Transcrição de Entrevista Aberta

Transcrição

Transcrição de Entrevista Aberta
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O Circo: a gente viu o mundo que era esse mundo da
cultura de Anônimo. (João Carlos Artigos)
Transcrição de Entrevista Aberta realizada com o Grupo Teatro de Anônimo, no
Encontro Internacional de Palhaços – Anjos do Picadeiro 11: A alegria é a prova dos
onze. No IV Seminário de Comicidade, 03 de dezembro de 2013.
PRODUÇÃO: TEATRO DE ANÔNIMO
REALIZAÇÃO ENTREVISTA: EQUIPE CIRCONTEÚDO
Daniel de Carvalho Lopes, Erminia Silva, Giane Daniela Carneiro.
Entrevistados: Fábio Freitas, Flávia Berton da Silva, João Carlos Artigos, Maria
Angélica Gomes, Regina Oliveira, Shirlei Brito.
Transcrição: Iara Cristiane
Edição: Equipe Circonteúdo
março de 2013
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Erminia Silva -
Entrevistadora – Na realidade, estamos eu e Daniel [de
Carvalho Lopes e Giane Daniela Carneiro] fazendo esta entrevista, um convite dos
Anjos, mas também em nome do site Circonteúdo, que somos coordenadores, no qual
essa entrevista será disponibilizada, bem como no Picadeiro Quente. Desde 1986 que o
Teatro de Anônimo existe. É um grupo de uma importância histórica grande, que ao
mesmo tempo em que várias pessoas conhecem o Anônimo, de fato não o conhece.
Espero que a gente possa falar de várias coisas hoje desse grupo, que individualmente e
no coletivo tiveram, tem e terão propostas de diferenciação e distinção de algumas
ações junto com outros coletivos, junto com outros artistas, de propostas sociais,
políticas, culturais.
Então eu já vou começar a fazer algumas perguntas para eles, mas daqui a pouco
eu prometo que eu deixo vocês falarem alguma coisa. E perguntas também.
Como eu disse, tem muita coisa do Anônimo que muita gente conhece e não
conhece. Mas eu acho que, por exemplo, pelo menos os leitores do Circonteúdo (riso)
não sabem: quem eram vocês antes do Teatro de Anônimo? Aqui ninguém vai escrever
uma tese biográfica, uma biografia de cada um, mas eu acho que o que vocês eram antes
e as diversas formas como foram se encontrando, se cruzando, e se construindo
possibilitaram essa ideia de Anônimo? Como é que foi essa ideia? Como foi que o grupo
surgiu? Quem eram vocês? De que lugares sociais vieram? Como que era a constituição
familiar de vocês? E em que lugar estudaram?
É claro que eu sei de algumas coisas, eu li o livro do Márcio Libar (risos).
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Algumas coisas têm referências importantes, do ponto de vista do olhar da história
dele, mas nos revelou também muita coisa de vocês, o encontro de vocês e de onde
vieram, e que tem muita gente que não sabe.
Acho que é fundamental entender, e conhecer sobre isso antes de chegar ao
Anônimo propriamente dito.
Shirley, você é da ponta, pode ser?
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Atriz, palhaça e brincante. Integrante do Grupo Teatro de Anônimo desde 1991.
Formada pela Escola de Teatro Martins Pena, fez reciclagem na Escola Nacional de Circo, ambas na
cidade do Rio de Janeiro. Fez parte da Cooperativa de Artistas e artesãs Abayomi de 1992 à 2005.
SHIRLEY – Aqui é ponta, é? (riso) Bom, eu sou SHIRLEI BRITO, filha de Plínio
Peixoto de Brito, dono de um boteco e porteiro, já falecido. Minha mãe é manicure e
cabelereira, e hoje mãe de santo. Eu estudei sempre em colégio público e sempre quis
ser palhaça. Fiz teatro na escola Martins Pena, e conheci o Teatro de Anônimo nessa
época, quando eu estava fazendo Escola de Teatro Martins Pena. 2 E aí a Angélica
[Maria Angélica Gomes] era da minha turma, e eu precisava aprender a andar de perna
de pau. Como já conhecia, já tinha visitado a sede do Anônimo, já tinha visto uma
apresentação do espetáculo deles chamado Cura-Tul, um espetáculo de rua; já havia
uma paixão pelo grupo. 3 Então, como eu precisava andar de perna de pau, aprender a
andar de perna de pau para um espetáculo na Martins Pena, a Angélica falou “Olha, no
meu grupo tem perna de pau, tem pessoas que sabem andar, você pode ir para lá
treinar, não sei o que”. 4 E eu fui, e aí começou o namoro e uma relação de troca, de
amizade. Quando me formei na Martins Pena, recebi o convite: ou dá ou desce? Aí eu
dei, e entrei para o grupo. Estou no grupo vai fazer vinte e um anos.
JOÃO – Mas não foi para mim.
(risos)
SHIRLEY – Bem feito, passou a hora e não viu.
(risos)
ENTREVISTADORA – Shirley, antes de passar para a Angélica, de que lugar do Rio
de Janeiro eram as escolas públicas que você estudou?
SHIRLEY – Ah! eu sou de Jacarepaguá. É (riso). Pior que foi. Eu nasci ali entre
Jacarepaguá e Barra da Tijuca, que hoje é a Tijuquinha, favela Tijuquinha. E depois fui
morar em Niterói não, em Itaboraí, fiz o (riso) segundo grau em Niterói, depois morei
em Nova Iguaçu, depois voltei para Jacarepaguá, no Anil, e aí depois morei em vários
lugares em Santa Teresa, e hoje eu estou aqui no Centro (riso).
ENTREVISTADORA – Quando que o teatro entrou na sua vida?
SHIRLEY – Bom, o teatro entrou na minha vida desde cedo, eu fazia teatro na escola
desde o primário, ginásio.
ENTREVISTADORA – Teve essa oferta nas escolas que você frequentava?
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SHIRLEY – Tinha. Tinha essa oferta, sim. Que era sempre uma coisa bem alternativa,
né. Não fazia parte da grade, até porque teve uma época no ginásio que eu tive que
brigar porque a metade do ano eu tinha que fazer artes plásticas e a outra metade eu
podia fazer teatro, e eu falava assim “Eu não sei desenhar, eu odeio artes plásticas, eu
não gosto dessa... eu quero fazer teatro o ano inteiro”. Mas não podia. Tinha que, né,
mas sempre teve. E no segundo grau era à parte, fora das aulas, aí eu também tive que
brigar com a minha mãe para poder ficar mais tarde na escola fazendo aula de teatro.
Mas eu sempre dava um jeito.
ENTREVISTADORA – ANGÉLICA.
Atriz, palhaça, trapezista, brincante, bailarina afro. Integra o grupo desde sua
fundação. É formada pela Escola de Teatro Martins Pena e pela Escola Nacional de Circo, ambas na
cidade do Rio de Janeiro, tendo se especializado em números aéreos.
ANGÉLICA – MARIA ANGÉLICA GOMES, eu sou filha de pais nordestinos,
mamãe paraibana, meu pai alagoano já falecido. E venho de uma família de dez, eles
tiveram dez filhos, e eu sou a única mulher. Um maior galerão (riso).
(risos)
ANGÉLICA – Ele para criar todo mundo trabalhou como carteiro, e de noite trabalhava
num boteco. Na época que eu nasci a minha família morava na Providência, aí depois a
estrela baixou e a gente melhorou um pouquinho (riso), a gente foi morar em Cascadura
(riso), depois Vila da Penha onde fiquei até conhecer essa galera aqui. Nos conhecemos
no segundo grau, estudei num colégio bem perto de casa, que era Cecília Meireles, 5
onde ali eu também vivi as primeiras experiências com o teatro, com o esporte, eram
duas coisas que sempre ficavam muito fortes e presentes na minha vida. O teatro e o
esporte. E no segundo grau eu conheci o Anônimo... quer dizer conheci o Anônimo não,
conheci os amigos aqui no colégio de segundo grau, né, o Visconde de Cairu, no Méier.6
Lá eu fazia também handball e o grupo de teatro. Terminamos o segundo grau. Vou dar
até uma adiantadinha aqui, a gente terminou o segundo grau e a gente entrou numa pilha
“Vamos formar um grupo”, uma pilha até vinda do Márcio [Libar].
ENTREVISTADORA – “A gente”, você, João...
ANGÉLICA – Eu, João, Regina. Quer dizer a Regina, meses depois, é porque ela
namorava o Márcio então ela seguiu um pouquinho o início do processo e acabou
entrando por pressão (riso). Mas, éramos: eu, João, Márcio, aí tinha o Nem. 7
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JOÃO – O Nem.
ANGÉLICA – E o Edvando. Éramos essa galera, que nessa época a gente ensaiava na
cobertura do prédio do Edvando... Cobertura é ótimo, né, aquela salinha horrorosa
(riso).
(risos)
A gente montou um espetáculo chamado Anônima, que até foi o que deu origem ao
grupo.
JOÃO – Ela perguntou de onde vem, essa tua história.
ANGÉLICA – É, não, ela perguntou várias coisas (risos), como é que me conheceu,
como é que não sei o que, eu estou adiantando um pouquinho.
FABINHO – Com essa insistência.
ANGÉLICA – Então, então eu acho que é isso né.
ENTREVISTADORA – E essa mistura é importante, não tem jeito.
ANGÉLICA – É, porque não tem como eu falar de mim sem falar desse pessoalzinho
aqui do meu lado.
(risos)
JOÃO – Acabou?
ANGÉLICA – Acabei né.
JOÃO – Ah.
(gargalhadas)
Integrante do grupo Teatro de Anônimo desde sua fundação, em 1986, é ator,
palhaço
e
diretor
de
produção
do
Teatro
de
Anônimo.
Licenciado em Artes Cênicas pela UNIRIO, fez curso de reciclagem profissional na Escola Nacional de
Circo do Rio de Janeiro.
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JOÃO – É, JOÃO CARLOS ARTIGOS, eu sou filho de lavadeira e meu pai era
ladrilheiro, fui criado no Engenho da Rainha, subúrbio também do Rio de Janeiro. Meus
pais se separaram quando eu tinha mais ou menos onze anos. Então, eu fui criado
basicamente pela minha mãe, e a minha casa sempre foi muito... minha mãe tem uma
característica muito agregadora, sempre cuidou de um monte de gente, então minha casa
sempre ficava com as portas abertas, comidas coletivas, era até insuportável às vezes né,
porque eu queria comer e tinha que estar com a porta aberta, aí passava um vizinho
“Ah! me dá um pedaço desse ovo aí”, essas paradas, era meio ruim isso às vezes, né. É,
era... Mas, foi assim. E aí eu queria, como todo garoto suburbano pobre, ser jogador de
futebol. Tentei isso não sei até os doze anos de idade, aí minha mãe falou assim “Pô
tem que estudar”. Aí consegui uma bolsa no SENAI [Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial] para fazer curso de eletricista. Foi o meu primeiro salário na
vida, o meu salário mínimo, e eu estudava lá no SENAI para fazer eletricista e estudava
na escola à tarde. Vocês já viram algum jogador de futebol que estuda?
(risos)
JOÃO – Então aí terminou a minha carreira de jogador de futebol. (risos)
ANGÉLICA – E nem virou eletricista (risos).
JOÃO – E nem eletricista, exatamente, que hoje tem...
ENTREVISTADORA – E nem quebra o galho nisso? (riso).
JOÃO – Não, não gosto nem de trocar nem uma lâmpada, tenho trauma, porque essa
foi uma das piores fases da minha vida.
(risos)
JOÃO – Tenho medo de choque.
ENTREVISTADORA – Nem lâmpada ele troca, nada?
JOÃO – É difícil, é.
(risos)
JOÃO – Não, porque realmente foi traumatizante, porque eu queria muito ser jogador
de futebol, sonhava todos os dias com essa possibilidade. Fui fazer teste em todos os
clubes que você possa imaginar, do Palmeirinha de Del Castilho ao Flamengo, onde
encerrei minha carreira. Jogando...
(gargalhadas)
JOÃO – Jogava lá no Cocotá, mas enfim... (riso). E aí, fiz o Visconde de Cairu, que foi
uma... Quando falo isso as pessoas acham que estou falando piada, mas acontece o
seguinte, quando fui fazer o primeiro ano do segundo grau, na época, fui reprovado pela
primeira vez na minha vida, eu nunca tinha nem ficado de recuperação, e aquilo para
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mim foi um trauma, e foi um trauma fundamental porque mudei de turno, porque eu não
tinha coragem de encontrar os colegas, e aí tinha o negócio de um teatro, eu era meio
tímido, era feio naquela época também, né.
(gargalhadas)
JOÃO – E aí eu falei assim “Pô eu vou para o teatro porque é a minha chance de eu
tentar pegar alguém, né, arrumar namorada”.
ENTREVISTADORA – Que legal.
JOÃO – É, porque lá o pessoal fica todo mundo pelado, essas paradas assim. E não é
que deu certo?
(gargalhadas)
JOÃO – E era bem mais tímido enfim. Não era, não era a Flávia, não. Calma, fica
tranquila, mas tiveram várias outras antes.
ENTREVISTADORA – E também não foi a Shirley, né?
JOÃO – E também não foi, a Shirley não existia nessa época. E aí foi assim que eu
cheguei para o teatro, eu nunca pensei... eu tinha tido uma outra experiência no final, na
oitava série, a professora Leontina, que era de português, o trabalho de final de ano foi
escrever uma peça e montá-la. Foi minha primeira experiência, mas mesmo assim era
uma coisa ligada ali. Fui o Djavan né, (risos) e era o Djavan, e era o Chacrinha, tinha os
cabelinhos pá, rastafári, e tinha sido isso. Mas, não tinha ainda me tocado. E aí
chegando na escola, que essa foi uma possibilidade, inclusive tem muito a ver com a
discussão que a gente teve anteriormente, quando o Jailson [Silva – Observatório das
Favelas (RJ)] 8 fala, que naquele momento a gente era uma geração que é pré projeto
social. Não existia o projeto social; o que existia na nossa época era FUNABEM,
FEBEM. 9 Era isso. E a escola nos possibilitou essa história, que a Angélica falou do
esporte, que era muito forte, o teatro era também. Várias pessoas saíram tanto por
esporte (tem vários profissionais aí da nossa geração) e do teatro também, e já tem uma
outra geração no Rio de Janeiro que saiu também do Visconde de Cairu, um grupo
chamado Padajan, 10que tem um trabalho bem bacana, que já foi aluno de uma
professora que foi da nossa geração. Mesmo com essa degradação do ensino, enfim, a
gente foi para lá quando a gente fez quinze, vinte anos, e a escola estava já nesse
recrudescimento da violência. E isso foi uma coisa fundamental porque a escola nos
permitiu esse contato com a arte, e esse contato com o fazer artístico, que não era para
nos incluir socialmente. Era somente para a nossa educação dos sentidos, para a gente
fluir de outra maneira e enxergar o mundo, enxergar o belo de outras maneiras. É aquilo
que você falou né, 11 de ser contra do que deveria ser a cereja do bolo nos editais, como
eu também tenho falado que sou contra o projeto social, assim numa maneira radical,
não é só para poder criar o choque. Porque essa coisa dos projetos sociais tem sido
terríveis, né. Porque você tem formado um monte de pessoas que vão continuar
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reproduzindo um sistema, que em teoria a gente deveria estar se contrapondo para criar
outra realidade, mas enfim, vamos deixar isso para uma próxima mesa do Anjos, né?
(risos)
JOÃO – Deixa eu acabar de contar a minha história que eu estou quase textualizando.
ENTREVISTADORA – Deixo, pois é fundamental essa apresentação da história de
vocês e inclusive por encaminhamento, porque pouca gente sabe dessa história anterior,
porque eu sou uma geração anterior que não tem esse leque de ofertas, nem de esporte e
nem de teatro. E São Paulo também não tem, até a Marta Suplicy.
JOÃO – Sim.
ENTREVISTADORA – Quando tem os...
JOÃO – E a gente pega a raspa do bolo, praticamente, porque depois tem um negócio
assim que...
ENTREVISTADORA – E depois acabou, tipo assim ela saiu, acabou.
JOÃO – É, foi.
ENTREVISTADORA – Então essa oferta é um diferencial na questão da educação, por
isso que tem que se lutar por políticas nesse sentido, né? É uma oferta diferencial e que
para vocês foi o diferencial. Mesmo ir para pegar uma menina, não é isso né?
JOÃO – É, já valeu, já consegui mais que isso, né.
ENTREVISTADORA – Já valeu, é claro (riso).
JOÃO – Mais que pegar uma menina, eu peguei várias, e hoje estou aqui ainda
tentando.
(risos)
JOÃO – Bem. E terminando aqui, um detalhe que eu acho que essa característica
suburbana é algo que vai nos influenciar muito até hoje, e aqui Shirley, Angélica, eu, e
REGINA, todos os nossos pais morreram pelo álcool. Isso é outro dado, inclusive
quando fica discutindo de políticas de... agora o crack, né, oitenta mil pessoas viciadas
em crack no Brasil, o que são oitenta mil pessoas comparadas (riso) a esse universo? E
do prédio que eu morava também, mas enfim, só falei isso porque eu lembrei. Mas acho
que esse é um dado, essa suburbanidade como falava o Jailson [Silva] ali, isso para a
gente foi fundamental para a constituição da nossa ética e da nossa estética.
ENTREVISTADORA – É claro que eu não vou aprofundar o tema, mas ser filhos de
mães é significativo, não dá para trabalhar isso nessa mesa agora, mas isso também, ser
suburbano, estar naquele lugar da escola, e ser filhos de mães, criados por mães é
fundamental. Flávia.
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Trabalha desde 1988 com organizações culturais não governamentais, que
desenvolvem projetos na área de artes cênicas, patrimônio imaterial. Integra a equipe de gestão e
produção do Teatro de Anônimo, desde 1996. É Coordenadora Geral do Encontro Internacional de
Palhaços Anjos do Picadeiro da 1ª a 8ª edição, desde 1996. É mestre em Psicossociologia de
comunidades e ecologia social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e cursou o Master of
Business Administration - MBA em Gestão Cultural da Universidade Candido Mendes – UCAM (RJ).
