de mestre valentim a roberto burle marx

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de mestre valentim a roberto burle marx
De Mestre Valentim a Roberto Burle Marx: los jardines
históricos brasileros.
Hugo Segawa
Guilherme Mazza Dourado
A América nasceu sobre o signo do paraíso perdido no imaginário do
europeu, navegador e renascentista. O novo território prestou-se como um
campo de experimentação, os conquistadores dominaram seus nativos,
organizaram cidades e campos, e na dialética das culturas, criou-se o
laboratório americano.
No clássico confronto entre civilização e natureza, o território brasileiro
acomodou peculiares experimentações, as quais valeriam descrever enquanto
construções históricas na relação dos humanos frente ao ambiente. Vamos
tratar de quatro realizações: o Passeio Público do Rio de Janeiro, jardim
público constituído no último quartel do século XVIII em plena vigência do
domínio português, e três espaços criados pelo paisagista brasileiro Roberto
Burle Marx na segunda metade do século XX.
O PASSEIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO
Nada mais singular, do ponto de vista urbanístico do Brasil do século XVIII,
que a realização do Passeio Público do Rio de Janeiro. O que surpreende
nesse recinto ajardinado? A vegetação e o panorama do seu terraço
deslumbraram os visitantes estrangeiros mais sensíveis. Mas surpreendente
mesmo foi, em plena vigência do colonialismo português, o vice-rei do
Brasil ter-se proposto a construir um jardim público, à maneira dos recintos
existentes na Europa. Espaços que – no Velho Mundo – serviam de palco
para as transformações das formas de sociabilidade na aristocracia, na
pequena nobreza e testemunho da ascensão da burguesia em várias cidades
européias.
Diferentemente dos espaços abertos do urbanismo colonial, o Passeio Público não
era um símbolo em si ou evidente da autoridade portuguesa – como seria o campo
onde se fincava o pelourinho, ou se erguia o paço, a câmara e cadeia ou o quartel –
tampouco o vazio defronte ou em volta do edifício religioso – o largo da matriz, o
adro franciscano ou beneditino, o terreiro jesuíta. O Passeio Público não se prestava
para emoldurar nenhum monumento – ao contrário, como um insubordinado da
hierarquia colonial, era um monumento à vegetação, à natureza, monumento a si
mesmo.
Em 1720, o Brasil é elevado à condição de vice-reino. Em 1763 a sede do
vice-reinado foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. O Rio de
Janeiro do início do século XVIII era o maior assentamento meridional
português na América. Maior, mas não notável: porto de localização
estratégica no domínio metropolitano, cidade administrativa, militar e
mercantil a controlar e servir uma vasta área ao sul da colônia, mas
aglomerado urbano medíocre. Caracterizava-se por uma peculiar
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implantação: uma cidade virtualmente encarapitada sobre morros, vigiando o
horizonte marítimo, olhando desconfiada para as miasmáticas planícies,
sujeitas aos humores da maré e aos horrores das invasões.
Os estudos contemplando o Passeio Público informam que sua execução
decorreu entre 1779 e 1783, por ordem do vice-rei D. Luiz de Vasconcelos,
que encarregou o artista Valentim da Fonseca e Silva (ca.1745-1813), o
Mestre Valentim –importante escultor, arquiteto, e no caso, urbanista do Rio
de Janeiro colonial– a traçar o inédito recinto ajardinado [Marianno Filho,
1943].
Sua localização certamente decorreu de uma estratégia de tratamento e
aproveitamento de áreas alagadas e charnecas, buscando conquistar terreno
firme, num sítio carente de horizontes de expansão, tão marcado por
elevações e baixadas pantanosas como o do Rio de Janeiro. Alinhar o
desenvolvimento da cidade em direção sul deve ter priorizado o esforço de
aterrar a lagoa do Boqueirão da Ajuda, estabelecendo a comunicação para os
lados dos futuros bairros de Flamengo e Botafogo, como implantar signos de
urbanização, mediante o alinhamento de novas ruas e a criação do próprio
Passeio Público.
Para o mundo português, a apropriação de terras incultas dessa natureza era
domínio sistematizado da ciência e da técnica. Em toda a Europa, a
dessecação de charnecas e aproveitamento do terreno recuperado para
agricultura ou jardins era corrente, dentro de um pensamento inspirado na
fisiocracia de François Quesnay (1694-1774). Um antecedente nobre do
Passeio Público também demandou cuidados na preparação do terreno. Os
jardins de Versalhes, traçado por André Le Nôtre (1613-1700) para Luís XIV
(1638-1715), cujas obras se iniciaram em 1662 foi implantado em terreno
pantanoso, miasmático [Clifford, 1970, p. 72-4].
