, que a discriminação representa para os orientadores entrevistados algo indesejável porque penaliza pessoas e grupos sociais, por outro lado, estes defendem um discurso sobre o tratamento igualitário dado a todos os assistidos do Programa. A partir desse discurso de igualdade, os agentes educativos acabam fixando um modelo de sociedade e punem todos aqueles que dele desviam isso, é legitimado não só por aquilo que é dito, mas por tudo que é silenciado. Além das observações, os depoimentos das crianças e adolescentes, revelaram através de conversa informal que sofriam práticas discriminatórias não só no PETI, mas em todos os espaços sociais. Algumas no decorrer da conversa, ficaram constrangidas em falar sobre assunto, outras abertamente revelaram sofrer com a discriminação. Numa atividade em grupo onde deveriam falar sobre a cor da pele, como elas se identificavam, as crianças e adolescentes negras (os) timidamente se classificaram como morenas, não se identificaram como negras, as crianças e adolescentes brancas (os), não tiveram problemas nem receio em se classificarem como brancas. Outro ponto observado foi a questão da autoestima das crianças e adolescentes brancas (os) em relação às crianças e adolescentes negras (os). Os estudos realizados apontam que as crianças brancas são vistas como o tipo ideal e como as mais bonitas, essas preferências podem ser explicadas pelo silenciamento em relação ao negro na escola e durante todo processo histórico de negação. A criança ou adolescente chega à escola e seus valores, sua cultura são ignorados, prevalecendo um estereótipo de beleza e cultura já padronizada como ideal. Com isso ela passa a desprezar sua aparecias física ou até mesmo suas raízes ancestrais e culturais. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1483 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Nesse contexto, A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e para a emancipação dos grupos discriminados, ao propiciar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para a consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários (BRASIL, 2004, p. 6). A pesquisa aponta para a necessidade de se considerar as diferenças nas práticas educativas do PETI, pois, não há uma sensibilização em relação aos processos culturais vivenciados pelas crianças e adolescentes que são atendidas pelo Programa, o que contribui para que estas crianças construam ou reforçam uma representação negativa do negro a partir do ideário do branqueamento. Sobre esse contexto Cavalleiro (2008, p.19-29) afirma que: Numa sociedade como a nossa, na qual predomina uma visão negativamente preconceituosa, historicamente construída, a respeito do negro e, em contrapartida, a identificação positiva do branco, a identidade estruturada durante o processo de socialização terá por base a precariedade de modelos satisfatórios e a abundância de estereótipos negativos sobre os negros. Isso leva a supor que a imagem desvalorativa/inferiorizante de negros, bem como a valorativa de indivíduos brancos, possa ser interiorizada, no decorrer da formação dos indivíduos, por intermédio dos processos socializadores. Diante disso, cada indivíduo socializado em nossa cultura poderá internalizar representações preconceituosas a respeito desse grupo sem se dar conta disso, ou até mesmo se dando conta por acreditar ser o mais correto. As políticas de branqueamento que sustentaram o preconceito, o racismo e a discriminação ao longo da formação do Brasil serviram para retardar as ações de combate a essas posturas. Embora, legalmente, todos sejam considerados cidadãos na sociedade, na prática os afrodescendentes são os que mais sofrem com as condições desiguais que se intensificam com os estereótipos criados para desqualificar o negro. Algumas entrevistadas apresentam ter um conhecimento superficial a estes conceitos e outras não souberam conceituar. As observações evidenciaram a existência do racismo no Programa PETI ora de forma sutil, outras vezes de forma explícitas nas práticas educativas diárias, nas atitudes das orientadoras, nos comportamentos das crianças/adolescentes. Penso que o preconceito é não saber distinguir a raça, só existe uma raça só, e discriminação é excluir as pessoas, acho que esses conceitos deveriam ser trabalhados de uma forma melhor para conscientizar as pessoas (INFORMANTE A). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1484 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Não concordo com o preconceito e a discriminação, para mim o preconceito é fazer um conceito antes de conhecer, e a discriminação é você afastar, fazer o afastamento. Aqui tem negro, mas a gente leva na brincadeira... O preconceito e a discriminação já tá encravado entre eles, já ta enraizado, já vem de casa, eles mesmo tem preconceito um do outro. O próprio negro, não aceita quem ele é (INFORMANTE B). Pra mim o preconceito é uma coisa de raiz, desde da colonização, da forma como foi criado a população. Pra mim o preconceito é um conceito formado sem conhecimento de causa, sem conhecimento do que existe. O preconceito é o sinônimo de ignorância e a discriminação é rejeitar, desvalorizar, é o proibido da sociedade, é a falta de respeito total com as pessoas. Ele existe e, é difícil de ser combatido (INFORMANTE C). O racismo é uma questão extremamente complexa que pode ocorrer independente da classe social que seus envolvidos pertencem. No Brasil ele é fruto de um processo histórico que impuseram ao povo negro uma condição de exclusão social, política, culturas e econômica que atualmente tem sido analisados e combatidos por várias instituições, principalmente a educacional. Dando continuidade à análise, a pesquisa realizada no Programa PETI, aponta a existência de práticas racistas discriminatórias nas relações interpessoais adulto/adulto, adulto/crianças e adolescentes e crianças/ adolescentes. As crianças utilizam termos pejorativos que desvalorizam a imagem do negro, os adultos por sua vez, reforçam essas práticas na medida em que, acham graça e chamam as crianças pelo apelido e não pelo nome, além disso, não sabem lidar com a situação de enfrentamento e combate do racismo e discriminação. Aqui no PETI, eles mesmos discriminam uns aos outros, eles xigam o outro de negro do cabelo duro, a gente nem sabe como interferir, o que fazemos é chamar pra conversar. Mas o próprio preto não gosta de ser chamado de negro. Ele mesmo é racista. No PETI nós trabalhamos o racismo, mas eles não se aceitam, eles xigam os outros de negro preto, e o outro diz: eu não sou negro! sou moreno. Aqui no PETI, não vemos a prática racista e discriminatória declaradamente, aparece nas entrelinhas, é camuflado usa-se sempre alguns termos, me recordo de alguns especificamente, como por exemplo, se dirigem a mim: “A bichinha é preta, mas é retada”, “só é preta, mas é inteligente” ou seja, o meu defeito é ser Negra! Lembro também de alguns termos pejorativos, momentos em que já vejo colegas e até os próprios assistidos sofrerem com brincadeiras e apelidos maldosos que servem pra reforçar e inferiorizar ou revelar certa incapacidade por ele ser negro. Expressões tipo: Seu macaco, urubu, negro preto, negro não tem onde cair morto, cabelo de pixaim, picolé de betume (FALAS DAS INFORMENTES). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1485 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino As referidas falas refletem como a ideologia do branqueamento está impregnada e perpetua nos comportamentos das pessoas, principalmente das crianças/adolescentes, elas internalizam uma imagem negativa, de si própria, e uma imagem positiva do outro, a criança/adolescente negro é estigmatizada e tende a se rejeitar, a não se estimar. Torna-se desejável querer ser branco, já que o ideal é branco. Dessa forma, as crianças negras percebem quando são desqualificadas, são consideradas feias e elas introjetam a inferioridade. Em sua concepção, ser negro, é ser feio. De acordo com Cavalleiro (2008, p.46): Muitas vezes as crianças são incentivadas pelas próprias professoras a revidarem as agressões sofridas na escola. Não são levadas a refletir sobre os momentos de agressividade, nem a ponderá-los. O modo como essas educadoras concebem o cotidiano escolar e as relações interpessoais nele estabelecidas dificulta a percepção dos conflitos étnicos e, inclusive, a realização de um trabalho sistemático que propicie a convivência multiétnica, já que para elas esses problemas inexistem. Assim, a constituição da identidade do ser humano, está ligada ao processo de socialização que abrange a inculcação de valores que dão referências de sua visão de mundo e da sua própria imagem ou auto representação. De acordo com Romão (2001, p. 16), a questão da identidade negra fragmentada, ter ou não ter autoestima, está relacionado com a dimensão histórica que por vezes coopera para a construção de estigmas, e se esse fato não for considerado acaba por naturalizar a baixa autoestima da criança negra como sendo algo inerente à sua personalidade. Ainda segundo a autora, ninguém nasce com alta ou baixa autoestima ela é aprendida e resulta das relações sociais e históricas. À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS Refletir sobre esse tema, relações raciais, e mais especificamente sobre estas relações raciais no contexto do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um grande desafio o que a referida pesquisa sugere como uma das ferramentas de combate ao racismo no espaço do PETI e Programas Sociais, é que a questão racial não continue sendo ocultada nesses espaços, devendo possibilitar um espaço permanente para discussão e reflexão de práticas racistas e preconceituosas visando à superação de estigmas e discriminação contra os negros que é tão presente nesse espaço de convivência como é o caso do PETI, no município de Jequié. As contribuições obtidas pontam como resultados no que concerne ao PETI no trato com as questões raciais, é que existe pouco reconhecimento das desigualdades raciais que ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1486 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino podem ser encontrados nos vários documentos da política de assistência social, em enfrentar as discriminações, consideradas como vulnerabilidade social. Somado a isso, os esforços das políticas de assistência social estão limitados para o combate do racismo e a promoção da valorização da dignidade e identidade negra. A questão racial é tratada de maneira pontual, vazia, solta, superficial e precária. O discurso que permeia as práticas educativas de não abordar a temática, porque o assunto é polêmico, revela o “medo” que se tem em discutir a questão racial na sociedade. O Programa precisa urgentemente rediscutir sua proposta educativa para que atenda as políticas públicas de promoção da igualdade racial nesse espaço. Com efeito, é preciso avançar nas discussões e implementação da Lei 10.639/2003 nos espaços socioeducativos no sentido de garantir às crianças e adolescentes do referido Programa a plenitude de sua dignidade, respeito a sua identidade étnica. Indubitavelmente, é imprescindível um trabalho pedagógico comprometido com a cidadania visando o combate ao racismo e à discriminação racial. Referências BRASIL. Lei nº 10639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan. 2003. CAVALLEIRO, Eliane S. Do silencio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2008. FERNANES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1965. GOMES, Nilma Lino. 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ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1487 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino OLIVEIRA, Luiz a. G. O silêncio: um ritual a favor da discriminação racial. Dissertação de Mestrado em Educação. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 1985. SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Territórios contestados. Petrópolis: Vozes, 1995. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1488 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS E A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR: UM CAMINHO A SER TRILHADO Josilene Rodrigues da Silva14 [email protected] Resumo Este trabalho tem por objetivo, refletir sobre a educação para as relações étnico-raciais a partir da implantação da Lei Federal n°10. 639/03 (alterada pela Lei 11.645/08) e suas implicações no currículo escolar. Tais leis exigem a inserção dessa temática na educação escolar, a fim de promover a valorização e o reconhecimento das diferenças étnicas e culturais que compõem a formação do povo brasileiro. Tomamos como referência a legislação atual sobre a temática e os estudos voltados para a diversidade étnica e cultural. Concluímos que a ressignificação do currículo escolar é imprescindível para a construção de uma educação anti-racista e mais humanitária. Palavras chaves: Currículo escolar. Relações Étnicorraciais. Lei 10.639/03 Introdução Trata-se de um estudo referente à implantação da Lei Federal 10.639/03 (alterada pela Lei 11.645/08), que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnorraciais que dispõe sobre a introdução no currículo da educação básica, o Ensino de História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana. O estudo da história da África compreende a discussão dos diferentes aspectos da história e da cultura desses povos, que caracterizam a formação da população brasileira possibilitando a reconstituição de suas contribuições à história do Brasil nos aspectos social, econômica, político e cultural. As DCNS para a Educação das Relações Etnorraciais constituem-se como um conjunto de orientações, princípios e bases para o planejamento da inclusão do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Tem por fim promover a educação de cidadãos (ãs) pensantes, críticos, formadores de opinião e atuantes dentro de uma sociedade multicultural e pluriétnica no Brasil. A educação para as relações étnico-sociais investem na geração de imagens positivas ao mesmo tempo em que combatem as imagens negativas que se tem em relação aos povos 14 Trabalho elaborado em co autoria com Luciene Chaves de Aquino. E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1489 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino oriundos dos países do continente africano, contribuindo para uma sociedade mais democrática e tolerante. Um dos caminhos a ser trilhado para chegarmos ao estado pleno de democrácia e respeito à diversidade é através da educação. Nessa perspectiva as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais assinala que Precisa, que o Brasil, país multi-étnico e pluricultural, de organizações escolares em que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser obrigados a negar a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, idéias e comportamentos que lhes são adversos (BRASIL, 2005, p. 18). Embora sua obrigatoriedade se estenda ao Ensino Fundamental e Médio, o (a) educador (a) pode propor situações e atividades educativas que enfatize aspectos da História e Cultura Afro-Brasileira e indígena ainda na Educação Infantil. Considerando que as relações etnorraciais não acontecem a partir do Ensino Fundamental, mas sim, perpassam toda vida escolar. Portanto, partimos da compreensão que na condição de sujeitos sociais estamos envolto às relações étnico-raciais e humanas, na medida em que compreendemos que o diálogo e o conhecimento sobre o outro é essencial para a construção do respeito. Nessa perspectiva, Candau (2007, p. 15) nos esclarece que “para se construir uma sociedade pluralista e democrática, o diálogo com o outro, os confrontos entre os diferentes grupos sociais e culturais são fundamentais e nos enriquecem a todos”. Desse modo o conhecimento é indispensável para convivermos com as diferenças étnicas, sendo a escola responsável por essa formação mais humanística que favoreça o desenvolvimento da criticidade e de sujeitos menos preconceituosos. Por que não é possível abandonar as práticas preconceituosas sem antes termos nos aceitado como pessoas preconceituosas. No entanto as diretrizes curriculares ou a legislação por si só, não são suficientes para a efetivação de uma educação que valorize e reconheça a maioria étnica enquanto constituinte e construtores da nossa nação. O diferencial implicará na reformulação do currículo escolar, entendido como uma construção estruturada e organizada como um repertório que orienta a prática educativa. Constituído por atividades, conteúdos, métodos, experiências utilizadas para cumprir e alcançar as finalidades educativas, que na maioria das vezes são definidos pelos interesses capitalistas. Tal como afirma Silva (2007, p. 34), “o currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante. Ele é transmitido através do código cultural dominante”. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1490 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Esses fins da educação podem estar implícitos ou explícitos, eles atendem aos interesses dos grupos homogêneos. Portanto é indispensável que o currículo escolar e a escola, enquanto espaço de formação dos sujeitos envolvidos nesse processo, seja organizado para acolher as novas demandas educacionais que atentam especificidades e amplitudes do ensino para as Relações Étnicos Raciais, atuando na descolonização do currículo. Currículo escolar e os recursos pedagógicos como instrumentos de perpetuação de preconceitos. O currículo escolar da educação básica precisa estar isento da veiculação de informações discriminatórias. De igual modo, é essencial que os livros didáticos e os demais recursos pedagógicos sejam desprovidos de qualquer forma de estereótipo, e venha a favorecer um estado de preconceito no espaço educacional e na sociedade vigente. Apoiandonos nas palavras de Munanga (2005, p. 17) “livros e outros materiais didáticos visuais e audiovisuais carregam os mesmos conteúdos viciados, depreciativos e preconceituosos em relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental”. Percebemos que os próprios recursos didáticos, a começar pelo livro didático contribuem para a construção de uma imagem negativa ou de inferioridade do negro na saciedade, quando em geral, “o negro” figura na história apenas como escravos que “vieram” para o Brasil em um dado momento histórico, deixando de ressaltá-lo como sujeito construtor dessa sociedade. Deste modo os materiais pedagógicos utilizados pelos professores, são impregnados de preconceitos em relação aos grupos étnicos originários de outros países, sobretudo dos países africanos. Como somos frutos de uma educação eurocêntrica e por isso, conscientemente ou inconscientemente, muitas de nossas práticas estão arraigadas de discriminação. Compete à escola o papel de desmistificar as representações sociais preconceituosas a pessoa negra na sociedade, de modo que nossos alunos (as) sejam capazes de inferir de forma crítica os processos históricos nos quais os(as) negros(as) que foram trazidos, subjugados, aculturados, negados e renegados pelos grupos homogêneos que formavam a elite brasileira. E neste processo compreender a diversidade, etnicidade, identidade e cidadania como um direito constitucional do indivíduo brasileiro. Diante do exposto, percebemos que é necessário ter um currículo que reflita integralmente sobre as contribuições dos grupos étnicos na formação das identidades ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1491 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino culturais, bem como no crescimento e desenvolvimento do nosso país. Partindo do entendimento de que o não reconhecimento de suas contribuições para nossa sociedade também constitui como forma de discriminação racial. Currículo tradicional e Educação étnicos-raciais Historicamente os (a) negros (a) foram negligenciados pela sociedade, e a escola como formadora de cidadãos (ãs) não está preparada para acolher as diferenças étnicas, culturais e religiosas, ou seja, as diversidades. Porque nossa educação ainda é pautada num currículo tradicional, eurocêntrico e monoculturalista que privilegia e valoriza a cultura dominante em detrimento da cultura e costumes da população negra. Proponha-se um currículo despojado de preconceitos que supere o a falsa democracia racial, que Munanga (2005, p.20) denominou “mito segundo o qual no Brasil não existe preconceito étnico-racial”. Isto falseia e mascara o preconceito racial em nosso país. Dessa forma a escola tem sido aliada para que esses grupos ocupem posições de inferioridade, entretanto o que se pretende é que ela torne-se um espaço múltiplo e diverso e acima de tudo inclusivo. Não podemos esquecer que o Brasil é pluriétnico e multicultural. Portanto a educação brasileira não pode desconsiderar as relações entre os diversos grupos étnicos que compõem o país. Considerações finais A implantação da Lei 10.639/03 e as Diretrizes convoca a comunidade educacional: alunos (as) professores (as), gestores (as), coordenadores (as), pesquisadores (as) e a comunidade, a refletirem sobre as Relações Étnicos Raciais. Buscando uma educação menos racista e preconceituosa o que é não fácil, pois como já foi argumentado, a história dos negros (as) ao longo dos anos foi camuflada. Começando por descolonizar o currículo enquanto instrumento de poder de grupos hegemônicos. Sendo assim, a reformulação do currículo para incluir a Educação para as Relações Étnicos-Raciais significa transformá-lo numa ferramenta de conhecimento contra o pensamento da hegemonia dominante. Por fim, entendemos a emergência da desconstrução de velhos paradigmas. Isto possibilitará resinificar o currículo, considerando seu potencial social, político e cultural, englobando sua dimensão multifuncional e dimensional, como caminhos que levam ao favorecimento da igualização e convivência respeitosa com das diferenças. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1492 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações etnicoraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: MEC-SECAD/SEPPIR /INEP,2004. CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e direitos humanos. In.: Direitos humanos: relações étnico-raciais e de gênero. Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade : –BRASIL : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.4 v. MUNANGA, Kabengele. (Org.). Superando o Racismo na escola. 2 ed. Revisada. [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. SILVA, Tomaz Tadeu da: Documentos e identidades: uma introdução ás teorias do currículo. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2007. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1493 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A TESSITURA DA IDENTIDADE NEGRA E AS RELAÇÕES INTERRACIAIS NA FAMÍLIA E NA ESCOLA Margareth Maria de Melo, UEPB RESUMO Este artigo tem por objetivo discutir como as identidades das estudantes negras são tecidas nas relações interraciais na família e na escola e os desafios que os currículos escolares enfrentam nos cotidianos. O caminho percorrido foi a pesquisa qualitativa nos/dos/com os cotidianos (ALVES, 2008). Neste texto dialogamos com quatro estudantes negras sobre suas histórias de vida (BOSI, 2003) e a partir de suas narrativas refletimos sobre a tessitura de suas identidades, as relações interraciais presentes nos cotidianos do ambiente familiar, no interior das escolas e as lacunas na formação docente no trato do racismo. O grande destaque é o fenótipo que define o que é ser negro/a. A partir de estudiosos/as como Munanga (2006; 2009), Gomes (2002), Fernandes (2007), Pollak (1989), dentre outros, buscou-se compreender sobre como a estética negra influenciou na tessitura da identidade e como os silêncios foram se representando nas tramas cotidianas das histórias de vida de cada estudante. Os silêncios e o “não dito” foram táticas usadas pelas praticantes (CERTEAU, 2007) para conviver com o racismo e a discriminação. O desafio é como no processo de formação docente enfrentar as lacunas tanto do currículo do curso de formação de professores, como do currículo da escola básica? Palavras – chave: Relações Interraciais. Cotidianos. Formação Docente. Racismo. ABSTRACT This article aims to discuss how female black students are woven in the interracial relationships in the family and in school and the challenges that the school curricula face every day. The path taken was a qualitative research in / from / with daily (ALVES, 2008). In this text we dialogue with four female black students about their life histories (BOSI, 2003) and from these narratives we reflected about the tessitura of their own identities, the interracial relationships present in daily familiar environment, within schools and the gaps in teacher training in the treatment of racism. The highlight is the phenotype that defines is what is being black. From the scholars such as Munanga (2006; 2009), Gomes (2002), Fernandes (2007), Pollak (1989), among others, we have sought to understand how black aesthetic influenced in the tessitura of identity and how the silences were representing themselves in daily plot of life histories of each student. The silences and the “unsaid” were tactics used by the practitioners (CERTEAU, 2007) to live together with racism and discrimination. The Challenge is like in the process of teacher’s formation face the gaps both in the curriculum of the course of teacher training and in the curriculum of elementary school. KEYWORDS: Interracial Relationships. Everyday. Teacher Training. Racism. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1494 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino O presente artigo se refere a uma parte da minha tese de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPED/UERJ), intitulada “Gerando eus, tecendo redes e trançando nós: ditos e não ditos das professoras e estudantes negras nos cotidianos do Curso de Pedagogia” da Universidade Estadual da Paraíba. Neste artigo, pretendo discutir como as identidades das estudantes negras são tecidas nas relações interraciais na família e na escola bem como os desafios que os currículos escolares enfrentam nos cotidianos. A pesquisa qualitativa nos/dos/com os cotidianos (ALVES, 2008) foi o caminho trilhado permitindo o diálogo com quatro estudantes negras sobre suas histórias de vida (BOSI, 2003). A partir de suas narrativas refletimos sobre a tessitura de suas identidades, as relações interraciais presentes nos cotidianos do seio familiar e no interior das escolas. Esses momentos de troca e aprendizado mútuo possibilitaram observar as lacunas na formação docente no trato da diversidade e do racismo. As estudantes (Rose, Cláudia, Emanuela e Carla) demonstraram nas nossas conversas as influências que o ambiente familiar provocou na tessitura de suas identidades, a afirmaçãonegação15 das mesmas são indícios de como essas relações contribuíram para uma autoestima positivanegativa na trajetória de vida destas praticantes (CERTEAU, 2007). O grande destaque nessa dinâmica é o fenótipo que define o que é ser negra. Segundo Munanga (2009) os problemas dos/as negros/as com relação a sua estética são de ordem específica e devem ser enfrentados por eles/as para se superar a alienação. O negro tem problemas específicos que só ele sozinho pode resolver, embora possa contar com a solidariedade dos membros conscientes da sociedade. Entre seus problemas específicos está (CIC), entre outros, a alienação do seu corpo, de sua cor, de sua cultura e de sua história e consequentemente sua “inferiorização” e baixa estima; a falta de conscientização histórica e política, etc. Graças à busca de sua identidade, que funciona como uma terapia de grupo, o negro poderá despojar-se do seu complexo de inferioridade e colocar-se em pé de igualdade com outros oprimidos, o que é uma condição preliminar para uma luta coletiva. A recuperação dessa identidade começa pela aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais, intelectuais, morais e psicológicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os aspectos da identidade (MUNANGA, 2009, p.19) (grifos do autor). Nos depoimentos a seguir se percebe claramente a alienação tratada por Munanga. À medida que as estudantes se apropriam da história e cultura negras elas passam a se 15 Alves (2008, p.11) faz a junção de termos como uma “forma de mostrar os limites para as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, do modo dicotomizado criado pela ciência moderna para analisar a sociedade”. Assim, sempre que for necessário farei junção de termos indicando a superação da dicotomia entre os mesmos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1495 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino identificar com o povo negro, mesmo que com relação à estética tenham provocado modificações, a exemplo dos cabelos. A estudante Rose ressaltou, logo no início de nossas ‘conversas’, a implicância de sua avó paterna com o seu cabelo, levando-a, desde cedo, a fazer alisamento. Oriunda de uma família de classe média, do interior da Bahia, o pai se identifica como caboclo16 e a mãe é negra. Essa estudante percebeu o sofrimento que sua mãe passou por ser negra, e ela própria vivenciou situações difíceis, tudo por conta da cor da pele e da textura do cabelo. Em alguns momentos, seu pai precisou intervir junto a sua avó. Em suas palavras: Na minha infância o tratamento da minha avó comigo era difícil, porque ela implicava com o meu cabelo, que era mais enrolado, como na família de minha mãe. (...) E como minha avó tinha preconceito com a minha mãe, especialmente pelo cabelo, então eu sofri muito com isso. Ela não deixava meu cabelo solto como o das minhas irmãs. Sempre era amarrado, porque segundo ela, ele era “ruim”. Minhas irmãs, por causa disso, implicavam comigo com apelidos, dizendo que meu cabelo era duro, como na música de Luís Caldas – “Negra do cabelo duro” (narrativa da estudante Rose). O mesmo ocorreu com Emanuela. A implicância também era com o cabelo, várias pessoas da sua família insistiam para que ela o alisasse. A questão era o meu cabelo que era bem cacheado, e as pessoas da família sempre diziam para eu fazer chapinha, mas eu dizia que gostava dele como era. No entanto, eu rejeitava. Com relação ao meu cabelo, eu fiz um tratamento e modifiquei totalmente. Hoje, eu gosto do meu cabelo liso. Minhas colegas até estranharam quando viram umas fotos minhas antigas. (...) Eu usei muito o cabelo preso, não podia ficar solto (Narrativa da estudante Emanuela). Deste modo, nota-se que a representação estética do “cabelo traz consigo marcas voltadas à formação da identidade que, muitas vezes, é vista como marca de inferioridade” (GOMES, 2002, p. 7). Mesmo fazendo parte da família, ainda se tinha a ideia de que deveria modificar a estética, neste caso, o cabelo, como forma de negar ou não admitir suas raízes. Parece que alisando os cabelos estas mulheres deixariam de ser negras para suas famílias. Ambas cederam à pressão, na época, e alisaram os fios. No entanto, Rose mostra que, mesmo com cabelo liso, sempre assumiu que é negra. E Emanuela, durante muito tempo, se percebia morena, mas à medida que foi estudando sobre a temática, na universidade, assumiu a identidade negra de forma expressiva. No caso de Rose, que é baiana, a pressão era só de sua avó e das brincadeiras das irmãs quando criança. Segundo ela, as mulheres baianas gostam e valorizam o cabelo cacheado. 16 Mistura de indígena com branco. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1496 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Com Emanuela foi mais difícil, porque várias pessoas da família insistiram para ela alisar. Além disso, neste período, ela não encontrou nenhuma referência que a apoiasse na decisão de permanecer com a estética do seu cabelo. Percebo que o fato de me sentir melhor com o cabelo liso, tem origem no estereótipo criado pela sociedade, de que o cabelo liso é bonito e o crespo feio. Lembro-me de passar alguns anos afirmando gostar do meu cabelo cacheado, mas, na verdade, isso me incomodava. (...) As críticas ao meu cabelo antes, incomodaram tanto que acabei mudando totalmente, a aparência em 2009. Hoje, gosto dele desta forma. Muitos amigos estranharam, mas o cabelo é meu, e faço o que quiser com ele (Narrativa da estudante Emanuela). A mulher, independentemente da raça, deve assumir o direito sobre o seu corpo e tratá-lo da forma que preferir, não se deixando escravizar por modelos estéticos que anulam sua identidade e alimentam a indústria de cosmético. A mãe de Carla apresenta essa consciência na orientação dada à filha: No período da adolescência, minha irmã e eu pedimos a minha mãe para alisar o cabelo. Ela não concordou, mas nos levou ao salão para mostrar que não era bom. Falou sobre o nosso tipo de cabelo, da importância de aceitarmos sua textura e das indústrias de cosméticos que lucram com esse tipo de alisamento. Nem minha irmã e nem eu gostamos do resultado e buscamos possibilidades que melhorassem o aspecto dos cabelos, por isso que os apelidos da escola incomodaram. Hoje, aprendi a gostar e me sinto muito bem com meus cachos (Narrativa da estudante Carla). Como foi apresentado anteriormente por Gomes (2002), nesta questão quero destacar as marcas de inferioridade na tessitura da identidade. Se a família trata de forma positiva a negritude, como no exemplo acima, a relação com a estética negra se diferencia, tanto na questão da autoestima da pessoa, quanto na forma de comportamento em relação a ela. No entanto, como mudar essa visão se nas famílias não se discute sobre isso, como mostra Emanuela. Não se valoriza a cultura negra, tratando-a de forma pejorativa e com preconceito. A falta de conhecimento sobre a história e cultura negra é uma realidade cotidiana e a escola, que é etnocêntrica, é uma das responsáveis por reforçar os estereótipos negativos. No ambiente escolar, o negro ainda é associado à escravidão vivida no país. Quando se estuda o tema no Ensino Fundamental e Médio, o negro só aparece relacionado ao trabalho escravo. Após um século de história, as escolas e o seio familiar ainda reproduzem essa ideia, com indícios de preconceito e discriminação, até mesmo nos espaços multirraciais. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1497 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Na casa de Carla se discute sobre a temática porque desde muito jovem sua mãe sofreu com o preconceito, a discriminação e buscou conhecimento para enfrentá-los quando passou a participar do Movimento Negro. Além do cabelo, a cor da pele é outro destaque na fala das praticantes (CERTEAU, 2007). A percepção de que só é negro aquele de pele muito escura aparece em todas as narrativas, a ponto de algumas, durante muito tempo, se autodenominarem morenas, pardas, como citavam Emanuela e Carla. Ou ainda existe o caso de pessoas do convívio, sejam familiares ou amigos, não aceitarem a denominação de negra, como relatam Rose e Cláudia. No Brasil, é a “marca” aparente que classifica a sociedade e não a ancestralidade. Assim, quanto mais escura for a cor da pele, mais a pessoa é identificada como negra; quanto mais clara for, há um distanciamento desta denominação, originando as denominações de pardas, morenas, dentre outras. Segundo Munanga (2006), em pesquisa realizada pelo historiador Clóvis Moura, após o senso de 1980, registrou-se a existência de 136 denominações diferentes para as pessoas não brancas. O que isso significa? Segundo a narrativa de Emanuela, o fato de o negro ser marginalizado na sociedade, a identificação como negra, para algumas pessoas, parece ser algo negativo, que não favorece à autoestima. Hoje, eu me assumo como negra, por que estou estudando no grupo de pesquisa. Mas há alguns anos eu não me assumia, justamente por conta de vivermos em uma época que infelizmente a raça negra é muito marginalizada. Então, eu me assumia como morena, mulata, mas não como negra. (...) Mas a maioria das pessoas diz que eu sou morena e que não sou negra e até fazem brincadeiras: -“sua negra!” E eu digo: -“eu sou mesmo, não estão dizendo que sou? Eu tenho orgulho disso.” Então, as pessoas ficam surpresas com o fato de você se assumir. Atualmente, chamar alguém de negro é como se insultasse a pessoa e era assim que eu me sentia antes (Narrativa da estudante Emanuela). Nas palavras de Emanuela, diversas vezes a questão da cor da pele aparece como indício para definição do que é ser negro/a entre seus familiares. O conflito afirmaçãonegação está sempre presente: ou nas brincadeiras que são feitas sobre o negro, ou mesmo no silêncio. Pessoas da mesma família com tonalidades de pele diferentes não compreendem que a ancestralidade é a mesma e, portanto, se uma é negra, todas as outras também são. Assim, a relação entre brancos e negros na minha família não é normal, não se fala sobre o assunto, pois se considera a cor da pele como referência. Como a cor da pele não é muito escura, por conta da mistura, eles se consideram morenos. As brincadeiras, em alguns momentos, destacavam aspectos negativos; algumas vezes era tratada a questão negando a existência do negro na família. Minha mãe, até hoje, não aceita que o marido e a filha são negros. Uma vez, afirmou que nossa cor era “castanho ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1498 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino claro,” e meu pai comentou que isso era cor de cabelo. Eles não apresentam situações valorativas do negro, confirmando o que ocorre na sociedade, em que o negro sempre aparece associado a aspectos negativos ou então fica invisível. (...) Minha avó paterna é negra e me falou sobre sua mãe, minha bisavó, que era branca e a rejeitava por conta da sua cor. Mas eu não sabia disso e nunca percebi diferenças dela comigo. Mas lembro que ela dava uma atenção maior a meu irmão, que é branco, tem traços mais afilados (Narrativa da estudante Emanuela). Emerge desse contexto familiar o conflito velado, uma vez que não se fala sobre a situação da pessoa negra. Todos se percebem como morenos e, quando se fala, é com tom de ironia ou sarcasmo, não se trata de aspectos valorativos da população negra. Parece que só o branco tem valor na sociedade. Segundo Munanga (2006) a mestiçagem teria o objetivo de destruir a identidade racial, o embranquecimento levaria a uma homogeneidade, isto é, uma nova identidade, o povo brasileiro, como defendeu Gilberto Freyre e Darci Ribeiro. A mestiçagem alimenta o desejo de embranquecer, não apenas a cor da pele, mas de assumir a cultura do outro, dita culta, superior e rejeitar as demais culturas numa visão hierárquica. Uma situação descrita por Emanuela me chamou a atenção. Ela fala que era filha única e depois nasceu sua irmã, branca e bonita. Passei quatro anos sendo filha única, depois veio minha irmã, aí toda a atenção da família se voltou para ela, que era branca e mais bonita. Como eu era muito tímida, não falava o que estava sentindo. Em casa, minha mãe também não tinha o hábito de conversar comigo, por conta da sua formação familiar. Eu sentia uma ausência de mãe, por falta do diálogo. Na escola, via as professoras como uma referência para mim, como se eu recebesse delas o carinho que eu não tinha em casa. Eu não lembro ter sofrido discriminação por ser negra (Narrativa da estudante Emanuela). Para mim, parece que ela não partilhou com ninguém o que estava sentindo na ocasião do nascimento de sua irmã “branca e mais bonita”. Tanto que cresceu distante dessa irmã, o que ela denomina “solidão”, afinal as duas são bem diferentes também no comportamento familiar. Mas afirma não lembrar ter sofrido discriminação por ser negra. Esse esquecimento pode revelar uma memória traumatizada como afirma Pollak (1989). Em outro momento, as lembranças são silenciadas para serem protegidas, muitas vezes porque o indivíduo não encontra escuta, ou tem receio de se expor, ser mal-entendido e ser punido (POLLAK, 1989). Na história de Cláudia, ela destaca o pai, que é o único negro entre os irmãos e por isso é discriminado pela família. Ele é sempre escolhido para o trabalho, enquanto que os outros ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1499 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino são poupados. Essa visão do negro associado a trabalho parece fazer referência ao período da escravidão. Vejam sua narrativa: Por incrível que pareça, a família do meu pai é toda branca apenas meu pai nasceu negro. Aconteceu que, dentro da própria família, sofreu racismo por ser negro e os outros serem brancos. Meu avô dava privilégios para aqueles que eram brancos. Meu pai, como negro, era excluído ou sacrificado em termos de mão de obra, porque ele sempre era escolhido para o trabalho. Foi o que mais trabalhou. Algumas pessoas da família se referiam a ele, dizendo: -“esse neguinho isso, esse neguinho aquilo.” Então, por que não ligar para essa questão de cor? Todos eram privilegiados e ele era sempre o escanteado de alguma coisa que era privilegio de todos. Ele era sempre o ‘último’ e isso eu vejo na história do meu pai até hoje (Narrativa da estudante Cláudia). O exposto indica que Cláudia fala muito sobre seu pai, é visível a admiração que tem por ele. Também se torna claro como esse problema do seu pai com a família de alguma forma a incomoda. Ela se autodenomina negra, mas parece viver o conflito da afirmaçãonegação do ser negra em algumas situações de sua história de vida: No Ensino Médio, algumas amigas falaram que eu tinha preconceito com o negro, isto é, comigo mesma. Na hora não aceitei, mas depois percebi isso melhor. Um exemplo era a escolha pelas cores de roupas. Sempre fui muito discreta e não gostava do vermelho, branco, laranja, que destacam a cor negra. (Narrativa da estudante Cláudia). Quando a pessoa negra não demonstra querer ter visibilidade, no meu entendimento, revela o conflito afirmaçãonegação. Quando se adquire conhecimento sobre a história e a cultura da África e afrobrasileira, o desejo é de se assumir, se revelar. Assim, é preciso resgatar a afrodescendente que existe em cada mulher, suas ligações mais sensíveis com a raça, sua identificação com a negritude, de forma que reconheça o valor e as potencialidades da população negra. Esse conflito de Cláudia pode ter influência das relações familiares, por conta da situação vivenciada por seu pai. E ainda aponta a falta de formação sobre a temática Africana e afrobrasileira, pois a estudante não teve oportunidade de participar de grupos de estudos para se aproximar de suas origens e valorizá-las. Na narrativa de Rose ela destaca a rejeição sofrida por sua mãe, também, pela questão da cor e que, posteriormente, reproduziu-se na sua própria história, quando hoje a sua sogra a rejeita. O seu relato sinaliza essa problemática: No início do relacionamento dos meus pais, a minha avó paterna rejeitou minha mãe por ela ser negra. Em especial, implicava com seu cabelo. (...) Minha mãe sofreu muito; sofreu preconceito por conta da cor e por causa da situação financeira. O que a ajudou foi o estudo, pois ela sabia ler e ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1500 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino escrever. Meu pai não sabia. Ele tinha posses, era filho de fazendeiro, mas não estudou, desde cedo foi trabalhar na roça, diziam que por ter dinheiro não precisava ter estudo. A minha mãe tinha a vantagem de ter estudado. (...) Antes de me casar eu vim a Campina Grande conhecer a família dele [o marido] e não gostei muito da sua mãe: ela me rejeitou por eu ser negra. (...) Sofri muito, fui vítima de preconceito da minha sogra, porque eu era negra. (...) Minha mãe chegou a dizer que eu tinha a mesma ‘sina’ que ela, pois, como havia sido com ela, minha sogra me rejeitava por conta da cor. Nós moramos oito meses na casa da mãe de Marcos [o marido], foram os piores meses da minha vida! Eu precisei fazer três cirurgias e ela não cuidava de mim, me tratava mal, queria controlar tudo (Narrativa da estudante Rose). Rose apresenta diversos exemplos de rejeições sofridas em Campina Grande. Novamente as situações de conflito por conta da cor marcando profundamente a vida das estudantes e interferindo nas suas trajetórias. São marcas de sofrimento que foram sendo superadas e outras que ainda precisam ser tratadas, porque estão latentes. Ainda em relação à cor, a estudante Carla, na sua narrativa, destaca a vida da sua mãe que sofreu rejeição materna, da sua avó, do marido e da família dele. Seu depoimento revela essa história de discriminação: Minha mãe e meu pai são separados, ele mora em São Paulo. Antes da separação meu pai tratava os filhos bem, apesar de não participar diretamente da nossa formação. Ficamos distantes quando conhecemos a história dele com a minha mãe. Segundo ela, meu pai se casou porque queria uma mulher que cuidasse da casa e dos filhos, uma ‘doméstica’, na verdade. A família do meu pai não aceitava minha mãe por ser negra, e ele chegava a dizer para seus irmãos que escolhera casar com uma negra para ter ‘quem cuidasse de tudo’. (...) Negra, pobre, filha de uma mãe racista, pois minha avó era branca, se casou com meu avô que era negro, por conveniência, para ter uma vida melhor, mas sempre o criticou. Sua própria mãe a discrimina ainda hoje. Prefere minha tia, que é branca, de olhos verdes. Minha mãe era a preferida do meu avô, o apoiava em várias atividades e, muitas vezes, minha avó a maltratou, chegando a expulsá-la de casa com 12 anos. Ela teve que ir trabalhar, estudar e morar sozinha, em São Paulo (Narrativa da estudante Carla). Carla não fala de constrangimento vivido no seio familiar. Segundo ela, como a mãe sabia do racismo da família do marido, não permitia o convívio do filho e das filhas com essas pessoas, exagerou na proteção, pois não queria que ele/as sofressem. Carla demonstrou indiferença em relação ao pai e como sempre foi super protegida pela mãe, sente dificuldade de confrontar, de se defender, e fica calada diante da agressão. O fato de não falar do pai revela sua solidariedade à mãe. Será que isto pode significar algum problema? Quando se referiu a avó que discrimina sua mãe, ela se emocionou, dando indícios de mágoa com esse comportamento e não falou de sua relação com a avó. O não dito, assim como o ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1501 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino esquecimento, seria então um indício de dor, de algo não resolvido, de uma memória traumatizada? Sua narrativa deixa transparecer a mágoa. Como vimos, as relações familiares são profundamente marcadas por situações de preconceito e discriminação entre os membros das famílias das praticantes (CERTEAU, 2007), provocando conflitos os mais diversos. No entanto, a forma de convivência com estes parece indicar o não enfrentamento. Busca-se a convivência sem confronto, sem rompimentos. Só a mãe de Carla, que reagiu quando foi expulsa de casa na adolescência pela própria mãe racista e também quando se separou do marido, depois de 15 anos de convivência. Nos outros casos, mesmo convivendo com a rejeição, as pessoas silenciam, não se fala do problema do racismo, rejeitam o/a negro/a e este/a parece aceitar. Rose chegou a ficar oito meses convivendo com os maus tratos na casa da sogra. A reação dessas pessoas, o pai de Cláudia ou as mães de Rose e Cláudia, parece ser um ensinamento para que as estudantes também não busquem o confronto, a denúncia, e que prefiram o silêncio. Só que esse silêncio não é passivo, pois todas as pessoas da família e as estudantes se destacaram nos trabalhos e estudos e procuraram se sobressair nas atividades que desenvolveram rejeitando a condição de subalternas, subservientes, coitadinhas ou vítimas. Certeau (2007) mostra que nos cotidianos a indisciplina se apresenta de diversas formas, mesmo no silêncio. O trabalho e o estudo foram reações assumidas pelas pessoas que permitiram o crescimento, a valorização e o orgulho de ser negro/a. As praticantes (CERTEAU, 2007) se espelharam nesses exemplos e também aprenderam a lutar buscando nos estudos mostrar suas capacidades. Mesmo Emanuela, que não teve esse exemplo na família, também não foi para o confronto, buscou através do estudo um espaço social para mostrar o seu valor. Cláudia sofreu um agravante para a questão da cor, pois sua origem humilde favoreceu para que se deparasse ainda mais com o racismo na infância. Desde os cinco anos vivenciou essas atitudes e a cada ano na escola a situação piorava, a ponto de imaginar que não conseguiria se relacionar com as pessoas. As outras meninas não evidenciam essa situação, pois a condição financeira da família era mais favorável e estudaram em escolas privadas. No entanto, quando o pai de Rose perde a fazenda e passa a ser administrador de outra propriedade, Rose passa por tempos de constrangimento em Ilhéus por conta da cor. Além disso, aparece na fala de Rose e Cláudia a rejeição sofrida pelas suas mães por parte das famílias de seus pais, tanto por conta da cor negra, quanto pela condição financeira que apresentavam. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1502 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Tanto a aluna como sua mãe relevaram a discriminação sofrida, perdoaram as pessoas da família envolvidas e conviveram ou convivem com elas até hoje sem problemas. No relato de Cláudia torna-se evidente que seu pai e sua mãe nunca aceitaram a forma como a família discriminava a pessoa negra e reagiram construindo outra família independente dos conceitos racistas e que respeitava a diversidade, porém, não provocaram confrontos e rompimentos, mantendo uma postura de silêncio frente às atitudes discriminatórias: Assim, o racismo emerge nas relações familiares, por mais que se releve e a convivência pareça sem conflito. Está presente nas situações do cotidiano e precisa ser enfrentado, discutido, superado. Há, na sociedade, uma concepção de desvalorização do sujeito por alguém que se considera superior em decorrência de traços físicos e de um padrão de beleza dominante. Os/as negros/as são vistos ainda hoje como seres inferiores devido aos resquícios de uma história marcada pela escravização. É preciso mudar esse pensamento. As condições financeiras da pessoa negra influenciam muito a forma como ela é tratada na sociedade, e mesmo no seio familiar essa situação marca os relacionamentos. É como se a prosperidade fosse um fator de inclusão que promove aceitabilidade e igualdade de classes, para além dos traços físicos. As situações vivenciadas pelas estudantes nos fazem pensar sobre o racismo e o que é ser negro/a no Brasil. Diversos autores/as discutem essa questão e é preciso considerar dois aspectos: a questão do fenótipo, que é a “marca”, e a questão da escravização dos africanos. Olhando para o primeiro aspecto, as pessoas são definidas pelo fenótipo e o mais considerado é a cor da pele e a textura do cabelo. Esse aspecto produz uma representação negativa que parece “identificar” pessoas, como vimos com Gomes (2002), e não precisava ser assim. É necessário compreender a origem desta questão para desmistificá-la, buscando desvelar as teorias raciais que surgiram no final do século XVII, que se consolidaram no século seguinte e influenciaram até o início do século XX (SANTOS, 2002; MUNANGA, 2006; OLIVEIRA, 2007). Ainda que hoje não encontrem ecos no campo científico, as ideias estão presentes na memória coletiva provocando reações de afirmaçãonegação nos cotidianos. O estranhamento entre europeus, africanos e ameríndios provocou um campo favorável ao estudo científico que justificasse as diferenças e as ações de colonização realizadas pelos primeiros. O racismo científico se apresentava como objetivo e imparcial, mas tinha subjetividade na sua classificação e visava atender a interesses econômicos em jogo. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1503 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A visão negativa sobre o povo africano tem origem nesse estranhamento e as teorias racistas serviram para justificar o sequestro, o tráfico e a escravização de milhares de africanos/as ao longo de quase quatro séculos. Assim, preocupadas com o futuro da nação, as elites brasileiras investiram no embranquecimento, através da miscigenação do povo negro e da migração de europeus. Somou-se a isso a falta de políticas públicas para população negra que, após a abolição, ficou a mercê da própria sorte, sem moradia, escola, emprego, saúde, dentre outros benefícios. Na verdade, a Abolição constitui um episódio decisivo de uma revolução social feita pelo branco e para o branco. Saído do regime servil sem condições para se adaptar rapidamente ao novo sistema de trabalho, à economia urbano-comercial e a modernização, o “homem de cor” viu-se duplamente espoliado. Primeiro, porque o ex-agente de trabalho escravo não recebeu nenhuma indenização, garantia ou assistência; segundo, porque se viu, repentinamente, em competição com o branco em ocupações que eram degradadas e repelidas anteriormente, sem ter meios para enfrentar e repelir essa forma mais sutil de despojamento social. Só com o tempo é que iria aparelhar-se para isso, mas de modo tão imperfeito que ainda hoje se sente impotente para disputar “o trabalho livre na Pátria livre” (FERNANDES, 2007, p. 66-67) (grifos do autor). O autor nos mostra o sacrifício que foi o pós-abolição para a população negra sobreviver na sociedade “livre”, que precisou usar diversas táticas (CERTEAU, 2007) para sobreviver no trabalho informal, especialmente, o comércio nas ruas. Alguns permaneceram nas fazendas, no trabalho agrícola, mas sem a condição de escravo. Outros se organizaram nas periferias das cidades, realizando biscates, trabalhos domésticos e temporários, ou na mendicância. Diante dos infortúnios e por falta de emprego alguns partiram para o alcoolismo, os vícios, a vadiagem e a criminalização, pois era preciso sobreviver de algum modo. Assim, a imagem do negro foi associada à marginalidade, a doenças ou a atividades subalternas. No entanto, nos cotidianos as famílias negras se esforçavam para mostrar sua capacidade de trabalho, seu empenho no cumprimento de seus deveres, sua dignidade, honestidade e suas habilidades para as artes, músicas, danças, expressões religiosas e a culinária. Deste modo, observa-se que o conceito do/a negro/a parte daquilo que é visível e não da genealogia. Há pessoas que têm a pele clara, apresentando outros traços característicos das negras, porém são consideradas brancas. Do mesmo modo, as que têm a pele escura, mas com traços característicos de pessoas brancas, são consideradas pardas ou morenas e só quando a pele é bem escura é identificada como negra. Com isso, surgem as diversas posturas discriminatórias baseadas na aparência dos traços físicos dos sujeitos envolvidos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1504 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Assim, a discussão do que é SER negro/a precisa considerar a questão de se sentir ou não pertencente àquele grupo cultural. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana “ser negro no Brasil não se limita as características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define” (BRASIL, 2004, p. 15). Se as famílias conversassem sobre identidade racial, como relatam Cláudia e Carla, tornariam mais fácil a convivência nos cotidianos. Se não existe diálogo, a situação social pode chegar à afirmaçãonegação dependendo da conveniência para as pessoas negras. Essa também seria uma tarefa da escola na promoção deste debate, pois o currículo pode contribuir para a afirmaçãonegação da identidade. Se as crianças começarem a conhecer a história do povo negro, nossos/as ancestrais, guerreiros/as e as lutas por liberdade, dignidade e cidadania, irão se orgulhar da sua origem que é múltipla e rica do ponto de vista cultural. Entender a história da África permite a percepção da diversidade e da forma de ser do povo brasileiro, pois nos cotidianos se expressam de modo significativo as heranças africanas e indígenas, além das européias. “É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar pejorativamente os escravizados e este sentido negativo da palavra se estende até hoje” (BRASIL, 2004, p. 15-16). Logo, desvendar essa história e valorizá-la implica superar o consenso ideológico e a naturalização da exploração do povo negro, reconhecer as diversas formas de astúcia e resistência como táticas usadas (CERTEAU, 2007) para manter vivas as tradições, crenças, costumes, enfim, a sua cultura e, assim, garantir-lhe autonomia e cidadania. Entendemos que essa é uma missão dos educadores comprometidos com a causa da diversidade. Isto é, de todos os profissionais, da educação infantil ao ensino superior, que desejam contribuir com a superação do modelo de sociedade excludente e racista. Numa época marcada por desigualdades profundas, em diversos contextos sociais, a luta por igualdade de direitos e democracia, o respeito à diversidade e à alteridade torna-se uma tarefa coletiva. Só uma educação emancipatória pode combater a exclusão e o racismo. Nos casos aqui referidos, diversos contextos de afirmaçãonegação trazem indícios de memória traumatizada. As relações interraciais vividas no seio familiar e nas escolas do Ensino Fundamental e Médio marcaram profundamente as identidades das discentes. Em todas encontramos relatos de constrangimento e sofrimento. Muitas vezes, a memória não revelou ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1505 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino na primeira conversa os traumas, o esquecimento, o silêncio, o ato de não conseguir falar sobre as experiências dolorosas. Pollak (1989) compreende que o silêncio pode ser uma prática social que deseja expressar protesto e não passividade e conformismo. Algumas alunas afirmaram que, mediante seu silêncio, buscavam mostrar indiferença com a agressão sofrida. Elas achavam que os agressores iriam se cansar, porque não viram reação. Todavia, dentro de si estavam indignadas com os insultos e desrespeitos. Quando as alunas compreenderam os objetivos da minha pesquisa se sentiram mais confiantes para mencionar detalhes e assim acrescentaram relatos de fatos marcantes em suas vidas. Rose descreveu a experiência como doméstica. Carla e Emanuela destacaram as dificuldades com as colegas da universidade. Cláudia trouxe o exemplo da rejeição com as cores vibrantes das roupas e que as pessoas de sua cidade criticavam. Todas carregavam marcas que foram assimiladas, parecendo, então, que, na convivência, teriam que se esconder, ficaram apagadas, sem visibilidade. Na ausência de toda possibilidade de se fazer compreender, o silêncio sobre si próprio – diferente do esquecimento – pode mesmo ser uma condição necessária (presumida ou real) para manutenção da comunicação com o meio ambiente. (...) um passado que permanece mudo é muitas vezes menos o produto do esquecimento do que de um trabalho de gestão da memória segundo as possibilidades de comunicação (POLLAK, 1989, p.13). Cláudia aos poucos, também, foi entendendo que o silêncio seria a melhor maneira de conviver na escola, pois era muito difícil enfrentar todas as expressões de discriminação por parte de seus colegas, até chegou a pensar que não conseguiria conviver bem em um grupo. Para dificultar um pouco mais muitos/as professores/as não sabiam como mediar essas situações e agiam reforçando o racismo na escola. Segundo Cláudia a professora chegou a falar que ‘ela não tinha “culpa” de ser negra’ quando abordou a questão. Essa postura de mediação da professora mostra como a escola não está preparada para enfrentar o racismo presente em seus cotidianos e que a falta de formação docente sobre a temática pode levar a reforçar esse racismo. A própria Cláudia falou que não estava preparada para trabalhar essa temática em sala de aula. Por isso, minha preocupação com a formação inicial, pois se no Curso de Pedagogia não for tratada essa questão, como as futuras docentes irão lidar com esse conteúdo em sala de aula? Aliás, nas oficinas realizadas com as alunas do curso do currículo anterior, todas afirmaram não ter recebido formação para tratar esse assunto, que estavam concluindo o curso e não ouviram falar nada sobre a lei 10.639/03. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1506 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Assim, todas essas narrativas, marcadas por expressões de rejeição em relação à cor, são indícios do racismo vivido por essas praticantes (CERTEAU, 2007). À medida que a relação de confiança se instalou nas nossas conversas, as estudantes adentravam mais nas suas histórias de vida e as lembranças de alguns momentos as emocionaram. Rose foi a que mais evidenciou esse sentimento, quando falou do trabalho que tinha com as crianças netas de sua patroa e a agressão física sofrida. Chegou a chorar relembrando esses fatos. Cláudia se emocionou quando ressaltou a figura do pai e no final da conversa confessou o quanto tudo aquilo que conversamos trouxe aprendizado para si mesma. Carla se emocionou diante da sua dificuldade de reagir às situações de racismo ou inveja, por parte de suas colegas, e, sobretudo, quando se lembrou da forma como sua avó tratava sua mãe. Emanuela também demonstrou emoção diante da crise que vive em relação a sua identidade. As mudanças de seu comportamento têm provocado estranhamento, de modo especial, no que concerne à religião. Em muitos momentos me identifiquei com minhas interlocutoras, porque todas narraram situações que também vivi. Em determinadas circunstâncias diante do seu silêncio, antecipei uma situação vivida por mim. Esse cenário permitiu que elas se colocassem com sinceridade no processo. A partir do meu depoimento perceberam que também tinham vivido algo semelhante e narraram seus percalços e esperanças. Gomes (2002) também destaca os depoimentos colhidos na sua pesquisa quando afirma: A trajetória escolar aparece em todos os depoimentos como um importante momento no processo de construção da identidade negra e, lamentavelmente, reforçando estereótipos e representações negativas sobre esse segmento étnico/racial e o seu padrão estético. O corpo surge, então, nesse contexto, como suporte de identidade negra, e o cabelo crespo como um forte ícone identitário (GOMES, 2002, p. 41). Como foi visto, as estudantes sofreram em alguns momentos de suas trajetórias por conta do seu corpo negro ou de seu cabelo crespo. No entanto, essas experiências não anularam as praticantes, não negaram sua cor, mesmo que o silêncio tenha sido a tática utilizada por elas. Suas histórias evidenciam a luta para conquistar um lugar diferente do que era reservado à pessoa negra. A dedicação ao estudo e ao trabalho foi um diferencial na vida destas mulheres, pois permitiu um crescimento da autoestima e a tessitura positiva de suas identidades. À guisa de concluir ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1507 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Assim, para as praticantes (CERTEAU, 2007) o processo de afirmaçãonegação da identidade negra é algo que provoca conflito, pois a modificação de seus cabelos ou não e as roupas que destacam mais a cor negra ou não são indícios do processo de negociação e renegociação que Munanga (2006) destaca, pois dão mais visibilidade à pessoa negra. Para além disto, conhecer a história do povo negro fortaleceu a identificação e o orgulho de ser negra, superando a alienação abordada por Munanga (2009). Este é o legado que suas heranças ancestrais provocaram nos seus cotidianos de vida, gerando novos eus. São guerreiras que, com graça e garra, enfrentaram/enfrentam o racismo, o preconceito e a discriminação, num processo que não se concluiu, mas que continua vivo nas relações tecidas nos cotidianos, em especial, quando a pessoa negra tem visibilidade, destaque, poder. Como essas estudantes estão no processo de formação docente ficou evidenciado que a reflexão sobre a tessitura de suas identidades foi significativo neste momento, porque permitiu dar mais visibilidade a estas jovens e, especialmente, questionar tanto o currículo do curso de formação de professores, como o currículo da escola básica. Será que existem docentes que não conseguem trabalhar a temática afrobrasileira porque viveu um processo traumático de preconceito e discriminação? Como enfrentar o “não dito” por essas futuras docentes no cotidiano escolar? Como favorecer um ambiente de troca e diálogo sobre a história e cultura africana e afrobrasileira nos diversos níveis da educação básica e superior? Essas são questões que desafiam o processo de reflexão da prática docente, a pesquisa e a produção de conhecimento. Referências: ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho – o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In. OLIVEIRA, I. B. de; ALVES, N. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas: sobre redes de saberes. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2008, p.15-38. BOSI, E. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios De Psicologia. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BRASIL. 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ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1509 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino CURRÍCULO, POVOS INDÍGENAS E A LEI DE DIRETRIZES E BASE DA EDUCAÇÃO NACIONAL 1996: RECONSTRUINDO SENTIDOS DE EDUCAÇÃO E ENSINO Maria da Penha da Silva17 Resumo O presente texto é resulta de um estudo em desenvolvimento no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea no Centro Acadêmico do Agreste/UFPE. Nosso estudo tem como objeto de análise, “as práticas curriculares dos/as professores/as” da rede municipal de ensino de Pesqueira/PE, em relação com a presença de estudantes indígenas nas escolas da área urbana do referido município. Diante da complexidade de tal objeto, nos propomos a uma abordagem metodológica qualitativa, por entendermos ser a mais adequada, tendo em vista os elementos socioculturais circundantes ao cotidiano escolar e nas práticas curriculares dos/as professores/as. Portanto, pretendemos com esse texto situar o nosso objeto de estudo, discutindo o conceito de currículo a partir do pensamento de Gimeno Sacristán, e J. Augusto Pacheco, e refletindo sobre como ocorreu a inclusão da diversidade étnico-racial no currículo da Educação Básica por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996. Palavras-chave: currículo, LDB e diversidade étnico-racial. CURRICULUM, INDIGENOUS PEOPLES AND THE LAW OF GUIDELINES AND BASIS OF NATIONAL EDUCATION 1996: REBUILDING THE SENSES OF EDUCATION AND TEACHING. Abstract This text is the result of a study on the development of the Master's Degree Program Graduate Education in Contemporary in Centro Acadêmico do Agreste/UFPE. Our study is the object of analysis, "the practices of curriculum the teacher the" the municipal teaching Pesqueira/PE, in relation to the presence of indigenous students in schools in the urban area of the municipality. Given the complexity of such an object, we propose a qualitative approach, as we believe to be the most appropriate, given the socio-cultural elements surrounding in school life and practices of curriculum the teacher the. Therefore, we intend this text to place the object of our study, discussing the concept of curriculum from the thought Gimeno Sacristan, and J. Augusto Pacheco, and reflecting on how occurred the inclusion of ethnic and racial diversity in the basic education curriculum through the Law of Guidelines and Bases of Education Nacional/1996. Keywords: curriculum, LDB and ethnic and racial diversity. 17 Mestranda em Educação Contemporânea (CAA/UFPE), Licenciada em Pedagogia pela FUNESO, Especialista em Ensino das Artes e das Religiões pela (UFRPE), professora no Ensino Fundamental I na PCR/PE. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1510 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Introdução A partir das históricas mobilizações e reivindicações dos povos indígenas no Brasil pelo reconhecimento e respeito às identidades étnicas, notamos alguns avanços na legislação brasileira, como expresso na Constituição Federal de 1988, no que diz respeito à garantia de alguns direitos sociais para os referidos povos, entre esses, o direito ao reconhecimento étnico, a livre expressão sociocultural, a demarcação de terras, atendimento diferenciado nas áreas de saúde e educação escolar. A Educação Escolar Indígena foi instituída pela Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional de 1996, expressada no artigos 78 e 79. Enquanto o Art. 26-A, tornou obrigatório na Educação Básica o ensino sobre a História e as Culturas das populações negras e indígenas no Brasil. Entretanto, no que se refere às populações indígenas, supomos que, em razão dessas majoritariamente habitarem nas regiões interioranas, as escolas dos municípios que se localizam mais distantes desses povos, parecem não abstraírem a existência dessas populações na sociedade contemporânea. A exemplo da cidade do Recife, localizada à 215 km do povo indígena mais próximo. Contudo, contou com aproximadamente 3.600 moradores/as indígena no último censo demográfico do IBGE (2010), mas pouco se ouve falar das crianças indígenas que frequentam as escolas da rede municipal de ensino da referida cidade. A partir de um estudo preliminar, notamos que as pesquisas em educação que tratam sobre diversidade étnico-racial, vêm expressando maior interesse pela temática afrobrasileira ou pela modalidade da Educação Escolar Indígena, e são escassos os estudos sobre a presença indígena em escolas fora das aldeias. Sentimos, portanto, a necessidade de investirmos em estudos mais aprofundados a respeito dessa problemática. Nesse sentido, encontramos alguns dados ainda na fase da pesquisa exploratória, o que nos ajudou a vislumbrar o universo populacional indígena no estado de Pernambuco. E observamos que esse estado se destacou em âmbito nacional no último censo do IBGE/2010 com a quarta maior população indígena, e a nível regional se colocou em segundo lugar, contando com 13 povos localizados em diversos municípios, somando aproximadamente 53.284 indivíduos, e muitos desses por diversas razões morando nas áreas urbanas. O que nos leva a inferir sobre a presença de estudantes indígenas nas escolas das redes municipais. Todavia, em razão de ser muito amplo o universo escolar municipal onde habitam todos os povos indígenas em Pernambuco, delimitamos o nosso olhar apenas para o município de Pesqueira/PE, onde habita a etnia indígena mais populosa em Pernambuco, o povo Xukuru do Ororubá, com uma população superior a 12.000 indivíduos, desses, mais de um terço reside ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1511 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino na área urbana da cidade (IBGE/2010), e as crianças indígenas frequentam as escolas municipais, pensadas para atender a população em geral. A partir desse cenário, elegemos como nosso objeto de pesquisa as práticas curriculares dos/as professores/as do Ensino Fundamental, por acreditar ser possível por meio dessas práticas, compreender as ações educacionais a respeito da diversidade étnico-racial nas escolas da referida rede de ensino. Compreendemos que para analisarmos as práticas curriculares dos/as professores/as, primeiramente devemos adentrar nos estudos no campo do currículo. Por ser esse um campo bastante amplo, nesse momento nos deteremos apenas em discutir o conceito de currículo a partir dos estudos de Sacristán (2000) e Pacheco (2001). E como condição para refletirmos sobre práticas curriculares e diversidade étnicoracial, vimos a necessidade de situar nossa discussão a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996, em razão de ser esse o primeiro marco legal no âmbito da educação formal que anunciou a necessidade de mudanças curriculares na Educação Básica nessa direção. O que é currículo? A nos debruçarmos sob os estudos contemporâneos acerca das teorias do campo do currículo, encontramos inúmeras concepções acerca do é currículo. Cada uma expressa sua relação com o contexto social, político e econômico no qual emergiu. Quanto ao termo currículo propriamente dito, indícios históricos apontam o seu surgimento ainda no século XVII, sendo usado para nomear a organização do curso universitário da Universidade de Glasgow, na Inglaterra. (LOPES e MACEDO, 2011). E ao longo do tempo o termo currículo assumiu inúmeros significados, desde uma perspectiva mais fenomenológica, defendida por William Pinar, atribuindo o sentido de caminho, trajetória, percurso a ser seguido, ou processos, movimento. Até a mais simplista das definições expressadas pela maioria dos/as educadores/as, que vem o currículo como algo rígido traduzido nos programas educativos formais destinados às escolas. (SACRISTÁN, 2000; PACHECO, 2001). Para Sacristán (2000), pensar o currículo como movimento subtende a participação efetiva de todos os atores envolvidos, mesmo que de forma não linear, esses atuam nas decisões acerca do funcionamento do sistema curricular, pois muitas das ações ocorrem independentes umas das outras, e às vezes contraditórias entre si. Mas, perpassam por ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1512 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino instâncias de atuações convergentes tendo por finalidades a definição das práticas pedagógicas no espaço escolar. Porém, para que não se caracterize como um determinismo, uma imobilidade ou passividade dos sujeitos dessas práticas, o currículo é entendido como processos em permanente construção e exige intervenções de todos os sujeitos neles envolvidos, (SACRISTÁN, 2000, p.102). Compreendendo a dinâmica curricular como movimento, é imprescindível considerar o campo de forças e interferências inerentes ao processo contínuo de construção do currículo. Sendo coerente afirmar que esse processo é constituído por um sistema social, composto por: a sociedade civil organizada que exercerá certa influência sobre as decisões de como deve ser definido o currículo, os grupos de especialistas que devem atuar diretamente na formulação da proposta curricular, os/as gestores/as que estão à frente do governo nacional e local que organizam o sistema educacional (o/a Ministro/a da Educação e os/as secretários/as estaduais e municipais), responsáveis pela regulamentação e implementação das políticas curriculares, os/as editores/as dos subsídios didáticos, mais a comunidade escolar, dentre outros. Para Pacheco, o currículo organizado dessa forma assumirá dimensões políticas e ideológicas como reflexo das relações entre escola e sociedade, indivíduos e grupos. (PACHECO, 2001, p. 19). Todavia, as tensões e conflitos de interesses geram antagonismo entre determinadas instâncias, provocando assim interpretações ambíguas do que é currículo. Onde por um lado o currículo como movimento pode representar um conjunto de experiências educativas formando um sistema dinâmico que possibilita pensar para além dos programas curriculares, promover as vivências educativas no interior da escola, sob a intervenção dos sujeitos que o materializa. E assim o currículo é visto como um todo organizado em função de questões previamente planejadas, imbuídas de valores, crenças contextualizadas. Enquanto por outro lado, a hierarquização estabelecida entre os grupos e indivíduos que participam desse processo, geralmente resulta na crença do significado do currículo como um conjunto de conteúdos a serem ensinados, guiados por um determinado programa educacional baseado em objetivos bem definidos que antecipam a intencionalidade dos resultados e comportamento da sociedade, caracterizando assim como um objeto rígido. Considerando a dualidade entre as diferentes perspectivas, é pertinente afirmar que, “[...] jamais se achará uma resposta definitiva, visto que a conceituação de currículo é problemática e não existe à sua volta um consenso.” (PACHECO, p. 17-18). Nesse sentido, o referido autor afirmou também que não cabe ao currículo um conceito geral que o defina, por ser um objeto em construção. Devendo ser analisado em consonância com o contexto no qual ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1513 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino se situa todo o processo de planejamento e implementação, as relações existentes entre a escola, a sociedade, os indivíduos e grupos. Todas permeadas pelos interesses políticos e ideológicos. Em síntese, “O currículo é uma construção permanente de práticas, com um significado marcadamente cultural e social e um instrumento obrigatório para a análise e melhoria das decisões educativas” (p.19). Pensando na realidade brasileira, em especial refletindo sobre o nosso objeto de estudo, “as práticas curriculares de professores/as do Ensino Fundamental”, trazendo para o campo das discussões acerca da (re)construção do sentido de educação e ensino, não poderíamos deixar de rever as influências dos Estudos Culturais e dos movimentos sociais no currículo escolar contemporâneo. Considerando que tais movimentos teceram a crítica às práticas curriculares que se fundamentavam numa ideia de currículo eurocentrado. E dessa forma possibilitaram que posteriormente víssemos emergir no país algumas políticas públicas em favor das minorias étnicas, dentre essas, a implementação das políticas afirmativas e reparatórias que exigiram mudanças educacionais e consequentemente curriculares, (re)significando o sentido da educação, do ensino e dos estudos sobre currículo. A esse respeito, os estudos de Silva (1999), Moreira e Silva (2009) e Carvalho (2004), indicaram que a introdução dos estudos sobre currículo no Brasil, pelo viés sociocultural, teve início nas duas primeiras décadas do Século XX, ganhando mais visibilidade nos anos 1940, com a ênfase nos grupos étnicos com o enfoque do “movimento negro” se contrapondo ao mito da “democracia racial”. (CARVALHO, 2004, p.34-35). Duas décadas depois, esse movimento ganhou força com a inserção dos grupos feministas, os esquerdistas e mais os movimentos sociais da educação, com as discussões voltadas para o campo do currículo, tendo como principal incentivador o educador Paulo Freire (SILVA, 1999). Nos anos 1980, com o fim do regime político ditatorial, a pressão social de outros grupos intensificou-se, a exemplo dos homossexuais, instituições religiosas e os povos indígenas, essa última categoria, como mencionamos no início do presente texto, reivindicavam o direito a terra, atendimento digno de saúde e educação diferenciadas. Ocorreram grandes mobilizações nesse sentido resultando na aprovação dos direitos reivindicados na Constituição Federal brasileira promulgada em 1988, onde dentre outros destacamos o artigo 231 que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1514 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino bens.” (apud, BRZEZINSKI, 2010). Entendermos que a partir desse instrumento legal abriu-se as possiblidades de se pensar na garantia dos demais direitos reivindicados pela população indígena. Pois, o reconhecimento da diversidade étnica representou a garantia do direito às diferenças e a um tratamento diferenciado, onde inclua a valorização das práticas socioculturais, religiosas e a preservação das línguas originárias de cada povo indígena ainda mantinha. Na década seguinte essa discussão resultou em importantes conteúdos que influenciaram diretamente na formulação do Plano Decenal de Educação (1993-2003), para em seguida fazer-se presente também na Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as Diretrizes e Base da Educação Nacional. Sobre tal processo trataremos nos próximos itens. A nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 1996, em construção Ao concordarmos com o pensamento de Sacristán, quando afirmou que o currículo é uma construção processual e contínua, imbrincada com o contexto social e político no qual se insere, nos foi exigido uma reflexão sobre as bases legais que regulamentam o currículo. Bases essas que geralmente trazem a confirmação de uma proposta educacional existente, ou uma contraposição que exigirá a (re)construção do sentido de educação e de ensino. No caso do Brasil, observamos que alguns grupos sociais organizados, dentre esses os negros e os indígenas, no contexto da formulação e tramitação da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, reivindicavam uma nova proposta de educação escolar que reconhecesse as diversidades socioculturais e étnico-raciais existentes no país, se contrapondo a um sistema educacional historicamente fundamentado em princípios hegemônicos. Assim, exigindo uma nova reconfiguração da educação e do ensino, atribuindo-lhe sentidos outros: educação e ensino como mecanismo de afirmação identitária, instrumento de combate aos preconceitos e discriminações raciais, espaço de construção de relações interculturais, dentre outros. Portanto, pensamos ser relevante tomar como base a LDB, sendo essa um dos marcos legais da educação formal que impulsionou as mudanças curriculares na Educação Básica ocorridas na ultima década no Brasil. E a partir dessa perspectiva, compreendermos os reflexos nas práticas curriculares dos/as professores. Nessa direção procuramos situar o contexto sociopolítico no qual ocorreu a formulação e aprovação da LDB, suas tensões e negociações políticas. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1515 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Ao tentarmos uma aproximação com o contexto sociopolítico no qual ocorreu o processo de tramitação da LDB 1996, encontramos dentre outros, os estudos de Didonet (2010), que nos trouxe alguns elementos para nos ajudar a entendermos melhor o contexto no qual emergiu a primeira proposta de Projeto de Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional em dezembro de 1988, apresentada no Congresso Nacional pelo Deputado Octávio Elísio. Naquele momento o Brasil encontrava-se em processo de grandes transformações políticas e sociais. Naquele ano tinha sido promulgada a nova Constituição Federal, como resultado das visíveis mobilizações e pressões por parte da sociedade civil organizada. Havíamos passado recentemente por um longo período de regime político ditatorial, e a sociedade brasileira reivindicava a participação direta nas definições dos rumos políticos do país, em todos os campos: saúde, segurança, educação, dentre outros. Contrariamente aos Projetos de Lei das LDB anteriores que foram impostos pelo Poder Executivo, o projeto que resultou na Lei 9.394/96 surgiu, como mencionamos, no Congresso Nacional. E passou por um acirrado debate entre diferentes atores18 sociais e institucionais, tanto as organizações educacionais em defesa da educação pública, quanto da educação privadas e mais as instituições de pesquisas educacionais. Tendo como finalidade se constituir um processo democrático que resultasse no mínimo de consenso sobre o que deveria versar uma nova proposta educacional baseada nos princípios constitucionais de 1998. (SAVIANI, 1997; BRZEZINSKI, 2010; DIDONET, 2010). Todavia, o processo democrático e participativo esperado sofreu inúmeros percalços em razão das disputas de poder e interesses políticas e econômicos, dando vazão ao que os/as referidos/as pesquisadores/as chamaram de manobra política protagonizada pelo defensor do projeto final aprovado em dezembro de 1996, o Senador Darcy Ribeiro. A atuação do Senador Darcy Ribeiro, foi motivo de críticas ferrenhas na análise realizada por Dermeval Saviani sobre a trajetória dos debates em torno do processo de formulação e aprovação do texto da LDB 1996. A análise foi apresentada logo após a primeira etapa conclusiva desse processo. Consideramos como primeira etapa, a promulgação da Lei aqui em discussão, tendo em vista que os debates permaneceram após sua aprovação, e foram efetivadas várias outras alterações nos anos subsequentes. Uma das críticas de Saviani (1997) se fundamentou na argumentação da postura antidemocrática de Darcy Ribeiro, frente ao processo pelo qual vinha se desenvolvendo o debate democrático com a participação dos diversos atores sociais e institucionais 18 Para maiores informações acerca de quais atores participaram do processo de discussão do Projeto de Lei 9.394/96, ver: SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: LDB trajetória limites e perspectivas. Campinas/SP, Autores Associados, 1997. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1516 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino mencionados. Dentre esses atores ressaltamos também a presença significativa do educador e Deputado Federal Florestan Fernandes, que se destacou como promotor e coordenador dos debates iniciais na Câmara dos Deputados. Em contrapartida Darcy Ribeiro, na condição de Senador da República, em 1992 apresentou à Comissão de Educação do Senado um projeto de LDB de sua própria autoria agindo assim na contra mão do processo democrático participativo no qual vinha transcorrendo o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados, aderindo à concepção de democracia apenas na perspectiva representativa. (SAVIANI, 1997, p. 129). A nossa estranheza, em relação à postura política de Darcy Ribeiro, está na sua atitude de desconsiderar todo o processo pelo qual transcorria o projeto anterior ao que ele apresentou, desprezando inclusive o Fórum em Defesa da Educação Pública, uma bandeira que Darcy tinha hasteado no passado junto ao educador Anísio Teixeira. Mas, principalmente na forma como o referido Senador se articulou para que o seu projeto fosse aceito: se aliando à políticos da “direita” (o Senador Marco Maciel/PFL-PE, dentre outros)! Indo de encontro ao projeto que tramitava na Câmara, que tinha como relator o Deputado Jorge Hage/ PDT-BA do mesmo partido político que o seu. Como também se aliando aos proprietários de grandes redes privadas de escolas e instituições de ensino superior. Inclusive nessa sua parceria defendeu a não exigência de titulação de Mestrado ou Doutorado para lecionar nas faculdades privadas. (SAVIANI, 1997, p. 161). Será que o Darcy Ribeiro, que advogava a popularização da educação em outros tempos, como também defendeu a universidade pública, conforme afirmou Rogge (2010, p. 349) perdera sua utopia? Ou será que nos bastidores da política e do poder não há lugar para utopias! Nesse sentido, constatamos que nos estudos mais recentes de Brzezinski (2010), essa crítica foi reafirmada, quando a pesquisadora comentou sobre as manobras políticas regimentais do Senador Darcy Ribeiro em um momento posterior a não aceitação do seu primeiro projeto da LDB, frente à permanência da tramitação do projeto da LDB da Câmara dos Deputados, seguido de alguns substitutivos, Astuciosamente, o próprio autor do anteprojeto do Senado, Darcy Ribeiro, nessa nova etapa de tramitação do projeto foi escolhido relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Investido desta autoridade e de poder a ele conferido, Darcy Ribeiro apontou inúmeras inconstitucionalidades aos dispositivos do anteprojeto da Câmara dos Deputados e ao Substitutivo Cid Sabóia, declarando seu voto pela rejeição de ambos. (p. 192-193) ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1517 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Inclusive mais tarde o próprio Darcy apresentou um substitutivo. E segundo Brzezinski (2010, p. 193), foi aprovado confirmando o autoritarismo do Poder Executivo, frente a iniciativa da Câmara dos Deputados, Com efeito, as estratégias regimentais favoreceram a aprovação do substitutivo Darcy Ribeiro pelo plenário do Senado Federal. De imediato foi encaminhado à Câmara dos Deputados, como projeto único e depois sancionado pelo presidente da República em 20/12/1996. Fernando Henrique Cardoso, então presidente, em cadeia radiofônica nacional no programa A voz do Brasil, lançou a ideia de a lei n.