"invasão" da américa aos sistemas penais de hoje

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"invasão" da américa aos sistemas penais de hoje
"
I
DA "INVASÃO" DA AMÉRICA
AOS SISTEMAS PENAIS DE HOJE:
O DISCURSO DA "INFERIORIDADE"
LATINO-AMERICANA
.IosF. CAHI-OS MOREm.\ nA Slt\',\ FILlI0 1
SliMÁRIO: I. Introduc;àu. 2. O euroccntnsmo da vj.~l()
modema. J, O mundo de Coloml'Xl: o cOllquistador curopeu e o genocidio colnniaJ. 4. O debate de Valladolid :
Oartolomé de Las (;353.,\ e a questão da igualdade dos
indios. 5. A cultura amerindia e o fim do "quinto sol", 6.
A cultura sincrétka da periferia: os vários "roslos" latino-americanos. 7. Os genocídios coloniais e as práticas
extenninadoms dos sistemas penais. 8. Conclusão. 9.
Referências bibliográficas.
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INTRODUÇÃO
A idéia central deste texto surgiu de algumas r('nexões reitas por
Eugenio Raú l Zarraroili, cm seu IhTO Em busca da,\' penas 1't!nIiJas.
acerca do sistema penal na América Latina. É certo que as mal rizes
teóricas utilizadas pelos nossos juristas e operadores do sistema penal
provêm do pensamento primelro-mundi sta, inclusive o 1Iúcleo dos apontamentos criticas para a superação de discursos obsoletos nesta ","Ctt. 1\'la s
também é certo que só aqui, no mundo periféric\). estes sahl.'n: s
adquiriram um caráler cxtrcl1I:ttncnte peculiar e enlel. implicando lima
prática de extenllínio em massa e de segregação social em escalas sem
precedentes. Na verdade. como assinalou u jurista argclltino. o sistema
teórico latino~americ3no na área penal ~ de lUU sincretismo assombroso.
que, no funôo, esconde um disCLUSO extremamente racista, de na!urcza
psicobiológica e de exclusão, ou, como diria o filósofo argentino Enrique
Dussel , de "ocultamento do oulro·'.
I Professor e Coordenador de Pe squis.1 do Centro de Ciências Jurídicas da 1 !NISINOS
(RS). Mestre em Teoria c Filosofia do O i r ~'i lo pela UFSC. Doutor t:rn Dirrito lia
UFPR. Autor dos li\'ro~ : Filosofia Jllrídim da AII<!n'dadf.', Curitiba: Juru:'t, 1(J9~ ("
1I(' nll{ 'n,'U f l l a fi'fo'Õ(ífho ~ niJ'!'ifn Rio d (' 1:l1lc i ro' I I1IllCI1 Jurl', 201),1
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Para um melhor entendimento dessa situação faz-se necessário ter
conheci mento do processo histórico-social que nos conduziu até o
presente momcnto, Não se (,5 t.:', aqui abordando a história como uma
iJé ia de progresso: milito pelo contrário. o que se intcnta é repisar o
,II ).!tll1lcnlo dc qu e l11u itos a~p('ctos sombrios da modernidade e call1uIl.tdos da história fa lem, na \cldade. parte de um;] idcolo!!i J qlle se id
dlalllar tk f'urof·ellfl"i.\lIIo. ('0111 ess e termo. configura-se toda 11 . . . isno
hi"'lúr ica qll E' parte dl' tlm;' perspectiva unilateral daqueles povos que
t.: lll 14'J2 m;:I!"(..·jJranl ;j cruz c ii espada o que viria a ~er designado de
.\l11l'ric.I Latina. Na '1 crd;tdc. no nút:!co da idé ia de progresso exi ste o
~ · I H.: ohl illlclllo de l!1uitos " lIjcito ... da "comunidade (k cnmunicação
id ~ al " (Karl O, I\pel). seja pela falácia dcsenvolvimentista, seja na
ideologia raci 5t~ qlle, de fprmn ilvassaladnra. p e rpas s:l I)S 1l()S ~OS
.i';{l.' 1I1:1 ~ P"lliti\os,
Para ('llnlprecntler, pOrti.lllt u , não só a situação dus siskmas peflai s
latino -americanus c de suas prtltic3s genocidas, mas também a própria
:,it ll~ç30 periférica ou umarginal", como diria Zaftàroni. é imprescindível
Ictomar ~ll' marro dr 14()2 para captar corretamente o que se passou
1ll'~tl'S 500 anos,
Dcsuc essa época runuou-se um saber antropológico aplicado à
pcrifl'ria , Esse saher primcir:lIllCntc adotoll lima rOllp~gcm teológica,
o ra cla ss ificando os índios de criaturas "puras" e '·infant is", ora
cO llce benuo -o" COlHO b:irb:1fos, pagãos e adoradores do demônio.
Aquela época. que precedia o aLlge do mercantilismo, já demonstrava
s inais de decadência da própria visão teológica de mundo e trazia as
se lllelltes do que \ eio ;] ser chamado de era moderna. Assim, logo
dl'jlOi s. o ~ aber antroro!tlgico de inspiração religiosa deu lugar à
IIl:ltriz cientiik ista na!lIraIiSln , E, a partir daí. o índio e depois O~
negros , mestiçus e latino-americanos roram atingidos pelo rótulo de
:-;(' TC S " naturalmC'Jlte inferi o res", De maneira geral, no período da
c f)flqlli~ta _ o índio cra visto C0l110 11111 ser pass ivo. incaral de se tomar
... ujcit(l de sua própria hi stúri.L Esta imagelll permancce até Q~ dias de
hoje c cslcm..lc·sc nu ,. Hino-am ericano em geral. Na vCHlad ::. ;J reali~bdc dos latlls co ntradi z e ... sc: en tendimento. recuperando a "história
tll\ t<;Í\e l"" du cOll qui sta, () p r()cc~so de rcsi , tência lI1 iliw r L' , principal!Jll'llle , c ultural dtls PU\ 0" afl1cl'ÍlHlios .
1/11 L' <';(' (lh',,'n:~ .Iv ! prlll;~ clllhlC fllúli cn 110 si" tl'1I1:1 .1)(.'n:1 1 ' a tifl~) '
ttt \' 11\ ,I'\(' L' l i ' 11'1111 ·.:tl liI, ... oI th.: ql l t.' 1:l1a l 'lI<.;<.;el, ,'u '<.1,1 , ii I h.' .!;-'<II.;dO
d:1 'oU !!:1 lúCL' d.t IlIt ,dCl11id 'HIt.'- I';Hé\ que:--oe.! P~)S': I , IIU lll ,! pcr-; pct.'tiva
Iq . . ·,V !i :I!l:1 dl' ttall-"; !I H,dL·lnid ;tdl.'. sl lfH:ral a \ ;;0.;.10 L'UI'II.·l'1l1r;,ta , c .... tirp ar
I 11\lt:1 ~'..·Ilql'i,l,l ~k tll"-""', ..,blt.'IIIi.lS pell :J ;s, t·· iit q)r~'q'i !ldh' cl a
1. tPj' lili ( l~·;·j" tll' !:d:'ICi:t·, (k"('Il\\lhi llll.'ll ti ... r ; ~ " t ' (k ,;I.:\·'I.'S hi"I.'l rh::l'"
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2.
O EUROCENTRISI\IO DA VISÃO MODERNA
Adotando a visào de Enrique Ousse!. pode-se dizer que o eurnccntrismo é. basicamente, uma visão histórica do mundo que lranslorma u
"ser" do "outro" em um "ser" de "si·mcsmo", Nessa visão, ao se faz er a
apologia da modernidade, enlendo-se que todos os " avanços" qu e ela
representa constituem o resultado de um desenvolvimento natural do
próprio ·'ser europeu'·. sem levar cm consideração a existência d:l t\mérka
ou da Á friG) - a Ásia é reconhecida como o começo da história , llla s
pennanece cm um estado infantil c primiti\'o _2 Incorre-se . portnJlt n. nn
f.,hk ia <.h:scll V{) I v i I1ICI1 t iSla.
Trata-se de uma posição o l1tológit.'a pela qual se pensa que () dcscl1 ,:,olvimento empreendido pela Europa deverá ser lI11ilincanllcnte ~t.:g.lIid o,
E uma c.a legoria filosófica fundamental e não só sociológica ou cconúmica, UE o muvimf'IIl0 1/(!('('sst irio do Ser. para Ilcgcl, SCll tlc.~ I'I ,,( , /J·;­
menta inevitável." 3
Acaba-se por absorver urna delinição mundial d o que seja a modernidade c de como se chegar até um eslado de pleno runcionaJl1ento de
seus principios e idéias. "Modernização (olllologicamente) é exatamonte
o processo imitativo de constituição. como a passagem da potência ao ato
(um dese nvolvimentismo ontológico), dos mundos co l(lllia i, com
respeito ao ser da Europa ( ... ).'"
Assim, a Europa cristã moderna tem um prinl.'ípio elll si mes ma,
e é sua plena realização. E mais, somente a parte ocidental norte da
Europa é considerada por Hegel como o núcleo da hi s tória : "A
Alemanha, França. Dinamnrca. os países escandin~!\'os sào o coraçiio
2 Enrique Dussel nos Iraz n. seg uinte ci t.\ção de Hegel : "0 mUJldo se d ivide e m
Velho Mundo e Nc'IVo Mundo. O nome Novo MundQ provem do fato dc qu e :1
Améric~ ( .. ,) não foi conhec ida ate há pOIl ~' O pelos europeus. Mas n:10 se
acredite que a di~tinção é puramenlc ("(tema , Aqui a di v isão é ess('ncial. ESle
mUtldl' é no vo nno s6 relali v:JmC'n lc- m:-es lamhém nb!>olut:Jlllcntc-; II l' com
rcspe ih1 a lodos os seus car<ll'IC'rC's próprios, Ihicos c políticos. () mar llt: ilh:1S.
que se t:slcndt:: ("nllc a Amé, ica do S ul c a Ásia. re .... ela certn imatuliJ:lde 110
tocante também a sua origem (, .. I, A Nova Holanda também não de h: a dt:'
aprc "cn tar características de juventude geogrilflca pois se. partindo d:t'; po "St:~ ..
sõcs inglesas. penetramos em seu tcrri túrio. de .. cobrimos en n rol C' S rins que
ainda nno abriram seu leit o ( .. . ) Da Am éri ca e de :-;:ell grau de civi li 7:lciio,
1
CSPL'l:i;c !ll lcnt(' no Mé:'tiC(l e Pl' ru , Icml"'; ill f('fIlJ ílt; ÕC~ a n .... pc il n I I ~ >;eH tk"C II\ 0 1ViU1t.'l ll<'. 111!IS l'I'IIU' l11U :1 ndtnl':I i l t t ~'i ' , lll ll.'n t l" 1':l1l il' III :II . qUl' l',!,i l :III,' 1111'111\' 11
lo l'I" q lll' (I I;::pirilll sc a pn) ;o<. i111 i1 (1<.'1:\ ( ... ). ,\ int"l'rilH idJllt: dt"It.'S iml l\ ill",I - l·.
cm lud." inteiWIH en le evidentc" (OUSSEL , Ellril.jue . 14t12 : o cncohr!!Ill'll tl"' dI'
OU!Tll (a Illi~C'm dlllllilt) da I1wt!c-nlid:-e d{') ( 'on li:l't'm:i:\s de I·f:'l nkt"tlrt. ' 11d. hilll t '
A , ct ;t~ ..: 1\ rl'IrÓp(I!i S: V01t'S, 19l! t. P I t-: t \) ).
!SS I : I .. Enrique. 01'. dI. , P 14.
IH ",~1 1 I lI,iq\h' l )tI (f '. II Irl
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JfI~(: ( "ltI
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MORFlRA ()A ~Il V,\ 1"11110
da Europa", ( Logo, Espanha e Portugal, e conseqüentemente a América
Latina e sua "descoberta", nào possuem a menor importância na consti.
tuição da modernidade; isto, observa Dussel, é verificável tanto em
flegel quanto, cOIltclllpornncamente, em I-Jabennas,
No entanto. constata o lilósofo é:JrgentitlO, a sociedade civil contradil,'"ia é ,uperada pelo 1:,13do, cm Hegel. graças il constituição de
l'(\lúllia'\ que <lh<.::onC'1ll tal contradição_ "A per(feria da Europa serve
<ls~i rll de ('.\I)(I~ (1 /n're para que os pobres, rruto do c:1 rilttlis!11o, possam
l ' "-'I n ;lr pwprictários lia s colôtlias."(,
De re SIO, ZarhrPlli p:lIlilha da mesma pcrcepçi'in de I)II<.;sel com
re la<;ij(l a Il cgd:
A ;Ilfcrioridadt, Ui.! lIo:; ..; a região marginal (oi s int(,~tizada 1,;0111 clareza
por Ilcg cl na \'crsão germânica do ctnoccntrismu co loniali sta
quando. na "lia in terprelação da história. deixou de lado, à medida
qu(,'
:t~c("rHji<.l
() {le;\{, !od:l S as culturas
con\'er~cnt(,'s
('10 Ilos'>a
rr:gii'ill rllaq.!inal
Fnri4UC tJus."el chama a atcnçiio para o rato de que. ao contrário do
t..' ntendil11cnlo dL' Ilegcl ou Ilabcnnas, tanto a América Latina quanto a
E<.::panha tiveram um parei fllndamental na formação da era modema,
i\ descoherta de um "No\'o t>.lundo" possibilitou que" Europa, ou
mclho'r, () se u "ego", saísse da imaturidade subjeti\'3 da periferia do
1I1lllHlo mUç'ulmano c se desenvolvesse até tomar-se o centro da história
c (J ,\('lI hllr do fI/llndo. c<';fado que simhnlic3mente fi.·' i ;Jlingiuo com a
I;l'nra dl' Ilcrnan lllftCZ!ln Mc'(ico,
Âté O tinal do séc ulo XV. é1 Europa foi scndo paul ntinamcnte
j ... olada pelo'> J1ll1 çUllllanos, istn é, as rotas comcrci:1is terrestres que
It:\ avam alê as índias. celltro de co mpra c venda de especiarias -cc.; pccialmcflte a pimenta cm grJos _., estav3fll bloqueadas, Constan tinop la, antigo cen tro comercia l europeu e importantíssimo ponto cstlí1lt~gi('O
(por l·~t ; 1I ~Iivídido pelo Meditcrrtll1co, tClldo de 11111 lado a
I 1( 01'<1 c lh: outro a Â<.::ia), ha via siun tomada por ~ 1 l'hc l1ll't II cm 1453
I..' "'U nomc passou a ser ' ... tambul. As crll7.ada<\, última tentativa de
I CI.," ul'c rar \l d om inio sob re ti "camillho da sed~". fracassaram , Restava
d .. "n dll-ir urn;1 rpla 11I;llírill ld qne l'o lltOllla~"c a J\l"ric:l l' :lI ingi ssC' as
inc ri :l'" h,h: I"(Ji ,, ;:s lt11I.,'o h"'I... ic o ck Portugal, Ic\ 'ado adiullll:, princip<..Il'II··"IL'. I'C'I 11 t.:llriqlll' ,h.' <'~ ;"'rl'<" (' "C US na\'C'gad(,rc'; :\<':S:!II, n naçào
IH SSI I . I
II llq U<.'
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I' l·II,',.h '1 111"111' d ll 111111 \ '.
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inventora da caravela. pOUC(l a pouco, foi fincando os seus padrões pt'la
costa africana até que Bartolomeu Dias, "m 16 de agosto de 1488, cm
plena tempestade, dobrou o cabo da Boa Esperança e, finalmente,
concretizou o sonho de Henrique, o navegador. No entanto. foi só a
partir da experiência de Cristóvão Colombo que. efetivamentc, <I Europa
apoderou-se de uma nova universalidade, lomou-~e o centro dflllHllld o
e passou fi impor o seu "ser" ao "outro",
A grande c riti ca que Oussel raz com relação ii concepção da
Modernidade Ilão está em negar aquilo que ele chama de " nuch..:o
libertário" ou "razão emancipatória" , Illas em UCSIll:1SCanlr a existêll\..'in
de uma outra face desse processo de modemização. relaciollaJa com (I
exercício cm larga escala de uma violência irracional nas colúll ias, lião
apenas lisica, mas cultural. que simplesmente nega a identidade do
"outro", seja através de uma postura assimilaciollista, seja :1tl'él\'és da
sjmple~ exclusão c eliminaç:io , Tudo isto está SiI11DUli 7l!(JO IlP "mito
sacrilicn''', isto é, toda a violência derramada na América Latina era, na
verdade, um "beneficio" ou, antes, um "~acl'ificio I1ccess:i rio" , E di:lllll'
disso. ('oS índios, negros ou mestiços eram duplamente culpados p(\r
"screm inferiores" e por recusarem o "modo civilizado de vida" ou a
"salvaçi'io", enquanto os europeus eram "inocentes", pois tud" que
fizeram foi visando atingir o melhor.
Com relação às concepções tidas como pús-modernas, I)u:-:sclnega
a sua proposta de irracionalidade fragmentária, embora acate a critica ii
razão dominadora. Com relação ao racionalismo universalist:1 , absorve
o seu núcleo racional em<lIH.:ip:,HJor, mas nega n seu "mOI11Cnlo irmciullal
do mito sacrifical", i\ proposta do lilósofo é identificada com a busca
da trallsmOdel'l1idade. condição em que a razão 00 "outro" é ,l firlllada c
este pode cfetivamente fazer parte de uma "situação de nlla idl'al" ou
de um :1 "com unidade de COllllll1icaçfi.o idcal".
3.
O I\IUNL>O DE COLOI\IIJO: O CONQl1IST;\I)O!l FI IIH)I'EU E O GENOclmo COLONIAL
A cxpt.?riê-ncia de Colombo {iJi única até então. pois as 1 1:1H'gaç'0l'~
30 longo da t.:osta africana eram l'OIllO ir dcsc(,brjnd ~l , na \ ~Ilf;.lll(',
(~q~ilo qut.! j,~ s~ sabia, A aventura d; 1492 tloio ro~, rr~)~a\l.:IIlICllll\.~ <1
unlca I..~ xpenenclu de contato com () 'Novo MunJo. [XISlelll n.: aIOs
aceI ca da!' aventuras do n"f,;illg Erik, (\ \cnnellw que. p or vol l<.l Cl!) ano
987, t l' ri~l acompanhado a costa do Llbrador c hihernac!o 11 :1 rena
NO\;t, J:lIldo-lhe o nome dl! I "ilr/úl/ did, cm I'tulf.,'ih.l de lá ler l.'rH·oll l r ~ H..iu
vidcir;l s ~1..'1\'<lgt!ns ,la pnm<l\'(' r:\. " .lI h:l da ol,;orrido cm \ i,!nt!c d ;J~
(.'11111;' ''' \. L:\Pl' d i,'~)t'~ t"'1I1'"
:'r ;111, tio:
'i,.'t:nl 'j l'dia . " , ." "" ,,>ln .,
Josr (""RoLO" f..'1 0REIRA DA SILVA
DA " rNVI\!=;ÃO" DA AM~R1CA AOS SISTf:MAS PENAIS OE HOJE: O OISCUR"Cl .
