propostas - Eventos UAlg - Universidade do Algarve
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Prémio Investigador Jovem 2 Índice Candidatura 1 pág. 3 VULNERABILIDADE AO STRESSE EM PROFISSIONAIS DE EMERGÊNCIA MÉDICA PRÉ-HOSPITALAR Candidatura 2 O EFEITO DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO SOBRE A IDENTIDADE DO PACIENTE pág. 25 Candidatura 3 PROGRAMA DE PREVENÇÃO DA DEPRESSÃO EM JOVENS ADULTOS: APRESENTAÇÃO DE UM PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO pág. 43 Candidatura 4 FACTORES ESPECÍFICOS OU FACTORES COMUNS? PROCESSO E MUDANÇA NA PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA pág.56 Candidatura 5 GRAVIDEZ E ABORTO NA ADOLESCÊNCIA: ANÁLISE CONTEXTUAL DE RISCO E PROTEÇÃO pág.67 Candidatura 6 IMPACTO DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO NO CASAL.ESBOÇO DE UMA TEORIA EMPIRICAMENTE DERIVADA pág. 89 Candidatura 7 pág. 106 INFLUENCIA DEL EJERCICIO VIBRATORIO CORPORAL EN LOS ASPECTOS PSICOLOGICOS EN MUJERES CON FIBROMIALGIA Candidatura 8 pág. 116 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E BEM-ESTAR NO TRABALHO: UM ESTUDO COM FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS Candidatura 9 pág. 139 PERSONALIDADE E AUTO-EFICÁCIA EM PAIS DE CRIANÇAS COM EXCESSO DE PESO E OBESIDADE Candidatura 10 GRUPO DE APOIO A MÃES DE BEBÊS PREMATUROS: ESTUDO EXPLORATÓRIO DOS FATORES TERAPÊUTICOS pág. 161 Candidatura 11 ESTILOS DE VIDA DE ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR pág. 175 Candidatura 12 DINÂMICA FAMILIAR E OBESIDADE NA PRÉ-ADOLESCÊNCIA pág. 191 Candidatura 13 SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO PAPEL DE VÍTIMA: A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE AFRONTAMENTO EM FRENTE AO ACOSSO ESCOLAR EM ESTUDANTES COM ALTOS E BAIXOS INDICADORES DE CONDUTA ANTI-SOCIAL pág. 200 Candidatura 14 pág. 222 A PSICOLOGIA POSITIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO: HISTÓRIA, PRESENTE E PERSPECTIVAS FUTURAS Candidatura 15 pág. 246 NA SAÚDE E NA DOENÇA, FELIZES PARA SEMPRE”: A SATISFAÇÃO CONJUGAL NA PROMOÇÃO DO BEM-ESTAR PSICOLÓGICO, NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA POSITIVA Candidatura16 pág. 269 ACONTECIMENTOS DE VIDA NEGATIVOS, PADRÕES DE VINCULAÇÃO E IDEAÇÃO SUICIDA 3 Candidatura 1 Autores: Hugo Amaro & Saul Neves de Jesus Candidatura 1 médica pré-hospitalar Título: Vulnerabilidade ao stresse em profissionais de emergência Autores: 4 “VULNERABILIDADE AO STRESSE EM PROFISSIONAIS DE EMERGÊNCIA MÉDICA PRÉ-HOSPITALAR” Hugo João Fernandes Amaro [email protected] U. Algarve Saul Neves de Jesus [email protected] U. Algarve RESUMO O stresse tem sido uma problemática amplamente estudada pela comunidade científica em geral nas mais diversas áreas do saber, em que os profissionais de saúde têm sido um grupo alvo preferencial desses mesmos estudos. Todavia, os estudos efectuados com os profissionais de emergência médica pré-hospitalar em Portugal são ainda extremamente reduzidos, embora a problemática se encontre mais desenvolvida em países como os EUA, Canadá e Japão. Neste sentido, pelas características próprias desta profissão interessa compreender de forma mais aprofundada em que medida se encontram estes profissionais vulneráveis ao stresse, sendo este o objectivo principal deste estudo. A amostra foi constituída por 161 profissionais de emergência médica distribuídos pelo território nacional dos quais 42,2% possuem a categoria profissional de TAE/TAS, 31,7% são Enfermeiros e 26,1% são médicos, tendo sido utilizada uma amostragem por clusters, seguida da técnica de amostragem aleatória. Os resultados indicam a existência de médias globais baixas de vulnerabilidade ao stresse. Todavia existem diferenças estatisticamente significativas entre a vulnerabilidade ao stresse e a categoria profissional, sendo os TAE/TAS aqueles que apresentam valores médios mais elevados, bem como relativamente à deprivação de afectos e rejeição, subjugação e condições de vida adversas. No que diz respeito às alterações do sono, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas nas dimensões “Perfeccionismo e intolerância à frustração”, “Condições de vida 5 adversas”, “Dramatização da existência”, “Subjugação”, e “Deprivação de afectos e rejeição”, assim como para a totalidade do instrumento de medida do stresse. Os sujeitos de estudo que não praticam exercício físico apresentam valores médios de vulnerabilidade ao stresse mais elevados. 1 - EMERGÊNCIA MÉDICA Desde os tempos primórdios que o Homem tem procurado prestar cuidados de saúde a vítimas dos mais variados tipos em situação de emergência. É difícil efectuar uma descrição precisa relativamente à evolução histórica da emergência pré-hospitalar na medida em que se acredita que em todas as civilizações ela tenha estado presente. Todavia os registos históricos de um sistema de emergência médica propriamente dito, remontam às grandes guerras e batalhas vividas na Europa, altura em que, embora ainda de uma forma arcaica e desorganizada, começavam já a surgir as primeiras tentativas de prestação de cuidados de saúde na área da emergência médica préhospitalar. Em Portugal, a assistência médica pré-hospitalar propriamente dita iniciou-se em 1965, altura em que foi criado em Lisboa um serviço de prestação de primeiros socorros a vítimas de acidentes na via pública. Este serviço era activado através de um número de socorro, o 115, que ligava directamente à PSP. A PSP era a entidade responsável pela triagem das chamadas e posterior encaminhamento dos meios de socorro para o local do sinistro. Os primórdios do socorro pré-hospitalar, baseava-se unicamente numa ambulância tripulada por elementos da PSP, sem formação específica na área da emergência médica e que tinham como principal intuito efectuar o transporte das vítimas até ao hospital mais próximo (Costa, 1990; Silva et al, 1987). Cientes da necessidade urgente de melhorar a assistência pré-hospitalar, uma vez que esta se resumia basicamente à recolha e transporte das vítimas até à unidade hospitalar mais próxima e face ao facto da rede de cobertura de socorro ser ainda muito reduzida, decide o executivo criar em 1971 o SNA (Serviço Nacional de Ambulâncias), que tinha como principal objectivo “assegurar a 6 orientação, a coordenação e a eficiência das actividades respeitantes à prestação de primeiros socorros a sinistrados e doentes e ao respectivo transporte” (INEM, 2000, 20). A rede de emergência tinha de facto conhecido avanços significativos, tinham sido implementados meios técnicos, materiais e tecnológicos avançados, assim como meios humanos cada vez mais capacitados e com formação específica e adequada para a tarefa a desenvolver. Contudo, a elevada sinistralidade existente, consciencializou as autoridades para a necessidade emergente de desenvolver e capacitar a rede de emergência médica com meios mais sofisticados que permitissem dar uma resposta mais célere às ocorrências e sobretudo, facilitar a articulação entre as diferentes entidades envolvidas na rede. Desta forma, em 1980 foi nomeada uma comissão designada por Comissão de Estudos de Emergência Médica, cujo objectivo era apresentar uma proposta devidamente adaptada à realidade portuguesa quer a nível de sinistralidade, quer a nível de recursos humanos, materiais e financeiros, no sentido de proceder à reformulação do SNA. Do estudo efectuado e do relatório apresentado pela Comissão Interministerial de Estudos de Emergência Médica, bem como através das conclusões retiradas das Jornadas de Emergência Médica realizadas em Lisboa em 1980, propõe-se a criação do SIEM (Sistema Integrado de Emergência Médica) (INEM, 2000; Costa, 1990; Silva et al., 1987). 2 – STRESSE O conceito de stresse tem sido alvo de um processo evolutivo complexo e multidimensional em que diversos investigadores, no domínio da sua especialidade, têm procurado compreender de forma mais profunda os fenómenos intrínsecos a este conceito. Analisando a origem do vocábulo stresse, verificamos que o mesmo tem a sua origem no verbo latino stringo, stringere, strinxi, strictum, que significa literalmente apertar, comprimir, restringir. Ao investigar a resistência aos elementos naturais de algumas estruturas construídas pelo Homem, pontes e edifícios, Robert Hooke evidenciou uma questão de ordem prática de grande importância. Referia o investigador que as estruturas deveriam ser edificadas, tendo em conta três aspectos 7 fundamentais, a carga (load), a pressão (stress) e a tensão (strain). A carga é relativa às forças externas que actuam sobre a estrutura, tais como o vento e o peso. A pressão ou stress é relativa à força que a carga exerce sobre o ponto onde incide na estrutura, e, por último, a tensão, representa a resposta da estrutura, ou seja, o processo deformativo verificado após a acção conjunta da carga e do stress. Em termos práticos, se o material for maleável, a pressão exercida fará com que ele se dobre, porém, se o material em causa for rígido ele tenderá a quebrar-se (Lazarus, 1999; 1993). O fenómeno exposto anteriormente e descrito por Robert Hooke no séc. XVII, traduz a aplicabilidade mais comum do conceito de stresse e que se enquadra no mundo da física, servindo o conceito para traduzir dificuldade, exigência, adversidade, aflição. A passagem do conceito de stresse da física para a biologia foi feita de uma forma progressiva, na medida em que foram desenvolvidas e testadas teorias inerentes ao conceito de stresse, embora numa vertente predominantemente biológica, procurando compreender os possíveis efeitos do conceito no ser humano. Os estudos efectuados pelo fisiologista francês Claude Bernard no século XIX que correlacionam os conceitos propostos por Robert Hooke no século XVII inerentes ao mundo da física, com as pressões exercidas sobre a mente e órgãos humanos. Refere-se Bernard à importância de preservar e manter o equilíbrio interno do indivíduo, face aos acontecimentos do dia-a-dia. Os construtos referidos pelo investigador relativamente à fisiologia do stresse, relacionam os conceitos de carga, stresse e tensão com o organismo humano, assumindo que num processo homólogo à física, o mesmo acontece no ser humano. Nos estudos efectuados com organismos vivos unicelulares, e, posteriormente, com mamíferos, Bernard verificou que a manutenção da vida era directamente dependente de respostas internas que contribuíssem para manter o ambiente interno do organismo constante, em relação às permanentes alterações do ambiente externo. Hans Selye era um jovem estudante de medicina na Universidade de Praga nos anos 20, quando após ter observado alguns indivíduos vítimas de diversas doenças infecciosas, verificou que todos apresentavam uma sintomatologia muito semelhante entre si, embora sem sinais específicos. Seguindo o trabalho efectuado por Cannon, Selye (1935) interessou-se pelas respostas adaptativas 8 do organismo aos diferentes estímulos externos. Este investigador focalizou o seu interesse investigativo na resposta dada pelos animais às mudanças ocorridas na sua homeostasia, incluindo quando estes eram sujeitos a situações extremas tais como calor, frio e substâncias tóxicas. Selye verificou que ao sujeitar os animais a estes estímulos externos, o seu organismo reagia procurando adaptar-se às alterações sofridas, chegando mesmo alguns órgãos a sofreram alterações significativas principalmente no que concerne ao seu sistema imunitário. Por esta razão, Selye (1979) definiu o stresse como a resposta não específica do corpo a qualquer exigência, propondo mais tarde o Síndrome Geral de Adaptação (Vaz Serra, 1999). Posteriormente nos anos 70, os estudos efectuados por Lazarus e colaboradores relativamente ao fenómeno do stresse despertaram a comunidade científica para a importância que a resposta individual ao stresse assume. Verificando os investigadores que o stresse era interpretado como sendo um conceito que pretendia explicar um conjunto de fenómenos relativos ao ser vivo (quer humano quer animal), definiram que o stresse não seria uma variável mas sim um conjunto de variáveis e processos complexos que interagem entre si, em que o indivíduo necessita de efectuar uma avaliação dos recursos disponíveis e do significado do meio, de forma a poder lidar com os acontecimentos stressantes com que se depara no seu quotidiano (Ogden, 2004; Paul & Fonseca, 2001). 3 - STRESSE NOS PROFISSIONAIS DE EMERGÊNCIA MÉDICA PRÉ-HOSPITALAR As profissões relacionadas com a saúde foram durante alguns anos esquecidas ou desvalorizadas relativamente à problemática do stresse, muito devido a estereótipos existentes na altura, em que os profissionais de saúde por serem o grupo profissional cuja competência seria tratar/curar as diferentes patologias, estariam por si só imunes a esta problemática. Todavia, a realidade actual da investigação científica revela-nos que os profissionais de saúde em geral, e os profissionais de emergência médica pré-hospitalar em particular são um grupo privilegiado no que diz respeito à 9 investigação científica relativa ao stresse e factores associados. A difícil realidade vivida por estes profissionais, que se traduz em consequências físicas, psicológicas e organizacionais dos fenómenos de stresse, e, em casos extremos, de burnout e turnover, despertaram a atenção da comunidade científica para estes sujeitos de estudo em particular. No caso particular dos profissionais de emergência médica, as características inerentes a este tipo de profissionais, faz com que se tratem de indivíduos sujeitos a níveis de stresse mais elevados comparativamente a outros profissionais de saúde, e, à população em geral. Alguns investigadores que têm utilizado estes profissionais de saúde como sujeitos de estudo referem o stresse ocupacional como fenómeno inerente à profissão, em que o trabalho sob pressão de tempo, as frequentes decisões que envolvem a vida ou a morte, os problemas com os colegas e a necessidade de elevado conhecimento técnico e cientifico são factores de stresse a considerar (Christie, 1997; Linton et al.; 1993). Na tentativa de sistematizar os factores de stresse mais frequentes para os profissionais de emergência médica pré-hospitalar, Bledsoe et al. (1997) referem que aspectos como a multiplicidade de responsabilidades (a necessidade de prestar socorro às vitimas, lidar com os agentes da autoridade, bombeiros e família), as tarefas inacabadas, trabalhar sob permanente pressão, a ausência de deslocações consideradas como sendo profissionalmente estimulantes, o elevado esforço físico e emocional a que estão sujeitos, a falta de reconhecimento profissional e o facto de terem de lidar frequentemente com a morte e sofrimento são primordiais na compreensão da problemática em estudo neste tipo de profissionais de saúde. A este nível O’Keefe et al. (1998) salientam que os profissionais de emergência médica pré-hospitalar lidam diariamente com situações altamente stressantes, entre as quais se salientam acidentes com múltiplas vítimas, saídas envolvendo crianças nas mais variadas vertentes, vítimas politraumatizadas graves, e, a morte de um colega de trabalho. Este facto foi posteriormente confirmado por Beaton (1998) que efectuou um estudo tendo como população alvo 173 paramédicos e bombeiros, em que o investigador verificou que os factores de stresse referidos com maior incidência pelos sujeitos de 10 estudo eram a existência de catástrofes, vítimas politraumatizadas, vítimas críticas, sofrerem acidentes pessoais e terem de contactar diariamente com a morte e sofrimento. Um pertinente estudo efectuado a nível nacional por Cydulka et al. (1997) com profissionais de emergência pré-hospitalar norte americanos, perfazendo um total de 3000 sujeitos de estudo, indica-nos que os níveis de stresse variam conforme o género, o estado civil, idade, formação profissional, salário e tempo de serviço na emergência pré-hospitalar, acrescentando os investigadores que os níveis de stresse encontrados nos sujeitos de estudo foram muito elevados. Mizuno et al. (2005) e Naoki (2005) procuraram compreender de forma mais aprofundada os efeitos do stresse nos profissionais de emergência médica pré-hospitalar japoneses, tendo para isso utilizado uma amostra constituída por 1551 sujeitos de estudo. Relativamente a efeitos físicos foram referidos como frequentes cefaleias, lombalgias, dores no pescoço e ombros, enquanto que a nível psicológico, insónias e exaustão foram os aspectos referidos com maior frequência. Ulrika (2005) utilizando uma amostra constituída por 1187 profissionais de emergência médica pré-hospitalar suecos apresenta resultados que confirmam os encontrados anteriormente, em que cefaleias, cervicalgias, lombalgias e epigastralgias eram queixas físicas frequentes entre o pessoal do género feminino, enquanto que os profissionais de emergência médica pré-hospitalar do género masculino referiam com maior frequência lombalgias, assim como limitações profissionais directamente resultantes do problema físico anteriormente referido. Em termos de sintomas psicológicos, as alterações do sono foram referidas com maior frequência não havendo todavia diferenças significativas entre géneros. Oliveira (2003) desenvolveu um estudo que pretendia determinar a influência de alguns factores de stresse em profissionais da VMER em Portugal, utilizando uma amostra constituída por 151 profissionais pertencentes ao CODU de Porto, Coimbra e Lisboa, perfazendo um total de 41.4% da população, com uma média de idades de 33.15 anos, em que 53% eram médicos, 34.4% enfermeiros e 12.6% TAE. De acordo com o estudo efectuado, existe uma correlação significativa entre percepção de stresse e a capacidade de resolução de problemas, sendo que os profissionais com maior capacidade para resolução de problemas apresentam uma percepção de stresse significativamente 11 inferior. Da correlação efectuada entre tempo semanal de exercício na VMER e percepção de stresse, refere a investigadora a existência de uma correlação negativa, pelo que os profissionais que trabalham menos horas por semana apresentam maior percepção de stresse. Porém, salienta-se a existência de uma correlação negativa entre o facto de trabalhar noutro serviço que não a VMER e a sua percepção de stresse, referindo a investigadora que “os profissionais que trabalham mais tempo por semana em outro serviço além da VMER, tendem a evidenciar menor percepção de situações indutoras de stress” (11). 12 2. METODOLOGIA 2.1. OBJECTIVO O estudo que aqui se apresenta possui como objectivo central analisar de forma mais aprofundada a vulnerabilidade ao stresse dos profissionais de emergência médica pré-hospitalar. 2.2. AMOSTRA E PROCEDIMENTO A nossa amostra foi extraída de uma população constituída por profissionais de emergência médica pré-hospitalar com a categoria profissional TAS/TAE pertencentes aos 16 quartéis de bombeiros do Algarve e por profissionais de emergência pré-hospitalar com a categoria profissional de enfermeiro e médico, pertencentes aos 39 postos da VMER a nível nacional. Como método de amostragem, foi utilizada a técnica de amostragem por clusters, particularmente útil quando o Universo é grande e os casos se encontram agrupados em unidades ou clusters (Hill & Hill, 2002). Nesta medida, e, no que diz respeito aos TAS/TAE, começámos por determinada a fracção de amostragem, ou seja qual a percentagem de quartéis de bombeiros a seleccionar para o nosso estudo, tendo sido utilizada uma fracção de amostragem equivalente a 50% dos quartéis de bombeiros existentes no Algarve. Para seleccionar os quartéis de bombeiros onde iria ser aplicado o instrumento de colheita de dados, foi utilizada a técnica de amostragem aleatória, tendo sido seleccionados os quartéis de Tavira, Olhão, Faro, Loulé, Albufeira, Lagoa, Portimão, Monchique e Lagos, o que corresponde a 56% dos quartéis de bombeiros municipais existentes no Algarve. O instrumento de colheita de dados foi posteriormente aplicado a todos os elementos com a categoria de TAS/TAE que se encontravam vinculados aos respectivos quartéis de bombeiros seleccionados. 13 No que concerne às equipas da VMER, procedeu-se de forma idêntica à utilizada nos quartéis de bombeiros, em que foi seleccionada uma percentagem amostral de 20% das bases de VMER distribuídas pelo território nacional. Neste sentido, foi igualmente utilizada a técnica de amostragem aleatória, tendo sido seleccionados os postos da VMER pertencentes ao Hospital Dr. Sousa Martins na Guarda, Hospital Distrital de Santarém, EPE, Hospital Dr. José Maria Grande, EPE em Portalegre, Hospital de Santa Maria, EPE em Lisboa, Hospital Curry Cabral em Lisboa, Centro Hospitalar do Baixo Alentejo, EPE em Beja, Hospital Central de Faro e o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE em Portimão, perfazendo o total de 21% das bases de VMER existentes no território nacional. O instrumento de colheita de dados foi posteriormente aplicado a todos os elementos que desempenhavam funções nas bases de VMER referidas anteriormente e que possuíam a categoria profissional de enfermeiro e de médico. Dos 161 sujeitos de estudo pertencentes à nossa amostra, 76,4% (N= 123) são do género masculino, enquanto que 23,6% (N= 38) são do género feminino. Possuem idades compreendidas entre os 19 e os 69 anos de idade, com uma média de 34,39 anos. A grande maioria, 92,5% (N= 149), dos sujeitos de estudo é de nacionalidade portuguesa, 4,3% (N= 7) são de nacionalidade espanhola, enquanto que somente 3,1% (N= 5) possui outra nacionalidade. No que diz respeito ao estado civil, 23,6% (N= 38) dos sujeitos de estudo são solteiros, enquanto que a grande maioria 65,8% (N= 106) são casados/união de facto, em que 10,6% (N= 17) referem ser divorciados. No que concerne à categoria profissional, 42,2% (N= 68) dos sujeitos de estudo possuem a categoria profissional de TAS/TAE, 31,7% (N= 51) são enfermeiros e 26,1% (N= 42) são médicos. Quanto ao tempo de serviço na emergência médica pré-hospitalar, encontra-se compreendido entre os 1 e os 25 anos, tendo sido obtida uma média de 6,45 anos. 2.3. INSTRUMENTOS DE PESQUISA O instrumento de pesquisa utilizado neste estudo foi um questionário composto por duas partes, em que a primeira parte é constituída por oito questões fechadas de natureza sociodemográfica que 14 pretendiam avaliar o género, nacionalidade, categoria profissional, estado civil, tempo de serviço na emergência médica pré-hospitalar, as alterações do sono, o facto de ser fumador e se pratica exercício físico, e, por uma questão aberta que pretendia avaliar a idade dos participantes no estudo. A segunda parte do questionário é constituído por uma escala de avaliação da vulnerabilidade ao stresse (23 QVS) elaborada por Vaz Serra (2000). Trata-se de uma escala do tipo Likert constituída por 23 itens com cinco opções de resposta, que variam entre 0 (concordo em absoluto) e 5 (Discordo em absoluto). Para a elaboração da escala de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, Vaz Serra (2000a) efectuou um estudo, em que utilizou uma amostra constituída por 368 indivíduos da população em geral, em que a escala inicial era constituída por 64 itens, tendo ficado posteriormente reduzida a 23, tendo sido excluídos 41 itens. O autor continua referindo que para definir as sub-escalas constituintes do instrumento de avaliação, procedeu a uma análise factorial de componentes principais, seguida por uma rotação ortogonal do tipo varimax, tendo obtido uma solução de 7 factores que explicam 57,5% da variância total, a que o autor denominou de “perfeccionismo e intolerância à frustração” (10,7% da variância), “inibição e dependência funcional” (10,5% da variância), “carência de apoio social” (7,6% da variância), “condições de vida adversas” (7,6% da variância), “dramatização da existência” (7,2% da variância), “subjugação” (7,2% da variância), e, por último a “deprivação de afecto e rejeição” (6,6% da variância). No que concerne aos indivíduos vulneráveis ou não vulneráveis ao stresse, Vaz Serra (2000) acrescenta que “os indivíduos que ao preencherem uma escala 23 QVS obtenham um valor igual ou superior a 43 devem ser considerados vulneráveis ao stresse” (303). Nesta linha de pensamento, sempre que a utilização do instrumento de avaliação referido anteriomente for efectuado em condições de prevalência de doença semelhantes àquelas descritas pelo autor no estudo original, pode-se esperar que os indivíduos que obtenham uma pontuação superior a 43 no instrumento de 15 avaliação tenham 40,1% de hipóteses de ser doentes, enquanto que aqueles que obtenham um resultado inferior a 43 possuem 85,3% de hipóteses de efectivamente não serem doentes. 2.4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Para se proceder à análise estatística dos dados recolhidos e mais concretamente no que se refere às técnicas inerentes à estatística descritiva, foram calculados os valores médios, os valores mínimos e máximos, bem como o desvio padrão, quer do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, quer de cada dimensão que o constitui, enquanto que no que se refere à análise estatística inferencial foram utilizados o teste de Kruskal Wallis e o teste de t de Student. A análise estatística descritiva efectuada permitiu verificar que relativamente às alterações do sono, a maioria dos sujeitos de estudo 75,2% (N= 121) refere não ter alterações do sono, enquanto que 24,8% (N= 40) refere ter alterações do sono, sendo que daqueles que referem ter alterações do sono, a insónia inicial é a alteração referida pela maioria dos sujeitos de estudo, como se pode observar no quadro 1. No que diz respeito ao consumo de tabaco, 36,6% (N= 59) dos sujeitos de estudo referem consumir tabaco, enquanto que 63,4% (N= 102) referem não consumir tabaco. Dos sujeitos de estudo que consomem tabaco, a maioria 46,9% consome entre 10 a 20 cigarros por dia, conforme se pode observar pelo quadro 2. Seguidamente, relativamente ao facto de praticarem exercício físico, a grande maioria 62,7% (N=101) refere não praticar qualquer tipo de exercício físico, enquanto que somente 37,3% (N=60) refere reservar algum do seu tempo para praticar exercício físico, conforme se pode observar no quadro 3. No que diz respeito à análise descritiva do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, e, conforme se verifica pela análise do quadro 4, os valores médios encontrados foram baixos para todas as sub-escalas constituintes do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, enquanto que relativamente ao total do instrumento de avaliação, o valor médio encontrado foi inferior a 43, valor acima do qual segundo Vaz Serra (2000) um individuo se revela vulnerável ao 16 stresse. Igualmente pertinente é o facto da grande maioria dos sujeitos de estudo não apresentarem vulnerabilidade ao stresse, sendo que entre aqueles que apresentam vulnerabilidade ao stresse, são os sujeitos de estudo com a categoria profissional de TAS/TAE os que apresentam valores percentuais mais elevados, e por outro lado, são os enfermeiros aqueles que apresentam os valores percentuais mais baixos (vide quadro 5). A análise estatística inferencial efectuada permitiu-nos verificar, através do teste T de diferença de médias, que relativamente ao género foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (F= 2,726; Sig= ,046), entre esta variável e a sub-escala “Dramatização da existência” do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, sendo que são os sujeitos de estudo do género feminino aqueles que tendem a dramatizar com maior frequência a sua existência, uma vez que apresentam valores médios globais mais elevados (Mas= 1,739; Fem= 1,991). No que diz respeito à categoria profissional, através do teste de Kruskal Wallis, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas quer para a totalidade do instrumento de medida da vulnerabilidade ao stresse, quer para as dimensões “Condições de vida adversas”, “Subjugação” e “Deprivação de afectos e rejeição”, em que os sujeitos de estudo com a categoria profissional de TAE/TAS foram aqueles que apresentaram valores médios mais elevados, quer para a totalidade do instrumento de medida, quer para as diferenças dimensões em causa, como se pode observar no quadro 6. Quanto à variável consumo de tabaco, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre a variável em estudo e as sub-escalas “Subjugação” e “Deprivação de afecto e rejeição” do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, em que pela análise das médias obtidas é possível verificar que são os sujeitos de estudo que consomem tabaco aqueles que apresentam diferenças estatísticas mais significativas (vide quadro 7), não tendo sido contudo, encontradas diferenças estatisticamente significativas para a totalidade do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse. Relativamente à variável alterações do sono, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas nas dimensões “Perfeccionismo e intolerância à frustração”, “Condições de vida 17 adversas”, “Dramatização da existência”, “Subjugação”, e “Deprivação de afectos e rejeição”, assim como para a totalidade do instrumento de medida do stresse, em que através da análise das médias podemos verificar que são os sujeitos de estudo que possuem alterações do sono aqueles que apresentam diferenças estatísticas mais significativas (vide quadro 8). Por outro lado, igualmente pertinente, foi o facto de se ter verificado a existência de diferenças estatisticamente significativas (F= ,792; Sig= ,011), entre o facto de praticar exercício físico e a totalidade do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, em que são os sujeitos de estudo que referem não praticar exercício físico aqueles que apresentam valores médios de vulnerabilidade ao stresse mais elevados (Sim= 33,800; Não= 37,841). 3. CONCLUSÕES O stresse é uma temática relevante e que tem vindo a ser progressivamente valorizado, principalmente nas sociedades desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento. No caso particular dos profissionais de saúde, por se tratar de um conceito de importância nuclear na saúde dos cuidadores, com importantes repercussões económicas nas entidades empregadoras, os estudos relativos à temática em questão têm-se multiplicado nos últimos anos. Não obstante, os estudos relativos aos profissionais de emergência médica pré-hospitalar são ainda diminutos, razão pela qual surge o nosso estudo, que pretende contribuir para a compreensão e posterior aprofundamento do estudo relativo ao stresse nestes sujeitos de estudo em particular, na medida em que pelas características inerentes à sua actividade profissional, revelam-se sujeitos de estudo particularmente pertinentes para a compreensão da vulnerabilidade ao stresse. Nesta medida, através do estudo por nós efectuado foi possível verificar a existência de valores médios de vulnerabilidade ao stresse baixos, inferiores a 43 para a totalidade dos sujeitos de estudo, o que segundo o autor do instrumento de medida, nos permite afirmar que de uma forma geral, os sujeitos de estudo não apresentam vulnerabilidade ao stresse. Todavia, se avaliarmos a 18 vulnerabilidade ao stresse mediante a categoria profissional, podemos verificar que são os sujeitos de estudo com a categoria profissional de TAS/TAE aqueles que apresentam maior percentagem de sujeitos vulneráveis ao stresse, o que nos parece compreensível na medida em que são simultaneamente os sujeitos de estudo com a categoria de TAS/TAE aqueles que apresentam valores médios mais elevados quer para a totalidade do instrumento de medida da vulnerabilidade ao stresse, quer para as dimensões “Condições de vida adversas”, “Subjugação” e “Deprivação de afectos e rejeição”. Igualmente pertinente, é o facto de existirem diferenças estatisticamente significativas entre o facto de possuírem alterações do sono e as dimensões “Perfeccionismo e intolerância à frustração”, “Condições de vida adversas”, “Dramatização da existência”, “Subjugação”, e “Deprivação de afectos e rejeição”, assim como para a totalidade do instrumento de medida do stresse, na medida em que esta profissão é necessariamente desempenhada em regime de trabalhos por turnos, fazendo com que as alterações de sono nos sujeitos de estudo sejam mais acentuadas, e, consequentemente os seus níveis de vulnerabilidade ao stresse. Este aspecto assume particular importância na medida em que os profissionais de emergência médica pré-hospitalar, conduzem viaturas a velocidades acima da média e necessitam de tomar decisões num curto espaço de tempo, decisões essas que frequentemente envolvem a vida e a morte das pessoas a quem prestam cuidados de saúde. Um aspecto interessante e que remete para futuras investigações, foi o facto de termos verificado a existência de diferenças estatisticamente significativas entre a prática de exercício físico e a totalidade do instrumento de avaliação da vulnerabilidade ao stresse, em que são os sujeitos de estudo que referem não praticar exercício físico aqueles que apresentam valores médios de vulnerabilidade ao stresse mais elevados. Consideramos que este aspecto é importante e que carece de futura investigação, nomeadamente no que às estratégias de coping utilizadas pelos profissionais de emergência médica diz respeito, na medida em que poderia possibilitar a construção de uma modelo de gestão de stresse adequado e adoptado a estes sujeitos de estudo em particular. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Beaton, R. D. & Murphy, S. A. (1993). Sources of occupational stress among firefighter/EMTs and firefighter/paramedics and correlations with job-related outcomes. 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Psicologia Clínica, 21, (4), 279-308. 21 Quadro 1: Frequências e percentagens dos diferentes tipos de alterações do sono TIPO DE ALTERAÇÃO DE SONO FREQUÊNCIA PERCENTAGEM Insónia inicial 24 60% Insónia intermédia 13 32,5% Insónia terminal 3 7,5% Quadro 2: Frequências e percentagens obtidas para a variável quantidade de tabaco consumido QUANTIDADE DE CIGARROS CONSUMIDOS FREQUÊNCIA PERCENTAGEM 1-10 22 34,4% 10-20 30 46,9% >20 12 18,8% Quadro 3: Frequências e percentagens obtidas para a variável praticar exercício físico PRATICAR EXERCICIO FISICO FREQUÊNCIA PERCENTAGEM Sim 60 37,3% Não 101 62,7% 22 Quadro 4: Médias, desvios padrão e valores mínimos e máximos obtidos no instrumento utilizados para avaliar a vulnerabilidade ao stresse SUB-ESCALAS MÉDIA DESVIO PADRÃO MÍNIMO MÁXIMO Perfeccionismo e intolerância à frustração 11,83 4,304 2 23 Inibição e dependência funcional 7,36 2,212 3 13 Carência de apoio social 2,40 1,621 0,00 7 Condições de vida adversas 2,92 2,163 0,00 8 Dramatização da existência 5,39 2,044 0,00 10 Subjugação 10,96 2,523 5 18 Deprivação de afecto e rejeição 3,75 2,246 0,00 10 Vulnerabilidade ao stresse 36,33 9,820 12 62 23 Quadro 5: Percentagem de sujeitos de estudo vulneráveis e não vulneráveis ao stresse mediante a sua categoria profissional SUB-ESCALAS NÃO VULNERÁVEL AO STRESSE VULNERÁVEL AO STRESSE TAS/TAE 25,5% 16,8% Enfermeiro 28,6% 3,1% Médico 21,1% 5% Total 75,2% 24,8% Quadro 6: Resultados obtidos no teste de Kruskal Wallis entre a categoria profissional e o stresse Médias Chi-Square Sig. 14,409 ,001 20,967 ,001 11,814 ,003 13,840 ,001 TAE/TAS= 94,56 Condições de vida adversas E= 80,01 M= 60,25 TAE/TAS= 100,36 Subjugação E= 64,18 M= 70,08 TAE/TAS= 95,26 Deprivação de afectos e rejeição E= 67,22 M= 74,65 TAE/TAS= 96,93 Vulnerabilidade ao stresse E= 68,18 M= 70,77 24 Quadro 7: Resultados obtidos no teste t entre a variável consumo de tabaco e o stresse Médias F t df Sig. ,128 3,006 159 ,003 ,696 2,928 159 ,004 ,018 1,781 159 ,077 S= 1,779 Subjugação Deprivação de afectos e rejeição Vulnerabilidade ao stresse N= 1,446 S= 1,474 N= 1,124 S= 38,135 N= 35,294 Quadro 8: Resultados obtidos no teste t entre a variável alterações do sono e o stresse Médias Perfeccionismo e intolerância à frustração Condições de vida adversas Dramatização da existência F t df Sig. ,548 3,924 159 ,001 ,837 2,393 159 ,018 1,448 3,222 159 ,002 1,770 3,172 159 ,002 ,163 4,148 159 ,001 ,002 4,829 159 ,001 S= 2,341 N= 1,849 S= 1,812 N= 1,347 S= 2,091 N= 1,702 S= 1,862 Subjugação Deprivação de afectos e rejeição Vulnerabilidade ao stresse N= 1,471 S= 1,658 N= 1,118 S= 42,425 N= 34,322 25 Candidatura 2 Autores: Roberta Scheer Silva & Fernando Brandalise Título: O efeito do diagnóstico psiquiátrico sobre a identidade do paciente 26 O EFEITO DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO SOBRE A IDENTIDADE DO PACIENTE1 ROBERTA SCHEER SILVA2 FERNANDO BRANDALISE3 RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo identificar como o diagnóstico psiquiátrico interfere na constituição da identidade do usuário do Centro de Atenção Psicossocial de uma região do sul do Brasil. Com intuito de responder a esta questão, foram entrevistados três usuários do referido centro, três familiares e três profissionais que atuam neste tipo de serviço substitutivo. A pesquisa caracterizou-se por ser do tipo exploratória e qualitativa e utilizou entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados. Foram construídas a partir da análise das entrevistas categorias como: periculosidade, redução à doença, diferença e preconceito, descrédito e aceitação da identidade de louco. Os resultados mostraram que existem diversas decorrências do diagnóstico psiquiátrico na vida dos pacientes. Dentre elas é possível perceber que os usuários são vistos de forma diferente após receberem o diagnóstico. Existe um olhar de preconceito atrelado ao estigma existente acerca daquele considerado “doente mental”, que passa a ser visto por este rótulo. Portanto, o diagnóstico psiquiátrico foi considerado algo negativo em relação ao desenvolvimento do tratamento, pois traz decorrências ruins e muitas vezes irreversíveis. Por isso, esta pesquisa provoca reflexões sobre a real importância da comunicação do diagnóstico apontando as implicações que traz à vida de quem o possui. PALAVRAS-CHAVE: Diagnóstico Psiquiátrico; Identidade; CAPSII ________________ 1 Forma de participação: Comunicação livre, 2 Autora. Psicóloga formada pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça-SC-Brasil. Telefone: 55 48 3224-3660. E-mail: [email protected] 3 Co-autor. Psicólogo do IPAT – Instituto de Psicologia e Acompanhamento Terapêutico, Florianópolis-SCBrasil. Telefone: 55 48 3024-5406. E-mail: [email protected] 27 INTRODUÇÃO O modelo de atenção à saúde sofre transformações desde o final da década de setenta no Brasil. Desenvolve-se um que se diferencia daquele apoiado no modelo biomédico, que compreende o transtorno mental a partir de uma perspectiva biologicista de cura e doença, desconsiderando influências da cultura e da história no surgimento dos transtornos mentais. Esse novo modelo de atenção à saúde mental é impulsionado pela Reforma Psiquiátrica, um movimento político e social que faz uma crítica ao modelo asilar, questionando os pressupostos básicos da psiquiatria, condenando seus efeitos de normatização e controle. Dentro deste modelo de atenção à saúde mental, estão inseridos os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esses têm a função de prestar atendimento clínico, médico e psicológico em regime de atenção diária. Neste contexto foi realizada a presente pesquisa, com o objetivo de identificar qual o efeito da comunicação do diagnóstico psiquiátrico sobre a constituição da identidade dos usuários deste serviço substitutivo. Acreditando que o efeito do diagnóstico psiquiátrico seja comum a todos àqueles que o possuem, esta pesquisa se torna de grande valia não só para os usuários do CAPS, mas a todos àqueles que possuem um diagnóstico psiquiátrico, pois a mesma suscita reflexões acerca do efeito da comunicação deste. Milhões de pessoas do mundo inteiro sofrem de algum tipo de transtorno mental severo e persistente, mas além do sofrimento provocado pela doença estas pessoas sofrem com o preconceito, o descrédito e a estigmatização. Será que a comunicação do diagnóstico psiquiátrico é importante para o paciente? Nesta pesquisa, pudemos constatar através do levantamento de informações por meio de entrevistas, feitas com nove pessoas envolvidas no processo do diagnóstico, que a 28 comunicação do diagnóstico para o paciente traz efeitos ruins e muitas vezes irreversíveis para a vida daquele que o recebe. Estes efeitos aparecem de forma muito diversa afetando a constituição da identidade do indivíduo, pois esta, segundo Ciampa (1984), está sempre em constituição e se dá por meio das relações. O homem constitui sua identidade a partir das relações que estabelece com os outros e com o mundo e acaba por interiorizar valores que foram a ele atribuídos. É também através das relações que se tem a idéia do que é igual e do que é diferente e durante a vida um indivíduo vai se diferenciando ou se igualando aos grupos aos quais pertence. Ao ser visto como “doente mental” o indivíduo pode acabar se identificando com este rótulo e todos os atributos que a ele estão atrelados. Percebeu-se durante a pesquisa que, entre outras coisas, aquele que porta um diagnóstico de transtorno mental é visto como louco, alienado, perigoso, doente e incapaz. Além de ter haver um severo descrédito de suas ações e palavras. OBJETIVO Investigar como a comunicação do diagnóstico psiquiátrico interfere na constituição da identidade do paciente. METODOLOGIA Esta pesquisa foi realizada no Centro de Atenção Psicossocial do município de Palhoça, no sul do Brasil. Trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa e exploratória, uma vez que, segundo a Minayo (1994), responde a questões muito particulares que não pode ser quantificado. 29 Nesta pesquisa, foi adotado como delineamento de pesquisa o levantamento, pois desejou-se investigar o problema através do levantamento de informações por meio de perguntas feitas diretamente a um determinado grupo. Este grupo foi formado por três profissionais inseridos no CAPS de Palhoça, sendo um enfermeiro; um médico e uma psicóloga; três usuários e três familiares de usuários. Portanto, foram realizadas nove entrevistas. Para que os usuários participassem da pesquisa, estes deveriam ser maiores de 21 anos e ter seu nome cadastrado no serviço há mais de um ano, sendo estes critérios avaliados pelo pesquisador. Outro importante critério utilizado para a seleção dos entrevistados foi o contato com o processo de comunicação do diagnóstico e suas conseqüências. Este estudo buscou entrar em contato com os participantes respeitando os aspectos éticos colocados pelas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde. Após a estruturação do projeto de pesquisa o mesmo foi encaminhado ao Comitê de Ética da Universidade para que as entrevistas pudessem ser iniciadas. . Após a coleta de dados foi iniciada a próxima etapa da pesquisa que consistiu na análise de dados, realizada a partir da categorização dos resultados, viabilizando uma articulação prática e teórica objetivadas pela pesquisa. A partir dos dados obtidos em campo, a análise das entrevistas foi feita de forma a agrupar os dados em categorias a fim de facilitar a explanação destes. Os dados foram agrupados em categorias definidas após a leitura dos mesmos, nos quais foram identificadas temáticas que puderam ser agrupadas e discutidas de forma conjunta. 30 EXPOSIÇÃO E ANÁLISE DE DADOS Após a coleta dos dados foram organizadas categorias de acordo com temas que surgiram das próprias entrevistas a fim de facilitar a explanação dos resultados. Foram determinadas então cinco categorias, denominadas: periculosidade, redução à doença, diferença/preconceito, descrédito/ desqualificação e por fim aceitação da identidade de louco. Com intuito de proteger a identidade dos participantes foi determinado pela pesquisadora que os mesmos seriam identificados através de letras e números, sendo que os usuários são aqui identificados pela letra U, os familiares identificados pela letra F e os profissionais identificados pela letra P. Os números colocados junto as letras servem para diferenciar um sujeito do outro, ou seja, identificar que U1 corresponde a um usuário , que U2 corresponde a outro usuário e que U3 corresponde ainda a outro usuário. Desta mesma forma foram diferenciados os outros sujeitos da pesquisa. PERICULOSIDADE Esta primeira categoria apresenta a idéia de que os portadores de transtorno mental deveriam ficar trancafiados, pois são vistos como pessoas que oferecem perigo a sociedade. Isto fica claro na fala de um dos usuários: “ [...] pensava que tinham medo de mim.” (U3) Aqui a usuária refere-se a uma situação em que depois de receber o diagnóstico suas colegas de trabalho passaram a olhá-la de forma diferente, com um olhar, segundo a usuária, de medo. De acordo com Duarte (1998), os nossos relacionamentos são pautados naquilo que pensamos sobre o indivíduo, ou que respostas este indivíduo vai nos dar. Então, as 31 pessoas que tem a idéia de que aqueles que possuem um diagnóstico psiquiátrico são loucos e que loucos representam perigo tendem a esquivar-se do convívio com esta pessoa, buscando fugir do perigo. É possível também verificar a idéia de periculosidade na fala desta outra usuária: “[...] Queria ajudar ela, queria pegar o nenê no colo, queria acariciar mais o neném, ficar mais perto dela e ele não deixa” (U1). Neste trecho a usuária refere-se à situação de não poder freqüentar a casa da filha porque o genro não permite, privando a usuária de ter um maior contato com a filha e a neta, pois pelo fato da usuária possuir um diagnóstico psiquiátrico, esta poderia representar perigo para o bebê. Analisando o discurso de familiares e profissionais não foi constatada a idéia de que os portadores de transtorno mental poderiam representar perigo. REDUÇÃO À DOENÇA Nesta categoria discute-se a redução à doença, apresentando a idéia de que o indivíduo acaba por ser rotulado de doente mental e este passa a ser seu principal atributo sendo o primeiro e por muitas vezes o único atributo a ser visto, reduzindo o indivíduo a sua doença. Isto fica evidente a seguir no discurso de um dos usuários entrevistados: “[...] Quando meu pai faleceu que eu senti, mas eu acho que aquilo ali não fosse da doença, eu achei que aquilo fosse uma coisa normal, né, de chorar, de sentir saudade, a falta dele, então, só que pra ele (o marido), eu não tinha aquele direito, de chorar de sentir falta da pessoa né”. (U2). No trecho anterior a usuária refere-se ao fato do marido ter pensado que ela estava chorando porque era doente, entendendo este choro como algo fora do comum. Pode-se 32 perceber que a própria usuária percebe como algo comum chorar pela perda de uma pessoa querida e está ciente de que o marido não a considerou como uma pessoa normal. É possível perceber através da fala da usuária que o marido não a considerou como um ser total, como uma pessoa que chorava pela morte do pai porque este era uma pessoa que a usuária gostava e sim porque ela era uma pessoa doente, portanto, justificando seu comportamento pela doença. De acordo com Goffman (1988), os indivíduos tendem a categorizar os outros de acordo com os atributos que esperam que esta pessoa tenha e se esta pessoa apresenta alguma evidência de diferença é posta em uma categoria a qual os ditos “normais” acreditam que este pertence. A redução do paciente ao diagnóstico, ou seja, considerar o indivíduo apenas por uma característica, sendo esta o diagnóstico, é fator que não aparece apenas no discurso dos usuários, este se faz presente também no discurso dos familiares, bem como no discurso dos profissionais, mesmo que de forma diferente, já que estes apresentam a redução à doença como uma preocupação. Primeiramente será enfatizada a fala dos profissionais: “[...] O profissional quando entra muito nesta questão do diagnóstico acaba perdendo o sujeito, perdendo a pessoa”. (P2). “[...] Eu acho rotular o paciente no primeiro dia de diagnóstico eu acho muito ruim” (P1). O profissional número dois (P2), mostra uma preocupação com o rótulo do diagnóstico no sentido de que preocupar-se apenas com ele ou enxergar o diagnóstico em primeiro plano pode fazer com que se perca o sujeito, em outras palavras, que este não seja considerado com todos os seus atributos. O profissional número um (P1), também aponta uma preocupação com o rótulo no que diz respeito a rotular o paciente sem ter tempo de conhecê-lo direito. 33 Segundo Duarte (1998), é preciso conhecer melhor o indivíduo antes de tirar alguma conclusão, pois considerando apenas um de seus aspectos sua totalidade provavelmente vai se perder. Nota-se que os familiares também reduzem os usuários ao diagnóstico quando falam que estes são doentes mentais, portanto, consideram esta a característica principal do sujeito. O fato de considerar o usuário como louco aparece em diversos momentos do discurso dos familiares. No entanto foram aqui selecionados trechos onde fica explicito que estes são tomados pelos familiares principalmente como doentes mentais. “[...] O que eles atestaram é que ela...é.. atestado de louca né.. assim, de cabeça”. (F1). Considerando o discurso da familiar número um (F1), pode-se perceber que este familiar considera o usuário como louco, pois, a partir do momento em que este recebeu o diagnóstico, F1 diz ter notado uma diferença, já que quando foi perguntada sobre a percepção de alguma diferença na filha a mesma diz “notei’ e faz sinal com a mão no sentido de dizer que a filha é louca. DIFERENÇA/PRECONCEITO A terceira categoria desta pesquisa trata da diferença e preconceito, apresentando as idéias de Hall (1996) de que a identidade é constituída por meio da diferença e tem a capacidade de excluir. No caso do portador de transtorno mental, este é excluído da categoria de pessoa normal. Além disso, os indivíduos estão repletos de idéias pré-concebidas e por isso um diagnóstico psiquiátrico faz com que as pessoas tenham o preconceito de que o portador de transtorno mental não é normal, ou seja, é pior do que aqueles que seguem este padrão. 34 São muitos os usuários que relatam uma mudança no relacionamento com as pessoas após receberem o diagnóstico psiquiátrico, ou seja, depois de receberem a marca de ser um “doente mental”. No caso da presente pesquisa este fator foi apontado por todos os usuários entrevistados. Esta mudança aparece principalmente relacionada ao preconceito e discriminação, como mostra o discurso da usuária: “ [...] É, geralmente tem bastante discriminação né, se a pessoa sabe que a gente ta tomando algum tipo de medicamento assim pra esquizofrenia,essas coisa assim” (U2) A partir do relato da usuária 2 (U2), é possível perceber que a discriminação está totalmente vinculada ao diagnóstico, ou seja, ao tipo de doença para qual se está tomando remédio. Tomar remédio para uma “doença mental” é estar fora do padrão de normalidade o que segundo Silva (2000), faz com que a pessoa seja classificada como diferente. A questão do preconceito aparece não só no discurso dos usuários, mas também daqueles que trabalham em contato com os mesmos. É possível identificar a presença do preconceito nos discursos dos profissionais, como pode ser percebido nos seguintes trechos da fala destes: “[...] Quando eles chegam aqui no CAPS já vem com preconceito né... da loucura, até que eles tem deles mesmo, que é difícil pra gente trabalhar isso aí..mas um diagnóstico de esquizofrenia é muito sério..até depressão eu acho muito sério”. (P2). Nesta parte do discurso a profissional número dois (P2), fala sobre o fato de que muitas vezes os usuários do Centro de Atenção Psicossocial da Palhoça ao se inscreverem no serviço já carregam um diagnóstico e com ele o preconceito. Além disso, a profissional fala sobre os diferentes tipos de diagnósticos, expressando um juízo de valor, e de forma implícita afirma que um diagnóstico seria mais “sério” do que o outro. Então, além de existir a discriminação e o preconceito, existem “níveis” de discriminação como foi atestado por profissionais da área. Isto nos faz pensar que o indivíduo 35 que recebe um diagnóstico psiquiátrico é considerado diferente dos padrões normais, portanto, de acordo com Silva (2000), visto como um sujeito que possui características inferiores. Além disso, determinados diagnósticos fazem com que os indivíduos sejam considerados ainda mais diferentes e conseqüentemente ainda piores. De acordo com Silva (2000), a identidade e a diferença são produzidas através das relações sociais, portanto o fato da pessoa ter um diagnóstico psiquiátrico certamente exerce influência sobre seus relacionamentos e conseqüentemente sobre sua identidade. Diferentemente dos profissionais e dos usuários os familiares não falam sobre a ocorrência do preconceito, no entanto estes o colocam em ação, ao passo que discriminam o usuário. Este preconceito pode ser percebido através da fala dos familiares a seguir: “[...] Ela era uma menina normal, ela não tinha problema nenhum. (F1). Nesta fala a familiar número 1 (F1) refere-se a sua filha, ou seja, a como ela era. Segundo a mesma, a filha era uma menina normal, o que quer dizer que hoje em dia a mesma não é normal, portanto, é diferente. De acordo com Hall (1996), a identidade é constituída por meio da diferença e tem o poder de excluir, criando assim, categorias. Neste caso, na visão da mãe a filha estaria excluída da categoria de normalidade, fazendo parte da categoria dos “não normais”. DESCRÉDITO Esta quarta categoria apresenta a idéia de que os portadores de transtorno mental severo e persistente são vistos como incapazes inclusive de saber o que é melhor para si, logo, alguém deve ficar responsável por este sujeito, mesmo que isto exija intervenções feitas contra sua vontade. 