Rascunho 46 - maio 2007.pmd

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Rascunho 46 - maio 2007.pmd
Ciano Amarelo Magenta Preto
Ano 29 - Nº 46 - Santa Maria - maio de 2007
Palavras transformam a cidade
A Feira do Livro de Santa Maria está de volta
50 anos da
publicação de
On The Road
pág. 9
Conheça
o Cesma
Café
pág. 4
Blues
internacional
em Santa Maria
pág. 12
Rascunho
2
Joél Abílio
Opinião Cesma
A palavra está na praça
A feira do livro de Santa Maria ambiente aberto, perdendo apenas para
credencia-se como o principal evento a feira de Porto Alegre e ficando à frenliterário da cidade cultura e um dos mais te da feira de Brasília.
importantes do estado.
Alguns dados da nossa festa literáO livro está na praça à sombra da
ria são interessantes, pois a venda de lifrondosa seringueira e ao alcance das vros contempla uma progressão geomémãos ávidas por leitura e olhos ansiosos trica. Em 1995 foram vendidos 3.200 lipelo saber. Os amantes dos livros não vros; em 1998 esse número passa para
concebem mais uma feira que não seja 6.800; em 2002 para 14.000; em 2005 para
na praça, que não seja no mês do ani- 27.600 e em 2006 foram fornecidos 35.200
versário da cidade e que não seja do livros. Ou seja, um aumento de mais de
povo. Não há boicote que nos faça per- dez vezes com relação ao ano de 1995.
der essa aquarela literária.
A feira do livro nos enche de satisHá algo de estudante, de ferroviá- fação porque a Cesma é partícipe e enrio e de gente nessa feira do livro. Nessa volvida diretamente em sua organização.
tradição de cultuarmos nossos eternos O livro é a nossa matéria, uma das razões
ferrinhos, e que a cidade amavelmente para a nossa forte paixão cooperativista,
presta reverência, os livros, por vezes, ho- e a feira um evento que nos mobiliza e
menageiam os ferroviapaixona mais ainda.
ários nos seus títulos:
Nesse ano em que ceNão há boicote que
Apito do trem, Trem dos
lebramos o fornecinos faça perder essa
onze e o mais recente
mento de um milhão
O maquinista daltônide livros aos cooperaaquarela literária.
co e tantos outros que,
dos, a Cesma também
por certo, virão.
se associa à feira como
Santa Maria não é mais ferroviá- uma das organizadoras permanentes. Asria, mas pretende ser literária porque car- sim, continuaremos com a nossa tarefa
rega no seu âmago o espírito, a perse- de difundir a leitura, o saber e a literatuverança e a luta dos velhos ferrinhos. E ra. E isso é motivo de regozijo dos seus
uma máquina na avenida, coincidente- atuais 35.950 associados.
mente vizinha da biblioteca pública, hoTemos como desejo e convicção
menageia todos os trabalhadores desse que eventos que celebram a arte literária
coração do Rio Grande.
terão a nossa dedicação e apoio. Hoje,
A Cesma e a feira do livro têm a temos eventos que são dedicados ao livro
mesma origem: os estudantes universitá- e protagonizados pela Cesma: Bloomsday,
rios de Santa Maria da década de 70. Se a Blausday e logo teremos um monumenCesma foi fundada por estudantes no to ao livro que é o Banco de leitura de
Diretório Acadêmico da Agronomia em Joyce. Não podemos deixar de lembrar os
1978, a feira do livro teve a sua primeira lançamentos de livros que ocorrem duformatação no curso de Comunicação So- rante o ano nas dependências da Cesma.
cial da UFSM, lá no distante ano de 1973.
Enfim, os livros estão na praça e
A Feira do Livro de Santa Maria é nós estaremos lá porque livro na praça,
a segunda feira mais antiga do país em sem gente, não tem graça.
Adivo Paim Filho – Analista de cenários estratégicos – mat.: 0931
Inicio dos anos 60, Cruz Alta. Ele,
jovem líder estudantil, vindo da então
(a meu ver) lendária e distante Santa
Maria. Auditório do Ginásio Cristo Redentor, dos maristas, lotado. Uma lufada de novos ângulos e perspectivas.
Mais velho, mas parecendo tão jovem
quanto os seus ouvintes, era Joél Abílio
Pinto dos Santos, chamando-nos a responsabilidades e reflexões, inesperadas para a velocidade do pensamento
cruz-altense de então.
Fim daquela década, nos reencontramos em Santa Maria, na Faculdade de
Direito de Santa Maria, também dos
maristas. Já era professor de História e
deixava entrever uma grande paixão pelo
seu magistério. Aliás, foi nele que centrou
sua vida, coroando-o com o Mestrado em
Integração Latino-Americana.
Ah! Com certeza, inquietos e intelectualmente curiosos que éramos,
ambos, muitos assuntos terão havido
em que nossas opiniões foram divergentes, com cordialidade, mas divergentes. Isto, porém, nunca impediu a
troca de idéias e até críticas, pessoalmente apresentadas.
Não tenho dúvida, Joél Abílio
sempre foi sincero em suas lutas. Jamais
foi inautêntico em suas bandeiras, nem
foi motivado pela vaidade ou pelo poder. Esta, a autenticidade, uma característica que o acompanhou sempre, daquela palestra-debate do meu tempo de
ginásio até às vésperas da sua passagem.
Sim, ele marcou um período
construtivo da nossa UFSM, com repercussões na vida e no desenvolvimento
cultural da comunidade.
Sua marca na minha biografia ficou quando, no início do último dezembro, à mesa de um Café, no centro
da cidade, sem aviso prévio, no meio
de uma conversa, com outro amigo,
que testemunhou o acontecido, sem
dar chance para maiores perguntas, Joél
Abílio me declarou: “Olha, se alguma
vez na minha vida eu te fiz alguma coisa, eu estou te pedindo perdão!”. Claro que lhe asseverei “estás perdoado,
e espero que a recíproca também seja
verdadeira”. Ele respondeu “então está
bem assim” e mudou o rumo da conversa. Ainda não me refiz disto; desconheço ao que ele se referia.
Agora, com Joél Abílio nos reinos espirituais, na única e verdadeira
imortalidade, aqui fica um exemplo de
pessoa, autêntico nos seus valores,
iluminador de possíveis rumos para o
desenvolvimento santa-mariense.
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é bom se informar com antecedência caso tenha interesse em publicar seu
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Opinião Rascunho
CESMA
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Souza, Gilmar Sartori, Homero Pivotto Jr., Iria Oliveira
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Fontana, Rosiclea Pezzi, Soraya Lopes, Thaís Bittencourt,
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Rascunho
Jornalista Responsável: Homero Pivotto Jr. - MTb 11858
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Andrade Brum, Leonardo Retamoso Palma, Fabiano Dallmeyer,
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Ilustração Capa: Elias Monteiro
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OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DE
RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DE SEUS AUTORES.
Abertura dos arquivos
No dia 15 de abril, os jornais Correio Braziliense
Cabe lembrar que os arquivos militares contie O Estado de Minas publicaram matérias divulgando nuam inacessíveis e a falta de empenho do Governo
trechos de uma obra sigilosa, produzida pelo Centro
na abertura de todos os arquivos é mais que evidente.
de Informações do Exército (o CIE, serviço secreto),
Quando os arquivos da Abin, ou seja, todos os arquihá 19 anos, a pedido do então Ministro de Exército, vos dos extintos SNI-Serviços Nacionais de InformaLeônidas Pires Gonçalves. Uma cópia dessa obra foi
ção, do CSN - Conselho de Segurança Nacional e da
obtida pela reportagem do Correio/Estado de Minas.
CGI - Comissão Geral de Investigação, foram abertos,
Desse que passou a ser referido como “O livro secreto
depois do Decreto Presidencial nº 5.584, de novemdo Exército”, 40 páginas já circulavam na internet, posbro de 2005, segundo várias denúncias que circularam
tadas num site que reúne militares e civis de extrema na imprensa, eles haviam sido “limpos”.
direita. Sabe-se agora que são 966 páginas no total.
Enquanto o Chile, o Uruguai e a Argentina deNo âmbito do que foi batizado de “Projeto Orvil” ram passos importantes na responsabilização dos pra(da palavra livro, ao contrário) em 1986, foi concebido
ticantes dos crimes de tortura, assassinatos e desaparecomo uma reposta aos relatos
cimentos de pessoas, cometide tortura e assassinato de predos durante os regimes ditatoContinuamos sem saber onde
sos políticos ocorridos durante
riais naqueles países, como
estão os corpos, quem matou,
a ditadura e que em 1985 habem lembrou Suzana Lisboa (esviam sido publicados no livro
posa do primeiro desaparecicomo morreram,e sem
Brasil: Nunca Mais. Concluído, Luiz Eurico, que teve o
responsabilizar os culpados
da em 1988, essa versão acabou
corpo localizado, no cemitério
não sendo publicado como era
de Perus, em São Paulo, em
a idéia inicial, Leônidas Pires Gonçalves voltara atrás. agosto de 1979): “Continuamos com as mesmas reivinUma pequena tiragem semi-artesanal passou a circular
dicações da época da ditadura: saber onde estão os
entre militares da reserva. “O livro secreto do Exército” corpos, quem matou, como morreram, e responsabilié a versão dos militares para a luta armada. Nele, mais zar os culpados” (também publicado no jornal Extra
de 1.700 pessoas perseguidas e reprimidas pela ditadu- Classe).
ra são citadas, há a descrição do dia-a-dia de dezenas de
Segundo a reportagem dos jornais Correio
organizações de esquerda, provando que o Exército tem
Braziliense e O Estado de Minas, pelo menos em 23
as informações que por 30 anos negou possuir.
casos, fica evidente que as informações sobre as condiComo escreveu C. Glok no jornal Extra Classe, ções em que morreram e/ou desapareceram centenas
do SINPRO/RS, no número de abril, “Enquanto isso, de pessoas, não eram tão desconhecidas assim pelo
ano após ano, comemora-se “descaradamente” nos quar- Exército e pela ditadura civil-militar no Brasil (1964téis a chamada “revolução democrática” de 1964, ape- 1985, oficialmente), ainda que seja corrente a idéia de
lido cínico dado pelos militares ao “golpe”, que, no
que foram cuidadosos em não deixar impressões digidia 31 de março, completou 43 anos”.
tais em acontecimentos importantes.
