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LÉXICO CIGANO
Asséde Paiva1
ciganosbrasil.com
Revisão: Acir Reis
Bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo;
premiado no XX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília; Brumas da história do
Brasil. RIHGB. n. 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito
milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, sd.
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1
VERBETES CALOM (alguns romani), ACOLHIDOS NO LÉXICO PORTUGUÊS2
(Com base nos léxicos de referência da língua portuguesa:
Houaiss, Novo Aurélio sXXI, Michaelis e Cândido de Figueiredo,
exceto se indicadas outras fontes)
Os livros sobre a origem dos vocábulos e formas de expressão, os modismos, idiotismos e fecundos
solecismos, são numerosos, mas infelizmente não sobre o português e, ainda menos, sobre o
português falado no Brasil. Em algumas obras existentes escondem-se verdadeiros achados, como
o que certa vez me tomou de surpresa ao ver que “bagunça", que tem toda pinta de contribuição
africana ao português do Brasil, é cigana e veio de Portugal desde a Hungria, de onde
embarcaram alguns boêmios.
(Palavras de Carlos Lacerda3, (1914-1977) ao prefaciar o Dicionário dos marginais, de Ariel Tacla).
Importante: Jorge Bernal (poliglota), rom kalderasch, residente na Argentina, disse sobre a
parte I, deste trabalho:
“Bom, a variante que você me mandou é calão, não Romani. Eu acho, pelo pouco que eu sei
desta variante, que o vocabulário é bastante correto. Você também menciona verbetes que
não são do calão”.
Cumprimentos,
Jorge Bernal
2
Inestimável auxílio de Adolfo Coelho. In Os ciganos de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995,
pp. 140-146. Grande contribuição de Olímpio Nunes. In O povo cigano. Porto: Livraria Apostolado da
Imprensa, p. 256.
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Jornalista, político e escritor e tradutor.
2
Sinais, abreviaturas e siglas dizem respeito unicamente à parte I
< O diple posposto ao verbete, indica provém de: (em geral do cigano, gitano, tsigano, do
livro Os ciganos em Portugal p 140-146, de Adolfo Coelho).
* O asterisco anteposto ao verbete (parte I), indica que não o encontramos nos dicionários
consultados. São registros de Adolfo Coelho (AC), op. cit.
* O asterisco anteposto ao verbete (parte II), indica que foi colhido em pesquisa de campo
junto a ciganos de Cachoeira do Macacu, Estado do Rio de Janeiro.
AC = Adolfo Coelho
adj = adjetivo
adv = advérbio
ant = antigo
aprox = aproximadamente
bot = botânica
cast = castelhano
cf = confronte
CF = Cândido de Figueiredo
corr = corruptela
cp = compare
design = designação
dial = dialeto
dic = dicionário
esp = espécie
esp = especialmente
ex = exemplo
fam = famíliar
fig = figurado
fr = francês
gên = gênero
ger = geralmente
gír = gíria
gloss = glossário
H = Dicionário Houaiss
hind = hinduismo
ind = indiana
JK = Juscelino Kubitschek
M = Dicionário Michaelis
m.q. = mesmo que
MV = Manuel Viotti
NA sXXI = Novo Dicionário Aurélio,
século XXI
náut = náutica
nd = não dicionarizado
obs = observaçào
ON = Olímpio Nunes
op cit = obra citada
orig = origem
orig ind = origem indiana
p, pp = página, páginas
pers = persa
pl = plural
pron = pronome
prov = provavelmente
rad = radical
RIHGB = Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro
s = substantivo
s.d. = sem data
sf = substantivo feminino
sin = sinônimo
sm= substantivo masculino
t = termos
tb = também
us = usado
vb = verbo
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Parte I
E
nganam-se os que dizem, pensam ou fingem ignorar a influência cigana em nosso
Brasil em todos os ramos de atividade. Tivemos ocasião de mostrar com detalhes as
evidências, sugerir e às vezes provar que eles se envolveram na política (os Rabelo,
no Brasil colônia; JK, no Brasil moderno). Provamos à saciedade que ciganos jamais foram
escravistas (Brumas da história — ciganos e escravos no Brasil, a verdade). Mostramos
que influenciaram na música (Samba e no Carnaval). Não esquecendo que influenciaram
nos trejeitos do lundu, como depreendemos de algumas estampas de Rugendas (em Viagem
pitoresca através do Brasil). Foram inspiradores e enriquecedores de nosso folclore nos
pastoris, bem como na dança do urso, em Pernambuco e do belíssimo poema O cajueiro da
cigana, da ilha de Fernando de Noronha. (Ver meu trabalho Os ciganos na História do
Brasil de 1568-2005). Como artistas e donos de circo, os ciganos encantaram o povo, desde
o descobrimento do Brasil. Trouxeram para nosso país o violão de sete cordas, o pandeiro e
as castanholas. Foram fontes de inspiração para as baianas estilizadas. (Ver Pró-ciganos, de
minha autoria).
