PROJETO DE PESQUISA

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PROJETO DE PESQUISA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia
PROJETO DE PESQUISA
Título do Projeto:
Coordenador do
Projeto:
Pesquisadores
Supervisores de
pesquisa/
Mestrandos:
Estudantes de
graduação
Instituição
Executora:
Instituições
parceiras
Apoio
Performatividades de gênero, violência e sexualidade em
movimentações político-culturais: a produção de sujeitos e
estéticas políticas em Belém e Recife.
Benedito Medrado-Dantas
SIAPE 1461833 | Bolsista Produtividade do CNPq – Nível 2
Prof. Dra. Monica Conrado (UFPA)
Prof. Dr. Jorge Luiz Cardoso Lyra da Fonseca (Instituto PAPAI)
Tiago Corrêa (Gema/UFPE); Túlio Romério Lopes Quirino
(Gema/UFPE); Thiago Rocha (Instituto PAPAI); Samuel Souza
(ORQUÍDEAS/UFPA & NOSMULHERES/UFPA); Milton Ribeiro
(ORQUÍDEAS/UFPA & NOSMULHERES/UFPA); Elane Pantoja
(NOSMULHERES/UFPA & ORQUÍDEAS/UFPA)
Aida Carneiro (Gema/UFPE); Clarissa Silva de Mendonça
(Gema/UFPE); Fernanda Ximenes (Gema/UFPE); Laís Bitu (UFPE)
Alanna
Figueiroa
(UFPE);
Julia
Glaciele
Souza
(NOSMULHERES/UFPA); Lilian Sales (NOSMULHERES/UFPA)
Universidade Federal de Pernambuco
Associação Brasileira de Psicologia Social; Comissão de Diversidade
Sexual e Combate à Homofobia da OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) - Seção Pará; Fórum LGBT de Pernambuco; UFPA; Instituto
PAPAI
Edital MCT/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 020/2010 – Seleção pública de
propostas para pesquisas em temas de Relações de Gênero,
Mulheres e Feminismos
1. RESUMO
Este projeto é o resultado de uma parceria entre núcleos acadêmicos de pesquisa e
organizações feministas sediados nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil: Núcleo de
Pesquisas em Gênero e Masculinidades/UFPE; Grupo Orquídeas (Movimento
Universitário em Defesa da Diversidade Sexual); Grupo NósMulheres/UFPA e
Instituto PAPAI. Baseada na epistemologia feminista pós-estruturalista proposta por
Dona Haraway (1991), esta pesquisa, de caráter sócio-antropológico e psicossocial,
visa: 1) trilhar percursos e trajetos que caracterizam a organização de eventos
político-culturais voltados à população de Lésbicas, Gay, Bissexuais, Travetis e
Transsexuais em Belém e Recife que contribuem para identificação de dispositivos
de produção de sujeitos LGBT nestas cidades; 2) identificar aspectos pouco
conhecidos das características sociopolíticas, especialmente de gênero e
sexualidade, dos participantes de dois eventos político-culturais LGBT de ampla
dimensão em Belém e Recife, 3) mapear padrões de violência e discriminação
contra LGBT nas duas cidades. O desenho metodológico envolve duas estratégias
complementares: 1) observações no cotidiano das reuniões de organização da 10ª
Parada da Diversidade de Pernambuco (a ser realizada em Recife em agosto de
2011) e da 35ª Festa da Chiquita (realizada em Belém, em outubro de 2011); 2)
entrevistas semi-dirigidas com uma amostra não probabilística do tipo “por
conveniência” entre participantes dos dois eventos.
2) OBJETIVOS
Baseada na epistemologia feminista pós-estruturalista proposta por Dona Haraway (1991),
esta pesquisa, de caráter sócio-antropológico e psicossocial visa: 1) trilhar percursos e
trajetos que caracterizam a organização de eventos político-culturais voltados à população
de Lésbicas, Gay, Bissexuais, Travetis e Transsexuais em Belém e Recife que contribuem
para identificação de dispositivos de produção de sujeitos LGBT nestas cidades; 2)
identificar aspectos pouco conhecidos das características sociopolíticas, especialmente de
gênero e sexualidade, dos participantes de dois eventos político-culturais LGBT de ampla
dimensão em Belém e Recife, 3) mapear padrões de violência e discriminação contra LGBT
nas duas cidades.