36 Além disso, o que o dito “doente mental” fala não é levado em consideração, pois o mesmo é tido como alguém incapaz de saber diferenciar que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim. Por isso, o mesmo fica impedido de lutar contra a própria exclusão, pois suas ações estão circunscritas e definidas pela doença, como evidencia o relato da usuária: “[...] Eles acham que eu não tenho.. que eu não tenho assim, um estado de saúde mental para ficar sabendo, para ajudar, pra me colocar ali pra fazer alguma coisa” (U1) No relato da usuária número um (U1) fica evidente que a mesma é julgada como incapaz de executar tarefas, além de não ser considerada como alguém capaz de obter determinadas informações. É interessante observar que a mesma refere-se a esta situação usando a expressão “eles acham”, o que leva a reflexão de que ela não tem esta idéia, é uma idéia dos outros. Talvez enquanto os outros acham que ela não é capaz, a usuária possa ter certeza de sua capacidade, pois em outro trecho de seu discurso a usuária diz: “[...] Que eu tinha as vezes que fazer as coisas por ele”. (U1) Quando U1 fala que “as vezes tinha que fazer as coisas por ele” a mesma refere-se a atividades que realizava pelo marido, pois este não conseguia fazer nada sozinho, de acordo com U1. Portanto, aqui fica claro que a usuária tinha condições e era vista como alguém que era capaz inclusive de ajudar os outros. Agora, esta mesma usuária (U1), diz ser considerada incapaz, como alguém sem saúde suficiente para saber das coisas. O fato do portador de transtorno mental ser uma pessoa que os demais sujeitos não dão crédito fica evidente também no discurso dos familiares. Como podemos observar a seguir: “[...] Porque no caso eu não tenho problema nenhum.. ela já tem”. (F2). 37 No discurso do familiar número dois (F2) apresentado anteriormente, a familiar fala sobre seu relacionamento com a mãe, diz que a mãe sempre acha que está certa, entretanto, a mesma “tem problema” e ela não, portanto quem está errada é a mãe. Aqui fica clara a idéia de Szasz (1978), que afirma que quando uma pessoa possui um diagnóstico psiquiátrico perde o crédito de sua palavra. Os profissionais falam sobre o descrédito e a desqualificação, porém, falam de outra forma. Estes não desqualificam os sujeitos, entretanto, vêem como algo real o efeito do descrédito e da desqualificação do sujeito a partir do diagnóstico, como pode ser percebido a seguir no discurso dos profissionais: “[...] Tens que tomar um cuidado para não rotular e dizer que é incapaz, que não..”.(P1) No trecho da fala de P1, o profissional fala sobre o cuidado que tem em falar sobre a “doença”, procurando dar informações, preocupando-se em explicar ao paciente que sua doença não é incapacitante. ACEITAÇÃO DA IDENTIDADE DE LOUCO Nesta categoria, intitulada “aceitação da identidade de louco” discute-se a idéia de que a visão do outro tem grande relevância na constituição da identidade de um indivíduo. De acordo com Ciampa (1996), com o tempo nos apropriamos das características que os outros nos atribuem. Então, se os outros consideram uma pessoa louca, esta acaba por aceitar e assumir esta identidade. Isto pode ser percebido no discurso de um familiar de usuário que diz: “[...] Sabe que é doente.. Ela sempre aceitou...ela está sempre falando que é doente, que tem este problema”. (F2). 38 Na fala de F2, a familiar relata que a usuária se aceita como doente e sempre fala que é doente. Fica então evidente que a usuária identificou-se com a categoria que os outros dizem que ela pertence, a categoria de “doente mental’. Em relação aos usuários é possível perceber através do discurso dos mesmos que estes também se identificam como doentes, como pode ser percebido na fala do usuário número 1 (U1) a seguir: “[...] Eu fiquei mais doente ainda”. (U1). A usuária número um refere-se a um problema que a deixou mais doente ainda, assim, fica evidente que esta identifica-se como doente. Num outro momento a usuária fala sobre seu genro, afirmando que este “também é doente”, sendo que este “também” está relacionado a ela. Ao passo que alguns usuários identificam-se como doentes, existem usuários com os quais isto não acontece. É possível identificar este aspecto através do discurso da usuária número dois (U2): “[...] Agora já foi diminuindo bastante..agora to bem..normal..quase que nem antes”. (U2). No trecho da fala da usuária número dois (U2), fica claro que a mesma sente-se normal, portanto, não se identifica como uma pessoa doente, apesar de em determinado momento dizer que está quase que nem antes, ou seja, não totalmente como antes, não significa que a mesma se sinta como uma pessoa diferente. Talvez entenda que não é a mesma pessoa que era antes, mas, não se vê e nem se coloca diferente. Vale ressaltar que esta usuária que não se considera diferente é a única das usuárias entrevistadas que realmente não sabe seu diagnóstico. Diante desta informação surge a dúvida fica a pergunta: Será que o diagnóstico é mesmo importante? Será que este deve ser comunicado? 39 Entretanto é preciso considerar que alguns pacientes mesmo sem saber exatamente qual é seu diagnóstico acabam por identificar-se como algo diferente pela forma como são tratados pelos outros. Este fato é perceptível através do relato do profissional número 2 (P2): “[...] Chegando aqui eles nem sabem o que eles tem, mas pela maneira com que os outros tratam eles já tem preconceito de com eles mesmo”. (P2). Nesta parte do discurso do profissional número dois (P2), a profissional fala sobre o preconceito que os usuários sentem. Preconceito deles mesmos, ou seja, identificaram-se como diferentes pela forma com que os outros os tratam, ficando aqui evidente a idéia passada por Silva (2000), de que a identidade está atrelada à diferença e que estas acontecem por meio das relações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante muitos anos, aqueles que apresentavam um comportamento diferente do normal foram excluídos, trancafiados em instituições. Entretanto este modelo de atenção à saúde mental vem sendo gradativamente substituído, à luz das propostas da Reforma Psiquiátrica que faz uma crítica ao modelo biomédico, propondo uma nova forma de atenção à saúde mental baseada num modelo biopisicossocial. Para que a atenção à saúde mental fosse organizada , foram insaturados através de leis, alguns princípios e diretrizes que beneficiam àqueles que sofrem de transtorno mental, garantindo seu tratamento em meio à sociedade e não mais presos em instituições que acabam por excluí-los. É neste contexto que surgem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), como alternativas de tratamento ao portador de transtorno mental, com o objetivo de promover sua reabilitação psicossocial, colocando o mesmo em contato com a sociedade e não mais isolando-o em um asilo. 40 Entretanto, foi constatado nesta pesquisa que o que excluí o indivíduo não é apenas deixá-lo trancafiado em um manicômio. A exclusão vai além disso, pois mesmo não sendo retirado da sociedade através da segregação imposta pelo modelo hospitalocêntrico este indivíduo acaba sendo visto como alguém que deveria ser retirado da sociedade, causando uma outra forma de exclusão que parte diretamente dos membros da sociedade. Foi verificado através desta pesquisa que apesar de serem tratados no meio social, num espaço urbano, os portadores de transtorno mental continuam excluídos em função do estigma e do preconceito. Neste sentido, é possível constatar que embora o novo modelo de assistência à saúde mental proporcione que o indivíduo faça laços sociais, que este circule livremente e garanta sua cidadania, a mudança do local de tratamento não é suficiente para que o portador de transtorno mental seja visto como um cidadão comum. Existe algo que o torna diferente e excluído, algo que vai além do manicômio. Após a realização desta pesquisa foi possível perceber que este algo é o diagnóstico. Verificou-se que o diagnóstico realmente produz estigma, já que a partir da atribuição do diagnóstico os portadores de transtorno mental passam a ser rotulados como diferentes, perigosos, desqualificados além de outras características atribuídas aos que possuem um diagnóstico psiquiátrico. Foi também através deste estudo possível perceber que além de ser estigmatizado, o portador de transtorno mental apropria-se do seu diagnóstico identificando-se com o mesmo e com as características que a estes são atribuídos. Além de todas as decorrências do diagnóstico citadas anteriormente, durante a pesquisa foram identificadas diversas outras, dentre elas verificou-se que o diagnóstico pode trazer ganhos secundários a determinados pacientes. Entretanto não foi possível à pesquisadora listar e analisar todas as decorrências do diagnóstico em função do tempo determinado para a conclusão da pesquisa. Por isso, vale lembrar que este estudo poderá servir de base para novas pesquisas científicas que venham a realizar-se futuramente. Enfim, esta pesquisa permite pensar se a transformação na atenção à saúde mental promovida pela Reforma Psiquiátrica, modificando a atenção à saúde, conseguirá atingir um de seus principais objetivos, o de integrar os ditos “loucos” à sociedade livrando-os da exclusão, pois foi 41 constatado na pesquisa que os serviços substitutivos mudam o ambiente em que os “loucos” são tratados mas estes continuam socialmente excluídos. Então, verificou-se que o diagnóstico produz estigma e preconceito, além de trazer outras decorrências ruins e muitas vezes irreversíveis a vida daqueles que recebem um diagnóstico psiquiátrico. Desta forma, o diagnóstico certamente acaba trazendo muito mais prejuízos do que benefícios aos que o possuem, por isso é preciso refletir sobre o mesmo, considerando as conseqüências que este pode trazer, fazendo uma comparação entre os benefícios e malefícios do diagnóstico, e aí sim pensar se este é realmente importante. REFERÊNCIAS Andrade, L. H. S. G. de A. (1999). Epidemiologia Psiquiátrica: novos desafios para o século XXI. São Paulo. Amarante, P. (2003). A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica. In: Sciliar, M. et al. Archivos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: NAU Editora. ______. (1995). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: SED / ENESP. Baremblit, G. (Org). (1982). Grupos e teoria técnica. (2a ed.). Rio de Janeiro: Graal. 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Neste contexto, a implementação de programas de prevenção da depressão assume enorme relevância. O presente trabalho pretende apresentar um projecto de investigação, em progresso, que tem como principais objectivos: (1) sinalizar jovens adultos em risco para o desenvolvimento da depressão, (2) desenvolver e implementar um programa de prevenção da depressão em jovens adultos sinalizados e (3) avaliar a eficácia do programa implementado. A amostra será constituída por jovens adultos estudantes das Universidades de Aveiro e de Coimbra, a quem serão administrados instrumentos de medida para avaliar a sintomatologia depressiva, estilo atribucional, atitudes disfuncionais, neuroticismo e acontecimentos de vida. Com base nesta avaliação, serão constituídos grupos experimentais e grupos de controlo. A eficácia do programa implementado será avaliada em 4 fases (linha de base, durante, fim e 6 meses depois do fim do programa). 44 45 Programa de prevenção da depressão em jovens adultos: Apresentação de um projecto de investigação Os estudos epidemiológicos realizados nos últimos 15 anos demonstram que as perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental se tornaram a principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade, nas sociedades actuais. De acordo com o Relatório Mundial da Saúde de 2001, as perturbações mentais são responsáveis por uma média de 31% dos anos vividos com incapacidade em todo o mundo, chegando a índices próximos dos 40% na Europa. Em Portugal, em concordância com o censo psiquiátrico de 2001 da Direcção Geral de Saúde, a depressão foi a segunda patologia psiquiátrica mais frequente, com 14,9% dos casos, numa amostra de 66 instituições de saúde (Bento, Carreira, & Heitor, 2001). Desta forma, em resultado dos seus custos directos e indirectos, a depressão emerge como um tema prioritário de saúde pública. No que especificamente diz respeito ao contexto nacional, esta questão tem sido merecedora de amplo destaque. O Plano Nacional de Saúde aprovado pelo Programa do XVII Governo Constitucional 2005-2009 refere entre as suas grandes prioridades a promoção da saúde mental, a par do combate às doenças oncológicas, cardiovasculares, infecciosas e respiratórias e da prevenção da sinistralidade de viação e trabalho. Adicionalmente, o Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 chama a atenção para a necessidade de se intervir na promoção da saúde mental e na prevenção da perturbação mental, objectivando a redução dos factores de risco e a promoção dos factores de protecção, a diminuição da incidência e da prevalência das doenças mentais e a minimização do impacto da doenças nas pessoas, nas famílias e nas sociedades. São privilegiadas várias estratégias de promoção e prevenção, entre as quais, programas de educação sobre saúde mental na idade escolar, programas de desenvolvimento pessoal e social, prevenção do suicídio e especificamente programas de prevenção da depressão, da ansiedade e do suicídio. 45 46 A depressão no jovem adulto O Relatório da Comissão Europeia de 2000 sobre o estado da saúde dos jovens na União Europeia refere uma taxa de prevalência da depressão de 4% no grupo etário dos 14 aos 17 anos e de 9% aos 18 anos. Não obstante e pese embora a maioria das perturbações de saúde mental, como a depressão e a ansiedade, abuso de substâncias e psicose surjam maioritariamente na adolescência (Davis, Martin, Kosky, & O’Hanlon, 2000), os problemas de saúde mental nos jovens são ainda muitas vezes subestimados (Newman et al., 1996; Zubrick, Silburn, Burton, & Blair, 2000). Sabe-se que um elevado número de estudantes que ingressam no ensino superior revela dificuldades pessoais e académicas, havendo mesmo a constatação de um aumento dos níveis de psicopatologia na população universitária (Herr & Cramer, 1992; Leitão & Paixão, 1999; Ratingan, 1989; Stone & Archer, 1990). A relevância desta questão é reforçada por um estudo levado a cabo no Reino Unido em 1999 no âmbito da Association for University and College Counselling (AUCS), que chama a atenção para o aumento dos problemas de saúde mental entre os jovens, englobando doenças psiquiátricas, distúrbios do comportamento e dificuldades psicológicas e sociais. No mesmo sentido, o National Survey of Counseling Center Directors assinala que se tem verificado um aumento de problemas psicológicos e psicopatologia grave nos estudantes universitários nos Estados Unidos, nos últimos 10 anos (O’Connor, 2001). Em Portugal, a saúde mental do jovem adulto tem sido estudada essencialmente no âmbito da transição e da adaptação ao ensino superior. Efectivamente, uma das grandes áreas consideradas no processo de adaptação do jovem estudante ao ensino superior é a adaptação psicológica, que envolve fundamentalmente aspectos relacionados com o bem-estar e com o equilíbrio físico e emocional dos alunos. Dados resultantes de serviços de aconselhamento 46 47 psicológico em funcionamento em instituições de ensino superior reforçam a convicção de que a presença de psicopatologia em estudantes do ensino superior não deve ser subestimada, com destaque para a depressão (McIntyre, 1996; Pereira et al., 2006; Ramalho & McIntyre, 2001). Por exemplo, um inquérito realizado aos utentes do Serviço de Consulta Psicológica da Universidade do Minho revela que a depressão constitui a segunda causa principal subjacente ao pedido de ajuda (32%), imediatamente após a ansiedade (35%) (McIntyre, 1996). Um estudo posterior realizado apenas na população estudantil feminina (Ramalho & McIntyre, 2001) reforça esta constatação, revelando uma vez mais a ansiedade (46%) e a depressão (30.2%) como as problemáticas principais das jovens universitárias, muitas vezes com necessidade de intervenção psiquiátrica. Também os dados provenientes da Consulta de Psicologia e Apoio Psicopedagógico, em funcionamento nos Serviços Médico-Universitários da Universidade de Coimbra atestam que a depressão representa um dos principais motivos de pedido de ajuda, após os distúrbios de ansiedade (Pereira et al., 2006). Estudos realizados indicam que jovens com depressão demonstram problemas académicos e relações interpessoais incapacitantes (Kessler & Walters, 1998; Owens, Slee, & Shute, 2000) e que um episódio inicial de depressão é muitas vezes precursor de episódios depressivos futuros (Lewinsohn, Rohde, Klein, & Seeley, 1999; Rao et al., 1995) e incapacidade na vida adulta (Pine, Cohen, Cohen, & Brook, 1999). Assim, torna-se claro que a detecção e intervenção precoce em crianças, adolescentes e jovens adultos que apresentam sintomas de doença mental são fortemente recomendadas. 47 48 Programas de prevenção da depressão Desde os anos 80 tem ocorrido um aumento no desenvolvimento e implementação de programas universais, selectivos e indicados, com vista a reduzir os factores de risco para a depressão, sintomatologia depressiva e perturbações depressivas (Jané-Llopis, Hosman, Jenkins, & Anderson, 2003). Antes de continuar importa referir que as intervenções universais visam actuar sobre a população em geral, ou seja, sobre grupos de indivíduos que não são identificados como tendo um risco acrescido de desenvolver perturbação; as intervenções selectivas objectivam actuar sobre grupos de indivíduos que apresentam um risco aumentado de desenvolver perturbação, seja por factores psicológicos, sociais ou biológicos; e finalmente, as intervenções indicadas visam actuar sobre grupos de indivíduos que apresentam sintomatologia de perturbação mental ou marcadores biológicos que denunciam predisposição para a perturbação mental, mas que não cumprem os critérios para o diagnóstico da perturbação mental no momento da intervenção. Embora haja evidência substancial que a sintomatologia depressiva pode ser reduzida (Muñoz et al., 1993; Gillham, Shatte, & Freres, 2000), apenas uma pequena minoria de programas demonstrou que a depressão pode ser prevenida (Clarke, Hawkins, et al., 1995; Clarke, Hornbrook, et al., 2001). A este propósito, consideramos pertinente referir a meta análise conduzida por JanéLlopis et al. (2003) com vista a identificar potenciais preditores de eficácia dos programas de prevenção da depressão. Os autores começaram por estabelecer como critérios para a inclusão dos estudos na meta análise os seguintes: situarem-se teoricamente no âmbito das definições de prevenção universal, selectiva e indicada, com exclusão das intervenções farmacológicas; incluírem a prevenção da depressão como objectivo primário ou secundário; incluírem a promoção dos factores de protecção para a depressão ou saúde mental (por exemplo, a auto-estima) ou a redução dos factores de risco relacionados com a depressão (por 48 49 exemplo, os pensamentos negativos). A selecção restringiu-se também às publicações em língua Inglesa, entre 1985 e 2000, acessíveis através do sistema bibliotecário, aos estudos com grupos controlo ou grupos de comparação equivalentes, com medidas pré e pós teste, com medidas dependentes objectivas e finalmente com informação estatística suficiente para o cálculo do tamanho do efeito. Dos estudos seleccionados, apenas os que incluíam a sintomatologia depressiva ou a incidência da depressão como medida dependente foram considerados na análise posterior. De forma consistente com os resultados de meta análises conduzidas anteriormente na área da promoção da saúde mental, a meta análise conduzida por Jané-Llopis et al. (2003) incidente sobre 69 programas encontrou um tamanho do efeito de 0.22. Isto é, o equivalente a uma melhoria de 11% nos grupos experimentais, comparativamente com os grupos controlo. Outras pistas fornecidas por este trabalho são merecedoras da nossa atenção. Os resultados sugerem que os programas com mais do que oito sessões, com sessões com uma duração entre os 60 e os 90 minutos, que combinam três ou mais métodos de intervenção e que apresentam objectivos claramente definidos para a intervenção, são mais efectivos, sugerindo a importância do cumprimento destas indicações em futuros programas de prevenção da depressão. Apresentação do programa de prevenção da depressão em jovens adultos Nesta secção, pretendemos apresentar o programa de prevenção da depressão em jovens adultos em curso, com realce para os objectivos, método – participantes, procedimentos e medidas, estrutura do programa e avaliação da eficácia do mesmo. No que respeita aos objectivos do referido programa, passamos a enunciar os mesmos: (1) sinalizar jovens adultos em risco de desenvolvimento da depressão; (2) 49 50 desenvolver e implementar um programa de prevenção da depressão em jovens adultos sinalizados; e (3) avaliar a eficácia do programa de prevenção da depressão implementado, através da comparação dos valores de linha de base (fase 0), durante (fase 1), no fim (fase 2) e 6 meses depois do fim do programa (fase 3). No que se refere ao método empregue, mais especificamente em relação aos procedimentos e participantes, podemos referir que os participantes do presente estudo são jovens adultos a estudarem na Universidade de Aveiro e na Universidade de Coimbra. A selecção da amostra é de conveniência, com consentimento informado dos participantes. Num primeiro momento, é solicitado aos participantes que preencham uma bateria de questionários, destinada a identificar jovens adultos em risco de desenvolvimento da depressão. Esta bateria é constituída por medidas de sintomatologia depressiva, estilo atribucional, atitudes disfuncionais, neuroticismo e acontecimentos de vida. Num segundo momento, com base na avaliação efectuada no primeiro momento, são constituídos grupos experimentais: um grupo experimental 1, composto por participantes com sinalização selectiva; e um grupo experimental 2, composto por participantes com sinalização indicada. Para cada um destes grupos, há um grupo controlo (grupo controlo 1 e grupo controlo 2), emparelhados no que diz respeito ao critério de sinalização, idade e sexo. Como medidas, utilizamos instrumentos de avaliação da sintomatologia depressiva, do estilo atribucinal, das atitudes disfuncionais, do neuroticismo e dos acontecimentos de vida. Na definição da estrutura do programa tivemos em atenção as indicações de JanéLlopis et al. (2003) a propósito dos indicadores de eficácia em programas de prevenção da depressão. Assim, o programa desenvolvido apresenta 10 sessões, de frequência semanal, com uma duração de 60 a 90 minutos cada. Adicionalmente à terapia cognitiva, métodos comportamentais também demonstraram ser eficazes (Clarke et al., 2001; Price & Bennett 50 51 Johnson, 1999; Seligman, Schulman, DeRubeis, & Hollon, 1999), pelo que as sessões seguem procedimentos empiricamente validados do modelo cognitivo-comportamental. Os temas abordados ao longo do programa são: associação entre pensamentos, emoções e comportamentos (reconhecimento e análise), tríade cognitiva da depressão, reestruturação cognitiva (racional e treino), tarefas de mestria e prazer (treino), aptidões sociais e assertividade (treino), relaxamento (racional e treino) e resolução de problemas (treino). No que diz respeito à avaliação da eficácia do programa, esta é avaliada através da comparação dos valores de linha de base (fase 0), durante (fase 1), no final (fase 2) e 6 meses depois do final do programa (fase 3) das seguintes variáveis: sintomatologia depressiva, estilo atribucional e atitudes disfuncionais. A ocorrência de acontecimentos de vida será controlada ao longo de toda a aplicação do programa e mediante questionário 6 meses depois da conclusão do mesmo. Considerações finais A frequência da depressão na adolescência e jovem adultez, o prognóstico altamente desfavorável de um início precoce desta perturbação e os seus custos económicos, tornam prioritárias, a nível mundial e também na realidade nacional, as intervenções com vista à prevenção da depressão. Como referimos anteriormente, existe evidência que a sintomatologia depressiva pode ser reduzida através de programas desenvolvidos com vista a reduzir os factores de risco para a depressão, sintomatologia depressiva e perturbações depressivas (Muñoz et al., 1993; Gillham et al., 2000). Assim sendo, desenvolvemos um programa de prevenção da depressão em jovens adultos, seguindo as indicações de Jané-Llopis et al. (2003) a propósito dos 51 52 indicadores de eficácia em programas de prevenção da depressão, que se encontra actualmente em curso. É neste contexto que assume particular pertinência o programa de que se dá conta neste trabalho, cujo objectivo principal é o de contribuir para a diminuição da prevalência da sintomatologia depressiva no jovem adulto, promovendo assim a saúde mental e, do mesmo modo, reduzindo os custos pessoais e sociais inerentes à patologia depressiva. Referências Bento, A., Carreira, M., & Heitor, M. J. (2001). Censo psiquiátrico de 2001: Síntese dos resultados preliminares. Lisboa: Direcção Geral de Saúde. Clarke, G. N., Hawkins, W., Murphy, M., Sheeber, L. B., Lewinson, P. M., & Seeley, J. R. (1995). Targeting prevention of unipolar depressive disorder in an at-risk sample of high school adolescents: A randomised trial of a group cognitive intervention. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 34, 312-321. Clarke, G. N., Hornbrook, M., Lynch, F., Polen, M., Gale, J., Beardslee, W., O’Connor, E., & Seeley, J. (2001). 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Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas feitas aos terapeutas e notas de 15 sessões fornecidas por um dos terapeutas (processo psicoterapêutico de um paciente psicótico de 24 anos de idade) analisadas de acordo com o método Grounded Theory. Encontrou-se na base da psicoterapia psicanalítica um processo que se denominou por modificação constante, através do qual se modifica o funcionamento psíquico e estilo relacional do paciente. Este processo opera tanto a nível intrapsíquico como extrapsíquico. Desenvolveu-se um modelo com base no conceito de Catálise Enzimática com o intuito de integrar e relacionar os factores comuns (vínculo terapêutico), os factores específicos (intervenções do terapeuta), características do paciente, características do terapeuta, factores externos e os resultados terapêuticos com o processo central. Conclui-se que tanto factores específicos como factores comuns contribuem para o processo terapêutico numa dinâmica mútua em que nenhum tem um efeito preponderante por si só. Palavras-chave: Psicoterapia Psicanalítica; Investigação de Processos; Grounded Theory 57 58 Introdução A investigação em psicoterapia tem incidido, mais recentemente, no estudo de duas áreas específicas e suas relações: processos e produtos. A investigação ao nível dos processos centra-se nas interacções dinâmicas que ocorrem ao longo das sessões terapêuticas, enquanto que a investigação ao nível dos produtos centra-se na avaliação dos resultados, eficácia ou eficiência de determinada psicoterapia (Garfield, 1990; Sirigatti, 2004). Ao longo das últimas décadas a investigação ao nível dos produtos, concluiu que o processo terapêutico é eficaz na maioria dos casos, os seus efeitos tendem a surgir ao longo do mesmo e os seus resultados tendem a ser duradouros (Lambert & Ogles, 2004). Porém, os resultados revelam uma ausência de diferenças ao nível da eficácia entre as diversas terapias (Stiles, Shapiro, & Elliott, 1986, cit. por Garfield, 1990), suscitando novas questões e propiciando mudanças ao nível da investigação. Desta forma diversos autores, como Greenberg (1986, cit. por Drozd & Goldfried, 1996), propõem uma mudança de perspectiva, orientando o estudo para o como funciona, e não só para o que funciona. A investigação ao nível dos processos tende a centrar-se na diferenciação de dois factores distintos – factores específicos e factores comuns. Assume-se como factores técnicos ou específicos os procedimentos intrínsecos a cada terapia, e como factor comum a relação existente entre o paciente e o terapeuta, uma vez que é independente da abordagem teórica (Sirigatti, 2004). Lambert e Barley (2001) após uma revisão de literatura concluíram que existem quatro variáveis que influenciam o processo terapêutico: factores extra-terapêuticos; expectativas; técnicas; factores relacionais. Segundo este estudo, apenas 15% da mudança terapêutica está relacionados com os factores que são específicos a cada terapia, enquanto que os restantes 85% dizem respeito a factores comuns e extra-terapêuticos. Porém, e embora seja consensualmente assumido que uma boa relação traduz-se em bons resultados terapêuticos, Orlinsky, Ronnestad e Willutsky (2004), na sua revisão de literatura, 58 59 encontraram poucas evidências para estas conclusões. Na opinião dos autores este tipo de conclusões não pode ser verificada com base nos métodos de investigação frequentemente utilizados. Tendo em conta estas divergências, Greenberg e Pinsof (1986) tentaram descrever uma dinâmica de interacção entre os factores comuns e aqueles que são específicos. Desta forma, a aliança terapêutica não é um factor em si mesmo independente dos factores técnicos, mas uma parte constituinte da terapia que permite o desenvolvimento de aspectos específicos, que parecem fazer a diferença. Assim sendo, a qualidade particular da aliança terapêutica, em determinados instantes da terapia, pode ou não permitir a utilização com sucesso de certas técnicas. No que diz respeito às terapias de orientação dinâmica encontram-se as mesmas dificuldades ao nível da investigação. As diferentes bases teóricas, as contradições ao nível das conceitualizações e as questões metodológicas inerentes a este tipo de investigação, deixam em aberto um elevado número de questões práticas. De uma forma geral, considera-se que a técnica interpretativa é o meio por excelência do método psicanalítico (Etchegoyen, 1987). Porém, também nesta área se verificam divergências a diversos níveis. Os clínicos Freudianos colocam uma elevada importância no insight e nos conflitos inconscientes, enquanto que analistas mais orientados para as relações objectais ou psicologia do self, colocam maior ênfase em aspectos da relação terapêutica, que referem ter capacidades curativas em si mesmas (Freedman, 1995). Existe uma lacuna na investigação que procura aprofundar o conhecimento fundamental do como e do que funciona nas psicoterapias. Não se tem conhecimento suficiente do que a terapia é na realidade ou o que faz. Apesar das inúmeras investigações realizadas ao longo das últimas décadas no âmbito da investigação em psicoterapia continua-se sem saber concretamente como é que a psicoterapia leva e produz mudanças. O objectivo deste trabalho prendeu-se com o estudo, daquilo que é feito pelos terapeutas e pacientes, de forma a 59 60 impedir ou facilitar determinadas mudanças no processo terapêutico. Procurou-se construir um modelo teórico, através de uma metodologia qualitativa, com o intuito de se apreender de uma forma mais aprofundada e enraizada, aquilo que se passa ao longo de um processo psicoterapêutico de orientação psicodinâmica. Participantes, procedimento e análise de dados Os dados utilizados neste estudo são o resultado de entrevistas realizadas a três psicoterapeutas e das notas de quinze sessões de psicoterapia de um caso clínico ao longo de um período de um ano. Todos os entrevistados têm uma formação de base em psicologia. Dois psicoterapeutas já terminaram a sua formação psicoterapêutica, e um encontra-se a terminar a mesma. As formações são realizadas em sociedades especializadas na área, sendo que têm uma orientação teórica na vertente psicodinâmica (inspiração psicanalítica). Para analisar estes dados, foi utilizada uma metodologia qualitativa – Grounded Theory. Atendendo às questões primordiais a que este método se propõe responder (Qual é o problema principal? Como é que os intervenientes o resolvem constantemente?), procedeu-se à construção da teoria, em que se construiu um modelo teórico centrado numa categoria central e se estabeleceu as suas relações com as outras categorias. Resultados Considerou-se que o problema central se traduz na existência de uma pessoa em sofrimento que, ao ser incapaz de lidar com essa situação pelos seus próprios meios, pede ajuda a um técnico especializado. A psicoterapia é o meio utilizado para resolver esse problema, uma vez que procura ajudar a pessoa a ultrapassar o sofrimento. Inerente à psicoterapia, encontrou-se um processo que se considerou ser central na resolução desse sofrimento – modificação 60 61 constante do funcionamento psíquico e estilo relacional do paciente. Este processo, mais ou menos consciente por parte de terapeuta e paciente, consiste em constantes mudanças no funcionamento do paciente ao longo do tempo, permite que ultrapasse o sofrimento actual e possibilita que se criem ferramentas para lidar com futuras situações de sofrimento. O processo de catálise enzimática foi utilizado como uma codificação teórica que permitiu não só modelar uma teoria em torno da categoria central – modificação constante – mas também definir o papel de cada uma das outras categorias (estabelecer etapas, condições, condicionantes e a forma como influenciam e estão ligadas à categoria central). Existem quatro etapas que ocorrem ao longo do processo de catálise enzimática: a enzima e o substrato estão no mesmo espaço; a enzima liga-se ao substrato adaptando-se à forma do substrato numa área denominada de centro activo; ocorre a catálise em que o substrato se altera (quebram-se ou criam-se ligações a outras moléculas, criando-se algo de novo); a enzima liberta-se e retorna ao normal, ficando pronta para outra reacção. O substrato já não é o mesmo e denomina-se por produto. De certa forma foi o que se verificou com os dados encontrados. O terapeuta (enzima) possibilita o desencadeamento de um processo de modificação constante (catálise) que se vai traduzir em mudanças no paciente (substrato). Tanto paciente como terapeuta têm um papel activo no processo e características distintas que vão influenciar o decorrer do mesmo, nomeadamente na criação de um vínculo terapêutico (centro activo) passível de ligar os dois intervenientes – condição para que se dê o processo. As intervenções do terapeuta em conjunto com o paciente, visam alterar e criar novas ligações no segundo, acelerando o processo de modificação, que seria passível de ser feito pelo próprio paciente mas que se alongaria de tal forma no tempo que poderia nunca acontecer. Os factores externos condicionam o processo permitindo que este se dê ou não. No final do processo as 61 62 características do paciente são distintas das que se encontravam no início do mesmo (produto), e o terapeuta não está presente nesse momento. O processo de modificação constante desenvolve-se com o auxílio e em conjunto com o terapeuta, através do qual se modifica o funcionamento psíquico e estilo relacional do paciente, ou seja, através do qual se altera a forma como este interpreta, sente e se relaciona consigo mesmo e com o mundo exterior. Este processo tem três dimensões: intrapsíquica, extrapsíquica e transitiva. Intrapsíquica no sentido em como este processo se traduz em mudanças na forma como o paciente pensa, sente e se relaciona com os seus próprios objectos (representações internas). Extrapsíquica no sentido em como este processo se traduz em mudanças na forma como o paciente pensa, sente e se relaciona com os objectos externos. Transitiva no sentido em como os objectos internos afectam e estão relacionados com os objectos externos e vice-versa. Todas estas modificações dão-se na presença do psicoterapeuta, que tanto pode ter um papel de auxiliador (estimulando as mudanças intrapsíquicas) ou interactivo (participando das mudanças extrapsíquicas no aqui-e-agora, na criação de uma nova relação) e assentam na dinâmica de dois sub-processos: compreensão e reconstrução. Por um lado temos um subprocesso através do qual o paciente se compreende em relação a si mesmo ou em relação com o outro, o que se traduz numa compreensão dos seus pensamentos e afectos quer seja na sua vivência pessoal, quer seja na relação com o outro. Por outro lado temos o sub-processo através do qual o paciente se reconstrói a si mesmo ou na relação com o outro, que se traduz numa reconstrução dos seus padrões relacionais em relação a si mesmo (relações entre pensamentos e afectos), ou em relação com o outro. Pressupõe-se que existam mudanças ao longo do tempo: mudanças cognitivas, na forma como atribui sentido aos seus pensamentos e na forma como vê e interpreta o mundo e os outros (traduz-se numa capacidade de pensar, generalizar e num incremento do auto-conhecimento); 62 63 mudanças afectivas, na forma como identifica os afectos, gere as angústias e como os vivencia consigo e na relação com os outros; mudanças relacionais na forma como se relaciona com os objectos (internos e externos). O vínculo terapêutico é tudo aquilo que liga afectivamente o terapeuta e paciente. Este vínculo baseia-se em sentimentos de confiança, proximidade, aceitação e disponibilidade. O vínculo é uma condição para que se produza mudança, uma vez que é no seio do vínculo terapêutico que vai entrar o processo de modificação constante. Partindo do princípio de que um dos pressupostos da mudança é a alteração de modalidades relacionais, e tendo em conta que esta alteração depende do trabalho na transferência e na criação de uma nova relação, o vínculo terapêutico é algo de essencial para a mudança. Existem determinadas propriedades e características do terapeuta que vão funcionar como impulsionadores do processo de mudança. Uma dessas características são as intervenções que o terapeuta faz, ou seja, a forma como age directamente sobre o processo. As intervenções terapêuticas têm como objectivo facilitar o processo de mudança. Quer seja positivamente através da criação de hipóteses, explicações, fomentar o pensamento, elucidar relações entre aspectos do próprio na relação consigo mesmo (intrapsíquico) ou com os outros (extrapsíquico), quer seja negativamente desconstruindo modelos anteriores, fantasias e pensamentos entre aspectos do próprio na relação consigo mesmo (intrapsíquico) ou na relação com o outro (extrapsíquico). Parecem funcionar como o motor do processo uma vez que têm implicações directas no funcionamento do mesmo, quebrando ligações e preparando terreno para a criação de novas ligações (compreensão e reconstrução). Contudo, existe um outro conjunto de factores e características do próprio que preparam e criam condições para o desenrolar do processo. A postura empática é uma dessas características, que apesar de não ter um impacto directo no processo, actua como algo que prepara a construção de um vínculo terapêutico. Esta postura caracteriza-se pela criação de um clima de acolhimento e de 63 64 transmissão de conforto, permitindo que seja produzido no paciente uma sensação de que pode ser compreendido pelos outros. Relativamente às características do paciente concluiu-se que o empenhamento que este revela, é algo fundamental para o processo de mudança, e traduz-se numa motivação intrínseca e verdadeiro comprometimento em relação ao mesmo. É um empenhar-se para a resolução do problema, para o ultrapassar do sofrimento. Parece que inerente a este empenhamento persiste um real desejo de reconstrução, algo que perdura e mantém acesa a chama da esperança de poder vir a ter novas e diferentes relações. Conclusão O objectivo deste estudo consistiu na construção de um modelo teórico acerca do processo de mudança na psicoterapia psicanalítica verificando a relevância e a relação entre os diversos factores inerentes a este processo. Este estudo permitiu identificar qual o problema central para os intervenientes no processo terapêutico e de que forma o tentam resolver. Assim sendo, verificou-se que o processo de modificação constante é preponderante no ultrapassar do sofrimento, e criou-se um modelo com base no conceito de Catálise Enzimática que permitiu estabelecer relações, condições e condicionantes entre os diferentes factores e em relação à categoria central. No que diz respeito à complexa dinâmica entre factores específicos e factores comuns, parece que o modelo desenvolvido por Greenberg e Pinsof (1986) é o que mais se adequa aos resultados encontrados. Este modelo preconiza que as variáveis específicas modelam e estão envolvidas na constituição das variáveis gerais, que por sua vez modelam as variáveis específicas e mais técnicas. De certa forma foi o que se verificou neste estudo, em que existe uma estreita ligação entre os factores considerados comuns (vínculo terapêutico) e aqueles 64 65 mais específicos (intervenções técnicas). Esta investigação revela que, ao nível da psicoterapia psicanalítica, não faz qualquer sentido separar ou ponderar a importância destes dois factores individualmente, uma vez que ambos contribuem para o processo terapêutico numa dinâmica mútua em que nenhum tem um efeito preponderante por si só. Apesar de se ter verificado que a nível teórico tende a existir uma clara separação conceptual, nomeadamente entre o papel da relação e do insight no desenrolar do processo terapêutico, verifica-se que a nível mais prático essa clivagem é esbatida. Embora possa existir uma tendência para valorizar cada um destes aspectos de uma forma distinta, dependendo da identificação teórica de cada psicoterapeuta, hipotetiza-se que ambos os aspectos são valorizados em qualquer intervenção psicoterapêutica de orientação analítica. Por esta altura surge a questão se se estará a caminhar para uma integração teórica em que se aproximam as vertentes teóricas mais tradicionais e as vertentes teóricas mais dialógicas, ou se ao longo das últimas décadas sempre existiu este esbatimento conceptual ao nível da pratica clínica acompanhado com uma separação ao nível da teoria? Este estudo levantou questões em relação à forma como a investigação nesta área é realizada. Será que se pode comparar resultados entre as diferentes vertentes psicoterapêuticas de uma forma tão linearizada? Ou seja, até onde poderá ir o poder explicativo das conclusões da investigação ao nível dos resultados? Embora se possa considerar o objectivo das diferentes psicoterapias como o mesmo de um ponto de vista mais abstracto – amenizar o sofrimento e fornecer instrumentos para lidar com complicações futuras – os caminhos para o atingir são distintos. Se se estudar processos em detrimento de produtos, poder-se-á perceber o que é de facto relevante e preponderante a cada uma das vertentes psicoterapêuticas. A tónica coloca-se então no como se atingiu determinada mudança e não na mudança em si mesma, uma vez que os resultados podem ter um invólucro e aparência semelhante e se sustentarem em alicerces distintos. É necessário perceber qual o 65 66 papel de cada um dos intervenientes, quais os condicionantes e quais as condições, e de que forma é que todos estes factores se articulam num processo psicoterapêutico e num processo de mudança. Somente assim se poderá avaliar, distinguir e comparar as diferentes vertentes psicoterapêuticas, senão apenas se estará a comparar resultados sem se saber o que os sustenta. Referências Bibliográficas Drozd, J. F., & Goldfried, M. R. (1996). A Critical evaluation of the state-of-the-art in psychotherapy outcome research. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 33(2), 171-180. Consultado em Dezembro, 29, 2006, através da fonte EBSCOhost Academic Search Elite database. Etchegoyen, R. H. (1987). Fundamentos da Técnica Psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas. Freedman, D. K. (1995). History of Psychotherapy. A century of change. Washington: American Psychological Association. Garfield, S. L. (1990). Issues and methods in psychotherapy process research. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 58, 273-280. Consultado em Dezembro, 29, 2006, através da fonte EBSCOhost Academic Search Elite database. Greenberg, L. S., & Pinsof, W. M. (1986). The psychotherapeutic process: A research Handbook. New York: The Guilford Press. Lambert, M. J., & Barley, E. B. (2001). Research summary on the therapeutic relationship and psychotherapy outcome. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 38(4), 357361. Consultado em Janeiro, 3, 2007, através da fonte EBSCOhost Academic Search Elite database. Lambert, M. J., & Ogles, B. M. (2004). The efficacy and effectiveness of psychotherapy. In M. Lambert (Ed.), Bergin and Garfield’s Handbook of Psychotherapy and Behavior Change (5th Ed.). John Willey & Sons. Orlinsky, D. E., Ronnestad, M. H., & Willutzki, U. (2004). Fifty years of psychotherapy processoutcome research: continuity and changes. In M. Lambert (Ed.), Bergin and Garfield’s Handbook of Psychotherapy and Behavior Change (5th Ed.). John Willey & Sons. Sirigatti, S. (2004). Application of the jone’s psychotherapy process q-sort. Brief Strategic and Systemic Therapy European Review, 1, 194-207. Consultado em Dezembro, 29, 2006, através da fonte http://www.centroditerapiastrategica.org/. 66 67 Candidatura 5 Autores: Eva Diniz, Elder Cerqueira-Santos, Simone Paludo & Sílvia H. Koller Título: Gravidez e aborto na adolescência: Análise contextual de risco e proteção 67 68 Gravidez e aborto na adolescência: Análise contextual de risco e proteção Eva Diniz (Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS): [email protected]) Elder Cerqueira-Santos (Universidade Federal de Sergipe (UFS): [email protected] ) Simone Paludo (Universidade Federal de Rio Grande (UFRG): [email protected]) Sílvia H. Koller (Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS): [email protected]) Resumo A gravidez precoce pode ser entendida como fator de risco ou proteção na vida dos adolescentes. Foi desenvolvido um estudo exploratório-descritivo, com uma amostra de 1015 jovens de baixo nível socioeconómico de Porto Alegre, Brasil, com 14-24 anos, de ambos os sexos, no qual se utilizou um quetionário que abordava gravidez e aborto durante a adolescência. Observou-se maior número de participantes do sexo feminino 52.3%. Na amostra 53.5% dos jovens já tinha iniciado a vida sexual e 64.6% eram homens. Sobressai a baixa idade para a primeira relação sexual (♀ M=14.79 anos; SD=1.4; ♀ M=13.64 anos; SD=1.7). Os resultados obtidos para gravidez (11%) e aborto provocado (10.9%) em adolescentes pertencentes a baixo nível socio-económico são semelhantes aos valores de outros estudos realizados na área. Sobressai a baixa idade para a primeira relação sexual, 8.8% dos participantes referir que nunca recorre a meios anticoncepcionais e cerca de ¼ da amostra apresentar uso irregular de métodos contraceptivos. Discute-se sobre gravidez, uso de métodos anticoncepcionais e aborto, associadas à saúde dos adolescentes. Em Portugal realizar-se-á um estudo com características amostrais equivalentes ao estudo realizado no Brasil que ilustrem os factores de risco/protecção presentes nos episódios de gravidez durante a adolescência. Palavras-Chave: Gravidez; Adolescência; Risco/Proteção. “A minha mãe disse que me teve quando ela tinha 16 anos. Naquela época não era muito cedo não. Tava bom! Fazer o que? Mas hoje eu não quero isso pra mim. O tempo mudou. Tem que estudar mais, um filho ia acabar com a minha vida! Eu nem conto pra todo mundo que já fiquei grávida.” Paula, 17 anos, estudante, uma gestação interrompida aos 16 anos 68 69 Dados sobre a gravidez na adolescência vêm mostrando um aumento na taxa de fecundidade para esta população quando comparada a mulheres adultas, especialmente nos países mais pobres, como é o caso da Amárica Latina. Adolescência pode ser definida com um período de profundas mudanças biopsicossociais, especialmente relacionadas à maturação sexual, a busca da identidade adulta e a autonomização frente aos pais. A gravidez nesse momento de vida oferece implicações desenvolvimentais tanto para o adolescente quanto para aqueles envolvidos nessa situação. Cabe ressaltar que para o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8069/90, adolescente é todo indivíduo com idade entre 12 e 18 anos e para a Organização Mundial de Saúde (OMS) esse período envolve indivíduos com idades entre 10 a 19 anos. No Brasil, estima-se que aproximadamente 20-25% do total de mulheres gestantes são adolescentes, apontando que uma em cada cinco gestantes são adolescentes entre 14 e 20 anos de idade (Santos Júnior, 1999). Além disso, verifica-se que no Brasil, se assiste a um aumento do número de adolescentes que engravidam. Ao contrário do que acontece nos restantes países ocidentais, nos quais tende a ocorrer uma diminuição na ocorrência deste evento (Pesquisa GRVAD, 2006). Um levantamento realizado em 2004, por Szwarcwald, Júnior, Pascom e Júnior (2004) constatatou-se que os adolescentes brasileiros têm iniciado a vida sexual mais cedo e mantêm um maior número de parceiros. Segundo o Ministério da Saúde (2006), 36% dos jovens entre 15-24 anos relataram ter tido a primeira relação sexual antes dos 15 anos de idade, enquanto apenas 21% dos jovens entre 25-29 anos tiveram a primeira relação na mesma época. Destes, 20% afirmaram ter tido mais de dez parceiros nas suas vidas e 7% tiveram mais de cinco parceiros no último ano. O aumento nas taxas de gravidez na adolescência pode ser explicado por diferentes causas e podem variar de país para país. Na complexidade de fatores para analisar esta questão, destacam-se os aspectos sócio-econômicos. Apesar do fenômeno atingir e estar crescente em todas as classes sociais, ainda há uma forte relação entre pobreza, baixa escolaridade e a baixa idade para gravidez. Além disso, fatores como a dimunição global para a idade média para menarca e da primeira relação sexual compõem um cenário que colabora para o aumento dessas taxas. O estudo de Moura (1991), mostrou que no estado de São Paulo, a idade média para a menarca diminuiu significativamente de 13 para 11 anos de idade em uma década. De forma semelhante, o estudo de Cerqueira-Santos (2007), realizado em quatro capitais brasileiras, apontou que a idade média de iniciação sexual dos jovens de nível sócio econômico baixo está por volta dos 13 anos. Estudos anteriores, da década de 90, revisados por Santos Júnior (1999), revelavam médias entre 15 e 17 anos para a primeira relação sexual 69 70 desta população. Aquino e colaboradores (2003), em estudo multicêntrico no Brasil, encontraram que a prevalência de gravidez antes dos 18 anos de idade (maioridade legal brasileira) foi relatada por 8,9% dos homens e 16,6% das mulheres. O mesmo estudo relatou que a maior parte dos episódios de gravidez para esta população aconteceu no contexto de um relacionamento afetivo, sendo maior o relato masculino sobre a gravidez de uma parceira eventual do que um relato feminino sobre esta situação. Destacou-se, ainda, neste estudo o fato de que a ocorrência de uma gravidez antes dos vinte anos variou inversamente com a renda e a escolaridade. Dados do Ministério da Saúde (2002) também indicaram que, nessa faixa etária (adolescência), a proporção de gravidez é de 23,5%. Nas meninas com idade inferior a 15 anos, este valor é de 0,9% e para aquelas entre os 15 e os 19 anos, 22,6%. Estes percentuais apresentam variações nos diferentes estados brasileiros, observando-se que São Paulo é aquele que apresenta uma incidência mais reduzida (19,5%), enquanto no Maranhão e Tocantins estes valores tomam uma maior dominância (32,3%) (Ministério da Saúde, 2000; 2004, Aquino et al., 2003). Em 2006, num relatório do Ministério da Saúde, observou-se que a taxa específica de fecundidade (número de filhos, por faixa etária e região/população total dessa faixa etária nessa região) para adolescentes, com idades compreendidas entre os 15-19 anos era de 0,0714 no Brasil. Sendo que a maior incidência deste fenômeno ocorre no Norte (0,1034) do país, seguida do Nordeste (0,0860), Centro-Oeste (0,0818), Sul (0,0579) e Sudeste (0,0561). Observa-se que a gravidez na adolescência tem diferentes causas, entre elas, o crescimento da população de jovens e as modificações na forma como é atualmente vivida a sexualidade (Lima et al., 2004). Neste contexto, discute-se, por exemplo, o conhecimento e o uso de métodos contraceptivos de diferentes maneiras. Algumas pesquisas apontam como causas da gravidez na adolescência o início da vida sexual, aliada à falta de informação sobre meios contraceptivos e à deficiência de programas de apoio ao adolescente (Sabroza, et al., 2004). Tradicionalmente, a gravidez na adolescência era descrita como um problema social, associada à pobreza, encarada como comprometedora de um desenvolvimento saudável, tanto para a mãe, como para o seu filho. Contudo, estudos mais recentes descrevem o fenômeno de forma distinta, como resultante de múltiplas características e variáveis influenciadoras do desenvolvimento (Canavarro & Pereira, 2001). A maternidade adolescente é descrita como um produto de vários fatores, nomeadamente, a história desenvolvimental dos pais, nível sócio-econômico, redes de apoio, recursos psicológicos, idade dos progenitores 70 71 a características de temperamento e desenvolvimentais do bebê (Jacard, Dodge, & Dittus, 2003). Nesta perspectiva, é considerado redutor descrever a gravidez adolescente como um grupo homogêneo de risco. Já que este é um fenômeno que ocorre numa variedade de transações possíveis e a vulnerabilidade de um dos elementos (por exemplo, mãe/bebê) poderá ser minimizado pela potencialidade de outros que, poderão funcionar como fatores protetores. E assim, quanto maior o número de recursos internos e externos, maior a possibilidade de sucesso da unidade familiar, no qual o risco poderá ser maximizado ou minimizado perante outras variáveis (Figueiredo, 2000). Como lembram Heilborn e colaboradores (2002), sob o termo “gravidez na adolescência” encontra-se uma faixa etária para a qual, por muito tempo, foi a época da vida ideal para ter um filho. Para Heilborn e colaboradores (2003) o fenômeno da gravidez na adolescência “também ganha importância no cenário de mudanças operadas na concepção social das idades e do gênero que redefinem as expectativas sociais depositadas nos jovens nos dias atuais, sobretudo nas adolescentes do sexo feminino” (p.18). Os autores continuam argumentando que diante desta possibilidade atual de vivência da sexualidade desvinculada da reprodução, a gravidez se coloca como uma perda de oportunidades de vivências na juventude. Por esse motivo, a gravidez adolescente tende a ser indicada como um fator de risco no desenvolvimento, tanto dos pais como da criança, uma vez que se constitui um desafio para aqueles nela envolvidos (Canavarro & Pereira, 2001; Levandowski & Piccinini, 2004; Soares, Marques, Martins, Figueiredo, Jongenelen, & Matos, 2002). Nesta perspectiva, a gravidez adolescente, na sociedade moderna, associa-se a um paradoxo. Entende-se que a gravidez deve surgir quando planejada, desejada e em pais com competências afetivas, econômicas e sociais para a sustentar. O que não se verifica na maioria das gravidezes adolescentes, porque na nossa sociedade, a adolescência é vista como um período de transição e de treino de competências sociais, momento que não há maturidade suficiente para um adequado desempenho do papel parental (Leal, 2000). Mas, além disso, tal perspectiva é permeada por uma diferença de classe social, considerando que na sociedade brasileira nem todos os jovens têm as mesmas oportunidades educacionais, profissionais e até de vivência da juventude. Vários estudos mostram que a gravidez na adolescência envolve uma série de riscos: físico, de saúde materna/fetal, e psicossocial. Este último acarreta o abandono escolar e a ausência de profissionalização, que impossibilitam o acesso ao mercado de trabalho, 71 72 prejudicando o auto-sustento (OMS, 2004). Salienta-se que, em relação ao abandono escolar, é precipitado afirmar que a gravidez estaria na sua origem já que, segundo um estudo de Figueró (2002), observou-se que parte das gestantes e mães adolescentes já haviam abandonado a escola previamente à gravidez. Dados recolhidos em 2006, no âmbito da pesquisa GRAVAD, mencionam que 42,1% das jovens com menos de 20 anos que tiveram filhos, já não frequentavam a escola à data da gravidez. E 62,6 % das adolescentes, no nascimento do primeiro filho, encontravam-se já fora do mercado de trabalho e assim se mantiveram. Jovens com bons níveis de desempenho escolar e aspirações acadêmicas têm maior probabilidade de adiar a sua iniciação sexual e buscar meios contraceptivos, assim como, em recorrerao aborto, no caso de engravidarem (Levandowski & Piccinini, 2004; Manlove, 1998). A preocupação com este fenômeno surge por se considerar que, na maioria dos casos, a jovem mãe não está preparada, do ponto de vista desenvolvimental, para o desempenho das tarefas associadas à maternidade. Por outro lado, na cultura ocidental, a gravidez adolescente tende a ser vista como um ato não-normativo, comprometendo a construção da identidade e o desenvolvimento da autonomia emocional e comportamental (Figueiredo, 2001; Figueiredo et al., 2000). Quanto a algumas características da gravidez na adolescência, Gama, Szwarcwal e Leal (2002) mostraram, em um estudo comparativo entre três grupos de gestantes, sendo um deles de adolescentes, que há diferenças na forma como estas percebem e conduzem a sua gestação. Especificamente, indicaram que o desejo daquela gravidez e o número de consultas pré-natais foi menor no grupo de gestantes adolescentes comparativamente às restantes. Por sua vez, a incidência de partos prematuros e de bebês com baixo peso ao nascer neste grupo foi superior em relação aos outros. Para além disto, Cabral (2003) revelou que um outro fator de risco da parentalidade na adolescência é a imaturidade psíquica dos jovens pais, os quais se revelam pouco contigentes às necessidades desenvolvimentais do bebê, bem como, para educar e criar uma criança. Em comparação às mães adultas, assiste-se, por parte das mães adolescentes, a um menor número de ações contigentes às necessidades do bebê, oferecendo-lhes menos atividades de estimulação, pouca comunicação e um maior número de comportamentos de indiferença relativamente aos seus pedidos. Não obstante, verifica-se que as mães adolescentes oferecem mais contcto físico aos seus bebês que as mães adultas (Figueiredo, 2001). 