Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no

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Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do
clima no semi-árido do Brasil
Jose A. Marengo
1. INTRODUÇÃO
O Nordeste brasileiro ocupa 1.600.000 km² do território nacional e
tem incrustado em 62% da sua área, o Polígono das Secas, uma região semiárida de 940 mil km2, que abrange nove Estados do Nordeste e enfrenta um
problema crônico de falta de água e chuva abaixo de 800 mm por ano. No
Semi-Árido, espalhado por 86% do território nordestino, vivem
aproximadamente 30 milhões de pessoas, ou cerca de 15% da população
nacional. São números que fazem do conjunto dessas áreas, a região seca
mais populosa do mundo. A irregularidade das chuvas é um obstáculo
constante ao desenvolvimento das atividades agropecuárias, e a lacuna de
sistemas eficientes para o armazenamento da água – que estão quase sempre
concentrados nas mãos de poucos – intensifica ainda mais os efeitos sociais.
Para piorar, ciclos de fortes estiagens e secas costumam atingir a região em
intervalos que vão de poucos anos a até mesmo décadas. Eles colaboram
para desarticular de vez as já frágeis condições de vida de pequenos
produtores e outros grupos mais pobres, tornando-se, muitas vezes, o gatilho
que faltava para o abandono da região.
Sabe-se que as chuvas do semi-árido da região Nordeste apresentam
enorme variabilidade espacial e temporal. Anos de secas e chuvas abundantes
se alternam de formas erráticas, e grandes são as secas de 1710-11, 172327, 1736-57, 1744-45, 1777-78, 1808-09, 1824-25, 1835-37, 1844-45, 187779, 1982-83, 1997-98, assim como secas menores em 2003 e 2005. A
ocorrência de chuvas, por si só, não garante que as culturas de subsistência
de sequeiro serão bem-sucedidas, e um veranico ou período seco dentro da
quadra chuvosa pode ter impactos bastante adversos à agricultura da região.
No semi-árido é freqüente a ocorrência de períodos secos durante a estação
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chuvosa que, dependendo da intensidade e duração, provocam fortes danos
nas culturas de subsistência (NAE 2005).
A Região Nordeste caracteriza-se naturalmente como de alto potencial
para evaporação da água, em função da enorme disponibilidade de energia
solar e altas temperaturas. Aumentos de temperatura associados à mudança
de clima decorrente do aquecimento global, independente do que possa vir
a ocorrer com as chuvas, já seriam suficientes para causar maior evaporação
dos lagos, açudes e reservatórios e maior demanda evaporativa das plantas.
Isto é, a não ser que haja aumento no volume de chuvas, a água se tornará
um bem mais escasso, com sérias conseqüências para a sustentabilidade do
desenvolvimento regional.
2. CLIMA DO NORDESTE
O Nordeste brasileiro apresenta alta variedade climática, podendo-se
observar desde o clima semi-árido no interior desta Região, com precipitação
acumulada inferior a 500 mm/ano, até o clima chuvoso, observado
principalmente na costa leste, com precipitação acumulada anual superior a
1.500 mm. O litoral norte da Região recebe entre 1.000 e 1.200 mm/ano.
A Figura 1 mostra os totais bimensais de chuva no Nordeste. A área mais
afetada pela falta de chuvas é o Polígono das Secas, uma área de mais de 1
milhão de km2 onde vivem 27 milhões de pessoas, espalhados em oito estados
nordestinos (só o Maranhão fica fora) e norte de Minas Gerais (NAE 2005,
MARENGO e SILVA DIAS, 2007).
Esta região possui basicamente três regimes chuvosos, sendo:
1. No sul-sudoeste da Região Nordeste, o principal período chuvoso
é de outubro a fevereiro. As chuvas são ocasionadas principalmente
pela passagem de frentes frias que vêm do sul do país. Além disso,
podem ser observadas chuvas em forma de pancadas isoladas, que
normalmente ocorrem no final da tarde e início da noite, devido ao
aquecimento durante o dia.
2. No norte da Região Nordeste, abrangendo a maior parte do SemiÁrido, o principal período chuvoso ocorre entre os meses de
fevereiro e maio. Essa região é bastante conhecida, pois é onde
ocorrem as maiores secas. O mais importante sistema causador de
chuvas nesta sub-região é a Zona de Convergência Intertropical
(ZCIT).
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Figura 1. Climatologia bimestral de chuva do Brasil (1970-90). Os tons em
vermelho representam menor volume de chuva e os tons azuis mostram maior
volume de chuva, segundo a escala de cor à esquerda do mapa (em mm durante
três meses). (Fontes: NMRH-AL, SRH-BA, Funceme-CE, SEAG-ES,
SEMARH/LMRS-PB, SECTMA/DMRH-PE, SIMGE-MG, SEAAB-PI,
EMPARN-RN, Cepes-SE, CMCD/Inpe, INMET).
Fonte: Proclima: www.cptec.inpe.br/proclima
3. No Leste do Nordeste ou Zona da Mata, o principal período
chuvoso ocorre de abril a agosto e as chuvas são ocasionadas
principalmente pelos contrastes entre a temperatura do mar junto
à costa e a temperatura do continente. Os ventos, ao soprarem
continente adentro, carregam a umidade do oceano que condensa
e precipita na faixa litorânea e na região da Zona da Mata.
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A Figura 2 mostra a distribuição espacial do mês, no qual a precipitação
média mensal atinge o máximo e também mostra o histograma da distribuição
anual da precipitação para cinco estações representativas. A estação seca,
na maior parte da Região, é observada de setembro a dezembro. O trimestre
mais seco ocorre entre agosto e outubro, numa faixa orientada no sentido
noroeste/sudeste, desde o extremo oeste do Nordeste. A estação mais seca
no leste do Nordeste ocorre entre outubro e dezembro. No sul do Nordeste,
o trimestre mais seco passa para julho/agosto/setembro e finalmente junho/
Figura 2. Distribuição espacial do mês no qual a precipitação média mensal
atinge o máximo e histogramas da distribuição anual de precipitação (eixo
vertical em mm) para cinco estações, representando diferentes regimes
pluviométricos do Nordeste. Os dados utilizados são para o período de 1931 a
1960. A localização das estações está indicada pelas letras Q (Quixeramobim),
O (Olinda), S (Salvador), C (Caetité) e R (Remanso)
Fonte: CPTEC/Inpe.