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Duas máximas atuais e,
cada vez mais, vigentes:
“só é possível resistir criando” e
“a melhor defesa da criação, é o compartilhamento”
Leonardo Retamoso Palma – mat.: 09458
Começarei lembrando o início do
artigo XIII da Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1793, que diz:
“Sendo todo homem presumidamente
inocente até que tenha sido declarado
culpado, ...”. Ainda, lembrarei que o Estado de Direito e a democracia, em grande medida, apóiam-se nessa suposição,
nessa presunção da inocência, e não na
suposição, na presunção da má-fé do cidadão. Vale a pena repetir então: “Todo
cidadão é inocente até prova em contrário”. É tão caro esse princípio para o
Direito que, em caso de acusação formal, a ele articulam-se aquele que diz
que “Cabe ao acusador o ônus da prova”
e aquele outro que diz “in dubio pro reu”
[Na dúvida, a favor do réu]. Os três não
são apenas meros detalhes no Direito,
longe disso.
Atualmente, do mesmo modo,
não deveria passar por ser apenas um
detalhe, que com cada vez maior intensidade, e justamente em nome da “defesa” da democracia, do Estado de Direito, e em apelo à “liberdade de imprensa”, as editorias e redações de boa
parte das grandes empresas jornalísticas
e da mídia corporativa em geral, passaram a se arvorar o direito de julgar, e
mais que isso, condenar ou promover
condenações antes mesmo de qualquer
julgamento, esquecendo completamente da suposição da inocência do cidadão. Um impulso repressivo, profundamente antidemocrático parece estar se
disseminando facilmente, e nesse contexto, muitos jornalistas acabam por
cumprir um papel regressivo, militam
pelo abuso, ao ajudarem a promover
esse impulso.
Espera-se dos jornalistas e de
quem publica e/ou fala em meios de
comunicação social e de informação,
e que assinam matérias informativas ou
de opinião, abonando-as, uma informação responsável, em sintonia com o
direito público à informação de qualidade. Assim como na leitura de um artigo de jornal presumimos inicialmente e de boa-fé que esse direito público
à informação é efetivamente uma premissa e uma meta dos jornalistas e
publicistas em geral, e que também de
boa-fé eles tenham convicção, acreditem ou, no mínimo, imaginem ter qualidade a informação que veiculam (mesmo que cheguemos a discordar totalmente de suas opiniões e posicionamentos). Esperamos também que não
nos tratem pressupondo má-fé, presumindo má-fé do cidadão, do leitor ou
audiência. Tratando-se de matéria controversa, espera-se do jornalista ou
publicista em geral, cuidado redobrado.
Em Santa Maria, está se tornando
uma prática, em sintonia com esse impulso repressivo referido e com a
militância jornalística e publicista em
prol do esquecimento da presunção de
inocência do cidadão, nas matérias
dedicadas aos temas “direitos de autor”
e “propriedade intelectual”, a insistente cassação dessa presunção de inocência do cidadão e leitor (aí o esquecimento é na verdade substituído pela
inversão!) e a promoção da criminalização prévia (dissuasão, amedrontamento, intimidação, vale dizer,
presumindo sim a má-fé do cidadão!)
das práticas sociais disseminadas e em
fase constituinte, aptas a inaugurar, produzir, fundar, criar direitos ou mesmo
modificar leis inadequadas e
anacrônicas (aquelas em
dissintonia com os
avanços sociais e
que acabam
impedindo a
maximização social,
cultural,
econômica,
etc.,
b l o queando a sociedade
em seus
desejáveis
desenvolvimentos).
Vejamos, é
robustamente conhecida por seus efeitos
e combatida (ou pelo menos essa
é uma agenda comum, tornada comum)
a prática econômica do monopólio1,
prática essa tendencialmente catastrófica para a sociedade (e a tendência da
prática monopolista é normalmente o
abuso). Vai daí todo o debate, sempre
atual, sobre protecionismo, sobre a formação de cartéis e oligopólios, e a necessidade de sua regulação e combate,
e os muitos acordos internacionais firmados ou intentados, sempre envoltos
em muita polêmica.
É justamente de um claro compromisso com o monopólio (marquemos isso com uma acento forte!) e com
a censura (algo que é o avesso da
reivindicada “liberdade de imprensa” e
da “liberdade de expressão”, e que para
nós deveria ser de triste memória), que
tem impulso a criação do “exclusivo
direito de cópia” ou copyright (o controle do que se imprime), que está nas
origens do instituto jurídico “direito
autoral” ou “direito de autor”.
Coincidindo com a própria difusão da imprensa e da tecnologia que
permitia a proliferação de cópias (as máquinas que fizeram possível a reprodução em série e a replicação dos impressos), a história do copyright começa
como estabelecimento de um filtro que
visava coibir a livre difusão de idéias,
cerceando exatamente a “liberdade de
imprensa” e a “liberdade de expressão”,
dando a uma casta privilegiada [Stationers, editores-tipógrafos-livreiros,
nomeados pelo rei, em 1556] o monopólio das tecnologias de impressão e
atribuindo a ela a função da censura a
serviço do poder absoluto, isso pro volta
do século XVI, na Inglaterra2.
Censura prévia e restrição do
acesso aos meios de produção
da cultura, através do
monopólio, uma
origem curiosa.
Com o tempo,
o “direito de
autor” legitimou-se
como garantia dos
direitos
morais e
patrimoniais do
autor sobre a obra
criada. Em
sua transformação histórica e pela prática de sua aplicação, ao entrar na composição do direito de
“propriedade intelectual”3, encontra-se distorcido em proteção do titular (normalmente uma empresa
corporativa, privada, que se beneficia
disso economicamente) e não do criador ou da promoção da atividade criativa, mas antes, volta-se para coibir e cercear a criação cultural proliferante. Ao
se associar “direito de autor” e propriedade, a tendência e a justificativa do monopólio privado.
Os problemas são inúmeros. A
velha indústria cultural entrou e está em
crise há tempos. E muito por estar assentada em conceitos e concepções anacrônicas. Somos ao mesmo tempo con1
2
3
temporâneos do movimento punk e póspunk, e isso significa dizer que a máxima punk do faça vocês mesmo encontra-se disseminada por toda a sociedade, mesmo em lugares que nem imaginam possuir algo dessa herança “maldita”. Somos também contemporâneos da
cultura hacker, de sua generosidade e
paixão pelo compartilhamento, das práticas conectivas das redes de todos os
matizes, não apenas da rede mundial de
computadores, é bom lembrar. A crise da
empresa corporativa foi acompanhada
pelos experimentos de construção e
desenvolvimento das empresas colaborativas (conexão entre resistência social
e alternativas de produção econômica,
composição de forças e alianças liberadoras), como é o caso das voltadas para
os projetos de Software Livre, para pegar o exemplo em maior evidência.
A crise das grandes gravadoras foi
o ambiente onde os músicos voltaram
aos intensos circuitos de encontro com
seus públicos, e talvez nunca como hoje
tenha existido tanta produção, tanta
criação, tantas bandas, tantos artistas em
atividade em todas as áreas, tanta iniciativa artística e cultural. E é porque circula a produção cultural e artística, que
há matéria-prima suficiente para nutrir
toda essa turbulência, tanta afirmação de
vida, tanta expressão. A denominada
sociedade de controle é em grande
medida expressão do esforço titânico
do velho mundo em crise de legitimidade e de sobrevivência desdobrando
toda sua violência para tentar colocar
sob controle toda a produção de riqueza já fora da medida e do controle, tão
exuberante e indefinível, e assim, tão
difícil de parasitar e explorar.
De modo compulsivo, insistentemente, o denominado “direito de autor”
entra em conflito com o direto de acesso
ao conhecimento, à informação e à cultura, transformando-se em abuso de direito. Não há, ainda, legislação adequada
que dê conta de solucionar esse conflito.
Está em aberto o debate, desencorajar as
pessoas da participação nele, parece ser
algo nada desejável. Amedrontá-las e passar a falsa idéia de que isso é matéria
vencida, algo bastante complicado. Cassar a presunção de inocência, condenando a todos, antes do debate e do julgamento da questão, uma lástima.
Valeria, e muito, a leitura de um texto pouco comentado e muito atual, de Karl Marx, cuja edição
mais recente ocorreu na Italia em 2002: Discorso sul libero scambio, edição de Alberto Burgio
e Luigi Cavallaro, pela editora italiana Derive Approdi. O discurso é de 9 de janeiro de 1848 e foi
feito na sede da “Association Démocratique” de Bruxelas, da qual Marx era vice-presidente. Pela
atualidade, causaria surpresa para muitos, tal como causou na época.
A pesquisa sobre isso está fartamente disseminada na internet e é de fácil recuperação nos
trabalhos do coletivo de narradores italianos Wu Ming, como em http://www.wumingfoundation.com/
A “propriedade intelectual” compreende os “direitos de autor” e os que lhe são conexos, mais a
“propriedade industrial” (marcas, patentes, desenho industrial, etc.) e os “direitos de personalidade”.
