Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no
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Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil Jose A. Marengo 1. INTRODUÇÃO O Nordeste brasileiro ocupa 1.600.000 km² do território nacional e tem incrustado em 62% da sua área, o Polígono das Secas, uma região semiárida de 940 mil km2, que abrange nove Estados do Nordeste e enfrenta um problema crônico de falta de água e chuva abaixo de 800 mm por ano. No Semi-Árido, espalhado por 86% do território nordestino, vivem aproximadamente 30 milhões de pessoas, ou cerca de 15% da população nacional. São números que fazem do conjunto dessas áreas, a região seca mais populosa do mundo. A irregularidade das chuvas é um obstáculo constante ao desenvolvimento das atividades agropecuárias, e a lacuna de sistemas eficientes para o armazenamento da água – que estão quase sempre concentrados nas mãos de poucos – intensifica ainda mais os efeitos sociais. Para piorar, ciclos de fortes estiagens e secas costumam atingir a região em intervalos que vão de poucos anos a até mesmo décadas. Eles colaboram para desarticular de vez as já frágeis condições de vida de pequenos produtores e outros grupos mais pobres, tornando-se, muitas vezes, o gatilho que faltava para o abandono da região. Sabe-se que as chuvas do semi-árido da região Nordeste apresentam enorme variabilidade espacial e temporal. Anos de secas e chuvas abundantes se alternam de formas erráticas, e grandes são as secas de 1710-11, 172327, 1736-57, 1744-45, 1777-78, 1808-09, 1824-25, 1835-37, 1844-45, 187779, 1982-83, 1997-98, assim como secas menores em 2003 e 2005. A ocorrência de chuvas, por si só, não garante que as culturas de subsistência de sequeiro serão bem-sucedidas, e um veranico ou período seco dentro da quadra chuvosa pode ter impactos bastante adversos à agricultura da região. No semi-árido é freqüente a ocorrência de períodos secos durante a estação Jose Marengo chuvosa que, dependendo da intensidade e duração, provocam fortes danos nas culturas de subsistência (NAE 2005). A Região Nordeste caracteriza-se naturalmente como de alto potencial para evaporação da água, em função da enorme disponibilidade de energia solar e altas temperaturas. Aumentos de temperatura associados à mudança de clima decorrente do aquecimento global, independente do que possa vir a ocorrer com as chuvas, já seriam suficientes para causar maior evaporação dos lagos, açudes e reservatórios e maior demanda evaporativa das plantas. Isto é, a não ser que haja aumento no volume de chuvas, a água se tornará um bem mais escasso, com sérias conseqüências para a sustentabilidade do desenvolvimento regional. 2. CLIMA DO NORDESTE O Nordeste brasileiro apresenta alta variedade climática, podendo-se observar desde o clima semi-árido no interior desta Região, com precipitação acumulada inferior a 500 mm/ano, até o clima chuvoso, observado principalmente na costa leste, com precipitação acumulada anual superior a 1.500 mm. O litoral norte da Região recebe entre 1.000 e 1.200 mm/ano. A Figura 1 mostra os totais bimensais de chuva no Nordeste. A área mais afetada pela falta de chuvas é o Polígono das Secas, uma área de mais de 1 milhão de km2 onde vivem 27 milhões de pessoas, espalhados em oito estados nordestinos (só o Maranhão fica fora) e norte de Minas Gerais (NAE 2005, MARENGO e SILVA DIAS, 2007). Esta região possui basicamente três regimes chuvosos, sendo: 1. No sul-sudoeste da Região Nordeste, o principal período chuvoso é de outubro a fevereiro. As chuvas são ocasionadas principalmente pela passagem de frentes frias que vêm do sul do país. Além disso, podem ser observadas chuvas em forma de pancadas isoladas, que normalmente ocorrem no final da tarde e início da noite, devido ao aquecimento durante o dia. 2. No norte da Região Nordeste, abrangendo a maior parte do SemiÁrido, o principal período chuvoso ocorre entre os meses de fevereiro e maio. Essa região é bastante conhecida, pois é onde ocorrem as maiores secas. O mais importante sistema causador de chuvas nesta sub-região é a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). 150 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil Figura 1. Climatologia bimestral de chuva do Brasil (1970-90). Os tons em vermelho representam menor volume de chuva e os tons azuis mostram maior volume de chuva, segundo a escala de cor à esquerda do mapa (em mm durante três meses). (Fontes: NMRH-AL, SRH-BA, Funceme-CE, SEAG-ES, SEMARH/LMRS-PB, SECTMA/DMRH-PE, SIMGE-MG, SEAAB-PI, EMPARN-RN, Cepes-SE, CMCD/Inpe, INMET). Fonte: Proclima: www.cptec.inpe.br/proclima 3. No Leste do Nordeste ou Zona da Mata, o principal período chuvoso ocorre de abril a agosto e as chuvas são ocasionadas principalmente pelos contrastes entre a temperatura do mar junto à costa e a temperatura do continente. Os ventos, ao soprarem continente adentro, carregam a umidade do oceano que condensa e precipita na faixa litorânea e na região da Zona da Mata. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 151 Jose Marengo A Figura 2 mostra a distribuição espacial do mês, no qual a precipitação média mensal atinge o máximo e também mostra o histograma da distribuição anual da precipitação para cinco estações representativas. A estação seca, na maior parte da Região, é observada de setembro a dezembro. O trimestre mais seco ocorre entre agosto e outubro, numa faixa orientada no sentido noroeste/sudeste, desde o extremo oeste do Nordeste. A estação mais seca no leste do Nordeste ocorre entre outubro e dezembro. No sul do Nordeste, o trimestre mais seco passa para julho/agosto/setembro e finalmente junho/ Figura 2. Distribuição espacial do mês no qual a precipitação média mensal atinge o máximo e histogramas da distribuição anual de precipitação (eixo vertical em mm) para cinco estações, representando diferentes regimes pluviométricos do Nordeste. Os dados utilizados são para o período de 1931 a 1960. A localização das estações está indicada pelas letras Q (Quixeramobim), O (Olinda), S (Salvador), C (Caetité) e R (Remanso) Fonte: CPTEC/Inpe. 152 