72 73 Uma gravidez não planejada revela invariavelmente a exposição a, pelo menos, uma situação de risco, o sexo sem preservativo /proteção. A partir dessa atitude, percebe-se que os adolescentes avaliam a gravidez como algo gratificante, do ponto de vista pessoal e afetivo, imaginando e projetando o seu papel como mãe com pouca maturidade, de forma positiva, irrealista e idealizada, identificando a tarefa de cuidar de um bebê como fácil e divertida (Jaccard, Dodge & Dittus, 2003; Figueiredo, 2001). Para além da gravidez propriamente dita, a discussão em questão coloca em foco uma alteração no ciclo de desenvolvimento destes adolescentes pais e mães, a partir do nascimento da criança. Nesse sentido, busca-se uma reflexão a longo prazo do fenônemo da gravidez na adolescência. O surgimento desta gravidez compromete também a capacidade de autonomização, por parte da adolescente, relativamente às figuras parentais (tarefa que caracteriza o período da adolescência) introduzindo uma certa ambivalência na relação, já que ao ser mãe há uma precipitação desta autonomia, embora na maioria dos casos, persista a dependência relativamente aos seus pais, nomeadamente a nível econômico (Figueiredo, 2001). Contudo, também se verifica que quando a jovem possui capacidade maturativa, a gravidez permite a aquisição de ganhos significativos, nomeadamente relativamente à construção da identidade sexual e de uma autonomização relativamente aos seus próprios pais (Figueiredo, 2001). Segundo Heilborn e colaboradores. (2002), analisar o impacto da gravidez nas trajetórias escolar e profissional dos adolescentes, requer um exercício de relativização destas instâncias nas vidas destes jovens das diferentes classes sociais. Segundo as autoras, o fenômeno do prolongamento da juventude não parece ter tão grande impacto para o grupo de baixo nível sócio-econômico, uma vez que esses são economicamente empurrados para uma outra trajetória de subsistência e relações com a escola. Além do mais, uma análise destas variáveis deve contemplar o histórico e o retrato da situação referente à relação destes jovens com a escola, o trabalho e a família. Pantoja (2003) aponta a maternidade como uma forma de ascensão social e uma passagem para a vida adulta para adolescentes em situação de risco, especialmente, para garantir a estima de outras pessoas e um futuro melhor para e através do filho. Alguns estudos têm questionado a abordagem da sexualidade na adolescência como uma situação de exposição a riscos (Aquino e col., 2003). Dessa forma, as consequências negativas que têm sido apontadas para a gravidez na adolescência são postas em questão, quando se argumenta que a saída da escola e a mudança da trajetória profissional são fatos precedentes à maioria dos casos de adolescentes grávidas. 73 74 A abordagem sócio-antropológica tem sido uma tentativa metodológica para a análise contextual do fenômeno da gravidez em populações específicas. No entanto, a discussão ponderada entre os fatores de risco e proteção que permeiam a situação de gravidez evoca uma abordagem teórico-metodológica que enfoque a complexidade desse momento na vida de uma adolescente. Este artigo apresenta a proposta de análise desse fenômeno a partir da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (TBDH), proposta por Bronfenbrenner e Morris (1998) e atualizada por Bronfenbrenner e Evans (2000). Bronfenbrenner formulou uma teoria capaz de contemplar o desenvolvimento da pessoa a partir dos processos de interação que estabelece com outras pessoas, objetos e símbolos em diferentes contextos ecológicos através do tempo. Esse modelo teórico-metodológico compreende o desenvolvimento humano através das mudanças e da estabilidade produzida nas características biopsicológicas da pessoa ao longo de sua vida. Essa concepção possibilita analisar a pessoa como um ser ativo e dinâmico, que interage com o contexto que vivencia, modificando e sendo modificada por ele. A partir dessa ótica, a gravidez na fase da adolescência vivenciada por jovens precisa ser compreendida através da interação de quatro núcleos inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. O processo é responsável pelo desenvolvimento e envolve os processos proximais, caracterizados pela interação recíproca progressivamente mais complexa de um ser humano ativo, biopsicologicamente em evolução, com as pessoas, objetos e símbolos presentes no seu ambiente imediato (Bronfenbrenner & Morris, 1998). A pessoa é analisada através de suas características determinadas biopsicologicamente e aquelas construídas na sua interação com o ambiente (Bronfenbrenner & Morris, 1998). Para avaliar o ambiente ecológico, Bronfenbrenner e Morris (1998) sugerem a análise de quatro níveis ambientais, denominados como microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. O microssistema é caracterizado como um contexto no qual são estabelecidas relações e atividades face-a-face e onde operam os processos proximais que produzem, sustentam o desenvolvimento e no qual se assume um papel social. Neste caso, seria constituido pela grávida adolescente e a sua rede direta de apoio, como pais, namorado, amigos, escola. (Um exemplo clássico de microssistema é a família, uma vez que é nesse núcleo que uma pessoa experimenta relações mais diretas e assume um papel social como, por exemplo, filho e/ou irmão). Ao longo do ciclo de vida da pessoa, as suas relações se tornam mais complexas e outros microssistemas podem fazer parte do ambiente ecológico como a escola e a rede de apoio social e afetivo. Esse conjunto de microssistemas forma o mesossistema. O exossistema envolve os ambientes que a pessoa não freqüenta como um 74 75 participante ativo, mas que desempenham uma influência indireta sobre o seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). No contexto da gravidez adolescente poderiam ser identificadas, por exemplo, as estruturas de ensino e saúde. O macrossistema é composto pelo padrão global de ideologias, crenças, valores, religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas que influenciam seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). Como a percepção social e cultural sobre este fenômeno que influenciarão, embora indiretamente, a forma como a jovem, a sua família e a sociedade lidam com este acontecimento. Tendo em vista esse modelo teórico-metodológico, este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da gravidez para adolescentes que vivem em situação de pobreza e identificar os fatores de risco e os fatores de proteção associados a este acontecimento. Tal escolha se justifica devido à necessidade de compreender a pessoa em foco, no caso a adolescente, a sua própria interpretação da realidade e as interações estabelecidas com seu ambiente ecológico. Método Delineamento e Participantes Este estudo teve um delineamento transversal, de caráter analítico, no qual participaram 1015 jovens estudantes de ambos os sexos em situação de pobreza da cidade de Porto Alegre. As idades variaram de 14 a 24 anos (média de 15,98; dp=1.98), sendo 48% dos participantes do sexo masculino e 52% do sexo feminino. Procedimentos a) Procedimento de amostragem A partir de dados do IBGE (Censo 2000), foram levantados indicadores das condições sócio-demográficas de cada bairro da cidade de Porto Alegre. Cinco indicadores básicos foram escolhidos para analisar a situação de cada um dos bairros: rendimento e nível de alfabetização do chefe da família, situação do domicílio (tipo de construção), existência de água encanada e rede de esgoto. Foram listados os bairros que se encontravam abaixo de uma linha de corte, para, no mínimo, dois indicadores. A partir do número de bairros que foram selecionados, foi realizado um cálculo para obter a proporção de bairros por regiões geográficas da cidade (centro, norte, 75 76 sul e leste)1. A partir deste número, foi feito um sorteio de dez bairros segundo a proporção para cada zona da cidade. A partir de duas listas de escolas (Municipais e Estaduais) foi realizado um novo sorteio para selecionar uma escola para cada bairro. Todos os alunos dentro da idade selecionada foram convidados a participar do estudo, obtendo-se uma média de 100 estudantes por escola. Instrumentos e Medidas Foi utilizado um questionário para levantamento de fatores de risco e proteção, produzido para o estudo “Juventude Brasileira” (Koller, Cerqueira-Santos, Morais, & Ribeiro, 2005). O instrumento consta de 109 questões de múltipla escolha e investiga aspectos sobre a caracterização bio-sócio-demográfica dos participantes, assim como sobre as temáticas de educação, saúde (incluindo drogas e sexualidade), trabalho, violência, lazer, religiosidade, rede de apoio social, humor, auto-estima e auto-eficácia. O instrumento foi respondido individualmente, em sala de aula; tempo médio de preenchimento de uma hora e meia. Para este estudo foram utilizados os dados sobre comportamento sexual, como, uso de presertavivo, gravidez e contracepção. Aspectos Éticos Os aspectos éticos que garantem a integridade dos participantes deste estudo foram assegurados. Além do termo de consentimento individual, foi dada a garantia de sigilo das informações pessoais, assim como foi disponibilizada a assistência do grupo de pesquisa, caso algum participante necessitasse de apoio psicológico provocado pela lembrança negativa de algum dos aspectos investigados (Resolução 016/2000 CFP). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS. Resultados Os principais resultados mostram que 42,6% dos jovens responderam já ter tido a primeira relação sexual. Desses, 63,9% tinham na época idades entre os 14 e 17 anos. Do total da amostra, 47,7% relataram manter uma vida sexual ativa, sendo que mais da metade destes (55,4%) afirma ter tido sua primeira experiência antes dos 15 anos de idade. Entre o grupo de participantes masculinos, 64,2% já tiveram alguma relação sexual. Já no grupo feminino esse 1 A região oeste de Porto Alegre é ocupada pelo Rio Guaíba, uma vez que esta divisão é feita tendo o centro comercial da cidade como referência. 76 77 índice cai para 43,3% (ver Tabela 1). Houve diferença significativa na idade média da primeira relação sexual por gênero, sendo 13,64 anos (dp=1,7) para os homens e 14,79 anos (dp=1,4) para mulheres (t= 7,97; gl=492; p<.001). Tabela 1- Primeira relação sexual para ambos os sexos Sexo Primeira Masculino Feminino Relação Sim 64,6% 43,3% Sexual Não 35,4% 56,7% χ2=14,98; p<0,001 Analisando as diferenças de gênero para o uso da camisinha, encontrou-se que há diferença significativa entre homens e mulheres para os dois tipos de uso (Tabela 2). Homens afirmaram maior freqüência de uso da camisinha em ambos os casos (evitar HIV/AIDS e como método contraceptivo). A diferença de gênero foi mais acentuada para o uso como método contraceptivo, do que como método para evitar HIV/AIDS. Considerando que as mulheres podem utilizar outros métodos contraceptivos, detectou-se a diferença significativamente maior para elas utilizando outros métodos. No entanto, este resultado aponta para o fato de que as mulheres podem estar mais vulneráveis à contaminação pelo HIV/AIDS. Quanto ao uso de métodos anti-concepcionais entre os joves sexualmente ativos (ver Tabela 2), 8,8% disseram nunca usar, 15,6% usa às vezes e 75,6% disse usar sempre. Como esperado, houve diferença entre homens e mulheres para o não uso de anti-concepcionais (12,6% para eles e 4,1% para elas, χ²=14,79; p=0,001). Tabela 2 - Uso de método anti-concepcional por sexo do participante Sexo Masculino Feminino Método Nunca 12,6% 4,1% Anti-concepcional Às vezes 11,9% 19,5% Sempre 75,5% 76,4% 77 78 χ2= 14,79; p=0,001 Mais de 11% (55) dos participantes já estiveram grávidas ou já engravidaram a sua parceira, sendo que 31,7% destes não possuem nenhum filho vivo. Dos abortos registrados, 21,8% (12) disseram ter sofrido aborto natural e 10,9% (6) sofreram aborto provocado (ver Tabela 3). Não houve registro de casos de morte no parto. Tabela 3 - Episódios de gravidez e aborto Nenhum(a) Uma Duas Três ou mais História de gravidez* 84,9% 10,1% 1,8% 1,3% Fillhos vivos 31,7% 54,4% 11,7% 2,3% Abortos naturais _______ 83,9% 8,9% 5,4% Abortos provocados _______ 52,9% 17,6% 11,8% Dentre os participantes que já passaram por pelo menos um episódio de gravidez, mais de 68% relataram o nascimento dos filhos. Embora a maioria das mães e pais tenha afirmado morar com seu próprio filho (68,2%), os dados revelaram que esses jovens ainda mantêm relações de dependência econômica e domiciliar com as famílias de origem para o cuidado do filho. O pai ou a mãe, os avós e a família adotiva foram indicados como principais responsáveis pela moradia dos filhos (ver Tabela 4). Tabela 4 - Com quem os filhos moram Comigo 68,2% Com o pai/mãe 20,5% Avós 4,5% Família Adotiva 2,3% Não Sei 4,5% A Tabela 5 expõe os percentuais encontrados para as conseqüências geradas após a gravidez. Sentimentos positivos foram expressos pela maior parte dos jovens através da 78 79 identificação desse momento como importante (74,5%) e produtor de orgulho (56%). Ao mesmo tempo, salientaram que a gravidez na adolescência acarreta preocupação, vergonha, desemprego, necessidade de trabalho, interrupção nos estudos e casamento forçado. Tabela 5 - Conseqüências da Gravidez Discordo Nem concordo nem discordo Concordo Gravidez Importante 14,5% 10,9% 74,5% Gravidez Desejada 43,4% 17% 39,6% Trouxe Vergonha 62,5% 16,7% 20,8% Trouxe Preocupação 32,7% 11,5% 55,8% Gravidez Escondida 60,9% 6,5% 32,6% 20% 24% 56% Trouxe Desemprego 84,1% 4,5% 11,4% Trouxe Casamento 69% 7,1% 23,8% 88,4% 7% 4,7% 63% 6,5% 30,4% 67,3% 4,1% 28,6% Trouxe Orgulho Trouxe Casamento Forçado Necessidade de Trabalho Parar de estudar Discussão Segundo os dados obtidos e a diversidade de resultados recolhidos confirma-se o posicionamento de certos autores que descrevem a gravidez adolescente como um fenômeno que envolve múltiplas variáveis (Canavarro & Pereira, 2001; Jacard, Dodge, & Dittus, 2003; Pantoja, 2003). A partir da influência destas variáveis depende a forma como é encarada esta situação. Este fato corrobora o posicionamento da TBDH (Bronnfenbrener & Morris, 1996), no qual se descreve a importância do contexto no desenvolvimento humano, na forma como o sujeito interage com aqueles que o rodeiam e com o meio em que está inserido. Logo, o impacto de cada acontecimento depende da composição dos micorssistemas em que se está inserido e a interação destes com o mesossistema, exossistema e macrosssitema. 79 80 A partir dos dados exploratórios, percebe-se que a idade da primeira relação sexual está abaixo dos índices apontados pelo Ministério da Saúde (2005). No ano de 1998, apenas 42% dos jovens tinham tido a primeira relação sexual antes dos 15 anos, contra 55% deste estudo. Este dado está de acordo com a previsão da redução da idade para a primeira relação sexual e confirma a tendência apontada por outros estudos (Szwarcwald, Júnior, Pascom & Júnior, 2004). Além disso, a baixa idade para primeira relação sexual parece estar associada ao nível socioeconômico dos jovens, corroborando estatísticas do WHO (2005) e do Ministério da Saúde (2002), assim como a hipótese defendida por Waystaff, Delameth e Havens (1999) de que a população empobrecida está mais vulnerável aos comportamentos sexuais de risco. Inúmeras justificativas são oferecidas para explicar essa relação. Reitaradamente a literatura salienta a pobreza, a baixa escolaridade e a baixa idade como fatores de risco para a ocorrência da gravidez em adolescentes que vivem em situação econômica desfavorável (Borges, & Schor, 2005; Brandão, & Heilborn, 2006; Gama, Szwarcwal, & Leal, 2002). A pobreza potencializa a exposição aos riscos que, de alguma forma ameaçam o desenvolvimento saudável. No entanto, focalizar a explicação da gravidez na adolescência exclusivamente nessa questão impede um olhar ecológico para esse fenômeno. Os dados encontrados revelam que o ambiente ecológico de desenvolvimento envolve múltiplos sistemas interrelacionados que se afetam mutuamente. O baixo nível sócio-econômico, por exemplo, compõe apenas um fator do macrossistema, por isso, os aspectos sociais, econômicos, culturais e históricos que constituem esse nível também devem ser considerados. Diferenças raciais, étnicas e de gênero também contribuem para a manifestação da sexualidade dos jovens. Os resultados obtidos apontam a diferença de gênero, confirmando a manutenção da divergência cultural na forma como moças e rapazes lidam com a sua vida sexual (Antunes, Peres, Paiva, Stall, & Hearst, 2002). A entrada da menina na adolescência é marcada pela menarca, um evento biológico e temporalmente bem localizado que abre precedentes para discussão e interpretação cultural. Já para os meninos, o marcador não é tão preciso, sendo as experiências sexuais um grande definidor do desenvolvimento adolescente, reforçado pelo grupo e, muitas vezes, pela família. Talvez essas crenças e valores transmitidos pelo macrossistema favoreçam a iniciação sexual mais precoce dos meninos e se propagam no exossistema, no mesossistema e no microssistema. Tal interferência pode ser constatada através dos resultados encontrados, os quais revelam que os rapazes iniciam as relações sexuais um ano mais cedo do que as moças. No entanto, essa diferença não diminui a exposição aos riscos envolvidos no comportamento 80 81 sexual delas. Pelo contrário, os rapazes afirmam utilizar com maior freqüência métodos anticoncepcionais, especialmente a camisinha, quando comparados às moças. Diante dessas informações constata-se que as participantes do sexo feminino estão mais propensas à gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis. Reis et al. (2007) encontraram resultados semelhantes sobre a iniciação sexual, apontando que os jovens do sexo masculino são mais precoces e mais favoráveis ao uso de preservativos. O exossistema, caracterizado como um ou mais ambientes nos quais a pessoa não participa face-a-face, mas cujas decisões tomadas, direta ou indiretamente, influenciam na vida sexual dos adolescentes (Bronfenbrenner, 1979/1996). As comunidades mais empobrecidas dependem da ação de órgãos governamentais e não-governamentais, de ações comunitárias, da Secretária da Saúde, entre outros. A escassez de uma rede de apoio social e comunitária efetiva representada, muitas vezes, pela inexistência de um posto de saúde preparado para intervenção e ações preventivas na saúde sexual e reprodutiva, contribui ainda mais com a vulnerabilidade da população inserida nessa comunidade. Aliada a essa situação, a falta de atividade laboral dos pais favorece o envolvimento dos adolescentes com atividades de trabalho. Heilborn e colaboradores (2002) apontam uma heterogeneidade nas trajetórias profissionais dos adolescentes. As autoras afirmam que os adolescentes pertencentes a um grupo social economicamente desfavorável são empurrados para as atividades de trabalho, mesmo que informais, para suprir as necessidades de subsistência e estabelecem novas trajetórias com a escola. No entanto, as atividades de trabalho não podem excluir a presença da escola na vida dos adolescentes. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), um importante documento que define as diretrizes que garantem e promovem os direitos referentes à infância e à juventude, estabelece que o adolescente pode estar envolvido em alguma atividade de trabalho, apenas na condição de aprendiz, desde que as atividades sejam compatíveis com o seu desenvolvimento e garantam o acesso e a freqüência obrigatória ao ensino regular. Nesse sentido, a escola pode assumir um importante fator de proteção para a gravidez não planejada. A interação entre pares, a presença de professores comprometidos com a formação plena somado ao apoio e a presença familiar podem compor o mesossistema dos adolescentes. Para Bronfenbrenner (1979/1996), o mesossistema refere-se aos elos e aos processos entre dois ou mais ambientes, nos quais os indivíduos se desenvolvem, isto é, a interação entre os diversos microssistemas. Já o microssistema pode ser definido como ambiente, no qual se estabelecem diversas relações significativas e os processos proximais condutores do desenvolvimento. Nos adolescentes provenientes de microssistemas familiares 81 82 descomprometidos com o cuidado e a proteção, os processos proximais podem produzir um efeito disfuncional e assumir um fator de risco preponderante para a ocorrência da gravidez inesperada. Reis et al. (2007) ao avaliarem as motivações para uma futura gravidez, encontraram que as carências afetivas e materiais são indicadores do desejo de ter um filho. Os autores ressaltaram que as meninas mencionaram com maior freqüência a vontade de ter a própria família, as brigas familiares e desejo de não se sentir só como principais motivadores de uma gestação, enquanto os meninos citaram a falta de oportunidades e de lazer. Por outro lado, Pantoja (2003) apontou que a maternidade é uma forma de ascensão social para adolescentes em situação de risco pessoal e social, uma vez que propicia uma aproximação da vida adulta. Gontijo e Medeiros (2004) também sugeriram que a gravidez pode ser vista como um fator positivo no desenvolvimento de adolescentes em situação de risco pessoal e social ao assumir um papel central na constituição pessoal e social dessas. Os resultados apontados por esses autores reiteram a necessidade de contextualização da gravidez para a população investigada no presente estudo. Nesta ótica, a gravidez pode surgir como facilitador para a saída do microssistema familiar fragilizado e para a construção de um novo lar. Embora possa assumir um fator protetivo a princípio, é preciso atentar para os novos riscos que poderão surgir (Canavarro & Pereira, 2001; Gama, Szwarcwal, & Leal, 2002; Levandowski & Piccinini, 2004; Soares, e tal., 2002). A partir dessa transição ecológica, especialmente, porque essa passagem é mais efetiva e saudável na medida que a adolescente grávida se sente apoiada e tem a participação de suas relações significativas neste processo (Bronfenbrenner, 1979/1996). Quando isso não acontece, novos fatores de risco podem emergir, desde as dificuldades impostas pela gravidez até as implicações sociais, econômicas e afetivas da maternidade durante a adolescência. O enfrentamento dessa transição dependerá da forma como os adolescentes irão experienciar esse momento e do impacto que terá nos contextos que está inserido. Neste estudo, verifica-se que as características individuais da pessoa do adolescente, somadas as mudanças provocadas pela gravidez, as mudanças contextuais e os processos proximais disfuncionais, podem produzir um efeito disfuncional representado pela ocorrência do aborto. Os resultados revelam um percentual esperado para gravidez e aborto em adolescentes de nível socioeconômico baixo, quando comparado a outros estudos. De qualquer forma, o aborto provocado aparece como solução imediata da gravidez indesejada por 10,9% dos entrevistados. Pesquisadores sugerem que a proporção do aborto é maior entre os 82 83 adolescentes com idade inferior a 20 anos (Aquino et al., 2003; Vieira, Goldberg, Saes, & Dória, 2007). Tal fato destaca a importância do cuidado a saúde desses e reforça a necessidade de um exossistema ativo, capaz de propor políticas públicas preventivas e eficazes sobre a sexualidade e a reprodução humana. A falta de recursos financeiros, acrescida da escassez de redes de atendimento no mesossistema, expõe os adolescentes a comportamentos sexuais de risco e a interrupção da gravidez. Perante esse cenário, vê-se como as decisões tomadas no exossistema sem um mesossistema capacitado para a rede de apoio social e comunitária podem interferir no desenvolvimento sexual seguro e protetivo dos adolescentes. Contudo, muitos adolescentes decidem manter a gestação até o final. O nascimento de um filho incrementa o processo de transição ecológica para a vida adulta, através da emergência de novos papéis como mãe e pai. Os resultados obtidos nas entrevistas evidenciam que a maioria dos adolescentes assume o cuidado dos filhos. Alternativas a esse cuidado foram retratadas através do sustento oferecido pelos avós, pela figura do pai ou da mãe ou ainda por família adotiva. Essa informação revela que esses adolescentes ainda mantêm relações de dependência econômica com as famílias de origem e famílias substitutas para o cuidado do filho (Leal, 200; Figueiredo, 2001). Esta perspectiva, confirma os estudos que demonstram como o surgimento da gravidez compromete a capacidade de autonomização, por parte da adolescente, relativamente às figuras parentais, persistindo a dependência relativamente aos seus pais, nomeadamente a nível econômico (Figueiredo, 2001). O suporte emocional que o microssistema familiar pode oferecer é de extrema importância para reforçar a responsabilidade que o adolescente deve assumir pelo filho. No entanto, pesquisas têm apontado que as avós e os avôs vivenciam conflitos na delimitação desses papéis e acabam por assumir a responsabilidade pelo cuidado infantil (Falcão & Salomão, 2005; Silva & Salomão, 2003). Os pesquisadores citam também outras situações típicas vivenciadas pelos avós diante da maternidade que podem envolver a vergonha e a falta de confiança na maturidade do adolescente até oferecer apoio e confiança para a responsabilidade do cuidado. O presente estudo solicitou aos próprios adolescentes a avaliação das conseqüências geradas com o evento da gravidez e uma diversidade de argumentos foi colocada em pauta. Os sentimentos positivos foram expressos pela maior parte dos jovens através da identificação desse momento como importante. Embora a gravidez não tenha sido planejada, foi desejada por um número significativo (39,6%) e produtora de orgulho, enquanto que 43,4% afirmaram 83 84 não desejar, ter vergonha e esconder esse momento das outras pessoas. É, frequentemente, referido na literatura, o fato da gravidez adolescente surgir na ausência de outros projetos (Pantoja, 2003; Pesquisa GRAVAD, 2006) e relações sociais consideradas pouco satisfatórias. O que poderá justificar o fato de 39,6% das jovens terem mencionado o desejo daquela gravidez, numa idade e fase de desenvolvimento que não se consideraria a mais adequada. Verificandose que 74,5% a descrevem como um acontecimento importante. Contudo, o fato de 55,8% das jovens ter referido o acontecimento como gerador de precoupação, revela uma consciência da responsabilidade que esse novo papel desempenhará na sua vida. Os dados revelam que 68,5% das crianças vive com a mãe, demonstrando que estas assumem a sua maternidade e a educação do seu filho para si. Observando-se que a existência da gravidez adolescente não é um fenômeno determinístico e que a forma como é vivida depende das características do contexto em que se desenvolve (Canavarro & Pereira, 2001; Jacard, Dodge, & Dittus, 2003). E, nos casos em que a jovem possui capacidade maturativa, a gravidez poderá permitir a aquisição de ganhos significativos, nomeadamente relativamente à construção da identidade sexual e de uma autonomização relativamente aos seus próprios pais (Figueiredo, 2001). As principais mudanças decorrentes da gravidez envolvem a necessidade de trabalhar, a interrupção dos estudos e o casamento. Uma importante discussão avalia se o abandono dos estudos é provocado pela gestação ou se o prévio abandono é fator de risco para a gravidez na adolescência. Figueró (2002) observou que parte das gestantes e mães adolescentes abandonou a escola previamente à gravidez. Já os dados da OMS (2004) apontam um alto índice de jovens grávidas que abandonam a escolarização dificultando a futura inserção no mercado de trabalho (OMS, 2004). Nesse estudo, 28,6% dos entrevistados afirma a necessidade de interromper os estudos como conseqüência da gravidez, enquanto mais da metade (67,3%) discorda. No Brasil, as meninas estudam mais do que os meninos, então o impacto da gravidez deve ser maior entre elas. Esse impacto pode ser sentido mesmo antes do nascimento do bebê, pois a modificação do corpo da menina torna visível o seu comportamento sexual de risco e pode gerar dificuldades no contexto escolar. Por outro lado, certos autores, referem a ambição acadêmica e o rendimento escolar como variáveis que influenciam o adiamento da iniciação sexual, assim como o maior uso de contracepção, mas também maior recurso ao aborto, em caso de gravidezes indesejadas (Levandowski & Piccinini, 2004; Manlove, 1998). 84 85 Segundo Santos Júnior (1999) os professores são mal preparados, para conduzir a discussão sobre o comportamento sexual e acabam por ter condutas discriminatórias, geralmente tentando excluir das salas de aula as meninas gestantes, com o intuito de não servirem de "mau exemplo" às outras colegas. Essa discriminação pode favorecer o desligamento das meninas da sala de aula mostrando o quanto a escola pode ser um fator de risco para essa população. É emergente que esse mesossistema realize uma avaliação do seu papel frente a essas situações. A escola deveria compor a rede protetiva dos adolescentes, promovendo ações preventivas relacionadas à sexualidade. Excluir ou expulsar os jovens que vivenciam essa situação não resolve essa questão, assim como não diminui o número de gravidez nessa fase do desenvolvimento. Ao contrário, o vínculo com a escola fortalece a formação e aumenta a capacidade de competição no mercado de trabalho futuro. Entretanto, essa realidade não é visível no sistema educacional e acaba por fortalecer o vínculo dos adolescentes com outros contextos como, por exemplo, o trabalho. A necessidade de trabalho surge para suprir as despesas que um filho demanda. Os resultados indicaram que a maioria dos participantes discordou sobre a necessidade de trabalho após a gravidez. Cabe relembrar que essa amostra é composta por adolescentes que vivem em situação de pobreza. Heilborn e colaboradores (2002) apontam que os trabalhos não acontecem apenas nos casos vinculados à gravidez, ao contrário, o fato de pertencer a um grupo social economicamente desfavorável torna-se um fator de risco mais precoce para inserção na atividade laboral. Conclusões Esse artigo pretende atentar para a complexidade que envolve a sexualidade na adolescência quando somada a situação de pobreza. A situação econômica desfavorável que muitos jovens enfrentam aumenta a vulnerabilidade e a exposição aos comportamentos sexuais de risco. Isso não significa que a condição econômica seja a causa para a iniciação sexual precoce, o não uso de métodos anti-concepcionais, a gravidez na adolescência e viceversa. É preciso ampliar o olhar para esse fenômeno, ao invés de apontar, variáveis isoladas que sozinhas não suportam o conjunto de fatores envolvidos na sexualidade humana. A abordagem bioecológica do desenvolvimento humano possibilita analisar a pessoa como um ser ativo e dinâmico, que interage com o tempo e com o contexto que vivencia, modificando e sendo modificada por ele (Bronfenbrenner, 1979/1996). 85 86 Não se pode negar a sexualidade dos jovens e associar a sua iniciação apenas a condição psicológica da fase em que vivem e a condição socioeconômica que possuem. Os resultados apontam à necessidade de considerar o adolescente dentro dos contextos que formam o seu ambiente ecológico e identificar fatores de risco para que a rede protetiva seja fortalecida e as ações tenham repercussão no desenvolvimento desses. Aspectos macrossistêmicos e exossistêmicos devem ser considerados, pois interferem diretamente na adesão e no envolvimento dos adolescentes de qualquer atividade. O conhecimento acerca da idade de iniciação sexual para cada gênero permite organizar ações educativas voltadas para uma vida sexual e reprodutiva saudável. Os programas de controle da fecundidade e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e HIV precisam ser ofertados e acessíveis nos contextos em que estão inseridos. Nesse caso, os serviços de saúde pública não podem simplesmente estar presentes e manter um programa preventivo que iniba o adolescente de participar. A escola é um microssistema que compõe, juntamente com a família, o mesossistema desses jovens. Geralmente, a rede de apoio é escassa e formada por poucos contextos nos quais são mantidas relações estáveis e significativas. Por esse motivo, cabe a escola e a família retomar o cuidado e conduzir o adolescente na identificação de estratégias individuais protetivas para minimizar o risco. Pelo exposto sobre o assunto e considerando os resultados encontrados no presente estudo, sugere-se que as ações devem estar voltadas para a promoção de bem-estar e devem integrar a pessoa, o processo, o tempo e o contexto como base de reflexão para uma prática protetiva mais efetiva. Referências Aquino, E. M. L., Heilborn, M. L., Knauth, D., Bozon, M., Almeida, M. C., Araújo, J., (2003). Adolescência e reprodução no Brasil: A &, Menezes, G. heterogeneidade dos perfis sociais. Cadernos de Saúde Pública, 19(2), 377-388. Borges, A., & Schor, N. (2005). Trajetórias afetivo-amorosas e perfil reprodutivo de mulheres adolescentes residentes no Município de São Paulo. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, 5(2), 163-170. Brandão, E. R., & Heilborn, M. L. (2006). Sexualidade e gravidez na adolescência entre jovens de camadas médias do Rio de Janeiro, Brasil. Caderno de Saúde Pública, 22(7), 1421-1430. 86 87 Brasil. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal N. 8.069. 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Esboço de uma teoria empiricamente derivada 89 90 Mafalda Moreira da Cruz ([email protected]) António Pazo Pires Instituto Superior de Psicologia Aplicada Impacto da depressão pós-parto no casal. Esboço de uma teoria empiricamente derivada* *A partir da Tese de Mestrado em Psicologia Clínica, ISPA, realizada pelo primeiro autor sob orientação do segundo autor. 90 91 Resumo O objectivo deste estudo consistiu na construção de um modelo sobre o impacto da depressão pós-parto num casal. Os participantes foram 4 homens, com idades compreendidas entre os 31 e os 51 anos, as respectivas mulheres, com idades compreendidas entre os 29 e os 53 anos, e ainda mais duas mães com 27 e 32 anos. As entrevistas semi-estruturadas foram gravadas e posteriormente transcritas e analisadas de acordo com o método “Grounded Theory”. Constatou-se que existe uma acentuada diferença no modo de agir perante esta patologia. A mãe apresenta dificuldades relacionadas consigo mesma, isto é, sente-se sozinha, incapaz de cuidar do filho ou de socializar, bastante cansaço e desânimo, comportamentos estes que acabam por deixá-la insegura e incompreendida, especialmente pelo companheiro. No caso do pai da criança as preocupações são mais viradas para o bem estar da criança e da mulher, embora predomine um sentimento de injustiça e incompreensão mas que, contrariamente à mãe, não os demonstra na tentativa de diminuir os conflitos existentes no casal. Este estudo representa então a primeira investigação empírica sobre como os homens abordam uma depressão pós-parto nas suas companheiras, onde se concluiu que eles tendem a adoptar uma atitude pacífica e submissa face à situação, comportamento este que pode ser verificado mesmo antes do nascimento da criança, isto é, representa uma caracteristica da personalidade e não apenas uma estratégia de adaptação face à depressão. Palavras-chave: Depressão pós-parto, Gravidez, Período pós-natal, Características parentais, Relações de família 91 92 Abstract The goal of this study was to develop a model about the impact of postpartum depression in a couple. The participants were four men between 31 and 51 years old and their respective wives, between 29 and 53 years old. There were also two single mothers with ages between 27 and 32 years old. Semi-structured interviews were recorded, transcribed and analyzed in accordance with the "Grounded Theory" method. It was clearly understood that exists large differences in the many ways to approach this disease. The mother senses a lot of frustration and self-anger: she feels lonely, incapable of taking proper care of her child and even being with other people. She also feels really tired and all of these symptoms let her insecure and misunderstood, mainly by her husband. Regarding the father, his preoccupations are more related with the health of both the sun and his wife although it prevail some feelings of unfairness and understanding. But he tends not to show it, contrarily to the mother, in a tentative to decrease the conflicts between the couple. This study represents the first empirical investigation about how these men live this postpartum depression. It was concluded that they adopt a pacific and submissive attitude in this situation and can be checked even before the birth of the child, because it represents a characteristic of them personality and not just a strategy of adaptation face to the depression. Key words: Postpartum characteristics, Family relations depression, Pregnancy, Postnatal period, Parental 92 93 Depressão pós-parto (DPP) entende-se como um disturbio depressivo, não psicótico, que tem inicio no periodo após o parto. Apresenta uma leve ou moderada gravidade, caracterizada de uma sintomatologia sobreposta à de um quadro depressivo, que se pode manisfestar noutros períodos da vida. No geral, os sintomas devem ter uma duração minima de uma semana e determinar um certo grau de compromisso do funcionamento da mulher (Monti e Agostini, 2006). A DPP é uma das diferentes configurações que assume o sofrimento psicológico de uma mulher após um parto, sendo que se pode ainda verificar a presença de outros distúrbios como Maternity blues (distúrbio de leve compromisso para a mulher que tende a desaparecer duas semanas após o parto), Psicose puerpural (distúrbio psicológico grave que requer intervenção psiquiátrica) ou ainda Stress traumático pós-parto (distúrbio psicológico como consequência da percepção do parto como traumático). A incidência da depressão pós-parto na sociedade ocidental é estimada entre 10-20%. O seu aparecimento será entre os primeiros seis meses após o parto e pode durar entre semanas a meses, daí a elevada importância de uma intervenção de profissionais (Cox, Murray & Chapman, 1993). Os sinais precoces de uma DPP são normalmente representados por cansaço, falta de energia, que podem ser confundidos com o normal ajustamento do pós-parto e, por isso, não serem percebidos como sinais de alarme. A mãe depressiva tem tendência a viver de um modo isolado com o seu filho e, por norma, apresenta dificuldade em reconhecer e admitir o seu próprio estado de sofrimento. É habitual que a mãe sinta que não tem o direito de sentir-se triste, infeliz ou depressiva num momento que deveria ser caracterizado, segundo a sociedade, de grande felicidade e realização pessoal e familiar. Se é capaz de reconhecer a própria depressão tende a julgar-se como uma mãe incapaz e inadequada para o próprio filho (Guedeney, 1989). Esta atitude pode apresentar bastante perigo na medida em que a mãe não procura ajuda de um profissional por ter problemas em admitir o que sente. Segundo Monti e Agostini (2006), nesta patologia observa-se uma discreta variabilidade na apresentação dos 93 94 sintomas. Em cada mãe pode-se manifestar um conjunto diverso, que varia em função das caracteristicas individuais, psicosociais e ambientais. Por este motivo, algumas depressões pósparto podem-se caracterizar principalmente por ansiedade e excessivos sentimentos de culpa, enquanto que, noutros casos, se pode assistir a uma polarização de pensamentos obssessivos, sentimentos de raiva e de solidão. No entanto existem alguns sintomas mais recorrentes neste tipo de mães, como o humor depressivo, tristeza, ansiedade, tensão, choro, baixos niveis de energia, perda de interesse, cansaço, disturbios do sono e do apetite, excessivos sentimentos de culpa, autodesvalorização ou mesmo ideias suicidas. O conceito de depressão pós-parto é referido nos dias de hoje, através de vários estudos efectuados, sendo responsável pelo desenvolvimento das crianças (Beck, 1995). Filhos de pais depressivos apresentam mais sintomas emotivos, assim como comportamentos problemáticos, dificuldades escolares e impedimentos sociais, em relação a crianças cujos pais não passaram por este tipo de patologia (Graensbauer, Harmon, Cytryn, & McKnem, 1984). Tal como afirmava Winnicott (1960), as primeiras interacções de uma criança com a sua mãe representam o modelo que irão, mais tarde, definir as suas relações com outros indivíduos. É a partir destas mesmas que a criança adquire o exemplo de como se estabelece uma relação. No caso de uma mãe deprimida, a interacção mãe-filho será caracterizada pela presença constante de momentos não coordenados. Isto é, há uma reduzida sensibilidade aos sinais do filho da parte da mãe, que se caracteriza por comportamentos intrusivos e hostis ou ainda de retiro e evitamento. Em qualquer um dos casos, a criança aprende que as interacções são discontínuas, com rupturas, inconstantes. Assim, no que diz respeito ao desenvolvimento da criança, esta situação pode fazer com que se torne triste, stressada e isolada, com difiuldades em regolar os próprios estados afectivos negativos. Com o evoluir do tempo a criança adopta uma conduta passiva, expressa por tristeza e isolamento, como forma de imitação do afecto negativo materno (Monti e Agostini, 2006). 94 95 Após uma revisão de literatura sobre este tema é notório que o conhecimento sobre a depressão pós-parto se apresenta já bastante desenvolvido, mas há ainda lacunas no que diz respeito a estudos que se centrem sobre o papel do pai nestas circunstâncias. Por outro lado, a maioria dos estudos efectuados nesta área têm sido de natureza quantitativa, com a aplicação de questionários. Assim, por estas razões, parece-me pertinente uma investigação ainda na área da depressão pós-parto, mas virada para a intervenção do pai. O objectivo será então desenvolver um estudo que permita compreender um pouco mais sobre quais as implicações e papel do companheiro de uma mulher que sofreu desta patologia. Para tal, utilizar-se-á a Grounded Theory. Trata-se de um método qualitativo que, através da utlização de entrevistas semi-estruturadas de respostas abertas, pretende investigar aprofundadamente o tema em causa. Pretende-se assim compreender, através de uma pequena amostra, o funcionamento e o modo de agir de um homem que acompanhou de perto uma depressão pós-parto. Método Para a realização do presente estudo recorreu-se à “Grounded Theory” com o intuito de no final ser apresentado um modelo teórico sobre a influência da depressão-pós-parto num casal. O método referido implica a análise de entrevistas, o desenvolvimento de códigos e categorias relacionadas com o tema em causa, a criação de hipóteses a partir dos dados recolhidos e o surgimento de uma categoria central que explicite todo o processo. 95 96 Participantes A recolha da amostra é feita através de um processo de conveniência no qual se procurou, junto de pessoas conhecidas e de um médico de clínica geral, casais que estivessem disponíveis para expor a sua experiência. É então constituída por quatro casais e ainda duas mulheres a quem foi diagnosticada uma depressão pós-parto. Os respectivos companheiros destas duas últimas não participaram no estudo por vontade própria, admitindo que não se sentiam confortáveis para abordar tal assunto. As seis mulheres têm idades compreendidas entre os 27 e os 53 anos, e os respectivos companheiros entre 31 e 51 anos. De todos os entrevistados, só num dos casos é que a depressão pós-parto não surgiu com o nascimento do primeiro filho, mas sim com o quarto. Metade das mães passaram por esta fase há mais de 10 anos, mas, a outra metade, foi durante o ano passado. No que diz respeito ao estado civil, apenas um casal não se encontra casado, mas todos habitam juntos. Procedimento As entrevistas foram todas efectuadas em casa dos próprios entrevistados, após o devido consentimento informado. Foram contactados previamente, através de conhecimentos em comum, onde foi dada a autorização para o fazer. Num primeiro contacto quem os abordou explicou o propósito do estudo e reforçou a importância da sua participação na compreensão da problemática em causa. Foram de igual forma garantidos o anonimato e a confidencialidade da informação recolhida e obtido o consentimento para as entrevistas serem gravadas. Pretendeu-se colocar questões abertas, sempre relacionadas com o tema em causa, de modo a que fossem os entrevistados a fornecer informação que considerassem pertinente, como por exemplo “o que aconteceu após o nascimento do seu filho?”