FLÁVIA – Eu sou FLÁVIA BERTON DA SILVA, filha de Cesar, ele era do norte
fluminense, veio para o Rio de Janeiro trabalhar, como todo mundo que é da roça e
tentar vir para a cidade. Conheceu minha mãe, novinhos se casaram, e aí depois ele foi
embora de novo para a roça e minha mãe ficou com a gente aqui no Rio. A gente é de
Padre Miguel, eu sou nascida e criada lá, minha mãe também, minha família toda é de
lá, minha avó nasceu em Padre Miguel, então é um bairro que a gente conhece bem. E
minha mãe era, dona de casa, mãe da gente, [depois foi professora de inglês quando já
estavam grandes] e eu estudei no [Visconde de] Cairu, era longe para caramba. Eu tinha
que acordar, sei lá, cinco horas da manhã para chegar no Méier, porque Padre Miguel é
longe do Méier. Padre Miguel é longe de tudo (risos). Tinha um trem muito cheio que
não dava para entrar, eu não conseguia, e era na época que o pessoal fazia surf de trem
ainda, né. Então pegava um ônibus que dava uma volta no Rio de Janeiro, eu tinha que
pegar o ônibus das seis.
(alguém distante) – 684. Padre Miguel
FLÁVIA – Não, 689.
(alguém distante) – 689.
FLÁVIA – Campo Grande – Méier.
(alguém distante) – Que vai para o Méier.
FLÁVIA – É. Aí eu pegava esse 689, mas tinha que ser o das seis, porque tinha um que
saía de Padre Miguel direto; porque se fosse o de Campo Grande ele passava com gente
pulando, e eu não conseguia entrar também, entendeu? Era longe. Mas enfim, conheci
mais ou menos as pessoas do Anônimo no [Visconde de] Cairu, porque eu era de uma
turma depois da Angélica e da Regina. Não fiz teatro lá no Cairu, porque sempre fui
tímida e não queria deixar de ser, eu acho né, sei lá (risos), mas eu... foi assim
primeiro...
ANGÉLICA – Não queria pegar ninguém.
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FLÁVIA – É não queria pegar ninguém eu acho, também (gargalhadas), não sei. Mas,
uma coisa assim, uma coisa muito forte daquele teatro ali do [Visconde de] Cairu, foi
que assim... o primeiro espetáculo de teatro que eu vi na vida foi o do Cairu, porque
antes disso o único espetáculo de artes cênicas que eu já tinha visto era o circo que foi lá
em Padre Miguel, né. Porque de vez em quando tinha aqueles circos de bairro. Então eu
nunca tinha ido a um teatro na vida. E lá foi o primeiro teatro. E o teatro de lá é lindo
sabe, ele é todo pequenininho, todo lindo. E aí quando tinha espetáculo eu ia a todas as
sessões, entendeu? Eu amava aquilo ali, eu chorava, e eram espetáculos assim bem
bregas, né (risos), mas era tão emocionante. Eu achava aquilo tão...
(gargalhadas)
JOÃO – Não, era não.
FLÁVIA – Ah! Era sim, gente (gargalhadas). Agora olhando, né, na época não era,
claro que não. Mas, agora olhando assim com frieza, era um negócio breguíssimo
(risos). Mas era muito, para a gente era muito emocionante, porque a gente tinha contato
com a literatura, com a música. Ah! E eu gostava muito assim, Chico Buarque, Vinicius
de Morais, e eles...
ANGÉLICA – Tinham as montagens e os musicais.
FLÁVIA – É, e eu, como é que era o nome do diretor mesmo?
ANGÉLICA – Áureo. 12
FLÁVIA – O Áureo, ele trabalhava sempre esses assuntos, esses cantores, esses
compositores, enfim. Da música popular, ele tinha muita música. E aí depois conheci o
João através do Nem, o Nem foi da minha turma, e o Nem era do Anônimo já.
ENTREVISTADORA – Mas, já chamava Anônimo? Vocês conseguem se lembrar?
JOÃO – Não.
SHIRLEY – Naquela época já.
JOÃO – Naquela época dela[Flávia], sim.
ENTREVISTADORA – Sim? Na época dela já?
FLÁVIA – Sim, porque era [19]87, tipo um ano depois, e já era Anônimo. Já era
Anônimo, já tinha a Arte no Méier.
(risos)
FLÁVIA – Pô, já era, já tinha evento, já era um negócio...
ANGÉLICA – Só para esclarecer, Arte no Méier é um evento que a gente organizou
com seis meses de grupo.
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(risos)
ANGÉLICA – Muito mitideza, muito agregadores, a gente sempre foi assim né, tudo é
muito pouco.
ENTREVISTADORA – Dá para esperar um pouco, porque eu acho que essa
organização vai ser ótima. (risos)
FLÁVIA – E, aí bom, eu participei do início também, porque o João era do grêmio, no
[Visconde de] Cairu. Eu acho que isso também é uma coisa boa de falar, né, porque é
uma coisa forte da nossa história. Aí ele era assim o Cairu. Como todos os colégios
públicos de segundo grau, não tinha grêmio, deixou de ter grêmio na época da ditadura,
e como a gente estava ali naquele momento bem das Diretas Já, a gente viveu muito
isso, os estudantes todos indo para a rua, pedindo Diretas, era o governo [Leonel]
Brizola que estava entrando no Rio [de Janeiro] e isso para a gente era muito
significativo. Era uma abertura, estava começando a sair ali do [João Baptista de
Oliveira] Figueiredo, e a gente estava ali naquele governo [José] Sarney, era bem
confuso. Não era isso?
ENTREVISTADORA – Ano das Diretas.
FLÁVIA – Era. E a gente estava ali, e o movimento estudantil começando a se
reorganizar. E no [Visconde de] Cairu o João foi o presidente do grêmio com a
Cristiane.
JOÃO – Com a Cristiane não, com a Cristiane não.
FLÁVIA – E eu fui da chapa que substituiu eles, né. Então eu conhecia o João... eu
conheci assim, politicamente, primeira vez que eu vi o João foi no alto, falando para a
massa de estudantes do Cairu, e eu era uma estudante, e uau!
(risos)
JOÃO – Eu tive o meu momento Vladimir Palmeira, digamos assim (risos). Porque na
verdade não tinha, porque a ditadura tinha acabado com os grêmios né, e aí eu fui o
primeiro presidente depois da abertura, né.
FLÁVIA – É, porque foi esse processo de reabertura lá do nosso grêmio.
JOÃO – E a gente colocou três mil estudantes na rua, quando a greve dos professores
contra o governo Brizola, ou melhor, a favor dos professores, até mesmo porque
naquela época eu me considerava brizolista. Mas teve essa formação que também foi
fundamental, e o teatro na verdade acontece para mim junto com esse envolvimento
político.
ENTREVISTADORA – Com a formação política.
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JOÃO – Com a formação política né, são as duas coisas. Aí eu me liberto e aí vou para
o teatro, vou passar a viver essa experiência do movimento estudantil.
FLÁVIA – Bom, aí isso, eu conheci o pessoal desse jeito. E no Anônimo eu só entrei...
agora a Shirley falou vinte anos, eu fiquei meio chocada (risos), porque eu achava que
tinha uns quinze, doze assim.
SHIRLEY – Não, tem vinte e um.
FLÁVIA – É?
SHIRLEY – É.
FLÁVIA – Tá, então tem vinte e um mais ou menos, porque eu fui fazer faculdade, eu
sai do Cairu, fui fazer Psicologia, não fui fazer teatro, só que eu nunca exerci
Psicologia, no final eu sabia escrever projeto, sempre fiz essa coisa mais organizativa
mesmo, né.
SHIRLEY – Exerce sim, ela exerce sim.
FLÁVIA – Eu era contraregra, também fui contraregra.
ENTREVISTADORA – Existe mil formas de ser psicólogo, né (riso).
FLÁVIA – É, bom, chega. (risos). Isso é uma outra questão.
ENTREVISTADORA – Não, não, só um minutinho, só um minutinho Flávia, eles
interferiram, mas... E aí você tem um conhecimento maior com a turma, nesse momento
que você vai para a faculdade? Eu não entendi essa parte.
FLÁVIA – Não, aí eu conheci o pessoal, quando eu estava saindo do Cairu estava
rolando esse movimento estudantil forte, a gente conseguiu eleger uma chapa que foi a
substitutiva lá do grêmio do João, que o João fez parte. E aí eu sai, fui para a faculdade,
aí fui para outras coisas, né. Mas, continuei conhecendo a galera e me relacionando, a
gente começou a namorar naquela época.
JOÃO – Isso, eu sei que é vergonhoso, mas nós começamos a namorar, foi isso que te
manteve no grupo.
(gargalhadas)
FLÁVIA – É, a gente começou a namorar. É. (risos). Eu falei agora (riso). A gente
começou a namorar nessa época, então isso também me uniu ao grupo, e aí sempre que
tinha alguma tarefa mais assim... que o João, ele fazia produção, ele trabalhava num
lugar de produção, e ele fazia a produção do Anônimo, e escrevia as propostas e tudo. A
gente é de uma época que não era época nem de lei Rouanet nem de edital, nada disso,
era balcão, né. E aí nessa época, para a gente era muito difícil essa coisa do balcão,
porque a gente não conhecia ninguém importante, não era filho de ninguém importante,
era uma dificuldade. Mas, o João sabia muita coisa porque ele trabalhava na equipe de
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produção da prefeitura, ele esqueceu de falar isso. E isso foi uma coisa que foi uma
escola de produção para ele e para mim, porque eu aprendi muito com ele essas coisas
(risos). E aí sempre que tinha que organizar alguma coisa, porque eu estudava na
faculdade, eu tinha acesso ao computador da faculdade, então eu ia, digitava as paradas
entendeu. Então essa era a minha relação maior com o Anônimo, apesar de eu estar
sempre perto assim né. Eu era da [Cooperativa] Abayomi.
REGINA – Tinha a coisa da Abayomi também né.
FLÁVIA – Ih, é gente.
ENTREVISTADORA – O que Regina?
REGINA – A Abayomi.
FLÁVIA – É muita coisa misturada. É uma história muito misturada. Nós, meninas,
éramos da Cooperativa Abayomi também, que é uma cooperativa de mulheres que
confeccionavam bonecas de pano. E aí teve um bom período que o Anônimo era meio
que associado, cooperativado ou sei lá o que, da Abayomi, grupo irmão, entendeu? 13
REGINA – Teve um tempo que nós éramos Grupo Anônimo de Cultura, então eram
outras pessoas.
FLÁVIA – De cultura. Então tudo, era artesanato, era capoeira, era percussão, era o
teatro.
ENTREVISTADORA – Altíssima produção.
FLÁVIA – A gente... é, era um negócio assim entendeu. Então eram vários grupos, era
um movimento praticamente. Era uma época também do movimento negro,
questionando essas coisas do centenário da abolição, então o movimento negro forte, a
gente participava de tudo, eu e a Regina, e os negões mandando a gente embora (risos).
Então a gente...
ENTREVISTADORA – As duas negronas, né? (risos).
FLÁVIA – É, a gente sempre foi negona, vocês é que não veem (riso). É né? Mas
enfim, era esse tempo, a gente era muito... era um movimento quase, então eu estava ali.
ENTREVISTADORA – E tudo isso vai também alimentando o teatro e toda a produção
cultural artística que vocês fizeram. Legal. Fabinho.
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Palhaço e trapezista. Integra o elenco do Teatro de Anônimo desde 2007. Teve sua
formação iniciada no curso profissionalizante de ator da CAC- Casa das Artes Cênicas, em 1992, e no
curso
técnico
da
Escola
Nacional
de
Circo(RJ).
Depois de participar das oficinas “A nobre arte do Palhaço” e “O Ator no picadeiro”, ministradas pelo
Anônimo, criou em 1998 o grupo “Valdevinos de Oliveira – Pequeno Teatro Cômico” que fundamentava
sua pesquisa na comicidade popular, principalmente no arquétipo do palhaço [não existe mais].
Atualmente está em cena nos espetáculos “Roda Saia Gira a Vida”, “Intermezzo”, “In Conserto”,
“Noites de Parangolé” e no número de trapézio “Dentro da Noite”.
FABINHO – Boa tarde. Eu sou FÁBIO FREITAS, sou a nova geração do Anônimo.
(gargalhadas)
SHIRLEY – É bem velha essa geração.
FABINHO – Estava esperando esse momento.
(risos)
FABINHO – Eu sou filho de Mário e de Vera, minha mãe é auxiliar de enfermagem,
meu pai é auxiliar administrativo. Eles... É. Eles casaram e aí os filhos os afastaram dos
sonhos deles né, enfim acabaram não realizando os desejos deles enfim. (risos). Não, só
para fazer um link mais a frente, não é triste, não, é igual passeata. (risos). É só para
contar o seguinte, meu pai trabalhava numa empresa que sempre tinha ingresso para
circo, todo circo que aparecia na cidade eles tinham uns funcionários ali, cinema, tinha
um monte de coisa, mas circo sempre tinha e a gente sempre teve ingresso. Eu sempre
fui muito ao circo, acho que eu ia a circo quatro vezes no ano assim né, chegava o circo,
a gente via o circo na Praça Onze, a gente estava lá. Eu brincava de circo em casa, fazia
os números, ficava imaginando aquelas coisas, aquele universo me encantava muito, eu
gostava muito. Eu sempre passava pela Praça da Bandeira, porque a gente morava no
Andaraí nessa época e vinha para o Centro para médico, dentista enfim, e a gente
passava pela Escola de Circo [Escola Nacional de Circo], e eu perguntava “Mãe, o que
é?” minha mãe “É o circo e tal, para ensinar as pessoas a fazerem coisas de circo”, e
eu falava para ela “Pô me leva, me matricula e tal”. Mas, enfim, impossível da gente
conseguir né, dela conseguir me levar, dentro da realidade que a gente tinha. Aí fui
crescendo, essa coisa da escola também foi fundamental para mim. Estudei em duas
escolas muito legais, uma era uma escola bem pequenininha, que era meio um projeto
assim, tinha uma experiência de não passar de vinte alunos, então foi fundamental
também para a gente essa coisa, a possibilidade de ver, acho que uma turma tão grande
não é possível né, a gente experimentou muitas coisas, por ser um projeto piloto, então
isso foi bom. E aí depois o [Visconde de] Cairu, que aí eu cai naquele mundo, sai de
uma escola pequena e cai naquele mundo gigante de cada turma com cinquenta alunos,
era uma loucura. É. (alguém distante fala) Olha isso. E aí eu fiquei louco lá, fiquei
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louco. Pirei mesmo, porque aquilo era um mundo, aquilo.... E aí já comecei a namorar
uma menina que saiu do terceiro ano, passou já para a faculdade, eu já não frequentava
o Cairu, eu ia para a faculdade e já ia para o Fundão e, enfim.
JOÃO – O Fabinho namorou a professora de teatro, porque aí ele foi depois da gente,
não foi a Ana?
FABINHO – Bom, continuando.
(gargalhadas)
FABINHO – Continuando.
ENTREVISTADORA – Tem um grilo falante aqui. Você não acha? (risos)
FABINHO – Então, aí eu conheci uma outra galera também, que era do Cairu, que
tinha um grupo chamado Coisas da Gente, 14 que é um grupo também que era
influenciado já pelo Anônimo. A Edjane, que era do grupo falava “Cara, o Libar falou
que a gente tem que ler não sei o que, falou que a gente tem que ler Stanislaviski, a
gente precisa ler Stanislaviski. Tem que ler isso”. Não, chegou uma hora que a gente
tinha que ler Artaud (gargalhadas). Eu falei “O que Edjane?” “Temos que ler A, Ar,
Artaud” (risos). Enfim, e era assim o negócio. Mas aí esse... E eu tive na verdade, a
minha história é muito próxima do Anônimo, por isso, por sempre saber dele já, eu sou
também de um tempo depois no Cairu, mas sempre quis saber deles. E depois a gente se
encontrou na Escola [Nacional] de Circo, estava eu lá de palhaço, Palhaço Presepada
(risos), com uma roupa mega colorida, trash, que tinha um palhaço desenhado nas
costas, um palhaço colado no peito terrível, e a Regina e a Angélica chegaram para
mim e falaram assim (riso) “A gente vai dar um curso de palhaço, você não quer
fazer?”
(gargalhadas)
FABINHO – Foi a minha salvação. Sério, e eu estaria aí até hoje fazendo.. até hoje
animação de festa, se não fosse isso. (risos)
FLÁVIA – Com uma peruquinha rosa.
FABINHO – É era terrível. Era terrível, terrível.
ENTREVISTADORA – Peruquinha rosa?
FABINHO – Terrível. E o pior é que os professores da escola toda vez falavam para
mim assim “Coloca aquela roupa”. Toda, toda apresentação do circo, toda: “Coloca,
vem de palhaço”. Porque era um sucesso, era, imagina... (risos). Espalhafatoso (risos).
Enfim, na verdade... aí o Anjos também foi importante para isso, porque no Anjos, eu
tive uma relação com o Anônimo de ser técnico né, a gente se aproximou, eu fazia a
técnica dos espetáculos, me afastei um pouco, depois voltei no Anjos do Picadeiro, criei
16
um grupo com o Leo e com a Fabiana, o Valdevino de Oliveira, 15 para a gente continuar
a pesquisa.
(homem distante) – Foi no Anjos?
FABINHO – Foi, foi no Anjos do Picadeiro que a gente construiu essa história.
MULHER – Nossa, nem eu sabia.
MULHER – É. Qual o ano?
FABINHO – Vocês não sabem de nada, está vendo que é bom fazer essas coisas,
porque a gente mesmo não sabe...
ENTREVISTADORA – Eu não disse? Então não é só os leitores do seu Circonteúdo
que não conheciam.
FABINHO – É, só tem que lembrar. Mas, foi por aqui do Rio, claro né, já tem um
tempo. Não, não vou lembrar, agora não, não vou lembrar. Mas enfim, e aí tinha alguma
coisa no Anônimo que eu queria experimentar, eu via os espetáculos do grupo e aquilo
me encantava, eu falava “Poxa, esse é o tipo de forma que eu gostaria de trabalhar, de
ser mais...” Enfim, essa proximidade com o grupo da parte técnica, eu acho que também
foi fundamental para eu poder avançar algumas coisas de procedimento técnico né,
porque sou da escola de fazer as oficinas, fiz todas as oficinas do grupo, e várias
oficinas do Anjos. Mas, o dia-a-dia, como é que você constrói, como é que você vai para
a cena o tempo inteiro, como é que você labuta e constrói o teu palhaço. Essa relação
próxima nesse período todo, não do tempo, eu falo que eu tenho cinco anos de grupo,
mas na verdade eu devo ter dez junto com essa turma, nessas idas e vindas eu acho que
deve ter sido, ou mais que isso.