FILIIO
ex pansão do, gelos pola res. a ilha acabou ficando inabitável. Assim. as
, 1 IgCIl . . para (I oL..·.h· tornara11l ·o.;c raras. O Atlfinticn foi esquecido,
( 11111 a \ iaJ~\.'11I d t, ( 'O llllllho, iniciou -se, cm pro porç;tt''i jamais
:lk~IJ1t.;í1d;h, o f.:t)I\LIIO L'lIt n ' d(lj " mUlldos completam ente ui('rcntcs.
(kf..llTt: que. dt·"tk (l illÍt:in, n ci\ ilização "descobcna" c toua a ~lsa c ultura
It'Ia1l1 dC ' Pl l·!:H!a'i. I) que.:: deli lu g<J r a várias figuras , qlll' fvralll dcsc nvol·
i d ~ I S P(ll lJllS,l'I :t ill\ l' IH.;àll, :1 dc ~c(lbe rta, a conquistJ l' a coloni7uç;I11.
,\ li guriI da "i!l \~II1: :in" di 7 Il'spcito. principalmcnte, ao pers("l3gcl1l
d I..' ( rlstúvãLI ( oloIJlb". :\ illlrol1ância de analisar a at itude uo grande
11 :1\ cgador l·SI:". d~lIt1c unIras rc.llÕC'i, 110 fato de que da roi eXlle1l1JI1IC,~~e
!llI ~ lratif..·a. princ ipalnwlltc COn! relaçào aos índios, ua postura e uropeia
c lll lJCC ua ,\méri<.:a . Pam o n3vc!!ado r g~novês, seg undo T7.vetan
I \,IUO roV, a emprc-sa de e.xpallsfio da fé cristã c ra o seu interesse principal.
\s .. illl. ele \ ia a ohtenção de passiveis riquezas mediante as Ilavegações
como lima com.li ,';Jp necessúria para íinanciar novas clUzadas" e . além
dls~o. \' is IUlllhrava tarnbl!, m a oportunicJade de inslnlir o Grande Cà
lilllPl' rador da C hina) no c ris tianis mo, que. segundo relato de Marco
I'úlo. cra o desejo do próprio lendário governante chjn~s.
Cc rt a l1lcn! c' (l maior e l1Iais importante exemplll do método de
interpretaçào de Co lombo e " que Dussel chama de "a invenção do
"· I· asiútico do NOI·ol\ lun do" . Colombo morreu em 1505 plenamente
n tl1\ icto de qu e h avi; l . 11(1 Vl..: ld~ldc. chegado 30 continen te :lsi:itico, É
pUI isso que (IS habil:lnle~ Ui iginais da A IHt!ricn ~ào ati' hoje dWl11ados
d . .· ílldil).\. N a herl1lcllf l!tit'a de Coltllnbo. tud o o qu e e le via na te rra IllIn:-;. plalltas, animai s (' íllú ios - era uma constatação de algo já
f..'on llccido : a Ásia, que. cmbora n5 0 houvesse sido L'xpJ01:.Jun pelos
euro peu s. já havia sido obj cto do conhecimento e dos e stud?s de Marco
Pu lo. Pi errc D ' i\ illy e dos franciscanos. O "outro" n:;o fot descobe/10
çn mo "outro" . lIlas C0l110 " si-mesmo".
Co lombo aprcsentou do is tipos de reações, que acabaram se
cOll1 plelllent:1I1c!o . perant e O~ indígenas. Ora os co nsiderou CO"l]lO,
ll •.tmi ....... i , l o l' . 110 pbno d' V llI O lamhém filho s do ,,' hanlu· de DeliS.
•. llgt·l illtlllllllla
1)( I .... lt ll il
IIttllltl.:nl(l t'm que
:I"silllil~I (,: iollisla; (ln! os lulll0U l'U f!)() iI1IC..·riul'cs,
:t "" ; , \ ·(1111:1dl..·
Ilte" '(J i impo5ta pcltl ~Ít llplc 'i li SO da
11 0 '" 't 1/ 11111 !ll' l ho tlll Ji~lrill de C'o lmnb,. h ;l~ IiIIlIt· ilu..;,rati\'lI
' 1'~1 ' "LI ' " , k d .·/· mhl" d~' I tll)~ d m :mh.·: t 1'11l11l'II:. \ j ,tgl·lll.l'IC
(I , .I "l llh,' I I'·\ ~·l.. {" II ,'H ,IL I1 1" q uI..' C" I'I.·"t 1.·llnllltl:U 1'111" l' '1,'1'1 lIt1. tl llid,hk·
''1 l i~ll.· tll~· 1', It ,1 qu I,' " .. !{ I,· I , P "- ltH. ':I n fIIelHI<: lit'lll'''; ,lthl'.l't , p .I1 , lI l·\' tlll'rL't.· mle,
.1 \ ,'nq'n ." I 11., I I II ~I ..... . ltll.' I", .·.... OH 'lUt.· m;UlIll.' ... tl.'i ii \p" , ,~ \ h", l ~ I' Ik"t,'!I\ de
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\· , HI "\,· .. ;! \·i" .... acf :"!, I... ;'1 ' \1II\!tlI.,1:1 .I .... Il'ltI ~: \km. tI
q tl~' le I \ (1., , ;1.,\1 ' 1,','. 1 ' '' 1 11l ~· l\ 1 dl/ ( lHI" 411l' i"h' lhe .. " \.!l.ld .1\ .1. l' qm.' IlH'Sllh)
",,-,\' I " ." , t j~"" •. ~j, . • ·t,1 " • II ,1,· ... ~· ' ·· .. ·I· '()f\ lH{(l\·. 1 /'.\'1 · t· I · " 1' ''/1'''' ' 1' ' /
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227
autoridade e da violência. Essa segunda posição finnoll -se na relação
com os Indios no plano humano. Se eles não quisessem dar as ~ lIa s
riqueza s ou se "con verterem", o 4ue s~tvirin para "cngralld~l'\.'r a ohra
divina", seria Jlcito c necessá rio forçfl· los a isso. ( '0111 tal r:ldol..'Íllio Ikou
justificada a aplicação da escrav idão aos índios, o posterior sistcllla ue
enc:omicndas, cm q ue um grupo de índios cra "enco rnend:llfo" ao co lono.
podendo tr:loalhar gratuitamente cm suas m ina s e campos. Na \c-rúadc ,
qualque r lima das duas post uras adllla citac..bs estão bascadas 110 desconhecimenlo dos índios COIllO suj c il 0S. como ··out ro". Pretendeu-se impôr
ao índio um "outro se r", ou simplesmente desconsiderá-lo . A pr ll pa g~H;ã()
da
fé
c a escraviza ção: du as f~l ces da me sm a moeda,
Porél\l, a viage m de Colombo não foi suficiente para cOlllpletar a
primeira noção de Modernidade. Foi necessário que Américo Vespúcio,
após s uas viagens . houvesse "descoberto" um "Novo Mundo". Este
mundo 1IOVO era a América do Sul.
Se a segunda figura enunciadn por Dussel foi a "descoherla" da
América enquanto " descoberta" do "outro" (Portugal tomou a dianteira
neste processo). a proposição nuclear imediata passou a ser rcr,e,cntad"
pela "conquista".
O primeiro "conquistador" foi Hernán Cortez. e sua atuaçiio perante
os astccas suficientem ente dem o nstrativa de urna época que marcou <l
emergência do "homem moderno, ativo, prático. que impõe ~ua jmt;ridualiJtJde violenta a outras pessoas, ao Outro".oJ Cabe aqui fllzer Ullli.l
diferenciaçào entre a ocupação dos territórios pO\'oados por comunidades
indígenas urbanas c por comunidades de cunh o el11inentemcnte lIgrário
e extrati vista: nestas, situadas na região do Caribe. de Santo Domingo a
Cub:t. e também no Brasil, houve muito mais m a tan ça e oc upnção
desordenada do que um domínio sis temático.
Cortez, ao contrário de seus prcdecessores. preocupou-se em compreender os índios. mesmo que fosse só para dominá-los. Nào visou
apenas :is riquel.as imediatamente palpáveis. Possuía Ulna c(lnsl'iêllria
polhit:a (' hi s túrka de ~ClIS aios. Sua exrH~tli<:iiu. que dal :1 ,k' I~I" .
começuu cm busca de informação c lião de ouro, lJlIscalldo 11111 illl ":' rpl'cte. surgiu a folcl 6 rica personagem '"ln M:tlinche" , índia aslcca que, ao
adotar oS va lo res esp:'IT1h6is. conseguiu tradu z ir os de sun :-;odcúadc r~lrtl
C<.'rtc7 c. alé-m di sso, tOnlOIl-se SlIC.I amante. Ohviamente li " f\.I"lillche"
tr:ms lillIl IOI! -SC l'l1I fig ura Silllhúlk:1 do "t'lllrcgllisl1lt''':IO pl\d": l ú'III I ;11.
(" aças :i g:lIna de infi.'nnaçôcs adquilidas r dl' conqui";I :!df..11 e:,p:tnllOl. 1i,li-lhe possível a provei tar- se.:' tanto da s dissic..lêncb s II1tern:.Js.
vaklHhl 'St' ( I is~o para COI1"l'gllir :,Ii:ldos, ":f\mo da n:ligitlsilblk ;1'Il'r:l .
1( !J 'f ll' I ) \·. ! /\(' LIIl (~/'
1/. "
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4
Il)"-'
(\I ~rl!"- \l{) f(l lnAD ASILV'\ rllll o
I: sabida e c itada em muitos estudos sobre o tema a identificação de
Cortez com a entidade divina de Quetzalcóatl. O comandante espanhol
teve lima preocupação constante com a interpretação que os índios
f~lrialll de seus gestos. Ass im . num primeiro momento, proibiu seus
:-oldauos de roub;jr~m destllcllsuradamente, sem autorização, pois isto
poderia gerar 11 111 cntl'lIdiIllCI1(() ilH.Jesejndo por parte do~ ilH.fios. Cortel
qUl'ria que (,"l \'isSCIl1 Cültl0 benc \'olcnte, Contudo, (l e ,~cm rl(l mais
illl~lrati\ n de- sua preocup:lção co m as aparências foi n "show de sons c
11I71: S" d(l q \l a l ~c utilizou p ~lra con fundir o s rlstee<1 ~, di s Htn.,':JIIlIIJ aios
hl!lnall0, c m ,l tOS 'ioh rcl1 atur,li s,
(' rrocedi ll ll:llto tiL- ('!JI1i.!"Z traz Maquiavel. Todol'Ov rdcmbra a
1:11110,"'41 frase J o l1orellt illo: "NJo é preciso que um príncipe te nha todas
,1:-> tjll;l li d;ldcs ,) \Ipra ~ ilad;} s . Illa, l' preci<;o que parc\:a tê-Ias", " I Observa-se.
;Iq ui , para utilizar \Vcbcr. lima clara pa~sa g(" m da ética da convicção
!"lIa a L~Iit'a da rc -: pul1sahilidat!c ,
transmodernidade , proposta por Dussel, em que a periferia seria reconhecida em sua especificidade e não "encoberta" como "outro". deveria
corresponder a uma situação de igualdade de "poderes", ou iguald"de
de "condições comunicat ivas".
Questiona ainda Todorov : mas por que toma r leva a destruir? No
rvtéxico, ás vésperas da conquista, a população era de apro:'<.illlCJJu mentc
25 milhões; em 1600, de apenas um milhão. "Nenhum dos tznndes
massacres do século XX pode comparar-se a est3 hecatombe ," ""J aI
resultado foi obtido principn(mente mediante três estratégias
ação,
O primeiro tipo de açoo dos espanhóis direcionado à destrlliçiio loi
o assassinato üireto mediante guerras e massacres, F. n quC' se r ode
captar da Ilarração de Las Casas:
ue
h17ial1l apostas sohn: quem, th: UIIl só golpe de csraJ;1. II.:luh..'l'ia L'
abriria um homem rel.1 metade. ali quem, mais habilment e c mai s de stramcnte, dc um só golpe Ihc cortaria a caneça. ou ainda :"ohrt' qU!!111
abriria melhor as cntranhac; ue um homem de um só golpe, Arranca\'am os filhos dos seios da mãe e lhes esfregavam a cabeça cont ra os
rochedos enquanto que outros os lançavam à água dos córreg()\ riudo c
caçoando, e quando est,wam na água grilavam: 1I100'e-te, COf ]1O de fa!: '.'
Outros. m:1is furiosos, passavam l1lã~ s e filhos a fi o de espada ,! "
De flHH.l.O geral. 110 IIHmt!n de Maquiavel c de Corte?, o disc urso não
ê de te rminauo pel o obje to que descreve, nem pcla conformidade a
uma trauiçã o, fila s é construido unicamente em função do objetivo
qtle se proCur;1 atin gi!. rr
Seguindo o raciocí nio de TmJorov. fonnula-se uma pergunta básica:
por que a compreensão sl!perior dos espanhói~ diante dos astecas não
oS i1l1pediu, até os ajm..loll. :.l lkstruir a civilização asleca? Poder-se-ia
pC' llsar que O!:\ csrallhúis cOllsideraram os índios c sun cultura como
indigllos Jc viver. Talllão ocorreu. muito pelo contr{lrio: depreende-se
do...; ('''crito" deixad~ )s por ;rt!w,:lcs espanhó is que ck's admiravam cm
Illuitos <l"i pectos tal ci\·ili 7.<lç'Jo, U t: onquistacJor apolll<ivu os modos
re linado5 dos astecas : "Curtcz fica cm êxtase diante das produções
a~ll'c a ~ _ ma s não rCC<'IIIhL'cc seus autores como individualidades humanas
equiparávei s a CIC,"I ~ /\ admir<1ção que daí decorreu, ao invé~ de dimi nuir a distância , aumentou-a , C urioso observar que a arte indígena não
e'\erce u ncnhum<t inOuência sobre a arte européia do sécu lo XVI.
O s espanhúis falaram att: hcm do,r índios, mas nflo falaram ao.\'
índios. não re co nhecenJo . por1anlo. a sua condição de sujeitos, a sua
:dteridaue. Assim , "se a com preensão não for acompanhada de um
rL'c{\llhl'cimcnto pl e no th.\ olllro como sujeito, então essa co mpree ns ão
L' fll rl' o ri st:o de ser u ti li zada t:(\ tl1 vislas~, cy,plo ração. 3t' lu mar, o saber
':1 -':1!ho rdillath ) ao pCH!cr" 'c Pode r-se- ia dizGr qUt' ,\ per~ r(' ç riva de
'-j;r;;~~;;v, I,,,,,,,,, , ,.." I'"''''
,ii,'
1llll,', I' 11'
I H )OROV, 1/ \ t'Llll ( II' " I P 11 J
1' ~
ldn 1\l:nlll1" I
(qltt".;,
l(ll)()]H)\', ! /\l't;ul (I!, 111.]1
1,?5
l' q II H'I) \
! , ,'
1,
,' I ,II
,I .
;1
I
Outro relato de Las Caslls di z respeito ao massacre de Caolluo. C'm
Cuba. realizado pela tropa de p.infilu Narv(lez. da qlwl era ( apclilo:
I~ preciso !'abcr que os cspanhúis, no dia cm que ali chegaram , pa rara lll
tk manhã, para O dcsj cj ulIl. !lO I ~ito seco dc um ,·i .!cho que. c,llrL'!,lIlll),
ainda co nscrvava algumas pocinhas d' ,igun. e que c.'·;t;]\'a \ ;.' p il'!P dt'
pedras de 3molar: O que lhes t.h.'1I ti idé ia dc ufi:lr as c:-.paLl":, ,
Chegnudo à aldeia astet.,'Ü, os espanhói s resoh'em!11 verifk:lr
lidade do atiamento:
<l
qU;)-
Um c!itpanhoL suhitamente, descmbainha a espada (que parec ia ter
siJo tomad:.\ peJo diaho l, c imcdiat ilrnetHC os outros cem fa zem o
mesmo, e começam a estripar, rasgar e massacrar aquclas ovt:lhas c
aqueles cordeiros, homens c mulhen::s, crianças e \clhos, que estava ll1 sentados, tranqUilalTlcnte. olhando espantad(1s para 0" canIlos
c para os espanhói s, Num segundo. 1130 restam !itohre\'i\l'll tcs dt:
tudos os que ali se cncontraV:JIIl, Entrando então na C:H:t grande.
que ficaVill.lO lado. rois isso acontecia dhwte da port:l , ("IS {':"panhl.j,
u 101)( IRO\', T/,n~I:IIl ,
t(
Op. L'U .. p, 121.),
LA S {'ASAS, Uarhllumé de . OI'I'\'i.\'"IIII" I'e/(/, 'clo da deslnliçao dll~ !m/lm', (I
r:u';li <,t) des lrui do : a sangrelll!! lIisl 6r;a <ln C(IIlC\u;stn da América l'.;;p:lf\h~'b II:ld,
l k ,:.],f .. ]l;l r!- U\ ~ ('~ I PP1!\1 '\I\'r!~" 1 ,t; 1'1\1,11)(11, r ~~
s
11)'1 I \HI!)<..: "OIU IRA 0,\ SI( \'A ' " HI 1
começaram do mC!'mo jeito a malar a torro e a direito todos os que
LIli se encontravllm, lanto que o sangue corria: de toda parte, como
16
<;(' 1;\ (',,''C 111 matado UIII rebanho de vacas.
l '1Ila scgunu:J t'slr~lté-gj~ de extermínio foi a escravidão. Assim,
alem da IIwt:!l1ça dilcta. O" ílldios tombaram também. c em muito maior
1I11111\,'rl\.
"oh;t
l'''l.'la\
id:l\ l a
que ft)r~m
subml'tidos :
,\ S Illulherl· ... j k ín ~1Il1 11(1, granjas executando Ir ~ba lh os hastnnte
penosos, LL/l'IHlo llIonles de terra para fabricar o pão QUl' se come;
Irabalh o e ..,s~ 4ne COfl"ISll' ertl rc\'olver. levi.ll1tar c anwlll oar a lerra
a té qU ~Ilro p;lIl11o . . de altura c U07.1!' rés de quad rad(\; par.:- cC' r13da,
111:1 .... (· 11111 jrahalho c!t: gig:HHc:,.' r(:\iolvc r a Inra dura. lIãn l'olll picareta ...
