ASSOCIAÇÃO CRISTÓVÃO COLON

Transcrição

ASSOCIAÇÃO CRISTÓVÃO COLON
NOSSO ESPECIAL AMIGO
BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO CRISTÓVÃO COLON
“EDIÇÃO PÚBLICA”
www.colon-portugues.blogspot.com
e-mail: [email protected]
Sede: Rua da República, nº33, 7940-139 CUBA
2016, MARÇO (Nº5)
EDITORIAL
Neste número cinco do “Nosso Especial Amigo – Edição Pública” relembramos na rubrica
Notícias os eventos - Colóquios Conferências e Tertúlias - que tiveram lugar em 2015 e nos
quais participou a ACC, com a publicação de imagens dos respectivos cartazes.
Assinalamos também uma Efeméride muito importante para todos os que se dedicam ou
interessam pelo estudo de Cristóvão Colon – a sua estadia em Portugal no mês de Março
de 1493.
O nosso Destaque vai para um estudo do Engº Carlos Calado, Presidente da Direcção da
ACC, intitulado “O desvio de Cristóvão Colon para Lisboa, no regresso da descoberta”.
Neste estudo aborda-se a cronologia dos acontecimentos à luz da documentação coeva
existente, faz-se a confrontação entre informações contraditórias e os dados objectivos e
extraem-se as conclusões óbvias, bem como se registam algumas das suas consequências
imediatas e a prazo.
EFEMÉRIDE
A distribuição deste nº 5 da Edição pública do “Nosso Especial Amigo” nesta data insere-se
também no objectivo de assinalar o aniversário de um momento extremamente relevante da
primeira viagem de Cristóvão Colon ao Novo Mundo, quando chegou a Cascais e seguiu
depois para Lisboa no dia 4 de Março de 1493 e que é detalhadamente desenvolvido na
rubrica Destaque deste Boletim.
Lunes, 4 de marzo
Anoche padecieron terrible tormenta, que se pensaron perder de las mares de dos partes que venían
y los vientos, que parecía que levantaban la carabela en los aires, y agua del cielo y relámpagos de
muchas partes; plugo a Nuestro Señor de lo sostener, y anduvo así hasta la primera guardia, que
Nuestro Señor le mostró tierra, viéndola los marineros. Y entonces, por no llegar a ella hasta
conocerla, por ver si hallaba algún puerto o lugar donde se salvar, dio el papahígo por no tener otro
remedio y andar algo, aunque con gran peligro, haciéndose a la mar; y así los guardó Dios hasta el
día, que dice que fue con infinito trabajo y espanto. Venido el día, conoció la tierra, que era la
Roca de Sintra, que es junto con el río de Lisboa, adonde determinó entrar, porque no podía
hacer otra cosa: tan terrible era la tormenta que hacía en la villa de Cascaes, que es a la
entrada del río. Los del pueblo dice que estuvieron toda aquella mañana haciendo plegarias
por ellos, y, después que estuvo dentro, venía la gente a verlos por maravilla de cómo habían
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escapado; y así, a hora de tercia, vino a pasar a Rastelo dentro del río de Lisboa, donde supo
de la gente de la mar que jamás hizo invierno de tantas tormentas y que se habían perdido
veinticinco naos en Flandes y otras estaban allí que había cuatro meses que no habían podido salir.
Luego escribió el Almirante al Rey de Portugal, que estaba a nueve leguas de allí, cómo los Reyes
de Castilla le habían mandado que no dejase de entrar en los puertos de Su Alteza a pedir lo que
hubiese menester por sus dineros, y que el Rey le mandase dar lugar para ir con la carabela a la
ciudad de Lisboa, porque algunos ruines, pensando que traía mucho oro, estando en puerto
despoblado, se pusiesen a cometer alguna ruindad, y también porque supiese que no venía de
Guinea, sino de las Indias.
(in Diário da 1ª viagem, 4 de Março de 1493)
Tradução livre do texto a negrito:
Chegado o dia reconheceu a terra, que era a Roca de Sintra, que está junto ao rio de
Lisboa, onde decidiu entrar porque não podia fazer outra coisa: tão terrível era a
tormenta que fazia na vila de Cascais, que está na entrada do rio. Diz que os da
povoação estiveram toda a manhã rezando por eles e, depois que entrou, veio a gente
para vê-los, maravilhada por terem escapado; e assim, à hora das terças, passou ao
Restelo dentro do rio de Lisboa.