3) INTRODUÇÃO (ESTADO DA ARTE)
O estudo da produção de sujeitos e estéticas políticas no campo dos movimentos sociais
(especialmente o movimento LGBT)1 é uma estratégia de pesquisa de base feminista
estruturada em dois eixos:
A homofobia é uma expressão do machismo, ou seja, a crítica feminista nos
informa que a (di)visão do mundo a partir da polaridade masculino-feminino
fundamenta desigualdades e constitui-se como base para violência e
discriminações, baseadas em gênero. A homofobia é, neste sentido, uma dessas
formas de discriminação e violência que se sustenta na ordem machista e na
dominação masculina e, como também ressalta o II PNPM, “o sexismo atua na
desqualificação do feminino. Somando-se a isto a heterossexualidade
compulsória, o quadro apresentado se agrava” (p. 166). O estudo das formas
diversas de expressão, inscrição e regulação da diversidade sexual é, portanto,
também uma forma de dar visibilidade e crítica às desigualdades impostas pelo
machismo sobre mulheres e homens.
A sexualidade e as identidades de gênero são potencialmente diversa, ou seja,
é preciso reconhecer que os homens e as mulheres não cumprem literalmente os
padrões e as prescrições culturais de gênero (Scott, 1995). Esses padrões e
prescrições muitas vezes limitam e aprisionam a experiência humana à dicotomia
masculino-feminino. É preciso reconhecer que o potencial da diversidade humana
como principio libertador. Neste sentido, como bem afirma o II Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres (II PNPM), “as políticas de promoção da igualdade e de
valorização das diversidades encontram-se em permanente processo de
construção e aperfeiçoamento” (p. 23).
Este projeto se orienta, assim, pelos princípios (especialmente da igualdade e respeito à
diversidade, da laicidade do Estado e da justiça social e da participação e controle social)
e diretrizes (especialmente a promoção de políticas de ações afirmativas como
instrumento necessário ao pleno exercício de todos os direitos e liberdades Fundamentais)
que fundamentam o II PNPM.
Historicamente, é preciso reconhecer que a perspectiva da valorização da diversidade
sexual tem sua origem particularmente na década de 1960, mais precisamente a partir da
consolidação do movimento feminista – que promoveu um exame crítico e tomada de
posição diante das dissimetrias sociais baseadas na diferenciação sexual – e dos
movimentos gay e lésbico – que, ao lutar por sua visibilidade, exigiram novas reflexões
sobre a sexualidade que passou a ser compreendida também como campo público (ou mais
precisamente de políticas públicas) e como campo do direito.
Na revisão de literatura que produzimos em busca de textos sobre movimento LGBT no
Brasil, a partir da base de dados de publicações em Periódicos Científicos (Scielo) e do
Banco de Teses e Dissertações da CAPES,2 identificamos 14 artigos, 20 dissertações e 7
teses. Tanto no que diz respeito a produção de artigos, quanto de teses e dissertações, há
1
LGBT = Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Utilizou-se as seguintes palavras-chaves: LGBT, GLBT, GLS, Gay, Homossexual, Lésbica, Travesti, Transexual. Cada palavrachave foi utilizada isoladamente, gerando um determinado número de produções científicas. Em seguida, foi feita uma
seleção com base nos títulos, mantendo aqueles que utilizavam as nomeações cidadania, política, direitos, parada,
movimento, militância, ativismo, controle social, coletivo, grupo, ONG, líder, visando identificar aqueles que diziam respeito
ao movimento LGBT propriamente dito.
2
um predomínio da região sudeste e uma baixíssima incidência de pesquisas nas regiões
norte e nordeste sobre movimento LGBT:
entre os artigos, 08 são de pesquisadores da região sudeste, 02 da região sul, 02 da
região centro-oeste e apenas 01 da região norte e 01 da região nordeste. Há ainda
02 internacionais (EUA e Portugal);
no que diz respeito às teses e dissertações, 16 foram produzidas em programas da
região sudeste, 05 na região centro-oeste, 04 na região sul e apenas 01 na região
nordeste e 01 na região norte.
Além disso, a distribuição de artigos por revista evidencia uma maior presença em revistas
de ciências sociais (06) e do campo interdisciplinar dos estudos feministas (05).
