Capitulo Quinto – A Segunda Irmandade Niegra

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Capitulo Quinto – A Segunda Irmandade Niegra
Capitulo Quinto – A Segunda Irmandade Niegra
5A 1. Uma linda loira com o sobrenome Russo me convidou pra sair. Essa eu conheci indo falar com ela do nada numa festa. É raro que esse Dpo de método para conhecer pessoas seja eficaz a longo prazo, mas eu ainda falo com ela até hoje. Ela é uma Jpica aluna universitária, confusa e insegura sobre seu futuro. Já tentou ser atriz de teatro e já tentou ser durona. Ela é defensiva com todos os homens por que é bonita demais para os circulos que ela frequenta. A razão que a minha ‘chegada’ nela funcionou foi por que na verdade quando nos conhecemos eu a ignorei completamente e falei com a amiga feia dela ao inves, inclusive muitas vezes apontando pra ela e rindo. Essas estratégias deveriam ser ensinadas no segundo grau.
5A 2. Eu não ia ao Marujo’s desde que usava gel no cabelo e praDcava poses do James Dean. Era um barzinho na 105 sul freqüentado por pessoas não muito playboys nem muito definiDvamente não-­‐playboys. Eu não esperava muito. Já estava saDsfeito da semana passada repleta de emoções. Na mesa estava essa moça com o sobrenome Russo e uns amigos dela que faziam teatro. Ninguém foi especialmente amigável, ninguém revelou algo extraordinário, ninguém nada. A companhia foi que nem o Marujo’s, um lugar onde não se passa muito tempo. Essa loira que fui encontrar não me inspirava muito futuro, mas como disse era raro uma amizade criada espontaneamente assim durar, então eu Dnha que testar suas fronteiras. Anunciei logo pra ela e pros amigos dela que não ia poder demorar lá. Eu estava esperando Joaninha me ligar, íamos sair pro Calaf, pois era Segunda-­‐Feira. Eu sempre concordo em parDcipar de situações novas arriscando o tédio, mas nunca sem um plano B.
5A 3. Joaninha nunca ligou porem e depois disse que ela que estava esperando eu ligar. Imagina o tanto de dança que o baile do universo não viu por causa disso. Saí do Marujo’s assim que percebi uma brecha na educação, mesmo sem Joaninha ligar. Hoje não estava afim de sair sozinho, ia voltar pra casa. No caminho lembrei de Pedro Henrique, um promoter de festas para socialites que havia conhecido há pouco tempo. Minha vó cheio de colares dourados, beata, pérolas, éDca intocável, fofoqueira da alta sociedade, me falou de Pedro. Eu o procurei por interesses financeiros. Queria botar os ConstanDnos no jogo pra tocar pra grã-­‐fino. Queria que virássemos o novo rosa. Depois de iniciar contato com Pedro Henrique ele me surpreendeu, me parecia calmo e elegante, e não fazia esforços para agradar, o que não é algo que se espera de alguém na posição dele. Como Dnha assuntos pendentes com ele, passei pra encontrá-­‐lo antes de ir pra casa, mas nada foi resolvido. Ele disse que Dnha que me ver tocando. Eu concordei.
5A 4. Cheguei em casa me senDndo meio inúDl que nem um guarda numa torre mobilizando a vila por um alarme falso. De manhã eu faltei o ensaio e parece que os outros foram pro ensaio mesmo assim, acho que esqueci de avisar que não ia. A coisa tava ficando feia. Quando é assim eles ficam lá tentando ser úDl e não é produDvo. Eu acordei sem voz e me senDndo na beira de uma febre brasiliense. A febre brasiliense é seca, quente e monstruosa. Você se sente um tuberculoso no faroeste, Doc Holliday, querendo lutar mas andando pela metade. Por isso faltei ensaio, ainda não estava com febre, ainda estava fugindo. Depois de faltar ensaio, acabo com minha roDna, o dia fica imprevisível. Era segunda e nada aconteceu. A noite foi um varal de potencialidades decepcionadas. Passei a noite planejando o que ia fazer no dia seguinte. Tinha umas coisas pra resolver, aquelas coisas que te fazem mais livre quando se põe pra trás mas que são completamente irrelevantes à humanidade.
5A 5. No dia seguinte almocei pensando nas coisas a resolver, mal prestei atenção no que minha mãe estava falando. Estava me senDndo ferozmente úDl e capaz, queria acabar com todos os afazeres que me assombravam naquela semana. Parece que a gente nunca põe todos pra trás. Tem sempre algum documento pra buscar em algum lugar. Alguma assinatura para autenDcar. Alguma conta para acertar. Uma vez por temporada eu me empolgo pra jogar o jogo burocráDco. 5A 6. Enquanto procurava uns documentos no meu quarto na casa de minha mãe, me deparei com algumas fotos anDgas dela e do meu pai que eu guardava pra um dia fazer um mural. Eu sempre tratei fotos como um quebra-­‐cabeças. Sempre quis ordená-­‐las pra entender a foto maior. É dihcil saber a diferença entre nós mesmos com quatro ou seis anos, a não ser que tenha algum contexto obvio. Olha aqui eu vesDdo de gigolô enquanto morava em Miami, eu Dnha oito ou nove anos? Comecei a pirar nas minhas próprias fotos que estavam num baú empoeirado. Fui vendo mais e mais, lembrando de partes de mim que eu não mais reconhecia. Um dia eu já fui mais invencível ainda! Um dia eu não Dnha duvidas sobre absolutamente nada e queria aprender tudo. Eu não me senDa sozinho. É engraçado confirmar que eu sempre fui um cowboy, um palhaço, um toreiro. Dentro de meus próprios olhos com 100% de mudança de células, eu vejo exatamente o mesmo pensamento. Eu sou acusado de ser um grande camaleão desleixado, de abandonar meus próprios sonhos. Mas dentro daqueles olhos loiros quando gnomo e escuros ao crescer eu vejo só um sonho. Eu mudo de esDlo, de roupa, adjeDvos e língua, mas o sonho fica intacto, regido pelos mesmos Deuses que mudam de nome mais são eternamente eternos. Esses olhos constantes de uma criança determinada me fez me apaixonar por mim mesmo. Eles me lembravam de uma promessa anDga que Dnha feito, talvez a mais anDga de todas as promessas. Eu passei a tarde juntando fotos e categorizando-­‐as por idade. Essa burocracia divina era muito mais importante do que qualquer outra. Eu encontrei um poder naquelas fotos, uma espécie de fonte da juventude. Sempre que eu esquecesse de qualquer coisa era só olhar para aquela coleção. Passei várias horas fazendo isso. Juntando memórias, diferentes facetas de uma coisa só. Montando o quebra cabeça de minha vida. Eu quase pude ver onde eu estava agora enquanto montava no ombro dos gigantes. Quase pude ver o futuro...