MULHER – É, o Almas é de 2004.
MULHER – Você não era assistente do Márcio?
FABINHO – Pois é, o Almas é de 2004 quando eu fiz, e fiz assistência ao Márcio antes
disso, acho que deve ter uma história aí que beira uns quinze anos. Então estou há cinco
anos no elenco, mas tem uns quinze já que estou junto.
MULHER – É
FABINHO – É.
(riso)
MULHER – Ele acha.
FABINHO – É uma geração, a nova geração já tem quarenta.
(risos)
17
FABINHO – Mas eu acho que é isso. Enfim.
ENTREVISTADORA – Desculpe Fabinho, mas você já terminou?
FABINHO – Já, já.
ENTREVISTADORA – Tá.
Atriz, acrobata aérea e palhaça. Integra o Teatro de Anônimo desde sua fundação
desde 1986. Formada pela Escola Nacional de Circo do Rio de Janeiro, no ano de 1994 onde se dedicou
mais especificamente aos números aéreos.
REGINA – Olá. Eu sou REGINA OLIVEIRA. É engraçado que você vai escutando as
histórias e você vai se repetindo né, até mesmo não sendo na mesma história, mas eu
sou filha de pais nordestinos, mãe cearense, pai pernambucano se conheceram no Rio,
tiveram filhos, um monte, seis. Morávamos no Irajá, uma família muito grande assim,
de ainda morar avó, muito divertido, muito bom morar com tanto irmão, tanta gente,
tenho uma memória boa desse tempo. Mas, com uma mentalidade muito de subúrbio né,
que você tem que crescer para ajudar a família a desenvolver, então você tem que passar
para alguma coisa pública, para ser, fazer algum tipo de trabalho assim. Então a arte
nunca passava pela minha casa nesse sentido da profissionalização. A minha irmã mais
velha, ela cantava super bem porque ela era da igreja, a igreja católica, e tinha vários
shows, e que ela fazia show. Quando ela cresceu, quando ela estava adolescente, ela
falou para a minha avó “Eu quero ser cantora”, a minha avó falou “Não. Cantora não,
cantora é prostituta. Cantora não vai ser.” Aí ela foi estudar, foi fazer outras coisas.
Então a arte estava bem nessa relação, na minha família, que não podia. Cresci num
bairro que a escola era pequena, tive acesso à dança, teatro, coisa pequena, mas era
muito pouco. Era bom, mas era pouco, não era nada também muito especial, de falar era
incrível fazer, não eram as professoras que se desdobravam até nos seus horários para
poder fazer ensaio de dança, para poder fazer umas coisas assim. Eu adorava, sempre
estava. Aí até que eu fui para o [Visconde de] Cairu e também tive esse choque, que
nem o Fabinho falou, porque eu era de uma escola muito pequenininha, e cheguei lá e
tinha sei lá, três mil pessoas de muitos lugares do Rio de Janeiro inteiro. Quando a gente
vai falando cada um era de um bairro, né. E aí você vai ouvindo histórias e vendo
pessoas com referências muito diferentes, vê gente até com grana, gente com nenhuma,
então misturou tudo. Fiquei um pouco louca no Cairu, assim tipo “Ah”(som de surpresa)
fiquei igual o Fabinho, dei uma surtada de pessoa e tudo, pirei o cabeção. Aí comecei a
namorar o Márcio no último ano, e como ele tinha feito escola de teatro, já pilhava os
amigos de montar um grupo. E eu nada, só via o teatro do Cairu, só via o coral do Cairu,
e adorava o coral do Cairu, mas não entrava porque eu falava “Não, muitos CDFs, e eu
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não vou entrar” então saia do coral. Mas eu queria, mas tinha um pouco de vergonha,
nunca chegava no teatro nem no coral. Aí conheci o Márcio, ele falou “Ah eu faço
teatro, vou montar um grupo com os meus colegas”, eu já conhecia todos os colegas,
eram meus colegas também. E aí eles começaram a montar a peça, e sempre que ia uma
atriz para fazer um papel, a atriz ia embora (riso). A atriz ia embora, a atriz ia embora, aí
eles já estavam ensaiando há um tempão e faltava a atriz. E aí eu falava “Ai caraca”, e
aí todo mundo olhava para a minha cara e eu “Ai”. Eu nunca tinha feito nada, e eles
falavam “Olha eu acho que vai ter que ser você”. Eu falava “Pô, mas eu nunca fiz”.
“Não a gente te treina, e a gente faz. É, a gente te ensaia”. E aí lembro até hoje do
primeiro ensaio, eles fazendo coisas comigo para mim... e aí está bom, eu fiz. E a peça
durou o ensaio, a gente fez duas apresentações ou uma, sei lá. Acabou (riso), eu falei
“Ah graças a Deus, acabou”. Mas aí aquilo também já tinha me dado um negócio né, eu
falei “Pô é legal”. Mas, eu tinha um pouco de medo, não tinha técnica, não sabia nada.
E aí ele falou “Não, não é esse tipo de teatro, vamos buscar outro”, e aí a gente foi em
busca de outras formas, que acabou entrando na poesia, foi para o teatro de rua e eu
fazia exatamente o espetáculo. E eles, não, eles queriam chegar em qualquer lugar e
“Vamos furar. Vamos entrar nesses lugares e vamos falar umas coisas”, aí eu falava
“Não, isso já não é para mim. O marcado está marcado. ‘Vamos furar’ eu não vou
furar, não.” Então eu falava: “Não eu acho que eu não sou disso, não. Eu não vou fazer
esse negócio”. Aí fiquei nessa dúvida um tempo, vou fazer não vou fazer. E aí teve uma
parada do Anônimo assim, que a gente acabou fazendo muito tempo esse espetáculo, e a
gente trabalhava muito, a gente não ganhava nenhum dinheiro. Aquilo foi dando uma
crise assim, aí chegou uma hora que todo mundo foi fazer alguma escola, alguma coisa
assim, e aí eu fiquei numa dúvida em que escola de arte eu ia fazer. Nem pensei ainda
no teatro, mas lembro que eu estava saindo com o Márcio e com o João, acho que a
gente estava até indo para a prefeitura, para o trabalho do João, porque lá era também
nosso escritório (risos). É (risos). E a gente estava passando ali na Lauro Miller, na
estação de trem, e aí eu vi a primeira vez a Escola [Nacional] de Circo. Aí falei para eles
“O que é isso?”, porque eu vinha do Irajá e não passava por ali, pela Praça da Bandeira,
só pela Leopoldina. E aí eles falaram “Pô é a Escola de Circo”, eu falei “Legal! Quanto
é?”, eles “Pô, é de graça.” Eu falei “Eu vou estudar aí”, falei (risos). E no ano seguinte
eu estava estudando lá, porque fiquei numa dúvida onde que ia estudar, estava contigo...
JOÃO – Ainda davam comida na escola.
REGINA – É, ainda davam comida, era sensacional. (risos)
ENTREVISTADORA – Além de ser de graça, ainda dava comida.
REGINA – É, exatamente. E nessa época eu tinha trabalhado um tempo. Tinha feito
uma poupança para poder fazer uma escola de arte, porque não tinha nenhuma, até
quando hoje a gente fala “Ah!Vou fazer uma escola de arte” você tem mais, algumas né,
até quando eu pensava “Ah! Podia fazer uma escola de dança”. Não tinha. Você tinha
que ter tido uma formação anterior e tal. E aí acabou que entrei para o circo assim, e
falei “Eu vou estudar então aí”. Aí fui lá, perguntei e abriu inscrição, abriu, eu entrei, e
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acabei entrando nessa vida assim, não foi nem uma escolha, falar “Ah! Vou fazer...” foi
a partir do Anônimo que na verdade a arte veio para a minha vida assim...
ENTREVISTADORA – Mas aí depois você volta a fazer parte do grupo.
REGINA – Não, todo mundo, a gente dispersou um pouco, tipo a gente foi fazer
escolas, mas logo voltou porque o Márcio falou... o Márcio não foi fazer escola. Eu fui
para o circo, o João foi para a [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro] Unirio, a Angélica foi para a Martins Pena, não tinha a Shirley ainda (riso). Éramos
nós, né. É, teve essa época então que éramos nós quatro.
FLÁVIA – Mais o Wilson.
REGINA – E o Wilson. 16 Não, o Wilson só veio depois. É. E aí a gente dispersou tipo
cada um foi para uma escola, mas aí depois o Márcio falou “Poxa vamos montar um
espetáculo nós três”, aí era eu, Márcio e João fazendo Cura-Tul, a primeira forma. Aí
depois desse núcleo pequenininho, todo mundo foi voltando, então na verdade a gente
dispersou tipo seis meses, sei lá talvez, mas aí logo voltou para esse projeto e ele nunca
mais separou né?
FLÁVIA – Nessa época tinha o Nem e depois ele saiu.
REGINA – Não, Nem nem estava. Não, nesse primeiro momento não estava. Era eu...
JOÃO – Nem estava.
REGINA – Nem... Não nesse primeiro momento não estava. O Nem.
Shirley – Nem nesse momento nem no meu.
REGINA – Então, era eu, João...
FLÁVIA – No primeiro não, mas no segundo.
REGINA – Ah! No segundo momento faltou ainda o retorno do Nem, teve ainda esse...
ENTREVISTADORA – Deixa eu só esclarecer que já estão entrando nessa questão da
produção do Anônimo. Angélica, você disse, a Regina também pode falar, vocês todos
disseram, mas é que você mencionou de um espetáculo que deu origem ao nome.
ANGÉLICA – Ah! Sim.
ENTREVISTADORA – É antes disso? Antes dessa dispersão?
ANGÉLICA – Ah! Bem antes. Na verdade a gente quando se juntou para formar o
grupo, a gente montou esse espetáculo que se chama Anônima, que é um texto do
Wilson Saião. 17
REGINA – Esse que eu fiz duas apresentações.
20
ENTREVISTADORA – Wilson?
ANGÉLICA – Wilson Saião. Ele tinha ganho um prêmio de dramaturgia, e era um
texto que falava justamente...
ANGÉLICA – É, o Concurso de [Instituto Nacional de Artes Cênicas] – INACEN 18
que tinha lá naquela época. Vai tempo, né. É. E a gente montou esse espetáculo que
falava sobre uma família suburbana do Méier, tinha bem a ver com a nossa realidade do
momento. Nós morávamos em bairros diferentes, mas o Méier era o polo de encontro
nosso, a gente ensaiava ali, e foi daí que deu origem ao nome do grupo. Anônima,
Grupo Anônimo de Teatro. É o nosso nome. Fizemos dois espetáculos, como disse a
Regina. Não, a gente montou para fazer a mostra do SESC, a gente fez no Engenho de
Dentro, lá a gente conheceu O Poeta me Deixa Dormir, que é um grupo que trabalha
com poesia, trabalhava, eles não existem mais, trabalhavam com poesia, e uma forma de
trabalhar com poesia com uma dramaturgia bem interessante, era bastante físico. Aquilo
tocou a gente. Nesse mesmo período a gente conheceu Os Poetas, que era um
movimento bem forte de poesia de poetas marginais. Trabalhavam com poesias na rua,
abriam rodas e assim, foi um movimento muito forte dessa época de oitenta e
pouquinho. E a gente começou a frequentar as rodas. E a gente achava muito
interessante, o que chamava muito atenção era como os caras conseguiam segurar a roda
por tanto tempo, e rodas grandes, e só aumentava o número de pessoas assistindo, e eles
o tempo todo mandando as poesias, a gente falou “Pô, vamos trabalhar com essas
poesias”. E tinha referência do outro grupo, O Poeta me Deixa Dormir, que era uma
coisa, ele trabalhava com poesia mais centralizada. A gente com a nossa realidade
familiar, cultural, que tinha uma relação, por exemplo, minha família todo final de
semana tinha pagode em casa, era só juntar os seis irmãos né, já era um pagode, e eles
ainda chamavam os amigos... ali eu aprendi a tocar os instrumentos. Enfim, a gente vem
de uma realidade de muitos e que tinha a música, a capoeira também a gente começou a
trazer para o grupo, então o nosso treinamento ficava baseado em capoeira, futebol,
nossos jogos de toque eram muito pensando em triangulação. A gente trazia as
referências que a gente tinha, estudava e lia nos livros de teatro, a gente trazia para as
nossas referências culturais. O jongo era para produzir energia para a sala de trabalho.
Então a gente... porque que eu estou falando isso hein?
(risos)
ENTREVISTADORA – Por causa da origem do Anônimo. As várias origens do
Anônimo.
ANGÉLICA – É, agora baixou a velha (riso).
REGINA – Um ano depois, não sei o que, o Márcio tinha muito isso né, ele trazia
muito essa coisa, eles praticavam uma coisa, e o Márcio como sempre gostava mais de
estudar do que todo mundo, ler (risos), teorizar sobre as coisas, ele vinha com uma coisa
assim, com uma notícia. Aí ele leu uma vez um texto de um russo, né?
21
JOÃO – Não, Alessandro Fersen, um polonês.
REGINA – Era o que? Polonês.
JOÃO – Que tem um livro, Teatro em Suma. O Márcio tem uma capacidade, era a
grande genialidade dele, é que ele consegue ler a orelha do livro e falar o livro todo
(risos). E aí essa é a diferença.
REGINA – É. Ele trazia esse conceito.
JOÃO – Mas isso é um talento.
ENTREVISTADORA – O Márcio tinha que estar aqui no público.
JOÃO – É (riso). Isso é um talento, então na verdade a gente processava essa... E essa
era a curiosidade, porque o entendimento se dava coletivamente, a partir de uma prática.
Que eu acho que isso é fundamental registrar, e que o Márcio trazia ou qualquer um
trazia, o Márcio era o que trazia mais mesmo, mais orelhas. (risos) Né? E...
REGINA – Então, mas essa foi ele que trouxe.
JOÃO – Alessandro Fersen que é um verbete do Teatro em Suma, e tem lá “teatro de
Anônimo”, e é aí que ele vai falar dos futuristas russos, dos teatros produzidos nas
feiras, o mamulengo. E ele fala sobre um teatro que prescinde de uma tradição
filológica, prescinde de uma tradição da escrita, e que vai se processar coletivamente, e
que não importa, o autor tem a origem desse fazer, e ele também vai falar do circo
“Quem foi que inventou o circo? Quem inventou o teatro de mamulengo? Quem é
essa?” E aquilo ali fala que é um teatro de Anônimo, esse teatro das feiras. Eu falei
“Caramba! Nós somos teatro de Anônimo, inclusive o nome do grupo é Grupo Anônimo
de Teatro” e a partir, desde então a gente passou a se chamar Teatro de Anônimo, e aí a
gente virou um verbete (riso).
ENTREVISTADORA – Já era verbete.
JOÃO – A gente que não tinha nem ideia (riso) virou um verbetezinho.
ENTREVISTADORA – É interessante. Olha, eu estou na primeira pergunta, no
primeiro item da primeira pergunta. E a gente já está estourando a hora, mas eu vou ter
que fazer pelo menos mais duas. E o público...
Vocês estão aí dormindo ou estão acordados?
ENTREVISTADORA – Não, eles estão acordados, eu não sei se eles querem fazer
perguntas.
(respondem distante) – {...}
(gargalhadas e aplausos)
22
ENTREVISTADORA – Viu. Esse público que existe e não existe, está acordadíssimo.
É interessante, porque quando eu pensei na proposta de vocês fazerem o relato pessoal,
é essa ideia mesma que eu já tinha do Anônimo, de alguns momentos que a gente
conversava dessa antropofagia que, mesmo sem ter uma elaboração teórica [ou achar
que não tem, pois acredito que sempre estão fazendo teoria], é uma característica muito
própria da gente brasileira de uma forma geral, essa antropofagia, e principalmente
quem se envolve com movimentos culturais e do subúrbio. É interessante porque as
fronteiras entre as artes, hoje as chamadas artes, ela não tem sindicato, eu faço teatro, eu
faço capoeira, eu faço dança, eu faço música, eu faço bordado, eu faço boneco, eu
faço... e eu acho que o Anônimo tem isso. Vários grupos, mas vocês em particular têm
essa particularidade, por isso que eu queria recuperar bastante isso. Agora, vocês já
entraram de alguma forma, como é que o circo entra nessa história de vocês? Mas, a
Regina já relatou, Fabinho já relatou, Shirley de certa forma quando vai aprender a
perna de pau. Mas como que o Anônimo decide ir para o circo? E depois eu faço outra
pergunta para encerrar esse primeiro momento.
REGINA – Na verdade o circo começa, para mim, acho que na verdade eu entrei
primeiro para o circo em [19]89, e nisso a galera foi vindo, a Angélica também entrou
em seguida, se matriculou, acabou que ela ia entrar comigo em 89, ela acabou indo para
a escola de teatro. E aí fiquei sozinha um período e aquilo ali foi meio contaminando, aí
a Angélica entrou. E nisso a gente começou a ver que o circo poderia trazer elementos,
os tais elementos encantadores, mágicos, que saltavam aos olhos na rua, e
principalmente quando você vai trabalhar com o teatro de rua, você junta elementos. E
aí a gente começou a querer trazer essas técnicas, as técnicas até que tem mais acesso,
tipo a perna de pau foi a primeira coisa, cuspir fogo, coisas do tipo. Depois que já
estávamos eu e a Angélica na escola, teve uma abertura da Escola de Circo, foi até um
momento muito legal, as aberturas se dando, que tinha uma diretora nova, e que abriu
para um grupo de teatro fazer uma reciclagem.
ENTREVISTADORA – Era a Omar, né?
REGINA – Era a Omar. 19 E ela abriu para um grupo de teatro inteiro, nós éramos um
bando, na verdade juntava mais o João, a Shirley e o Márcio, e o Wilson também na
época era, já era da escola, o Márcio Brow. 20 E aí acaba que a gente fez um núcleo de
trabalho dentro da própria Escola de Circo. Tínhamos aulas especiais com alguns
professores, então isso acabou reforçando essa ideia de trupe também né, de trupe de
circo. A gente já tinha algumas técnicas, que todo mundo já tinha feito, eu fazia a
escola, a Angélica também, e aí entra todo mundo para fortalecer esse aprendizado.