NOTÍCIAS
Em jeito de balanço
Terminado o ano de 2015 aqui registamos um pequeno balanço ilustrado dos eventos em
que a Direcção da ACC interveio:
Em 4 Março, no Museu do Mar Rei D. Carlos em Cascais,
Conferência com o título «Cascais na Rota da Descoberta da
América»
Em 27 Março, na Comissão Portuguesa de História Militar em
Lisboa, Conferência com o título «Colombo ou Colon? –
Fantasia e Realidade!»
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Em 19 Junho, na Casa dos Açores em Lisboa, Conferência com
o título «A passagem atribulada de Cristóvão Colon pelos
Açores»
Em 29 Outubro, no Clube da Associação da Força Aérea
Portuguesa em Lisboa, Tertúlia com o título «A Vida e a
Pátria de Cristóvão Colombo (Colon)»
Em 23 Novembro, na Biblioteca Nacional de Portugal em
Lisboa, Conferência com o título «Cristóvão Colon – entre
o Mito e a Realidade»
AGENDA
No próximo dia 13 de Abril a ACC irá participar numa jornada de Conferências promovidas
pela Universidade de Évora.
A Conferência da ACC, a cargo de Membros da Direcção tem por tema
«Cristóvão Colon – O especial amigo de D. João II»
Sinopse:
Um dos personagens que mais tem intrigado pesquisadores e historiadores é, sem dúvida,
Cristóvão Colon, também erradamente conhecido como Colombo.
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A história registou que D. João II, o qual estabeleceu a sua corte em Évora durante largos
períodos no seu reinado, rejeitou o plano que Colon lhe teria apresentado para alcançar a
Índia navegando para Ocidente e que este decidira então tentar a sua sorte em Castela,
zangado com a recusa do Rei.
Mas uma carta enviada por D. João II a Cristóvão Colon mostra que a relação entre ambos
se situava num outro plano, bastante mais próximo e mesmo amigável.
Seria Cristóvão Colon um agente da estratégia de D. João II?
DESTAQUE
“O desvio de Cristóvão Colon para Lisboa, no regresso da descoberta”
por Carlos Calado
A grande maioria dos historiadores e autores escreveu que ‘Colombo’, quando regressava
para Castela após a sua descoberta, sofreu uma enorme tempestade que o arrastou para
Lisboa, onde chegou no dia 4 Março.
Mas o estudo dos documentos coevos que se referem a este episódio revela-nos que esta
versão não corresponde à realidade, sendo apenas um argumento falso utilizado pelo
próprio Cristóvão Colon para iludir os Reis Católicos sobre os motivos do seu desvio para
Lisboa.
Com base no Diário da 1ª viagem e na Carta de Colon dirigida ao “escribano de ración” Luís
de Santangel mas de facto destinada a chegar ao conhecimento dos Reis Católicos, este
estudo evidencia que Cristóvão Colon mentiu deliberadamente aos seus patronos de
Castela e Aragão.
O período crucial no qual se desenrolaram os acontecimentos registados decorreu entre os
dias 15 de Fevereiro e 14 de Março de 1493.
Viernes, 15 de febrero
Ayer, después del sol puesto, comenzó a mostrarse claro el cielo de la banda del Oeste, y mostraba
que quería de hacia allí ventar. Dio la boneta a la vela mayor: todavía era la mar altísima, aunque iba
algo bajándose. Anduvo al Esnordeste cuatro millas por hora y en trece horas de noche fueron trece
leguas. Después del sol salido vieron tierra: parecíales por proa al Esnordeste; algunos decían
que era la isla de la Madera, otros que era la Roca de Sintra en Portugal, junto a Lisboa. Saltó
luego el viento por proa Esnordeste, y la mar venía muy alta del Oeste; habría de la carabela a tierra
cinco leguas. El Almirante, por su navegación, se hallaba estar con las islas de los Azores, y
creía que aquella era una de ellas: los pilotos y marineros se hallaban ya con tierra de
Castilla.
