AlejAndro CAsonA
Transcrição
AlejAndro CAsonA
A lejAndro CAsonA não resistir nem a uma ideia nova nem a um vinho velho A s Á rvores MorreM de Pé A lejAndro C AsonA versão C Arlos C ArvAlheiro edição: 2000 FAtiAs de C Á Apartado 140 • 2304-909 tomar • Portugal tel 249 314 161 • tlm 960 303 991 • fax 249 313 857 [email protected] • www.fatiasdeca.net A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 As Árvores MorreM de Pé AlejAndro CAsonA versão CArlos CArvAlheiro estreada no FdC-Chamusca (solar lopes da Costa) em 26 de Fevereiro de 1999 (a história do santuário de Fátima foi adaptada duma situação vivida e contada por Carlos Antunes no âmbito duma acção das Brigadas revolucionárias) Personagens e intérpretes isABel, a relações públicas MiGUel, o bilheteiro MArtA, a trinca-bilhetes CAtedrÁtiCo, o barman ilUsionistA, o arrumador MAUrÍCio, o encenador FernAndo BAlBoA, o avô GenovevA, a governanta eUGéniA BAlBoA, a avó oUtro MAUrÍCio, o neto 3 4 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 roteiro 1: tertúlia (o grupo de teatro) 1.1 :A entrada - CAtedrÁtiCo, ilUsionistA, isABel, MArtA, MAUrÍCio, MiGUel 1.2: o protesto - CAtedrÁtiCo, MArtA, MAUrÍCio 1.3: A angustia - CAtedrÁtiCo, ilUsionistA, MArtA, MAUrÍCio 1.4: A inquietação - isABel, MAUrÍCio, MiGUel 1.5: o pedido de ajuda - BAlBoA, MAUrÍCio 1.6: A mudança - BAlBoA, CAtedrÁtiCo, ilUsionistA, isABel, MArtA, MAUrÍCio, MiGUel 2: salão (o dia da chegada) 2.1: A azáfama - GenovevA 2.2: A espera - eUGéniA, GenovevA 2.3: A chegada - BAlBoA, eUGéniA, GenovevA, isABel, MAUrÍCio 2.4: o rescaldo - BAlBoA, MAUrÍCio 2.5: o passado - BAlBoA, eUGéniA, MAUrÍCio 2.6: o serão - BAlBoA, eUGéniA, GenovevA, isABel, MAUrÍCio 2.7: A análise - isABel, MAUrÍCio 2.8: o intervalo - GenovevA, MAUrÍCio 3: salão (o dia da partida) 3.1: o interrogatório - eUGéniA, GenovevA, isABel 3.2: os olhos - eUGéniA, isABel, MAUrÍCio 3.3: o silêncio - GenovevA, isABel 3.4: o dinheiro - BAlBoA, MAUrÍCio, oUtro MAUrÍCio 3.5: A desistência - isABel, MAUrÍCio 3.6: A tentativa - BAlBoA, eUGéniA, isABel, MAUrÍCio, oUtro MAUrÍCio 3.7: A recusa - eUGéniA, oUtro MAUrÍCio 3.8: A despedida - BAlBoA, eUGéniA, GenovevA, isABel, MAUrÍCio A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 1 tertúlia [o grupo de teatro] 1.1 A entrada CAtedrÁtiCo • ilUsionistA • isABel • MArtA • MAUrÍCio • MiGUel [MArtA, Ao Portão, reCeBe o PúBliCo e enCAMinhA-o PArA A BilheteirA. MiGUel ConFere As reservAs e vende os Bilhetes e o PúBliCo enCAMinhA-se PArA A tertúliA, onde isABel FAz de trinCA-Bilhetes. o ilUsionistA vende ChAPAs de Meio eUro PArA qUe o PúBliCo PossA CoMPrAr As BeBidAs qUe são ForneCidAs Pelo CAtedrÁtiCo. isABel vAi sUGerindo Ao PúBliCo qUe se instAle. dePois de FeChAr o Portão dA rUA e CoM todo o PúBliCo dentro dA tertúliA, MArtA entrA e MiGUel FeChA A PortA dA tertúliA. MArtA e o CAtedrÁtiCo ABAndonAM As sUAs tAreFAs e diriGeM-se Ao PAlCo , qUe rePresentA UM PAlCo de teAtro visto Pelos BAstidores. MAUrÍCio estÁ nA reGie. o CAtedrÁtiCo CArACterizA-se CoMo PAdre e MArtA PrePArA A CenA PArA PAreCer UMA esPéCie de esCritório. qUAndo As tAreFAs estão terMinAdAs, MAUrÍCio BAte As PAnCAdAs de Molière, ArrAnCA CoM A MúsiCA de entrAdA e CoM o ProGrAMA de lUz e o CAtedrÁtiCo e MArtA levAntAM o PAno de BoCA. o CenÁrio rePresentA UMA sAlA de teAtro desArrUMAdA] 5 6 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 1.2 o protesto CAtedrÁtiCo • MArtA • MAUrÍCio MArtA: [entrA] ernestina Pinheiro: Pai desconhecido e mãe demasiado conhecida… CAtedrÁtiCo : [entrA] isto é demais! Protesto! respeitosamente, mas protesto! MArtA: outra vez? CAtedrÁtiCo: Chamaram-me como especialista de linguas: nove linguas vivas e quatro mortas, quarenta anos de estudo, cinco titulos universitários… para quê? quando acabarão de me empregar em trabalhos inferiores? MArtA: o quê? A um problema de consciência, com dúvidas religiosas numa dama escocesa, chama trabalho inferior? CAtedrÁtiCo: Mais uma solteirona! já são quatro em menos de uma semana. se neste mundo há alguma coisa que um solteirão não pode suportar, é justamente uma solteirona. MArtA: que galantaria! CAtedrÁtiCo: não o digo por si. A senhora não é uma A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 mulher. MArtA: é muito amável da sua parte… CAtedrÁtiCo: [PerCeBendo qUe CoMeteU UMA GAFFe] …é um membro da organização. Por isso lhe falo com o coração nas mãos. Protesto! Protesto e protesto! MArtA: Para padre não está mal! Mas agora precisa de mudar de personagem. [estende-lhe UM PAPel] tem outra tarefa delicada. CAtedrÁtiCo: [CoM Ar desilUdido] sim, já sei. Barco norueguês à vista! é necessário ir ao porto? MArtA: é o único que conhece a lingua. Pense na comoção dos pobres rapazes ao ouvirem aqui, tão longe, uma velha canção da sua terra. CAtedrÁtiCo: não vai dizer-me que este trabalho justifica cinco titulos universitários! MArtA: [deixAndo o toM AMistoso PArA se iMPor] nesta casa ninguém tem o direito de escolher o serviço. CAtedrÁtiCo: só me dão trabalhos de principiante. Porque não me chamaram para o caso do Clube naval? hein!… Porque não me utilizaram no Baile das embaixadas? hein! havia gente de todos os países. era a minha grande oportunidade. MArtA: nessa noite, o que nos interessava não era o 7 8 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 salão de baile, mas a cozinha. tem mais de que se queixar? CAtedrÁtiCo: A que horas chega esse maldito barco? MArtA: Porque lhe chama maldito? CAtedrÁtiCo: isto é, ditoso barco? MArtA: ditoso? Porquê? não o diga com essa cara. sorria. Um bom sorriso é metade do nosso trabalho. CAtedrÁtiCo: está bem! [CoM UM sorriso AMArelo] quando devem chorar os tais rapazes noruegueses ao ouvirem as velhas canções da sua terra? MArtA: Assim, assim está certo. [ConsUltA o relóGio] Às onze. tem quarenta minutos. [o CAtedrÁtiCo ACendA As lUzes do esPelho e sentA-se, PArA se desCArACterizAr. MAUrÍCio interroMPe e CoMentA oU CritiCA A CenA, FAzendo direCção de ACtores] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 1.3 A angustia CAtedrÁtiCo • ilUsionistA • MArtA • MAUrÍCio ilUsionistA: [entrAndo CoM UMA CABeleirA ] Minha senhora, este fato é absolutamente indispensável? MArtA: outro protesto? ilUsionistA: Uma simples pergunta. Cada um tem o sentido da sua profissão e este fato, verdade, verdade, não me parece digno de uma organização séria, nem de mim. MArtA: Ah, também o senhor? Pelos vistos a indisciplina começa a entrar nesta casa. ilUsionistA: Apenas perguntei. MArtA: quem não estiver disposto a servir de corpo e alma, tem a porta aberta. têm mais alguma coisa a dizer? ilUsionistA: nada. CAtedrÁtiCo: nada. MArtA: obrigado. [sAi] [o ilUsionistA FAz trUqUes seM PrestAr Atenção Ao CAtedrÁtiCo e este não denUnCiA qUAlqUer sUrPresA Ante os trUqUes dAqUele, MAntendo UM Ar doUtorAl] 9 10 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 CAtedrÁtiCo: isto vai-se tornando todos os dias mais duro. se não fosse porque, no fundo, somos uns idealistas!… ilUsionistA: olhe, amigo, para mim os idealismos… CAtedrÁtiCo: Muito trabalho? ilUsionistA: nada! velhos, crianças, criadas… Matinée! e o amigo… contente? CAtedrÁtiCo : sinto-me deslocado. nasci para a Universidade. [nostAlGiA] A sorbonne, oxford, Bolonha… ilUsionistA: e eu para o circo: hamburgo, Marselha, Barcelona… CAtedrÁtiCo: A biblioteca atulhada até ao teto, a sineta, o claustro gótico… ilUsionistA: A velha capa de lona, as estradas… CAtedrÁtiCo: quarenta anos a estudar sentado! ilUsionistA: quarenta países a pé! CAtedrÁtiCo: e agora. ilUsionistA: Ao que nós chegámos. vai uma banana? A s Á rvores M orreM CAtedrÁtiCo: não obrigado. [o de P é • FdC 2000 ilUsionistA desCAsCA e CoMe FilosoFiCAMente o FrUto] sei que temos uma grande responsabilidade social. Mas não ter direito a um nome. não sente a angustia metafísica que isto causa? ilUsionistA: eu lhe digo: para mim a angustia metafísica… [CoMe] CAtedrÁtiCo: Como pode William dizer que o nome não significa nada? [reCitA] "só o teu nome é que é meu inimigo. Apesar de tudo não és Montecchio, és tu e só tu. e que vem a ser um nome? nem é mão, nem pé, nem braço, nem rosto, nem qualquer outra parte do corpo humano." não concordo. ilUsionistA: Com quem? CAtedrÁtiCo: Com shakespeare. ilUsionistA: eu lhe digo: para mim, shakespeare… CAtedrÁtiCo: A mim, importa-me! Posso recitar de cor as suas obras completas. Ao que cheguei. ilUsionistA: não somos nada, irmão. o senhor é um catedrático sem cátedra. eu sou um ilusionista sem ilusões. Podemos tratar-nos por tu. [olhAM-se de Frente PelA PriMeirA vez, CoM UM nAriz Preto no nAriz. MAUrÍCio interroMPe e FAz CoMentÁrios e CritiCAs enqUAnto direCção de ACtores] 11 12 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 1.4 A inquietação isABel• MAUrÍCio • MiGUel MiGUel: que lhe aconteceu ontem à noite? isABel: oh! não! isso não! Com que direito mo pergunta? MiGUel: é indispensável! responda. isABel: deixe-me. não me obrigue a recordá-lo. MiGUel: vamos. não está na polícia nem no tribunal. diga. que lhe aconteceu ontem à noite? isABel: estava desesperada… não podia mais! [PAUsA] ontem, quando me despediram, senti-me tão desesperada… queria pensar fosse no que fosse, e não conseguia. só uma estupida ideia me bailava na cabeça: "não vais conseguir dormir… não vais conseguir dormir…" Foi então que decidi ir comprar comprimidos para dormir. e a estupida ideia ia crescendo: "porque há-de ser apenas uma noite?… porque não dormirás todas… de uma assentada?” de repente, partiu-se um vidro da janela e uma pedra caiu dentro do quarto. Fui à janela e não vi ninguém. quando olhei para a pedra, vi que estava embrulhada num papel. o papel tinha uma única palavra: "amanhã"! donde vinha a mensagem? quem foi capaz de encontrar, entre tantas palavras inúteis, a única que podia salvar-me? "Amanhã". Compreendi que já não A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 podia morrer sem o saber. [ProCUrA no Bolso UM PAPel AzUl] hoje de manhã, quando acordei… MiGUel: quando acordou, tinha debaixo da porta um bilhete azul em que se lia: "não perca a confiança na vida. esperamos por si." isABel: [olhA-o desConCertAdA, CoM o Bilhete AzUl nA Mão] era você? MiGUel: era eu. isABel: Mas porquê? não o conheço, nunca o vi. Como soube? MiGUel: quando a vi caminhar sem sentir a chuva, decidi segui-la. Fui atrás de si até à farmácia, vi que comprou comprimidos para dormir sem receita médica e segui-a até sua casa. isABel: Mas nessa altura eu ainda não tinha tido a ideia de me matar. MiGUel: quando entrou em casa, deixou a porta aberta. quando uma mulher não fecha a porta é porque perdeu o medo a tudo. isABel: não faça troça. quem é você? MiGUel: não acha que semear uma inquietação é um trabalho pelo menos tão digno como semear trigo? 