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julho/agosto, em todo o interior da Bahia. O litoral da Bahia apresenta grande
variedade no regime de chuvas: o trimestre mais seco ocorre em janeiro/
fevereiro/março no extremo sul, justamente no período de maior acumulação
de chuvas imediatamente logo ao sul daquela região. De Salvador para o
norte, o trimestre mais seco ocorre entre agosto e outubro.
O porcentual de dias com déficit hídrico (relação entre o número de
dias com déficit hídrico e o número total de dias) para o período 1970-90
(Figura 3) pode ser usado como critério para avaliar vulnerabilidade climática
do semi-árido. A Figura 3 mostra que a análise baseada no balanço hídrico
indica que as áreas definido hoje como semi-árido (região delimitada pela
isoieta de 800 mm) são consistentes com a região no período 1970-90, com
um déficit hídrico em pelo menos 60% do tempo, de acordo como o modelo
de balanço hídrico. Algumas áreas do Médio Jequitinhonha apresentaram
essa condição, entretanto não estão incluídas pela lei em vigor hoje no semiárido. Assim, a análise baseada no balanço hídrico, o qual incorpora fatores
não considerados na delimitação atual do semi-árido, confirmou que esta
região é mais freqüentemente afetada pelas secas.
Figura 3. Mapa de chuva anual 1961-90 e escala de cores em mm.
Percentual de dias com déficit hídrico no período 1970-90 e escala de cores em %
(inferior-direita)
Fonte: Proclima-www.cptec.impe.br/proclima.
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3. VARIABILIDADE CLIMÁTICA
O gerenciamento dos recursos hídricos na região semi-árida depende
muito da variabilidade do clima, especialmente a distribuição de chuvas. A
variabilidade climática em longo prazo tem sido estudada com algum grau e
detalhamento pelos centros climáticos do Brasil e do Nordeste (MARENGO
e SILVA DIAS 2007, MARENGO 2002, 200 a, b, SOUZA FILHO 2003).
Porém, ainda resta conhecer esta variabilidade com as incertezas associadas
à futura mudança climática, seja devido à variabilidade natural do clima ou
à ação antropogênica, que determina incrementos na concentração de gases
de efeito estufa na atmosfera.
Mudanças climáticas no Brasil ameaçam intensificar as dificuldades
de acesso à água. A combinação das alterações do clima, na forma de falta
de chuva ou pouca chuva acompanhada de altas temperaturas e altas taxas
de evaporação e, com a competição por recursos hídricos, podem levar a
uma crise potencialmente catastrófica, sendo os mais vulneráveis os
agricultores pobres, como os agricultores de subsistência na área do semiárido do Nordeste. Com um semi-árido mais árido e com maior freqüência
de secas, a base de sustentação para as atividades humanas diminuirá, sendo
provável que aumente o deslocamento da população para as cidades ou
para as áreas onde seja possível desenvolver a agricultura irrigada. Segundo
o IPCC (2007a), mesmo que se consiga hoje reduzir as emissões de gases
para os níveis de 1990 – um esforço gigantesco e pouco provável – a
temperatura do planeta aumentará cerca de 1oC até 2100, com projeções de
até 4,5oC no pior cenário de emissões altas. Na verdade, a temperatura já
aumentou 0,7oC nos últimos 50 anos em todo o Brasil, e, no Nordeste, o
aumento foi de 1,5 a 2oC na temperatura máxima em 41 anos (F. LacerdaLaboratorio de Meteorologia-ITEP, Recife).
No que concerne à população, aqueles com menos recursos e com
menor capacidade de se adaptar são os mais vulneráveis. O estudo
desenvolvido pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República em 2005 (NAE 2005) sugere que o Nordeste é a região mais
vulnerável às mudanças climáticas. O semi-árido nordestino que apresenta
uma curta, porém crucial estação chuvosa poderia, num clima mais quente
e seco no futuro, transformar-se em região árida. Isto pode afetar a agricultura
de subsistência regional, a disponibilidade de água e a saúde da população,
obrigando as populações a migrarem, gerando ondas de “refugiados
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ambientais do clima”, para as grandes cidades da região ou para outras regiões,
aumentando os problemas sociais já presentes nas grandes cidades. Esse
problema já tem sido observado nas grandes secas de 1777-78, 1876, 1983
e 1998 entre outras.
Esse artigo representa uma atualização do que aparece em NAE (2005),
enfatizando os aspectos associados a mudanças de clima na Região Nordeste,
com o intuito de analisar futuros cenários de clima na região até finais do
século 21. São apresentadas análises sobre vulnerabilidade da região
Nordeste, relacionadas aos impactos decorrentes da mudança climática,
sugerindo áreas potencialmente vulneráveis à mudança de clima, assim como
possíveis ações de adaptação e mitigação. Sugere-se ao leitor, acessar as
seguintes referências bibliográficas, para expandir ainda mais esta revisão
de literatura sobre clima e variabilidade climática no Nordeste: Magalhães
et al., 1988; Xavier, 2001; Marengo, 2003 2007a; Marengo e Nobre, 2001;
Silva Dias e Marengo, 2002; Nobre et al., 2006; IPCC, 2007 a, b; Marengo e
Silva Dias, 2007.
4. VULNERABILIDADE A EXTREMOS DA VARIABILIDADE DE CLIMA NO SEMIÁRIDO DO NORDESTE NO PRESENTE
Uma mudança de variabilidade climática aumenta a vulnerabilidade
de um sistema ecológico e aumenta as incertezas no processo de
administração da água. O termo vulnerabilidade denota um limite onde uma
pessoa ou sistema pode ser afetado. Por outro lado, sustentabilidade significa
a capacidade de um sistema manter-se em uma determinada condição. Então,
a vulnerabilidade denota o ponto onde a sustentabilidade pode ser
comprometida. Concluindo, no presente contexto, vulnerabilidade e
sustentabilidade são conceitos correlatos, onde uma frágil sustentabilidade
de um sistema é entendida como mais vulnerável.
