a receita do retrocesso - Fundación Jaime Guzmán

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a receita do retrocesso - Fundación Jaime Guzmán
Internacional
A RECEITA DO
RETROCESSO
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, aprova uma
reforma que nivela os alunos por baixo e vai sepultar o
sistema educacional mais bem-sucedido da região
NATHALIA WATKINS
P
oucas vezes uma metáfora foi
tão esclarecedora quanto a usada pelo ministro da Educação
do Chile, Nicolás Eyzaguirre,
em uma das tentativas de explicar a necessidade de mudar o exitoso sistema de
educação do país, que tem a melhor universidade da América Latina, a PUC. “O
que temos atualmente é um campo onde
um competidor corre com patins de alta
velocidade e o outro vai descalço. O descalço é a educação pública. Então me
perguntam por que não dar mais comida
ao que vai descalço e treiná-lo mais. Primeiro tenho de tirar os patins do outro”,
disse Eyzaguirre. Na semana passada, a
coalizão liderada pela presidente Michelle Bachelet aprovou o projeto que
vai tirar os patins dos estudantes chilenos. A partir de março de 2016, as escolas que receberem alguma subvenção do
governo serão proibidas de ter lucro. A
ajuda estatal acontecia quando o governo arcava com parte ou a totalidade da
mensalidade de estudantes pobres, o
chamado sistema de “coparticipação”,
que serviu de inspiração ao programa
brasileiro Prouni. No Chile, esse modelo
vai desaparecer. Os pais também não
poderão mais escolher as melhores insWLWXLÆÔHVSDUDRVmOKRV(OHVWHUÅRGHIDzer inscrição em várias escolas, e as vagas serão distribuídas por sorteio. Os
colégios não poderão privilegiar os candidatos com as melhores notas. A meritocracia será proibida.
As razões que movem Bachelet são
ideológicas. Apesar de ter sido eleita
com o voto de apenas um em quatro
chilenos, a presidente tem se sentido
plenamente desimpedida para empur-
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rar suas políticas socialistas a todos.
Sob o ideal de defesa da igualdade de
oportunidades — ou do roubo dos patins —, Bachelet atacou o lucro nas escolas e pôs contra a parede aquelas que
VHEHQHmFLDYDPGDFRQWULEXLÆÅRGRJRverno. “O lucro foi demonizado como se
fosse ilegítimo e abusivo, e não como
algo que ajudasse a classe média a dar
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cientista político Jorge Jaraquemada,
diretor da Fundação Jaime Guzmán.
Explica-se. Em toda a América Latina,
ao contrário do que acontece na Escandinávia, as escolas públicas são sinônimo de educação de baixa qualidade. No
Chile também é assim. A solução dada
nos anos 1990 foi permitir que os alunos mais pobres e os de classe média
pudessem estudar nas instituições particulares, mais bem avaliadas. Para isso,
o Estado começaria a pagar uma parte
da mensalidade. Os pais então contribuiriam com um valor de até 140 dólares para a escola. Foi por esse sistema
ser atraente, e não por ser ruim, que
54% dos alunos se agarraram à oportunidade. O sucesso foi medido pelas boas
notas dos chilenos no exame Pisa. Eles
estão sete posições acima dos brasileiros e oito à frente dos argentinos. Até
2017, porém, não deverá sobrar resquício desse modelo. Aos chilenos restarão
apenas duas opções: as escolas totalmente públicas ou as totalmente privadas, que hoje atendem 8% dos alunos.
3DUDRVSDLVTXHWÈPmOKRVHVWXGDQdo em boas escolas e pagam uma parte
do custo, a reforma educacional será
uma tragédia. Sem recursos para bancar uma mensalidade integral, eles serão obrigados a migrar a contragosto
para as públicas. As matrículas serão
CONTRA O
LUCRO
Bachelet
recebe o título
de doutora
honoris causa na
Alemanha, em
2014: os pais
chilenos não
poderão sequer
escolher a escola
GRVmOKRV
feitas de maneira aleatória, salvo pouFDVH[FHÆÔHV6HRmOKRÇLQWHOLJHQWHRX
estudioso, de nada vai adiantar. Projetos que primem por um currículo diferenciado, que privilegiem artes, esportes ou que reúnam alunos de uma mesma religião não poderão reservar vagas. As concorridas escolas de excelência, mesmo sendo públicas, tampouco
poderão aplicar provas para selecionar
os alunos com melhores notas. “A fórmula do sucesso no passado foi permitir a diversidade nos projetos educativos, o mérito e a participação dos pais.
Tudo isso vai acabar”, diz Rosanna Costa, economista e subdiretora do centro
HENDRIK SCHMIDT/DPA/AFP
de pesquisas Liberdade e Desenvolvimento, em Santiago.
Em síntese, o projeto de Bachelet tira
totalmente a responsabilidade dos pais.
Para os socialistas, não há ninguém mais
indicado para dizer o que é melhor para
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ente com dinheiro de sobra e princípios
éticos incontestáveis. Os chilenos resistem a essa ideia. Durante os oito meses
nos quais a reforma tramitou no Congresso, a popularidade de Bachelet despencou e mais da metade da população
passou a desaprovar o seu governo. Bachelet está convicta de estar fazendo a
coisa certa e acredita que a população se
dará conta disso no futuro. “O governo
foi arrogante e seguiu com seus planos,
apesar de ter tirado nossa liberdade de
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Isso, sim, eu considero uma discriminação”, diz a dona de casa Érika Muñoz,
presidente da Confederação de Pais e
Tutores de Colégios Particulares Subvencionados (Confepa, na sigla em espanhol), que já organiza protestos para a
volta às aulas, em março.
Infelizmente, a investida ideológica
não se limita à educação. Em menos de
um ano no poder, Bachelet concluiu
três das quatro principais reformas que
prometeu em campanha. A tributária
deve elevar impostos para empresas e,
assim, espantar investidores. A eleitoral incluiu malandragens típicas do
chavismo, como dar a distritos com o
mesmo total de habitantes um número
de representantes diferente, dependendo da sua inclinação ideológica histórica. A reforma trabalhista, cuja aprovação é esperada para setembro, prevê
fortalecer os sindicatos e endurecer as
regras trabalhistas. “Nós estamos indo
na contramão dos Estados Unidos e
da (XURSD TXH HVWÅR nH[LELOL]DQGR R
mercado de trabalho e dando liberdade aos cidadãos”, diz o cientista político chileno Jorge Ramírez.
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