Rascunho
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Vai um cafezinho aí?
Desde 16 de novembro
de 2005 a Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria Ltda está
com sua casa nova. E própria!
Com isso, vieram diversas melhorias e novidades, sempre procurando atender o associado como
ele merece. O aumento no acervo de livros, mais funcionários à
disposição e a própria arquitetura do prédio, concebida pensando no bem estar do cooperado, são exemplos de mudanças positivas que vieram com a
troca de endereço. Porém, um
dos atrativos mais interessantes
dessa nova estrutura só começou a funcionar em 16 de dezembro de 2006, exatos um ano
e um mês após a inauguração
da nova sede. O Cesma Café
funciona no primeiro andar, diariamente das 16h às 20h. Segundo o gerente da Cooperativa, Télcio Brezolin, o local foi
pensado para servir de ponto
de encontro. “Além de servir como espaço para as
pessoas se encontrarem, queríamos proporcionar um ambiente agradável. A
idéia era ter um diferencial. Por isso colocamos o café aonde as exposições são realizadas, para que
além do contato com os livros, a
pessoa interagisse com outros tipos de arte enquanto aprecia um
bom cafézinho. Quem passar por
ali também pode encontrar revistas bem interessantes, como
Entre Livros, Bravo, Cult, Cinema e Paisá”.
São oferecidos mais de 20
tipos diferentes de cafés, entre
quentes e gelados. “Nosso objetivo é sempre aprimorar o cardápio, trazendo mais variedade e
qualidade, sempre com preço
acessível. Afinal, somos uma cooperativa, e nosso objetivo maior não é o lucro, mas sim fazer
com que nosso associado sintase satisfeito”, explica Télcio.
Uma das maiores preocupações, desde a concepção inicial em se criar um café, era oferecer um produto de qualidade.
Depois de muito pesquisar quem
pudesse oferecer uma boa matéria prima, a Cesma encontrou
uma Cooperativa de Cafeicultores da região de Franca, na grande São Paulo. “Nosso grão é
Alexander Café
100% arábica, uma variedade
de café cultivada principalmente na América do Sul e América
Central. Essa espécie é de melhor
qualidade e contém o mais requintado aroma e os mais intensos sabores. Em algumas outras
cafeterias ela é misturada com
a espécie robusta, que possui um
trato mais rude e pode ser cultivado em altitudes mais baixas.
Não possui sabores variados e refinados como o arábica, e seu
teor de cafeína é o dobro”, destaca a barista Usielita dos Anjos,
que foi enviada pela Cesma até
a capital paulista para realizar trei-
Xícaras personalizadas para o Cesma Café
namento no Sindicato da Indústria de Café (Sindicafé). Usielita
ressalta ainda que o cuidado no
preparo é essencial para alcançar o sabor desejado.
Além do alto nível dos
grãos utilizados e do cuidado no
preparo, outro aspecto que chama a atenção é o ambiente do
Cesma Café. O clima calmo e sossegado tem despertado a atenção das pessoas. “Os mais variados tipos de pessoas passam por
aqui todos os dias. São associados, não sócios, estudantes, profissionais das mais diversas áreas, enfim...Mas todos eles acabam gostando da tranqüilidade que encontram aqui, coisa
rara em outros locais do ramo
em Santa Maria. Aqui o pessoal
usa para se encontrar, conversar e até fazer reunião.”, conta
a barista.
E se você acha que o café
mais pedido ainda é o famoso espresso – com
“s” porque designa
a bebida criada pelos italianos, um
pedido feito para
a ocasião; diferente de “expresso”
que quer dizer rápido –, está redondamente enganado. Um dos
mais consumidos durante o verão foi o Ice Capuccino, uma
versão gelada desse preparo
que leva leite, canela e chocolate como diferencial.
Com a chegada do inverno o movimento deve aumentar, já que com o frio costumase tomar mais café. Os preços
variam de R$ 1,50, o mais barato, até R$ 6,00 o mais caro. Para
a segunda quinzena de maio o
cardápio deve ser incrementado com duas novas sugestões:
mocaccino e capuccino oriental. É importante ressaltar que
o Cesma Café é aberto ao público em geral, não só para associados da cooperativa.
Como tirar um bom café!
Em primeiro lugar a qualidade
do grão que forma o blend (mistura)
tem que ser criteriosa, ou seja, os grãos
têm que ser 100% arábicos. Cultivados
acima de 800 metros de altitude sob
temperatura amena de 15ºC a 22ºC.
A torra tem que ser média (cor
de chocolate), o ponto de moagem é a
média, diferente do tradicional que usa a moagem fina.
Na preparação da xícara perfeita, utilizamos 7g a 8g de pó
para 50 ml de água, compactando sob pressão de 20 kg. A extração
deve ser de 20 a 30s dependendo do moinho. Temos como resultado, um café de creme espesso, e aroma e sabor intenso.
Para reconhecer um bom espresso:
• Observamos que o creme deve ser espesso e persistente (resistir de 1
a 2 min), marcando e aderindo as paredes das xícaras. A cor deverá
ser homogenia (cor de chocolate ou marrom tigrada). O creme é
muito importante, pois é ele que preserva o aroma da bebida.
• O sabor da bebida deve ser harmonioso entre o máximo de doçura, o mínimo de amargor e moderada acidez. A bebida tem que
ser encorpada, ou seja, sentida quando a língua toca o céu da
boca (viscosidade e oleosidade).
• O sabor que permanece na boca após a degustação, é o sabor
residual (aftertaste), que deve ser prazeroso e adocicado.
Crônica:
LIVRO E TRÊS EM UM
Marcelo Canellas – mat. 03792
Era no tempo da rifa. E o que a gente podia rifar era um aparelho
três em um. Sabe o que é? Três em um: toca disco (de vinil, bem entendido), toca fitas e rádio. Supimpa. Corria pela loteria federal. É isso mesmo, caros contemporâneos do ipod e do mp3; foi um três em um que
financiou a feira do livro de 1985. Uma faixa amarfanhada escrita assim:
“esmola cultural para salvar a feira” era estendida de uma calçada a
outra, na Acampamento, para tentar amolecer o coração duro dos leitores motorizados da cidade. Mas nossos pedágios improvisados rendiam
mais xingamentos do que proventos. E era uma carreira danada quando
a Brigada aparecia. Na entrada do campus, em Camobi, dava mais. Estudante, né? O sujeito ajudava com uns trocados, já pensando no desconto
de 30 por cento que teria lá adiante quando fosse comprar um compêndio. Baita negócio. E assim aumentávamos um pouquinho o caixa. Aí
começava a trabalheira. Implorávamos à reitoria da UFSM para que nos
liberasse algum recurso. Conseguíamos, no máximo, o seu Valdir. Pra
nós acabava sendo melhor do que um saco de dinheiro, porque junto
com o seu Valdir - servidor público, motorista e figuraça - vinha o caminhão-baú da universidade. A faculdade de Comunicação Social liberava
o telefone da coordenação para que negociássemos as encomendas por
consignação com as editoras e distribuidoras de Porto Alegre. Depois de
tudo acertado, marcávamos a data para a coleta das encomendas e
partíamos às cinco da manhã para a capital, no caminhão do seu Valdir.
Geralmente iam com ele dois estudantes de jornalismo. Nesse longínquo ano de 1985, fomos eu o Marcos Kirst, hoje um talentoso jornalista
radicado em Caxias do Sul. O Kirst era cultíssimo e espirituoso. Um
grande companheiro de viagem. Mas tinha um defeito terrível: conseguia ser ainda mais fraco e mais magro do que eu. Isso até que era bom,
levando em conta o espaço acanhado da cabine do caminhão-baú, mas
era péssimo como credencial para estivar caixas e caixas de livros, tarefa
que nos ocuparia o dia inteiro. Chegávamos de volta a Santa Maria, já
bem tarde da noite, completamente moídos. Várias outras equipes de
estudantes de jornalismo, de relações públicas e de publicidade cuidavam das outras providências, que iam desde fazer contato com escritores, até buscar as barracas de madeira e zinco que a fábrica de refrigerantes Vontobel nos emprestava em troca do direito de fazer propaganda de graça. Nós mesmos que montávamos tudo, catalogávamos o material, vendíamos os livros, organizávamos as sessões de autógrafos e
coordenávamos os debates. Depois caíamos mortos. E felizes. Um punhado de estudantes de comunicação tinha conseguido, com meia dúzia de barracas, encher a praça Saldanha Marinho. Manter a feira viva
era uma questão de princípio. É claro que hoje a exigência é outra. A
feira do livro de Santa Maria é muito maior, mais bonita e mais organizada. Tem amparo da prefeitura e sua estrutura se profissionalizou. Mas a
história épica de resistência - que começou com a geração dos pioneiros, os estudantes de jornalismo dos anos de 1970, e que continuou
depois com a minha geração - é um patrimônio cultural de que nenhuma
outra cidade do interior do Rio Grande Sul dispõe. A vocação da feira é
crescer. Temos traquejo e conhecimento. Nos faltam políticas públicas
mais ambiciosas. É correto, justo e necessário apoiar a profícua produção literária dos escritores santa-marienses. Mas temos que nos
universalizar mais, convidar mais autores de outros estados, fazer da
feira não só um evento comercial, mas um grande fórum de discussões
sobre a cultura brasileira, por que não? Não entendo como nossos empresários e nossos políticos não conseguem enxergar o potencial da
feira do livro para transformar-se numa festa de repercussão nacional.
Temos estofo pra isso. O que falta é dinheiro. Só não me falem em rifa!
Onde é que se vai arranjar um aparelho três em um?