Tal revisão evidencia, portanto, por um lado, a escassez de pesquisas sobre movimento
LGBT fora do eixo Sul-Sudeste e, por outro, a relevância do campo feminista nas leituras
sobre o campo da sexualidade. Como uma forma de contribuir a este campo de pesquisa, o
presente projeto pesquisa visa abordar aspectos singulares de dois eventos que se
inscrevem nas periferias (tomando como horizonte as desigualdades de classe, orientação
sexual e cor/raça)3 de grandes centros urbanos de duas capitais do Norte e Nordeste do
Brasil (Recife e Belém) e que inscrevem visibilidade à população LGBT e performam
sujeitos e modos de ser: A Festa da Chiquita em Belém e a Parada da diversidade em
Pernambuco.
3.1. A Festa da Chiquita em Belém: uma manifestação político-cultural LGBT da Região
Norte.
A Festa da Chiquita é uma manifestação cultural que antecede todo o movimento público e
reivindicatório que gerou as conquistas acima. É uma grande festa voltada especialmente
para a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) que vivem em
Belém e cidades vizinhas, reunindo, aproximadamente, 100.000 (cem mil) pessoas4.
Iniciada há mais de 30 anos (em 1976), com o nome de “Festa da Maria da Chiquita”, este
evento reúne intelectuais, artistas, jornalistas, fotógrafos e curiosos, tendo como ponto de
concentração o “Bar do Parque”, situado na Praça da República, um local de
homossociabilidade “tradicional” da Grande Belém. Com o passar dos anos, a festa se
tornou um grandioso evento a fazer parte do calendário de comemorações religiosas – e no
ano de 2004 foi registrada como parte da festa de Nazaré. O evento ocorre numa data
específica: sempre no sábado que antecede o Círio de Nazaré, manifestação religiosa que
reúne em torno de dois milhões de pessoas em procissão pelas ruas de Belém. O Círio
acontece desde 1793, no segundo domingo de outubro, todos os anos, organizado por uma
Diretoria de Festividade de Nossa Senhora de Nazaré, arregimentada pela Igreja Católica.
Durante a festa, há shows de Drag Queens. A população LGBT e demais participantes se
divertem ao som de carimbó, forró e outros estilos musicais paraenses, além da música
eletrônica (DRAGMUSIC) comandada por DJs e do Tecnomelody. Entre os momentos mais
esperados da festa acontece a entrega do Prêmio “Veado de Ouro” e do Prêmio “Sapato de
Ouro”, por meio dos quais se homenageia ao gay e à lésbica que se destacaram na
sociedade belemense durante o ano. Ressaltando que nem sempre esse prêmio é oferecido
a homossexuais; já aconteceu, por exemplo, do Prefeito da cidade ser contemplado por
sua atuação de apoio à comunidade LGBT.
A Festa é utilizada também como oportunidade para intervenções informativas do
Movimento LGBT e, como não poderia deixar de ser, palco das mais variadas formas e
expressões sexuais e identitárias. E mesmo que se possa questionar, como é feito, faz
parte do calendário oficial, uma vez que a sua existência está alojada ao “complexo ritual”
das comemorações do Círio de Nazaré, como anuncia ALVES (2005: 315) que não são só
3
A Parada da diversidade de Pernambuco e a Festa da Chiquita, ao contrário de outros eventos, são promovidos por
lideranças LGBT que provêm de classes populares.
4
http://www.orm.com.br/oliberal/interna/default.asp?modulo=248&codigo=374978
“várias procissões, mas completa-se com o arraial (originalmente uma grande feira) e o
almoço do Círio”.
Vale ressaltar que a Festa da Chiquita não é percebida como “Pride” ou “Parada” pela
população que a frequenta,5 muito embora possua caráter festivo e eminentemente
político. Apesar de sua configuração diferenciada, dinâmica e singular a ser debatida ao
longo da pesquisa, não inviabiliza o emprego de técnicas e métodos em pesquisas já
realizadas antes sobre Paradas de Orgulho Gay, fato que as aproxima em suas
características mais notáveis.
3.2. Parada da diversidade de Pernambuco: uma manifestação político-cultural LGBT na
Região Nordeste
Em 2002, houve a primeira edição da Parada da Diversidade de Pernambuco que reuniu
cerca de 5 mil pessoas na Avenida Conde da Boa Vista, região central da cidade, ladeada
de bares, saunas e outros “redutos gays” da cidade. Na edição mais recente (2010), houve
registro de cerca de 100 mil participantes, de acordo com dados do Fórum LGBT de
Pernambuco, desta vez, desfilando pela Avenida Boa Viagem, região “nobre” da cidade.