Nesse processo também vamos conhecendo pessoas que começaram a falar de palhaço,
aí apareceu o Xuxu 21 na nossa vida, apareceu também, o Nem ficou super encantado, e
que também fazia parte depois do Anônimo novamente né, o Nem foi e voltou. Aí fez
um curso com uma argentina, e aí ele fala “Eu vou fazer e depois eu conto para vocês
como é que é, e treino com todo mundo”. Quando ele voltou do curso, falou “Não dá
para ensinar” (risos). Eu lembro que eu fiquei com a maior raiva, eu falei “Porra, o
cara vai lá para fazer o curso da argentina, aprende lá o negócio, quando é na hora de
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passar ele diz que não dá para passar. Que negócio é esse?” Aí ficou aquele clima, ele
fez um dia ou dois com a gente na Martins Pena, e realmente, era um monte de jovens
que você via que vai para onde esse lugar, né? Tem que entrar. E aí foi também assim
que a gente foi olhando, vendo, falando “Ah! aquele palhaço é legal. Ah! aquilo, como
é que é aquilo?” Então o circo e o palhaço foi entrando acho que...
ENTREVISTADORA – É, na sua resposta então você já pega esse gancho da Regina.
Eu queria saber como é que o palhaço entra na Escola de Circo na medida em que a
gente sabe que há dificuldade, há ausência de cursos de palhaço nas escolas.
REGINA – Até porque na escola dizia que não se ensinava palhaço.
JOÃO – Exatamente.
ENTREVISTADORA – Isso.
REGINA – As pessoas...
ENTREVISTADORA – Como é que o palhaço ia...
REGINA – Na época que eu entrei era “Palhaço não se ensina, palhaço nasce pronto”.
Então era...
ENTREVISTADORA – É dom, é o dom.
REGINA – Dom. é dom, então.
ENTREVISTADORA – E pega esse gancho já da Regina para a gente...
JOÃO – Tá. E para seguir. Mas eu vou só pegar um pouquinho antes, quando você fala
como o circo chega na nossa vida, porque a gente vem dessa história toda, que a gente
falou da nossa formação, a gente vai fazer teatro de rua, a gente vai para a rua, e a nossa
prática ali, a nossa técnica foi muito influenciada pela onda do teatro antropológico, do
treinamento e da antropologia teatral, aquela onda toda. E, ao invés da gente trabalhar
com o teatro, fomos buscar na capoeira, no jongo, no futebol. Então tinha na nossa
prática essa presença de cultura popular muito forte, e que é como a Sheila [João
refere-se à Shirley 22] define, das coisas que estão no nosso quintal né, como aquilo
assim “Caramba vamos ver um negócio lá fora? Não, vamos ver aqui o que tem”. E aí a
busca desse elemento encantatório, e como tudo no Anônimo, acho que essa junção de
técnica e ética, o que vai nos interessar muito é o conceito que está envolvido nessa
prática. Sei lá, quando a gente vai falar da capoeira, a gente faz opção pela capoeira
angola, porque na capoeira angola tem conceitos que nos servem que vão falar do não
confronto, da fluidez, que é uma relação de enamoramento, eu olho no olho do outro. E
isso vai nos interessar mais do que dar um golpe de capoeira né, quer dizer, fazer algum
movimento desse lugar fantástico. E o circo, desse elemento encantatório que a gente
vai, em teoria, buscar, e é quase uma armadilha, eu costumo dizer que caímos numa
armadilha, chegamos ali e achamos que íamos aprender a andar de perna de pau, e aí
quando chegamos no circo falamos assim: a gente viu o mundo que era esse mundo da
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cultura de Anônimo. Porque primeiro você está falando de família. A gente tem uma
relação familiar intrínseca à nossa prática muito forte né, chega a ser promíscua (risos).
Mas e aí vemos isso, que é a formação, onde tem lugar para todos. Nós também nunca
nos julgamos tão talentosos assim, pelo menos eu não. E o circo abriga também uma
diversidade de possibilidades, você pode não ser o trapezista, mas você pode encontrar
um lugar dentro do circo onde você vai ser útil, necessário e fundamental. E a gente vai
falar de um tipo de espetáculo-negócio, de um empreendimento familiar que também
para nós era fundamental porque sempre estivemos preocupados com a nossa
sobrevivência. Porque ninguém nos disse que a gente deveria fazer teatro, muito pelo
contrário, todo mundo dizia não, ou vai minha mãe “Ah! vai virar marginal, vai ser
maconheiro ou vai ser viado”, enfim. Eu sei que eu não sou maconheiro, né (risos), mas
(risos) isso é... bem. Mas aí o circo para a gente vai ser importante por esse conjunto de
fatores que eram fantásticos, que significavam uma visão de mundo, uma prática, uma
coisa que se configurava ali. E aí o palhaço, e somos um grupo de atores, por mais que o
Márcio assumisse esse papel da direção, era um processo que chamávamos de
colaborativo onde todo mundo... Nós sempre fomos meio, você falou antropofagista, a
gente sempre foi meio Macunaima né, então as coisas... e a dureza do circo nos custava,
quando a gente entrou na Escola de Circo: “Ah esses neguinhos aí não vão conseguir
mesmo”, ponta de pé, né, a minha envergada é mais ou menos como essa mesa assim né,
ta-ta-tum (risos). E era um descrédito total. E aí a gente vai ver, quem era o ator daquele
espetáculo? Era o palhaço. Era o palhaço que trazia consigo a visão do ator que a gente
também trabalhava lá, que era dessa relação direta, que a gente estava falando, que era
poesia popular participativa, era uma galera que trabalhava a arte, o fazer, o fazer cênico
enquanto comunicação, eu faço para você. Aí o palhaço vai trazer coisas como a
perspectiva de humanidade que talvez a gente não tivesse tão claramente antes, mas essa
relação direta de um espetáculo, de um fazer, que é para aquele público, e que eu
preciso me comunicar, preciso estabelecer afetos com aquilo ali, e o palhaço que tem
tudo isso. E aí isso que era para ser uma pesquisa pontual, de aprender uma técnica,
como sei lá, como a capoeira, hoje em dia ninguém mais joga capoeira, o palhaço e o
circo tomam conta da gente, a gente é meio abduzido para esse universo, e que não é só
linguagem, é uma prática total. E aí o palhaço chega na nossa vida por conta disso, e no
começo tinha maior resistência, porque a gente era grupo de pesquisa, né...
ENTREVISTADORA – João, então pega nesse gancho, a resistência. Não, continua.
Da resistência, da questão do “nós éramos um grupo de pesquisa mas também éramos
atores”.
JOÃO – É. Isso.
ENTREVISTADORA – E qual é o debate ou a tensão que existia?
JOÃO – É, existia tensão, é isso que eu estava entrando justamente nisso, que era. “Ah
palhaço? Não, eu sou ator, eu faço teatro, não sei o que”, então a gente não tinha essa
discussão que... e a gente ficou fazendo circo acho que quase, o nosso primeiro
espetáculo de circo a gente já estava se formando na escola, não foi?
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REGINA – Era.
JOÃO – Era isso, então a gente passou quatro anos fazendo circo até montar o primeiro
espetáculo. Porque antes era um negócio “A gente não é circo, a gente é teatro de rua,
teatro antropológico”, essas merdas né, esses negócios que você vai se inventando para
ir dificultando a própria vida. E aí essa chegada com o Xuxu... E aí eu e a Angélica, a
vamos falando assim “Cara a gente vai fazer isso, eu não quero saber, dizer se eu sou
palhaço, eu quero experimentar esse negócio”. E ainda dava dinheiro (riso).
(risos)
JOÃO – E aí, e a gente vai e a gente cai... o Anônimo não se assumia como um grupo
de circo, não se assumia como um grupo de palhaço. Eu e a Angélica já estávamos
ganhando um monte de grana (risos) fazendo animação de festa (risos). Inclusive {...}
juntando essa, que é a coisa do empreendimento que eu falei lá do circo, a primeira vez
que o Anônimo vai para a Europa, sou eu e a Angélica com o dinheiro da
animaçãozinha que a gente fazia. Cajuzinho e Croquete (risos).
FABINHO – Cajuzinho Granulado.
JOÃO – Granulado, é.
FLÁVIA – Tinha sobrenome.
JOÃO – É, com nome e sobrenome, que é essa... Mas, enfim. E a gente vai praticar, aí
só com o encontro com o Pepe Nunes, 23 que falou “Larga esse negócio, está fazendo o
quê, vai ficar esperando o quê? Vocês vão querer fazer, cada vez que vai fazer um
espetáculo vai fazer um tratado? Vai querer mudar?” Porque era isso né, a gente ia
mudar o teatro nacional, ia mudar enfim, a gente ia fazer a revolução. A gente
acreditava nisso àquela época. Bem. E aí o Pepe falou “Vamos viver, esse é o processo.
Viva o processo e o resultado será fruto desse processo, não precisa... E aqui no Rio.”
E aí o Pepe, na verdade o Pepe vai antes para a Escola de Circo, essa história da Omar...
REGINA – [19]93.
JOÃO – Ele que consegue fazer essa abertura e aí a escola abre para a reciclagem.
ENTREVISTADORA – E o Xuxu entra depois né.
JOÃO – Não, o Xuxu antes.
ANGÉLICA – O Xuxu vai passando pela {...}.
ENTREVISTADORA – É contemporâneo né?
JOÃO – É contemporâneo, porque aí o Xuxu já... e a gente se encontrava, tinha vários
encontros de palhaço.
(alguém distante) – Tinha animação né.
26
JOÃO – É. E a gente fazia isso né, era época da animação que era eu e a Angélica, a
gente tinha os encontros, que era a onda do Palhaço Cidadão. Então a gente se
encontrava um dia para tomar chá no meio da rua na Cinelândia, no Mercadinho São
José. E aí fomos viver essa experiência, aí fizemos um projeto, apresentamos para a
Escola de Circo, para a gente fazer reciclagem. E logo depois vai montar o Roda Saia
Gira Vida. Que a gente vai para Aldeia de Arcozelo e aí tínhamos um projeto do circo,
no Circo Voador, que para mim é um ponto fundamental na história do circo carioca.
REGINA – Em [19]92 isso.
JOÃO – 92, que foi puxado pelo Geraldinho Miranda, do CIC [- Centro Interativo de
Circo], 24 que junta a galera daquele momento, a galera que produzia circo no Rio de
Janeiro no Circo, que eram tardes de domingo antes da como chama, Domingueira
Voadora, à tarde com oficinas e apresentações. E a gente se preparou muito para
apresentar, e a gente estava chegando, a gente vinha da zona norte para encontrar com a
galera da zona sul, enfim, tinha toda uma coisa que nos preocupava, nos afligia. E aí a
gente, inclusive é quando saímos e vamos montar o que chamamos de Circo de
Anônimo, e vamos mais uma vez praticar esse entendimento a partir do fazer. E aí a
gente chamava Circo de Anônimo, aí estreamos, fomos fazer a nossa primeira turnê
nacional, aí saiu daqui de mala e cuia, as coisas todas, era muito família buscapé (risos),
muito, porque as coisas iam todas desembaladas, havia um {...}, a sombrinha, a gente
tinha uma sombrinha que não fechava, no final ela estava assim sabe (risos).
FLÁVIA – A sombrinha, ela foi roubada de um mendigo. (risos)
JOÃO – É. Foi quando...
(risos)
FLÁVIA – No carnaval.
JOÃO – A sombrinha do carnaval, era do desfile do carnaval que a gente reciclou
(risos). Né, reaproveitamento. Aí foi quando fomos para Icapuí [CE], que conhecemos
Icapuí, foi nossa turnê. E aí depois de um ano de processo a gente faz a transformação
no Roda Saia, que era uma coisa que nos inquietava na linguagem ali do circo, que era:
então tinha essa história do palhaço e um circo, parecia que eram duas coisas
dicotômicas. Então a gente estava brincando, mas tinha uma hora que sei lá, tinha que
fazer canastilha e a gente parava na posição, tinha que parar na base para fazer, e o jogo
do palhaço acabava todo, e aquilo nos incomodava, eu falei “Como é que manter esse
frescor?” e aí nesse momento o Júlio Adrião 25 chega e fala “Porra, legal”, a gente fazia
a terceira altura, essas criaturas carregaram eram três no bambu. A gente era jovem, né.
ENTREVISTADORA – E o joelho estava inteiro ainda né.
JOÃO – E o joelho estava inteiro, a coluna então. E aí ele fala assim “Olha só você tem
que fazer a opção... ou é a virtuose, ou o circo ou o palhaço. Vamos fazer...” O que eu
hoje chamo de modalidade, que é o trapézio, porque eu acho que o fundamental é a
27
técnica do palhaço, é a técnica do jogo, “Vamos fazer só o que isso permite”. E é por
isso que vai resultar no momento em que sei lá, o double trapézio que as meninas
fazem. Elas naquele momento, tecnicamente elas podiam fazer muito mais coisas de
complexidade técnica da linguagem do trapézio. Mas, aquilo ali fica só o que ainda
permite que elas continuem se comunicando com o espectador, continue afetando da
maneira com que a gente queria, acredita, enfim. E aí a gente vai (sons) desconstruir
tudo só para ficar o que era essencial. Então aí a terceira altura vai embora, porque não
dá para fazer a terceira altura jogando {...} (riso) né, carregando outro assim com cento
e cinquenta... e aí a gente fala “Faz essa opção”. E aí o Roda Saia toma a forma que
tem, era com Rolling Stones o bambu, que hoje é feito com trenzinho caipira. Enfim,
mas isso dá a dimensão (riso) do universo que saiu o mesmo trabalho de uma coisa e foi
para a outra. E o palhaço é essa leitura, é desse buraquinho que a gente vai enxergar
essa construção da cena, a construção da dramaturgia, que é o palhaço que vai
determinar mais do que qualquer outra... e elas são trapezistas, enfim, só elas são
trapezistas, o resto não é mais nada. Ah! O Fabinho é um ex-trapezista.
FABINHO – Eu sou trapezista.
ENTREVISTADORA – Trapezista. Eu acho que daqui a pouco nós vamos ter que
encerrar e eu vou ficar só na primeira questão. Mas, não tem jeito. Isso vai ter uma
segunda etapa de entrevista com vocês, porque tem duas questões importantes nesse
processo de vocês que é Lume 26 e Nani 27. Que vai assim, se alguém conseguir resumir
aí.
REGINA – Olha, eu acho que posso começar com o Lume, porque eu acho que quando
o João começa a falar dessa transformação que passa pelo palhaço, acho que o Lume foi
fundamental nessa nossa transformação, porque foi um outro olhar que a gente passou a
ter a partir do trabalho com o Lume. A gente já jogava, a gente já era palhaço, já estava
trabalhando isso desde 92, e já estava com o Roda Saia rodando geral. Já trabalhávamos
com o espetáculo, todo mundo de palhaço, e aí foi quando ficamos sabendo do trabalho
do Lume, que tinha essa pesquisa, que trabalhava a formação, tinha um curso que era
uma imersão, que era ficar dez dias e tal, e a gente ficou sabendo disso. Aí o Márcio me
convenceu (riso).
ANGÉLICA – Na verdade a gente conheceu o Lume em Campina Grande, né?
REGINA – Exato.
ANGÉLICA – No festival.
REGINA – Na turnê.
28
ANGÉLICA – Na tal turnê que o João comentou aqui. Que aí a gente ficou logo
amigos e eles se identificaram com o trabalho e começaram a falar para a gente sobre a
experiência deles, ali já bateu a...
FLÁVIA – Foi nesse mesmo que a gente viu o Teotônio, 28 né?
MULHERES – Foi.
REGINA – Aí o Burnier 29 estava vivo na época, e o Ric [Ricardo Puccetti] fez uma
demonstração com o Teotônio, e que foi incrível, para mim foi assim, eu nunca tinha
visto aquilo, falei “Caraca, como é que alguém pode jogar assim? Como é que alguém
pode de palhaço estar tão vivo?” e ele era incrível. Fazia mil besteiras incríveis assim,
na hora, se dava nó, aquela figura grande com uma roupa que deixava ele mais
comprido, mais estranho ainda. Então era muita informação num pequeno momento né,
que era uma demonstração. O Burnier falando um pouco do processo, e o Ric iam
vivenciando na hora o que estava vivendo lá, o que estava acontecendo. E aí, nesse
momento... Tem alguma coisa que alguém quer completar isso? E aí o Márcio fica
sabendo do curso. Até quando eles vão para a Europa, João e a Angélica, acontece o
curso do Lume. E aí o Márcio fala “Pô vamos fazer, vamos fazer, vamos fazer” eu falei
“Ah não sei, será?” Acaba que a gente vai fazer, e viram um... aí ele falou “Todo
mundo tem que fazer, porque depois desse curso a gente não vai ser mais igual, e aí
todo mundo do Anônimo tem que fazer para vivenciar essa experiência porque vai ser
transformadora”. Então a gente fez em [19]95, e a gente fez no meio de 95, e aí em 96
fez Shirley, Angélica e João. E para mim foi assim um grande marco do nosso trabalho
de passar a... compreender o palhaço de uma outra maneira. Para mim foi a partir desse
trabalho, que era um palhaço vivo, que saia da relação com a tradição; e, era a
investigação a partir de você, esse palhaço que sai da tua história, de você, e que você
tem uma relação com o espectador, que é direta, era muita coisa junta. Então acho que
isso deu uma bagunçada grande na gente, tanto que isso resultou num processo de pelo
menos um ano nós dentro de salas de trabalho vivenciando esse processo, nós íamos
todo dia, a gente se encontrava e ficava maluco, buscando formas de chegar àquele
resultado, ao que a gente viveu lá. E foi bem difícil porque a gente ainda queria montar
um espetáculo desse resultado e não tínhamos um diretor. Então eram os cinco ficando
malucos dentro da sala sem ter alguém para direcionar a gente, Acabou que veio essa
divisão, a gente acabou depois não fazendo um espetáculo nesse momento. Mas, logo
em seguida veio ter o In Concerto e a gente ganhou uma bolsa e foi estudar trapézio em
outro lugar (riso), fez outra possibilidade. Rápida.