. Deste modo, a entrevista possibilitou uma maior colaboração e relação entre os entrevistados e o 96 97 entrevistador, permitindo assim explorar mais profundamente aspectos tão delicados. As entrevistas tiveram uma duração média de 50 minutos. Para a construção da teoria, o objectivo das entrevistas foi então compreender como é que as mães que apresentaram a patologia se sentiram face ao nascimento do filho e, ainda, como é que isso se reflectiu no companheiro. Isto é, o processo pelo qual cada membro do casal atravessou, que sentimentos estiveram associados à mudança. Após a recolha dos dados inicia-se a análise dos mesmos. Nesta fase o investigador compara todos os incidentes observados e escutados nas diferentes entrevistas de modo a integrar o conceito numa nova teoria. Análise dos Dados Inicialmente foi transcrita cada entrevista com o objectivo de ser cuidadosamente analisada e codificada de uma forma sistemática. Este processo foi efectuado através do método “Grounded Theory” (Glaser & Srauss, 1967). Esta análise baseou-se numa leitura pormenorizada linha a linha, com o objectivo de se atribuir códigos aos diversos incidentes e proceder à sua conceptualização. Uma vez identificados, os incidentes foram comparados entre si e, cada vez que se encontraram códigos, foram generalizados numa categoria. Estas categorias emergentes foram comparadas entre si, produzindo-se assim outras categorias, mais complexas e inclusivas. Ao mesmo tempo que se analisavam os dados foram-se escrevendo memorandos relativos a cada uma das categorias. Cada um deles pretende descrever uma categoria, isto é, suas propriedades e possíveis relações com outras categorias. À medida que se foi aprofundando a análise foi identificada uma possível categoria central, seguindo-se posteriormente à sua confrontação com os dados e relacionando-a com outras categorias 97 98 através dos memorandos. Durante esse processo, foram recolhidos mais dados na tentativa de saturar as diferentes categorias. Atendendo às questões primordiais a que este método se propõem responder, procedeu-se à construção da teoria, onde foi construído um modelo teórico, baseando-se nos memorandos já elaborados, que parte de uma categoria central que estabelece relações também com as outras categorias. A análise dos dados pressupõe então a construção de um modelo teórico que identifique diversos conceitos estabelecendo relações entre eles. Resultados Os primeiros sentimentos e atitudes das mães durante uma depressão pós-parto vão facilitar consideravelmente a aparição de inseguranças e angústias nos seus companheiros. Se também eles teriam razões para desenvolver por si só conflitos, relacionados com a drástica mudança, a mulher irá aumentá-los e fazer surgir outros novos com a sua atitude deprimida e afastada. Uma das principais críticas atribuída indirectamente à mulher pelo seu companheiro é o seu afastamento deste último. Pois uma mãe que se encontra deprimida apresenta uma grande tendência para se isolar, retraindo primeiramente o pai da criança. Assim sendo, para além de se sentir também desorientado com o bebé e com os cuidados que ele exige, acrescenta ainda uma angústia por ser abandonado pela companheira. Uma outra característica destas mães é a ambivalência de emoções, isto é, durante este período o companheiro presencia uma inconstância do humor da mulher, pois há uma alternância entre a calma e tranquilidade com a angústia e a ansiedade ao longo do dia, e muitas das vezes sem razão aparente, pelo menos para ele. Assim, se já era complicado lidar com os 98 99 comportamentos deprimidos, torna-se ainda mais difícil para o companheiro saber responder adequadamente aos comportamentos da mãe. Tomando contacto com esta realidade o pai da criança desenvolve determinados sentimentos, todos eles ignorados pela sua mulher. O companheiro adquire um grande sentimento de injustiça, na medida em que se sente também ele cansado e esgotado com a adaptação à nova rotina, ou seja, ele teria também razões para se deprimir mas não o faz porque não há espaço na relação para o seu sofrimento. Apesar da mãe não ter consciência disso, o homem refere que, tal como ela, apresenta também bastante dificuldade em conciliar o trabalho fora de casa com os cuidados do bebé. Para além disso, sente que a mãe apresenta uma grande tendência para lhe atribuir a culpa do seu mal-estar, facto este que ele não consegue compreender ou justificar. Uma outra característica, e relacionada com a anterior, apresentada no companheiro é um enorme sentimento de incompreensão. Embora possa afirmar que conhecia já a doença (conhecimento prévio), assume que se sente confuso com as atitudes da sua mulher, na medida em que não estaria à espera de tal reacção tendo em conta que se trata de uma gravidez desejada (desejado), e desorientado com as funções que deve desempenhar junto do seu filho ou nas responsabilidades da própria casa, visto que a mulher se encontra debilitada para o fazer como faria habitualmente. O companheiro assume que não entende a alteração da sua mulher e que isso o deixa ainda mais inseguro e angustiado, embora ela não tenha consciência disso, ou pelo menos não o demonstra. Apesar disto, alguns dos entrevistados revelaram que esta atitude da mulher não foi totalmente surpresa porque ela desde sempre apresenta uma certa predisposição para se deprimir. Pois a mãe esteve anteriormente envolvida noutros episódios depressivos associados a outros acontecimentos distintos (repetição de sintomas). Isto é, já aconteceu anteriormente a mulher adoptar 99 100 comportamentos deprimidos quando se deparou com situações inesperadas, ou que requeriam o seu envolvimento. É ainda possível observar nestes casos um companheiro com alguma raiva, embora nunca seja admitida. Inicialmente refere com algum desânimo que o nascimento do filho implica uma drástica alteração dos seus hábitos, pois passa a ter que abdicar de determinadas condutas a que estava habituado. Neste momento o bebé é quem tem a prioridade, isto é, os pais devem agir de acordo com as suas necessidades. Este facto gera bastante desconforto, tanto para o pai como para a mãe, pois passam a ter alguém completamente dependente deles. Ao constatar este facto o companheiro fá-lo com algum desânimo, transmite a ideia de que sente prisioneiro do filho. Por fim, este sentimento agressivo passivo verifica-se também na desilusão que o companheiro sente em relação á sua mulher. Após o nascimento ela revelase numa pessoa diferente da qual ele tinha antes idealizado. Não corresponde com as suas expectativas de mãe nem como sua companheira. Contudo, o companheiro adopta uma atitude diferente da que seria esperada. Em vez de se revoltar e de confrontar a sua mulher ele acaba por adoptar estratégias que minimizam os seus sentimentos agressivos, mantendo a estabilidade na sua relação amorosa. Durante a entrevista apresenta uma vasta lista de desculpas plausíveis (desculpabilização) que expliquem o comportamento inadequado da mulher, como o cansaço ou a inexperiência, embora o faça de um modo pouco natural e verdadeiro. Isto é, apesar de fazerem sentido, revela algum descontentamento com isso. Uma outra característica verificada é o sentimento de obrigação do companheiro de aceitar a sua mulher e acarretar com as responsabilidades que deveriam ser suas. Apesar de desempenhar o papel que seria da mãe e de não se revoltar com ela, transmite algum descontentamento com a situação. Por fim, e como consequência das anteriores, o companheiro apresenta ainda uma outra característica que ameniza a situação em que se encontra. Ele adopta uma posição de submissão em relação à sua mulher, ou seja, 100 101 aceita as condições impostas por ela e não a confronta. Em qualquer um dos exemplos apresentados é possível verificar uma forte tentativa, mesmo que inconsciente, da parte do companheiro em atenuar os conflitos existentes entre o casal. Assim, adoptando uma postura mais pacífica, contribui significativamente para a diminuição das discussões e, consequentemente, do comportamento inseguro e deprimido da sua mulher. É possível então entender que existe uma grande dificuldade no casal em lidar com esta doença. Porque ambos passam por um período controverso e ambíguo, mas que apresenta inúmeras falhas e dificuldades na compreensão de cada um. [Inserir figura 1 aqui] Discussão Ficou então por compreender se as estratégias adoptadas pelo companheiro são apenas temporárias, revelando uma tentativa de adaptação, ou, por outro lado, se reflectem uma característica permanente da personalidade destes homens. Embora esta dúvida permaneça, são alguns os indícios que levam a suspeitar de uma personalidade passiva e talvez submissa presente nestes companheiros. Em primeiro lugar a própria experiência após o parto revela alguma ausência de atitude para enfrentar a situação, pois eles preferiram estratégias demasiado pacíficas e compreensivas. Por outro lado, apresentaram ainda ao longo das entrevistas alguma dificuldade em relatar o sucedido, afirmando esquecimento ou tentando desviar o assunto, provando assim a dificuldade existente nestes homens em partilhar o sucedido, provavelmente devido à presença de um sentimento de desconforto, de 101 102 inferioridade. Finalmente, estudos assumem a existência de uma ligação entre uma personalidade retirada do companheiro com episódios depressivos na respectiva mulher (Scott and Cordova, 2002; Marchand, 2004). Um homem que apresente uma personalidade insegura caracteriza-se por uma menor capacidade de resolução de problemas quando surgem conflitos entre o casal, e ainda uma maior tendência para agressões verbais ou atitudes retiradas, de evitamento. Pode ainda ser acrescentado que relações conjugais pobres, conflituosas, apresentam-se como um forte desencadeador de depressões, nomeadamente de depressões pós-parto (O’Hara et al, 1984). Burke (2003) afirma que mulheres com tendência para desenvolver depressões escolhem, normalmente, para seus parceiros homens também com características depressivas, ou com histórias familiares psicopatológicas. Assim, tanto uma depressão pode desencadear problemas conjugais como estes últimos podem ser encarados como activadores de disfunções que facilitam o surgimento da depressão. Nos vários estudos existentes verificou-se uma lacuna relativamente à atenção prestada ao impacto que uma depressão pós-parto adquire na vida de um casal. Neste sentido, a presente investigação distingue-se de outros estudos já elaborados na medida em que representa um contributo para o aumento do conhecimento nesta área, uma vez que clarifica tanto o que sente a mãe como o pai que vivem uma situação destas, isto é, como a encaram e contornam. Por outro lado, distingue-se ainda pela análise sistemática que empreendeu dos dados, tendo sempre como prioridade a construção de um modelo teórico sobre o impacto e a problemática de uma depressão pós-parto num casal. O modelo teórico construído baseia-se então na análise de dez entrevistas de sujeitos que presenciaram uma depressão pós-parto. Assim, a sua elaboração obedeceu ao objectivo de aprofundar as vivências e os sentimentos experienciados por estes pais, bem como indagar sobre os seus comportamentos adaptativos induzidos pela nova situação com que se confrontam. Apesar de cada casal vivenciar e lidar com esta problemática de modo individual e diferente, foi possível identificar um 102 103 denominador comum que se traduziu num conjunto semelhante de sentimentos e comportamentos manifestados, aspecto que possibilitou a formulação da teoria defendida. Tanto quanto é do nosso conhecimento, não existem estudos que se debrucem sobre a perspectiva do companheiro. Neste contexto, justificar-se-ia certamente prosseguir esta pesquisa através de um estudo comparativo, utilizando uma escala de personalidade, como por exemplo o Neo Pi-R, que clarificasse esta questão, isto é, o que leva os homens a perfilhar uma atitude passiva que, de alguma forma, iliba as mulheres do comportamento desviante que regra geral manifestam posteriormente ao parto e que os homens, de forma demasiado compreensiva, procuram não agravar, camuflando-a. Referências Bibliográficas Beck, C. T. (1995). 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Para mejorar la calidad de vida de las personas con este síndrome crónico se realiza una intervención holística donde la terapia física ocupa un papel destacado, probándose como beneficiosas tanto a nivel físico como mental (niveles de depresión) las actividades físicas grupales basadas en aeróbic de bajo impacto. En los últimos años la vibración corporal se ha mostrado como una terapia útil para mejorar parámetros como la fuerza, niveles hormonales, masa ósea, equilibrio, todos ellos parámetros que influyen en la calidad de vida relacionada con la salud. Sin embargo no se tienen datos sobre si este tipo de entrenamiento es tolerado por las personas con FM o la repercusión que tendría este tipo de terapia en esta población. OBJETIVO Evaluar el impacto de un entrenamiento vibratorio corporal de baja frecuencia (12,5hz) en la calidad de vida de personas afectadas de FM. 107 108 MATERIAL Y MÉTODO Para la realización de este estudio se solicitó la colaboración a 3 asociaciones de FM de la comunidad autónoma de Extremadura (España). En un primer momento se mostraron interesadas un total 60 mujeres, las cuales fueron informadas de todo el proceso a seguir durante el estudio así como de los posibles beneficios y riesgos del ejercicio vibratorio. Las participantes que cumplieron los criterios de inclusión y firmaron el consentimiento informado (n=41) fueron examinadas por un reumatólogo para confirmar el diagnóstico según los criterios del Colegio Americano de Reumatología (Wolfe et al., 1990). Una vez confirmado el diagnóstico, las participantes fueron divididas de forma randomizada en dos grupos: un grupo ejercicio y un grupo control. Durante el periodo de entrenamiento, las participantes asignadas al grupo control (n=20) siguieron estrictamente las indicaciones dadas por los médicos especialistas que las trataban, establecido como gold estándar; las participantes asignadas al grupo ejercicio (n=21), además del tratamiento gold estándar realizaron el ejercicio vibratorio propuesto. Durante el estudio abandonaron un total de 6 participantes, de las cuales 3 pertenecían al grupo control y 3 al grupo ejercicio, quedando el diagrama de flujo como muestra la figura 1. Los abandonos del grupo ejercicio se debieron a imposibilidad de asistir al programa una vez ya comenzado, y los del grupo control a imposibilidad de 3 participantes a ser evaluadas en la segunda medición, en ningún caso el abandono se debió a molestias provocadas por el ejercicio. 108 109 Figura 1. Diagrama de flujo de participación Para la evaluación de la calidad de vida se utilizó el cuestionario de calidad de vida 15D (Sintonen, 2001). Este cuestionario es autoadministrado, genérico, comprensivo y tiene 15 dimensiones estandarizadas. Las 15 dimensiones del cuestionario son: movilidad, visión, oído, respiración, dormir, comer, discurso, eliminación, actividades habituales, función mental, incomodidad y síntomas, depresión, ansiedad, vitalidad y actividad sexual. Cada dimensión tiene 5 posibles niveles. Se obtiene una puntuación para cada dimensión así como un índice general de CVRS cuyas puntuaciones oscilan entre 0 y 1. El 15D es un instrumento muy utilizado a nivel internacional y se ha mostrado como un instrumento válido, fiable, sensible en la medida de la CVRS (Hawthorne, Richardson, & Day, 2001; Koivunen, Sintonen, & Lukkarinen, 2007; Stavem, Froland, & Hellum, 2005). Además de la CVRS mediante el 15D se evaluó el índice de discapacidad específico para FM medido mediante el Cuestionario de Impacto de fibromialgia (FIQ) (EsteveVives, Rivera, Salvat, De Gracia, & Alegre, 2007). 109 110 A las participantes del grupo ejercicio se les proporcionó una hoja de instrucciones en las que se explicaba claramente la frecuencia, duración, tiempo de descanso y postura durante el ejercicio vibratorio. Para una mayor seguridad, todas las participantes de este grupo realizaron una serie de vibración exploratoria para confirmar que habían entendido correctamente la postura durante el ejercicio vibratorio, así como para comprobar que toleraban sin problemas la intensidad del ejercicio propuesto. Durante esta sesión se informó de que cualquier molestia surgida tras el ejercicio propuesto debía ser comunicar lo antes posible y se Figura 2 aclararon todas las dudas y preguntas formuladas por las participantes. El entrenamiento vibratorio consistió en 12 semanas de duración y se llevó a cabo mediante una plataforma de vibración Galileo Fitness (Galileo, Germany). Cada sesión de ejercicio consistió Figura 2 en 6 repeticiones a una frecuencia de 12,5 Hz Figura 3 aumentando mensualmente el tiempo de duración de cada repetición. La postura sobre la plataforma fue lateral, quedando como muestran las figuras 2 y 3. Los pies perpendiculares al eje medio de la plataforma, con una pierna adelantada estando la punta del pie en la señal de 4 mm anterior al eje medio de la plataforma. El talón de la otra pierna se coloca en la señal de 4mm posterior al eje medio de la plataforma. La apertura de las piernas a la anchura de las caderas. Rodillas flexionadas a 45º, espalda recta y mirada al frente. En la plataforma de vibración utilizada, la aceleración lateral es mayor que la antero-posterior Gusi y Raimundo (Gusi, Raimundo, Figura 3& Leal, 2006) por lo que el realizar el ejercicio vibratorio en una 110 111 posición lateral como la utilizada, podría repercutir más directamente en la musculatura flexo-extensora de los miembros inferiores. La normalidad de las variables fue evaluada mediante la prueba de KolmogorovSmirnov. La comparación entre los grupos se realizó mediante la prueba t de Student y la U de Mann Whitney en función de las características de las variables. Todos los análisis se realizaron con el paquete estadístico SPSS (versión 15.0). Se estableció un nivel de significación de p <.05. RESULTADOS Los grupos son comparables entre sí en términos estadísticos en cuanto a edad, peso, talla, número de puntos sensibles al dolor, años de aparición de los primeros síntomas, años de diagnóstico preciso, índice del FIQ e índice global del 15D (tabla 1). 111 112 Tabla 1. Caracterización de las participantes en el estudio Grupo control Grupo ejercicio 17 18 Edad (años) 53.0 ± 12.0 52.4 ± 10.8 0.86 Peso (kg) 70.0 ± 10.56 73.7 ± 14.4 0.38 Talla (cm) 156.0 ± 4.7 156.4± 5.0 0.78 15 ± 5 15 ± 4 0.94 Año de aparición de los síntomas 13.7 ± 6.2 12.7 ± 6.7 0.67 Años de diagnóstico preciso 6.4 ± 4.7 5.5 ± 3.5 0.68 56.7 ± 15.8 58.8 ± 10.9 0.68 0.649 ± 0.110 0.635 ± 0.111 0.74 N Número de puntos sensibles FIQ Índice global 15-D P Valores expresados en medias ± desviación típica. FIQ, cuestionario de impacto de la fibromialgia. Al observar el efecto del tratamiento en cada una de las dimensiones que componen el 15D, se comprueba que existen diferencias estadísticamente significativas en la dimensión de movilidad (p =0.018), sin embargo no se han encontrado diferencias estadísticamente significativas en el índice global del 15D ni en el resto de dimensiones que lo componen. En este sentido, tiene relevancia el hecho de no haber conseguido un efecto positivo sobre la dimensión de depresión, debido a que en otros tipos de ejercicio físico como el 112 113 aeróbic de bajo impacto en piscina de agua caliente se obtienen efectos positivos sobre los niveles de depresión en personas con FM (Tomas-Carus et al., 2008). Figura 4: Puntuaciones 15-D por dimensión Esto puede deberse a que las terapias de ejercicio físico que consiguieron estos efectos eran terapias grupales, y el ejercicio vibratorio consiste esencialmente en una actividad realizada de forma individual. Por este motivo se recomienda una terapia psicológica complementaria. DISCUSIÓN Y CONCLUSIONES Hasta el momento varias investigaciones han comprobado que el ejercicio de bajo impacto es tolerado por personas con FM e influye de manera positiva en su nivel de 113 114 CVRS (Gusi, Tomas-Carus, Hakkinen, Hakkinen, & Ortega-Alonso, 2006; Rooks, Silverman, & Kantrowitz, 2002). Esta investigación es pionera en la utilización de ejercicio vibratorio de bajo impacto en FM. Los resultados nos indican que este tipo de entrenamiento mejora la movilidad de las personas con FM, lo cual resulta muy beneficioso en esta población ya las personas con FM tienen problemas de movilidad tal como indican las bajas puntuaciones obtenidas en distintos test funcionales relacionados con la vida diaria (Mannerkorpi, Svantesson, Carlsson, & Ekdahl, 1999), y valores bajos en las dimensiones de movilidad en los cuestionarios 15D (Laas, Roine, Rasanen, Sintonen, & Leirisalo-Repo, 2008), EQ-5D (Gusi, Tomas-Carus et al., 2006; Picavet & Hoeymans, 2004) y en la dimensión de función física del cuestionario SF-36 (Picavet & Hoeymans, 2004). El entrenamiento vibratorio propuesto es tolerado por mujeres con FM que reportan un elevado grado de discapacidad medido mediante el FIQ, produciendo mejoras en la dimensión de movilidad medida a través del cuestionario de calidad de vida 15-D. Se recomienda una terapia psicológica complementaria para conseguir efectos positivos en los niveles de depresión de las personas con FM. REFERENCIAS Esteve-Vives, J., Rivera, J., Salvat, M. I., De Gracia, M., & Alegre, C. (2007). Propuesta de una versión de consenso del Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ) para la población española. Reumatolia Clininca, 3, 21-24. Gusi, N., Raimundo, A., & Leal, A. (2006). Low-frequency vibratory exercise reduces the risk of bone fracture more than walking: a randomized controlled trial. BMC Musculoskelet Disord, 7, 92. Gusi, N., Tomas-Carus, P., Hakkinen, A., Hakkinen, K., & Ortega-Alonso, A. (2006). Exercise in waist-high warm water decreases pain and improves health-related quality of life and 114 115 strength in the lower extremities in women with fibromyalgia. Arthritis Rheum, 55(1), 66-73. Hawthorne, G., Richardson, J., & Day, N. A. (2001). A comparison of the Assessment of Quality of Life (AQoL) with four other generic utility instruments. Ann Med, 33(5), 358-370. Koivunen, K., Sintonen, H., & Lukkarinen, H. (2007). Properties of the 15D and the Nottingham Health Profile questionnaires in patients with lower limb atherosclerotic disease. Int J Technol Assess Health Care, 23(3), 385-391. Laas, K., Roine, R., Rasanen, P., Sintonen, H., & Leirisalo-Repo, M. (2008). Health-related quality of life in patients with common rheumatic diseases referred to a university clinic. Rheumatol Int. Mannerkorpi, K., Svantesson, U., Carlsson, J., & Ekdahl, C. (1999). Tests of functional limitations in fibromyalgia syndrome: a reliability study. Arthritis Care Res, 12(3), 193-199. Picavet, H. S., & Hoeymans, N. (2004). Health related quality of life in multiple musculoskeletal diseases: SF-36 and EQ-5D in the DMC3 study. Ann Rheum Dis, 63(6), 723-729. Rooks, D. S., Silverman, C. B., & Kantrowitz, F. G. (2002). The effects of progressive strength training and aerobic exercise on muscle strength and cardiovascular fitness in women with fibromyalgia: a pilot study. Arthritis Rheum, 47(1), 22-28. Sintonen, H. (2001). The 15D instrument of health-related quality of life: properties and applications. Ann Med, 33(5), 328-336. Stavem, K., Froland, S. S., & Hellum, K. B. (2005). Comparison of preference-based utilities of the 15D, EQ-5D and SF-6D in patients with HIV/AIDS. Qual Life Res, 14(4), 971-980. Tomas-Carus, P., Gusi, N., Hakkinen, A., Hakkinen, K., Leal, A., & Ortega-Alonso, A. (2008). Eight months of physical training in warm water improves physical and mental health in women with fibromyalgia: a randomized controlled trial. J Rehabil Med, 40(4), 248252. Wolfe, F., Smythe, H. A., Yunus, M. B., Bennett, R. M., Bombardier, C., Goldenberg, D. L., et al. (1990). The American College of Rheumatology 1990 Criteria for the Classification of Fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum, 33(2), 160-172. 115 116 Candidatura 8 Autores: Luiz Marcondes, Mirlene Siqueira Título: INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E BEM-ESTAR NO TRABALHO: UM ESTUDO COM FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS 116 117 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E BEM-ESTAR NO TRABALHO: UM ESTUDO COM FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. Luiz Marcondes [email protected] Mirlene Siqueira [email protected] Universidade Metodista de São Paulo Resumo Inteligência emocional é um conceito constituído por habilidades cognitivas (autoconsciência, autocontrole, automotivação, empatia e sociabilidade) para lidar com informações emocionais pessoais e de outrem. Bem-estar no trabalho compreende um estado psicológico constituído por vínculos afetivos positivos com o trabalho (satisfação e envolvimento) e a organização (comprometimento afetivo). Este estudo teve por objetivo analisar as relações entre as habilidades da inteligência emocional e as dimensões do bem-estar no trabalho. A amostra foi composta por 164 funcionários de um órgão municipal da cidade de São Paulo – Brasil, do sexo masculino e feminino, idade média de 44,54 anos. O instrumento utilizado continha três escalas para quantificar as três dimensões de bem-estar no trabalho e uma para medir as cinco habilidades da inteligência emocional. Os resultados indicaram que apenas duas habilidades da inteligência emocional (automotivação e sociabilidade) se correlacionaram significativamente com as três dimensões do bem-estar no trabalho. Consoante os resultados obtidos, indivíduos com habilidades para definir metas de vida (automotivação) e manter por longo tempo os laços sociais estabelecidos (sociabilidade) são também os que tendem a desenvolver vínculos positivos com o trabalho e a organização onde trabalham, apresentando níveis adequados de satisfação e envolvimento com o trabalho e compromisso afetivo com o empregador. 117 118 Bem-estar Na década de 70, ocorreu uma grande mudança na maneira de pensar a saúde. Essa mudança teve duas características essenciais: passou a centrar-se na saúde ao invés de centrar-se na doença e reconheceu-se que o comportamento humano seria a principal causa da morbilidade e mortalidade. No contexto dessa mudança nasceu a Psicologia da Saúde, como o domínio da psicologia que se atém à promoção e proteção da saúde, à prevenção de doenças, à identificação da etiologia e diagnóstico relacionados com a saúde, com a doença e disfunções associadas e também à análise e melhoria do sistema de cuidados de saúde e o aperfeiçoamento das políticas de saúde (Ribeiro, 1998). A partir do momento em que a saúde passou a ser entendida como uma dimensão independente da doença surgiram outros conceitos que se correlacionam ou que estão inseridos nele, como a qualidade de vida e o bem-estar. Segundo Siqueira, Padovam e Chiuzi (2007) as discussões acerca do conceito do bemestar têm causado divergências quanto à sua perspectiva de organização entre os pesquisadores no campo da psicologia. Para melhor evidenciar as sistematizações elaboradas acerca do bem-estar, serão apresentados a seguir, os principais modelos teóricos desse conceito: bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico, bem-estar social e bem-estar no trabalho. Segundo Diener, Scollon e Lucas (2003), bem-estar subjetivo seria a avaliação subjetiva que as pessoas fazem de suas vidas incluindo aspectos afetivos e cognitivos. De acordo com Diener, Suh e Oishi (1997), dentre os aspectos cognitivos estão à satisfação geral com a vida e a satisfação com domínios específicos, como a família e o trabalho. Dentre os aspectos afetivos estão os afetos positivos e negativos. Um bom nível de bem-estar subjetivo acontece quando o 118 119 indivíduo reconhece um alto nível de satisfação geral com a vida e um equilíbrio positivo das experiências de afetos positivos e negativos. Ryff (1989) conceituou bem-estar psicológico como um construto formado por seis componentes distintos de ajustamento pessoal e saúde psicológica, que são: auto-aceitação, relações positivas com outros, autonomia, propósito de vida, domínio de ambiente e crescimento pessoal. Enquanto a abordagem do bem-estar subjetivo se atém ao bem-estar como prazer e felicidade, o construto de bem-estar psicológico trata o bem-estar como o funcionamento total do potencial humano. Segundo Keyes, Shmotkin e Ryff (2002), bem-estar psicológico é uma percepção de compromisso com os desafios da vida, é um nível pleno de funcionamento psicológico positivo atuante no indivíduo, funcionando junto com o ajustamento emocional e social adequado e a suficiente maturidade individual. Keyes (1998) propõe outro modelo teórico de bem-estar, denominado bem-estar social. É um construto multidimensional composto por cinco dimensões: integração social, aceitação social, contribuição social, atualização social e coerência social. Existe também o modelo de bem-estar no trabalho, focalizado no contexto organizacional, introduzido e aprofundado a seguir: Bem-estar no trabalho Segundo Thiry\'Cherques (2007), o trabalho e as maneiras de gestão do mesmo estão em constante transformação. Seguem os movimentos da sociedade, as imposições da vida econômica, o progresso das técnicas e das tecnologias. As relações estruturais que configuram os sistemas produtivos e a disposição dos recursos humanos acompanham esses movimentos. Segundo Bastos e Borges-Andrade (2002) esse contexto de transformações implica em significativas reestruturações dos vínculos psicológicos necessários entre os indivíduos e as organizações. 119 120 Procurando melhor compreender as relações complexas estabelecidas entre os indivíduos e as organizações e visando a promoção de saúde, Siqueira e Padovam (2008) construíram o modelo de bem-estar no trabalho. Este construto é composto por três dimensões de cunho afetivo: satisfação com o trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo. Os dois primeiros refletem os vínculos afetivos do sujeito direcionados ao trabalho e o último está direcionado à organização de trabalho. Satisfação no trabalho Dentre as concepções de satisfação no trabalho, uma em particular que foi considerada clássica e é muito aceita, foi feita por Locke (1976), que a denomina como “... um estado emocional positivo ou de prazer, resultante de um trabalho ou de experiências de trabalho”(p. 1300). Mesmo existindo controvérsias atuais quanto à natureza do conceito, se ele se encontra no campo afetivo ou cognitivo, o mesmo foi apontado como um vínculo afetivo positivo da pessoa com o trabalho que se divide especificamente em: satisfação com a chefia, com os colegas de trabalho, com o salário, com as promoções oferecidas pela empresa e pela tarefa realizada na organização (Siqueira & Gomide Jr., 2004). Segundo Siqueira (2008), investigar satisfação no trabalho compreende avaliar o quanto os retornos ofertados pela empresa em forma de salários e promoção, o quanto a convivência com os colegas e a chefia e o quanto a realização de tarefas propiciam ao trabalhador sentimentos gratificantes ou prazerosos. Envolvimento com o trabalho Segundo Lodahl e Kejner (1965), o envolvimento com o trabalho seria “... o grau em que o desempenho de uma pessoa no trabalho afeta sua auto-estima” (p. 25). O vínculo com o 120 121 trabalho se inicia na fase de socialização, quando são transmitidos ao indivíduo os valores sociais relacionados ao trabalho, que se cristalizam mais tarde por meio de experiências de trabalho, passando a influenciar diretamente sua auto-estima. Segundo Muckinsky (2004), envolvimento com o trabalho seria o grau de identificação psicológica da pessoa com o seu trabalho e a importância do trabalho para a auto-imagem. De acordo com Siqueira e Padovam (2008) o envolvimento com o trabalho se aproxima do estado de fluxo conceituado por Csikszentmihalyi (1999) como os momentos em que os sentimentos, os desejos e os pensamentos se harmonizam. É uma sensação de ação sem esforço que se assemelha aos melhores momentos da vida. O fluxo costuma ocorrer quando uma pessoa encara metas claras que exigem respostas apropriadas. Outro ponto importante existente nas atividades de fluxo é que elas oferecem um feedback imediato, deixando claro o seu desempenho. O fluxo pode ocorrer quando as habilidades de uma pessoa estão voltadas para resolver um desafio que está dentro de sua capacidade de controle. Envolve um equilíbrio entre a capacidade de agir e as oportunidades disponíveis para ação. Uma pessoa em fluxo esta totalmente concentrada em sua tarefa devido à exigência de muita energia psíquica para realizá-la. Não há espaço para pensamentos de distração ou sentimentos incoerentes. A autoconsciência desaparece e a noção de tempo é distorcida. Para Csikzentmihalyi (1999) o trabalho muitas vezes também produz o estado de fluxo, pois os desafios e as habilidades tendem a ser elevados quando estamos trabalhando e as metas e o feedback interno muitas vezes costumam ser claros e imediatos. No entanto, a qualidade da experiência no trabalho também dependeria da natureza do emprego do indivíduo. Segundo Siqueira e Padovam (2008), um indivíduo envolvido com seu trabalho, muitas vezes também está em estado de fluxo. 121 122 Comprometimento Organizacional Afetivo Segundo Mowday, Steers e Porters (1979), o comprometimento organizacional afetivo seria “... um estado no qual um indivíduo se identifica com uma organização particular e com seus objetivos, desejando manter-se afiliado a ela com vistas a realizar tais objetivos” (p.225). Além disso, os autores ressaltam que se estabelecem sentimentos de lealdade à organização, o desejo de permanecer nela e de se esforçar em prol dela. Este tipo de comprometimento não representa simplesmente a lealdade passiva frente à organização, envolve uma relação ativa onde o indivíduo deseja dar algo de si mesmo para contribuir positivamente com ela (Mowday et all., 1979). Segundo Siqueira e Gomide Jr. (2004), quando o indivíduo internaliza os valores da organização, estabelece uma identificação com seus objetivos, tem envolvimento com os papéis de trabalho, os desempenha de forma a facilitar a realização dos objetivos da mesma e deseja continuar trabalhando para ela, considera-se que foi estabelecido um vínculo psicológico, de natureza afetiva com a organização. Este tipo de vínculo é denominado comprometimento organizacional afetivo e pode ser dividido em dois grupos de fatores: componentes afetivos e intenções comportamentais. Para a observação de um nível elevado de bem-estar no trabalho, os trabalhadores teriam que relatar satisfação com seu trabalho, reconhecer envolvimento com as tarefas realizadas, assim como, revelarem manter compromisso afetivo com a organização que os emprega (Siqueira & Padovam, 2008). Esses três componentes estão relacionados e fazem parte do modelo de bem-estar no trabalho construído por Siqueira e Padovam (2008). No Brasil já existe um série de estudos que se utilizaram do modelo de bem-estar no trabalho, tais como: 122 123 Padovam (2005) elaborou um estudo em que tinha como objetivo analisar a capacidade preditiva de percepções de justiça e percepções de suportes sobre bem-estar no trabalho. A amostra foi composta por 419 trabalhadores de diversas empresas da cidade de São Paulo e Grande São Paulo. Foi utilizado um questionário composto por sete escalas que mediram os três componentes de bem-estar no trabalho, duas percepções de suportes e duas percepções de justiça. Os resultados do estudo apontam que percepções de suporte possuem maior capacidade de influenciar bem-estar no trabalho, podendo até ser consideradas antecedentes do bem-estar no trabalho. No entanto, percepções de justiça distributiva e de procedimentos apontaram serem antecedentes indiretos do bem-estar no trabalho. Também existem outros estudos relacionando bem-estar no trabalho com: estilos de liderança (Meleiro, 2005), dimensões das organizações positivas (Chiuzi, 2006), freqüência a programas organizacionais de promoção da saúde (Basílio, 2005), entre outros... No contexto do trabalho, as pressões e as dificuldades são altíssimas e com isso os gestores procuram além de dar importância ao nível intelectual de seus funcionários, tomar como diferencial o campo emocional, pois verificaram que é ele quem pode apontar como a pessoa lida com essas dificuldades, se supera e convive harmonicamente, ou não, com esses desafios. Por isso neste estudo irei relacionar bem-estar no trabalho com o construto de inteligência emocional, que será evidenciado em seguida. Inteligência Emocional Atualmente, estudos a respeito da inteligência emocional, no meio acadêmico, foram divididos em duas abordagens conceituais: o modelo de habilidades (Mayer & Salovey, 1997; Mayer, Salovey & Caruso, 2000), que entende a inteligência emocional como uma inteligência padrão, e o modelo misto ou combinado (Bar-on, 1997; Goleman, 1995, 1999), que tem este nome por combinar aspectos das habilidades da inteligência emocional com traços de 123 124 personalidade como auto-estima, otimismo e motivação. A seguir serão evidenciadas teorizações acerca do primeiro modelo da inteligência emocional que surgiu, o de habilidades: Salovey e Mayer (1990) introduzem no meio acadêmico o conceito de inteligência emocional. Os autores apresentam a mesma como uma subclasse da inteligência social envolvendo a habilidade de monitorar emoções em si mesmo e nos outros, de discriminar entre ambas e na utilização desta informação para guiar o pensamento e a ação. A utilização de processos relacionados è inteligência emocional são iniciados quando uma informação carregada de afeto entra no campo perceptivo. Incluem: avaliação e expressão das emoções em si mesmo e nos outros, regulação das emoções em si mesmo e no outros e utilização das emoções para adaptação. O primeiro processo é a avaliação e expressão das emoções em si mesmo e nos outros. É a capacidade do indivíduo se auto-avaliar e escolher a melhor maneira de expressar suas emoções, baseado em informações de cunho verbal e não-verbal em si mesmo. Em relação aos outros, se detém na capacidade de avaliar a expressão emocional alheia, através de sinais nãoverbais e empatia pessoal e de optar pelo melhor comportamento para a resposta (Salovey & Mayer, 1990). O segundo processo é a regulação das emoções em si mesmo e nos outros. Seria a capacidade de regular o próprio humor de acordo com as necessidades e a capacidade de regular e alterar as reações afetivas dos outros. Indivíduos com esta capacidade podem melhorar o próprio humor e o dos outros e ainda conseguem gerar emoções nos outros, para motivá-los (Salovey & Mayer, 1990). O terceiro processo é utilização das emoções para adaptação. As emoções, quando usadas corretamente, permitiriam ao indivíduo um melhor planejamento de planos futuros, resolver os problemas criativamente, ter a capacidade de regular seu humor e a atenção, 124 125 podendo também serem usadas para se automotivar frente aos problemas da vida (Salovey & Mayer, 1990). Segundo Primi e Bueno (2003), em 1997, Mayer e Salovey publicaram uma revisão ampliada do modelo de inteligência emocional apresentada em 1990, que enfocava a percepção e controle das emoções, mas omitia o pensamento sobre sentimento. A definição que corrige estes problemas é a seguinte: A Inteligência Emocional envolve a capacidade de perceber acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o conhecimento emocional; e a capacidade de controlar emoções para promover o crescimento emocional e intelectual (Mayer & Salovey, 1997, p. 15). Proposto o modelo de habilidades, abaixo será evidenciado um modelo misto da inteligência emocional: Daniel Goleman (1995) com seu livro sobre inteligência emocional foi o responsável pela popularização do termo. Ele também construiu um modelo de inteligência emocional, que é orientado mais amplamente integrando a mesma com uma mistura de habilidades pessoais e competências sociais, incluindo características e comportamentos pessoais (Goleman, 1995). Ela é conceituada como a “capacidade de identificar nossos próprios sentimentos e o dos outros, de motivar a nós mesmos e de gerenciar bem as emoções dentro de nós e em nossos relacionamentos” (Goleman, 1999, p. 337). 125 126 Segundo Goleman (1995) o construto de inteligência emocional pauta-se em cinco habilidades: autoconsciência, autocontrole, automotivação, empatia e sociabilidade. Autoconsciência é conceituada como a capacidade de ter atenção permanente ao que se esta sentindo internamente, observar e investigar o que se esta vivenciando, incluindo as emoções. Este tipo de atenção é capaz de registrar com imparcialidade tudo que passa pela consciência. A autoconsciência é a aptidão emocional fundamental para a existência das outras, como o autocontrole emocional. Em suma, ela significa “estar consciente ao mesmo tempo de nosso estado de espírito e de nossos pensamentos sobre este estado de espírito” (Goleman, 1995, p. 60). Autocontrole é a capacidade de administrar sentimentos e desenvolver habilidades pessoais para atingir metas anteriormente estipuladas. Também inclui o adiamento da satisfação com vistas à realização de uma meta, ou seja, a capacidade de controlar um impulso para se conseguir chegar a um objetivo (Goleman, 1995). Automotivação é a capacidade de automotivar-se com sentimentos de entusiasmo, zelo, confiança, com esperança e otimismo, controlando os impulsos no adiamento da satisfação, nossos estados de espírito, afim de facilitar o pensamento. A existência dessa habilidade também propicia que o indivíduo se motive a persistir apesar das dificuldades, ou seja, canalize as emoções para um fim útil; também engloba a capacidade de elaboração de metas para si mesmo (Goleman, 1995). Empatia seria a capacidade de perceber os sentimentos dos outros através, principalmente, de sinais não-verbais, como tom de voz, gestos, expressões faciais e outros sinais (Goleman, 1995). Sociabilidade é a capacidade de exercer controle sobre as emoções dos outros, de moldar relacionamentos, mobilizar e inspirar pessoas, ter sucesso nas relações íntimas, 126 127 convencer e influenciar os outros e deixá-los à vontade. Também envolve a capacidade de coordenar e direcionar os estados de espírito dos outros, de controlar as disputas que surgem e orientar um grupo em função de metas (Goleman, 1995). De acordo com Siqueira, Barbosa e Alves (1999), entende-se que as três habilidades denominadas autoconsciência, automotivação e autocontrole seriam as bases de natureza psicológica responsáveis pelo fortalecimento das estruturas internas do indivíduo, enquanto que as outras duas denominadas empatia e sociabilidade constituiriam os componentes psicossociais que assegurariam a sua competência no meio social. Inteligência Emocional no Trabalho Segundo Goleman (1999), a inteligência emocional revela-se um elemento mais importante que o Quociente intelectual (QI) para proporcionar desempenho profissional destacado. Ela tem um papel predominante na obtenção de excelência no trabalho. Um número crescente de companhias constata que o estímulo às habilidades relacionadas à inteligência emocional é um componente vital da filosofia de gerenciamento de qualquer organização. A inteligência emocional dos indivíduos e das organizações revela-se como o fator que faltava para a competitividade. Aqui no Brasil já foram efetuados alguns estudos referentes à inteligência emocional, dos quais exemplificarei um, adiante: Nascimento (2006) analisou as relações existentes entre inteligência emocional e bemestar no trabalho. Ela coletou os dados de 386 funcionários de uma empresa de plásticos e utilizou um questionário contendo três escalas que formam o construto de bem-estar no trabalho e uma escala de inteligência emocional. Os resultados revelaram que apenas três habilidades da inteligência emocional tiveram boas correlações com as dimensões de bemestar no trabalho: a empatia, a sociabilidade e a automotivação. Entre elas a mais significativa 127 128 foi a sociabilidade. Portanto, quanto maior for a sociabilidade, a empatia e a automotivação dos trabalhadores, maior será o seu bem-estar no trabalho. Além deste estudo, existe o de Diório (2001), que investigou a competência emocional de gestores, o de Queroz e Neri (2005), que investigaram relações entre bem-estar psicológico e inteligência emocional entre homens e mulheres na meia idade e na velhice, entre outros... Este trabalho teve por objetivo verificar as relações existentes entre as cinco habilidades da inteligência emocional e as três dimensões de bem-estar no trabalho de funcionários públicos. Método Participantes A amostra foi composta por 164 pessoas, 117 (71,3%) do sexo feminino e 47 (28,7%) do sexo masculino, com variação de idade entre 19 e 80 anos e média de 44 anos (DP=10,6). Encontrou-se na amostra 84 (51,2%) pessoas casadas, 38 (23,2%) solteiras e 28 (17,1%) com outros tipos de estado civil. Em relação ao nível de escolaridade, com maior concentração encontraram-se os que concluíram o 3° grau (84 pessoas, 50%) e menor concentração aqueles com o 1° grau incompleto (5 pessoas, 3%) . O tempo de trabalho dos participantes teve média de 17,63 (DP=8,21) anos, sendo que a maior concentração se encontrou na faixa de 11 a 20 anos de trabalho (73 pessoas, 44,5%). Em relação à atividade de trabalho, 88 (53,7%) ocupavam cargos administrativos, 33 (20,1%) cargos técnicos, 21 (12,8%) cargos operacionais, 12 (7,3) cargos de chefia e apenas 10 (6,1%) não informaram o seu cargo. Local Os dados foram coletados em um Órgão público Municipal localizado na cidade de São Paulo – Brasil. 128 129 Instrumento A coleta de dados foi feita através de um questionário auto-aplicável composto por três partes: a primeira contém a apresentação do estudo e instruções para o preenchimento do questionário. Na segunda parte estão contidas quatro medidas que se seguem: Medida de Inteligência Emocional (MIE). Esta escala foi elaborada e validada por Siqueira et all. (1999) para avaliar cinco habilidades da inteligência emocional através de 59 itens assim distribuídos, cujas respostas serão dadas numa escala de quatro pontos (1 = nunca; 2 = poucas vezes; 3 = muitas vezes; 4 = sempre). Autoconsciência - 10 itens, α = 0,74; Automotivação - 12 itens, α = 0,82; Autocontrole - 10 itens, α = 0,84; Empatia - 14 itens, α = 0,87; Sociabilidade 13 itens, α = 0,82. Escala de Satisfação no Trabalho (EST). Esta escala foi construída e validada por Siqueira (1995), composta por 25 frases que descrevem cinco fatores: satisfação com colegas de trabalho (α=0,86), satisfação com o salário (α=0,92), satisfação com a chefia (α=0,90), satisfação com a natureza do trabalho (α=0,82) e satisfação com promoções (α=0,87). As respostas foram dadas numa escala de sete pontos (1 = totalmente insatisfeito; 2 = muito insatisfeito; 3 = insatisfeito; 4 = indiferente; 5 = satisfeito; 6 = muito satisfeito; 7 = totalmente satisfeito). Escala de Envolvimento com o trabalho (EET). Esta escala foi desenvolvida e validada por Siqueira (1995), sendo composta por cinco itens (α = 0,78). As respostas serão dadas em uma escala de sete pontos (1 = nada; 2 = pouco; 3 = mais ou menos; 4 = muito; 5 = extremamente). Escala de Comprometimento Organizacional Afetivo (ECOA). Esta escala foi desenvolvida e validada por Siqueira (1995) e é composta por 18 frases (α=0,97). Neste estudo será utilizada a versão reduzida que contém cinco frases ( α=0,93). A versão reduzida possui correlação de 0,95 com a versão completa. As respostas serão dadas em uma escala de sete pontos (1 = 129 130 discordo totalmente; 2 = discordo moderadamente; 3 = discordo levemente; 4 = nem concordo nem discordo; 5 = concordo levemente; 6 = concordo moderadamente; 7 = concordo totalmente). A terceira parte do instrumento conteve questões para caracterização da amostra: sexo, idade, estado civil, grau de instrução, tempo total de trabalho na empresa e cargo atual exercido na empresa. Procedimento Os participantes foram orientados pelo pesquisador a lerem e preencherem em separado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o questionário da pesquisa. Os que não concordaram com a participação no estudo foram liberados. No momento da coleta de dados explicações providas pelo pesquisador incluíram: leitura do TCLE, esclarecimento de que o estudo era estritamente acadêmico e não se vinculava aos objetivos da organização, que não existiam riscos para a integridade física e psíquica dos participantes, que seria mantido total sigilo sobre as respostas, sendo os dados analisados conjuntamente para toda a amostra. Os dados do estudo, todos de natureza quantitativa, foram tratados eletronicamente através do SPSS versão 16.0 para Windows. A análise foi descritiva e foi utilizado o índice de correlação (r de Pearson). Resultados e Discussão Nessa seção serão discutidas as correlações existentes entre as três dimensões de bem-estar no trabalho e as cinco habilidades da inteligência emocional. Segundo Dancey e Reidy (2006), o relacionamento entre duas variáveis recebe o nome de correlação bivariada. Se as duas variáveis são associadas, diz-se que elas são co-relacionadas (correlacionadas), ou seja, elas co-variam, quando os valores de uma variável mudam, os valores de outra variável também mudam, previsivelmente. Para interpretar os índices de correlação entre as variáveis, 130 131 foram usados os valores definidos por Bisquerra, Sarriera e Martinez (2004, p.147), contidos na Tabela 3 a seguir: Tabela 3 – Coeficientes de correlação. Coeficiente r=1 Interpretação correlação perfeita 0,80 < r < 1 muito alta 0,60 < r < 0,80 alta 0,40 < r < 0,60 moderada 0,20 < r < 0,40 baixa 0 < r < 0,20 muito baixa r=0 nula Com base na Tabela 4, existe a possibilidade de afirmar que se apresentam índices significativos de correlação entre eles, no entanto, todos os coeficientes de correlação que se mostraram significativos eram baixos ou muito baixos. 131 132 Tabela 4 – Matriz de correlação (r de Pearson) entre as habilidades da inteligência emocional e as dimensões do bem-estar no trabalho (n=164). Variáveis 1 2 3 4 5 6 7 8 Dimensões do Bem-estar no Trabalho 1. Satisfação geral no trabalho 2. Envolvimento com o 0,41** - Comprometimento 0,49** 0,55** - 0,05 0,20** 0,15 - 5. Sociabilidade 0,27** 0,20** 0,25** 0,46** - 6. Automotivação 0,35** 0,28** 0,23** 0,36** 0,36** - 7. Autocontrole 0,22** 0,18* 0,12 0,22** -0,03 0,53** - 0,11 0,09 0,17* 0,49** 0,26** 0,43** 0,34** trabalho 3. organizacional afetivo Habilidades da Inteligência Emocional 4. Empatia 8. Autoconsciência *p<0,05;**p<0,01 A dimensão de satisfação geral no trabalho se correlacionou positiva e significativamente (p<0,01), porém em nível baixo (r) com três habilidades da inteligência emocional, que foram: sociabilidade (r= 0,27), automotivação (r= 0,35) e autocontrole (r= 0,22). Com isto pode-se dizer que indivíduos que mantêm altos níveis de satisfação geral no trabalho também podem ter tendência a possuir capacidades de iniciar, aprofundar e manter relações sociais (sociabilidade), de elaboração de metas para si mesmo (automotivação) e de administrar sentimentos e desenvolver habilidades pessoais para atingir metas anteriormente estipuladas (autocontrole) (Siqueira et all., 1999). 132 - 133 Referente à segunda dimensão de bem-estar no trabalho, o envolvimento com o trabalho, ela se correlacionou positiva e significativamente com quatro habilidades da inteligência emocional, quais sejam, empatia (r=020; p<0,01; correlação baixa), sociabilidade (r=0,20; p<0,01; correlação baixa), automotivação (r=0,28; p<0,01 correlação baixa) e autocontrole (r=0,18;p<0,05 correlação muito baixa). Desta forma, um indivíduo possuir engajamento com o seu trabalho poderia indicar que também possuísse habilidades de perceber os sentimentos dos outros (empatia), de substituir sentimentos negativos por positivos e disseminá-los naqueles que estão ao redor (sobiabilidade), de resistir a todos os obstáculos que impeçam a concretização de metas pessoais e persistir com esperança e otimismo (automotivação) e de adiar um impulso momentâneo em função de uma meta futura (autocontrole) (Siqueira et all., 1999). O terceiro componente de bem-estar no trabalho, comprometimento organizacional afetivo, se correlaciona de forma positiva e significativa com três habilidades da inteligência emocional, que são: sociabilidade (r=0,25; p<0,01; correlação baixa), automotivação (r=0,23; p<0,01;correlação baixa) e autoconsciência (r=0,17;p<0,05 correlação muito baixa). Com isso pode-se dizer que maiores capacidades do indivíduo em iniciar, aprofundar e manter relações sociais (sociabilidade), estabelecer metas para si mesmo, persistindo e entusiasmando-se com os objetivos pessoais (automotivação), e de perceber, observar distinguir e nomear seus próprios sentimentos (autoconsciência) (Siqueira et all., 1999) indicaria uma tendência a um maior vínculo psicológico, de natureza afetiva, do indivíduo com a organização (comprometimento organizacional afetivo) (Siqueira & Gomide, 2004). Apesar de existirem correlações entre as variáveis, todas são correlações baixas e uma muito baixa (autoconsciência com comprometimento organizacional afetivo). Isso permite afirmar que apesar de existirem relações positivas e significativas entre as dimensões de bemestar no trabalho e as habilidades de inteligência emocional, esses resultados não devem ser 133 134 interpretados como totalmente conclusivos. Deve-se ter cautela ao interpretar e trabalhar essas correlações. Conclusão Foi possível verificar que existem relações entre as três dimensões de bem-estar no trabalho e as cinco habilidades da inteligência emocional, e essas relações foram devidamente quantificadas e interpretadas. As habilidades da inteligência emocional que obtiveram maior correlação com as dimensões de bem-estar no trabalho foram as de sociabilidade e de automotivação, as duas se correlacionando positiva e significativamente com satisfação geral no trabalho, envolvimento no trabalho e comprometimento organizacional afetivo. Parece que o trabalhador possuir um nível maior de sociabilidade e automotivação favorece a existência de todas as dimensões de bem-estar no trabalho. O mesmo também possuir além das duas habilidades, a habilidades de autocontrole favoreceria a existência de satisfação geral no trabalho e envolvimento no trabalho, a existência da habilidade de autoconsciência favoreceria a existência de comprometimento organizacional afetivo e a de empatia favoreceria a existência de envolvimento no trabalho. Indivíduos com sociabilidade e automotivação desenvolvidas tendem a se sentirem satisfeitos com seu trabalho, a se engajarem nas suas atividades e a estabelecerem um vínculo afetivo com a organização em que trabalham. A ênfase se encontra nas habilidades de sociabilidade e automotivação porque são as únicas que se correlacionaram com todas as dimensões do bem-estar no trabalho. Este é o segundo estudo que, no Brasil, relaciona características psicológicas do indivíduo, como inteligência emocional, e o estado de bem-estar no ambiente de trabalho. Entretanto, ainda existem muitas questões a serem investigadas acerca desse tema. Para isso seria necessária a execução de mais estudos relacionando as dimensões do bem-estar no 134 135 trabalho com as habilidades da inteligência emocional, usando como participantes outras amostras de trabalhadores. Referências Bar-on, R. (1997). The Bar-On Emotional Quotient Inventory (EQ-I): Technical Manual. Toronto: Multi-Health Systems. Basílio, M.A. (2005). As Relações entre Bem-Estar no Trabalho e Participação em Programas Organizacionais de Promoção da Saúde. Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de São Paulo, Umesp. São Bernardo do Campo. Bastos, A.V.B. & Borges-Andrade, J. E. (2002). Comprometimento com o trabalho: padrões em diferentes contextos organizacionais. Revista de Administração de Empresas, 42(2), 31-41. Bisquerra, R., Sarriera, J.C. & Martinez, F. (2004). Introdução á estatística: enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. Porto Alegre: Artmed. Chiuzi, R.M. (2006). 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Pública, 41(4), 707-731. 138 139 Candidatura 9 Autores: Ana Luísa Rosa & Teresa Botelho Título: PERSONALIDADE E AUTO-EFICÁCIA EM PAIS DE CRIANÇAS COM EXCESSO DE PESO E OBESIDADE 139 140 PERSONALIDADE E AUTO-EFICÁCIA EM PAIS DE CRIANÇAS COM EXCESSO DE PESO E OBESIDADE Ana Luísa Rosa ([email protected]), ISPA Co-autora: Prof. Dr.ª Teresa Botelho ([email protected]), ISPA RESUMO Objectivo: Avaliar a Personalidade e a Auto-eficácia dos pais de crianças com excesso de peso/obesidade, procurando determinar as influências destas variáveis parentais sobre o excesso de peso e obesidade dos filhos. Método: Estudo observacional descritivo, de comparação de grupos. Participaram 60 pais, 30 pais de crianças com excesso de peso/obesidade e 30 pais de crianças sem excesso de peso/obesidade, recolhidos do Hospital Fernando da Fonseca, do Hospital da Luz e da Piscina da Reboleira. Foram utilizados o Questionário de Caracterização Sócio-demográfica, o NEO-FFI20 (Bertoquini & Ribeiro, 2006) e a Escala de Auto-eficácia Geral (Ribeiro, 2001). Resultados: Verificou-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Os pais de crianças com excesso de peso/obesidade mostram valores mais elevados no domínio do Neuroticismo e valores mais baixos nos factores de Auto-eficácia, que os pais de crianças sem aquela problemática. Discussão: O perfil de Personalidade e Auto-eficácia dos pais têm um papel fundamental na adopção de comportamentos saudáveis, influenciando, assim, a problemática da obesidade dos seus filhos. Conclusão: O perfil de Personalidade e Auto-eficácia dos pais afirmam-se como variáveis importantes no desenvolvimento e implementação de programas ou estratégias de intervenção com pais de crianças com excesso de peso/obesidade. Palavras-chave: Excesso de peso infantil, Obesidade infantil, Parentalidade, Personalidade parental, Auto-eficácia parental. 140 141 PERSONALIDADE Abordar esta temática implica ver o indivíduo como um todo, naquilo que o torna único e distingue dos outros (Botelho, 2006). Ou seja, quando falamos em Personalidade, falamos de uma variedade de características que se combinam numa organização única e estável, definindo o indivíduo, as suas interações com o próprio, com os outros e com o ambiente (Domino & Domino, 2006). Um dos modelos passíveis de estudar as dimensões específicas deste constructo será o Modelo dos Cinco Factores de Personalidade (Five Factor Model – FFM), que afirma que a Personalidade pode ser adequadamente sintetizada em cinco dimensões básicas: Neuroticismo (N), Extroversão (E), Abertura à Experiência (O), Amabilidade (A) e Conscienciosidade (C). Personalidade e Saúde A questão já não é se a Personalidade influencia a saúde, mas sim em que circunstâncias relativas a que aspectos de saúde ou comportamentos saudáveis e com que implicações práticas é que a Personalidade influencia a saúde (Botelho, 2006). A este nível, a Personalidade pode apresentar a probabilidade dos sujeitos adoptarem comportamentos de promoção ou de risco para a saúde. Os estudos enfatizam que, por exemplo, o Neuroticismo e Extroversão surgem como factores de risco e de protecção, respectivamente (Bertoquini & Ribeiro, 2006; Carmo, 2008; Connor-Smith & Flachsbart, 2007; Costa & McCrae, 2000; Luminet, Bagby, Wagner, Taylor & Parker, 1999; Podar, Hannus & Allik, 141 142 1999; Raad & Perugini, 2002; Rebelo & Leal, 2008; Straten, Cuijpers, Zuuren, Smits & Donker, 2007). O estudo da Personalidade e dos traços disposicionais pode ser muito útil, uma vez que pode contribuir para a prevenção de comportamentos relacionados com a saúde, permitir uma melhor compreensão das problemáticas e identificar os sujeitos que constituem grupo de risco e que beneficiariam de programas de prevenção e intervenção (Botelho, 2006; Carmo, 2008). AUTO-EFICÁCIA O conceito de Auto-eficácia de Albert Bandura refere-se ao julgamento pessoal que os indivíduos fazem acerca da sua capacidade de organizar e implementar actividades (Ribeiro, 2007). Este julgamento pessoal vai depender do processamento cognitivo de experiências anteriores vivenciadas, da observação do comportamento de outros indivíduos, da persuasão verbal e dos estados emocionais. Por sua vez, a motivação vai influenciar a escolha de actividades e cenários, os esforços dispendidos de modo a atingir o objectivo e a persistência dos indivíduos quando confrontados com obstáculos (Bandura, 1977, 1981, 1994; Siela & Wieseke, 2000). Auto-eficácia e Saúde Relativamente ao nível da Saúde os indivíduos com elevada percepção de Autoeficácia adoptam mais facilmente comportamentos de saúde positivos e modificam mais 142 143 facilmente comportamentos prejudiciais à saúde (Bandura, 1997; Schwazer & Fuchs, 1996; Siela & Wieseke, 2000). A percepção de Auto-eficácia pode, ainda, influenciar o esforço dispendido no sentido de atingir o objectivo e a persistência de continuar a manter o comportamento de saúde, auto imposto ou prescrito pelo médico, apesar de eventuais dificuldades situacionais (Schwarzer & Fuchs, 1996; Siela & Wieseke, 2000). EXCESSO DE PESO E OBESIDADE INFANTIS Em 2005, a nível mundial, 20 milhões de crianças, antes de terem 5 anos eram obesas (WHO, 2006). Em Portugal, a tendência é visível pelos 31,6% de crianças obesas entre os 7 e os 9 anos (Padez, Mourão, Moreira & Rosado, 2005). A obesidade é definida como uma condição excessiva de tecido adiposo (gordura), condição esta, que aumenta a probabilidade de incidência de inúmeros problemas de saúde (WHO, 2006). Encontramos associações a problemas de saúde específicos, nomeadamente ortopédicos, cardíacos, respiratórios, endócrinos, arteriais e gastrointestinais (Hodges, 2003). Nalguns casos, podem também ocorrer problemas psicológicos como sintomatologia depressiva, baixa auto-estima e baixo auto-controlo, problemas na imagem corporal e desvalorização/rejeição pelos pares, professores e adultos (Puhl & Latner, 2007). As crianças com obesidade, comparativamente com as que apresentam um peso normal, têm uma maior probabilidade de se tornarem adultos obesos. Hodges (2003), refere que 77% de crianças com um Índice de Massa Corporal (IMC) superior ao percentil 95 mantêm-se obesos em adultos. 143 144 Padez, Mourão, Moreira e Rosado (2005) encontraram uma correlação positiva entre a obesidade e o tempo dispendido em frente à televisão, que está relacionado com inactividade e sedentarismo e um maior consumo de comida. Também foi encontrada uma relação entre a obesidade das crianças e a obesidade dos pais. Moreira e Tapadinhas (2008) identificaram o nível de escolaridade parental e meios sócio-económicos mais baixos como factores de risco significativo para o desenvolvimento de perturbações alimentares e relações familiares positivas como factores protectores. Mais uma vez, também foi encontrado que um maior índice corporal parental correspondia a um maior índice corporal na criança De facto, os filhos de pais obesos têm maior tendência para a obesidade, sendo esta ainda mais elevada se ambos os pais forem obesos (Safer, Agras, Bryson & Hammer, 2001). Esta inferência pode ser, em parte, explicada pela interferência de um componente hereditário, contudo, a influência de factores ambientais mostrou desempenhar um papel importante no comportamento alimentar da criança. Vivemos numa sociedade que idealiza a magreza, estigmatiza a obesidade, mas que paradoxalmente, encoraja um excesso de consumo de alimentos e promove o sedentarismo (Golan, 2006). O ambiente em que a criança vive apresenta uma variedade de comidas desadequadas e promove um modelo em que os sujeitos ingerem rapidamente e em excesso, em resposta a estímulos que não a fome, induzindo em erro os mecanismos reguladores da fome e da saciedade e levando ao uso da comida como regulação de comportamento e como supressão de emoções disfóricas (Panzer, 2006). A criança com excesso de peso/obesidade e os seus pais Apesar da magnitude do problema, têm-se criado alguns obstáculos à sua prevenção e contenção, de acordo com Panzer (2006). Os profissionais podem não sentir urgência, já que 144 145 as complicações da obesidade na infância podem fazer-se sentir apenas na vida adulta; a explicação genética e biológica é usada predominantemente, esperando-se que surjam soluções medicamentosas para este problema; outros podem sentir-se relutantes em desencadear a colaboração multidisciplinar necessária; e alguns vêem a situação apenas como resultado de uma criança glutona ou más práticas familiares. Acima de tudo, não existe um modelo único de tratamento, apenas existem técnicas que relatam alguns resultados. Como exemplo, temos o caso de Leonard Epstein, que utiliza um modelo com intervenção a nível da família, surgindo da ideia que é na família que se aprendem hábitos alimentares (não só pelos alimentos que disponibilizam mas também pelas estratégias de alimentação), considerando que os pais da criança obesa são os principais agentes no desenvolvimento comportamental, emocional e cognitivo e, como tal, são um elemento fundamental (Epstein, 2003; Golan & Weizman, 2001). Os pais devem ser encorajados a controlar a disponibilidade de comidas “tóxicas” e promover a disponibilidade de comidas saudáveis, estabelecer a estrutura das refeições, estar informados nutricionalmente, já que está positivamente associado com o consumo de frutas e vegetais, estabelecer uma atmosfera positiva, não dando tanta importância às questões de magreza e de excesso de peso, nem às mensagens dos media e abordar as necessidades emocionais pela comunicação (Golan, 2006; Golan & Crow, 2004). Hoerr, Utech e Ruth (2005) salientam que, por exemplo, as expectativas de Autoeficácia desempenham um papel fundamental e trabalhar a este nível, ajudará os pais a ultrapassar barreiras como a falta de confiança, de tempo e suporte social, para implementar as mudanças necessárias para uma vida saudável. 145 146 Surge, assim, o objectivo do nosso estudo que converge para a ideia da importância de abordar esta temática, do ponto de vista dos pais e mães, pois é na família que a criança aprende comportamentos e crenças relacionadas com a problemática do excesso de peso/obesidade infantis. A Personalidade e Auto-eficácia, conceitos tão importantes na área da Saúde, surgem no sentido em que a primeira mostra um padrão de estilo comportamental, que determina comportamentos adequados de saúde, mas será a Auto-eficácia a definir a capacidade de organização, manutenção e perseverança face às necessidades e mudanças que a problemática da obesidade infantil apresenta. Assim, propomo-nos a perceber que tipo de Personalidade e sentimentos de Autoeficácia apresentarão os pais e mães de crianças com excesso de peso e obesidade e em que medida estes factores poderão estar relacionados com a problemática do excesso de peso e obesidade infantis. Método Participantes Neste estudo participam um total de 60 pais, 30 pais de crianças com excesso de peso e obesidade, seleccionados a partir da consulta de Endocrinologia do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) e 30 pais de crianças sem excesso de peso e obesidade, recolhidos da consulta de Pediatria do Hospital da Luz e das instalações da Piscina da Reboleira na Amadora. Dos 60 participantes que constituíram a amostra, 51 eram sujeitos do sexo feminino (85%) e 9 do sexo masculino (15%) e a maioria era casada (86,7%). A idade dos participantes variava entre os 26 e os 48 anos, sendo a média de idades de 40,02 anos. O grupo de pais de crianças com excesso de peso/obesidade apresenta um nível de habilitações literárias e um nível sócio-demográfico mais baixos, do que o grupo de pais de crianças sem a problemática. 146 147 Delineamento do Estudo O presente estudo é observacional descritivo (Ribeiro, 1999), com o objectivo de descrever acontecimentos que ocorrem naturalmente, de forma a obter informação acerca da população em estudo. É ainda um estudo de comparação de dois grupos, escolhidos com base no critério de um grupo possuir uma característica de interesse para o estudo e o outro não (ser pai ou mãe de uma criança com ou sem excesso de peso/obesidade) e os dados são recolhidos num único momento. Falamos de uma amostra não-probabilística ou intencional, especificamente uma amostra denominada de sequencial, em que todos os indivíduos que são elegíveis para participar no estudo são incluídos conforme vão aparecendo (Ribeiro, 1999), até perfazer o número total pretendido dos participantes. Material De acordo com o objectivo geral de investigação (a medida das dimensões básicas da Personalidade e da Auto-eficácia de pais e mães de crianças com e sem excesso de peso/obesidade), foram considerados: o Questionário de Caracterização Sócio-demográfica, o Inventário de Personalidade dos Cinco Factores com 20 Itens e a Escala de Auto-eficácia Geral. Questionário de Caracterização Sócio-demográfica O questionário de caracterização da amostra, foi construído de forma a recolher um conjunto de dados demográficos, sociais, clínicos e familiares, identificados pela literatura acerca das questões do excesso de peso e obesidade. Inventário de Personalidade dos Cinco Factores com 20 Itens (NEO-FFI-20) 147 148 Este inventário é da autoria de Vitor Bertoquini e José Luís Pais Ribeiro, de 2006 e vem operacionalizar o Modelo dos Cinco Factores de Personalidade: Neuroticismo (N), Extroversão (E), Abertura à Experiência (O), Amabilidade (A) e Conscienciosidade (C), sendo uma versão resumida do Teste NEO-PI-R de Costa e McCrae (Bertoquini & Ribeiro, 2006). O estudo sobre o NEO-FFI-20 mostra uma validade convergente, discriminante e concorrente com as dimensões equivalentes do NEO-PI-R (Bertoquini & Ribeiro, 2006). No nosso estudo, os valores de consistência interna atingiram o valor mínimo de 0,70, com excepção do domínio Extroversão (α = 0,61). Escala de Auto-eficácia Geral Esta escala é fruto da adaptação do The Self-Efficacy Scale de Sherer, Maddux, Mercandante, Prentice-Dunn, Jacobs e Rogers (Ribeiro, 2007). Apresenta-se com um total de 15 itens, distribuídos por: “Iniciação e persistência” (6 itens), para completar uma acção; “Eficácia perante a adversidade” (5 itens); e Eficácia social (4 itens), que qualifica as expectativas do sujeito perante situações sociais (Ribeiro, 2001). A Escala de Auto-eficácia Geral possui propriedades métricas adequadas (Ribeiro, 2001). Na nossa amostra, os valores de consistência interna atingiram o valor mínimo de 0,70, com excepção da sub-escala Eficácia social (α = 0,63). Procedimento Para a realização deste estudo foram solicitadas autorizações nas três instituições que acolheram o projecto: o Hospital Fernando da Fonseca, o Hospital da Luz e a Piscina da Reboleira na Amadora. Os participantes foram informados oralmente acerca da natureza da investigação e foi assinado um documento em que era acordada a aceitação de participação. 148 149 Mediante este processo, iniciou-se aplicação dos instrumentos na forma de auto-avaliação. A situação de avaliação decorreu num período compreendido entre os meses de Janeiro e Maio de 2008. Resultados Para responder às questões de investigação, as análises estatísticas basearam-se na comparação de duas populações a partir de amostras independentes através do teste paramétrico t-Student e não paramétrico, Mann-Whitney. Os resultados foram considerados significativos quando o valor de p (p-value) era inferior ou igual ao nível de significância α = 0,05. Os resultados mostram que os pais de crianças com excesso de peso/obesidade apresentam níveis de habilitações literárias e níveis sócio-económicos mais baixos do que os pais de crianças sem excesso de peso e obesidade. Observamos, ainda que apresentam uma maior frequência de excesso de excesso de peso e, neste contexto, uma maior incidência de problemas de saúde. Relativamente à Personalidade, os pais de crianças com excesso de peso e obesidade apresentam valores mais altos de Neuroticismo. Não observámos diferenças estatisticamente significativas, para o resto dos domínios. Quanto à Auto-eficácia, estes pais apresentam valores mais baixos de Auto-Eficácia em todos os domínios: Iniciação e persistência, Eficácia perante a adversidade e Eficácia social. No que concerne às crianças, observámos que as crianças com obesidade apresentam mais problemas de saúde e maioritariamente ao nível cardiovascular (por exemplo, colesterol 149 150 elevado e gordura no sangue). Vemos, também, que estes jovens despendem mais tempo a ver televisão e a jogar computador e praticam menos exercício físico e com menos frequência do que as crianças sem esta problemática. Discussão Em primeiro lugar, foi preocupante ver que, em 30 crianças, a maioria apresenta um IMC superior ao percentil 97, que corresponde a obesidade tipo III, já que, como Hodges (2003) afirma: 77% de crianças com um IMC superior ao percentil 95 mantêm-se obesos em adultos. Enfrentamos a probabilidade da população adulta obesa aumentar consideravelmente, se não forem tomadas medidas mais eficazes para resolver a problemática, no aqui e agora. Podemos dizer através destes resultados que, para além do excesso de peso já estar presente nos pais e que poderá influenciar o metabolismo da criança, também os factores comportamentais revelam-se determinantes. Temos crianças que estão muito tempo à frente da televisão e do computador, não praticam exercício e quando o praticam é com pouca frequência, aumentando a probabilidade de ganhar peso. As consequências já são visíveis, pelos problemas de saúde que apresentam (colesterol, diabetes, gordura no sangue e no fígado, por exemplo). Apesar dos pais expressarem a sua preocupação, muitos ainda não sentem directamente o impacto destas condições médicas, pelo que tendem a desvalorizá-las. Muitas vezes é também utilizada a explicação hereditária para justificar a problemática ou surgem respostas em que a comida está associada a estados emocionais. Este tipo de justificações poderão estar a dificultar o reconhecimento de possíveis más práticas, susceptíveis de quebrar o equilíbrio familiar. 150 151 Consideramos que o facto destes pais pertencerem a níveis sócio-económicos baixos e terem menos habilitações, proporcione menos informação e um desconhecimento da verdadeira gravidade da problemática. Poderá haver a tendência para um consumo de alimentos mais acessíveis e, geralmente, mais calóricos, menos recursos para desencadear a colaboração multidisciplinar necessária e para integrar os filhos em actividades extra curriculares. No que se refere à Personalidade, o valor alto em Neuroticismo sugere uma vivência emocional desajustada, como a tendência para a descompensação emocional e para experienciar afectos negativos. Esta vivência desajustada poderá sobrecarregar os processos de pensamento e reacção, permitindo que se construam crenças e ideias incorrectas sobre a obesidade e permite também comportamentos desadequados, já que este contexto emocional vai influenciar as respostas de coping. Por sua vez os valores mais baixos relativamente à percepção de Auto-eficácia, mostram uma dificuldade em definir a capacidade de organização, manutenção e perseverança face às necessidades e mudanças que a problemática da obesidade infantil pode apresentar. Actualmente, muitos dos problemas de saúde e comportamentos prejudiciais são resolvidos e modificados, deixando aos sujeitos o controlo. A problemática da obesidade infantil é um desses casos, em que serão os sujeitos, os pais e crianças, a exercer controlo sobre os hábitos alimentares e sedentários. Estas baixas expectativas de Auto-eficácia estão dependentes de factores internos e externos ao sujeito. Assim, internamente, o valor alto em Neuroticismo e suas características não permitem que se criem expectativas altas de Auto-eficácia, e, exteriormente ao sujeito, o facto destes indivíduos fazerem parte de meios sócio-económicos baixos, limitará o acesso a recursos e à escolha de novos cenários e maiores dificuldades de mudança, factos que limitarão, igualmente, as expectativas de Auto-eficácia. 151 152 Estes factores remetem para comportamentos desadequados, estratégias problemáticas e dificuldade em reformular padrões alimentares e sedentários enraizados, e surgem como obstáculos à implementação das mudanças necessárias para uma vida saudável (para si e para os seus filhos). Acima de tudo, confrontamo-nos com um complexo jogo de forças, no qual, factores parentais, comportamentais e económicos interagem de diferentes formas, o que justifica prestar uma atenção muito especial a esta problemática infantil e procurar analisar as forças de interacção que a perpetuam. Conclusão Este estudo convergiu para a ideia da importância de abordar a temática do excesso de peso e obesidade infantis, do ponto de vista dos pais e mães, já que são um dos intervenientes e actores principais, pois é na família que a criança aprende atitudes, comportamentos e crenças relacionadas com esta problemática (hábitos alimentares, hábitos sedentários, etc.). A Personalidade e Auto-eficácia, conceitos tão importantes na área da Saúde, surgem no sentido em que a primeira mostra um padrão de estilo comportamental, crenças e atitudes, que se relaciona e determina comportamentos adequados de saúde, mas para além disso, será a Auto-eficácia a definir a capacidade de organização, manutenção e perseverança face às necessidades e mudanças que a problemática da obesidade infantil apresenta. Concluímos que estes pais apresentam valores mais altos de Neuroticismo e uma menor percepção de Auto-eficácia, que os pais de crianças sem excesso de peso e obesidade. 152 153 O padrão de Personalidade e as expectativas de eficácia e, por outro lado, o facto destes pais pertencerem a níveis sócio-económicos baixos e terem menos habilitações, levamnos a supor que estes sujeitos poderão estar a apresentar formas desadequadas de lidar com a situação, com menos recursos, permitindo que se construam crenças e ideias irrealistas e incorrectas sobre a obesidade e um desconhecimento da verdadeira gravidade da problemática. O perfil de Personalidade e Auto-eficácia destes pais afirmam-se como variáveis importantes no desenvolvimento e implementação de programas ou estratégias de intervenção ao nível da problemática do excesso de peso e obesidade infantis. Como tal, possíveis futuras investigações que nos surgem como pertinentes, implicariam a exploração de outras variáveis parentais. Finalmente, não podemos esquecer que a intervenção e tratamento da obesidade deve passar por equipas multidisciplinares. Da parte dos profissionais de saúde, considera-se essencial que seja realizada uma reflexão no sentido de efectuar alterações no modelo adoptado pelas entidades de saúde, que se impossível de ser perfeito, deve aspirar a melhorias, como apresentar uma maior disponibilidade e maior regularidade de acompanhamento a estas crianças e aos seus pais e a necessidade de um acompanhamento psicológico, pois falamos de uma condição que envolve muito sofrimento. Ao nível dos pais, verifica-se que a sua integração enquanto agentes activos é fundamental, há que dotá-los de ferramentas concretas, como informação nutricional, esclarecimento de questões de forma adequada à população a que se destina, exploração e desconstrução de crenças e sentimentos que estão, muitas vezes, a perpetuar dinâmicas alimentares e sedentárias incorrectas. Por exemplo, trabalhar ao nível das expectativas de Auto-eficácia, utilizando a observação de comportamento de casos de sucesso, a persuasão 153 154 verbal, feita por alguém credível e com conhecimentos sobre a temática e trabalhar ao nível dos estados emocionais. Toda a família deve encorajada a desenvolver um estilo de vida saudável. As crianças tendem a imitar o exemplo dos pais e quando as crianças têm acompanhamento profissional, muitas vezes, são elas que influenciam os progenitores. Adicionalmente aos pais e profissionais de saúde, surge a escola que poderá veicular uma mensagem importante no que concerne à educação para a saúde e completar esta tríade de apoio, prevenção e intervenção a esta problemática de extrema relevância e actualidade, que é a obesidade infantil. Referências Bandura, A. (1977). Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Psycological Review, 84 (2), 191-215. Bandura, A. (1981). 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Acedido a 17 de Fevereiro de 2008 através de http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/index.html 160 161 Candidatura 10 Autores: Rodrigo Peres Título: Grupo de apoio a mães de bebês prematuros: estudo exploratório dos fatores terapêuticos 161 162 Grupo de apoio a mães de bebês prematuros: estudo exploratório dos fatores terapêuticos2 Rodrigo S. Peres [email protected] Universidade Federal de Uberlândia / Universidade de São Paulo Resumo: Estudos sugerem que os grupos de apoio se destacam como uma das modalidades assistenciais mais proveitosas diante da necessidade de oferecer suporte emocional a mães de bebês prematuros. O presente estudo objetiva uma identificação exploratória dos fatores terapêuticos mais operantes em um grupo de apoio voltado a essa população. O grupo era aberto e ocorria em 2 sessões semanais de aproximadamente 1 hora, as quais eram coordenadas por 1 psicólogo e contavam com cerca de 5 participantes. Para os fins do presente estudo, a identificação dos fatores terapêuticos foi realizada a partir de consultas aos registros referentes a 15 sessões. Adotou-se um sistema classificatório de fatores terapêuticos proposto pela literatura científica especializada. A universalidade, a instilação da esperança, o aprendizado por intermédio do outro e a auto-revelação foram os fatores terapêuticos mais operantes, o que indica que, no grupo, as participantes sentiam-se entre iguais, se dispunham a motivar umas às outras, se mostravam abertas a adquirir novas informações e a expressar sentimentos e pensamentos relacionados às suas vivências. O presente estudo, portanto, possibilitou a apreensão de algumas importantes dimensões do grupo de apoio em questão, fornecendo, assim, parâmetros iniciais para a avaliação de seus alcances e limites. 2 O presente estudo contou com subsídios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). 162 163 Introdução A notícia de uma gravidez é extremamente significativa para a mulher, pois provoca inúmeras mudanças em todo o seu cotidiano. De acordo com Felice (2000), transformando-se de filha em mãe, a mulher redimensiona sua identidade e apresenta, em paralelo às mudanças físicas desencadeadas pela gestação, um crescimento pessoal importante. Essa situação gera muitas expectativas e fomenta a elaboração de novos projetos para o futuro, reorganizando, conseqüentemente, toda a estruturação familiar precedente à concepção do bebê (Linhares, 2004). Afinal, antes mesmo do nascimento, o filho já existe subjetivamente no imaginário da mãe. Porém, o parto prematuro – ou seja, aquele que ocorre com menos de 37 semanas de gestação – frustra as expectativas relacionadas ao nascimento do bebê, de modo que pode ser considerado um acontecimento potencialmente desestruturante para a mãe. Isso ocorre em parte porque a condição biológica do bebê prematuro geralmente torna a internação em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) um imperativo para sua sobrevivência. A mãe então tende a vivenciar, além da apreensão resultante da incerteza da evolução clínica do bebê, tristeza desencadeada pela separação precoce imposta pela hospitalização do mesmo e culpa por não ter conseguido sustentar a gestação até o final (Kennell & Klaus, 1993). Segundo Carvalho (2005), à mãe de um bebê prematuro também cabe a árdua tarefa de se adaptar emocionalmente à “imagem real” do mesmo, abrindo mão, conseqüentemente, da “imagem ideal” alimentada ao longo da gravidez por fantasias inconscientes. Nos casos em que essa adaptação não é bem sucedida, a mãe se torna incapaz de perceber que as diferenças que separam seu filho de um recém-nascido a termo podem ser apenas temporárias, o que dificulta a formação de um vínculo afetivo consistente entre a díade e compromete a qualidade dos cuidados maternos (Harrisson & Magill-Evans, 1996). 163 164 Conforme diversos estudos, essa situação potencializa os riscos, já inerentes à prematuridade, do bebê apresentar problemas neurológicos, prejuízos sensoriais, desordens motoras, dificuldades cognitivas, distúrbios comportamentais e transtornos afetivos durante a infância ou adolescência (Carvalho, Linhares & Martinez, 2001; Klein & Linhares, 2006). Ademais, geralmente desencadeia na mãe sintomas de stress, ansiedade e depressão, tais como irritabilidade, expectativa apreensiva, fadigabilidade, anedonia, hostilidade e labilidade afetiva. Assim, contribui para a acentuação ou eclosão de conflitos psicológicos que colocam em risco a saúde mental materna, como apontam tanto Doering, Moser e Dracup (2000) quanto Padovani, Linhares, Carvalho, Duarte e Martinez (2004). Vale destacar também que o puerpério – isto é, o período que se segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher retornem à normalidade – torna, por si só, a mulher particularmente suscetível a transtornos mentais específicos (Vieira Filho, 2004). Do ponto de vista psicodinâmico, esse fato pode ser entendido, segundo Soifer (1986), levando-se em consideração que o puerpério exige não apenas a elaboração de uma perda, mas, sobretudo, a superação do estranhamento desencadeado pelo contato com o desconhecido: a gravidez e o bebê, respectivamente. Logo, promove o surgimento de ansiedades que, para Felice (2000), remetem ao arcaico temor da castração, engendrando uma regressão a modalidades anteriores de pensamento e comportamento. Tendo em vista o que precede, torna-se patente a pertinência de oferecer suporte emocional a mães de bebês prematuros. Pesquisadores brasileiros apontam em publicações recentes que os grupos de apoio psicológico, sobretudo por possibilitarem a troca de experiências entre pessoas que enfrentam um problema em comum, se destacam como uma das modalidades assistenciais mais proveitosas nessas circunstâncias (Linhares, 2004; Carvalho, 2005; Linhares, Carvalho, Correia, Gaspardo e Padovani, 2006). Desse modo, em 164 165 Junho de 2005 um grupo de apoio psicológico passou a ser oferecido a essa população em um hospital filantrópico localizado em uma cidade de médio porte da região sudeste do Brasil. Coordenado por um psicólogo, o referido grupo era aberto3, ocorria duas vezes por semana em um local reservado nas instalações do hospital após o horário de visitas da UTIN e tinha duração média de uma hora. Todas as mães de bebês prematuros internados no setor eram convidadas individualmente, antes do início das visitas, a freqüentar as sessões. O grupo geralmente contava com a presença de quatro ou cinco mães. Depois de participarem pela primeira vez do grupo, as mesmas passavam a freqüentá-lo, na maioria dos casos, até a alta do bebê da UTIN. Em função disso, o número de sessões era variável para cada participante. As intervenções verbais executadas pelo psicólogo responsável pela coordenação do grupo dependiam das necessidades das participantes. Não obstante, intervenções integrativas como a recapitulação, o assinalamento e a clarificação freqüentemente complementavam intervenções suportivas como o reasseguramento, a sugestão e a validação. Conforme Fiorini (1981), as primeiras almejam a elaboração de experiências e as últimas visam essencialmente a prover apoio emocional. Vale destacar também que o psicólogo assumia uma postura ativa na coordenação do grupo, reforçando positivamente o surgimento de temas considerados de maior relevância e promovendo a distribuição da palavra. Deve-se salientar que a resolutividade de qualquer prática grupal – grupos de apoio, grupos psicoterapêuticos ou grupos educativos, dentre outras – depende da ocorrência de fatores terapêuticos, ou seja, de determinados mecanismos, desencadeados quer seja a partir de intervenções do coordenador ou dos participantes, que provocam efeitos benéficos e mediam processos de mudança (Bloch & Crough, 1985). Segundo o sistema classificatório de Beccheli e Santos (2001), existem dez fatores terapêuticos principais, a saber: a) universalidade, b) instilação da esperança; c) altruísmo; d) aceitação, e) auto-revelação; f) 3 O grupo de apoio deixou de ser oferecido em Agosto de 2008 com a saída da instituição do psicólogo responsável. 165 166 catarse; g) aconselhamento; h) aprendizado por intermédio do outro; i) aprendizado interpessoal e j) autocompreensão. Objetivo O presente estudo objetiva uma identificação exploratória dos fatores terapêuticos mais operantes no referido grupo de apoio psicológico, voltado a mães de bebês prematuros internados na UTIN de um hospital filantrópico brasileiro. Método O corpus do presente estudo foi composto pelos registros referentes a 15 sessões do grupo de apoio em questão. Constituíam tais registros anotações literais das verbalizações apresentadas pelo coordenador e pelas participantes do início ao final do grupo, as quais eram executadas durante as sessões por um observador silente4. Vale destacar que tais anotações eram complementadas, imediatamente após o encerramento das sessões, por informações sobre o estado afetivo percebido das participantes no momento de suas verbalizações. Buscava-se o consenso entre os julgamentos do observador e do coordenador do grupo com o intuito de garantir a fidedignidade dessas informações. Deve-se mencionar que, quando da implementação do grupo em questão, o coordenador gravou em áudio algumas sessões com o intuito de discuti-las em supervisão, contando, para tanto, com o consentimento das participantes. Porém, foi possível observar que o gravador causava constrangimento às mesmas. Diante dessa situação, o coordenador, com o consentimento das participantes, recorreu a um observador silente. Após um período de experiência, a presença do observador no grupo tornou-se rotineira, uma vez que foi bem 4 Estagiário de Psicologia. 166 167 aceita pelas participantes e aparentemente não lhes causava o mesmo constrangimento que o gravador. Não obstante, é preciso salientar que, antes de iniciar cada sessão, o coordenador sempre tomava o cuidado de solicitar o consentimento das participantes para que o observador pudesse desempenhar sua função. As 15 sessões do grupo em questão consideradas para os fins do presente estudo foram selecionadas mediante sorteio aleatório dentre aquelas realizadas ao longo de Janeiro de 2006 a Janeiro de 2007 e contaram com no mínimo três e no máximo seis participantes. Além disso, cumpre assinalar que, para a identificação dos fatores terapêuticos ocorridos nas sessões selecionadas, adotou-se o sistema classificatório de Beccheli e Santos (2001), já referido anteriormente. E faz-se necessário esclarecer, por fim, que tal tarefa foi realizada por um juiz especializado5, o qual submeteu os registros das sessões selecionadas a sucessivas leituras analíticas. Resultados A universalidade se sobressaiu como o fator terapêutico mais operante no corpus do presente estudo, tendo sido identificada ao menos uma vez em todas as sessões consideradas. Esse achado revela que as participantes do grupo se sentiam entre iguais, o que resultava em uma diminuição do estigma associado ao impacto emocional do nascimento prematuro do bebê. A seguinte afirmação, de Fernanda6, 28 anos, ilustra esse fenômeno: “A gente fica mais tranqüila, assim, de saber que esse tipo de coisa não tá acontecendo só com a gente, que tem outras pessoas enfrentando esse mesmo problema. Enfrentando e superando, né? De ver que tem pessoas que consegue superar isso é que a gente vai se reerguendo”. 5 Psicólogo com experiência em grupos de apoio. Os nomes verdadeiros das participantes foram substituídos por nomes fictícios com o intuito de preservar-lhes o anonimato. 6 167 168 A instilação da esperança, por sua vez, foi identificada ao menos uma vez em 13 das 15 sessões selecionadas para os fins do presente estudo. Constata-se, portanto, que as participantes do grupo amiúde auxiliavam umas às outras a vivenciar expectativas de melhora em termos da evolução clínica de seus bebês, o que, ainda que indiretamente, tornava mais regulares suas visitas à UTIN. A seguinte afirmação, de Paula, 25 anos, pode ser considerada um exemplo da ocorrência do fator terapêutico em questão: “Olha, eu posso dizer uma coisa pra vocês: o que não pode é achar que não vai dar certo, porque senão a gente sofre por antecipação. A gente tem que acreditar. Enquanto tiver esperança, a gente tem que acreditar”. O aprendizado por intermédio do outro obteve freqüência idêntica àquela obtida pela instilação da esperança. Logo, é possível observar que as participantes comumente se mostravam abertas a novas informações oriundas da troca de experiências no grupo e, como conseqüência, passavam a considerar estratégias de enfrentamento mais funcionais. A seguinte afirmação, de Roberta, 21 anos, se destaca como uma evidência nesse sentido: “A Maria outro dia falou que de vez em quando ela chegava do hospital e tirava o telefone dela do gancho pra não ter que ficar falando pra família inteira como é que tava o nenê dela. Porque a família inteira fica ligando, né? E é duro ter que ficar falando a mesma coisa pra cada um... Então eu resolvi fazer que nem ela. Ontem eu cheguei e tirei o meu telefone do gancho. Eu precisava de um pouco de sossego, sabe? E foi bom”. A auto-revelação foi o quarto fator terapêutico em termos de freqüência, já que foi identificado em 11 das 15 sessões consideradas para o presente estudo. Tal fato aponta que, no grupo, as participantes se sentiam autorizadas a expressar sentimentos e pensamentos relacionados às vivências oriundas do nascimento prematuro de seus bebês. A seguinte afirmação, de Joana, 30 anos, o testemunha com clareza: “Ai, Deus que me perdoe, sabe... Só que tinha dia que eu não queria nem vir aqui no hospital porque eu ficava pensando assim: ‘Eu não quero me apegar porque eu não sei se o nenê vai vingar. Depois se não vingar vai ser 168 169 muito difícil’. Eu pensava assim. Hoje eu já vejo diferente. Eu vejo que é importante fazer a visita. Nem que a gente não pode pegar o nenê no colo, é importante a gente ficar ali do lado dele, pertinho da incubadora”. Discussão A universalidade e a instilação da esperança têm, conforme Beccheli e Santos (2001), características em comum: servem essencialmente como suporte emocional e criam condições favoráveis para o restabelecimento do equilíbrio psíquico mediante a promoção de uma sensação geral de alívio. Em função disso, são consideradas mecanismos de apoio. Como já mencionado, os referidos fatores terapêuticos se sobressaíram como alguns dos mais operantes no grupo em questão. Tal achado corresponde ao que seria esperado tendo em vista os alcances e limites que caracterizam os grupos de apoio psicológico e os diferenciam dos grupos psicoterapêuticos. De acordo com Bloch e Crough (1985), é mais comum em grupos psicoterapêuticos a ocorrência de mecanismos de trabalho psicológico, ou seja, de fatores terapêuticos que, a exemplo do aprendizado interpessoal e da autocompreensão, proporcionam diretamente a expansão da consciência dos participantes. Afinal, os grupos psicoterapêuticos são constituídos majoritariamente por indivíduos que, por buscarem assistência psicológica espontaneamente, apresentam maior motivação para a mudança. Os grupos de apoio, em contrapartida, usualmente congregam pessoas que foram convidadas a freqüentar as sessões para conversar sobre vivências associadas a um problema em comum. Parte delas aceita o convite, mas não demonstra disponibilidade para refletir sobre seus pensamentos e sentimentos. 169 170 A auto-revelação e o aprendizado por intermédio do outro pressupõem um elevado nível de coesão grupal. Beccheli e Santos (2001) afirmam que em grupos de apoio psicológico o vínculo entre os participantes é mais tênue, o que geralmente conduz à emergência de temas com conteúdo emocional menos denso. É determinante para tanto a heterogeneidade em termos de características sócio-demográficas que costuma se observar entre os participantes desse tipo de modalidade assistencial, visto que, quando muito acentuadas, as diferenças individuais implicam em certas limitações no aprofundamento das relações estabelecidas no grupo. Logo, causa certa surpresa a ocorrência, com significativa freqüência, dos referidos fatores terapêuticos no grupo em questão. Pode-se cogitar que, talvez, o impacto emocional do nascimento prematuro do bebê na saúde mental materna – cujo caráter potencialmente desestruturante já foi apontado por Kennell e Klaus (1993), Harrisson e Magill-Evans (1996), Doering, Moser e Dracup (2000) e Padovani, Linhares, Carvalho, Duarte e Martinez (2004), dentre outros – tenha promovido uma espécie de contágio afetivo entre as participantes do grupo em questão, potencializando, a ocorrência da auto-revelação e do aprendizado por intermédio do outro. Essa hipótese tornase plausível tendo-se em vista que, em qualquer prática grupal, um participante que se permite exteriorizar conteúdos afetivos mais profundos fortalece a disposição dos outros a também fazê-lo e consolida processos identificatórios capazes de desencadear mudanças. Conforme Schopler e Galinski (1993), os grupos de apoio psicológico, por possibilitarem o alívio dos sintomas psíquicos, favorecem o restabelecimento do equilíbrio emocional de seus participantes, pois os auxiliam não apenas a vislumbrar, mas sobretudo a utilizar estratégias de enfrentamento mais funcionais, lançando mão, para tanto, de recursos adaptativos latentes. Os achados resultantes do presente estudo corroboram essa proposição, pois ilustram que, ao compartilhar situações vitais semelhantes desencadeadas por um 170 171 problema em comum, as mães que freqüentavam o grupo em questão encontravam nele um espaço permissivo para a expressão afetiva. Logo, se sentiam refletidas nas e pelas outras. Deve-se mencionar também que Carvalho (2005) verificou que, auxiliando na diminuição dos níveis de ansiedade e depressão de suas participantes, os grupos de apoio voltados a mães de bebês prematuros criam condições propícias para o estabelecimento de um vínculo afetivo consistente entre a díade. Conseqüentemente, as respostas do sistema familiar às necessidades do bebê tendem a ser mais adequadas. Nesse sentido, evidencia-se a pertinência da referida modalidade assistencial na prevenção de problemas capazes de comprometer os processos normais do desenvolvimento infantil, uma vez que, como bem observaram Carvalho, Linhares e Martinez (2001), a evolução a longo prazo de bebês prematuros é influenciada decisivamente pelos cuidados a eles dispensados por seus pais. Cumpre assinalar ainda que qualquer prática grupal tem o mérito de contemplar o indivíduo em situação, em vez de isolá-lo de seu contexto social e interacional. No grupo se constitui um campo de sentidos a partir da produção coletiva de significados, os quais podem ser explorados e canalizados na busca de soluções para dificuldades. Ademais, diferentes pontos de vista são equilibrados com as intervenções do coordenador do grupo, de modo que os participantes têm a oportunidade de ponderar suas vivências e condutas à luz de um novo vértice, moldado pelas interações que ali se processam (Beccheli & Santos, 2001). Por fim, é preciso enfatizar que as práticas grupais apresentam uma relação custobenefício mais vantajosa comparando-as com as práticas individuais. Desconsiderar que esse fato está relacionado à sua expansão no âmbito público seria ingenuidade. Até porque, no Brasil, é notória a escassez de recursos para a saúde mental, sobretudo em hospitais. Entretanto, como salienta Bezerra Júnior (1992), subordinar a utilização de qualquer modalidade assistencial a pressões financeiras é insustentável do ponto de vista ético. Ou seja: as práticas grupais não podem ser utilizadas como uma panacéia universal. Os alcances e 171 172 limites que as caracterizam – alguns deles vislumbrados no presente estudo – devem ser respeitados para que seu papel possa se cumprir. Considerações finais Diversos autores – tais como Bloch e Crough (1985) e Beccheli e Santos (2001) – defendem que a avaliação sistemática dos fatores terapêuticos se destaca como um tema promissor de pesquisa em práticas grupais. Por essa razão, o presente estudo pode fornecer elementos relevantes para os interessados em se dedicar ao assunto. A propósito, novas pesquisas são necessárias no Brasil para que as vantagens e desvantagens inerentes à utilização dos grupos de apoio no âmbito institucional possam ser estimadas com maior precisão, visto que a referida modalidade assistencial infelizmente não vem sendo tão estudada quando praticada no país. À guisa de conclusão, é possível propor que o presente estudo indica também que a pesquisa em psicologia hospitalar pode contribuir tanto para a produção de conhecimento quanto para o aprimoramento da prática profissional. Defendendo essa mesma idéia, Bruscato e Benedetti (2004) afirmam que a investigação científica deve fazer parte do cotidiano do psicólogo que exerce suas atividades em hospitais, visto que tende a fomentar a criação de novas modalidades assistenciais nas situações em que o mesmo não encontra respaldo teórico capaz de auxiliá-lo. No Brasil, tais situações ainda são comuns e geralmente levam a improvisações que, embora bem-intencionadas, são pouco resolutivas. 172 173 Referências Beccheli, L.P.C. & Santos, M.A. (2001). Psicoterapia de grupo: noções básicas. Ribeirão Preto: Legis Summa. Bezerra Júnior, B. (1992). Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde mental. Em: S.A. Tunis & N.R. Costa (Orgs.), Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil (pp. 133-169). Petrópolis: Vozes. Bloch, S. & Crough, E. (1985). Therapeutic factors in group psychotherapy. Oxford: Oxford University Press. Bruscato, W.L. & Benedetti, C. (2004). Produção de conhecimento em psicologia hospitalar. Em: W.L. Bruscato, C. Benedetti & S.R.A. Lopes (Orgs.), A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas páginas em uma antiga história (pp. 213-236). São Paulo: Casa do Psicólogo. Carvalho, A.E.V. (2005). Indicadores emocionais maternos e intervenção psicológica durante a internação do bebê pré-termo em UTIN. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. Carvalho, A.E.V., Linhares, M.B.M. & Martinez, F.E. (2001). História de desenvolvimento e comportamento de crianças nascidas pré-termo e baixo peso (< 1.500 g). Psicologia: Reflexão e Crítica 14 (1), 1-33. Doering, L.V., Moser, D.K. & Dracup, K. (2000). 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São Paulo: Atheneu. 174 175 Candidatura 11 Autores: Alda Martins, Andreia Pacheco & Saul de Jesus Título: ESTILOS DE VIDA DE ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR 175 176 ESTILOS DE VIDA DE ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR Alda Martins ([email protected]), Andreia Pacheco ([email protected]) & Saul Neves de Jesus ([email protected]) Universidade do Algarve Instituto de Psicologia Cognitiva e Desenvolvimento Vocacional e Social Resumo Nos últimos anos, tem-se assistido a um aumento significativo das investigações acerca dos estilos de vida dos estudantes do ensino superior. Neste sentido, procurou-se caracterizar os estilos de vida dos estudantes da Universidade do Algarve e perceber de que forma o estilo de vida afecta a motivação e métodos de estudo desses mesmos estudantes. De forma a concretizar os objectivos recorreu-se a Escala de avaliação de estilos de vida e métodos de estudo para o Ensino Superior (Martins & Jesus, 2008). Neste estudo participaram 180 estudantes da Universidade do Algarve de diversos cursos, com idades compreendidas entre 18 e os 43 anos (M = 23,8) e de ambos os sexos (57,78% do sexo feminino e 42,22% do sexo masculino). Em média, os sujeitos inquiridos apresentam estilos de vida razoavelmente saudáveis e os resultados parecem ir de encontro ao modelo desenvolvido por Pacheco, Martins & Jesus (2008), verificando-se que os estilos de vida são afectados directamente pela qualidade vida e motivação. Palavras-chave: estudantes do ensino superior; estilos de vida; métodos de estudo; motivação. 176 177 1. Introdução 1.1. Estilos de Vida O conceito estilos de vida tem sido definido como os factores pessoais que determinam a forma como o indivíduo se comporta perante determinada situação, sendo o retrato da pessoa e da sua interacção com o meio (Finotti, 2004). Lalonde, da mesma forma, considera que os estilos de vida reflectem o conjunto de decisões individuais que afectam a vida do sujeito (Ribeiro, 1998) e Dias (2003) refere que é o traço pessoal nas acções e práticas diárias (Finotti, 2004). Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde (OMS), abrange não só as características pessoais mas também os determinantes do meio, definindo este conceito como uma forma de viver baseada em padrões de comportamentos que são determinados pelas características pessoais, interacções sociais e as condições ambientais em que o sujeito se encontra (World Health Organization, 1998). Assim, podemos considerar que os estilos de vida adoptados afectam o indivíduo nos mais diversos contextos, como é o caso da saúde física e mental, da situação profissional e das relações pessoais. Apesar do conceito de estilos de vida ser uma definição globalmente aceite e bem definida, explicar o conceito de estilos de vida saudáveis, torna-se mais complexo, na medida em que depende da cultura, sociedade e características pessoais. Tendo em conta que os estilos de vida são em parte o conjunto de comportamentos de determinado indivíduo, podemos considerar que um estilo de vida saudável é a adopção de vários comportamentos saudáveis. A OMS define comportamento saudável como uma acção que visa a promoção, a protecção ou a manutenção da saúde (Nutbeam, 1986), sendo que os restantes comportamentos se distinguem destes por serem adoptados independentemente das consequências para a saúde (World Health Organization, 1998). 177 178 Os estilos de vida dos estudantes do ensino superior assumem características muito próprias, especialmente devido ao aumento do poder de decisão e autonomia nas escolhas sobre a sua própria maneira de viver (Dinger & Waigandt, 1997). Esse período de transição pode afectar os factores relacionados com o estilos de vida, nomeadamente a dieta alimentar, o exercício físico, os hábitos de consumo de álcool, tabaco e outras drogas e o comportamento sexual. Alguns autores têm descrito os estilos de vida adoptados no ensino superior como comportamentos de risco ou pouco saudáveis, que podem comprometer a saúde presente e futura do indivíduo (Abolfotouh, Mounir, Fayyad & Healthrelated, 2007; Keller, Maddock, Hannover, Thyrian, & Basler, 2008; Smith & Leggat, 2007; Steptoe & Wardle, 2001; Walker & Townsend, 1999). Neste sentido, é importante delinear planos de intervenção que permitam promover estilos de vida saudáveis desde o primeiro ano da universidade. Para que essa intervenção vá de encontro às necessidades dos alunos é essencial conhecer as características pessoais dos alunos do ensino superior em Portugal. Por outro lado, a maior parte dos modelos acerca do sucesso académico no ensino superior referem que os factores individuais são uma das variáveis que interferem com o rendimento do aluno (Tinto, 1987; Walberg, 1982), tendo sido comprovado por diversas investigações a relação entre o ambiente social e psicológico do jovem adulto e o seu rendimento escolar (Bruinsma & Jansen, 2007; Saavedra, 2004). Deste modo, faz sentido que os estilos de vida adoptados influenciem os métodos de estudo utilizados, podendo ser uma das causas para o insucesso escolar. 