1I1.'1I1 (tllIl l'lIxada'" In . l S l'Il1l1 p.tu!' ( ... ). De 1l1:Jlh:ira que /II :IriJO l'
lIlu lht'r nJo se \ la/ll p~lll t's paço de oito me ses Oll de z ou lil.: um a!lO,
l' quando ,ln CJh" ues sl' tempo vinham enclwtmr·sc esta\ am tão
cx tt:llu; ,llp,\ c tão fi'anls (h.' fUlllC e de trab:.lIhos, que Ilão tinham
de'H:ju ue coahitar: c CO I1l isto a geração ccssava entre l'ics , E :IS
t:I ia nçac;; engendrauas lJIorriam porque a!' mães liã o I inhalll lei, \!, pariJ
nutri -Ia .. , cm virtl/ue tios lrab"lhos e tia fome que padeçialll ( ... ). O
trah:llhll qne lhes aliralll sobre os ombros é cxlrnir ouro; trabalho
l'S",l:' para u qllal serialll I1cccss:\rios homens de ferro: poi s t! preciso
pl'ffllr:J1' as Illüllt:lllha", ue haixo para ('ima mil vezes, revül\'endo e
furando 0'\ rochedos. lavando e limpando o ouro nos I iac hos, onde
fic:J1ll co nstanll:1I1l'ntl' na ;·l gua. de tbdas as Inanciras consumindo e
<.!14uebr:J nd o () Cl\rpo . E quandn as próprias minas começaram a
razcl' ágUíl. cllliin. alClI1 tk Indo~ O~ outros Irahnlh\ls. é preciso tirar
;'lgU:l a br ,IÇO . I'
Ioda e Ss a
1'01 11111.
J tercei!'3 mnu:diuadc dr ação. menos c(lllscic:ntl', ohviaera a transllIi ssfio de doenças, que exterminou uma quantidade
il1co lneIlSllr~\ 'e l de il\di()~. O s cspa nhúis não possuíam a consciência da
po:-;sibilidadc de IIllla gu{!rra bacteriológica. mas examinando suas
;1l; (~'C'; fifi" fica dificil ir" :,,... in ;lf que , caso ta l c()n~l'iêll ( i:1 hOIl\'C'ssc . ela
I!ll~n te.
'.'" ja <:c rta111clltc u s aua .
Um dos motivos des"ia atitude por parte dos espanhóis. é claro, foi o
th:",cio de l·l1riqllcl..:l'f . 'I ai tlt·sl.·jo Ilada tCIIl de novo. CXCc.:lo O fato de que
It)(!IJS (JS outlPS \alo"l' ''; a dc se subordinam, COIlW (lbsl"'V:I Todoro\':
,, ' "',",a hOlllogl.'lIcií':tç:io dos \';l1ol"co; pelo dinheiro ~, UIll falp novo. c
:lI l1l1\ci:1 :1 m entalidade mndcl1l:1. igualitarista c econolllicisla,"1 1i Contudo,
,dI!IO\
ILIP
d i\ j·...:I'I"·III ·; '
tlll1l~tj\ II p :lI:I
a :rli!udc t"P:llltu11;, '
lIH)(IHO\. l /'otllll (1/ r'/ I ' 1 \I! II"
1,\:-; ' I\S \". !I.II; \lhr!l!l· I!.- ; '" ,. /. i ' !, ! (' I Ir,
!ll!lI!1 ' f)\
1 /\
IUI
t',
I!\:
" I~
ttrilo '
como se os espanhóis encontrassem um prazer intrínseco na crueldadc.
no fato de exercer poder sobre os outros, na dcmonstraç:1t1 l.k sua
capacidade de dar a morte. "19 Segundo o autor de A Conquista da
América: a questão do aI/Iro. na verdade. há que se falar em sociedades
de sacrif1cio e sociedades de massacre. No caso dos astecas, o sacrific io
foi um assassinato religioso. feito em nome da ideologia oficial. :i J is ta
e conhecimento de todos, o que cvidcl1Cit\ll a fon;:1 do laço social sohrc
O individu0, O massacre. no entanto. foi justamente a explicit3çfio
fragilidade dos laços sociais: o de s uso de leis morai~ , ReprC ~clltol1 lima
atitude tomada em um lugar distante de leis, de regras, enfi lll o d:1
estrutura soc ial representada pela Illctrórl.lle. 1\ colônia tOIlHlll - SC n
lugar d o "t lldo é rl.'rtllitidn".
ua
Quanto mais longínqu os ( O c s lrangeiros forem os mas sacra do s,
melhor: são I,;xtermillados sem remorsos. mais ou meno s u',similados aos animais. A idcllliJade individual do ma ssan:.ldo é. por
definição, não pertincnlc (se não, seria um assassinato): nào hã
nem tempo ncm curiosidadi! de saber quem se e~t:í ll1atand,' nCSSl'
lIlomcnto. 1H
Se o assassinato religioso foi um sacrifício, O massac re foi um
assassinato ateu, inventado ou reinventa.do pelo!' espanhóis. As li.lguciras
da inquisição parecem-se mais COIl1 os sacrificios, Certamenle. os
massacres são lima marca registraua da modernidade: "A barbárie dos
espnnhúis nada tem de atávico, ou de animal, é hel11 humana c anuncia
a chegada dos tempos modcrnos . " ~ 1
Por li m. a quarta figura listada por Dusscl é H da '·colonizaçàu",
Simholi 7t1 o começo da domt'~licação, O entender o outro como Si-I!lCSIllO
já não é pura e simplesmente lIllla prática guerreira, Illas Sillllll11:1o; prih.is
erótica. pedagógica, cultural , politica. econômic3, quer dizer. do domillio
dos corpo' pelo mac hismo sexua l. da cultura. de tipo, de trnba lhos. de
instituições criadas por uma nova burocracia política " .l.! Assim. "0 mundo
da vida cotidiana (Lebe".\'\n~/,) cOllquisladora-(~uropéia cnlntli/:lI:í 1\
mundo da vida do Indio. da índj't. da I\rn(°ric,,".:'.1
TOI>()ROV . T7\'clan. O/to dI .. p, U\I
O". dr , p. 140.
II TODORO V , TZ.ve lal!. Op. df,. p. 140,
~2 DUSSEL. Enrique /49}: (I encclh rimcnln tio nutro ( :1 <'fi!! clll \!t\ mi({I d:l
1II0tkll1 itlôtJe). (·nnlhênl'ia ... dl' r' :lIIkfm1. '1'1:111 JaillH.' \ . (' 1:1",,'11 l\IIPI't. Ji!'VIl/l·';. 19<)1, p, 50 "M:l,( W l.'hcr n:in ;ln:\~in : 1 <llIt' IH' ArdH\t) ·k l "d l,l =' \k
~~\ dha ~.I~ ('IH;unlr:lIll 60 luill11aço:, Im:11:'> de fiO milllõl' " de pal'~~ ;~l d" ' !>urlll ra·
ci.\· l''' panhola rC'rl.!fl·nles:i ,\t1Il'ri C:l I :Itm:l do Sl-l'Uhl X VI a~l XI.\: . ,\ J "I' ,nl1:1 (,,;
(I pri 'lll'll1' ESI<t<ln l1Iad('flw I)lIn1(: I :lI ;/;hl,," U),.. dI .. P "t,).
" p ps'~r I I'nriqlll' 0/ ,_ ";/, I' "i I
10
~o TODOROV. Tz\'ctall.
-6
DA "INVA Si\O" DA AM(;RlCA AOS SISTE~1AS rF Nr\lS DE HOJF' O DIS( 'llU';;(\
J()I.\I ( MH ()<:; MOREIRA DA SILVA FILHO
J)o conquistoõor depreende-se um "ego fálico"." Colonizou-se a
",,;:x lJalid::tdc indígena . Estipulou-se a dupla moral machista: dominação
. . f..·xll al da illJia t.: rc.: ... peito pUlamcntc aparente pela mulher européia.
I )ai 1l:l "; Cl'U o hastardo tllc ..;l i(.;ll. latino-americano, filho do conquistador
\.111\1 <l índ ia
l' ° criou lo
(I hrall('ü nasc ido no mundo colotlial. A
l'H llIlli/:I(;:in do corpo da IIll1lhcr indígena também J3Z parte de lima
~ UII(II; 1 da dOl1lin :II.;;i o do co rpo do homem indio. quc foi e xp lorado
1'llIlc ipa IIl H.:nt(".· 11(\ trabal ho (1II ão -de-ohra gra tuita ou bara! :I ). ao quc se
1 lI' til l !. Ilc<.,;sa !l H':'-illa situ:lI,;:io. a ligura do negro nfricallo .
\)~ I1lôllll.' il:l a ~h)fllillar 11It:dlllCtlte o índi o. falavn -sc: ue amor cristão
~', q 11l f..· io Ú \' iult' !lt.:ijj inacjollal. Surgiu um desdobramento da quarta
li~l lla tk DlI ~scl. por ele c(lllsiderada. cm função de sua illlrortiinria c
" ill!!ul~1I idadf..·, UII I .! t 1llt! ;J ligllla : :1 "conquista espiritual".
Ikplli . . de dI ~lll"" no (1 1..'-.;pJÇO (como geografia)
(;0I1L/!úsr, ulo\' o s
u 1rp"<.,;. dirial tlur:l ~lll (t'nmo geopolítica). era nec essá ri o ag(,lra Clln Ir(ll ;, .. ~l i1l1 :lgill:'ui n a palt ir de uma \lUVa c Olllpn:l'lIsfio rt'lil:~io sa do
lll\lIHlp .. 1:1 \ id:l. I k s-: (,. ' modo, o circulo podia se ICt'har c o íl1dio
t'
i icar n\ll1plt:t:II11 t: \ltl' ;nl't"lrporado ao noVo sistema cstahcl~cido : a
~ 1':1{h' r"id:Hlc IllCI'(ant i I capi tali sta nascente _. !'clld c\ tnd:\\ ia SU<I mllm
!rU·{·. a f:lCL' ...·\ pI OI: HI<L do:ninadn. encobcrta .'(
N:I \ f..·rdad...:. todo u p r()n,· ';~.{) da conquista teve duas face s da m~"ma
mercantili slllo c 1..'\ angdização.
":111 nome ue uma \ ítil11,I inocente, Jesus Cristo. os índios foram
\ it i l1lados . Seu~ dcu ses ~lIbstitll ídos por Ulll deus estrangeiro, c uma
I :I C i t )I ta I i uaue a li en ígl..'na Ç~)/l fer i li legitimidadc a uma dom i naçiio i njusta l: \ io!cnta . Assim ClIlIlO Jesus. os índio~ foram vitimas, Ill:lS no caso
do !!Ialldf..· r;lb ino c seus "(,'gl1idnn..~s ficou "provada" e accit3 sua inocência:
;: cu lpa e ra dos romanos. Jú no caso dos índios. por " se cl1f..·ontrarcm"
CIP 11111 c!' túgio de " il1l;lltlridadc cu lpada" /fI fo ram. em parie. "c ulpados"
!lHll: d;J :
I A t.'''''\.' rt.'!' r ci 1(1 \ '1.'1' LIli :\lE!11l
1':\1J!(l' I 'aulin:l:-. 19~-I. \ II
IJ\:SS I' L. Fnr iquc /.Ir<, :
1I1<1lk, l1id,'l k,
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cl lcohrirncnlO tio tlutw la
LI'· ,k 1I.IIIk hlll 'Ind bi llll' ,\
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·I'.u ;\ ";\11! :1 ·!III:tlulid . hk "II ·IlI IHlllid.!<k· t!
Illr' III. \ 1'11'('111\1 L
"\ . 1' I,. ln" 1!lue ll l 1,,·,11,·, 11ç .. 1.• I 'l'~ i ",h, l·'.1'l· m:i:t1 .. ,
·.II,! I I" " ',' 111 ...•... 111:. tI.1 Ilt llllllll rl.t d~· . k 11H! l'.. lat!u til'
ulp,I'.d I , \ I'h ':Utl'; :\ t.." (,'ll\,udi, ... ,io :(~ 1..IU-,I~ Pl·la .. qll;\ '" t.'.r:mdc
l' 'I. d.' hlll!Ullld (,I...- 1'\.'1'11111.'\ fl'a ... t.:u .... al\1l.!IlI\.· IIL'''''(' \.'''I.It!" ,k i rll.tllllida tk :" FIll
. ~'IIj;! I ljn.... ll"H 1 11"l l d,:', ,'111", t;Ul't ;I K:Inl \.· .. !.1 p l· !'glllll.1 lHlI .l1nl·:lIII I 11.1 \fll!.:.1
1"1 \ "il)(' l· ..... I:1 \" 1)" .. I . ud" .. 1 ':1' I,,~ 1111 "'cl'(dl' .\ \ III. 11111 IIIdi!~"ll;1 ri') \ k ',k\, lll! urH
Irh ,1t~I' Lil 'II!' .IHIITIl'.III<' (1\ ". 'h. lk\ 1,,'111 "l'r n ,tI .. i\kradll'" II<> .,' \.' .I.I.!\\ d ~' Illl:1IUrid a,
I ".11'1·. l' \ ",.1;'11'(0' ... 1011)<111'(,'01" d" ti !,hp!" .11",·1'111'" I'·, "~I , ~· .p"' II I .r:1
,111 ... . 1111
iJlJ·.I!,!\·,i',
III! tH'lld I,k \
"I
'( I
, . ,.,
'
1
I
1
2JJ
pelo seu estado "bárbaro" e "pré-humano'·, c os europeus inocentes de
qualquer violência que se lhes queira imputar. pois era seu Hde\'cr"
civiliznr estes "pagãos",
Quando Cortez se deu conta de sua desvantagem numérica perante
os indios. percebeu qut: a força guerreira dos seus homens nào poderia
mais se apoiar no desejo de nobreza ou de riqueza, Era preci so UI11
princípio ético absoluto, diante do qual oferecer a vida seria um ato
com alto teor de significação e impoI1:lncia. E "absoluto" é a paln vra
certa para designar a visão catól ica de mund o, principalmcnte na época
da Contra-Refom"l. Como assi nala Leonardo Boff, a lógica do cristianismo, no momento cm que insiste na posse da verdade absoluta. abre
um enorml" flanco para a cxi"tfncia e :l rróticn da intolcr5nl'Ía .
Fa c~ J. verdade absoluta, não cabem dúvidas e indagações da raZà{l
ou do coração. Tudo já est:l respondido pela in!'tância suprema C' di\·in<l.
Qualquer cxpcriêncü:, ou dado que enlle em atrito C(llll as \L'rdades
n'veladas só pode significar UIII equívoco ou um erro. /\ Igrt:,ia d\.! t0tJ1
o monopólio dos meios que abrern o !.:3l1linho para a eternidade.: ( .. ).
Por isso. nessa visão, o rOftador da verdade é intoleranle. I)C\'C s..: r
intolerante e não tcm oulra opção. Caso contrârio a \ erdauc nào é
ilbsoluta . Sú os qUI:! lião possuem a \'erdade podem ser lokrantes.
Consentir a dúvida . Permitir a busca . Accit3r ;:l verdade (k 011!roS
cam inhos espirituais. O fiel. este é conde nado à intolerância 11
o melhor exemplo dessa lógica absolutista a qual roi
referida era o
RequerillliellfO, texto elaborado pelo jurista real Palacio Rubis_ el1l 1514.
Tal dOCUllll?llto, rezavam as disposições, deveria ser lido à toda comunidade indígena prestes a ser invadida. Primeiramente. ele come";.'3va
dizendo que Jesus Cristo é (,) "~:!nl!or supremo" ou "chefe da lillhagem
humana". Estabelecido esse ponto de partida, as coisas se encade iam
naturallllente: Jesus transmitiu seu poder a São Pedro. que por sua \'ez o
transmitiu ao primeiro Papa, e, assim por diante, o poder dos sucessi\'os
Papas estava justificado. Ora. como o último Papa conferiu o cOlllinente
amerÍt:allO nos espanhóis e parte nos portugueses. estava. (101131110. juri di ··
camclltl' jU...;liticada a posscss:io do rei da t.spanha sobre aquda s 1L"11,1".
Aos índios era dada uma (lporlullidatk : caso acataSSl'lll dt.: bOI1l ~r:ldl' a
uomin<lt,;iio. os espanhóis lIào lf..'ri'l1l1 o dirdtll de trallsli.'nl\;i- In..; CII1
escmnlS. (·Pllt udo. c:\so sr rl+d~IS"CI1l. "criaJll s('\·cramcnh.' pUllido..:
P BOI F. 1. ....\ 'IH'! rdl..l. Inq\lisil.:iil1: Ull1 e"pirill' quI.! ": l 'ntinll,l a e x istir. I' n:I:It' i" I" .
E Y t\lI .R le H. Ni(,,{)t:lu. ,\.f/lI/lI,1/ d~H il/<IU i.l'i,I"n'.\. ('p l!ll.!l\l<'1 rios dI,': Fntn..:i'.C(1 I'cib,
Tr:Il!. ",1'11; '\ J(lsé lopes d;l Sih' ... 2 . C'c! I{ jn d tO b nC;f\I ' Ril": :1 dt'" ! \'I'lI)I"' :
111 ! .iI ., I '"I\ b ~'<i\, I '1I;\l·,,,id.,.I!· Ih-
j1':I·iP.l
1,,'Q I' ln ! I
JOSf: CAIO
(I";
DA " rN VASÃO" DA AM t:RfCA AOS SISTEMAS I'[NAIS DE fIOJF. O DISCllRS(),
MO REIRA DA SILVA nUlO
A religião e os costumes indígenas eram vistos como algo demoníaco. Com rclaç-ão a eles. porl..:1.nto, adotava-se o método tábula rasa
"SSt'a la Dussel. Isto é , como a religião européia era a única (no caso ~
cat: lica). o que se deveria fazer era pura e simplesmente negar a religião
II,dl ena e tudo que a lemb rasse. O dominicano Diego Durán queria até
\ igiar os sOllhos dos índios submetidos à sua orientação: "Devem ser
illterrpgados 110 cunlessioJlúrio acerca do que sonham: em tudu isso pode
h~\cr rcminiscências da<; antigas tradições,,'2~ Assim, quando se falava
l' lll conhcccr a religiuo dos índios e ra só para poder melhor c\'itar que os
l'oll\'crtidos" fosselll "contalllinauos·'. Esse propósito acabou resulta ndo
CIll 11m clCito p e rverso. Ao procurarem se inteirar da visão religiosa uos
hab itantes do Novo f\lunuo, figuras como O dominicano Diego Durán c o
francisca no Bernardino de Sahagúl1 acabaram por realizar um trabalho
;Intropológico ue cOllsidcrúvcl envergadura. impr.cscinuível para o
l'O llhecimcnto aluai daquela s culturas arrasadas, respectivamente:
Jlis(on'a de las !rulias dI.! Nuel'a Espana e Isln."i de la tit!rra firme c
I li "'oria gen eral de los ( '(JSIH c/t' Sueva Espana .