O Passeio Público do Rio de Janeiro espelha também o surgimento no século
XVIII de lugares especificamente desenhados para a apreciação da paisagem
marítima. O belvedere como lugar de contemplação está na origem do
advento do gosto pelo panorama. O belvedere marítimo é uma inovação que
surgiu com a apreciação ao espetáculo do mar. Antes disso, a organização
das construções nas áreas litorâneas usualmente voltavam as costas para as
águas. O surgimento de estruturas chamadas de esplanades, terraces e
Marine Parades, por parte dos ingleses, ou certas práticas mediterrâneas que
deram origem a termos como Marina ou Montpellier, revelavam a nova
disposição de permanecer e usufruir as delícias à beira-mar [Corbin, 1989]
O Passeio Público, tipologicamente, descende desses mirantes marítimos,
necessariamente relacionados com espaços arborizados e, nesse sentido, até
antecedendo aos inúmeros congêneres europeus que se multiplicaram ao
longo do século XIX. A organização espacial que se opera no Passeio
Público, no entanto, revela uma extraordinária justaposição de sentidos. A
paisagem de árvores, flores e jardins era o domínio do repouso e da
harmonia, espaço edênico mitificado e idealizado pelo ser humano. O mar, ao
contrário, era o abismo desconhecido a se desvendar, fascinante paisagem
estéril a infundir terror e respeito pelo mistério de seu vazio insondável, o
não-domínio do ser humano. O terraço do Passeio Público era a tênue linha
das suscetibilidades humanas: ao ser humano se concedia a simultaneidade
de se defrontar com duas paisagens antitéticas, desafiando os seus anseios de
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formular um imaginário capaz de explicar as raízes da existência, o seu
relacionamento com a natureza e o mundo.
Em 1861 o Passeio Público sofreu uma remodelação projetada pelo botânico
francês Auguste François Marie Glaziou (1833-1906), transformando os
canteiros geométricos de Mestre Valentim em percursos curvilíneos, ao gosto
da época, com o sacrifício de alguma vegetação primitiva – atitude criticada
na imprensa da época. Glaziou, todavia, foi parcimonioso. Muitas décadas
depois, Roberto Burle Marx reconheceria no paisagista francês uma fonte de
inspiração por sua preocupação com a flora brasileira [Bayón, 1977, p. 42].
O Passeio Público do Rio de Janeiro foi contemporâneo ao surgimento dos
primeiros jardins públicos europeus na segunda metade do século XVIII,
símbolos do pensamento iluminista a invocar formas de sociabilidade nas
quais a aristocracia e a burguesia encontravam um lugar comum. Todavia,
essa composição social e política era estranha ao escravocrata meio colonial
carioca. Até o ajardinamento do Campo de Santana (a partir de 1880), o
Passeio Público foi, por quase um século, o único recinto com as
características de local “para ver e para ser visto”. Descrições de viajantes
ao longo do século XIX revelaram instantes animados, mas, muito mais,
momentos de abandono e solidão de um espaço programado como público.
Público em um sentido que deve ser examinado em seu tempo. Espaço de
acesso controlado, de comportamento vigiado, um mundo à parte. Tão à parte
que os visitantes estrangeiros estranhavam a ausência da população no
recinto, a falta de empenho dos governantes em conservá-lo, apesar dos
tantos predicados que seus apreciadores forasteiros vislumbravam no local.
Há de se considerar que esses defensores forâneos traziam um olhar educado,
uma capacidade de olhar as coisas também com outros significados
consubstanciados no imaginário do século XVIII e XIX. A natureza com
recortes específicos: a natureza misteriosa – o mar – a natureza ordenada – o
jardim – juntos, lado a lado, confrontando-se num espaço criado por seres
humanos. Mas – desconhecido o culto à natureza na forma humanizada de
um jardim; imerso num horizonte circundante que parece infinito não só a
partir do terraço, mas de qualquer lugar e em qualquer direção, para onde a
imagem saturadora dos trópicos permanentemente impregna as retinas – que
significado tem um Passeio Público como este no Rio de Janeiro? Como o
viajante norte-americano Thomas Ewbank exultou em 1846, “não deixei este
paraíso terrestre antes do pôr-do-sol...” Era um paraíso – um paraíso
artificial, cultivado pelos ser humano, desprezado pelos mesmos seres
humanos, uma ironia da natureza – e da natureza humana.
O SÍTIO SANTO ANTÔNIO DA BICA, ATUAL ROBERTO BURLE MARX
Entre o final dos anos 1930 e a década de 1940, com o crescimento da
demanda de seus projetos, Roberto Burle Marx (1909-94) passava a se
empenhar cada vez mais na obtenção de espécies brasileiras e tropicais
pouco divulgadas ou inusitadas para uso ornamental.
Nesse momento, recorria a três expedientes básicos: a coleta de espécimes
em sítios naturais, a aquisição de mudas no Jardim Botânico do Rio de
Janeiro e em poucos viveiros da cidade, a importação de exemplares
tropicais cultivados na Alemanha.
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O fortalecimento de sua atividade profissional relacionava-se a seu crescente
interesse pela botânica, fomentado no convívio com botânicos e cientistas,
com os quais organizava expedições de estudo e coleta em várias localidades
brasileiras.