178 179 1.2. Motivação face ao curso A motivação, segundo Weiner (1992), é a explicação para as razões que levam o indivíduo a pensar e a comportar-se de determinada maneira. No que respeita à motivação dos estudantes do ensino superior face ao curso, esta varia consoante as características individuais, sociais e educativas, não sendo algo constante ao longo do tempo (Contreras, 1998). A motivação, de forma geral, assenta nas crenças, nas razões e nas reacções (Llera, 1998), o que ao nível da motivação dos estudantes face ao curso se deveria repercutir na crença de ser capaz, na razão para conseguir o objectivo e no comportamento final que o leva a atingir o sucesso académico. Dado que a motivação face ao curso influencia o rendimento escolar dos alunos, sendo que esta é também influenciada pelo sucesso académico (Bruinsma & Jansen, 2007; Carrión, 1998; Eccles & Wigfield, 2002; McKenzie & Schweitzer, 2001), compreender de que forma é que é afectada pelos estilos de vida adoptados parece ser pertinente. 1.3. Métodos de Estudo e Sucesso Académico O sucesso académico pode ser descrito como a consequência mais imediata das aprendizagens realizadas pelos estudantes (Medeiros, 2005), perspectivando o estudante como um ser activo nas suas aprendizagens, através das metodologias utilizadas para aprender. Assim, os métodos de estudo utilizados são uma das variáveis que mais comprometem o sucesso académico dos alunos no ensino superior (Bruinsma & Jason, 2007; Jansen, 2004; Santos & Almeida, 2001; Van der Hulst & Jansen, 2002). A 179 180 definição de métodos de estudo, no seu sentido mais lato, engloba todas as estratégias e tempo dispensado para a aprendizagem dos conteúdos leccionados. Deste modo, compreender de que forma é que os métodos de estudo utilizados estão relacionados com os estilos de vida dos estudantes parece ser pertinente para numa perspectiva interventiva, considerar uma intervenção conjunta. Assim, o objectivo deste estudo é por um lado, caracterizar os estilos de vida dos estudantes do ensino superior, a sua motivação face ao curso e a adequação dos métodos de estudo utilizados, e por outro, perceber se os estilos de vida adoptados influenciam a forma como estudam e estão motivados. 2. Método 2.1. Amostra A amostra foi constituída por 180 alunos da Universidade do Algarve de 35 cursos diferentes e dos vários anos escolares (1º ao 5º anos), com idades compreendidas entre os 18 e os 43 anos (M = 23,8) e de ambos os sexos (57,78% do sexo feminino e 42,22% do sexo masculino). 2.2. Instrumentos Para conhecer os estilos de vida, métodos de estudo e motivação dos alunos da Universidade do Algarve utilizou-se a Escala de Avaliação de Estilos de Vida e Métodos de Estudo para o Ensino Superior (Martins & Jesus, 2008), composta por duas sub-escalas (organização pessoal e métodos de estudo), cada uma com 18 itens. Todas as respostas têm como base uma escala tipo Lickert de cinco valores (sempre, quase sempre, às vezes, quase nunca e nunca). A cotação das respostas varia entre 1 e 5 180 181 valores, sendo que o valor mais baixo é atribuído para respostas que remetem para a ausência do comportamento “saudável” ou para a existência frequente de um comportamento “não saudável”. Pelo contrário, o valor mais elevado é atribuído quando a resposta demonstra a presença de comportamentos saudáveis. 2.3. Procedimento A escala foi enviada por e-mail para os alunos da Universidade do Algarve e consideraram-se todos os questionários correctamente preenchidos que foram devolvidos por e-mail no espaço de um mês. 3. Resultados Para a análise dos resultados utilizou-se o programa de estatística SPSS 16.0, utilizando-se numa primeira fase, estatísticas descritivas (média, desvio padrão, mínimo e máximo) e numa segunda fase, de modo a estabelecer relações entre as variáveis, ao Coeficiente de Correlação de Pearson e ao Coeficiente de Regressão Linear. Em relação à primeira sub-escala que pretende caracterizar os estilos de vida dos estudantes do ensino superior, o valor mínimo obtido foi de 2,11 e o máximo de 4,28, sendo que a média dos alunos é de 3,291 (DP = 0,4181). Para a segunda sub-escala acerca dos métodos de estudo utilizados, o valor mínimo encontrado foi de 1,89 e o máximo de 4,22 (M = 3,334; DP = 0,4170). A motivação face ao curso varia entre 1,33 e 5 com uma média de 3,428 (DP = 0,678). Através da análise da tabela 1, é possível verificar que o intervalo mais baixo apenas é representado na variável motivação por 2% dos alunos. O intervalo médio (maior ou igual que 2,6 e menor que 3,4) é o intervalo com maior expressividade 181 182 percentual: 52,1% para o caso dos estilos de vida; 43,1% para o caso da motivação e 48,3% no caso dos métodos de estudo. O intervalo imediatamente acima assume valores igualmente elevados, nomeadamente no que concerne aos métodos de estudo 46,7%. Tabela 1. Distribuição dos valores percentuais mediante cinco grupos intervalares Grupos Métodos Intervalares Estilos de Vida Motivação de Estudo % [1,0 - 1,8[ 0,0% 2% 0% [1,8 - 2,6[ 7,2% 4,6% 4,4% [2,6 - 3,4[ 52,3% 43,1% 48,3% [3,4 - 4,2[ 39,4% 38,4% 46,7% [4,2 – 5,0] 1,1% 11,9% 0,6% De forma a perceber se os estilos de vida correlacionam com os métodos de estudo recorreu-se à correlação de Pearson, sendo que as duas escalas apresentam uma correlação forte e muito significativa (r = .625; p = .000). Como é possível verificar na tabela 2, a regressão linear, realizada através do método stepwise, aponta para uma influência positiva dos estilos de vida nos métodos de estudo (β = .625). 182 183 Tabela 2. Correlação e Regressão Linear relativos às variáveis estilos de vida e métodos de estudo Correlação entre Estilos de Vida e Métodos de Estudo r = .625 p = .000 β R2 R2 Ajustado .625 .390 .387 Realizou-se o mesmo procedimento para correlacionar os estilos de vida com a motivação, verificando-se também uma correlação forte muito significativa (r = .718; p = .000). Relativamente à influência dos estilos de vida para a motivação académica constata-se, à semelhança do sucedido com os métodos de estudo, a existência de uma influência positiva, com um beta de 0,718 (tabela 3). Tabela 3. Correlação e Regressão Linear relativos às variáveis estilos de vida e motivação Correlação entre Estilos de Vida e Motivação r = .718 p = .000 Β R2 R2 Ajustado .718 .516 .513 4. Discussão A presente investigação pretendeu conhecer os estilos de vida dos estudantes do ensino superior e perceber de que forma estes influenciam os métodos de estudo utilizados e a motivação para o curso. Os estudantes da Universidade do Algarve apresentam estilos de vida saudáveis, os métodos de estudo utilizados são adequados e encontram-se motivados. Apesar dos 183 184 valores médios não serem muito elevados, situam-se acima de três, considerando-se, portanto, como positivos. No caso dos estilos de vida, nenhum aluno teve uma média inferior a 2,11. Já no caso dos métodos de estudo o valor mínimo encontrado foi abaixo de 2 (1,89), sendo que o valor mais baixo diz respeito à motivação, situando-se perto do valor mínimo possível para esta escala (1,33). A motivação foi, no entanto, a que apresentou o valor máximo mais elevado (5), verificando-se uma amplitude bastante elevada, e dados muito dispersos (DP = 0,678). No entanto, apenas 6,6% dos alunos apresentam níveis de motivação baixos ou muito baixos. Tanto os métodos de estudo como os estilos de vida apresentaram intervalos menores, situando-se o valor máximo pouco acima dos 4. Apenas 7,2% dos alunos apresenta um estilo de vida inadequado, ou seja, com comportamentos menos saudáveis. Em relação aos métodos de estudo apenas 4,4% da amostra apresenta métodos de estudo pouco adequados. Por outro lado, uma grande percentagem de estudante parece apresentar comportamentos saudáveis ao nível dos estilos de vida, já que 40,5% se situa acima do valor médio. Os métodos de estudo e motivação face ao curso apresentam níveis igualmente elevados nos dois intervalos indicativos de comportamentos adequados (motivação: 50,3%; métodos de estudo: 47,3%). Assim, consideramos que as três variáveis nos apresentam resultados indicativos de uma amostra com estilos de vida adequados, motivados para o curso e com a utilização de métodos de estudo adequados. Estes valores vão de encontro aos encontrados por Pacheco (2007), que constatou que os estudantes da Universidade do Algarve tinham níveis de motivação elevados e consideravam os seus estilos de vida adequados. 184 185 No que diz respeito às correlações e regressões encontradas, estas apresentaramse fortes e muito significativas, constatando-se que os estilos de vida influenciam a motivação e os métodos de estudo utilizados o que confirma os resultados esperados. Atendendo à definição da OMS para estilos de vida era de esperar que estes afectassem diversas áreas dos indivíduos, o que se repercute nas opções tomadas em relação às metodologias de estudo utilizadas. A motivação é um conceito que envolve dimensões interpessoais e, como tal seria de esperar que fosse afectada pelos estilos de vida do indivíduo. Da mesma forma, o modelo desenvolvido por Pacheco, Jesus e Martins (2008), evidencia a influência dos estilos de vida para a motivação académica, afirmando que as variáveis motivacionais se relacionam com variáveis que intervém na saúde, como é o caso dos estilos de vida. Esta perspectiva vai de acordo ao encontrado na bibliografia por diversos autores, confirmando que a motivação académica está correlacionada com diversos aspectos, como é o caso da saúde (Jesus, 2002; Parreira, 2006; Ribeiro, 1998). 5. Conclusões O presente estudo evidencia que a amostra recolhida apresenta níveis motivacionais face ao curso elevados, estilos de vida saudáveis e utilização de métodos de estudo adequados. Estas variáveis apresentam uma forte relação entre elas, sendo que a adopção de estilos de vida saudáveis influencia a adopção de métodos de estudo adequados e aumenta a motivação para o curso. A relação encontrada remete para a necessidade de intervir nos estilos de vida, já que estes por si só parecem influenciar a motivação e os métodos de estudo utilizados. A adopção de estilos de vida saudáveis poderá ser uma das formas de combater o insucesso escolar no ensino superior, na medida em que tanto os métodos de estudo 185 186 como motivação são duas das variáveis com mais impacto nessa área. Apesar de no caso dos métodos de estudo ser relativamente fácil a modificação de padrões comportamentais (Martins & Jesus, 2008), o aumento da motivação em si é mais problemático. Assim, prevê-se que o desenvolvimento de planos de intervenção centrados na adopção de estilos de vida possa aumentar os níveis motivacionais dos alunos face ao curso. Apesar dos bons resultados encontrados, os valores podem não corresponder á realidade da Universidade do Algarve ou de outra qualquer universidade portuguesa, em primeiro lugar pelo tamanho da amostra e por apenas se encontrar representada por alunos da Universidade do Algarve, e em segundo lugar pela metodologia utilizada na recolha dos dados. Os alunos que responderam podem ser alunos com estilos de vida mais saudáveis do que os restantes e consequentemente níveis motivacionais superiores e utilização de metodologias de estudo adequadas. Seria desejável o recurso a outras metodologias de recolha de dados, que tendam a englobar uma amostra mais heterogénea. Uma outra variável que poderia ser incluída em estudos futuros é o sucesso académico, avaliado pela classificação final dos alunos, permitindo a confirmação da relação entre os hábitos pessoais e o sucesso académico, tal como defendido por Bruinsma e Jansen (2007). A avaliação dos estilos de vida foi realizada com base em perguntas que seriam depois respondidas pelos sujeitos através de uma escala de 1 a 5 (sempre, quase sempre, às vezes, quase nunca e nunca). Outra opção será utilizar um questionário que quantifique os comportamentos (número de cigarros fumados, número de bebidas ingeridas, número de horas dedicadas à prática desportiva, etc.) de forma a perceber se 186 187 estes resultados apontam para uma percepção de estilos de vida saudáveis ou se de facto o são. Neste sentido, pensamos que é necessário continuar a desenvolver trabalhos nesta linha, clarificando os resultados obtidos através do recurso a outros instrumentos e metodologias. 6. Referências Bibliográficas Abolfotouh, M., Bassiouni, F., Mounir, G., & Fayyad, R. (2007). Health related lifestyles and risk behaviors among students living in Alexandria University hostels. East. Mediterra. Health Journal, 13, 376–391. Bruinsma, M. & Jansen, E. P. (2007). 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Seja qual for a dinâmica pais-jovem, é um facto que o ambiente familiar é o contexto de socialização primária onde se desenvolvem os hábitos alimentares e os distúrbios, em crianças e adolescentes (May, Kim, McHale & Crouter, 2006). Padez, Mourão, Moreira e Rosado (2005) encontraram uma relação entre a obesidade das crianças e a obesidade dos pais. Noutro estudo, o nível de escolaridade parental e os meios sócio-económicos mais baixos foram identificados como factores de risco significativos para o desenvolvimento de perturbações alimentares, e as relações familiares positivas surgiram como factores protectores. Foi igualmente encontrada uma correlação positiva entre a obesidade e o tempo dispendido em frente à televisão, que está relacionado com inactividade e sedentarismo e um maior consumo de comida. O meio em que a criança vive apresenta muitas vezes uma variedade de comidas pouco saudáveis e promove um modelo em que os sujeitos ingerem rápida e excessivamente, por vezes em resposta a estímulos que não a fome, induzindo em erro os mecanismos reguladores da fome e da saciedade e levando consequentemente ao uso da comida como regulação de comportamento e como supressão de emoções disfóricas (Panzer, 2006). 192 193 Apesar da tendência para explicar a obesidade na infância e na vida como sendo uma consequência da sobrenutrição nos primeiros anos vida, segundo a experiência de Bruch (1973), existem factores que resultam em obesidade, mas apenas quando em interacção com um ambiente circundante. Não é um ou outro factor comportamental ou uma certa organização familiar que determina um desenvolvimento anormal ou saudável; segundo esta autora, o determinante será a interacção dinâmica entre os membros de uma família e o modo de interacção que têm uns com os outros. Por tudo isto, torna-se necessário perceber melhor como é que estes pré-adolescentes obesos representam a sua família, dentro de si, aprofundando a compreensão dos mesmos, de modo a adequar a intervenção psicológica necessária. Propõe-se, então, uma investigação com vista a compreender e a responder da melhor forma à questão: em que medida o peso dos pré-adolescentes influencia a percepção da sua dinâmica familiar? MÉTODO Participantes: Neste estudo comparativo transversal, participaram 60 jovens, com idades entre os 10 e os 12 anos, sem doenças orgânicas associadas nem perturbações graves do comportamento. Foram divididos em dois grupos de 30: um com excesso de peso/ obesidade, recolhido no Hospital Fernando Fonseca e o outro sem excesso de peso/ obesidade, recolhido no Hospital da Luz e na Piscina da Reboleira, aos quais se aplicou um Questionário Sócio-Demográfico e o Teste das Relações Familiares de Bene e Anthony (1985). Os 60 pais destes jovens apresentaram idades entre os 26 e os 48 anos, sendo 85% mães e 15% pais. Procedimento: O primeiro passo para a realização deste estudo consistiu em fazer a sua apresentação e expor os seus objectivos, de forma a solicitar a autorização 193 194 nas três instituições que acolheram o projecto: o Hospital Fernando da Fonseca, o Hospital da Luz e a Piscina da Reboleira na Amadora. No caso do Hospital Fernando Fonseca a abordagem foi in loco, abordando-se pela primeira vez os pais e o préadolescente antes da consulta de Endocrinologia e Nutrição. Relativamente aos jovens do Hospital da Luz, por ter um modelo de funcionamento diferente, optou-se pelo contacto telefónico com os pais num momento prévio à consulta de Pediatria, de forma a avaliar a sua disponibilidade para a participação no estudo. Com os pré-adolescentes da Piscina da Reboleira, a aplicação foi feita antes ou depois das aulas de natação, após um pedido prévio do professor aos pais. A constituição da amostra resultou, assim, de uma escolha aleatória de sujeitos com o perfil desejado, à medida que iam aparecendo. Numa primeira fase, os sujeitos foram informados oralmente acerca da natureza da investigação em termos do objectivo geral, bem como do direito de aceitação ou recusa de participação. Caso aceitassem, assinavam um documento em que era acordada a aceitação de participação (Consentimento Informado). Mediante este processo, iniciava-se a aplicação dos instrumentos aos pais, primeiro o Questionário de Caracterização Sócio-Demográfica, seguido do Teste das Relações Familiares, com a respectiva folha de registo de forma a ser aplicado na forma de auto-avaliação. De referir que a aplicação do FRT aos pais pretendeu ter um carácter meramente exploratório, no sentido de perceber até que ponto as suas percepções estariam correctas acerca do tipo de envolvimento feito pelo jovem com a família. Num segundo momento, e já a sós com o pré-adolescente, aplicou-se o Teste das Relações Familiares (FRT) que tem por base uma situação lúdica, com figuras estereotipadas passíveis de representar membros da família e as várias mensagens que deverão ser atribuídas. Nas aplicações em contexto hospitalar recolheu-se também do processo clínico do jovem as informações relativas ao peso, altura e condição médica geral e no contexto da piscina, 194 195 recolheram-se esses dados junto do treinador, nos casos em que estavam disponíveis. Uma vez concluída a fase de avaliação e recolhida toda a informação necessária, os dados foram tratados através do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) v.15. RESULTADOS Da análise descritiva, percebeu-se que o pré-adolescente do grupo de estudo que aqui se encontrou tem excesso de peso e é maioritariamente obeso, despende um elevado tempo a ver televisão e a utilizar o computador, tem um dia-a-dia com pouca actividade física e ausência de actividades extra-curriculares, apresenta mais problemas de saúde do que um jovem com um peso saudável, percepciona-se como sendo menos ágil e flexível do que os seus colegas sem excesso de peso, a mãe surge como a principal companheira às refeições e tem já elevados nível de colesterol e gordura no fígado que fazem com que incorra em sérios riscos de desenvolver uma diabetes tipo II. A maioria dos pais afirma que os filhos tiveram excesso de peso desde sempre, atribuindo-o à má alimentação. Estes pais dos pré-adolescentes obesos apresentam um menor nível sócio-económico e menos habilitações literárias, têm mais problemas de saúde e as mães, em particular, têm maior incidência de excesso de peso, resultados que vão de encontro a outros estudos anteriores (Moreira e Tapadinhas, 2008; Padez, Mourão, Moreira e Rosado, 2005). Pode pensar-se que estes pais menos instruídos terão crenças e percepções menos científicas que poderão moldar negativamente os seus comportamentos alimentares. Investigações realizadas mostram que os pais que acreditam que ter uma criança pesada é sinónimo de ter uma criança saudável, muitas vezes desvalorizam o excesso de peso dos filhos, não percepcionando tal condição como sendo problemática e mantendo, por isso, padrões alimentares incorrectos, em que 195 196 a quantidade de comida é muitas vezes equiparada à quantidade de amor parental (Baughcum et al., 2000, cit. Hodges, 2003). Por outro lado, os pais com um menor nível sócio-económico terão acesso aos produtos alimentares mais acessíveis e, geralmente, mais calóricos. Poderão igualmente sentir dificuldade em integrar os filhos em actividades extra curriculares, mantendo um estilo de vida mais sedentário e monótono por questões monetárias. Em relação à análise de resultados do Teste das Relações Familiares (FRT) denota-se que os jovens obesos tendem a percepcionar o envolvimento com os pais como sendo positivo, atribuindo porém os itens mais negativos igualmente a familiares e à figura do Sr. Ninguém, a figura do FRT a quem se destinam todos os itens considerados não adequados pelo jovem para a família. Verificou-se que estes jovens com excesso de peso tendem a relacionar-se afectivamente com os pais de forma dicotómica: amor ou ódio. Não conseguem alcançar um modelo de tríade familiar, excluindo o pai e ligando-se fusionalmente com a mãe. Têm dificuldade em idealizar as suas figuras significativas, pelo que o seu imaginário enche-se de calorias, perante o esvaziamento de afectos. Tal como Vigotsky (2007) sugere, estes jovens adquiriram, em tenra idade, as mesmas formas de comportamento que outras pessoas utilizaram em relação a eles, pelo que perante um défice de estimulação sensorial e emocional, ficam retidos numa fase anterior à da identificação e projecção. Verifica-se ainda uma estrutura frágil e pouco investida, em que este desinvestimento no “Eu” pode surgir enquanto reflexo de uma discriminação que ocorre muitas vezes a nível social, mas também familiar, originando uma auto-percepção mais frágil por parte do jovem acerca da sua aparência física (Stein, Zabinski e Wifley, 2005). Os pais destes jovens tendem a considerar a mãe como o elemento da família com um envolvimento mais forte com o pré-adolescente obeso e identificam a existência de uma superprotecção deste filho, 196 197 quer tenha ou não irmãos. Esta falta de distanciamento entre pais e filhos com excesso de peso, vai ao encontro de estudos que identificam esta proximidade excessiva como um factor de risco para a obesidade infantil (Arizona State University, 2005). É ainda atribuída ao jovem obeso uma posição passiva na troca de afectos, tendendo a não ser envolvido activamente na dinâmica familiar. DISCUSSÃO A obesidade, dinâmicas familiares afectivamente polarizadas e percepções parentais que nem sempre vão de encontro às dos filhos com excesso de peso, formam uma tríade de relações complexas que justificam, em parte, a persistência dos problemas de excesso de peso e obesidade, enquanto problemáticas major da actualidade e que podem assumir-se como um espaço propício a intervenções promotoras de saúde, obrigando-nos a repensar as estratégias até à data utilizadas. Embora se possa ser um pré-adolescente gordo sem se ter problemas de saúde associados e dinâmicas familiares pouco satisfatórias, é certo que a maioria não é assim. O que justifica prestar uma atenção muito especial a esta condição infantil e procurar analisar as forças de interacção que a perpetuam. O pré-adolescente obeso, que aqui se apresenta, interiorizou as suas figuras significativas enquanto objectos de amor e objectos de hostilidade, que alternam entre estes dois pólos, sem que seja possível uma posição intermédia no espectro dos afectos. É um jovem que às vezes se revolta contra a falta de afectos parentais, comendo, e é o mesmo jovem que por vezes acredita ser amado, comendo também. A comida, para estes pré-adolescentes, acaba por ser a base que sustem a sua frágil estrutura. Um alimento que satisfaz, preenche e ama, mas que também é utilizado enquanto arma de hostilidade e procura de um espaço só seu, em 197 198 que possa sentir-se e perceber-se não enquanto filho ou irmão obeso, mas sim enquanto jovem. Constatou-se, nestes pré-adolescentes obesos, uma falta de investimento em si e uma falta de capacidade de idealizar quem os rodeia. Como se apenas lhes restasse esperar que outros investissem em si e que os outros sejam, ainda que apenas de vez em quando, agentes de amor. Os pais preocupam-se, mas nem sempre dispõem da rede de apoio necessária e das ferramentas adequadas para reformularem padrões alimentares familiares e estilos de vida sedentários há muito enraizados. Estas ferramentas podem passar por fornecer informação nutricional, mas também por explorar crenças e sentimentos que muitas vezes estão na base da perpetuação da sobrealimentação e da superprotecção destes jovens obesos. Desta forma, os pais juntamente com as instituições de saúde e a escola podem formar uma tríade de prevenção, apoio e intervenção nesta problemática. O desenvolvimento de programas de prevenção eficazes que reduzam o risco de obesidade infantil impõe-se como a melhor estratégia no campo desta problemática. Todavia, perante o quadro de excesso de peso instalado, é necessário articular meios e agentes para combater esta condição, nunca perdendo de vista que em causa estão jovens, com estruturas familiares específicas e com determinadas características identitárias, e não apenas com um problema de ingestão excessiva de alimentos e calorias. REFERÊNCIAS Arizona State University (2005, August 17). Family Environment is a significant predictor of adolescent obesity. Acedido a 13 de Fevereiro, 2008 da base de dados Science Daily (http://www.sciencedaily.com/releases/2005/08/050814161806.htm ) 198 199 Bene, E. & Anthony, J. (1985). Family relations test: Children’s version. 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Acedido a 20 de Outubro, 2007 a partir da World Wide Web: http://www.who.int/nutrition/publication/obesity/en/index.html 199 200 Candidatura 13 Autores: Mª Carmen Orellana-Ramírez, Rafael Guerrero-Gómez & Jesús Garcia-Martínez Título: Significados atribuidos al papel de víctima: La construcción de estrategias de afrontamiento frente al acoso escolar en estudiantes con altos y bajos indicadores de conducta antisocial 200 201 Significados atribuidos al papel de víctima: La construcción de estrategias de afrontamiento frente al acoso escolar en estudiantes con altos y bajos indicadores de conducta antisocial Todo acto de bondad es una demostración de poderío Miguel de Unamuno Mª Carmen Orellana-Ramírez7, Rafael Guerrero-Gómez8 y Jesús Garcia-Martínez1 Resumo: Apresenta-se um estudo descritivo dos vínculos entre conduta anti-social e significados atribuídos à mesma, referido em concreto às respostas potenciais das vítimas. O objetivo é encontrar que recomendações ou respostas diferenciais se elaboram sobre as vítimas uma vez que se controla o grau de conduta anti-social do informante. Uma mostra de 187 estudantes de ensino secundário (rango de idade 12-18 anos) completou tanto a subescala A de o questionário AD de conduta anti-social e responderam a uma pergunta aberta na que se lhe indagava sua concepção a respeito do papel de vítima. Dita pergunta foi analisada mediante um enfoque de teoria fundamentada até gerar uma série de categorias que respondem à diferente enfoque de afrontamento. Neste estudo apresenta-se uma análise de correspondências múltiplas que vincula o tipo de estratégias propostas pelos sujeitos com seu grau de conduta anti-social e estabelece-se uma tipologia destes vínculos. Palavras chaves: bullying, construção do significado, teoria fundamentada, conduta antisocial, construcão do afrontamiento 7 Departamento de Personalidad, Evaluación y Tratamiento Psicológicos. Facultad de Psicología. Universidad de Sevilla. C/ Camilo José Cela S/N 41018. Sevilla (España). Correo-e: [email protected] [email protected] 8 Centro de Orientación y Psicología “Cerro del Águila”. C/ Juan Talavera Heredia, nº 41. 41006. Sevilla (España). Correo-e: [email protected] 201 202 Introducción. Dan Olweus en la década de los años 70 del siglo XX dio la voz de alarma en la comunidad científica sobre un fenómeno que hasta entonces sólo formaba parte de las historias de vida (o la crónica negra) de gente escolarizada: el bullying o acoso escolar. El acoso escolar es una manifestación de las malas relaciones interpersonales entre los alumnos (Ortega, 1994). Los elementos claves no son sólo la gravedad de la agresión, sino que estos efectos se multiplican al tratarse de un maltrato de alta frecuencia y duración hacia la misma persona. Esto hace que el acoso escolar trascienda el episodio violento y se convierta en una dinámica social en el que se aprecian roles específicos (agresor, víctima y observadores). El fenómeno está modulado por variables como el género o el curso escolar. El informe del Centro Reina Sofía (Serrano e Iborra, 2005) menciona hasta un 75% de sujetos que han sido testigos de violencia escolar, un 14.5% que se reconoce como víctima y un 7.6% como agresor. Los efectos de tales experiencias desembocan a nivel clínico, en general, en síntomas "externalizantes" asociados típicamente al rol de agresor (tendencia a la conducta antisocial, ansiedad, etc.) y en síntomas "internalizantes", más asociados al rol de víctimas (síntomas psicosomáticos, depresión, desajuste emocional, etc.). Pero en general, el riesgo psicosocial es alto tanto para los protagonistas directos como para los observadores y resto de personas del entorno aula-centro-familia ya que se ven sometidos a un proceso de degradación moral (Collell y Escudé, 2006). Desde una perspectiva menos psicopatológica, Ortega (1994) comenta el fracaso que supone este tipo de experiencia no sólo para la víctima, sino también para el agresor, ya que implica un fracaso de la socialización necesaria para el desarrollo óptimo del niño: la convivencia implica respetar la ley de reciprocidad ("tú me ayudas, yo te ayudo"), que es continuamente violada por los niños agresores. Pero también implica aprender a controlar la propia agresividad y la agresividad de otros (mecanismo este último no perfeccionado en el 202 203 caso de las víctimas). Algunos estudios demuestran que los chicos más agresores tienden a malinterpretar las acciones de los otros (Kazdin y Buela-Casal, 1994) y otros muestran la importancia de determinadas estrategias de control de la emocionalidad propia y ajena cuando se sufre acoso escolar (Bollmer , Harris y Milich, 2006). Por tanto, los componentes ligados a la antisocialidad son un aspecto relevante en el estudio del acoso escolar. No obstante, como indica Mora-Merchán (2006), lo que determina el estrés a largo plazo tras estas experiencias no es tanto las estrategias de afrontamiento usadas durante el conflicto, como la valoración que el sujeto hace de la situación violenta (es decir, si lo vive como un reto controlable o como una amenaza que no puede ser controlada). Es decir, es la construcción hecha de la situación lo que determina el nivel de deterioro asociado al maltrato y también el modo de afrontar la situación. No obstante, la mayor parte de los estudios sobre el acoso escolar se han desarrollado desde una perspectiva objetivista, es decir, intentando definir el bullying a partir de descripciones de expertos, sin atender a la perspectiva de los protagonistas directos: los niños o jóvenes que son víctimas, agresores u observadores del mismo. Desde una práctica constructivista no se puede entender ningún fenómeno sin atender primero a la perspectiva que la persona interesada tiene sobre el mundo. En este trabajo intentamos avanzar en la comprensión de los protagonistas y para ello vamos a utilizar la metodología de la teoría fundamentada para captar el sentido qué estos dan al acoso escolar. La Teoría Fundamentada (Glasser y Strauss, 1967) respeta la singularidad e idiosincrasia de lo informado por cada persona (trabaja en el nivel narrativo de la personalidad), la generalización de los datos ha de entenderse en términos de conocimiento socio-construido compartido; es decir, la perspectiva de un sujeto es lo suficientemente personal como para no ser idéntica a la de otro, sin embargo, por haber sido construida a partir de las experiencias de la vida, puede ser potencialmente parecida a la de otros, 203 204 especialmente porque el conocimiento humano sigue leyes de construcción similares (contraste de diferencias, etc.) Básicamente, el proceso de desarrollo de una Teoría Fundamentada consiste en hacer una lectura atenta de las informaciones dadas por los sujetos informadores, normalmente recogidas a partir de entrevistas. Los informadores se eligen por relevancia teórica o social, no por significación estadística. A partir de las lecturas se van descubriendo (emergen) diferentes informaciones que describen la posición de los informadores ante el tema objeto de la investigación. El investigador parte de un objetivo, pero no tiene una concepción a priori sobre el tema a estudiar, de forma que la teoría o marco de explicación del objeto de estudio se construye a partir de lo expuesto por los informadores. La conclusión final emerge de un proceso en el que, por un lado, se anotan categorías descriptivas iniciales, por inusuales que puedan parecer y, por otro, se indica de qué informadores y en que partes de sus textos se localizaron estas categorías. Además, al leer los textos pueden surgir preguntas u orientaciones que servirán para orientar la lectura de los siguientes textos y para releer los anteriores; a estas orientaciones se les llama memos. Usando los memos se reorienta la lectura de las narrativas proporcionadas por los informadores, que son revisadas en un ciclo continuo de emergencia de categorías, descripción de resultados y anotación de nuevos memos. Dado que el análisis de las narrativas de los primeros informadores nunca es suficiente, ya que emergen nuevos datos relevantes, se van reclutando nuevos (que constituyen segundas, terceras, cuartas, etc…rondas de sujetos informadores). El proceso se detiene cuando no emergen nuevos elementos descriptivos en la última ronda de informadores y, a partir de 204 205 entonces, se cierran las conclusiones extraídas de ellos, lo que constituye la teoría fundamentada que refleja la posición de los protagonistas acerca del tema de estudio. La investigación cualitativa no excluye trabajar también con un enfoque cuantitativo. Algunos procedimientos estadísticos multivariados, como las correspondencias múltiples, permiten vincular datos cualitativos entre sí y determinar valores estadísticos para estos. En este trabajo vamos a intentar explicar como los adolescentes definen la victimización, qué estrategias sugieren para enfrentarse a ello y como estas se asocian a niveles específicos de conducta antisocial. Diseño Muestra La muestra original son 187 estudiantes de enseñanza secundaria de varios centros de la localidad de Jérez de la Frontera (Cádiz, España). El rango de edad está situado entre los 12 y los 18 años. El 49 % son chicos y el 41% son chicas. De esa muestra fueron elegidos mediante un procedimiento de selección racional 89 informantes a partir de su autoidentificación en los procesos de rol. Se les planteaba si alguna vez se había abusado de alguien o si se había sido abusado. Es decir, una pregunta en el sentido de la agresión y otra en el sentido de la victimización. Se consideró Víctima al que contestó negativamente a la primera y positivamente a la segunda, Agresor al que indicaba las respuestas inversas y Agresor-Víctima al que contestaba positivamente a ambas. Los Observadores fueron los que dieron ambas respuestas negativas. Además, para identificar a los observadores se tuvieron en cuenta otros criterios adicionales para asegurar que eran observadores con experiencia real (autopercibida) del rol de observador de acoso escolar y que no se tratara de chicos sin ningún tipo de experiencia personal asociada, que les 205 206 hubiera llevado a negar su implicación como víctimas o agresores simplemente por ser un fenómeno ajeno a ellos. Se optó por tomar sus respuestas una serie de preguntas que planteaban si se había presenciado peleas, si se conocía a alguien acosado y cuál era el grado de implicación con él. Se tomaron en cuenta sólo los Observadores autopercibidos que conocían a alguien acosado y que tenían algún grado de implicación personal directa con él (Orellana-Ramírez, 2008). Una vez elaborada esta etiquetación de los sujetos, se extrajeron de la gran muestra inicial a aquellos sujetos que tenían puntuaciones extremas (bajas o altas) en conducta antisocial según la subescala A del cuestionario AD (Seisdedos, 1998): • Víctimas (V) sin conducta antisocial (puntuación en la subescala A del cuestionario AD igual a 0). Este criterio intencional se adoptó para buscar víctimas “puras” que no tuviesen un componente agresivo, criterio que me interesaba desde el punto de vista de conseguir una muestra de informantes representativa de roles sociales. • Sujetos Agresores (A) con conducta antisocial elevada (puntuaciones por encima del centil 75). Este criterio intencional se adoptó siguiendo la lógica expuesta en el punto anterior. • Observadores Antisociales (Oa), que son los observadores que obtenían puntuaciones por encima del centil 75 en la subescala A. • Observadores No-antisociales (Ona), observadores con una puntuación 0 en la subescala A. La división de los observadores es también intencional, se busca entender las diferencias entre observadores con y sin tendencia a la agresión. • A la muestra de Agresores-víctimas (AV) no se le aplicó esta división según su medida antisocial ya que era muy pequeña (13 sujetos), optándose por tomar para el estudio la que había por defecto. 206 207 Sobre esta muestra de informantes (N=89) se desarrolló las teoría fundamentada y las categorías resultantes de la misma se aplicaron al conjunto de la muestra inicial (N=187). La muestra de informantes también estaba equilibrada en términos de género. Tanto los participantes como sus padres y madres firmaron un consentimiento para participar en el estudio. Objetivos En nuestro estudio prevalece la orientación metodológica cualitativa, por lo que no se plantean hipótesis formales. Los objetivos fundamentales son dos: 1) descubrir la concepción que los estudiantes de secundaria tienen acerca de la victimización en el acoso escolar (contenidos); y 2) comprobar si esos contenidos están modulados por el grado de antisocialidad de los informantes. Material Los instrumentos usados fueron: a) Un cuestionario ad-hoc en el que se planteaban preguntas acerca de su experiencia de acoso (en los términos comentados en el apartado de muestra). b) La subescala A (antisocialidad) del cuestionario AD (Seisdedos, 1988), una prueba psicométrica que permite discriminar comportamientos antisociales de conductas integradas. c) Una pregunta abierta en la que se recogían narrativas escritas de los sujetos acerca de su experiencia y opiniones sobre el rol de víctima (en un conflicto), es decir, acerca de lo que ellos suponen que una víctima hace o debe hacer cuando es agredida. Sobre las respuestas a esta pregunta se desarrolló la teoría fundamentada. Estas narrativas tenían una extensión muy variable, pero la consigna era que se escribiesen al menos 10 líneas de texto. 207 208 Las pruebas se aplicaron de un modo anónimo durante las horas de tutoría de los estudiantes. No obstante se utilizó un código que, sin desvelar la identidad de cada persona, permitía saber qué pruebas habiendo sido contestadas por cada una de ellas. Procedimiento. Primero se desarrolló una teoría fundamentada a partir de las narrativas sobre la pregunta de victimización. Dado que la primera autora (la persona que administró las pruebas) no tenía la posibilidad de entrevistar en profundidad a distintas rondas de informantes, el procedimiento de teoría fundamentada se varió ligeramente, sustituyendo las entrevistas por el análisis exhaustivo de las narrativas de un número elevado de informantes clave (la submuestra de 89 sujetos clasificados en cinco categorías de rol). No obstante, el análisis narrativo sí siguió los pasos típicos de la teoría fundamentada, trabajando sin a prioris teóricos y comparando constantemente unos textos con otros a través de los distintos tipos de roles hasta saturar (agotar) las posibles categorías (contenidos) emergentes. Sobre esas categorías emergentes en una primera lectura, se generaron memos que permitieron vincular las categorías entre sí, generando un árbol categorial o solución final de contenidos. Estas categorías finales fueron las que después fueron aplicadas a toda la muestra. El tercer paso fue realizar una lectura detenida de las narraciones de la muestra total y se puntuó a cada sujeto para cada una de las categorías en función de si la categoría estaba presente (1) o ausente (2) en su narración. Simultáneamente, la muestra total fue dividida en tres niveles para el grado de conducta antisocial (1, conducta antisocial nula, valor=0; 2, conducta antisocial baja, valor=1-7; 3, conducta antisocial alta, valor >7). También se consideró el género (1=varón, 2=mujer) y el tipo de rol (1=víctima, 2=agresor, 3=agresor-víctima, 4=observador no antisocial, 5=observador antisocial). 208 209 Estas clasificaciones nominales fueron las que se contemplaron en distintos análisis de correspondencias múltiples (escalamiento óptimo) realizados con el paquete estadístico SPSS 16.0 (SPSS Inc, 2006). El análisis de correspondencias permite agrupar categorías nominales (cualitativas) generando grupos de homogeneidad máxima, es decir, agrupando estadísticamente lo semejante entre sí y diferenciándolo de otros grupos diferentes. Es por tanto una herramienta que tiende un puente entre metodologías cuantitativas y cualitativas. Para que el análisis de correspondencias funcione ninguna categoría puede tener un valor nulo (no se puede usar 0 como etiqueta de una categoría). Resultados Categorías emergentes de la teoría fundamentada. En un primer momento (fase I) emergieron diversas categorías en todas las submuestras de sujetos con rol y género similares. Estas categorías en algunos casos eran muy específicas de cada muestra (por ejemplo, crítica a la víctima) mientras que otras parecían tener mayor potencial de generalización intermuestral (por ejemplo, denunciar). No obstante, las únicas categorías que parecían significativas y presentes sin ambigüedades en todas las muestras, eran aquellas que contemplaban la conducta de respuesta (o algún aspecto de ella) que se adjudicaba a una víctima (rol de víctima). Fue por ello que, tras esta primera fase de análisis, se optó por depurar esta categoría de respuesta del rol de víctima. Se decidió identificar como respuestas todas aquellas acciones expresadas en los verbos, que los sujetos comunicaban desde la identificación de algún sujeto (ellos u otros) con el rol de víctima. En algunos casos, la identificación con el rol de víctima podía resultar ambigua, ya que los sujetos no usaban explícitamente la etiqueta de víctima o no mencionaban explícitamente la conducta de agresión de otros (como se observa para ambos 209 210 casos en VOa89: "Que le pegaría"). La mayoría, por el contrario, sí sugería claramente este rol, al mencionar a alguien como agresor (agresor que agrede a un tercero, como por ejemplo MOan10: "Si fuera víctima de abusos, lo primero que haría sería decírselo a mis padres o a mis profesores. También intentaría saber por qué me tratan así. Pasar de ellos si siguen con las bromas/tonterías..."). Por tanto, se eligió la categoría central Conducta de respuesta de la víctima como punto de arranque del árbol categorial empleado en la codificación. Esta categoría se define de la siguiente manera: Todas aquellas acciones expresadas a través de verbos o perífrasis verbales (propias o ajenas) que espontáneamente el sujeto plantea como respuestas posibles (sin prefijar la naturaleza de la conducta, es decir, yo tomo para el análisis toda acción así descrita, aunque se trate de una acción inespecífica como "defenderse" -que no está determinada si es a nivel verbal o físico-). Como resumen de este análisis se elaboró el árbol categorial de la fígura 1 (OrellanaRamírez, 2008). 9 Estos códigos designan a sujetos concretos. Siguen esta lógica género-rol-número de sujeto para ese género y rol. 210 211 Las conductas o acciones que chicos y chicas mencionan como posibilidades de respuesta cuando alguien es víctima de acoso escolar, son similares tanto para hombres como para mujeres. No obstante, también han emergido categorías específicas de un sólo sexo. El análisis ha sido exhaustivo, de manera que para incluir una categoría como tal, al menos dos sujetos de un mismo sexo deben hacer referencia a la misma. En otro caso, la categoría queda subsumida bajo la etiqueta Otras, categoría-contenedor que agrupa las respuestas que no cumplen el criterio anterior. La definición de las categorías es excluyente, de modo que un tema o idea concreto sólo puede incluirse en una categoría, pero un sujeto puede marcar en tantas categorías como aparezcan en su narrativa. Las categorías comunes a ambos sexos son ocho, que se dividen en tres tipos. El primero agrupa categorías que emergen de la información dada por el sujeto informante sobre sí mismo o sobre sus preferencias y recomendaciones al otro (respuesta propia o aconsejada). El segundo tipo hace referencia a la participación de terceras personas en la resolución de la situación de agresión. El tercero informa de la respuesta a la agresión que tendrían otras víctimas. Las categorías comunes del primer tipo son: agresión física; hablar con el agresor; denunciar; escapar o huir; pasar de la situación (no darle importancia) y otras. Los tipos dos y tres contienen, cada una, sólo una categoría, cuyo nombre es el mismo que el del tipo. También existen categorías específicas para cada uno de los sexos. 211 212 En los hombres emerge una categoría específica de este género: ignorar, que como su nombre indica, implica ignorar a la persona que agrede o "no establecer ninguna conversación con él". Esta categoría es del primer tipo. En las mujeres emergen tres categorías propias, todas del primer tipo: agresión verbal, amenaza y defensa inespecífica (el sujeto menciona defenderse y/o cualquier otra acción que suponga una agresión de respuesta contra el otro de naturaleza indefinida -no se puede determinar si es de naturaleza física o verbal-). Como ya he explicado, la categoría "Otras" recoge acciones de distinta naturaleza que no han sido categorizadas antes. Reúne acciones distintas también para hombres y mujeres, pero en conjunto muestran inhibiciones de la propia agresividad como respuesta a una agresión de acoso. En los hombres (cinco chicos) aparece lo siguiente: Juntarse con el agresor percibido, ser amigo de todos, no buscar problemas por tontería, buscar consejo para actuar uno mismo. Son nueve las mujeres que cargan en la categoría Otras y las ideas que transmiten son: tener ganas de pegar, callar, no usar agresión física o verbal, buscar más amigas, no saber cómo solucionarlo. Tanto la categoría callar como la categoría no usar agresión física aparecen en dos sujetos, criterio suficiente para poder formar una categoría específica de mujeres independiente. No obstante, las contemplo como "Otras" porque tienen en común la tendencia a indicar la "inhibición de la propia agresividad" antes mencionada. Existe una categoría mencionada por sólo un sujeto: Parar los pies (dentro de un contexto de no agresión física). Realmente no puede tomarse como una inhibición de la propia agresividad y, de hecho, si este sujeto fuera mujer se categorizaría esta respuesta como "Defensa Inespecífica"; pero dado que sólo es un sujeto, no es suficiente para mantener esta categoría en los hombres. Por ello, es la única acción de un sujeto (concretamente, VAV3) que desechamos para el análisis. 212 213 Análisis de correspondencias. En el análisis de correspondencias hubo que eliminar dos categorías de las 12 emergentes de la teoría fundamentada debido al escaso número de casos que presentaban (N< 3). Estas categorías fueron las categorías no hacer nada/pasar y amenazar. Análisis de correspondencias para las categorías narrativas y el género. Alfa de Cronbach Varianza explicada Total Dimensión Inercia % (Autovalores) 1 ,427 1,635 ,149 14,865 2 ,313 1,397 ,127 12,703 3,032 ,276 1,516 ,138 Total Media ,375(a) 13,784 Tabla 1. Modelo de correspondencias para género y categorías Las agrupaciones que se generan en este análisis no son demasiado explicativas, ya que sólo cubren un 13,78% de la varianza total (tabla 1). No obstante, la solución gráfica indica una serie de soluciones que agrupan género y categorías narrativas (figura 2). Si se atiende a las agrupaciones delimitadas por los ejes de abscisas (dimensión 1) y ordenadas (dimensión 2), se puede ver que los varones están agrupados en el cuadrante 1 junto a la presencia de agresión física, agresión verbal y conductas de ignorar al otro y la ausencia de respuestas de otras víctimas y de denuncias. Las mujeres, a su vez, se asocian a los relatos de hablar con el agresor y de defensa10 en el cuadrante 2. 10 En las soluciones gráficas, un objeto anotado de la forma 1_nombre indica presencia de la categoría y 0_nombre, ausencia de la categoría. Cuando se citan los cuadrantes se mueven en el sentido de las agujas del reloj comenzando por el positivo para abscisas y ordenadas (1), el positivo para abscisas pero negativo para ordenadas (2), el negativo para ambas (3) y el negativo para abscisas pero positivo para ordenadas (4) 213 214 Análisis de correspondencias para las categorías narrativas y el grado de conducta antisocial. Alfa de Cronbach Varianza explicada Total Dimensión Inercia % (Autovalores) 1 ,439 1,665 ,151 15,136 2 ,311 1,394 ,127 12,675 3,059 ,278 1,530 ,139 Total Media ,381 13,906 Tabla 2. Modelo de correspondencias para conducta antisocial y categorías Al igual que en el caso anterior, las agrupaciones generadas tampoco son muy explicativas de la varianza posible, ya que sólo cubren un 13,90% de la varianza total (tabla 2). Pero, la solución gráfica muestra algunas homogeneidades coherentes (figura 3). Atendiendo a los ejes dimensionales podemos ver que en el cuadrante 3, los sujetos con conducta antisocial nula se caracterizan por narraciones de huida. Los sujetos con conducta antisocial baja –cuadrante 2- tienden a contar relatos de defensa y en los que no se menciona ni ignorar al otro, ni el escape, ni el rescate por parte de terceros. Por último, en el cuadrante 1 los 214 215 sujetos más antisociales se caracterizan por relatos con presencia de agresión física, agresión verbal, hablar con el agresor y ausencia de denuncias. Análisis de correspondencias para las categorías narrativas y el rol autodefinido. Alfa de Cronbach Varianza explicada Total Dimensión Inercia % (Autovalores) 1 ,457 1,712 ,156 15,562 2 ,322 1,413 ,128 12,847 3,125 ,284 1,563 ,142 Total Media ,396 14,205 Tabla 3. Modelo de correspondencias para rol y categorías La varianza explicada por las soluciones es baja 13.20% (tabla 3). Pero, de nuevo, la solución gráfica muestra homogeneidades coherentes y con sentido (figura 4). La distribución de los ejes dimensionales muestra en el cuadrante 1 que los agresores-víctimas se caracterizan por narraciones que presentan conductas agresivas físicas y verbales. En el mismo cuadrante, los observadores antisociales están muy próximos también a la agresión física y a la carencia de narrativas de inhibición. En el cuadrante 2, los agresores se caracterizan por narrativas en las que se enfatiza la defensa y hablar con los agresores. En el cuadrante 3 se ubican los 215 216 observadores no antisociales (valores nulos o bajos entre 0 y 7 en la subescala A) que se caracterizan por narraciones en la que destaca la inhibición y el rescate por parte de terceros y la ausencia de agresión física o verbal. En el cuadrante 4 se sitúan las víctimas que tienden a denunciar y en menor medida a ignorar la agresión. Discusión. En primer lugar, se puede observar que en general existe una gran coherencia de los resultados, tanto en las categorías que emergen de la teoría fundamentada como en las agrupaciones de los análisis de correspondencias. Esto implica que las narrativas tenían coherencia temática y que repiten elementos básicos de la interpretación que cada chico o chica hacía de ese fragmento de su experiencia en el que se estaba indagando (el acoso escolar). Por tanto, las narrativas, aunque sean recogidas de modo fragmentario, reflejan componentes básicos de su teoría personal sobre el mundo, de su identidad, en suma. Este fenómeno ha sido contrastado a través del estudio de la historia de vida (McAdams, 1993) o del discurso en sesiones terapéuticas (Villegas, 1992) 216 217 Se pueden entender las respuestas de la pregunta sobre el rol de víctima como estrategias de resolución de conflicto (acoso sufrido) enunciadas espontáneamente. En dicho caso, se puede decir que los hombres parecen tener un afrontamiento más activo que las mujeres, ya que su discurso se centra en el propio sujeto víctima y en su capacidad de respuesta, comparándose incluso con el otro, que sitúa al mismo nivel que él (se trata de una confrontación entre co-protagonistas). Las mujeres, por su parte, se orientan hacia el otro buscando ayuda, lo que puede indicar un afrontamiento pasivo al diluir su responsabilidad de resolver el conflicto expandiendo su preocupación hacia otros actores; ciertamente sustentado por los estereotipos tradicionales de género (Borum y Verhaagen, 2006). Pero la segunda respuesta que ofrecen las mujeres puede abrir otras posibilidades: hablar con el agresor. Esta respuesta supone entrar de pleno en el conflicto, gestionando elementos importantes como la clarificación de la perspectiva del otro y trasladando el conflicto a un terreno más interpersonal, en vez de alejar al agresor. Resultados similares, referidos a las estrategias de afrontamiento de las chicas en casos de acoso han sido recogidos por otros autores (ProthowStith y Spivak, 2005). Los análisis de correspondencias confirman agrupaciones lógicas, a pesar de que su valor de explicación de la varianza no es alto en ningún caso. Esto indica que para dar cuenta de la agrupación de contenidos narrativos con roles, grado de antisocialidad o género, es necesario tener en cuenta otras variables. Pero también es verdad que el número de categorías narrativas era muy alto, lo que necesariamente dispersa los datos (genera mayor variabilidad) y, posiblemente, reduce la varianza explicada. Pero, la agrupación es lógica y concordante con otros estudios: los varones son más agresivos y las mujeres más tendentes a la prosocialidad y la negociación. (Carrasco y del Barrio, 2007; Connor, 2002; Garcia-Martínez y Orellana-Ramirez, 2008). 