Quero ressaltar que este calepino não esgota o tema língua cigana no português. Embora
todo glossário esteja recheado de gíria, não se enganem! O trabalho é mais do que isto, é
mais do que uma relação de gírias pinçadas aqui e ali, nas dezenas ou centenas de trabalhos
sobre gíria, calão, geringonça, algaravia, patoá, argô, jerga, germânia e outras
denominações. A diferença entre nosso trabalho e outros é esta: todos os verbetes aqui
registrados, só o foram após passarem pelo crivo dos lexicógrafos ou filólogos (Aurélio,
Houaiss, Michaelis, Cândido de Figueiredo, em suas monumentais obras e só então foram
aceitos, pois estão respaldados nos grandes mestres, nos grandes repositórios da língua.
Ainda que não fosse assim, poderiam ser aceitos, pois nos apoiamos em gigantes da
ciganologia como Adolfo Coelho, Olímpio Nunes e Ático Vilas-Boas da Mota. E também
em pesquisadores de gabinete e de campo como Elysio de Carvalho, Raul Pederneiras,
Ariel Tacla e outros de igual renome. Portanto, nossa colheita está com autoridades tais que
não padece dúvida: as gírias ou que nome se lhes dêem, compõem a riqueza de nosso
vocabulário.
Quebramos a regra apenas em alguns vocábulos que sacamos em Adolfo Coelho: Os
ciganos de Portugal. Ele é um historiador e poliglota. Incontestável conhecedor do povo
cigano e é então, para nós, o magister dixit. A etimologia da maioria dos verbetes é dele.
Fica convencionada que os verbetes sem indicação do léxico, foram encontrados no
Houaiss.
Seguramente, erros existem, omiti (por desconhecer) muitos termos. Por favor,
comuniquem-me todos. Receberei as críticas com humildade e providenciarei os acertos
indicados.
Incluí relação de várias obras de referência que poderão ser examinadas por outros
pesquisadores em estudos mais profundos e mais competentes.
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Agora, senhoras e senhores, leitores e leitoras, apresento-lhes a contribuição cigana à língua
nacional. Se não há inumeráveis palavras, pelo menos perfumaram a última flor do Lácio,
inculta e bela4.
adicar [ < dicar, diquelar AC] — vb
regionalismo: Portugal. Uso informal. 1
Estar de acordo com (algo); aceitar,
convir; 2 enxergar (algo); ver; 3
namorar (alguém).
aguaruça [ < agór AC] — gír
extremidade, fim. [CF]
balsar [ < te basés AC] — vb uso
informal. Soltar ladridos; latir, ladrar.
banza [ < bachañi AC] — sf 1
derivação por extensão de sentido:
regionalismo: Portugal. Uso informal.
Guitarra portuguesa; 2 (1868-1911)
regionalismo: Brasil. Viola ou violão.
âmbria — sf uso informal. Fome.
*avelar < abelar — vb ter, possuir.
avezar < abelar — vb 1 ter, possuir; 2 (a1
+vezar) acostumar(-se), habituar(-se). [M]
bagata [ < baji AC] — sm regionalismo:
Índia 1 pessoa que tem trato com o diabo;
sf (1881); 2 ação ou acontecimento
maléfico atribuído a magos ou bruxos;
feitiço, bruxaria.
banzé — sm uso informal: 1 dança
africana [Chegou a Portugal na segunda
metade do sXIX.]; 2 derivação: por
extensão de sentido, regionalismo:
Brasil. Festa popular com danças ao som
de viola; 3 clamor de vozes; algazarra,
banzé-de-cuia, gritaria. Ex.: A multidão
fazia um b. ensurdecedor; 4 situação em
que é perturbada a ordem; banzé-de-cuia,
confusão, tumulto. Ex.: Armar um b.
bari — sm gír juiz. [M]
bagunça — sf 1 regionalismo: Brasil.
Máquina de remover aterro; 2
regionalismo: Brasil, Angola,
Moçambique. Uso informal. Falta de
ordem; confusão, desorganização. Ex.:
Este quarto está uma b.; 3 regionalismo:
Brasil. Uso informal. Farra ruidosa;
baderna, bagunçada. Ex.: O professor
faltou e os alunos estão fazendo a maior
b. na sala.
barroada — sf (barroar+ada1). 1 Espécie
de ganido que dá o cão ao encontrar rasto
fresco; 2 gír transação lucrativa. [M]
basta/bata [ < baste AC] — sf gír mão.
[M]
*berjina [ < berjí AC] — cereja.
Bato — chefe de família. [MV]
baldroca — sf 1 uso informal. Engano
fraudulento, trapaça, logro; 2
regionalismo: Bahia (São Francisco).
Transferência mútua e simultânea de
coisas entre seus respectivos donos;
troca, escambo.
biaba — sf gír 1 assalto a mão armada
para roubar; 2 pancadaria grossa. [M]
bibi — sf diacronismo antigo. Entre os
muçulmanos, princesa ou grande
4
De um poema de Olavo Bilac, em louvação à língua portuguesa. “Última flor do Lácio, inculta e bela, /
És, a um tempo, esplendor e sepultura: / Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos
vela...”
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