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil julho/agosto, em todo o interior da Bahia. O litoral da Bahia apresenta grande variedade no regime de chuvas: o trimestre mais seco ocorre em janeiro/ fevereiro/março no extremo sul, justamente no período de maior acumulação de chuvas imediatamente logo ao sul daquela região. De Salvador para o norte, o trimestre mais seco ocorre entre agosto e outubro. O porcentual de dias com déficit hídrico (relação entre o número de dias com déficit hídrico e o número total de dias) para o período 1970-90 (Figura 3) pode ser usado como critério para avaliar vulnerabilidade climática do semi-árido. A Figura 3 mostra que a análise baseada no balanço hídrico indica que as áreas definido hoje como semi-árido (região delimitada pela isoieta de 800 mm) são consistentes com a região no período 1970-90, com um déficit hídrico em pelo menos 60% do tempo, de acordo como o modelo de balanço hídrico. Algumas áreas do Médio Jequitinhonha apresentaram essa condição, entretanto não estão incluídas pela lei em vigor hoje no semiárido. Assim, a análise baseada no balanço hídrico, o qual incorpora fatores não considerados na delimitação atual do semi-árido, confirmou que esta região é mais freqüentemente afetada pelas secas. Figura 3. Mapa de chuva anual 1961-90 e escala de cores em mm. Percentual de dias com déficit hídrico no período 1970-90 e escala de cores em % (inferior-direita) Fonte: Proclima-www.cptec.impe.br/proclima. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 153 Jose Marengo 3. VARIABILIDADE CLIMÁTICA O gerenciamento dos recursos hídricos na região semi-árida depende muito da variabilidade do clima, especialmente a distribuição de chuvas. A variabilidade climática em longo prazo tem sido estudada com algum grau e detalhamento pelos centros climáticos do Brasil e do Nordeste (MARENGO e SILVA DIAS 2007, MARENGO 2002, 200 a, b, SOUZA FILHO 2003). Porém, ainda resta conhecer esta variabilidade com as incertezas associadas à futura mudança climática, seja devido à variabilidade natural do clima ou à ação antropogênica, que determina incrementos na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Mudanças climáticas no Brasil ameaçam intensificar as dificuldades de acesso à água. A combinação das alterações do clima, na forma de falta de chuva ou pouca chuva acompanhada de altas temperaturas e altas taxas de evaporação e, com a competição por recursos hídricos, podem levar a uma crise potencialmente catastrófica, sendo os mais vulneráveis os agricultores pobres, como os agricultores de subsistência na área do semiárido do Nordeste. Com um semi-árido mais árido e com maior freqüência de secas, a base de sustentação para as atividades humanas diminuirá, sendo provável que aumente o deslocamento da população para as cidades ou para as áreas onde seja possível desenvolver a agricultura irrigada. Segundo o IPCC (2007a), mesmo que se consiga hoje reduzir as emissões de gases para os níveis de 1990 – um esforço gigantesco e pouco provável – a temperatura do planeta aumentará cerca de 1oC até 2100, com projeções de até 4,5oC no pior cenário de emissões altas. Na verdade, a temperatura já aumentou 0,7oC nos últimos 50 anos em todo o Brasil, e, no Nordeste, o aumento foi de 1,5 a 2oC na temperatura máxima em 41 anos (F. LacerdaLaboratorio de Meteorologia-ITEP, Recife). No que concerne à população, aqueles com menos recursos e com menor capacidade de se adaptar são os mais vulneráveis. O estudo desenvolvido pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em 2005 (NAE 2005) sugere que o Nordeste é a região mais vulnerável às mudanças climáticas. O semi-árido nordestino que apresenta uma curta, porém crucial estação chuvosa poderia, num clima mais quente e seco no futuro, transformar-se em região árida. Isto pode afetar a agricultura de subsistência regional, a disponibilidade de água e a saúde da população, obrigando as populações a migrarem, gerando ondas de “refugiados 154 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil ambientais do clima”, para as grandes cidades da região ou para outras regiões, aumentando os problemas sociais já presentes nas grandes cidades. Esse problema já tem sido observado nas grandes secas de 1777-78, 1876, 1983 e 1998 entre outras. Esse artigo representa uma atualização do que aparece em NAE (2005), enfatizando os aspectos associados a mudanças de clima na Região Nordeste, com o intuito de analisar futuros cenários de clima na região até finais do século 21. São apresentadas análises sobre vulnerabilidade da região Nordeste, relacionadas aos impactos decorrentes da mudança climática, sugerindo áreas potencialmente vulneráveis à mudança de clima, assim como possíveis ações de adaptação e mitigação. Sugere-se ao leitor, acessar as seguintes referências bibliográficas, para expandir ainda mais esta revisão de literatura sobre clima e variabilidade climática no Nordeste: Magalhães et al., 1988; Xavier, 2001; Marengo, 2003 2007a; Marengo e Nobre, 2001; Silva Dias e Marengo, 2002; Nobre et al., 2006; IPCC, 2007 a, b; Marengo e Silva Dias, 2007. 4. VULNERABILIDADE A EXTREMOS DA VARIABILIDADE DE CLIMA NO SEMIÁRIDO DO NORDESTE NO PRESENTE Uma mudança de variabilidade climática aumenta a vulnerabilidade de um sistema ecológico e aumenta as incertezas no processo de administração da água. O termo vulnerabilidade denota um limite onde uma pessoa ou sistema pode ser afetado. Por outro lado, sustentabilidade significa a capacidade de um sistema manter-se em uma determinada condição. Então, a vulnerabilidade denota o ponto onde a sustentabilidade pode ser comprometida. Concluindo, no presente contexto, vulnerabilidade e sustentabilidade são conceitos correlatos, onde uma frágil sustentabilidade de um sistema é entendida como mais vulnerável. De modo geral, a economia da zona do semi-árido apresenta-se como um complexo de pecuárias extensivas e agricultura de baixo custo que renderam muito, apoiadas nos consórcios de proprietários formados por algodão, milho, feijão e mandioca. Esse tipo de agricultura de subsistência é altamente vulnerável ao fenômeno das secas. Como exemplo de extremos climáticos de grande impacto na região, a grande seca de 1998 e 1999 resultou em uma queda de 72% na produção de PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 155 Jose Marengo feijão, milho, arroz, algodão e mandioca durante a seca, segundo o estudo da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) numa pesquisa envolvendo 15 municípios de cinco estados afetados. As chuvas durante o verão de 2004 foram consideradas acima do normal, pois teve episódios de chuva intensa no estado do Ceará em janeiro 2004, sendo a chuva neste mês de aproximadamente 500% acima do normal, que geraram grandes perdas econômicas no Ceará (NAE, 2005). Maiores discussões aparecem na Seção 5. 