5A 7. Minha energia foi acumulando quanto mais eu via fotos, quanto mais as sombras clareavam e a névoa do passado subia. Aquele poder ia ficar comigo pelo resto dessa jornada, e junto com a Deusa das Passagens, a Deusa do Eixão, essas fotos me dariam a licença para ser o que quisesse ser dali em diante. Eu escaneei todas as fotos que pude, as separei em pastas e até coloquei no Orkut, depois vá lá olhar, são boas. Eu já brinquei tanto no Orkut, virei minhas informações de cabeça pra baixo ou já coloquei coisas que eram tão verdadeiras que nem eu entendia, como “compromeDdo” no campo de relacionamentos. Por que não colocar algo que minha mente não podia manipular, por que não colocar os olhos autênDcos do que eu sempre fui? Quero ver alguém interpretar isso errado. Não tem erro, é só olhar. Eu respeito quem odeia o orkut tanto quanto respeito alguém que por alguma anormalidade na infância passou a temer chaves de fenda.
5A 8. Dormi em cima das fotos, e sonhei com a eternidade. Acordei atrasado pro meu almoço com Pietra. Fui buscá-­‐la no duque, o sol estava inteiro, sem nuvens, o céu um campo aberto, sem os prédios do resto do mundo tampando o caminho daqueles que voam. Me senD nos anos 50 vendidos pelo sonho americano, só faltava um conversível vermelho. Eu estava em fase de sonhos banais. Eu estava em fase de perder minha crença na seriedade da minha própria existência. Eu queria tomar um milk-­‐shake de dez dólares. Eu queria usar uma bermuda e havaianas ou uma jaqueta de couro colada no meu corpo quando fosse subir na moto de farol redondo com meu broto na garupa. Estava farto de carregar a cruz que os bispos nos entregaram em troca do nosso império romano pseudo intacto.
5A 9. Pietra desceu e fomos almoçar. Durante o almoço fizemos planos para tempos distantes quando teríamos a chave de nossos corações. Comíamos comida Javanesa, e pensávamos como Tony Total Dnha que experimentar aquilo. Foi dihcil achar aquele restaurante, Dve que pesquisar. Uma cidade pode mudar de uma noite pra outra com a uDlização apropriada do Google. Existem novos amigos logo ali na esquina com a palavra-­‐chave correta. Mas não é tudo sobre isso? A palavra chave correta. A maioria das pessoas passam a vida inteira fazendo pesquisas com as palavras-­‐chave erradas. O restaurante me parecia comum e anDgo, pelo menos anDgo em termos Brasilienses, ou seja, não mais que 40 anos de vida. A decoração dos primeiros restaurantes Brasilienses era quase uniforme, imagino que deveria ser alguma moda do começo dos anos 70. Mesas de madeira pintadas de branco com uma toalha cor de vinho por cima de uma toalha branca. Tudo era muito minimalista e amigável. Os garçons eram homens de idade avançada quase sempre com camisa branca e algum acessório caracterísDco de cada restaurante, hora uma gravata borboleta, hora um colete, hora coisas um pouquinhozinho mais criaDvas. Os restaurantes tradicionais não podiam ser criaDvos demais sem arriscar a perda da familiaridade que pagava as contas. Mesmo assim nunca Dnha ouvido falar deste restaurante. Brasilia me surpreendo e a Deusa me presenteando.
5A 10. Pietra sempre me moDvava a me revolucionar. No almoço pensava sobre que Dpo de seriedade poderia livrar da minha vida. Mas a burocracia voltou a minha mente, realmente estava na temporada de resolve-­‐las, algumas estavam acumulando. Meu carro tava ficando mais velho e desvalorizado, eu queria um carro automáDco, tava velho demais pra ficar mudando marcha, sério e importante demais para este exercicio. Meu transito seria calmo, com um só pé no pedal, o outro descansando para a caminhada no estacionamento lotado. Depois do almoço Pietra e Eu fomos olhar carros na cidade do automóvel. Fomos em varias concessionárias por lá e todos os preços estavam um absurdo. Na úlDma que passamos, no caminho pro carro, encontramos um Toyota Corolla perfeito, 2002. Estava tão barato que nos quesDonamos se era por que alguém Dnha morrido nele e o assombrava. Eu já me senD bem melhor e seguro por ter achado esse. Pedi pro vendedor anotar as informações pra eu voltar lá. Ele ficou insisDndo pra eu levar logo, como quase todos os vendedores de carro, desesperado. Sorte que eu não Dnha 25.000 reais no bolso na hora. Teria pagado pra ele calar a boca e me deixar ir embora. Fui andando pro carro feliz que Dnha arrumado um bom negocio quando...
5A 11 “Ali ó, aquela é gigante e não passamos lá, vai, ta do lado do carro!” Pietra disse, tentando me ajudar a ter certeza. A imensa loja estava realmente ao lado do estacionado Duque. 5A 12. Estava começando a chover, tudo indicava que Jnhamos que ir embora. Normalmente quando existe uma boa oportunidade é na primeira que se destaca, pra não perder tempo, pelo bem da determinação e da segurança. Mas minha intuição resolveu respeitar Pietra, e realmente, era no caminho do carro. Passamos lá olhando rapidinho, já estávamos craques em pedir detalhes. Não íamos passar muito tempo lá... tava coçando pra ir embora.... estava quase sendo mal educado com os insistentes vendedores.... quando no canto do olho vi.... sentado lá amostra pra qualquer idiota ver... O DIABÓLICO. Um pequeno mazda miata mx-­‐5 conversível que parecia um jaguar roadster dos anos 60. Eu imaginei que seria caro demais, claro, e era, 10.000 reais acima do meu orçamento original pela venda do Duque. Minha mente seria, produDva, burocráDca, responsável, me Drou logo isso da cabeça. Não podia jamais assumir uma divida de 10.000. Ainda mais só pra ter um carro, um luxo para mortais ordinários. É como quem precisa de ar condicionado, quem não respeita o próprio suor. Wallace, o vendedor que parecia um daqueles cantores sertanejos famosos, de cavanhaque e um sorriso caDvante, até tentou me conquistar achando que eu era playboy: “Olha, h, dá pra Drar uma onda com esse carinho!”. Eu saí de lá me concentrando no Corolla automáDco. Não Dnha mais 10.000 reais!
5A 13. Ta, eu pretendo comprar o carro automáDco, mas pelo menos vamos ali tomar aquele sorvete, e que seja Hagen Daaz pra subsDtuir meu conversível! Na creperia do lado da sorveteria não Dnha crepe de açúcar que era o que eu mais pedia, nem de queijo feta. Eu pedi um de jambom et fromage então que as vezes também pedia quando morava em Paris. Não comia um crepe desde que morava lá, e fazia bem. Esse crepe foi uma bosta, me deu uma saudade das ruas, do carneiro sujo do grec. Eu comi demais, javanesa, sorvete e crepe. Comecei a passar mal. Deixei Pietra em casa e fui deitar. Tava pesado demais pra sair de novo a noite. Chapei sinistro.