217 218 En cuanto al grado de antisocialidad, los sujetos con una agresividad nula tienden a huir, es decir, rechazan todo comportamiento violento, incluso aunque sea protector, los sujetos con una tendencia agresiva baja tienden a defenderse sin huir y los más agresivos tienden a agredir. Son muchos los estudios que arrojan resultados similares, entre otros, los de Eysenck y Eysenck (1985) acerca de la extraversión y el neuroticismo, a mayor inhibición y neuroticismo, mayor tendencia a la huida, a mayor neuroticismo e impulsividad, mayor agresividad. En cuanto a la agrupación de narrativas y roles, los resultados también son coherente, la agresividad manifiesta y la falta de inhibición de la violencia es típica de sujetos con rasgos violentos (agresores-víticmas y observadores antisociales), las víctimas tienden a buscar ayuda o tienden a usar estrategias negacionistas y mágicas (ignorar la situación). Los observadores no antisociales tienden a inhibir la agresividad, siendo los más ajustados socialmente, tanto en términos de conducta como de deseabilidad social. Los agresores no se consideran violentos a sí mismos, sino personas que protegen, por ello remarcan elementos de defensa y de negociación previa con el otro, definido como el auténtico agresor, efecto encontrado por diversos investigadores (Beck, 1999; Corsi y Bonino, 2003; Orellana-Ramírez, 2008). Por último, es necesario remarcar que los análisis de correspondencias convergen básicamente con los hallazgos puramente cualitativos (categorías de la teoría fundamentada) y además permiten organizar una organización coherente del grado de antisocialidad en función de las categorías narrativas, por lo que estamos ante un resultado que encuentra concordancias entre medidas de distintos dominios de la personalidad, siguiendo el enfoque de McAdams y Pals (2006). 218 219 Referencias Beck, A. T. (1999). Prisoners of Hate: The Cognitive Basis of Anger, Hostility, and Violence. Nueva York: Harper-Collins. Bollmer, J. M.; Harris, M. J. & Milich, R. (2005) Reactions to bullying and peer victimization: Narratives, physiological arousal, and personality. Journal of Research in Personality, 40, 803-828. Borum, R. y Verhaagen, D. (2006). Assessing and manging violence risk in juveniles. Nueva York: Guilford Press. Carrasco, M. A. y del Barrio, V (2007). El modelo de los cinco grandes como predictor de la conducta agresiva infanto-juvenil. Revista de Psicopatología Psicología Clínica, 12, 23-32. Collell, J. y Escudé, C. (2006). El acoso escolar: un enfoque psicopatológico. Anuario de Psicología Clínica y de la Salud., 2, 9-14. Connor, D.F. (2002). Aggression and antisocial behaviour in children and adolescent. Research and treatment. Nueva York: Guilford Press. Corsi, J. y Bonino, L. (2003). Violencia y género: la construcción de la masculinidad como factor de riesgo. En J. Corsi y G. M. Peyrú (Coords.). Violencias sociales, pgs. 117-138. Barcelona. Ariel. Eysenck, H. J y Eysenck, M. W. (1985) Personality and Individual Differences: A Natural Science Approach. Nueva York: Plenum Press. Garcia-Martínez, J. y Orellana-Ramírez, M.C. (2008). Variables Psicológicas Moduladoras de la Autodefinición del Perfil en Procesos de Acoso Escolar: El papel del género y el curriculum escolar. European Journal of Education & Psychology, 1 (2), 41-55. 219 220 Glasser, B. y Strauss, A. (1967). The discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research. Nueva York: Aldine. Kazdin, A. E. y Buela-Casal, G. (1994). Conducta antisocial. Evaluación, tratamiento y prevención en la infancia y adolescencia. Madrid: Pirámide. McAdams, D. P. (1993). Stories we live by. Personal myths and the making of the self. Nueva York: Guilford Press. McAdams, D.P. & Pals, J.L. (2006). A New Big Five. Fundamental Principles for an Integrative Science of Personality. American Psychologist; 61(3): 204–217. Mora-Merchán, J. A. (2006). Las estrategias de afrontamiento, ¿mediadoras de los efectos a largo plazo de las víctimas de bullying? Anuario de Psicología Clínica y de la Salud, 2, 1526. Orellana-Ramírez, M. C. (2008). Yo sólo me defiendo, No soy culpable. Un esbozo de teoría fundamentada sobre el significado del acoso escolar para sus protagonistas. Trabajo no publicado presentado para la obtención del Diploma de Estudios Avanzados: Universidad de Sevilla. Ortega, R. (1994). Violencia Interpersonal en los centros educativos de enseñanza secundaria. Un estudio sobre el maltrato y la intimidación entre compañeros. Revista de Educación, 304, 55-67. Prothow-Stith, D. y Spivak, H. R. (2005). Sugar and spice and no longer nice: how we can stop girls’ violence. San Francisco: Jossey-Bass. Seisdedos, N. (1988). Cuestionario AD. Madrid: TEA. Serrano, A. e Iborra, I. (2006). Violencia entre compañeros en la escuela: España 2005. Valencia: Centro Reina Sofía para el Estudio de la Violencia. 220 221 SPSS Inc. (2007). Statistical Package for the Social Sciences 16.0. Chicago: Ill. Villegas, M. (1992). Análisis del discurso terapéutico. Revista de Psicoterapia, 3, 10-11, 23-66. 221 222 Candidatura 14 Autores: Fabio Scorsolini-Comin & Manoel Antônio dos Santos Título: A Psicologia Positiva no contexto brasileiro: história, presente e perspectivas futuras 222 223 A Psicologia Positiva no contexto brasileiro: história, presente e perspectivas futuras Fabio Scorsolini-Comin11 ([email protected]) Manoel Antônio dos Santos12 ([email protected]) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Brasil Agência de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) Resumo Dada a recorrência de estudos na perspectiva da Psicologia Positiva a partir da década de 90, o objetivo deste estudo é apresentar uma revisão integrativa da literatura produzida no contexto brasileiro, por meio da análise de artigos indexados nas bases LILACS e SciELO, publicados entre 1970 e 2008. Foram localizados 246 publicações. Entre as principais contribuições da Psicologia Positiva no Brasil destacam-se: a construção de instrumentos de avaliação e modelos de intervenção, com predominância de estudos de revisão teórica e de relação com outros conceitos, revelando que esse movimento ainda não recebeu a devida atenção do meio científico brasileiro. Por ser recente, tem mobilizado o desenvolvimento de estudos nacionais predominantemente de fundamentação teórica, uma vez que a maioria dos trabalhos nesta perspectiva foram desenvolvidos no cenário internacional. Examinando as perspectivas futuras para a área, cada vez mais as pesquisas devem se voltar para os aspectos positivos da personalidade e dos fatores que efetivamente promovem o desenvolvimento, em diferentes contextos de investigação. Pelos trabalhos selecionados, conclui-se que a comunidade acadêmica brasileira está despertando para acompanhar os relevantes avanços da área, o que pode favorecer uma rápida e complexa produção científica no mundo, que rompe com os ideais epistemológicos vigentes até o momento. (FAPESP) 11 Psicólogo e mestrando em Psicologia e Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil (FFCLRPUSP). Especialista em Gestão Educacional e graduando em Pedagogia pela Universidade de São Paulo. Pesquisador na área de conjugalidade e bem-estar subjetivo e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 12 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Brasil (FFCLRP-USP). Professor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Brasil (FFCLRP-USP). Bosista de produtividade científica do CNPq. 223 224 1. Introdução A Psicologia, durante muito tempo, deu ênfase às questões relacionadas à doença, não se atendo às discussões sobre a saúde e o bem-estar (Diener, 1984). É nesta lacuna de investigações que se situa a Psicologia Positiva. Graziano (2005), ao discorrer sobre as origens da Psicologia e, especificamente, da Psicologia Positiva, afirma que a Psicologia enquanto ciência deve contemplar toda a complexidade e diversidade da mente humana e não apenas alguns de seus atributos, positivos ou negativos. Para esta autora, a Psicologia ainda está voltada para a doença, para os aspectos tidos como negativos ou desfavoráveis, uma vez que há intensa dificuldade de romper com este paradigma, que remonta à Segunda Guerra Mundial. Após este período histórico, os estudos em Psicologia se direcionaram para a recuperação e remediação de déficits e patologias. Na seqüência, surgiu uma concepção do ser humano baseada e influenciada pela doença mental e pelas disfuncionalidades dos sistemas e organizações, destacando as fragilidades e limitações das pessoas (Marujo, Neto, Caetano & Rivero, 2007). Naquela época, segundo Seligman (2004), a Psicologia era fortemente identificada como um tratamento de doenças mentais, a fim de curar desordens e não vinculada à promoção de saúde e qualidade de vida das pessoas. O foco na doença ajudou a construir uma Psicologia que negligenciou uma importante fatia do estudo dos seres humanos, ou seja, de suas potencialidades e aspectos positivos de desenvolvimento. A partir disso, Marujo et al. (2007) destacam que surgiu um movimento interessado em discutir aspectos como felicidade, bem-estar, otimismo e longevidade, temas que simplesmente eram descartados pelos pesquisadores anteriormente devido ao foco na doença. Assim como apontado no trabalho de Marujo et al. (2007), a Psicologia Positiva surge na década de 1990 e se constitui como uma “área de estudo científica própria, vibrante e multifacetada que vai além de uma abordagem centrada nos problemas e nas patologias, para se endereçar teórica e empiricamente à 224 225 construção das melhores qualidades de vida, nos âmbitos subjetivo, individual e grupal” (p. 117). Segundo Sheldon e King (2001), a Psicologia Positiva é o estudo científico das forças e virtudes próprias do indivíduo. Para Seligman (2004), trata-se do estudo de sentimentos, emoções, instituições e comportamentos positivos que têm como objetivo final a felicidade humana. Do ponto de vista de contextualização histórica, a Psicologia Positiva foi desenvolvida por Seligman (2004), que propôs, basicamente, a modificação do foco da Psicologia de uma reparação das “coisas ruins da vida” para a construção de qualidades positivas (Caprara & Steca, 2006). De acordo com Seligman (2004), a Psicologia Positiva se sustenta sobre três pilares principais, a saber: o estudo da emoção positiva; o estudo dos traços ou qualidades positivas, principalmente forças e virtudes, incluindo habilidades como inteligência e capacidade atlética; e, por fim, o estudo das chamadas instituições positivas, como a democracia, a família e a liberdade que dão suporte às virtudes que, por sua vez, apóiam as emoções positivas (Graziano, 2005, p.34). A Psicologia Positiva pretende debruçar-se sobre as experiências positivas (como emoções positivas, felicidade, esperança, alegria), características positivas individuais (como caráter, forças e virtudes), e instituições positivas (como organizações baseadas no sucesso e potencial humano, sejam locais de trabalho, escolas, famílias, hospitais, comunidades, sociedades ou ambientes físicos a todos os títulos saudáveis) (Marujo et al., 2007; Larrauri, 2006; Park & Peterson, 2007; Peterson & Seligman, 2004; Seligman, 2002; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). No cenário global contemporâneo, temos observado uma série de mudanças e cada vez mais todos são expostos à complexidade crescente. Sendo assim, alguns teóricos revisitados por Graziano (2005), como Wright (2000) e Marsella (1998), destacam que quanto mais jogos de soma positiva houver em uma cultura, maiores serão as suas chances de 225 226 sobrevivência e desenvolvimento. Esses e outros apontamentos justificam não apenas a necessidade de uma Psicologia Positiva, mas principalmente do desenvolvimento de pesquisas na área. De acordo com Graziano (2005), o desenvolvimento de pesquisas na área da Psicologia Positiva talvez se torne uma questão de sobrevivência, uma vez que é preciso que temas como virtude, caráter e felicidade humana sejam discutidos de forma secular, produzindo um conhecimento capaz de transpor os portais das igrejas e a superficialidade dos manuais de auto-ajuda, de forma que todos possam crer na sua existência. Feita essa breve apresentação e contextualização do quadro teórico conceitual, compreende-se que a Psicologia Positiva ainda é um campo científico recente e que deve ser mais explorado tanto por pesquisas empíricas que resgatem seus pressupostos, quanto por trabalhos que explorem o modo como este referencial vem sendo utilizado na ciência e de que modo ele tem contribuído para o desenvolvimento da Psicologia. Os estudos de revisão sistemática da literatura são escassos, resgatando os principais trabalhos produzidos sobre o tema na atualidade. 2. Objetivo Apresentar uma revisão na literatura científica acerca da Psicologia Positiva, buscando evidenciar o perfil dos trabalhos publicados em fontes de pesquisa de impacto, de modo a possibilitar um maior direcionamento das pesquisas sobre este referencial teórico e discutir as tendências dessas publicações, bem como as perspectivas de produção na área, notadamente no contexto científico brasileiro. 226 227 3. Método De acordo com Beyea e Nicoll (1998), uma revisão integrativa sumariza pesquisas passadas e tira conclusões globais de um corpo de literatura de um tópico em particular. Segundo Fernandes (2000), a revisão integrativa permite a construção de uma análise ampla da literatura, contribuindo para discussões sobre métodos e resultados de pesquisa, assim como reflexões sobre a realização de futuras pesquisas. É necessário, portanto, seguir padrões de rigor e clareza na revisão e crítica, de forma que o leitor possa identificar as características reais dos estudos revisados. De acordo com os procedimentos de Ganong (1987) e ScorsoliniComin e Amorim (2008), embora os métodos para a condução de revisões integrativas variem, existem padrões a serem seguidos. Na operacionalização dessa revisão, utilizamos as seguintes etapas: seleção da questão temática, estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra, análise e interpretação dos resultados e apresentação da revisão. 3.1. Procedimento As buscas nas bases foram realizadas em um único dia em uma rede de acesso público de uma universidade pública do Estado de São Paulo. Em todas as bases de dados foi utilizado o termo de busca Psicologia Positiva (Positive Psychology). Após o levantamento das publicações, os resumos foram lidos e analisados segundo os critérios de inclusão/exclusão estabelecidos. Os trabalhos selecionados foram recuperados na íntegra e, posteriormente, analisados. 3.2. Bases consultadas Visando assegurar uma ampla abrangência desta revisão, foram consultadas as seguintes bases: LILACS e SciELO. A base PEPsic reúne uma coleção de revistas científicas em Psicologia e áreas afins. É fruto da parceria entre a Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia (BVS-Psi) e a Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia – ABECiP. Esta base não 227 228 foi utilizada neste estudo, uma vez que em revisões anteriores (Scorsolini-Comin & Amorim, 2008), a maioria dos trabalhos resgatados nesta fonte foram também encontrados nas bases LILACS e SciELO, que possuem maior abrangência. A LILACS é uma base de dados cooperativa da Rede BVS que compreende a literatura relativa às ciências da saúde, publicada nos países da América Latina e Caribe, a partir de 1982. A SciELO (Scientific Electronic Library On-line Brasil) é uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros que tem por objetivo a preparação, armazenamento, disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico. 3.3. Critérios de inclusão e exclusão dos trabalhos Para esta revisão, foram excluídos trabalhos como teses, dissertações, resenhas, entrevistas, livros e capítulos de livros. Foram selecionados apenas resumos de artigos indexados. Essa escolha se deve ao fato de que em uma das bases (LILACS) há alto registro de trabalhos deste tipo (não apenas artigos indexados) e que, muitas vezes, podem não passar por um processo de avaliação aos pares, o que garante a qualidade do trabalho e de apreciação científica. A fim de buscar apenas trabalhos que passaram por um processo rigoroso de avaliação, foram selecionados apenas artigos indexados (Scorsolini-Comin & Amorim, 2008). Foram excluídos, ainda, trabalhos distantes do tema, como trabalhos relacionados à área médica e à Psicologia Experimental (descrição de experimentos não ligados à Psicologia Positiva). O levantamento compreendeu o período de 1970 a 2008. Tal abrangência objetivou traçar um perfil das publicações, ao longo dos últimos 38 anos, na tentativa de resgatar grande volume de trabalhos produzidos a respeito do tema ou utilizando-se dessa noção, a despeito da ressalva de que a Psicologia Positiva se desenvolveu, fundamentalmente, a partir da década de 90 (Marujo et al., 2007). Como critérios de inclusão, destacamos: artigos publicados apenas em periódicos indexados; trabalhos publicados nos idiomas português, inglês, espanhol e 228 229 francês; e, ainda, trabalhos empíricos, teóricos e de revisão acerca do tema. Os resumos condizentes com os critérios adotados foram selecionados, partindo-se daí para a busca dos trabalhos completos, que foram posteriormente analisados, segundo categorias temáticas. 4. Resultados Nas bases selecionadas, foram encontrados 246 trabalhos pelos termos de busca. Entre os trabalhos excluídos, a grande maioria se refere à área médica, como estudos de caso de patologias específicas como câncer, diabetes e outros, além de investigações sobre prevalência e tratamentos de doenças (73 trabalhos); outra grande produção excluída está relacionada à Psicologia Experimental, dentro da perspectiva da Psicologia Comportamental (52 trabalhos). Esses estudos reportam resultados de experimentos realizados com ratos e outros modelos animais acerca de determinados aspectos do comportamento, sem relação direta ou indireta com a perspectiva da Psicologia Positiva. Outro eixo de destaque encontrado foi o de trabalhos que abordam o HIV, a vivência da soropositividade sem relação direta com a perspectiva da Psicologia Positiva (33 trabalhos). Outros eixos elencados foram: Psicologia Clínica (16 trabalhos); educação (11); antropologia/filosofia/religião (11); testes psicológicos (nove); habilidades sociais (nove); inclusão (quatro); Psicologia Ambiental (três); idosos (três); saúde no trabalho (dois); arte (um); homossexualidade (um); cooperativismo (um); educação musical (um); violência (um); adolescência (um) e ecologia do desenvolvimento (um). A partir dos critérios de inclusão/exclusão, chegou-se a um total de 10 artigos selecionados, que constituíram o corpus da pesquisa. Esses artigos foram lidos na íntegra e analisados em profundidade. Deve-se destacar que a redução drástica do número de trabalhos - de 246 encontrados para apenas 10 selecionados e resgatados – deve-se à grande dispersão 229 230 dos trabalhos. Assim, a maioria das publicações encontradas se referiam à Psicologia enquanto área mais ampla ou a aspectos positivos de determinada área, como a questão do reforçamento na terapia comportamental ou na Psicologia Experimental. Assim, apenas os trabalhos que efetivamente abordavam a Psicologia Positiva enquanto área de estudos foram selecionados para discussão. Atesta-se, ainda, que este campo de investigação, embora atual e discutido pela Psicologia de modo crescente, notadamente a partir de 1998, tem sido contemplado por poucos trabalhos de revisão ou empíricos que adotem tal referencial. Em alguns trabalhos, os autores apenas mencionam a assunção da Psicologia Positiva sem, no entanto, utilizá-la efetivamente. Como a maioria dos trabalhos localizados foi produzida no contexto brasileiro, deve-se considerar que a tímida produção nacional contrasta com a produção européia e norte-americana, uma vez que, em levantamentos anteriores, a partir de outras bases de dados, apontou-se grande volume de trabalhos nessas regiões (Marujo et al., 2007; Larrauri, 2006; Park & Peterson, 2007; Caprara & Steca, 2006; Peterson & Seligman, 2004; Seligman, 2002; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). Em relação ao ano de publicação dos trabalhos selecionados, observa-se que 57% se concentram nos anos de 2006 e 2007 (quatro trabalhos), o que revela se tratar de uma produção recente e em crescimento; 28% dos artigos selecionados são do ano de 2003 (dois trabalhos) e apenas 14% de 2002. Ou seja, todos os trabalhos selecionados são da década em curso, o que mostra que, embora as discussões relativas a esta perspectiva sejam anteriores, como observado na introdução, o pico de produções científicas se deu na presente década, com acentuado crescimento nos dois últimos anos. Em relação ao idioma, a maioria dos trabalhos selecionados nessas bases encontra-se em português (86%), seguidos por dois trabalhos (14%) em língua 230 231 espanhola. Nenhum trabalho em inglês foi selecionado, idioma no qual predominam as produções médicas e comportamentais indiretamente relacionadas à perspectiva investigada. No que se refere ao perfil dos trabalhos selecionados e resgatados, todos fazem uma breve contextualização da área da Psicologia Positiva. Este movimento é compreendido como uma aproximação das pesquisas à comunicação científica, uma vez que este campo de investigação é relativamente recente. Encontraram-se importantes artigos de revisão histórica, destacando a origem e o surgimento da Psicologia Positiva (Passareli & Silva, 2007; Ferraz, Tavares & Zilberman, 2007; Paludo & Koller, 2007), bem como as suas implicações para a ciência psicológica (Serbena & Raffaelli, 2003; Yunes, 2003; Paludo & Koller, 2007). Outros trabalhos destacaram os conceitos existentes dentro da Psicologia Positiva, como o bem-estar subjetivo (Guedea, Albuquerque, Tróccoli, Noriega, Seabra & Guedea, 2006; Passareli & Silva, 2007; Paludo & Koller, 2007), e flow (Paludo & Koller, 2007), bem como a sua correlação com as noções de resiliência (Yunes, 2003), self (Liberalesso, 2002), estratégias de enfrentamento, apoio social e variáveis sociodemográficas (Guedea et al., 2006). Em relação às populações estudadas nos trabalhos empíricos, destacam-se os idosos (Liberalesso, 2002; Guedea et al., 2006). Outro eixo de destaque são os trabalhos que abordam os instrumentos de mensuração existentes nesta perspectiva, geralmente em relação ao bem-estar subjetivo e à satisfação (Paludo & Koller, 2007; Ferraz, Tavares & Zilberman, 2007). Por fim, destacam-se os trabalhos que abordam os campos de aplicação da Psicologia Positiva, bem como as suas perspectivas em termos 231 232 de produção científica e intervenção (Paludo & Koller, 2007; Contreras & Esguerra, 2006). 5. Análise e discussão dos trabalhos 5.1. A Psicologia que estuda a felicidade: uma revisão histórica O estudo de Passareli e Silva (2007) apresenta o surgimento da Psicologia Positiva como um importante novo campo de estudos da Psicologia contemporânea, que emerge em um momento em que novos estudos têm focado a compreensão das forças e virtudes humanas. Segundo os autores, especial atenção é dada a um de seus principais componentes – o bem-estar subjetivo –, também conhecido como felicidade. Buscando elucidar os aspectos envolvidos no estudo do bem-estar subjetivo, o artigo aborda alguns de seus principais correlatos, afirmando que o melhor entendimento dos fatores envolvidos com o surgimento tanto de emoções positivas quanto de negativas permite uma maior compreensão da condição humana diante das adversidades. Como se trata de um artigo de revisão histórica, os autores destacam a publicação, em 2002, do livro Authentic happiness, traduzido para o português no ano de 2004 (Seligman, 2004), em que este autor relata suas reflexões sobre a Psicologia Positiva e sua relação com a felicidade. O artigo também apresenta uma perspectiva sobre os estudos realizados acerca do bem-estar subjetivo no âmbito internacional e, portanto, dentro da Psicologia Positiva. Segundo Passareli e Silva (2007), diferentes estudos que envolvem o bem-estar subjetivo já foram realizados, principalmente fora do Brasil. A maioria dos estudos relacionados por Passareli e Silva (2007) investigavam o bem-estar subjetivo em estudos transculturais, tentando apontar as diferenças culturais como uma variável relacionada à percepção de felicidade. A maioria dos 232 233 participantes dessas pesquisas era constituída de estudantes. Apenas um trabalho, que utilizou escalas e questionários para mensurar o bem-estar subjetivo, foi referido neste artigo resgatado. Passareli e Silva (2007) também apontaram que, no Brasil, poucos estudos sobre o bem-estar subjetivo foram realizados, destacando apenas dois, um com adolescentes e outro com policiais civis para a validação de um questionário de avaliação do bem-estar subjetivo em termos de afetos positivos, negativos e satisfação com a vida (Albuquerque & Tróccoli, 2004). Passareli e Silva (2007) concluem afirmando a necessidade do “desenvolvimento de outros estudos que abordem a importância do bem-estar subjetivo tanto para conhecer mais profundamente o tema como para adequá-lo à realidade brasileira” (p.516). Em um outro artigo selecionado, Serbena e Raffaelli (2003) apresentam uma reflexão sobre a Psicologia enquanto ciência, afirmando que a mesma é definida habitualmente como ciência do comportamento, mas necessita uma revisão de seus pressupostos. Este artigo foi selecionado e resgatado justamente por fazer um levantamento no plano epistemológico e teórico, ao sustentar que a dificuldade em se definir o objeto de estudo da Psicologia gerou um projeto contraditório dentro da área, uma vez que esta ficou dividida entre uma ciência natural, segundo os moldes tradicionais e um saber sobre a subjetividade, mais afim com a filosofia, sendo dessa forma radicalmente diferentes. Entretanto, “esta contradição está presente no próprio projeto de constituição da Psicologia como ciência separada da filosofia e de outras ciências, como a sociologia e a medicina” (Serbena & Raffaelli, 2003, p.33). Os autores prosseguem destacando esta contradição entre a necessidade de uma epistemologia positiva, que dissolve o sujeito na universalidade e na 233 234 impessoalidade, e um estudo da subjetividade que remete ao único e ao particular. Este embate provocaria dificuldades até mesmo na formação de novos psicólogos, uma vez que nasceria daí a clássica cisão entre a teoria e a prática. A Psicologia, na visão de Serbena e Raffaelli (2003), não pode se sujeitar a uma função ideológica, o que é exemplificado quando a complexidade do comportamento humano é negligenciada ao ser considerado apenas por meio de um modelo teórico linear e simples, oriundo de uma visão mecanicista da realidade. Este modelo aproxima-se de um novo paradigma científico que emerge em certas reflexões contemporâneas (Serbena & Raffaelli, 2003, p.36), paradigma dentro do qual nasce a Psicologia Positiva, ou seja, diferentemente do positivismo criticado no trabalho, esta nova corrente do pensamento psicológico seria uma resposta ao paradigma colocado, rompendo a dicotomia entre teoria e prática, saúde e doença, visão particular e visão universal. Um outro trabalho selecionado apresenta também uma revisão na literatura científica, mas a respeito do conceito de felicidade. Ferraz, Tavares e Zilberman (2007) referem que a felicidade é uma emoção básica caracterizada por um estado emocional positivo, com sentimentos de bem-estar e de prazer, associados à percepção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida do mundo. Destacam que, nos últimos anos, diversos pesquisadores têm se preocupado em desvendar as relações entre felicidade e saúde mental. A partir disso, os autores revisaram criticamente a literatura científica que aborda o tema da felicidade, assim como as suas contribuições para a saúde mental e a psiquiatria, especificamente. Segundo este trabalho, os estudos na perspectiva da Psicologia Positiva têm sido publicados notadamente por pesquisadores norte-americanos e europeus. Em outro artigo selecionado, Paludo e Koller (2007) descrevem que a Psicologia Positiva está em pleno processo de expansão dentro da ciência psicológica, a qual possibilita uma reavaliação das potencialidades e virtudes humanas por meio do estudo das condições e 234 235 processos que contribuem para a prosperidade. De acordo com essa nova visão, o conhecimento das forças e virtudes poderia propiciar o “florescimento” (flourishing) das pessoas, comunidades e instituições. 5.2. De mãos dadas com outros conceitos Em outro trabalho selecionado, publicado em 2003, Yunes apresenta a Psicologia Positiva como movimento de investigação de aspectos potencialmente saudáveis dos seres humanos, em oposição à Psicologia tradicional e sua ênfase nos aspectos psicopatológicos. Dentre os fenômenos indicativos de vida saudável, a autora destaca a resiliência, por referir-se a processos que explicam a superação de adversidades, cujo discurso hegemônico foca o indivíduo. Yunes (2003) afirma que as pesquisas quantitativas colaboram para naturalizar a resiliência como capacidade humana, e os estudos em famílias trazem contribuições de pesquisas qualitativas realizadas na visão sistêmica, ecológica e de desenvolvimento. Consideradas as dificuldades metodológicas e as controvérsias ideológicas do conceito, Yunes (2003) sugere uma cautelosa investigação de sentido antes da aplicação do termo. O conceito de resiliência, segundo o levantamento de Yunes (2003), ainda é bastante discutido na Psicologia, não havendo uma uniformidade e unidirecionalidade em seu uso. O foco das pesquisas pode recair tanto sobre o indivíduo quanto sobre a família. Em relação ao indivíduo, e é nesse ponto que a Psicologia Positiva, a partir do conceito de bem-estar subjetivo (percepção individual) se vincula de modo mais íntimo à resiliência, que passa a ser definida como uma capacidade universal que permite que uma pessoa, grupo ou comunidade previna, minimize ou supere os efeitos nocivos das adversidades (p.78). Alguns estudos, contrapondo-se a esta visão individualista de 235 236 resiliência, concebem que o conceito não é uma característica ou traço individual, mas que processos psicológicos devem ser cuidadosamente examinados. Em outro estudo selecionado, de Guedea, Albuquerque, Tróccoli, Noriega, Seabra e Guedea (2006), foram analisadas as relações das estratégias de enfrentamento, apoio social e variáveis sociodemográficas com o bem-estar subjetivo de uma amostra de idosos. Participaram 123 idosos, revelando que a satisfação com a vida é maior em mulheres, em pessoas que recebem pensão, pessoas que estão satisfeitas com o apoio recebido, pessoas que dão apoio aos outros e pessoas que enfrentam os problemas de forma direta e mediante re-avaliação positiva. Neste artigo, é também abordada a noção de bem-estar subjetivo em comparação com outros conceitos como os de estratégias de enfrentamento e apoio social. Segundo os autores, essas variáveis estão diretamente relacionadas ao bem-estar subjetivo, assim como sustentado no estudo de Yunes (2003). Guedea et al. (2006), a partir de uma ampla revisão na literatura, destacam que o bem-estar subjetivo está associado ao processo de envelhecimento e constitui um indicador de saúde mental, também sinônimo de felicidade, ajuste e integração social. Em outro trabalho selecionado, Liberalesso (2002) parte da perspectiva da Psicologia Positiva para analisar o bem-estar subjetivo durante a vida adulta e a velhice. A autora apresenta uma revisão de diversas concepções e indicadores, como os sociodemográficos, socioculturais e de bem-estar subjetivo, apresentando alternativas de avaliação do bem-estar nas literaturas nacional e internacional. 236 237 5.3. A procura que não cessa: perspectivas da Psicologia Positiva Após resgate histórico presente também em outros trabalhos, Contreras e Esguerra (2006) destacam que, nos últimos anos, as pesquisas em Psicologia evidenciam uma tendência a abordar as variáveis positivas e preventivas ao invés dos aspectos negativos e patológicos tradicionalmente estudados. Segundo levantamento feito por esses autores, essa tendência se apresenta como uma perspectiva para os próximos anos, ou seja, cada vez mais as pesquisas devem se voltar para os estudos dos aspectos positivos da personalidade e dos fatores que efetivamente promovem o desenvolvimento, compreendendo e fortalecendo os fatores que permitem os seres humanos prosperarem, de modo a melhor a qualidade de vida das comunidades e sociedades nas quais estão inseridos. De acordo com Contreras e Esguerras (2006), as emoções positivas possuem um objetivo fundamental na evolução da espécie, uma vez que ampliam os recursos intelectuais, físicos e sociais dos indivíduos, proporcionando longevidade e capacidade de adaptação. Ao experimentarem sentimentos positivos, as pessoas modificam suas formas de pensamento e ação, incrementando seus padrões para atuarem em certas situações mediante a otimização dos próprios recursos pessoais em diferentes níveis. No nível clínico, um dos objetivos da Psicologia Positiva tem sido o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que favoreçam a experiência emocional positiva, o que se relaciona à prevenção e o tratamento de problemas derivados ou exacerbados pelas emoções negativas, tais como a ansiedade, a depressão, a agressão e outras. Essas últimas emoções, na visão dos autores, restringem o repertório de pensamento e de ação dos indivíduos. Na área da educação, têm sido desenvolvidos trabalhos sobre motivação, desenvolvimento de jovens, orientação profissional e 237 238 familiar, entre outros temas, que enfatizam a geração e otimização das forças existentes nas pessoas, suas emoções positivas. A Psicologia Positiva na educação centra sua atenção nas forças e atributos especificamente positivos das pessoas e dos grupos nos ambientes pedagógicos. Por fim, os autores revelam a necessidade premente de que mais estudos empíricos sejam realizados como forma de desenvolver as pesquisas interventivas em Psicologia Positiva, a fim de se criarem instrumentos válidos para a mensuração de características relacionadas ao bem-estar e à felicidade, além de propostas de atuação prática que enlevem as emoções positivas como promotoras de desenvolvimento, saúde e qualidade de vida. O movimento da Psicologia Positiva tem produzido importantes aplicações e avanços científicos. Constata-se a existência de uma tendência positiva devido ao crescente número de publicações no cenário científico internacional, o que evidencia o interesse dos pesquisadores nessas temáticas. Ainda entre as contribuições deste campo, Paludo e Koller (2007) destacam a terapia positiva, que é uma modalidade de tratamento que visa fortalecer os aspectos saudáveis e positivos dos indivíduos, (re)construir as virtudes e forças pessoais e ajudar os clientes a encontrarem recursos inexplorados para mudança positiva. Ainda de acordo com este estudo, outra importante contribuição da Psicologia Positiva envolve a possibilidade de abordar as questões envolvidas no desenvolvimento do indivíduo, reconhecendo que as pessoas e suas experiências estão inseridas em contextos sociais e culturais. Essa concepção não corresponde a um movimento inédito na Psicologia, mas produz uma mudança na teoria psicológica ao conceitualizá-lo como um organismo integrado. Por isso, dedica-se, também, ao estudo do funcionamento de grupos e instituições, por entender que esses ambientes são significativos na vida das pessoas (p.15). No Brasil, Paludo e Koller (2007) revelam que o movimento da Psicologia Positiva ainda não recebeu a devida atenção, o que é corroborado pelos dados obtidos nesta revisão 238 239 sistemática da literatura. Examinando as perspectivas futuras para a área, as autoras concluem o trabalho afirmando que a comunidade acadêmica brasileira está despertando para acompanhar os relevantes avanços da Psicologia Positiva. O movimento vem favorecendo, segundo as autoras, uma rápida e complexa produção científica no mundo, rompendo com os ideais epistemológicos vigentes até o momento. 6. Discussão A Psicologia Positiva, enquanto área do saber psicológico, não promove uma novidade, não cria uma nova realidade, mas é um exercício teórico e metodológico no sentido de mudar a visão tradicional que se lança aos fenômenos investigados pela Psicologia, em uma proposta perspectiva que evidencia os aspectos positivos e salutares do desenvolvimento, dentro de uma proposta de compreensão que prioriza a prevenção (Diener, 1984; Seligman, 2002, 2005, 2006; Albuquerque & Tróccoli, 2004; Csikszentmihalyi, 2006) e o florescimento de aspectos positivos que possam ser adaptativos (Graziano, 2005; Fiquer, 2006). No Brasil, Paludo e Koller (2007) revelam que o movimento da Psicologia Positiva ainda não recebeu a devida atenção, o que é corroborado pelos resultados sistematizados na presente revisão integrativa da literatura. Apesar disso, pode-se perceber que esses trabalhos estão aumentando, notadamente os de revisão, que se preocupam não apenas em apontar tendências, mas em resgatar o histórico desse movimento, a fim de entender seus pressupostos de base, bem como seus avanços, limites e possibilidades. Esse movimento crescente pode contribuir para a edificação de mais trabalhos empíricos nesta vertente, o que foi destacado como uma carência na presente revisão. Pensando ainda no contexto brasileiro e na produção científica dedicada à Psicologia Positiva, corroboramos os apontamentos de Paludo e Koller (2007), que referem que ainda são escassas as informações sobre essa mudança expressiva que ocorre na Psicologia, embora seja possível constatar uma modificação 239 240 gradual dos estudos brasileiros que enfocam essa abordagem sobre o desenvolvimento humano. Isto se deve ao caráter recente dos trabalhos produzidos na área, uma vez que este campo nasce oficialmente no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Enquanto corrente surgida nos Estados Unidos, sua repercussão no cenário brasileiro ainda é tímida, quando comparada aos países europeus (Marujo et al., 2007; Delle Fave, 2006; Delle Fave & Massimini, 2006), mas tem encontrado no Brasil um campo fértil para a produção de saber científico de impacto (Paschoal & Tamayo, 2008; Paludo & Koller, 2007; Passareli & Silva, 2007; Fiquer, 2006; Graziano, 2005; Albuquerque & Tróccoli, 2004). Também em relação à mensuração na Psicologia Positiva, nos aspectos de bem-estar subjetivo e noções correlatas como flow, self, satisfação, locus de controle e outros, os estudos apontam a necessidade de firmar a produção de instrumentos adaptados e validados para nosso contexto (Albuquerque & Tróccoli, 2004; Paschoal & Tamayo, 2008; Scorsolini-Comin & Santos, 2008). Também é desejável a elaboração de novos instrumentos a serem construídos a partir de estudos nacionais, o que não impede que estudos nacionais investiguem também os clássicos instrumentos internacionais, seus pressupostos, sua validação e sua aplicação (Ferraz, Tavares & Zilberman, 2007) em diversas situações e populações, como é o caso de idosos, dos transtornos mentais e de comportamento (Fiquer, 2006). Quais as possibilidades de aplicação desses instrumentos? Quais as suas repercussões para a prática psicológica? Em que medida o estudo da felicidade e dos aspectos positivos do desenvolvimento pode favorecer o desenvolvimento de políticas públicas adequadas à população, que não negligenciem as capacidades de cada indivíduo e não proponham intervir com práticas remediadoras? Qual o real alcance da Psicologia Positiva? Questões como essas ainda estão em aberto e merecem consideração e investigação adequadas. Assim, cada vez mais há necessidade de desenvolvimento e “florescimento” de novos estudos que investiguem a Psicologia Positiva em seu cerne, em seus limites e possibilidades, a fim de que este campo 240 241 não possa apenas sobreviver, mas que possa contribuir para um repensar contínuo acerca do ser humano, promovendo mudanças e intervenções bem-sucedidas em seus contextos de atuação, sejam eles clínicos, educacionais ou organizacionais (Paschoal & Tamayo, 2008; Marujo et al., 2007; Fiquer, 2006; Scorsolini-Comin & Santos, 2008). Referências Albuquerque, A. S. (2004). Bem-estar subjetivo e sua relação com personalidade, coping, suporte social, satisfação conjugal e satisfação no trabalho. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. Albuquerque, A. S., & Tróccoli, B. T. (2004). Desenvolvimento de uma escala de bem-estar subjetivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(2), 153-164. Beyea, S.C. & Nicoll, L.H. (1998). Writing in integrative review. 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Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família. Psicologia em Estudo 8(número especial), 75-84. 245 246 Candidatura 15 Autores: Fabio Scorsolini-Comin & Manoel Antônio dos Santos Título: “Na saúde e na doença, felizes para sempre”: a satisfação conjugal na promoção do bem-estar psicológico, na perspectiva da Psicologia Positiva 246 247 “Na saúde e na doença, felizes para sempre”: a satisfação conjugal na promoção do bem-estar psicológico, na perspectiva da Psicologia Positiva Fabio Scorsolini-Comin13 ([email protected]) Manoel Antônio dos Santos14 ([email protected]) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Brasil Agência de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) Resumo A satisfação conjugal é um fenômeno complexo de avaliação subjetiva da relação conjugal, obtida após comparação entre aquilo que é percebido no casamento com os modelos e expectativas construídos culturalmente. O objetivo deste estudo é apresentar uma revisão integrativa da literatura científica acerca do tema, por meio de artigos indexados nas bases LILACS e SciELO (1970-2008), destacando sua investigação pela Psicologia Positiva. Dos 12 trabalhos selecionados, a maioria trata da definição de conceitos relacionados à satisfação conjugal, como ajustamento e qualidade, buscando maior coesão e consistência teórica, uma vez que, no cenário internacional, identifica-se um grande número de estudos que apontam para um alto índice de fatores associados à satisfação no casamento. Encontram-se investigações nos contextos de casais de duplo trabalho, casamentos de longa duração, transição para a parentalidade, construção de instrumentos de mensuração e correlação com outras variáveis como quantidade de filhos, estado de saúde e histórico familiar. As pesquisas resgatadas apontam que o relacionamento conjugal está positivamente associado à saúde, ao bem-estar psicológico e à qualidade de vida, principalmente nos anos de maturidade e velhice, o que se vincula diretamente à perspectiva da Psicologia Positiva, embora aponte-se a necessidade de estudos sistemáticos de correlação em diferentes contextos, tais como o brasileiro. 13 Psicólogo e mestrando em Psicologia e Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil (FFCLRPUSP). Especialista em Gestão Educacional e graduando em Pedagogia pela Universidade de São Paulo. Pesquisador na área de conjugalidade e bem-estar subjetivo e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 14 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Brasil (FFCLRP-USP). Professor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo – Brasil (FFCLRP-USP). Bolsista de produtividade científica do CNPq. 247 248 1. Introdução Segundo Machado (2007), a necessidade de se estar com o outro é algo típico do ser humano, que começa no seu nascimento, em suas primeiras relações com as suas figuras de referência. Assim, somos constituídos pelos relacionamentos que estabelecemos, motivo pelo qual é muito importante investigarmos como se dão esses relacionamentos. De acordo com as reflexões de Lipovetsky (2007), a nova ordem cultural na contemporaneidade valoriza os laços emocionais e sentimentais, as trocas íntimas entre as pessoas e a proximidade comunicacional com o outro. Perlin (2006) afirma que, a despeito de, na modernidade, o casamento ter sido locus da vida comum e ponto de partida para a formação da família, atualmente se encontra em um estágio no qual as relações são marcadas por um aprofundamento do individualismo, que estimula a instabilidade do relacionamento íntimo e leva a constantes reformulações dos projetos conjugais; esses fenômenos contemporâneos evidenciam a necessidade de aceitação das heterogeneidades, das descontinuidades e efemeridades das relações. Féres-Carneiro (2003, 1998, 1997) considera o casamento contemporâneo representante de uma relação de intensa significação na vida das pessoas, envolvendo alto grau de intimidade e um grande investimento afetivo. Encontrar alguém para compartilhar a vida e ter filhos parece ser um busca incansável, e o casamento ainda configura um rito de passagem muito significativo em várias sociedades (Scorsolini-Comin & Santos, 2008a). Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007), em 2006 o total de casamentos no Brasil foi de 889.828, número 6,5% maior do que o apurado no ano anterior, confirmando a tendência de crescimento que vem sendo registrada no país desde 2002. Segundo o documento de divulgação da pesquisa, o aumento pode estar relacionado à legalização de uniões consensuais. Além disso, os pesquisadores atribuem a expansão também à realização de casamentos coletivos, que têm o atrativo da redução de custos. De acordo com os autores da pesquisa, a questão dos custos é responsável também 248 249 pela realização do maior número de casamentos no mês de dezembro, quando o pagamento do 13º salário e outros benefícios aumentam a disponibilidade financeira. A pesquisa mostra que, em 2006, do total de casamentos realizados, 85,2% ocorreram entre solteiros. No entanto, houve declínio nesse tipo de casamento, que em 1996 representava 90,9% do total. Por outro lado, é crescente a proporção de casamentos entre indivíduos divorciados com cônjuges solteiros. O porcentual de homens divorciados que casaram com mulheres solteiras passou de 4,2% do total de casamentos realizados no país em 1996 para 6,5% em 2006. Também houve aumento do porcentual de casamentos entre cônjuges divorciados, de 0,9% em 1996 para 2,2% em 2006 (IBGE, 2007). Para Dessen e Braz (2005), o relacionamento marital tem sido apontado, recentemente, como um fator preponderante para a qualidade de vida das famílias, particularmente no que tange às relações que pais e mães mantêm com suas crianças. O relacionamento conjugal está associado à saúde e qualidade de vida, principalmente nos anos de maturidade e velhice, embora o fato de um casamento durar não necessariamente signifique que o mesmo seja satisfatório para os cônjuges. De qualquer modo, segundo Costa (2005), a conjugalidade é fundamental para o bem-estar psicológico e social dos indivíduos. De acordo com Perlin (2006), casamento e satisfação se tornaram, ao longo da história do ocidente, estreitamente interdependentes. O casamento, dentro de nossa estrutura política e econômica, tem sido definido como uma resultante social que satisfaz necessidades básicas do indivíduo. Dias (2000) afirma que o casamento contemporâneo tem algumas características determinantes, entre as quais está a busca da felicidade, da satisfação e do amor. O desejo intenso de estar com o outro motiva o casamento e determina a escolha do parceiro, pois os indivíduos esperam encontrar nesses relacionamentos uma compatibilidade afetiva, sexual e intelectual (Perlin, 2006, p.66). 249 250 Para Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt e Sharlin (2004), a satisfação conjugal é um fenômeno complexo, no qual interferem diversas variáveis. O casamento transforma-se ao longo do ciclo de vida familiar e, assim, o nível de satisfação também varia com o decorrer dos anos de convívio conjugal, sendo necessário que se discutam as contemporâneas formas com que vêm se desenhando os casamentos e as uniões estáveis. O ajustamento conjugal, as formas de comunicação e as estratégias de resolução de conflitos empregadas pelo casal influenciam o desenvolvimento de padrões de cuidado dos filhos e a qualidade das relações entre os genitores e suas crianças. Por exemplo, casamentos saudáveis proporcionam mais suporte aos cônjuges do que relações maritais insatisfatórias e o apoio emocional dos pais às mães favorece o desenvolvimento saudável dos filhos (Dessen & Braz, 2005). A literatura, ainda segundo as autoras mencionadas, aponta inúmeros prejuízos diretos e indiretos, tanto para os cônjuges, como para seus filhos, provocados por uma relação conjugal insatisfatória. As conseqüências negativas das relações maritais insatisfatórias e, possivelmente, do divórcio ou da separação do casal, incluem o aumento do risco de os cônjuges apresentarem psicopatologias, de estarem envolvidos em acidentes automobilísticos, de exposição à incidência de doenças físicas, de cometerem suicídio, homicídio ou outros atos de violência, de mortalidade em função de doenças em geral, entre outras. Como destacado por Perlin (2006), a satisfação é um elemento fundamental em um relacionamento interpessoal. Segundo revisão realizada por esta autora, existe uma verdadeira diversidade de definições do que seja a satisfação no casamento. Evocando o trabalho de outros autores, diversos termos são utilizados na literatura científica, como satisfação conjugal, satisfação matrimonial, estabilidade matrimonial, qualidade matrimonial, ajuste matrimonial, felicidade matrimonial, sucesso matrimonial, consenso matrimonial, integração matrimonial (Diniz, 1993; Dela Coleta, 2006). Essa grande diversidade na terminologia gera dificuldades para comparar resultados de estudos distintos e impõe um desafio para os 250 251 pesquisadores, que têm que investigar até que ponto esses termos são sinônimos ou representam modelos distintos de compreensão da relação conjugal. Esse questionamento inspira a realização de novas revisões na literatura, como a que será aqui apresentada, focalizando o construto satisfação conjugal, como definido nas pesquisas de Dela Coleta (1989; 1992; 2006), Diniz (1993) e Perlin (2006). O que já está bem consolidado é que a literatura é uníssona ao apontar a satisfação no casamento como um fator fundamental na vida de um casal (Scorsolini-Comin & Santos, 2008a). Entretanto, é necessário delinear qual é o estatuto desse construto na produção científica, as principais tendências que têm sido contempladas e as perspectivas de pesquisas futuras. 2. Objetivo Apresentar uma revisão integrativa da literatura científica acerca do tema satisfação conjugal, buscando evidenciar o perfil dos trabalhos publicados em fontes de pesquisa de impacto, de modo a possibilitar um maior direcionamento das pesquisas sobre o construto e discutir as tendências dessas publicações, bem como as perspectivas de produção na área. 3. Método De acordo com Beyea e Nicoll (1998), uma revisão integrativa sumariza pesquisas passadas e tira conclusões globais de um corpo de literatura de um tópico em particular. Segundo Fernandes (2000), a revisão integrativa permite a construção de uma análise ampla da literatura, contribuindo para discussões sobre métodos e resultados de pesquisa, assim como reflexões sobre a realização de futuras pesquisas. É necessário, portanto, seguir padrões de rigor e clareza na revisão e crítica, de forma que o leitor possa identificar as características reais dos estudos revisados. Seguindo os procedimentos de Ganong (1987), embora os 251 252 métodos para a condução de revisões integrativas variem, existem padrões a serem seguidos. Na operacionalização dessa revisão, utilizamos as seguintes etapas: seleção da questão temática, estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra, análise e interpretação dos resultados e apresentação da revisão. 