Ubviamcnte, por se Irat:J/'clll de universos culturais ~bsolutamente
di\'crsos, a cmpresa de tran smitir ao catecismo uma aparência de
rac ionalidade era, no minilllO) extremamente complexa e exigiria uma
:-:é rie de pré·di scussücs, para começar. sobre a própria natureza da
divindade. que para os europeus era una c para os ameríndios, dual.
l 'o l l: Ill , rl~O se podendo ;!rglllHcl1tar ii nltura,29 pa rtin-se para a violência
lOOOf{OV. Tl\ c!iJll . .1
' I
('I1I/1../'lÍllfl
.III AnICti{'CI :
a
quc<; l:h) do pulro, ~ .
dWlllili, JCSI!" t list n. 'tI d e qut.' nã u C t)Ic~OIl !õcus (ll'l'adtls naquele primeiro
110)11(,,'111, ma ... (IUt' lui II I1.rll' 1\" ,!U:H10 dai:-: I) nmlle de papa . () <.. J lli lllU é Car l n~ a
qU{·U). ~l'In Ic\ar '''_ u ullll '" ~'IU 1..(11I1a, t:hamais pltder osis"il1lo C' monarca do
c
<; uprCIlI(I dl.' ' 1ldl ' o;
r-.la .~,"'c
'1I1I1It!11. que II(·CC ...... itl:HIo..· linl! ;1 ti" qll{'
/' ,11:1 me j" 7l'l
Sl'nl".r l' 11.1"
(I
I.'Sle C:lrlos é pdm'ire c s.: nh(1r lk lodo o
I'Jpa lhe fi7csse no va, ('O IKC'''sn" e dl\:lç;lo
g ut"r;I l' lI ~ '1rl'~1I L' ... ll· ~ I L' ino.s?
f. !\l'
\I
linh:" l~l,l,!o.
(I
Tornou-se um hábito ver em Vitória um defensor dos índios: mas,
se interrogarmos O impacto de seu discurso, em vez das inl ~ nções
do sujejto, fica claro que seu papel é outro: com o pretexto de um
direito interuacional fundado na reciprocidade. fornece. na verdade,
ullla hase legal para as gue rrél s de colollizaç50 ..11
4.
O DEBATE DE VALLADOLID: BARTOLOMÉ DE LAS
CASAS E A QUESTÃO DA IGUALDADE DOS INDlOS
Importa priorizar um pouco mais essa famosa d isputa de
Valladolid, ocorrida em duas sessões: uma em agosto e setembro de
1550, e olltra em maio de 1551. A congregação que iria avaliar o debate
era compo,ta de 14 juizes, entre teólogos, juristas e letrados. Esse
memorável embate verbal versou sobre o verdadei ro motivo da conduta implacável dos espanhóis nas Indias: a inferioridade indígena. Tanto
O desejo de enriquecer quanto a pulsão de domínio foram razões para a
atitude espanhola. Porém, f:l7,-se nccessú rio um terceiro elemento . Uma
1'''p3 é Inais
l' k~ .
',' tl 1. . i ... pl ,tk·" .... {] L' príIlL·jpl' de tod\1 I) /Iluml,,'" '! :u nbém lU€'
;,, ),1111" ql'~' d 'l~ ,1 i ... qnl' (· ... ,,'u "!, - !I·:td.] " pa!:!iu ! ~ i hu h l a { ', 'rlo'; v \Iii" aoo;, uutro,.
IH ll q W': 11:'10 dai ... o('lllullln I.I / .p , 1', It .1 <l tfillu !!l. 1I~' !11 cu tll l' .11.:11" "h, ie"d'J ;1 d:i-h.
d~ 1I1:L1Il.'11;t lIl'lIhlllU: 1 1',,'q l1~' "~o P"f d .. vi ll ' 11 , It 1\ ('!'''l' dL' .I,!! IIIhw'\, l' -:l't\ií.,'{).
J!:l\ú't"lIll' 4tll.: ~,: de\ I:ri;l d :lI' '''Il,{,'k 1}I,.'\l~ c ;jqu c k hlllllcm lJuc fi.; I'a l dl' !i.ld"~J S t
" , ·r" ~·'1";' \. ;"'(jul'k " ':--11'" (,,, ,. , 'I'! ' 1I't11~': , :1111""11 '\\ 11 <;(" h !li.'~ ,,,h ,,,. !illilhllCI\I C "l'
I , '
irracional ou "guerras justas", Houve, portanto. muito mais uma dominação da religião do conquistador sobre o dominado do que uma
passagem a um momento superior de consciência religiosa. "No melhor dos casos os índios eram considerados rudes. crianças, imaturos
que necessitavam de paciência evangelizadora."JO O senso comum
europeu era o critério básico de racionalidade ou humanidade. ao passo
que o dos astecas, incas e maias estava cm um grau inferior pelo Jhto de
não terem o conhecimento da escrita e dos filósofos I foi-lhes, desde p
inicio. negado o reconhecimento de suas tradições orais e escritas, bem
como a sua filosofia). estado que só superava o dos índios de ('tdfUrns
não urbanas - estes seriam nada ma is que animais selvagens.
O argumento de "guerras justas" surgiu de forma célebre no parecer
de Francisco de Vitória, teólogo, jurista e professor da Universidade de
Salamanca, quando da disputa de Valladolid. em 1550. entre I3m·tnloll1é
de Las Casas e Juan Gines de Sepúlveda. Assim, embora desconsiderasse a argumentação de Sepúlveda a favor da infcrioridade dos
índios, que se baseava em Aristóteles, considerou lícita a intervenção
bélica em nome da proteção dos inocentes diante da tirania de chefes
ou leis indigenas que legitimassem o sacrificio humano.
("d. São
Paulo ' Martin s FOl1tcs, 1993, p. ~o2 .
I}u ~sd no<; Ital. :l baila ii argullll' lIlaçào de Alahualpa. chefe dos incas, penUlle a
(,,''(po<;ição do I'ad le Va lve rde, capelão da expedição de Pi7arro. "obre a "e!lõséncia
dll cri~lialli<;f1l1l'" "Alé m di ~ h l lHe dis",' ,,'O!iSU fal.1nte quC' lHe P llIJllllldes cinco
variks ass inaladtl" qm' devo conhece r. U primeiro é o Deu". Três c Um. que são
quatro a quem chamais Criador do Universo, porvenluTa é o mesmo que nós
cha mamos Pachacmnac c Viracocha? O segundo e o que diz que é Pai de todos os
outros homens . cm quem !I ,dos eles amontoaram seus pceadl's . Ao terceiro
1I1II\.CI"0
2.15
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Enrrqllc . ! ·IV!; o cncllbrinwJl!ll do (Illlr(l (;\ (lrigC'm do mil() d ... 1 11l1d~rnid ;\lk l
Conlcrêl ll'ia:-. de Frnnk furto rI :,,!. J:lillll.' /\. t · la~L· 11. P"lfÚPl)!i~: \ ' f)7~'S, r ') '1.' I
10 DUSSEL. F.lllique . 0t>. di ., p. 63.
II TOOPl{OV. T7ve-tan . A ('rmq IIlSf{/ dl/ .' /II Il·' uca : a qU("<;I:l l\ do OUIl t,l. J ... d "'IP
P :HIII- hlt!lil!''; FOllte .... ! <) lll . !, 117
8
DA "'NVASt\( r· DA AMÉRICA A(lS S'STF~ 1 AS PENAIS DF II(lJE: O OIS( 'llRo,;t)
JI )<..:1 ( . \1'1 fI" MORFlRA DA SI!. \' /I rll i H I
prl..'l11i ssa búsic::t para a verificação da destruição: a noção de inferiori~
dade do~ índios. (,;01110 se estivcsscm a meio c3minho. entre oS homcn1
1..' tI, i.llliIlWis . I ai era {l pcn samcnto de Juan Uines de SeplIlvcda t dôOtor
{' 11l :,rlc,> e ll'oto!;ia pelo Colcgio de: São Clemente de Bolonha , além de
h'l (,: ... llId :\tlo dir c ito L' lilo ... ,dia na Uni versidade de Blllol1ha , O (,;OIH,:ciIH:ilhl L·:--llUiJ O. . O f:llolIl' <"H IrL-:- hura s. durallte as qua is Icu um n.'SWllO de
1 I ,,;'q; i 11:1.. . tiL' St..' 1I Ii \ r(I I Jt"l1/I i( /"( t1(' ~ A Irer , que fora proi hido dI: ci rL·tllar
I!tH.. iallJlL'lllL'. d e 1m a litlo \J:J arl}uitetura urhana dus 111ains c a"tc cas, tão
,ldlJlirad,j~ r"L'I{I' cspallhúi <.; ('"o llqtlist<1dorcs cm se us prúprios relat os,
di/ \ 'nd\l tjUL' e la 1I :i ~ 1 iIH.l k :l \'a :.l cxistência ue 1I111a t'1\ ilizaçàn. mas til/C
Iii, ) ~Ú rcrrc"cl1ta\a um ind it: io de que aqueles índios ('nculltravalll~se
!lll!!) gr~ ,ü determinauo lIL- harháric. Para Scpul"t'da. a constatação de
lalllÍ\c l dc prilJlili\ iSllltllT:l reforçada pelo modo nito illú iddual de O~
indios t.:S. I:lhck·cc rclIl :-U~l S 1\.' lações IIns com os OUIIOS C com as coisas.
!lL'lll (.:(11110 pelo ralo d(,' ,,<1,) I.: rem experiência (k propriedade privada
m' lll d l' !l era m;a pe ssoa l i\ kll1 db!'o. corneliam aios pagãns. tais qllai~
o ~at: rilici tl hUlll tlllO c o callibalismo, Baseando-se cm Aristóteles,
Sep,'d\ e"" juslifica a úOl1l il1:tção e a desigualdade dos il1dios dizenúo
qUl' <..l perreitu d~\ · e domillar sobre o imperfeito, assim t:omo o adulto
.;;oble a criança. () IH\llIcl11 sllbre ti mu lher e o clemellte sobre o feroz,
" 1odas as d ife:rcllças se rcu lIzem , para Sepúlveda . a algo que não (o LIma
diti:n:l1çtl. a s up e ri uridad('f illl\:rioridade. o nem e o l1Ia' ... ·::r" l \ isi'io de Scpúl\·cda. a con{juista. nrl verdade. c UIll alll em:lnci~
palúri o. porque permite 30 hú,.haro sair de sua harl)(írie. E para a
I l'alizaç~(l de sse li..'ih1 :ldrnit l.· ~ sc a \·ioléncia irracional L' [I "guerra juSt3":
Nfio podclllo", duvidar que lodo~ os 4,lIC andalll \'3gnndo fora da
rdigii10 cristi'i L'SIJo e rr:1dos c caminham infali vel me1lte rara o precipício. niio dc\ ClllUS du\ idar cm afastã~los dele por um medo qualqu e r o u mesmo COl1lr .. a sua vo ntade, c. não nlzc'ldo isso. não cum~
primo .. a lL:í da tlalnr t;7:l ncm (l preceilo dc CriSIO "
alíl"llloll :d hurcs, é curioso percchc r qu c nesla vi sâo
o ... IHl\'O'i ·· ..... !hdcscnvo lvidos .. s[io duphllllL' nle culpá'. L·i ... 1'1imciro. rOI ··SCH.' 1I1 ·' inl eri o res: segund(l, por " darcm moti va·
1.: ;;(1·· ;., aç;"i(l \ ;"kl1l; 1 da ,·11 ,,(/\1;,,;1;1 an n:1l) acalall'!ll CllnL'I; \IlWIlI l' a
C0ll10 j;"1
SL'
1"111l/ 11C"i/Jodo/"u
2."' 7
eloqüência do fTei, mas também em face do volume do malerial lido e
apresentado pelo frade, composto de sua Apologia. de 253 p:iginas. c
de sua Apologética história de las Intlias. com 257 capitulos e quase
800 págin~s! O dominicano bateu de frente contra os arglltnCl1to ~ de
Sepúlveda. O dehate foi um divi~(lr de ~lgllns na argumentação oe Las
Casas contra a ação espanhola. De falO, percebe-se que a opo:;;içào
entre crist:i os c não-cristãos não foi lima oposição de nature za, pois
todos pouiam ser cristãos, po r "pertencerem" ao mesmo rehanh o.
Assim, n50 há que se falar em desigualdade ontológica, Aqui é importante notar o perigo potencial de se afirmar não à natureza humana dos
índios, mas sim a sua natureza cristã. Tanto que Las Casas, c m sua
Brevíssima relação da destruição das "Illias , refere--se sempre aos
Indios como dotad os naturalmente de virtudes cristãs, se ndo obedientes
e pacíficos, Nesse ponto, a percepção de Las Casas não difere muito da
percepção de Cololllbo acerca da "g.ellcrosiundc" dos índios, CO Il !'ta l a~s c
uma permanente mono toni:J !lOS adjetivos relati vos aos índios da
Flórida e aos do Peru. O que se fonnou foi um estado psicológico
(bons. pacientes) e nào uma con figuração cultural que pudesse ajudar a
comprecnder as di ferenças,
Se é incontestável que o preconceito de superioridade ê um obstú..;ulo
na via do conhecimento, é necessário tamhém admitir que o prcL:oncC ilo
da igualdade é um obstáculo ainda maior. pois consiste em idt.:'llliric:1r.
pura c simplesmen te , o outro a se u próprio ideal do t>tt. 11
Las Casas percebeu todos os conOitos cm função da oposição fiel/infiel.
A sua originalidade foi alribuir o pólo valorizado .fiel. ao oulro c o
desvalorizado. infiel. aos seus compatriotas. O maniqueísmo lascas iano c
indiscutível. No enlanto, há de se considerar o fato de que o pólo
negativo não era, em sua visão, composlo por todos os espanhóis, mas
somente por aqueles que comandavam as encomendas e realizavam as
guerras. E. além disso, embora retratasse o índio C00\0 covarde, medrO:o'( l
e passiv(l. t'm outros trechos relatava a sua coragem {' a rebcldia ..l~
Uma coisa é certa : Las Casas demonstrou, nesse mOllh!1l1 0 , uma
postura L'b ral1lente a~silllibl"i{lllista. rom a dikl'l'l1ça de que qUl.:ri: \ Qll l'
" ld.IlIc;1:1 Udtlll; ' "
I til . . . '·,1 P ll l1l1 I1 ICi;llIll'rl:p , ILllloltll1ll: de I .as l ·;I ... a .... 1:"(111, 1I,\ua mais
,d" Il !<" I!I I ". illIl 1111<' l i ll l I' , h.! .. r () q!!..; ... c 'l'r ili L'1'1t dL' \ idn n[in ,ú ;',
1!,,)(q~ l)\
1 /\ ..· 1.111 i '''''''' ,(" .I.,
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,I J I: \!lkhl il ! 1:ld ,1:1111 1\ ' \ ! t 1't"!I Pl'Il '·'l'lIlis
I., f)USSII . EllIiqul.! . OfJ. ('iI. II Ih2 .
,. O s all'';1 " iii il1S de La" Cas;\s l:ullllêm
i lf'lllllillll a pa r ciali ll:llk' <ldl t:1I1l1 "..·b(:l .. ;ll· ...
Indll "'. I~llt .. n:io ,;nndC' níl\';J :J C' "r,: r;l\ i tl:k~ dllS rwgIH". NL'!.:(l' 1'1111111. Ir:\ li ...' "l' l'l '11,id ...•·
raro prilitl·iI\I. 4uc. l'UllU<lIl1l1:l l·~cr:.l\jd:iu ~I ,IS Il l'~n1~ ela alg!} tbd\l. :I di'''; illlh,'!"
o.:Otl ~1I1I1jll·~C
sob
~cu"
o lhoo.:, c. SC!!Um]{l.
adlllil :l :1 l'sl'ravidiio Ilel!rll.
dis[in ~wt
IIq'f t'
o
qu~
p(lS1Critll1tlCll tt'
('lllhora cm um
prime iro IHtlfllt,:rllO o.:k
s~ r('lral;r t.' xpl!cil:lI11Cll tC \.' ll :i ll tllilis a
d:, do .. indins, C<)Jllmlo , assinalll Tt1dt'r'w. :J Slta posição L'111 ! çl,tl,":itt
" T i 'lll' rhl'· eI.tra do q ll t' CiP\! rl'I:J~':t" :,p, ill'I~I'( (l 'I' di . P 1(,-\
;!''',
O:
:IJ')
DA "lNVAS,\\ rO lM AMtRICA AI)S "" SlTh!I\S I'FN ,\ I~ DE II0Jl o: () DI S(ol1H"11
e sta anexaçiio rosse reita por padres e não por soldados, e que, além
dis~o. nunca estaria justificada uma guerra que procurasse "acalmar os
f1nimos" dos ínúios par:l que estes pudessem ser evangelizados. Sua
argumentação a esse respeito é muito interessante. O poder de Castela
c'~ tava fundado na conctssão papal. Isto significava para Las Casas que
o poder espiritual linha m ais valor que o temporal. Ou seja, o poder
po líti co de Caste la só pl.lUCri 3 ser exercido sobre a América se esta se
1'1h:11l1rtlSSC ,", oh o dOlllínio es piritual da Igreja . Contudo . como deixLÍ
dai 1..'111 sua obra f)('/ IÍnico m odo. tal domínio só poueria se dar com o
COI!. en so indígena. Isto é. embo ra a postura de Las Casas seja
ass il1lil al.,' iollisla, ela partiu de um principio menos encobridor do que i.l
\ j" fl o (\" met o dologia lálmlo rusu , reconhecendo o índio como sujeito
n:1 m e dida L'f1l que exige a s ua compreensão e aceitJção racional. c não
a pt: fl:l S lima submi ssão o Além disso, há que se considerar que, ao pedir
IJl Il Ira tamc nlo mais humano para os índios , mesmo so b termos
assilll ilac io ni stas, fe z a única coisa que, cm nível imediato. era possível
par:J miti gaJ o sorrilll(' nto dos habitantes originais daquelns terras ,
I ,:u nb t" m nfio se poJe ol vidar qu e a maioria de suns cartas eram
dirigidas ao rei, c cSlratcgic i.Ullcnte nào poueria sugerir que este abdil'a ... sc Jc sua s possessõe s além-mar (conselho qlle. mais tarde, irá
l'lC li";'Ull Cnl L' pro nunci a r), U,\()U cntão O expediente de que tal domínio
f O"'SL' fe ito por padre", c nfio por sf'!dados. O que garanliria aos índios
uma proteção cOlltm os s uplícios o Nesse sentido, 13artolomé de Las
l"a!':I '\ ê considerauo o prillldrp dclcnsor. na América Lnlill3. do que
\ iria a ser cl!al11auo de "uin'itos humanos" o
Foi jus talllcntL' cl1f"l\.'lltando os argumentos de Sept"Jlvcda que Las
( 'a sas apresentou uma posição mais inovadora ainda perantc a questão o
() hispo de Chiapils intentou tornar tanto O sacrifk:io qlJallto o caniba-
lis mo lIIenos estranhos L' 1I1:lis a ecitúveis ao leitur. COI11 relação ao
sacrifício, ohservotl 4ue ele está previsto na religião cristã. seja no
sULotificio de Isaac, o único filho de Abrrão, seja 110 próprio sacrificio
de C ri s too Em seguida, c.: OIn relação ao canibalismo. constatou que era
li m a prá lica já ad o tada pelos espanhóis, os quais, quando impelidos
I'l:l<I necessidad e. havial11 c.: olllido o rigada de seus compatriotaso
( Ih se rva-se claramenle a fIIudança de entendimento de Bartolorné de
I :\'.. C il ~WS qU:llldn este v i"'tllI pro var que o sacriticio hUlllano nrlo só é
,tCL' il ;olvc l por UIi' Õ"':S dI.! lill o l"O IIl O PPI razões de direito o E. ao I~\zer isso,
1'11.:SSUp ôs urn a Ilt.Iya Jdill ;çào do se ntimelll~ r~li!!i o so : o rerspecti\ i "i 1Il 0 , Em "e u rac ioci ni o. :l's ina lo u que cada um ado ra Deus à sua
1lI:II H.';ra o d ~ lilrma quc po<l t.\ L' que oferecer LI vidn, o que hú de mai s
1'1 :l:in,o, é a 1l1ainl' prO\:1 dt.' ~l l ll nr que se pode <I ii !" a I >Cus Logo.
