Tratamento cirúrgico da escoliose neuromuscular no paciente

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Tratamento cirúrgico da escoliose neuromuscular no paciente
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ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
Tratamento cirúrgico da escoliose neuromuscular no
paciente portador de paralisia cerebral com instrumentação
posterior tóraco-lombo-pélvica
Surgical treatment of neuromuscular scoliosis on cerebral palsy patient
with posterior thoraco-lumbar-pelvic instrumentation
Tratamiento quirúrgico de la escoliosis neuromuscular en el paciente
portador de la parálisis cerebral con instrumentación posterior
toracolumbarpélvica
Luiz Cláudio de Moura França1
Roberto Sakamoto Falcon2
Manuel de Araújo Porto Filho3
Mauricio Pagy de Calais Oliveira4
Marcelo Gonçalves Rugani5
Rodrigo Gallinari da Costa Faria6
Guilherme Pilett7
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
Objetivo: o propósito deste estudo
retrospectivo foi avaliar os resultados
do tratamento cirúrgico da escoliose
secundária à paralisia cerebral com
instrumentação toraco-lombo-pélvica
utilizando o mesmo método de instrumentação e de artrodese. Métodos:
foram estudados 12 pacientes não deambuladores com escoliose associada
à paralisia cerebral e com obliqüidade
pélvica. A correção da deformidade e a
fixação foram feitas com material
composto por fios sublaminares e uma
haste pré-modelada em aço. A instrumentação foi realizada desde a coluna
torácica alta até o sacro com fixação
pélvica nos ossos ilíacos em todos os
Objective: the purpose of this
retrospective study was to evaluate the
results of surgical treatment of scoliosis
in cerebral palsy patients with thoracolumbo-pelvic instrumentation using
the same fixation and arthrodesis
methods. Methods: there were studied
12 patients with scoliosis secondary
to cerebral palsy. The correction of the
deformity and the fixation were done
with sub laminar wires and a premodeled stainless-steel rod. The
instrumentation included the higher
thoracic spine to the lower sacrum
with pelvic fixation into the iliac
bones. Results: the average time of
surgery was 288 minutes. It was
Objetivo: el propósito de este estudio
retrospectivo fue evaluar los resultados del tratamiento quirúrgico de
la escoliosis secundaria a la PC con
instrumentación toracolumbarpélvia
utilizando el mismo método de
instrumentación y artrodesis. Métodos:
fueron estudiados 12 pacientes que no
deambulaban con escoliosis asociada
a PC y con oblicuidad pélvica. La
corrección de la deformidad y la
fijación fueron hechas con material
compuesto por cabos sublaminares y
una asta premodelada en acero. La
instrumentación fue realizada desde
la columna torácica alta hasta la
región sacra con fijación pélvica en
Trabalho realizado no Hospital Mater Dei e Hospital da Baleia - Centro Mineiro de Cirurgia da Coluna - Belo Horizonte (MG), Brasil.
1
Ortopedista e Cirurgião de Coluna do Hospital Mater Dei e Hospital da Baleia, Belo Horizonte (MG), Brasil.
Ortopedista e Cirurgião de Coluna do Hospital Ortopédico e Hospital da Baleia, Belo Horizonte (MG), Brasil.
3
Ortopedista e Cirurgião de Coluna dos Hospitais Belo Horizonte e Life Center, Belo Horizonte (MG), Brasil.
4
Ortopedista e Cirurgião de Coluna dos Hospitais Belo Horizonte e Vera Cruz, Belo Horizonte (MG), Brasil.
5
Neurocirurgião dos Hospitais Vera Cruz e Socor, Belo Horizonte (MG), Brasil.
6
Ortopedista dos Hospitais São Camilo e Life Center, Belo Horizonte (MG), Brasil.
7
Especializando em Cirurgia da Coluna Vertebral do Centro Mineiro de Cirurgia da Coluna, Belo Horizonte (MG), Brasil.