Descontraindo
com os patronos
da Feira do
Livro 2007
Nº 21 - maio 2007
Como já é de costume, o Rascunho traz nas próximas páginas uma
entrevista pra lá de descontraída com
os patronos da Feira do Livro deste
ano. Sentados tranqüilamente em um
uma mesa no Cesma Café, no início da
noite de 10 de abril de 2007, eles conversaram com a equipe do Rascunho
– Athos Ronaldo Miralha da Cunha, Leonardo Palma, Paulo Henrique Teixeira
e Homero Pivotto Jr. A Feira adulta traz
como tutor o professor de história,
Vitor Otávio Fernandes Biasoli. Nascido em Pelotas, em 1955, viveu por um
bom tempo em Porto Alegre, onde cursou História na UFRGS, Mestrado em
letras na PUC e foi professor da rede
estadual. Atualmente, é coordenador
do departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Além disso, escreve crônicas
para os jornais A Razão e O Jornal de
Uruguaiana. Na década de 90, fez livros de poemas e crônicas junto com
Elias Monteiro, Padrinho da Feira Infantil
Vitor Biasoli patrono da Feira do Livro 2007
Prado Veppo, Humberto Gabbi Zanatta
e Orlando Fonseca. Ao lado de Pedro
Brum Santos, organizou Prado Veppo:
obra completa. Já o padrinho da Feira
Infantil é Elias Ramires Monteiro, 44
anos, nascido em Alegrete. Graduado
em Comunicação Visual pela UFSM,
desenha histórias em quadrinhos desde os 6 anos de idade. Durante uma
década foi chargista do Jornal A Razão.
Foi também Diretor de Arte em agências de propaganda por vários anos.
Como cartunista, tem participações e
prêmios em vários Salões de Humor.
Foi co-editor da revista Garganta do
Diabo. Hoje em dia, assina a charge do
Diário de Santa Maria. Como ilustrador
de livros infantis, atua desde a década
de 80. Em 2003, publicou seu primeiro
trabalho dirigido às crianças – Fábulas
de Elias. Recentemente fez uma incursão no cinema de animação desenhando os cenários do premiado “Leonel Péde-Vento” e prepara para esta edição da
Feira mais uma obra dedicada aos pequenos leitores. Como pensam? Como
trabalham? Como buscam inspirações?
Qual reação ao saber que eram os
patronos da Feira do Livro 2007? Descubra lendo esse divertido bate-papo!
Rascunho – Em algum mo-
mento vocês disseram que a
Feira é um lugar onde as pessoas vão para se encontrar.
Ela é um espaço do fluxo aleatório e o encontro é secundário, ou ela é o grande local do encontro com o livro,
com as outras pessoas, etc.?
Qual seria a característica
mais forte: o passeio, para
acompanhar o movimento
aleatório das pessoas ou o
encontro com conhecidos e,
por vezes, desconhecidos?
Vítor – Eu acho que para muita gente é o lugar de encontro. É um lugar aonde se
vai, a princípio, para falar de livros. Claro, que no meio
disso tudo fala-se de tudo; e às vezes só se fala desse
tudo, menos de livros. (risos) Teve um tempo em que
a Feira era o lugar de eu rever vários amigos. A Feira
de POA ainda é assim. Encontro colegas, escritores,
gente conhecida. Vou lá fazer a passagem pelos balaios
e sempre encontro alguém.
Elias – A Feira daqui para mim é isso. Eu não sei se é
porque eu tive uma filha pequena, quando ela cresceu já
tive um filho e com a função do trabalho eu acabo não
vendo muito os amigos, apesar de ser uma cidade pequena. Então, na Feira, eu tenho contato com velhos amigos
e o prazer de rever gente que vem de fora para o evento.
Essa é a uma das melhores coisas da Feira: rever pessoas,
conversar. Tem gente que eu só vejo nesta ocasião.
Rascunho – Durante a realização da Feira vocês
passam todos os dias por ali? Rola a aquela visitinha
diária ou não chega a tanto?
Vítor – Dá para dizer que sim. Se não é todo dia é um
sim e outro não. Eu freqüento bastante.
Elias – Eu vou menos do que gostaria. Também porque eu estou sempre com uma criança e aproveito para
passear por ali com meu filho.
Rascunho – Com relação às crianças, a Feira consegue atingir esse público? O que vocês acham disso? Há um efeito positivo sobre esse público?
Vítor – Eu acho que sim. É difícil chamar as crianças
para um livro, principalmente as que têm acesso à
internet e milhares de canais de televisão. Mas existem
obras muito bonitas. Há alguns anos tinham aqueles
livros maravilhosos, caríssimos, que tu abres e salta um
tigre ou alguma coisa assim. Hoje tu tens isso em todos os estandes. Quando eu vou visitar escolas do ensino fundamental sempre passo na biblioteca e percebo que tem uma “livrarada” tremenda, com tudo que é
tipo de livro que se possa imaginar. Até mesmo as escolas públicas, que dão aquela impressão de estarem
menos preparadas. Os livros estão lá, só precisa eles
descobrirem na Feira, verem na mão de alguém conhecido, ouvirem um professor falando...
Elias – Isso que o Vítor falava sobre o acabamento e o
atrativo que os livros oferecem hoje, os infantis principalmente, é uma coisa incrível. Eu estava vendo algumas
editoras em Porto Alegre, cujos livros possuem um acabamento impressionante. Daí eu fico desesperado porque o trabalho que eu vou lançar esse ano é extremamente modesto, pois eu não tenho patrocínios. E eu
fico vendo as obras dessas grandes empresas em que tudo
o que autor quis e mais um pouco estão ali; tudo que ele
sugeriu está ali; as últimas soluções gráficas, efeitos e inovações. É tudo com um requinte impressionante. O cara
está contando a história da erva-mate e dali a pouco tem
uma cuia recortada, com bomba e tudo.
Vítor – Nós somos fascinados por livros, vamos semanalmente à livrarias, na feira estamos sempre batendo cartão,
mas tem uma coisa que eu sinto e acho que outros leitores
também: tu não dá conta de baixar a pilha e isso acaba
sendo quase assustador. Eu dou minhas caminhadas por
aí e faz parte do meu roteiro ir às livrarias e revistarias. Às
vezes já entro sem dinheiro algum para não ter perigo de
comprar mais uma publicação. E tu sempre acaba achando
algo que desejaria comprar, isso estrangula em determinado momento. Aí eu volto àquilo que falei anteriormente,
que é ter uma disciplina de não pegar muitos livros se não
vai conseguir lê-los. Nesse meio tempo, entre um e outro,
é bom não adquirir mais nada.
te muito tempo, talvez até pelo fato de ele ser historiaRascunho – Será que não acabamos transformando dor também. Li recentemente uma antologia basicamena prática da leitura em um ato muito solitário? Existem te de cronistas do RJ e SP, organizada por Humberto
lugares em que o livro circula mais, ao invés de fica- Werneck. Essa obra tem crônicas que ele retira da internet,
rem guardados, a gente acumulado-os, sem serem pas- bem legais. Re-li há pouco, também, as crônicas de guersados adiante. Ao mesmo tempo isso acaba en- ra do Rubem Braga. Li muito a Rachel de Queiroz, que
contrando uma carência de interlocutores para cer- foi uma coisa excelente, pois os textos dela são
tas leituras que nos fascinaram, pois a gente faz disso atemporais, não são simples peças de jornais.
um ato que não precisa de um convívio social....
Rascunho – Alguns nomes aqui do sul, sem citar
Vítor – Eu sempre tive um grupo de amigos que são o Veríssimo?
leitores, então a gente se empresta livros. Nesse verão, Vítor – Leio muito o Coimbra, a Cláudia Laitano, o
por exemplo, quase todos lemos um livro do Mario Vargas Juremir Machado – que quando não é bom é no míniLlosa. Por isso concordo com o que tu disseste, pois a mo provocativo.
leitura precisa de interlocutores. O leitor que lê sozinho Rascunho – E a Lya Luft?
acaba se fechando e isso vira um inferno. Isso reforça a Vítor – Eu sou fã dos romances dela, mas não consigo
idéia da Feira, de compartilhar e conversar sobre livros. ler o que ela escreve na Veja.
Rascunho – Uma narrativa longa faz parte dos Rascunho – Para fechar, a pergunta mais clichê,
planos de vocês?
mas que não poderia faltar: qual foi a sensação de
Vítor – Faz sim! A maioria dos meus contos são curtos. serem nomeados como patronos dessa edição da
Até hoje, de narrativa longa, só fiz uma novela juvenil, Feira do Livro de Santa Maria?
que foi “Jorge encontra Liliam”. Fiz aquele conto Vítor – Dá um susto, uma espécie de medo no início,
“Whisky sem Gelo”, que é quase uma novela. Escrevi pelo fato da responsabilidade. Nos damos conta que
um faroeste também, mas não é longo. Essa pergunta tem gente levando a sério nossa obra. O Elias já é um
me faz lembrar que eu tenho 51 anos e ainda não es- profissional da área. Eu amo escrever, mas não vivo discrevi o livro que eu queria.
so. Faço isso roubando tempo de outra atividade. Há
Rascunho – Bom, então talvez fosse uma boa idéia anos que eu venho tentando investir mais nisso, me
escrevê-lo de uma vez...
disciplinar, dar mais tempo... Acho que uma homena(Risos)
gem como essa reforça isso e me dá forças para ser mais
Vítor – Recém estou com meu livro de contos.
atento e cuidadoso com meu material. Passado o susto,
Rascunho – Elias, uma narrativa longa pra ti se- percebo que tenho leitores e que tenho que levar isso
ria muito difícil?