13 14 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 isABel: Palavra que não. Pode ser uma brincadeira divertida, mas não vejo como pode ser útil. MiGUel: não…? [olhA-A BAixA o toM] FixAMente Por UM instAnte. responda. A menina estaria aqui agora se eu não a tivesse… inquietado a noite passada? isABel: [vACilA, PertUrBAdA] desculpe! MiGUel: Ficaria espantada com o que se consegue com um pouco de fantasia… e contando, naturalmente, com a fantasia dos outros. isABel: Porque é que o fez? MiGUel: deixe-me contar-lhe uma história. em 1973, o santuário de Fátima preparava uma peregrinação do 13 de Maio imponente, aproveitando a vinda do Cardeal Minzinski, o cardeal primaz da hungria. A televisão iria fazer uma transmissão em directo para todo o mundo. nessa altura havia uma guerra em África, entre os portugueses e os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné que durava desde 1961. Muitas pessoas acorriam a Fátima para rezar para que os filhos, os maridos, os namorados voltassem sãos e salvos. em cada 13 de Maio, a nota dominante das orações e das promessas daquelas centenas de milhar de pessoas tinha a ver com o medo de perder, na guerra em África, as pessoas que amavam. nesse ano de 1973, o cardeal que ia presidir ao 13 de Maio era conhecido pelas suas posições extremistas de direita e esperava-se uma homília de apoio ao regime português da altura e à continuidade do esforço A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 de guerra com um discurso anti movimentos de libertação. isto seria particularmente útil ao regime uma vez que o Papa da altura, Paulo vi, tinha recebido os dirigentes desses movimentos e, por causa disso, havia gravíssimos problemas diplomáticos entre Portugal e o vaticano. Um grupo político recém formado que uasava a luta armada para combater o regime, organizou uma acção que consistia resumidamente no seguinte: faziam-se passar por engenheiros de som, infiltravam-se na cabine de som do santuário e, na altura da homília do cardeal, desligavam os cabos do microfone e ligavam às colunas de todo o santuário uma outra homília, que vinha gravada numa cassete, e que tinha um discurso pela paz, pelo fim da guerra e que apelava às mães portuguesas para se sentirem solidárias com as mães africanas. isABel: ideia engraçada. e resultou? MiGUel: não chegou a ser executada. isABel: Porquê? MiGUel: Porque, quando eles foram no dia 13 de Maio à cabine de som, e apesar de levarem uma autorização do reitor de Fátima, havia um pide à porta que deve ter desconfiado de qualquer coisa, foi atrás deles e não saía da cabine. e aí eles perceberam que só tinham duas hipóteses: pôr a cassete a tocar e tinham de matar o pide, ou abortar a acção e fugir. isABel: Fugiram? 15 16 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MiGUel: sim. naqueles segundos em que tiveram de decidir, perceberam que se matassem alguém, o tiro lhes sairia pela culatra e o impacto da acção virar-se-ia contra eles. isABel: você é membro desse grupo? MiGUel: A utilização da violência só se justifica quando é a liberdade que está em jogo. Felizmente que no ano seguinte, em 1974, a ditadura caiu e agora vivemos num país onde o exercício da liberdade se tornou possível. isABel: então andam a treinar? MiGUel: Pode dizer-se que sim. isABel: e que mais treinos fazem além de mandarem pedras a janelas de raparigas infelizes? MiGUel: vamos inventando o que podemos… o ano passado, havia um professor na escola secundária que insistiu em marcar um teste para o dia a seguir à Festa da Ascenção. os alunos bem lhe pediram para adiar, que na Ascenção se deitavam tarde, que festa é festa, mas ele nada. “o teste está marcado, o teste está marcado!” no dia do teste lá apareceram os alunos cheios de olheiras e de ignorância. espalhanço geral. os alunos sabiam que, contrariamente ao costume dos outros professores, este professor traria os testes corrigidos logo na aula seguinte. Ainda por cima pouco havia para corrigir, que na turma pouco se escreveu naquele dia. o professor entra na aula com a molhada dos testes, furioso, e preparava- A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 se para, ao entregar os testes, fazer uma descida geral de notas e chumbar a maior parte da turma. durante uns segundos fez-se um silêncio tenso na aula. no momento em que o professor ia proferir a fatal sentença, ouve-se, do pátio, o canto dum rouxinol. o professor amacia a cara carrancuda, faz um meio sorriso e diz: “Pronto, estes testes são anulados, voltamos a fazer teste de hoje a oito dias; fazem favor de se prepararem.” isABel: incrível! Mas porque é que ele mudou tão depressa de opinião? MiGUel: o professor era um apaixonado por pássaros. Aquele canto do rouxinol ter-lhe-á feito compreender que há um tempo para procurar comida e um tempo para cantar. isABel: que lindo… Mas há-de concordar que foi uma enorme coincidência o rouxinol ter cantado exactamente naquele momento. MiGUel: não era um rouxinol. isABel: o rouxinol era você? MiGUel: temos conosco um imitador de pássaros prodigioso. isABel: Palavrinha, palavrinha, vocês não são assim um bocadinho…? MiGUel: [ri] Fale, fale sem medo! da maneira como anda 17 18 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 a vida, os que não forem imbecis de todo, precisam de ser um pouco malucos. quer alinhar conosco? isABel: Fico-lhe muito agradecida, mas o que é que eu podia fazer? eu não sirvo para nada. MiGUel: se quiser servir, servirá. e não julgue que é preciso fazer grandes coisas. já viu que, às vezes, basta uma pedrada para salvar uma vida. [isABel sorri] e depois, tem um sorriso encantador. isABel: Muito amável! MiGUel: entendamo-nos: não é um piropo, é uma definição. tem o dever de transformar esse sorriso, que não é mais do que encantador, num sorriso útil. isABel: Acredita que um sorriso pode valer alguma coisa? MiGUel: Acredito! isABel: nunca pensaram dedicar-se ao teatro? MiGUel: o que é que pensa que estamos agora a fazer? isABel: [CoMeçA A oUvir-se o CAnto de UM roUxinol] realmente é prodigioso! MiGUel: o quê? isABel: o seu imitador de pássaros. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MiGUel: isso nunca! o nosso canta muito melhor! [CoM desPeito] o que está a cantar não passa de um rouxinol verdadeiro!… MAUrÍCio: [interroMPe direCção de ACtores] e FAz CritiCAs, CoMentÁrios e Bom, vamos fazer uma pausa. 19 20 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 1.5 o pedido BAlBoA • MAUrÍCio BAlBoA: [sAindo do seU lUGAr no PúBliCo] desculpe…. dá-me licença? MAUrÍCio: Faz favor. BAlBoA: olhe, eu chamo-me Fernando Balboa, e precisava da sua ajuda. MAUrÍCio: tenha a bondade. BAlBoA: ouvi falar de vocês pelo jornal e pensei que talvez me pudessem ajudar. A esperança é a última coisa a morrer. depois do que acabei de ouvir, mais convencido fiquei. se há alguém capaz de ma salvar, esse alguém é o senhor. MAUrÍCio: salvar? quem? BAlBoA: A história vem de longe, mas conta-se depressa. imagine uma grande família feliz contra a qual, de repente, a desgraça se encarniça até deixar sózinhos dois avós e um neto. o nosso medo de o perder era tanto que fomos demasiado indulgentes com ele. Aqui tem a nossa única culpa. Companhias suspeitas, noites inteiras fora de casa, dívidas de jogo. Um dia desaparecia uma jóia da avó. "é um cabeça doida… não lhe digas nada". A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 quando me quis impor já era tarde. Uma madrugada regressou com os olhos turvos e uma voz estranha. não passava de um rapazola e já tinha todas as atitudes de um homem perdido. surpreendi-o a forçar o cofre do meu escritório. nem me quero lembrar! insultou-me. Até chegou a levantar a mão para mim! embora me doesse na própria carne, esbofeteei-o e pu-lo na rua. nunca mais voltou! quando o procurámos, soubemos que tinha embarcado para o Canadá. Foi há vinte anos! Fui tendo notícias dele por um amigo que é consul na embaixada. o meu neto, da batota passou ao contrabando e à burla; da desordem de bairro à falsificação de papéis e à pistola no bolso. Um canalha profissional. Claro que a avó nunca soube nada disto, mas a nossa casa ficou silenciosa. nunca me dirigiu uma palavra de censura, mas aquele piano fechado, aquela cadeira de costas para a janela, a tensão daquele silêncio, eram a pior das acusações. Como se eu fosse o culpado. Até que um dia, a avó recebeu uma carta do Canadá. MAUrÍCio: descobriu-se tudo? BAlBoA: era a carta da reconciliação. o meu neto pedia perdão e enchia três páginas com lindas promessas e boas recordações. MAUrÍCio: desculpe, falei antes do tempo. BAlBoA: Agora é que falou antes do tempo. A carta era falsa. Fui eu que a escrevi. MAUrÍCio: o senhor? 21 22 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: que havia de fazer? A pobre velha morria pouco a pouco, em silêncio. Com aquelas três páginas, o piano voltou a abrir-se e a cadeira tornou a estar voltada para o jardim. depois, não havia outro remédio senão continuar a farsa. A avó respondia, cheia de felicidade, e, de tempos a tempos chegava uma nova carta do Canadá para alimentar o fogo sagrado. num dia, o meu neto licenciava-se na Universidade de Montreal; noutro, era um passeio de trenó por bosques de abetos e lagos; mais tarde, abria atelier de arquitecto; depois, namorava uma encantadora rapariga; finalmente, por muito que se arrastasse o namoro, não tive mais remédio senão casálos. e tudo era pouco; as mulheres querem sempre mais, mais… e agora… [A eMoção CortA-lhe A voz] a avó quer vê-lo. MAUrÍCio: Mas afinal como é que lhe podemos ser úteis? BAlBoA: Mas ainda não compreendeu? que me importa agora o neto do meu sangue? o que é preciso é salvar o outro, o das lindas cartas, o da alegria e das saudades… o único verdadeiro para ela! esse é o que tem que chegar. MAUrÍCio: espere lá! não vai pretender que eu faça de seu neto? BAlBoA: e porque não? já fez papeis mais difíceis. e pelo que fui informado, bem feitos. MAUrÍCio: Mas isso é no teatro. Podemos representar A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 uma personagem e torná-la credível. Mas o seu neto tem uma cara própria, e olhos, e voz… BAlBoA: nunca mandou fotografias, sabe? e vinte anos transformam completamente um rapaz. MAUrÍCio: Mesmo assim. no teatro, o público sabe que aquilo é um jogo de faz de conta. e demora uma hora ou duas. não se pode fazer de conta que se é outra pessoa para sempre. BAlBoA: não lhe peço tanto. é como se ele viesse passar um mês de férias… quinze dias… Uma semana?