2
Recebido: 14/03/2007 Aprovado: 14/02/2008
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pacientes. O tempo médio de cirurgia
foi de 288 minutos. Resultados: foi
obtida correção média da escoliose de
79,8%. A correção média da obliqüidade
pélvica foi de 90%. Houve 33% de
complicações. Todos os pais e responsáveis informaram que, de uma forma
geral, houve melhora nos cuidados com
os pacientes. Conclusão: nesta série, a
instrumentação foi associada a
resultados satisfatórios, com boa
correção e estabilidade da curva e da
obliqüidade pélvica, e com poucas
complicações comparadas aos relatos
da literatura. Esta técnica é recomendada como método de correção e
fixação da coluna no tratamento da
escoliose neuromuscular grave
associada à obliqüidade pélvica.
obtained an average correction of the
scoliosis of 79.8%. The average
correction of the pelvic obliquity was
90%. There were 33% of complications.
All the parents and responsibles
informed that, in a general way, there
was improvement in the care of the
patients. The instrumentation was
associated to satisfactory results, with
good correction and stability in the
curve and of the pelvic obliquity, and
with few complications compared to
the reports of the literature. Conclusion:
this technique is recommended as a
correction and fixation method of the
spine in the treatment of severe
neuromuscular scoliosis associated to
pelvic obliquity.
los huesos iliacos, en todos los
pacientes. El tiempo promedio de
cirugía fue de 288 minutos. Resultados:
se obtuvo una corrección media de la
escoliosis de 79.8%. La corrección
promedio de la oblicuidad pélvica fue
de 90%. Hubo 33% de complicaciones.
Todos los padres y responsables
informaron que, de una forma general,
hubo mejora en los cuidados con los
pacientes. Conclusión: En esta serie
la instrumentación fue asociada a
resultados satisfactorios, con buena
corrección y estabilidad de la curva y
de la oblicuidad pélvica, y con pocas
complicaciones comparadas con lo
relatado en la literatura. Esta técnica
es recomendada como método de
corrección y fijación de la columna
en el tratamiento de la escoliosis
neuromuscular severa asociada a la
oblicuidad pélvica.
DESCRITORES: Paralisia cerebral/
complicações; Escoliose/
cirurgia; Procedimentos
ortopédicos/instrumentação
KEYWORDS: Cerebral palsy/
complications; Scoliosis/
surgery; Orthopedic
procedures/instrumentation
DESCRIPTORES: Parálisis cerebral/
complicaciones; Escoliosis/
cirurgía; Procedimientos
ortopédicos /instrumentación
INTRODUÇÃO
A paralisia cerebral (PC) é uma síndrome não progressiva,
secundária a lesões ou anomalias do neurônio motor superior.
Ocorre nos primeiros estágios do desenvolvimento e afeta
2-2,5/1000 nascidos vivos nos Estados Unidos 1 . A
deformidade escoliótica é habitualmente progressiva e
ocorre em 60% a 70% das crianças com paralisia cerebral
espástica quadriplégicas 2-3. Estas deformidades são
secundárias ao desequilíbrio entre forças musculares no
esqueleto axial em crescimento, estão freqüentemente
associadas com deformidade sagital significativa, e não
respondem ao uso de órteses 4-5 . A prevalência de
deformidades da coluna nos pacientes com PC, na literatura,
varia entre 10% nos pacientes deambuladores com
hemiplegia a 60% a 70 % nos quadriplégicos. Em pacientes
deambuladores, a progressão da deformidade pode
comprometer a capacidade de marcha e, em não
deambuladores, pode comprometer o equilíbrio para sentar
pelo aumento da obliqüidade pélvica6.
Devido ao fato de que os resultados do tratamento
conservador são questionáveis, recomenda-se a correção e
instrumentação precoces 3, 7-8 como tratamento das
deformidades com progressão e comprometimento
funcional. A artrodese da coluna é indicada na PC em
crianças com curvas acima de 45° a 50°, especialmente se
for observada a deterioração funcional9,- 10. O princípio da
cirurgia é restaurar o alinhamento do tronco, evitar o
comprometimento respiratório, aliviar a dor causada pelo
conflito das costelas sobre a crista ilíaca na concavidade da
curva e evitar uma distribuição assimétrica de carga ao sentar
devido a obliqüidade pélvica11- 12. Promover uma boa postura
e melhor tolerância para permanecer sentado são alguns
dos objetivos ortopédicos, assim como prevenir a luxação
dos quadris e facilitar os cuidados com estes pacientes13.