5. IMPACTOS DE EXTREMOS CLIMÁTICOS NA HISTÓRIA ECONÔMICA DO SEMIÁRIDO Seca A principal manifestação da variabilidade climática no Nordeste brasileiro é a seca. O semi-árido tem no passado uma história de secas que afetam, de forma drástica, sua população rural. A região é um enclave de escassa precipitação que abrange desde os litorais do Estado do Ceará e do Rio Grande do Norte até o médio do Rio São Francisco, com uma vegetação de tipo caatinga. Historicamente, a região sempre foi afetada por grandes secas ou grandes cheias. Relatos de secas na região podem ser encontrados desde o século 17, quando os portugueses chegaram à região. Kane (1989) indicou para o Nordeste, que em 29 anos de El Niño, durante 137 anos, no período 1849-1985, apenas 12 foram associados à secas na região. No semi-árido nordestino, essa variabilidade climática, em particular as situações de seca, sempre é sinônima de agruras nas populações rurais do interior da região, e tem sido objeto de preocupação da sociedade e organismos do governo ao longo dos anos. A prova cabal dessa preocupação a construção dos primeiros reservatórios hídricos no semi-árido nordestino que datam do final do século 19, durante o período imperial, a exemplo da construção do açude do Cedro em Quixadá/CE. Os diversos autores que enumeram as secas do século 17 a 19 têm como base de análise o registro histórico feito pelos escritores da época, ou ainda, por depoimento pessoal. Torna-se difícil de alcançar uma classificação objetiva dos anos secos, a exceção dos eventos das grandes secas tais como 1777 e 1877. Segundo um estudo de Souza Filho (2003), o Semi-Árido Nordestino do século 18 apresentava uma baixíssima densidade demográfica. A baixa densidade demográfica não reduziu o impacto das secas na economia regional 156 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil neste século. Brígido (2001) observa que “a de 1777, que durou até 1778, fez perder-se sete oitavos do gado existente na capitania do Ceará”; e “a seca de 1725 foi tão grande que fez secar as fontes do Cariri”, provavelmente impactando o plantio de cana e a policultura que se instalava naquela área. Essas secas estão associadas às características climáticas da região e às variabilidades dos Oceanos Pacífico e Atlântico Tropical (MARENGO e SILVA DIAS, 2007, NOBRE et al., 2006). Estatisticamente, acontecem de 18 a 20 anos de seca a cada cem anos. As secas mais graves, que acontecem quando a chuva se reduz a menos da metade desse índice, aparecem em registros históricos desde o início da colonização, no século 16, e são comuns. Até agora, o século 20 foi um dos mais áridos, registrando nada menos que 27 anos de estiagem. A seca mais longa começou em 1979 e 50% do gado morreu por falta d’água, a desnutrição explodiu e milhares de pessoas morreram de sede e desnutrição. O primeiro processo econômico do semi-árido foi a criação de gado, que ocupou os sertões até a grande seca de 1877, quando sete oitavos do rebanho que existia no semi-árido foi dizimado pela seca. Naquela época, a manufatura de couro era uma atividade econômica de importância. O segundo processo econômico foi à associação de gado com algodão. No período de 1844 a 1877, as chuvas foram regulares e o gado se reproduziu, aumentando significativamente as densidades populacionais. A Guerra Civil Americana possibilitou acesso do algodão do semi-árido para o mercado europeu. E o solo, ainda não degradado, elevava a produtividade do algodão. Esse quadro evolui até a seca de 1877, em que a indústria de algodão e gado foi dizimada. Assim, observa-se que uma visão de desenvolvimento para o Nordeste semiárido não pode prescindir de uma abordagem da questão da convivência como a variabilidade climática. A partir de 1942, não tem havido vítimas da seca, salvo casos isolados. Guerra (1981) diz que “havia água saudável em grandes reservatórios, onde ocorriam as maiores irrigações. A política de açudagem tem como marco inicial a construção do reservatório Cedro, iniciado em 1884 pelo engenheiro Revy, e concluída em 1924 pelo engenheiro Piquet Carneiro. Outras obras do tipo do Cedro, que possibilitassem irrigação, só seriam construídas a partir da Seca de 1930/32.” Reservatórios como Estreito Ema, Feiticeiro, Choro, General Sampaio, Jaibara, no Ceará; Riacho dos Cavalos, Pilões, santa Luzia, São Gonçalo, Condado e Soledade, na Paraíba; Lucrecia, Ithans e Inharé no PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 157 Jose Marengo Rio Grande do Norte; assim como o início do reservatório Curemas (Paraíba), Lima Campos (Ceará). Analisando os efeitos das secas sobre a produção ocorrida no período 1973-83, o Relatório do Senado Federal (1997) estima que, computando as cifras totais do período, chega-se a números impressionantes de 1,6 milhões de TM de algodão; 4 milhões de TM de mandioca; 3 milhões de TM de milho e 952 mil TM de feijão, sem considerar as demais perdas verificadas em outros produtos. O El Niño de 1983 afetou 1328 municípios, com uma população afetada da ordem de 28.954.000 pessoas. Durante o El Niño de 1998, após o desastre da seca gerada pelo fenômeno climático, o governo federal disponibilizou 465 milhões de Reais de um total de 1,6 bilhões para atender aos flagelados pela seca (NAE 2005). A Figura 4 apresenta a variabilidade da chuva no semi-árido para a quadra chuvosa março-abril-maio, e podem ser observadas as grandes secas já mencionadas no texto. As maiores secas têm sido atribuídas a El Nino, como em 1983 e 1998, e outros eventos de seca têm sido atribuídos ao Figura 4. Anomalias de chuva (mm/dia) na região do semi-árido nordestino durante a quadra chuvosa março-abril-maio (MAM) desde 1901 até 2000, em relação a média histórica. 