5A 14. Tínhamos marcado de ficar se encontrando direto dalí em diante, mas eu Dve que insisDr pra Pietra vir lá em casa no dia seguinte. Parecia que parte dela se senDa obrigada a se permiDr estar comigo, e a outra parte era estritamente contra, como se eu ameaçasse algum plano dela pro futuro. Não estava mais fluindo espontaneamente. Eu estava insisDndo e ela se submetendo. Não éramos duas águias se encontrando no ar como no inicio. Morria de medo que Dvéssemos perdido nossa química enviada de Eros e Psiquê. Ao mesmo tempo não queria assoprar uma faísca em lenha queimada. Eu não queria ser como CateDnho e Silvanete, veteranos deles mesmos, como os que ficam na fila de um bar que já fechou, convencidos de que ainda vão beber essa noite. Vivendo, como Leonard Cohen diz “... numa casa assombrada por eu e você.”, Reparando uma barraca, tentando salvar a queda de Roma, eu não. Eu adorava Pietra, ainda adoro, mas ela estava num momento péssimo, e era melhor eu deixá-­‐la respirar. Eu só esperava que pudesse sair ilesa e forte de lá. Foi a segunda vez que nos encontramos na vida sem fazer amor. Eu fiz questão de nem tentar, achando que um fracasso seria pior do que uma absDnência. Ela ficou puta comigo por isso, mas estava convencido de que era pelo nosso bem.
5A 19. Numa outra noite eu assisDa um faroeste com Plínio Doce. Estávamos de camisas regata coladas no corpo e suspensórios, caso chegasse alguma fêmea pra ver. Queríamos parecer que éramos assim o tempo todo, mafiosos sicilianos, fumando cigarrilhas e poderosos. Não éramos assim o tempo todo, mas quem sabe seriamos, Dnha muito tempo pela frente. Íamos sair depois para alguma festa mucho loca mas por enquanto assisJamos um filme intelectualmente. Nos diverJamos com nosso próprio traje, com whisky e com Ben Wade. O herói do faroeste é perfeito. Ele é mais credível do que o espadachim medieval, mas distante o suficiente para ser mitológico. AssisJamos “Os Indomáveis” um novo filme em Blu-­‐Ray com Russell Crowe e ChrisDan Bale quando começaram os sinais.... Na minha parte favorita do filme o disco começou a pular, fazendo a gente perder cenas importantes. Plínio derramou whisky no chão, “pó deixá que eu limpo”. Maria Zinha tocou a campainha nos assustando. Logo depois toca o celular de Plínio. Era a mãe dele. Seu Do Dnha acabado de morrer. A noite estava sendo desmoronada pelos maus augúrios. Torci que Plínio derrotasse esse demônio como um teste de sua constância. Ele me parecia abalado, preocupado com sua família que perdera uma peça importante. Eu, de forma egoísta, queria que ele esquecesse disso como tributo a um macrocosmo da morte de uma formiga. Mas não era o meu Do. Plínio foi forte. Ele expressou sua magoa com nobreza e tranqüilidade. Mas no final das contas a morte dominou a vida mais uma vez e Plinio desisDu de sair.
5A 20. Decidi que precisava sair de lá, fugir dos presságios. Como sempre Maria Zinha inventou uma desculpa pra não sair, não beber, e não entender por que não se deve beber. Achei que pra ganhar da onda maligna eu Dnha que me entregar completamente à noite, fazer o oposto de meus prudentes colegas. Pedi que Maria Zinha me deixasse ali no bar, eu ia sem carro, pra onde quem eu encontrasse no bar me levasse. 5A 21. Encontrei um pessoal, mas acabei indo pra lá e pra cá, de bar em bar, tentando encontrar a salvação da noite, insaDsfeito com a imperfeição. Fui até pro Funfarra, pois era sexta de Funfarra. Tony tava lá, mas a noite conDnuava me dando sinais errados. Tony calado, escoltando uma princesa, não ia me salvar. Ele tava começando o projeto Brunhilda. Era fantásDco o que ele conseguia fazer sem ninguém ver. Ele viu o Orkut de uma menina que ele não conhecia e falou, eu vou namorar essa garota. Quando vi não acreditei, estava lá ele com ela, a menina das fotos no Orkut. Tony é um mago. Brunhilda era uma loira linda e seria de um conto de fadas germânico. Ela não respondia se você falasse com ela, só olhava pra você com grandes olhos verdes, se colocando em um plano muito acima de sua curiosidade. Eu fiquei surpreso que Tony Dnha conseguido. Nessa época já estava duvidando até de sua masculinidade, de pegar novas mulheres nem se fala! Mas só Dnha ele lá, e ele estava ocupadíssimo, “nada é melhor do que namorar” disse Tony. Eu Dnha que sair de lá! Minha úlDma namorada mesmo, que eu ia pro cinema de mãos dadas e levava pra almoçar com meu pai, foi Carolina Coralina. A memória de Carol voltou como um jato proféDco saindo da boca de Tony Total. Quanto mais agora que Pietra estava me enlouquecendo e se distanciando de meus planos.
5A 22. Eu pensei em Carolina e queria estar com ela. Assim do nada, queria desisDr de tudo e estar com ela. Como um alcoólatra segurando uma garrafa de brandi vazia eu olhava para Tony e Brunhilda Total. Pra piorar Carolina Dnha acabado de me mandar um e-­‐mail, tomando iniciaDva pra me manter numa espécie de coleira a longa distancia. Eu não estava falando com ela, apaguei ela de tudo online, mas ela me mandou um e-­‐mail! desgraçada! Lá estava ela, no lago norte, puxando na minha coleira. No e-­‐mail ela disse que ia pro Landscape hoje. Eu peguei um taxi e fui atrás, pra soltar um pouco o aperto, com a triste esperança de encontrá-­‐la. E aí veio a prova de todos os sinais errados da noite. No final, depois de tentar de tudo para salvar minha boa energia, eu encontro Carolina Coralina. Foi péssimo. Ela estava mais linda do que qualquer coisa feminina deste universo. Mais do que uma orgulhosa leoa chefe matriarca, mais do que Sofia Loren que também é uma leoa. Mais do que ShakD toda poderosa e onipresente. Mais do que o negro do yin, desta vez sem a corrupta mancha do yang.