… MAUrÍCio: A peça que andamos a ensaiar tem mais ou menos a mesma história. não me importava de ver como é que ele funcionava na realidade. Uma semana?… BAlBoA: Ajuda-me? MAUrÍCio: Ajudo. Mas já percebi que me meti numa alhada. quanto à Universidade, adiante. quanto aos passeios, com um pouco de geografia, um homem desembrulha-se. Mas essa do seu neto ser arquitecto… não percebo nada de arquitectura. BAlBoA: não se preocupe. A avó também não. MAUrÍCio: e sobretudo, para que foi arranjar complicações inúteis? Porque diabo o casou? na farsa, como na vida, um solteiro defende-se sempre muito melhor. não podiamos inventar um divórcio relampago? 23 24 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: é perigoso. sobre esse aspecto a avó tem convicções muito rígidas. MAUrÍCio: e se eu viajasse sózinho? BAlBoA: Com que pretexto? MAUrÍCio: sei lá… uma doença dum familiar… BAlBoA: A pequena não tem família. o último, o pai, matei-o no ano passado num acidente de caça. MAUrÍCio: Podemos arranjar-lhe a ela outro acidente. ou uma doença!… BAlBoA: e ele, tão apaixonado, ia deixá-la sozinha? MAUrÍCio: essa mulher é um sarilho! A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 1.6 A mudança BAlBoA • CAtedrÁtiCo • ilUsionistA • isABel • MArtA • MAUrÍCio • MiGUel BAlBoA: [APontAndo isABel] Aquela menina servia… MAUrÍCio: tem pouca experiência… BAlBoA: Mas foi tal e qual assim que eu a imaginei. MAUrÍCio: [PArA MArtA] Alinhas, Marta? isABel: não sei se serei capaz. BAlBoA: Ajuda-me? isABel: Ajudo. Mas já percebiBAlBoA: A alhada em que se meteu! MAUrÍCio: Bom, vai ter de nos contar todos os pormenores sobre o seu neto. daqui a quanto tempo é que quer que ele chegue? BAlBoA: Uma semana, chega? MAUrÍCio: não é tempo demais, não. o melhor é começarmos já. BAlBoA: vamos escrever a novidade à avó. 25 26 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: vamos? isABel: vamos. MiGUel: olhem lá. se vocês vão fazer de marido e mulher acabam por ter de dormir juntos, não? BAlBoA: oh diabo, pois é. vou ver se convenço a avó que no Canadá o hábito dos casais é dormir em camas separadas. MiGUel: deixe lá que eles não se deviam ralar muito. MAUrÍCio: és muito engraçadinho. MArtA: Muita merda! [BAlBoA, isABel e MAUrÍCio sAeM] MiGUel: Bom, como isto é tudo teatro, o melhor é irmos também passar uma semana a casa da avó, que felizmente é mesmo aqui ao lado. MArtA: é pá, mas antes eu tenho de ir primeiro à casa de banho. CAtedrÁtiCo: também eu. MiGUel: se mais alguém precisar, vá atrás deles. os outros, atrás de mim. [sAeM PArA o sAlão] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2 salão [o dia da chegada] 2.1 A azáfama GenovevA GenovevA: [À entrAdA do sAlão, PArA o PúBliCo] sejam muito bem vindos. tenham a bondade de entrar e de se sentarem onde quiserem. [o PúBliCo entrA no sAlão eM CAsA dA Avó. tUdo teM o enCAnto esFUMAdo dos velhos AlBUns e A CóModA CordiAlidAde dAs CAsAs lArGAMente vividAs] esta casa anda numa sarabanda por causa da chegada do neto dos patrões. há uma semana que ninguém se entende nesta casa. o senhor insistia que no Canadá os casais dormem em camas separadas. Chegou mesmo a mandar comprá-las. Mas a senhora bateu o pé, que era uma imoralidade um casal dormir separado. e que se tinham maus hábitos no Canadá, que os ganhassem bons aqui. Até disse uma gracinha a propósito deles não terem tido ainda filhos. e depois foi o caso dos lençois. A senhora quer os de linho. o senhor os de algodão. diz que os de linho são muito pesados. é que não é pelo trabalho: é que não se sabe a quem fazer a vontade. e continuo sem saber se deixo os lençois de algodão ou se ponho os de linho… 27 28 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.2 A espera eUGéniA • GenovevA eUGéniA: [entrA PelA PortA dA CozinhA. é UMA senhorA idosA, CheiA de vidA, MAs APeGAdA Às sUAs rendAs, Aos seUs noBres velUdos e À sUA BenGAlA] os de linho, filha, os de linho. quando a senhora manda uma coisa e o senhor outra, diz-se que sim ao senhor e faz-se o que a senhora manda. Compreendes? GenovevA: Agora sim. eUGéniA: e se faz favor deixa a janela aberta. GenovevA: e se entram os bichos das árvores? eUGéniA: Até pode entrar o jardim inteiro. quando era rapaz, o que ele mais gostava era dormir ao ar livre. em algumas noites de verão, quando julgava que não o sentíamos, escorregava pela pernada do salgueiro que chega à janela. há tempos, o senhor até o quis cortar, lembras-te? GenovevA: e com razão: tapa a janela e tira a luz. eUGéniA: que importa a luz! eu sabia que ele havia de voltar, e quem sabe se não lhe vai apetecer escorregar outra vez pela árvore? A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 GenovevA: Agora já não seria o mesmo. A pernada pode aguentar o peso de um rapaz, mas não o de um homem. eUGéniA: ora essa! o salgueiro não está também vinte anos mais velho? o forno não estará frio? olha o bolo de nozes. Até parece que o estou a ouvir quando chegava do colégio, a gritar: "Avó, bolo de nozes com mel!" GenovevA: o bolo de nozes, o salgueiro… como se ainda fosse um menino. Acredita que um homem que constroi casas de trinta andares se recordará de coisas tão insignificantes? eUGéniA: e eu não me recordo? os anos que passaram por ele foram os mesmos que passaram por mim. GenovevA: os mesmo, não. A senhora esteve aqui, quieta; ele vageou pelo mundo. eUGéniA: e então? Pode vir com voz mais forte e olhos mais cansados, mas não deixará de ser o meu neto. Por muito que tenha crescido, não cresceu tanto que não caiba no meu colo. GenovevA: Um homem não é uma criança grande. é diferente. eUGéniA: [rePentinAMente AtentA] shhutt!… não são eles? [PõeM-se As dUAs À esCUtA] GenovevA: é o vento. Cuidado com esses nervos! 29 30 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: é preciso ser forte para tão grande alegria. se fosse coisa má, já estava acostumada. dá-me água, se faz favor. [Põe MúsiCA] GenovevA: [dÁ-lhe ÁGUA] quer tomar outro comprimi- do? eUGéniA: Basta de remédios! o único realmente eficaz é o que vai chegar. que horas são? GenovevA: já não devem demorar-se. eUGéniA: [Põe MúsiCA] Como será ela? GenovevA: quem? eUGéniA: quem há-de ser? isabel, a mulher. GenovevA: não lho disse nas cartas? eUGéniA: ora! quando ele a conheceu, estava ela a tocar esta música numa festa de amigos. não é que eu tenha nada contra ela… GenovevA: Ciumenta?… eUGéniA: A gente cria-os, vê-os crescer dia a dia, desde o sarampo até à algebra e, de repente, uma desconhecida, apenas porque sim, aparece com um palminho de cara e leva-o todo inteiro. oxalá, pelo menos, seja digna dele! [levAntA-se [soA A CAMPAinhA] de súBito] Agora! ouves agora?… A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 GenovevA: Agora sim! eUGéniA: vai abrir, Genoveva! depressa! [GenovevA ABrir A PortA] vAi 31 32 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.3 A chegada BAlBoA • eUGéniA • GenovevA • isABel • MAUrÍCio MAUrÍCio: [de ForA, GritAndo CoM AleGriA] Avó! Abra a porta ou salto pela janela! Avó!… eUGéniA: ouve-o? o maluco de sempre. [entrA PriMeiro MAUrÍCio qUe, Por UM instAnte, FiCA no UMBrAl dA PortA. entrAM dePois BAlBoA e isABel] Maurício!… MAUrÍCio: Avó!… eUGéniA: Finalmente!… [ABrAçAM-se CoM ForçA. A Avó BeijA-o entre risos e lÁGriMAs. voltA A ABrAçÁ-lo. seM deMorA, MAUrÍCio CondUz A sitUAção PArA UM toM joviAl] MAUrÍCio: quem foi que disse que a minha avô estava velhinha? Continua uma linda rapariga. [BeijA-lhe As Mãos] eUGéniA: deixa-me ver-te bem. os meus olhos já não me ajudam muito, mas recordam, recordam!… [ConteMPlA-o deMorAdAMente] Como estás mudado! MAUrÍCio: são vinte anos, avó. Uma vida! eUGéniA: A voz é tão diferente. e os olhos, os olhos são outros… só a alegria é a mesma… ri-te lá. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: [rindo] Com os olhos? eUGéniA: sim! esse brilho é o mesmo. é o mesmo que eu esperava. é ele que me leva a perdoar-te tudo… [voltA A ABrAçÁ-lo, CoMovidA] Meu Maurício!… MAUrÍCio: lágrimas é que não. não houve já que chegassem? eUGéniA: não te preocupes. estas são outras. Chega-te aqui para a luz, para que te ver melhor… BAlBoA: [qUe AvAnçA] PerMAneCeU iMóvel jUnto de isABel, Perdão, eugénia. o Maurício não vem só… nem mal acompanhado. eUGéniA: Ai desculpe, filha… MAUrÍCio: Avó, apresento-lhe a intrusa. eUGéniA: intrusa porquê? MAUrÍCio: não era o que escrevia nas cartas? "quem será essa intrusa que vem roubar-me o que é meu?" eUGéniA: Pelo amor de deus, não faça caso. está sempre com brincadeiras! isABel: [AProxiMA-se de eUGéniA CoM tiMidez e BeijA-lhe As Mãos ] Minha senhora… [eUGéniA deMorAdAMente] ConteMPlA - A 33 34 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: tem uns olhos calmos e tranquilos… MAUrÍCio: [diriGe-se, lhe A Mão] sorrindo, A GenovevA e estende- e a senhora é a famosa Genoveva. BAlBoA: exactamente. GenovevA: sabe o meu nome? MAUrÍCio: A avó escrevia-me sempre a contar o que de bom havia nesta casa e, entre o bom, não podia faltar a Genoveva. então, bem de saúde? GenovevA: Bem, obrigada. MAUrÍCio: [extAsiAdo, ConteMPlA A CAsA] outra vez em casa… Até que enfim! e tudo como dantes… eUGéniA: tudo velho. As casas são como o vinho. os anos fazem-lhes bem. [PArA isABel] Gostas da casa, isabel? isABel: Muito. eUGéniA: queres conhecê-la? eu acompanho-te. MAUrÍCio: não é preciso. temos falado tanto nela que a isabel era capaz de a correr de alto a baixo de olhos fechados. eUGéniA: ora agora… A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 isABel: quase… Aquela porta dá para a cozinha com a escada de alçapão que conduz à adega. Acolá é o escritório do avô, com mobília em nogueira e estantes até ao teto. os livros da avó em baixo, junto aos cristais. em cima a sala grande dos retratos e um relógio suiço, de carrilhão, que dá horas como uma pequena catedral. [eM CiMA oUve-se o CArrilhão e dePois o BAter dA isABel levAntA os olhos, CoMovidA] 1 horA. Aí está! eUGéniA: Continua, isabel, continua!