De modo geral, a economia da zona do semi-árido apresenta-se como
um complexo de pecuárias extensivas e agricultura de baixo custo que
renderam muito, apoiadas nos consórcios de proprietários formados por
algodão, milho, feijão e mandioca. Esse tipo de agricultura de subsistência é
altamente vulnerável ao fenômeno das secas.
Como exemplo de extremos climáticos de grande impacto na região, a
grande seca de 1998 e 1999 resultou em uma queda de 72% na produção de
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feijão, milho, arroz, algodão e mandioca durante a seca, segundo o estudo
da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) numa pesquisa envolvendo 15
municípios de cinco estados afetados. As chuvas durante o verão de 2004
foram consideradas acima do normal, pois teve episódios de chuva intensa
no estado do Ceará em janeiro 2004, sendo a chuva neste mês de
aproximadamente 500% acima do normal, que geraram grandes perdas
econômicas no Ceará (NAE, 2005). Maiores discussões aparecem na Seção 5.
5. IMPACTOS DE EXTREMOS CLIMÁTICOS NA HISTÓRIA ECONÔMICA DO SEMIÁRIDO
Seca
A principal manifestação da variabilidade climática no Nordeste
brasileiro é a seca. O semi-árido tem no passado uma história de secas que
afetam, de forma drástica, sua população rural. A região é um enclave de
escassa precipitação que abrange desde os litorais do Estado do Ceará e do
Rio Grande do Norte até o médio do Rio São Francisco, com uma vegetação
de tipo caatinga. Historicamente, a região sempre foi afetada por grandes
secas ou grandes cheias. Relatos de secas na região podem ser encontrados
desde o século 17, quando os portugueses chegaram à região. Kane (1989)
indicou para o Nordeste, que em 29 anos de El Niño, durante 137 anos, no
período 1849-1985, apenas 12 foram associados à secas na região.
No semi-árido nordestino, essa variabilidade climática, em particular
as situações de seca, sempre é sinônima de agruras nas populações rurais do
interior da região, e tem sido objeto de preocupação da sociedade e
organismos do governo ao longo dos anos. A prova cabal dessa preocupação
a construção dos primeiros reservatórios hídricos no semi-árido nordestino
que datam do final do século 19, durante o período imperial, a exemplo da
construção do açude do Cedro em Quixadá/CE. Os diversos autores que
enumeram as secas do século 17 a 19 têm como base de análise o registro
histórico feito pelos escritores da época, ou ainda, por depoimento pessoal.
Torna-se difícil de alcançar uma classificação objetiva dos anos secos, a
exceção dos eventos das grandes secas tais como 1777 e 1877.
Segundo um estudo de Souza Filho (2003), o Semi-Árido Nordestino
do século 18 apresentava uma baixíssima densidade demográfica. A baixa
densidade demográfica não reduziu o impacto das secas na economia regional
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neste século. Brígido (2001) observa que “a de 1777, que durou até 1778,
fez perder-se sete oitavos do gado existente na capitania do Ceará”; e “a
seca de 1725 foi tão grande que fez secar as fontes do Cariri”, provavelmente
impactando o plantio de cana e a policultura que se instalava naquela área.
Essas secas estão associadas às características climáticas da região e
às variabilidades dos Oceanos Pacífico e Atlântico Tropical (MARENGO e
SILVA DIAS, 2007, NOBRE et al., 2006). Estatisticamente, acontecem de
18 a 20 anos de seca a cada cem anos. As secas mais graves, que acontecem
quando a chuva se reduz a menos da metade desse índice, aparecem em
registros históricos desde o início da colonização, no século 16, e são comuns.
Até agora, o século 20 foi um dos mais áridos, registrando nada menos que
27 anos de estiagem. A seca mais longa começou em 1979 e 50% do gado
morreu por falta d’água, a desnutrição explodiu e milhares de pessoas
morreram de sede e desnutrição.
O primeiro processo econômico do semi-árido foi a criação de gado,
que ocupou os sertões até a grande seca de 1877, quando sete oitavos do
rebanho que existia no semi-árido foi dizimado pela seca. Naquela época, a
manufatura de couro era uma atividade econômica de importância. O segundo
processo econômico foi à associação de gado com algodão. No período de
1844 a 1877, as chuvas foram regulares e o gado se reproduziu, aumentando
significativamente as densidades populacionais. A Guerra Civil Americana
possibilitou acesso do algodão do semi-árido para o mercado europeu. E o
solo, ainda não degradado, elevava a produtividade do algodão. Esse quadro
evolui até a seca de 1877, em que a indústria de algodão e gado foi dizimada.
Assim, observa-se que uma visão de desenvolvimento para o Nordeste semiárido não pode prescindir de uma abordagem da questão da convivência
como a variabilidade climática.
A partir de 1942, não tem havido vítimas da seca, salvo casos isolados.
Guerra (1981) diz que “havia água saudável em grandes reservatórios, onde
ocorriam as maiores irrigações. A política de açudagem tem como marco
inicial a construção do reservatório Cedro, iniciado em 1884 pelo engenheiro
Revy, e concluída em 1924 pelo engenheiro Piquet Carneiro. Outras obras
do tipo do Cedro, que possibilitassem irrigação, só seriam construídas a partir
da Seca de 1930/32.” Reservatórios como Estreito Ema, Feiticeiro, Choro,
General Sampaio, Jaibara, no Ceará; Riacho dos Cavalos, Pilões, santa Luzia,
São Gonçalo, Condado e Soledade, na Paraíba; Lucrecia, Ithans e Inharé no
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Rio Grande do Norte; assim como o início do reservatório Curemas
(Paraíba), Lima Campos (Ceará).
Analisando os efeitos das secas sobre a produção ocorrida no período
1973-83, o Relatório do Senado Federal (1997) estima que, computando as
cifras totais do período, chega-se a números impressionantes de 1,6 milhões
de TM de algodão; 4 milhões de TM de mandioca; 3 milhões de TM de
milho e 952 mil TM de feijão, sem considerar as demais perdas verificadas
em outros produtos. O El Niño de 1983 afetou 1328 municípios, com uma
população afetada da ordem de 28.954.000 pessoas. Durante o El Niño de
1998, após o desastre da seca gerada pelo fenômeno climático, o governo
federal disponibilizou 465 milhões de Reais de um total de 1,6 bilhões para
atender aos flagelados pela seca (NAE 2005).