Tendo em vista as segmentações geracionais, de classe e identitárias que marcam a
população LGBT, dificilmente ela poderia ser abordada em sua extrema diversidade em
qualquer outro espaço social (seja de lazer, de trabalho ou mesmo de ativismo político). E
se isso ocorre, talvez seja pelo fato de as paradas se organizarem justamente em torno de
uma espécie de denominador comum que agrega todo esse universo: a luta contra a
discriminação e o preconceito que atingem diferentes “minorias sexuais”. O fato de as
paradas serem estratégicas, do ponto de vista social e político, para a produção de
conhecimento relevante tem sido reconhecido por organizações ativistas e instituições de
pesquisa. Nos últimos anos esse tipo de investigação vem se multiplicando tanto no Brasil
como em outros países latino-americanos.6
Em 2006, os proponentes do presente projeto coordenaram uma pesquisa durante as 3
horas que antecederam a 5ª Parada da Diversidade de Pernambuco (2006), envolveu cerca
70 pesquisadores (entre os quais cerca de 20 estudantes de graduação e 10 de pósgraduação da UFPE) e foram aplicados 791 questionários.
Esta pesquisa — desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa Gema/UFPE, em parceira com o
Instituto Papai, CLAM/UERJ e CESEC/UCM —, evidenciou uma proporção muito elevada
(70,8%) entre as pessoas entrevistadas, que relatou que já tinha, devido à sexualidade,
sido vítima de pelo menos uma das nove discriminações listadas. O fato de dois terços do
conjunto de entrevistado(a)s ter respondido positivamente, indica a existência de um nível
muito alto de vitimização e confirma os níveis encontrados nas pesquisas anteriores (por
exemplo, 64,8% no Rio de Janeiro-2004 e 72,1% em São Paulo-2005).
Vale ressaltar que, em 2007, no ano seguinte à realização da pesquisa da Parada em
Recife, o evento foi transferido para a Avenida Boa Viagem, conhecida como “o metro
quadrado mais caro da cidade” e uma das praias mais conhecidas do Brasil, região pouco
freqüentada pela população de baixa renda da cidade. Tal mudança, negociada com tensão
entre o movimento social e a gestão local atribuiu ao evento um caráter mais nitidamente
voltado à visibilidade.
5
Como dito anteriormente, há Parada em Belém, porém com amplitude bem menor diferente da festa da Chiquita, que
possui um valor simbólico bem distinto.
6
Ver CARRARA, S. ; RAMOS, S. ; LACERDA, P. ; MEDRADO, Benedito ; VIERIA, N. . Política, Direitos, Violência e
Homossexualidade. Pesquisa 5ª Parada da Diversidade de Pernambuco, 2006. 1. ed. Rio de Janeiro: CEPESQ, 2007. v. 1. 88 p;
FIGARI, Carlos; JONES, Daniel; LIBSON, Micaela; MANZELLI, Hernán, RAPISARDI, Flavio; SÍVORI, Horacio (orgs.). Sociabilidad,
Política, Violência y Derechos: La marcha del orgullo GLTTB de Buenos Aires 2004, primera encuesta. Buenos Aires:
Antropofagia, 2005. JONES, Daniel; LIBSON, Micaela e HILLER, Renata (orgs). Sexualidades, Política y Violencia: La Marcha
del Orgullo GLTTBI - Buenos Aires 2005, segunda encuesta. Buenos Aires: Antropofagia, 2006. PRADO, Marco Aurélio Máximo
et alli. Participação, política e homossexualidade – 8ª Parada do Orgulho GLBT de Belô. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal
de Belo Horizonte, 2006. JONES, Daniel; LIBSON, Micaela e HILLER, Renata (orgs). Sexualidades, Política y Violencia: La
Marcha del Orgullo GLTTBI - Buenos Aires 2005, segunda encuesta. Buenos Aires: Antropofagia, 2006.