(in Diário da 1ª viagem, 15 de Fevereiro de 1493)
Tradução livre do texto a Negrito:
Depois do nascer do sol viram terra: … alguns diziam que era a Ilha da Madeira,
outros que era a Roca de Sintra em Portugal, junto a Lisboa.
O Almirante, pela sua navegação, achava que estava próximo das Ilhas dos Açores e
pensava que aquela era uma delas: os pilotos e os marinheiros julgavam-se já em
terra de Castela.
As informações constantes neste registo do Diário, de que se aproximavam de uma das
ilhas dos Açores são confirmadas pelos registos dos dias seguintes:
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Lunes, 18 de febrero
Ayer, después del sol puesto, anduvo rodeando la isla para ver dónde había de surgir y tomar
lengua. Surgió con un anda que luego perdió. Tomó a dar la vela y barloventeó toda la noche.
Después del sol salido, llegó otra vez de la parte del Norte de la isla, y donde le pareció surgió con
un anda, y envió la barca en tierra y hubieron habla con la gente de la isla, y supieron cómo
era la isla de Santa María, una de las de los Azores, y enseñáronles el puerto donde habían de
poner la carabela; y dijo la gente de la isla que jamás habían visto tanta tormenta como la que
había hecho los quince días pasados y que se maravillaban cómo habían escapado; los cuales dice
que dieron gracias a Dios e hicieron muchas alegrías por las nuevas que sabían de haber el
Almirante descubierto las Indias. Dice el Almirante que aquella su navegación había sido muy cierta
y que había carteado bien, que fuesen dadas muchas gracias a Nuestro Señor, aunque se hacía
algo delantero. Pero tenía por cierto que estaba en la comarca de las islas de los Azores, y que
aquélla era una de ellas. Y dice que fingió haber andado más camino por desatinar a los pilotos y
marineros que carteaban, por quedar él señor de aquella derrota de las Indias, como de hecho
queda, porque ninguno de todos ellos traía su camino cierto, por lo cual ninguno puede estar seguro
de su derrota para las Indias.
Tradução livre do texto a Negrito:
… e enviou a barca a terra e estabeleceram conversa com a gente da ilha, e souberam
que era a ilha de Santa Maria, uma das ilhas dos Açores, e indicaram-lhes o porto
onde haviam de pôr a caravela.
Cristóvão Colon estava pois, com toda a sua tripulação da caravela Niña, sobre uma das
ilhas dos Açores (efectivamente a ilha de Santa Maria) no dia 15 de Fevereiro.
No entanto a carta que escreveu com o relato da viagem, da qual transcrevemos o primeiro
e o último parágrafos, termina com uma frase relevante:
Señor: Porque sé que avreys plaser de la grand vitoria que Nuestro Señor me ha dado en mi viaje,
vos escrivo ésta, por la qual sabreys como en veynte dias pasé las Yndias con la armada que los
ylustrisimos Rey e Reyna nuestros señores me dieron donde yo fallé muy muchas yslas pobladas
con gente syn número, y dellas todas he tomado possesyón por sus altesas con pregón y vandera
real estendida, y no me fue contradicho.
(…)
Asy que pues nuestro Redentor dio esta vitoria a nuestros ylustrisimos Rey e Reyna e a sus Reynos
famosos de tan alta cosa, adonde toda la cristiandad deve tomar alegría y fazer grandes fiestas, dar
gracias solenes a la Santa Trinidad con muchas oraçiones solenes por el tanto ensalçamiento que
avrán en tornándose tantos pueblos a nuestra santa fe, y después por los bienes temporales que no
solamente a la España, mas todos los cristyanos ternán aquí rrefrigerio e ganançia. Esto segund el
fecho así muy breve. Fecha en la calavera sobre las Yslas de Canarya, XV de febrero de XCIII.
Tradução livre do texto a Negrito:
«Escrita na caravela sobre as Ilhas Canárias, 15 de Fevereiro de (14)93».
Ora Cristóvão Colon não confundiu as ilhas, que estão muitíssimo afastadas entre si (mais
de duzentas léguas, aproximadamente 10º de latitude e outro tanto de longitude) e escreveu
“Ilhas Canárias” porque pretendeu dizer aos Reis Católicos que se aproximava de território
sob o domínio de Castela e não de território português.