A Figura 4 apresenta a variabilidade da chuva no semi-árido para a
quadra chuvosa março-abril-maio, e podem ser observadas as grandes secas
já mencionadas no texto. As maiores secas têm sido atribuídas a El Nino,
como em 1983 e 1998, e outros eventos de seca têm sido atribuídos ao
Figura 4. Anomalias de chuva (mm/dia) na região do semi-árido nordestino
durante a quadra chuvosa março-abril-maio (MAM) desde 1901 até 2000,
em relação a média histórica.
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aquecimento do Oceano Atlântico Tropical Norte. Não têm se observadas
tendências de aumento ou redução sistemática da chuva, ainda que durante
os últimos 5 anos as chuvas têm-se apresentado em menores volumes e de
forma irregular. Em novembro de 2007, quando a represa de Sobradinho
chegou a apenas 15% de seu volume preenchido, 158 municípios do estado
da Paraíba estavam em estado de emergência motivado por uma seca. Nesse
ano as chuvas foram de até 2,5 mm/dia menor que o normal. As variações
de chuva no Nordeste apresentam variações em escala interdecadal, com
períodos reçativamente úmidos, na década de 1970, e mais secos, na década
de 1940.
Enchentes
As chuvas intensas que ocorreram em toda a Região, em janeiro de
2004, geraram os totais acumulados de chuva em algumas regiões que, nesse
período, chegaram a 500% acima da média histórica. Em algumas localidades,
os máximos de precipitação excederam em mais que 300 mm a média
climatológica do mês. Em Picos (PI) choveu 436 mm, quando a média do
mês é igual a 127 mm; na cidade de Barra (BA), choveu 280 mm (a média
do mês é 12 mm); em Quixeramobim (CE), choveu 252 mm (a média do
mês é 78 mm). As reservas hídricas do Nordeste que no início de janeiro
tinham, em média, cerca de 30% da capacidade máxima, atingiram no final
do mês um percentual superior a 90%, devido aos altos índices pluviométricos
no verão de 2004. Segundo o CPTEC, as causas destas chuvas intensas
apontam para um transporte de umidade atmosférica desde o Atlântico
tropical e da bacia Amazônica até o Nordeste, que é algo incomum, mas
não impossível de acontecer.
Segundo a Secretaria Nacional da Defesa Civil, as enchentes de janeiro
2004 no Nordeste tiveram os seguintes impactos: 219 mortos, 1404 feridos,
370.000 desabrigados e desalojados; 1219 municípios atingidos (42% dos
municípios de Nordeste foram atingidos), e 115.984 casas destruídas ou
danificadas. Ainda assim, as chuvas durante a quadra chuvosa MAM 2004
foram de 2 mm/dia menor que o normal.
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6. AÇÕES DE MONITORAMENTO DE VULNERABILIDADE CLIMÁTICA NO SEMIÁRIDO
Visto que a precipitação na Região Nordeste apresenta uma grande
variabilidade no tempo e espaço, a ocorrência de chuvas, por si só, não
garante que as culturas de subsistência serão bem sucedidas. Uma seca intensa
durante a quadra chuvosa, ou uma precipitação intensa ou excessiva na
mesma época, podem ter impactos bastante negativos na economia regional
e nacional, pois o governo federal tem que tomar ações para mitigar os danos
e reduzir o prejuízo.
Nesse contexto, o Programa de Monitoramento Climático em Tempo
Real da Região Nordeste (Proclima) é uma iniciativa conjunta da Sudene e
do Ministério da Integração Nacional para monitorar a estação chuvosa na
Região Nordeste. O Proclima é executado pelo CPTEC/Inpe e pelos estados
da Região Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, através dos núcleos e
laboratórios estaduais participantes do Programa de Monitoramento de
Tempo, Clima e Recursos Hídricos (PMTCRH) do Ministério da Ciência e
Tecnologia. Um dos produtos gerados pelo Proclima é o número de dias
com déficit hídrico durante o período chuvoso, que é uma boa referência do
comportamento da precipitação pluviométrica, em quantidade e regularidade,
como também, do possível impacto sobre as atividades agrícolas, podendo
assim ser considerado, como um indicador da vulnerabilidade da agricultura,
a falta de chuva nessa região.
As Figuras 5a-b mostram o número de dias com déficit hídrico no
Trimestre Chuvoso na região de atuação da Sudene para anos extremos:
seco 1998-99 e chuvoso 2003-2004. É importante lembrar que os regimes
climáticos na Região Nordeste são diferenciados, o que determina que o
início do período chuvoso seja diferente em cada micro-região. A análise
apresentada concentra-se no trimestre chuvoso de cada um das sub-regiões
da área do semi-árido que compreende os meses de fevereiro, março, abril e
maio. As cores esverdeadas apresentam áreas potencialmente favoráveis para
atividades agrícolas. As áreas com cores amareladas correspondem a situações
intermediárias, onde houve queda de produtividade ou perda parcial de safra.
De um modo geral, pode-se observar uma incidência de condições climáticas
pouco propícias para agricultura na região do semi-árido.
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Um número de dias (com déficit hídrico elevado) é indicativo de
chuvas insuficientes ou da ocorrência de veranicos em períodos críticos de
desenvolvimento da cultura (fenômeno chamado de seca verde no semiárido), podendo, então, ser associado a um possível colapso de culturas de
subsistência. No caso do ano seco 1998-99 (ano de El Niño), as áreas com
cores avermelhadas indicam áreas que apresentaram significativo déficit
hídrico, no qual a atividade agrícola esteve comprometida. Essas áreas com
cores vermelhas compreendem grandes áreas do semi-árido desde o Nordeste
da Bahia até o Rio Grande do Norte. No ano chuvoso 2003-2004, a situação
melhorou notavelmente e o semi-árido apresentou áreas com 40-50 dias
com déficit hídrico, comparado com valores de 80-90 dias com déficit no
ano seco. A análise preliminar indica que, na estação chuvosa 1998/1999,
houve efeitos mais severos desde o sul do estado de Rio Grande do Norte
até o Norte da Bahia.