JOÃO – E a experiência com o Nani também veio através do Lume, e acontece um...
Outro dia estava até conversando com o Ivan Prado 30 que estava aí, que foi muito
amigo do Carlo Colambaione [irmão de Nani], e a gente vai para o Fit BH, 31 e chega lá
tem a apresentação do Carlo Colambaione, que era ele e o Alberto [dupla de Carlo]. E a
gente tem uma experiência incrível, porque a gente viu um espetáculo de palhaço
potentíssimo, era uma hora, uma hora e meia, e o teatro não ficava em silêncio um
segundo. Deu dor na barriga de tanto rir, era assim uaaaaaa... não parava de rir. E a
29
gente ficou encantado com aquele trabalho, e a gente ficou amigo, depois também eles
foram ver o Roda Saia, e ele falou “Ah! vamos trazer os Flores do Picadeiro” porque
isso era tipo 95, era por aí.
REGINA – Um pouco mais.
JOÃO – E aí... Não, que era logo, foi... Ah! não, ou mais, que foi 98 é.
REGINA – É, que você já tinha feito. É.
JOÃO – Exatamente. Ok. Isso foi logo depois. E aí a gente ficou amigo. Aí na
sequência desse mesmo ano, daqui a pouco eu recebi um telefonema do Ric falando
assim “Olha só, conheci um mestre palhaço italiano chamado Nani Colambaione,
vocês têm que ir para lá, é incrível, eu acabei de voltar de lá, tem tudo a ver com o
trabalho de vocês”, eu falei “Caramba, a gente acabou de conhecer o irmão dele, a
gente está querendo também fazer”... Hã?
REGINA – [19]98. Isso.
JOÃO – Ok. 98.
FLÁVIA – Logo depois do primeiro Anjos, né, que a gente estava nessa conversa de
palhaço com o Ric sempre, aí ele ligou.
JOÃO – Isso. E aí eu falei assim “Não, a gente conheceu o Carlo”, ele falou “Não
vocês tem que encontrar com o Nani. Tem que encontrar com o Nani, tem que
encontrar com o Nani.” Eu falei: ok. Aí tinha essa coisa meio separada, eu falei “Ué eu
vou, eu vou e tal. Ok vou ligar, vou ligar para o Nani né, tenho que conhecer o Nani”. E
aí nessa eu comecei a fazer, o Márcio estava fazendo outra coisa, daqui a pouco o
Márcio se meteu na minha viagem (risos), e aí a gente foi junto, e foi essa experiência
incrível, transformadora para a gente, porque chegamos lá e encontramos com a tradição
fazendo um palhaço super potente e de um rigor técnico absurdo, e aí você vai ver todos
esses conceitos teatrais que a gente estava falando antes, o Nani trabalhava
minuciosamente com isso.
ENTREVISTADORA – Na prática, né?
JOÃO – Na prática. Na prática, era algo assim absurdamente.
REGINA – E sabedoria de passar.
JOÃO – E tinha sabedoria de passar. O mestre. E a gente teve e foi, eu estava
comentando porque foi um, na verdade foi um cometa que passou na nossa vida, porque
a gente, e isso eu estou falando que foi em 96, isso não importa, mas foi tipo, foi
setembro...
ANGÉLICA – Março, a gente estava indo para Montreal. Não é?
30
JOÃO – Então, não, isso foi lá. Mas assim julho que é o Fit, mais ou menos ali no meio
do ano, em setembro mais ou menos o Ric ligou, e em janeiro ou fevereiro a gente
estava lá, em dezembro o Nani estava aqui no Anjos do Picadeiro, e ele fica doente, no
ano seguinte ele morre. E essa experiência nos marca até hoje de uma maneira profunda,
porque essa prática foi tão intensa, que hoje é uma coisa que nos marca e que é nosso já.
A gente viveu agora, acabou de ver o processo na remontagem do In Concerto com a
entrada do Fabinho e a saída do Márcio, que foi muito emblemático também, foi um
grande presente que a gente pôde revisitar essa maneira de fazer palhaçaria, vendo o que
realmente importava daquela dramaturgia, o que era o que não podia fazer, e tive a
sensação que com o In Concerto a gente fez uma... nós decupamos o In Concerto para
fazer assim “O esqueleto do espetáculo é esse”, a gente descobriu ali as nossas abelhas,
abelhinhas, nossas {...} clássicas e para deixar o Fabinho tranquilo que falava “Eu não
posso fazer isso que o Márcio fazia”, e a gente falava para ele “Olha só, tu vai ter que
fazer isso porque isso faz parte da construção do riso. Outra coisa talvez você não faça
ou vai fazer do seu jeito, mas isso você tem que fazer”. Não importa, não importa que
tenha sido o Márcio, e às vezes nem tinha sido, enfim. Mas, é com esse rigor que o Nani
nos ensinou nesse curto período de tempo dessa vivência, e era uma casa-escola, na
verdade, o curso que a gente fez com ele foi na casa dele. Então a gente morava e a
nossa sala de trabalho era aqui, o quarto era aqui, a casa dele era embaixo, a cozinha
onde a gente comia, o trailer do Leris era do lado, então a gente vivia ali, a família.
ENTREVISTADORA – É com Nani que vocês têm a sensação de que palhaço se
ensina?
JOÃO – É. É. Isso nos dá uma compreensão da arte.
ANGÉLICA – Mas eu acho que ele já começa com o Lume. Eu acho que o Lume tinha
um método que você...
ENTREVISTADORA – Anterior.
JOÃO – É, é.
ANGÉLICA – E que você teria que, com certeza, você fez uma vivência, você teria que
entrar naquele processo todo, mas ali existia uma metodologia para você...
JOÃO – É eu faço uma diferença fundamental, que para mim eu digo que o Lume
não... Porque o Lume era um retiro de iniciação, e inclusive por isso eles pararam de
fazer o retiro. Você sai de lá, ia ter uns aqui, sai de lá um monte de palhacinho (som)
(risos). Você está falando, você vai descobrir o estado, e eu não estou, isso não é
nenhuma... O Ric está aí? Cadê? Não é? Não é por isso que vocês pararam de fazer... E
é completamente diferente, você está falando da descoberta de um estado. O Nani
estava trabalhando tecnicamente cada tempo daquilo, como se construía, aquilo ali é
ensino. Esse processo do Lume não é uma coisa que se ensina. Fazer aquele processo de
iniciação, viver aquelas experiências, só eles poderiam fazer aquilo. E ninguém mais vai
fazer daquele jeito. Aquilo, eu não sei se vocês fizeram isso, aí o Ric pode dizer se isso
31
foi passado para outras coisas. Hoje eu sou influenciado por essa experiência, a minha
oficina tem coisas que estavam lá, e têm coisas também que a gente trabalhou com o
{...}e com o Ric agora, tem coisas que eu já uso tá Ric, eu nem falo que é teu. Né?
(risos).
ENTREVISTADORA – Até porque o Ric também passou pelo Nani, não?
JOÃO – Sim. Então por mim, por isso que eu digo que quem me dá essa noção, eu
aprendo com o Nani Colombaione, que é de que palhaço se ensina, que ele falava assim
“A arte de fazer rir”. Ele não estava falando de iniciação, de estado, que é uma outra
coisa, e que foi fundamental para a gente. Foi fundamental para uma transformação da
nossa prática, e eu acho que é isso que nos liga ao Ric, que faz o Ric se aproximar da
gente, ou o próprio Alberto, o Carlos Alberto, que reconhece no nosso trabalho,
reconhecendo o nosso trabalho um valor ali da comunicação enfim, técnico, que poderia
se estabelecer um diálogo, apesar de estarmos fazendo coisas distintas dele. Porque o
que faz o Ric chegar e falar assim “Vocês tem que conhecer o Nani”? E nós éramos, e
somos esses neguinhos suburbanos que saímos daqui e trabalhávamos na rua. O que
faz? É alguma coisa que está ali que liga e aí a partir desse dado a gente estabelece essa
comunicação. E o Nani, quando termina o trabalho com ele, ele fala, uma das coisas que
magistral, e ele era muito rigoroso, aí ele fala... Primeiro que o Márcio fica lá, o Nani
vendo a gente apresentando para a família, e aí no final ele, o Nani “Bravo” e aí o
Márcio “Ah! você gostou?”, ele “Bravo”. “E aí, e aí, e aí?” “Bravo”. “Ué ué”, falou
“O que você quer?”
ENTREVISTADORA – E basta (riso).
JOÃO – É (riso). Falou “O que você quer mais, quer que eu te dê um beijo?” Imagina o
Nani já viu trezentas coisas, e ele fala assim “Ok, vocês realmente são bravos. Foram
poucos os palhaços que passaram aqui como vocês. E agora vocês vão lá para o
Brasil, e eu sei que vocês vão chegar lá e vão fazer do jeito que quiserem, não é só
tudo isso”. E a sabedoria dele, essa sabedoria, e realmente era, porque talvez de alguma
maneira ele não enxergasse essa apropriação que tínhamos do trabalho. E isso, uma das
cenas eram duas cenas, então... Não sei por que eu estava falando isso, agora me perdi
no meio do caminho.
ENTREVISTADORA – Tudo bem. É o Nani. Era sobre o Nani na vida de vocês.
JOÃO – Era sobre o Nani, era. Porque essa eu acho que tem a ver com a metodologia,
com a maneira de trabalhar.
ENTREVISTADORA – Das oficinas.
JOÃO – Isso.
ENTREVISTADORA – E inclusive da forma de ensinar depois.
JOÃO – Ensinar depois. Claro.
32
ENTREVISTADORA – De formação de vocês, que não vai dar para entrar nesse
assunto que é muito importante, mas infelizmente... Fabinho, eu só queria pegar, como
você é a geração nova, sim. Você não passa por esses processos deles, como é que você
passa por um processo de formação do seu palhaço? E eu juro que só vai ter mais uma
questão, tá. Duas.
FABINHO – Eu vou ser breve.
(risos)
FABINHO – Ainda é para mim assim, é uma constante, não é preocupação, mas assim
no processo do trabalho isso está sempre gritando em mim. É muito tempo de diferença
né, estão falando aqui de vinte e cinco anos de história, e aí você tem sei lá, está no
elenco vai fazer cinco anos, fazendo espetáculos que eles já fazem há anos, há
dezessete... enfim, não é fácil. Mesmo. Mas talvez seja isso que o João está falando, que
faça diferença. Também perceber a forma de passar, a forma de passar o aprendizado,
foi o que possibilitou. Estar no In Concerto, por exemplo, que é um espetáculo todo
construído com pequenas gags, com coisa de tempo, que tem ajuste de tempo, que eu
sofro até hoje, muitas das vezes eu falo “Ah esse tempo não deu. Esse eu perdi, esse...”,
é sempre, tem que estar concentrado né, muito, para isso. Mas o que é muito legal é
saber que mesmo aí você pode encontrar a sua forma de fazer e se divertir. Eu só
comecei, o In Concerto só começou a acontecer para mim quando eu pude realmente
me divertir. Eu estreei no Circ Cric, com o Tortell Poltrona 32 na primeira fila, eu falei
“Fodeu não vai dar certo, eu não vou conseguir”. Então era assim, já foi uma pauleira.
JOÃO – E terminou o espetáculo, o Tortell falou para ele assim “Bravo”.
(risos).
FABINHO – É.
JOÃO – Aí esse cara tem dificuldade.
FABINHO – Não, mas não é isso assim, também existe uma coisa que é uma relação
que é com o Anônimo também de muito, enfim é um grupo que sempre me encantou. Eu
estava agora dividindo a cena. Mas, saber que você também tem segurança para estar
em cena com os companheiros, saber que você não está sendo colocado à prova, não
existe uma coisa que está te provando, sabe. É muita generosidade também, porque é
isso que o Anônimo fala o tempo inteiro, generosidade também na cena. Principalmente.
Então essa tranquilidade eu tive, para estar, o In Concerto é o mais marcante por isso,
porque tem essa dificuldade de ser uma coisa criada por eles, era muito o tempo deles,
era tudo muito ajustado, e eu sofri um pouco para poder encontrar o meu lugar. Agora
enquanto o meu lugar é meu, sabe, aí também é uma coisa que eu acho que encontrei o
meu lugar no grupo, ele é meu, ele faz parte da minha vida, essa é a minha história. Já
eu, o Nani chega até a mim sabe, o Lume chega até a mim. Encontrar com o Ric agora
foi imprescindível para mim, foi maravilhoso poder viver mesmo, sentir e ter as mesmas
sensações, passar agora por mim as minhas, como se diz, as minhas referências né, não
33
é só ouvir, agora é vivenciar, experimentar. Enfim eu acho que é isso, eu acho que na
verdade assim, a história com o Anônimo, o que o Anônimo tem construído nesse tempo
inteiro, eu sou uma das figuras, acho que sou projeto social do Anônimo né. Eu sou. É.
(risos)
FABINHO – Porque eu estou há tanto tempo junto e aí experimentando do bastidor,
vendo coisa de fora, fazendo oficina, experimentando a cena, eu acho que as coisas
chegam até mim por outras vias, mas eles falam e parece que é meu, parece que eu
tenho propriedade, eu não sei dizer como isso se dá, mas essas falas parecem que são
minhas. E eu entendo tudo isso que eles estão falando. Não sei como, mas eu sinto
assim.
ENTREVISTADORA – Eu sei que eu vou pedir uma coisa impossível, mas vou fazer
duas questões problemáticas, mas que tem que ser resumidas. Vocês sabem que
historicamente a dificuldade no chamado circo tradicional de você ter mais de um
palhaço. A disputa é muito grande. Como é isso, cinco palhaços juntos?
(risos)
ANGÉLICA – Eu acho que nunca tinha pensado nisso.
FABINHO – Nem eu.
(risos)
JOÃO – Eu nunca tinha pensado sobre isso.
REGINA – Eu também não (riso).
FLÁVIA – Ah! então é por isso, né? (risos).
ENTREVISTADORA – Depois eu faço essa pergunta para o Ric também (risos).
(risos)
ENTREVISTADORA – Não, mas é porque isso no chamado circo tradicional, até hoje
é um caso sério, uma disputa, não se tem dois palhaços.
JOÃO – Até ontem eu estava falando isso com o Tortell.
ENTREVISTADORA – Muito raro.
JOÃO – Eu não sei responder, eu não sei responder isso, não, mas isso não vai me
impedir de falar né, que besteira. Ontem eu estava conversando sobre isso, eu estava
falando sobre isso com o Tortell e o Chaco 33 à noite, que era essa coisa de no circo não
ter mais de um palhaço, sobre tudo. Mas, é um exercício diário, e agora na verdade eu
lembrei da experiência de novo do In Concerto, que era... por exemplo, é muito
diferente trabalhar com o Márcio e trabalhar com o Fabinho.
34
FABINHO – Eu sou muito mais legal.
JOÃO – Isso não resta dúvida, ninguém está duvidando disso. Né, se ele fosse mais
legal não era tu que estava sentado aqui. Rararara. Hoje é horrível.
FABINHO – É. Era só uma piada, João.
JOÃO – Era só uma piada.
ANGÉLICA – Acho que está chegando a hora de acabar a entrevista (risos).
JOÃO – É (risos). Você viu porque não pode ter vários palhaços.
ENTREVISTADORA – Você vê o que significa cinco palhaços na companhia.
JOÃO – Mas, que era assim, o trabalho com o Márcio... e aí o Márcio era o Cuti-Cuti,
era todo doce né, todo naquela... Mas, de alguma maneira ele se colocava na cena, a
nossa relação na cena era uma relação muito mais impositiva do que eu tenho hoje com
o FABINHO, e que é muito mais ágil, que é muito menos infantil. Porém, isso para
mim foi uma... e isso para mim foi um exercício durante muito tempo de estar com o
Márcio na cena, que era essa relação de Branco e Augusto, e aí no final das contas todo
mundo saia amando o Cuti-Cuti, e aí eu “Porra espera aí”, e até outro dia o Márcio
revelou isso para mim, porque a gente, por exemplo, a gente estava fazendo a cena aqui
assim, e aí na hora que o Márcio... eu estava aqui, aí na hora que o Márcio ia fazer a
cena ele fazia aqui assim olha, ele ia para a frente. E ele falou que ele fazia isso de
propósito. A gente nunca tinha falado isso, e aí ele falou isso, que ele adora me irritar
(risos) e fazia isso. Revelou isso agora, recentemente (risos). E com o Fabinho não tem
isso. E nessa brincadeira dessa...
FABINHO – Eu vou fazer isso.
REGINA – O Fabinho te respeita, ele não fica na frente (riso).
FABINHO – Não, eu vou fazer isso, eu gostei da ideia, vou começar uma nova
provocação agora.
(risos)
JOÃO – É.
REGINA – O João é que fica na frente.
JOÃO – E agora... e aí as pessoas seguem, na função de Augusto as pessoas seguem
amando o Fabinho, quer dizer o Augusto da dupla, porem como as pessoas amam ele é
completamente diferente de que amavam o Márcio. Que era um negócio bebê, aquele
negócio, aquela coisinha assim bebê monstro. Mas, o Fabinho é um amor mais
adolescente sabe, é outro tipo de relação que as pessoas têm quando no resultado do In
Concerto. Mas, mantem ali, a gente tem que lidar com isso. Eu não sei, eu não respondi,
não, eu só resolvi falar esse negócio.
35
ENTREVISTADORA – Eu acho que é uma questão também que não precisa ser
respondida, mas a gente, eu sempre tenho, como essa questão da história, e essa questão
da onde vocês vem do circo também, tem essa disputa, tem essa questão, está dado, e eu
acho interessante saber dos grupos. Porque não são muitos grupos que tem cinco
palhaços. É pelo menos intrigante. Instigante e provocador. Não perguntar sobre isso
não é, é difícil.
FABINHO – Eu acho que a cena, a construção da cena é que faz a diferença, talvez, a
gente não tem cenas que tem uma coisa tão característica da escada, da construção da...
eu não sei, eu penso assim, penso no Roda Saia, penso no In Concerto, eu não tenho
tanto uma construção de fazer uma escada para que o outro faça a piada no final. Eu não
sei.
ENTREVISTADORA – É. A questão também não é querer mostrar um grupo sem
problemas, sem tensões e sem disputas. Não é isso. Não é.