º 9.394 ser cognominada LDB ‘Darcy Ribeiro’. Entre os educadores não teve ressonância alguma esse ato de FHC, porque decepcionados com os encaminhamentos dados pelo senador Darcy Ribeiro, que investiu por várias vezes contra as políticas educacionais autoritárias da ditadura militar, mostrando-se defensor da democracia e da educação pública, revela-se, neste episódio, inimigo dos educadores brasileiros, pois se rendeu às artimanhas regimentais provocadas pelo Executivo no âmbito do Legislativo. Enfim, a LDB/1996 transformou-se, autoritariamente, em mais uma lei do Executivo. Por fim, analisando no referido processo as tensões e disputas pelo poder, nos veio algumas indagações: qual o sentido de educação e ensino contido na LDB 1996? E como esse sentido se reflete nas práticas curriculares? Notamos no próprio texto da referida Lei, em especial nos fundamentos filosóficos educacionais evocados, que tal documento anunciou princípios educacionais de fundo neoliberais, incentivando o individualismo e a competitividade no âmbito da educação e do ensino. O que podemos constatar também no favorecimento e incentivo à iniciativa privada, próprio da postura política do Governo Federal (Fernando Henrique Cardoso) naquela ocasião. Em relação ao sentido neoliberal atribuído à educação e ao ensino, repercutiu nas práticas curriculares, por meio de todo um direcionamento curricular voltado para a afirmação do projeto político de governo, se expressando na preocupação com o desenvolvimento das competências de cada indivíduo, em detrimento do compartilhamento das responsabilidades coletivas pelo desempenho de todos/as. Provocando a sensação de que o fracasso e o insucesso escolar de professores/as e estudantes são de ordem interna e individual, desconsiderando os fatores externos que interferem no desempenho desses atores. Inclusive fatores relacionados à ausência de políticas públicas sociais que complementem o atendimento educacional destinado à escola pública, como condições de vida dignas por meio do bom atendimento à saúde, emprego, alimentação, moradia, dentre outros direitos. Retomando a nossa preocupação sobre o que a LDB 1996 anunciou a respeito das possibilidades de se pensar em uma educação para as relações étnico-raciais, observamos que ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1518 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino o primeiro projeto apresentado pelo Deputado Octavio Elísio ao Congresso Nacional, não continha nenhum conteúdo relacionado com essa problemática. Só encontramos os primeiros indícios dos debates a respeito da exigência do reconhecimento da diversidade sociocultural e étnico-racial, a partir do substitutivo apresentado pelo relator Jorge Hage. Enquanto o primeiro projeto apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro à Comissão de Educação do Senado, copiou apenas parte do texto apresentado pelo relator Jorge Hage, mas descartou o capítulo destinado as orientações para a educação escolar indígena. Especificamente sobre tal processo, reservamos o próximo tópico. A diversidade étnico-racial na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 1996: percurso e descaminhos As mobilizações dos grupos étnico-raciais organizados (negros e índios) em defesa da reforma constitucional em 1988 ressoaram como pressão durante o processo de tramitação do projeto da nova LDB. Assim, reivindicaram a inclusão de conteúdos de ensino na Educação Básica relacionados às suas expressões socioculturais como mecanismo de reconhecimento e valorização de suas identidades étnicas. Nessa direção, como mencionamos no tópico anterior, observamos que o texto do primeiro anteprojeto apresentado pelo Deputado Octavio Elísio/PSDB-MG não expressou nenhuma intenção a esse respeito. Enquanto no substitutivo defendido pelo relator Jorge Hage, encontramos indícios do reconhecimento da participação da diversidade étnico-racial no Brasil. Disposto no Capítulo VII, Art. 38, item III, “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas, raças e etnias para a formação do povo brasileiro.” (SAVIANI, 1997, p. 86). No Capítulo IX, encontramos também recomendações da prática do bilinguismo nas escolas indígenas. E o Capítulo XV foi dedicado à Educação para Comunidades Indígenas, cujo teor discutiremos mais adiante. Ao observarmos o projeto do Senado apresentado por Darcy Ribeiro, notamos a incorporação dos dois primeiros itens abordados no projeto citado anteriormente. Quanto ao conteúdo exposto sobre a especificidade da Educação Escolar Indígena, nada foi mencionado. Ressaltamos que o silenciamento desse conteúdo por parte do referido ator nesse processo, nos causou grande surpresa, em razão da forte relação do próprio Darcy Ribeiro com os povos indígenas, reconhecido internacionalmente pelos seus estudos etnográficos e pela sua atuação como indigenista em tempos passados, esperávamos uma postura favorável a essas populações. Contudo, além de tumultuar todo o processo democrático e participativo em que ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1519 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino tramitava o projeto da LDB, ainda reduziu as diretrizes destinadas à Educação Escolar Indígena apenas à prática do bilinguismo. Deixando de fora, a preocupação com os povos nomeados por Darcy como “mestiços”, “aculturados”, “civilizados”, os considerados não indígenas. O posicionamento do Darcy Ribeiro nesse primeiro momento frente às questões indígenas na LDB reafirmou a crítica feita pelo pesquisador Silva (2008), quando escreveu que a visão do referido etnólogo tinha sobre os índios baseava-se na ideia da extinção desses, em via da mestiçagem. Portanto, é possível afirmar que no texto final aprovado a ideia sobre os índios resultou da atuação dos indígenas com o apoio do Conselho Indigenista Missionário/CIMI, órgão da Igreja Católica Romana, com respaldo do educador e Deputado Florestan Fernandes. Não tendo o seu projeto aprovado inicialmente, Darcy Ribeiro empenhou-se posteriormente em buscar apoio para derrubar o projeto da Câmara dos Deputados. Não conseguindo tal feito, apresentou um substitutivo. E diante da pressão social e política, acabou por incorporar quase todos os conteúdos referentes à Educação Escolar Indígena, contido no substitutivo anterior, realizando apenas algumas alterações que podemos analisá-las, a partir da apresentação do texto na íntegra do Capítulo XV do substitutivo Jorge Hagge, para em seguida compararmos ao substitutivo apresentado por Darcy Ribeiro. Capitulo XV Da Educação para Comunidades Indígenas Art. 88 – O Sistema Nacional de Educação, preferentemente através do sistema de ensino da União, e com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas. Parágrafo único – Os programas previstos nesse artigo serão formulados com audiência das comunidades envolvidas, através das respectivas organizações e de entidades representativas das comunidades indígenas. Art. 89 – Os programas referidos no artigo anterior deverão ser incluídos nos Planos Nacionais de Educação, com recursos específicos das agências de cultura e de assistência ao índio, além das dotações ordinárias da educação, e terão os seguintes objetivos: I – preservar e fortalecer a organização social, a cultura, os costumes, as línguas, crenças, e tradições das comunidades indígenas; II – fortalecer as práticas socioculturais, a língua materna de cada comunidade indígena e desenvolver metodologias específicas do processo de ensino-aprendizagem da educação escolar de comunidades indígenas, especialmente na aprendizagem da primeira e segunda língua; III – manter programas de formação de recursos humanos especializados, destinados à educação escolar de comunidades indígenas, garantindo, preferencialmente, ao índio, o acesso aos mesmos; IV – desenvolver currículo, programas e processos de avaliação de aprendizagem, bem como material didático e calendário escolares ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1520 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino diferenciados e adequados às diversas comunidades indígenas; (grifos nossos). V – publicar material didático em línguas indígenas maternas e material bilíngue, destinados à educação em cada comunidade indígena, visando a integração do ensino em seus diversos níveis; VI – preparar o educando da comunidade indígena para o exercício da cidadania, tal como expresso no art. 2º desta lei. (SAVIANI, 1997, p. 103), (Grifo nosso). Grifamos parte do texto dos objetivos de II à VI para ressaltar que os trechos grifados correspondem ao conteúdo que foi excluído no texto do substitutivo do Darcy Ribeiro. Dispostos no Título VIII das disposições gerais no Art. 79, expresso da seguinte forma: I – Fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena; II – Manter programas de formação de recursos humanos especializados, destinados à educação escolar de comunidades indígenas, III – desenvolver currículo, e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades. (apud, BRZEZINSKI, 2010, p. 307) A nosso ver, a redução do texto do Item I não trouxe nenhum prejuízo, pois o direito aos processos próprios de aprendizagem para os povos indígenas foram contemplados no Art. 32, inciso 3º da referida Lei, que diz: “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada as comunidade indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” (apud, BRZEZINSKI, 2010, p. 307). Enquanto a redução do texto expressa no objetivo II, trouxe grande prejuízo para a qualificação profissional dos/as professores/as indígenas. E assim abrindo precedentes a contratação de professores/as não indígenas para lecionar nas escolas indígenas. Quando muitos desses profissionais desconhecem os processos próprios de aprendizagem nas referidas escolas, podendo contrariar o fortalecimento das práticas socioculturais dessas populações, como anunciou o objetivo I. Observamos semelhante contradição no objetivo III, pois quando foi descartada a possibilidade de adequação do calendário letivo para as comunidades indígenas, estava-se negando também as especificidades de cada povo, assim dificultando os processos de ensinoaprendizagem próprios. Além das alterações mencionadas, o projeto substitutivo de Darcy Ribeiro, excluiu ainda o conteúdo do Art. 90 do Projeto defendido pela Câmara dos Deputados. Expressando a desatenção com as escolas localizadas próximas às áreas indígenas. Sendo atualmente o caso das escolas lócus do nosso interesse de estudo e de tantas outras, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1521 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Substitutivo Jorge Hage: Art. 90 – Os sistemas de ensino da União, dos Estados e dos Municípios articular-se-ão para assegurar que as escolas situadas em áreas indígenas ou em suas proximidades, vinculadas a qualquer dos sistemas, observem as características especiais da educação de comunidades indígenas estabelecidas nos artigos anteriores, inclusive quanto à formação especializada dos seus professores. Parágrafo único – é obrigatória a isonomia salarial entre professores índios e não índios. (SAVIANI, 1997, p. 103-104). Compreendemos que o dispositivo legal acima não só favoreceria a população indígena, mas também a população não indígena, que de alguma forma mantém contatos com os povos nativos. Com a exclusão do conteúdo textual mencionado, o substitutivo Darcy Ribeiro ignorou a presença de estudantes indígenas nas escolas fora da área indígena, como também desobrigou o investimento na formação de professores/as que atuam nas escolas não indígenas acerca das expressões socioculturais desses povos. E ainda perpetuou a ilegalidade da função dos professores/as indígenas na maioria dos Estados, quando não tratou no novo projeto da LDB, da obrigatoriedade da isonomia salarial para esses/as professores/as. Por fim, analisando todo o processo, observamos ainda que no substitutivo defendido por Darcy Ribeiro, o conteúdo referente à modalidade da Educação Escolar Indígena perdeu o mérito de ter um Capítulo exclusivo, sendo disposto apenas no final do documento, diluído no Título VIII das Disposições Gerais, em meio a tantos outros conteúdos distintos entre si. Enquanto em ambos os projetos, os conteúdos mais gerais que diz respeito a inclusão do ensino sobre as expressões socioculturais diversas, foi exposto de forma tão superficial que exigiu mudanças posteriores. A exemplo dos Artigos 26 e 79, da LDB original, que manteve a mesma redação do projeto substitutivo anterior, precisando serem modificados por força da mobilização do Movimento Negro resultando na Lei nº 10.639/2003. Sendo ao Art. 26, acrescentado o Art. 26-A, tornando obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas instituições escolares públicas e privadas. Como também, anunciando os componentes curriculares a serem explorados. Quanto ao Art. 79 que compõe a parte das Disposições Gerais do Título VIII foi acrescentado o Art. 79-B, que incluiu no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra. (apud. BRZEZINSKI, 2010, p. 285). No ano de 2008, por pressão das mobilizações dos/as professores/as indígenas foi promulgada a Lei nº 11.645/2008, que alterou o Art. 26-A, estendendo a obrigatoriedade do ensino sobre a História e as Culturas dos povos indígenas no Brasil. Entretanto, a referida Lei ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1522 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino ainda encontra-se em processo de normatização complementar, para que possam ser estabelecidas as Diretrizes Curriculares necessárias a sua adequação, como foi estabelecida às orientações curriculares para as relações étnico-raciais demanda pela Lei nº 10.639/03. Passaram-se cinco anos desde a promulgação da Lei 11.645/2008, e ainda é recorrente a ignorância sobre o seu conteúdo para a maioria dos/as professores/as, principalmente nas regiões interioranas do Nordeste, em razão da ausência dessa discussão nos cursos de licenciaturas e de formações continuadas. Ocasionando um déficit sobre essa abordagem nas práticas curriculares nas escolas não indígenas. Considerações finais O direito as diferenças para os povos indígenas no Brasil, constitui a base de todos os demais direitos sociais anunciados pela Constituição Federal em vigor. Quanto ao direito à educação formal, pensamos que essa questão transcende a modalidade da Educação Escolar Indígena, na medida em que existem muitos povos em contato com a nossa sociedade por razões históricas conhecidas que resultaram na expropriação das suas terras, a exploração da mão-de-obra escrava como visto recentemente noticiada na mídia, dentre outras situações degradantes obrigando-os a morar nas periferias das grandes e pequenas cidades desse país. Os/as profissionais da educação (gestores/as coordenadores/as pedagógicos/as e professores/as) não tem mais como ignorar as presenças desses indivíduos nas escolas localizada nas áreas urbanas, nem tão pouco, o que diz a LDB a respeito da atenção com o ensino sobre a história e as culturas desses povos. Precisamos ir além dos conteúdos curriculares expressos nos livros didáticos, que geralmente são carregados de estereótipos, preconceitos e generalizações, e da imposição da legislação educacional. A própria diversidade étnico-racial na nossa sociedade vem provocando os/as profissionais da educação a repensar suas práticas. E nesse repensar, é possível tecer reflexões sobre o currículo como espaço de tensões e disputas pelos mais variados interesses. É possível construir uma postura critica sobre os conteúdos curriculares que orientam as atividades cotidianas das escolas. É possível se mobilizar por uma participação mais efetiva nos processos de formulação do currículo por meio das associações profissionais das universidades e dos grupos de trabalhos nesse campo. Por fim, pensamos que as questões étnico-raciais na educação passam pelo compromisso de todos/as que nela atuam, mas principalmente está relacionado com os valores e crenças sobre qual o tipo de sociedade que desejamos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1523 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Referências bibliográficas ________. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010. Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 01/09/2013. ________.A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: BRZEZINSKI, Iria. LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 265-287. ________.A Lei nº 11.645, de 11 de março de 2008. Estabelece as diretrizes e base da educação nacional, para incluir no currículo oficial o ensino da História das Culturas Afrobrasileiras e indígenas. Publicado no DOU de 11/03/2008. Brasília, 2008. Disponível em: http/www.planalto.gov.br/civil. Acesso em 01/09/2013. BRZEZINSKI, Iria. 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A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a análise dos documentos que oficializam e direcionam a política pública implementada. Palavras chaves: Sistema de cotas, currículo, educação em direitos humanos. ABSTRACT This article will discuss the quota system implemented in all Federal Institutions and Public Policy for access to higher and technical education to students from public schools, a result of the adoption of Law No. 12.711/2012l, drawing a parallel with the regulations that guide policies curriculum for education in and for human rights and the National Curriculum Guidelines of Pedagogy, Engineering and Medicine. The methodology used was the literature search and analysis of the documents that formalize and direct public policy implemented. Keywords: system of quotas, curriculum, human rights education. INTRODUÇÃO Há tempos que estamos sendo regidos por uma democracia capitalista que tem influenciado não só o setor da economia, mas também, a forma de gerenciamento da administração pública, e aqui, me refiro de forma especial à administração da educação pública que nos moldes do neoliberalismo tem influenciado o individualismo e a competição, de forma que o conhecimento, baseados em competências e habilidades a serem alcançadas ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1525 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino pelos educandos, é atualmente, o capital de maior valor para quem queira conquistar sua independência e autonomia. Por outro lado, temos acompanhado algumas conquista coletiva, à medida que a sociedade se organiza para lutar pelos seus direitos, e é por isso que, o direito a educação precisa ser entendido como direito de todos e para todos, de forma que seja permanente e universal e que proporcione mudanças de concepções e de paradigmas de todos os agentes envolvidos no processo ensino aprendizagem. É pena que, as conquistas a que nos referimos, muitas vezes, se configuram apenas nos dispositivos legais, fazendo a prática parecer excessivamente burocrática, como se fôssemos apenas cidadãos de papel, e talvez, seja só isso, que nos tornamos, haja vista que uma educação em e para os direitos não é fácil de transmitir em um processo de aulas normais, requer entre outras coisas, considerar todos os sujeitos, os contextos e suas relações, para que os dispositivos legais possam ratificar os valores que queremos ver consolidados em nossa sociedade. Nessa perspectiva sendo as ações afirmativas medidas especiais a serem adotadas para a ampliação de oportunidades de igualdades de direitos para grupos vulneráveis, este é um tema que ainda precisa ser amplamente debatido, haja vista que a questão da discriminação racial no Brasil fica sempre escondida por traz de uma imagem de um país de várias cores, que não tem preconceito, mas que, no entanto quando se fala de medidas de reparação que tem por objetivo superar as desigualdades e promover justiça social a determinados grupos ainda causam grandes tensões. Dessa forma, a educação como direito humano deveria estar na agenda política numa perspectiva de promover a igualdade e a equidade de oportunidades para todos visando à construção de uma sociedade democrática e cidadã. No entanto, algumas demandas só ganham corpo e se incorporam às agendas públicas a partir da ação de grupos ativistas que luta pelos seus direitos em meio às tensões geradas por varias formas de violações. Sabemos que o tema das ações afirmativas no Brasil é recente e surgiu nas agendas públicas por meio das lutas dos movimentos sociais, em particular o Movimento Negro, por sua trajetória de lutas por direitos e questões sociais e étnico-raciais, entre esses direitos, estão o direito ao aceso a educação superior. Precisamos então aproveitar esse momento de efervescência, em que os mais variados grupos sociais têm consigo colocar na agenda política e na mídia suas necessidades, fazendo com que estas se transformem em Leis. Esses grupos “cobram que as políticas se abram para o princípio da equidade, na garantia do acesso aos direitos universais aos homens e às mulheres, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1526 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino por meio de ações específicas e afirmativas voltadas aos grupos historicamente discriminados” (Conae 2010). Assim, O objetivo deste trabalho será fomentar o debate sobre o sistema de cotas e seus desdobramentos, para que possamos descobrir como tratar pedagogicamente as necessidades de um grupo tão diverso, trazendo à tona a importância da educação em e para os direitos humanos como forma de nos reeducarmos quanto aos nossos conceitos e/ou preconceitos, disfarçados sob a ilusão da tão propagada democracia racial. Dessa forma, se faz necessário pensarmos inicialmente nas práticas pedagógicas que permeiam as estruturas do currículo formal e se tais práticas não estão de certa forma contribuindo para um currículo oculto que oprime e discrimina, fazendo um paralelo com os dispositivos legais que direcionam as políticas de currículo, tais como, O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos e as Diretrizes Curriculares Nacionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Pedagogia, engenharia e Medicina e quais a proposta que teremos para a construção do novo Plano Nacional de Educação expresso no Documento Referência da CONAE 2014. Para tanto o desenvolvimento do texto enfocará: 1) a política de cotas no Brasil e suas implicações, 2) A nova Lei de cotas seus conceitos e definições, 3) As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos e o currículo para os cursos de graduação. Destarte esperamos fomentar o debate sobre a importância da Educação em Direitos humanos em todos os cursos de graduação e inspirar novas práticas que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa, a superação das desigualdades e o reconhecimento de diferentes grupos socioculturais. A POLÍTICA DE COTAS NO BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES A convenção da UNESCO relativa à luta contra as discriminações na esfera do ensino realizada em 1960 inicia recordando a afirmação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de que não devem ser estabelecidas discriminações de qualquer natureza. Todos os estados presentes concordaram que a educação deve atender ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e reforçar o respeito aos direitos humanos e das liberdades fundamentais. É importante frisar que o preâmbulo da referida declaração reforça que o respeito aos direitos humanos e das liberdades fundamentais deve ser feito através do ensino ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1527 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino e da educação e acrescenta no artigo XXVI que toda pessoa tem direito a instrução gratuita nos graus elementares e fundamentais e que a educação superior será baseada no mérito. Vejamos que preocupação com o respeito aos direitos do homem é fundamental e necessária e que esta foi sempre uma preocupação de nível internacional compartilhada e ratificada por diversos países, no entanto, a questão do mérito sempre se sobressaiu, em detrimento de uma lacuna do próprio Estado de não poder oferecer educação superior a todos que dela precisa e mesmo com a experiência da política de cotas implementadas em várias universidades brasileiras ao longo desse doze anos, o seu acesso continua sendo pelo mérito. Passados mais de 50 anos da Convenção da UNESCO, podemos constar ao longo do tempo que a educação superior sempre foi voltada para as elites e o que temos acompanhado no Brasil com relação à entrada de estudantes nas instituições de ensino superior é que os estudantes que ingressam nas universidades públicas são, em sua maioria, egressos de escolas particulares e que os resultados obtidos pelos estudantes tornaram-se alvo de marketing empresarial para as escolas. Como paradoxo, poucos alunos oriundos de escolas públicas conseguem ingressar em uma universidade pública, tendo estes, que trabalhar para pagar uma universidade particular. Atendendo aos apelos da sociedade civil organizada o Governo do Estado do Rio de Janeiro, em 2002, foi o primeiro a adotar um sistema de cotas instituído através de uma Lei Ordinária, disponibilizando 50% das vagas para estudantes que tivessem cursado integralmente o ensino fundamental e médio em escola pública. Dois anos depois a UNB adota um sistema de cotas para negros e em seguida várias outras universidades passaram a adotar programas de cotas com o objetivo oferecer maiores oportunidades para estudantes oriundos de grupos vulneráveis às desigualdades social e étnico-racial que persiste em nosso país. Os programas adotados, em sua maioria, levavam em conta o critério social ou de raça. Com um programa de cotas implantado no Brasil recentemente através da Lei 12.711 de 2012, oficializa-se a nível nacional um sistema de cotas que tem inicialmente um recorte social, fundados no combate a qualquer tipo de discriminação que deverá considerar as diferentes trajetórias de vidas e as desigualdades sociais. Assim, os cotistas definidos pela lei são sujeitos oriundos de escolas públicas, sejam este, brancos, amarelos, negros, pardos, índios que comprovem uma renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita. Surge assim, a necessidade de implementar programas para garantir não só o acesso, mas também a permanência de um grupo tão diverso. Ao adotar um sistema de cotas baseado inicialmente no critério social o Estado assume que as desigualdades ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1528 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino no país advêm da pobreza e não do critério de raça, embora haja o recorte étnico racial atendendo o que afirma o artigo 4º do Estatuto da Igualdade Racial “A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa”. Sabemos que o preconceito com relação aos cotistas são muitos e existem dentro da própria universidade, apoiados no discurso de que o aluno oriundo de escolas públicas implicaria em resultados negativos para a qualidade dos cursos de graduação e licenciaturas, sendo que, os egressos dos cursos de Licenciatura voltariam para a escola básica pública e teríamos um ciclo que perpetuaria a má qualidade do ensino público. Tal discurso está incutido no cotidiano escolar nas relações e práticas não formais, fazendo com que os cotistas, para não sofrerem maiores preconceitos, acabem se escondendo e desistindo de lutar pelos seus direitos enquanto grupo, até porque estamos acostumados a um discurso de que somos uma nação democrática, ledo engano, o que acontece na realidade é o que afirma Kabengele Munanga: A partir de um povo misturado desde os primórdios, foi elaborado, lenta e progressivamente, o mito de democracia racial. Somos um povo misturado, portanto, miscigenado; e, acima de tudo, é a diversidade biológica e natural que dificulta a nossa união e o nosso projeto enquanto povo e nação. Somos uma democracia racial porque a mistura gerou um povo que está acima de tudo, acima das suspeitas raciais e étnicas, um povo sem barreiras e sem preconceitos. Trata-se de um mito, pois a mistura não produziu a declarada democracia racial, como demonstrado pelas inúmeras desigualdades sociais e raciais que o próprio mito identidade política dos membros dos grupos oprimidos. (1996: 216). Pelo contexto exposto é claro e notório a importância da Educação em/para os Direitos humanos, devendo esta estar pautada nos principais documentos que norteiam as práticas pedagógicas das instituições públicas o que implica a adoção de um conjunto de estratégias integradoras a nível nacional para que as práticas metodológicas sejam adotadas e postas em prática por todos e em todos os níveis de ensino, pois Na medida em que o objetivo da pedagogia crítica é o de capacitar seus praticantes a falar com autoridade, enquanto perturba a naturalização de convenções fixas e de contingências enraizadas, esta prática não deve, entretanto, ser desenvolvida de maneira autoritária. Ao criticar o legado disfuncional do positivismo que presume a objetividade sem preconceitos, a pedagogia crítica busca construir uma coalizão intelectual inovadora e significativa na luta anticapitalista, antirracista, antissexista, antihomofóbica e anticolonialista. Na sua contestação pelo esmaecimento, periferização e marginalização das pessoas de cor e no seu desafio da ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1529 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino inescapável fragmentação e diferenciação do sujeito pós-moderno, ela mobiliza um discurso de esperança e possibilidade que se recusa a colocar o sucesso” e a “falha” na pessoa e não no sistema (MacLarem 1997, p. 50). Para o direcionamento dessa perspectiva da pedagogia crítica que MacLarem propõe tivemos em termos de conquista a nível nacional e resultado de uma ação coletiva que envolveu a sociedade civil e os agentes públicos a elaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, iniciado em 2003 e pautados na Declaração Universal dos Diretos Humanos, na Conferência Nacional de Viena e na Constituição Federal do Brasil e inserido em um contexto internacional reconhecendo que a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça social. (PNEH, 2007, pág, 25.). O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos com cinco eixos estruturantes: Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-Formal; Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança Pública e Educação e Mídia. Para o eixo da educação Superior propõe 21 ações programáticas, entre elas a de desenvolver políticas estratégicas de ação afirmativa nas IES que possibilitem a inclusão, o acesso e a permanência de pessoas com deficiência e aquelas alvo de discriminação por motivo de gênero, de orientação sexual e religiosa, entre outros e seguimentos geracionais e étnico-raciais. (PNEH, 2007, p. 40) Todas as ações deverão ter como princípios norteadores a interdisciplinaridade, a transversalidade e a trasndisciplinaridade de forma que No ensino, a educação em direitos humanos pode ser incluída por meio de diferentes modalidades, tais como, disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto político-pedagógico, entre outros. Na pesquisa, as demandas de estudos na área dos direitos humanos requerem uma política de incentivo que institua esse tema como área de conhecimento de caráter interdisciplinar e transdisciplinar. Na extensão universitária, a inclusão dos direitos humanos no Plano Nacional de Extensão Universitária enfatizou o compromisso das universidades públicas com a promoção dos direitos humanos15. A inserção desse tema em programas e projetos de extensão pode envolver atividades ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1530 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino de capacitação, assessoria e realização de eventos, entre outras, articuladas com as áreas de ensino e pesquisa, contemplando temas diversos. (PNEH, 2007, pág, 38.). Definidos os princípios norteadores para a inclusão da educação em direitos humanos no ensino superior é preciso reforçar que o currículo de qualquer curso, seja este licenciatura ou bacharelado, deverá prever a discussão e o estudo de temáticas que envolva a história da formação do povo brasileiro, sua cultura, suas leis, de forma que haja a construção de uma pedagogia antirracista e antidiscriminatória, visando uma educação integral, para a formação de uma consciência crítica que respeite o outro, as diferentes culturas e tradições que prepare os profissionais de todas as áreas do conhecimento. A NOVA LEI DE COTAS: CONCEITOS E DEFINIÇÕES A Lei Nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais de ensino técnico de nível médio, seguida do Decreto Nº 7.824 de 11 de outubro de 2012 e da Portaria Normativa Nº 8 também de 11 de outubro de 2012 que dispõe sobre a implementação das reservas de vagas em instituições federais de que tratam a Lei e o Decreto supracitados traz às definições dos elementos que estruturam a lei, as modalidades de reservas de vagas, as condições para concorrência das reservas de vagas, e como se fará o cálculo e o preenchimento das vagas. A referida Lei entrou em vigor, quando a maioria das universidades já havia elaborado seus editais, trazendo uma nova demanda de trabalho para as instituições federais que teriam que se adaptarem as novas regras, devendo estas oferecer em seus editais, a partir de 2013, 50% de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, devendo ser implementado este percentual em até quatro anos a partir da aprovação da lei, de forma gradativa, sendo obrigatória no primeiro ano, a adoção de 25% do percentual total. Com relação às definições a Portaria Normativa nº 8/2012 nos incisos do artigo segundo considera I - concurso seletivo, o procedimento por meio do qual se selecionam os estudantes para ingresso no ensino médio ou superior, excluídas as transferências e os processos seletivos destinados a portadores de diploma de curso superior; II - escola pública, a instituição de ensino criada ou incorporada, mantida e administrada pelo Poder Público, nos termos do inciso I, do art. 19, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; III - família, a unidade nuclear composta por uma ou mais pessoas, eventualmente ampliada por outras pessoas que contribuam para o ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1531 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar, todas moradoras em um mesmo domicílio; IV - morador, a pessoa que tem o domicílio como local habitual de residência e nele reside na data de inscrição do estudante no concurso seletivo da instituição federal de ensino; V - renda familiar bruta mensal, a soma dos rendimentos brutos auferidos por todas as pessoas da família, calculada na forma do disposto nesta Portaria. VI - renda familiar bruta mensal per capita, a razão entre a renda familiar bruta mensal e o total de pessoas da família, calculada na forma do art. 7o desta Portaria. Assim definidos os elementos estruturantes e o percentual mínimo a ser reservado pelas instituições federais de educação superior e de nível médio técnico a Portaria Nº 8/2012 acrescenta em seu artigo 12 que Art. 12. As instituições federais de ensino poderão, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas: I - suplementares, mediante o acréscimo de vagas reservadas aos números mínimos referidos no art. 10; e II - de outra modalidade, mediante a estipulação de vagas específicas para atender a outras ações afirmativas. Art. 13. Os editais dos concursos seletivos das instituições federais de ensino de que trata esta Portaria indicarão, de forma discriminada, por curso e turno, o número de vagas reservadas em decorrência do disposto na Lei nº 12.711, de 2012, e de políticas de ações afirmativas que eventualmente adotarem. Com a lei de cotas em vigor espera-se que a educação formal possa promover uma pedagogia crítica que dê sentido aos conteúdos estudados para que os sujeitos consigam se reconhecer e se auto afirmar dentro de sua comunidade, e assim, se fortalecer enquanto grupo na luta pelos seus direitos. AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E O CURRÍCULO PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO Como desdobramento das ações previstas dentro do Plano Nacional de Educação em Diretos Humanos, tivemos recentemente uma grande conquista que foi a Resolução de nº 01 de 30 de maio de 2012 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos e que servirá de bússola para os sistemas de ensino e suas instituições na construção de suas propostas pedagógicas, na organização curricular, no modelo de gestão e avaliação, na produção de materiais didáticopedagógicos, quanto na formação inicial e continuada dos profissionais da educação e demais profissionais, indicando os Conselhos de Educação como os responsáveis pela elaboração de estratégias de acompanhamento das ações de Educação em Direitos Humanos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1532 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino As Diretrizes curriculares orientam os sistemas de ensino e suas instituições no que se refere ao planejamento e ao desenvolvimento de ações de Educação em Direitos Humanos, devendo estas adequar-se às necessidades, às características sociais, culturais e locais ao propor que: Art. 6º A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser considerada na construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares; dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Educação Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino, pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos diferentes processos de avaliação. Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes à educação em Direitos Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas: I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente; II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar; III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade. Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação em Direitos Humanos poderão ainda ser admitidas na organização curricular das instituições educativas desde que observadas as especificidades dos níveis e modalidades da Educação Nacional. Art. 8º A Educação em Direitos Humanos deverá orientar a formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais da educação, sendo componente curricular obrigatório nos cursos destinados a esses profissionais. Art. 9º A Educação em Direitos Humanos deverá estar presente na formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais das diferentes áreas do conhecimento. Nessa perspectiva, como vencer a cultura escolar dominante que permeiam as práticas pedagógicas atuais e por em prática uma pedagogia que possibilite a análise dos problemas vivenciados pela sociedade para conhecê-los e prover meios para transformá-los? Já percebemos que o caminho é a educação, aquela que emancipa o cidadão e o resgata da massa, lembrando que a educação se materializa através do currículo, é este que orienta o que se deve ensinar e aprender nas escolas. Assim, fizemos uma breve analise das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia da área de humanas comparando com as dos cursos de engenharia da área de exatas e o de Medicina da área de saúde, a fim de verificar qual a proposta de organização apresentados para estes cursos. Nos cursos analisados o que se observou foi que as diretrizes do curso de Pedagogia orientam as instituições para que, na construção de seus projetos pedagógicos, seus componentes curriculares contemplem práticas integradoras e a realização ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1533 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino de oficinas e seminários temáticos, com o objetivo de discutir temas contemporâneos que contemplem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira. A Resolução CNE/CP Nº 1, DE 15 de maio de 2006, que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura ratifica que O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras; X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras; As diretrizes dos cursos da área de exatas, e em especial as engenharias, até apontam a preocupação em ampliar os horizontes para a formação sociocultural, no entanto o conteúdo proposto concentram-se em um núcleo básico, um núcleo de conteúdos profissionais e um núcleo de conteúdos específicos e as atividades complementares estão voltadas para a realização de projetos, desenvolvimentos de protótipos, monitorias e participação em empresas júniores e outras atividades empreendedoras afirmando que Na nova definição de currículo, destacam-se três elementos fundamentais para o entendimento da proposta aqui apresentada. Em primeiro lugar, enfatiza-se o conjunto de experiências de aprendizado. Entende-se, portanto, que Currículo vai muito além das atividades convencionais de sala de aula e deve considerar atividades complementares, tais como iniciação científica e tecnológica, programas acadêmicos amplos, a exemplo do Programa de Treinamento Especial da CAPES (PET), programas de extensão universitária, visitas técnicas, eventoscientíficos, além de atividades culturais, políticas e sociais, dentre outras, desenvolvidas pelos alunos durante o curso de graduação. Essas atividades complementares visam ampliar os horizontes de uma formação profissional, proporcionando uma formação sociocultural mais abrangente (Parecer/CNE/CES nº 1362/2001). As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina enfoca que o futuro médico deverá atuar com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania e propõe que Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Medicina para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. Art. 12. A estrutura do Curso de Graduação em Medicina deve: ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1534 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino I - Ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e identificadas pelo setor saúde; II - utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência; III - incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania; IV - promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência com o eixo de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais; V - inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional; VI - utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar situações variadas de vida, da organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional; VII - propiciar a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de saúde desde o início de sua formação, proporcionando ao aluno lidar com problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes como agente prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia, que se consolida na graduação com o internato; VIII - vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médicoacadêmica às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS. Nessa perspectiva, as práticas pedagógicas que contemplem uma educação em direitos humanos só serão possíveis se os professores conhecerem e se identificarem com os temas que fazem parte das agendas políticas e dos documentos que orientam o tratamento didático referente aos direitos humanos. Daí a importância de um programa de formação continuada para todos os profissionais de todas as áreas que contemple a educação em direitos humanos. O Documento Referência da Conae 2014 que propõe ações e metas para a discussão e elaboração coletiva da organização da educação nacional, inicia seu eixo estruturante II enfocando que o tema “Educação e diversidade: justiça social, inclusão e direitos humanos” constitui o eixo central da educação e objeto da política educacional a ser desenvolvida de forma laica e com qualidade social, em todos os níveis, modalidades e etapas da educação. Destarte, uma política educacional que considere a diversidade e a educação em para os direitos humanos deve considerar todas as segregações e discriminações sofridas pelos coletivos sociorraciais e proporcionar a participação ativa desses sujeitos na reelaboração de seus documentos visando à construção coletiva de um currículo que contemple todas as etnias, a inclusão e os direitos humanos, haja vista que nossos discursos e práticas estão marcados pelo colonialismo, pois qualquer política ao ser implantada, só será eficaz, se suas práticas forem democráticas. É preciso então aprender outras culturas para entender as ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1535 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino diferenças. É preciso que o professor seja ele da área de humanas, da saúde ou de exatas conheçam e aceitem a temática dos diretos humanos e incorpore em sua prática diária. Por fim, precisamos repensar e discutir nossas práticas sempre que a diversidade for entendida como problema ou forem hierarquizadas em uma escala de valor onde se priorizam algumas demandas em detrimento de outras para que possamos avançar rumo a uma prática pedagógica efetiva que considere o direito a diversidade e a equidade e que estas possam ser a base para a elaboração dos projetos político-pedagógicos dos cursos de graduação, dos planos de desenvolvimento institucional da educação pública e privada, em articulação com coletivos sociorraciais e consequentemente se efetivem nas práticas diárias dos professores. REFERÊNCIAS: BRASIL, CONAE 2014: Documento–referência. Disponível http://fne.mrc.gov.br/images/pdef/documentoreferenciaconae2014publicacao_numerada3.pdf. em: BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Brasília: SEDH/MEC/MJ/UNESCO, 2007. BRASIL. Conferência Nacional de educação. Construindo o Sistema Nacional Articulado de educação: O plano Nacional de educação, diretrizes e estratégias de ação. Brasília, DF: MEC; CONAE, 2010. (Documento final). CONAE 2010. K. M. e QUEIROZ, Renato da Silva (Org.). Raça e Diversidade. São Paulo: Edusp, 1996. MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. Tradução Bebel Orofino Shaefer. São Paulo: Cortez, 1997. MOREIRA, Antônio F; CANDAU, Vera Maria . In: Brasil. Indagações sobre o currículo. Brasília: Ministério da educação, Secretaria da Educação Básica, 2007. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdfEnsfund/indag4 Acesso em 09 jul. 2013. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Engenharia. Parecer/CNE/CES nº 1362/2001. Disponível em < http:// portal. mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1362.pdf> acesso em 31 jul. 2013. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Decreto Nº 7.824 de 11 de outubro de 2012. PRESIDÊNCIA DA REPÙBLICA, Lei nº 12.711/2012. PRESIDÊNCIA DA REPÙBLICA, Lei nº 12.288/2010. PRESIDÊNCIA DA REPÙBLICA, Portaria Normativa nº 08/2012 ___. Resolução CNE/CP nº 1, de 15/05/2006. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília: Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp1_06.pdf> . Acesso em 31 jul. 2013. ___.Resolução CNE/CES Nº 4, de 7/09/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília: Disponível em <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES04.pdf> Acesso em 28 set. 2013. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1536 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NAS PRÁTICAS CURRICULARES: CONTEÚDOS SELECIONADOS E SILENCIADOS MICHELE GUERREIRO FERREIRA [email protected] Resumo Este trabalho baseia-se nos Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos (QUIJANO, 2005, 2007; MIGNOLO, 2005, 2011; WALSH, 2008; SARTORELLO, 2009) e faz parte da pesquisa de Mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea (CAA/UFPE). Neste trabalho apresentamos parte dos resultados obtidos na referida pesquisa questionarmos a presença da herança colonial (MIGNOLO, 2005, 2011) nos currículos escolares, a qual se pauta na cosmovisão da sociedade moderna constituída no âmbito da Modernidade. Utilizamos a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004; VALA, 1990) para analisar os dados coletados/produzidos nas entrevistas semiestruturadas (MINAYO, 2010) e nos questionários aplicados. O objetivo do presente trabalho é apresentar parte dos resultados da pesquisa ao identificar e caracterizar os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana presentes nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s. Com base nesses resultados discutimos os limites e as possibilidades abertas para a decolonização dos currículos e a construção da Educação das Relações Étnico-Raciais pautada na Educação Intercultural na Perspectiva Crítica. Palavras-chave: Práticas Curriculares; Relações Étnico-Raciais; Interculturalidade. Abstract This paper is based on the Postcolonial Studies Latin American (QUIJANO, 2005, 2007; MIGNOLO, 2005, 2011; WALSH, 2008; SARTORELLO, 2009) and is part of the research developed in the Masters Program Graduate in Contemporary Education (CAA/UFPE). We present some of the results obtained in the initial research about the question of the presence of the colonial legacy (MIGNOLO, 2005, 2011) in the school curriculum, which is guided in the worldview of modern society constituted under Modernity. We use content analysis (BARDIN, 2004; VALA, 1990) to analyze the data collected/produced in semi-structured interviews (MINAYO, 2010) and in questionnaires. The aim of this paper is to present the results of research to identify and characterize the contents of History and Afro-Brazilian and African in curricular practices of teachers. Based on these results we discuss the limits and the possibilities open to the decolonization of the curriculum and the construction of the Education of Racial-Ethnic Relations ruled in Intercultural Education in Critical Perspective. Keywords: Curricular Practices, Racial-Ethnic Relations; Interculturality. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1537 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Introdução Este artigo é parte da pesquisa de Mestrado intitulada: Sentidos da Educação das Relações Étnico-Raciais nas Práticas Curriculares de Professore(a)s de Escolas Localizadas no Meio Rural, a qual foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco. O objetivo do presente trabalho é apresentar parte dos resultados obtidos na referida pesquisa ao identificar e caracterizar os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana presentes nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s. Com base nesses resultados refletimos sobre os limites e as possibilidades abertas para a decolonização dos currículos e a construção da Educação das Relações Étnico-Raciais pautada na Educação Intercultural na Perspectiva Crítica. A lente teórica adotada para desenvolver este artigo foi os Estudos Pós-Coloniais da vertente Latino-Americana (QUIJANO, 2005, 2007; MIGNOLO, 2005, 2007; WALSH, 2008; SARTORELLO, 2009). Destacamos que estes Estudos ajudam-nos a compreender as implicações da racionalidade eurocêntrica19 em relação à construção sócio-histórica da raça e do racismo, do conhecimento cientifico moderno e de seus efeitos sobre o currículo. Adotamos a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004; VALA, 1990), a qual de acordo com Vala (Ibid.) leva-nos, através da inferência, a ultrapassar o limite da mera descrição, conduzindo-nos à interpretação através da atribuição de sentidos dada as características do objeto que foram criteriosamente levantadas e organizadas. É por essa razão que para analisarmos os dados coletados/produzidos a partir das entrevistas semiestruturadas (MINAYO, 2010) e dos questionários aplicados, adotamos a Análise de Conteúdo Temática (BARDIN, Ibid.). A qual se propõe a construir os núcleos ou indicadores de sentidos que partem das categorias teóricas, ou seja, da abordagem teórica que precisamos nos apropriar para fazer as inferências. Este artigo está organizado em três seções: a) análise da presença da herança colonial nos currículos escolares; b) análise dos conteúdos previstos e não previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana refletindo sobre os conteúdos selecionados e silenciados nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s; c) e as considerações finais que versam sobre os limites e as possibilidades abertas pela 19 Segundo Santos, essa racionalidade é “totalitária na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas regras metodológicas” (1999, p. 11). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1538 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino promulgação da Lei nº 10.639/2003 e sua contribuição para a decolonização dos currículos escolares e para a promoção de uma Educação Intercultural Crítica. A Herança Colonial nos Currículos Escolares A presença do eurocentrismo nos currículos escolares, ou seja, a herança colonial ultrapassa o período do colonialismo20 e chega aos nossos dias como “história universal”. A herança colonial é tudo aquilo que herdamos do processo civilizador constituído no âmbito da modernidade. Os Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos refletem sobre os efeitos do colonialismo a partir da análise do Sistema-Mundo Moderno (WALLERSTEIN, 1999), ou seja, da constituição do Mito da Modernidade e do seu lado perverso, a colonialidade21. Um dos principais postulados do Grupo Modernidade/Colonialidade22 é que a colonialidade é constitutiva e não derivada da modernidade. Isto é, para garantir o sucesso do expansionismo europeu ou do imaginário do Sistema-Mundo Moderno, fez-se necessário subalternizar os povos conquistados em nome de um discurso que proclamava a civilização e o desenvolvimento aos moldes europeizados. Tal discurso ganhava materialidade através de ações concretas e simbólicas com o objetivo de garantir que a cosmovisão ‘primitiva’ dos povos nativos fosse convertida à visão europeia e ‘civilizada’ de mundo, expressa através da religião, da ciência, das artes e da linguagem e convenientemente adaptada ao estágio de ‘desenvolvimento’ das populações submetidas ao poder colonial (SILVA, T. 2000, p. 133). Mesmo com o fim do colonialismo, o padrão de poder que buscava “converter” as visões de mundo dos povos nativos e dos sequestrados do continente africano ao eurocentrismo, se mantém vivo até os dias atuais. Ou seja, os currículos monoculturais sustentam a herança colonial, isto é, os mesmos padrões que valorizam uma única forma de ser, de saber e de viver, a eurocêntrica. As marcas da presença da herança colonial que perpassa a nossa sociedade e, consequentemente, os currículos escolares refletem-se no que não sabemos sobre História e 20 O colonialismo era, inicialmente, uma relação política e econômica na qual a soberania de uma nação é subjugada por outra. O colonialismo forja em seu bojo a colonialidade. Esta consolida um padrão de poder que não se restringe às relações formais de dominação de um povo sobre outro como ocorrera no início do colonialismo, mas intenciona firmar os pilares da racialização e da racionalização ao estabelecer e universalizar a hierarquização dos sujeitos, dos conhecimentos e das relações de trabalho para responder ao mercado capitalista global. 22 O grupo representa o Pensamento Decolonial Latino-Americano e tem sua formação inicial composta por intelectuais como: o sociólogo Aníbal Quijano (Peru), o antropólogo Arturo Escobar (Colômbia), a linguista Catherine Walsh (radicada no Equador), o filósofo Enrique Dussel (Argentina), o filósofo Nelson Maldonado-Torres (Porto Rico), o sociólogo Ramón Grosfoguel (Porto Rico), o semiólogo Walter Mignolo (Argentina), entre outros. O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein mantem diálogos e atividades acadêmicas com o grupo. 21 ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1539 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Cultura da África, dos Afro-Brasileiros e dos Povos Indígenas. E o pouco que sabemos da História e da Cultura em questão aprendemos sob o imaginário da História e a Cultura europeia. Por isso, currículo escolar quando não silencia as Histórias e Culturas outras, trata-as sob a lógica eurocentrada. E esse tratamento manifesta-se em práticas curriculares alicerçadas na dinâmica da hierarquização, da subalternização e do silenciamento. Epistemologicamente, esse é o tipo de educação que Freire (2002, 2005) chamava de bancária, na qual é depositado o conhecimento considerado necessário na cabeça do educando, através de currículos colonizados. O conhecimento selecionado é o que irá garantir a posição hegemônica do padrão eurocentrado na sociedade, através de práticas que privilegiam a transmissão de saberes propedêuticos que são “depositados” no outro, colonizando-o, subalternizando-o. Os efeitos desse tipo de “currículo colonizado” e monocultural, apesar de seu poder destruidor, são praticados através de artimanhas sutis, porém contundentes, como a negação do conflito e o silenciamento dos subalternizados através da imposição do padrão hegemônico que, sob o jugo da colonialidade do ser, não ousa questioná-lo. De acordo com Silva, D. (2000), através de práticas baseadas no modelo eurocêntrico, as escolas acabam por reproduzir esse quadro negando e silenciando as diferenças presentes no universo escolar e na sociedade. Há ainda outra relação silenciada no currículo que é a de ordem epistemológica. De acordo com Ferreira e Silva (2013, p. 06): Muitas vezes a discussão no território curricular fica restrita aos conteúdos a serem ensinados: quem os selecionam? Como são selecionados? Quais foram selecionados?... Mas não se discute que epistemologias estão presentes na metodologia da escolha dos conteúdos e que epistemologias estão embutidas nos conteúdos selecionados e nos silenciados. Que epistemologias estão presentes nas formas de tratar os conteúdos centrais nas práticas curriculares e que epistemologias estão presentes nos conteúdos periféricos dessas mesmas práticas. Por exemplo, quando as culturas dos povos negros e dos povos indígenas são tratadas na escola restritamente na semana do folclore, há conflitos epistêmicos velados: a epistemologia eurocêntrica expressa nos conteúdos considerados centrais oriundos da cultura "erudita" impõe às epistemologias expressas nos conteúdos dos povos não europeus a condição subalterna de ser restrita à uma semana (concessão de tempo) e à condição de folclore. Assim, a cultura dos povos subalternizados mesmo que não silenciada completamente no currículo por estar presente na semana do folclore, é-lhe imposta a condição subalterna, por isso nem é cultura e nem arte, mas folclore e artesanato. Desta maneira, a diferença que se faz presente no currículo na maioria das vezes é ainda uma forma disfarçada de discriminação e de pré-conceito e sua não problematização perpetua desigualdades raciais, visando homogeneizar e naturalizar as diferenças, sob o ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1540 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino pretexto da não discriminação. Para Backes e Pavan (2011), evitar os processos de discriminação não passa pelo tratamento igual/normal das diferenças, ou seja, tratando-as de maneira naturalizada ou essencializada, mas passa pela problematização e pelo questionamento das relações de poder responsáveis pela hierarquização e pelas assimetrias dos grupos culturais. É nesse sentido que percebemos a questão da geopolítica do conhecimento presente nos currículos colonizados. Como mostra Mignolo (2005, 2011), a geopolítica do conhecimento é uma das estratégias da modernidade europeia para afirmar sua cosmovisão de mundo como verdades universais. Isto é, a geopolítica do conhecimento expressa no currículo tem a função de reafirmar e cada vez mais consolidar as verdades universais que não passam de verdades restritas de determinados grupos hegemônicos que se vestem de universais. Tais verdades são questionadas nos currículos pelos grupos subalternizados através das lutas pela coexistência de diferentes formas de produção de conhecimento, o que pode evidenciar a emancipação epistêmica (decolonialidade), em detrimento da condição hegemônica que impera na sociedade brasileira sob os efeitos da colonialidade. A resistência dos grupos subalternizados, aos poucos vai se materializando em certas conquistas a custo de grandes mobilizações e lutas. Um exemplo de conquista das mobilizações dos Movimentos Negros é a promulgação da Lei nº 10.639/2003 e a continuação das lutas desses movimentos se fazem nas reivindicações pelas condições da implementação da mesma. A seguir apresentamos a discussão sobre as práticas curriculares em torno da educação das relações étnico-raciais a partir dos conteúdos de História e Cultura AfroBrasileira e Africana identificados nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s que foram sujeitos da pesquisa de mestrado conforme mencionamos anteriormente. O critério para a escolha dos sujeitos da referida pesquisa foi atuar como professor(a) em pelo menos uma das três disciplinas citadas diretamente no Art. 26-A da LDB (Lei nº 9.394/96), ou seja, professore(a)s de Arte, Língua Portuguesa e História nas escolas que foram selecionadas como campo da pesquisa. Duas escolas localizadas no meio rural de Caruaru – PE23. Os sujeitos da pesquisa foram identificados como PHE1 (Professora de História da Escola 01); PPE1 (Professora de Português da Escola 01); PHE2 (Professor de História da Escola 02); PPE2 (Professor de Português da Escola 02) e PAE2 (Professora de Arte da Escola 02). A Escola 01 estava sem professora de Arte no período da pesquisa. 23 Nos Anexos I e II apresentamos a caracterização do campo e dos sujeitos da pesquisa. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1541 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Educação das Relações Étnico-Raciais: análise dos conteúdos selecionados e silenciados nas práticas curriculares de professore(a)s É de longa data as lutas dos Movimentos Sociais Negros para ter garantido um espaço no arcabouço legal vigente em nosso país a respeito da História e da Cultura de identidades que foram subalternizadas por séculos. Nessas lutas percebemos o esforço para romper com a obediência epistêmica que é a forma como o mundo moderno se constituiu pensando a partir dos padrões ditados pelo eurocentrismo. Dessa forma, a promulgação da Lei nº 10.639/2003 representa em boa medida os anseios dos movimentos sociais para ver o negro retratado de maneira positiva nos currículos oficiais da educação básica brasileira. No entanto, como sabemos, a política curricular não se restringe ao texto legal, mas tem rebatimento nas práticas e são estas que dão materialidade às lutas pela decolonialidade. Nesse sentido, para que o ensino dos conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se tornasse obrigatório nos sistemas de ensino por força de Lei fez-se necessária uma grande mobilização dos Movimentos Sociais Negros e de diversos setores da sociedade que encamparam essa luta. Por isso e por outras razões consideramos na promulgação da Lei uma intenção de política intercultural. Neste trabalho focamos os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que servem de mote para o desenvolvimento da educação das relações étnico-raciais. Embora tenhamos a convicção, em consonância com os próprios movimentos sociais, que não basta a inclusão de novos conteúdos para que se concretize uma educação intercultural e antirracista, não podemos ignorar a importância da inclusão dos conteúdos para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Tal inclusão decorre das lutas que resultaram na promulgação da Lei nº 10.639/2003, normatizada através de suas diretrizes: o Parecer CNE/CP nº 03/2004 e a Resolução nº 01, de 17 de março de 2004. Gimeno Sácristan (1998, p. 148) afirma que a determinação dos conteúdos que compõem o currículo implica em qual “função queremos que se cumpra, em relação aos indivíduos, à cultura herdada, à sociedade na qual estamos e à qual aspiramos conseguir”. Percebemos que tal entendimento nos remete ao fato de que constituir uma seleção curricular representa as tensões, as lutas e os anseios de diversos setores da sociedade e dos Movimentos Negros para ver o negro retratado no currículo escolar de forma positiva. A obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana não se restringe a incluir novos conteúdos ao currículo, mas colocar esses saberes vis-à-vis com os saberes hegemônicos em função do combate ao racismo e à discriminação étnico-racial. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1542 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Assim, sua intenção é apresentar esses componentes curriculares articulados com a promoção da Educação das Relações Étnico-raciais. Nesse sentido, entendemos que construir uma educação das relações étnico-raciais significa horizontalizar tais relações, superando os discursos que criaram o outro para subalternizá-lo e valorizando a participação de todos na construção da História. Assim, consideramos que por um lado, o currículo escolar valida uma seleção cultural, daí a importância em ter estabelecido conteúdos curriculares que possam materializar o objetivo central de promover a educação antirracista e intercultural. Por outro lado, não podemos ser ingênuo(a)s e acreditar que a obrigatoriedade do ensino de determinados conteúdos, por si, já dá conta de promover as mudanças almejadas pelas lutas dos movimentos sociais. Há um entrecruzamento de processos, sujeitos e âmbitos que vão atribuir sentidos a tais conteúdos por meio das práticas curriculares e das influências de contextos externos, pois os conteúdos a que nos referimos dizem respeito a saberes epistêmicos que foram negados, silenciados, subalternizados por séculos através do eurocentrismo como já mencionamos. Os conteúdos sugeridos nas DCN estão pautados em três princípios que trazem desdobramentos e encaminhamentos para todo o sistema educacional do país, são eles: Consciência Política e Histórica da Diversidade; Fortalecimentos de Identidades e de Direitos; e Ações Educativas de Combate ao Racismo e às Discriminações. E estão organizados em seis eixos: 1. História Afro-Brasileira 2. História da África 3. Cultura Afro-Brasileira 4. Cultura Africana 5. História e Cultura Afro-Brasileira 6. História e Cultura Africana Os princípios e os eixos não são, necessariamente, disciplinares, o que denota a complexidade em promover a educação das relações étnico-raciais através do ensino de conteúdos que para serem aprendidos precisam estar relacionados, embora percebamos a ênfase dada à História. Diante dessas considerações buscamos identificar quais são os conteúdos trabalhados pelo(a)s professore(a)s. Assim, classificamos os conteúdos como aqueles Previstos nas DCN e ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1543 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino aqueles Não Previstos nas DCN. Consolidamos a relação dos conteúdos trabalhados no Quadro 01 (em anexo). Para procedermos à análise, primeiramente, debruçamo-nos sobre os conteúdos Previstos nas DCN, analisando cada eixo para identificar quais os conteúdos selecionados e quais os silenciados pelo(a)s professore(a)s em suas práticas curriculares. Os conteúdos do primeiro eixo, História Afro-Brasileira, remetem às efemérides e identificamos que há o silenciamento epistêmico do conteúdo que é justamente aquele que destaca as datas significativas para a região, ou seja, o conteúdo que nos possibilitaria olhar para a História Afro nas comunidades onde as escolas estão inseridas. Porém, o calendário escolar do Sistema Municipal de Ensino não contempla nenhuma data referente a esta questão e, consequentemente, as escolas não as vivenciam. O Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial também foi silenciado. Sabemos que a negação dos conflitos raciais em nosso país sustentou por muitas décadas o mito da democracia racial, que ao mesmo tempo em que negava a ideia de que as diferenças raciais geravam desigualdades sociais, também semeava o ideal de branqueamento, através do discurso da mestiçagem. A presença do 21 de março como conteúdo previsto nas DCN indica uma luta dos movimentos sociais contra esta acomodação racial da sociedade brasileira. Os conteúdos do segundo eixo, História da África, como conteúdos relativos à disciplina História, foram assinalados pelo(a)s professore(a)s de História. Uma professora de português, a PPE1, assinalou seis conteúdos, mas na entrevista ela revelou que teve um ano aqui que eu peguei seis disciplinas diferentes da minha área. Aliás, duas eram da minha área e quatro não eram, então eu peguei História, Geografia, Inglês, Língua Portuguesa, Religião e Artes. Aí ficava bom pra trabalhar interdisciplinarmente, quando chegava na parte de História é... a questão do negro, não tem como não falar do povo, não tem como falar separado (PPE1). Assim, os conteúdos assinalados pela PPE1 no questionário nem sempre revelam o seu trabalho na disciplina de Português, mas ao trabalho realizado inclusive nesse ano letivo específico que a professora cita. Cabe destacar o silenciamento do conteúdo que corresponde à memória histórica dos povos africanos que é repassada pelos anciãos e pelos griots através da tradição oral, que vai de encontro às sociedades da escrita fundadas com o eurocentrismo. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1544 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A supremacia da palavra escrita em detrimento da oralidade expressa uma relação de poder em torno daquele que detém o conhecimento do código escrito e que passa a contar e a registrar a História dessa forma. Assim, a História passa a registrar apenas um ponto de vista histórico, onde os heróis são sempre aqueles que contam essa História. E as Histórias que eram transmitidas por via da expressão oral nas culturas africanas, por exemplo, são silenciadas, negadas ou, no máximo, restritas à condição de lenda ou folclore. Para os povos africanos, os griots são o elo de ligação entre o passado e o presente, através de suas histórias a ancestralidade se corporifica no presente. O silenciamento desse conteúdo pode apontar para a razão pela qual conhecemos tão pouco a respeito das Histórias outras e porque fomos levados a crer na existência de uma História Universal, que no caso, é marcada pela geopolítica do conhecimento, a eurocêntrica. Os conteúdos do terceiro eixo, Cultura Afro-Brasileira, foram assinalados apenas pelo(a)s professore(a)s de História e pela PPE1. Mas nas entrevistas e pelo trabalho desenvolvido pelos outro(a)s professore(a)s percebemos que todo(a)s trabalham com esse eixo de conteúdos. Selecionamos uma fala que representa este eixo de conteúdos: O objetivo é esclarecer essa questão. E além de esclarecer trazer a questão do respeito, a questão da consciência da descendência dele, não é? E principalmente a questão do respeito, não é? Porque a gente tem obrigação de respeitar as religiões [...], eles respeitam muito os colegas. Pode ter rixa assim, brigas comuns entre eles, mas a gente, não escuta mais um chamar assim, o outro de negro, nem mexer com a cor do colega, né. Eles não fazem mais isso. A gente sempre bate nessa tecla, né (PAE2). A fala da professora revela mudança nas atitudes do(a)s estudantes, devido ao trabalho desenvolvido nas escolas, ressaltando o respeito para com outro. Chama a atenção que a professora destaca que “sempre bate nesta tecla”, revelando que este é um trabalho de caráter contínuo. Os conteúdos do quarto eixo, Cultura Africana, também trabalhados pelo(a)s professore(a)s de História. É perceptível que estes conteúdos buscam romper com o eurocentrismo, mostrando que há produção de conhecimento além dos territórios do norte global. A colonialidade do saber tenta negar esses conhecimentos outros, e por vezes, faz com que o eurocentrismo se aproprie indebitamente deles, como por exemplo, transmitindo a falsa ideia de que o Egito é um território desconectado da África! Por isso, os conhecimentos científicos e filosóficos que contribuem para o pensamento ocidental não seriam africanos, mas de certa forma, ocidentais. A PHE1 reconhece esse fato como podemos ver na seguinte fala: ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1545 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Bom, eu trabalho o Egito como uma civilização africana, porque era uma coisa que não tinha (PHE1). Os conteúdos desse eixo corroboram com a afirmação de Abdelkebir Khatibi (apud MIGNOLO, 2011, p. 135), quando o autor afirma que paralelamente “a las sociedades ‘subdesarrolladas’ existen ‘sociedades silenciadas’”, pois, embora tais sociedades falem e escrevam, não são escutadas pela produção global do conhecimento. Porque você, pelo menos agora, conhece a História. E antes que você nem conhecia? Você só sabia que na África ou tem fome, ou tem guerra tribal, né, ou tem safári. São as quatro opções, né. Agora pelo menos eles sabem um pouquinho. Se não ficar muita coisa, mas eles já estudaram, já tá aí (PHE1). Trazer esses conteúdos para a sala de aula significa romper com a geopolítica do conhecimento. A professora PHE1 mostra em sua fala a importância de conhecer a História da África além dos “clichês” que são passados através dos currículos colonizados. Os conteúdos do quinto eixo, História e Cultura Afro-Brasileira, foram assinalados pelo(a)s professore(a)s de História. E os conteúdos do sexto eixo, História e Cultura Africana, também foram marcados pelo(a)s professore(a)s de História. Porém, nas entrevistas o PPE2 afirma que elaborou uma apostila com a biografia de várias personalidades negras, incluindo as que estão previstas neste eixo de conteúdos. Vejamos: Em português eu trabalho com as personalidades negras, as mais conhecidas, né. Mandela, Martin Luter King... (PPE2). Os conteúdos dos eixos quinto e sexto são considerados conteúdos procedimentais (ZABALA, 2002) e operativos (SOUZA, 2009) porque eles devem ser divulgados, o trabalho não se encerra após conhecer a biografia das personalidades negras, mas na sua divulgação entre a comunidade. O(a)s professore(a)s revelam que antes da Lei nº 10.639/2003 havia um desconhecimento sobre temas relativos à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e hoje está-se rompendo com este silenciamento e subalternização dos assuntos referentes a esta temática. Vários temas têm sido abordados nas aulas como vemos nas falas acima. Vale destacar algumas falas do(a)s professore(a)s sobre os conteúdos Previstos nas DCN: Antes você só sabia da África é... aqueles clichês: a África da fome, da AIDS, ou do... do... dos Safáris, né (PHE1). Eu trabalho basicamente a discriminação, o racismo, o preconceito (PPE1). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1546 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Os valores culturais, a questão do sincretismo religioso agora são trabalhados (PHE2). Como conteúdos Não Previstos nas DCN, apareceu o Black English, introduzido pelo PPE2 nas aulas de Inglês que ministra na escola: Em inglês eu trabalho o Black English. O Black English, que é um pouco diferenciado, né. Que é o inglês da periferia, que se a gente for analisar direitinho tem algumas diferenças, com relação ao vocabulário, pronúncia... (PPE2). O PPE2 mostra que nas aulas de Língua Portuguesa tem pouco espaço para trabalhar as questões referentes à educação das relações étnico-raciais. O professor nesse trabalho procura relacionar as aulas de inglês com as biografias de personalidades negras que levantou para desenvolver seu trabalho sobre a educação das relações étnico-raciais. Percebemos pelas falas do(a)s professore(a)s indícios de uma prática decolonial em construção ao contemplar os conteúdos propostos pelas DCN e ao avançarem em busca de mais referências e tratarem mais conteúdos que favoreçam a promoção da educação antirracista e intercultural. Embora a maioria dos conteúdos previstos tenha sido marcada pelo(a)s professore(a)s de História, o objetivo das DCN em pauta nos remeteria ao Enfoque Globalizador, pois para Gomes (2008, p. 81), “a discussão sobre a questão africana e afro-brasileira só terá sentido e eficácia pedagógica, social e política se for realizada no contexto de uma educação para as relações étnico-raciais” (Grifo da autora). Percebemos em tais DCN uma preocupação em relação às formas de organização, ao estabelecer que “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 1996, Art. 26A, § 2º - Grifo nosso). Tal preocupação em definir áreas disciplinares preferenciais pode estar pautada na experiência dos Temas Transversais, definidos pelos PCN no final dos anos 1990, que deveriam estar em todas as áreas ou disciplinas, mas que na prática continuaram sendo silenciados. Porém, como pudemos perceber nas falas do(a)s professore(a)s, suas práticas curriculares buscam ultrapassar a organização meramente disciplinar no trato dos conteúdos identificados. Os próprios conteúdos, especialmente dos eixos III, IV, V e VI, remetem à interdisciplinaridade ou mesmo à transdisciplinaridade (ZABALA, 2002), uma vez que ensejam a mobilização de conceitos, de procedimentos e de atitudes no trabalho com tais conteúdos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1547 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Considerações As lentes teóricas dos Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos em diálogo com a práxis dos movimentos sociais pela emancipação das populações negras no Brasil nos auxiliaram a produzir uma reflexão crítica das implicações da política de ações afirmativas na política curricular, mais especificamente nas práticas curriculares narradas pelos(as) professores(as) sujeitos(as) desta pesquisa, focando na educação das relações étnico-raciais através do ensino dos conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. No Brasil, a atuação dos Movimentos Sociais Negros foi determinante para a revelação de que o racismo regula(va) as relações sociais existentes nas bases da sociedade. As mobilizações sociais foram decisivas para formalmente o país assumir que é afetado pelo racismo. A promulgação da Lei nº 10.639/03 é resultado advindo de dois séculos de lutas protagonizadas pelos sujeitos que resistiram à colonização e continuam lutando pela decolonialidade, o que nos permite afirmar que o ritmo de promoção de equidade neste campo ainda está lento. Apesar do ritmo lento, consideramos que tal dispositivo materializa enquanto proposta uma cosmovisão outra, direcionada para a de(s)colonização dos currículos escolares que ainda encontram-se referenciados numa epistemologia eurocêntrica, o que em alguns casos revela-se em racismo epistêmico (SILVA; FERREIRA; SILVA, 2013). Percebemos nas políticas e nas práticas curriculares que em alguns momentos a Interculturalidade na sua perspectiva crítica é exaltada ao evidenciar as conquistas em relação à questão étnico-racial, enfrentando a colonialidade, principalmente ao combater o silêncio imposto historicamente aos povos subalternizados e às suas diferenças. Por isso, as políticas e práticas curriculares, em boa medida, carregam elementos que questionam fundamentos do padrão hegemônico de poder. Em outros momentos, no entanto, as políticas e práticas curriculares assumem a perspectiva funcional da Interculturalidade devido aos limites impostos à sua real materialização, tais como: a falta de formação para o(a)s professore(a)s; a ausência de conteúdos nos livros didáticos; ao tempo previsto para o trabalho com esta temática e às referências que subsidiam as práticas curriculares, muitas vezes marcadas pela colonialidade. Os limites destacados apontam para a algumas das razões dos conteúdos silenciados e para a fragmentação da implantação da política para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana pelos sistemas de ensino. Embora ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1548 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino o(a)s professore(a)s sejam os grande protagonistas da implementação da referida política, o fato de selecionarem estes ou aqueles conteúdos não representa necessariamente que o enfrentamento ao racismo e à discriminação estejam garantidos. Pois certas práticas são profundamente marcadas pela herança colonial. Assim, concluímos que as políticas e práticas curriculares são interculturais tanto na perspectiva funcional como crítica simultaneamente. Caminham na fronteira se contaminando ora pela decolonialidade, apontando para um caminho outro devido aos avanços já alcançados, aos limites já superados; ora se contaminando pela colonialidade, devido às reações que perpetram cada vez que a voz de um silenciado se faz ouvir, cada vez que um saber subalternizado exerce sua condição epistêmica e alcança espaço nos currículos já não tão monoculturais assim. Referências BACKES, J. L.; PAVAN, R. A desconstrução das representações coloniais sobre a diferença cultural e a construção de representações interculturais: Um desafio para a formação de educadores. Currículo sem Fronteiras, Rio Grande do Sul, v.11, n.2, pp.108-119, Jul/Dez 2011. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. BATISTA NETO, J.; SANTIAGO, E. (Org.). Prática Pedagógica e Formação de Professores: João Francisco de Souza. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2009. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96 – 24 de dez. 1996. 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Funcional PHE1 Branca Meio Urbano Efetiva PPE1 Parda Meio Rural Contratada PHE2 Pardo Meio Urbano Efetivo PPE2 PAE2 Preto Branca Meio Urbano Meio Urbano Efetivo Contratada Curso História Pedagogia História Letras Pedagogia/Matemática Tempo de Atuação como Docente No meio No campo da Total rural pesquisa Menos de 1 Vespertino/Noturno 7 anos Menos de 1 ano ano Matutino/Vespertino 12 anos 12 anos 12 anos Menos de 1 Vespertino 4 anos Menos de 1 ano ano Vespertino 6 anos 6 anos 6 anos Matutino/Vespertino 37 anos 12 anos 7 anos Turno de atuação Escolaridade Instituição UFSE UPE UFRPE FAFICA FAFICA/FABEJA ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS Ano de Conclusão 2006 2008 2008 2006 1998/2006 1333 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino ANEXO III Quadro 03 - CONTEÚDOS PRESENTES NAS PRÁTICAS CURRICULARES DO(A)S PROFESSORE(A)S EIXOS CONTEÚDOS A história dos quilombos, a começar pelo de Palmares. PAE1 SUJEITOS PPE1 PHE1 PPE2 X X PHE2 X Datas significativas para a região. HISTÓRIA AFROBRASILEIRA 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. X X X X A história da ancestralidade e religiosidade africana. X X X Os núbios e os egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade. X 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. O papel dos anciãos e dos griots como guardiões da memória histórica. As civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe. HISTÓRIA DA ÁFRICA X X X O tráfico e a escravidão do ponto de vista dos escravizados. X X X O papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no tráfico. X X X A ocupação colonial na perspectiva dos africanos. X X X X X As relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora. X X A formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África. X X As lutas pela independência política dos países africanos. As ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana para tanto. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1334 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa, Ásia. CULTURA AFROBRASILEIRA X Os acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e outros países da diáspora. X O jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras. X As contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais. CULTURA AFRICANA X X X X As universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene que floresciam no século XVI. As tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) política, na atualidade. X X X HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA Divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da História do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (tais como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros). X X HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA Divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da História mundial, na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: rainha Nzinga, ToussaintL’Ouverture, Martin Luther King, Malcom X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré, Christiane Taubira). X ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS X X X 1335 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A PRESENÇA NEGRA NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DOS ANOS INICIAIS E O CURRÍCULO Mônica Teodosio da Silva - UEPB Jéssica de Sousa Barbosa - UEPB RESUMO O presente trabalho resulta de uma pesquisa em andamento de Iniciação CientíficaPIBIC/CNPQ, a qual estuda a presença negra no livro didático de história dos anos iniciais do Ensino Fundamental em duas escolas da rede Municipal de Campina Grande. Os objetivos são analisar e compreender de que forma é notabilizada a presença negra nesses livros e como o currículo e as práticas docentes cotidianas têm contribuído ou não para a emancipação do povo negro. Utilizamos como procedimentos metodológicos estudos bibliográficos documentais, relacionados à temática Afrobrasileira, e pesquisa de campo etnográfica em duas escolas, com a finalidade de coletar os livros didáticos, observar a prática docente e entrevistar os/as professores/as. Os resultados preliminares nos levaram a constatar que embora alguns livros didáticos tenham apresentado mudanças significativas em relação a esses aspectos, ainda há muitos equívocos e lacunas sobre a História Afrobrasileira. Contudo, alguns materiais analisados já representam um avanço na desconstrução de estereótipos do negro. Palavras-chave: Livro didático; Currículo; Presença Negra. O presente trabalho resulta de uma pesquisa em andamento de Iniciação CientíficaPIBIC/CNPQ, “A presença negra no livro didático de história dos anos iniciais no Ensino Fundamental e a prática docente”, a qual estuda a imagem negra no livro didático e como os/as docentes tratam à temática afrobrasileira em duas escolas da rede Municipal de Campina Grande, no Estado da Paraíba. Nossos objetivos são analisar e compreender de que forma está inserida a presença negra nos livros didáticos de História e como o currículo e as práticas docentes cotidianas têm contribuído ou não para a emancipação desses povos. Os objetivos específicos são: verificar quais os conteúdos referentes à temática afrobrasileira é presentes nos livros didáticos de história dos anos do Ensino Fundamental utilizados nas escolas da rede Municipal de Campina Grande; identificar como estes conteúdos são tratados nos livros didáticos e apresentados aos alunos pelo/a professor/a; descobrir se os livros usados ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1332 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino e os/as professores/as das escolas escolhidas estão coerentes com as diretrizes oficiais sobre a temática afrobrasileira; avaliar como a imagem do negro e da negra é representada nos livros didáticos e discutida em sala de aula pelo/a professor/a; relacionar como o conteúdo sobre a questão negra provoca professor/a e aluno/a no cotidiano da sala de aula a discutir ou não sobre o racismo. Para a melhor compreensão da temática Afrobrasileira no currículo escolar, se faz necessário uma discussão sobre o que é currículo, porém entendemos que o seu significado não é de fácil compreensão, visto que o mesmo possui várias definições e abordagens. Conforme: Lopes e Macedo (p.19, 2011): Desde o início do século passado ou mesmo desde um século antes, os estudos curriculares têm definido currículo de formas muito diversas e várias dessas definições permeiam o que tem sido denominado currículo do cotidiano das escolas. Nota-se dessa maneira que o currículo está intrinsecamente permeado em todo espaço escolar de forma sutil que vai desde as relações interpessoais, aos gestos, comportamentos, disciplinas, metodologias, indumentária, entre outros. Sendo assim, não podemos entender o currículo como um instrumento neutro mediante a sociedade, pois o mesmo implica relações de poder e de hegemonia. Desse modo, o contexto educacional atual que tem como princípio a inclusão, exige uma reorganização curricular não mais centrada na homogeneização e sim na perspectiva da diversidade. Tendo em vista esse novo contexto educacional a escola é convocada a repensar suas práticas cotidianas na tentativa de dialogar com as diversas realidades presentes no ambiente escolar, pois só a partir desse diálogo que a escola poderá tornar-se um ambiente agradável, produtivo e democrático, onde as relações estão alicerçadas no respeito às diferenças do outro. “A elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a determinações de uma sociedade estratificada em classes” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 29). Sendo assim, a escola passa a legitimar determinados conhecimentos privilegiando determinadas classes sociais, ou até mesmo prioriza determinadas disciplinas consideradas como relevantes, enquanto outras ficam à margem, tendo sua carga horária reduzida e em alguns momentos são deixadas em segundo plano, como por exemplo, quando colocam a disciplina de Português e Matemática diariamente, em detrimento de outras, como história, geografia e ciências. Será que tais disciplinas são vistas como menos importantes no processo de aprendizagem da criança? ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1333 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Dessa maneira, é notório o poder que o currículo exerce sobre o cotidiano escolar a fim de homogeneizar o conhecimento, porém, fazendo isso, acaba por reafirmar desigualdades, pois o mesmo ignora a realidade das diferentes classes sociais, regiões, etnias, culturas, religiões, gêneros, etc., criando entraves entre o educando das classes menos favorecidas e o conhecimento, pois ele não se sente pertencente a esta estrutura curricular. Mediante esta situação, é perceptível que o sistema educacional, por meio do currículo, transforma a escola em um mecanismo de reprodução de desigualdades sociais. “O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante” (SILVA, 2011, p.35). Neste sentindo, é importante pensarmos, por que certos conhecimentos são presentes nos currículos e não outros? Por que certas culturas são consideradas melhores que outras? Trazendo para nossa realidade, podemos observar, por que a cultura européia é considerada por muitas escolas, como sendo melhor do que a africana, asiática ou indígena? Conforme Moreira (1997, p. 36), “a cultura de diversos grupos sociais fica marginalizada do processo de escolarização e, mais do que isso, é vista como algo a ser eliminado pela escola, devendo ser substituída pela cultura hegemônica, que está presente em todas as esferas do sistema de ensino”. Será que isto acontece devido às relações de classes existentes em nossa sociedade? Ou será uma estratégia da classe dominante, para sua permanência no poder? O professor qualificado irá, não somente perceber as manobras do currículo, mas também poderá usar de estratégias para driblar as barreiras impostas por ele, na busca de promover a aprendizagem e o senso crítico de seus alunos, não permitindo que o currículo priorize apenas uma cultura, mas oferecer a oportunidade ao aluno de conhecer e reconhecer as diversas culturas, de modo que possibilite a desconstrução dessa visão homogeneizadora e eurocêntrica que se tinha do conhecimento. Assim, o currículo pode servir como mecanismo de reprodução de poder e hegemonia como: Aponta Althusser para o duplo caráter de atuação da escola na manutenção da estrutura social: diretamente atua como elemento auxiliar do modo de produção como formadora de mão de obra, indiretamente contribui para difundir diferenciadamente a ideologia, que funciona como mecanismo de cooptação das diferentes classes (LOPES E MACEDO, 2011, p. 27). Sendo assim, para Althusser (apud LOPES e MACEDO, 2011) a escola pode ser um mecanismo pelo qual a classe dominante transmite suas ideias para a sociedade como ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1334 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino verdades absolutas, a escola tem esse duplo caráter, pois tanto pode ajudar as pessoas a encarar de maneira crítica a sociedade, como torná-las alienadas aos problemas sociais que são presentes em nosso cotidiano. Segundo Lopes e Macedo (2011) os diversos conceitos de currículo tratam sobre o que ensinar da cultura universal, as relações de poder presentes nas escolhas dos conteúdos, a percepção de que os conhecimentos não são externos aos estudantes, pois interagem com estes e que o currículo deve dar conta do que ocorre na escola e transmitir conhecimentos. Assim, o currículo “é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos” (LOPES e MACEDO, 2011, p.41). Hoje a educação é desafiada a viver um processo de inclusão social e de uma nova concepção crítica a respeito das relações sociais. Neste trabalho nos voltamos para a imagem do negro, a qual sofreu uma negação por muito tempo. Fez-se necessário a criação de uma Lei que assegurasse o direito da pessoa negra, como sujeito participante social. A lei 10.630/2003, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Africana e AfroBrasileira’, e dá outras providências (BRASIL, 2004, p.35). Ela é uma conquista do movimento negro que provoca transformações para a educação, mudanças essas que dão prioridade ao conceito Afrobrasileiro e Africano. Esta política pública contribui para o processo de formação de identidade e autoestima, tanto dos negros quanto dos não negros, uma vez que ela, não diz respeito apenas à população negra, mas a todos os brasileiros. O desafio a partir de então é fazer com que o currículo considere a presença negra na formação da sociedade brasileira, contando a história a partir da visão do povo negro, suas lutas, resistências e conquistas. Na nossa pesquisa, utilizamos como procedimentos metodológicos o estudo bibliográfico e documental relacionado à temática em estudo, e a pesquisa de campo, com visitas a duas escolas com a finalidade de coletar os livros de História e observar a prática docente. Buscou-se fazer uma correlação com a teoria estudada e a realidade vigente nas escolas visitadas. Como suportes teóricos foram utilizados os seguintes autores: D’ ADESKY (2009), SILVA (2010), SILVA (2011), MUNANGA (2008) FREIRE (2011), dentre outros. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1335 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino No primeiro momento da pesquisa, notou-se que algumas lacunas ainda permanecem entre a Lei e a realidade. Alguns dos professores, em conversas informais, alegaram ter ouvido falar da Lei, mas não sabiam ao certo do que a mesma tratava. Outra questão detectada foi a falta de formação docente em relação à temática, visto que muitos professores afirmaram não trabalhar por falta de conhecimento. Será que não existe a formação continuada para estes professores? A Lei é de 2003, por que os professores continuam sem conhecimento sobre ela? Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são de 1997, eles já chamavam a atenção dos docentes para temática da Pluralidade Cultural, mesmo assim, pouco se discute sobre a cultura afrobrasileira. Os resultados demonstraram que alguns livros didáticos já apresentam uma imagem melhor do negro, embora outros persistam em mantê-lo em condições inferiores e mesmo aqueles livros didáticos que já retratam a imagem do negro de forma positiva, ainda é possível encontrar alguns equívocos. Percebe-se que há uma resistência em trabalhar com a temática. Será que a formação profissional contribui para que tal resistência possa acontecer? Sabe-se que algumas escolas apresentam poucos recursos pedagógicos, no entanto, outras possuem todo o aparato pedagógico e material, mesmo assim, os livros ficam engavetados ou empilhados, sem uso algum. O que faz com que esta situação aconteça? Por que certos professores não fazem uso dos materiais, se os possuem? Assim, a pesquisa mesmo ainda em andamento, já nos trouxe uma base de como se encontra a situação da imagem dos negros nos livros didáticos de história dos anos iniciais do Ensino Fundamental e a próxima etapa da pesquisa se dará na observação de como acontece à mediação de conhecimentos da cultura afrobrasileira através dos professores. Na pesquisa, foram utilizados sete livros da rede Municipal de Campina Grande para análise, iremos nos deter apenas a dois livros, sendo um com ênfase ao acompanhamento da lei e das mudanças, por ela exigida e o outro como condutor de informações errôneas e equivocadas a respeito da representação negra. O primeiro livro da autora Rosane Cristina Thahira é do Projeto Buriti, 2º ano, segunda edição do ano de 2011, este já passou por mudanças significativas no que diz respeito à representação das imagens do negro e sua história. O mesmo retrata o negro na maioria de suas imagens e nota-se que também há uma preocupação a respeito das ilustrações, pois em outros livros já analisados percebeu-se que o negro era, na maioria das vezes, ilustrado de ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1336 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino maneira caricatural, sempre com os seus traços muito acentuados. O livro do Projeto Buriti segue uma sequência lógica dos conteúdos com os termos acessíveis às crianças. O segundo livro analisado foi dos autores Fernando Cunha e Soleni Biscouto Fressato, O Criar e Aprender: um projeto pedagógico, do ano de 2007. No mesmo, observou-se um número significativo de imagens representando o negro de forma negativa. Notaram-se vários equívocos quanto à representação e posição social dos negros na sociedade. Neste os negros foram sempre minoria diante do grupo e em nenhum momento os mesmos foram evidenciados positivamente. Em relação aos conteúdos observou-se que os mesmos não seguem uma sequência lógica, os termos apresentados fogem da faixa etária a qual as crianças se encontram, ocorre uma fragmentação dos conteúdos, ou seja, aborda-se superficialmente a questão e antes de concluir, se avança para outra temática. Assim, dificulta a compreensão da história de forma integral deixando lacunas na aprendizagem dos alunos. Mediante esta constatação, percebemos que se faz primordial a formação dos profissionais da educação para lidar com o livro didático em sua prática educativa. Segundo Figueiredo (2008, p. 144) (...) a formação dos professores só poderá acontecer inscrita no espaço coletivo, que possibilitará uma mudança de cultura na escola, criando mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, em que a reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico seja um dos seus componentes. Assim, nota-se que o espaço escolar é rico nas manifestações culturais dos educandos. Essa diferença, muitas vezes se torna motivo de conflitos entre os alunos, gerando certa violência que muitas vezes é resultado de uma violência anterior, gerada pelo preconceito sofrido pelos negros. Por que algumas escolas ignoram tais questões com relação ao não reconhecimento e pertença a cultura africana e afrobrasileira? Devido a que, há certa resistência de alguns professores em admitir a existência de preconceito, discriminação e racismo nos espaços escolares, como também, fora deles? Em conversas informais, alguns educadores admitiram a existência de conflitos entre os alunos com relação ao racismo, ao preconceito e a dificuldade de lidar com tais conflitos, admitindo seu próprio despreparo para desconstruir esta concepção de que o lugar do negro na sociedade é a subserviência. Conforme Chiavenato (1999, p. 73): Para justificar política e moralmente, o escravismo gerou uma ideologia fundamentada na redução do negro à condição de “ser inferior”. Essa ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1337 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino postura conferia às classes dominantes o “direito ético” de usar o negro sem considerar sua condição humana. Ele era a besta de trabalho: sua humanidade não foi pensada ou questionada. Tudo isso, talvez explique o descaso cultural com relação à questão do preconceito e racismo, sofridos por tais pessoas, bem como, a repulsa de muitos não admitindo sua própria identidade, pois nenhum ser humano quer ser identificado com algo desprezado, excluído e diminuído na sociedade. Nesse sentido, percebe-se o grande papel que se espera da escola e dos seus educadores/as, a desconstrução da concepção desastrosa que por séculos se perpetuou nos segmentos da sociedade, legitimando o racismo e o preconceito contra o povo negro. A identidade e alteridade são construções históricas e, enquanto oportunizadas no contexto da escola, precisam ser esmiuçadas. Até que ponto as diferenças são vistas como fator positivo no cotidiano da sala de aula? Afinal de contas, a aprovação pode ser traduzida por uma questão muito forte: todas as pessoas são realmente bem vindas à escola? (SANTOS, 2008, p. 147). A preocupação de Santos é pertinente quanto à escola estar aberta as diferenças, muitos/as professores/as não acreditam que a educação possa incluir e transformar o indivíduo, deixando-os de certa forma, a mercê da própria sorte, enfatizando ainda mais a exclusão no âmbito educacional. Será que a educação não pode contribuir com a mudança da realidade da criança? Ou será que o ensino não se adéqua a realidade dos mesmos? Machado nos faz refletir que: A educação não é a busca pela verdade, mas a oportunidade de os sujeitos se emanciparem intelectualmente quando há espaço para a dúvida e a construção do conhecimento. Dessa forma, garantir o acesso ao conhecimento não é garantir a igualdade diante de um conhecimento que não desafia, que não coloca a dúvida como mola propulsora para se conhecer. Não é o conhecimento que emancipa, mas a forma como lidamos e como construímos conhecimento (MACHADO, 2008, p. 71). Sendo assim, um professor jamais pode diminuir ou desacreditar de um aluno pelo fato do mesmo apresentar dificuldade de aprendizagem, por sua religião, pela classe social a qual é pertencente, nem tampouco pela cor de sua pele. Muito menos permitir que os alunos discriminem os colegas dentro da escola. Para tanto, o professor necessita de conhecimentos e estratégias pedagógicas e de forma sutil, vá desconstruindo concepções excludentes existentes no cerne dos indivíduos. Tanto o professor tem que estar aberto para trabalhar na ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1338 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino perspectiva da diversidade consigo mesmo, quanto com seus alunos, mesmo que seja um trabalho árduo, mas que é possível e necessário. Em relação ao livro didático de história dos anos iniciais do Ensino Fundamental é pertinente que os docentes reflitam sobre seus conteúdos, se estão de acordo com a faixa etária das crianças, se favorecem o entendimento de conceitos básicos sobre a história, o tempo e os sujeitos que fazem essa história, não se concebe mais uma história dos heróis brancos e cristãos. É necessário contar a história dos vencidos, negros, indígenas, mulheres e os movimentos sociais que transformaram a realidade brasileira. Nas palavras de Moreira (1997, p. 33), “(...) práticas democráticas exigiriam o reconhecimento e a valorização da diferença como condição básica para a prática política de todos os níveis”, pois é por meio do diálogo baseado pelo princípio do respeito que essas questões precisam ser trabalhadas no ambiente escolar. Mais uma vez nota-se a importância da formação crítica que instigue o olhar do educador para perceber a forma sutil em que o racismo e a descriminação acontecem no currículo, as quais surgem no currículo, desde os livros didáticos de histórias e às relações entre os educandos e professores. A postura de todos que fazem a escola e compõem seu espaço, precisa ser considerada como fonte de conhecimentos significativos, os quais são responsáveis para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. Pois não basta ter a Lei 10.639/2003, que assegura o direito das escolas de inserir em seu currículo o ensino da cultural africana e afrobrasileira, mas faz-se necessário oferecer condições à prática pedagógica para que se torne realidade o que está posto no papel, ou seja, aconteça a inclusão social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de tudo, faz-se necessário enfatizar que a pesquisa ainda se encontra em andamento. O que notamos primeiramente, foi que seus resultados preliminares nos levaram a constatar que embora alguns livros tenham apresentado mudanças significativas em relação à imagem do negro, percebe-se que ainda há muitos equívocos nos mesmo. A última fase da pesquisa se dará na observação da atuação docente, mediante o ensino da cultura Afrobrasileira e Africana em suas aulas de História. Assim, a priori, observamos como a Lei 10.639/2003 está sendo aplicada nos livros didáticos, e posteriormente, iremos analisar a atuação dos professores nesta mesma perspectiva. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1339 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Vale apena salientarmos a importância da capacitação do professor dentro de uma sala de aula, ao ponto de conseguir transformar o que está escamoteando a realidade, encontrada na maioria dos livros didáticos, com relação à cultura africana e afrobrasileira, trazendo-a para uma reflexão mais profunda, valorizando e respeitando a mesma, tendo como princípio o respeito à diversidade. É uma nova perspectiva de educação e currículo. O que a história sempre contou foi o ponto de vista dos colonizadores. Hoje, faz-se necessário que a voz parta do ponto de vista dos colonizados. Essa, talvez, seja uma das maneiras que contribuirá para o reconhecimento dos outros para com os negros, e dos negros para com eles mesmos. O conhecimento sobre a história e cultura africana e afrobrasileira gera um sentimento de orgulho do ser negro, isto é, assumir a identidade e o pertencimento a esta cultura, desconstruindo concepções estereotipadas sobre o povo negro, ou eurocêntricas e homogeneizadoras da cultura hegemônica. Partimos do livro didático, por ele ser um dos principais instrumentos utilizados pelos/as professores/as em sala de aula, e para observar melhor sua prática de mediação dos conhecimentos, mesmo que os livros tragam informações errôneas a respeito de qualquer que seja a temática, um profissional bem capacitado, saberá utilizar os erros como caminhos para ampliação do conhecimento e a criticidade. REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racial e para o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004. CUNHA, Fernando; FRESSATO, Soleni Biscouto. Criar e aprender: um projeto pedagógico. História, 2 ° ano. São Paulo, 2007. CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Moderna, 1999. (Coleção polêmica) FIGUEIREDO, Rita Vieira de. A formação de professores para a inclusão dos alunos no espaço pedagógico da diversidade. In: MONTOAN, Maria Tereza Eglér (Org.).O desafio das diferenças das escolas.Petrópolis; Rio de Janeiro: Vozes, 2008. P. 142 – 145. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1340 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011. MACHADO, Rosângela. Educação Inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar. In: MONTOAN. Mª T. Eglér (Org.).Odesafio das diferenças na escola. Petrópolis: Vozes, 2008. P. 69 – 75. MOREIRA, Antônio Flávio. 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ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1341 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: INTEGRANDO A LEI FEDERAL 10.639/2003 AO CURRÍCULO ESCOLAR Nadirjane Medeiros Carneiro Nascimento [email protected] RESUMO Este artigo mostra resultados do projeto escolar intitulado de HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003, desenvolvido durante o ano de 2012, junto aos alunos do 4º ano do ensino Fundamental I da Escola Estadual Irmã Severina Cavalcante Souto, situada no bairro do Varadouro, João Pessoa/PB, onde foram desenvolvidas variadas atividades pensadas com o intuito de enaltecer a história e cultura da África, contribuindo dessa forma para a diminuição do racismo inegavelmente existente no âmbito educacional brasileiro. A Compreensão de que introduzir a Lei Federal 10.639/2003 no currículo escolar é dever de todo educador consciente do cumprimento de seu dever é que motivou o desenvolvimento de tal projeto, de maneira a trazer uma ampla discussão sobre a cultura, hábitos e costumes africanos hoje tão arraigados no nosso dia a dia e passados muitas vezes, despercebidos e até ofuscados pelo racismo que marcou tão negativamente a história da humanidade. PALAVRAS-CHAVE: educação, antirracista, currículo. SUMMARY This article shows when they resulted from the school entitled project of HEIRS OF the DEED: When are surviving the law 10.639/2003, developed during the year of 2012, near the pupils of the 4th year of the Basic teaching I of the State School Sister Severina Cavalcante Souto, situated in the district of the Graving-dock, João Pessoa/PB, where varied thought activities were developed with the intention of elevating the history and culture of Africa, contributing in this form to the reduction of the racism undeniably existent in the education Brazilian extent. The Understanding of which to introduce the Federal Law 10.639/2003 in the school curriculum is a duty of every conscious educator of the fulfillment of his duty is that it caused the development of such a project, of way to bring a spacious discussion on the culture, habits and African customs today so rooted in ours day by day and passed very often, played no attention and up to obscured by the racism that marked so negatively the history of the humanity. KEY WORDS: education, antiracist, curriculum. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1342 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino 1 INTRODUÇÃO Desenvolver um currículo escolar que respeita as diversidades, aplicando a Lei Federal 10.639/2003 é de fundamental importância no combate ao racismo no cotidiano escolar e na valorização da cultura e da contribuição dos africanos para a formação da nação brasileira. Tendo a possibilidade de contribuir para uma diminuição do preconceito racial dentro do sistema educacional através de projeto escolar, não titubeei em aplicá-lo e com essa atitude obtive grande êxito nas aulas. Vejamos o que diz Silva, sobre a contribuição que o professor pode dar em sala de aula, para diminuição do preconceito de cor; Para nós professores, uma ferramenta extremamente poderosa para o combate ao preconceito de cor que se apresenta no Brasil como racial é o trabalho em sala de aula com essa ampla discussão em torno do conceito de raça, pois ela nos leva a perceber o absurdo da inferiorização de seres humanos com base na questão biológica, uma vez que somos todos fisiologicamente iguais. (SILVA, 2013, p. 349). O Projeto escolar “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, fez parte durante o ano de 2012, dos conteúdos aplicados e desenvolvidos por mim em sala de aula, no 4º ano B da Escola Irmã Severina Cavalcante Souto, na condição de educadora, onde juntamente com os 25 alunos envolvidos, foi possível aplicá-lo com bastante desenvoltura e interesse por parte dos mesmos, que vieram a obter melhorias no que diz respeito ao desempenho escolar, em termos de participação, valorização e comprometimento com os estudos, além de melhorar significantemente o respeito às diferenças raciais e étnicas. Em um país conhecido por atitudes racistas como foi durante o período da escravidão, onde milhares de negros foram trazidos da África para exercerem o trabalho escravo, onde até os dias atuais podemos presenciar tais atitudes por parte de adultos e o que é pior, por parte de crianças em idade escolar também. Pôr em prática a Lei Federal 10.639/2003 torna-se algo que deveria ser natural no cotidiano escolar, ao contrário do que pude perceber em minhas pesquisas dentro do grupo Afroeducação (UFPB), grupo este que faço parte desde o ano de 2010, pesquisando as culturas africanas e indígenas, coordenado pelos professores Dra. Ana Paula Romão de Souza Ferreira, Dr. Wilson Honorato Aragão e colaboração da prof.ª Ms. Norma Maria de Lima, realizamos pesquisas bibliográficas, participação na aplicação de questionário com os professores, assim como, intervenções, além da minha vivência como educadora que sou. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1343 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino É perceptível o distanciamento de alguns professores dentro da aplicação da Lei 10.639/2003. Muitos sequer têm conhecimento da existência dessa Lei e de sua obrigatoriedade dentro do âmbito educacional, tornando a responsabilidade de divulgá-la ainda maior, além da necessidade de complementá-la com investimento por parte das autoridades em formação continuada para os professores, direcionada à importância do negro para a nossa nação. No cotidiano escolar é comum, se presenciar alunos com atitudes e comparações racistas com relação aos outros colegas de escola. Nesse momento o projeto escolar “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, atuou como um forte aliado no combate ao preconceito, pois, ele veio mostrar aos alunos algo além do que eles vinham conhecendo sobre a trajetória do povo negro na história do Brasil, sem contrariar a veracidade dos fatos, mas, apenas ressaltando, a riqueza cultural que foi por nós herdada, dos nossos irmãos africanos e que é muitas vezes omitida durante as aulas, restando à história dos negros, apenas a desumana escravidão e o sofrimento por eles vividos, fatos esses, que não devem passar despercebidos, porém não devem ser únicos na explicação das aulas que relatam a ligação da África com a história do Brasil. Durante a execução dos conteúdos, tive sempre a preocupação de não diminuir a raça negra, mas sim, ressaltar e mostrar suas riquezas e contribuições para a formação da nossa nação brasileira. Não tachando os negros de escravos, coitados, sem cultura, mas sim, estampando através de atividades diversas a África e sua beleza. Fazer o cumprimento da Lei 10.639/2003 em sala de aula é por muitas vezes, considerado um empecilho para professores que se acostumaram a passar apenas conhecimentos superficiais a respeito da formação do Brasil, pensando nesse aspecto resolvi criar o Projeto: “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, contribuindo assim, para a aplicação de tão importante Lei e de seu cumprimento. Para garantir o direito de termos nossa memória étnico-cultural e histórica preservadas é que foi criada a lei 10.639/2003, que nos diz; "Art. 26-A. Que nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. Na citação abaixo a revista Nova Escola de abril de 2002, deixa bastante claro, a importância de abordar temas e criar ações que valorizem as diferenças, para com isso, o educador ajudar seus alunos a aprender a serem cidadãos que respeitam as diferentes etnias e culturas existentes desde que o mundo é mundo. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1344 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Ações que valorizem as diferentes etnias e culturas devem, sim, fazer parte do dia-a-dia de todos os colégios. Mas isso não é tudo. É preciso que os alunos aprendam a repudiar todo e qualquer tipo de discriminação, seja ela baseada em diferenças de cultura, raça, classe social, nacionalidade, idade ou preferência sexual, entre outras tantas. "A Pluralidade Cultural é uma área do conhecimento", lembra Conceição Aparecida de Jesus, uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 5ª a 8ª série, que têm um capítulo inteiro dedicado ao tema. Pedagoga e consultora, ela ensina a incluir o tema no planejamento. "Cultive o hábito de ouvir as pessoas e desenvolva projetos pedagógicos com propostas que tenham por base questões presentes no cotidiano das relações sociais." Quem adota essa prática com estudantes que sofrem com o preconceito garante: a agitação da turma diminui, todos se aproximam do professor e os mecanismos de ensino e aprendizagem são facilitados. (PELEGRINE, 2002 ,p.30). Saber trazer para dentro da sala de aula, informações sobre as diferentes culturas e principalmente a cultura que fez e faz parte da história de seu país é importante e é lei, logo deve ser cumprida, sem atropelos e sem discriminação, principalmente por parte do professor, para que não passe concepções errôneas para seus alunos. Silva (1998, p.34) diz que a escola é articuladora de mudanças. Ele vem nos afirmar que: (...) é urgente o resgate da autoestima das pessoas negras. A educação tem um papel fundamental nessa tarefa de reconstrução da autoimagem da mulher e do homem negros. Nossas crianças precisam conhecer sua história e é tarefa da escola ensinar a história do povo negro. É imprescindível superar as mentiras das histórias oficiais, que mais atrapalham do que ajudam. É imperativo que esta história seja ensinada por pessoas que, verdadeiramente, conheçam a história do povo negro. É preciso que o estudo sobre a História da África integre os currículos das escolas do 1º. ao 3º. graus. Foi buscando o resgate de uma autoestima, que vem baixa desde a época da colonização brasileira, que vim dar minha parcela de contribuição ao aplicar a Lei Federal 10.639/2003, dentro de um projeto escolar com os alunos com meus alunos, que passaram a conhecer melhor suas raízes, suas origens, seu povo e valorizar a cor negra, herdada dos africanos, contribuição essa que deve ser continuada diariamente, em cada situação e conteúdo que a mesma possa ser introduzida, para que futuramente tenhamos diminuído a discriminação, ainda marcante apesar de hoje ser mais camuflada no Brasil. DESENVOLVIMENTO Enfatizar na escola o estudo da história da nossa afro-descendência é de suma importância no combate ao racismo e à violência por ele gerada. Poder contar com a ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1345 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino contribuição escolar para a formação de futuros cidadãos bem mais tolerantes e respeitosos com seu próximo e que valoriza e preserva sua história, é de uma importância impar para o futuro de toda a humanidade. Vejamos a baixo o que diz Joelson Alves Onofre, a respeito do currículo escolar, O currículo, pensado em toda a sua dinâmica, não se limita aos conhecimentos relacionados às vivências do educando, mas introduz sempre conhecimentos novos que, de certa forma, contribuem para a formação humana dos sujeitos. Nessa perspectiva, um currículo para a formação humana é aquele orientado para a inclusão de todos no acesso aos bens culturais e ao conhecimento. Assim, teremos um currículo a serviço da diversidade. Como a diversidade é característica da espécie humana nos saberes, modos de vida, culturas, personalidades, meios de perceber o mundo, o currículo precisa priorizar essa universalidade. A instituição escolar não pode isentar-se do seu compromisso enquanto propiciadora de formas acolhedoras da diversidade. Com o avanço de novos estudos culturais e sobre a diversidade, a escola precisa apoderar-se dessas discussões e levá-las para seu interior, debatendo, com os gestores, educadores, educandos, corpo técnico e administrativo, questões tão atuais que, às vezes, nos pegam desprevenidos. Ou seja, esses assuntos precisam estar na pauta de discussão de toda unidade escolar. Não dá mais para fingir que determinados conteúdos extracurriculares não precisam ser contemplados também no chamado “currículo tradicional”. Os saberes escolares transmitidos aos educandos em processo de escolarização nada mais são que uma ideologia pautada num currículo conservador e estagnado. Esse processo meramente instrucional, que perdura até os dias atuais, impossibilita que outros saberes sejam acrescidos ao currículo. (ONOFRE, 2008, p.104). Daí, percebemos a extrema importância e responsabilidade da escola, para a abordagem e introdução de temas que desmitifiquem a dificuldade encontrada por alguns educadores em aplicar a Lei 10.639/2003 em suas aulas. O currículo deve ser flexível para introduzir novos saberes àqueles já existentes em cada indivíduo. Logo entendemos que o estudo da trajetória dos povos africanos no Brasil, parte de uma temática que exige uma universalização que envolve tanto a história, quanto a cultura dos colonizadores europeus assim como, dos povos vindos da África e de toda a diversidade que os envolve e os diferencia entre si e nos mostra a imensa variedade que existe entre esses povos, fazendo com que através de um aprofundamento e reconhecimento da importância dos Africanos para o Brasil e da imensidade cultural das diferentes etnias africanas aumente o respeito aos negros e diminua o preconceito, ainda tão presente nos dias atuais, apesar de menos evidente ou disfarçado. No aspecto referente à diversidade presente entre os diversos povos e etnias africanas, tão pouco exploradas historicamente, Silva Jr. Diz, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1346 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A dizimação da população jovem da África, durante os primeiros anos da captura e escravização inclui diferentes culturas e etnias que foram formando um amálgama de população negra, sem considerar diferenças inerentes a cada grupo. Instituir uma história da África como um continente único e com uma população com os mesmos traços culturais derivaria em considerar todos os africanos como idênticos, ou seja, sem traçar os limites de suas tradições e contradições. (SILVA Jr, 2002, p. 39). E é olhando por esse ponto que podemos enxergar o quanto nos foi negada a história dos africanos e suas diferentes culturas. Cada uma com sua particularidade e sua própria história que foram se transformando em uma única história: A da população negra! Enquanto essa amálgama permanecer, a história se perde cada vez mais e fica no esquecimento, mas, se a educação e seus professores contribuírem com o repasse correto das culturas oriundas da África e dos seus diversos povos, serão um grande passo ou talvez o primeiro passo, de muitos que virão. Barros enfatiza: Somente um trabalho pedagógico que compreenda a determinação histórica dos que atuam e vivem na escola; que questione a educação e seus compromissos com a dominação, submissão e disciplinarização em nossas sociedades contemporâneas; que critique o saber produzido e veiculado na escola, discutindo as condições de vida dos indivíduos, pode auxiliar na construção de outra escola e de outras práticas sócio pedagógicas. (BARROS, 1997, p. 226). “Qualquer proposta de mudança em benefício dos excluídos jamais receberia um apoio unânime, sobretudo quando se trata de uma sociedade racista”. (MUNANGA, 2001, p.32). O Brasil é constituído por uma sociedade ainda racista. Empresários fortalecidos com o capitalismo e que enriquecem cada vez mais com o trabalho mal remunerado ou até sem remuneração, principalmente dos negros e população oriunda do campo, que raramente conseguem alcançar lugar de destaque ou cargos elevados nas empresas e na sociedade. Num país onde os preconceitos e a discriminação racial não foram zerados, ou seja, onde os alunos brancos pobres e negros pobres ainda não são iguais, pois uns são discriminados uma vez pela condição socioeconômica e os outros são discriminados duas vezes pela condição racial e pela condição socioeconômica, as políticas ditas universais defendidas, sobretudo pelos intelectuais de esquerda e pelo atual ministro da Educação não trariam as mudanças substanciais esperadas para a população negra. (MUNANGA, 2001, p.33, 34). Baseada em tais concepções é que foi aprovada a lei federal 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da cultura africana no Brasil, apesar de ainda faltar políticas de fiscalização do cumprimento da lei; ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1347 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil. (BRASIL, Lei 10.639, 2003). Essa lei específica trás para dentro da sala de aula a real contribuição dos povos africanos no crescimento socioeconômico brasileiro e suas tradições e cultura que estão presentes até os dias atuais e que marcam de maneira tão positiva a história do povo brasileiro. O professor deve está sempre aberto aos novos conhecimentos e compartilhá-los com seus alunos que se envolverão com a aplicação de maneira lúdica e interativa de tais conteúdos. Trazer as diferentes culturas e resgatar a história de um povo lutador que foi injustiçado, mas, nunca cansou de lutar por seus direitos é de fundamental importância para fazer com que o aluno negro não se envergonhe de suas origens, mas, do contrário, orgulhe-se delas. Muitas, foram as atividades trabalhadas em sala de aula dentro do projeto “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a lei 10.639/2003”, mas, maiores foram as trocas de experiências, os ricos debates e o aprendizado que levaremos após a sua execução. A imensa riqueza cultural discutida em sala e a troca de conhecimentos e de experiências, os momentos de contar estórias e histórias, as sessões de filmes de longa e curta metragem envolvendo o tema, a criação textual e poética, entre tantas outras atividades que tornou o ano educacional de 2012, inesquecível tanto para educadora, quanto para educandos. VEJAMOS AS PRINCIPAIS ATIVIDADES REGISTRADAS DO PROJETO: Atividade 1 - Trabalhando os provérbios africanos, exposição de cartaz e debate; Na citada atividade, confeccionamos um cartaz contendo alguns provérbios africanos, para divulgar entre os alunos, o alto nível de conhecimento existente entre os africanos, antes mesmo de o Brasil ser descoberto. A África, que já era um continente bastante evoluído muito antes do descobrimento do Brasil, portava universidades e muitas outras formas de desenvolvimento que só chegariam ao Brasil séculos após o seu descobrimento. Da África saíram muitos estudiosos, escritores, cientistas, ativistas, poetas e pensadores que fizeram e fazem parte da história da ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1348 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino humanidade. Pensando nesse aspecto, foi introduzido no projeto escolar, o estudo dos provérbios africanos como fonte de enriquecimento e valorização da cultura africana. O trabalho foi realiado em círculo, onde os alunos debatiam os significados dos provérbios após o terem transposto para o papel, onde eles debateram colocaram suas opiniões sobre os diversos significados dos mesmos e o que os provérbios lhes deixaram como exemplo para a vida. Na atividade, pude perceber o desconhecimento por parte dos educandos de fatos discutidos na aula com respeito à África e sua história. Atividade 2 – Filme e atividade relacionada ao Conto africano “Kiriku e a feiticeira”. O filme Kiriku e a feiticeira, (um conto africano), diferente dos habituais contos de fadas, com princesas sempre brancas e loiras de olhos azuis. O filme mostrou a vida em uma aldeia africana, com todo seu misticismo e causou bastante interesse nos alunos, que logo após fizeram uma atividade relacionada ao filme. Atividade 3 - Estudo do poema “ A galinha d`Angola” ( Vinícius de Morais). Na atividade 3, foi apresentado um cartaz atrativo, com o poema de Vinícius de Morais “A galinha d`Angola” e nele foi enfatizado os versos, as estrofes e a forma de recitar um poema. Em seguida foi entregue aos alunos uma atividade em folha, relacionada ao poema, estimulando os alunos à uma interpretação textual. Atividade 4 – Animais africanos / Ficha técnica dos animais 1 Os alunos visualizaram um vídeo, onde conheceram um pouco da vida selvagem na África, chamado “Animais Africanos - África, terra de gigantes!!!” disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=iiI0zB1zFfg. Neste vídeo eles puderam ver variadas espécies de animais que habitam o Continente africano e foram construindo semanalmente um livrinho com a ficha técnica de alguns desses animais. Nas fichas eles desenhavam e colocavam as principais características dos animais que eles acabaram por conhecer mais a fundo. Atividade 5 – A historinha da ovelha negra Os alunos assistiram ao filme que contou a historia da ovelhinha negra (Bernardo Aibê), a história de uma ovelhinha negra que era triste por ter a cor diferente das demais. Ela ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1349 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino era negra e passou a ser feliz a partir do momento que se aceitou com a cor que tinha. A história foi bastante interessante e após a execução da mesma, os alunos puderam confeccionar suas ovelhinhas feitas com material reciclável ( rolo de papel higiênico, algodão, papel, cola e palito de madeira). Todos adoraram participar da atividade, que os levou a valorização da cor de forma bem lúdica. Atividade 6 – Máscaras africanas e seus encantos. Na atividade 6, os alunos ficaram sabendo da importância das máscaras para os africanos e seus significados, diante das diversas tribos habitantes naquele continente. Foram expostas algumas máscaras confeccionadas por mim, para estimulá-los a fazerem suas próprias máscaras em papelão. A atividade envolveu desenho, pintura e arte, que tornou a aula divertida e atraente, onde eles aprenderam brincando. Atividade 7 – Egito, pirâmides e suas múmias. A história do Egito, dos seus reis e do mistério que envolve a civilização egípcia. A descoberta de que o Egito está localizado no Continente Africano e de todo o fascínio dos egípcios pela vida após a morte, que veio a levá-los a desenvolver técnicas de mumificação e à construção das históricas pirâmides. O passo a passo do processo de mumificação e logo após de forma bem artística, os alunos vieram a construir suas próprias múmias. Atividade 8 – Xilogravuras com motivos africanos. Nesta próxima atividade, Os alunos aprenderam a história da xilogravura e de como foi desenvolvida esta técnica. Após a explicação e o estudo, os alunos criaram uma xilogravura com motivos africanos, utilizando um carimbo feito com restos de pratos de isopor e tinta guache. Atividade 9 – Historinha digitalizada: “Meninas Negras ( Madu Costa)”. Para visualização da história das Meninas Negras, eu usei o recurso de tecnologia digital (Net book, fornecido pelo governo do estado após a minha conclusão do curso do PROINFO). Contei a mesma história umas 3 vezes para que toda a sala pudesse ver e entender, já que na escola infelizmente, não dispomos de um Data show, que seria grande aliado na apresentação desse tipo de aula, mas, todos conseguiram entender bem e logo após fizeram uma atividade sobre o filme em folha. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1350 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A história é de 3 meninas negras; Mariana, Dandara e Luanda, que são felizes e amam suas origens africanas. Gostam de estudar, de ler e de contar histórias. Os alunos ficaram curiosos e adoraram a aula com netbook. Atividade 10 – Historinha “Que cor é a minha cor?” (Martha Rodrigues). Que cor é a minha cor, foi uma das historinhas que eu contei em sala com o auxílio do computador e aconteceu uma interação muito boa, até porque, eu preparei uma atividade que continha um mapa do Brasil e com o auxílio do livro de geografia, os alunos puderam pesquisar os nomes dos estados brasileiros e pintar cada um de cor diferente, mostrando que conforme a história relatou, fomos um povo formado de muitas misturas, de várias cores e o resultado foi perfeito. Atividade 11 – Historinha “As tranças de Bintou” (Sylviane A. Diouf). A história conta a vida de uma menina africana, que sonhava em ter tranças, mas, só tinha quatro birotes na cabeça e terminou os achando bonitos, após sua avó tê-los enfeitado com pássaros coloridos. Atividade 12 – Estudo do poema “Todos Iguais”(Nadirjane Medeiros Carneiro Nascimento) própria autoria. Resolvi levar os alunos ao estudo poético de um dos poemas de minha autoria ( Todos Iguais), aguardando publicação em artigo de livro coletivo do grupo Afroeducação da UFPB, já em etapa final. Com esse estudo poético, os alunos sentiram-se estimulados a produzirem seus próprios poemas, que logo após foram recitados pelos mesmos e expostos em mural na escola. Atividade 13 – A capa das atividades do projeto O dia em que os alunos pintaram as capas das atividades, também foi especial. Eles usaram muitas cores, alegres como a África e se juntaram em grupos para fazer arte e concluir as atividades que ocorreram de Fevereiro, início do ano letivo de 2012, até a culminância, ocorrida em outubro do mesmo ano. Atividade 14 – Desfile da Independência leva o Projeto para as ruas. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1351 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Atividade 15 – Culminância do projeto “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a Lei 10.639/2003” A culminância reuniu todos os trabalhos feitos pelos alunos e relacionados ao projeto. Nela foram expostos para visita dos demais alunos da escola e dos familiares dos alunos, que puderam prestigiar os trabalhos dos seus filhos, unindo dessa forma comunidade e escola, em um só objetivo... Unir-se em prol de uma melhor educação, pelo fim da discriminação racial. Os visitantes foram antecipadamente convidados, para visitar a culminância. Os trabalhos dos alunos foram expostos e explicados um a um por eles mesmos, o que fizeram, com muita satisfação e conhecimento do tema por eles vivenciado durante todo o ano. Ao trazer para dentro da escola os sujeitos envolvidos na vida dos educandos, podemos disseminar os conhecimentos sobre as culturas africanas entre os visitantes expandindo assim o conhecimento para além dos muros da escola. CONCLUSÃO Vivenciamos a importância de incluir a diversidade no currículo escolar, de forma que o mesmo viesse a contribuir de maneira positiva para o fim do preconceito e da discriminação, enriquecendo as aulas e ampliando o conhecimento tanto dos educandos, quanto do educador, que aprende mais durante a abordagem ao trata-la no âmbito educacional. Ciente de que contribui um pouco, para a diminuição do preconceito racial, inegavelmente existente no Brasil e no mundo, conclui o meu projeto com grande satisfação e sensação de dever cumprido e com a certeza de que, se cada educador se esforçar um pouco mais e as autoridades buscarem formas de concretizar e por em prática a Lei 10.639/2003, a educação será a maior aliada contra o racismo no Brasil e no mundo. O projeto “HERDEIROS DA ÁFRICA: Vivenciando a Lei 10.639/2003”, aconteceu de forma tranquila e proveitosa, na qual tanto educadora, quanto educando, puderam juntos descobrir as belezas e os encantos que envolvem a formação do povo brasileiro e conhecer mais a fundo as nossas heranças africanas. De maneira lúdica e envolvente, os alunos participaram ativamente de todas as atividades referentes ao projeto e contribuíram para o seu sucesso, levando conhecimentos novos para sua vida adulta e transformando de maneira lúdica e educativa seus preconceitos em aceitação de si e do seu próximo. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1352 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino REFERÊNCIAS AIBÊ, Bernardo. A ovelha negra. 1. ed. Mercuryo Jovem. 2000. Animais africanos África terra de gigantes. disponível http://www.youtube.com/watch?v=iiI0zB1zFfg Acesso em: 15 de agosto de 2012. em: BARROS, M. E. B. A transformação do cotidiano: vias de formação do educador a experiência da administração de Vitória/ES (1989-1992). Vitória: Edufes, 1997. BRASIL, Lei nº10639 de 9 de janeiro de 2003.Ministério da Educação. 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ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1353 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino CURRÍCULO E RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS: APLICABILIDADE DA LEI 10.639/2003 EM UMA ESCOLA DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA Silvia Karla Batista de Macena Martins dos Santos24 - UFPB [email protected] Jakeline da Silva Farias25 – UFPB [email protected] Resumo Esta comunicação26 apresenta reflexões sobre a aplicabilidade da lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas instituições de ensino, a partir de uma pesquisa realizada em uma escola da rede municipal de ensino da cidade de João Pessoa. Entrevistamos onze profissionais da educação, entre gestores e professores do ensino fundamental. Utilizamos como metodologia um questionário, o qual buscava identificar o conhecimento dos professores a respeito da lei, os recursos utilizados para execução da mesma, a introdução do conteúdo no currículo escolar, como a escola tem se empenhado na educação das relações étnico-raciais e o que pensam os professores sobre o que está faltando para que a lei seja cumprida nas escolas. Concluímos que além da falta de conhecimento e interesse dos professores sobre o assunto, a falta de planejamento e a inserção da temática nas no Projeto Político Pedagógico e nas atividades escolares, tem se tornado principal obstáculo na aplicabilidade da Lei 10.639/03 na escola analisada. Palavras-chaves: Lei 10.639; Currículo; História e Cultura Afro-Brasileira; Educação. Introdução Pretendemos neste trabalho, discutir alguns aspectos relacionados à aplicabilidade da Lei 10.639/03 em uma escola pública no município de João Pessoa. Sancionada pelo Presidente Lula, em 09 de Janeiro de 2003, a Lei 10.639 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, instituindo a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, nos estabelecimentos de ensino da educação pública e privada, e a sua inserção no conteúdo programático das disciplinas já existente em cada instituição. Com isso, deseja-se estabelecer práticas pedagógicas que reconheçam a 24 Graduanda em Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo/UFPB. Atualmente atua como bolsista do PROLICEN. 25 Graduanda em Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo/UFPB. Atua como professora de Educação Infantil na rede municipal de Santa Rita. 26 Trabalho elaborado em co autoria com Josefa Manuela Santos da Silva ([email protected]), graduanda em Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo/UFPB. Atuou como Estagiária do Laboratório de Estágio Supervisionado/LAES. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1354 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino importância de africanos e afro-brasileiros na construção no processo de formação do estado nacional. Mesmo sabendo que os sistemas de ensino da educação básica, devem por lei, inserir em seu currículo a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, acreditamos que algumas instituições deixam a desejar quanto ao cumprimento da mesma. Assim, a partir de uma pesquisa exploratória, que tem como principal objetivo entender se, mesmo depois de dez anos, ainda existem escolas, que não conhecem ou ainda não colocaram em prática a Lei 10.639/03, analisamos através de um questionário com perguntas objetivas e subjetivas com os professores e gestores da escola, até que ponto há conhecimento sobre lei, sua aplicabilidade em sala de aula, o que os professores pensam sobre o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, se e como a escola tem inserido esse tema em seu currículo. À margem do processo de educação e “Deixados à própria sorte”, de acordo com Florestan Fernandes (FERNANDES, 1978), os negros perceberam a necessidade de encontrar meios para melhorar sua vida, superar sua condição de excluídos e resgatar sua história de lutas e conquistas. Assim, as organizações e os movimentos negros, começaram a reivindicar sua inserção do cenário educacional como ressalta (SANTOS, 2005) Ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a reprodução da discriminação racial contra os negros e seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. (SANTOS, 2005) Diante disso, a Lei 10639/03 simboliza uma vitória para o movimento, pois garante não só aos brasileiros afrodescendentes, mas a todos os membros desta nação, um reconhecimento histórico e cultural da sua origem e da diversidade de povos que aqui vivem desde o início da construção do território nacional, (re) conhecendo assim, a sua própria história. Refletindo sobre a lei 10.639/03 Diferente do que é ensinado em algumas instituições, a relação histórica entre Brasil e África vai muito além do período colonial e do comércio de escravos, ela sempre esteve ligada nos meios escolares e acadêmicos de forma secundária. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1355 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino De um modo geral, idealiza-se a África primeiro como um país e não como um continente, o que ao homogeneizar o lugar, lembra-se apenas num espaço marcado por miséria, fome, epidemias, sem nenhum contexto histórico-político-social e cultural e desconsiderando totalmente as especificidades de cada país. Diante disso e de outras evidências, é possível afirmar que a base de conhecimento que chega às escolas é necessariamente eurocêntrica. Estuda-se a História da Europa, a História dos Estados Unidos e é isso que é reproduzido. Assim, as outras culturas e aquilo que eles produziram: os seus mitos, as suas crenças, sua história, tornam-se de pouco valor como afirma Santos (2005): A educação formal não era só eurocentrista e de ostentação dos Estados Unidos da América, como também desqualificava o continente africano e inferiorizava racialmente27 os negros, quer brasileiros, quer africanos ou estadunidenses. (SANTOS 2005, p.22) Outra questão a refletir, pois tem se reproduzido em nossa sociedade ao longo dos anos, como instrumento de invisibilidade da cultura e da população negra em nosso país, tem sido o livro didático, que muitas vezes apresenta crianças negras através de estereótipos inferiorizantes, como minoria e excluídas. Aspecto esse, preocupante quando pensamos que muitas crianças e professores, tem o livro didático como única fonte de conhecimento. Preocupação essa que Silva apresenta: ao veicular estereótipos que expandem uma representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação pelo Estado, dos processos civilizatórios indígena e africano, entre outros, constituintes da identidade cultural da nação. (SILVA, 1989, p.57) Diante disso, temos um quadro um tanto contraditório, já que no Brasil existem leis que abordam questões étnico-raciais há algum tempo, embora a sua aplicabilidade tenha sido prejudicada por uma série de obstáculos. Silva (2007) nos lembra que “a constituição Federal de 1988, garante, de forma inequívoca, a promoção de todos os cidadãos brasileiros, sem preconceito de origem, raça, sexo e quaisquer outras forma de discriminação”. Já o decreto 1.904 de 1996, garante a presença histórica das lutas dos afrodescendentes na constituição do país, como também a lei 7.716 de 1999, regulamenta os crimes de preconceito de raça e cor, estabelecendo o cumprimento de penas para os atos de discriminação. 27 Esse processo de discriminação racial contra os negros infelizmente ainda não foi eliminado da educação formal brasileira até a presente data. (NOTA DO AUTOR) ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1356 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino No que diz respeito à educação, e de acordo com as Diretrizes Nacionais de Educação das relações étnicos-raciais e para o Ensino de História Afro-Brasileira e Africana, a Lei 10.639 de 2003 tem como objetivo: promover a valorização e o reconhecimento da diversidade étnico-racial na educação brasileira a partir do enfrentamento estratégico de culturas e práticas discriminatórias e racistas institucionalizadas presentes no cotidiano das escolas e nos sistemas de ensino que excluem e penalizam crianças, jovens e adultos negros e comprometem a garantia do direito à educação de qualidade de todos e todas. (BRASIL, 2008) Com isso, a Lei 10639/03 pode ser considerada uma conquista na história da população negra que busca ter sua cultura e seus valores tratados da mesma forma que a dos outros povos que vieram para o Brasil. Observamos que muitos conceitos e preconceitos são transmitidas sistema educacional, através de livros didáticos e falta de capacitação dos professores para trabalhar essas questões na escola e nesse aspecto é possível considerar, com a implementação desta lei uma perspectiva de rompimento com o currículo eurocêntrico presente por muito tempo no nosso sistema de ensino. Portanto, abordar a temática das relações étnico-raciais a partir do ensino da história e cultura Afro-Brasileira e Africana se faz de fundamental importância para o fortalecimento e afirmação de identidades étnicas afim de minimizar os estereótipos construídos por muito tempo sobre as relações étnico-raciais em nosso país. Pesquisa e Análise de Resultados Em meados de Junho, realizamos uma pesquisa em uma escola localizada na zona oeste da cidade de João Pessoa e foi feita através de aplicação de um questionário, onde estabelecemos as seguintes divisões: o conhecimento da lei e a importância que cada um atribuía ou não a mesma; a inserção da temática e os recursos didáticos utilizados na sala de aula; a comemoração do dia 20 de novembro (dia da Consciência Negra) - determinado pela lei como data que deve fazer parte do calendário escolar; e o que falta para que a lei seja aplicada na escola. Foram entrevistados onze profissionais da educação, entre gestores e professores do ensino fundamental. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1357 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Das duas gestoras entrevistadas, uma afirmou conhecer a lei e achar importante o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira para formação dos alunos, e a outra afirmou saber que existia, mas, não sabia do que tratava, embora considerasse ser importante. Entre os professores, cinco afirmaram conhecer, três disseram saber que existe, mas não saber do que se trata. E apenas uma, disse que nunca ouviu falar. Quando questionados sobre achar importante o ensino do referido tema, oito responderam que sim e dois responderam que não tinha importância. Porém, responder se considera importante ou não o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, na pesquisa realizada, não era o suficiente. Desejamos ouvir dos professores o porquê de suas respostas. P1: “Através do ensino afro-brasileiro, os alunos passaram a ter mais conhecimento da importância desse povo na nossa cultura.” P2: “É importante para conscientizar as crianças que independente da raça, somos iguais.” P3:” Acho importante, porque podemos diminuir o preconceito racial e conscientizar mais os nossos alunos para diminuição dos preconceitos.” P4: “É importante, porque mostra a importância dos negros africanos que trabalharam pelo nosso Brasil.” P5: “Sim. Porque possui uma grande influência em nossa cultura, seja em termos musicais, vestuário, comida, dança, etc.” P6: “Sim. Para que os preconceitos referentes a cultura afrodescendente sejam, ao menos, diminuídos.” É importante destacar que, em suas justificativas, três professores abordaram o tema religião, o que denota que esta questão também está presente na discussão sobre a temática das relações étnico-raciais, e em dois dos casos, que a crença pessoal interfere na abordagem do assunto: P7: “Sim. Para que eles possam entender logo cedo as diferenças das religiões.” P8: “Não. O nosso país já está cheio de crendices e superstições.” P9:” Não acho importante. De acordo com meu conhecimento, as crianças não entenderiam uma mistura de religiosidade e ficariam confundidas.” Quanto a respostas das gestoras entrevistadas, cada uma respondeu de forma diferente. Mas, concordando que era importante para “diminuir o preconceito”. Questionados quanto aos recursos didáticos utilizados para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, levando em consideração a distribuição dos livros ofertados pelo MEC, entre todos os entrevistados nove responderam que o livro distribuído, não é suficiente. Uma entrevistada afirmou não conhecer o material didático e outra não respondeu a pergunta. Quando perguntamos que recursos os professores entrevistados utilizam em sala de aula para trabalhar o tema, as respostas foram mais variadas: Duas professoras, afirmaram não usar nenhum tipo de material didático para falar sobre o tema; duas professoras, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1358 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino afirmaram utilizar vídeo; quatro afirmaram utilizar livros e exercícios no quadro em datas comemorativas. E uma professora não respondeu Analisando as respostas dos professores, observamos que muitos trabalham a temática somente em datas comemorativas, como 13 de maio (dia da Abolição da Escravatura no Brasil), e 20 de novembro (dia da Consciência Negra). E prevalece ainda como recurso mais utilizado, o livro didático. O que exige de nós certa atenção quanto à forma como os conteúdos relativos à educação das relações étnico-raciais são abordados nesses livros, pois como vimos anteriormente, durante muito tempo o livro didático em nosso país vêm reproduzindo a invisibilidade da população negra. Por isso, precisa ser observado criticamente antes de utilizá-lo como única fonte de conhecimento da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Outra questão abordada no questionário e que está relacionada à cultura escolar28 é sobre a comemoração do dia 20 de novembro. Essa questão nos deixou intrigadas quando comparamos as respostas. As duas gestoras entrevistadas, afirmaram que a escola comemora o dia da Consciência Negra, com festa e apresentação da cultura africana além da aula expositiva. Já entre os professores (vale lembrar que da mesma escola que as gestoras), seis afirmaram que a escola não comemora a data, dois afirmaram que sim com aula expositiva e uma não respondeu. Finalizamos o questionário com a pergunta: “O que você acha que falta para que a lei 10.639/03 seja aplicada na sua escola?” As respostas foram bem diversificadas. Entre os professores, as mais comuns referem-se à responsabilidade da escola por meio de projetos e incentivos por parte da direção: P1: “Acrescentar aos projetos da escola.” P2: “Inserir no PPP para que seja trabalhado ao longo do ano” P3: “Falta mais incentivo por parte da escola.” P4: “Acho que só seria aplicada se fosse uma disciplina separada. Porque a gente não liga muito por isso não. Eu ainda falo um pouco, mas os outros ...” P5: “Ela já é aplicada.” P6: “Deveria entrar no planejamento, e discutido com todos, mas com incentivo da direção.” Nessa questão ainda observamos a falta de interesse (seja por questões religiosas ou não) por parte de alguns professores em relação as suas respostas que observaremos a seguir: P7: “Creio que nada. Já temos assuntos demais pra trabalhar” P8: “Não conheço direito esta lei e não vejo importância maior que as outras leis que 28 Ver Libâneo, 2001. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1359 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino deveriam ser cumpridas e não são.” P9: “Nada. Temos assuntos mais pertinentes e de maior importância para serem desenvolvidos na escola.” Já entre as gestoras entrevistadas, uma não respondeu e a outra atribuíram a responsabilidade à iniciativa dos professores, como podemos observar: G1: “É necessário conscientizar os professores e alunos da importância da Cultura Afro-Brasileira, do respeito a diferença, para acabar com o preconceito no nosso país, e para isso é indispensável que os professores procurem meios de se informar para trabalhar esse assunto em sala de aula de maneira eficiente.” Com isso percebemos que, nesta escola de um modo geral, infelizmente falta o engajamento e a união da equipe para que a temática seja desenvolvida de forma satisfatória e a lei seja cumprida, pois apesar de sua promulgação a mesma não está sendo implementada. Abdias do Nascimento (2007) afirma: Reconheço o grande avanço que significa a Lei 10 639/2003, que visa fazer o resgate de nossa história e de nossa memória e torná-las patrimônio cultural de todo o povo brasileiro, mas tenho que elevar a minha voz para dizer que esta lei não está sendo cumprida, ou tem a sua implementação dificultada, por todos aqueles que não querem mudanças nas relações de dominação racial em nosso país. Além disso, observamos que além da falta de conhecimento e interesse dos professores sobre o assunto, a falta de planejamento e a inserção da temática nas no Projeto Político Pedagógico e nas atividades escolares, também é um obstáculo na aplicabilidade da Lei 10.639/03 na escola pesquisada. Considerações Finais Durante a pesquisa, nos deparamos com diversas questões que merecem reflexão e mudança De acordo com as respostas, percebemos de forma explícita a falta de interesse e desconhecimento dos professores sobre o assunto (salvo as poucas exceções), e que mesmo assim há uma grande resistência quanto à compreensão da importância da temática, alguns por achar que ao tratarmos de História e Cultura Afro-Brasileira, nos referimos apenas à questão religiosa, outros por falta de interesse e conhecimento. Já as gestoras, demonstram saberem da importância de abordar as temáticas referentes à História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, porém, atribuem a ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1360 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino responsabilidade ao professor, onde os mesmos devem buscar meios de trabalhar o tema em sala de aula. No que diz respeito ao reconhecimento e/ou comemoração do dia 20 de novembro (dia da Consciência Negra), esta questão acarreta muitos questionamentos. O que está errado? As escolas realmente comemoram o dia 20 de novembro, como consta na fala das gestoras? Ou os professores não sabem ou realmente não se interessam pelo assunto a ponto de simplesmente ignorar qualquer manifestação cultural que ocorra nesta data na escola? Essa é uma questão que necessita uma atenção mais concisa, pois de acordo com a Lei 10.639, o dia 20 de novembro deve fazer parte do calendário escolar. Por que esta temática não está inserida no currículo da escola? Desta forma, concluímos que, mesmo que a compreensão da História e Cultura AfroBrasileira venha se fortalecendo nos últimos anos, é importante enfatizar que a situação pedagógica é bastante preocupante, tendo em vista que, se não há uma formação na temática étnico-racial, o modelo eurocêntrico de educação continuará sendo reproduzido, e com ele a falta de conhecimento e consequentemente o preconceito. E é nesse sentido que colocamos a escola como um lugar de construção de conhecimento e quebra de paradigmas, e para isso, é fundamental que a temática das relações étnico-raciais esteja presente no currículo escolar e a Lei 10.639/03 seja cumprida. Já que é na escola que é possível construir valores de solidariedade e justiça, onde se pode propor o modelo de democracia inclusiva, sem preconceito, que irá formar professores, técnicos, engenheiros, médicos, homens e mulheres para a sociedade que desejamos. REFERÊNCIAS ARANTES, Adlene Silva e SILVA, Fabiana Cristina da. 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Nesse contexto um dos objetivos específicos será conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Currículo do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT Campus Universitário de Cuiabá e compreender em que medida o conjunto teórico comportam conteúdos de princípios eugênicos. Compete ressaltar que os princípios eugênicos são caracterizados por uma ideologia de purificação de raça, originária de uma pseudociência racista, que objetou classificar as raças, onde o branco foi elevado a uma condição de raça superior e o negro inferior. Pretendemos realizar a pesquisa do tipo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa, por entender que esse tipo de pesquisa melhor se ajusta para compreensão da problematização do objeto de pesquisa. Até o presente momento da pesquisa, percebe-se que as configurações em que foram germinadas as ciências biomédicas no Brasil, em boa parte, estão configuradas e centralizadas em ideologias eugênicas, e há apontamentos que a enfermagem tem conservado até os dias atuais elementos dessa ideologia na aprendizagem do cuidar. Palavras-chave: Aprendizagem do cuidar. Enfermagem. Eugenia. Relações raciais. LEARNING IN NURSING CARE: WHY DISCUSSING RACIAL-ETHNIC EDUCATION IN THIS PROCESS? Abstract This paper is aimed to do an exposure of the research project inserted in the research line Social Movements, Politics and Popular Education from the Post Graduation Program (PPGE), in the Federal University of Mato Grosso (UFMT). The research project has as general objective to analyze and comprehend the scenario where the care relations happen between a nurse and black patient in a hospital-centered regime and how these professionals formation have contributed to legitimize this relation. In this context one of the specific objectives is to analyze the National Curricular Guidelines and the Curriculum of the Undergraduate Nursing UFMT campus University of Cuiabá and understand to what extent the theoretical set behave content eugenic principles. We found relevant to highlight that eugenic principles are characterized by an ideology of race purification originated from a racist pseudoscience which has aimed to classify the races, when white people is elevated to a higher condition of superior race and the black to a lower condition. We intend to realize the research in a descriptive exploratory type of qualitative approach by understanding that this kind of research better fits for the comprehension of the contextualized research object. Until the present moment of the research, it is able to perceive that the configurations in which the biomedical science was germinated in Brazil are ideological eugenic characterized and there are notes that nursing has maintained to the present day elements of this ideology in learning to care. Key Words: Learning care. Nursing. Eugenics. Racial relations. 29 Enfermeiro, aluno do Mestrado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, Especialista em Docência no Ensino Superior (2011). 30 Dr.ª em Educação (2011) pela Universidade Federal Fluminense-UFF/RJ, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, nível Mestrado. Orientadora do Projeto. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1363 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Introdução Esse artigo tem por finalidade fazer uma exposição do projeto de pesquisa que iniciou no ano de 2013, inserido na linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário de Cuiabá. O projeto de pesquisa tem como tema central discutir relações raciais em saúde e o processo de Ensino-Aprendizagem da ciência do cuidar humano, essência de ser em enfermagem. Insere-se dentro de um contexto de proposta de grupo de professores e pesquisadores da UFMT que constituem o Grupo de Pesquisa Educação e Formação em Saúde e Enfermagem (GEFOR) da Enfermagem, em parceria com a Faculdade de Educação. A proposta do GEFOR foi introduzida no conjunto de iniciativas desenvolvidas em resposta à ação induzidora pelo Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica na Saúde (Pró-Ensino na Saúde), uma parceria entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde (MS), com intuito de formação de quadros de profissionais qualificados no campo do Ensino na Saúde na perspectiva de consolidação das Diretrizes e Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Na UFMT, por meio do edital Pró-Ensino na Saúde a proposta do grupo vai se materializando na formação de recursos humanos no nível de Mestrado e Doutorado em Educação para profissionais de saúde com ênfase no ensino em saúde para o SUS. O Projeto de pesquisa, no âmbito do Curso de Mestrado em Educação tem por objetivo geral compreender como ocorre a aprendizagem da ciência do cuidar em enfermagem do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT campus Universitário de Cuiabá-MT e como essa aprendizagem tem configurado nas interfaces das relações de cuidados em saúde com paciente negros em regime hospitalocentrico. Nesse contexto um dos objetivos específicos será conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Currículo do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT campus Universitário de Cuiabá e compreender em que medida o conjunto teórico comportam conteúdos de princípios eugênicos. Compete ressaltar que os princípios eugênicos estão caracterizados por uma ideologia de purificação de raça, "assegurar a constante melhoria da composição hereditária da sociedade" (STEPAN, 2005, p. 9), "originária de uma pseudociência racista, que objetou classificar "as raças humanas", onde o branco foi elevado a uma condição de raça superior e o negro inferior" (SKIDMORE, 2012, p. 92). Para Marques (1994), ao ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1364 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino pesquisar os discursos de médicos e educadores brasileiros e a proximidade dos princípios eugênicos justificáveis dada a inferioridade de raça, na medida que compreendiam que numerosas doenças constituíam fatores degenerativos da raça, a autora afirma, que "parecia sensato que os eugenista brasileiros adaptassem a ciências eugênicas à realidade do país, então em condições sanitárias tão precárias, estabelecendo nexos entre eugenia e sanitarismo" (MARQUES, 1994, p. 55). A justificativa para a pesquisa se da a medida que, a prática de racismo contra pacientes negros no atendimento de saúde é desencadeadora de privação de direito e de desigualdade de oferta de assistência em saúde, e que, o profissional enfermeiro enquanto profissional da área clínica é um sujeito envolvido nesse processo. Compreender como ocorre a aprendizagem desse profissional e como esse aprendizagem tem configurado nas interfaces das relações de cuidados em saúde com pacientes negros em regime hospitalocentrico faz-se necessário a medida, que as práticas de racismo pelos profissionais em saúde tem sido decisivo no processo de viver ou morrer de indivíduos considerados da população negra, e esse atendimento diferenciado pode em certa medidas, e ser em boa parte, reflexo da aprendizagem da ciência do cuidar como elucidado por Waldow (2004) ao apontar que a formação dos profissionais em saúde/enfermagem estão acentuada no modelo biomédico, modelo este que em boa parte passou a existir no Brasil em um momento em que as pseudociências racista estavam em evidência e as teorias eugênica constituía em um poderoso movimento científico, político e social em favor da construção da nação brasileira. Para melhor compreender objeto de estudo e reconhecer o estado da arte sobre relações raciais em saúde foi realizado uma revisão literária31 em junho de 2013, que ocorreu por meio de levantamento das produções científica na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Virtual de Saúde, usando quatro estratégias de busca, cujos descritores utilizados foram: relações raciais e saúde; relações raciais, saúde e enfermagem; equipe de cuidados de saúde, grupos étnicos; e equipe de cuidados de saúde e racismo. Utilizou como critério de inclusão para analise os textos em idioma em português, os que não atendiam esse critério foram excluídos. Totalizaram-se trinta e cinco trabalhos para analise sobre relações raciais em saúde. 31 O resultado da pesquisa foi apresentado e publicado nos Anais do Seminário da Educação 2013, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT, intitulado "Herança de uma ciência racialista: introdução ao cenário de pesquisa sobre relações raciais em saúde" no Grupo de Trabalho 15 Relações Raciais e Educação. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1365 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Constatamos com o resultado da pesquisa que o racismo relacionado às práticas de cuidados em saúde em relação à população negra é em muitas vezes apresentados de formas não reveladas, porém, sua disseminação mantém-se de forma lenta e gradativa e tem repercutido decisivamente sobre o direito de viver ou morrer dessa população. Atos de racismo no setor da saúde ocorrem geralmente pela dificuldade de acesso da população negra aos serviços de saúde e por um atendimento negligenciado, repercutindo em um descuidado à saúde a membros dessa comunidade. Alguns dos estudos analisados apontam que a maioria dos profissionais de saúde, conceituam saúde centrado ainda no modelo biomédico, sem analisar os variáveis fatores sociais determinantes no processo de saúde/doença. A motivação para pesquisa nesse contexto é resultado de um processo iniciado no andamento da Graduação no Curso de Enfermagem no ano de 2007 na UFMT, Campus Universitário de Rondonópolis (CUR), espaço este, onde na abordagem metodológica, no processo ensino-aprendizagem de alguns professores, vislumbrei conteúdos e práticas pedagógicas que faziam exposição de seres humanos negros associados na perspectiva da doença. Ademais nos estágios obrigatórios percebia entre os profissionais de saúde mesmo que sutilmente certo descuido de atenções com os pacientes negros, atitudes essas compartilhadas por alguns estagiários de enfermagem e enfermeiros docentes. Esse olhar atento e sensível as essas questões foi edificado a partir de minha vivência enquanto militante no Movimento Negro de Rondonópolis (MNR), no qual me aproprie de razoável fundamentação teórica para melhor compreender essa problemática e atualmente venho aprofundando e ampliando esse conhecimento no Núcleo de Estudos de Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE) da UFMT. Além disso, as iniciativas como Coordenador de um Movimento Social e Político denominado Coletivo Negro Universitário, na perspectiva de ações pontuais sobre relações étnico-raciais e implementação da lei 10.639/2003 na UFMT vem reforçando e expandindo essa motivação à pesquisa. Ao fazermos esse movimento de retorno ao espaço de Graduação em Enfermagem, agora como pesquisador, arriscaremos em analisar o conjunto teórico que compõem o currículo do curso de graduação em enfermagem da UFMT, bem como reconhecer o processo de ensino-aprendizagem do cuidar enquanto uma ciência de domínio da enfermagem, também recorrer aos espaços de estágios obrigatórios, observando como ocorre esse aprendizado, a princípio, na tentativa de compreender, em que medida os princípios eugênicos estão presente ou não, na produção científica teórica e prática, bem como no ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1366 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino imaginário dos docentes e discentes do curso de enfermagem envolvidos nesse processo, e como esse conhecimento gerado tem repercutido ao cuidar de pacientes negros, descrevendo como ele ocorre e em quais dimensões é compreendido pelos docentes e discentes do curso de enfermagem. Pretendemos realizar a pesquisa do tipo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa, por entender que esse tipo de pesquisa melhor se ajusta para compreensão da problematização do objeto de pesquisa. De acordo com Sampieri, Collado e Lúcio (2006), os estudos exploratórios têm como objetivo essencial familiarizarmo-nos com um tópico desconhecido ou pouco estudado ou novo. Esse tipo de pesquisa serve para desenvolver métodos a serem utilizados em estudos mais profundos. Os estudos descritivos servem para analisar como é e como se manifestam um fenômeno e seus componentes. Na abordagem qualitativa são levados em conta os níveis mais profundos das relações sociais, operacionalizando-os por meios de aspectos subjetivos, visando compreender a lógica interna de grupos, instituições e atores quantos aos valores culturais e representações sobre sua história (MINAYO, 2007). Desta forma esta pesquisa contemplará estas questões, ou seja, buscaremos compreender o cenário que ocorrem as relações de cuidados em saúde entre enfermeiro e paciente negros em regime hospitalocentrico, e como a formação desses profissionais tem contribuído para a legitimar essa relação. Usaremos como instrumento de coleta de dados, documentos internos da instituição, entrevista semi-estruturada com enfermeiros docentes. Reservamos para coleta de dados dos discentes do curso de enfermagem a técnica de grupo focal. Para Minayo (2007, p. 129) "o grupo focal é de inegável importância para se tratar das questões da saúde sob o ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados grupos de profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população". Também lançaremos mão da técnica de observação não participante como espectador atento na etapa de coleta de dados no processo de Ensino-Aprendizagem da ciência do cuidar no período de estágio obrigatório, colhendo informações sobre como ocorrem esse aprendizado e como se da as relações entres os sujeitos da pesquisa e o cuidado à pacientes negros em regime hospitalocentrico, sujeito este instrumento desse aprendizado. Fazerá necessário também o registro diário e minucioso de toda a fase da pesquisa. Para isso adotaremos o diário de pesquisa e/ou diário de campo entendido por Nogueira (1977, p. 103) como "um dos mais úteis instrumento de trabalho de campo, principalmente quando o pesquisador está interessado numa visão de conjunto da organização ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1367 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino social e da cultura de um certo grupo". As anotações nesse diário será realizada a partir das informações reveladora do campo de estudo, que contribuirá para o patrimônio de dados da pesquisa e ao mesmo passo aguçará o pesquisador em torno do objeto de estudo. Os dados serão analisados por meio da técnica de análise temática de conteúdo (MINAYO, 2007). Para que esta proposta de pesquisa seja desenvolvida a mesma deverá ser analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde que trata das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo seres humanos. Desenvolvimento, Problematização e Construção do Referencial Teórico Primeiramente, nessa construção, preocupou-se problematizar o cuidar enquanto ciência de aprendizagem e de campo de atuação da enfermagem, precisamente em relação às práticas de cuidados com pacientes negros, e em que medida a edificação desse aprendizado esta interligado a conceitos racista e de ideologias eugênicas. Para Waldow (2004), pesquisadora que dedicou-se por mais de duas décadas a docência e a pesquisa da ciência do cuidar da enfermagem no Brasil, retrata que em grande parte as instituições de assistência em saúde, bem como as instituições de ensino de enfermagem, o cuidado é desenvolvido de forma mecânica, instrumentalizado, seguindo normas, rotinas e prescrições, tornando as relações de cuidado nesse ambiente, frágeis, encoberto de hostilidades, tensão, indiferença. Podera ainda a autora que o cuidado, enquanto uma ciência de propriedade da enfermagem não tem sido assumido pelos profissionais, sendo um dos fatores condicionantes a precária formação centrada no modelo biomédico. É possível encontrar conteúdos substanciais sobre a história do nascimento das Ciências Biomédicas no Brasil nos estudos de Rocha (2003) e mais objetivamente no de Costa (1999), Faria (2007) e Kobayashi (2007) a origem que pode responder, até certo ponto, inquietações sobre aprendizagem da ciência do cuidar humano, enquanto uma conhecimento de domínio da enfermagem. Também ancoramos nos estudos de Schwarcz (1993), Marques (1994), Stepan (2005), Müller (2011) e Skidmore (2012), sobre como foi racionalizado o conceito de raça no Brasil, na tentativa de entender como esses sistemas de ideias raciais foram estruturantes no processo de formação da nação brasileira, configurando-se em um movimento científico, político e social, nesse caso, especificamente buscamos compreender nesses estudos, como foi emaranhado no surgimento das ciências biomédicas/enfermagem. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1368 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Os estudos em particular de Faria e Kobayashi trazem informações implícitas sobre como ocorreu o processo de constituição do campo das ciências biomédicas atrelado ao Projeto de Nação Brasileira e como a Instituição Norte Americana conhecido como Instituto de Higiene participou efetivamente desse processo. A efetivação dessa parceria concentrou-se nos aspectos relacionados á pesquisas científicas em saúde, formação profissional em Educadoras Sanitária em 1925 e posteriormente na formação das Enfermeiras de Saúde Pública no Brasil em 1942. Incumbia também esse Instituto a prestação de serviços de saúde e formulação e implantação de políticas públicas de saúde as quais se concentravam em princípios higiênicos a serviço da nação, a fim de civilizar os considerados degenerados e por meios pedagógicos instituir uma consciência sanitarista e higiênica, considerada necessária à população, em particular, a camada social preta e consequentemente as mais pobres. Por meio dessa concepção, em parceria com as elites dominantes, a Instituição Norte Americana introjetou e encontrou campo fértil para os princípios eugênicos no Brasil, principalmente no período entre 1918 a 1945 em São Paulo. Esse empreendimento deu origem à primeira Escola sistematizada de formação de Enfermeiros no Brasil. Primeiramente em 1925 as profissionais eram reconhecidas como Educadoras Sanitária e, em 1942, definitivamente como Enfermeiras de Saúde Pública. Interessa-nos nesse sentindo, identificar e compreender até que ponto esses princípios eugênicos configuram até nos dias atuais na formação dos profissionais em saúde em particular do profissional enfermeiro e, em que medida tem implicado diretamente no processo de cuidado de pacientes negros. Em estudo recente de doutorado intitulado"Análise da produção do conhecimento em eugenia na Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn) entre os anos de 1932 e 2002", destacando três ênfases na expressão do termo eugenia na REBEn: conceituação e objetivos (1931-1951); conflitos éticos, legais e morais (1954-1976) e eugenia como tema de início do século XX (1993-2002), o autor conclui que a enfermagem não tem sinalizado alterações concretas na racionalização das atividades de pesquisa, ensino e assistência (MAI, 2004). Nesse sentindo infere-se apontar que os currículos que norteiam as práticas pedagógicas para formação de profissionais enfermeiros podem estar de certa forma, implícita com conteúdos de princípios eugênicos, constituindo em uma das limitações para a aprendizagem da ciência do cuidar, principalmente quanto se trata a respeito de cuidar de pacientes negros. Ao discutir currículo e cultura e posteriormente currículo e poder, Moreira e Silva (1995, p. 28) descreve que [...] "o currículo não é o veiculo de algo a ser transmitido e ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1369 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura." Posteriormente os autores enfatizam que [...] "o currículo é expressão das relações sociais de poder". Nesse contexto é de reconhecimento que os currículos de formações nas instituições de ensino não tem se constituído com conteúdos que abordem educação étnicoracial. O pensamento social brasileiro sobre raça e racismo é compartilhado e vivenciado nesse espaço sem qualquer esforço de superá-lo, mesmo após a Constituição Federativa do Brasil/88 ter conteúdos de promoção da igualdade racial e dez anos do surgimento da Lei nº 10.639/03, bem como a Resolução CNE/CP 01/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, ainda é percentual pequeno as ações e efetividades dos objetivos proposto em conjunto. Fazendo uma análise retrospectiva do processo histórico social, político, econômico e intelectual em que se configurou o racismo no Brasil nas últimas décadas do século XIX e percorreu metade do século XX, encontramos o emprego de raça em todos os setores da sociedade, racionalizada e disseminada em uma ideologia eugênica. Não diferente, as ciências médicas teve importância relevante nesse aspecto e o conceito de raça também é compreendido baseando na “superioridade da raça branca" e "inferioridade da raça negra". Stepan (2005), pesquisadora sobre a eugenia, define que em termos prático a teoria eugênica encorajou a administração cientifica e "racional" da composição hereditária da espécie humana. Para essa autora houve também a introdução de novas ideias sociais e políticas inovadoras e potencialmente explosivas na America Latina. Na construção da concepção da nação brasileira, nesse período, não houve espaço idealizado para a população dos alforriados e descendentes de escravos, por outro lado o Brasil não poderia negar que a população constituía-se de uma população majoritariamente negra. Ideologicamente iniciou-se um processo político compreendido como branqueamento da população brasileira baseado na mestiçagem biológica e imigração européia. A mestiçagem foi ao mesmo tempo um projeto de manobra para limitar os conflitos entre raças, ao mesmo tempo fortalecer o mito da democracia racial, por outro lado os espaços sociais hierarquicamente já estavam definidos pelas teorias raciais (SKIDMORE, 2012). Segundo Stepan (2005), a eugenia envolveu proposta de extermínio gradativo de povos considerados inferiores, desencorajando ou evitando que os inadequados transmitissem ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1370 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino suas qualidades de inferioridade a gerações futuras. Para Schwarcz (1993, p. 60) foi [...] "um ideal político que se converteu em uma espécie de prática avançada do darwinismo social". Didaticamente, Müller (2011) descreve como as teorias científicas racialistas foram aceitas ideologicamente na construção da sociedade brasileira, detalhando cada momento histórico da população. A autora enfatiza que a elite branca da sociedade a partir da metade do século XIX, iniciou uma profunda mudança a respeito sobre a heterogeneidade e cultura étnica da população e adaptaram no país teorias racistas produzidas na Europa e nos Estados Unidos baseada em uma suposta hierarquia entre as raças, considerando os povos negros como inferiores. Nesses aspectos, Damatta (1987) enfatiza que as doutrinas determinantes sempre estiveram à frente de outros conhecimentos científicos e em relação ao racismo, ela repercutiu no campo das ciências eruditas e popular. Para esse autor, a consciência e a compreensão dos indivíduos em sociedade, as relações que estabelecem em grandes partes são reflexo de concepções ideológicas herdadas dessas ciências. Para Monteiro e Maio (2008, p. 121), "as interfaces entre raça, medicina e saúde pública estiveram em voga entre as últimas décadas do século XIX e os anos 40 do século XX, enquanto fontes inspiradoras de políticas públicas". Nos dias atuais, o campo científico, a legislação e a política pública brasileira têm avançado sobre os aspectos étnico-racias, mas o pensamento social brasileiro herdado sobre raça ainda é um fator que reproduz, em primeira ordem, nos espaços da sociedade desigualdades. As iniquidades em saúde provocadas pelo racismo tem se legitimado nos espaços de saúde e são um fenômeno corriqueiro. Encontramos na publicação do livro Saúde da População Negra (2012), de pesquisadores associados à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), pesquisas que nos norteiam e melhoram nossa compreensão sobre a saúde da população negra. As pesquisas assinalam o quadro de vulnerabilidade de saúde em todo o ciclo de vida de indivíduos dessa população brasileira, ocasionada pelo racismo e apresentam algumas iniciativas e as dificuldades de implementação de políticas de atenção à saúde da população negra, bem como o conceito de raça, que tem sido nos últimos anos, mesmo que insuficiente devido ao seu impacto na saúde da população negra, incorporado como determinantes sociais de saúde da população. Estudos de Gomes (2005, p. 146), em uma tentativa preciosa, explica a percepção dos nossos valores em relação ao negro e reporta o quanto é profundo as razões que nos ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1371 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino fazem pensar e agir de forma racista. Aponta que [...] "a discussão sobre a questão racial está ligada a um terreno delicado, as nossas representações e os nossos valores sobre o negro". Cordeiro e Ferreira (2009), ainda afirmam que as modalidades pelas as quais a discriminação se expressa na área de saúde nunca são diretas e evidentes, estão envolvidas nas teias das relações sociais e econômicas que estruturam e determinam o processo saúdedoença, sendo eles determinantes diretos ou indiretos. Nos espaços de saúde por meios dos profissionais em saúde o racismo institucional é o desencadeador das iniquidades em saúde da população negra. As representações herdadas e mantidas das teorias raciais permeiam no imaginário desse público assim como da sociedade brasileira. [...] "A raça na cabeça das pessoas é um grupo social com traços culturais, lingüísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence" (MUNANGA, 2006, p.6). Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), as manifestações do racismo nas instituições são verificadas por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios naturalizados no cotidiano de trabalho resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer situação, o racismo institucional restringe o acesso das pessoas, de grupos raciais ou étnicos discriminados aos benefícios gerados pelo Estado e pelas instituições/organizações que o representam (BRASIL, 2011). As instituições de assistência em saúde e de formação de quadros de profissionais para a saúde estão configuradas nessas concepções e não há rompimento desse sistema de ideias raciais no processo de aprendizagem da ciência do cuidar. As instituições de ensino em muitos casos vivenciam e corroboram do racismo e o sustenta. O cuidado, essência de ser dos profissionais enfermeiros além das particularidades de materializa-se nos espaços de ensino, nas práticas profissionais, como debatido e pesquisado por Waldow (2001), tende a ser mais resistentes, circunscritos pelo racismo como subentendemos no estudo de Mai (2004), ao ressaltar a produção científica da enfermagem e a proximidade de conceitos eugênicos. Diante desse enigma surgem alguns questionamentos sobre prática de ensino de profissionais em saúde em particular dos profissionais enfermeiros docentes que desenvolvem a ciência do cuidar e contextualizam na assistência como método de ensino. Como tem se configurado os currículos de formação para o processo de aprendizagem da ciência do cuidar? Nessa mesma perspectiva, como o exercício da ciência do cuidar tem-se configurado nas relações entre paciente e profissionais, nesse caso, enfermeiro e pacientes negros? As ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1372 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino dimensões que ocorrem as relações de cuidados em saúde à pacientes negros são compreendidas em quais dimensões pelos profissionais enfermeiros docentes e discentes do curso de enfermagem no processo de aprendizagem? Compreendendo que um dos aspectos desafiadores ao cuidado humano esta vinculado ao racismo, há possibilidades de superá-lo? Superando, o cuidar, tornaria mais simplificado, seria assimilado e incorporado, possibilitando ser exercitados pelos profissionais para além de pacientes negros, com particularidades estética e ética, enquanto campo de ciência, vislumbrada no cuidar pelos profissionais enfermeiros? Quais as contribuições para além das relações étnico-raciais resultariam para a sociedade brasileira em geral, se o quadro de profissionais em saúde/enfermagem rompesse com as ideologias raciais em sua aprendizagem e praticassem um cuidado que se espera? "Cuidado como valor imperativo moral, sensibilizador. O cuidado humano como um processo de empoderamento, de crescimento e de realização de nossa sociedade" (WALDOW, 2001, p.191). O estudo será realizado do Município de Cuiabá-MT no período de janeiro de 2013 a abril de 2014. Devido o acompanhamento do grupo de sujeitos de pesquisa em momentos específicos, a pesquisa será desenvolvida em dois locais, primeiramente na Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Cuiabá - Curso de Graduação em Enfermagem, seguindo posteriormente para o Hospital Público Universitário da UFMT para a coleta de dados dos sujeitos envolvidos no processo de estágio obrigatório, momento este considerado de extrema importância no processo de ensino-aprendizagem da ciência do cuidar em enfermagem e devido a necessidade de observar como docentes e discentes do curso de enfermagem se relacionam nesse processo ao cuidar de pacientes negros. A escolha pelos locais da pesquisa justificam-se por duas questões: primeiro é no ambiente hospitalar que os sujeitos da pesquisa relacionaram mais intensamente e por mais tempos juntos. Segundo, é geralmente nesses espaços onde os pacientes estão mais dependentes de cuidados. Nesse caso, apesar de os docentes e discentes cumprirem um carga horário menor, regido pelas normas de estágio, é nesse processo de assistência um espaço também para aprendizagem do cuidar. Em relação aos espaço da Universidade na coleta de dados sobre o currículo, é justamente por meio do currículo que em boa parte compreenderemos a elaboração do conceito da ciência do cuidar. Em relação à escolha pelos sujeitos da pesquisa, a mesma ocorreu à medida que, compreendermos que é nessa relação de aprendizagem (docente e discente) um dos mecanismos que se materializa o profissional enfermeiro. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1373 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Em relação à escolha pela profissão enfermagem, justificamos por esse profissional atuar 24 horas na assistência de cuidado ao paciente. É o profissional que supervisiona as atividades do cuidar e é o agente na formação de toda a equipe de enfermagem, além de atuar ativamente na administração de todo processo que envolve o cuidar em uma unidade de saúde. Também é esse profissional que desenvolve pesquisas sobre a área de atuação, e entre os objetos de pesquisas, o cuidar tem sido particularmente investigado. Consideramos ainda que é por meio da ciência do cuidar que o processo de humanização é idealizado [...] "Trata-se da valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão no SUS" (BRASIL, 2004). Nesse caso, para além da formação dos profissionais em enfermagem, o quadro de profissionais em saúde, tem em suas afinidades na aprendizagem, no campo de atuação da assistência e da pesquisa em saúde, o cuidar humano como incumbência reveladora, ou ao menos deveria ser. Considerações preliminares A analise e compreensão do racismo e seus desdobramentos na sociedade brasileira, em particular, no campo das ciências biomédicas/enfermagem constituem em grandes desafios. As implicações originam diante da complexidade e dimensão em que se configura o racismo na sociedade brasileira, ademais há negação e omissão do racismo pelos profissionais da saúde, compactuado do pensamento social brasileiro de uma ideia de democracia racial. Compreender o cenário que ocorrem as relações de cuidados em saúde entre enfermeiro e pacientes negros em regime hospitalocentrico, e como a formação desses profissionais tem contribuído para legitimar essa relação faz-se necessário à medida que as práticas de racismo pelos profissionais em saúde tem sido decisivo no processo de viver ou morrer de indivíduos considerados da população negra. Por outro lado, o reconhecimento e a compreensão do racismo na área da saúde/enfermagem, e as interfaces que se da no processo de aprender o cuidado como uma ciência legítima da enfermagem poderá conjeturar no saber pensar/fazer/ser/conviver em saúde desse profissional. Ademais essa pesquisa poderá contribuir para formação de profissionais em saúde/enfermagem e refletirá em melhor qualidade de atendimento e acolhimento em saúde para população negra e certamente desdobrará para os também não negros e servirá de mais um instrumento de combate ao racismo. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1374 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Até o presente momento da pesquisa, percebe-se que as configurações em que foram germinadas as ciências biomédicas no Brasil, em boa parte, estão configuradas e centralizadas em ideologias eugênicas, e a enfermagem tem conservado, aparentemente, até os dias atuais elementos dessa ideologia na aprendizagem do cuidar, e este pode estar, em certas medidas dificultando no processo de cuidar de pacientes negros, configurando em prejuízo a essa camada da sociedade brasileira. . Referências BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acessado em 26 de junho de 2013. _____.Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 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A proposta aqui apresentada pretende garantir ao trabalhador e à trabalhadora da EJA a elevação da escolaridade e as condições da continuidade de aprendizagens, mediante estudo das diversas áreas de conhecimento, tomando a realidade cultural e natural como objeto de pesquisa/estudos, auxiliando os sujeitos da EJA numa construção de identidade, considerando suas histórias de vida reais e experiências vividas. Compreendendo ainda que o maior contingente de educandos da EJA, em Alagoas, são indivíduos negros ou afrodescendentes que sofrem as desigualdades e discriminações, essa proposta curricular traz como orientação a obrigatoriedade do ensino de história e cultura Afro-Brasileira e Africana, nas escolas públicas da EJA. Palavras-chave: Proposta curricular, EJA, Identidade, Cultura ABSTRACT This article aims to present the proposal to develop the curriculum of EYA Ministry of Education and Sports of Alagoas. Considering the current state of educational indicators and insecurity in relation to the offer in the form of Youth and Adults ( EJA ), the management of adult education has been making efforts to ensure that population access to quality education , in this sense , for the establishment of an educational policy that truly meets the interests of this audience we must implement / redesign the curriculum specific to the sport . The proposal presented here is meant to guarantee the worker and the worker 's EJA raising the educational level and the conditions of continuity of learning through study of various areas of knowledge , taking the cultural and natural as a research / studies , assisting subjects EJA in identity construction , considering their real life stories and experiences . Further comprising the largest contingent of students of EJA in Alagoas are blacks or African descent who suffer inequality and discrimination , such as guidance curriculum brings the compulsory teaching of history and culture Afro - Brazilian and African , in public schools EJA . Keywords: Proposed curriculum , EJA , Identity , Culture ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1378 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino APRESENTAÇÃO A Gerencia de EJA, da Secretaria Estadual de Educação de Alagoas, diante dos atuais índices educacionais do Estado e da precariedade em relação à oferta do Ensino Fundamental e do Ensino Médio na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), vem empreendendo esforços para garantir o acesso dessa população à Educação Básica, uma vez que necessita disponibilizar a educação escolar a esse público que lhes possibilite a inserção satisfatória na atual sociedade excludente, conforme determina o art. 208 da Constituição Federal e o inciso VII, art.4º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº9394/1996, as Diretrizes Curriculares da EJA, (2001), já garantido no Plano Estadual de Educação de Alagoas (PEE/AL). Nesse sentido, para o estabelecimento de uma política educacional que realmente atenda aos interesses desse público há que se implementar/reelaborar a proposta curricular especifica para a modalidade que se considere nessa proposta as três funções garantidas nas Diretrizes Curriculares da EJA: Função reparadora diz respeito não só ao direito a uma escola de qualidade, mas também ao reconhecimento do direito subjetivo de igualdade para todos. A negação deste direito resultou na perda do acesso a um bem real, social e simbólico; Função equalizadora atende aos trabalhadores e a outros segmentos sociais, tais como: donas de casa, migrantes, aposentado/a(s) e privado/a(s) de liberdade. A reentrada no sistema educacional dos que forçadamente tiveram uma interrupção dos estudos pela repetência ou evasão, resultado de desigualdades sociais, deve ser reparada, mesmo que tardiamente, possibilitando novas oportunidades no mundo do trabalho e na vida social. Função permanente ou qualificadora da EJA propicia a todos a atualização de conhecimentos. Essa função é o próprio sentido da EJA, pois Superintendência de Políticas Educacionais, através da Diretoria de Educação Básica Diretoria das Modalidades e Diversidades da Educação Básica compreende o caráter incompleto do ser humano como um potencial para o desenvolvimento, a adequação e a atualização em espaços escolares ou não. Pensar numa construção de EJA em Alagoas significa contextualizá-la num cenário de profundas desigualdades sociais, arraigadas num modelo de desenvolvimento onde prevalece a idéia de que não interessa um serviço público que só enfatize ou erradique o analfabetismo, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1379 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino mas crie mecanismos de uma educação pública e de qualidade para um contingente significativo da população rural e urbana que durante décadas foram excluídos do sistema regular do ensino oficial. A reverência e o respeito público a este segmento merecem uma atenção e uma postura ética e de dignidade de uma educação popular, de abordagem construtivistainteracionista que veja nos jovens e nos adultos, homens e mulheres trabalhadores com histórias de vidas, práticas sociais não só presentes no mundo do trabalho, mas convivendo com dificuldades, com um mercado que altera com velocidade surpreendente o perfil dos trabalhadores (as) numa economia globalizada, expressa nas hierarquias desiguais das áreas sociais e econômicas, que não cabe mais aos trabalhadores (as) conviverem sem o domínio do código escrito para situarem-se nas mudanças bruscas do modelo econômico ou mobilizaremse com naturalidade nos cotidianos gestos de sentir-se e exercer direitos sociais conquistados na luta por uma vida digna e de qualidade. Neste sentido, a efetivação de uma proposta curricular coerente com a realidade da EJA em Alagoas, necessitam ocorrer através de uma concepção metodológica de avaliação e currículo que valorizem o conhecimento, a produção e a socialização dos conhecimentos dos sujeitos, deve-se, portanto, construir a contemporaneidade de uma EJA em Alagoas marcada pela criatividade, por sonhos e utopias que humanizam educadores (as) e educandos. Devendo, para tanto, ultrapassar as barreiras de conteudismo e encontrarmos o lugar mais adequado para a construção de conceitos, determinando aos conteúdos o lugar de meio e não fim do (e no) processo de ensino aprendizagem em EJA. Estudos recentes vêm mostrando a importância de se repensar o currículo, levando em consideração o conhecimento das vidas dos/as alunos/as, sujeitos de aprendizagem. E esse conhecimento surge da prática social e educativa. Silva (2005) faz uma discussão sobre as teorias do currículo, das quais aprofundaremos as reflexões sobre a teoria crítica. O autor afirma que para se refletir sobre alguma teoria do currículo, é preciso entender qual tipo de conhecimento deve ser ensinado, quais questões essas teorias buscam responder. O currículo, como afirma Silva (2005, p.15): “é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes selecionado aquela parte que vai construir precisamente o currículo”. Conhecendo essa realidade, o texto aqui proposto se organizará metodologicamente da seguinte maneira: I. indentidade e currículo da EJA em Alagoas, II. História e Cultura Afrobrasileira no espaço da escola: o trato com a questão Racial. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1380 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino 1. INDENTIDADE E CURRÍCULO DA EJA EM ALAGOAS Mesmo havendo uma certa procura em direção a escolaridade no Estado de Alagoas percebemos que ainda existe muitos analfabetos totais e funcionais no Estado, basta avaliarmos índices nacionais e compararmos com os do Estado e os da capital, do município de Maceió: O analfabetismo acima de 10 anos é de 22,5%, quase três vezes a média nacional que é de 9,02%, (IBGE, 2010); e o IDEB publicado em 2012 referente ao 5º ano do Ensino Fundamental, permanece sendo o mais baixo do Brasil com 2,9. Um dos principais fatores que cooperam para que essa realidade não mude no Estado é que a proposta curricular do Estado, para a modalidade está obsoleta, sendo desconhecida da maioria dos educadores da EJA, desta maneira, estes profissionais acabam utilizando em sua prática pedagógica conteúdos descontextualizados da realidade dos sujeitos. Essa realidade nos indica a necessidade de reestruturarmos o currículo das nossas escolas, com uma nova perspectiva de romperemos com a política de implantação de um currículo baseado na cultura dominante, predeterminado imposto de cima para baixo, que tenta a todo custo atender as necessidades do mercado de trabalho, sem levar em conta a realidade e as dificuldades dos principais interessados no processo no educacional – os educandos. Diante desta ausência, percebe-se ao visitarmos algumas escolas que ofertam EJA no Estado que o trabalho realizado para esse público continua acontecendo numa perspectiva compensatória, desta forma, prevalece, na maioria dessas instituições, a incorporação de um currículo oculto, no qual é ensinado pontualidade, asseio e subserviência ( Apple 1989. p.83). Conhecendo essa problemática a Superintendência de Políticas Educacionais de Alagoas, mais especificamente através da gerência de EJA, decide reformular a proposta curricular existente para EJA, uma vez que ao analisarmos este documento percebemos que a mesma não contempla questões referentes a diversidade cultural e identitária dos sujeitos/alunos da EJA. Este projeto está alicerçado nos conceitos Freireanos, é uma proposta que pretende trazer a tona toda discussão atualizada sobre a EJA, conceitos, currículo, sujeitos, acesso e permanência, bem como, a legislação especifica que norteia o trabalho com a modalidade no país, e mais especificamente no Estado de Alagoas. Compreendemos que com essa proposta curricular auxiliaremos os professores da EJA a superarem a visão, muitas vezes limitadora e preconceituosa, de que os educandos da EJA não conseguem aprender, “tem muita dificuldade” ou que “não querem nada”, da mesma maneira, estaremos implantando no Estado uma política de formação continuada que nos ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1381 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino possibilite construir nas escolas uma prática educativo-crítica para o público da EJA, conforme nos indica Freire ( 2002. p. 79), quando ele nos aconselha que: “Em nome do respeito que devo aos alunos não tenho por que me omitir, por que ocultar a minha opção política, assumindo uma neutralidade que não existe”. No entanto, isso só acontecerá quando enxergamos nossos educandos como sujeitos históricos que necessitam aprender não só para aceitar tudo passivamente, mas que precisam aprender para “interferir” mudando a sua realidade, transformando as atuais escolas em ambiente de reflexão, para podermos romper com a visão tradicional da “educação bancária”. Uma vez que para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma adoção ou uma imposição - um conjunto de informes a ser depositados nos educandos - mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 2005, ). Ao avaliarmos a realidade acima apresentada, percebemos a urgência de uma mudança nos currículos de nossa escolas públicas. Entendemos que a melhor alternativa metodológica para uma prática educativa reflexiva é seguirmos uma postura dialógicoinvestigativa, pois, pretendemos criar condições para despertar nos educandos uma postura que seja, da mesma maneira dialógica e transformadora. Sobretudo considerando a realidade dos educandos. Os Jovens e Adultos que frequentam as turmas da EJA, em Alagoas são pessoas que possuem conhecimentos adquiridos na vida cotidiana, através das experiências com familiares, comunidade, mundo do trabalho, e em saídas e entradas da escola. Podem ser caracterizados de acordo com a visão de Freire (2001), como pessoas que possuem uma leitura de mundo que antecede a leitura da palavra. Entretanto, muitas vezes, as experiências anteriores e os conhecimentos prévios desses alunos são simplesmente apagados ao chegarem à escola. Em geral, esses sujeitos voltam à escola reconhecendo que o aprendizado alcançado anteriormente, de maneira formal ou informal, não lhes garantiu a independência e a inclusão desejada numa sociedade competitiva e excludente. Observam, portanto, que seus níveis de leitura e de escrita os colocam sempre em posição de desvantagens perante aqueles que dominam essas habilidades. Sendo assim, apresentam o sentimento de incapacidade e incompetência diante da aprendizagem. Entretanto, a escola finge não enxergar essa realidade e tentam impor um currículo padrão, desrespeitando a diversidade em nome da competitividade. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1382 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Em seus depoimentos os educandos afirmam que o retorno à escola deve-se à imposição do mercado de trabalho e, para outros, há o desejo de adquirir as habilidades básicas de leitura e escrita. Segundo esses mesmos alunos, entre os adultos prevalece a ansiedade em adquirir as habilidades de leitura para, sozinhos, realizarem a leitura dos livros religiosos (a exemplo a Bíblia), conseguir “pegar” ônibus sem necessitar de ajuda de outras pessoas, ler extratos bancários, ler receitas culinárias, enviar e receber mensagens no celular. Entre outros, para os jovens e adolescentes a necessidade mais urgente em relação à aquisição da leitura é o desejo da elevação da escolaridade para o ingresso no mercado de trabalho. Os jovens da EJA veem na escolarização, através da leitura, a possibilidade de ascensão profissional e pessoal. Assim, esses demonstram grande interesse por diferentes práticas de leitura. Muitos deles são oriundos de famílias analfabetas, por isso esperam que as instituições lhes possibilitem a apropriação da leitura para usá-la no dia-a-dia ou no mundo trabalho, exercendo melhor seus papéis na sociedade. Esses indivíduos são, em grande maioria, vítimas da indiferença, do desemprego e do descaso, socialmente estigmatizados e excluídos, e muitas vezes, vítimas ou envolvidos em casos de violência. Na escola, como nos chama atenção Andrade (2004), de maneira geral são tratados como uma massa de alunos, sem identidade, qualificados sob diferentes nomes: repetentes, evadidos, defasados, relacionados diretamente ao chamado "fracasso escolar". São oriundos da periferia – os “fugitivos da seca” que assola a zona rural. Acreditamos que isso se deva a quase inexistência de políticas públicas que gerem empregos e rendas para a população do Estado e do município, tanto na zona urbana como na rural. Esses educandos e educandas se autodeclaram de cor branca e de religião católica. Isso ocorre porque esses sujeitos não reconhecem suas diversidades culturais e sociais, pois desde sempre a escola impôs um currículo único, no qual não é respeitada nem a diversidade cultural, nem a realidade dos educandos, como Giroux (1988, p. 63, 64) nos alerta: Suas peculiaridades, contradições e a qualidade do que é vivido ficam dissolvidas sob a ideologia do controle e do gerenciamento. Em nome da eficiência, os recursos e a riqueza das histórias de vida dos estudantes são ignorados. Grande parte desses educandos já frequentou escolas em horário diurno durante anos, tendo uma história escolar marcada por múltiplas reprovações, o que faz com que cheguem à EJA como alunos marcados pelo fracasso. Por conta da idade avançada, mais de 15 anos, acabam sendo empurrados para a referida modalidade. Dessa maneira, podemos observar uma enorme demanda de jovens com idade entre 15 e 18 anos frequentando o ensino ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1383 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino noturno. Alguns deles não se escolarizaram no tempo considerado devido por terem sido obrigados a realizar trabalhos infantis/escravizados no período de infância. A maioria de suas famílias vivem abaixo da linha da pobreza, sentindo-se vítimas do alto índice de discriminação e preconceito a que são submetidos quando estão fora de suas comunidades, já que, muitas vezes, para conseguir empregos, realizar compras, entre outros; necessitam omitir seus endereços. Essa difícil realidade faz com que esses indivíduos se percebam excluídos e discriminados, pois a todo momento a sociedade, com seu poder, auxiliada pela mídia, enfatiza a inferioridade de moradores de favelas ou grotas, afirmando que eles são desocupados e perigosos. Entretanto, esse processo ideológico não ocorre de forma explícita, ao contrário, acontece de forma camuflada, penetra no discurso e vai aos poucos sendo disseminado na sociedade sem resistência, quando percebemos já se tornou senso comum. Sendo assim, nós que realizamos a educação do país temos a obrigação de transformar as atuais escolas em ambiente de reflexão, para podermos romper com a visão tradicional da “educação bancária”. Principalmente, em nossas escolas públicas onde os alunos pertencem a classe menos favorecida. II. História e Cultura Afro-brasileira no espaço da escola: o trato com a questão Racial Percebemos que a escola pública em Alagoas ainda é omissa no trato das questões raciais dentro do seu espaço, seja pelo fato de desconsiderar o problema, tratá-lo de forma menor ou mesmo fingir que essas questões não existem. Os acontecimentos sobre casos de discriminação racial nas escolas evidenciam a existência do problema racial nesse espaço, reproduzindo o que já acontece na sociedade, perpetuando assim, desigualdades de tratamento. Isso reforça que “Em muitas escolas públicas, a diversidade racial permanece diluída no cotidiano escolar, como se não constituísse aspecto importante para alunos e alunas.” (CAVALLEIRO, 2001, p.148). Mesmo com toda a dificuldade em Alagoas ignora-se as especificidades dos educandos, o que prevalece na grande maioria das escolas da rede pública é justamente a incorporação de um currículo oculto no qual é ensinado pontualidade, asseio e subserviência, como afirma Apple (1989. p.83): Vemos as escolas como um espelho da sociedade, especialmente o currículo oculto das escolas. A “sociedade” precisa de trabalhadores dóceis; as ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1384 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino escolas através de suas relações sociais e de seu currículo oculto, garantem de alguma forma a produção dessa docilidade. Trabalhadores obedientes no mercado de trabalho são espelhados no “mercado das idéias” da escola. Além de refletirmos sobre essas considerações, nós que fazemos a EJA em Alagoas necessitamos agir frente às necessidades apresentadas, iniciemos repensando o currículo das nossas escolas, Essa nova postura não solucionará todos os problemas dos alunos e da escola, mas ao menos romperemos com a política de implantação de um currículo baseado na cultura dominante, predeterminado imposto de cima para baixo, que tenta a todo custo atender as necessidades do mercado de trabalho, sem levar em conta a realidade e as dificuldades dos principais interessados no processo educacional, os alunos. Sendo assim, entendemos que a melhor alternativa metodológica para uma prática educativa reflexiva na EJA é seguirmos uma postura dialógico-investigativa, pois, pretendemos criar condições para despertar no educando uma postura que seja, da mesma maneira dialógica e transformadora. Por acreditarmos que essa alternativa metodológica nos possibilitará uma prática educativa que nos aproxime de nosso educandos, a Gerência de EJA está propondo a elaboração de uma proposta pedagógica para a EJA do estado, estabelecendo uma relação dialógica com a realidade dos sujeitos EJA, como afirma Silva (2005. p. 54). A escola e o currículo devem ser locais onde os estudantes tenham a oportunidade de exercer as habilidades democráticas da discussão e da participação, de questionamento dos pressupostos do senso comum da vida social. Por outro lado, os professores e as professoras não podem ser vistos como burocratas, mas como pessoas ativamente envolvidas nas atividades da crítica e do questionamento, a serviço do processo de emancipação e libertação. Assim, é indispensável que as escolas da EJA discuta coletivamente para discutir a concepção de currículo que se pretende adotar, mas que considerem, ainda, neste processo a proposta curricular elaborada pela Secretaria Estadual de Educação toma como referencia as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA, o Plano Estadual de Educação e toda legislação vigente no país para a modalidade. Nesse sentido, Moreira e Candau (2008,p.24), afirma que: § Uma Base Nacional Comum, com a qual se garante uma unidade nacional, para que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao exercício da vida cidadã. A Base Nacional Comum é, portanto, uma dimensão obrigatória dos currículos nacionais e é definida pela União. § Uma Parte Diversificada do currículo, também obrigatória, que se compõe de conteúdos complementares, identificados na realidade regional e local, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1385 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino que devem ser escolhidos em cada sistema ou rede de ensino e em cada escola. Assim, a escola tem autonomia para incluir temas de seu interesse. [,,,] É através da construção da proposta pedagógica da escola que a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada se integram. A composição curricular deve buscar a articulação entre os vários aspectos da vida cidadã (a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente, o trabalho, a ciência e a tecnologia, a cultura, as linguagens) com as áreas de conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Educação Religiosa). Assim, propõem-se uma proposta que considere a base comum nacional, mas que possibilite a elaboração de um currículo interdisciplinar, próprio da escola, via abordagem temática, através de uma formação permanente, que visa desencadear junto ao corpo docente da escola um posicionamento crítico-prático, tomando como foco primordialmente uma educação que considere as relações étnico-raciais como salienta Silva, P. (2007, p. 489): A educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnicoraciais e sociais. Em outras palavras, persegue o objetivo precípuo de desencadear aprendizagens e ensinos em que se efetive participação no espaço público. Isto é, em que se formem homens e mulheres comprometidos com e na discussão de questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e valorizar visões de mundo, experiências históricas, contribuições dos diferentes povos que têm formado a nação, bem como de negociar prioridades, coordenando diferentes interesses, propósitos, desejos, além de propor políticas que contemplem efetivamente a todos. Assim, percebemos que a escola tem como característica ser um espaço de conflito no qual, crianças, adolescentes e adultos, negros/as, sentem dificuldades de construir de maneira positiva sua identidade e auto-estima. A identidade se dá pelo reconhecimento positivo ou negativo que o outro faz de cada um de nós, influenciando como nos percebemos e como percebemos o grupo a que pertencemos. Segundo Brandão (1986): as identidades são representações inevitavelmente marcadas pelo confronto com o outro: por se ter estado em contato, por ser obrigado a se opor, a dominar ou ser dominado, a tornar-se mais ou menos livre, a poder ou não constituir por conta própria o seu mundo de símbolos e, no seu interior, aqueles que qualificam e identificam a pessoa, o grupo, a minoria, a raça, o povo. Identidades são, mais do que isto, não apenas o produto inevitável da oposição por contraste, mas o reconhecimento social da diferença. Em sua tese Franco (2008) afirma que “muitas vezes o aluno só se descobre enquanto negro, no momento da relação com o outro (vizinho, colega, professor), no momento em que ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1386 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino as diferenças são estabelecidas.” Desta forma, nas relações sociais estabelecidas, família, comunidade, amigos/as se constrói uma identidade pessoal. Percebe-se que a idéia que o sujeito faz de si mesmo é intermediada pelo diálogo com o outro. Como afirma Gomes (2005, p. 9): É nesse sentido que entendo identidade negra como uma construção social, histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de diálogos. Ela implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro. No conceito de diferença usaremos Silva (2005, p. 88): Do ponto de vista mais crítico, as diferenças estão sendo constantemente produzidas e reproduzidas através de relações de poder [...]. Na medida em que elas estão sendo constantemente feitas e refeitas, o que se deve focalizar são precisamente as relações de poder que presidem sua produção. Diferença que a escola precisa reconhecer e respeitar, pois no seu interior há diferentes experiências sócio-culturais e que refletem diversas formas de inserção social: há empregados/as formais/informais, desempregados/as, jovens que não conseguiram seu primeiro emprego. Para entendermos currículo usaremos a definição de Silva, (2004, p. 57): O currículo escolar é entendido não mais como um rol de conhecimentos preestabelecidos por diferentes disciplinas e presumivelmente indiscutíveis e imparciais, mas como uma escolha intencional de concepções de mundo, de valores e de homem que, em um determinado momento histórico, seleciona práticas sociais atendendo a interesses que nem sempre são explícitos e conscientes, preservando tradições culturais e de classes sociais, com a perspectiva de legitimar e perpetuar organizações socioculturais hegemônicas e ratificando o “capital cultural” coadunado a um “currículo oculto”. Entendemos, assim que o currículo escolar deve proporcionar aos sujeitos o enfrentamento dos problemas e injustiças da vida cotidiana. As salas de aula têm que ser espaço em que os homens e mulheres sejam estimulados/as a criticar, questionar todas as informações que entrem em contato. Analisando o que fora acima citado a gerência de EJA, da Secretaria do Estado de Educação e do Esporte percebe a urgência de se implementar nas escolas da EJA, da rede estadual uma proposta curricular que traga para toda comunidade escolar um conhecimento aprofundado da diversidade como um todo e mais especificamente da diversidade étnicoracial. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1387 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Esse processo pretende-se que aconteça de maneira coletiva, com momentos de estudos por área, nos quais os professores da Rede Estadual poderão construir um curricular interdisciplinar por área do conhecimento, acreditamos que assim esses profissionais conseguirão auxiliar os educandos a superarem a visão ingênua que eles possuem em relação aos principais problemas vivenciados no seu cotidiano. Não é possível haver uma experiência pedagógica, desvinculada das questões culturais, educação e cultura não podem ser analisadas desvinculadas. Na atualidade a cultura não deve ser ignorada no espaço escolar, pois cairemos no erro de nos distanciarmos dos universos simbólicos, dos sujeitos inseridos nos espaços escolares. No Brasil a questão multicultural se apresenta de maneira diferenciada, onde a história dos grupos indígenas e afrodescendentes acontecem de forma dolorosa e trágica. Como afirma Candau (2008, p.17): A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do ‘outro’ ou por sua escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade. A problemática multicultural nos coloca de modo privilegiado diante dos sujeitos históricos que foram massacrados, que souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades e lutando por seus direitos. É sabido que a educação é um processo constitutivo da humanidade, por isso está presente em toda e qualquer sociedade e que a escolarização, especificamente, é um dos recortes desse processo educativo mais amplo. Tanto neste âmbito mais geral quanto na educação escolar, realizamos aprendizagens de natureza mais diversas e construímos diferentes representações e valores. Nessa vertente, essa propostas curricular da EJA necessita favorecer uma formação humana que entendam quem são esses sujeitos e que processos pedagógicos deverão ser desenvolvidos para dar conta de suas especificidades. A EJA voltada para a formação humana deverá entender: [...]a pluralidade dos seus sujeitos, compostos de conhecimentos, atitudes, linguagens, códigos e valores que, muitas vezes, são desconhecidos ou vistos de forma desvalorizada pela cultura escolar e pelos currículos tradicionalmente oferecidos. Deve abandonar os modelos tradicionais de suplência e inventar novos modos. Os conteúdos curriculares precisam ser pensados no contexto da identidade e das aspirações dos diversos sujeitos da EJA. (ANDRADE, 2004, p. 4). Por isso, a proposta aqui apresentada pretende garantir ao trabalhador e à trabalhadora da EJA a elevação da escolaridade e as condições da continuidade de ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1388 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino aprendizagens, mediante estudo das diversas áreas de conhecimento, tomando a realidade cultural e natural como objeto de pesquisa/estudos, reafirmando a construção de sua identidade, considerando suas histórias de vida e experiências vividas. Assim, os princípios e as perspectivas dos processos educativos, defendidos nessa proposta curricular, construída por essa gerência para a Educação de Jovens e Adultos deve permitir que se garanta a análise das vivências econômicas, políticas, ideológicas, e escolares, numa palavra, culturais, de forma crítica, democrática, libertadora e transformadora servindo de experiência para o aluno em sua vida social. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS Enfim gostaríamos de reafirmar a importância de juntamente com o grupo de educadores das escolas da Rede Estadual de Educação refletirmos sobre um processo de reconstrução curricular baseado na realidade da EJA em Alagoas. Este trabalho culminará em uma proposta curricular interdisciplinar, baseado na Lei 10.639/2003, essa nova cultura curricular está significando, para todos nós que fazemos a escola pública em Alagoas uma superação do individualismo pedagógico e o fortalecimento do coletivo pedagógico sistemático e dinâmico, esses temas transitarão pelos âmbitos local, micro e macro da sociedade, possibilitando, assim, aos sujeitos estudantes e professores integrantes da nossa realidade a reflexão e compreensão de sua realidade, para conseguir transformá-la. REFERÊNCIAS ANDRADE, E.R. Os sujeitos educandos na EJA. Rio de Janeiro, mimeo, 2006. APPLE, M. Conhecimento técnico, desajustamento e estado: a mercantilização da cultura. In: APPLE, M. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. COSTA, B, M, A. et.all. A formação de professores(as): discutindo um velho problema. In: FREITAS, Q, L, M, e COSTA, B, M, A (ORG). Proposta de formação de alfabetizadores em EJA. Maceió: Edições Bagaço, 2007. 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ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1391 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino DIVERSIDADE E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS: OLHARES PARA A PROPOSTA CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL DO RECIFE Roseane Maria de Amorim32 RESUMO Este artigo pretende contribuir com o debate sobre a educação das relações etnicorraciais problematizando a proposta curricular da Rede Municipal do Recife. A discussão é fruto de uma pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Nessa pesquisa, procuramos compreender a vivência das relações etnicorraciais nas práticas curriculares escolares de professores e estudantes. Nesse sentido, indagamos: a Rede Municipal do Ensino tem investido nas discussões sobre diversidade e a educação das relações etnicorraciais? O caminho escolhido implica adotar algumas categorias teóricas centrais para a análise do objeto da nossa investigação. Sabemos que o debate curricular pode ajudar professores e professoras, gestores de ensino e diversos profissionais ligados à educação na compreensão das múltiplas dimensões envolvidas no trato com as questões educacionais, possibilitando que as mesmas deixem de ser vistas apenas como algo estritamente pertencente às instituições de ensino e à sala de aula. Dentre as categorias trabalhadas ao longo da tese, destacamos: currículo, práticas curriculares, diversidade e relações etnicorraciais. Na realização deste artigo, dialogamos com Kramer (1999) Moreira (1999), Freire (1992) Batista (2010), Amorim (2004), entre outros autores. Palavras-chave: Currículo. Propostas curriculares. Educação e relações etnicorraciais. DIVERSITY AND RELAÇÕES ETNICORRACIAIS: GLANCES FOR THE PROPOSTA CURRICULAR OF THE MUNICIPAL NET OF THE REEF ABSTRAT This article intends to contribute with the debate about the education of the relationships etnicorraciais problematizing the proposal curricular of the Municipal Net of Recife. The discussion is fruit of a doctorate research accomplished in the Program of Masters degree in Education of the Federal University of Pernambuco. In that research, we tried to understand the existence of the relationships etnicorraciais in the practices school curriculares of teachers and students. In that sense, we investigated: has the Municipal Net of the Teaching been investing in the discussions about diversity and the education of the relationships etnicorraciais? The chosen road implicates to adopt some central theoretical categories for the analysis of the object of our investigation. We know that the debate curricular can help teachers and teachers, teaching managers and several linked professionals to the education in the understanding of the multiple dimensions involved in the treatment with the educational subjects, making possible that the same ones leave of being just seen as something strictly belonging to the teaching institutions and to the class room. Among the categories worked along the thesis, we highlighted: curriculum, practices curriculares, diversity and relationships etnicorraciais. In the accomplishment of this article, we dialogued with Kramer (1999) Moreira (1999), Freire (1992) Batista (2010), Amorim (2004), among other authors. Word-key: Curriculum. Proposals curriculares. Education and relationships etnicorraciais. 32 Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1392 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino INTRODUÇÃO Inicialmente, pode-se dizer que este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Nessa pesquisa, procuramos compreender a vivência das relações etnicorraciais nas práticas curriculares escolares da Rede Municipal do Recife. Nesse sentido, indagamos: a Rede Municipal do Ensino tem investido nas discussões sobre diversidade e a educação das relações etnicorraciais? O currículo, como o coração de todo trabalho educativo, é sempre um espaço contestado, lugar de exercício de poder, de conflito e contradições. É uma possibilidade ou um vim a ser. O currículo é também um lugar de memória coletiva, de esperanças e de concretização de desejos e utopias. Sabemos que o debate curricular pode ajudar professores e professoras, gestores de ensino e diversos profissionais ligados à educação na compreensão das múltiplas dimensões envolvidas no trato com as questões educacionais, possibilitando que as mesmas deixem de ser vistas apenas como algo estritamente pertencente às instituições de ensino. Em consequência, esse debate poderá proporcionar um maior entendimento sobre questões relacionadas à sociedade mais ampla e, em particular, à educação escolar (AMORIM, 2004). Assim sendo, o currículo pode ser pensado como espaço de criação, recriação e difusão da cultura. Portanto, o currículo tomado como movimento institucional representado por interesses conflitantes (SANTIAGO, 1997) nos faz rever as formas de pensar os conteúdos selecionados, as atividades, as festividades vivenciadas nas práticas escolares e o porquê dos silêncios e das ausências de certos temas na escola e também na sociedade mais ampla, a exemplo do que observamos como o trato das relações etnicorraciais. É possível dizer, portanto, que o currículo é um modo de organizar as práticas educativas, isto é, é uma construção social e cultural que envolve também a visão de mundo dos diferentes grupos sociais. Sendo assim, o currículo, de certa forma, constitui significativo instrumento utilizado por diferentes membros dentro de uma mesma sociedade ou de sociedades diferentes como meio de conservação, de transformação e de renovação do conhecimento historicamente construído (MOREIRA, 1997). O trato com a diversidade e a questão etnicorracial é um desafio para todos que trabalham com o campo educacional. Com o objetivo de dar conta de alguns pontos dessa discussão, procuramos no primeiro momento fazer algumas considerações sobre proposta ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1393 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino pedagógica e a questão etnicorraciral, para depois analisarmos a proposta pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife. PROPOSTAS CURRICULARES OU PEDAGÓGICAS E A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE ETNICORRACIAL: O QUE PODEMOS DIZER? Uma proposta curricular ou pedagógica33 se configura como uma promessa, como um devir. Contudo, uma proposta não pode ser pensada como uma alternativa mágica, ela precisa ser tecida e construída num processo contínuo de interação e debate. Por isso, ela (a proposta) não pode negar os saberes consolidados pelos educadores e educadoras (KRAMER, 1999). Toda proposta pedagógica tem uma história e um movimento. Uma história que envolve os diversos autores na sua construção e na vivência daquilo que foi pensado num determinado momento e espaço. Uma proposta pedagógica é algo construído num movimento contínuo em passado, presente; é sempre uma aposta que algo será mudado, consolidado e construído. Ela também deveria ser um lugar em que o diálogo é sempre o objetivo a ser atingido. As contradições surgidas ao longo do caminho precisam promover reflexões em diferentes âmbitos. Dentre as definições existentes, o currículo pode ser entendido também como conjunto de experiências vividas pelos sujeitos na educação escolarizada, ou até no processo de aprendizagens vivenciado na educação informal. Assim, o currículo constitui hoje o alvo privilegiado dos políticos e dirigentes das redes de ensino por ser o coração do trabalho educativo. Assim sendo, uma proposta pedagógica para a educação é sempre um desafio, é um convite, é um projeto político de sociedade. Portanto, não tem como trazer respostas prontas para serem implementadas. Por outro lado, já sabemos que a prática pedagógica não é transformada por propostas bem escritas, sendo necessárias melhores condições de trabalho e salariais, a participação dos envolvidos, dentre outras questões (KRAMER, 1999). As práticas curriculares escolares correspondem ao conjunto de ações e experiências que envolvem educadores (professores e outros profissionais que estão em outras funções, tais como coordenadores, diretores, apoio, etc.), estudantes, pais, materiais didáticos (livros, quadro, encartes, gibis, tarefas, etc.), organização dos diversos espaços (como as coisas são 33 Com base em Kramer (1999), não estabeleço diferença conceitual entre proposta pedagógica e proposta curricular. Compreendo tanto uma como a outra como algo dinâmico, complexo, dinâmico e flexível. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1394 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino organizadas e distribuídas, tais como mural, organização das salas, refeitórios), prática docente, metodologia, festividades, celebrações, planejamentos coletivos ou individuais, projetos, processos avaliativos, relações sociais que se expressam por meio de gestos, falas e escritas, silêncios, ausências, símbolos, entre outras formas. Por essa razão, entendemos que as práticas curriculares estão inseridas no contexto da prática pedagógica. A esse respeito, é oportuno lembrar que as práticas curriculares vivenciadas nas escolas por professores/as e estudantes podem ser compreendidas como espaço de relações etnicorraciais no qual se dão as experiências. Assim, entendemos que, nas práticas curriculares, há probabilidades de o/a estudante discutir elementos da sua cultura e, portanto, confrontar as possibilidades de ser e de estar no mundo, além de negociar possibilidades de construção de identidades que historicamente foram negadas e silenciadas. Nesse sentido, a educação das relações etnicorraciais é um termo chave para se entender as experiências vividas por professores/as e estudantes no cotidiano escolar. Com base em Silva (2009), é possível afirmar que elas podem ser compreendidas como um conjunto de dinâmicas estabelecidas entre os diversos grupos sociais e entre os indivíduos do mesmo grupo, orientadas por conceitos, ideias sobre as diferenças e semelhanças relativas ao pertencimento racial e étnico e de todas as consequências desse pertencimento, isto é, nós e os outros pertencemos a determinados grupos e esse pertencimento acarreta consequências e hierarquizações nas relações entre sujeitos e grupos. É fulcral que esteja claro para os/as pesquisadores/as que as políticas curriculares, e isso inclui as leis, os documentos diversos e os contextos das práticas nas escolas, se dão em meio a muitos embates e conflitos. Os educadores, portanto, precisam estar preparados para participarem desses debates. É possível dizer, diante da realidade atual, que tanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana como a Lei nº 10.639/2003e a 11.645/2008 constituem avanços nas políticas curriculares do Brasil contemporâneo. A efetivação dessas políticas nas práticas cotidianas, entretanto, depende de muitos fatores. Talvez, o primeiro passo esteja relacionado ao processo de formação inicial e continuada de docentes e, claro, melhores condições salariais e de trabalho. A PROPOSTA CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL DO RECIFE: O QUE É DITO E O QUE É SILENCIADO EM RELAÇÃO A IDENTIDADES CULTURAIS E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1395 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A Rede Municipal do Recife, em momentos diferentes, teve como política, com o apoio da formação continuada, a construção de um constante diálogo com os professores e as professoras através de socializações das experiências vivenciadas nas práticas curriculares. Para exemplificar essa situação, analisamos o livro Respeitando as diferenças no espaço escolar, publicado em 2007. Assim, o esforço do documento é de fazer uma reflexão teóricoconceitual quanto a uma avaliação crítica sobre o que é produzido e vivenciado no cotidiano escolar. Nessa relação mundo escola, é lembrado que [...] a Conferência Mundial contra o Racismo e a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas da Intolerância (Burban, 2001) solicitou que os Estados desenvolvessem programas culturais e educacionais que combatam o racismo, a discriminação racial, a Xenofobia e intolerância correlata, com o intuito de assegurar o respeito à dignidade e o valor de todos os seres humanos e para aumentar o entendimento mútuo entre todas as culturas e civilizações. Tais programas e campanhas devem ser dirigidos a todos os setores da sociedade, em particular as crianças e aos jovens. Além disso, recomendou a correção e revisão de livros e currículos para a eliminação de quaisquer elementos que venham promover racismo, discriminação racial e intolerância correlata ou reforçar estereótipos negativos [...] (RECIFE, 2007, p. 22). Esse documento, distribuído para uma parcela de professores e professoras que participavam da formação continuada, vai buscar nas políticas internacionais o respaldo para a legitimação do seu discurso. Não é diferente também em relação aos documentos nacionais. Assim, é afirmado no referido material: “na década de 1990, o Governo Federal aprovou os novos Parâmetros Curriculares Nacionais que preconizam temas transversais, entre os quais, Orientação Sexual, Raça e etnia” (RECIFE, 2007, p. 22). Batista (2010, p. 300) vai dizer o seguinte em relação ao papel das políticas internacionais e a questão local: Em 2004, iniciamos nossa participação como um dos membros representantes da Secretaria de Educação do Recife no combate ao Racismo Institucional (PCRI). Nesse momento alguns funcionários públicos da Prefeitura do Recife, militantes e simpatizantes do movimento negro e aqueles que reconhecem o direito à cidadania, levaram como desafio a discussão do Programa de Combate ao Racismo Institucional. Tiveram como parceiro o Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID), com a finalidade de apoiar de maneira integrada o desenvolvimento de ações no setor público municipal na prevenção e combate ao racismo institucional e a sociedade civil na avaliação e monitoramento desse processo. Irremediavelmente, a desconstrução das lógicas binárias construídas na modernidade constitui um desafio constante. Este desafio precisa desencaixar as pessoas de ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1396 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino determinadas lógicas, regras e categorias construídas e efetivadas ao longo do processo histórico. No dizer de uma professora entrevistada em nossa pesquisa, [...] só através da educação, da informação, do estudo, da análise de situações do cotidiano é possível mudar o preconceito. É perverso que a escola não utilize seu poder para eliminação do preconceito e pior ainda, mais perverso, é que todos os meios de comunicação não se mobilizam para essa coisa horrorosa (Professora de Artes da RMER). De todo modo, a inserção dessas temáticas na Rede Municipal do Recife vem acontecendo gradativamente, através de esforços diversos. Essas ações, em diferentes medidas, têm possibilitado sensibilizações para a importância do debate, para despertar nas pessoas o envolvimento com a transformação da sociedade. As pessoas precisam entender que o currículo forja os sujeitos, logo está intrinsecamente relacionado com a construção das subjetividades e das identidades dos sujeitos. Nesses novos diálogos e itinerários, são seguidas outras demandas. Mas esses caminhos trilhados não podem ficar presos a momentos pontuais; é preciso uma realimentação da prática o tempo todo. No entanto, a formação docente em relação a essa questão tem acontecido “com pouca frequência, limitada a dois seminários (março e novembro)”. Como afirma França (2008, p. 223). [...] neste prisma, o campo educacional, ao reinventar a escola, tem na formação continuada uma aliada em todo esse processo, se constituindo numa prática salutar e propícia quando, ao subsidiar o professor, afloram indicadores reais e qualitativos para o repensar de sua prática, ou seja, os professores assumem-se pesquisadores de suas práticas, de modo a tomarem consciência da razão de ser das mesmas, bem como seu potencial transformador. Assim, o processo de formação continuada incorpora novas teorias à carga de experiências construídas pelos professores numa ação dialógica de sua intervenção. A análise dos textos oficiais pode ser entendida como discurso pedagógico oficial que regula a produção, o conhecimento e introduz mudanças nos discursos e que, por sua vez, pode gerar a recontextualização da própria prática. Na relação macro-micro, esse discurso pedagógico em forma de texto constituiu uma seleção que expressa as vozes de vários autores (BERNSTEIN, 1996). Assim, teria existido, de fato, na experiência da Rede Municipal do Recife uma reestruturação das políticas e das práticas curriculares a partir das lutas dos movimentos sociais e das políticas de âmbito federal. No que se refere às possibilidades e aos efeitos na formação e na transformação dos e das estudantes, não podemos afirmar que estes tenham ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1397 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino causado transformações radicais e positivas. O processo de cumprimento da lei não é linear, é um processo de idas e vindas, de embates e negociações. A Rede Municipal do Recife precisa caminhar muito em relação às discussões sobre a educação das relações etnicorraciais no âmbito escolar. Um dos textos presente no livro Respeitando as diferenças no cotidiano escolar diz respeito à educação antirracista no âmbito escolar. Desse modo, é afirmado no material “que é relevante conceder aos educadores a possibilidade de identificação com a causa, a inserção do negro(a) na cultura brasileira em sua diversidade, o reconhecimento da identidade negra na formação da identidade brasileira” (RECIFE, 2007, p. 75). Nesse sentido, o foco recai sobre as relações vividas entre estudantes e educadores no cotidiano escolar. Por isso, é preciso discutir com esses profissionais suas angústias e necessidades para que a partir daí possamos buscar alguns encaminhamentos. Entretanto, como bem salientam os autores do referido texto, ainda encontramos nas nossas escolas professores e professoras que compreendem que discutir sobre a educação das relações etnicorraciais não é tarefa da escola e que o preconceito racial não existe no cotidiano escolar. Por outro lado, a situação descrita não corresponde ao pensamento de todos e todas. Há, portanto, envolvimento de professores e professoras no sentido de implementar essas discussões no espaço escolar. Há também aqueles e aquelas que não percebem que o currículo tem vinculação com o que se passa na sociedade. Por isso, não se pode negligenciar a discussão do currículo na formação de professores e professoras, pois é importante que os/as professores/as entendam que o currículo não está desvinculado do processo de exclusão e inclusão que tem sido vivido na sociedade. Entendê-lo, nesse sentido, levará os gestores(as) e os educadores(as) a repensarem as práticas escolares e, em particular, as práticas curriculares. O currículo constitui, por isso, um processo intenso de significação e pode ser utilizado nas sociedades tanto como instrumento de conservação como também de inovação. “Em virtude da importância desses processos, a discussão em torno do currículo assume cada vez mais lugar de destaque no conhecimento”, como salienta Moreira (1997, p. 11). Com base nesse entendimento, é preciso conhecer o campo curricular para poder dialogar com a realidade de modo que possamos tomar decisões mais conscientes. Objetivando compreender o que se passa na prática, a Rede Municipal do Recife, por meio dos gestores e a equipe de ensino, procurou no referido documento conhecer as práticas e escrever o relato de seis experiências vivenciadas no espaço escolar. Dessas seis experiências, ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1398 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino três dizem respeito à educação das relações etnicorraciais. O quadro abaixo explicita essa questão. Quadro 1 – Experiência no espaço escolar Título da Experiência Autora A questão racial na escola Poeta Paulo Bandeira da Cruz Daisy Rodrigues Quirino Relações raciais: conhecendo e respeitando as diferenças Elizama Pereira Messias Convivendo com a diversidade Ginalva Costa de Sousa Fonte: Bezerra (2007). Conhecer o que se passa nas práticas escolares e ouvir o que esses/as professores/as dizem sobre os problemas diários é essencial para o redirecionamento das políticas educacionais e curriculares. Os três trabalhos registrados acima nos fazem pensar como esses/as professores/as investiram tempo para a produção e estudo, a fim de que essas discussões chegassem à sala de aula, mesmo diante das dificuldades vividas no cotidiano. Além disso, é no momento de aprofundamento de questões surgidas através dos estudos que muitos desses/as professores/as descobrem-se negros ou negras. No dizer de Silva (2009, p. 281), “o estudo da história e da cultura afro-brasileira constitui-se como uma outra situação por meio da qual as professoras têm percebido seu pertencimento”. Outro documento que busca resgatar a produção de experiências voltadas para a educação das relações etnicorraciais no cotidiano escolar da RMER foi o intitulado: As escolas do Recife descobrindo-se negras. Esse caderno procura descrever e relatar os projetos especificamente voltados para essa temática. Vamos analisar novamente um quadro abaixo: Quadro 2 – As escolas do Recife descobrindo-se negras Título do Projeto Autora Valorizando a Negritude: a exposição Pérola Negra Lucia Helena Sarmento Beleza negra: a descoberta da identidade cultural Elisângela Maria do Nascimento O racismo no cotidiano escolar Valéria Fonseca Índios, brancos e negros contam sua história Rosa Maria O. T. de Vasconcelos A capoeira ressignificando a identidade cultural e cultura Mônica Beltrão afro-brasileira Fonte: Santos e Bandeira (2008). ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1399 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino De todos esses projetos, apenas um foi realizado por uma professora de 3º e 4º ciclos de aprendizagem. Isso demonstra mais uma vez que romper com a lógica disciplinar em turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental é um desafio maior. Em contrapartida, isso não quer dizer que os professores e as professoras de 3º e 4º ciclos não tenham produzido projetos, apesar de todas as dificuldades encontradas.34 O livro intitulado I Encontro de Socialização das Práticas Pedagógicas de 3º e 4º Ciclos de Aprendizagem, organizado por Freire et al. (2008), apresenta trinta e três projetos didáticos com temáticas bem diversas. Desses projetos, três remetem à questão da diversidade, identidade e diferença no cotidiano escolar. O documento faz referência à necessidade de mudança da escola, que se encontra em crise e necessita buscar novos itinerários. A crise se configura pela própria transformação da sociedade, que a partir das lutas dos movimentos sociais tem exigido que a justiça social se efetive para atender às demandas dos excluídos e excluídas. Em conformidade com esse raciocínio, podemos pensar que a escola, ao abrir suas portas para todos e todas das camadas populares, está longe de ser um lugar que remete à equidade nas oportunidades de inserção social. Assim, a escola revela-se com muitos desafios para acolher e conviver com as diferenças. “Nesse sentido, o que se observa é que os desafios postos à sociedade contemporânea pelos chamados “tempos modernos” alcançam a educação e produzem embaraços à escola e às práticas educativas [...]” (FREIRE et al., 2008, p. 8). Disso se deduz que os embaraços que têm mexido com a escola têm também favorecido a busca de novas saídas. Daí que essa busca por caminhos novos tem angustiado os professores e as professoras. Mas, isso não ficou sem explicação. Os docentes, ao receberem o livro Educadores em rede: articulando a diversidade e construindo singularidades, tiveram a oportunidade de estudar com Souza (2008) o debate sobre o multiculturalismo e consequentemente sobre a diversidade. Assim, argumenta Souza (2008, p. 271): [...] para Freire o multiculturalismo não se refere a essa justaposição. Aí teríamos uma situação de pluriculturalidade ou diversidade cultural e não multiculturalidade. A multiculturalidade se constitui a utopia, a esperança de uma nova configuração da convivência humana (em suas dimensões econômica, política, religiosa e gnosiológica) nos novos cenários mundiais. Em outro livro, encontramos a seguinte reflexão: 34 Comumente os professores e as professoras apontam como dificuldades: a falta de tempo destinado para estudo na medida em que trabalham em mais de um lugar, a falta de apoio humano e material nas escolas para desenvolver projetos e a necessidade de melhorias das estruturas das escolas, além dos salários baixos. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1400 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A educação inclusiva, fundamentada na atenção à diversidade, apresenta-se como um novo paradigma no contexto da educação e como princípio de uma educação de qualidade para todos (as). Sua fundamentação filosófica pressupõe que todos (as) os (as) alunos (as) de uma comunidade têm o mesmo direito de acesso à escolarização, com o grupo de sua faixa etária e que a escola deve acolher e respeitar as diferenças (ALVES, 2008, p. 279). Como exemplo disso, temos uma experiência de projeto didático publicado no livro I Encontro de Socialização das Práticas Pedagógicas de 3º e 4º Ciclos de Aprendizagem. O referido projeto foi desenvolvido em uma das escolas da rede municipal, produzido por um coletivo de professores e professoras, intitulado Quem somos? Quem queremos ser? No resumo da produção, afirma-se o seguinte: “no dia a dia da escola, percebemos que existia de modo claro, a falta de respeito do aluno consigo e o próximo, refletindo-se em desmotivação, causada possivelmente pela falta de perspectiva de vida e objetivos para o futuro” (RECIFE, 2008, p. 169). Isso indica que pequena parcela de professores/as já despertou para a problemática da construção das identidades e da importância da mesma para o processo de formação da pessoa. A construção das identidades do e da estudante se dá num processo de interação constante com o que é vivido e sentido, enfim, experimentado. Daí se deduz a importância dessa questão para o debate educacional. Pensando dessa forma, entendemos o quanto as culturas são elementos fundantes para se entender a questão curricular. Também não podemos esquecer que o currículo das nossas escolas tem história. Uma história construída a partir dos elementos da cultura hegemônica, de quem deteve, e, de certa forma, ainda continua detendo as instâncias do poder, seja o poder central ou os micropoderes difundidos por meio da referência ideológica do homem ocidental, europeu e branco. Nesse sentido, Silva (2009, p. 38) salienta que [...] as práticas escolares que negam, inferiorizam ou marginalizam a diversidade étnico-racial são também resultado da própria história da instituição escolar na sociedade brasileira, marcada pela escravidão, hierarquias raciais e miscigenação. Considera-se, então, que alguns aspectos de tal história são relevantes para compreender a realidade vivida hoje nas instituições escolares. Por sua vez, no livro Tecendo a proposta pedagógica da Rede Municipal do Recife, procura-se resgatar, a partir do pronunciamento dos professores e das professoras (Gestores da Rede Municipal do Recife) que estão no espaço escolar, “o que não pode faltar numa proposta pedagógica”, para poder entender o projeto que se quer construir, para poder aprender com “as experiências significativas”. Mais uma vez, as experiências falam, dizem que ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1401 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino são possíveis mudanças, nem que sejam mudanças parciais. Afirmam que novas configurações podem tornar-se realidade. Como afirma Kramer (1999), é preciso que as Secretarias de Educação se organizem e procurem saber o que se passa nas escolas para que a proposta vá se materializando. No capítulo intitulado Experiências significativas – os projetos didáticos dessa obra, são apresentadas quarenta e oito produções, dentre as quais seis estão voltadas para a temática da diversidade. Dentro desse grupo de seis, uma experiência volta-se especificamente para a África, e outra se refere ao racismo. Novamente vamos apresentar um quadro, o de número 3, para facilitar a análise. Quadro 3- As escolas tecendo a proposta pedagógica da rede Título do Projeto Escolas Um novo olhar às diferenças E. M. da Iputinga Da África ao Brasil E.M. João Batista L. Neto Inclusão E. M. João Amazonas Racismo no cotidiano escolar E. M. Vila São Miguel Pais e alunos especiais E. M. Santa Maria Goretti Fonte: Abranches, Almeida e Mendes (2008). É claro que podemos questionar como essa diversidade está entrando na escola, como determinados professores e professoras têm compreendido essas mudanças. Para uma professora de Arte entrevistada, um dos grandes desafios é a falta de conhecimento sobre questões relacionadas às diferentes etnias. Outro desafio é o preconceito cultural que trazemos dentro de nós e também está presente nos estudantes que trazem consigo a rejeição a aspectos como: a música, os rituais, as danças, a religião de origem negra. No entanto, é importante ressaltar que estamos avançando nessa discussão como também na prática pedagógica. Precisamos estar atentos para acolher os conhecimentos trazidos pelos educandos. A fala da referida professora é bastante significativa, pois ela reconhece as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar. Por outro lado, não descarta as possibilidades de mudanças. Abaixo, vamos registrar alguns desses projetos já citados com os respectivos objetivos e resultados. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1402 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Quadro 4 - Temas sociais atuais e seus respectivos objetivos e resultados Projeto Da África ao Brasil Inclusão Racismo escolar no Objetivos Resultados Conhecer a cultura africana e Conhecimento da cultura sua influência na nossa africana. cultura Trabalhar a inclusão Aceitação da diversidade. cotidiano Valorizar as etnias e superar Superação do preconceito. os preconceitos. Fonte: Abranches, Almeida e Mendes (2008). Nesse sentido, é importante dizer que, analisando apenas o documento, não podemos dizer especificamente como esses projetos foram vivenciados. Contudo, eles sinalizam para a emergência da questão, para a necessidade do trato com a temática, o desenvolvimento de ações geradoras de questionamentos sobre as diferenças que adentram o espaço escolar e, em especial, para a educação das relações etnicorraciais. Enfim, sinalizam para as relações de poder e a hegemonia de elementos da cultura dominante no interior da escola. Por outro lado, a partir das sinalizações nos documentos, em relação ao currículo multicultural e à questão da identidade negra, os docentes recontextualizam materiais e discursos de acordo com seus interesses e condições. De todo modo, no documento denominado Cadernos da Educação Municipal: as escolas tecendo a proposta pedagógica (RECIFE, 2008, p. 25), são afirmados os seguintes pontos: [...] longe de uma homogeneização engessante da prática pedagógica, a proposta é construir junto com o conjunto de educadores da rede o que é na prática, a realização sobre indicadores de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental, em cada um dos componentes curriculares, bem como as questões étnico-raciais. Sendo assim, para os autores do documento, não se trata de entender as práticas curriculares como homogêneas e sem conexão com o que se passa na sociedade, nem negar as interferências do processo subjetivo que faz parte do processo educativo. Assim, tanto os professores e professoras como os/as educadores/as que estão na Secretaria de Educação da Rede Municipal de Ensino do Recife, precisam olhar as diferenças culturais sem daltonismo, sem assimilar o outro, sem guetorização. Por isso, a discussão sobre diversidade, identidade e negritude é fundamental para a construção de novas relações entre os sujeitos, seja no âmbito macro ou no micro. A esse respeito, Freire (1992, p. 156) afirma que ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1403 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino A multiculturalidade é outro problema sério que não escapa igualmente a essa espécie de análise. A multiculturalidade não se constitui na justaposição de culturas, muito menos de poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura num respeito uma da outra, correndo o risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada um para si (1992, p. 156). De posse das ideias de Freire (1992), é possível afirmar que há muitas dificuldades para se trabalhar com a diversidade e com as identidades culturais e, claro, com o debate voltado para a educação das relações etnicorraciais. Assim, entendemos que ainda estamos longe de mudanças profundas nas relações etnicorraciais estabelecidas no cotidiano escolar. De certa forma, se por um lado não podemos negar que essas discussões sobre as identidades culturais não chegaram ao âmbito escolar de modo profundo, por outro não podemos perder de vista também que estamos num processo de mudanças e que as políticas estão influenciando as práticas cotidianas de alguma forma. Na produção da Rede Municipal de Ensino do Recife, percebemos nos últimos anos uma preocupação maior com os saberes dos/as professores/as produzidos no cotidiano escolar. As práticas são tomadas como sinalizadoras de mudanças e de possibilidades para a reformulação das próprias ações das políticas instituídas pelas instâncias gestoras. Assim, é possível dizer que há boas sinalizações de que a educação das relações etnicorraciais e o trato com a diversidade têm sido objeto de estudo na rede de ensino analisada e, por isso, podemos afirmar que os avanços no cotidiano escolar já começam a ser observados. Há, contudo, um longo caminho para se fazer. Uma proposta curricular é uma aposta. Como aposta, constrói-se no caminhar, nasce de questões que não foram resolvidas e esgotadas. Ela traz consigo as falas de muitos e apresenta uma gama de dificuldades a serem enfrentadas (KRAMER, 1999). Por isso, não está pronta, não tem um fim em si mesma, mas representa um longo começo. Tem uma longa história que precisa ser contada. Assim, enfatizamos que as políticas e práticas curriculares estão inter-relacionadas e, portanto, não podem ser tomadas separadamente. Ademais, aquilo que é ensinado em sala de aula está associado às relações desiguais de poder existentes na sociedade. O currículo não é uma questão meramente técnica. É constituído, como não poderia deixar de ser, por um intricado contexto simbólico, material e humano que envolve ao mesmo tempo permanências e mudanças. Por isso, o campo curricular precisa preocupar-se com as práticas curriculares para que o discurso não se torne fechado e abstrato. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1404 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino Os efeitos das políticas nas práticas curriculares passam pela reinterpretação dos sujeitos sobre tais políticas e sobre a forma como elas se materializam no cotidiano a partir do projeto curricular, isto é, do modo como educadores e educadoras ressignificam e dão sentidos aos conteúdos, à construção do conhecimento e ao ensino. Por outro lado, os efeitos das práticas curriculares no âmbito das políticas curriculares (documentos35, leis, etc.) somente acontecem quando os gestores e os legisladores, conscientes das suas responsabilidades, procuram também aprender com os dizeres dos e das professores/as, ouvindo-os e dando apoio para que as mudanças realmente aconteçam. É importante reconhecer e privilegiar os saberes docentes. Sobre essa questão, Oliveira (2001, p. 183) argumenta o seguinte: [...] é importante, portanto, que aqueles que têm a seu cargo formular propostas de inovação curricular estabeleçam um diálogo com esses saberes, interrogando as diversas realidades no sentido de buscar a compreensão dos componentes curriculares presentes nessas propostas cotidianas, que se por um lado, não são estruturadas e explícitas como oficiais, trazem dimensões da vida humana que recuperam o papel dos sujeitos nas práticas educativas, o que é fundamental para o desenvolvimento crítico e cidadão. Os professores e as professoras com os/as estudantes criam “maneiras de fazer”, tecendo redes de ações reais, formas de sobrevivências nas quais burlam e usam de modo não autorizado, situações, contextos, materiais, regras e ressignificam as práticas. Esses professores e professoras, no entanto, são, muitas vezes, desvalorizados e criticados tanto pelos pesquisadores/as como pela sociedade de maneira geral, como também pelas autoridades educacionais (OLIVEIRA, 2001). Nessa perspectiva, assumimos uma visão de que o currículo constitui algo complexo, dinâmico, assentado em uma rede de interesses, alianças, disputas, negociações e em torno de lutas e conflitos concretos, mas, também, simbólicos e cheios de significados. Nesse sentido, a teoria pós-crítica do currículo ao questionar o postulado da Modernidade, por meio das discussões pós-modernas e pós-estruturalistas, redefine o conhecimento escolar com base em novas formas de interpretação da sociedade e consequentemente do papel da instituição escolar. Assim, é possível dizer que a Proposta da Rede Municipal do Recife, nos últimos anos, foi ressignificada de acordo com o momento histórico vivido pelos sujeitos. As questões 35 Estamos querendo dizer que as leis e os documentos podem ser reformulados, repensados e ampliados a partir dos problemas vividos na prática. ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1405 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino econômicas, políticas, culturais e de visão de mundo foram delineando novos mapas, seja de resistência, seja de concordância. Por isso que o cotidiano escolar pode ser entendido como espaço privilegiado de produção, de construção. O cotidiano não apenas se repete, mas se cria e se recria. Sendo assim, o cotidiano escolar é um lugar de produção curricular que vai além do que está previsto nos documentos oficiais. Assim, é possível afirmar que diferentes leituras podem ser feitas nos/dos textos políticos, pois estes são sempre reinterpretados de maneira diferente pelos diversos atores sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise das Propostas Curriculares da Rede Municipal do Recife e das práticas cotidianas escolares, entendemos que há ambiguidade e ambivalência próprias do momento de instabilidade social em que estamos inseridos. Se, por um lado, não houve mudanças radicais nas práticas escolares, por outro, não podemos esquecer, com base nos dados analisados, que a Rede Municipal do Recife tem avançado em relação ao trato dado à educação das relações etnicorraciais, apesar de todos os problemas existentes. Na medida das possibilidades, outro ponto a considerar é que a formação inicial docente discuta o processo cultural brasileiro. Os novos docentes que estão saindo das Instituições de Ensino Formadoras precisam estar preparados para trabalhar com estudantes das classes populares. Em outras palavras, os docentes atuais que estão principalmente nas escolas necessitam trabalhar com múltiplas culturas. Não estamos dizendo com isso que a formação tanto inicial como a continuada são as chaves para resolver os problemas da crise em que a sociedade vive e em que a escola está imersa, mas também sem elas pouco se avançará. O que estamos afirmando é que as políticas curriculares apontam demandas e exigem mudanças em diferentes aspectos. As políticas curriculares apresentam-se como problema ou problemas a serem resolvidos, e essas inquietações exigem tomadas de posição dos diferentes grupos. No decorrer dos nossos estudos, vários questionamentos surgiram do confronto entre o campo teórico e a realidade investigada. Tomamos como pressuposto que a inserção das discussões sobre as relações etnicorraciais introduzidas nas práticas curriculares da Rede Municipal do Recife se realiza sob enfrentamento, tensões e desacordos. REFERÊNCIAS ISSN 18089097 GT 07: CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA & GT 08: CURRÍCULO E RELAÇÕES ETNO-RACIAIS 1406 VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Currículo: (re)construindo os sentidos de educação e ensino ALVES, Denise de Oliveira. Inclusão educacional: um desafio para os sistemas educacionais. In: RECIFE, Prefeitura Municipal do. Educadores em Rede: articulando a diversidade e construindo singularidades. Recife: Secretaria de Educação e Lazer, 2008. ABRANCHES, Ana de Fátima Pereira de Sousa; ROSA, Ester Calland S.; ALMEIDA, Maria Cristina Alves de; MENDES, Maria Luiza (Orgs.). Cadernos da Educação Municipal: as escolas tecendo a proposta pedagógica da rede. Vol. 2. Fundação de Cultura Cidade do Recife. Recife, 2008. AMORIM, Roseane. As implicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a prática pedagógica dos professores de história do ensino fundamental da rede municipal do Jaboatão dos Guararapes. Recife: UFPE, 2004. 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