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O período de cerca de uma semana passado nos Açores já foi objecto de detalhado estudo
do Membro da ACC Carlos Paiva Neves, publicado no Boletim nº4, pelo que nos focamos na
fase seguinte da viagem.
Vejamos os extractos dos registos (tradução livre) no seu Diário de Bordo, a partir do dia em
que largou da Ilha de Santa Maria, nos Açores, no regresso para Castela.
22 de fevereiro
... na Ilha de Santa Maria
24 de fevereiro
E, como estava bom tempo para partir para Castela... Mandou navegar para Este, e andou
cerca de vinte e oito léguas.
25 de fevereiro
Navegou para Este, dezasseis léguas e um quarto. Depois do sol nascer andou outras
dezasseis léguas e meia.
26 de fevereiro
Navegou no seu caminho para Este, vinte cinco léguas. Depois do sol nascer, com pouco
vento e aguaceiros andou cerca de oito léguas para Es-Nordeste.
27 de fevereiro
Esta noite e dia andou fora de caminho pelos ventos contrários e grande ondulação.
Encontrava-se a cento e vinte cinco léguas do Cabo de S. Vicente, oitenta léguas da
Ilha da Madeira e cento e seis léguas da Ilha de Sta. Maria
28 de fevereiro
Andou da mesma maneira esta noite com diversos ventos para Sul e para Sueste, de um
lado e do outro, e para Nordeste e para Es-Nordeste, e assim todo o dia.
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1 de março
Andou esta noite para ‘Este quarta de Nordeste’, doze léguas; de dia, para ‘Este quarta
de Nordeste’, vinte e três léguas e meia.
2 de março
Andou esta noite no seu caminho para ‘Este quarta de Nordeste’, vinte e oito léguas e de
dia andou vinte léguas.
3 de março
Depois do sol posto navegou a caminho de Este. Veio uma rajada que rompeu todas as
velas e viu-se em grande perigo. Teria andado sessenta milhas (15 léguas) antes de se
romperem as velas; depois andaram com mastro nú devido à tempestade. Viram sinais de
estar perto de terra. Estavam perto de Lisboa.
Resumindo, desde que saiu da Ilha de Santa Maria, a caravela do Almirante seguiu sempre
na direcção Este até ao dia 26 de Fevereiro. Nesse dia o mar estava chão e a Niña navegou
na direcção Este e depois Es-Nordeste; no dia 27 registou-se tormenta e a posição da Niña
foi indicada pelo Almirante. Estava a 125 léguas do Cabo de S. Vicente, a oitenta léguas da
ilha da Madeira e a 106 léguas da ilha de Sta. Maria.
Recorremos à utilização de processos matemáticos
simples para determinar a posição no dia 27 e
depois o trajecto do Almirante até chegar perto de
Lisboa.
Marcando num mapa os arcos de circunferência
correspondentes a estas distâncias, para determinar
o seu ponto de intersecção, que nos daria a posição
exacta da caravela, concluimos que, com uma
margem de erro mínima, a Niña estaria nas
coordenadas (37º 05’N; 17º 40’W).
O Cabo de S. Vicente situa-se aproximadamente
nas coordenadas (37ºN; 9ºW). Para se dirigir ao
porto de Palos, em Huelva, de onde tinha largado em Agosto de 1492, a caravela teria de
aproar um pouco para sul do cabo de S. Vicente, para daí seguir ao longo da costa algarvia
até Huelva. Ou seja, como o Cabo de S. Vicente se situa praticamente na mesma latitude da
posição da Niña no dia 27 de Fevereiro, a rota a seguir deveria ser directa para Este,
inflectindo um pouco para Sul.
Mas não foi isso que o Almirante fez. Depois de no
dia 28 ter encontrado ventos irregulares, nos dias 1
e 2 de Março ele navegou 83,5 léguas, não na
direcção Este que o levaria para Castela, mas sim
na direcção ‘Este Quarta de Nordeste’, (ângulo de
11º 15’ com a direcção Este) que o levava para um
ponto bastante a Norte do Cabo de S. Vicente. A
aplicação de um cálculo trigonométrico simples
permite determinar esse ponto no Atlântico,
garantidamente já bem acima dos 38ºN.