5A 23. Todos os sinais foram conspirando, formando uma rede pra pescar meu vazio do inconsciente. Estava agora pelado, tudo estava claro em minha frente. Carolina Coralina desmascarou o personagem de Leozinho Maça com um sorriso que estava evoluindo a mil por hora. Quando a conheci já era fatal, mas pertencia a uma menina frágil, tensa e medrosa. A cada dia que a via agora via mais poder, mais serenidade e entendimento intuiDvo da infinidade do cosmos. Enquanto isso eu a perdi. E sabia que essa imagem era uma miragem. 5A 24. A corrente sanguinária da má sorte me tomava. A fada rainha Maeve estava comigo, pois se não Dvesse perdido Carolina, não saberia o que faria com ela. São senDmentos misturados entre certeza e repudio. É como aquela grande decisão que o homem tem de fazer entre morrer pela pátria ou ir para a Universidade por si próprio. Invés de viver a vida, estudá-­‐la. O pior é que o homem não pode decidir enquanto tomado pela fada rainha, não é mesmo Mercúcio? Seria demais pro meu coração querer morrer pela pátria e ser dispensado por excesso de conDngente. Carolina tava com seu namorado novo, pombinhos abraçadinhos. Nessas horas, nós guerreiros temos que esperar a guerra bater na nossa porta, esperar Deus nos convocar, enviando a farda por Sedex a cobrar. Assim Deus só precisa da confirmação, um pequeno trocado insignificante para um jovem ansioso e sanguinário. A realidade é que o amor e a guerra são o mesmo e eu não queria lutar; só queria sofrer naquele momento. Era mais um poema enviado pelas musas, no final me senD grato, e achei minha salvação. A verdade é que a gente não perde nada. A gente entrega por que não precisa mais. Eu não queria Carolina Coralina nem nenhuma namorada. Estava apaixonado pelo amor, pela minha imaginação de uma temporária salvação. O sofrimento nos traz a poesia.
5B 3. É engraçado a forma como os ‘tesouros’ brasileiros são americanos. Aquela onda de ir pra Miami com uma mala e voltar com três que você teve que sentar em cima pra fechar. Eu cresci assim, nesse esquema, garoto de colégio parDcular que já foi pra Disney. Até pior, os meus eram colégios parDculares internacionais, aqueles onde o filho do faxineiro da embaixada americana estuda na mesma sala que o filho do presidente do Brasil. Era uma grande nobreza colocar o filho na Escola Americana. Eu lembro de sempre senDr isso no ar entre os burgueses pseudo-­‐aristocratas em seus mini-­‐yachts do Paranoá. No entanto a Escola Americana de Brasília, pelo menos na minha época, deixava a desejar para uma escola publica qualquer de bairros de classe media americana. Mesmo assim a escola fazia as dondocas freqüentadoras de Aspen e Machu Pichu se senDrem especiais. As coisas são assim. Quando era mais novo e ainda não entendia a perfeita ironia das coisas eu me senDa como aquela dona do evangelho de acordo com Mateus, que pede pelo amor de Deus para ter a honra de catar as migalhas da mesa de seu mestre. Aí já que eu não nasci pra ter mestres, eu achava que Dnha que sair do Brasil. Mas isso logo foi mudando. Percebi que era muito óbvio sair do Brasil. A ironia é sempre mais desejável.
5B 4. Quando Dnha 16 anos fiz a escolha. Meus pais me ofereceram pagar um colégio interno em Nova York de onde sairia para fazer minha faculdade onde quisesse e entraria na roda gigante da fortuna dos diplomas. Não me parecia real. Me cheirava a desespero, me cheirava a novo-­‐rico tentando comprar Jtulo de nobreza sendo ainda um bárbaro. Eu escolhi a falta, a falta de escolhas, a falta de educação. Minha intuição me reinou, não fui eu que escolhi, na verdade. Por alguma razão eu sabia que sair do Brasil não ia fazer de mim um gringo. Comecei a quesDonar por que davam tanto valor para os gringos. Entendi que a suDl nobreza Brasileira muito me ensinaria e me entreguei para o acaso Brasiliense. Eu fui criado para sair do Brasil, mas aprendi que fomos todos, na verdade, criados para tudo. Desnê Ré sabia disso bem, eu tava aprendendo.
5B 5. Eu tava aprendendo sobre o Brasil. Não vou menDr pra você, rapaz, o que temos não é só belas praias, mulatas, samba, futebol. O que temos é a beleza da imperfeição que dolar gringo não compra. O que temos são pessoas maltratadas até a sabedoria. Temos o cariocamente correto (que é infinitamente superior à versão americana). Temos ‘heróis’ que foram pra Harvard, porque a USP é uma merda. Temos ‘heróis’ que não Dnham visto pra ficar fora e voltaram. Temos uma proclamação de independência dada por um filhinho de papai com medo da rebelião dos empregados de seu palácio de praia. O Brasil não existe e nunca exisDu. O Brasil é como o governo Lula diz: “Um sonho de todos”. É um sonho mesmo, onde estamos passeando e enquanto todos conDnuam sonhando o sonho conDnua exisDndo. Não adianta mudar de presidente, não adianta abrir uma nova fábrica. Che Guevara passou longe daqui com sua motocicleta. Tiradentes foi esquartejado e seus restos não foram parar em Hollywood. “Para termos um futuro teríamos que consertar a história: pedir a ajuda dos Judeus na revolução, ser colonizados por Britânicos, construir ferrovias no século XIX, apoiar o Integralismo Fascista...” bla bla bla... estão sempre inventando uma nova solução para o passado. Eu já ouvi de tudo quando se trata de teorias para jusDficar a insaDsfação brasileira. Ninguém conserta a história e nem deveria, eu digo. Então vamos festejar! Festejar o Panis et Circenses do imperador? Se estão te dando pão e ainda um cirquinho de graça por que temos que reclamar? Vamos festejar pois somos os únicos que podemos! Estão construindo ilusões no mundo inteiro, fazendo guerras, levantando bandeiras que nada significam... Enquanto todos estão tentando ser alguma coisa desesperadamente nós estamos sendo já agora, vivendo no futuro; não temos o fardo do ideal para carregar. Tem algum outro lugar no mundo onde se pode festejar o fim do mundo antes do fim? Sem risco de correrem às ruas batendo panelas e levantando placas. Me acordaram em ’92 porque minha janela dá pra esplanada e eu durmo até tarde, fiquei puto! Brasília é o divino ápice dessa abstração miraculosa. Um planejamento irresponsável, caro, longe, perfeito. O cúmulo da liberdade, da idealização abortada no parto. Ninguém é como os filhos de Brasília. Brasília não é uma velha prosDtuta arregaçada como Londres, onde se pode entrar e sair quando quiser, fazer o que quiser. Brasília é minha imaculada mãe, rígida, inconformada, guerreira sem chance de vitória. Brasília é Walhalla. Se for vir pra cá tem que trazer seu passaporte e mostrar para Tony Total. Não é assim não, rapá! ta pensando o que? Se a ONU nos desse um trilhão de dólares para resolver a situação por aqui, a gente gastaria em Miami, e por que não? A situação de quem esta consertada? Eles suam e sonham, a gente vive!