um pouco mais a sério. A gente falava que o ato da
Elias – É um sonho que eu tenho, mas organizado do leitura é solitário, mas esquecemos que o escrever é
jeito que eu sou não vou prometer. Um grande sonho ainda mais, logo, o sujeito tem que se organizar.
para mim é fazer uma narrativa longa em quadrinhos. Elias – É preciso uma concentração pessoal para ler e
Um livro daqueles com lombada e tudo mais, que tu para produzir. Eu trabalhei com pintura recentemente
achas que vai ter texto dentro e quando vê é quadrinhos, no curso de desenho e plástica, já que depois de velho
semelhante ao Maus, de Art Spiegelman, que ganhou o voltei a estudar, e não adianta: tu precisa sentir aquilo,
prêmio Pulitzer de jornalismo, em 1992. Um orgulho pensar naquilo e se entregar. Assim como é com a pintupara todos os apreciadores do gênero. Lembrei de uma ra é com a produção literária. Quando fiquei sabendo
coisa bem interessante agora: em 1985, quando meu car- que era patrono da Feira Infantil eu não sabia se era digtaz foi selecionado como a arte oficial da Feira, eu fui no dessa homenagem. Por quê? Por que eu tenho um
pago em livros. Recordo que peguei um livro enorme, “A livro e não vou me iludir que apenas um livro dirigido às
Balada do Mar Salgado”, do Hugo Pratt, e desde então crianças tenha sido responsável por isso, senão eu seria
eu tenho vontade de lançar uma obra nesses moldes aqui um gênio. Mas aí, exatamente por não ser assim, que eu
na Feira. Porque eu comecei fazendo esse tipo de ilustra- me sinto orgulhoso. Eu fico envaidecido, como ilustração em casa, mas não se vive de quadrinhos no interior dor, não autor infantil, por ter sido convidado. De certo
do estado, logo eu fui para onde admitem quem gosta modo parece uma homenagem, talvez a primeira em se
de desenhar, que são as agências de propaganda. Voltan- tratando de patronos, dirigida a um desenhista. Esse é o
do ao assunto do acabamento dos livros infantis da atua- grande barato que tem sido para mim! Ironicamente o
lidade... me toca muito a idéia de ver esse tipo de publi- meu livro para essa Feira tem quase só texto...(Risos)
cação como algo acessível para
quem faz – portanto, vou fazer
só o que as minhas posses permitem – e para o público. Pode
ser até um livro preto & branco,
desde que bem feitinho. Me fascina o desafio de criar um conteúdo sedutor, que possa compensar o acabamento.
Rascunho – Quais personalidades do cartum te atraem?
Elias – Quando eu era novo eu
gostava muito do Ziraldo, porque costumava acompanhar o trabalho dele que se chamava Super
Mãe; e tinha também o personagem Jeremias, que eu adorava o
traço. Fui influenciado por ele,
inclusive. Quando conheci o
Santiago, há pouco tempo, ele
disse que eu era cria do Ziraldo
e aquilo me doeu porque hoje
não gosto tanto do traço dele.
Eu queria ter o meu traço!
Rascunho – Vítor, qual cronista tu admiras?
Vítor – Vou ter que dizer o óbvio, que é o Rubem Braga. Eu
sou leitor de crônicas há muito
tempo, e eu gostava muito do
Sérgio Costa Franco, na década
Momento descontraído: Vitor (esq.) e Elias (dir.) em entrevista ao Rascunho
de 70. Ele foi referência duran-
Rascunho
9
d i c a s d e l i v r o s
Normalmente este espaço
de dicas de livros aponta indicações de leitura de várias publicações, vindas de um convidado ou
mesmo da equipe que toca o jornal. Nesta edição em especial, até
porque temos provocado novos
colaboradores a se apresentarem,
cedemos espaço para apenas duas
sugestões que aportaram na
editoria. Marcelo de Andrade
Brum se antecipa e abre a extensa
e bem vinda série de textos e ensaios alusivos aos cinqüenta anos
da primeira publicação do manual dos mochileiros, dos filhos desgarrados da geração beat, daqueles que têm o pé na estrada – On
the Road, Viking Press – 1957. Na
contramão das auto-estradas
americanas, temos a provocativa
referência do nosso conselheiro cooperativo Leonardo Palma,
que traz uma importante reflexão sobre o momento vivido –
As revoluções do capitalismo, do
italiano Maurizio Lazzarato, publicado ano passado pela Civilização Brasileira. Então é isso, temos duas sugestões de interesses distintos, tão variadas como
a estante de livros da CESMA.
Apareça por lá e certifique-se.
Para provocar o debate da política no Império...
Leonardo Retamoso Palma – mat.: 09458
No final de 2006, o filósofo e sociólogo italiano
Maurizio Lazzarato, radicado há muito na França, publicou
no Brasil As revoluções do capitalismo, na coleção “A
política no Império” da editora Civilação Brasileira. Certamente um título provocativo1, para uma obra inovadora
que investe forte contra a tradição política ocidental e sua
idealização da “totalidade” (em detrimento da multiplicidade) e suas ilusões com a “universalidade” (em detrimento da singularidade); idealizações e ilusões essas
que são as do pensamento binário (que pressupõe e aponta
para o “uno”; que aspira ao “todo” e ao “universal”) e
ainda majoritário, à direita e à esquerda do espectro político (fascismos, liberalismos, marxismos, etc.).
O que Lazzarato se propõe como desafio é pensar
uma política da multiplicidade e da singularidade (da proliferação de ações assimétricas das minorias, para abater o capitalismo) para as lutas do século XXI, em sintonia com a atual
proliferação das resistências em escala planetária e com as
inovações das lutas e da produção contemporâneas. Como
ele mesmo nos diz: “É justamente o desenvolvimento da
ação assimétrica que faz explodir a relação amigo/inimigo
(o que desesperava Schmitt2). E é sempre o desenvolvimento diferencial da cooperação que rompe a má dialética
com o capitalismo (o que desespera os marxistas).” (p. 262).
Para tanto, além da imersão na própria dinâmica
de algumas lutas e experimentos ético-estético-políticos atuais, como é o caso dos intermitentes do espetáculo (entre os trabalhadores da cultura, no âmbito da
CIP-idf - Coordination des intermittents et précaires
d’Île-de-France, onde coordena uma importante “pesquisa-ação” sobre o estatuto dos trabalhadores e profis-
Ao completarem-se 50 anos da publicação de On The Road (1957), romance de Jack
Kerouac, cumpre analisar alguns aspectos que
garantem a atualidade deste texto como referência da contracultura e expressão de um modo
de pensar alternativo em relação ao imposto pelo
establishment.
É indiscutível que a odisséia de Sal
Paradise e Dean Moriarty (protagonistas da narrativa) pelas estradas da América deve ser considerada com uma das principais origens da revolução
cultural e comportamental ocorrida nas décadas
de sessenta e setenta do século passado, culminando com o surgimento do movimento Hippie.
Porém, essa narrativa de aventuras de estrada comporta a análises mais específicas e que a relacionam com importantes áreas do saber como, por
exemplo, a lingüística, a psicanálise e a história
não-oficial. A abordagem da obra integrada a esses
ramos do saber resgata a criatividade, a seriedade e
a criticidade da narrativa, permitindo observar que
a mesma não constitui apenas um libelo contracultural restrito a determinado contexto ideológico, político, histórico.
No que se refere à linguagem, Kerouac
é um autor bastante revolucionário no contexto literário norte-americano por introduzir aspectos da fala na literatura e porque retoma princípios estéticos do surrealismo como o fluxo de
consciência. Isso caracteriza o surgimento de
uma nova literatura, liberta do academicismo e
dos padrões europeus tradicionais.
Os aspectos da fala presentes no texto
se referem às expressões lingüísticas e a gíria
utilizadas por negros, vagabundos e boêmios, o
que confere oralidade ao texto literário. O ato
de narrar se constitui em uma subversão do esquema tradicional de construção da narrativa.
As personagens e seus falares representam o lado escuro do American way of life composto por minorias raciais, outsiders, músicos
de jazz e blues e aventureiros. Kerouac, através
desta fala marginal constrói uma demonstração
de que é possível viver além das convenções e
dos artificialismos comportamentais, de que os
homens excluídos da sociedade capitalista pelo
sistema ou pelo seu próprio modo de viver também são americanos.
Outra característica importante observada na linguagem é a disposição e a relação das
palavras no texto. As longas frases repletas de
substantivos e adjetivos estabelecem uma sintaxe caótica que permite ao narrador expressar sua
imaginação e pensamentos de maneira livre e espontânea em um prosa sem claras limitações cronológicas e espaciais; em que o presente e o pas-
sionais do espetáculo e do mundo das artes, além de
outros trabalhadores precários), e de uma ampla gama
de outros movimentos pós-68 e pós-socialistas na
França e na Europa, Lazzarato dialoga criativamente
com a contribuição de pensadores do porte de
Deleuze, Guattari, Foucault, Bakhtin, Bergson,
Leibniz, Bruno Latour e, principalmente, com a de
um dos precursores na crítica do positivismo, o sociólogo heterodoxo francês Gabriel Tarde [de quem temos A opinião e as massas, pela Martins Fontes (São
Paulo, 2005) e Monadologia e sociologia, pela Vozes
(Petrópolis, 2003)].
A grande transformação que Lazzarato estuda e tenta descrever (e praticar) é a da produção de
mundos, onde compreende que um acontecimento
não é a solução de problemas, mas a abertura de
possíveis... e é a emergência da multiplicidade (produção proliferante de diferenças, acontecimentos,
singularizações, etc.) que está na origem das crises
da representação, da sociedade salarial, da economia,
do direito, do Estado e do poder, sobre o que ele diz,
fazendo uma aposta: “Pode ser que estejamos vivendo uma situação inédita...”