Durante o desenvolvimento das técnicas de instrumentação,
Luque popularizou o uso de múltiplos amarrilhos
sublaminares para a fixação segmentar14-,15. Isto proporciona
uma correção gradual da deformidade à medida que os
amarrilhos são seqüencialmente apertados. A artrodese da
coluna com instrumental de segunda geração tem sido
considerada o tratamento cirúrgico de escolha para as
deformidades neuromusculares1. O método de Luque não
proporciona estabilidade com relação às cargas axiais, pois
pode haver telescopagem das hastes. A estabilidade
rotacional também é menor, entretanto ela pode ser aumentada
com a utilização do sistema de conexão transversal 16.
A literatura ortopédica preconiza a fixação pélvica como
tratamento padrão atual na correção da escoliose neuromuscular
com obliqüidade pélvica significativa 17-18. Como resultado da
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Tratamento cirúrgico da escoliose neuromuscular no paciente portador de paralisia cerebral com instrumentação posterior tóraco-lombo-pélvica
grande extensão da artrodese e do substancial braço de
alavanca, grandes momentos de força são colocados sobre a
junção lombossacra, sendo necessária uma fixação segura na
porção sacro pélvica do sistema. A técnica de Galveston
consiste na modelagem na parte distal da barra que permite a
inserção de sua extremidade por meio de uma coluna óssea no
ílio posterior, justamente superior à incisura ciática maior. Outros
métodos de fixação sacro-pélvica são as técnicas de DunnMcCarthy, hastes intra-sacrais, fixação ílio sacral e parafusos
ilíacos. Apesar de muitos estudos terem documentado o uso
destas várias técnicas, apenas alguns têm estudado estes
métodos em coortes de pacientes comparáveis17.
A fixação pélvica foi refinada com o desenvolvimento
da “haste única”. Esta haste pré-modelada não necessita
que o cirurgião execute a modelagem das hastes no préoperatório, diminuindo o tempo cirúrgico, além de se mostrar
um sistema mais rígido e com maior capacidade para correção
das deformidades19-20.
Sistemas de terceira geração têm virtualmente eliminado
o uso de gesso ou órtese no pós-operatório e diminuído os
índices de pseudo-artrose nas cirurgias para deformidades
idiopáticas. Apesar de tudo, existem poucos relatos dos
resultados do tratamento da escoliose neuromuscular com
instrumental de terceira geração e nenhum para pacientes
com escoliose exclusivamente com PC1, 20-22.
Diferentes estudos enfatizam que os benefícios do
tratamento cirúrgico devem ser confrontados em relação à
incidência aumentada de potenciais complicações pré e pósoperatórias23. Taxas de complicações na literatura após a
artrodese da coluna com instrumentação para escoliose
neuromuscular são altas, variando de 44% a 66%. Especial
atenção deve ser dada às complicações cardio-pulmonares,
gastrointestinais e neurológicas24.
O propósito deste estudo retrospectivo foi avaliar os
resultados do tratamento cirúrgico da escoliose secundária a
PC, com instrumentação toraco-lombo-pélvica, utilizando um
sistema de haste pré-modelada em todos os casos. As vantagens
da técnica cirúrgica são discutidas e nossos resultados foram
comparados com relatos de séries encontradas na literatura.
MÉTODOS
Um total de 12 pacientes, não deambuladores, com escoliose
devido à paralisia cerebral e obliqüidade pélvica associada, foram
submetidos ao mesmo protocolo de tratamento cirúrgico pelos
autores e avaliados retrospectivamente. Todos os pacientes
apresentavam PC quadriplégica. Um número significativo de
pacientes possuía retardo mental de moderado a grave e nenhum
deles estava livre de déficit cognitivo. Os critérios de inclusão
foram o diagnóstico de deformidade progressiva da coluna
causada apenas por PC para maior uniformidade da amostra, e
somente os pacientes submetidos ao tratamento por artrodese
vertebral com instrumentação posterior isolada utilizando o
sistema de haste pré-modelada com o seguimento mínimo de
seis meses fizeram parte do estudo. A indicação para tratamento
cirúrgico foi baseada no relato do comprometimento funcional
progressivo, aumento da rigidez da curva e descompensação ao
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exame clínico, sendo que o valor angular da curva acima de 50
graus não foi considerado como critério isolado para a indicação
do tratamento.
Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados
utilizando a mesma técnica operatória e pelo mesmo cirurgião.
Os doze pacientes avaliados, seis do sexo feminino e seis do
sexo masculino, tiveram um seguimento médio de 27,9 meses
(8 a 46 meses). A artrodese póstero-lateral foi realizada com
enxerto interfacetário, decorticação das facetas, lâminas,
processos transversos e espinhosos. A correção da
deformidade e a instrumentação foram feitas com um sistema
composto por fios sublaminares de Luque e uma haste de aço
pré-modelada, confeccionadas para o tratamento da escoliose
neuromuscular (Spine Sthall®), (Figura 1). Em nenhum
paciente foi realizado acesso
anterior para aumentar a
flexibilidade da curva. A
extensão da instrumentação
compreendeu a coluna torácica alta (T1 ou T2) até o
sacro com fixação pélvica nos
ossos ilíacos. A tração ou
imobilização pré-operatória
não foi utilizada em nenhum
dos pacientes. Após a cirurgia
todos os pacientes permaneceram com dreno de aspiração contínua durante 24 a
48 horas. A fisioterapia
respiratória foi realizada de
rotina, bem como o posicionamento sentado habitualmente dentro de 24 horas de
pós-operatório.
Figura 1
Os prontuários e as raHaste de aço pré-modelada
diografias dos pacientes foram
para o tratamento de
revisados, bem como a opinião
escoliose neuromuscular
dos pais e responsáveis com
relação ao resultado da cirurgia
Os ângulos de Cobb e a obliqüidade pélvica foram medidos préoperatoriamente nas radiografias panorâmicas com os pacientes
sentados e no período pós-operatório imediato e tardio. A
obliqüidade pélvica foi avaliada pela técnica de Malloney25. Os
questio-nários de avaliação do trata-mento foram preenchidos
pelos pais e/ou responsáveis e devolvidos durante o retorno
dos pacientes ou pelo correio.
RESULTADOS
O tempo médio de cirurgia foi de 288 minutos (250 min a 330 min).
A medida da escoliose pré-operatória teve uma média de 75,4
graus (40° a 118°) e pós-operatória de 15,2 graus (4° a 27°), obtendose correção média de 79,8%. O valor médio da obliqüidade pélvica
pré-operatória foi de 22,2 graus e a pós-operatória foi de 2,2 graus,
com correção média de 90%. Os valores referentes à obliqüidade
pélvica foram obtidos com a avaliação radiológica de seis pacientes
devido à falta destas informações pré-operatórias nos demais.
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Houve 33% de complicações, com uma infecção pós-operatória
profunda que evoluiu favoravelmente após desbridamento
cirúrgico e irrigação contínua; uma pseudartrose com quebra da
haste na transição espino-pélvica em paciente que apresentava
bilateral espondilólise de L5 sem diagnóstico pré-operatório; uma
revisão para retirada de um dos fios de Luque devido à saliência
do implante sob a pele; e uma lesão de dura-máter durante a
passagem do fio de Luque que evoluiu favoravelmente sem
formação de fístula ou lesão neurológica adicional. Todos os pais
e responsáveis informaram que, de uma forma geral, houve melhora
nos cuidados com os pacientes e que estariam dispostos a realizar
a cirurgia novamente.
DISCUSSÃO
A elevada prevalência da escoliose nos pacientes portadores de
paralisia cerebral espástica, o seu caráter progressivo com
evidências de comprometimento funcional e a dificuldade para a
correção e a estabilização da deformidade são bem conhecidos.
A abordagem e a instrumentação ideal para estes pacientes
continua sendo motivo de controvérsia em virtude da magnitude
das intervenções e elevada incidência de complicações.
A nossa série de pacientes estudados é retrospectiva e
apresenta algumas limitações, destacando-se que a avaliação
da postura para sentar e a qualidade de vida não podem ser
avaliados por escores funcionais objetivos, especialmente nos
pacientes que apresentam retardo mental2. A avaliação do
resultado funcional final nestes pacientes foi feita por meio das
informações contidas nos prontuários, exame clínico e
informações dos pais e responsáveis.