5B 6. Desnê Ré sabia o que todos estavam pensando, por isso tava sempre sorrindo. Os clássicos irmãos Niegro estavam tocando violão, passando o violão de irmão em irmão, sem compeDção. Tico e Teco eram escudeiros um do outro. De uma maneira ou de outra um estava sempre elogiando o outro. Teco as vezes deixava escapar um elogio para ele mesmo, Tico nunca. Teco mostrou umas músicas de sua velha banda, a maior promessa da história Brasiliense, a Creme de Leite. A banda Creme de Leite mostraria Brasília pro mundo. Era o que eu tava tentando fazer com Os ConstanDnos. Tentando fazer os Paulistas acharem que é moda vir pra Brasília, só pra gente poder barrá-­‐los. A Creme de Leite não era, no entanto, formada por um sonhador e três jovens sem ambição. Creme de Leite era a banda-­‐
estrela, como aquelas seleções de futebol de areia. A Creme de Leite era uma pelada entre amigos mesmo mas uns amigos juntados por uma explosão cósmica equivalente ao big bang, imprevisível e inevitável em sua grandeza. Panda, que parece Jmido mas é safado era o baterista. O Baixo era revezado entre Samuel Sono e Maiz Niegro. Quando Sono fazia o teclado, Maiz fazia o baixo. Quando Sono fazia o baixo, Maiz corria pela platéia gritando absurdidades. A guitarra solo era inesperadamente acurada pelo jamais sóbrio Teco Niegro. O vocal, e as frases possuídas, mensageiras da alta ordem das cruzadas asa norDnas eram feitas por Tony Total. “Viva a noite!” Tony Total gritava na introdução da versão acúsDca de “Seu Pai é Maconheiro”. Eu não queria que a Creme de Leite morresse com a imaturidade dos egos entre Teco, Sono e Total. Eu queria gravar as músicas da Creme de Leite com os ConstanDnos. Eu pedi pra Teco me ensinar.
5B 7. Eu e Os ConstanDnos Jnhamos acabado de ser aprovados pelo Ministério da Cultura, pela lei Rouanet, para criar uma conta e pedir um invesDmento de 80.000 reais para gravar nosso disco. A noDcia foi dada hoje. Eu estava senDndo uma febre de empolgação. Eu dei a noDcia para todos na casa de Desnê Ré e conversamos sobre como o disco ia ser. Tico me deu uns toques sobre a industria musical. Ele concordava comigo que era importante aprender a se auto-­‐
empresariar. Assim o dinheiro triplicava e corria muito maior risco de se manter. Com 80.000 reais íamos gravar o melhor disco de debut da história. Tínhamos que comemorar!
5B 8. Com Os ConstanDnos eu queria representar o esquecido. Eu queria completar o incompleto, fechar portas abertas. Eu ia tornar Os ConstanDnos a banda mais clássica de todos os tempos, melhor que Beatles. É fácil desacreditar, mas é linear. A vida é complicadamente linear. Existem formulas regendo o universo, e a gente não as vê e por isso as vezes acreditamos no caos, ou na casualidade. O fato é que as coisas são peças num jogo de estratégia, posicionadas pela nossa divina vontade inconscientemente... e muito raramente consciente. Eu sabia exatamente o que era preciso para sermos gigantes. Tinha alguma coisa a ver com sermos filhos da puta. Tínhamos que ser completos babacas. Eu achava diverDdo a OPORTUNIDADE de ser um grande babaca histórico. Não Dnha duvida, não Dnha como parar, Os ConstanDnos iriam longe. Era só a gente vender nossas almas pro capeta. Simples.
5B 9. Eu fiquei empolgado com algumas das musicas que os Niegros me mostraram na roda do violão. No disco dos ConstanDnos eu queria colocar musicas de amigos. Queria criar uma comunidade, uma geração. Também queria colocar musicas do Roberto Carlos no disco, talvez de algum outro, mas o Rei Dnha que entrar. A idéia de baixar a vaidade da exclusividade do trabalho próprio me excitava. Eu queria mostrar que eu era parte de uma coisa que já exisDa, algo eterno, que eu não estava inventando sozinho o Blues. Sem contar que os jovens vão esquecendo os degraus que a humanidade escalou com o tempo. Todos os discos do começo dos anos 60 Dnham covers, era uma coisa obvia, um tributo ao rock. Os Beatles nunca fizeram um show na história sem tocar cover. Os Rolling Stones tocam Ray Charles até hoje. Mas as pessoas que querem ser como eles me explicavam como eu estava errado e como Dnha que tocar só minhas musicas. Ou pior, as vezes dizem que os Beatles e Stones já mais serão superados, então não adianta tentar seguir a formula. Que isso, se eles soubessem o que sabemos hoje eles seriam 300 vezes melhor. É isso que eu queria mais ou menos, ser 300 melhor. As peças estavam começando a se juntar e começando a formar um quadro que eu conseguia ver claramente. O disco estava sendo pre-­‐produzido. Eu Dnha composto umas cinco musicas já, que estavam no forno. CateDnho Dnha umas cinco musicas também, CapreDnho uma só, e Romário nunca mostrou a que ele prometeu.
5B 10. Claro, que o meu ideal é que todo mundo compusesse o mesmo numero de musicas, mas disso eu já Dnha me livrado. Eu pensava que podíamos evoluir pra isso nos próximos discos. Ou os próximos ConstanDnos poderiam ser assim, nós só Jnhamos o dever de superar os Beatles. Minha mente estava borbulhando com idéias, mas o disco já estava no limite de composições próprias, especialmente advindas de mim. Eu era parte de um grupo, algo maior pelo qual eu deveria sacrificar meus impulsos. Imaginava que era essa a chave do sucesso, a alma conjunta que se cria, o caráter polido de cada soldado fazendo sua parte. Se um de nós explodíssemos a explosão dominaria a banda inteira. Mick Jagger explodiu. Jim Morrison explodiu. James Dean explodiu, ninguém podia contracenar com ele. Elvis era uma grande explosão eterna no espaço sideral. Mas Os ConstanDnos eram um filme de alJssimo orçamento, como Onze Homens e Um Segredo, na versão anDga com Sinatra, Dean MarDn e Sammy Davis Jr e na moderna com George Clooney, Brad Piƒ e Maƒ Damon. Eu Dnha que me segurar.