1
2
E que traduz o título da edição francesa Les révolutions du capitalisme (a edição italiana tem por título La politica dell’evento
e na Argentina e na Espanha, com robustos acréscimos, o livro recebeu como títulos Políticas del acontecimiento e Por uma
política menor: Acontecimiento y política en las sociedades de control, respectivamente.
Carl Schmitt (1888-1985), jurista alemão, filiado ao Partido Nazista, que segundo Giorgio Agamben, estabeleceu a contigüidade essencial entre “estado de exceção” [Ausnahmezustand, que seria melhor traduzido por “Estado de emergência”]
e soberania, sendo a definição schmittiana da soberania uma das bases do paradigma que a doutrina Bush da “guerra ao
terrorismo” logra atualizar em seus aspectos mais nefastos.
Jack 50 anos – On The Road
Marcelo de Andrade – mat.: 06610
sado, a realidade e os desejos, anseios e reminiscências se confundem na divagação de quem narra. Essa desordem sintática caracteriza a escrita em
fluxo de consciência que resulta em um texto
que lembra a associação livre de idéias sem os
nexos sintáticos de um texto convencional. Esse
estilo narrativo que privilegia o livre fluir dos pensamentos expressa a atitude patética do narrador
diante de sua própria existência na qual constata
que viver é um desejo perpétuo de busca, que
não pode ser representado por um discurso artificialmente organizado e nem preenchido pelo modo de viver de
uma sociedade rigidamente hierarquizada.
On The Road pode
ser lido de duas maneiras:
como a narrativa das aventuras de Sal Paradise e Dean
Moriarty pelas estradas americanas ou como a viagem do
desejo em busca do inaudito,
uma espécie de retorno ao
útero ou uma tentativa de fuga
da morte. Considerando a possibilidade desta segunda leitura, a obra admite o enfoque da
crítica psicanalítica.
Nesse contexto, é relevante considerar o desejo do
narrador de descobrir o significado de estar no mundo. “A estrada
é a vida”, como afirma Sal Paradise.
Portanto, existir é percorrer essa
estrada, levando na bagagem emoções reminiscências e expectativas.
A aventura do desejo é sem fim nesta estradavida e quando o viajante pára é diante de miragens, não do que verdadeiramente busca. O desejar não admite atalhos, é um penetrar atrevido
em veredas insólitas e perigosas em busca de um
espelho que traduza o homem no mundo.
O consumismo e a hipocrisia da sociedade sacralizados pela excitação produzida pela
mídia, geram uma ilusão de completude; provocando o conformismo e o surgimento de estereótipos, a robotização do humano. A atitude beat,
de beatitude, insurgiu-se contra este estado de
coisas, resgatando o valor da vida enquanto busca e experiência individual. “Todo homem é o
que quer e chega onde quer”. É uma reação
contra massificação
On The Road ultrapassa a miragem propagandística americana e o narrador busca o avesso do país que se revela na voz do blues, na
música do jazz e na produção literária criativa e
imaginativa dos outsiders. O país e o povo americano são redescobertos e reinventados no ato
de narrar, que se configura na obra como um
inventário de todos os elementos constitutivos
da gênese de uma nacionalidade.
Porém, o desejo e o narrar não se
detém apenas nesta reinvenção da
América e dos americanos. A viagem é mais visceral, conduzindo
o narrador a fazer uma escolha:
ser presa da morte ou buscar o
imponderável, o inaudito.
A morte é simbolizada, na
narrativa, pelo cavaleiro amortalhado, figura onírica, que persegue o narrador ao longo da viagem nas entrelinhas da aventura. Esta figura representa o
definitivo, a impossibilidade de
verbalizar, o ponto final. Já a
busca pelo imponderável é o
que move o narrador, o que
o afasta da morte e pode ser
definido como o impossível
a ser atingido, o que está
além da compreensão e das
palavras. O imponderável
é vislumbrado nas imagens
presentes em uma narrativa prolixa e
fluente. O desejo do imponderável é o oposto da
morte, é contrário a inércia; uma garantia de vida e
distância ao narrador em relação ao tempo em que
lhe sobrevirão os andrajos da velhice. Conduz a
uma indagação perpétua, cuja única resposta possível é a perplexidade renovada em relação a vida e
ao mundo.
Sob o enfoque do desejo, a narrativa expressa o momento de tensão existente entre o
imponderável e a morte, experimentado pelo
homem que narra a história nas entrelinhas da
vida, no ócio da rotina.
On The Road foi escrito e publicado em
um momento histórico bastante complexo, caracterizado pela repressão ao comunismo pro-
movida pelo senador Joseph Mccarthy através
do movimento denominado Macarthismo, e também pela tensão entre capitalistas e comunistas provocada pela guerra fria. O próprio termo
beat foi deturpado pela imprensa americana,
associado a militantes comunistas o que originou a criação do termo beatnik, uma curruptela
de beat fazendo uma alusão ao lançamento do
satélite russo Sputnik I em outubro de 1957.
A prosa e a poesia produzida pelos beats
neste contexto histórico moralista e repressor
surge como uma insurreição contra o materialismo e consumismo da sociedade americana do pósguerra. É também um testemunho artístico das
desilusões vivenciadas pela parte marginalizada
desta sociedade. É a contracultura apresentada
em sua forma mais pura e plena, sem a máquina
promocional da mídia diluindo sua integridade.
Renovando a prosa e a poesia nos aspectos formais e temáticos, os escritores da beat
generation também trouxeram de volta à vida –
ainda que na dimensão artística – a porção marginalizada da sociedade americana, foram porta-vozes
dos oprimidos e excluídos. A prosa beat inclui esses segmentos sociais estigmatizados como constitutivos da sociedade embora não façam parte do
padrão wasp (branco, de origem anglo-saxônica e
protestante) nem partilhem do ideal self-made-man
(trabalhar para buscar conforto e riqueza), princípios ideológicos que nortearam a vida americana a
partir do fim da segunda guerra mundial.
Em On The Road, os músicos negros
são retratados como deuses e os índios como
pais da nação, encontram seu lugar na mitologia e na história do país. Kerouac privilegia em
sua narrativa aspectos da história não-oficial,
resgatando a importância sócio-cultural e a cidadania de grupos socialmente marginalizados.
Nesta perspectiva, a estrada vislumbrada em On The Road é um instrumento de revisão histórica e de redescobertas étnicas e culturais. A lendária rota 66 que atravessa os Estados
Unidos de leste a oeste, foi percorrida novamente em busca do que foi encoberto pela marcha dos pioneiros brancos, em busca do som das
vozes caladas pela opressão.
Como se percebe On The Road é um
texto rico em significações e inovações. Utilizando princípios da lingüística, da psicanálise e
do estudo da história apenas procurou-se analisar alguns aspectos importantes dessa obra. Mas
este texto é capaz de oportunizar muitas outras
descobertas na medida em que a vida é estrada e
o homem é busca... Sempre! Por isso: Jack 50
anos On The Road!
Contato: http://marcelodeandradebrum.blogspot.com/
Rascunho
10
d i c a s d e c d´ s
New Weird America. É isso?
Wagner Calixto
Nova York é a cena: colaboração entre os músicos, criatividade e ambigüidade sexual regem um concerto
diverso (quase indigesto), um bloco
maciço de raro bom gosto (estético inclusive). Estava ciscando de site em site,
era tudo muito novo, com seu cheiro
plástico, em embalagens impecáveis.
Até que o monótono vídeoclip,
onde algumas garotas girando em frente
a câmera ao som de uma música vinda
do fundo do poço Chamber Pop1, aponta para o que eu vou ouvir nos próximos
anos.Ouvia Antony and the Johnsons ,
voz que eu já conhecia em uma versão
surpreendente de “Perfect Day”2 de seu
padrinho musical e amigo Lou Reed. Fui
desfiando vários novelos.
Conheci Rufus Wainwright através do
aclamado “Poses”, antes mesmo de ouvi-lo
no disco de Antony. Folk, intenso, recheado de confissões e lembranças de um rapaz
que foi violentado aos 14 anos enquanto esperava a vinda de um “messias gay”.
Os filhos de Loudon Wainwright III,
cantor folk dos anos 70, (Martha Wainwright, sua irmã, toca violão e canta no disco todo. Além disso, tem um disco homônimo excelente!) recebem bem como herança
a belíssima “One Man Guy”, que interpretam de forma brilhante.
“Poses” é seu 3º disco tendo participado também de trilhas, como para o filme “O Segredo de Brokeback Mountain”.
Neste meio tempo as irmãs
Casady, Sierra e Bianca exploraram o
rap entre arranjos de cordas, violões
folk (sim você achar que tudo que tem
timbre metálico é folk...neste caso é
mesmo. Acreditem) e instrumentos
pouco usuais como cornetas infantis
e beat box3.
Era o Cocorosie, união da voz
esganiçada de Bianca, quase irritante
e infantil, com o canto lírico e perfeitamente afinado de Sierra. No mais são
instrumentais criativos apresentados ao
vivo com instrumentos originais e beat
Box, simples e eficaz.
A estréia em “La Maison de
Mon Rêve” é surpreendente (ouça
“By your side”), o disco seguinte
‘’Noah’s Ark’’ com as participações
de Antony Hegarty (em “Beautiful
Boyz”) e Devendra Banhart (em
“Brazilian Sun”) segue a
trilha tênue que leva ao
trip hop. Inquieto e lindo. Nesse meio tempo a
dupla se apresenta no Brasil sem grande alarde.