ANGÉLICA – Acho que uma coisa que o Anônimo... que a gente descobriu também
um pouco no percurso, é que assim, teve o Roda Saia, teve o Tomara [que não chova],
espetáculos que hoje juntam todos, mas também a gente descobriu uma saída, que eu
acho que é para a vida do grupo, uma saída saudável, que é respeitar também um pouco
os desejos individuais, acho que foram surgindo os espetáculos menores, acho que dá
conta também dessa vaidade, digamos assim, desse lugar de...
ENTREVISTADORA – Que não é nem eliminar que ela não existe, mas também de
trabalhar de outra forma.
ANGÉLICA – Exatamente, eu acho que...
ENTREVISTADORA – Na estrutura do chamado tradicional isso não é dado, há uma
hierarquia. Ao mesmo tempo em que o João coloca do Márcio, mas há o tempo inteiro
uma tensão, boa, pode, porque a tensão pode ser boa, de se produzir algo diferente. Não
que isso não leve uma tensão até de mágoa ou de disputa, mas que se pensa “Dá para
fazer diferente”. Acho que no grupo de vocês é isso, sem querer mostrar que é cor de
rosa, mas que há uma tensão produtiva nesse sentido e não eliminatória. Talvez porque
na hora que o Fabinho falou da generosidade, talvez tenha pelo menos isso mais no ar
do que outra coisa.
Eu vou fazer a última questão que não é só para as meninas responderem. É para os
meninos também, e não é uma questão de falar de gênero, mas pensar historicamente na
questão de que, de novo no chamado tradicional, nós não temos palhaças. Temos
algumas mulheres fazendo, mas não é a prática. E de fato a partir das escolas é que, e
dentro de um contexto da moral, do costume diferenciado, começou as mulheres a
aprenderem a serem palhaças. Como é isso para vocês, meninas, primeiro, mas também
assim, como é que os homens vêem esse trabalho? Como é que é dado a eles? Eu quero
que todos respondam por que para mim não é uma questão de gênero, de gueto, de
36
feminismo, mas sim entender que isso tem história. E vocês fazem parte da produção
dessa história.
SHIRLEY – Bem, eu quando...
ENTREVISTADORA – Essa é a última, viu gente.
SHIRLEY – Eu quando passava pela Escola Nacional de Circo, eu sempre pensava
assim “Poxa eu queria ser palhaça”, eu queria muito mesmo, mas não sabia qual era o
caminho, nunca soube, né. Então falei assim “Bom, também quero ser atriz, então vou
fazer teatro, esse eu sei o caminho, esse aqui tem a escola de teatro”, e achava que tinha
que ter mais idade para entrar para a Escola de Circo. E aí, nem sabia que lá não tinha
curso de palhaço, não sabia desse universo, só achava lindo, eu só queria ser palhaça. E
aí nesse mundo de teatro eu descobri o curso da Ana Luiza Cardoso, 34 fundadora das
Marias da Graça, 35 e eu nunca me preocupei com isso, essa questão de gênero, na
questão de ser palhaça, eu queria ser palhaça. E eu, historicamente depois que fui me
ligar nisso, assim perceber “É mesmo, a gente não tem, a gente está aqui começando
essa história, as Marias e tal”. E depois que eu voltei do curso do Lume também, veio
outra questão comigo, porque a minha palhaça, ela não é uma palhaça, ela não é um
palhaço, ela é uma mistura... ela sou eu né, que sou meio moleque, sou sapatão, sou
essas coisas todas. Então...
JOÃO – Ah é?
SHIRLEY – Ah! gente, falei. Pronto.
(risos)
JOÃO – É isso.
SHIRLEY – É por isso João (riso). Então assim, eu na verdade ainda ficava assim, e
vinham As Marias, aquela coisa de gênero, encontro de mulheres palhaças, cara eu não
me preocupava com isso, eu não queria saber muito dessa questão. Eu queria ser
palhaça, queria me divertir, eu queria fazer os outros rirem. E só depois que pensando
nisso, que os homens não deixavam as mulheres fazerem teatro, não deixavam as
mulheres fazerem palhaça, pô isso dava uma raiva (riso). Mas na verdade eu acho que a
gente vem conquistando espaço, vem fazendo, vem se divertindo, e dentro do grupo
nunca teve nenhum problema com isso né, a gente...
JOÃO – A gente te batia.
SHIRLEY – É. E a gente apanhava, não tinha problema (riso). Eu sou a anã do grupo
né, eu sempre fui a anã do grupo mesmo, eu sempre apanhei. Então (riso). Mas assim,
eu nunca me preocupei muito com essa coisa, eu caguei e andei para isso, quero ser
palhaça e pronto.
ANGÉLICA – Acho que de ficar fazendo parte da Abayomi durante dezoito anos,
levantando bandeira nos movimentos, faz também querer se distanciar um pouco desse
37
discurso, né, porque até o ano passado quando teve aqui a mesa, e chegou o momento
que era “A mulher tem uma comicidade diferente”, sabe, colocar essa separação mulherhomem, eu até respondi no dia, falei “É claro que tem, mas eu tenho a minha diferente
da Shirley (riso), o João tem diferente da do Fabinho” porque afinal se a gente fala,
falha e acredita e assume, o palhaço é o que? É o reflexo da humanidade, o palhaço sou
eu, a minha palhaça sou eu, então a minha comicidade está em mim, eu vou descobrir
isso em mim. É singular a coisa, eu acho mais do que... e falando historicamente, o circo
como faz parte do acompanhamento, ele acompanha a história sempre, está sempre ali
muitas vezes até à frente. Eu acho que nesse lugar da mulher também. Está se
ampliando o número de palhaças? Que ótimo, mas acho que isso está fazendo parte de
um todo no mundo né, as mulheres estão tomando...
ENTREVISTADORA – Mais ou menos, Angélica, eu fiquei na maior saia justa em
Florianópolis naquela mesa lá dos chamados palhaços tradicionais. Que a Ana pergunta
“E as palhaças?” [e eles foram unânimes] “Não existe mulher palhaça”. (riso).
ANGÉLICA – Os tradicionais falaram?
ENTREVISTADORA – Que para eles ainda não existe, eles não escutam.
ANGÉLICA – É. É possível, é possível que aqui mesmo em algum circo tradicional
também tem esse mesmo discurso. Pois é, eu acho que...
ENTREVISTADORA – A maioria, a maioria. Não, não conta.
ANGÉLICA – É.
ENTREVISTADORA – Não, mas é que eu nem estava perguntando para responder a
coisa de gênero necessariamente, que eu acho bom também, que eu acho importante
isso. Mas, é que historicamente há uma produção que não existia antes, até por várias
razões que não vai caber aqui, mas por várias razões não existia. Palhaço é olho no olho.
E no circo tradicional não dava para a mulher fazer isso, senão ela era puta. Então tem
todo esse contexto, mas que eu acho interessante um grupo ter três palhaças.
JOÃO – A gente já foi até para a Andorra, “Já fui mulher, eu sei” (risos).
FLÁVIA – Graças às três mulheres palhaças.
ENTREVISTADORA – Então. É. Você quer falar Regina?
REGINA – Eu, a gente estava até tendo uma discussão em Brasília, com uma palhaça,
com a Ana Flávia, que a gente estava falando exatamente isso. Ela falou que não se
sentia querendo fazer parte de um grupo só de mulheres, de mulheres palhaças, e tal. Eu
também não, eu não me sinto nessa... sentindo essa necessidade de fazer essa separação
e falar desse lugar, mas eu acho importante também ter. Porque eu acho que se existe
essa necessidade que se formou, as próprias Marias, que é um grupo só de mulheres, eu
acho que é porque já existiu na formação alguma coisa que ela precisa também dizer,
também até da própria questão de gênero. Então quando a gente vai até uma mesa
38
tradicional e escuta “Não tem mulher palhaça”, então a gente não está em todos os
lugares, não. Então eu acho que ainda é necessário a ampliação do próprio olhar,
ampliar o olhar da sociedade, falar que existe, estamos aqui. Eu nunca sofri isso dentro
do grupo, nem em nenhum lugar que eu fui trabalhar, falaram “Ah você é palhaça?”.
Não. Na verdade é até muito legal, quando eu quero ser discreta, falam “Qual a sua
profissão?” eu falo “Eu sou atriz” (riso), aí quando você quer, você fala “Eu sou
palhaça” “Palhaça?” aí já virou um... é, eu falo “Ai meu Deus, o que eu falei...” porque
já vira uma coisa, então nunca sofri e acho até que fui muito bem recebida no sentido do
trabalho, das relações e tudo mais. Mas, acho que é importante, acredito que seja
importante, ainda pensando nesses segmentos.
ENTREVISTADORA – Fabinho.
FABINHO – É, eu fiquei pensando uma coisa, eu passei muito tempo falando “Ah eu
sou negro”, eu tinha uma coisa assim “Ah eu sou negro, eu sou negro, que não sei o
que”, e aí um dia de terapia eu percebi que eu era branco também (risos). É. O meu pai é
negão, minha mãe é branca. E aí eu falei “É, eu não sou só negro”.
ANGÉLICA – É sarará, né.
FABINHO – É, eu sou sarará, eu sou. Mas, eu sei que tem horas que tenho que ser, e
vai ser mais vezes eu vou ser obrigado a ser mais negro do que ser branco. Então isso
vai gritar, vou ter que ser mais vezes, às vezes vou ter que ser gay, e eu não frequento e
não convivo, não tenho uma prática, e transo com mulher, eu sou tão misturado, que...
Mas, às vezes tenho que ser, e nessa hora que eu tiver que ser gay eu vou ser gay. Eu
acho que é importante saber quando você tem que ser alguma coisa (risos), e a mulher
tem hora que ela vai dizer “Eu sou mulher e eu tenho que ser mulher, e é preciso dizer
dessa forma, eu preciso fazer dessa forma”. Agora a questão é como a gente, que
estamos em cena, que temos coisas para dizer, que tem coisas que queremos comunicar,
e que a sabemos que, pela sedução, conseguimos atingir, não é só um discurso.
Provocamos sensação, a nossa informação, mensagem seja lá o que for ela chega por
várias... como eu vou fazer para dizer isso? E o que eu quero dizer? Então eu acho que
aí sim é essa preocupação não só de homem ou de mulher, mas a gente homem que quer
falar disso, que quer falar de algo feminino, essa preocupação a gente tem que ter. Não
sei como, mas é porque ela realmente existe hoje. Enfim, eu não sei se eu expliquei,
mas...
ENTREVISTADORA – Não tem explicação certa.
FABINHO – É.
REGINA – Eu só queria falar uma coisa. Tem isso tudo, eu acho que é válido e tudo,
mas eu já vivi situações tipo, tem uma roda só de palhaços e vai apresentar uma palhaça,
e já vivi isso, e aí chega lá, a palhaça que presenta, acaba que ela não se dá bem na roda.
Aquilo me dá uma tristeza profunda, eu fico arrasada, eu falo “Puts, única mulher da
roda não foi legal”. Então tem um lugar que me toca, né?
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FABINHO – Não Rê, desculpa, ou então quando a gente vai a um festival de palhaço aí
todas as cenas de palhaça que a gente já viu, todas, elas queriam casar. (risos). Todas.
Não é possível, não é possível que seja só isso (risos). Não. Aí elas ou entram de noiva
ou estão abandonadas, não é possível que seja isso, só isso seja. (risos)
ENTREVISTADORA – O tema.
FABINHO – É. Aí também tem o outro lado da moeda né, que aí vai fazer um encontro
de palhaças mulheres, para que, para falar disso? Porque a cena está dizendo isso, a sua
cena está dizendo a sua questão.
ENTREVISTADORA – João, depois de você a Flavinha tá.
JOÃO – Ah não, pode ser.
ENTREVISTADORA – Pode ser.
JOÃO – É eu imagino né, vou continuar montando as cenas para poder ver se eu
consigo pegar alguém, até hoje. (risos) Eu acho que é isso, a minha resposta começa
com essa coisa que o Fabinho falou também, e sou dos movimentos sociais, militei
muito em vários, enfim, eu podia ser várias coisas, e hoje acho legítimo, mas acho a
maneira mais, sei lá, pouco eficiente de você fazer valer o seu direito, enquanto minoria.
Porque acho que é a valorização do ser humano, você vai se colocar e é isso. Porque
você pode ser o que quiser. Eu adoro falar agora em determinadas situações porque eu
falo assim “Me respeita porque eu sou a cota. Eu posso ser a cota que você quiser. Eu
posso escolher várias cotas para você poder me aceitar”. E seria tão lindo se essa
discussão fosse pela questão da estética, porque assim, senão a gente vai ter que ter
encontro de mulheres enfermeiras, mulheres carpinteiras, mulheres não sei o que. Não,
o problema da mulher é o problema da mulher, não é o problema do palhaço. Problema
de ter creche num encontro de festival, isso não é problema, sabe. Como é que resolve
isso? Como é que eu que viajo com o meu filho resolvo o meu problema disso? Enfim,
é que essa discussão seria mais rica. O que caracteriza a comicidade feminina, e
diferencia quando a gente está falando que é de cada um? O que diferencia uma coisa da
outra? Se a gente for olhar essa platéia aqui olha, a gente vai ter quase 50% de
mulheres, e tem um bando de mulheres palhaças aí se reunindo, né. No último encontro
de mulheres palhaças foi ótimo, a Vandeca, a Dona Bilica do Cabaré, foi a melhor
coisa, assim, tinham vários números ruins naquela noite, muito ruins, e aí é essa a
discussão. Será porque que determinados trabalhos não vão para frente, quase não vão,
por quê? É uma questão de qualidade, não porque ela é mulher, não é porque é
homossexual, inclusive eu vou lançar o primeiro encontro internacional de palhaços
GBPL{aqui a sigla é possível que o entrevistado referiu-se a LGPT - Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros}
FABINHO – Essa {...} era da Shirley. (risos)
SHIRLEY – É. É. Para. Encontro de palhaços gays ano que vem é o que?
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JOÃO – É que a gente não vai fazer um Anjos, a gente vai fazer esse para ganhar
dinheiro, né.
(risos)
FABINHO – O segmento mais rico da sociedade.
JOÃO - E aí uma... e a Vandeca no alto da sua sabedoria e qualidade, ela desconstruiu,
ela saiu quebrando tudo. Porque ela falava disso: “Ah vocês são um bando de mulheres,
você está aqui para arrumar casamento né, essas mulheres...” E ela falava, ela ria da
própria condição dela, naquele momento ali ela estava sendo palhaça, palhaço, na
essência, na veia, até o caroço. E é isso que importa. Não é na hora... Imagina se eu for
escolher esse lugar de discussão de problema para levar para a cena para eu fazer. Vai
ser ruim. Vai ser ruim porque a arte não é isso. E para mim ponto final, eu sou meio
radical nesse sentido. E aí tudo bem, é legítimo. Eu adoro... Deixa para lá, esquece.
ENTREVISTADORA – Flavinha.
FLÁVIA – Eu não sou palhaça, né. Então é mais difícil.
ENTREVISTADORA – Nem eu.
FLÁVIA – Mas assim, o que eu acho é isso, que é legítimo até o momento em que está
se falando de uma trabalhadora. De arte. De circo. E aí assim, no circo não tem espaço,
então as mulheres têm que conquistar o seu espaço, e aí eu acho que é legítimo. Agora
para a construção da cena, eu que olho, eu acho que não tem mesmo muita diferença. Eu
consigo ver coisas muito tradicionais no que a Shirley faz e ela é mulher. Porque ela
consegue (risos) fazer a coisa, não porque ela se torne um homem em cena, não é por
isso. Entendeu.
(alguém fala) – {...}
FLÁVIA - Não, ela é ela. Então eu consigo ver em todas as pessoas, mulheres ou não,
elas, quando elas são palhaças ou palhaços. Eu acho que é mais uma coisa mesmo de
segmento, e acho importante, porque quando a gente era da Abayomi, a gente tinha uma
oficina que ensinávamos a fazer um bebê negro. E aí o pessoal do movimento negro
sempre chamava a gente para ir fazer essa oficina nos encontros, encontros de mulheres,
encontros de mulheres negras e tal. E eu e a Regina, a gente nunca podia ir a dupla. Nós
éramos uma dupla separada, porque nós somos brancas. E aí nós questionávamos um
pouco isso: “Porra, a gente queria ir e tal, a gente faz a oficina igual e não sei o que”.
E aí teve uma figura do movimento negro, muito legal, que ela veio e falou assim para a
gente: “Na verdade a gente entende que vocês fazem a oficina igual. Só que o fato é que
a gente está querendo fortalecer uma minoria. E se essa minoria olha para você que é
branca e não se identifica, ela pode continuar achando que você está vindo ensinar
uma coisa, e não compartilhar.” E eu entendi isso, sabe, porque realmente tem hora que
você tem que se identificar. E aí não sei, comecei a entender que precisa ter o
fortalecimento de determinadas categorias, de minorias sim, agora eu entendo isso de
41
uma forma muito mais política do que artística. Eu acho que o processo de elaboração,
de construção do seu palhaço, ou o que vai utilizar como técnica, eu acho que não tem a
ver com gênero.
ENTREVISTADORA – Bom, esse tema é um tema que, inclusive, está em vários
trabalhos de pesquisa na universidade, eu acho que vale a pena, e vocês já fazem parte
de uma entrevista que vai estar em pesquisas universitárias (riso). Mas, de qualquer
jeito, se pensa no palhaço como relação, eu não posso pensar numa relação só,
unilateral. Ela é relação. Seja com homem, com mulher. Mas, é um debate importante,
porque, por exemplo, numa mesa com o Tubinho e o grupo de mulheres que trabalham
com o Tubinho, as irmãs, parceiras, tal, o debate delas é que elas querem ser palhaças e
ele não deixa. Mas, aí é uma questão de reserva de mercado. (João ri) Ele é “o”
palhaço. E elas são as escadas, ou qualquer coisa assim.
FLÁVIA – É. Até se a gente for pensar assim, se dentro da tradição também não tem
essa coisa, não existe um grupo com seis palhaços, a gente já na nossa geração, já é
outro tipo de palhaço, outro tipo de... né.
ENTREVISTADORA – É, mas conta nos dedos quanto existe de grupo de cinco
palhaços, sendo que a maioria é mulher. Então veja, é diferenciado, tem uma trajetória
no mínimo diferenciada, que precisa ser estudada. Certo. Gente, eu tinha várias
questões, Ieda também tinha algumas questões que era para gente colocar, sobre o que
significa alem dessa questão, não vou... eu vou só apontar, mas não vou dar o microfone
mais para vocês.