… isABel: em frente do relógio, uma porta com duplo reposteiro de veludo vermelho. dando para o pátio, o quarto do Maurício com a pernada do salgueiro junto à janela. eUGéniA: o salgueiro? isABel: o Maurício disse-me tantas vezes: "se um dia regresso, quero tornar a amarinhar por aquele salgueiro". eUGéniA: ouves Fernando? vês que não se podia cortar? vem cá, minha filha. que deus te abençoe. isABel: Avó!… [lAnçA-se-lhe nos BrAços, CoMovidA, solUçAndo A BoM solUçAr] eUGéniA: que tens? Agora és tu quem chora? MAUrÍCio: não faça caso; é uma sentimental. 35 36 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: Muito bem, vamos a coisas práticas. Genoveva, eles devem vir com fome! MAUrÍCio: nem falar nisso é bom! no avião não se faz mais nada senão comer. eUGéniA: Ah sim? que pena! é que fiz um bolito… Mas, se não têm fome… MAUrÍCio: [exAGerAdo] não!… Bolo de nozes com mel? eUGéniA: [PArA GenovevA] ouviste o que ele disse? Coisas insignificantes, hein? Coisas insignificantes! vamos, tira-o do forno e, antes que se esfrie, barra-o com mel por cima. GenovevA: é já. [sAi PArA A CozinhA] eUGéniA: isabel, vem ver o teu quarto. [isABel seGUe-A] quero saber quem tem razão. isABel: o quê, avó? eUGéniA: Uma discussão com o avô. Calcula tu que se lhe meteu na cabeça pôr duas camas lado a lado; que os tempos são outros, e mais isto e mais aquilo. nós somos à antiga, não é verdade? isABel: [soBressAltAdA] À antiga? eUGéniA: sim, à antiga. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 isABel: está muito bem, avó. À antiga. BAlBoA: devagar, eugénia. Cautela com a escada. olha que também é antiga. eUGéniA: deixa-me. quando um coração aguenta o que este aguentou, nada lhe mete medo. isABel: Apoie-se no meu braço. eUGéniA: isso sim. Com um braço moço ao lado, venham os anos e as escadas. e sem bengala! [entrAGA-A A isABel] Assim!… [sAi Pelo BrAço de isABel] 37 38 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.4 o rescaldo BAlBoA • MAUrÍCio MAUrÍCio: que lhe pareceu? BAlBoA: Assombroso! MAUrÍCio: o primeiro passo está dado. Mas, se na altura do abraço, falhasse a emoção e se a deixasse olhar para mim tranquilamente, estávamos perdidos. Uns olhos turvos de lágrimas e vinte anos de separação ajudam muito. BAlBoA: eu de si não me admiro. está acostumado e tem o sangue frio de um artista. Mas a pequena, uma principiante, portou-se maravilhosamente. MAUrÍCio: [CondesCendente] não foi mal de todo, não. BAlBoA: Aquela cena da recordação foi impressionante: o relógio, o sítio dos cristais, o salgueiro… MAUrÍCio: Até aí tudo correu bem. Mas depois… aquele soluço quando se precipitou nos braços da avó… BAlBoA: que tem a dizer do soluço? não lhe pareceu natural? MAUrÍCio: Até demais e aí é que está o mal. se se mistura o coração com o ofício, vai tudo por água abaixo. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: Compreendo, sim; é tão nova, tão espontânea… Pode deitar tudo a perder. MAUrÍCio: exactamente. Bom, vamos lá à prova de fogo: o serão em família. BAlBoA: sim, com a memória da avó… não tem medo? MAUrÍCio: Medo tenho, mas não me vale de nada. BAlBoA: de todo o meu coração, muito obrigado! nunca lhe poderei pagar! [vAi PArA ABrAçAr MAUrÍCio] MAUrÍCio: [Pressentindo eUGéniA] Atenção! 39 40 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.5 o passado BAlBoA • eUGéniA • MAUrÍCio BAlBoA: [PArA eUGéniA, qUe entrA] A isabel? eUGéniA: não lhe faço falta nenhuma. Conhece a casa melhor do que eu. MAUrÍCio: que tal a intrusa? eUGéniA: Palavra que é um amor! soubeste escolher! e tem uma coisa que me encanta. MAUrÍCio: o quê? eUGéniA: o olhar mais bonito do que os olhos. MAUrÍCio: nunca tinha reparado. eUGéniA: Pois vai reparando. Aprende a conhecer o que é teu. [PArA BAlBoA] já lhe falaste? BAlBoA: de quê? eUGéniA: Bem me parecia que não terias coragem. Mas é necessário… e agora que estamos sós, é melhor. MAUrÍCio: temos segredo? eUGéniA: A única coisa que nunca me atrevi a falar-te nas cartas. Aquela última noite… quando fugiste… A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: quando o avô me bateu e me pôs na rua… eUGéniA: Um rapaz só no mundo… se a vida te arrastasse para outro destino… de quem seria a culpa? MAUrÍCio: [PAUsA. olhAndo BAlBoA] Minha. o avô fez o que devia. obrigado, avô. [ABrAçAM-se. eUGéniA sUsPirA de AlÍvio] 41 42 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.6 o serão BAlBoA • eUGéniA • GenovevA • isABel • MAUrÍCio GenovevA: [entrAndo CoM o Bolo] está um bocadinho tostado, mas cheira que é um gosto. MAUrÍCio: [PArA isABel] Pronto, isabel, chegou o bolo de nozes com mel. [isABel entrA] eUGéniA: A primeira é para ti. isABel: [ProvA A FAtiA qUe lhe oFereCe eUGéniA] que delícia! eUGéniA: e acompanhada com o meu licor, ainda é melhor. BAlBoA: vais beber? eUGéniA: é noite de festa. ora essa! haja o que houver. e não te aborreças que me é indiferente. [erGUe o seU CoPo] Pela noite mais feliz da minha vida! [todos BeBeM] e que tal? isABel: é tão bom que deve ser pecado. Gostava que me desse a receita, se não for segredo de família. eUGéniA: é segredo de família, é, mas tu não és minha neta? [eMBArAço] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: oh Maurício, e aquela excursão aos grandes lagos? MAUrÍCio: é qualquer coisa de fantástico! imaginem um trenó puxado por catorze cães com guiseiras; ali, os rebanhos de veados; acolá, os bosques de abetos como um natal sem fim… e, ao fundo, as águas doces dos cinco lagos, com altíssimas montanhas furando o céu com as suas cristas nevadas! eUGéniA: oh! há montanhas na região dos lagos? BAlBoA: o Maurício é um exagerado. A qualquer colina chama uma montanha. MAUrÍCio: sim, colinas. A nova escócia é tão plana que qualquer colina parece uma montanha. eUGéniA: Mas a nova escócia fica na região do leste! não tem nada que a ver com os grandes lagos! MAUrÍCio: Ah, sim? Com que então a leste!… eUGéniA: A mim não me ensinas tu, que dia a dia segui as tuas viagens no grande atlas do avô! BAlBoA: Grande país, o Canadá… Grande país! vai outro copinho? MAUrÍCio: vai mesmo, obrigado. 43 44 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: eu também quero. é o último. e os teus projectos? MAUrÍCio: quais? eUGéniA: quais hão-de ser? As casas, os grandes hoteis. Construíste alguma igreja? MAUrÍCio: não, dediquei-me à arquitectura civil. eUGéniA: é pena! Gostava de te ver a contas com aquele problema das catedrais góticas: um terço de pedra, dois terços de vidro. que trabalho me deu! MAUrÍCio: [inqUieto] também estudou arquitectura? eUGéniA: não entendia nem uma palavra, mas era uma maneira de, cá de longe, te acompanhar nos exames. talvez não acredites, mas ainda me recordo das fórmulas: "A cúpula esférica, suspensa em quatro triangulos equiláteros deve ter o diâmetro igual à diagonal do quadrado do plano". Porque me fazes esses olhos? não está certo? MAUrÍCio: [PArA BAlBoA] está certo? BAlBoA: [ri, nervoso] sempre a brincar! então perguntas-me a mim? Mais um copinho, Maurício? MAUrÍCio: Pronto. eUGéniA: Apoiado! eu também quero. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: Basta! que o neto te suba à cabeça, vá que não vá! Mas este licor… é preciso ter cuidado. eUGéniA: [GrACiosAMente AleGre, seM Perder A diGnidAde ] é o último, palavra, Fernando, Fernandinho, Fernandinho… só um dedo… isso, isso, isso… [Ao ver o qUe BAlBoA lhe serve] sovina! MAUrÍCio: de maneira que a cúpula esférica suspensa em quatro triangulos equiláteros… esta avó é formidável! eUGéniA: e se um dia estudasses medicina, lá estava eu a tratos com os micróbios. e se estudasses astronomia, arranjava um chapeu de bico e um telescópio deste tamanho. Mas não: o teu ofício é o melhor de todos: os homens devem construir casas e as mulheres enchê-las… Por falar nisso… vocês já estão casados quase há três anos. isABel: À volta disso. eUGéniA: À volta disso, não. Fazem três anos de casados em 6 de outubro. isABel: Pois foi. 6 de outubro. eUGéniA: então e quando é que pensam ter um filho? [eMBArAço GerAl] isABel: quando o Maurício quiser. 45 46 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: Ah sim? e quando é que tu queres, Maurício? MAUrÍCio: quando a isabel quiser. eUGéniA: então têm de querer os dois ao mesmo tempo. querem? isABel: sim. MAUrÍCio: sim. eUGéniA: Muito bem. o acordo está feito. Falta selá-lo. isABel: selar? eUGéniA: sim, com um beijo. isABel: Um beijo? eUGéniA: Cá na nossa terra, é costume. no Canadá não é assim? [isABel CoPo] vAi BeijAr MAUrÍCio. eUGéniA erGUe o viva a arquitectura civil. [o Beijo é dAdo nAs PAl- PeBrAs] Ai no Canadá é assim? MAUrÍCio: vamos, isabel. o que vai a avó pensar de nós e do Canadá? Um pouco mais de patriotismo! isABel: não me sinto à vontade. BAlBoA: Pronto, eugénia, já conseguiste o que querias. e agora já chega. vamo-nos deitar. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: esta noite? eu… dormir esta noite… depois de esperar vinte anos? esta noite nem a Guarda Montada do Canadá é capaz de me levar para a cama! [BeBe] BAlBoA: eugénia, sabes bem que precisas de descansar… eUGéniA: não. quero ouvir a isabel tocar aquela balada irlandesa. isABel: quê? eUGéniA: "Macushla". [isABel FiCA AterrAdA] não se diz assim? A que tu estavas a tocar no dia em que o Maurício te conheceu… isABel: [CoM A MAior desenvoltUrA] sim, sim! eUGéniA: senta-te ao piano, minha querida. [diriGe-se Ao PiAno seM lArGAr o CoPo. ABre-o e tirA o PAno qUe CoBre As teClAs. isABel estÁ AterrAdA] BAlBoA: estás doida? Música a estas horas! MAUrÍCio: esta noite, não, avó. A isabel está cansadíssima da viagem. eUGéniA: não há descanso como a música. vamos, vamos! MAUrÍCio: Fica para amanhã… eUGéniA: e porque não hoje? [isABel PArte UM CoPo, 47 48 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 soltA UM Grito e FoGe CoM A Mão] MAUrÍCio: que foi? isABel: nada… o copo… eUGéniA: Feriste-te na mão? isABel: não tem importância. Uma arranhadela. BAlBoA: Genoveva! Alcool e algodão… eUGéniA: nada disso. o licor e o lenço chegam bem. [MolhA o lenço no liCor e envolve A Mão de isABel] já está… doi-te, minha filha? isABel: não é nada, acredite. o que me aborrece, é que deixamos a avó sem música. MAUrÍCio: Pronto. toco eu. eUGéniA: Ainda te lembras? MAUrÍCio: então não havia de me lembrar? Ao sábado de manhã já sabia o que me calhava: lição de piano com a avó. eUGéniA: nunca tiveste muito jeito. Mas tinhas boa vontade. MAUrÍCio: Ainda tem a pauta daquele rag a quatro mãos? A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: tu atreves-te? MAUrÍCio: e a avó? eUGéniA: Morra quem se negue. [toCAM “CUttinG test / MAPle leAF rAG” de diCk hyMAn / PAlMAs. no FinAl, eUGéniA erGUe o CoPo] Con- sCott joPlin. Pelo neto mais neto de todos os netos… e viva a música civil! [BeBe] Uau!!! [risos] Fernando, só um dedinho. o último, o último, o últ… [desMAiA Por instAntes, levAndo A Mão Ao CorAção. isABel Corre A AMPArÁ-lA] isABel: Avó! BAlBoA: eugénia, vamos para a cama. eUGéniA: [reCoMPondo-se, sorri] não foi nada. este malvado tanto me dá o bom como o mau. Um bocadinho toldada, de acordo… Mas tenho que me ir deitar? Assim tão depressa? MAUrÍCio: é melhor. Amanhã continuamos. eUGéniA: Amanhã! e as noites são tão compridas. dorme bem, Maurício. Até amanhã, minha filha. [ABrAçA-A. sAi CoM GenovevA] BAlBoA: [PArA MAUrÍCio] Precisa de alguma coisa? MAUrÍCio: só se for um tratado de arquitetura e um atlas do Canadá! 49 50 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: então tenho de os roubar da mesa de cabeceira da avó. Até amanhã, meus filhos. [sAi] isABel e MAUrÍCio: Até amanhã. [MAUrÍCio resPirA FUndo e desAotoA o ColArinho. isABel, esGotAdA, deixA-se CAir nUMA CAdeirA] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.7 A análise isABel • MAUrÍCio MAUrÍCio: Apre! Até que enfim! isABel: estava a ver que nunca mais acabava. nunca senti tanta angústia na minha vida. MAUrÍCio: A tal senhora é perigosa. e tem uma memória terrível! isABel: Coitada! Anos e anos a pensar no mesmo. que seria dela se viesse a descobrir a verdade? MAUrÍCio: Metemo-nos neste sarilho e já é tarde para voltarmos atrás. isABel: e amanhã outra vez a farsa. MAUrÍCio: é só uma semana… isABel: só? Achas pouco? MAUrÍCio: tens assim tanto medo? isABel: Por esta pobre mulher. será lindo o que estamos a fazer, mas vê-la assim toda entregue a esta mentira como uma criança feliz, é uma farsa demasiado cruel. 51 52 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: ora aí está o que eu receava: o coração a intrometer-se no caso. Assim, vai tudo por agua abaixo. isABel: Fiz o que pude. não me portei bem? MAUrÍCio: Ao princípio, sim. Aquela timidez da chegada, aquela cena de evocação, muito bem. Mas aquele beijo para selar aquilo dos filhos… Muito… isABel: Fraternal. MAUrÍCio: isso: fraternal. três anos de casados não é tempo bastante para tanta fraternalidade. e depois aquela timidez para não dar o beijo a sério… isABel: não fui capaz. MAUrÍCio: não tem consistência dramatúrgica. A arte não se faz aqui. [APontA o CorAção] Faz-se aqui, aqui. [indoCA A testA] isABel: não te sentiste comovido? MAUrÍCio: A verdadeira comoção nunca é artística. Por exemplo, reparaste com que prazer comi o bolo de nozes com mel? Pois se há duas coisas que não consigo tragar, são exactamente as nozes e o mel. A isto chamo eu consistência dramatúrgica. [esPerAndo e tu? Gostaste? isABel: delicioso! resPostA neGAtivA] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: é uma opinião. isABel: então aquela tremura na voz quando a viste pela primeira vez… MAUrÍCio: é um recurso elementar; até os figurantes do teatro o sabem. isABel: e aquele abraço, demorado e em silêncio, até a fazer chorar…? MAUrÍCio: tudo estava previsto: com lágrimas nos olhos é mais difícil ver claro. isABel: Pelos vistos tenho muito que aprender. MAUrÍCio: Bastante. e também eu. isABel: tu? MAUrÍCio: Como é que fingiste o sangue na mão para não tocares piano? Foi com o baton? isABel: A teu lado aprende-se a mentir com tanta facilidade. MAUrÍCio: é uma maneira muito delicada de me chamares aldrabão. Mostra lá. [APertA-lhe A Mão. isABel rePriMe UM qUeixUMe e retirA A Mão] Mas afinal tu cortaste-te mesmo a sério! isABel: não me lembrei de outro expediente. Uma menti- 53 54 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 ra, só inventando-a; em compensação, a verdade é tão fácil. Boa noite! MAUrÍCio: não te ofenderás se te disser… isABel: o quê? MAUrÍCio: tens um coração grande demais. nunca serás uma verdadeira actriz. isABel: obrigada. Foi a coisa mais agradável que me disseste esta noite. Boa noite, Maurício! MAUrÍCio: Até amanhã, isabel! [FiCA A vê-lA sAir. o CArrilhão dÁ As 2 horAs] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 2.8 o intervalo GenovevA • MAUrÍCio GenovevA: [entrAndo] quer mais um bocadinho de bolo? MAUrÍCio: [sAindo] obrigado, Genoveva. o que me vai saber mesmo bem é uma cama. Boa noite. GenovevA: Muito boa noite. Bom, não sei para que é que a senhora quis um bolo tão grande. isto chega para setenta pessoas. [PArA o PúBliCo] Como temos de fazer um intervalo, os senhores não querem aproveitar? e bebam um copinho do licor da senhora… [distriBUi Bolo e UM CoPinho de liCor Pelo PúBliCo, qUe AssiM PAssA o intervAlo] 55 56 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3 salão [o dia da partida] 3.1 o interrogatório eUGéniA • GenovevA • isABel GenovevA: [no FinAl do intervAlo diriGe-se Ao PúBliCo] tenham a bondade de voltarem a acomodar-se. vamos fazer de conta que este intervalo que fizemos durou uma semana e que agora é a manhã do dia da partida dos meninos para o Canadá. e está na hora de eu ir levar o pequeno almoço aos meninos. eUGéniA: [entrA nervosA] não é preciso. já lá fui eu e não gostei do que vi. não, não, Genoveva! não pode ser! Por mais voltas que dê, não se me mete na cabeça! GenovevA: também eu não queria acreditar. Foi preciso ver com os meus próprios olhos. eUGéniA: e porque é que não me disseste nada? GenovevA: não me atrevia. era tão delicado. eUGéniA: Mal feito. temos de pôr o preto no branco, e quanto mais depressa melhor. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 GenovevA: se calhar não é nada. eUGéniA: Bem me dizia o coração que nesta casa se passava qualquer coisa de esquisito!… GenovevA: A senhora também andava desconfiada? eUGéniA: desde a primeira noite. Aqui uma olhadela, ali uma palavra solta… Mas podia pensar tudo menos isto. vai chamar a isabel. GenovevA: vai falar-lhe? eUGéniA: e já. Achas que sou mulher para ficar calada? vai chamar a isabel. GenovevA: Pelo amor de deus, pense no que vai fazer… eUGéniA: Chama-a, já disse! GenovevA: [sAi e ChAMA] Menina isabel!… isABel: [entrAndo] Chamou, avó? eUGéniA: vem cá. olha-me de frente e responde sem hesitar… que me tens andado a esconder todos estes dias? isABel: eu? eUGéniA: os dois. 57 58 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 isABel: Avó! eUGéniA: não desvies os olhos. responde! isABel: não a entendo. eUGéniA: entendes-me até demais e é inútil dissimular. Compreendo que é uma confissão dolorosa, mas não te falo como avó. de mulher para mulher, isabel, que se passa entre ti e o Maurício? isABel: Pela sua saúde! de que suspeita? eUGéniA: não são suspeitas, filha: é a realidade. tens dormido sozinha no teu quarto. enquanto o Maurício dorme no chão do quarto de vestir. que significa isso? isABel: [CoM Alivio] é só isso? [ri, nervosA] eUGéniA: e achas pouco? isABel: não, é que me falou num tom… como se tivesse descoberto qualquer coisa de terrível. eUGéniA: Um casal que dorme separado, é uma imoralidade. [APArte] e depois admiram-se de ainda não terem filhos… isABel: oh avó, não! não pense nisso! eUGéniA: Penso, penso. e o avô também estava metido na A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 jogada: aquela coisa das camas separadas… Mas eu também quero saber. Por isso responde: porque é que tu e o Maurício dormem separados? isABel: é muito simples. Pela janela do quarto entram melgas e o Maurício não pode com melgas. eUGéniA: e tu podes? que casal é este que se separa por causa de uma melga? isABel: Mas não é uma, nem duas, nem três. é uma verdadeira praga! eUGéniA: não me convences. quando eu tinha a tua idade, nem as dez pragas do egipto seriam capazes de me separar do meu marido. vais jurar-me que não voltará a acontecer. isABel: não se rale. Mas que importância tem uma separação por uns dias? eUGéniA: não são uns dias que me preocupam: são os dias de toda a vida. quando se chega a velha, como eu, a única felicidade é presenciar a dos outros. seria muito triste que, para me verem feliz, estivessem a fingir o que não sentem. isABel: Mas chegou a pensar que eu o Maurício nos damos mal? eUGéniA: na minha presença, até se dão bem demais; mas depois… ontem, quando vocês tomavam chá no jardim, 59 60 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eu estava à janela. não trocaram um olhar, uma palavra; ele pensava na vida, tu mexias o chá com os olhos baixos. quando o tomaste estava frio. isABel: Um silêncio não quer dizer nada. há tanta maneira de um homem e uma mulher estarem juntos! eUGéniA: és capaz de jurar, com a mão no coração, que és completamente feliz? isABel: Porque me faz essa pergunta? eUGéniA: não sei… há qualquer coisa entre vocês. diante dele pareces-me acobardada, como se fosse o Maurício quem manda. quando o amor é verdadeiro, nenhum manda: obedecem os dois. isABel: Maurício é-me tão superior em tudo! nem necessita de mandar para que eu seja feliz em servir. eUGéniA: já é mau que o penses… se ele o sabe estás perdida. isABel: e que importa? tudo farei para melhor o merecer! eUGéniA: que estás tu para aí a dizer? Falas do teu marido como se não fosse teu; como se ainda tivesses de conquistá-lo?! isABel: é que não pode imaginar o que o Maurício representa para mim. é mais que amor, é a minha vida! no dia A s Á rvores M orreM de 61 P é • FdC 2000 em que o conheci estava tão desesperada que estava disposta a morrer. ele entrou na minha vida com uma pedra e uma palavra; e não foi preciso mais do que essa palavra para que, de um instante para o outro, eu reconquistasse tudo o que julgava perdido! então, no fundo da minha alma senti que lhe pertenceria para sempre, ainda que estivesse muito longe, ainda que nunca mais voltasse a olhar-me. e aqui me tem, amarrada a ele, mas feliz. eUGéniA: Apaixonada até à loucura, filha? i sABel: se a loucura é isto, abençoada loucura! Abençoados os olhos que me fitam, ainda que me não vejam! que importa que Maurício não me olhe, se é ele que inunda os meus olhos! não é preciso que nos amem… basta amar para ser feliz, avó, feliz, feliz!