No mapa seguinte assinalamos a Rota que deveria
ter seguido para Castela, a Rota descrita no Diário
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onde se assinala a posição no dia 27 e não há precisão sobre o caminho no dia 28, e a Rota
Provável, admitindo que no dia 28 o Almirante tentou continuar na rota que seguia antes
(Es-Nordeste) e seguiu nos dias seguintes (Este quarta de Nordeste)
Assim, no dia 3 de Março, quando as suas velas foram rompidas pela rajada de vento
(admitindo que essa tempestade tenha mesmo acontecido) depois de ter retomado a
direcção Este, a caravela Niña encontrava-se efectivamente já a caminho e muito próxima
de Cascais, de onde seguiu para Lisboa.
A tempestade (se, efectivamente existiu) não o desviou para Lisboa. Apenas lhe dificultou a
chegada!
Cristóvão Colon veio para Lisboa porque quis, e isto pode alterar toda a interpretação da
viagem e da História.
Concluindo que Colon veio para Lisboa por sua própria vontade e não por ter sido desviado
por uma tempestade, poderemos interrogar-nos então: qual o objectivo do Almirante ao vir
para Lisboa?
Também neste ponto as opiniões de vários historiadores, que se basearam em relatos
posteriores de cronistas portugueses, não tiveram em conta as fontes coevas primárias mais
relevantes, como são o Diário da primeira viagem e a Carta de Cristóvão Colon a Luís de
Santangel. E na leitura desses documentos há que ter em conta o que são verdades
inconvenientes e mentiras ardilosas.
Seria absolutamente inverosímil que Colon tenha vindo a Lisboa vangloriar-se perante o Rei
de Portugal de que acabara de chegar à Ásia ao serviço dos Reis Católicos e ridicularizar
D.João II por este se ter recusado a apoiar-lhe o projecto. Nem este aspecto corresponde ao
desenrolar dos factos, nem um qualquer charlatão aventureiro genovês, como o
descreveram alguns cronistas, teria qualquer hipótese de continuar livre e seguir viagem
para Castela.
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Extractos do Diário e sua tradução livre:
Viernes, 8 de marzo
Hoy recibió el Almirante una carta del Rey de Portugal con D. Martín de Noronha, por la cual le
rogaba que se llegase adonde él estaba, pues el tiempo no era para partir con la carabela; y así lo
hizo por quitar sospecha, puesto que no quisiera ir, y fue a dormir a Sacamben.
Sexta-feira, 8 de Março
Hoje o Almirante recebeu uma carta do Rei de Portugal trazida por D. Martinho de
Noronha, pela qual lhe rogava que fosse até onde ele estava, pois não estava tempo
para partir com a caravela; e assim fez para eliminar suspeitas, pois não queria ir, e
foi dormir a Sacavém.
Sábado, 9 de marzo
Hoy partió de Sacamben para ir adonde el Rey estaba, que era el valle del Paraíso, nueve leguas de
Lisboa: porque llovió no pudo llegar hasta la noche. El Rey le mandó recibir a los principales de su
casa muy honradamente, y el Rey también le recibió con mucha honra y le hizo mucho favor y
mandó sentar y habló muy bien, ofreciéndole que mandaría hacer todo lo que a los Reyes de Castilla
y a su servicio cumpliese cumplidamente y más que por cosa suya; y mostró haber mucho placer del
viaje haber habido buen término y se haber hecho, mas que entendía que en la capitulación que
había entre los Reyes y él que aquella conquista le pertenecía. (…)
Diole por huésped al prior del Clato, que era la más principal persona que allí estaba, del cual el
Almirante recibió muy muchas honras y favores.
Sábado, 9 de Março
Hoje partiu de Sacavém para ir onde o Rei estava, que era o Vale do Paraíso, a nove
léguas de Lisboa: porque chovia só chegou já era noite. O Rei mandou-o receber
pelos mais importantes de sua casa, com honras, e o Rei também o recebeu com
muitas honras e lhe fez muito favor e mandou sentar e lhe falou muito bem,
oferecendo-se para mandar fazer tudo o que fosse necessário ao serviço dos Reis de
Castela, mais do que pelo seu interesse; e mostrou ter muito prazer pela viagem se ter
efectuado e ter terminado bem, mas que entendia que pelo acordo que havia entre os
Reis e ele, aquela conquista lhe pertencia. (…)
Deu-lhe por anfitrião o Prior do Crato, que era a pessoa mais importante que ali
estava, do qual o Almirante recebeu muitas honras e favores.