De ampla dimensão, a Parada de Recife (em sua versão Boa Viagem) e a 35ª festa do
Chiquita oferece oportunidade ímpar para que gays, lésbicas, travestis, transexuais e
bissexuais paraenses sejam (re)conhecidos/as e que se produzam e se ampliam inscrições
de modos de ser (Foucault, 1995) ou mais precisamente “modos de viver”
homossexualidades ou diversidades. Nessa leitura, o conceito de “performatividade” nos
parece bastante útil, na media em que, conforme Judith Butler (1997) aposta na fluidez e
nos jogos de poder que inscrevem, prescrevem e regulam lugares e não na fixidez de
construções identitárias.
4) METODOLOGIA
Este projeto envolve duas estratégias metodológicas complementares: 1) observações no
cotidiano das reuniões de organização da 10ª Parada da Diversidade de Pernambuco (a ser
realizada em Recife em agosto de 2011) e da 35ª Festa da Chiquita (realizada em Belém,
em outubro de 2011); 2) entrevistas semi-dirigidas a uma amostra não probabilística do
tipo “por conveniência” entre participantes dos dois eventos.
Para cada estratégia, está previsto o levantamento de informações a partir de diferentes
instrumentos de pesquisa, bem como estratégias de análise (quantitativas e/ou
qualitativas), que serão refinadas a partir de encontros do grupo de pesquisa (previstas ao
longo do projeto).
4.1. Observações no cotidano
O processo de organização das paradas constituem “incidentes críticos” (Galindo, 2002)
que nos possibilitam dar visibilidade às diferentes posições e às possibilidades de
negociação entre interlocutores que nos permitem compreender a produção de sujeitos e
modos de ser homossexuais.
Assim, a primeira etapa da pesquisa compreende a realização de observações no cotidiano
da organização da 10ª Parada da Diversidade de Pernambuco (a ser realizada em Recife em
agosto de 2011) e da 35ª Festa da Chiquita (realizada em Belém, em outubro de 2011).
A expressão “pesquisa no cotidiano” foi cunhada por Mary Jane Spink (2007), para quem,
pesquisar no cotidiano remete a uma postura metodológica particular:
A ênfase dada ao no procura marcar a diferença na postura metodológica. Se
pesquisarmos o cotidiano, estabeleceremos a clássica separação entre
pesquisador e seu objeto de pesquisa. Mas, se pesquisarmos no cotidiano,
seremos partícipes dessas ações que se desenrolam em espaços de convivência
mais ou menos públicos. Fazemos parte do fluxo de ações; somos parte dessa
comunidade e compartimos de normas e expectativas que nos permitem
pressupor uma compreensão compartilhada dessas interações (p. 07).
Pesquisar no cotidiano solicita, assim, dos pesquisadores o posicionamento como membros
da comunidade discursiva, ou seja, de se tornarem capazes de interpretar as práticas que
negociadas nos espaços e lugares em que acontece a pesquisa. Essa compreensão
compartilhada repousa na indexcalidade. Estão aptos a entender “os indícios de sentido”,
frequentemente incompletos, que adquirem sua plena capacidade na comunicação porque são capazes de considerar a parte (a enunciação e a ação) em relação ao todo (o
contexto em que se dá a ação/interação).
O cotidiano está presente na vida das pessoas de modo geral e realiza-se em um fluxo de
fragmentos corriqueiros e de acontecimentos em microlugares. Como destaca Peter Spink
(2008) é possível entender que esses microlugares existem como pequenas sequências de
eventos e que não há nada mais além disso. Nesse sentido, o pesquisador é mais um nesse
emaranhado de sequências. Em nossa própria cotidianidade são produzidos e negociados os
sentidos, e o pesquisador no cotidiano caracteriza-se pelos encontros casuais e pelas
conversas informais e espontâneas.
Nessas observações serão produzidos “diários de bordo”, registros em que os/as
pesquisadores/as inscreverão, de modo posicionado, relatos reflexivos sobre o cotidiano do
processo de realização de reuniões e outros momentos de organização dos dois eventos.