158 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil aquecimento do Oceano Atlântico Tropical Norte. Não têm se observadas tendências de aumento ou redução sistemática da chuva, ainda que durante os últimos 5 anos as chuvas têm-se apresentado em menores volumes e de forma irregular. Em novembro de 2007, quando a represa de Sobradinho chegou a apenas 15% de seu volume preenchido, 158 municípios do estado da Paraíba estavam em estado de emergência motivado por uma seca. Nesse ano as chuvas foram de até 2,5 mm/dia menor que o normal. As variações de chuva no Nordeste apresentam variações em escala interdecadal, com períodos reçativamente úmidos, na década de 1970, e mais secos, na década de 1940. Enchentes As chuvas intensas que ocorreram em toda a Região, em janeiro de 2004, geraram os totais acumulados de chuva em algumas regiões que, nesse período, chegaram a 500% acima da média histórica. Em algumas localidades, os máximos de precipitação excederam em mais que 300 mm a média climatológica do mês. Em Picos (PI) choveu 436 mm, quando a média do mês é igual a 127 mm; na cidade de Barra (BA), choveu 280 mm (a média do mês é 12 mm); em Quixeramobim (CE), choveu 252 mm (a média do mês é 78 mm). As reservas hídricas do Nordeste que no início de janeiro tinham, em média, cerca de 30% da capacidade máxima, atingiram no final do mês um percentual superior a 90%, devido aos altos índices pluviométricos no verão de 2004. Segundo o CPTEC, as causas destas chuvas intensas apontam para um transporte de umidade atmosférica desde o Atlântico tropical e da bacia Amazônica até o Nordeste, que é algo incomum, mas não impossível de acontecer. Segundo a Secretaria Nacional da Defesa Civil, as enchentes de janeiro 2004 no Nordeste tiveram os seguintes impactos: 219 mortos, 1404 feridos, 370.000 desabrigados e desalojados; 1219 municípios atingidos (42% dos municípios de Nordeste foram atingidos), e 115.984 casas destruídas ou danificadas. Ainda assim, as chuvas durante a quadra chuvosa MAM 2004 foram de 2 mm/dia menor que o normal. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 159 Jose Marengo 6. AÇÕES DE MONITORAMENTO DE VULNERABILIDADE CLIMÁTICA NO SEMIÁRIDO Visto que a precipitação na Região Nordeste apresenta uma grande variabilidade no tempo e espaço, a ocorrência de chuvas, por si só, não garante que as culturas de subsistência serão bem sucedidas. Uma seca intensa durante a quadra chuvosa, ou uma precipitação intensa ou excessiva na mesma época, podem ter impactos bastante negativos na economia regional e nacional, pois o governo federal tem que tomar ações para mitigar os danos e reduzir o prejuízo. Nesse contexto, o Programa de Monitoramento Climático em Tempo Real da Região Nordeste (Proclima) é uma iniciativa conjunta da Sudene e do Ministério da Integração Nacional para monitorar a estação chuvosa na Região Nordeste. O Proclima é executado pelo CPTEC/Inpe e pelos estados da Região Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, através dos núcleos e laboratórios estaduais participantes do Programa de Monitoramento de Tempo, Clima e Recursos Hídricos (PMTCRH) do Ministério da Ciência e Tecnologia. Um dos produtos gerados pelo Proclima é o número de dias com déficit hídrico durante o período chuvoso, que é uma boa referência do comportamento da precipitação pluviométrica, em quantidade e regularidade, como também, do possível impacto sobre as atividades agrícolas, podendo assim ser considerado, como um indicador da vulnerabilidade da agricultura, a falta de chuva nessa região. As Figuras 5a-b mostram o número de dias com déficit hídrico no Trimestre Chuvoso na região de atuação da Sudene para anos extremos: seco 1998-99 e chuvoso 2003-2004. É importante lembrar que os regimes climáticos na Região Nordeste são diferenciados, o que determina que o início do período chuvoso seja diferente em cada micro-região. A análise apresentada concentra-se no trimestre chuvoso de cada um das sub-regiões da área do semi-árido que compreende os meses de fevereiro, março, abril e maio. As cores esverdeadas apresentam áreas potencialmente favoráveis para atividades agrícolas. As áreas com cores amareladas correspondem a situações intermediárias, onde houve queda de produtividade ou perda parcial de safra. De um modo geral, pode-se observar uma incidência de condições climáticas pouco propícias para agricultura na região do semi-árido. 160 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil Um número de dias (com déficit hídrico elevado) é indicativo de chuvas insuficientes ou da ocorrência de veranicos em períodos críticos de desenvolvimento da cultura (fenômeno chamado de seca verde no semiárido), podendo, então, ser associado a um possível colapso de culturas de subsistência. No caso do ano seco 1998-99 (ano de El Niño), as áreas com cores avermelhadas indicam áreas que apresentaram significativo déficit hídrico, no qual a atividade agrícola esteve comprometida. Essas áreas com cores vermelhas compreendem grandes áreas do semi-árido desde o Nordeste da Bahia até o Rio Grande do Norte. No ano chuvoso 2003-2004, a situação melhorou notavelmente e o semi-árido apresentou áreas com 40-50 dias com déficit hídrico, comparado com valores de 80-90 dias com déficit no ano seco. A análise preliminar indica que, na estação chuvosa 1998/1999, houve efeitos mais severos desde o sul do estado de Rio Grande do Norte até o Norte da Bahia. Figura 5. Dias secos com déficit hídrico no trimestre chuvoso no Nordeste: (a) ano seco 1998-99, (b) ano chuvoso 2003-2004 Fonte: Proclima-CPTEC/Inpe PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 161 Jose Marengo A Figura 6 indica áreas que apresentaram déficit hídrico superior a 30 dias no período 1999-2007 (a) e com déficit superior a 30 dias em anos consecutivos. As áreas