3.1. Procedimento As buscas nas bases foram realizadas em um único dia, em uma rede de acesso público de uma universidade pública do Estado de São Paulo. Em todas as bases de dados foi utilizado o unitermo satisfação conjugal. Após o levantamento das publicações, os resumos foram lidos e analisados segundo os critérios de inclusão/exclusão estabelecidos. Os trabalhos selecionados foram recuperados na íntegra e, posteriormente, analisados. 3.2. Bases de dados consultadas Visando assegurar uma ampla abrangência desta revisão, foram consultadas as seguintes bases LILACS e SciELO. 3.3. Critérios de inclusão e exclusão dos trabalhos Para esta revisão, foram excluídos trabalhos, tais como artigos não indexados, teses, dissertações, resenhas, livros e capítulos de livros. Foram selecionados apenas resumos de artigos indexados. Essa escolha se deve ao fato de que em uma das bases (LILACS) há alto registro de trabalhos deste tipo (não apenas artigos indexados) e que, muitas vezes, podem não passar por um processo de avaliação aos pares, o que garante a qualidade do trabalho e de apreciação científica. A fim de buscar apenas trabalhos que passaram por um processo rigoroso de avaliação, foram selecionados apenas artigos indexados (Scorsolini-Comin & Amorim, 2008). 252 253 Foram excluídas, ainda, publicações distantes do tema, como trabalhos relacionados ao casamento entre pessoas soropositivas ou uniões homossexuais. Em relação aos idiomas, restringiu-se a busca aos trabalhos publicados nos idiomas português, inglês, espanhol e francês. O levantamento compreendeu o período de 1970 a 2008. Tal abrangência objetivou traçar um perfil das publicações, ao longo dos últimos 38 anos, na tentativa de resgatar grande volume de trabalhos produzidos a respeito do tema ou utilizando-se dessa noção. Como critérios de inclusão, destacam-se: artigos publicados apenas em periódicos indexados; trabalhos publicados nos idiomas inglês, espanhol e português; e, ainda, trabalhos empíricos, teóricos e de revisão acerca do tema. Os resumos condizentes com os critérios adotados foram selecionados, partindo-se daí para a busca dos trabalhos completos. 4. Resultados Na busca pela palavra satisfação conjugal, nas bases SciELO e LILACS, foram encontrados 19 trabalhos (quatro artigos na SciELO e 15 na LILACS). Destes, 12 foram selecionados a partir dos critérios de inclusão/exclusão e serão aqui analisados em profundidade. Dos sete trabalhos excluídos, um versava sobre suporte emocional em tratamentos de câncer de mama; dois abordavam o suporte social no contexto de enfermagem; dois tematizavam a infertilidade; um se ocupava do sofrimento feminino em relação ao trabalho; e um dizia respeito à orientação para pais de crianças com transtornos de comportamento. Destaque-se que dois artigos selecionados foram registrados nas duas bases, ou seja, analisar-se-ão em profundidade 10 trabalhos, que constituíram o corpus da pesquisa. Em relação ao ano de publicação dos trabalhos selecionados, observa-se que 70% deles se concentram nos anos 2000, com 30% no ano de 2004. Apenas 30% dos trabalhos foram produzidos na década de 1990. O trabalho mais antigo a ser 253 254 selecionado foi do ano de 1987, o que revela a atualidade do tema. Em relação ao idioma, a maioria dos trabalhos selecionados nessas bases encontra-se disponível em português. Como será apresentado na análise crítica dos trabalhos, Wagner e Falcke (2001) definem que a satisfação conjugal é um construto complexo a ser definido. Tal complexidade deve-se ao fato de que ela é composta por diferentes variáveis, desde as características de personalidade dos cônjuges e as experiências que eles trazem das suas famílias de origem até a maneira como eles constroem o relacionamento a dois. Esta complexidade motivou o desenvolvimento de trabalhos de revisão crítica da literatura científica (Mosmann, Wagner & Féres-Carneiro, 2006; Wagner & Falcke, 2001). Esta revisão, embora não seja o foco de outras pesquisas selecionadas, é trazida também por outros artigos selecionados (Miranda, 1987; Dela Coleta, 1992; Norgren et al., 2004), o que revela a necessidade de contextualização do tema investigado, uma vez que seu entendimento não é uníssono na literatura (Perlin, 2006). Outra frente de trabalhos selecionados está na investigação da satisfação conjugal em diferentes contextos, como em pesquisas com casais de duplo trabalho (Perlin & Diniz (2005), em casamentos de longa duração (Norgren et al., 2004), na transição da conjugalidade para a parentalidade (Magagnin, Kõrbes, Hernandez, Cafruni, Rodrigues & Zarpelon, 2003) e durante a gravidez (Oriá, Alves & Silva, 2004). Outro eixo destacado foram os trabalhos que correlacionavam as variáveis da satisfação conjugal a outras, tais como o locus de controle conjugal (Dela Coleta, 1992), a comunicação, a semelhança de atitudes entre os cônjuges e a percepção interpessoal (Miranda, 1987), assim como a influência de outras variáveis (idade, tempo de casado, autoestima, renda, escolaridade e filhos) sobre a satisfação conjugal (Miranda, 1987) e a estrutura de poder nas famílias (Rodrigues, Bystronski & Jablonski, 1989). O último eixo de expressão se 254 255 refere à mensuração da satisfação conjugal. Na presente revisão, abordou-se, especificamente, os instrumentos utilizados, a partir de estudos de validação, tanto quanto de aplicação de instrumentos internacionalmente reconheecidos (Perlin & Diniz, 2005; Norgren et al., 2004; Magagnin et al., 2003; Wachelke, Andrade, Cruz, Faggiani & Natividade, 2004). Entre os instrumentos utilizados, deve-se destacar a prevalência da Escala de Ajustamento Diádico DAS (Dyadic Adjustment Scale), desenvolvida por Graham Spanier em 1976. A escala foi traduzida e adaptada para a população brasileira e é referida em boa parte dos estudos desta revisão (Perlin & Diniz, 2005; Norgren et al, 2004; Magagnin et al., 2003). 5. Análise crítica dos trabalhos selecionados 5.1. A pluralidade das satisfações conjugais: revisão de conceitos No primeiro trabalho selecionado, Mosmann, Wagner e Féres-Carneiro (2006) apresentam uma revisão da literatura científica a respeito do termo qualidade conjugal. Essas autoras são consideradas grandes referências sobre o tema no Brasil e lideram a tradição de trabalhos publicados nesta temática. Segundo as pesquisadoras, na revisão produzida, apesar da ampla utilização do conceito de qualidade conjugal, identifica-se falta de clareza conceitual acerca das variáveis que o compõem. Nesse sentido, este artigo apresenta uma revisão da literatura na área com o objetivo de mapear o conceito de qualidade conjugal, a partir da análise de cinco principais teorias sobre o tema: Troca Social, Comportamental, Apego, Teoria da Crise, Interacionismo Simbólico. No artigo em apreço, os autores destacam que a conceituação do que seria um casamento satisfatório é uma tarefa árdua no meio científico, uma vez que a análise das pesquisas internacionais da área, na última década, identifica um grande número 255 256 de estudos que apontam para um alto índice de fatores que se associam à definição do conceito de satisfação conjugal. Alguns estudos mostram que a qualidade do relacionamento conjugal estaria relacionada ao bem-estar dos cônjuges e seus filhos, às respostas fisiológicas dos cônjuges, às variáveis sociodemográficas, à saúde física do casal, à depressão, à psicopatologia, às características de personalidade e a combinações entre estas variáveis (Mosmann, Wagner & Féres-Carneiro, 2006). As autoras destacam que essas variáveis estariam associadas à qualidade da relação conjugal, porém destacam a carência de estudos que investiguem, com profundidade, o que é a satisfação conjugal. Os trabalhos existentes não seriam orientados por uma teoria de sustentação adequada, nem possuiriam uma clara definição metodológica capaz de produzir reflexões e avanços nos estudos acerca dessa temática. Em outro trabalho selecionado e resgatado na revisão, Wagner e Falcke (2001) definem que a satisfação conjugal é um construto complexo a ser definido. Tal complexidade deve-se ao fato de que ela é composta por diferentes variáveis, desde as características de personalidade dos cônjuges e as experiências que eles trazem das suas famílias de origem até a maneira como eles constroem o relacionamento a dois. Segundo revisão das autoras, elencaram-se as variáveis que se relacionam à satisfação conjugal, tais como sexo, grau de escolaridade, número de filhos e presença deles em casa, nível socioeconômico e tempo de casamento. A análise destas pesquisas, de acordo com Wagner e Falcke (2001), leva a pensar que no conceito de satisfação conjugal estão implicadas tanto as experiências precoces do sujeito na sua família, como também os aspectos vivenciais da relação diádica atual, além das variáveis de personalidade e biodemográficas. A partir das questões de transgeracionalidade, as autoras destacam que a formação do casal e, conseqüentemente, de uma nova família, se dá por meio do encontro dos sistemas de crenças das famílias de origem dos cônjuges. Assim, quando as pessoas se casam ou passam a 256 257 viver em união conjugal, acontece o encaixe entre sistemas míticos de duas estruturas familiares diferentes, formando um novo sistema baseado nos sistemas familiares de cada cônjuge. Pensando especificamente na satisfação conjugal, as autoras destacam que dificilmente um casal poderá estabelecer uma relação afetiva e sexualmente feliz se não tiver conseguido uma boa independização dos pais, consolidada nos primeiros anos de relacionamento conjugal. Salientam, entretanto, que como ninguém se separa totalmente de sua família de origem, por mais independente que seja, tanto emocional como economicamente, a atitude madura é caracterizada pela capacidade de evitar que as famílias de ambos os cônjuges entrem em conflito, preservando o bom relacionamento entre ambas. Nesse sentido, referem que é fundamental a existência de tolerância e respeito pela família do outro. 5.2. A satisfação conjugal em diferentes contextos de investigação O estudo quantitativo de Perlin e Diniz (2005) avaliou a satisfação no casamento de homens e mulheres que optaram por relacionamentos de duplo trabalho, ou seja, casais que trabalham. Os resultados mostraram que a maioria dos participantes está satisfeita com seus relacionamentos, sendo que as mulheres apresentaram média de satisfação inferior à dos homens. Quanto à percepção do futuro do relacionamento, ficou evidente o comprometimento de homens e mulheres em investirem na manutenção do casamento. Os resultados questionam a idéia vigente de falência do casamento e da família e apontam para uma transformação das relações. Neste trabalho, as autoras destacam que a satisfação é um elemento fundamental em um relacionamento interpessoal. Mas a pergunta: “o que é satisfação?” pode ser muito mais complexa do que se imagina, corroborando apontamentos também lançados por Mosmann, Wagner e Féres-Carneiro (2006). 257 258 Segundo revisão de Perlin e Diniz (2005), há uma diversidade de definições do que seja a satisfação no casamento. As autoras retomam uma definição extraída de outro artigo selecionado e que será aqui analisado: a satisfação é uma reação subjetivamente experienciada no casamento; é uma atitude a respeito do próprio relacionamento conjugal; é o resultado da diferença entre a percepção da realidade do casamento e as aspirações que os cônjuges têm para a relação (Dela Coleta, 1989). Perlin e Diniz (2005) destacam que outros trabalhos afirmam que a satisfação conjugal é afetada por fatores conscientes e inconscientes, ou seja, aspectos internos da psique. Ela seria afetada também por fatores do meio ambiente, tais como: o sexo, o grau de escolaridade, o número de filhos e a presença, ou não, deles dentro de casa, o nível socioeconômico e o tempo de casamento. Outro trabalho, da autoria de Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt e Sharlin (2004), investiga os casamentos de longa duração. Segundo o artigo, o relacionamento conjugal está associado à saúde e qualidade de vida, principalmente nos anos de maturidade e velhice, embora o fato de um casamento durar não necessariamente signifique que o mesmo é satisfatório para os cônjuges. O estudo identifica os processos e variáveis associadas à satisfação conjugal em casamentos de longa duração, ou seja, com mais de 20 anos. Em cerca de metade dos casais estudados, ao menos um dos cônjuges estava satisfeito. Comparando-se casais satisfeitos e insatisfeitos foi possível identificar que a satisfação aumenta quando há proximidade, estratégias adequadas de resolução de problemas, coesão, boa habilidade de comunicação, se os cônjuges estiverem satisfeitos com seu status econômico e forem praticantes de sua crença religiosa. Para essas autoras, a satisfação conjugal é, sem dúvida, um conceito subjetivo, implicando em ter as próprias 258 259 necessidades e desejos satisfeitos, assim como corresponder, em maior ou menor escala, ao que o outro espera, definindo um dar e receber recíproco e espontâneo. Relaciona-se com sensações e sentimentos de bem-estar, contentamento, companheirismo, afeição e segurança, fatores que propiciam intimidade no relacionamento, decorrendo da congruência entre as expectativas e aspirações que os cônjuges têm, em comparação à realidade vivenciada no casamento. O estudo de Magagnin, Kõrbes, Hernandez, Cafruni, Rodrigues e Zarpelon (2003) investigou longitudinalmente a transição da conjugalidade para a parentalidade quanto ao ajustamento diádico e à satisfação conjugal de casais primíparos. A questão da transição para a parentalidade também é trazida em outros estudos, como os de Menezes e Lopes (2007), que trabalham no sentido de que, entre os processos críticos que determinam as principais transições desenvolvimentais que os casais costumam passar, a transição para a parentalidade é uma das maiores mudanças por que o sistema familiar pode passar. É o momento em que os cônjuges, que antes constituíam apenas um casal, tornam-se pais, progenitores de uma nova família. O nascimento do primogênito, em especial, é a primeira experiência de parentalidade vivida pelo casal (p.83). Ainda segundo Menezes e Lopes (2007), alguns estudos recentes também têm enfatizado que a transição para a parentalidade acarreta a diminuição na satisfação conjugal. O casamento, por sua vez, ao delimitar o início das famílias, também vem sendo abordado por alguns pesquisadores. Entretanto, a transição para o casamento e suas peculiaridades como fase inicial do desenvolvimento do casal têm sido relativamente pouco consideradas pelos teóricos que se ocupam em estudar os casais e as famílias. 259 260 Oriá, Alves e Silva (2004), trabalhando com o contexto de gravidez e a sua repercussão nos aspectos social, econômico, emocional e sexual do casal, constataram que a sexualidade na gravidez ainda envolve tabus. No grupo de 35 gestantes estudadas, destacou-se que 71% relataram situações, as quais as autoras salientaram como repercussões positivas ou negativas da gravidez na sexualidade das mesmas. Quanto às primeiras, foram referidos a melhora do relacionamento conjugal, o sentimento de feminilidade aguçada e obtenção de maior prazer sexual. Sobre as segundas, o abandono do parceiro e diminuição da atividade sexual. Assim, a partir do estudo, a gravidez pôde ser identificada como uma variável relevante que influencia na melhoria desta qualidade percebida da relação conjugal, na visão da mulher. 5.3. Satisfação conjugal e outras variáveis Dela Coleta (1992) apresenta um estudo quantitativo para mensurar a relação entre o locus de controle conjugal e a satisfação conjugal atual, passada e estimada para o futuro, a partir de instrumentos de avaliação desses construtos. No modelo de avaliação da satisfação conjugal em função do locus de controle referido por Dela Coleta (1992), a pessoa com predominância de locus de controle interno deverá se empenhar para resolver seus problemas conjugais e, como conseqüência, deverá sentir-se mais satisfeita no casamento. Esse modelo também propõe que, com o passar do tempo, as pessoas mais externas tenderiam a se tornar ainda mais externas e os mais internos tornar-se-iam mais internos, pelo fato de suas experiências de sucesso e fracasso serem reforçadas ao longo do relacionamento conjugal. Portanto, o casal, quando ambos são internos, na medida em que percebem sua capacidade de resolução de conflitos na relação conjugal, tenderiam, de modo geral, a estar mais satisfeitos com o casamento. Em outro trabalho, Miranda (1987) analisou empiricamente a inter-relação entre satisfação conjugal e três aspectos considerados relevantes em uma relação diádica: comunicação, semelhança de atitudes e percepção interpessoal. Examinou, também, a 260 261 influência de outras variáveis (idade, tempo de casado, auto-estima, renda, escolaridade e filhos) sobre a satisfação conjugal. Os resultados alcançados pelo estudo apontaram percepção interpessoal e auto-estima como as variáveis de maior importância relativa. Teve-se, também, a oportunidade de inferir que a mulher, talvez por força de condicionantes sócio-culturais, coloca-se em uma posição de inferioridade na relação conjugal. De acordo com os resultados deste trabalho, pode-se identificar que a satisfação conjugal está associada ao ajustamento conjugal, à expressão de afeto, à coesão, à proximidade, capacidade de resolução de problemas e habilidade de comunicação. Rodrigues, Bystronski e Jablonski (1989) estudaram a estrutura de poder em famílias, baseando-se nas respostas fornecidas por duas amostras de casais residentes no Rio de Janeiro. Esse trabalho constitui, essencialmente, uma réplica de um estudo conduzido com casais americanos residentes em Los Angeles, em 1971. Os resultados indicaram uma queda do poder decisório do marido, quando comparados com os obtidos mais de duas décadas atrás. A idade se correlacionou positivamente com o maior poder do marido. Satisfação conjugal e autoritarismo não mostraram associações com poder do marido, e as demais variáveis demográficas consideradas, além da idade, demonstraram associações ocasionais. Os autores notaram uma preferência por uma estrutura autonômica de poder conjugal. Estes resultados são discutidos à luz das transformações sociais decorrentes da revolução sexual, das mudanças dos papéis sexuais e da possível crise de identidade masculina. 5.4. Mensurando a satisfação conjugal Nos estudos de Perlin e Diniz (2005), Norgren et al. (2004) e Magagnin et al. (2003), entre os instrumentos utilizados está a Escala de Ajustamento Diádico - (DAS - Dyadic Adjustment Scale), desenvolvida por Graham Spanier em 1976. A escala foi traduzida e adaptada para a população brasileira. Segundo Perlin e Diniz (2005), a DAS é considerada uma das medidas mais sólidas e globais da qualidade das relações interpessoais pela coerência dos 261 262 itens agrupados em quatro subescalas que abarcam áreas fundamentais dos relacionamentos: satisfação, coesão, consenso e expressão de afeto. No estudo de Norgren et al. (2004), foram utilizados: Lista de classificação de problemas, Questionário de avaliação de estratégias de resolução de conflitos e comunicação (HSP - Health and Stress Profile), Lista de motivos que levam o casal a permanecer junto; e Lista de componentes de satisfação conjugal. Outros os instrumentos foram ainda utilizados: no trabalho de Magagnin et al. (2003) foi aplicada a Escala de Avaliação da Relação de Hendrick, Dicke, Hendrick, de 1988 (Scorsolini-Comin & Santos, 2008a). Wachelke, Andrade, Cruz, Faggiani e Natividade (2004) realizaram um estudo para descrever a construção e validação de uma escala de satisfação em relacionamento de casal (EFS-RC), composta por subescalas capazes de medir aspectos componentes da satisfação com relacionamento, no contexto brasileiro. Em estudo posterior de Wachelke, Andrade, Souza e Cruz (2007), sobre a validação fatorial desse mesmo instrumento, os resultados confirmaram sua estrutura fatorial, apontando para uma relativa robustez do instrumento e dos aspectos analisados ao tratar com populações de características demográficas distintas. No entanto, os autores destacaram que alguns itens podem apresentar flutuações na representatividade do construto de satisfação com o relacionamento. 6. Discussão Assim como destacado no estudo de Norgren et al. (2004), o casamento pode ser uma construção conjunta da realidade, uma opção viável de relacionamento que corresponda às expectativas de cada um dos parceiros, se cada um deles se comprometer com sua escolha e acreditar no que está fazendo. Para que um relacionamento conjugal continue satisfatório ao longo dos anos, há necessidade de se 262 263 investir na relação, empenhando-se para que ela seja proveitosa para os dois, tentando encontrar equilíbrio entre conjugalidade e individualidade, além de partilhar interesses e relacionamento afetivo-sexual. Assim, a mudança de foco proposta pela perspectiva da Psicologia Positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000; Seligman, 2006; Scorsolini-Comin & Santos, 2008b) pode enriquecer a discussão e permitir que os aspectos adaptativos presentes no relacionamento conjugal sejam devidamente abarcados, a fim de que a satisfação seja realmente investigada, e não apenas os motivos que levam o casal a se separar ou a perder o interesse na relação com o passar do tempo e das diferentes experiências a que são expostos. A atualidade do tema satisfação é algo acentuado na literatura, assim como a sua complexidade, bem como a multiplicidade de vozes que são evocadas quando se discute ou se estuda a satisfação no relacionamento diádico, seja este conceito o trazido nesta revisão ou outros apontados, como qualidade, ajustamento, sucesso ou outros. A possibilidade de operacionalizar uma revisão integrativa só foi possível, a nosso ver, pela definição e opção metodológica por um dos termos correntes, ou seja, da satisfação conjugal, conforme utilizado por pesquisadores de referência na área (Dela Coleta, 1989; 1992; Diniz; 1993; Norgren et al., 2004; Perlin; 2006). Corroboramos a percepção de Mosmann, Wagner e Féres-Carneiro (2006) e de Wagner e Falcke (2001) de que a conceituação do que seria um casamento satisfatório é uma tarefa árdua no meio científico, uma vez que a análise das pesquisas internacionais da área, na última década, identifica um grande número de estudos que apontam para um alto índice de fatores que se associam à definição deste conceito de satisfação conjugal. Esta multiplicidade também foi atestada no presente trabalho e pode ser justificada, segundo Wagner e Falcke (2001), pelo fato do casamento ser um momento em que se abre a porta da família para a entrada de um novo membro, oriundo de um outro sistema familiar, que possui a sua 263 264 subjetividade, individualidade e heterogeneidade. Este apontamento leva à consideração da família de cada cônjuge ao se estudar a satisfação no casamento (Rodrigues, Bystronski & Jablonski, 1989), uma vez que a maioria dos estudos elege outras varáveis para os estudos de correlação, como idade, sexo, tempo e duração do casamento, aspectos socioeconômicos e outros (Norgren et al., 2004; Magagnin et al., 2003). A partir dos dados desta revisão, destaca-se a premência de desenvolvimento de outros trabalhos, não apenas investigando a satisfação conjugal em diferentes contextos (Perlin & Diniz, 2005; Norgren et al., 2004; Magagnin et al., 2003; Oriá, Alves & Silva, 2004) e na relação com outras variáveis (Dela Coleta, 1992; Miranda, 1987; Rodrigues, Bystronski & Jablonski, 1989), mas a partir de seus instrumentos de mensuração, pois a avaliação da dimensão de seu construto só é possível a partir de instrumentos cientificamente validados, com aplicação em contextos diferenciados, como apontado por Norgren et al. (2004), Perlin (2006) e Scorsolini-Comin e Santos (2008a). Retomando as reflexões de Perlin (2006), os estudos sobre satisfação, ao contrário da busca pela mesma, devem estar pautados em critérios científicos rígidos, a fim de que possam agregar conhecimentos aos estudos já produzidos. A relevância deste trabalho, neste sentido, é a de permitir sistematizar as produções veiculadas na contemporaneidade, a fim de contribuir com o delineamento de novas investigações e novos saberes, na medida da urgência da demanda da ciência psicológica. Referências Beyea, S. C., & Nicoll, L.H. (1998). Writing in integrative review. AORN Journal, 67(4), 877-880. Costa, M. E. (2005). À procura da intimidade. Porto, Portugal: Edições Asa. 264 265 Dela Coleta, M. F. (1989). A medida da satisfação conjugal: adaptação de uma escala. Psico, 18(2), 90-112. Dela Coleta, M. F. (1992). Locus de controle e satisfação conjugal. Psicologia Teoria e Pesquisa, 8(2), 243-252. Dela Coleta, M. F. (2006). Atribuição de causalidade, locus de controle e relações conjugais (pp. 199-244). In: J. A. Dela Coleta, & M. F. Dela Coleta. Atribuição de causalidade: teoria, pesquisa e aplicações. Taubaté: Cabral. Dessen, M. A., & Braz, M. P. (2005). 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Satisfação conjugal e transgeracionalidade: uma revisão teórica sobre o tema. Psicologia Clínica, 13(2), 1-15. 268 269 Candidatura 16 Autores: Marta Brás & José Pestana Cruz Título: Acontecimentos de Vida Negativos, Padrões de Vinculação e Ideação Suicida 269 270 Acontecimentos de Vida Negativos, Padrões de Vinculação e Ideação Suicida Marta Brás & José Pestana Cruz [email protected]; [email protected] (Universidade do Algarve, Portugal) RESUMO A vivência de acontecimentos negativos na infância tem sido associada a múltiplos problemas psicológicos na idade adulta, tais como a ideação e conduta suicidas (Dieserud, Forsén, Braverman, & Røysamb, 2002). Todavia, o modo como essas experiências contribuem para o surgimento de ideação e conduta suicidas na adultez continua por ser explorado. Uma das linhas de investigação neste âmbito centra-se nos padrões de vinculação inseguros (Lessard & Moretti, 1998). O presente estudo pretende avaliar a influência de acontecimentos negativos e de padrões de vinculação na manifestação de ideação suicida e investigar se o padrão de vinculação preocupado exerce um papel mediador da relação entre acontecimentos de vida negativos e ideação suicida. A amostra deste estudo foi constituída por 338 sujeitos de ambos os sexos, com uma média de 28,74 anos. Os instrumentos aplicados foram: Inventário de Acontecimentos de Vida Negativos (Brás & Cruz, 2008b), Questionário de Estilo Relacional (Moreira, 2000) e Questionário de Ideação Suicida (Ferreira & Castela, 1999). Em conjunto, os acontecimentos negativos (β=3,10) e o padrão de vinculação preocupado (β=5,00) explicam 20,7% da variância da ideação suicida, enquanto que os acontecimentos negativos (β=3,79) per se explicam 15,1%. A testagem do modelo mediador obteve valores significativos. Conclui-se, assim, que acontecimentos negativos podem influenciar a ideação suicida de forma directa, bem como por mediação do padrão de vinculação preocupado. INTRODUÇÃO A morte, temida pela maioria dos indivíduos surge paradoxalmente como um desejo, um objectivo ou uma forma de resolução de problemas para outros. 270 271 Condutas auto-lesivas que têm subjacente o objectivo de morrer, de forma intencional e voluntária, designam-se por condutas suicidas, podendo estas ser distinguidas em suicídio ou tentativa de suicídio consoante o resultado das mesmas (i.e., presença ou ausência de fatalidade, respectivamente) (O’Carroll, Berman, Maris, Mosicki, Tanney, & Silverman, 1996). A ideação suicida é, por sua vez, considerada como uma entidade complementar comum a estas duas modalidades da conduta suicida, sendo definida como o conjunto de “pensamentos e cognições sobre o acabar com a própria vida” (Ferreira & Castela, 1999, p.124). A ideação suicida representa, portanto, um marco primário na identificação do risco de futuras condutas suicidas e pode ser operacionalizada de forma hierárquica, desde pensamentos gerais sobre a morte até planificações mais concretas sobre como terminar com a vida. As condutas suicidas, às quais estão subjacentes níveis elevados de ideação suicida, constituem um importante problema de saúde pública a nível internacional e nacional – particularmente na região sul de Portugal –, devido ao elevado e crescente número de casos registados nos últimos anos. De facto, em 2007, estes números rondaram 1,1 milhão de mortes por suicídio em todo mundo (OMS, 2007), 9,3 por cada 100 000 habitantes em Portugal (INE, 2008) e 14,1 suicídios por cada 100 000 habitantes no Algarve (MAI, 2008). Estima-se ainda que o suicídio constitui a terceira causa de morte na faixa etária dos 15 aos 34 anos, sendo que, no entanto, a maioria dos suicídios são cometidos por adultos e, cada vez mais, por idosos. Relativamente às tentativas de suicídio, estima-se que estas sejam 10 a 20 vezes mais frequentes do que os suicídios, o que vem reforçar a necessidade e importância de estudar os factores associados à ideação e conduta suicida (OMS, 2007). O suicídio é actualmente considerado um fenómeno multidimensional, para o qual confluem aspectos biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais, entre outros. Todavia, Shneidman (1993) defende que após a “destilação de cada acto suicida, o seu elemento essencial é 271 272 psicológico (p.3), pelo que a compreensão da ideação e conduta suicidas deve privilegiar a componente psicológica. Estudos realizados neste âmbito salientam o papel da vivência de acontecimentos de vida negativos (AVN), de determinadas características de personalidade, de estilos cognitivos específicos e de padrões de vinculação inseguros como factores que aumentam a probabilidade de ideação suicida (eg. Cruz, 2006; Wenzel, & Beck, in press, Yang, & Clum, 1996). Uma linha de investigação mais recente, e actualmente menos explorada, consiste em avaliar o contributo dos padrões de vinculação, bem como da sua associação com os AVN, no desenvolvimento de ideação e conduta suicidas. Especificamente, os AVN vividos na infância têm sido apontados como um factor de risco em relação à psicopatologia e à ideação e conduta suicidas. Num estudo em que um grupo de sujeitos que haviam realizado tentativas de suicídio foi comparado com um grupo de controlo verificou-se que o grupo suicida havia experienciado mais situações de perda parental, doença mental parental e abusos por parte dos pais na infância do que o grupo de controlo (Dieserud et al., 2002). Outros estudos têm, de forma similar, encontrado relações significativas entre AVN experienciados na infância e níveis de ideação suicida na adultez (Brás & Cruz, 2008a; Langhinrichsen-Rohling, Monson, Meyer, Caster, & Sanders, 1998; Ystgaard, Hestetun, Loeb, & Mehlum, 2004). Embora estes estudos tenham demonstrado a existência de relações significativas entre ANV e ideação suicida, a forma como os AVN precoces influenciam a ideação suicida na idade adulta não se encontra completamente esclarecida. A qualidade da relação entre os cuidadores e o sujeito na infância, ao ter o potencial de determinar a concepção positiva ou negativa que este 272 273 constrói de si e dos outros, parece desempenhar uma influência pervasiva nos seus futuros comportamentos, relacionamentos e saúde mental. As crianças cujos pais são insensíveis, negligentes, rejeitantes (Bowlby, 1988/1989), pouco afectuosos, muito punitivos (Canavarro, 1999) ou perpetradores de violência (Gonçalves, 2003; Muller, Sicoli, & Lemieux, 2004), não conseguem percepcioná-los como fontes de apoio incondicional, desenvolvendo um modelo de vinculação inseguro (Bowlby, 1988/1989). Segundo Gonçalves (2003), 65% das crianças vítimas de maus-tratos apresentam um padrão de vinculação inseguro, enquanto que apenas 35% da população normal apresenta este tipo de vinculação. Num outro estudo, realizado por Muller, Sicoli e Lemieux (2004), o estilo de vinculação de 76% dos sujeitos com história de abusos foi classificado como inseguro (i.e., preocupado, receoso e desligado). Enquanto que indivíduos com padrões de vinculação seguros se encontram menos predispostos à psicopatologia – sendo de salientar que a concepção positiva do self parece ser o melhor “protector” de psicopatologia (McLewin & Muller, 2006) – padrões de vinculação inseguros surgem associados a problemas interpessoais e problemas psicológicos como a depressão (Canavarro, 1999; Ward, Lee, & Polan, 2006; West, Spreng, Rose, & Adam, 1999), a ansiedade (Canavarro, 1999), a perturbação de personalidade borderline (Agrawal, Gunderson, Holmes, & Lyons-Ruth, 2004) e a perturbação pós-stress traumático (Muller, Sicoli, & Lemieux, 2004). Além de a vinculação insegura surgir associada a perturbações psicopatológicas que, per se, representam um factor de risco para o surgimento de ideação suicida, vários estudos revelam que os padrões de vinculação preocupado e receoso (i.e., inseguros) também se encontram directamente relacionados com a ideação suicida (Lessard & Moretti, 1998; West et al., 1999). Resultados obtidos no âmbito de abusos sexuais infantis sugerem ainda um papel mediador de padrões de vinculação entre os abusos sexuais ocorridos na infância e 273 274 psicopatologia na idade adulta. Com efeito, Kutil e Moore (1998) demonstraram que padrões de vinculação inseguros funcionam como factores mediadores da relação entre o abuso sexual infantil e o funcionamento psicológico adulto (i.e., níveis de depressão, auto-estima, sintomas pós-stress traumático e relacionamento interpessoal). Estes resultados permitem sugerir que AVN e padrões de vinculação se encontram relacionadas entre si: por um lado, os AVN da infância surgem associados à ideação suicida futura, bem como a padrões de vinculação inseguros; por outro lado, os padrões de vinculação inseguros encontram-se associados à ideação suicida. Em termos concretos, as seguintes hipóteses podem ser formuladas: (1) AVN poderão exercer um efeito directo sobre a ideação suicida futura; e (2) padrões de vinculação inseguros poderão funcionar como mediadores da relação entre AVN e a ideação suicida. A presente investigação tem como principal objectivo compreender qual o contributo de factores de vulnerabilidade (i.e., AVN ocorridos durante a infância) e de factores de predisposição (i.e., padrões de vinculação) no desenvolvimento de ideação suicida na idade adulta. Especificamente, pretende-se investigar a influência dos AVN e dos padrões de vinculação na eclosão e manutenção de ideação suicida e perceber se a influência dos AVN sobre a ideação suicida é predominantemente exercida de forma directa ou por mediação do padrão de vinculação preocupado. 274 275 MÉTODO Amostra A amostra do presente estudo foi constituída por 338 sujeitos adultos, 114 do sexo masculino e 224 do sexo feminino, apresentando uma média de idades de 28,74 (±9,07) anos. Instrumentos Os participantes na investigação preencheram os seguintes instrumentos: Inventário de Acontecimentos de Vida Negativos (IAV_N) O Inventário de Acontecimentos de Vida Negativos tem como principal objectivo avaliar o conjunto de experiências negativas vividas até aos 12 anos, em termos de frequência, impacto e severidade. No que diz respeito aos procedimentos de aplicação, os sujeitos devem estar num ambiente tranquilo, com o máximo de privacidade possível e, preferencialmente, sozinhos ou distantes de outras pessoas. É solicitado aos sujeitos que assinalem, de forma sincera, os acontecimentos que experienciaram antes dos 12 anos, e que indiquem a frequência (numa escala valorada de 0 “nunca ocorreu” a 4 “ocorreu muitíssimas vezes”) e o impacto que tiveram sobre si (numa escala compreendida entre 1 “nenhum impacto” e 5 “impacto extremamente negativo”). A cotação do IAV_N pode ser efectuada em três modalidades, consoante os objectivos que se pretendam alcançar com a sua aplicação: a) avaliação independente da frequência e do impacto dos AVN; b) avaliação discriminada dos AVN por factores (Ambiente Familiar Adverso, α=0,84; Abuso Psicológico, α=0,80; Separações/Perdas, α=0,71; e Abuso Físico e Sexual, 275 276 α=0,67); e c) avaliação global da severidade dos AVN por índices (Índice Global de AVN, Índice de Presença de AVN e Índice de Severidade de AVN) (Brás & Cruz, 2008b). Questionário de Estilo Relacional (QER) O Questionário de Estilo Relacional corresponde à tradução de dois questionários de origem norte-americana por Moreira (2000): o Relationship Style Questionnaire (RSQ) de Bartholomew e Horowitz, em 1991, e o Adult Attachment Questionnaire (AAQ) de Collins e Read, em 1990. Os 33 itens do QER devem ser respondidos numa escala de 1 a 5, em que 1 corresponde a “não tem nada a ver comigo”, 3 corresponde a “tem algo a ver comigo” e 5 corresponde a “tem muito a ver comigo”, sendo que os pontos 2 e 4 não estão definidos, devendo ser encarados como pontos intermédios, segundo a sequência numérica. Em termos de cotação dos resultados, a análise factorial exploratória indica que as soluções mais estáveis, atendendo a vários métodos, eram com 3 ou 6 factores, tendose optado, neste estudo, pela solução de 3 factores, em que o Factor 1 corresponde à “Preocupação” (α=0,87), o Factor 2 “Conforto com a Proximidade” (α=0,78) e o Factor 3 “Auto-Suficiência” (α=0,69) (Moreira, 2000). Questionário de Ideação Suicida (QIS) A versão original do Questionário de Ideação Suicida – Suicide Ideation Questionnaire – foi desenvolvida por Reynolds, em 1988, e adaptada para a população portuguesa por Ferreira e Castela (1999). 276 277 O QIS tem por objectivo avaliar a gravidade dos pensamentos e cognições suicidas em adolescentes e jovens adultos, podendo ser aplicado individualmente ou em grupo. Este questionário é composto por 30 itens, que apresentam sete alternativas de resposta. Os resultados obtidos no QIS podem variar entre o mínimo de 0 e um máximo de 180 pontos, sendo que a uma maior frequência de pensamentos suicidas corresponderá uma pontuação mais elevada no questionário. A validade de construto, medida através da análise factorial, permitiu identificar três factores que explicam 55,7% da variância (Ferreira & Castela, 1999). Procedimento de Recolha de Dados A amostra foi recolhida junto de estudantes maiores de 18 anos, universitários e nãouniversitários, sendo que o preenchimento dos instrumentos decorreu em contexto de sala de aula. Resultados e Discussão Os resultados demonstram primeiramente as relações directas de forma parcelar (AVN e ideação suicida; AVN e padrões de vinculação; padrões de vinculação e ideação suicida) e, posteriormente, a testagem do modelo mediador. 277 278 Relação entre AVN e Ideação Suicida. Para analisar a existência de possíveis relações entre os AVN ocorridos durante a infância e os níveis de ideação suicida manifestados na vida adulta começou-se por analisar o coeficiente de correlação R de Pearson. O estudo da relação entre a vivência de AVN e os níveis de ideação suicida demonstrou correlações moderadas, mas bastante significativas (p=0,000), o que conduziu à aplicação de procedimentos de regressão. Tabela 1 – Regressão entre os AVN (Factores) e os Níveis de Ideação Suicida (Método Enter) 2 F(4, 304) β R p Const=5,12 Ambiente Familiar Adverso – F1 Abuso Psicológico – F2 -0,10 0,35*** Separações e Perdas – F3 0,15* Abuso Físico e Sexual – F4 0,12 18,8% 17,59 0,000 Nota: * p≤0,05; *** p≤0,001. Os β correspondem aos Betas estandardizados. O método de regressão mostra que os AVN precoces explicam 18,8% da variância dos níveis de ideação suicida na idade adulta. As situações de Abuso Físico e Sexual têm um contributo marginalmente significativo (β=0,12; p=0,054); as Separações/Perdas têm um contributo significativo (β=0,15; p=0,014) e as situações de Abuso Psicológico (β=0,35; p=0,000) têm um contributo bastante significativo. Os resultados apresentados corroboram outras investigações em que foram igualmente encontradas associações significativas entre a vivência de experiências negativas durante a 278 279 infância e os níveis de ideação suicida manifestados na idade adulta (eg. Dieserud et al., 2002; Langhinrichsen-Rohling et al., 1998). Não obstante, de entre os vários AVN é de destacar o contributo das situações de Abuso Psicológico na explicação da ideação suicida. Também em outros estudos, os abusos psicológicos, comparativamente a outras experiências negativas, surgem como as experiências mais associadas à sintomatologia psicopatológica a longo-prazo (McLewin & Muller, 2006) e à ideação/condutas suicidas (Brás & Cruz, 2008a). Relação entre AVN e padrões de vinculação. Através da análise das correlações entre os AVN e os padrões de vinculação verificou-se que o padrão de vinculação preocupado é o único que se encontra positiva e significativamente correlacionado (p≤0,05) com todos os tipos de experiências negativas. Recorreu-se, de seguida, ao método de regressão para averiguar o contributo dos AVN na explicação do padrão de vinculação preocupado. Tabela 2 – Regressão entre os AVN (Factores) e o Padrão de Vinculação Preocupado (Método Enter) 2 Β R F(4, 298) p Const=2,42 Ambiente Familiar Adverso – F1 Abuso Psicológico – F2 0,03 0,34*** 13,7% Separações e Perdas – F3 -0,02 Abuso Físico e Sexual – F4 0,03 11,80 0,000 Nota: *** p≤0,001. Os β correspondem aos Betas estandardizados. 279 280 Os resultados mostram que os diferentes AVN explicam 13,7% da variância do padrão de vinculação preocupado, sendo que apenas as situações de Abuso Psicológico têm um contributo significativo (β=0,34; p=0,000). As investigações têm, de facto, mostrado que as experiências negativas infantis, principalmente as que colocam em causa o valor, a auto-eficácia e o reconhecimento pessoal – como é o caso do abuso psicológico –, parecem promover o estabelecimento de vinculações inseguras (Alexander et al., 1998; Canavarro, 1999). Além disso, pode referir-se que o elevado criticismo e as exigências desproporcionadas provocam a sensação de ineficácia pessoal, que se traduz numa imagem negativa de si próprio e numa imagem positiva dos outros, características típicas do padrão preocupado (Canavarro, 1999). Relação entre padrões de vinculação e ideação suicida. A análise das correlações entre os padrões de vinculação e a ideação suicida demonstrou que os níveis de ideação suicida se encontram significativamente correlacionados de forma positiva com o padrão de vinculação preocupado (r=0,35; p=0,000) e de forma negativa com o Conforto com a Proximidade (r=-0,16; p=0,006), ou seja, com o factor representante do padrão de vinculação seguro. Assim, os dados indicam associações positivas entre os estilos inseguros e a ideação suicida e correlações negativas entre os estilos seguros e a ideação suicida, à semelhança dos resultados de outras investigações (eg. Lessard & Moretti, 1998). 280 281 Tabela 3 – Regressão entre os Padrões de Vinculação e a Ideação Suicida (Método Enter) 2 F(3, 302) β R p Const=7,13 Preocupação – F1 0,34*** Conforto com a Proximidade – F2 -0,11* Auto-Suficiência – F3 -0,04 13,7% 15,92 0,000 Nota: * p≤0,05; *** p≤0,001. Os β correspondem aos Betas estandardizados. A utilização do método de regressão confirma, por um lado, um contributo positivo do padrão de vinculação preocupado e, por outro lado, um contributo negativo do conforto com a proximidade (característica do padrão de vinculação seguro) na explicação da variância dos níveis de ideação suicida, sendo a percentagem de explicação de 13,7%. Os indivíduos com o estilo de vinculação preocupado criam uma imagem idealizada e de omnipotência dos outros, que se manifesta numa extrema necessidade de aprovação e suporte por parte dos mesmos (Bartholomew & Horowitz, 1991). A frustração destas necessidades pode motivar a adopção de condutas suicidas, às quais pode estar subjacente a intenção efectiva de morrer ou simplesmente de atrair a atenção dos outros (Lessard & Moretti, 1998). Modelo Mediador. Esta análise avalia a relação entre os AVN, os padrões de vinculação e a ideação suicida, de forma a perceber se os padrões de vinculação inseguros, de tipo preocupado, são mediadores da relação entre os AVN infantis e os níveis de ideação suicida na adultez. 281 282 Tabela 4 – Teste à Existência de Mediação: Comparação dos Modelos com e sem Variável Mediadora Erro 2 2 padrão ΔR F p b t p β R de b Modelo 1 (sem a variável mediadora) Modelo 2 (com a variável mediadora) 5,36 1,25 4,28 0,000 3,79 0,52 7,26 0,000 -6,74 2,92 -2,30 0,022 AVN 3,10 0,53 5,87 0,000 0,32 PVP 5,00 1,10 4,55 0,000 0,25 (Const) 15,1% AVN (Const) 0,39 20,7% 0,151 0,056 52,65 0,000 38,41 0,000 Nota: Variável Dependente: Ideação Suicida Os resultados desta análise demonstram que os AVN na infância per se explicam 15,1% da variância dos níveis de ideação suicida (F=52,65; g.l.=1, 295; p=0,000), enquanto que os AVN em conjunto com o padrão de vinculação preocupado explicam 20,7% da variância dos níveis de ideação suicida (F=38,41; g.l.=2, 294; p=0,000). O contributo adicional trazido por esta segunda variável (5,6%) é estatisticamente significativo (p=0,000). A inclusão da variável mediadora no modelo 2 parece assim reduzir o efeito directo dos AVN do primeiro para o segundo modelo (de 3,79 para 3,10), o que sugere que o padrão de vinculação preocupado funciona como um mediador da relação entre os AVN e a ideação suicida. Testar se a redução do efeito dos AVN do primeiro para o segundo modelo é significativa equivale a testar a significância do efeito indirecto, o que se pode fazer recorrendo ao método de Sobel. Para tal, além dos modelos testados anteriormente (modelo 1 e 2), é necessário calcular um terceiro modelo da regressão entre o padrão de vinculação preocupado e os níveis de ideação suicida. 282 283 Para tal, procedeu-se ao cálculo da estatística de teste z do teste de Sobel e o respectivo pvalue para o teste bilateral (z=3,36; p=0,001). Conclui-se, assim, que o padrão de vinculação preocupado pode constituir um factor mediador entre os AVN e a ideação suicida. Todavia, como o contributo dos AVN, apesar de diminuir no modelo 2, continua a ser estatisticamente diferente de zero (b=3,10; p=0,000), pode afirmar-se que a relação entre os AVN e a ideação suicida não é totalmente mediada pelo padrão de vinculação preocupado, ou seja, existe também uma relação directa. A relação entre estas três variáveis sugere, assim, a existência de uma relação directa entre os AVN e a ideação suicida e de uma relação indirecta, mediada pelo padrão de vinculação preocupado (ver figura 1). b=0,14 (β=0,29) Acontecimentos de Vida Negativos Padrões de vinculação Preocupado b=5,00 (β=0,25) Ideação b=3,10 (β=0,32) Suicida Figura 1 – Modelo Mediador: Relação entre os AVN e a Ideação Suicida Mediada pelo Padrão de Vinculação Preocupado É contudo de notar que uma grande percentagem dos níveis de ideação suicida (79,3%) é explicada por outras variáveis que não foram incluídas neste estudo. Com base na literatura pode supor-se que se tratam sobretudo de determinadas características de personalidade e estilos cognitivos disfuncionais, que poderão ser integradas em futuras investigações. 283 284 Conclusões Os objectivos da presente investigação foram a) avaliar o contributo de AVN na infância e de padrões de vinculação nos níveis de ideação suicida na adultez e b) investigar se o padrão de vinculação preocupado exerce um papel mediador na relação entre AVN e ideação suicida. Os resultados obtidos neste estudo permitem afirmar que existem correlações significativas entre AVN durante a infância e os níveis de ideação suicida manifestados na idade adulta. Este resultado corrobora assim estudos prévios (eg. Dieserud et al., 2002), sendo de salientar o contributo positivo e bastante significativo dos abusos psicológicos revelado no presente estudo. Estes resultados vêm reforçar que as vivências precoces desempenham um papel fundamental na saúde mental dos indivíduos, podendo comprometer todo o seu desenvolvimento pessoal, familiar, social, entre outros, (Canha, 2003; Sani, 2002) e, concomitantemente, promover o desenvolvimento de baixa auto-estima, baixa percepção de competência, de auto-eficácia e diminuir as expectativas positivas face ao futuro (Langhinrichsen-Rohling et al., 1998; Wenzel & Beck, in press). Desta forma, com base nos resultados do presente estudo e na revisão da literatura, pode afirmar-se que a vivência de AVN precoces parece aumentar a probabilidade de ideação suicida na idade adulta. Os resultados encontrados evidenciam também que AVN se encontram associados, de forma negativa, ao estilo de vinculação seguro e de forma positiva, aos padrões de vinculação receoso e preocupado, sendo de destacar as relações bastante significativas com este último estilo (i.e., preocupado). Estes resultados sugerem que a ocorrência de AVN precoces associados à falta de apoio e segurança por parte dos pais promovem a formação de 284 285 vinculações inseguras, tal como evidenciado por outros autores (Alexander et al., 1998; Bowlby, 1988/1989; Canavarro, 1999). Os sujeitos com um estilo de vinculação preocupado, caracterizado principalmente por uma visão negativa do self e positiva dos outros, tendem, perante as adversidades da vida, a culpabilizar-se e a percepcionar-se como inadequados, nunca questionando a actuação dos outros, por quem nutrem uma extrema admiração, o que conduz a um mal-estar psicológico (Bartholomew & Horowitz, 1991; Lessard & Moretti, 1998). As correlações positivas obtidas no presente estudo entre o padrão preocupado e os níveis de ideação suicida e, na direcção oposta, as correlações negativas entre o padrão seguro e a ideação suicida podem ser compreendidas à luz destas asserções. Outros estudos (Canavarro, 1999; Ledgerwood, 1999) têm igualmente demonstrado que os padrões de vinculação inseguros potenciam os problemas psicológicos e, em particular, a ideação suicida (Brás & Cruz, 2008a). O teste formal à existência de mediação evidencia que o estilo de vinculação preocupado pode ser um factor mediador do efeito dos AVN sobre os níveis de ideação suicida, embora exista também uma relação directa entre as variáveis. A presente investigação permitiu assim clarificar a relação entre dois factores de risco fundamentais para a ideação suicida, como é o caso dos AVN e dos padrões de vinculação inseguros. Os dados obtidos apontam para a pertinência de prevenir o desenvolvimento de padrões de vinculação inseguros durante a infância, bem como de integrá-los nas abordagens de prevenção da conduta suicida. Na verdade, mesmo que ocorram AVN negativos durante a infância – que por vezes são imprevisíveis e inevitáveis – se houver uma resposta adequada dos cuidadores perante a criança, esta possivelmente não desenvolverá um estilo de vinculação inseguro. Pelo contrário, a vivência AVN, aliada ao estabelecimento de relações 285 286 inseguras, especialmente de tipo preocupado, potencia o risco de problemas psicológicos e níveis de ideação suicida na adultez. Este estudo, apesar dos contributos que proporciona em termos teóricos e práticos, apresenta algumas limitações. A principal limitação prende-se com o facto de a amostra ser não-clínica pois, embora a ideação suicida indique o risco de futuros comportamentos suicidas, seria mais promissor elaborar esta investigação com sujeitos que já tivessem cometido tentativas de suicídio, com grau de letalidade elevado. Há também a referir que os questionários foram preenchidos em contexto de sala de aula, o que pode ter comprometido algumas respostas, embora se tivesse utilizado uma urna para aumentar a percepção de confidencialidade. Futuras investigações poderão adoptar paradigmas longitudinais que avaliem a influência dos AVN precoces e dos padrões de vinculação, desde a infância até à adultez, na adopção de condutas suicidas, tanto com população normal como com populações clínicas. Além disso, futuras investigações poderão ainda acrescentar outras variáveis ao modelo em estudo, tais como características de personalidade e os estilos cognitivos, submetendo-as a análises exploratórias e confirmatórias. Com efeito, um fenómeno tão importante e complexo como o suicídio só pode ser compreendido desde uma perspectiva integradora e multidimensional. Referências Agrawal, H., Gunderson, J., Holmes, B., & Lyons-Ruth, K. (2004). Attachment studies with borderline patients: a review. 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