… [PoUCo A PoUCo Foi-se exAltAndo CoM As PróPriAs PAlAvrAs e ACABA solUçAndo no reGAço dA Avó] eUGéniA: Basta, filha, basta! A verdade é que se fica perturbada. há bocado preocupava-me supondo que não o amavas bastante, e agora até tenho medo de te ver amálo desse modo. Mas que ele ignore a nossa conversa, ouviste? e muito parvo há-de ser se não te souber olhar. 62 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.2 os olhos eUGéniA • isABel • MAUrÍCio MAUrÍCio: [entrAndo] Confidências de sogra e nora: mal para o marido! eUGéniA: Porque supões que falávamos de ti? neste mundo não há mais nada de que falar? MAUrÍCio: Claro! e assuntos mais importantes. Pode-se saber quais? isABel: não vale a pena; conversas de mulheres! MAUrÍCio: já calculava. Falavam de trapos, concerteza. eUGéniA: Pois deus te conserve o faro, meu filho! os homens inteligentes como tu, não fariam mal se de vez em quando descessem das nuvens e dessem uma voltinha por esta pobre terra. MAUrÍCio: A isabel esteve a fazer queixas de mim! isABel: Pelo contrário. dizia-lhe como sou feliz. MAUrÍCio: e foi por isso que choraste? eUGéniA: há mulheres que têm uma maneira singular de serem felizes. Aprende. estás muito habituado a que A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 tudo te caia do céu. e toma cautela de como a tratas! não está só! Agora somos duas! [tirA inseCtiCidA] do ArMÁrio UM toma, filho. Pode fazer-te falta. MAUrÍCio: Para que é isto? eUGéniA: é para as melgas. [sAi] MAUrÍCio: que história é esta? isABel: Umas melgas que tive de inventar. A avó descobriu que dormiamos separados. MAUrÍCio: já estou a ver que passaste um mau bocado. isABel: Acostumamo-nos a tudo. MAUrÍCio: [Põe MúsiCA e PeGA nA PAUtA de MúsiCA] Felizmente que estamos no fim. Finalmente chegou o dia da partida. Uma despedida cheia de promessas… e de novo a liberdade! isABel: Pois é… vamos embora. MAUrÍCio: não estás contente? isABel: Muito… Muito contente. MAUrÍCio: Com essa cara ninguém o diria. isABel: é que doi… 63 64 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: Mas eras tu que dizias que isto era uma farsa demasiado cruel. isABel: no princípio era verdade. só eu sei o que me custou! [PAUsA] não podiamos adiar? Ao menos um dia? MAUrÍCio: Para quê? tudo quanto podiamos fazer por esta mulher, está feito. [PeGA nA PAUtA do PiAno] isABel: não é por ela, Maurício; agora é por mim. Preciso de me acostumar à ideia. MAUrÍCio: Cada vez te percebo menos. no princípio, andavas cheia de problemas de consciência. e agora não queres que o pano desça. isABel: não sei… estou com medo do que chamarias o grand finale. MAUrÍCio: A despedida? nada mais fácil: envolves a casa em longos olhares como se acariciasses um a um cada canto… nem sequer é preciso falar. depois deixas cair qualquer coisa das mãos, como se fosse sem querer [deixA CAir A PAUtA]. Um objecto que cai em silêncio tem mais emoção do que uma palavra. Porque é que estás a olhar para mim assim? isABel: Admiro-te. MAUrÍCio: [iróniCo] vá, diz isso com mais convicção. isABel: A sério que te admiro. é assombroso como vocês, A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 os sonhadores, só vêem claro o que está longe. Miguel, responde: de que côr são os olhos da Gioconda? MAUrÍCio: Côr de azeitona. isABel: de que côr são os olhos das sereias? MAUrÍCio: verde mar? isABel: de que côr são os meus? MAUrÍCio: os teus? [isABel BAixA os olhos] não leves a mal. Poderá parecer pouco amável mas juro-te que, neste momento, não seria capaz de dizer de que côr são os meus. isABel: Pardos, um pouco côr de avelã. quando te ris, ilumina-os um brilho doirado. quando falas e pensas noutra coisa, parece que os tolda uma nevoa acinzentada. MAUrÍCio: desculpa! isABel: não há de quê. [sorri, doMinAndo-se] e à des- pedida, se deixar cair alguma coisa das mãos, não julgues que será de comoção, mas apenas porque tive um bom mestre. MAUrÍCio: vou fazer a mala. [sAi] 65 66 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.3 o silêncio GenovevA • isABel GenovevA: [entrA PArA FAzer liMPezAs] A menina quer que eu a ajude a fazer a mala? isABel: [AlheiA] não é preciso, obrigada. GenovevA: é que daqui a bocado saem para o aeroporto. isABel: Pois é. GenovevA: [o CArrilhão dÁ As 10 horAs] não vê que o pior é estar calada? diga qualquer coisa, por favor! isABel: que quer que eu diga? GenovevA: seja o que for, ainda que não venha a propósito… como quando temos de passar por um sítio escuro e nos pomos a cantar. Com este silêncio, parece um enterro. isABel: é quase como se fosse. GenovevA: o mal não é para os que partem. os meninos regressam a casa, com toda uma vida pela frente. Mas a senhora… A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 isABel: já se sabia que mais cedo ou mais tarde havia de chegar este momento. GenovevA: A culpa é do tempo, que anda sempre ao contrário. Antes dos meninos chegarem, -recordo-me tão bem- nesta casa cada minuto parecia um século. "na segunda-feira, Genoveva, é na segunda-feira". e aquela segunda-feira nunca mais vinha. Mas mal os meninos chegaram, toda a semana passou a correr. A minha mãe dizia: há um relógio para chegar e outro para partir; o de chegar anda sempre atrasado. [deixA CAir A PAUtA] desculpe! não sei onde tenho as mãos! isABel: Pelo contrário. obrigada, Genoveva. GenovevA: obrigada, porquê? isABel: Por nada. Coisas minhas! [sAi] 67 68 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.4 BAlBoA, MAUrÍCio, oUtro MAUrÍCio o dinheiro BAlBoA • GenovevA • MAUrÍCio • oUtro MAUrÍCio GenovevA: [toCA A CAMPAinhA. ABre A PortA] Faz favor? oUtro MAUrÍCio: quero falar com o dono da casa. GenovevA: Um momento. [sAindo CAsA] PArA o interior dA Uma visita para o senhor. o senhor recebe? oUtro MAUrÍCio: [entrAndo] não, não recebe… Com a viagem que eu fiz, isso é que era bom que ele não recebesse. BAlBoA: [entrAndo] não parece a forma mais correcta de entrar em casa de uma pessoa. quem é o senhor? oUtro MAUrÍCio: terei mudado assim tanto em vinte anos? BAlBoA: Maurício! o que é que queres daqui? oUtro MAUrÍCio: Por certo não supõe que venho ajoelhar-me a seus pés e chorar sobre os meus pecados. BAlBoA: não. Conheço-te bem. tenho acompanhado toda a tua vida e sei o que se pode esperar de ti. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 oUtro MAUrÍCio: Ainda bem! evitam-se muitas explicações aborrecidas. sobretudo aborrecidas para si. BAlBoA: Para mim? oUtro MAUrÍCio: não houve um só momento em que não se sentisse responsável pela vida que eu arrastava longe daqui? BAlBoA: não sacudas o teu capote para salpicares os outros… tudo o que fizeste no Canadá é a continuação do que começaste nesta casa. oUtro MAUrÍCio: Com que então, conscienciazinha limpa? BAlBoA: Cumpri o meu dever. e se fosse necessário fazê-lo cem vezes, cem vezes o faria. oUtro MAUrÍCio: talvez lhe apetecesse. Mas agora receio que não possa. o rapaz de outros tempos está um pouco duro. BAlBoA: Ameaças? oUtro MAUrÍCio: não. Apenas um aviso. sei, por experiência, que um homem não encontra o caminho aberto. tem de abri-lo sem olhar a meios. e hoje, o meu passa por esta casa. BAlBoA: vamos, acaba! que queres tu? 69 70 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 oUtro MAUrÍCio: Como sabe, eu sou o vosso único herdeiro. quero aquilo que é meu. BAlBoA: teu só depois de eu e a avó termos morrido. o Utro MAUrÍCio : eu sei. Por isso sou razoável. Conformo-me com uma parte. em resumo, avô, preciso de dinheiro. BAlBoA: nem podia deixar de ser. quanto? oUtro MAUrÍCio: isso é que é o diabo. sinto muito mas não lhe posso fazer um preço de amigo. [ABAndonAndo o toM iróniCo] estou gravemente comprometido. BAlBoA: Com a policia? oUtro MAUrÍCio: não, a essa já me acostumei. Com os meus amigos, e eles não perdoam. BAlBoA: não te peço explicações. quanto? oUtro MAUrÍCio: Acha muito cinquenta mil contos? BAlBoA: estás doido? onde julgas que posso ir buscar tanto dinheiro? oUtro MAUrÍCio: deixe estar que não esperava que o tivesse no bolso. Mas pode arranjá-lo, e sem ir muito longe… nem sair daqui. se bem fiz as contas, só esta casa vale o dobro. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: A casa? vender a casa? oUtro MAUrÍCio: só para dois velhos é grande demais. BAlBoA: eras capaz de nos deixar na rua? oUtro MAUrÍCio: [CoM rAnCor] e você não me deixou a mim, há vinte anos? Ainda me lembro daquela bofetada… Foi a primeira e a última vez que alguém se atreveu a pôrme as mãos na cara. BAlBoA: e foi por isso que vieste? Agora compreendo-te bem. não é só o dinheiro: é toda essa turva ressaca de vingança e de ressentimento. oUtro MAUrÍCio: não tenho tempo para conversas dessas. Preciso do dinheiro amanhã sem falta. Combinado? BAlBoA: nem amanhã, nem nunca! oUtro MAUrÍCio: A sua atitude não me surpreende. Custou-lhe sempre tanto abrir a burra… Mas há alguém que não deixará que me abatam no meio da rua podendo salvar-me. onde está a avó? BAlBoA: não! A avó, não! Pedirei a amigos, arranjarei o que puder. leva o que tenha valor, as joias… oUtro MAUrÍCio: não vim pedir esmola. venho buscar o que é meu. e você sabe muito bem que a avó não é capaz de mo negar. Porque não quer que eu fale com ela? 71 72 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 BAlBoA: ouve, Maurício, pelo amor de deus! A avó ignora a verdade sobre a tua vida. Para ela, o rapaz doidivanas de há vinte anos é, hoje, um homem feliz que regressa, saudoso, à casa de onde partiu. oUtro MAUrÍCio: Bonita história! o pior é que já passei da idade e não gosto dessas historietas. onde está a avó? [AvAnçA. BAlBoA CortA-lhe o PAsso] BAlBoA: vê o que podes destruir dum momento para o outro! oUtro MAUrÍCio: Afaste-se! BAlBoA: não! Aqui não passas! oUtro MAUrÍCio: [doMinAndo-o] não se lhe meteu na cabeça esbofetear-me outra vez, não? é fácil com um garoto; mas com um homem é diferente. Afasta-se, já disse! [AFAstA-o BrUsCAMente e GritA] Avó!