Em 2007 com o lançamento de “The Adventures of Ghosthorse and
Stillborn” a dupla fecha
muito bem o cerco a sonoridade orgânica/visceral, os vocais se dividem
completamente entre a
voz rasgada de Bianca e
aveludada de Sierra, o resultado é a máxima liberdade criativa possível.
“Werewolf ” fez dois ven-
dedores de cachorro quente, na Avenida Rio Branco sentarem na calçada,
numa quarta-feira, e chorar toda uma
tarde.
Na sua passagem no Brasil,
apresentadas ao Los Hermanos o
único comentário que fizeram foi:
“Não gostamos de nada tradicional.
Baixo, guitarra e bateria não nos interessam”. Ainda bem.
Tenho explorado essas sonoridades com timbres marcantes e criativos, vindos de instrumentos musicais
ora patéticos, como apitos e pandeiros coloridos, ora tradicionais como
piano e banjo. Mais que isso o Wierd
America é livre do jeito americano
de fazer música e do rolo compressor
da industria fonográfica.
As moças têm bigode e os rapazes usam saia.
“I Am a bird now”, segundo disco da banda liderada por Antony
Hegarty, artista performático, criador de
personagens, maquiagens borradas, perucas diversas e frases escritas pelo corpo (herança de sua maior influência,
Boy George, Que canta “You are my
sister”), logo começa o piano delicado
e a voz potente e feminina cantando
“Hope There’s Someone”. O disco é
uma sucessão de belos arranjos e letras
fantásticas. Lou Reed participa recitando na introdução de “Fistfull of Love”.
Outras participações são reservadas a
dois membros ativos dessa fase (pra não
dizer “movimento”) da “Nova America
Esquisita” atual: Rufus Wainwright (na
canção “What Can I Do?”) e Devendra
Banhart. (na canção “Spiralling”).
Antony participa de praticamen-
te tudo daqui pra frente, atuando em
alguns filmes, em trilhas e emprestando sua voz a vários discos (dentre eles
o esperado “Volta” da Björk.
Devendra Banhart é um neohippie de visual indiano que ao vivo
é acostumado a travestir suas canções
folk´s e contemplativas (que ele canta em espanhol, inglês e português
arcaico) em roquinhos que eu acho
pouco interessante agora. Paro aqui.
Mas se você acha válido estar muito
abaixo do peso, assistir a movimentação por trás de um balcão, dependurar um diploma medíocre na parede
que lhe garantia apenas moradia e ser popular entre homem, mulheres e
transgêneros, tentando provar pra todo mundo que você não liga para bens
materiais, ok, é por aqui. Pra mim, acho que não.
Um pouco mais longe (mas nem tanto)
- Ouça Joan as
Police Woman (Antony canta “I Defy”)
em seu debut “Real
Life”. Flertando bastante com o soul, amparado por bons momentos de metais e
cordas no melhor estilo Motown.
- Uma brasileira perdida em Londres, Cibelle Cavalli, a musa inspiradora
de Suba4 arrasta Devendra para uma gravação pra lá de despojada de “London,
London” de Caetano Veloso em seu disco homônimo. O resultado é engraçado, com cara de enlatado. Mas a voz de
Cibelle é belíssima.
1
Chamber pop – “Pop de câmara”. Bandas de rock com instrumentos pouco usuais em tom orquestral.
“The Raven” do Lou Reed – CD trilha sonora para espetáculo teatral de Lou Reed inspirado em
Edgar Allan Poe.
3
Beat Box – Tipo de percussão/bateria/acompanhamento feito com a boca imitando o timbre de
vários instrumentos, as vezes simultaneamente.
4
Produtor Iuguslavo Mitar Subotic responsável por 3 entre 4 bons discos produzidos no Brasil nos
anos 90.
2
Rascunho
11
dicasdefilmes
Ao decidirmos trabalhar com VHS no
cineclube durante os meses de março e abril não
imaginávamos o tamanho da confusão arranjada. Cada escolha excluía uma porção de outras
possibilidades e a sensação de estarmos sempre
em falta, nos acompanha desde então, assim
resolvemos sugerir que o videocassete continue
funcionando por mais um mês.
Os filmes escolhidos pra essa edição do
Rascunho, talvez já possam ser encontrados em
DVD, em algumas locadoras da cidade, mas essas fitas foram àquelas vistas por muitos de nós,
lá no inicio da locadora da CESMA. Então aproveite o frio que insiste em não chegar, arranjese na sala e boa sessão.
Testemunha ocular
Em tempos de crises éticas, invasões de privacidade e de vidas e situações cada vez mais públicas,
o trabalho do repórter fotográfico passou a ter visibilidade maior. Mas afinal, o que caracteriza um bom
repórter fotográfico? Agilidade, bom faro, bons contatos, sorte? Na verdade, uma soma satisfatória de
tudo isso mais uma boa dose de determinação e principalmente, outra maior de responsabilidade. Estas
e outras questões aparecem seqüencialmente em Testemunha ocular, filme de Howard Franklin, com Joe
Pesci como protagonista. Pesci é a testemunha ocular, o fotógrafo Bernzy que se depara com as cenas
de crime e de vítimas da Nova York de 1942, como
quem tem novos cenários e modelos para serem trabalhados. Sempre brigando com os detetives para
chegar ao local do crime antes de todos, Bernzy é
odiado e desprezado. Ele que poderia ser uma peçachave na busca de soluções para os crimes, passa a
ser ignorado. O reconhecimento pretendido chega
pelas sensuais formas de uma mulher (Bárbara
Hershey), completando os ingredientes característicos de um romance policial noir. Se fosse rodado
em P&B, teríamos um clássico do estilo. Destaca-se
ainda a produção, ambientação de época, figurino,
interpretação, direção de cena e de fotografia. Testemunha ocular consta em várias listas que fazem a
relação entre cinema e jornalismo.
Uma simples formalidade
Una pura formalità
Giusseppe Tornatore roteirizou e dirigiu fabulosamente uma dupla de astros do cinema: Gerard
Depardieu & Roman Polanski. Suspeito de um crime e
delegado se deparam num denso jogo psicológico, dentro de uma noite chuvosa e interminável. A excelente
interpretação dos atores amarra a trama até o final. O
suspeito escritor Onoff (Depardieu) teria realmente cometido o crime? Estaria o delegado (Polanski) apenas
cumprindo uma simples formalidade? O delegado, para
infelicidade do escritor, se apresenta como um grande
fã de seu trabalho. Conhecedor da obra e da vida do
escritor, o delegado começa a suspeitar do comportamento contraditório e denunciador do antes ídolo, agora praticamente criminoso. O mestre Tornatore demonstra como é possível fazer um filme de suspense com baixo orçamento. Uma ótima idéia complementada por um
roteiro bem amarrado possibilita isso.
Roteiro & Direção:
Giusseppe Tornatore
Ano: 1995
Duração: 107 min
Minha vida de cachorro
My life as a dog
Minha vida de cachorro é um desses filmes tocantes capazes de
fascinar de uma só vez o público e a crítica. É por isso mesmo que ele é
considerado um clássico do cinema. Com duas indicações para o Oscar
88 (como Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Direção), foi internacionalmente aplaudido e premiado em diversos festivais. Baseado no romance homônimo do escritor Reidor Jonsson, ele trata da passagem da
infância para a adolescência de Ingemar, um garoto que, além das dificuldades inerentes a esta transição, pertence a uma família desestruturada
na Suécia dos anos 50. Ele se vê obrigado a ir morar com tios numa
pequena vila. O que inicialmente parece ser o maior de seus problemas
transforma-se em uma saída, pois esse novo lar é o lugar ideal para um
menino como Ingemar. Protagonizado pelo estreante Anton Glanzelius,
que de forma singela e emocionante, nos sensibiliza e nos remete à
infância, talvez escondida, mas por
vezes celebrada.
Roteiro & Direção: Howard Franklin
Ano: 1992
Duração: 98 min
Roteiro & Direção:
Lasse Hallström
Ano: 1985
Duração: 100 min
Betty Blue
Um cult movie, assim pode ser considerado este filme que foi um
dos mais procurados e cultuados do final da década de 80. Porém ele não
era apenas cult pela dificuldade de achá-lo, mas principalmente porque é
quase impossível ficar indiferente a ele.
Aborda a relação intensa entre o pacato Zorg (Jean-Hugues Anglade)
e a atormentada Betty (Béatrice Dalle), e de como o amor pode tornar-se
uma obsessão. O amor embora lindo, muitas vezes é doentio. Betty no
decorrer do filme dá inúmeras demonstrações disso.
Aplausos também para a excelente trilha sonora, que esquentou
muitos casais, tão loucamente apaixonados quanto Zorg e Betty.
O rei da floresta
desembarca na terra santa
O show
Homero Pivotto Jr. - mat.: 15159
Apesar dos 37ºC que marcavam os termômetros em Santa Maria, a temperatura parecia mais
amena que há pouco tempo atrás, quando ainda
era verão. O sol intenso na tarde de 18 de abril
serviu mesmo para abrilhantar os preparativos de
um grande dia. Ou melhor, uma grande noite.