Nesse processo, a idéia de realizar um centro para pesquisa e multiplicação
vegetal para fins paisagísticos foi se confirmando uma necessidade cada vez
mais premente para Burle Marx.
O ano de 1949 assinalou o início da concretização dessa obra. Após uma
trabalhosa busca de terrenos rurais efetivada por seu irmão e sócio nesse
projeto, Siegfried Burle Marx, adquiriu-se uma gleba denominada Sítio
Santo Antônio da Bica, no município de Barra de Guaratiba. Ficava a cerca
de 55 km do centro do Rio de Janeiro, mas o percurso não se fazia em menos
de duas horas, devido às precárias estradas de acesso.
Ocupando uma faixa montanhosa parcialmente coberta por vegetação
característica da Mata Atlântica, rica em nascentes e afloramentos rochosos,
esse terreno era uma antiga propriedade agrícola do século XVIII, já um
tanto inativa e com descuidadas benfeitorias. No trecho próximo à estrada
municipal, havia áreas planas agricultáveis, nas quais ainda restavam alguns
laranjais, além de dependências de serviço. Num primeiro platô, do qual se
descortinava uma impressionante vista da região, situava-se o conjunto
edilício principal formado pela casa-sede e capela. Ambas estavam
abandonadas e sua recuperação foi das primeiras medidas tomadas por Burle
Marx, pois resolvera fixar residência ali. As obras da moradia perduraram de
1952 a 1957, que não foi apenas reformada mas ampliada, com a colaboração
do arquiteto Wit Olaf Prochnik. Já a capela, singelo exemplar da arquitetura
religiosa setecentista, foi restaurada com a participação do arquiteto Carlos
Leão (1906-83), seu companheiro de vários trabalhos, membro também da
equipe comandada por Lucio Costa (1902-98) que idealizou o edifício do
Ministério da Educação e Saúde (1936-45), no Rio de Janeiro, considerado
posteriormente marco da arquitetura moderna no país.
As características geomorfológicas do terreno sugeriram diretrizes de
ocupação e usos em três setores principais, embora Burle Marx não tenha
desenhado nenhum tipo de plano diretor. Disciplinou-se que os trechos
planos, junto ao acesso principal, abrigariam as sementeiras, viveiros de
mudas e ripados para plantas de sub-bosque e epífetas que necessitassem de
luz controlada. A residência ficaria protegida em meio a jardins de maior
elaboração paisagística. As demais áreas teriam sua cobertura vegetal
recuperada a partir da coleção de plantas que se tencionava formar,
considerando que os espécimes seriam agrupados segundo suas famílias,
necessidades biológicas e critérios paisagísticos.
Respondendo pela administração geral da propriedade, Siegfried iniciou os
trabalhos providenciando a transferência de uma pequena coleção de plantas
que Burle Marx vinha mantendo numa antiga chácara da família no bairro do
Leme, no Rio de Janeiro. Nessa fase inicial, encarregou-se também da
execução de toda a infra-estrutura necessária ao funcionamento da
propriedade, implementando um sistema de captação e distribuição de água
que funcionava por gravidade, alguns ripados, calçamento das vias internas
etc.
O sítio, progressivamente, galgava a condição de um projeto de vida para
Burle Marx. Era uma das poucas obras empreendidas pelo paisagista que lhe
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possibilitava materializar amplamente suas idéias e seus sonhos, mas que
também lhe consumia tantas energias vitais e recursos financeiros, não
contando com nenhuma subvenção estatal.
Os trabalhos eram infindáveis. Novos plantios e obras construtivas
sucediam-se como num ciclo aparentemente interminável. Ampliavam-se os
viveiros, construíam-se novos ripados e sombrais, formavam-se lagos para
desenvolvimento e estudo de espécies aquáticas, prolongava-se o sistema de
irrigação. À medida que a coleção crescia, era estendida para mais dois
terrenos comprados e anexados à propriedade original, possibilitando que as
áreas disponíveis chegassem a 800 000 m 2 no total.
Era grande o número de espécies autóctones introduzidas ano após ano na
propriedade, algumas desconhecidas pela ciência e posteriormente nomeadas
em homenagem a Burle Marx. Foi o caso do Anthurium burle-marxii,
Begonia burle-marxii, Calathea burle-marxii, Chaetostoma burle-marxii,
Ctenanthe burle-marxii, Encyclia burle-marxii, Heliconia burle-marxii,
Mandevilla burle-marxii, Microlicia burle-marxii, Orthophytum burlemarxii, Philodendron burle-marxii, Pitcairnia burle-marxii, Pleurostima
burle-marxii, Pontederia burle-marxii, Vellozia burle-marxii; e também de
um novo gênero: Burlemarxia spiralis [Motta, 1986, p. xviii].
O local transformava-se paulatinamente em um centro de horticultura sem
equivalentes, sobretudo porque dedicado única e exclusivamente ao estudo,
cultivo e reprodução de espécies para emprego paisagístico – seu marcante
diferencial em relação aos objetivos de instituições botânicas existentes no
Brasil e no exterior. Em fins dos anos 1960, já reunia a mais representativa
coleção de plantas brasileiras de que se tinha notícia, além de espécies raras
dos trópicos em geral.