… MAUrÍCio: [entrA lentAMente, CoM irA ContidA] não grite! quando um homem está disposto a tudo, não grita. oUtro MAUrÍCio: quem é você? MAUrÍCio: isso não interessa. oUtro MAUrÍCio: [GritAndo] Avó!… BAlBoA: não metas a tua avó nisto. vamos ao banco ver se resolvemos isto com uma hipoteca. [sAeM] A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.5 A desistência isABel • MAUrÍCio MAUrÍCio: [ChAMA] isabel! [isABel entrA] Chegou o verdadeiro neto. isABel: Mas como? MAUrÍCio: sei lá. Apareceu e exigiu ao avô cinquenta mil contos. isABel: Mas onde é que ele vai arranjar tanto dinheiro? MAUrÍCio: Foi com ele ao banco para hipotecarem esta casa. isABel: e a avó? MAUrÍCio: é por causa disso que o avô foi ao banco. não quer que a avó descubra a nossa intrujice. isABel: e não tentaste impedi-lo? MAUrÍCio: o neto está disposto a tudo e não recuará um passo. isABel: queres dizer que toda a nossa obra vai ser destruída num abrir e fechar de olhos, aqui, na nossa presença. e vamos ficar de braços cruzados? 73 74 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MAUrÍCio: é inutil que tenhas razão. isABel: não te reconheço, Miguel. no teatro pareces um domador de milagres, com uma magia nova nas mãos. não há coisa feia que não possas tornar bela, nem triste realidade que não sejas capaz de transformar com um rasgo de imaginação. e agora bate-te à porta uma verdade, que nem sequer tem a desculpa da grandeza… e ficas diante dela atado de pés e mãos! MAUrÍCio: que posso fazer? o neto tem os trunfos todos. não necessita de pedir: pode tranquilamente praticar a chatagem. não há nada a esperar, Marta. nada! vamo-nos embora quanto antes. isABel: Para o teu teatro? vai tu sozinho. MAUrÍCio: Por certo não pensaste ficar aqui a viver! isABel: oh! Pudesse eu! ouve. Agora, não há aqui mestre nem discipula. vamos falar pela primeira vez de igual para igual. quero contar-te a minha história, como se não fosse minha, para que a vejas com mais clareza. Um dia, uma rapariga que vivia sózinha, foi arrancada do seu mundo e levada para outro, maravilhoso. tudo o que nunca tivera, lhe ofereceram de repente: uma família, uma casa com um salgueiro, um amor de recém-casada. naturalmente tratava-se de representar uma farsa, mas ela "não sabia medir os acontecimentos" e entregou-se em demasia. o que não devia passar de um cenário, converteu-se na sua casa verdadeira. quando dizia "avó" A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 não era uma palavra recitada, era um grito que vinha lá de dentro e de muito fundo. Até quando beijava o falso marido fraternalmente, o coração batia com mais força. sete dias durou o sonho, e aqui tens o resultado: agora já sei que a minha solidão vai ser mais difícil. Mas é a minha verdade. MAUrÍCio: À pouco disse que não sabia de que côr eram os teus olhos. queres que te diga como são em cada hora do dia e como mudam de tom quando abres a janela, e quando olhas a lareira, e quando eu chego e quando saio? isabel? [vão PArA se BeijAr e oUve-se A voz do oUtro MAUrÍCio, vindo de ForA CoM BAlBoA] isABel: deixa-me só com ele! MAUrÍCio: estás doida? isABel: talvez uma mulher possa convencê-lo. 75 76 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.6 A tentativa BAlBoA • eUGéniA • isABel • MAUrÍCio • oUtro MAUrÍCio oUtro MAUrÍCio: [de ForA] não quero saber disso para nada. se não fala você com a avó, falo eu. BAlBoA: espera aqui fora. eu falo com a avó. oUtro MAUrÍCio: [entrAndo CoM BAlBoA] isso é que era bom que eu ficasse na rua!… MAUrÍCio: Como é que correram as coisas? BAlBoA: o banco só faz a hipoteca com a minha assinatura e a da avó. MAUrÍCio: vamos para dentro. Preciso de falar consigo a sós. BAlBoA: e a isabel? Fica aqui com ele? MAUrÍCio: A isabel quer conversar com aquele senhor. oUtro MAUrÍCio: eu não estou para conversas de chacha. ou se aviam ou vou direito à avó. MAUrÍCio: dê-me dois minutos para ver se lhe resolvo o problema. depois pode falar com quem muito bem entender. A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 oUtro MAUrÍCio: despachem-se. [BAlBoA sAeM. isABel Põe MúsiCA] e MAUrÍCio A minha falsa esposa, não? isABel: A sua falsa esposa. oUtro MAUrÍCio: Muito gosto. Pelo menos não escolheram nada mal. isABel: obrigada. oUtro MAUrÍCio: já conheço toda a mentirola que armaram aqui: as cartas, o casal feliz, a comoção da avó. linda fábula, sim senhor. Com moralidade e tudo. é pena que acabe de maneira tão estupida! isABel: não acabou. oUtro MAUrÍCio: Pela minha parte, se quiserem continuá-la, já sabem o preço. isABel: Muito caro. vender esta casa ao desbarato! A única coisa que resta aos dois velhos para morrerem em paz. oUtro MAUrÍCio: também eu posso cair a uma esquina, se volto sem o dinheiro. os meus amigos não estão para fantasias e, além disso, são bons atiradores. isABel: Porque é que não assume as suas responsabilidades e não conta tudo à polícia? 77 78 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 oUtro MAUrÍCio: Porque quem ficava preso era eu. e tenho quem me safe. isABel: A avó? oUtro MAUrÍCio: exactamente. A não ser que o seu marido me resolva o problema. isABel: sabe muito bem que os cinquenta mil contos só vão adiar o seu problema. oUtro MAUrÍCio: isso é comigo. já percebi que por aqui não me safo. eu vou mas é falar com a avó. [AvAnçA. isABel BArrA-lhe o CAMinho] isABel: nem mais um passo! oUtro MAUrÍCio: Aviso-a de que nunca me detiveram as mulheres que se oferecem, quanto mais as que ameaçam. saia-me da frente! isABel: Pelo que tenha de mais sagrado, pense no que vai fazer antes que seja tarde! Uma só palavra sua pode matá-la! oUtro MAUrÍCio: interessa-lhe assim tanto a vida dessa mulher? isABel: Mais do que pode imaginar. oUtro MAUrÍCio: então dê-me você a massa. A vida da avó vale bem os cinquenta mil contos, não? A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 eUGéniA: [entrAndo] que se passa, isabel? isABel: [Correndo PArA elA] Avó!… eUGéniA: [PArA o oUtro MAUrÍCio] Procura alguém nesta casa? isABel: ninguém. estava a despedir-se. [sUPliCAnte] não é verdade que já se ia embora? oUtro MAUrÍCio: não fiz o estirão duma viagem para me ir embora com as mãos a abanar. isABel: é mentira! não lhe dê ouvidos, avó, não lhe dê ouvidos! eUGéniA: estás doida, isabel? que modos são esses? queira desculpá-la: está um pouco nervosa. retira-te. Parece que este senhor tem qualquer coisa importante a dizer-me. isABel: ele não! digo-lhe depois, avó, quando estivermos só as duas! eUGéniA: [enérGiCA] Basta, isabel! vai para o jardim, e não voltes seja a que pretexto for, sem que eu te chame. ouviste? seja a que pretexto for! retira-te. [isABel rAPidAMente, oCUltAndo o rosto] sAi 79 80 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.7 eUGéniA, oUtro MAUrÍCio A recusa eUGéniA • oUtro MAUrÍCio eUGéniA: [PAUsA. olhA deMorAdAMente o desConheCi- do e AvAnçA CoM serenidAde] Ao que parece, é assunto grave… [sentA-se] não quer sentar-se? oUtro MAUrÍCio: não muito obrigado. é questão de poucas palavras. eUGéniA: então fez uma grande viagem para falar comigo!… e donde veio? oUtro MAUrÍCio: do Canadá! eUGéniA: lindo país! o meu neto também de lá chegou à dias. Conhece o meu neto? oUtro MAUrÍCio: Muito bem! e pelo que vejo, melhor que a senhora. eUGéniA: é possível. estivemos separados tanto tempo! quando partiu desta casa… oUtro MAUrÍCio: quando o expulsaram. eUGéniA: exacto. quando o avô o expulsou desta casa, tive medo por ele. era uma cabeça desatinada; mas eu A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 tinha confiança no coração dele. estava certa de que bastaria lembrar-se de mim para não dar um mau passo. e assim foi. Mais tarde vieram as cartas, vida nova e, finalmente, ele próprio. oUtro MAUrÍCio: já me contaram essa história. o que não há maneira de me entrar, é como a engoliu, na sua idade. eUGéniA: não compreendo. oUtro MAUrÍCio: ora diga. nunca suspeitou de que as cartas eram falsas? eUGéniA: o quê? Falsas, as cartas? oUtro MAUrÍCio: [BrUsCo] tudo! As cartas, essa história ridicula e até o neto em pessoa! está cega ou faz-se? eUGéniA: [levAntAndo-se] que pretende insinuar? que o rapaz alegre e feliz que vive debaixo deste teto não é o meu neto? que o meu verdadeiro neto, a última gota do meu sangue… é o pobre canalha que está diante de mim? oUtro MAUrÍCio: Avó!… eUGéniA: era o que vinhas dizer-me, Maurício? oUtro MAUrÍCio: Avó... eUGéniA: Foi para dar este golpe a uma pobre mulher que atravessaste o mar? Podes ficar orgulhoso. é uma faça- 81 82 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 nha de homem! oUtro MAUrÍCio: de modo que também está metida na farsa? eUGéniA: restava-me apenas uma esperança: "pelo menos não se atreverá na minha presença". e esperei até ao derradeiro momento uma boa palavra, um gesto de piedade, ao menos uma hesitação… qualquer coisa a que me agarrasse para te perdoar. iludi-me! Foste directamente à chaga com as tuas mãos emporcalhadas… onde mais doía! oUtro MAUrÍCio: não podia fazer outra coisa, avó. Preciso desse dinheiro para salvar a pele! eUGéniA: sei quanto pedes, acabei de ouvi-lo da tua boca: cinquenta mil contos pela vida da avó. não, Maurício, não vale tanto. Por uma só lágrima dar-ta-ia toda inteira. Porém, já é tarde para chorar. nem um centavo por essa pele que não tem dentro nada de meu! oUtro MAUrÍCio: vai deixar que me matem como um cão? eUGéniA: não é a tua lei? Ao menos tem a dignidade de cair por ela. o Utro M AUrÍCio : [CoM voz roUCA e AnGUstiAdA ] lembre-se de que podem matar-me! Mas que também posso matar! eUGéniA: Pelas cinco chagas, Maurício, basta! se te resta A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 alguma coisa de homem, sai desta casa já, mas já! oUtro MAUrÍCio: incomoda-lhe assim tanto a minha presença? eUGéniA: nem mais um minuto! não vês que se me acabaram as forças… não quero cair diante de ti! sai! oUtro MAUrÍCio: será a culpada! eUGéniA: sai! [CoM UM Gesto CrisPAdo, o oUtro MAUrÍCio sAi] Cobarde!