Figura 5. Dias secos com déficit hídrico no trimestre chuvoso no Nordeste: (a)
ano seco 1998-99, (b) ano chuvoso 2003-2004
Fonte: Proclima-CPTEC/Inpe
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A Figura 6 indica áreas que apresentaram déficit hídrico superior a 30
dias no período 1999-2007 (a) e com déficit superior a 30 dias em anos
consecutivos. As áreas com cores avermelhadas apresentaram déficit hídrico
severo nos últimos quatro períodos chuvosos, enquanto cores verdes indicam
áreas nas quais não houve déficit hídrico severo em pelo menos três últimos
períodos chuvosos. A partir dessa análise, pode-se concluir que as áreas em
vermelho estão mais vulneráveis diante da possibilidade de ocorrência de
uma nova seca na estação chuvosa 2007-08. Portanto, o quadro de umidade
do solo está se apresentando desfavorável na região que abrange o norte da
Bahia, o leste do Piauí, centro e oeste de Pernambuco e o centro da Paraíba
e Rio Grande do Norte. Essas áreas são as mais freqüentemente afetadas
por eventos climáticos e servem com um indicativo inicial de regiões
potencialmente mais vulneráveis devido a sucessivos eventos climáticos
críticos. Deve-se salientar que a presente análise se baseia apenas em fatores
climáticos e não levam em conta as ações de mitigação resultantes de políticas
públicas atuais.
Figura 6. Dias secos, com déficit hídrico superior a 30 dias no trimestre
chuvoso no Nordeste, no período 1999-2007 em: (a) anos não consecutivos,
(b) anos consecutivos
Fonte: Proclima-CPTEC/Inpe
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7. VULNERABILIDADE DO SEMI-ÁRIDO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS FUTURAS:
POSSÍVEIS RISCOS E IMPACTOS DECORRENTES DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
As projeções de clima futuro, liberadas pelo Quarto Relatório do IPCC
AR4 (IPCC, 2007 a, b), e pelo Relatório de Clima do Inpe (MARENGO et
al., 2007 a e b; AMBRIZZI et al., 2007) têm mostrado cenários de secas e
eventos extremos de chuva em grandes áreas do planeta e do Brasil,
respectivamente. No Brasil, a região mais vulnerável, do ponto de vista social
à mudança de clima, seria o semi-árido (ou simplesmente o “sertão”).
A Figura 7 apresenta as anomalias de chuva geradas por 5 modelos
climáticos globais do IPCC AR4 para o período 2000-2100 (MARENGO,
2007 a), em relação à média de 1961-90, para dos cenários climáticos de
emissão extremos: A2 (Altas emissões de gases de efeito estufa-pessimista)
e B2 (baixas emissões de gases de efeito estufa-otimista). Para o cenário B2,
os modelos climáticos CSIRO (Austrália), GFDL (EUA), CCMA (Canadá)
desde 2000 e o modelo CCSR/NIES desde 2060 mostram anomalias
positivas de chuva, que chegam a 2 mm/dia no GFDL para 2100. No cenário
A2, o modelo CCSR/NIES (Japão) apresenta anomalias positivas que são
menos intensas que no cenário B2. No A2, a maior diferença com B2 está
Figura 7. Séries de tempo de anomalias de chuva para Nordeste durante
FMAM de 2000-2100, geradas pelos modelos acoplados oceano-atmosfera de
IPCC-AR4 CCMA, CCSR/NIES, CSIRO, GFDL e HadCM3. As anomalias
foram calculadas em relação á climatologia de 1961-90 de cada modelo. As
séries foram suavizadas usando uma média móvel de 11 anos
Fonte: Marengo 2007a.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 163
Jose Marengo
no modelo GFDL, que apresenta tendências positivas de chuva chegando a
4-5 mm/dia em 2100, comparado com 2 mm/dia-1 no cenário B2. Nos dois
cenários, o modelo HadCM3 (Reino Unido) apresenta anomalias de chuva
negativas chegando a 1.5 mm/dia em 2100.
O Relatório do Clima do Inpe tem apresentado cenários de mudanças
de clima no Brasil até finais do século 21. O relatório descreve os cenários
regionalizados de clima para o futuro (2071-2100) derivados de três modelos
regionais de clima (Eta-CPTEC, HadRM3 e RegCM3, com resolução espacial
de 50 km latitude-logitude) forçados com o modelo global do Centro
Climático do Reino Unido (Hadley Centre) HadAM3, para os cenários
extremos de emissão A2-pessimista e B2-otimista. Maiores detalhes podem
ser achados em Ambrizzi et al. (2007) e Marengo et al (2007 a, b). As Figuras
8 e 9 mostram as projeções sazonais de mudanças de temperatura e chuva
para o Nordeste durante 2071-2100 em relação ao presente (definido como
1961-90) para os dois cenários climáticos A2 e B2, e para a média dos três
modelos regionais. Segundo esse relatório do Inpe, no cenário climático
pessimista, as temperaturas aumentariam de 2 ºC a 4 ºC e as chuvas se
reduziriam entre 15-20% (2-4 mm/dia) no Nordeste, até o final do século
21. No cenário otimista, o aquecimento seria entre 1-3ºC e a chuva ficaria
entre 10-15% (1-2 mm/dia) menor que no presente a nível anual.
Em relação a eventos extremos de clima, o impacto mais importante
seria um aumento no índice de dias secos consecutivos CDD (indicadores
dos chamados “veranicos”), chegando até mais de 30 dias/ano em 20712100 no cenário A2 (Figura 8) comparado a 12 dias/ano no clima do presente,
assim como uma redução de dias com extremos intensos de chuva,
especialmente no interior do Nordeste e no litoral de Piauí e na Bahia.