Domingo, 10 de marzo
Hoy, después de misa, le tomó a decir el Rey si había menester algo, que luego se le daría, y
departió mucho con el Almirante sobre su viaje, y siempre le mandaba estar sentado y hacer mucha
honra.
Domingo, 10 de Março
Hoje, depois da missa, o Rei tornou a perguntar-lhe se necessitava de alguma coisa,
que logo se lhe daría, e conversou muito com o Almirante sobre a sua viagem, e
sempre o mandava estar sentado e com muita honra.
Lunes, 11 de marzo
Hoy se despidió del Rey, y le dijo algunas cosas que dijese de su parte a los Reyes, mostrándole
siempre mucho amor. Partióse después de comer, y envió con él a D. Martín de Noronha, y todos
aquellos caballeros le vinieron a acompañar y hacer honra buen rato. Después vino a un monasterio
de San Antonio, que es sobre un lugar que se llama Villafranca, donde estaba la Reina; y fuele a
hacer reverencia y besarle las manos, porque le había enviado a decir que no se fuese hasta que la
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viese, con la cual estaban el Duque y el Marques, donde recibió el Almirante mucha honra. Partióse
de ella el Almirante de noche, y fue a dormir a Allandra.
Segunda-feira, 11 de Março
Hoje despediu-se do Rei, que lhe disse algunas coisas para que as transmitisse, de
sua parte, aos Reis (Católicos), mostrando-lhe sempre muito amor. Partiu depois de
comer, e foi com ele D. Martinho de Noronha e todos aqueles cavaleiros o vieram
acompanhar e honrá-lo durante um bom bocado. Depois veio a um mosteiro de Santo
António, que está sobre um lugar que se chama Vila Franca, onde estava a Rainha; e
foi-lhe fazer reverência e beijar-lhe as mãos porque ela lhe tinha mandado dizer que
não se fosse embora sem a ir visitar, com a qual estavam o Duque e o Marquês, onde
recebeu o Almirante muita honra. O Almirante partiu de noite e foi dormir a Alhandra.
Jueves, 14 de marzo
Ayer, después del sol puesto, siguió su camino al Sur, y antes del sol salido se halló sobre el Cabo
de San Vicente, que es en Portugal. Después navegó al Este para ir a Saltés, y anduvo todo el día
con poco viento hasta ahora que está sobre Faro.
Quinta-feira, 14 de Março
Ontem depois do sol posto seguiu o seu caminho para sul, e antes do nascer do sol
encontrava-se junto ao Cabo de S. Vicente, que é em Portugal. Depois navegou para
Este para ir até Saltés, e andou todo o dia com pouco vento até agora que está junto a
Faro.
Tal como consta no Diário, Cristóvão Colon ficou em Portugal durante 10 dias, foi
acompanhado pelos mais importantes nobres portugueses, encontrou-se com o Rei nos
dias 9, 10 e 11 tendo-lhe certamente relatado todos os pormenores da viagem que acabara
de fazer e ainda foi visitar a Rainha, a pedido desta.
Que relação de proximidade poderia haver entre o Rei e o navegador para que o tratasse
com tanta atenção, como a um igual? Que relação de familiaridade poderia haver entre a
Rainha de Portugal e o Almirante, se este fosse o tal Colombo aventureiro genovês?
E porque razão terá Colon mentido aos patronos da viagem, os Reis Católicos de Castela e
Aragão, ocultando-lhes a sua estada em Portugal e mentindo sobre o motivo do seu desvio
para Lisboa?
É que o Almirante acrescentou uma adenda à carta redigida em 15 de Fevereiro, dirigida a
Luís de Santangel:
(ANIMA que venía dentro en la carta.)