5B 11. O resto da tarde passamos tocando aquele violão e bebendo cerveja. As pessoas foram indo embora e só foi sobrando os cantores, como de costume. Todos iriam se encontrar mais tarde em festa na casa de neguinho. As festas na casa dos irmãos Niegro não eram mais tão comuns, mas esse mês já era a segunda. Eu convidei todos presentes para a comemoração que tava planejando no 2º Clichê, antes da festa da noite. Tínhamos que ter uma comemoração oficial de nossa aprovação no ministério da cultura para criar uma espécie de energia de apoio coleDva. Uma pequena festa a parte da festa dos Niegro, uma festa para Os ConstanDnos. Eu liguei pro pessoal da banda mais cedo, eles disseram que iam. Mesmo assim eu estava preocupado que todos os meus amigos fossem e o pessoal da banda faltasse, ou até que ninguém fosse por causa da outra festa que ia rolar. Eu estava inseguro, nunca Dnha na minha vida recebido noDcias como essa que possibilitaria minha primeira publicação arJsDca. Procurava no apoio dos amigos um refugio no caso que tudo desse errado. E se tudo desse certo queria ter testemunhas dos passos que trilhei. O resto da banda não parecia empolgado com a historia, pareciam céDcos sobre tudo e nervosos o tempo todo. Não entendia como eles podiam ter duvidas sobre o nosso sucesso. Eu torci para que eles fossem, ia ser embaraçoso chegar lá de mãos vazias, como se eu Dvesse que forçar a barra para comemorar algo nosso, como se Os ConstanDnos fossem só Leozinho Maça.
5B 12. Cheguei sozinho no 2º clichê, mais cedo, tava ansioso para brindar. Logo depois chegou Plínio Doce, ele entendia a importância cósmica da comemoração. Ficamos lá por uma meia hora esperando sem brindar, olhamos um pro outro pensando “foda-­‐se se neguinho não aparecer,” e começamos a beber. Conversamos sobre o disco e como ele ia ser fantásDco. Conversamos sobre como Plínio ia aprender a arte da negociação e virar um bom Judeu. Eu expressei minha preocupação pela falta de empolgação do resto da banda. Contei pro meu amigo como achava que eles podiam estar desisDndo da banda, mas que achava que com a gravação do disco tudo ia melhorar. O disco tava ficando lindo, afinal. Aí chegou Nego China, que era roadie da banda, fiz questão que viesse, pois queria que todos que Dvessem algo a ver com a banda comparecessem, Desnê veio com Nego, representando a secção dos ‘amigos’. Chegou também Marcella Sartre, a publicitária da banda, que mexia com a imprensa e nosso markeDng. Ela mostrou um forte apoio. Ela nos fazia parecer mais sérios e representados. Daqui a pouco a mesa tava lotada. Muitos amigos, a gerencia da banda, e alguns fãs, mas os músicos nada. Eu fiquei envergonhado por um tempo, mas depois de um tempo apareceram CapreDnho e Romário. Pra mim foi um alivio, achei que ia ter que ser o centro das atenções e ficar explicando por que os outros não vieram. CateDnho não veio, e já não era mais uma surpresa. Eu ficava tendo imagens grotescas dele em casa cortando os pulsos com maquiagem branca parecendo um palhaço adolescente. A falta dele trazia a banda pra baixo, as energias caiam feito um foguete falhado da NASA depois de 10 tensos segundos internacionais de suspense. Mas vieram todos os amigos, todas as mulheres. A mesa do Segundo Clichê estava lotada de ponta a ponta, umas trinta pessoas foram pro bar, fiquei impressionado. Eu fiquei feliz pelos bons augúrios de ouvir tantos parabéns e senDr Os ConstanDnos apoiados pelo povo. SenD que Dnha amigos e um futuro.
5B 13. Era noite de comemoração. Não ia deixar CateDnho ser um mago Negro manipulando minha vida remotamente, enviando pragas de sua torre de marfim em algum pântano distante. Pedi que Nego China dirigisse meu carro, pois eu estava muito bêbado já. Íamos passar pra comprar bebida no Pão de Açúcar na entrada do Lago Norte, depois ir para casa dos Niegro. Já parecia uma tradição esse ritual. Eu e Joaninha prometemos que juntos íamos consumir um bom vinho. Chegando na casa dos Niegro cada um vai prum lado, eu começo a perambular. No inicio das festas eu sempre me sinto deslocado. Demora um tempinho até que eu perca a agorafobia, mesmo já bêbado. Não sei de onde vem isso, mas aos poucos vou me enturmando, senDndo a vibe e relaxando, acho que é normal, né? Tava todo mundo lá, essa tava bem melhor que a ulDma. Tinha uns 50 amigos e mais coadjuvantes, muita cerveja, muita cerveja e o meu bom vinho. Tava tudo meio escuro, piscava só o estrobo da pista de dança no terraço e uma lampada distante que iluminava de dentro da casa. Tinha um cheiro caseiro de gramado e Djolos misturado com o cheiro de cerveja no chão e a lama de muitos pés. Se ouvia risadas e vozes compeDndo com a música. 5B 14. A musica tava alta demais para as caixas de som, Desnê Ré e Tico estavam sendo os DJs, bom gosto, bump ta, bump ta “Os Alquimistas estão chegando...” Todos gritando e cantando juntos quando... Pu…! acaba a energia. Um mal sinal? A festa conDnuará!? droga, minha comemoração parecia perfeita... eu não mereço isso... a vida é uma... “todo muuuundo gosta de mim... todo muuuundo gosta de mim!” Jon Duã começa a gritar um hino comum da galera unida, assim que o som desliga. Todos começam a cantar gritado juntos depois dele “todo muuundo gosta de mim... todo muuuundo gosta de mim” e a festa conDnua sem energia eletrica, clássico. Um minuto depois a luz volta e todos gritam “êêê!”, bump ta, bump ta “Estão chegando os Alquimistas”. A noite seria memorável, Dnha que ser depois dessa.
5B 15. Tantas mulheres juntas que eu amo. Maria Vamp queria atenção, ela queria ficar comigo e queria ficar com O Max. Ela não podia ficar com O Max por que O Max não fazia questão de ficar com ela. Ela Dnha uma reputação a manter. Ela podia ficar comigo por que estávamos nos conhecendo ainda. Eu não queria pegar restos de O Max, mas também não queria parDcipar de jogos de poder, assim sendo mais poderoso. Eu ia pegar Maria Vamp, ela merecia, eu merecia. Fui lá ficar do lado dela mantendo a distancia, deixando meu cheiro, mas sem atacar. A musica conDnuava a acentuar as emoções da noite. Uma gaDnha que não conhecia me olhava de longe com péssimas intenções. Joaninha dançava colada com um cara enquanto pensava em mim, sexy pois não sinto ciúmes, só territorialidade. Paula Socrilhos, um futuro objeDvo meu, tava ficando com Picadas Galáxias (nome grego), um cara que na época me odiava por razões insuficientes. Eu desaprovava que qualquer uma de minhas amadas ficassem com esses rapazinhos que acham chique me odiar, ou seja fazia raras aprovações de adultério. Aline Tiradentes tava bêbada mostrando seu talento verdadeiro, Dnha potencial ali. Carolina Gasolina, meu projeto secreto, dançava loucamente uma música do R.E.M. e sorria pra mim. Não ia ficar sozinho esta noite. Não podia deixar Carolina escapar, mas não podia desapontar Maria Vamp onde já Dnha deixado meu cheiro. Teria que planejar isso direito, vamos com calma. Será que consigo convencer as duas a se amarem? Ná! toafinão, preciso consolidar os romances individuais antes, Cagasol tem namorado, Marivamp se leva a sério demais, vamo ligar o modo Casanova Bond e ficar de boa, bicho.