O crescimento e a diversificação do repertório de espécies no sítio estavam
em razão direta da promoção de expedições científicas pelo paisagista,
visitando muitas regiões intocadas até então. Para se ter uma vaga idéia,
essas excursões percorreram mais de trinta localidades diferentes, do norte
ao sul do país, num período de pouco mais de quatro décadas.
Uma vez aclimatadas e desenvolvidas, as plantas tornavam-se matrizes para
multiplicação de mudas, visando suprir os projetos paisagísticos de Burle
Marx e objeto de estudo científico para especialistas vários. Freqüentemente,
eram os botânicos que mais se interessavam pela coleção. E muito
colaboravam na correta identificação de seus exemplares. Conhecedora das
aráceas, a botânica Graziella M. Barroso estudou e auxiliou na identificação
dos indivíduos dessa família, que era o segmento mais representativo em
número de espécies diferentes na coleção e considerado único no país. O
botânico Luiz Emygdio de Mello Filho encarregou-se de sua especialidade:
as musáceas. Por sua vez, a botânica Nanuza Menezes, das velosiáceas. E
assim outros especialistas nacionais e internacionais também foram se
interessando em estudar a vegetação existente ali, auxiliando na sua
identificação e catalogação.
Com o passar dos anos, Burle Marx atribuiu maior ênfase à presença de
algumas famílias autóctones, intensificando a coleta de seus indivíduos nas
viagens, embora nada desprezasse quando vislumbrava algum potencial
paisagístico. No princípio dos anos 1980, estimava-se que havia na coleção
cerca de 750 espécies da família das Araceae, sendo 500 de filodendros e
250 de antúrios; 200 da família das Bromeliaceae; 120 da família das
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Musaceae; 200 da família das Orchideaceae; 130 da família das
Marantaceae; 95 da família das Velloziaceae [Motta, 1986, p. xviii]. Isso
sem falar no elenco não menos abundante das Begoniaceae, das
Apocynaceae, das Palmae e outras espécies de árvores, arbustos e herbáceas.
Na mesma época, a totalidade do conjunto já alcançava a cifra de 3 500
espécies, incluindo exemplares típicos do Brasil e dos trópicos em geral. Na
mesma medida em que aclimatava espécies recém-coletadas nos viveiros ou
concentrava as famílias de vegetação de sub-bosque ou epífetas em ripados
temáticos, como os das aráceas, das musáceas, das orquidáceas, das
marantáceas, das begoniáceas e das bromeliáceas, Burle Marx fazia ensaios
paisagísticos com alguns indivíduos dessas famílias na propriedade. Exemplo
disso eram os luxuriantes jardins de bromélias, ou mesmo os de velósias, que
criou ao redor de sua residência.
O sítio era um projeto visionário que não apenas pretendia agir na
transformação da sensibilidade dos brasileiros, habilitando a flora nacional,
mas tornava-se a peça-chave para que Burle Marx se lançasse à renovação
estética das práticas paisagísticas.
JARDINS DA RESIDÊNCIA ODETTE MONTEIRO, ATUAL FAZENDA
MARAMBAIA
Contratado pelo casal Odette e Júlio Monteiro, Burle Marx desenhou o
primeiro plano geral desse parque em 1945. Algumas mudanças foram
realizadas até a versão final do projeto em 1947, a qual foi sendo implantada
a partir desse ano com novas alterações decididas no próprio local pelo
paisagista. Em meados dos anos 80, com o falecimento de um dos últimos
clientes originais, a propriedade entrou em processo de abandono, até ser
adquirida pelo banqueiro Luiz Cézar Fernandes, que fixou ali sua residência.
Em 1988, Burle Marx e Haruyoshi Ono, seu sócio, foram contratados para
coordenar a recuperação dos jardins e propuseram um novo projeto que
mantinha as idéias centrais da composição original, mas introduzia algumas
espécies vegetais distintas. Após o desaparecimento do paisagista em 1994, o
parque vem sendo mantido periodicamente com a assistência do escritório
Burle Marx e Companhia.
A propriedade localizava-se num cenário natural magnífico, um dos locais
mais espetaculares que o paisagista já havia intervido e viria a intervir. Suas
áreas estavam inscritas num peculiar vale cercado de cadeias de montanhas
graníticas com perfis caprichosos, que emergiam de florestas remanescentes
de mata atlântica e campos abertos.