Noite em que um dos autênticos representantes
da cena blues de Chigago (EUA) passava pelo coração do Rio Grande do Sul. Eddie C. Campbell
é um senhor com sessenta e oito anos de idade
que dedicou boa parte de sua vida ao estilo. Digo,
à música, como ele mesmo prefere, já que trata o
blues, o rock, a surf music e até a soul music como
sendo farinha do mesmo saco. Eddie nasceu no
Mississipi, mas foi em Chicago que deu início a
sua carreira, fazendo várias apresentações nos idos
dos anos 50. Começou a lançar discos na década
de 70 (destaque para “King of the Jungle”, álbum
de estréia em 1977; e “Let´s Pick It!”, de 1984), e
já tocou com artistas de seminal importância, como
Willie Dixon, Otis Rush, Mighty Joe Young, Oscar
Coleman e Magic Sam. Passou dez anos na Europa e voltou aos EUA em 1992. Uma figura que
retrata bem sua trajetória e a cultura de onde veio:
negro, alto, com voz rouca e forte; um rosto até
que bem tratado pelos anos de trabalho noturno e
uma bengala que o ajuda a caminhar, mas que não
faz a mínima falta quando empunha sua guitarra
Fender JazzMaster cor-de-rosa, fabricada em 1954.
Sereno e com uma simplicidade quase exagerada
para uma criatura que já tocou ao lado de Little
Walter, Howlin´ Wolf, Muddy Waters, Jimmy Reed,
Little John Taylor e Koko Taylor, ele se mostrou
um artista convicto de que o blues e o rock´n´roll
são basicamente a mesma coisa, dando exemplos
práticos para comprovar sua teoria. Enquanto os
músicos escalados para acompanhá-lo – o argentino Adrian Flores (bateira) e os porto-alegrenses:
Gaspo Gaspodinni (harmônica), Everton Velásquez
(baixo) e Tiago D’Andrea (teclado) – caminhavam impacientes de um lado a outro querendo
retornar ao Hotel para descansar após duas apresentações no estado - Novo Hamburgo (09/04) e
Caxias do Sul (10/04) -, Eddie C. Campbell conversou com o Rascunho. Depois da passagem de
som no Rota 1, sentado em uma mesa bem em
frente ao palco onde pisaria à noite, Eddie bateu
um papo descontraído e se mostrou, diferentemente de sua banda, nada cansado e pronto para
mais uma celebração blueseira.
Fotos: Fabiano Dallmeyer
Ciano Amarelo Magenta Preto
Rascunho
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Eddie C. Campbell (esq.) e Gaspo Gaspodinni (dir.) em ação
Rascunho – É sua primeira vez aqui no Brasil?
Eddie – Não. Já estive aqui umas três ou quatro vezes,
não recordo muito bem. Mas essa é minha primeira
vez em Santa Maria.
Rascunho – E aqui pelo sul do país, já havia tocado alguma vez?
Eddie – Na verdade, fizemos alguns shows antes desse. Eu toquei em Novo Hamburgo e Caxias antes de
chegar aqui.
Rascunho – E como foram esses shows?
Eddie – Muito altos!!! (risos)
Rascunho – O que você acha do público brasileiro, das pessoas que apreciam seu som por aqui?
Eddie – Fico muito feliz que elas gostem. É uma alegria ver as pessoas virem até aqui assistir ao meu show.
Na última noite tínhamos inúmeros músicos vendo nossa apresentação. Eram guitarristas, gaitistas e tecladistas.
Porém não tínhamos um teclado disponível.
Rascunho – Rolou uma jam session no final da
apresentação?
Eddie – Sim, fizemos uma jam ao final do set.
Rascunho – Na hora da passagem de som, me
pareceu que você tem uma certa influência de surf
music, certo?
Eddie – Minha influência é minha irmã, que foi meu
primeiro contato com o blues. Ela me ensinou a tocar guitarra. Ela não leva os créditos, mas foi ela quem
Para abrir a noite tivemos
os locais da Red House, que fazem a divulgação de seu mais
novo trabalho: Blues Machine,
lançado em abril deste ano no
auditório da CESMA. Com um
show competente e preciso, desfilaram canções do registro mais
recente, algumas do anterior –
One More drink, One More night
– e alguns standards blueseiros.
Pouco antes das 23h os santamarienses encerraram sua apresentação deixando a platéia bem
aquecida para a atração internacional. Aliás, quente estava também o
ambiente: lotado, com pouca ventilação e, talvez, com a lotação no
limite. Dezenas de pessoas se aglomeravam nos corredores, tentando
achar a melhor maneira de assistir ao espetáculo. Quem não havia
reservado mesa dentro do bar teve duas opções: ficar em pé pelos
cantos, com uma boa dose de paciência e disposição para agüentar o
calor e o trânsito de quem por ali circulava; ou ir para o lado de fora
da casa, aonde foram disponibilizados telões. Por volta das 23h30min
sobe ao palco o grande nome da noite. Visivelmente tranqüilo, Eddie
C. Campbell exibiu simpatia do início ao fim, tentando se comunicar,
e tocando com muita vontade. Nitidamente faceiro com a reação do
público, Eddie mostrou que é um dos grandes expoentes, ainda em
atividade, da safra blueseira setentista. Porém, suas referências remetem a nomes que despontaram na década de 50, como Muddy Waters,
Little John Taylor e Koko Taylor. Campbell trouxe à Santa Maria um
jeito diferente de tocar blues, afastando-se do estilo guitar hero, com
uma sonoridade mais simplista e primitiva. Sua banda de apoio, às
vezes, parecia não conseguir acompanhá-lo. O tecladista Tiago
D´Andrea se mostrava cansado, a harmônica de Gaspo e o baixo de
Everton estavam sempre atentos ao andamento ditado pelo sessentão,
ao contrário das batidas um pouco perdidas do hermano argentino
Adrian Flores, na bateria. Nada que tirasse o brilho do espetáculo.
Como um bom anfitrião, ele parecia não se importar com o calor e,
entre caras e caretas características dos bluesmen, fez a alegria dos
presentes debulhando a guitarra velha e judiada que o acompanha há
muitos anos. Eddie C. fez um breve apanhado de sua carreira e ainda
executou clássicos de Muddy Waters e Jimmy Reed, entre outros. Sua
empatia com o público aumentava a cada canção. Durante aproximadamente 20min Eddie brincou com sua guitarra provando que também é um exímio showman. Olhando para o instrumento como se
fosse um integrante da banda, Eddie o colocava deitado no chão e
tocava com os pés; ainda com os pés e a Jazzmaster segurada de
ponta cabeça, ele dava pequenos chutes nas cordas. Mr. Campbell
ainda tocou com a boca, com a língua e, pasmem, com a bunda! Sim,
o senhor norte americano esfregou a fender cor-de-rosa no traseiro
arrancando aplausos da massa que o apreciava. Após o show, sempre
atencioso e bem disposto, o músico recebeu todos que foram conversar ou tirar fotos com ele. Um evento que serviu, entre outras coisas,
para demonstrar o potencial do público santa-mariense para eventos
desse tipo, coisa que o Cesma In Blues também vem fazendo durante
seus cinco anos de existência. Com o sucesso dessa primeira edição,
a rádio Itapema e o bar Rota 1 prometem mais nomes de peso em
breve para o projeto Rota Blues. Em maio teremos Fernando Noronha
e, para julho, quem desembarca por aqui é Phil Guy, irmão da lenda
Buddy Guy. Para novembro, novamente no Avenida Tênis Clube, está
confirmado o sexto Cesma In Blues. Aguardem!
me ensinou guitarra. Sou motoqueiro, costumava lutar
por dinheiro... que são coisas que também me influenciaram. Eu toquei com diversas lendas do Blues: Muddy
Waters, Howlin´ Wolf, Little Water, Jimmy Red, Willie
Dixon e Koko Taylor.
Rascunho – Você gosta de tocar blues até os dias
de hoje?
Eddie – Sim... bem... você chama de blues, mas eu não
vejo como blues. Eu vejo como música. Isso pode ter
várias formas, é como se você dissesse que Mick Jager é
Rock ou Hard Rock, no entanto é blues, ...(imitando o
som de guitarra de “Miss You”, dos Rolling Stones)...viu?
É blues! Não é nada além de blues, mas se você não
sabe chama de alguma outra coisa. É como em: Get up,
get on up (faz com a boca a melodia do clássico “Sex
Machine”, de James Brown)! É só a harmonia de um
acorde de blues!
Rascunho – Você tem alguma preferência entre o
blues e o rock´n´roll?
Eddie – É tudo a mesma coisa! Agora eu pergunto para
você: Chuck Berry é rock ou blues? Você diria que ele
toca o quê? (breve silêncio...)
Rascunho – Acho que um pouco de cada.
Eddie – E Mick Jagger?
Rascunho – Creio que seja rock.
Eddie – Porque Chuck Berry é blues e Mick Jagger é
Rock?
Rascunho – Não sei como explicar...
Eddie – E Little Richard, o que é? Melhor, Carl Perkins,
ele copiava Little Richard e diziam que ele era
Rock´n´Roll. Carl tocava a mesma coisa que Richard
e diziam que este era blues e aquele rock. O que você
me diz?
Rascunho – Não sei o que dizer...
Eddie – (Risos, ou melhor, gargalhadas)...Entende o
que quero dizer? Os brancos tocam rock e os negros
tocam blues! É isso que você está dizendo agora?
Rascunho – Se dei a entender isso, não era minha intenção.
Eddie – Não era a sua idéia, mas é a maneira que o
sistema te guia! Percebe o que quero dizer? Porque
fiz comparações com pessoas que tocam a mesma coisa, porém alguns são brancos e outros negros.
Rascunho – Gostaria de conversar mais, mas sua
equipe está impaciente!
Eddie – Estou dando uma entrevista! (Grita para a
equipe) Eu dirijo uma motocicleta e as pessoas dizem que sou louco. Eu concordo que sou um pouco
maluco, só um pouquinho! Porém, já fui muito louco! Eu não saberia como falar com você agora, ficaria
apenas balbuciando coisas sem sentido.
Rascunho – Ok, Eddie! Muito obrigado!
Eddie – Gostei da conversa. Espero você para o show
à noite!

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