A análise ou “tradução” das observações no cotidiano das comissões organizadoras (ou
equivalente) será orientada pela epistemologia feminista proposta por Haraway (1991) que
defende a contextualidade e o caráter parcial do conhecimento. Mas, como bem adverte a
autora, não é qualquer perspectiva parcial que serve, pois devemos rejeitar relativismos
fáceis, feitos de adição de partes. Nas palavras da autora:
Estou argumentando a favor de políticas e epistemologias de alocação,
posicionamento e situação nas quais parcialidade e não universalidade é a
condição de ser ouvido nas propostas a fazer de conhecimento racional. São
propostas a respeito da vida das pessoas; a visão desde um corpo, sempre um
corpo complexo, contraditório, estruturante e estruturado, versus a visão de
cima, de lugar nenhum, do simplismo. O feminismo ama outra ciência: a
ciência e a política da interpretação, da tradução, do gaguejar e do
parcialmente compreendido. O feminismo tem a ver com as ciências dos
sujeitos múltiplos com (pelo menos) visão dupla. O feminismo tem a ver com
uma visão crítica, consequente com um posicionamento crítico num espaço
social não homogêneo e marcado pelo gênero. A tradução é sempre
interpretativa, crítica e parcial. (p. 31)
Número de participantes: não será previamente estabelecido. Nessa etapa da pesquisa,
será utilizado o procedimento conhecido como “em cadeia” ou “bola de neve”, no qual um
participante indica outro, por julgar que este possua informações relevantes para a
pesquisa. O critério de saturação adotado terá como indicador o momento em que novos
entrevistados começam a repetir os conteúdos de entrevistas anteriores, sem acrescentar
novas informações relevantes, ainda que a idéia de “relevância” seja mais uma opção
estratégica do que uma ação objetiva ou definitiva.
Critério de inclusão e exclusão: em cada cidade, serão incluídas como informantes as
pessoas envolvidas no processo de organização da Parada e da festa da Chiquita. Serão
excluídos os que: 1) não se enquadrem neste perfil, 2) não expressem desejo de participar
voluntariamente da pesquisa.
4.2. Entrevistas com participantes dos eventos
Eventos como a Parada da diversidade de Pernambuco e a festa da Chiquita de Belém
oferecem oportunidade ímpar para que gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais
sejam melhor conhecidos. Dadas, sobretudo, as segmentações geracionais de classe e
identitárias que marcam essa população, ela dificilmente poderia ser abordada em sua
extrema diversidade em qualquer outro espaço social (seja de lazer, de trabalho ou mesmo
de ativismo político). E se isso ocorre, talvez seja pelo fato de as paradas se organizarem
justamente em torno de uma espécie de “torre de babel” que tem um denominador
comum que agrega todo esse “diverso” simbólico que (se)inscreve (em) uma estética
política como estratégia de luta contra a discriminação e o preconceito. O fato de eventos
desta natureza serem estratégicos, do ponto de vista social e político, para a produção de
conhecimento relevante tem sido reconhecido por organizações ativistas e instituições de
pesquisa. Nos últimos anos esse tipo de investigação vem se multiplicando tanto no Brasil
como em outros países latino-americanos.7
7
Ver FIGARI, Carlos; JONES, Daniel; LIBSON, Micaela; MANZELLI, Hernán, RAPISARDI, Flavio; SÍVORI, Horacio (orgs.).
Sociabilidad, Política, Violência y Derechos: La marcha del orgullo GLTTB de Buenos Aires 2004, primera encuesta.
Buenos Aires: Antropofagia, 2005. JONES, Daniel; LIBSON, Micaela e HILLER, Renata (orgs). Sexualidades, Política y
Violencia: La Marcha del Orgullo GLTTBI - Buenos Aires 2005, segunda encuesta. Buenos Aires: Antropofagia, 2006.
PRADO, Marco Aurélio Máximo et alli. Participação, política e homossexualidade – 8ª Parada do Orgulho GLBT de Belô.
Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2006. JONES, Daniel; LIBSON, Micaela e HILLER, Renata (orgs).
Sexualidades, Política y Violencia: La Marcha del Orgullo GLTTBI - Buenos Aires 2005, segunda encuesta. Buenos Aires:
Antropofagia, 2006.
Assim, esta segunda etapa da pesquisa é de natureza exploratória e quantitativa,
construída a partir da realização de entrevistas semi-dirigidas com uma amostra não
probabilística do tipo “por conveniência” entre os participantes da 10ª Parada da
Diversidade de Pernambuco e da 35ª Festa da Chiquita. Serão realizadas cerca de 300
entrevistas durante a concentração de cada encontro.