Después desta escrito, estando en mar de Castilla, salió tanto viento conmigo sul y sueste,
que me ha fecho descargar los navíos. Pero corrí en este puerto de Lisbona oy, que fue la
mayor maravilla del mundo, adonde acordé de escrivir a sus altezas. En todas las Yndias he
siempre hallado los tiempos como en mayo, adonde yo fui en XXXIII días y volví en XXVII, a salvo,
questas tormentas me han detenido XIII corriendo por esta mar. Dizen acá todos los onbres de la
mar que jamás ovo tan mal ynvierno ni tantas pérdidas de naves. Fecha a XIIII de março.
Tradução livre:
Depois desta escrita, estando no mar de Castela, levantou-se tanto vento de sul e de
sueste que me fez descarregar os navios. Mas corri para este porto de Lisboa hoje,
que foi a maior maravilha do mundo, de onde decidi escrever a Vossas Altezas. (…)
Feita a 14 de Março
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Ora, na data que consta na adenda, 14 de Março, já o Almirante estava a caminho de
Castela depois de ter passado todos aqueles dias em Portugal, o que ele omite. Mente aos
Reis, dizendo que foram os ventos fortes que o fizeram descarregar os navios e correr para
o porto de Lisboa, quando de facto só tinha uma caravela, a Niña, e o seu trajecto para
Lisboa já se iniciara calmamente no dia 26 de Fevereiro.
Então, se Cristóvão Colon desviou a sua rota para Lisboa porque quis e se mentiu aos Reis
Católicos usando o alibi da tempestade, se escondeu os dias que aqui passou e os seus
encontros com o Rei D.João II, foi porque não queria que suspeitassem desses encontros
nem que o acusassem de traição, o que efectivamente veio a acontecer.
Que fins, que interesses e que propósitos servia Cristóvão Colon? Os seus próprios, os dos
Reis Católicos ou os de D. João II?
A resposta a estas questões pode, provavelmente, encontrar-se nas consequências dessa
vinda de Colon a Lisboa:
D. João II, informado detalhada e correctamente por Cristóvão Colon da localização exacta
das ilhas a que este chegara, anunciou que mandava preparar uma armada, capitaneada
por D. Francisco de Almeida, para tomar posse das ditas terras que por direito lhe
pertenciam, em razão do Tratado de Alcáçovas/Toledo em vigor, que atribuía a Portugal os
territórios a sul do paralelo das Canárias.
Cristóvão Colon, que acabara de efectuar a que poderia ser considerada a mais importante
descoberta de sempre e que, com isso, iria alcançar os mais altos títulos e mercês
prometidos pelos Reis Católicos nas Capitulaciones de Santa Fé, não mostrou pressa
nenhuma para dar a notícia aos Reis que se encontravam em Barcelona, e só lá chegou,
por terra, quase dois meses depois de fazer o relato ao Rei português.
Apesar dos persistentes pedidos, não entregou aos seus patronos um mapa com a
localização das terras que teria acabado de “conquistar” em nome dos Reis Católicos.
A carta a Luís de Santangel foi impressa e amplamente divulgada por toda a Europa,
transformando um tesouro que deveria ser ciosamente escondido num potencial foco de
cobiça para outras potências.
Perante as pressões, os Reis Católicos recorreram de imediato ao Papa, Alexandre VI, que
logo emitiu duas Bulas favoráveis a Castela, atribuindo-lhe os direitos sobre as terras
descobertas. D. João II não perdeu tempo e forçou negociações.
E poucos meses depois, o Almirante estava de novo no mar a caminho das terras que os
Reis Católicos pensavam ser as Índias, desta vez com uma armada de dezassete navios e
centenas de colonos.
Os dados estavam lançados. Castela virava-se decididamente para Ocidente e pouco
depois era assinado o Tratado de Tordesilhas entre D.João II e os Reis Católicos.
Referências e créditos:
Relaciones y cartas de Cristóbal Colón – Biblioteca clásica, Universidad de Sevilla


Relación del primer viaje de Don Cristóbal Colón para el descubrimiento de las Índias puesta sumariamente por Fray Bartolomé
de Las Casas
Carta a Luís de Santangel
Manuel da Silva Rosa / Eric J. Steele – O mistério Colombo revelado, 2006, Ed. Ésquilo
Mascarenhas Barreto – O Português Cristóvão Colombo, agente secreto do Rei Dom João II, 1988, Ed. Referendo
João Brandão Ferreira – Um olhar sobre o Cristóvão Colon Português (artigo)
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