~-I llh!,. l ra \I De us d os íllllill" n:Ill 1( \ss L'''o vcrdadeiru"o :\ '-\ silll era por eles
~('ll" i dc r : ld() o lo: (':-. te dL: \!'" Sl"l' II IH) fltu de partida o Mas n:o' n)lllll'~o e r qUi: o
! , " ,klt-, LO !; t '.er4hd 'il'\ I' qO\ Lh.°', " i!.-'.lIifi l..°;1 J'l' t"t l\ 11 II', '(' ! qu'.' o !ln..;""
o
o
l.lt)
Deus era verdadeiro somente para nós, o que deslocava a universalidade
do plano da religião para o da religiosidade. E na religiosidade. afirma
Las Casas, os índios são até superiores na devoção. e só os mártires do
inicio do cristianismo lhes seriam comparáveis em fervor. A igllaldade
já não é admitida em prejuízo da identidade .
O bispo de Chiapas abandonou o discurso da teologia e passou" ter
um de carátcr antropológico reJigioso. e. nesse contexto, tomou-se um
discurso subversivo. pois quem assume um tliscurso sobre a rcligi:1 o dá
um passo fundamental em direção ao abandono do próprio di scurso
religioso. Com base nessa lógica, roi ainda mais rácil para Las Casa s
evidenciar a relatividade do conceito de barbárie." Por Iim, ele sugeriu
ao rei da Espanha (1555) que simplesmente desistisse de seus domínios
I
36 É cunos" " defesa de Las Casas, que usa o próprio Aristótel es pam 1.:(ll1 lr;1argumentar a Sepúh-cdao O fr ei dominican o acusa o seu opositor de des virtuar u
sentido da teoria aristotélica e propõe-se a esclarecer u que deve ser clH cndido p t1r
"bárbaro"o partindo d<i obra de Aristóteles, cm particular a Politica, e explic it a ndo
Quatro sentidos p"ra a palavra oObarbam" que pudem ser ai cntcndido so Numa
primeira acepção, o lermo pode ser tom"do como relativo a uma nallln:n dl'
irradonalidade, rerncidade, cnleldade e entendimentu confusoo O tcrcl' in' ..; i ~ ni!i o
cado diz respeito a pessoas que em virtude de seus maus costumes Sãll cr ué- is,
fero7.e ~ e anti-sociais. não temlo leis nem regrasoO quarto tipo de ,obárba nl"" SC' ri :1
aquele que carece de fé cr istão E, por fim, a cspi:cie que seria aplicada :'lO') índi us,
a segunda classincação de Las Casas, l:o loca o falo da b:lrbarie na i ll1rll)s~ i bil id adc
de comunicação, seja pela cin'ull"tãnciJ de l'mhate de línguas di versas, -;l:ja por
outro motivo qualquero EscreVI! Las Casas, em sua ApflJogi'licao til/C " 1:-. 111 !tli ()
molh'oo !'cgundo ESlr"lwm, fW livro 14. que m' l!lcgos t!vcram p"rn l"h:\loar til'
bárbaros :l outroS povos, porque não prununcia vam bel'l , mas l:01ll 1\lI.11..- 1'.:.I l'
defeito!', a língua grega; e desta maneira não h,i homem nc m naçfio ,1!gurnaoq uc
não seja h'-Irbaro e bárbltra para os oulros ( '0' )0 Ot!'sle mo<h\. esta!' gent es d:ls
indias. que nús estimamos cumo b:\rbarn!i, consideram-nos, tJlIlhl-III, h:irban 1"; ,
pois não nos entendem e lhe s 5 011105 estranhos: daqui procede UIlI grande c rro em
muitos tlc nós seClllarelO, eclt'!' i:'1 sticoo' e relif!iosos. em rdação a csta-; nossa..;
indianas nações, que sendo de línguas di\O
cr'\as que nào entendcmo" II l' Jl1 pelletra mos, dI..' costumes diferentes. depois de ter perdido suas rerúblicas e ordem qu I..'
tinham para viver e governar-se. porque nós fi" colocamos nessa desordem e as
apoqucnlumos de tal maneira quc fica ram aniquiladas. os espanhóis que víer:lIll fi
eslas tcrrns, !'cjam dc qualquer profis ~ i\o ou qllalidudc, pensam que o ~" st!ld l) de
confus:1o C' ahatimenlo cm Que ag<ITa vivem foi !'cmpre nssim porquc ph' ~' ed i n lk
sua llatur('13 barbâricll e pplllicil desludcn:Hlno Mas podemo~ .. 1i11l1ar tlUl' d C' . ; ,
com rela ra70ão, por ver em nos uutros costumcs. t"slimam -nos nuo apl'n a..; n ullt l
bárbaflls da :-õegunda espé-cie, 4ue l]UCr di zer estranhos. seu;i o da prillll'i r". i ~ l o êo
feroci ssimos, durissirnos, aspérrimos c abomintl veis (000 )0 E assim fi ca ~ l:dlr:l d ll o
demonstra do e abertamente conduído, que todas estas gentes de n os sa~ Imlias !'iio
b á ru<lh1S sC'cundum quid, porque não tendo e:<erdd\) nt.:1ll eSludo (\;1 "; It- t r a~o
oo
tinham re inos e govemos. obediência e ~Ilblllis sà(l, c ~ c regiam por lei!' C Ju..;t iça
(BRUn, f-!éctur HenmlloBorta/ome l/e L(1.\ Caw$ E' a sil1lulaçii/J dtJ~ I '('II( /d,}.\":
eno,,,i(\ ~ nllrC a cúnqui sta hispünica da ,\mé ri ca (":lmpin<l5 0 t fn ic" "lp: S:l" P ;'II !\I:
!1UII1 ;!)!l';"'o !Qt)5 0 p . t~~- ! 11l )
10S(: CAftl ()~ MORf:IRA DA SILVA fll .llC,
240
DA "fNVI\S,\O" 01\ I\Mt::RIC'A AOS SISTE~1I\S PF.NAIC: DE HOII': O Dlsn
na América c que, se tivesse de mover uma guerra. a fizesse contra os
co nquistadorC5. que não sairiam de lá espontaneamente. Sua postura
perspectivista permitiu-lhe ainda modificar outra posição e renunciar
a0 dC'scjo de assiJllilar os índios à fé cristã, no que assunliu a via neutra:
dc" que dct.:idi ss clJI ele", I11C",1I105 acerca de seu próprio modo de viver.
!)u""el ohscn:l que . fia \I: ruade, a tlisputa de Vall:ulolid versa soore
de qllt: maneir;"} d evem ser 0'\ índios inclllldos na "coll1l1niJadc de
as sulIle ú melhor tJo sc.: nlidu cl1l;:mcipador moderno. Illas ul.! scobre a
irra<.: iollalidade encohe rta no milO da culpahilidade do Outro. Por
j,, -;o nc.e3 a \ aliuéldc de lodo argumento a favor da legitimação da
\'iolê ncia ou guerra inic ial parj cumpelir (\ Outro a fazer partI! da
cOf1lfmidl1r!c de (,01111I11i ( artio . ( ... ) O debate está no 11 priori absoluto,
da própria c om.liç,i n de ptls sibilidadc da participação racional. Gines
de Scpúlvcda admite um momento irracional (a guerra) para iniciar
a argumclltação; Barlolorné exige que seja racional desde o início o
diálogo com o Outro. ( .. .) Para 8artolomé, deve-se procurar modernizar o índio sem destruir sua alteridade; assumir a Modernidade
SC'1I1 IcgitilH:lr seu miltl. , .
,\ Cl' I.Tl lnA ,\MEnINDlA E O FIM DO "QUINTO SOL"
f: necessê.Írio que se tenha em mente o momento histúrico c geográlico destes povos antes da chegada dos conquistadores, pois só assim
pode-se caminhar no sentido do reconhecimento da nlteridade e da
ne g ação do mito sac rifical da Modernidade.
Os amclillJios. Ila rctllidadc. não "c.lescobrirJlH" () contiw.=nlc no
Illesmo sentido de Américo Vcspúcio, isto é, nào tinham consciéncia d1
to talidade da teTr.J continental, cnnnldo tinham algo muito mais importan·
te: ~ IlImumizo('lj() do cOlltiw:ntc. Assim, a conquista já contam com wna
c ultura estabelecida, fatu que dicarnC'nte fbi muito relevante pam guiar as
a çõc c; cm face dn real iú~d c arneric;U1a e de seu povo. Dus:-oel preocupou-se.
com base nos quadt os culturais dos astecas e não na pe-rspecliv8
c urocêntrica, em demonstrar a racionalidade da atitude de Montezuma
perante Corte7. A indecisão uaquele devia-se à presença de UIn leque de
IlO," ihi lidadl'" tl tle podt.: ria l11 :lthir da chegadn U('S csr:lllll úis:
;, I a r tls s ihilid ,lIk de ql /l..' fo" selll um grupo de seles humanos era
111tlilp 11111'1'1\ :í \;,: 1 d r' "'''' tI:! 1J1..'rlll C' n ê \lli l' íl T\ ; tli \ : 1: f\1 p 111C7 1l1lla
)I
Quet7.a1 cr~ 11m belo pássaro cujas pCllílS ~ i~'lilk :w;un dh indad c, c
)9
dualid:hlt.·. lIS dois prillt.:ipios do uni\'cr"(l .
A crença tio "quinto sol" representava o ciclo que se
III
n~,,\ kll ll " . ltkl _ t
1-,
I'
n l'l1{;\,lrr illl c m ~, til) nu:n. C_I ,· rtg<' 1J) du mi to d o
·<I ·lk cl·.,.-i,~ .I .. 1 1 11'1.1'111 1 I r:u l .lai I1l1· \ I h ·l·ll 1\' ln\pnli ,, '
111m:
, ·/ V.'
l 'OI1 I ! l'r:!
a
cslavrI viventlo. isto C. I,' la
como se fos~e uma quinta era, sendo que cada uma possui .. um sol direrc-Illc - ..
açlo dos humanos devia ser no sentido de fwss ibililar :l m;Íxü lI<l C"(h' II';:I " ..'
dUf3~3tl dei St,1 sob o qual se vi\'ia.
40 Com rclaçi\o aos sacrificios. comenta LCtlllnrdo 140fT: " /\ III<juisiçà(1 contr:Hli J: ti
bom SIi!1l S0 das pessoas. COntO se potlc, cm nome da verdade e aind:l l11ai ~ d ~l
ve-rdade religiosa. per!iôeguir, tOl'tUr.lr, matar ';1nto e de fom13 t:ia ubscs:,i\ :I.'
Importa enfatizar que. mediante a Inquisição.
3
Igreja hicr:í rquica inlroou7i u os
sacriflcios humanos. O auge do sacrificialismo furibundo da Inquisiçtl o mI ~b.; ul {)
XVI 11:1 (;uropa c OlTe ~ pondc IIOS sacrificios hum ,mos perpetrados pelo~ 1.:0 Ioni7:1 dores e"'p:'Ulhóis chegados ao Il(l ssn C ontinenle c(\ntra as culluras urigi n,iri" ... dtl...
3slecas. rml ias . incas. chibclms c.: nut rõts C)llallllo t Ie-m:in Corlci': l'<"nctn1t1 c ln 15 1' 1
110 planallt1 de AJ1ahunl' no Méxi n l. havi" no illlpêritl nslel'a 25.:!OO.O{)O h:,htt:lII les .
M~' l\tl $
glnbal.
I H ·S S I· L. I
2-' 1
não dispunha de elementos para chegar a esta conclusão. pois.
se a tivesse. a superioridade numérica dos astecas era um falo
que não exigiria maiores preocupações com relaçào aos possíveis invasores:
b) portanlo, "racionalmente" . eles só poderiam ser ôcuse ' . Mas
quais? Tudo indicava que Cortez era Quctzalcóatl." A representaç.io histórica de QuctzaJcóatl era a de um príncipe do povo
tolice" (anterior aos aslec3s) que ha v i~ sido buscado r aro ser o
rei de Tuln, mas que acabara sendo expulso. Uma de suas
características era o fato de se opor a sacrificios humanos. pois
amava muito o seu povo; e, além disso. prometem voltar. Em
isto que os astecas poderiam ter toda a razão em temer, pois,
além de provir de um povo por eles massacrado, o príncipe era
contr:'lrio à sua fonna de viver e, sendo um rei depo~to, poderia
querer o lugar de MOOlczuma. Por c~se motivo. o impt:'fauor
astcca, num detenninado momento, ofereceu o seu reino a
Cortez. que, obviamente, nada entendeu. O rato de o comanuante espanhol censurar os sacrificios astecas já era um grande
indício de sua possível identidade. Na realidade, os sacri lícios,
segundo a crença asteca, eram uma maneira de se prolongar o
"quinto sol";J·oferecidos ao deus Huitzilopochtli, que passara a
ser o deus principal, graças à reforma de Tlaeaélel, imperador
conquistador que queimou todos os códices dos povos dOlllillallos
e os reescrevcu;"'o
l" I\II HIJli cac,:ãt'" Pala o fil ll"ofu arg.entino, Bartololllé de I a ~ Casas
~.
rn"'(J
de fW a!ln ... . CnI 15 1)5 , S':I f(.' s t:Ir:UIl 1,,175.000
pl lf ~ lI l· nn ...
thwlu,;a ....
"·"' n: ~stl
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II n h :llht'- (, ~i.."r.J\( 1
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i.."11~·1 1I11it·p , 1;I ".
llc ",c!» lnll ll1 ;1l, :io c uh nr;ll. 11\15 li"is Ill il1ll' irll:O> ~CClll . l " d .1 l·u l1l1l i.l:l...·;itl -i,I\" ..r", It' ;
d;) u nk lll tk 2 5 pnr I . Qu..:m lltC-lcc ia lI1a ;... ~a l rilkios hUHwlln:-õ: l'" n"' h'~·:l";;. qll ~'
r37..i:lIll "';Il'n li c iu!' rilu;lis no dl.'ll'" Sol ".11 .1 qUl' !' c mrrc \,(..11:\50;1.' a 1I.1)'; ÇC! I' :h ... im
C:lr :I":!·· . • ', it/:o : ':11 '1 l u dt '" :,., 11"\( .... \. 1';\1 :1 ,. 11 0 1\ 0 0;" . ' '' ' ,." (" 1'.11, 1".:; -11"
Jl
242
JOS(: CARLOS MOREIRA DA SILVA fiLH O
DA "INVASÃO" OA AMÉRICA AOS SISTEMAS PENAIS DE IIOJE, O DISCURSO .
c) a lerceira possibilidade era a mais sombria: o príncipe poderia
ser a representação do principio divino, um dos rostos de '
Omctéotl. e isto era tenebroso, pois seria o fim do "quinto sol".
Partinúo
UCS<.;iiS
opções, portanto, cra importante. primeiramente. que
t\ 1011lcz uma n50 se encon tr asse com os espanhóis, pois 3i tcri", provavel:IIH.'ljIC, de rccollh cl.'cr tulla das <lLJa') ültimas possibilidades. o que seria o
seu i~ll
illlperador. ria mais aconselhável mandar- lhe..; preselltes e
. 10 seu IlIgar de origem. se.ia l·~tc ljual rosse.
ouro C0 l110 presente para Corte? c seus homen".
I\foIlIC7t11J1<.l estaria longe de incentivar a sua volta para a Europa,
CO/ 1l0
~llgt:nr que \ nl!ilsSCITl
Ob\ j~JI1ll~ nte , ao enviar
,\ lJlli c a p()" ... ihilid:Hk pcr:lIJll' a qual 11:10 !\cria 11CCl'S",í, io I.) recurso
;'1 ,> :UIIIJS L'la ~l o.; cglllldil f\1:.ts. antes de ctllpn:elldcr qualquer a,'50
hélica, era II l'ceo.;s41r io ter-se certeza tla não-verificação dessa hipótese.
I\)r este IlliJliq) f\1onlczullla ofereceu seu reino a Cortcz fieou de fora
poi ...; :Is~ill1 estaria e vitando sorrimentos a seu povo: "M~lltC'zul11a cm \;
110\ (1 ()Llct l alcúatl de sc u1\téxil:o c se imolou por e le"':H
Com a recusa tio cOlllantlall tC' espanhol estava descartada a segunda
f' Os<.;ibilida(k' , Por0m. a tncL'ira opção pairava no ar como um perigo
sup remo, C o ntudo. três ilcontecimentos posteriores iriam provar a
~ I oll tt'zllrna que :1 possibilidade real cm a primeira, Esse~ acontecimentos
fÚr:l1ll a chegatla de outra ~sqllndr:l. a de Pânrilo Narvácz, qUl'. lutando
contra CortC'7. fiJi derrotada e suas forças anexadas; a matança de Pedro
de i\h arado (,uballmro que ficara responsável pcla expedição com a
:Illsê ll c ia de ( 'o rtcz c que realizou uma camificina traiçoeira no México);
c a \"olla de Currez com () cxén'íto refhrç::uJo. Ao lenta r pelletrar no
t-.ll· ... iCiI, ;15 !ün.;as du (:nnql1istador espanhol foram th:rrotadas na "notchc
Iri . . . te· . Porélll. ue naJa adiantou. pois a peste que se alastrou no México
loi apen.3S o primt'iro sinal da vitória inevitável dos espanhóis. Os astecas
interpretaram a cOllquista corno a chegadb do "sexto sol" e a <:ol1seqüenlc
morte dos SCHS UClISCS.
sua filosofia e de seu IllUIHJO .
Torna-sc, portanto, a chegada do "sexto so'" como um marco simbóliL'o do " fim do 1l1llfHlo" tllllcríndio, de sua cosmovisão. Porém. a resis-
ue
têneia a esta mudança foi maior do que se imagina, embora tenha sido
sucedida pela inevitável derrota, quer pela disparidade do desenvolvimento interpretativo dos fatos, quer pela própria tecnologia militar.
Assim, eom a percepção da natureza terrena dos invasores, acirrou-se
a resistência . O primeiro ato foi o do cacique Caonabo, em Cibao. que.
resi stindo ao roubo de suas mulheres pelos homens deixados por
Colombo. Inatou-os. No entanto. 10dos os caciques. ~lpcsnr de sua
rebeldia. foram sendo vencidos. A resistência maia. por 1150 ln se I!
povo articulado num c laro sistema de dominação política. como era o
caso dos astecas, prolongou-se quase ate o século XX. Só em grandes
impérios. corno o de MontezlIlllu, teve-se a clara visão de que o control e
polltico-mi li tu havia sido transferido a outrem, A figura da n_' <.; j s!l-Ili: i:lj
foi claramente seguida pela do "fim do mundo",
Parece, porém. que Dussel, I10S lextos pesquisados, limitou·sc Illuito
à questão negativa da ação indíge na , 011 da não-existência de qualquer
aç.ão. no processo da conquista: Preocupado cm atinnar n altcrid:Hle
que os povos ameríndios e seus descendentes representanml, <k\'cria
ter explicitado melhor a atitude indígena de resistência à conqui sta.