ENTREVISTADORA – É. Uma questão importante é essa questão do grupo enquanto
artistas, produtores, empreendedores, ponto de cultura. Quer dizer, tinha muita coisa
ainda para ser perguntada. Mas, a segunda parte está um pouco escrito no site de vocês.
A primeira parte não está, não.
(risos distantes)
JOÃO – A gente é ruim nisso.
ENTREVISTADORA – A segunda parte, que eles são empreendedores, produtores,
ponto de cultura, de alguma forma está tudo lá no site. Eu tenho a cópia do site aqui.
Mas a primeira parte eu falei “Gente, o outro Anônimo, essas pessoas não conhecem”,
por isso que eu, de certa forma, privilegiei essas, e que ficou só na primeira questão com
sete itens. Está certo.
(risos)
JOÃO – No Anjos 35 a gente termina.
ENTREVISTADORA – É.
(risos)
42
ENTREVISTADORA – Não, vai ser antes, a ideia da Ieda, que vai dar um trabalho do
caramba, porque para eles responderem por escrito... vai ser, você vai suar para
conseguir isso.
JOÃO – A gente é uma espécie de analfabeto...
ENTREVISTADORA – Você consegue, né? [dirigindo-se para Ieda]
JOÃO – Um pouco.
ENTREVISTADORA – Ela consegue, ela consegue. O chicotinho dela não é fácil. Bom
gente, não vou abrir para vocês, sinto muito (riso).
(risos)
ENTREVISTADORA – Já são sete horas. Seis e cinquenta e quatro no meu. E espero
que vocês tenham aproveitado essa condução. Eles acabaram falando muito mais da
produção deles enquanto antropófagos que são, e das relações de antropofagia que eles
trazem para o trabalho deles. Obrigada gente.
(aplausos)
FLÁVIA – A gente também agradece (riso)
43
Histórico do grupo Teatro de Anônimo que consta no site do mesmo.
O Grupo
Fundado em 1986, o Teatro de Anônimo estrutura sua prática através da montagem e apresentação de
espetáculos, da qualificação profissional de outros atores sociais, além do aperfeiçoamento de técnicas e
modelos autênticos de gestão e administração coletiva, baseada na solidariedade, criatividade e
cooperação.
O Teatro de Anônimo busca em seu trabalho, realizar uma parceria cidadã com a sociedade civil,
extrapolando a idéia de comunidade delimitada por um espaço físico, para alcançar o conceito de
comunidade que se liga por um sentimento de pertencimento, necessidade de identidade, de troca no
campo do trabalho, do lazer, das afetividades, criando assim, territórios flutuantes que se movimentam de
acordo com a necessidade de se manterem vivos e produzindo singularidades e bens materiais.
No repertório, 09 espetáculos: Roda Saia Gira Vida (1994), In Conserto (1998), Tomara que Não Chova
(2001), Guardados (2002), Homem Bomba (2005), Lar Doce Lar (2006), Noites de Parangolé (2008),
Melhor dos Mundos (2010) e Inaptos?...a que se destinam...(2011).
Como resultado da pesquisa aérea, possui os números: Caleidoscópio (1998), Dentro da noite (2007) e
Donde Estavas (2009), além de outras intervenções para eventos, convenções e festas. Desenvolve
oficinas com foco na comicidade e na acrobacia aérea: O Jogo Como Técnica, Assunto de Palhaço, CircoTeatro Atuação, Acrobacia Aérea, Gestão para Autonomia e Produção Cultural.
Dentre as diversas formas que o grupo intervém no cenário cultural nacional e internacional, se destaca a
realização desde 1996 o Encontro Internacional de Palhaços Anjos do Picadeiro – um evento que figura
entre os maiores do gênero no mundo.
Em 2010 o grupo tornou-se Ponto de Cultura, responsável pela realização de um programa de oficinas de
especialização de cerca de 80 artistas na área de comicidade, acrobacia aérea e gestão.
O espaço está a serviço também da experimentação, estudo, troca de conhecimentos e intercâmbios
nacionais e internacionais.
1
. Márcio Libar nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de Fevereiro de 1966. Estudou na Escola Nacional de Circo.
Participou da fundação do Teatro de Anônimo, é coordenador do projeto Mundo ao Contrário e colaborador no Anjos
do Picadeiro. Em 2008, lança seu livro A Nobre Arte do Palhaço. Tem em seu currículo um longa-metragem e quatro
curtas, além de prêmios internacionais, como o Especial do Cirque Du Soleil e o Nariz de Prata, ambos em Mônaco e
concedidos em 2006. Fazendo arte, ele já percorreu todo o Brasil e outros oito países. Atualmente é Diretor Artístico do
Teatro Maria Clara Machado - Planetário da Gávea, onde mantém seu ateliê de criação, além de se dedicar a formação
de sistemas livres de gestão artística à exemplo dos projetos Clube Teatro e TV Mobile de Humor.
Pesquisa: http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/M%C3%A1rcio_Libar, em 11.01.2013.
2
. A Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena é uma instituição pública de ensino médio localizada na cidade do
Rio de Janeiro. Fundada em 13 de janeiro de 1908, é considerada a mais antiga escola de teatro da América Latina em
atividade. Fundada por Coelho Neto, que a dirigiu por 25 anos e também foi seu primeiro diretor. O Teatro Municipal, o
Instituto de Educação, uma sala na Avenida Venezuela e o Teatro João Caetano foram alguns de seus endereços
provisórios. Desde 1950, funciona permanentemente no prédio tombado no Patrimônio Histórico Nacional da Rua
Vinte de Abril, onde nasceu o barão do Rio Branco. A escola, que teve vários nomes, como Escola Dramática
Municipal, Escola Coelho Neto, Escola de Teatro e Cinema, passou a ser chamada de Escola de Teatro Martins Pena,
em 1953. Desde a inauguração da escola já fizeram parte do corpo docente: Cecília Meirelles, Viriato Correia, Gustavo
Dória, Fernando Pamplona, Junito de Souza Brandão, Aderbal Freire Filho, Alcione Araújo, Paulo José, Edu Lobo,
Denise Stocklos. Foi dirigida por Oduvaldo Viana, José Wilker, Anselmo Vasconcellos, Maria Tereza do Amaral e
Marília Trindade Barboza, entre outros. Alguns atores que passaram pela instituição: Procópio Ferreira, Sadi Cabral,
Tereza Rachel, Almir Cabral Pestana, Carlos Lacerda, Jayme Periard, Denise Fraga, Ilya São Paulo, Carlos Machado da
Silva, Joana Fomm, Claudia Jimenez, Maria Ceiça e outros.
Pesquisa: http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=4115, em 11.01.2013.
3
. “Acho que foi no ano de 1989 que começamos montar o espetáculo. Tinha uma relação direta com as poesias do Zé
Cordeiro, as mesmas que montamos o Flash da Cidade, mas era feito de uma maneira mais desconstruida, valorizando
imagens. Era um trabalho para rua, direção do Márcio Libar que também atuava e fazia o personagem chamado Fulano
de tal, eu fazia três personagens: a fome, o poder e uma velha curandeira. O João era o que ligava a cena, o plano real e
o onírico com percussão. Com o retorno do Nem e ANGÉLICA e com a entrada do Wilson Belém todos entraram no
Cura-tul. Os personagens que eu fazia foram divididos com a ANGÉLICA- Fome e Wilson - Poder , o João que atuava
na percussão sozinho, passou a fazer parte de um coro. ( João, ANGÉLICA e Nem). Com o passar do tempo a Shirley,
que era nossa contra regra, também entrou no espetáculo. Nesse momento já estávamos no mundo do circo e o circo foi
fazendo parte do espetáculo.” – informações REGINA Oliveira, por e-mail.
4
. “No período dessa referência da Martins Pena e aprendizagem da perna de pau para realização de um espetáculo, este
foi O Sumidouro, de Jorge Andrade, e o professor-diretor do mesmo era Sidnei Cruz, no penúltimo semestre de minha
formação, minha e da Angelica." – Informações complementares dadas por Shirley, por e-mail de 28.01.2013.
5
. Escola Municipal Cecília Meireles, Rio de Janeiro. Em 2012 completou 40 anos. Pesquisa:
http://emcecilia2011.blogspot.com.br/2012/06/bodas-de-rubi-40-anos.html, em 11 de janeiro de 2013.
6
. Em 12 de setembro de 1918, o Conselho Municipal do antigo Distrito Federal tornava oficial e estatal uma Escola
Primária que funcionava na Rua Dias da Cruz, desde 1908. Por esse ato, o prefeito ficou autorizado a transformar a
Visconde de Cairu em escola profissional, masculina. Tempos depois, a escola passou a funcionar na atual Rua Felipo
Cavalcanti. Os cursos profissionalizantes permaneceram até 1954, mantendo-se, a partir de então, apenas o curso
ginasial. Em 1958, foi construído o conjunto de prédios em que funciona, atualmente, o colégio. Inauguradas as novas
instalações, na Rua Soares 95, Méier, estabeleceu-se, nas antigas dependências do Visconde de Cairu, a Escola Primária
Benevenuta Ribeiro. Em dezembro de 1958, por ato da Secretaria de Educação, homologado pelo Ministro da Educação
e Cultura, o Ginásio Municipal Visconde de Cairu foi transformado em Colégio Municipal Visconde de Cairu. Após a
criação do Estado da Guanabara, recebeu a atual denominação de Colégio Estadual Visconde de Cairu. Em 2013 fará 95
anos.
Pesquisa: http://ce.cairu.zip.net/, em 11.01.2013.
7
. “Luís Carlos Nem e Edvando Junior, os dois foram fundadores do Anônimo, fizeram os espetáculos Anônima e Flash
da Cidade. Ambos sairam no ano de 1988. O Nem retornou ao grupo talvez em 1990 e ficou até 92, durante esse
período entrou no espetáculo Cura-tul.” – informações REGINA Oliveira, por e-mail.
8
. Jailson Silva – Observatório das Favelas (Rio de Janeiro). A referência que João Artigo faz é sobre a participação de
Jailson na mesa de debate sob o título “’A alegria é a prova dos nove’: o lugar social e crítico do riso na cultura
brasileira”, que fez parte do IV Seminário de comicidade, evento produzido pela organização do Encontro Internacional
de Palhaços - Anjos do Picadeiro 11, 2012. Na mesa também participaram: André Bueno (UFRJ) e Erminia Silva
(Circonteúdo, historiadora).
9
. A Lei Federal 4.513 de 01/12/1964 criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM - em
substituição ao Serviço de Assistência ao Menor - SAM. À FUNABEM competia formular e implantar a Política
Nacional do Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A partir daí, criaram-se as Fundações Estaduais do
Bem-Estar do Menor, com responsabilidade de observarem a política estabelecida e de executarem, nos Estados, as
ações pertinentes a essa política.
A Lei Estadual 1.534 de 27/11/1967 autorizou o Poder Executivo a instituir a Fundação Estadual do Bem-Estar
do Menor - FEBEM, vinculada a Secretaria de Estado e Serviço Social, destinada a prestar assistência ao menor, na
faixa etária entre zero e 18 anos de idade, no Estado da Guanabara. A FEBEM passou a ter, então, por finalidade:
"formular e implantar programas de atendimento a menores em situação irregular, prevenindo-lhes a marginalização e
oferecendo-lhes oportunidades de promoção social." Na mesma época foi criada, também, a Fundação Fluminense do
Bem-Estar do Menor - FLUBEM, cuja área de abrangência era o antigo Estado do Rio de Janeiro.
Pelo Decreto-Lei n.o 42 de 24/03/1975 a FEBEM passou a denominar-se Fundação Estadual de Educação do
Menor - FEEM, resultante da fusão da FEBEM e da FLUBEM, quando os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro
fundiram-se num único Estado, o atual Estado do Rio de Janeiro, passando a ser, o novo órgão, vinculado à Secretaria
de Estado de Educação. Nessa condição, a FEEM passou a gerenciar também o atendimento até então executado pela
FLUBEM. No ano de 1983 passou a ser vinculada à Secretaria de Estado de Promoção Social e, posteriormente, em
1987, sua vinculação passou à Secretaria de Estado de Trabalho e Ação Social. A FEEM reporta-se, até então, aos
princípios e diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, formulada e implantada pela FUNABEM.
Pesquisa: http://www.fia.rj.gov.br/historia.htm, em 11.01.2013.
10
. ” O grupo é a Troupp Pas D’argant, que também se formou no Visconde de Cairu, ficou conhecido pela montagem
do espetáculo Cidade das Donzelas (indicado para o Prêmio Shell), a última montagem chama Holoclownstro. Um dos
seus integrantes Orlando [Caldeira], formou-se na última turma da Escola Nacional de Circo. [mais informação]
www.troupppasdargent.webnode.com.” – informações João Artigos, por e-mail.
11
. João Artigos faz referência à fala da Entrevistadora – Erminia Silva – na mesa “’A alegria é a prova dos nove’: o
lugar social e crítico do riso na cultura brasileira”, que fez parte do IV Seminário de comicidade, evento produzido pela
organização do Encontro Internacional de Palhaços - Anjos do Picadeiro 11, 2012, conforme rodapé sobre Jaílson
Silva.
12
. Diretor do Visconde de Cairu – informação REGINA, por e-mail.
13
. A palavra abayomi tem origem iorubá, significando aquele que traz felicidade ou alegria. (Abayomi quer dizer
encontro precioso: abay=encontro e omi=precioso). O nome serve para meninos e meninas, indistintamente. Não se
deve confundir com Abaiomi, também iorubá, de significado diverso.
O nome é comum na África, principalmente na África do sul, embora também seja encontrado com frequência
até o norte da África, e mais raramente, no Brasil.
No Brasil, além de nome próprio, designa bonecas de pano artesanais, muito simples, a partir de sobras de
pano reaproveitadas, feitas apenas com nós, sem o uso de cola ou costura e com mínimo uso de ferramentas, de
tamanho variando de 2 cm a 1,50 m, sempre negras, representando personagens de circo, da mitologia, orixás, figuras
do cotidiano, contos de fada e manifestações folclóricas e culturais.
A história das Bonecas Abayomi, começou com Lena Martins, artesã de São Luiz do Maranhão, educadora
popular e militante do Movimento de Mulheres Negras, que procurava na arte popular um instrumento de
conscientização e sociabilização. Logo, outras mulheres, de várias gerações, vindas de vários movimentos sociais e
culturais, aprenderam com ela, juntaram-se e fundaram no Rio de Janeiro a Cooperativa Abayomi, em dezembro de
1988, dando continuidade ao trabalho desde então.
A cooperativa estimula as relações de cooperação e generosidade, o fortalecimento da autoestima e
reconhecimento da identidade afro-brasileira de negros e descendentes, buscando superar as desigualdades de gênero,
integrando a memória cultural brasileira.
14
. O grupo Coisas da Gente “não existe mais. Foi uma experiência com outros alunos do colégio Visconde de Cairu
que faziam parte do grupo de teatro do colegio. O grupo Imagem” - Informações Fábio Freitas, por e-mail.
15
. A referência a esse grupo formado por Fábio já está mencionado na pequena biografia do mesmo. Apenas
acrescentando informação por e-mail que o grupo era formado por ele, Fábio Freitas, Leonardo Carnevale e Fabiana
Poppius.
16
. A seguir serão passadas todas as informações a respeito de Wilson Saião
17
. Wilson Sayão (Wilson Martins Sayão Filho) dramaturgo brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 09.06.1949.
Formado em Direito pela Universidade do Estado da Guanabara. Abordando em suas tramas os temores e desejos de
pessoas comuns, os textos de Wilson Sayão são crônicas que passeiam pela banalidade do cotidiano com suaves
pinceladadas dramáticas. Seu primeiro texto é escrito em 1974, Vamos Aguardar Só Mais essa Aurora, e somente
encenado, por Ricardo Petraglia, em 1980. Após vários textos encenados e prêmios, em 1980 escreveu Anônima,
encenada por Aderbal Freire Filho, em 1997, quando novamente é premiado com o Shell e Mambembe. Na montagem,
Gracindo Júnior interpreta Afonso, motorista de táxi que decide revisar sua vida quando ouve a notícia da morte do seu
amigo e poeta Vinicius de Moraes. O texto é construído em três planos narrativos - presente, passado e o plano de onde
Afonso narra - e mostra, em diferentes tons dramáticos, a história dessa personagem.
Pesquisa:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?
fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=294, pesquisado em 11.01.2013.
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. O Prêmio MEC -Troféu Mambembe inicialmente, visava contemplar nove categorias: autor, diretor, ator, atriz,
figurinista, cenógrafo, produtor e categoria especial referentes a espetáculos das cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo e o mesmo juri desta premiação, fica responsável pela escolha dos melhores espetáculos dessas cidades, para o
Prêmio SNT [Serviço Nacional do Teatro]. Em 1978 foram acrescidas as categorias de revelação e de grupo,
movimento ou personalidade, passando a onze. Nos dois primeiros anos, a entrega dos prêmios, se alternou entre Rio e
São Paulo e as festas foram realizadas em picadeiros. A dos premiados de 1977, no Circo Tihany, no Rio de Janeiro e a
dos premiados de 1978, no Circo Romano em São Paulo. Também foi criado a publicação de “O Mambembe” que
informava tudo sobre as premiações e que foi editado apenas sete vezes. A partir do terceiro ano (de 1979 a 1981), por
falta de verbas para a comemoração, os premiados receberam suas estatuetas e o os cheques em casa. Em 1979, também
termina a premiação dos melhores espetáculos para todas as outras cidades, tendo continuidade apenas para Rio e São
Paulo.