Foi observado que as crianças com doenças neuromusculares têm períodos mais longos de internação e maiores
gastos hospitalares do que as crianças com escoliose idiopática². Apesar da freqüência de morte ser cinco vezes maior
no grupo neuromuscular, este ainda é um evento raro3. A
sobrevida média relativamente longa foi observada nos
pacientes pediátricos com PCE e escoliose que foram
submetidos à cirurgia da coluna²³, o que é consistente com o
conceito atual de aumento da expectativa de vida mesmo para
os pacientes quadriplégicos26.
Embora os pacientes gravemente afetados pela PC
apresentem múltiplos problemas médicos, que potencialmente
podem elevar o risco do procedimento, os estudos prévios
têm documentado uma alta taxa de satisfação dos responsáveis pelos cuidados, que vêem como altamente apreciável o impacto dos procedimentos de realinhamento espinhal
nos níveis funcionais das crianças e na facilidade com os
cuidados de enfermagem23, 27-28.
Os índices de satisfação relatados na literatura são comparáveis
aos resultados do nosso estudo. Cassidy et al.27 relataram que
95% dos 46 enfermeiros, técnicos de enfermagem, terapeutas,
professores, e pessoal administrativo acreditavam que os pacientes
submetidos à artrodese vertebral estavam mais confortáveis e em
melhores condições gerais comparados àqueles com escoliose
que não foram operados e 81% dos responsáveis pelos cuidados
recomendavam cirurgia espinhal para os pacientes com quadros
clínicos semelhantes27. Comstock et al. encontraram 85% de
análises positivas entre pais e responsáveis a respeito do conforto,
função e cuidados com o paciente após a artrodese espinhal.
Entre os 15% insatisfeitos com os resultados da cirurgia, houve
pequena correção da curva ou o desenvolvimento de deformidade
escoliótica residual marcante com aumento da obliqüidade pélvica
no pós-operatório28. Sponseller et al. por meio de um questionário
distribuído aos pais, fisioterapeutas e enfermeiros de 34 pacientes
com escoliose devido a PC grave, observaram grande melhora
funcional em um terço destes pacientes e melhora menos
significativa no restante, incluindo primariamente o melhor
equilíbrio em pé ou sentado, aumento do tempo sentado, e a
diminuição das dores lombares 29.
Os pacientes com os vários tipos de deformidade vertebral
paralítica, mesmo com flexibilidade limitada, se beneficiam da
artrodese vertebral com instrumental de segunda geração,
particularmente nos cuidados de enfermagem, função respiratória
e alimentação1. Os pacientes tratados com procedimentos apenas
por via de acesso posterior tiveram menor tempo de internação
e menor tempo cirúrgico segundo Peelle et al.17. Devido às
comorbidades clínicas e conseqüências pulmonares, uma alta
taxa de complicações têm sido relatadas com procedimentos por
via anterior nesta população de pacientes30-31.
Outros estudos em pacientes deambuladores portadores
de PC sobre o efeito da artrodese espinhal de T1, T2 ao sacro
com fixação pélvica, utilizando instrumental com haste única,
demonstraram melhora significativa na aparência física das
crianças, balanço da cabeça e do tronco, habilidade para sentar
e nenhuma mudança na habilidade para deambular1, 32-33.
Nossos resultados demonstraram resultados positivos da
percepção funcional entre pais e responsáveis de crianças com
PC do tipo quadriplégica severa. Devido ao fato de todos os
nossos pacientes terem obtido uma correção acentuada da
curva escoliótica (média de 79,8%), que foi mantida com o passar
do tempo (Figura 2), nossos índices foram concordantes e até
superiores aos achados na literatura1, 5, 13, 17,34-36.
Figura 2
Radiografias de
JTS com oito anos
e 11 meses de
idade.
Radiografias préoperatórias em AP
(A) e perfil (B)
evidenciando
curva de 118º e
obliquamente
pélvica.
Radiografias em
AP (C) e perfil
(CD) após um mês
da cirurgia.
Radiografias em
AP após um ano e
oito meses de
pós-operatório (E)
A
C
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B
D
E
Tratamento cirúrgico da escoliose neuromuscular no paciente portador de paralisia cerebral com instrumentação posterior tóraco-lombo-pélvica
A obliqüidade pélvica está freqüentemente associada
com a escoliose na PCE, tendo grande participação no
aumento da dificuldade para sentar, e necessita ser
considerada durante o manejo da deformidade espinhal37.