Contrariamente a um certo senso comum que se finnou ~wbrc a
questão. a resistência ameríndia não ficou limitada ao âmbito militar.
Confonllc assinala Héctor Heman Druit , a aculturação dos ameríndios
esteve longe de ser considerada bem-sucedida, o que se deu graças a
uma prática velada, em que simulavam a todo o instante 11m comportamento que escondia uma outra atitude, ullla atitude protecionista de SII"
própria cultura e que deixava entrever a sua rebeldia . E. além disso. a
sobrevivrncia não só da cultur3. mas de muitos povos jndígella ~ an
massacre da conquista. resulto u. C0l110 afimli1 o professor dli1clJo. l:Jll
uma das maiores façanhas da hUl11anidade, Para explic~r esse feito,
certamente há que se levar em conta o que se chama úe "história
invisível" da conquista da América, "Derrotados militarmente c \ iolclltados pela prática dos invasores. os índios simularam obediência. passividade, servilismo para salvar a peJe e. especialmente, sua cuhum .""
Verifica-se o que Bnlit chama de a "s imulação dos vencidos".
~al.',!!it·: l\ ; ml :\1' d ~'lI" r.! ,II!I"II:1 pa'a ~';lell1 riCC1'> C' fidalgl'>; 11<1 r"'p:lnha" E sobre
" ", I '" hi"I 'I'" rntnid"" III' ("' Ildli" dt' rrCIllO (!545·!~~1) , t; tmll,'lll pt1r:lnt:() a
I,.,!" " I,'."e, 1:11" . II:i, . ,h / I,"' I "Cl P'I," IInla pal:l\r.1. F'la\ :lm ')cu p :ldo-: l'(\f1l quC's .
I ",'" !I\1t,;rr llo..: tI.1 111":111111'.:'" ,III ,,'rtlr"IIHIl"OIll a Rt'I,lI rll:t dt.' I ull'lo" (U{)FI· ,
I ""lIlId,· l nqu , ... ,(:j ,
rrr" t· ... pllil" 11"1.' 1.' \1II1rIlU;1 .1 t~'i. i , l"
l't l.: li·l(·io ln
1 ~ \1!,HI( I I, " '1', 11 ,,11 \1'/'1' ,II ,i", "I<;III " fl 'I' " l't ' rlll·IlI :lIh .... ,te I r:ult,·j,.l'tll'l'i\:1
IIII! i\l uulp'l' ! !11'~'" ,f.r .... 11.<1 .:. l· tI I ~ I ,' ,k' ./:1111':1" H,'<r II ,,·, 1t'1U1'0 ';
It ",;II :\ I Hlld ;ICI\I! "lI\ I'r·Joj,.,k Ik Hra:- i1ia . ! IN I. 11 ~hl
III rS<...; 1 1.. 111'111"1' i I I ) ' " ~'lInd'rllrlI' II10 d" "lIlr,' for ', r' l'~'n\ .1\. 11l]{1\ da
,,!, ,lt l]. hd , '
1 ,,,,I 'J .,,1'
,I.
\, ,,dlllll
111<1
I,ti,,, ,'
"
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1'.\'11
!' 1 '!I \ 'I"'"~
2·1:1
A s imulaçüo inscreve-se numn cadeia semântica que ~c inicia COIll
rcplcsentaç30 . iFito é, O signo ocupa o lugar do real. e terlllin:l l"nlll
ii !'i lllulaçào ('lO que o sigll() rcpn,.'~cllta. cm última ill!-t:1ll c i:t. (IIlI:1
:llIst'lIcia. Enl;'io, fa\;tr tk simulaçi10 l' ralar l:lI11bém \.'(\111 () (Julrll.
signdil."<ll :l diferenço", c~ labekl'cr <l di" lillll.: ia ('nln..':I:-; ir n:l!.!'·Il'" :I~
:II':ll:·Pl."ia:-;. 1,1<'; " ig.ll11S (' 0" rd i.' n:nll'''.
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JI'll"l lklo'l!1
0" . , il.)l .
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l'
1·1
1"
J~
244
J(l"(: ('''R I 0'\ MOREIRA DA SILVA Fil 11 0
A
,
,
Isto é. quando os indios vestiam-se como os espanhóis, comungavam ,
C0l110 eles. portavam-se como eles, falavam a sua língua, na verdade
não dava m àquilo o mesmo significado que os conquistadores europeus; a re presen tação dos costumes estrangeiros significava muitas
\ C7CS lima nuo:ê ncia, a llllsê ncin da cu ltura dominadora em suas crenças.
l ' 4 11l' !'cn'ia p ara "dar cohert ura" ao seu próprio modo tle se r. A.
ill1p()rt~i llc ia cm Sl' reco nsti lllir esta "história invisível" encontra-se rfa
oj1oI1IJ1lidadl.' Jc Iccuperaç:io, par<! o~ índios, da SU<l <':0ndiçfi o de suje ilos
ati\o'\ e centrais. fUl"lll adUlcs ue sua própria hi slúl ia.
As rn~lhor(' s fOlltes panl :1 rl"SIilUição de ssa prá tica vclnda c illSlIhl)roi nada uos índi(ls :~30 as crônicas dos conqui stadores , tendo cm
vista a raridade das f01ltes iJldígenas. Necessita-se obst:rvar as visões
OllS cronistas s ituadus sempre no extremo. "E O caminho entre um
extremo re ve la um si lê ncio suscetível de ser preenchido a partir da
;o; ... p~ração en tre o conteúdo dos enunciados e o sentido delcs":.f 4 Assim,
quando se surrreende os r<:latos europeus que se queixam, por exemplo,
da preguiça e da bebedeira dos índios, pode-se facilmente perceber
lima a titude c urna fonl1:l de res istência dos ameríndios.
I: interessa nte procurar o bse rvar o perfil psicológico dos indios
a"tes e depo is da conqui sta. A imensa diferença que passou a existir
e lltre um momento c o utro ~u rprccndeu os próprios cronistas. que não
L:ansa\'3m de rlogiar. CfllHO se obsêrvou. a sociedade indígena. a sua
L'x l r l'lIl<1 org :uú7aç;io C I igid ...,/. da" regra .. sm.:i.1is. cm qll t.!, indusivc. <l
DA " TNVASÀ()" IJA AMf.RICA AOS SI$TFMAS rENAIS Dr: fl()JF : ( ) nrS('llHSt I
acabou por proporcionar, juntamente com outros fatores, a atitude
simulada dos indios. Isto é, segundo o professor chileno, a simulação
verificar-se-;a principalmente no plano subconsciente:
.
Essa forma de resistência à conquista não foi inteiramente programuda
c consciente. pois nuía também do inconsciente o nde se re fu gio u (.)
tr:Juma "da destruição. de t<'llmnneira que ela agia, cm rnuil (lS ca",-)s c
cin,:ullstâncias, como lim a açfiu ma i!' ins tinliva c e l11otka. I'll ( t.'S5a
razi'io, a resi stên cia foi difu sa 11 0 ~c nt i do de que nfio se dcix" va V~ I'
de'/ido a sua própria obvicdadc. c foi veiculada como simulaçiin.l'l'IIH'
ellcubrimento dnquilo que os illdio..,s tentnram salvar..!/'
Como já se anotou, Bartolomé de Las Casas constmiu uma ilJlagelll
extremamente negativa dos índios, embora certamente não fosse esla a
sua intenção. Contudo, como Bruit chama a atenção. curiosamellte. foi
o próprio frei que revelou uma das melhores fontes para se perceber a
simulação dos índios, mostrando a existência de uma contradição na
construção de suas imagens. Em sua obra, ao mesmo tempo em que os
indios eram covardes. resistiam de alguma fonna; ao mesmo tempo c m
que apegados à idolatria, eram ~uscetíveis !l aceitação da fé cristã: e. ao
mesmo tempo em que eram obedientes, abandonavam o trabalho.
Escreve o padre em sua Histvria de las {"dias:
Da'; mentiras que os
c om o ... conLtt li ... tadnrl's.
() silê ncio, que l'ollt illu ava sendo alé agora a Ilwtc a inconfundível
dos índ ios, ('ol1fc vc a lIl:lI1ipulaçüu ideológica lia medida em que o
discUf'llU do c()nqui~l<ld(lf 'IIÓ podia ter efeito e sentido (}lIt"\ndo refer ido ao d i5-cnr" ll do índio Aquio o re leren te cal1)1I-!'c"~ ~
() silêncio ta III bl'll 1. fia \ b:l0 de f3ruit. é lIIll:! 1ll31lirrstaçào da
tlL'o rn:n c ia (\r lIlll traul11a co!L' tiVll. \'crilica uo com o que :;;e chamou
'111 :'1'. d ,~o " Ii rI! dn 1l1!111d~)" : !llll'Iílldil!. UIll frauma ;1 ~O:, \I d ol(lr()~o, que
I iH 1 111 . I/ lO, II ' I I k!11.ttl /1 '11 (rI/"IIII : dI' /
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es panhóis e hoje-
diz~l\l .
aplacar scu continuo c implacável furor, nào poderiam
de mil uutras llngústias e dorL'S e rnaus-tr:.1tosY
o nd e
escapar - ~c
Havia também uma certa e.pcculação pelos índios dos gu>to, e
desejos dos conquistadores, Muitos mentiam s"brC' a possível cx i stt~nc ia
de ouro cm regiões inóspitas. Foi assim que surgi u a 1 ~IIHUSíl lenda lh.: EI
Oorado. Entim, por intennédio desta ação sub-reptícia dos índi os. da
sua simulaçào, foi possivel "sabotar" a novfI sociedade que os europeus
queriam construir, Obviamente. a ação dos índios não foi o único f~ltor
causal do que Bruit chama de a "mclação" drl nova snciedade . Todad:1.
certamente é a menos percebida:
A <';llcicdadc hispano-indigcna estava cm perigo de nâo \' ingar ({Hnu
lima sociedade o rdenada, governável. political1lclI".~ fUIH..Iadi\ IW
l'OIl <;L'1\~ n dn. maioria, cnfim .l'{llllp uma SOcil'lbdc crisl:\. lIllIa li'lça
do, l 'I 'lIndo ... ·
'IIi,"." ,,!," S:i" f':Hll n'
~h
I'
indio ~
'Iinda nill) o s lk vas turi ll\1. O ~ \· L';o..:lll\~ ~ c :-:crvidi'io hOI rivl!1 l' n Ll l"
t ir:lI1ia com que os ahHl11 l.! ntalll I.! 11lultralal1l. s:;,p as ca us as, l'lI\qul.!
dc ou! ra maneira, senão mentindo e fingind o para contcntú-Ios c
VIn Il! i:qplL'/ l't ll IIlnilll . . ('<1 "; 1) --; l.o ra '\ ...' vc rallh.'Il ll! l': 1'\t i!!'llb . i,.' o lIaballw
rl'prl'sL'IIta,"a um tios prilh:ipai s valores, Após a conquista ter-se
lílllladn, os crn lJi s!~l'\ rcla! alll.tl ex is tê ncia de todo ~ (1" vici(\s poss íve is
L' irllngilláveis .
A primei ra atitude que soou estranha aos espanhóis foi o próprio
s ilêncio dos ameríndios, qur r\' itavam ao máximo ter de sr comunicar
:!45
BR1 lJI . lllTlnrHcrnan 0/, lif.p , f l) I · I ' !;
"HP!'II
I!
'l 'l/" lkm :1I1 ('I'
, I'
i' 1[,-
J3
,1ot;;r' ('MO OS MORF.'RA DA Sfl.VA fllllO
DA "INVAS,\,<J" ' nA AMÉRICA AOS SISTFM ·\S I'ENAIS l)f: IIOJF : () D!S{ ·UR"'()
estranha. OC lll ta. nào·cntendida.. trabalhava para desajustá-Ia. deturpá-Ia
em se us objetivos, e essa força eram os próprios índios submetidos
pelas armas, mas não conq uistados nem peJa nova religião. nem pelo
saber dus e spanhóis. que na realidade era wn não-saber, pois ignorava
a CU!fllr:1 t" ao; I ;li7("'-; dr!, tradições e costulIles dos \'etlcido s. "~
<.
OIll0
~t'
\
( .,,) os indíge nas não abandonaram sua visão politeísta, As normas
de co nduta cristã comunicadas pelo ensino, alimentadas pelor
preceitos ou impostas por obrigação, não tornaram in teli gíveis as
abstrações cristãs sohre a virtude e o pecado. A comunidade dos
santos fo i recebida pelos indígenas n:io como uma intcrmedi(trin
entre
er;í adiantL', ~'~~a açJo subvcrsivt.l uns íl1dios não f{)i
por 1. as C<.lsas como uma das causas da iflJirl cllcia da cOflsl itlliç;10 de uma "sociedade tts avessas", de lima socicdanc
dl..'ll!rrada c torta em S U~I prúpria raíz .
() ti 'anl:i SC3I1U Uelllardino de Sahagún tentou alcI1nr parJ estc perigo,
ao pregar a ncccssidaue dc não se destrui r os códices, os livros indíge1Ii.!S, Th _'is. arguIlIcntava. cra necessário ter o en tendimento d(:sta cultura
P;Jr<1 CUJllb3tcr a ido latria. Panilharam da mesma opinião o jesuíta José
de !\1.:osla e u dOlllinkano Oiego Ourán. Este último. por um momento,
chegou 3 crer qu e' us costumes indígenas eram seme1hantes aos c ristfios
l~ qUi.'. segundo apregoavam certas teses po!êl1licas. Sfio TOlllús de
t~ld {)rC"s. ObSl'f"\i! 1.: 1" C<ls:!,,·
Os CIICOIllL'IHkiIOS ~u~ix ; l \'alll-se com freqüL'llda que COIll esse apren dizauo (lS im.lios .\t' fú::.iam hucharéi!i c não queriam trabalhar, e que
quando () faziam, H'clamavam direitos e privilégios c uc;;:wa m as
ki, p:\I<I illl"crni"ar:r \ ida dos cristãos. l"
Por uullU lado, vl'riJil:oll-sc a ex istência de um s incretislllo religioso,
isto é, os índios incOlvor~lr;111l muitos dogmas cristi!os, lIIa~ com a
difercnça de que o fa Lia/li ti partir de sua visão idolátrica de mundo.
.
.
FI
,
II t)1 1\"C " um t:s'()r~'o (OIlS<':lclltc úC' comparar os dogmas e aceitar o novo
t'll ! IlIdo aqrrilll que c llliqlH:c ia t) <llIt igo"."ct Esse cslün:;o I.'stú c:xpresso
110 CIl It.: lldilllCllto dl' ('har!t·,: (jihSt~l1. cm Sell livro I r).\ a::f(>cl/s "l~j() el
Deu~
e o homem, mas l·omo UIll pa n teão tlt' I.ki dad t's
antropomórficas , O simholo du crtlcificnçãú foi m:eito, llW :-; ~,1I1 11)
uma preocupação exagerada nos detalhes de um ato de sJcrifh:io. O
O('u s c ri st50 foi admitido, Ill:l S n,10 como Ullla deidade cxdusi\:1 c
oniplltcnle. O céu C O inferno foram reconhecidos, ma s accnru :I IH!()
sua.;; propriedades COllcret3s c COIll atrihutos pagiios ( .. )."
c\ prl' SS a llll;llfe allotad a
Aquino ila, ia lirmado contato COI11 aq uelas civilizações, te ndo ens inado u cristianismo aos índios, Para Tzvetan Todorov, este entendimento
do padre dtlJlliniC.'Hlo devia-se à prese?ça do sincretismo cm sua própria visão de mUlldo, pois ha via sido criado no Méxicl'l. BnJit, contudo,
atribui tal fbto ú açào simuladora tios índios em face do cristian ismo.
Aç,ln tão densa c impcllctrú\·cl que acabo u por levar os espanhó is à
cOllciusàü de que, em rCillidnoc, eles não entendiam os índ ios. Não
entendiam se us atns c, muiio menos, a lingua. que era composta de
diversos dialetos , (Js índios, porém, aprenderam [I Iín[!ua dos cOllquis-
~--t 7
Com relação aos índios da A mérica do Sul , em esrecial os cio
Brasil, a recupe ração de sua cultura tornou-se hem ma is ditlcil , pois
praticamente todos flS povos indígenas aí localizados transmitiam os
seus cOllbccirnentos através da tradição oral. Um dos raros gOlpos
indígenas brasiieiros em que se utilizou a lgo além desta lradi,ão
foram os Sateré-Mawé, de língua tupi, distribuídos em tri nta po voados
no Baixo-Amazonas, onde se encontram até hoje, como reminiscência
de urna cultura ancestral, três c.;;xemplares do Poratim, uma cla\·a em
forma de remo na qual estilo gravados losangos, desenhos e figuras
que representam s imbolicamente um conjunto de mi tos C' hi slórias
sobre as origens da tribo. No Brasil, infelizmente, não SUl giraln
cronistas indígenas no per iodo colonial , tornando a oralidade a ú"ica
fonte da visão dos vencidos . Jimcnez de La Espi1da, ame ri canista
espanhol do final do século passado e que Coi dirctor do Arqni,·o
Ge ral da s ill dias. cm Sevilha. observou que. para a inl'elicidade brasileira. os portugueses não tiveram UIll Las Casas que desse l)tltm
versão do que
QC'·Ofr ClI
no Brasil :
Los portugueses han teu ido la doble fortuna de no tcner UI1 padre de
L:1s Cí.lsas y de que los brasilenos hayan hechos suyos, sin discutirlo!',
los hechos de aquellos hombres que a lodn costa Ics dieron la opUlt'nlr!
y ;lnL'hisima pát r ia.~2
No entanto. o fato de não se possuir fontes escritas para pt::Squisar os índios brasile iros não de\'e ser um impedimento para que
s e resgate sua cu ltura, tnrel:1 para qtl:d não se poderú din:cion:lr
::sforços neste e nsaio ,
II !lel 'r i " ("/)((11 (1/ :
~I
IH~t1JI.Jln· h )llk IILlIl
(',. ' lI . p !Í>') - l~ O .
lH~! I IJ , ! kl'!nrlkltl ; Hl
r
lI' I II . p 17)
!' I '" i
BRUIT. fh:'l't(~r Ikmall, op. ( ·rl. . r. ISó.
I:, .1(1,,0 R ibam:Jr Bcs!'õa . ., radi\-";lt1 oral (' tlll'llloria indígC'/l;lS: a c:tII(':, do
tempo l n: , Jm!'-rica: de.W"o/1!'l"ItI p/ I il/I ·; 'I/{"do _ -l" C(lklquin da t rERI . Hi .. de
J:lll ... i" , i'll: l !c\\. Il)9 2, p. I~q .
~:! FRI~lH
10,10 CAR LOS MOREIRA DA SILVA
248
6.