Nesse sítio natural de grande beleza, Burle Marx logrou sintetizar
magistralmente um conjunto de práticas e ensaios cromáticos que vinha
desenvolvendo nos anos anteriores, apontando o início de sua fase mais
criativa. Congraçar o ambiente natural e o paisagismo foi um princípio
essencial que orientou a elaboração da proposta. Tratava-se de reconhecer e
fazer legíveis as qualidades de uma natureza preexistente, potencializando-as
através de uma intervenção humana. Embora trabalhando com áreas restritas
à porção central do vale, o paisagista imaginou jardins que virtualmente se
expandiam e incorporavam a paisagem ao redor, sem se confundirem ou
mesmo mimetizarem o contexto natural. E conseguiu isso com muita
sensibilidade e atenção nos acertos que se fizeram necessários durante o
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desenvolvimento projetual e posteriormente na fase de execução, com a
substituição de espécies e alterações plásticas na definição das massas
vegetais.
Complementando as características do perfil natural do terreno, Burle Marx
realizou pequenos movimentos de terra para criar elevações ou depressões
em certas áreas e a formação de dois lagos na parte mais baixa, assegurando
balanceamentos assimétricos na composição dos espaços e no entrosamento
desses com o entorno natural. Lançou um passeio principal em circuito
fechado, articulado à residência-sede, que serpenteava em meio ao vale,
combinando-se a trajetos secundários. Manipulando ao longo desse percurso
um conjunto de espaços definidos por grupos predominantes de vegetação
erbácea e arbustiva, o paisagista desenhou escalas e ambiências variadas,
embora mais horizontais que verticais, de modo a não turvar a contemplação
do panorama. Propunha ao usuário deambular por essas estruturas dinâmicas,
instigando-o a descobrir relações espaciais e ângulos de visão insuspeitos,
somando impressões múltiplas numa apreensão paulatina dos jardins e da
paisagem.
A complexidade dos jardins da Fazenda Marambaia foi certamente um dos
fatores determinantes para que os estudos projetuais se prolongassem até
praticamente o final dos anos 1940. Refinando a primeira versão da proposta
de 1945, Burle Marx promoveu significativas mudanças em sucessivos
estudos da configuração espacial do conjunto, fixando um plano final de
plantio em 1947. Dilatou o traçado do passeio principal, articulando-o a
percursos secundários que cortavam a faixa central dos jardins. Ampliou a
espacialidade frontal da residência, de modo a interagir com o lago maior.
Reviu por completo as associações vegetais que balizavam os ambientes,
ajustando as composições formais e sofisticando as harmonias cromáticas.
A solução inicial pesquisava rígidas hierarquias cromáticas na configuração
dos espaços, relacionando 108 plantas, na maioria herbáceas, aquáticas e
arbustivas. Cada setor do jardim era construído a partir de uma escala
monocromática de tons.
Abandonando a idéia da rigorosa setorização cromática e reduzindo
sensivelmente o elenco botânico, o plano definitivo de 1947 contemplou
harmonias mais requintadas de cores análogas e contrastantes na estruturação
dos ambientes. Havia um contraponto principal estabelecido por três grandes
conjuntos de vegetação com folhas ou florações de cores vibrantes e
duradouras, atribuindo certa permanência cromática aos jardins,
principalmente de amarelos, laranjas e vermelhos.
A equação espacial desses jardins era resultante de um processo dialético
entre três intenções: assegurar valores cromáticos permanentes à
espacialização dos recintos ajardinados, sobretudo recorrendo ao uso de
folhagens perenes de cores vivas; dinamizar a renovação dos ambientes por
meio das características sazonais de algumas espécies, com suas florações de
cores também marcantes, mas passageiras; e simultaneamente externar de
maneira harmônica as diferenças e contrastes de cor dos jardins em relação à
paisagem ao redor, definida por cinzas azulados dos maciços de granito e
verdes escuros e médios das florestas e campos.
Interpretando, refinando e subvertendo os experimentos plásticos do pósimpressionismo e das vanguardas históricas, principalmente o modo de
trabalhar com paletas contrastantes do fauvismo e surrealismo, Burle Marx
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foi cristalizando uma peculiar sintaxe compositiva até a década de 1950, na
qual a policromia tornou-se um dado estrutural e protagonista na realização
dos projetos.
Embora compreendendo cada vez mais as especificidades e necessidades
biológicas das plantas, o conjunto de procedimentos estéticos que Burle
Marx foi desenvolvendo orientava-se segundo uma lógica própria de
harmonias e contrates cromáticos, que não eram tomados diretamente da
observação da natureza. Nesse sentido, Burle Marx afastava-se de qualquer
parentesco com as vertentes do paisagismo inglês do século XVIII e seu
desejo de mimetizar as qualidades do ambiente natural.
Considerar o papel de cores diversas e não apenas tons de verde como uma
das principais estratégias na estruturação dos jardins era uma disposição
plenamente amadurecida em seu trabalho, a partir da segunda metade da
década de 1940. Burle Marx manifestava uma predileção por dispor
herbáceas, arbustos ou árvores em grupos homogêneos e, se possível em
grandes extensões, considerando seu potencial de mutabilidade cromática ao
longo das estações do ano – as características colorísticas de folhas,
florações, frutos, sementes, troncos e galhos.