O roteiro das entrevistas será construído a partir da adaptação de instrumento utilizado
em pesquisas anteriores realizadas nas Paradas de São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires,
Porto Alegre e Recife (Carrara et all, 2007), composto de 39 questões fechadas (excluindose os dados relativos ao perfil socioeconômico) e 4 questões abertas, sendo dividido em
cinco blocos temáticos, precedidos por três questões introdutórias relativas às razões para
o comparecimento ao evento e à identidade do(a) entrevistado(a) e quanto à sua
orientação sexual e de gênero. Como nas pesquisas anteriores, as entrevistas mantêm
como foco principal os temas da violência, da discriminação e dos direitos.
Seguindo as orientações de uma amostragem por conveniência, não será estipulado um
número determinado de entrevistas, mas para potencializar a diversidade dos dados, os(as)
entrevistadores(as) serão orientados no sentido de: 1) diversificarem ao máximo as pessoas
entrevistadas, segundo clivagens de raça, sexo e identidade sócio-sexual (procurando
abordar tanto mulheres quanto homens; negros e brancos; travestis e lésbicas etc.); 2)
permanecerem dispostos em diferentes locais da concentração, procurando assim abordar
grupos variados; finalmente, 3) espaçarem as entrevistas ao longo do tempo de duração da
concentração para não correrem o risco de entrevistar apenas os(as) primeiros(as) a
chegar.
Antes da realização das entrevistas, será promovido um treinamento com pesquisadores
(cerca de 50 em cada cidade) que tenham alguma familiaridade com pesquisas sobre temas
semelhantes. Este treinamento terá duração de 4 horas e nele serão apresentados os
objetivos da pesquisa, sua metodologia e os procedimentos específicos. A partir de técnica
de “role play” serão compostas duplas, em que um entrevistará o outro, a partir do roteiro
distribuído. O roteiro será então lido, conjuntamente, pergunta por pergunta, para
esclarecimentos sobre dúvidas. Vale ressaltar que, após o treinamento, serão ainda feitos
alguns ajustes na versão final do roteiro.
Vale ressaltar que a definição de uma amostra nesta pesquisa, não terá a intenção de
constituir um quantitativo que possa “representar” a opinião da população estudada, mas
antes de tudo gerar a possibilidade de reunir um conjunto de informações, legitimadas a
partir de parâmetros usuais em pesquisas epidemiológicas e com possibilidade de gerar
contrastes com outras pesquisas.
Número de participantes: não será previamente estabelecido. Nessa etapa da pesquisa,
trabalhando a partir de uma amostragem por conveniência, portanto, buscaremos, a partir
da participação de aproximadamente 50 pesquisadores em cada cidade, acessar o maior
número possível de participantes nos dois eventos.
Critério de inclusão e exclusão: em cada cidade, serão incluídas como informantes as
pessoas que estiverem presentes na Parada e na Chiquita. Os pesquisadores serão
orientados a buscar garantir a maior diversidade (em termos de identidade de gênero e
orientação sexual) possível em termos de auto-identificação dos participantes. Serão
excluídos os que: 1) não se enquadrem neste perfil, 2) não expressem desejo de participar
voluntariamente da pesquisa.
Vale destacar que o presente projeto segue as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de
Pesquisas Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde (Resolução 196/96).
Além disso, a pesquisa será realizada em colaboração com o Departamento de Psicologia
das referidas universidades. Casos especiais, se necessário, poderão ser encaminhados para
atendimento por profissionais desta instituição.
5) Metas e fases do desenvolvimento do projeto com cronograma
ATIVIDADES
1. Apresentação pública do Projeto
2. Reuniões nacionais da equipe de pesquisa
3. Revisão da literatura
4. Etapa 1: Observações no cotidiano da comissão organizadora do
evento
a. Treinamento da equipe
b. Produção de “diários de bordo”
c. Análise
d. Relatório síntese
5. Etapa 2: Realização de entrevistas durante os eventos
a. Recrutamento e seleção de pesquisadores e supervisores
b. Treinamento da equipe
c. Realização das entrevistas em Recife
d. Realização das entrevistas em Belém
e. Tabulação das respostas em SPSS
f. Análise
g. Relatório síntese
6. Publicação
a. Produção de documento marco com principais resultados e
considerações.
b. Edição e impressão gráfica dos produtos
c. Distribuição de exemplares do documento marco e envio para
instâncias governamentais municipais, estaduais e federais.