FILIIO
A CULTURA SINCRÉTlCA DA PERJFERIA: OS V ÁRJOS :
"ROSTOS" LATINO-AMERICANOS
'
Os a stecas, cm que pese toda a sua índole violenta e dominadora,
quando subjugavam uma outra cultura, antes de destruir seus livros,
es tuda va m -nos (' o s im.: orpnravam, como se viu no mito de Qllctza!cóatL
N50 fo i o que i1co llh:ceu em relação aos europeus com a tradição
a ~ tcca . que lhes havia sido oferecida como uma homenagem e . em
troca . o povo núhuntl fo i c ha c inado C humilhado culturalme nte .
L.: " las cultura s Ilii o ti veram a vantagem da helenista ou ru mana , que
ni .. ti alli s m0 tra nu/ll l)1l po r dentro e. sem de struí-Ia s. <1 $ u-ans forllH.l U lia" cultura!\ dOI s cri standades bizantina, çopta. geo rgiana ou
arll1êni a. russa ou la ti no-gcrmana desde o séc ul o IV ti . C .. as culturas
amerí ndi as 1'\1(:1 11\ tflJlI Cad as r ela raiz , ~ l
(I
o
"scxto sol". pOlia"!,,, ignorou a existência dos outros cinco que o
rre ced e r<1l1l, c t1 0 1l XC cm "C U cenlro o capit31. Diz Marx:
O cap itul é trabalho llIorto que só se vivifica,:\ maneira do vampiro.
ao chupar trabalho vi vo. e que vive tanto mais quanto mais trabalho
vi\'o chupar. O d\!s l'obrimento das regiões aurlferas c argentíferas
da !\tn ~ ri c a , o e xtermíllio. escravização c soterramenlo nas minas
J a porul aç:io abo ri gl·llc. a conquista c o saque d;JS hulias Ocidentais,
a trans formação tia África num couto rescrvadCl para a caça comercial
dI..' pe lcs ncgras. carac tcrin1JIl os albores d:1 era (do s ex to sol) da
p lO dll ç i'i o ca pit :lli <; la 1
Apesar de todos os csfúrços europeus para que a cultura original do
co ntine nte americano fosse e ncoherta ou negada, acabou-se gerando
um a rica e sillcrética cultura popular. que funnou lia Am('rica LatinJ
\úr ios rostus dir('rcllt cs,~ \ Veja- se O perfil de c ada um de les. Em
JlI illlciro lugar. o~ índios. Emho ra o s europeus conlrolas'-icm o poder
pol ít ico c os " pontos c ha ve"" , O mo do de vida da m a iol i:\ ÚJS pess();]s
1..' la illdíge n a , CO III um lI S(l l'o l11tJlJitúrio da terra e uma vida co mufla l
prOlt ria. (1 q uc. rOlllo se \·iu, aa co nseguido graças à s imulação indígena,
q uc ba rro u a lo t;!! :l cultnraçà<.'. (") seg undo golpe fatal. na \·crdadc. foi
dad pdo Ii bcrali slll(l d o sécu lo XIX, que, querendo impor uma fonna
d\...' l' id:Hl:1I1ia ah"t ratn, indi \ idua li "ta e burguesa. finn o ll a propriedade
OA "INVASÃO" DA AMtRICA AOS SISTEMAS PENAIS DE HOJF, O DlSClIRS(\... 249
privada no campo e se contrapôs à fonna de vida co munilária. Obvia·
mente. tal fato limitou aos índios a possibilidade de vi verem ii SlIa
maneira. gerando os problemas atuais das reservas indigenas, principalmente em pafses como O Brasil, cuja população indigena não era
derivada de uma cultura urbana, Já no caso dos índios oriundos de
sociedades organizadas em cidades, constata-se a presença de um fort e
sincretismo cultura l, mas nào de absoluta aculturação.
O segundo rosto corresponde às vítimas do que Dussel chama de
"segundo holocausto da Modernidade" : os negros. Nunca ha via ocorrido uma experiênc ia de escravização em número tão elevado e de
maneira tão $istematicamentc organizada. Da mesma fonna que os
índios. a resistência dos escravos também foi contínua. O maio r registro
provavelmen!e é o do Quilolllbo dos Palmarcs. momento tão importante
na constituição histórica do Brasil. UIll exemplo vivo da resistênc ia
negra, durante mais de um século.
É intercssantc perceber que desde essa época. quando se ucfe"dou
no Brasil um liberalismo que se prestasse fi defesa da estrutura
escravista, o direito por aqui (bem como, de uma fonna gl~ r;JI , na
América Latina) costumou ser um instrwnento cego ao sofrimento
popular, pois procurava hannonizar a existência da violê nc ia irracional
com a "Iiherdade" (para dentro obviamcnte),
O par. formalmente di ssonante, escravismo-liberalismo, foi . 11 0 \.: a<.; o
brasileiro pelo menos, apenas um paradoxo verhal. O seu (.'ollsú rcio
só se poria como contradição rcal se se atrihuísse ao segund o
tl!rmo. liln..'l"Clli:wlO. um conteúdo pleno e COl1l2"reto. equi\:llcnle ;.\
ideologia burguesa do trabalho livre que se al"irmotl :10 hlll ~() li:,
revolução industrial curopé in. ~/\
Os hOlllcns públicos prollullciavalll-se " contra fi ingerência bril nllica
no controle dos navios neg.reiros; mcdida que verbcrou como o a""I""
mais diret() qlie se I'oderiafazer ti COllstiwição, à dignidade naci(lnal.
à /ronru (' ao.\' direitos j"didt!zwis dos cit!lldi'ios h,.a.\'i1ei,.o..... , ~· Assilll,
defendia.sc um liberalismo que fo sse atento. segundo se argu111cntant.
às circ,mstàncias e peculiaridades nacionais. Os pro prietários de terras
reivindicavam fi sua "liberdade" de trocar. vender e comprar. mesmo
que a " mercadoria" fosse os negros africanos, '"'1 was jj-eedolll l o
destroyfl'eedom : dialética do liberalh:mo no seu mo mento de cx pans:\o
a qualqu er cu st O." 5M
P I "~"' II. , I" I1!iquc
14 (J.' " l·'l"·l,hlilllcnfo do oul r n ( a O n~l'lIl li (l milO da
IH(llh.' lll1 d :Hh' l f tlll lll('nll\ d\..' ! 1:!1I\..fu f1 . Trad . J"i ll ll' 0\ ( · b<: ~ I1. Pdrúpo l i<:. :
5~
II)(P. P 1·11,.
l J!ISS I I . !: 11l 1qUI.' ( )I) ,:1
p IS:!
51
111 '<"';'; 11
I'
~"
\
l1!'i·p"· (h
fI
8 0S I. Al fredo. /) ja!t' rico da c n la n i::CI((; tJ. 2 cd. SiioPauln: Cia. ti as
p. 195 .
\0/ 1.·:-',
l;;tI I' 1
nosl. Alrredo. O/-,. cit., p. 147
no"!. \ Ifred. , 0 " (·ir , r . ~(l9
I. ctl:l~. !(JtJ 2.
J. Dr::
JO"" '. CARlOS MOREIRA DA SILVA Fil 11 0
o Icrcciro rosto desle "povo Wl0 de rostos mú ltiplos", como escreve
f)\J~SC'1.
é o mestiçu. ou os "' filh os da Malínche"; aqui no Brasil podcrse- ia dizer : os "fi lhos de Iracema", Diferentemente dos índios, negros,
asiáticos e europeus. os mestiços não têm urna personalidade cultural e
racial definida. Na verdade . são os únicos que em 1992 fi ze ram 500
,11IOS, Nfio chegaram a se r o prim idos tão viole ntamente quanto os
Ilt'grns e ílldios, mas também foram objeto do saber antropológico
1~lcist'l. ue cunho cxcluocntc e de prcciante, sendo vítimas da situação
l'~ lrl1tural de depl'lIdêrlcia cu ltural. política c econômica. seja nacional
I
1'11 il lt cfllJcilllla l.
U quarto rosto, que (oll1pll.'ta O bloco soci:J.1 oprimido lati no-americano
pn:'-illdcrt?lldência, é o dos criaI/os ou crioulus, Filh0$ hrancos de CUfOI IL'US /la s ífldias, [("p!escntam uma classe dominada, na Espanha, pelos
Ilabs1>urgos e pelos 13urbõcs c, no Brasil, pelos reis de 1'00tugal. O s
çrin ulos fiJralll os úni cos que {ivt.~ram uma "consciênc ia feli z" da AmériI..'a, O s índios v iam-na co mo te rra de deuses ancestrais qu e agOrd estavam
mortos: os africanos. como lima terra estranha; e oS mestiços, como terra
l'l1l que cresceram , porém que cra palco de opressão e humilhações.
Esses 'l'Iatro
completam o quadro de 11m "bloco social" da
I\tné rica L:ltina colonial. um "sujeito histórico'", um "povo oprimido",
I ai "bloco social"' tornou-se claro e delimitado mediante as lutas em
prol das emanc ipações nacionais no século XIX. A dissolução do laço
f.:om a rnetrópole rea lme nte foi uma causa defendiúa por todas as
classes e gru pos sociais, Os índios. negros e mestiços. em geral, que
co mpunham a parcela paupcl'Í za da do povo, viam lia independênci:Rt '
possib ilidade de melhores condições de vida e de connctização da
jllstiça social: a elite oligárquica c burocrática, formada basicamente
pejos crioulos, obvinlncnte possu ía interesses bem diversos, No entanto,
fiJi e la que liderou c~te~ movimen tos, utili zando ·se do ideal liberal
UlIl lO base doutrinária e in spinldora,
1\ partir da cOIl'iolidaçrio do s Estados Nacionais. fo rrn ou ·se um
110\'(1 "h lo(.;o social Jos ' oprillliúos" c surgiram no vos rostos que se
j l l .... ':J IH1Sl'W IlJ aoS ~I\ltigos, () qllillfo rosto. pOltall to. é o dos C:'ll1lpOI1CSCS,
Índios que ab~llduflaralll a terra, mestiços pobres, fll;Jl11clucos e mulato~, A tê qua se a metade do século XX, a maioria da população latino;nllL'ril' ~II)a esla\'a fi.'cHb n o l'i llllpO, sendo exploradi.l e o primida pelas
Idi~'; lIqui;l''; 1l1I:li ';, QllL', t-n!lll! 'l' ..,;t! 1\..' , dnlllillílnlll1 i i p{ \ck ! pnl itko e
n""lS
~ IIlÚl llico 1l ~,'''Sl' pCI
0" l'pt:I;'lr;fls, no
il1dp,
Ci 1!l1t..'\It'
de Ilo-;sa Ic vol uçfio illduqri:d :Itras:t ua c
<I, (lL' JlJl'ntc. :.urgi / iUll L'llllHl ~L'.\to Tl)sto , Pas,ar:lIl1 ii "!.: r (\prilllidus pela
j 'l l)pl i;! cstrutllnl Lapi(,di~ul lh: pcnul'lltc cm qu::.' se illscrl' a (\mc ri ca
I :ll il1:1. 1 ai dL.'pl~IH.i(-Jlt:ia lc!l:-rL' -sL.' ;', gcrêncin de UIll L.':Ipi t; J! dL'b il , que
I' 111·_ t ; 'l l' \' JIIl!!jl;dln"Hl\' \:d"l :1(1 l' :!pit:TI '\:L'lll,:1! " 11:1..; ll h:t l l" !'olcs L'.
DA "IN VASÃO" DA AMt:RICA AOS SISTEMAS PENAIS DE HOJE: O DISCURSO .. ,
25 I
atualmente, às multinacionais. O capital "periférico", portanto, de ve
compensar a transferência de vaJor ao capital ucentral.., Tal " compensacão" ,
acaba saindo do bolso do trabalhador, mediante o emprego Qarato de sua
força de trabalho, que se mantém soo uma contrnpreslação minima
devido â, dentre outros fatores, existência de um "exército operário de
reserva" que o fraco capital periférico nao pode absorver, Tal "'exército"
compõe o setimo rosto: o dos "marginais" ou miseráveis, que, oferecendo
o seu trabalho a preços subuma nos, fo rçam a pcrmanêllcÍ;J de uma
mão-de-obra explorada e oprimida.
Emergindo dessa viagem às raízes do se r latino-ameri cano! pode-se
perceber duas coisas básicas. Primeiro. que este povo foi vítima de um
processo de modemização que ocultou e oculta a violência praticada
contra os seus pares, violência essa justificada por um di scurso antropológico racista e cuja história é preciso ser resgatada para que se tenha
noção da existência de um outro " sujeito histórico" que não o europcll~
segundo. que existe uma c ult ura sincrética popular, produto exclusivo
das tradições latino-americanas e de sua intcraçào com outras culturas,
existe uma pat1icularidade e especificidade que não se reduz às rónllulas
das ideologias eurocentristns. O projeto de Enrique Dussel, sintetizado
na Filos{?fia da Lihertação, se propõe a rei vindicar o verdadeiro lugar
da América Latina no contexto mundial:
A Filosofia da Libertação afirma a razão como faculdade capaz de
estabelecer um diálogo, um discurso intersubjetivo com a raziio do
Outro. corno razão altemativa. Em nosso tempo. como razão que !lega
o momento irracional do 'Mito Sacrifical da MocJcrnidadc', para afirmar
(subsumido num projeto libertador) o momento emancipador racional
da ilustração e da modernidade co mo Transmodern idacle ,~q
7.
OS GENOcíDIOS COLONIAIS E AS PRÁTICAS EXTERMINADORAS DOS SISTEMAS PENAIS
Quandu se trata da conquista da América, cabe referir-se cOll ti l1l1a ~
mente no genocidio dos povos americanos, tanto tisico quanto cultural.
Com o intuito de aprofundar essa noçào, bem como de assinalar o papel
que aí desempenharam os sistemas penais tatino-31nericanos. nec('ss{II'jo se
faz reali n llar algumas colocações dc Eugenio Za flhroni acerca do a~~llIlto,
Crsan: Lombroso e sua obra simbolizam muito bem h.lJO um IK'nsamentocic nti licista. corrc~roll(lent~ riO período neocolonialisf;l. (k l'!Illh o
(I
~o OLJSSF L. Enrique , /4 91: (l encohrimento do ('Iutro (a migem do miJO da
nlOdC'plidadc), Cml fc rênci:l" de Fr:mkfurt, Tr:td , Jnime A_ CI:t<;en, ['l'!lúr ,)l i~ :
\'!\/t'~
!!)U1,r,
17 ,~ -174
j
1
O
252
10St:. CARI .OS MOREIRA DA SfLVA FltltO
racista-biologista, que visava justificar a delinqüência e o "primitivismo"
dos habitantes das colónias mediante a auferição de woa inferioridade
natural e implícita a tais sujeitos. Tal discurso estava na boca de toda a
el ite oligárquica latino-americana do perlodo, contudo, sobreveio a sua
proibição nos paises centrais em função do nazismo.
Como na Segunda Guerra Mundial Hitler praticou na própria Europa,
aquil o qu e o apn rtheid c rimin ológico justificava para as regiões
ma rginais· es pecialme nte latino - american3~ - , o ltIodelo lombrosiano
fo i rá pid (l c , "id a Jos.;lIll1.::: n tc a rquivado ."o
Assim, o exercido ou poder periférico já não poderia se mcionalizar
os discursos centrais, como vinha sendo feito , Contudo, por falta
dc discursos teóricos na perileria, O velho discurso criminológico
lombro siano continuou sendo defendido no ambiente acadêmico, o que
gerou uma contradição com os órgãos que procuravam um saber alternativo "quele que houvera sido ceJlsurado pelo "centro". Tal contradição
gerou uma confusão teórica, um "saber discursivamente contraditório e
confuso", ao qual Zurraroni chama de "atitude".· I Observa ainda o
penalista argentino que, muitas vezes, esta defasagem teórica procura
scr explicada argumentando que se esia em um momento passageiro de
subdesenvolvimento, a ser superado com o crescimento rumo ao
pa ra~igma central de desenvolvimento. A contradição teórica que
e me~e da "atitude" constitui um dos grandes motivos para a deslegi timação do sistema penal na América Latina.
A base teórica de nosso si stema penal refere-se a um modelo de
c iê ncia penal integrada, em que a ciénciajurídica está ligada à concepção
ge ral do homem e da sociedade. Tal modelo é bem sintetizado no que
A lcss:lndro Barntta chama de ideologia da "defesa so{'ial", contemporâ~
Ilca à re volução burguesa. O jurista italiano relaciona os princípios que
informam tal corpo dc idéias: a) principio da legitimidade (o Estado,
enquanto expressão da sociedade, encontra-se legitimado para reprimir a
dcl inqüêneia ); bl principio do bem e do mal (o crime é o mal, a ,<>ciedade
constituida é o bem); c) principio da culpabilidade (o delito é o resultado
de uma postura interi or com alto grau de reprovação, pois é contrário aos
" bons" valores e nomlaS da sociedade); d) principio da finalidade ou da
prc \'e nção (a pena serv e para prevenir o crime, e não só para retribuí-lo);
01 pri ncípio da igualdade ta lei pe nal se aplic~ igualmente a todos ); I)
r1i ncipio do in teresse social c do delito natural (" o núcleo central dos
d\.' l ito~ definido ", no, ("(',d igft" pe nai s das nações civil i7r1das representa
CUIIl
"I
%1\ 1_FÁ IH ) NI, 1 ·. \!g~· II \t l R:ud . /,m / ' I/H '(/ da.~ penlls {Jerdido ,l. : :1 pt:'rd ,l de I\!git imi ·
d .ll le d., Si. . l (' !l);l r e nal. I r' HI. V.mi a 1{ (1 !1t :lIl l1 ('('d ro, ,, l' " '\li r I P P l"'; d :'! CIlIIl'ckã o ,
P i" ,k h tll'ill' I ~\'\ .111. I' )') ! )l 7~
DA "INVASÃO" DA AMERJCA AOS SISTEMAS PENAIS DE HOJ E, O DISCU RSO ...
25 3
ofensa de interesses fundamentais, de condições essenciais à existêncía
de toda a sociedade (... ), apenas uma pequena parte dos delitos representa
violação de determinados arranjos polfticos e econômicos, e é punida em
função da consolidação destes - delitos artificiais")·'
O problema deste conceito de defesa social é que ele é aistóri co e
não-contextualizado, e coloca o conceito de crime em um sentido
ôntico. Na América Latina, a "esseneialidade" do conceito de crime
vem jwltar-se " "essencial idade" da condição "inferior" dos negros,
mulatos, mestiços e índios. A ideologia da defesa social. :lO cOlls idcrar
a existência de valores ahsolutos, expressão hannônica de UIll todo
social. contra os quais se contraporiam ac;; nçõcs criminais, a dclillqiif-ncia.
ignora a existência de lima vasta diversidade cultural, fato que é bem
mais intenso na América, marcada por Wlla cultura popular sincré-tica.
O princípio da culpabilidade expressa bem esta redução realizada pc la
ciência penal, pois quando considera detenninada atitude repro vá vel, o
faz em função da existência de valores e nonnas totais na socicdade.