… Cobarde!… [PAUsA] o pior já pas- sou. o mau é a marca que deixa, essa mágoa que chega depois, silenciosamente, e que nos vai envolvendo devagarinho, devagarinho… Mas a essa já eu a conheço bem, somos velhas amigas. [reCoMPondo-se] os pequenos não ouviram nada. nunca lhes direi. deram-me os melhores dias da minha vida. não quero que me vejam caída. Morta por dentro, mas de pé. Como as arvores. [Põe MúsiCA. ChAMA] isabel!… 83 84 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 3.8 A despedida BAlBoA • eUGéniA • GenovevA • isABel • MAUrÍCio isABel: [entrAndo] ele já se foi? eUGéniA: Agora mesmo. que sujeito mais estranho! disse que fizera uma grande viagem para me falar, fica a olharme em silencio e, por fim, vai-se embora como veio. isABel: sem falar? eUGéniA: Parecia que se preparava para me dizer qualquer coisa importante, mas de repente, embargou-se-lhe a voz e não pode prosseguir. isABel: e não disse nada? nem uma palavra? eUGéniA: sim, só uma: perdão. entendes isto? Algum doido à solta! [entrAM GenovevA] MAUrÍCio CoM A MAlA, BAlBoA e então, de partida? MAUrÍCio: sim. eUGéniA: [PArA BAlBoA qUAndo GenovevA entrA] leva a Genoveva contigo. ela há-de gostar de ir ao aeroporto. GenovevA: oh se gostava… [ArrAnjA-se PArA sAir] BAlBoA: e tu? A s Á rvores M orreM de 85 P é • FdC 2000 eUGéniA: Ai filho, eu já não tenho idade para passeios. vá, façam boa viagem. Adeus meus queridos. Até para o ano. e com o meu bisneto. [desPedeM-se] Ah, a receita do licor. tens boa memória? isABel: sim, avó. eUGéniA: Ainda bem. vamos a ver se consegues fazê-lo. nesta casa todas nós o temos feito e sempre nos saiu bem. ora então vamos lá: [ditA A reCeitA] licor de noz com sabor a três suspiros: lavam-se muito bem 24 nozes verdes e cortam-se em lâminas muito finhinhas, que se colocam numa garrafa grande e escura… [leve tontUrA. isABel ACorre. eUGéniA reCoMPõe-se rAPidAMente] Ai filha, que a minha cabeça já não dá para mais. [dAndolhe UM PAPel] toma, eu escrevi-te a receita. [sAeM. eUGéniA FiCA só. esCUro. FiM] 86 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 As Árvores MorreM de Pé AlejAndro CAsonA versão Carlos Carvalheiro estreada no FdC-Chamusca (solar lopes da Costa) em 26 de Fevereiro de 1999 (a história do santuário de Fátima foi adaptada duma situação vivida e contada por Carlos Antunes no âmbito duma acção das Brigadas revolucionárias) ProdUção FdC-Chamusca direCção de ProdUção Carlos Carvalheiro AssistênCiA de ProdUção Gabriela de Azevedo direCção FinAnCeirA humberto Machado direCção de MontAGeM Ana de Carvalho eqUiPA de MontAGeM Amélia laurentino, Filipe seixas, Gabriela de Azevedo, humberto Machado, joão Mendes, laura lopes, luis Pereira, Manuel joão laurentino, Manuela vieira, Paulo lopes, Pedro laurentino, Pedro Marques, Pita Candeias, vera Galrinho vestUÁrio Manuela vieira Adereços Amélia laurentino direCção téCniCA (nuno ribeiro) Pedro laurentino eqUiPA téCniCA António Calhau, Filipe lopes, ricardo santos loGÍstiCA joaquim rodrigues, josé nunes, Maria Antónia lopes, nely eFeitos sonoros Carlos dâmaso A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 MoBiliÁrio Poltrona Usada (Barquinha) reAlizAção FdC-teatro enCenAção Carlos Carvalheiro MúsiCA elliot Goldenthal, scott joplin CArtAz e MAteriAl GrÁFiCo jorge Bilreiro (MBv design) deCorAção isabel silva dias PersonAGens e intérPretes MArtA: Pita Candeias ou vera Galrinho MiGUel: Filipe seixas ou Pedro Marques isABel: isabel Castelão ou Maria Antónia Coelho MAUrÍCio: Carlos Carvalheiro ou Fernando Gilberto BAlBoA: António josé Mendes ou humberto Machado GenovevA: Amélia laurentino ou Maria josé Candeias eUGéniA: laura lopes ou Manuela vieira oUtro MAUrÍCio: josé Manuel laranjeira ou Manuel joão laurentino BAr luis Pereira, Pedro Marques relAções PúBliCAs Filipe seixas, Pita Candeias direCção de sAlA Manuel joão laurentino APoios Câmara Municipal da Chamusca, Governo Civil de santarém, Família lopes da Costa, Fatias de Cá - tomar, inAtel de santarém, instituto Português da juventude de santarém, junta de Freguesia da Chamusca, MBv design (entroncamento), Poltrona Usada (Barquinha) AGrAdeCiMentos Ana Maria Adão e silva, Carlos Antunes, Fernando Barreto, Francisco luis eugénio, Manuel josé lucas, Margarida oliveira, norberto Gil 87 88 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 rePosição PArA diGressão A PArtir de 2000 ProdUção FdC-Chamusca enCenAção Carlos Carvalheiro direCção de ProdUção Carlos Carvalheiro direCção de MontAGeM Filipe seixas direCção FinAnCeirA Gabriela de Azevedo PersonAGens e intérPretes MArtA: vera Galrinho MiGUel: Filipe seixas isABel: Maria Antónia Coelho MAUrÍCio: Carlos Carvalheiro BAlBoA: António josé Mendes ou humberto Machado GenovevA: Fernanda seixas ou inês Cúrdia eUGéniA: laura lopes ou Manuela vieira oUtro MAUrÍCio: josé Manuel laranjeira ou Manuel joão laurentino A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 rePertório 1. FAtiAs de CÁ CoM nini FerreirA • Autores vários, 1979 2. FAtiAs de CÁ no AniversÁrio dA nABAntinA • Autores vários, 1979 3. o Con(s)Certo • karl valentim, versão Carlos Carvalheiro, 1981 4. Gente sériA • Autores vários, 1981 5. hãn? • a partir dos monólogos “A hUnGArA” de Mario Frati, “eU, Ulrike, Grito!” de dario Fo e Franca rame e do conto “PAssAM os sAltiMBAnCos” de Pitigrilli, 1982 6. A FestA dA MeMóriA qUe é CUrtA • Autores vários, versão Carlos Carvalheiro, 1983 7. o FArMACêUtiCo A CAvAlo • a partir de conto de Pitigrilli, versão Carlos Carvalheiro, 1983 8. FAtiAs de CÁ BAr é… • Autores vários, 1984; Autores vários, 2009; 9. A MeninA inês PereirA • a partir de Gil vicente, versão Carlos Carvalheiro, 1984, 1992, 1996 10. Por trÁs dAqUelA jAnelA • Autores vários, versão Carlos Carvalheiro, 1985 11. A FUGA de WAnG-Fô • a partir do conto de Marguerite yourcenar, versão Carlos Carvalheiro, 1987 12. hAMlet • a partir da peça de William shakespeare e da peça “A MÁqUinAhAMlet” de heiner Müller, versão Carlos Carvalheiro e Graça Afonso, 1987; versão Carlos Carvalheiro, 2006, 2009 13. hoMlet • a partir da banda desenhada de Gotlib e Alexis, versão Carlos Carvalheiro, 1988 14. qUereMos APrender teAtro (sonho de UMA noite de verão • William shakespeare, 1988 e oFiCinA de teAtro, FAtiAs de nAtAl, FAtiAs de CArnAvAl) 15. CróniCA dos Bons MAlAndros • a partir do romance de Mário zambujal, versão Carlos Carvalheiro, 1986 16. A sAPAteirA ProdiGiosA • Frederico Garcia lorca, 1990 17. CArMen • a partir da ópera de Mérimée e Bizet, versão Ana Paula eusébio, 1990 18. A FerA AMAnsAdA • William shakespeare, 1990 19. A CoMédiA dA MArMitA • a partir da peça de Plauto, versão Carlos Carvalheiro, 1991 20. A FlAUtA MÁGiCA • a partir da ópera de Mozart e shikaneder e do romance “FilhA dA noite” de Marion z. Bradley, versão Carlos Carvalheiro, 1991 21. tiMor • Autores vários, versão Carlos Carvalheiro, 1991 22. A MeninA FeiA • a partir da peça de Manuel Frederico Pressler, versão Carlos Carvalheiro, 1992 23. ConFUsões • Alan Ayckbourn, 1994 24. A CoMissão de FestAs • Alan Ayckbourn, 1995 25. As liGAções PeriGosAs • a partir do romance de Choderlos de laclos e da peça “qUArteto” de heiner Müller e com os contributos da peça “the dAnGeroUs liAisons” de Cristopher hampton e do filme “vAlMont”de Milos Forman com argumento de jean Carrière, versão Carlos Carvalheiro, 1996 26. tAneGAshiMA • a partir das narrativas “PereGrinAção”de Fernão Mendes Pinto e “tePPo-ki” de nampo Bunshi, versão Carlos Carvalheiro e isabel Passarito, 1997; tAneGAshiMA-hoi! • Autores vários, 1998; tAneGAshiMA • Carlos Carvalheiro, 2004 27. xAnAnA GUsMão - liBerdAde , liBerdAde! • Autores vários, versão Carlos Carvalheiro, 1997 89 90 A s Á rvores M orreM de P é • FdC 2000 28. t de leMPiCkA • john krizanc, 1998 29. As Árvores MorreM de Pé • a partir da peça de Alejandro Casona, versão Carlos Carvalheiro, 1999 30. tAnnhäUser • Carlos Carvalheiro a partir da ópera de richard Wagner e dos romances “os Filhos do GrAAl” de Peter Berling e “o GUArdião do teMPlo” de Gabriela Morais e dos contributos de isabel Passarito, 1999; tAnnhäUser - o tesoUro dos teMPlÁrios • Carlos Carvalheiro, 2003; o tesoUro dos teMPlÁrios • Carlos Carvalheiro, 2007 31. viriAto • a partir do romance “A voz dos deUses” de joão Aguiar, versão Carlos Carvalheiro e Filomena oliveira, 1999 32. sonho de UMA noite de verão • a partir da peça de William shakespeare, versão Carlos Carvalheiro, 2000 33. Corto MAltese - ConCerto eM o’Menor PArA hArPA e nitroGliCerinA • a partir da banda desenhada de hugo Pratt, versão Carlos Carvalheiro, 2001 34. A teMPestAde • a partir da peça de William shakespeare, versão Carlos Carvalheiro, 2001; versão Carlos Carvalheiro para duas línguas, 2009 35. Astérix no CriPtoPórtiCo • a partir da banda desenhada de Goscinny e Uderso, versão Carlos Carvalheiro, 2002 36. AlCACer kiBir • Carlos Carvalheiro, 2002 37. inês • a partir do romance “inês de PortUGAl” de joão Aguiar, versão Carlos Carvalheiro, 2003 38. diÁloGo dAs CoMPensAdAs • a partir do romance de joão Aguiar, versão Carlos Carvalheiro, 2003 39. A Morte do lidAdor • a partir da narrativa de Alexandre herculano, versão Carlos Carvalheiro, 2004 40. rAPAriGA CoM BrinCo de PérolA • a partir do romance de tracy Chevalier, versão Carlos Carvalheiro, 2004 41. o noMe dA rosA • a partir do romance de Umberto eco, versão Carlos Carvalheiro, 2004 42. A FestA de BABette • a partir do conto de karen Blixen, versão Carlos Carvalheiro, 2005 43. o eqUAdor PAssA eM s. toMé e PrÍnCiPe • Carlos Carvalheiro e Ana de Carvalho, 2005 44. toMAr eM revistA • Carlos Carvalheiro, 2006 45. As PeGAdAs dos drAGões (Contos do FAsCÍnio 3) • a partir do universo de Ursula le Guin, versão Carlos Carvalheiro, 2006 46. o PerFUMe • a partir do romance de Patrick süskind, versão Carlos Carvalheiro, 2007 47. ArthUr • Carlos Carvalheiro, 2008 48. AUto dA BArCA do inFerno • Gil vicente, 1999 49. o Anel qUeBrAdo (Contos do FAsCÍnio 2) • a partir do universo de Ursula le Guin, versão Carlos Carvalheiro, 2009 50. riChArd iii • a partir da peça de William shakespeare, versão Carlos Carvalheiro, 2010 51. A enCoMendAção Carlos Carvalheiro, 2011 dAs AlMAs • a partir do romance de joão Aguiar, versão