Provavelmente, a premiação a que se refere ANGÉLICA é do início da década de 1980, em particular em
1982, pois nesse ano o prêmio passou a ser competência do Inacen – Instituto Nacional de Artes Cênicas e os
indicados são agraciados com a volta da festa de premiação que aconteceu na Escola Nacional do Circo, na Praça da
Bandeira, e os cinco melhores espetáculos passam a receber o Prêmio Inacen. Em 1985 acontecem duas festas de
premiação e pela primeira vez são realizadas em teatros. Em São Paulo, no Teatro Cultura Artística e no Rio de Janeiro
no Teatro Carlos Gomes. Em 1989, mais uma vez o Prêmio para os melhores espetáculos muda de nome, passando a se
chamar Prêmio Fundacen, uma vez que a Fundacen – Fundação de Artes Cênicas passa a administrar o prêmio. Em
1990, no Governo Collor, os dois prêmios (Mec/Mambembe e Fundacen) são extintos, juntamente com o desmonte
dos órgãos culturais. Em 1993 as premiações voltam, chamando-se Prêmio MINC - Ministério da Cultura / Troféu
Mambembe, agora sob a administração da Funarte – Fundação Nacional das Artes, e com apenas cinco categorias
(autor, diretor, ator, atriz, especial). Em 1999, novamente por falta de verbas, a história se repete e a escolha dos
premiados é suspensa. No começo deste ano, anuncia-se uma premiação a nível nacional. Mas de concreto até o
presente momento, não se tem notícia de como será. Caso ainda aconteça, os maiores prejudicados certamente serão os
espetáculos que fazem temporada no início do ano.
Pesquisa: http://www.cbtij.org.br/arquivo_aberto/premios/premio_mec_minc_mambembe.htm, em 11.01.2013.
19
.Trata-se de Omar Eliott Pint, que foi diretora da Escola Nacional de Circo. “A proposta da formação de uma Escola
Nacional de Circo chegou ao Serviço Nacional de Teatro em 1974, quando assumia a direção Orlando Miranda. O
projeto Escola iniciava seu desenvolvimento dentro de uma organização pública, mas agora de caráter nacional, através
do herdeiro de Franco Olimecha, o também circense Luis Franco Olimecha, seu neto. A criação do então Instituto
Nacional de Artes Cênicas por Aloísio Magalhães, em 1981, incorporando as áreas já absorvidas pelo Serviço Nacional
de Teatro – teatro, dança, ópera e circo – foi o último passo necessário para a consolidação e a fundação, em maio de
1982, da Escola Nacional de Circo no Rio de Janeiro.
(...)
Mesmo com vários percalços, a Escola funcionou até 1990, quando Collor tomou posse como Presidente da
República e iniciou uma reforma administrativa que, entre outras, teve como alvo também a área da cultura. Diversos
professores da tradição circense foram aposentados compulsoriamente, os investimentos foram escassos, não houve
nenhum tipo de manutenção do material, a lona apodreceu, e a Escola fechou em seis meses. Somente em agosto de
1991, depois da criação do IBAC, é que ela pôde ser reaberta sob a direção da educadora Omar Elliot Pint, que teve
participações no processo de fundação da Escola. Naquele momento, privilegiou-se a indicação para a direção de uma
pessoa com experiência como educadora e administradora, diferente da fase anterior, na qual não havia uma separação
da direção pedagógica e administrativa da direção artística. O passo seguinte foi a escolha da direção da área artística,
para a qual foi nomeado (nomeação pró-forma, pois não estava previsto em estatuto) Abelardo Pinto, um dos mais
velhos e experientes professores da escola e oriundo de tradicional família circense.”
Pesquisa: http://www.funarte.gov.br/circo/escola-nacional-de-circo-um-historico/ , em 15.01.2013.
20
. “Márcio Brow, era nosso contra regra no espetáculo Cura- tul, com a saída do[Luís Carlos] Nem, ele entrou como
ator no espetáculo. Era o mais jovem da trupe, saiu do grupo para trabalhar com o pai” – informações REGINA
Oliveira, por e-mail.
21
. Trata-se do artista Luiz Carlos Vasconcelos - O teatro e principalmente o circo sempre foram as grandes paixões de
Vasconcelos, que, apesar de ser formado em Letras, estudou artes cênicas na Dinamarca para depois incorporar-se ao
grupo teatral Intrépida Trupe. Em 1978, em João Pessoa, criou o personagem que iria acompanhá-lo pela vida afora, o
palhaço Xuxu, um palhaço cidadão, nas palavras de seu criador, por ser uma presença constante nas comunidades
carentes. Mesmo quando está trabalhando em outros projetos, como filmes e séries de televisão, Vasconcelos sempre
arruma hora e lugar para se apresentar vestido e maquiado como Xuxu.
22
. Quando, eu – Erminia Silva – escrevi ao grupo para saber quem era a Sheila, Shirley Brito me enviou um e-mail que,
por achar que complementava muito o que estava sendo falado, além de ter gostado, achei importante incorporar aqui:
“A Sheila que o João se refere, sou eu Shirley. Eu usava muito e ainda uso esse termo de nosso quintal, porque minha
maior escola e faculdade é a minha família, meus amigos e o que está ao redor de minha casa, e quando conheci o
Anônimo isso foi um grande fator de atração, pois vi que eles e eu fazíamos parte dessa mesma ‘escola’. O Joca,
João,pode ter me chamado de Sheila, pois criamos apelidos internos.” E-mail enviado em 28.01.2013.
23
. Trata-se de: “José Núñez Garcia, que ficou conhecido como Pepe Nuñez, nasceu em Elche, na província de Alicante,
na Espanha, em 17 de fevereiro de 1961. Inicia sua carreira em 1985, em seu país de origem, na Companhia de Teatro
de Rua Vagalume Teatro, na qual permanece ate 1993.”
A partir de 1992, começa a pesquisar a linguagem clown com os mestres Gabriel Chame (Argentina), José
Ramón Gimenez (Espanha), Django Edwards (EUA), Ângela de Castro ( Inglaterra/Brasil) e Sue Morrison (Canadá),
entre outros. Funda os grupos Teatro Clandestino, El Clan del Clown e Clownados, na Espanha. Membro da ONG
Palhaços sem Fronteiras, de 1996 a 2000, participa de expedições em Honduras, El Salvador e Brasil, país de escolhe
para morar, radicando-se em Florianópolis, Santa Catarina. Dirige o projeto que resultou no premiado espetáculo “Roda
Saia Gira Vida”, com o prestigiado grupo carioca Teatro de Anônimo, e os espetáculos “Lamurio Poético” e “De Malas
Prontas”, da companhia catarinense Pé de Vento Teatro, do qual é integrante.”
Pesquisa: http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/Pepe_Nu%C3%B1ez, em 15.01.2013.
24
. O Centro Interativo de Circo, fundado em 1997, tem como principal missão garantir o acesso gratuito à cultura, arte e
educação, através de oficinas, palestra, encontros, intercâmbios e espetáculos, como: Encontro de malabares, Rádio
comunitária, Informática, Rally Circo, Graffiti e vídeo. Coordenador: Geraldinho Miranda.
Pesquisa: http://www.centrointerativodecirco.org.br/index.html, em 15.01.2013.
25
. Julio Adrião nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1960. Formado pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), em
1986, inicia sua carreira no teatro de rua. Recém-formado, cria a Cia. do Público, grupo com o qual participa de alguns
festivais até ir para Itália, em 1992, onde trabalhou seis anos com o Teatro Potlach e outras companhias. De volta ao
Brasil, em 1994, dirige o espetáculo de circo-teatro Roda Saia, Gira Vida, do Teatro de Anônimo, que recebe o Prêmio
Mambembe de melhor espetáculo 1995, e a ópera cômica O Elixir de Amor, de Donizetti, na Escola de Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com direção musical de Ernani Aguiar.
Integra o trio cômico Cia. do Público desde a sua formação até 2002, quando realizaram Ruzante. Nesta
ocasião, cria com Sidnei Cruz e Alessandra Vannucci o grupo Leões de Circo Pequenos Empreendimentos. Em 2005,
com o solo narrativo A Descoberta das Américas, de Dario Fo, ganha o Prêmio Shell/RJ de melhor ator. Em 2007,
participa da minisSérie "Amazônia", da Rede Globo. No ano seguinte, atua no filme Verônica, de Maurício Farias, e,
em 2009, é convidado pela Nat Geo (Inglaterra) para o papel do traficante John, na série "Locked up Abroad – Brazil"
(Férias na prisão).
Ainda em 2009, participa do longa "Sudoeste", com direção de Eduardo Nunes, no papel de Sebastião. Em
2010, foi o Governador Gelino, em "Tropa de Elite 2" e o Dr. Guido, em "A Quente, a Frio", de Juliana Reis. Em 2011,
escreve, em parceria com o ator gaúcho Carlinhos Tabajara, e dirige a farsa "O Casamento de Hermelinda", com o
grupo Timbre de Galo, de Passo Fundo, Rio Grande do Sul.
Pesquisa: http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/Julio_Adri%C3%A3o, em 23.01.2013.
26
. LUME – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Burnier
funda, em 1985, o LUME, inicialmente Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão, em 11 de março do mesmo
ano. Ao vincular-se ao Instituto de Artes (IA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – onde era professor
no Departamento de Artes Cênicas – o grupo encontra condições para desenvolver pesquisas sobre técnicas do ator. As
origens do LUME repousam na experiência do seu fundador Luís Otávio Burnier, em seus anos de treinamento como
discípulo de Etienne Decroux e em pesquisas com diversos mestres como Eugenio Barba, Philippe Gaulier, Jacques
Lecoq, Ives Lebreton, Jerzy Grotowski e de estudos do teatro oriental (Noh, Kabuki e Kathakali).
Além das pesquisas entre os membros do grupo, os intercâmbios com outros artistas são uma prática constante
do LUME. Esses intercâmbios favorecem o contato com outros modos de fazer e pensar a arte, com a imensa riqueza
das diferenças e a compreensão mais clara e precisa do caminho que o grupo vem trilhando desde seu início. O LUME é
um coletivo de sete atores que se tornou referência internacional para artistas e pesquisadores no redimensionamento
técnico e ético do ofício de ator. Um espaço de multiplicidade de visões que refletem as diferenças, impulsos e sonhos
de cada ator. Ao longo de quase 30 anos, tornou-se conhecido em mais de 26 países, tendo atravessado quatro
continentes, desenvolvendo parcerias especiais com mestres da cena artística mundial. Criou mais de 20 espetáculos e
mantém 14 em repertório, com os quais atinge públicos diversos de maneiras não-convencionais. Com sede em Barão
Geraldo, Distrito de Campinas (SP), o grupo difunde sua arte e metodologia por meio de oficinas, demonstrações
técnicas, intercâmbios de trabalho, trocas culturais, assessorias, reflexões teóricas e projetos itinerantes, que celebram o
teatro como a arte do encontro.
Pesquisa: http://www.lumeteatro.com.br/, em 15.01.2013.
27
. “Nani Colombaioni, clown italiano, vivia em Aprilia, Itália e pertencia a uma antiga e das mais tradicionais famílias
circences da Europa. Atuou e foi assessor em diversos filmes de Federico Fellini. Formava clowns segundo a tradição
da commedia dell'arte e do circo - em verdade também dos artesãos do passado: o aprendiz passava a morar com a
família, participando de atividades não só profissionais, mas também do dia-a-dia. Isto permitia a Nani Colombaioni
observar melhor a personalidade de seu discípulo (com o seu modo de ser e de se mover no mundo). Esta era
aproveitada como base para a iniciação na arte do clown e de sua ética. Ricardo Puccetti, ator pesquisador do Lume,
escreveu a respeito em seu artigo "O riso em três tempos", publicado no nº 1 da Revista do Lume. Nani também iniciou
em sua prática outros clowns do Brasil: Lily Curcio e Abel Saavedra, do grupo "Seres de Luz" e Márcio Libar e João
Carlos Artigos, do "Teatro de Anônimo". Nani Colombaioni faleceu aos 79 anos, em Roma, em 14.04.1999. Esteve no
Brasil, apresentando, juntamente com seu filho e neto, espetáculos e fazendo palestras e workshops.”
Pesquisa: www.cocen.rei.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/.../165, Revista do Lume – Pág. 9, em
15.01.2013.
28
. Teotônio, nome do palhaço de Ricardo Puccetti – Ator, palhaço, pesquisador, orientador de atores e diretor nascido
em Espírito Santo do Pinhal (SP), entrou para o LUME em 1988, ajudando a constituir o grupo enquanto núcleo de
pesquisa ao lado de Luís Otávio Burnier e Carlos Simioni. Traduziu para o português, em parceria com Burnier e
Simioni, os livros Além das Ilhas Flutuantes e A Arte Secreta do Ator, ambos de Eugenio Barba. É Coordenador
Artístico do LUME, membro do Conselho Editorial da Revista do LUME e do Conselho Científico do grupo.
29
. Luís Otávio Burnier – “deixou impressões profundas não somente na história do teatro brasileiro, mas nas pessoas
que conviveram e trabalharam com ele. Lembrado pela enorme contribuição à arte de ator – com a criação e o
desenvolvimento de técnicas de representação –, Burnier continua sendo assunto em rodas de amigos, parentes e
admiradores que contam histórias pontuadas por humor e ousadia.
Nascido Luís Otávio Sartori Burnier Pessoa de Mello, na véspera do Natal de 1956, em Campinas (SP),
Burnier é o segundo filho de um total de quatro, todos homens. Em 1975, Burnier passou em primeiro lugar no
vestibular da Escola de Arte Dramática (EAD) da Escola de Comunicações e Artes (ECA), na Universidade de São
Paulo (USP). Como prêmio, ganhou uma bolsa de estudos para o Mime Mouvement Théâtre, de Jacques Lecoq, na
França. urante um curso intensivo que foi ministrar na Escola de Artes de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, Burnier
conheceu Carlos Simioni, um jovem ator premiado em Curitiba, que se mudou para Campinas a fim de participar da
fundação do LUME. Em um salão paroquial da Vila Santa Isabel, os dois deram início aos treinamentos desenvolvidos
e transmitidos até hoje pelo LUME, como a Dança Pessoal e o Treinamentos Energético e Técnico do Ator.
Em 1985, junto de Simioni e da musicista Denise Garcia, Burnier funda oficialmente o LUME, que
inicialmente designava Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão. O primeiro resultado da pesquisa da Dança
Pessoal é o espetáculo “Kelbilim – o Cão da Divindade” (foto acima), solo de Simioni, com direção de Burnier e
direção musical de Denise Garcia. Três anos depois, também passa a fazer parte do LUME o ator Ricardo Puccetti.”
Pesquisa: http://www.lumeteatro.com.br/interna.php?id=18, em 15.01.2013.
30
. Ivan Prado – “espanhol, ator, palhaço, diretor do Festival Internacional de Palhaços da Galiza” – informações
REGINA Oliveira, por e-mail. João Artigos, também por e-mail, complementou: “(...) organizou o Festival Palhaço
Rebeldia [Pallasos e Rebeldia], que foi o primeiro festival na faixa de gaza. [mais informações] www.culturactiva.org”
31
. FIT – Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte.
32
. Jaume Mateu Bullich, catalão, criador do famoso circo espanhol Circ-Crac e dos Palhaços sem Fronteiras. Fundada
em 1998, a ONG tinha como objetivo inicial divertir refugiados de guerra. Atualmente, os grupos de Palhaços sem
Fronteiras se espalham por vários países e Bullich corre o mundo interpretando o palhaço Tortell Poltrona.
1971-1981 – As primeiras representações do Circ Cric são do ano de 1981. Entre 5 e 18.06.1981, a lona se
instalou no Parc de l’Escorxador de Barcelona, e também rodou por muitas cidades e povoados catalãos, mas no ano
seguinte, e dada a falta de apoio institucional, ele não poderia atender a exigências materiais pesadas de uma empresa
deste tamanho. Cric morreu no ano de 1982, mas a lona do Cric viveu múltiplas vissitudes: giras, festivais, primeiras
atuações dos novos formados do circo catalão. A lona do Cric, por exemplo, é a que inaugurou o Festival Internacioal
de Pallassos de Cornellá de Llobregaf, Memorial Charlie Rivel, da qual Jaume Mateu é diretor nas suas duas primeiras
edições, nos anos de 1984 e 1986. É uma lona que viaja e que acolhe os impensáveis espetáculos, que colabora também
em uma das mais acertadas iniciativas de Tortell, a criação em 1993 da Ong Pallassos sense Fronteres.
Pesquisa: http://www.circcric.com/ - em 15.01.2013.
33
.” Payaso Chacovachi Buenos Aires/Argentina. Payaso por naturaleza, tercermundista por eleccion. Lo que mas
destacado de su 28 años de trayecctoria fueron sus 16 años como payaso de una plaza publica en Buenos Aires (del 87
al 2003 ), con un trabajo absolutamente libre y soberano , inpirado en las nesecidades humanas, generando una ola de
artistas callejeros , transformando la cultura popular.
Definicion de cultura (segun yo): constubres de los pueblos. www.chacovachi.com”
Pesquisa:
http://www.circonteudo.com.br/index.php?option=com_content&view=category&id=232:payasochacovachi&Itemid=542, em 15.01.2013.
34
. Ana Luísa Cardoso – atriz, diretora e palhaça, uma das fundadoras do grupo As Marias da Graça. Formada pela
CAL em 1984, dedicou-se ao Teatro Infanto- juvenil, colaborando com a criação do MOTIN em 1985 e do Centro
Brasileiro de Teatro para a Infância e a Juventude, CBTIJ. Foi trabalhar com Aderbal Freire Filho no Centro de
Demolição e Construção do Espetáculo, participando da produção e atuação de montagens como O Tiro que Mudou a
História, Tiradentes e outros. Paralelamente criação, produção e execução nos monólogos: Melancolia (1989) e
Minotauro em 1990 e Margarita Vai à Luta (2006). Com Alice Viveiros de Castro dirigiu o espetáculo Vida de Artista,
produção do circo social Crescer e Viver. Ana Luisa estuda, viaja, participa de encontros, ensina e estimula novos
palhaços e atores em projetos sociais, escolas e Universidades com os cursos: Não seja Palhaço por Acaso e O
Melodrama. Com sua nova companhia - Cia d'Os Melodramáticos resgata os melodramas de picadeiros e realizou o
evento: É "pra" Rir ou "pra" Chorar?. Professora de Comicidade no 5º período do curso da Univer Cidade (RJ).
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. As Marias da Graça (Rio de Janeiro/RJ) – é um grupo de 4 mulheres: Geni Viegas, Karla Concá, Samantha Anciães
e Vera Ribeiro, que trabalham o riso e escolheram a arte da/o palhaça/o para expressar o cotidiano feminino. Em 2003
fundaram As Marias da Graça Associação de Mulheres Palhaças. www.asmariasdagraca.com.br •
www.essemontedemulherpalhaca.com.br

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