Esses seriam os possíveis impactos da mudança de clima num cenário
de aquecimento global, considerando os cenários otimistas e pessimistas
identificados pelo IPCC e dos resultados do Relatório de Clima do Inpe:
– Um aumento de 3ºC ou mais na temperatura média deixaria ainda
mais seco os locais que hoje têm maior déficit hídrico no semiárido;
– A curta estação chuvosa presente hoje pode desaparecer. Se o
problema se confirmar, será impossível praticar agricultura na região
sem o uso de irrigação, e o acesso à água será muito dificultado;
164 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil
Figura 8. Anomalias anuais de chuva para o Nordeste (em mm/dia) para o
futuro 2071-2100, em relação ao clima do presente 1961-90. Anomalias
representam à média de três modelos regionais (resolução de 50 km lat-lon) para
os cenários de emissão A2-altas emissões e B2-Baixas emissões. Cores
avermelhadas/azuis representam anomalias negativas/positivas de chuva, e escala
de cores aparece ao lado direito de cada painel.
Fonte: Relatório de Clima do Inpe-www.cptec.inpe.br/mudanças_climaticas
PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 165
Jose Marengo
– O alto potencial para evaporação do Nordeste, combinado com o
aumento de temperatura, causaria diminuição da água de lagos,
açudes e reservatórios;
– O semi-árido nordestino ficará vulnerável a chuvas torrenciais e
concentradas em curto espaço de tempo, resultando em enchentes
e graves impactos sócio-ambientais;
– Espera-se uma maior freqüência de dias secos consecutivos e de
ondas de calor decorrente do aumento na freqüência de veranicos;
– A produção agrícola de subsistência de grandes áreas pode se tornar
inviável, colocando a própria sobrevivência do homem em risco;
– Com a degradação do solo, aumentará a migração para as cidades
costeiras, agravando ainda mais os problemas urbanos;
– A caatinga pode dar lugar a uma vegetação mais típica de zonas
áridas, com predominância de cactáceas. O desmatamento da
Amazônia também afetará a região.
O cenário pessimista sugere uma tendência de extensão da deficiência
hídrica (maior freqüência de dias secos consecutivos) por praticamente todo
o ano para o Nordeste, isto é, tendência a “aridização” da região semi-árida
até final do século 21. Define-se “aridização” como sendo uma situação na
qual o déficit hídrico que atualmente apresenta-se no semi-árido durante 67 meses do ano seja estendido para todo o ano, conseqüência de um aumento
na temperatura e redução das chuvas. Em resumo, grande parte do semiárido nordestino, onde a agricultura não irrigada já é atividade marginal,
tornar-se-ia ainda mais marginal para a prática da agricultura de subsistência.
Resultados de estudos mostrados no Relatório do Grupo de Trabalho
II do IPCC (2007b) revelam que, no processo de aquecimento global, não
só choverá menos e as secas serão mais intensas, mas há outro perigo –
alguns indicadores apontam que o processo de aquecimento global também
significará uma redução no nível de água dos reservatórios subterrâneos.
Falam-se muito em água do subsolo para se resolver, de vez, os problemas
hídricos da região semi-árida nordestina. Porém, como conseqüência das
mudanças climáticas, espera-se uma redução de água nos aqüíferos
nordestinos, que pode chegar a 70% até o ano 2050. Um estudo desenvolvido
por um grupo de pesquisadores do Serviço Geológico dos Estados Unidos
166 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil
(MILLY et al. 2005) avalia o impacto de mudanças climáticas em vazões de
rios em nível mundial. A média foi feita com 12 modelos do IPCC AR4 para
o período entre 2041-2060 em relação ao clima atual 1900-70, e eles
detectaram reduções nas vazões no Rio São Francisco entre 15 a 20% para
o período 2080-2099 em relação presente.
Figura 9. Tendências lineais do índice de dias secos consecutivos CDD para o
Nordeste do Brasil (dias/30 anos) e para extremos de dias com chuva maior que
10 mm R10 (dias/30 anos) para o futuro 2071-2100 em relação ao clima do
presente 1961-90. Os mapas mostram a média para o modelo regional
HadRM3P (resolução de 50 km lat-lon) para os cenários de emissão A2-altas
emissões e B2-Baixas emissões. Cores avermelhadas/azuis representam
tendências positivas/negativas do CDD e R10, e escala de cores aparece ao lado
direito de cada painel
Fonte: Relatório de Clima do Inpe-www.cptec.inpe.br/mudanças_climaticas.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 167
Jose Marengo
Os ambientalistas estão preocupados também com a caatinga,
apontada como um dos ecossistemas onde deverão ser implementadas ações
mais urgentes. A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, abriga
uma fauna e uma flora únicas, com muitas espécies endêmicas, que não são
encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Trata-se de um dos biomas
mais ameaçados do Brasil, com grande parte de sua área tendo já sido bastante
modificada pelas condições extremas de clima observadas nos últimos anos,
e potencialmente são muito vulneráveis às mudanças climáticas. Resultados
de experiências de modelagem de vegetação associadas aos cenários de
mudanças de clima de altas emissões (SALAZAR et al., 2007, OYAMA e
NOBRE, 2003) sugerem que no semi-árido a caatinga pode dar lugar a uma
vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas, até
finais do século 21.
8. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE AÇÕES E ADOÇÃO DE POLÍTICAS
E ESTRATÉGIAS DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A degradação da terra e a desertificação não são problemas restritos
ao Brasil. 33% da superfície terrestre, uma área onde moram cerca de 2,6
bilhões de pessoas, sofrem com as mesmas dificuldades. Particularmente na
região Subsahara, na África, de 20 a 50% das terras estão degradadas, área
onde residem mais de 200 milhões de pessoas. A destruição do solo também
é severa na Ásia e América Latina, assim como em outras regiões do globo.
O impacto da mudança climática sobre os recursos hídricos no Brasil
deverá ser mais dramático, porém, no Nordeste, onde há escassez de água,
já é um problema. Atualmente, a disponibilidade hídrica per capita na região
é insuficiente nos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas e Sergipe, sem contar as variações regionais de déficit hídrico, que
tornam a situação ainda mais insustentável para os habitantes do semi-árido
afetados pelo stress hídrico. Mudanças climáticas ameaçam intensificar as
dificuldades de acesso à água. A combinação das alterações do clima com
competição por recursos hídricos pode levar a uma crise “potencialmente
catastrófica” e será enfrentada, sobretudo, por agricultores pobres.