com cores avermelhadas apresentaram déficit hídrico severo nos últimos quatro períodos chuvosos, enquanto cores verdes indicam áreas nas quais não houve déficit hídrico severo em pelo menos três últimos períodos chuvosos. A partir dessa análise, pode-se concluir que as áreas em vermelho estão mais vulneráveis diante da possibilidade de ocorrência de uma nova seca na estação chuvosa 2007-08. Portanto, o quadro de umidade do solo está se apresentando desfavorável na região que abrange o norte da Bahia, o leste do Piauí, centro e oeste de Pernambuco e o centro da Paraíba e Rio Grande do Norte. Essas áreas são as mais freqüentemente afetadas por eventos climáticos e servem com um indicativo inicial de regiões potencialmente mais vulneráveis devido a sucessivos eventos climáticos críticos. Deve-se salientar que a presente análise se baseia apenas em fatores climáticos e não levam em conta as ações de mitigação resultantes de políticas públicas atuais. Figura 6. Dias secos, com déficit hídrico superior a 30 dias no trimestre chuvoso no Nordeste, no período 1999-2007 em: (a) anos não consecutivos, (b) anos consecutivos Fonte: Proclima-CPTEC/Inpe 162 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil 7. VULNERABILIDADE DO SEMI-ÁRIDO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS FUTURAS: POSSÍVEIS RISCOS E IMPACTOS DECORRENTES DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS As projeções de clima futuro, liberadas pelo Quarto Relatório do IPCC AR4 (IPCC, 2007 a, b), e pelo Relatório de Clima do Inpe (MARENGO et al., 2007 a e b; AMBRIZZI et al., 2007) têm mostrado cenários de secas e eventos extremos de chuva em grandes áreas do planeta e do Brasil, respectivamente. No Brasil, a região mais vulnerável, do ponto de vista social à mudança de clima, seria o semi-árido (ou simplesmente o “sertão”). A Figura 7 apresenta as anomalias de chuva geradas por 5 modelos climáticos globais do IPCC AR4 para o período 2000-2100 (MARENGO, 2007 a), em relação à média de 1961-90, para dos cenários climáticos de emissão extremos: A2 (Altas emissões de gases de efeito estufa-pessimista) e B2 (baixas emissões de gases de efeito estufa-otimista). Para o cenário B2, os modelos climáticos CSIRO (Austrália), GFDL (EUA), CCMA (Canadá) desde 2000 e o modelo CCSR/NIES desde 2060 mostram anomalias positivas de chuva, que chegam a 2 mm/dia no GFDL para 2100. No cenário A2, o modelo CCSR/NIES (Japão) apresenta anomalias positivas que são menos intensas que no cenário B2. No A2, a maior diferença com B2 está Figura 7. Séries de tempo de anomalias de chuva para Nordeste durante FMAM de 2000-2100, geradas pelos modelos acoplados oceano-atmosfera de IPCC-AR4 CCMA, CCSR/NIES, CSIRO, GFDL e HadCM3. As anomalias foram calculadas em relação á climatologia de 1961-90 de cada modelo. As séries foram suavizadas usando uma média móvel de 11 anos Fonte: Marengo 2007a. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 163 Jose Marengo no modelo GFDL, que apresenta tendências positivas de chuva chegando a 4-5 mm/dia em 2100, comparado com 2 mm/dia-1 no cenário B2. Nos dois cenários, o modelo HadCM3 (Reino Unido) apresenta anomalias de chuva negativas chegando a 1.5 mm/dia em 2100. O Relatório do Clima do Inpe tem apresentado cenários de mudanças de clima no Brasil até finais do século 21. O relatório descreve os cenários regionalizados de clima para o futuro (2071-2100) derivados de três modelos regionais de clima (Eta-CPTEC, HadRM3 e RegCM3, com resolução espacial de 50 km latitude-logitude) forçados com o modelo global do Centro Climático do Reino Unido (Hadley Centre) HadAM3, para os cenários extremos de emissão A2-pessimista e B2-otimista. Maiores detalhes podem ser achados em Ambrizzi et al. (2007) e Marengo et al (2007 a, b). As Figuras 8 e 9 mostram as projeções sazonais de mudanças de temperatura e chuva para o Nordeste durante 2071-2100 em relação ao presente (definido como 1961-90) para os dois cenários climáticos A2 e B2, e para a média dos três modelos regionais. Segundo esse relatório do Inpe, no cenário climático pessimista, as temperaturas aumentariam de 2 ºC a 4 ºC e as chuvas se reduziriam entre 15-20% (2-4 mm/dia) no Nordeste, até o final do século 21. No cenário otimista, o aquecimento seria entre 1-3ºC e a chuva ficaria entre 10-15% (1-2 mm/dia) menor que no presente a nível anual. Em relação a eventos extremos de clima, o impacto mais importante seria um aumento no índice de dias secos consecutivos CDD (indicadores dos chamados “veranicos”), chegando até mais de 30 dias/ano em 20712100 no cenário A2 (Figura 8) comparado a 12 dias/ano no clima do presente, assim como uma redução de dias com extremos intensos de chuva, especialmente no interior do Nordeste e no litoral de Piauí e na Bahia. Esses seriam os possíveis impactos da mudança de clima num cenário de aquecimento global, considerando os cenários otimistas e pessimistas identificados pelo IPCC e dos resultados do Relatório de Clima do Inpe: – Um aumento de 3ºC ou mais na temperatura média deixaria ainda mais seco os locais que hoje têm maior déficit hídrico no semiárido; – A curta estação chuvosa presente hoje pode desaparecer. Se o problema se confirmar, será impossível praticar agricultura na região sem o uso de irrigação, e o acesso à água será muito dificultado; 164 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil Figura 8. Anomalias anuais de chuva para o Nordeste (em mm/dia) para o futuro 2071-2100, em relação ao clima do presente 1961-90. Anomalias representam à média de três modelos regionais (resolução de 50 km lat-lon) para os cenários de emissão A2-altas emissões e B2-Baixas emissões. Cores avermelhadas/azuis representam anomalias negativas/positivas de chuva, e escala de cores aparece ao lado direito de cada painel. Fonte: Relatório de Clima do Inpe-www.cptec.inpe.br/mudanças_climaticas PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 165 Jose Marengo – O alto potencial para evaporação do Nordeste, combinado com o aumento de temperatura, causaria diminuição da água de lagos, açudes e reservatórios; – O semi-árido nordestino ficará vulnerável