2012
1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 1 1
0 1 2
X
X
X X X X X X X X X X
2013
1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2
3 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4
X
X
X
X X X X X X
X X
X X
X
X X
X
X
X
X X
X X
X X X
X
X X
X
X X
X X
6) POSSÍVEIS LIMITAÇÕES EM RELAÇÃO AOS OBJETIVOS
Uma possível limitação ao projeto poderia ser a indisponibilidade das pessoas a responderem ao questionário rejeitarem a observação no cotidiano
das manifestações culturais. Contudo, estamos buscando neutralizar tal limitação, a partir: 1) do uso de mesmo instrumento anteriormente
aplicado com população semelhante; 2) recrutamento e seleção de pesquisadores de campo sensíveis ao tema do projeto e familiaridade com o
contexto da pesquisa; 3) da parceria com organizações sociais locais vinculadas ao movimento LGBT (Instituto PAPAI e Grupo Orquídias).
7) BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BUTLER, J. Soberanía y actos de habla performativos (trad. Ana Romero). Accion Paralela.
Revista de Ensayo, Teoría y Crítica del Arte Contemporáneo, s/f. Downloaded de:
http://www.accpar.org/numero4/index.htm..
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995
HARAWAY, D. "Situated Knowledges: The Science Question in Feminism and the Privilege of
Partial Perspective." In: HARAWAY, Donna (ed.). Symians, Cyborgs and Women: the
Reinvention of Nature. New York: Routledge, 1991. p. 183-202.
RAMOS, S.; CARRARA, S. A constituição da problemática da violência contra homossexuais:
a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. Physis, Rio de
Janeiro, v. 16, n. 2, 2006.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação e Realidade,
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SPINK, M. J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
SPINK, M. J. P. Pesquisando no cotidiano: recuperando memórias de pesquisa em Psicologia
Social. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 19, n. 1, 2007 .
SPINK, P. K. O pesquisador conversador no cotidiano. Psicologia & Sociedade; 20, Edição
Especial, p.70-77, 2008.
8) RELEVÂNCIA E IMPACTO DO PROJETO NO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E
TECNOLÓGICO DE PERNAMBUCO
Do ponto de vista do avanço do conhecimento, pretende-se gerar informações e análises,
que serão apresentadas em eventos e publicações, com vistas a contribuir para o debate
conceitual, ético e metodológico em torno da diversidade sexual a partir de uma
perspectiva feminista de gênero. Do ponto de vista da formação, pretende-se contribuir
para a formação de estudantes de graduação e pós-graduação da UFPA, UFPE e militantes
LGBT, que serão capacitados e atuarão como pesquisadores e supervisores de campo.
9) POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DE
PERNAMBUCO
Na perspectiva das políticas públicas voltadas aos direitos sexuais, pretende-se, a partir de
um documento marco publicado ao final do projeto, fornecer subsídios para iniciativas
estaduais que possibilitem e estimulem a valorizem a diversidade sexual e estabeleçam
estratégias de enfrentamento da violência e discriminação baseadas em matizes de sexogênero. A partir dos resultados deste projeto, pretende-se estimular a formulação do
“Programa Pernambuco sem homofobia”, com base em diálogos com setores vinculados aos
movimentos feministas e LGBT, bem como colaborar com o processo de implementação do
Programa “Pará sem homofobia”.
10) CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DE SUA INSTITUIÇÃO E/OU DE SEU
DEPARTAMENTO
Este projeto contribui para o desenvolvimento da UFPE a partir do seu reconhecimento
social como ator importante na luta por direitos humanos, consolidando seu lugar em
questões contemporâneas relevantes. Além disso, vale salientar que os/as alunos/as que
compõem esses núcleos acadêmicos têm desenvolvido subprojetos de pesquisa e/ou
extensão vinculados aos projetos mais amplos, voltados aos temas de gênero e
sexualidade. Neste sentido, o plano será desenvolvido a partir de processos que buscam
aliar ensino, pesquisa e extensão, resultando em uma participação ativa dos estudantes no
desenvolvimento das atividades do projeto, bem como possibilitando o desenvolvimento de
pesquisa e extensão vinculadas ao tema da diversidade sexual, que estão sendo
desenvolvidos pelos estudantes, especialmente em nível de pós-graduação.
11) APOIO FINANCEIRO QUE ASSEGURE A VIABILIDADE DE EXECUÇÃO DO PROJETO: Este
projeto foi aprovado em Edital MCT/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 020/2010 – Seleção pública de
propostas para pesquisas em temas de Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos.
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