Interessava-lhe desde folhagens de vistosa cor (em gama tão variada, que
abrangia azuis, roxos, vermelhos, amarelos e brancos), que atingiriam sua
plenitude numa determinada época do ano; passando por espécies que
produziam florações significativas de curta ou longa duração; até plantas que
apresentavam frutos, sementes ou ramos com marcante expressão cromática,
num certo momento. Isso evitando ao máximo o recurso do bedding out dos
jardins europeus do século XIX. A idéia de jardim e paisagem de Burle Marx
não se baseava na exigência de substituição e replantio de espécies,
envolvendo trabalhos de horticultura altamente intensivos, mas na sutil
compreensão e aproveitamento da fisiologia e morfologia vegetal.
O mesmo tipo de atenção atribuía à cor de materiais minerais que poderiam
ser empregados no jardim, como pedras (especialmente o mosaico
português), seixos, pedriscos e areias. Dessa estratégia norteadora,
resultavam claras e uniformes manchas de cor para serem fruídas à longa ou
curta distância, dependendo da escala do jardim e das sensações que o
paisagista pretendia suscitar no observador.
Não se poderia negar a influência que as idéias de William Robinson (18381935) e de Gertrude Jekyll (1843-1932) exerceram em Burle Marx. Entre
todos os paisagistas de sua geração, foi quem melhor compreendeu, explorou
e ampliou as sofisticadas proposições desses mestres ingleses para um
manejo inventivo das possibilidades cromáticas das plantas, na configuração
de jardins e paisagens em dinâmica renovação segundo os ciclos naturais.
Robinson e Jekyll se concentraram no problema da policromia das florações
mediante uma visão naturalista. Burle Marx foi além, introduzindo outras
variáveis. Transcendendo e subvertendo as proposições desses notáveis
antecessores, desenvolveu uma nova e complexa tradução do fenômeno das
cores nos jardins, atentando não apenas para a expressividade das
inflorescências, mas a todo cromatismo proporcionado pelos elementos
naturais vivos ou inertes – folhas, frutos, sementes, galhos, troncos, pedras,
água -, moldando assim, uma das orientações específicas e fundamentais de
sua obra madura.
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Menos tradicionalista, sem desdenhar a tradição, e mais perspectivo, Burle
Marx foi um dos maiores, se não o maior, apologista das possibilidades
colorísticas dos elementos naturais na elaboração de espaços abertos que o
paisagismo moderno conheceu. Possibilidades que ele anteviu em folhagens
de cores intensas, desprezadas ou pouco valorizadas até então, e não somente
nos matizes verdes de arbustos e árvores. Ou até mesmo em conjuntos de
troncos e galhos, introduzindo e alargando o repertório expressivo ao alcance
do paisagismo moderno.
Eram freqüentes suas declarações a respeito do modo que trabalhava o
binômio planta/cor, sintetizando um procedimento: “a planta, como a cor, se
enriquece de significado, quando em contraposição a outra cor ou outra
planta” [Burle Marx 1987, p. 38].
O PARQUE DO FLAMENGO
Recém-empossado no governo do novo estado da Guanabara em 1960, criado
após a transferência da capital para Brasília, Carlos Lacerda incumbiu Maria
Carlota (Lota) de Macedo Soares (1910-67) de tratar de uma obra que se
prolongava havia várias administrações no Rio de Janeiro: a conclusão e a
urbanização do aterro na faixa litorânea junto aos bairros da Glória e
Flamengo. Lota aceitou a tarefa, mas fez ressalvas. Não concordava em
manter a mesma destinação das gestões anteriores para aquele privilegiado
território que vinha sendo conquistado sobre o mar, lançando apenas vias de
tráfego expresso para resolver problemas de comunicação entre a zonas
central e sul da cidade. Seu objetivo era bem diferente: criar um gigantesco
parque que preservasse algumas das paisagens mais singulares do Rio de
Janeiro e proporcionasse melhores condições de lazer aos habitantes da
cidade.
Lota se batia por uma visão urbana e ambiental de longo alcance,
manifestando-se contrária à opinião dominante entre os técnicos do próprio
governo. Defendia que “a área do aterro pede um especial cuidado no sentido
de se conservar sua paisagem e a brisa marítima, e de se transformar um
simples corredor para automóveis numa imensa área arborizada, que será
dentro em breve um marco da cidade, tão famoso quanto são o Pão de Açúcar
e as calçadas de Copacabana” [Oliveira 1995, p. 80]. E sentenciava que já
era mais do que urgente pensar aquele espaço “sob inspiração menos
mecanizada e anti-humana”. Embora já houvesse duas pistas de rolamento
executadas e em funcionamento, lançadas de modo não favorável na porção
central do aterro, havia ainda excelentes condições para o desenvolvimento
de um parque.
Para levar adiante esse projeto, Lota se cercou de alguns respeitados
profissionais da época. Em fins de 1961, montou o Grupo de Trabalho para a
Urbanização do Aterro com Affonso Eduardo Reidy (1909-64), Jorge
Machado Moreira (1904-92), Roberto Burle Marx, Luiz Emygdio de Mello
Filho, Hélio Mamede, Sérgio Bernardes (n. 1919) e Berta Leitchic.