a chuvas torrenciais e concentradas em curto espaço de tempo, resultando em enchentes e graves impactos sócio-ambientais; – Espera-se uma maior freqüência de dias secos consecutivos e de ondas de calor decorrente do aumento na freqüência de veranicos; – A produção agrícola de subsistência de grandes áreas pode se tornar inviável, colocando a própria sobrevivência do homem em risco; – Com a degradação do solo, aumentará a migração para as cidades costeiras, agravando ainda mais os problemas urbanos; – A caatinga pode dar lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas. O desmatamento da Amazônia também afetará a região. O cenário pessimista sugere uma tendência de extensão da deficiência hídrica (maior freqüência de dias secos consecutivos) por praticamente todo o ano para o Nordeste, isto é, tendência a “aridização” da região semi-árida até final do século 21. Define-se “aridização” como sendo uma situação na qual o déficit hídrico que atualmente apresenta-se no semi-árido durante 67 meses do ano seja estendido para todo o ano, conseqüência de um aumento na temperatura e redução das chuvas. Em resumo, grande parte do semiárido nordestino, onde a agricultura não irrigada já é atividade marginal, tornar-se-ia ainda mais marginal para a prática da agricultura de subsistência. Resultados de estudos mostrados no Relatório do Grupo de Trabalho II do IPCC (2007b) revelam que, no processo de aquecimento global, não só choverá menos e as secas serão mais intensas, mas há outro perigo – alguns indicadores apontam que o processo de aquecimento global também significará uma redução no nível de água dos reservatórios subterrâneos. Falam-se muito em água do subsolo para se resolver, de vez, os problemas hídricos da região semi-árida nordestina. Porém, como conseqüência das mudanças climáticas, espera-se uma redução de água nos aqüíferos nordestinos, que pode chegar a 70% até o ano 2050. Um estudo desenvolvido por um grupo de pesquisadores do Serviço Geológico dos Estados Unidos 166 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil (MILLY et al. 2005) avalia o impacto de mudanças climáticas em vazões de rios em nível mundial. A média foi feita com 12 modelos do IPCC AR4 para o período entre 2041-2060 em relação ao clima atual 1900-70, e eles detectaram reduções nas vazões no Rio São Francisco entre 15 a 20% para o período 2080-2099 em relação presente. Figura 9. Tendências lineais do índice de dias secos consecutivos CDD para o Nordeste do Brasil (dias/30 anos) e para extremos de dias com chuva maior que 10 mm R10 (dias/30 anos) para o futuro 2071-2100 em relação ao clima do presente 1961-90. Os mapas mostram a média para o modelo regional HadRM3P (resolução de 50 km lat-lon) para os cenários de emissão A2-altas emissões e B2-Baixas emissões. Cores avermelhadas/azuis representam tendências positivas/negativas do CDD e R10, e escala de cores aparece ao lado direito de cada painel Fonte: Relatório de Clima do Inpe-www.cptec.inpe.br/mudanças_climaticas. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 167 Jose Marengo Os ambientalistas estão preocupados também com a caatinga, apontada como um dos ecossistemas onde deverão ser implementadas ações mais urgentes. A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, abriga uma fauna e uma flora únicas, com muitas espécies endêmicas, que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Trata-se de um dos biomas mais ameaçados do Brasil, com grande parte de sua área tendo já sido bastante modificada pelas condições extremas de clima observadas nos últimos anos, e potencialmente são muito vulneráveis às mudanças climáticas. Resultados de experiências de modelagem de vegetação associadas aos cenários de mudanças de clima de altas emissões (SALAZAR et al., 2007, OYAMA e NOBRE, 2003) sugerem que no semi-árido a caatinga pode dar lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas, até finais do século 21. 8. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE AÇÕES E ADOÇÃO DE POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS A degradação da terra e a desertificação não são problemas restritos ao Brasil. 33% da superfície terrestre, uma área onde moram cerca de 2,6 bilhões de pessoas, sofrem com as mesmas dificuldades. Particularmente na região Subsahara, na África, de 20 a 50% das terras estão degradadas, área onde residem mais de 200 milhões de pessoas. A destruição do solo também é severa na Ásia e América Latina, assim como em outras regiões do globo. O impacto da mudança climática sobre os recursos hídricos no Brasil deverá ser mais dramático, porém, no Nordeste, onde há escassez de água, já é um problema. Atualmente, a disponibilidade hídrica per capita na região é insuficiente nos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, sem contar as variações regionais de déficit hídrico, que tornam a situação ainda mais insustentável para os habitantes do semi-árido afetados pelo stress hídrico. Mudanças climáticas ameaçam intensificar as dificuldades de acesso à água. A combinação das alterações do clima com competição por recursos hídricos pode levar a uma crise “potencialmente catastrófica” e será enfrentada, sobretudo, por agricultores pobres. Num estudo recente, Baettig et al. (2007) construíram um índice cumulativo de mudanças de clima (CCI) a partir dos cenários extremos de altas e baixas emissões dos cenários do IPCC AR4. Os resultados deste estudo para América do Sul (Figura 10) indicam que as mudanças climáticas 168 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil mais intensas para o final do Século 21 acontecerão na região tropical, especificamente Amazônia e Nordeste do Brasil, com valores de CCI variando entre 7.5 a 11 na Amazônia e no sertão nordestino. Essas duas regiões constituem o que poderia ser chamado de climatic change hot spots e representam as regiões mais vulneráveis do Brasil às mudanças de clima. Esse é um índice baseado unicamente em extremos do clima, temperatura e precipitação. Figura 10. Valores do índice cumulativo de mudanças de clima (CCI), a partir dos cenários extremos de altas e baixas emissões