Num estudo recente, Baettig et al. (2007) construíram um índice
cumulativo de mudanças de clima (CCI) a partir dos cenários extremos de
altas e baixas emissões dos cenários do IPCC AR4. Os resultados deste
estudo para América do Sul (Figura 10) indicam que as mudanças climáticas
168 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil
mais intensas para o final do Século 21 acontecerão na região tropical,
especificamente Amazônia e Nordeste do Brasil, com valores de CCI variando
entre 7.5 a 11 na Amazônia e no sertão nordestino. Essas duas regiões
constituem o que poderia ser chamado de climatic change hot spots e representam
as regiões mais vulneráveis do Brasil às mudanças de clima. Esse é um índice
baseado unicamente em extremos do clima, temperatura e precipitação.
Figura 10. Valores do índice cumulativo de mudanças de clima (CCI), a partir
dos cenários extremos de altas e baixas emissões dos cenários do IPCC AR4 até
o Século Xxi. Escala de cores varia de o a 11.
Fonte: Baettig et al. 2007.
O Nordeste é a região brasileira mais vulnerável ao aquecimento global.
Uma das projeções, levando em conta o cenário mais crítico e o modelo
mais rigoroso, aponta para a desertificação do semi-árido nordestino até o
fim do século. A curta estação chuvosa presente hoje pode desaparecer. Se
o problema se confirmar, será impossível praticar agricultura na região sem
o uso de irrigação e o acesso à água será muito dificultado. Os Estados do
Nordeste apresentam baixos indicadores sociais e de saúde e, acrescenta-se
a isto, a existência de um clima semi-árido, na maior parte da região, aumenta
a vulnerabilidade sócio-ambiental da população. Segundo o Atlas de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 169
Jose Marengo
Desenvolvimento Humano da ONU (IBGE, 2007 <www.ibge.gov.br>), os
índices que avaliam as condições de vida da população mostram seus valores
mais baixos na região. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
da ONU, todos os estados nordestinos apresentam resultados inferiores
(IDH=0.517) à média brasileira (IDH=0.757). O semi-árido nordestino
apresenta IDH=0.405, se consideradas as sete regiões dos Estados de Piauí,
Pernambuco e Bahia. Entre os dez menores índices de IDH do país, oito
são de Estados do Nordeste. A região também apresenta as maiores taxas
de mortalidade infantil e a menor expectativa de vida no Brasil.
A população mais pobre é a que sofrerá mais e a região mais afetada
seria um quadrilátero no Nordeste, compreendendo desde o oeste do Piauí,
o sul do Ceará, o norte da Bahia e oeste de Pernambuco, onde se encontram
as cidades com menor desenvolvimento humano. As projeções de clima
indicam riscos de secas intensas no semi-árido e reduções de chuva em até
40% e aumentos de temperatura em ate 4 a 5oC, no pior cenário de emissão
de gases de efeito estufa até o final do Século 21.
A Agência Nacional de Águas (ANA) tem liberado recentemente o
“Atlas de Água do Nordeste” (ANA 2006). Segundo esse, mais de 70% das
cidades com população acima de 5.000 habitantes do semi-árido nordestino
enfrentarão crise no abastecimento de água para consumo humano até 2025,
independentemente da megaobra de transposição do Rio São Francisco.
Problemas de abastecimento deverão atingir cerca de 41 milhões de
habitantes da região do semi-árido e entorno, e estimam-se o crescimento
da população e a demanda por água em cerca de 1.300 municípios, dos
nove Estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais. Na região pesquisada
haveria água suficiente para uma população estimada em 8,4 milhões de
habitantes em 2025. Outros 41 milhões não teriam garantida a oferta para
consumo humano, caso não sejam feitos os investimentos recomendados
pelo estudo. Esse seria um cenário no qual estão contempladas medidas
para conter perdas de água e melhorar o gerenciamento da demanda. Detalhes
do estudo estão disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de
Águas (<www.ana.gov.br>).
Considerando a sensibilidade do Nordeste às variações climáticas, e
diante da potencial mudança do clima nessa região, considerada como a
mais vulnerável às reduções de chuva e aumento das temperaturas, é
necessária uma ação coordenada do governo para enfrentar a mudança de
170 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil
clima. O governo brasileiro está criando um sistema para prever a ocorrência
de grandes períodos de seca no semi-árido e apontar as áreas suscetíveis a
um processo de desertificação desencadeado por mudanças climáticas.
Batizado de Sistema Brasileiro de Alerta Precoce de Secas e Desertificação,
uma iniciativa dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia,
o projeto visa à criação e implantação de um sistema que permita prever
mais imediata as grandes secas episódicas que atingem a região, assim como
a criação de uma ferramenta de diagnóstico para identificar as áreas mais
afetadas pela degradação ambiental, e mais suscetíveis à desertificação. Esse
sistema é relevante para o Programa Nacional de Combate à Desertificação
e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). O programa é um meio de
planejamento que visa definir as diretrizes e as principais ações para o
combate e a prevenção do fenômeno da desertificação nas regiões brasileiras
com clima semi-árido e sub-úmido seco.
Considerando a variabilidade climática no clima do presente e os
possíveis cenários de mudanças de clima até finais do século 21, pode-se
concluir que o semi-árido é mais freqüentemente afetado por eventos
climáticos associados ao déficit hídrico. Isso serve como um indicativo inicial
de regiões potencialmente mais vulneráveis devido a sucessivos eventos
climáticos críticos. Os cenários de clima futuro mais quente e seco até finais
do Século 21 poderiam ainda levar a um agravamento do déficit hídrico no
semi-árido, afetando a agricultura de subsistência e a caatinga. Os efeitos
não serão sentidos apenas pelos agricultores no semi-árido, mas pelas
populações das grandes cidades da região que dependem do abastecimento
de alimentos. Essa situação pode levar ao encarecimento dos produtos. Devese salientar que a presente análise se baseia apenas em fatores climáticos, e
não levam em conta as ações de mitigação resultantes de políticas públicas
atuais.