Encarregou Reidy da coordenação geral da equipe e da concepção e
desenvolvimento dos edifícios e equipamentos que se fizessem necessários,
contando com Moreira, Mamede, Bernardes e Leitchic; Burle Marx assumiria
o paisagismo, assessorado por Mello Filho e Maria Augusta Costa Ribeiro.
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Em fevereiro de 1962, o grupo apresentava um anteprojeto do parque
a o g o v e r n a d o r. A o c u p a ç ã o d a á r e a a t e r r a d a c o m c e r c a d e 1 2 0 h e c t a r e s ,
e n t r e o C a l a b o u ç o ( a n o r t e ) e o mor r o d a Vi ú v a ( a s u l ) , s e b a s e a v a n a
p r e mi s s a d e n ã o c r i a r f o c o s d e i nt er e s s e , ma s l a n ç a r o s ma c i ç o s
v e g e t a i s e d i v e r s o s e q u i p a me n t o s e e d i f i c a ç õ e s a o l o n g o d e t o d a a
f a i x a . H a v i a r e s t a u r a n t e s , q u a d r as e s p o r t i v a s , p l a y g r o u n d s , c a mp o p a r a
a e r o mo d e l i s mo , t e a t r o , a q u á r i o , c i c l o vi a , s i s t e ma d e p a s s e i o s
p a v i me n t a d o s , a l é m d a r e c o n s t i t u iç ã o d e p r a i a s p a r a b a n h o . O s a c e s s os
d e p e d e s t r e s s e f a z i a m p o r p a s s ar e l a s e p a s s a g e n s s u b t e r r â n e a s ,
d r i b l a n d o a s d i f i c u l d a d e s i m p o s t a s p e l a s a ve n i d a s e x pr e s s a s; pa r a
q u e m c h e ga s s e d e a u t o mó v e l , h a v i a vá r ios bolsõe s de e sta c iona me nto.
O p r o j e t o p a i s a gí s t i c o e r a o i t em ma is complexo e ambicioso da
intervenção. Dividindo o parque em onze setores, Burle Marx
t e n c i o n a v a f o r ma l i z a r a s e s p a c i a l i d a d e s d o p a r q u e a p a r t i r d e u m v a s t o
e l e n c o d e a r b u s t o s , á r v o r e s e p al m e i r a s – ma i s d e 2 4 0 e s p é c i e s
d i f e r e n t e s d o B r a s i l e d o s t r ó p i c o s e m g e r al – , c o n f i g u r a n d o u ma
e x p e r i ê n c i a s e m p r e c e d e n t e s e m s u a t ra j e t ór i a pr o f i s s i o n a l . A s á r v or e s
e p a l me i r a s e r a m l a n ç a da s e m c o n j u n t o s h o mo g ê n e o s , s e g u n d o
c r i t é ri o s p a i s a gí st i c o s e b o t â n i cos. Afora gramados, não havia
h e r b á c e a s e m g e r a l d e f i n i n d o p l a n o s h o r i z o n t a i s e v o l u me s d e p e q u e n a
a l t ur a .
Conseguir vegetação em quantidade e v a r i e d a d e p a r a p o v o a r u ma á r e a
d e ma i s d e u m mi l h ã o d e m e t r o s q u a d r a d o s s e t o r n o u q u a s e q u e u ma
o p e r a ç ã o d e g u e r r a , t a ma n h a a q u a nt i da d e d e f u n c i o n á r i o s e e s f o r ç o s
q u e e n v o l v e u . A p r i me i r a p r o v i dê nc ia que se tomou f oi a
i mp l e me n t a ç ã o d e u m h o r t o p a r a c u l t i v o e r e p r o d u ç ã o d e mu d a s ,
o c u p a n d o u ma á r e a d e u m h e c t a r e n o próprio aterro. Esse viveiro foi
l o c a l i z a d o p r o p o s i t a d a me n t e e m f r e n t e à e n t r a d a d a b a i a , d e mo d o q u e
s e p u d e s s e t e s t a r o c o mp o r t a me n t o e a a d a p t a ç ã o d a s e s p é c i e s à s
c o n d i ç õ e s d o me i o ( s a l i n i d a d e , v e n to s q u e n t e s e t c . ) , me s m o a n t e s d e
s e u p l a n t i o d e f i n i t i v o . I s s o p o r q u e n ã o h a v i a n a d a s i s t e ma t i z a d o q u e
p u d e s s e s e r v i r d e p a r â me t r o [ M e l l o F i l h o 1 9 8 5 ] .