dos cenários do IPCC AR4 até o Século Xxi. Escala de cores varia de o a 11. Fonte: Baettig et al. 2007. O Nordeste é a região brasileira mais vulnerável ao aquecimento global. Uma das projeções, levando em conta o cenário mais crítico e o modelo mais rigoroso, aponta para a desertificação do semi-árido nordestino até o fim do século. A curta estação chuvosa presente hoje pode desaparecer. Se o problema se confirmar, será impossível praticar agricultura na região sem o uso de irrigação e o acesso à água será muito dificultado. Os Estados do Nordeste apresentam baixos indicadores sociais e de saúde e, acrescenta-se a isto, a existência de um clima semi-árido, na maior parte da região, aumenta a vulnerabilidade sócio-ambiental da população. Segundo o Atlas de PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 169 Jose Marengo Desenvolvimento Humano da ONU (IBGE, 2007 <www.ibge.gov.br>), os índices que avaliam as condições de vida da população mostram seus valores mais baixos na região. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, todos os estados nordestinos apresentam resultados inferiores (IDH=0.517) à média brasileira (IDH=0.757). O semi-árido nordestino apresenta IDH=0.405, se consideradas as sete regiões dos Estados de Piauí, Pernambuco e Bahia. Entre os dez menores índices de IDH do país, oito são de Estados do Nordeste. A região também apresenta as maiores taxas de mortalidade infantil e a menor expectativa de vida no Brasil. A população mais pobre é a que sofrerá mais e a região mais afetada seria um quadrilátero no Nordeste, compreendendo desde o oeste do Piauí, o sul do Ceará, o norte da Bahia e oeste de Pernambuco, onde se encontram as cidades com menor desenvolvimento humano. As projeções de clima indicam riscos de secas intensas no semi-árido e reduções de chuva em até 40% e aumentos de temperatura em ate 4 a 5oC, no pior cenário de emissão de gases de efeito estufa até o final do Século 21. A Agência Nacional de Águas (ANA) tem liberado recentemente o “Atlas de Água do Nordeste” (ANA 2006). Segundo esse, mais de 70% das cidades com população acima de 5.000 habitantes do semi-árido nordestino enfrentarão crise no abastecimento de água para consumo humano até 2025, independentemente da megaobra de transposição do Rio São Francisco. Problemas de abastecimento deverão atingir cerca de 41 milhões de habitantes da região do semi-árido e entorno, e estimam-se o crescimento da população e a demanda por água em cerca de 1.300 municípios, dos nove Estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais. Na região pesquisada haveria água suficiente para uma população estimada em 8,4 milhões de habitantes em 2025. Outros 41 milhões não teriam garantida a oferta para consumo humano, caso não sejam feitos os investimentos recomendados pelo estudo. Esse seria um cenário no qual estão contempladas medidas para conter perdas de água e melhorar o gerenciamento da demanda. Detalhes do estudo estão disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Águas (<www.ana.gov.br>). Considerando a sensibilidade do Nordeste às variações climáticas, e diante da potencial mudança do clima nessa região, considerada como a mais vulnerável às reduções de chuva e aumento das temperaturas, é necessária uma ação coordenada do governo para enfrentar a mudança de 170 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil clima. O governo brasileiro está criando um sistema para prever a ocorrência de grandes períodos de seca no semi-árido e apontar as áreas suscetíveis a um processo de desertificação desencadeado por mudanças climáticas. Batizado de Sistema Brasileiro de Alerta Precoce de Secas e Desertificação, uma iniciativa dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, o projeto visa à criação e implantação de um sistema que permita prever mais imediata as grandes secas episódicas que atingem a região, assim como a criação de uma ferramenta de diagnóstico para identificar as áreas mais afetadas pela degradação ambiental, e mais suscetíveis à desertificação. Esse sistema é relevante para o Programa Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). O programa é um meio de planejamento que visa definir as diretrizes e as principais ações para o combate e a prevenção do fenômeno da desertificação nas regiões brasileiras com clima semi-árido e sub-úmido seco. Considerando a variabilidade climática no clima do presente e os possíveis cenários de mudanças de clima até finais do século 21, pode-se concluir que o semi-árido é mais freqüentemente afetado por eventos climáticos associados ao déficit hídrico. Isso serve como um indicativo inicial de regiões potencialmente mais vulneráveis devido a sucessivos eventos climáticos críticos. Os cenários de clima futuro mais quente e seco até finais do Século 21 poderiam ainda levar a um agravamento do déficit hídrico no semi-árido, afetando a agricultura de subsistência e a caatinga. Os efeitos não serão sentidos apenas pelos agricultores no semi-árido, mas pelas populações das grandes cidades da região que dependem do abastecimento de alimentos. Essa situação pode levar ao encarecimento dos produtos. Devese salientar que a presente análise se baseia apenas em fatores climáticos, e não levam em conta as ações de mitigação resultantes de políticas públicas atuais. Fazem-se necessários estudos de vulnerabilidade do semi-árido a mudanças dos usos da terra, clima, aumento populacional e conflito de uso de recursos naturais, porém, é este esforço nacional que deverá incluir a elaboração de um Mapa de Riscos e Vulnerabilidade do Semi-árido e às Mudanças Climáticas, integrando as diferentes vulnerabilidades setoriais (saúde, agricultura, economia, transportes, recursos hídricos, elevação do nível do mar, biodiversidade, entre outras) e integrando estas com as demais causas de vulnerabilidade, sejam ambientais ou sociais. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 171 Jose Marengo Um plano contra a mudança climática incluiria tanto ações de adaptação (como mudar o zoneamento em cidades litorâneas para evitar o avanço do mar ou propor um sistema de grande escala de cisternas para armazenamento de água) quanto à mitigação. Em relação à adaptação, atualmente, a maior parte das cisternas no Nordeste é fruto da ação Articulação do Semi-Árido (ASA), uma ONG que reúne mais de 700 entidades da sociedade civil para combater os efeitos da seca no país. A ASA tem um programa denominado “Um Milhão de Cisternas” que, em menos de quatro anos, construiu no Nordeste 215.777 cisternas, destas, 20.532 no Piauí. Podemos concluir que ainda que a seca seja uma situação crônica e continua no semi-árido, a população ainda não tem chegado a um nível de adaptação a este fenômeno. Iniciativas como construção de cisternas e carros pipa podem resolver o problema de uma seca de meses ou poucos anos, mas não resolveriam uma seca mais prolongada. Precisa-se de políticas ambientais de longo prazo, assim como um programa de educação ambiental que podem ajudar a população a entender o problema de mudanças de clima e os seus impactos. Assim, os habitantes do semi-árido poderiam enfrentar o problema, e de adaptar aprendendo a conviver com os impactos das mudanças climáticas, e empreendendo ações de adaptação e mitigação. A melhor forma de mitigar os efeitos da uma possível desertificação é reduzir o risco de o aquecimento global continuar sem freios, ou seja, diminuir rápida e radicalmente as emissões globais de gases do efeito estufa, tanto pela queima de combustível fóssil como pelo desmatamento. O aquecimento global é um processo que não pode ser revertido, mas poderia ser amenizado com este tipo de medida de mitigação. Todas estas ações deverão ser consideras no Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que atualmente está sendo discutido nos meios científicos, acadêmicos e do governo, sob a liderança do Ministério do Meio Ambiente. Agradecimentos Este documento é derivado principalmente dos resultados dos projetos “Caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o território brasileiro ao longo do século 21”, apoiado pelo Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – P ROBIO , C om o apoio do MMA/BIRD/GEF/CNPq e pelo Global Opportunity Fund-GOF do Reino Unido, por meio do projeto “Using Regional Climate Change Scenarios for Studies on Vulnerability and Adaptation in Brazil and South America”. 172 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Atlas Nordeste: abastecimento urbano de água: alternativa de oferta de água para as sedes municipais da Região Nordeste do Brasil e do norte de Minas Gerais. Brasília, 2006. AMBRIZZI, T. et al. 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Ceará: ABC Editora, 2003. Resumo Este estudo apresenta uma revisão do estado da arte em estudos de clima, variabilidade e mudanças climáticas no semi-árido do Nordeste, e são direcionadas principalmente aos aspectos de avaliações de vulnerabilidade e impactos, e com o intuito de fornecer subsídios para políticas regionais de adaptação às mudanças climáticas. O trabalho representa uma atualização do que foi publicado no relatório do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) em 2005. As evidências observadas e o histórico climático da região sugerem que o semi-árido é vulnerável à variabilidade de clima, como evidenciadas pelas secas associadas aos eventos El Niño. Os cenários futuros de clima sugerem ocorrência de secas nesta região no futuro, sendo conseqüência do aquecimento global, que poderá afetar a população, a agricultura e os ecossistemas naturais. Este documento apresenta estudos das tendências climáticas para a região, desenvolvidos durante os últimos 50 anos e baseados em observações. Em seguida, é feita uma análise dos cenários de clima do futuro (até 2100) gerados pelos modelos usados no Quarto Relatório de Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC AR4) e a partir do recente Relatório de Clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Palavras-chave Mudanças climáticas. Vulnerabilidade. Semi-árido. Estudos do clima. PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 175 Jose Marengo Abstract This document represents a review of the state-of-the-art on the knowledge of climate variability and climate change in the semi-arid region of Northeast Brazil, and it is focused on impacts and vulnerability assessments. The main objective is to provide tools for discussions and implementation of regional environmental policies for adaptation and mitigation to climate change. The study updates a previous report published by the Center for Strategic Studies (Núcleo de Assuntos Estratégicos - NAE) in 2005. The evidences provided by the climatic history in the region suggest that the semi-arid region of Northeast Brazil is vulnerable to the extremes of the climate variability, as becoming evident by the droughts during some El Niño events. On longer time scales, future climate change projections suggest the occurrence of drought, which is a consequence of global warming, that may affect the population, agriculture and the natural ecosystems. The contents of this study include analyses of climatic tendencies detected during the last 50 years based on observations. In addition, analyses of climate change projections to the end of the 21 Century (year 2100) are made, using the global climate change projections released by the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), as well as using the results of the climate change projections derived from the regional models runs documented in the Climate Report recently produced by the National Institute for Space Research (Inpe). Keywords Climate changes. Vulnerability. Semi-arid regions. Climate studies. O autor JOSE A. MARENGO é graduado em Física e Meteorologia e mestre em Engenharia de Recursos de Água e Terra (Universidade Nacional Agrária/Peru); e doutor em Meteorologia (Universidade de Wisconsin/USA). Fez pós- doutorado na NASAGISS, Universidade de Columbia e na Universidade da Florida (USA). É pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Mudanças Climáticas, do novo Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST). 176 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008