5B 16. Eu Dnha convidado uma menina de quinze anos também pra chegar mais, aluna de Velazquinho, o professor desastrado. Ele odiava que as alunas dele aparecessem nas festas, pois na frente delas não podia ser maconheiro. Que coisa do século XX, eu achava paia. Se ela aparecesse as coisas iam complicar pro lado de Casanova Bond. Se bem que podia só deixar ela observando, aprendendo como as coisas são, ensinar como ela nunca seria o centro das atenções sempre. Eu conheci ela num show dos ConstanDnos. Ela foi ver o show pela primeira vez, meu mojo tava em alta, ela me seguiu pruma festa na cadineguinho e acabei ficando com ela por acidente depois de tentar evitá-­‐la a noite inteira por ser jovem demais pra mim. No final da noite era inevitável, a cara de completa confusão da ingenuidade em uma mãe, uma garrafa de whisky na outra. 5B 17. Casanova Bond fez um vôo de reconhecimento pelo território. Fui falar rapidinho para ver onde estava com Marivamp, ela tava fazendo joguinho falando que não se achava gata enquanto fazia gestos e poses que só uma gata pode se safar fazendo. Ela precisava que eu ‘me provasse’ pra ela de alguma forma, eu ia usar isso como uma desculpa caso ela me visse com Cagasol. Ainda não estava certo qual eu queria mais. A jovem aluna de Velazquinho que eu esperava chegar ligou dizendo que foi para o endereço errado. Foi parar no Lago Sul. Ela deveria saber que pra nossa raça Lago é Lago Norte (em Brasília os endereços da Asa Sul são os mesmos da Asa Norte, do Lago Sul os mesmo do Lago Norte, a gente diferencia por falar Norte ou Sul depois dos números). A minha pequena amante foi pro Lago errado. Melhor assim. Eu nunca mais ia encontrá-­‐la com quinze anos. Então chamei Cagasol (Carolina Gasolina) pra vir ver uma coisa comigo lá na frente da casa onde ninguém podia nos ver (a festa era no jardim de trás perto da piscina, em Brasília é sempre assim). De novo parecia que estávamos nos segurando para não nos beijar assim que nos víamos. Foi quente, entramos num buraco escuro ali do lado do portão e estávamos já desabotoando. Parecia um vento forte demais pra sua perna que te derruba da ponte e te joga numa água fria que te arrepia instantaneamente. A gente não conseguia se segurar direito, parávamos alguns segundos pra respirar um pouco e se senDr velhos demais pra tanta rapidez, mas logo em seguida já dava saudades do lar de nossos lábios e voltávamos. Saímos do buraco com medo de irmos longe demais no lugar publico e ficamos ali na frente do portão. “Leo!? Leozinhô?” era a voz de Marivamp me procurando pela festa. Cagasol soltou uma risada embaraçada. Droga, eu realmente Dnha deixado meu cheiro. A voz dela se aproximava, ela ia nos achar inevitavelmente. TInha que pensar em algum plano para me safar. Ela estava se aproximando, eu virei as costas que nem bandido fugindo da policia de Hollywood, o clássico disfarce do beijo, onde bandidos contam com o senso de privacidade do guardinha, a vergonha alheia que amostras publicas de afeto causam. Mas Marivamp era meio míope, talvez não via duas pessoas, ou não Dnha vergonha na cara. Não funcionou, ela conDnuou se aproximando: “Leozinho? Isso é você!?” ela chegava mais perto, logo ia ver minha cara, eu Dnha que me manifestar. Tentei aliviar a situação mostrando um humor liberal que Drei do chapéu na hora: “Sim sou eu querida, mas fique tranqüila, to beijando homem!”. Cagasol não agüenta e começa a rir, que situação: “Como assim beijando homem” ela disse sem ouvir a risada de Cagasol “quem?” pergunta Marivamp fazendo olho de Chinês pra tentar ver. Agora já era, se Marivamp é ciumenta e vai fazer um escândalo, é melhor aproveitar pra aumentar o humor pra pelo menos poder rir mais depois. “o O Max, eu to beijando o O Max; querida, eu ia te falar, a gente tem um caso!” pensei que se dissesse que estava ficando com um homem e com o ex-­‐namorado dela, sei lá, de repente ela entenderia, que burrice. Mas assim que eu falei isso Marivamp viu Cagasol e foi embora com cara de quem queria me matar. Marivamp ainda gostava do O Max pois ele foi seu ulDmo namorado, foi um pouco cruel, humor negro, mas foi necessário, não podia perder a oportunidade de ser inconvenientemente engraçado, tenho uma reputação a manter. Enquanto eu e Cagasol riamos e conDnuávamos se amando passa o O Max verdadeiro dizendo que ta indo embora, ele me cumprimenta e entra no carro, que coincidência, a gente ri mais e se lambuza mais. 5B 18. Existe uma regra entre arDstas venusianos que diz que não devemos fazer preliminares sem sexo. Isso evita que a moça se saDsfaça com a atenção do lambuzo na boate e mantém a tensão para quando chegar efeDvamente a uma cama. É uma técnica eficaz. Com Carolina Gasolina não se podia ter escolha, no entanto. O que fazíamos era preliminares de sexo, parecíamos católicos ortodoxos na noite de núpcias. Sem contar que era raro termos oportunidade de estarmos juntos. Parecia que o mundo ia acabar amanhã. Ela não arriscava sair sozinha comigo. Seu namorado era um grande astronauta e ela não podia o perder. Eu respeitava isso, pois acredito na conveniência de relacionamentos práDcos. Por isso também não podíamos passar muito tempo alí, se não suspeitariam e seriamos ganhos. Saí de lá saDsfeito demais e fui atrás de administrar o estrago com Marivamp.