O h o r t o e r a a b a s t e c i d o c om e x e m p l a r e s c o l e t a d o s e m a m b i e n t e s
n a t u r a i s n o s a r r e d o r e s d a c i d a d e , f or ne c idos pe lo de pa r ta me nto
m u n i c i p a l d e p a r q u e s e j a r d i n s e pelo Jardim Botânico do Rio de
J a n e i r o , r e t i r a d o s d o P a r q u e L a j e ( na é p o c a a b a n d o n a d o ) , e t r a z i d o s d e
p o n t o s ma i s d i s t a n t e s , i n c l u s i v e f ora do estado e do país. Muitas
m u d a s f o r a m c o mp r a d a s d e h o r t i c u l t ores e viveiristas de São Paulo,
c o mo D i e r b e rg e r, e t r a n s p or t a d a s p ar a l á d e c a m i n h ã o . S e me n t e s f o r a m
e n c o me n d a d a s n o e x t e r i o r [ M e l l o Fi l h o 1 9 8 5 ] .
M a s o s t r a b a l h o s d e o b t e n ç ã o d e p la nt a s n ã o s e r e s t r i n gi r a m s o me n t e
à s mu d a s n o v a s e s e me a d u r a . Á r v o res e palmeiras adultas tamb é m
f o r a m t r a n s p l a n t a d o s n o p a r q u e . N u m mo me n t o e m q u e a c i d a d e s e
v e r t i c a l i z a v a r a pi da me n t e , e s s e s e xe mp l a r e s ma d u r o s e r a m d o a d o s o u
n e g o c i a d o s j u n t o a p a r t i c u l a r e s e d e mo l i d o r a s , q u e e s t a v a m ‘ l i mp a n d o ’
a s a n t i ga s c h á c a r a s c a r i oc a s pa r a a c o n st r u ç ã o d e e s p i g õ e s r e s i d e n c i a i s
e c o me r c i a i s .
As vastas áreas do parque foram sendo conformadas entre 1962 e 1963 e
1965, demandando o uso de cerca de 16 250 exemplares, selecionados a
partir de um elenco de 240 espécies distintas. Pela primeira vez, empregava-
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V A L E N T I M
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se várias delas no paisagismo urbano nacional. Era o caso das árvores:
Acacia seyal (pique-de-gazela), Bauhinia blakeana (pata-de-vaca), Bombax
malabarium (imbiri), Bumelia obtusifolia (quixabeira), Calophyllum
inophyllum (abricó), Chorisia insignis (paineira-barriguda), Coccolaba
uvifera (baga-da-praia), Cordia myxa, Cordia superba (babosa-branca),
Dillenia indica (árvore-da-pataca), Enterolobim contortisiliquum (tamboril),
Erythrina fluminenis (mulungú), Erythrina sp. (mulungú), Erythrina velutina
(mulungú), Ficus clusiaefolia (figueira-vermelha), Hura crepitans,
Joannesia principes (anda-açu), Parkinsonia aculeata (espinho-dejerusalém), Peltophorum dubium (farinha-seca), Pithecellobium tortum
(jacaré), Pseudobombax ellipticum, Schinus terebinthifolis (aroeira), Vitex
megapotamica, entre outras. E as palmeiras: Allagoptera arenaria (guriri),
Butia capitata (bitiá-da-serra), Corypha umbraculifera (talipot-palm)
Dictyosperma album (palmeira-furação), Veitchia joannis, entre várias
[Mello Filho 1985].
M e s mo c o m o a v a n ç a r d a i m p l a n t a ç ão do parque, não se dissipara m
a l g u ma s p r e s s õ e s p o l í t i c a s d o s e g me nt o i mo b i l i á r i o p a r a c o n q u i st a r
a l g u m q u i n h ã o n a á r e a . P e r c e b e n d o i s s o , L o t a t o mo u p r e c a u ç õ e s . E m
1 9 6 4 , consultou R odrigo de Me llo Fr a n c o d e A n d r a d e e e n c a mi n h o u a o
S e r v i ç o d o P a t r i m ô n i o H i s t ó r i c o e A r t í s t i c o u m p e d i d o f o r ma l d e
t o mba me n t o d o p r o j e t o , q u e l o g o f o i e f e t i v a d o . Er a o p r i m e i r o e ú n i c o
c a s o n a h i s t ó r i a d a p r e s e r v a ç ã o d e be ns na c iona is do tomba me nto de
u m c o n j u n t o p a i s a g í s t i c o - a r q u i t e tônico que ainda não exista por
c o mp l e t o , j á q u e n a q u e l e mo m e n t o o p a r q u e a i n d a n ã o e s t a v a
c o mp l e t a me n t e fi n a l i za d o .
***
O Passeio Público do Rio de Janeiro, expressão do iluminismo do século
XVIII em terras coloniais, é a mais antiga manifestação organizada de
espanto e deleite dos portugueses e dos brasileiros frente à exuberância da
natureza e das possibilidades de sua idealização. Roberto Burle Marx
compreendeu o simbolismo desse espaço, da força da natureza local e, na
feliz associação entre botânica, ecologia e arte moderna, propôs a construção
de um novo domínio na relação entre os humanos e a natureza. Não mais a
domesticação da natureza, fruto de um estranhamento ante o novo, mas a
busca do novo com a consciência de uma ética diante da natureza e sua
idealização. Uma natureza local de alcance universal.
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