Fazem-se necessários estudos de vulnerabilidade do semi-árido a
mudanças dos usos da terra, clima, aumento populacional e conflito de uso
de recursos naturais, porém, é este esforço nacional que deverá incluir a
elaboração de um Mapa de Riscos e Vulnerabilidade do Semi-árido e às
Mudanças Climáticas, integrando as diferentes vulnerabilidades setoriais
(saúde, agricultura, economia, transportes, recursos hídricos, elevação do
nível do mar, biodiversidade, entre outras) e integrando estas com as demais
causas de vulnerabilidade, sejam ambientais ou sociais.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 171
Jose Marengo
Um plano contra a mudança climática incluiria tanto ações de adaptação
(como mudar o zoneamento em cidades litorâneas para evitar o avanço do
mar ou propor um sistema de grande escala de cisternas para armazenamento
de água) quanto à mitigação. Em relação à adaptação, atualmente, a maior
parte das cisternas no Nordeste é fruto da ação Articulação do Semi-Árido
(ASA), uma ONG que reúne mais de 700 entidades da sociedade civil para
combater os efeitos da seca no país. A ASA tem um programa denominado
“Um Milhão de Cisternas” que, em menos de quatro anos, construiu no
Nordeste 215.777 cisternas, destas, 20.532 no Piauí. Podemos concluir que
ainda que a seca seja uma situação crônica e continua no semi-árido, a
população ainda não tem chegado a um nível de adaptação a este fenômeno.
Iniciativas como construção de cisternas e carros pipa podem resolver o
problema de uma seca de meses ou poucos anos, mas não resolveriam uma
seca mais prolongada. Precisa-se de políticas ambientais de longo prazo,
assim como um programa de educação ambiental que podem ajudar a
população a entender o problema de mudanças de clima e os seus impactos.
Assim, os habitantes do semi-árido poderiam enfrentar o problema, e de
adaptar aprendendo a conviver com os impactos das mudanças climáticas,
e empreendendo ações de adaptação e mitigação.
A melhor forma de mitigar os efeitos da uma possível desertificação é
reduzir o risco de o aquecimento global continuar sem freios, ou seja, diminuir
rápida e radicalmente as emissões globais de gases do efeito estufa, tanto
pela queima de combustível fóssil como pelo desmatamento. O aquecimento
global é um processo que não pode ser revertido, mas poderia ser amenizado
com este tipo de medida de mitigação. Todas estas ações deverão ser
consideras no Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que atualmente está
sendo discutido nos meios científicos, acadêmicos e do governo, sob a
liderança do Ministério do Meio Ambiente.
Agradecimentos
Este documento é derivado principalmente dos resultados dos projetos
“Caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o
território brasileiro ao longo do século 21”, apoiado pelo Projeto de
Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira –
P ROBIO , C om o apoio do MMA/BIRD/GEF/CNPq e pelo Global
Opportunity Fund-GOF do Reino Unido, por meio do projeto “Using
Regional Climate Change Scenarios for Studies on Vulnerability and
Adaptation in Brazil and South America”.
172 PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima no semi-árido do Brasil
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Resumo
Este estudo apresenta uma revisão do estado da arte em estudos de clima,
variabilidade e mudanças climáticas no semi-árido do Nordeste, e são direcionadas
principalmente aos aspectos de avaliações de vulnerabilidade e impactos, e com o
intuito de fornecer subsídios para políticas regionais de adaptação às mudanças
climáticas. O trabalho representa uma atualização do que foi publicado no relatório
do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) em 2005. As evidências observadas e
o histórico climático da região sugerem que o semi-árido é vulnerável à variabilidade
de clima, como evidenciadas pelas secas associadas aos eventos El Niño. Os cenários
futuros de clima sugerem ocorrência de secas nesta região no futuro, sendo
conseqüência do aquecimento global, que poderá afetar a população, a agricultura
e os ecossistemas naturais. Este documento apresenta estudos das tendências
climáticas para a região, desenvolvidos durante os últimos 50 anos e baseados em
observações. Em seguida, é feita uma análise dos cenários de clima do futuro (até
2100) gerados pelos modelos usados no Quarto Relatório de Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC AR4) e a partir do recente
Relatório de Clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Palavras-chave
Mudanças climáticas. Vulnerabilidade. Semi-árido. Estudos do clima.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS BRASÍLIA,DF N.27 DEZEMBRO 2008 175
Jose Marengo
Abstract
This document represents a review of the state-of-the-art on the knowledge of climate variability
and climate change in the semi-arid region of Northeast Brazil, and it is focused on impacts and
vulnerability assessments. The main objective is to provide tools for discussions and implementation
of regional environmental policies for adaptation and mitigation to climate change. The study
updates a previous report published by the Center for Strategic Studies (Núcleo de Assuntos
Estratégicos - NAE) in 2005. The evidences provided by the climatic history in the region suggest
that the semi-arid region of Northeast Brazil is vulnerable to the extremes of the climate variability,
as becoming evident by the droughts during some El Niño events. On longer time scales, future
climate change projections suggest the occurrence of drought, which is a consequence of global
warming, that may affect the population, agriculture and the natural ecosystems. The contents of
this study include analyses of climatic tendencies detected during the last 50 years based on observations.
In addition, analyses of climate change projections to the end of the 21 Century (year 2100) are
made, using the global climate change projections released by the Fourth Assessment Report of the
Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), as well as using the results of the climate
change projections derived from the regional models runs documented in the Climate Report recently
produced by the National Institute for Space Research (Inpe).
Keywords
Climate changes. Vulnerability. Semi-arid regions. Climate studies.
O autor
JOSE A. MARENGO é graduado em Física e Meteorologia e mestre em Engenharia
de Recursos de Água e Terra (Universidade Nacional Agrária/Peru); e doutor em
Meteorologia (Universidade de Wisconsin/USA). Fez pós- doutorado na NASAGISS, Universidade de Columbia e na Universidade da Florida (USA). É pesquisador
titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde coordena o Grupo
de Estudos e Pesquisas em Mudanças Climáticas, do novo Centro de Ciências do
Sistema Terrestre (CCST).
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