Wimmer et al. indicam a extensão da artrodese até a pelve
quando os quadris podem ser fletidos a 90 graus, nos
pacientes não deambuladores, e se a obliqüidade pélvica
fixa for maior que 15 graus5.
A fixação através da junção lombo-sacra permanece um
desafio, particularmente para a correção da deformidade
espinhal neuromuscular38. Peelle et al. mostraram que os
parafusos ilíacos (com parafusos pediculares lombares e/
ou sacrais) são equivalentes à técnica com haste de
Galveston para a fixação pélvica na correção da escoliose
neuromuscular. Parafusos permitem manutenção equivalente
da correção da obliqüidade pélvica e da deformidade, mas
são mais seguros durante a inserção e resultam em menos
complicações com o implante a longo prazo17.
Estudos recentes têm mostrado complicações com a
técnica de Galveston. Sink et a.l atribuiu às forças cifosantes
a alta incidência de arrancamento da fixação proximal e a
migração distal das hastes de Galveston39. Existem duas
grandes séries de correções de escolioses paralíticas
utilizando a técnica de Galveston e duas séries com
parafusos de fixação que nos permitem uma comparação
das técnicas. Gau et al. estudaram 58 pacientes submetidos
à instrumentação com Luque-Galveston com uma correção
pélvica média de 53% (17°–8°)40. Yazici, Asher e Mardacker
publicaram correção média de 81% (27°–5°) usando
instrumentação com um sistema Isola-Galveston em 47
pacientes22. Miladi et al. mostraram uma correção média de
71% (21°–6°) usando parafusos ílio-sacrais com
instrumentação com o sistema de Cotrel-Dubousset em 154
pacientes21 Neustadt, Shufflebarger e Cammisa relataram
correção média de 37%; nove pacientes tiveram uma melhora
média de 50%, mas quatro apresentaram piora da obliqüidade
pélvica43. Nossa correção média da obliqüidade pélvica de
90% foi comparável às publicações encontradas.
Tolo et al. utilizaram a técnica de instrumentação de
Luque-Galveston em 54 pacientes e a fixação com parafusos
ílio-sacrais em oito pacientes. Nos pacientes tratados com a
fixação tipo Galveston, três tiveram material proeminente e
sintomático com sintomas conseqüentes à proeminência do
instrumental e um teve quebra do material com um índice
geral de falha mecânica de 7% (4/54). Em contraste, dois
pacientes com parafusos ílio sacrais tiveram quebra do
material e pseudo-artrose com taxa de falha mecânica de
25% (2/8)34. Nós também tivemos um caso de material proeminente que teve de ser retirado e um caso de quebra de
material associado à pseudo-artrose, observamos que estas complicações podem ser esperadas nestes casos.
Devido a esta população de pacientes apresentar
progressão da deformidade espinhal mesmo após a
maturidade esquelética, fixação rígida e artrodese estão
indicados. Ressaltamos a importância de tratar os desvios
nos planos coronal e sagital e o desvio pélvico em pacientes
com PC para evitar uma má postura para sentar, além de
problemas relativos ao aparelho respiratório.
Limitações do presente estudo incluem o design
retrospectivo e a ausência de um grupo controle tratado
com implantes de terceira geração.
CONCLUSÃO
Nesta série retrospectiva, o tratamento da escoliose nos
pacientes com paralisia cerebral por meio de instrumentação
longa estendida à pelve (Luque-Galveston) foi associado a
resultados satisfatórios, com boa correção e estabilidade
da curva e da obliqüidade pélvica e com poucas
complicações se comparados aos relatos da literatura. A
insuficiência do arco posterior como ocorre na espondilólise
e espondilolistese ístmicas pode ser uma contra indicação
para a utilização do método.
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Correspondência
Luiz Cláudio de Moura França
Av. Prudente de Moraes 1965, Apto. 706
Belo Horizonte, MG
Brasil
CEP 30380-000
Tel.: + 31 3339-9248 / 3339-9241
E-mail:[email protected]
COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):59-64
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