5B 19. Cheguei nela confiante, afinal, não fiz nada de errado no século XXI mesmo que respeitasse ideologias do século XX. Ela fez joguinho de novo, não me aceitando de volta mas com cara de quem queria ser reconquistada. Eu fiz joguinho de volta pra mostrar pra ela que não ia mimá-­‐la e que nada mudou, não fiz nada para machucá-­‐la, pelo contrário, fiz por amor, só não direcionado e focado nela. Depois de um papo triste e desonesto ela saiu de lá andando rápido, com raiva, mimada, louca para eu ir atrás. Apesar de parecer ridiculo eu a segui até o estacionamento, mas ela começou a andar rápido demais pro meu orgulho, eu a deixei. Voltei pra festa achando que podia conversar com ela outro dia, que ela Dnha extrapolado. DesisD de mulheres pela noite, me concentrei na bebida e no arreto. Sentei pra descansar depois da dança retrô que as vezes alguns DJs me permitem. Paula Socrilhos senta do meu lado, parece que Picadas foi embora e a deixou aqui sozinha, perfeita para o momento. Estava farto de mulheres pela noite então ia ser perfeito para ela também, amigável e genDl, não devastadoramente tentador. A gente conversou um pouco, riu um pouco, se deu bem no geral. Pensei por um momento que ela poderia ser mais madura do que imaginava. Tinha uma imagem de irritável imaturidade da parte dela por não dar mole pra mim. Ela era amiga de muitos daquele grupinho, membros de uma nova geração de semi-­‐machos que me idolatram e manifestavam suas devoções com desprezo. Por isso achava que ela não dava mole pra mim, pra não ser vista como mais uma que pulou a cerca pro nosso lado, mais uma que caiu no charme maligno da geração dos baDdos. Ela tava bêbada agora, linda do meu lado. Talvez por isso esqueceu que Dnha uma reputação a manter, nosso momento foi calmo e agradável. Hoje não era pra ser, tava ocupado administrando outras, mas praDcamente assinamos um contrato, inconsciente talvez pra ela. 5B 20. Levantei pra pegar cerveja e Aline Tiradentes veio esfregar seu corpo em mim rebolando, se fazendo de stripper por que tava bebaça. Isso não me excita normalmente, pois acho infanDl esbanjar poder sobre o libido dos machos, mas eu nunca Dnha ficado com Aline e uma mulher que me resiste pra mim é sedutor. Peguei ela pela cintura e apertei o quadril dela pra cá como um selvagem pra ela senDr fisicamente como me excitou, pra ela ver a conseqüência de seus movimentos, ver que era coisa seria, química e muscular, lembrar a alma dela de tempos onde não teria nada de errado se eu a estuprasse pela audácia de sua dança. Ela saiu de perto assim que senDu a dureza das conseqüências. Ela ainda era menina, tava só passeando, botando o pé na piscina. Eu não Dnha acabado com ela, porem ela chegara perto demais, ultrapassando nosso limite mútuo. Pensei que também assinou um contrato pro futuro, pelo jeito que nos olhamos enquanto ela fugia de novo. Um dia a aprendiz de Tony Total se graduaria, eu espero. Falando nisso, onde tava Tony? “Deve estar perseguindo o Projeto Brunhilda de novo” pensei, pois quando chegou na festa falou que antes da festa tava com ela e talvez depois ia reencontrá-­‐la. É que nem ir prum churrasco e passar no McDonalds no caminho, que burro. A festa tava acabando. Jon Duã tava com uma gata no ombro, dançando exageradamente, parecia luta-­‐livra americana, eu precisava ir embora.
5B 21. Passeando pelo estacionamento procurando meu carro passo pelo fusca de Marivamp. Ela ainda estava lá no estacionamento, imaginei por um momento que poderia estar me esperando e já bolei o que dizer. Chego perto do carro e vejo que o O Max ta deitado no colo dela. Que cara mais safado! Eu Dnha visto ele ir embora há muito tempo! Achei engraçado, o fusca velho dela deixava o áudio da conversa deles vazar: “Eu sou boa pessoa e as pessoas são sinistras! Eu tento ser boa, mas elas não são e estão em minha volta, elas são sinistras!”. Ela usava ‘sinistro’ como algo ruim. Isso talvez era a diferença entre nós exemplificada pela linguisDca. Pra mim ‘sinistro’ é sempre bom. o O Max me viu entre os prantos de Marivamp, sorrimos um pro outro e fui embora correndo para evitar uma situação constrangedora. O O Max as vezes tem umas ideias absurdas. Nossa presença conjunta torna qualquer situação cômica e irreverente. Marivamp tava chorando e achei vacilo maltratá-­‐la.
5B 22. Lembrei que não Dnha trazido meu carro pra lá, que contava com a carona de Marivamp. Esperei a primeira pessoa ir embora da festa e pedi carona, pois minha casa era caminho pra qualquer lugar. Quando tava indo embora Roger, quem eu não via há muito tempo perguntou se podia dormir lá em casa pra não ter que voltar pro outro lado da cidade essa hora. “claro!”. Falei pra possível lésbica que me dava carona que podia me deixar no Landscape por que tava bêbado demais pra explicar direito onde morava e por que. Ela achou que eu tava convidando-­‐a pra ir comigo ao Landscape. Já era quase 5 da manhã, que menina empolgada! Eu tava bêbado o suficiente até pra fazer isso, ou pior. Ela parou o carro na frente do Lands empolgadaça mas eu olhei para seu Alfredo do cachorro quente e ele olhou pra mim generosamente, como um velho amigo. Fodam-­‐se as mulheres de sobra do Landscape as cinco, eu vou bater um cachorro quente! Me despedi da menina que afinal de contas não era lésbica pois prolongou o abraço um pouquinho demais. Ela entrou no Landscape sozinha, estranhaça, senD um desgostozinho biológico. Foi bom conversar com Roger, que não via há muito tempo. Ele me pagou meu cachorro quente pois eu tava sem grana. Gosto de Roger, ficava esperando ele se encontrar, virar uma enDdade filosófica, como diz uns amigos meus. Ele era jovem e determinado.
5B 23. No meio do nosso lanche da madrugada chegam Crespo e Tonhão, meus companheiros terroristas de gangue daquela noite desastrada. Claro que por não estar presente quando os Dras chegaram na ulDma festa na casa dos Niegros eu não fui aceito na ‘gangue’. Já me senD um pouco deslocado deles. Temi que eles fossem causar agitação demais no meu tranquilo lanche de madrugada. Mas mesmo assim eles eram alegres e bem-­‐vindos. Eles dois eram capazes de qualquer coisa, eu ficava de olho pra não deixar nenhuma cena me escapar. Tonhão colocou o celular na mesa e deixou tocando Liƒle Quail, que inusitado! Tonhão é um guerreiro chinês anDgo. Ele tem tudo que ele precisa e se fantasia de punk por falta de roupas no armário. 5B 24. Conversamos sobre tudo que não importa e aos poucos o sol foi humilhando todo mundo e a noite barulhenta de festas e bebidas foi banhada pela graça de Apollo. Parecia que nós convocamos a presença do sol com nossa dança caóDca, para nos salvar do excesso de babaquice. A festa parecia ter sido há muito tempo atrás. Olhei para o sol com olho nú e promeJ que um dia seria mestre de mim.

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