No Brasil, está bem clara a presença desse principio na refonna de
1984 do Código Penal. Francisco de Assis Toledo, presidente da
Comissão que elaborou tal refonnulação, diz que, na reforma dos
institutos do Código Penal, "percebe-se, sem muito esforço, a exclusão
de aplicação da pena criminal a quem não tenha contribuído
censuravelmenle com sua vontade e deliberação para a lesão de bcns
jurfdicos penalmente tutelados ( .. .)", [Grifo nosso]63
Prosseguindo, Baratta relata, ponto por ponlo, a desestruturação de
que foi objeto a ideologia da defesa social por parte da criminologia
critica. Pela limitação do espaço, esse assunto não será tratado aqui,
contudo, é mteressante observar a desarticulação feita com relação,3o
principio da culpabilidade, mediante a teoria das "subculturas cri~li­
nais", fato que também é observado por Roberto Dergal/i!' Tal teoria
mostra que os comportamentos muitas vezes considerados crimino~o s
são, na verdade, expressão de peculiaridades econômicas e culturais de
diferentes grupos sociais, e não fruto de uma inferioridade biológica 0U
de wn desvio em face de um conceito absoluto de crime. Assim, o
direito penal esconde, na realidade, sob a capa de valores gerais preS$\1p0SBARATT A, Alessandro. Criminologia critica e crítica do direito p enal: introd ução à soc iologia jurldico-penal . Trnd. Jua rcz C irin(l dos Santo!'. Ri (l Ól!' Janc ir(l:
Rcvan • 1997. p. 41-42.
61 TOL EDO. Francisco de Ass is. Princípios gera is do novo s istema penal b r;J si leirl),
ln : O direi/o penal e () 11 ,'l'O Código Penal hrasileiro. Po rto Ak'grc: F3t-o r i~ :
Assoc iação do Mi nistério Púb lico dI) Rio Gr:mde do Su l; Esn 1b !' ll p CI iI'I' dl'
Mini sté ri o P úhlico do Ri o Grande do Su l, 1 9 ~5, p. 13.
64 BER G ALLJ , Roberto. O b s e r v aci onc s c riti c as a las rc fo rn lll s ren"le ~
trad it:iclI1a lcs. ln : {'oUli('" (",.im ina/" ,."fi"./1111 df'l den' du. /' ('11 1'/ n l '!!I 't,j· I l'mi .;.
6l
I I1 X' l'
"'''! ~ ~fl i
J"1
JOSÉ CAIU OS MOREIRA DA SILVA nLlIO
10<';.
a
~c lcção
de determinados valores. referentes a determinados
bruPO,", 1\ dclicicncia da tcoria das subculturas criminais, assinala
l3anHla. está no fato de que ela toma a má distribuição da riqueza e das
oportunidades ,",uc iai s , ca ra cterizadora das diferenças valorativas,
l~ (\Ill() um d ::d o oh.iC'tivo, nJo inquirindo acerca das causas desta má
di . . trihlliç;io. ( 'IH IiO .... 1.: \ t..'ni adiiJ nt c, esta ideia totCllizadora de sociedade
1111 pO SI:t pel o ll1odelo pun itiv o irá facilita r sobre maneira a ação
\ L'rticl li za dora 00 "i . . tl'IIJa rl.:l1al. que será fatal para 3 integridade dos
1:1(;(1" COllllt ll it:l ri os c hor;7ol1tai s na sociedade. c. CI11 úllim a in s t;:i n t.:ia.
I:h ·i li ulIú o con t ro ll' th: Ilo ~s a região periféli ca.
1.í1f1:ltuni realiza ullla divisão entre três tipos de colonialismo uos
Lllla;" SOIllUS \ itim:J <.;: o l'o lon iali::;mo merca nt il (séc ulo XVI). o
IIcuCll lolli"l i, mo Oll co lollia lis l11 o industri a l (século XVIII) e o
1L:l"l1pcn lon ia li slllo. Esta ultima categoria corresponde a um contexto
at ujl C futuro de lima revolução tecnocientífica. Todos esses três I}\O -,
IIlc nto s constituiram. constituem e podem cons.tituir práticas
g enocida s. Nos doi~ primeiros casos, trata-se de uma ideologia
genocida alimentada pelo discurso da Hinferioridade", seja teológica,
,('ja científica. O terceiro caso ameaça ser ainda mais apoca líptico.
O au mento dos avanços tecnológicos nos países centrais tende.
alL'lI 1de provocar a redução da s classes operárias no "centro". a colocar
(1, pa íse -; periférico s cm ulll a s ituação desesperadora, pois o que lhes
1lt..' l"Illitc pleitear por al g ul11 respe ito no intercâmbio internacional é,
hasicamcntr. a mão-dc-<lbn.l harata e a abundância d e a limentos e de
tl1atérias-primas. Ambos os e lementos, mais o primeiro do que o se1-!llIlun, tendem a ser s ubstituídos pelos avanços tecnológicos. quadro
qlH.: é aglldizado pela s dívidas ex te mas, impedindo U ;lCú1l1ulo úe ca pi ta l pwuutivo. Tlldo isto gera recessão, diminuição de sal~rio c do
percentua l o rç:'.II11ent:írio o es tillrldo a obras sociais l' ao combate à
miséria. A s princirai s vítimas dessa situação são a maioria menos
l:t\"o rec ion do po vo latino-a meri ca no, que tende a crescer cm número,
I'laças an re c rude sc imcnto d ...·lllográfico.
Não ha \'l'fIllo lIIudifit:;u;Jo uu levl'rsão ua atual tc ndêllci3. (_ .) esta re·
ro ra til' q u:tlquc l l.: ulllpctição intctll",c ional. t:Olll UI1\ ;, ropulação
j( 1\ C/ll l"(Hl .... i(l c r~l\ c 1111 l'lI II: tk'tcrinl<'IIJa CIII ra7;io d e l'a rcill'ia~ alimelltares
c sa nit;-,rias CkIIlClll:lll':-'. C l'lIl euucação dcrir ic·lltc. com lIotóri ~t
111:11 ~jllõll j':I.; ;i(l III 11: 111;\ l"Illln 1110 ... de pllhrl.:/a :th ... olut,l. {·\l1ll II til a gralHk
1,." . 1111,; ;-1, 1 d a 1.:LI · ..... I..· II l lI"l ;·III;1 t ' t.:nl llllll1 si:-.h:tII:t pl·II;1 1 qut' l aw.; a dl l ll;i o
d i I l.' pl!:';·;:i l · lllnli ; IIlI V" ; 11111! l· •• I,1 de I'r l· ... l t..: ~l'1)1 \.: nIHlvll .I\: :io'·<
IIH\ ~
/ :\ I I .\!{( l N!. I,ILl! t.'II'" I{:tu!. "'11 /'1/\1
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I l õld \ ,·U I' ;I t~ \ 'llI:'l1Il I' n!rll .... ; t l'
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DA "lNVA~ '\O" DA AMÉRICA AOS SISTFMAS rFNI\IS DF. Ut)JF: O DI~('III{S{' .. 2~5
Essa situação daria ao sistema penal a incumbência de conter aproximadamente 800/0 da população da região, formada por uma kgião de
miseráveis. Obviamente, essa visão também corresponde a um projeto
genocida que. segundo ZaITaroni. devido à sua amplidão. poder;' ser
bem mais nefasto que os outros doi s.
No caso de não desenvol vcrnlOs a capacidi.lde dI,! Qcelera<.'liu hi"rú,.;co.
caidamos. inevitavelmenl e, neste projeto de repúblicas let."lu)·uliglin/ui cas, que reprc sentariam o eqtli va lente t Cl'l wc o!(1nia!i~I;, d ~ l ::-;
r l.'l.llíNicQs o!igfÍrqll ;c:as úo I1co co l o niali s l1lo.(~·
Zatlaroni considera peç a-chave para evitar a veri li . . . 3çào de sta
tccno-apocaliptica-implacávcl realidade a neutralização do s istema
penal como instrumento desse no vo colonialismo. Dai se deprecnde a
urgênc ia de uma "resposta marginal no contexto da crise de legit imidade do exercicio de poder de nossos sistemas penais".'.'
Na primeira fase colonialista, a mercantil, o sistema penal não
chegou a ser um instrumento tão centra l de perpetuação do g.enocídio
como o foi nos outros dois periodos subseq üentes_ Nessa fa se. os
sistemas escravistas realizavam esse papel. No entanto. com o predomínio do trabalho livre-assalariado a partir da revolução industrial. que
marca o inícjo do neocolonialismo , os sistemas penais. em especial o
aparelho policial. passaram a se r o principal instrumento de cOl1 tro le e
de manutenção do sistema instiluído, ou seja, de manutellção do
genocídio que tal estrutura reprcse nta. isto sem falar nas própri as
práticas de l~u nho genocida empreendidas por esses sistemas. infut111:Jdos
por um discurso antropológico racista que intensiti ca a sua atuação
destlutiv3 . Tais características são contempbdas contempOfi.lIlCa11lCntc
com toda a clareza: confrontos annados; fuzi lamc nto~ sem proct.! SSO
(muitas vezes inc\uidos em um confro nto simulado): grupos
parapolieiais; torturas; uso abusivo de armamento; violência perpctrada
contra os presos; indiferença a doenças contagiosas contraídas pel os
presos, que morrem sem tratamento: a atuação da polícia urbana. que
"atira primeiro e depois pe rgunta ", no que. muitas vezes seguI.! as
orientações dos próprios chcfc~ de segurança etc. Esse quadro piora
muito mais em tempos de rcpress:io politic,, _ A violência cotil.Han:1 do
sistema pcnal recai sobre os setores mais \·ulneráveis da população,
sendo que. lia América latina, a ss ulllc U11l aspctt n étllicll. "COIllP a
contriIHli..,: .in do sj~tl' l1la pena l p;lra a l'\tiIH•.'i1o dll índin llU \\ lIítidp
predomí nio de negros, Illu!a tps c llll' st iç(lS I".' ntre pn:..::ps l' llH'1 !o:- . "
ZAFI-" A RONL Eugenio RmJI. OJl. ( ·/1. p. 122 .
tol ZAr! '\RON I. FUl!('nin R:llJl . Or. d i . P 123 .
b(o
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1\11 \U"t\J I . l t'pt.·tlip lhúl (),"
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"' ~ ':;
J9
256
JO.t C ARI.OS MOREIRA DA SILVA FILIIO
As agências não judiciais do sistema penal atuam mediante uma
estrutura disciplinar, urna organização militarizada, fato que no Brasil
tomou-se mais palpável com o processo de militarização das polícias
neste século ." Assim, a atuação desses órgãos procura esquadrinhar
lov a a po puh.lç'iio c ma nte r so bre ela a sua presença onipo tente, um
nlhar hierá rq uico, tlue l1 um rrimeiro momento subme te qualquer ind i\'iuualiuade à s ua a utoridade. Essa aut o ridade, ou poder, é I'cc nldescida
por vários fatores c xtcnlOS. tais corno a não-ingerência dos órgãos
j ud ic ia is em muitas questões - o que se faz por motivos politicas, por
tllll ''<.,'(\rpora ti visrno de inérci a", situação em que, visando à manutenção
de c~rto \'tatlls , é melhor "' nâo se meter" - , as campanhas de lei e ordem
L" o ~arc l dos mei os de pro paganda, que a todo o momento exaltam a
at uação po li c ia l c ex ibem , c omo sina l de triunfo sobre a c riminalidade,
urn a pilha de <:ada vc rcs. ·' Nossos sistemas pena is reproduzem sua
cI iell tela por um processo de scleção e condicionamento criminalizantc
que se ori enta, por e stereótipos proporcionados pe los meios de comunioção
massa". 70 Conve ne-se o indi viduo em um " suspe ito profissiona l" . Não é preciso dizer quais seriam as camcteMsticas dessas pessoas:
has icamente pobres, pretos, mestiços e mulatos. A carga estigmática é
tão grande e poderosa que as pessoas que dela são objeto tendem a
introj etar o rótulo que lhes é fixado, principalmente quando se trata de
pessoas carentes, Seu co ntato com o sistema pena1 acaba gerando a
colltinuação do mesmo em outros círculos, o estigma atinge todas as
re lações sociais. Como se não bastasse a estigmatização e a violência,
ex isle uma espécie de efeito regressivo, observa Zaffaroni , resultante do
encarceramento nas prisões, ullla fonna de deterioração do indivíduo,
que passa a não agir mai s co mo um adulto, em virtude das condições às
q lmis t ~ 1Tl de se adaptar. Onvial11(:nlc C'ssa regressão ncaha telldo como
fe ito ulHa maior cficil: l1cia !lU t:lllldiciollurncnto C' na irHl'lljcçiiu do pnpel
de " dd illqlicnle. Ta is e feitos ue dctcrioraçãq do indivíduo objeto do
sistema penal , assinala Za ffa roni, foram confundidos, pelo paradigma
etio lógico. como sendo as "causas do delito" .
/\ lém do proc c!õô ~ o de c rirn ina li 7.8ç,ão , exi ste um " processo de
po licí7aç rl o·' . AlTlbos recaem sohrc as camadas mais carenl es da população. Cria-se um c stc rcútipo do policiul: " violênc ia j usti ceira. solução
dos confl itos sem necess idade de il1tervenção judicial e exccutivamenh: , I!laClti Slll o, scg urílllça, il1di fercll ç':1. fre nle à mort e :llheia, coragem
ue
fi. ,,' ssc' rC'sp l'ito \ ('1
n< m( a,s I !!
110. N:I Sl'Il Os mllil are,l
/lfI
r od,·,., Sã·,! Paulo-
Ac ull'rlli1.:a, 1')1).1.
7 1\F FARON L F u,!!cnio Ib lJ!, 1: 1II 1'1f 1/ '{l elas P('lI fI,~ perelid'l\ : <l perda de It:gi limi ·
II Id, ' th"j~t (' n l:1 1'\'11:11 ! 1:1t! \ ,ll li:1 R Oll u ll" l' rdH'~: ll' l\tI1 ir ! 0 r'\'..: d .1 ( n n c ('i .... :ic ~
. ,
,
"
DA "INVASÃO" nA AMt!RICA AOS SISTFMAS PEN AI !\ DE HOJ E: o n ISCl IR" o. ..
2:" 7
em limites suicidas ( ... ) ser vivo, esperto e corrupto"." A deterioração
desse individuo toma-se óbvia, pois não se espera que alguém possa
agir de forma racional e equilibrada com todas estas "virtudes'. Além
disso, não hã a menor assistência psicológica e educativa para os policiais depois ou antes de enfrentarem e causarem a morte: «presume-se
que o indivíduo deve est:u psicologicamente preparado para tudn isto.
porque o contrário seria impróprio do macho que o poli t' izado ueve
ser"n Esse estereótipo é alimentado não só pelos meios de comunicação
e pela sociedade em geral, mas também está presente nas próprias
academias de polícia. A maioria delas não possui, em nenhum momento
de seu curriculo, alguma menção a direitos humanos. incenti va -se a
postura violenta e combativa dos futuro s policiais.
O sistema penal, por gerar continuamente o antagonismo c a co ntradição social, contribui dccisivamente para o enfrnquecimento e a dissolução
dos laços comunitários, horizontais, afetivos e plurais. Os processos de
deterioração examinados acima colocam como inimigos em potcnf: ial
pessoas que pertencem às mesmas camadas sociais e econômicas.
Quanto maiores e mais graves forem nossos antagonismos internos. maior será o condicionamento verticalizante transn acionalizado
e menores sérão. portanto, os laci de poder capazes de orcrecer
alguma résistência ao projeto tccnoco lonialista. Uma sociedade
verticali7.ada constitui, obviamente, uma sociedade ide.ll para ser
mantida sempre dependente, impedindo-se qualquer tClltati va de
aceleracão histórica, enquanto uma sociedade que equi libre relações de verticalidade (autoridade) com rclaç(ícs de horizontalidade
(de simpatia ou comunitária) apresenta-se mais resistente 'à dOllliIHH,:50 neo ~ tcenoclll onial. n
" c(llIIUllidndc l! Uf1\:1 rorma de resi stê ncia alltkull,)(\i:lIi ~ la, pni s
quem se :.!podem úe um plldcr \'l.' 11icalí7:.!do disp ik apenas lk t1Ill d o~
centros de poder. Aliás, esse tipo de orga ni zação já não era bCIll- vinua
desde o século XVI. Foi lembrado o fato de que, 110 discurso de G ines
de Sepúlveda, por ocasião do debate de Valladolid, em 1550, o fil óso fo
acusa u fonna etc vida comunitárin dos (nuios como UIll sina l dr se u
" primitivismo" e de sua ·<inferioridade". Também constato u-se que
esse tipo de organização~ que perdura no mundo hod ierno entre os
indígenas, revelou-se como uma fo rma de resistência à acultu ração d l~
que foram vitimas. Contemporancamente, mantém-se o plano comunitári o e hor izontal ~m um ní vel de margina lização. O espaço p úb lic: o é o
--Z A FF ARONI. Eugenio R,út 01'. ri f,. p, J8.
71
N I. Eugenio Raú l. O". cir"
-' 1, Z AF FI\\ RO
I ,~ I ) l\J1, h l~tC Il !P H:lIIt ' 'rI (-ii
í' " I
p 140 .
I I ~ I I !,
"
j3
DA "INVASÃO" OA AMtRICA AOS SISTEMAS PENA IS DE flOJE: O DISCURSO.
JOst CARLOS MOREIRA DA SILVA FILIIO
258
259
A
lu gar da estatística ; a~ rcssoa~ não se reconhecem como pessoa!;, mns
sim como núme ros e como aulo ridades. No âmbito dos novOS movimenlos sociais. que passaram a ser caracterizados a partir da década de
70. do século passado. ocorre algo diferente e perigoso (para os controle, c Clllrnis . é cl aro ): as pessoas c ri a m uma identid,1(le comum, em
virtud e de sua situação de cxclusfio, e se reconhecem no espaço público
C0 ll10 pessoas. com problemas. qualidades e aspirações; tomam-se
74
\' ~ rd a d cir(ls suje itos . com voz própria.
H.
('ONCI.1 ISÃO
Deparando-se com todos os problemas enfrentados hodiemamentc
pela América La tina, pode-se facilmente indagar até que ponto vive-se
c m uma "sociedade às avessas", como assinala Las Cas..1.s; ou em tlm3
U
" sociedade melada'\ no dizer de Bruit; uma Hsociedade marginal na
o bservação Zaffaroni. ou. ainda, como quer Oussel, em lima sociedade
na qual ocorre o "ocultamento do outro" .
Para se entender melhor o que Bartolomé de Las Casas chama de
" soc iedade às avessas". necessário é tratar o pensamento político do
frei dominicano. c ujas idéias nesse campo ~uperaram as de seus
rontemporâneos. a lém d e anteciparem muitas considerações
libertárias da teoria política moderna . O bispo de Chiaras, bem C0l110
os demais pensadores de s ua época, foi influenciado pela corrente
filosófica que vai de Aristóteles a Santo Tomás de Aquino. Em um
primeiro momento, a teoria aristotélica era malvlsta na E uropa, pois
constituía numa ameaça à visão agostiniana de mundo, então dominante. Enquanto para A ristóteles a sociedade civil era uma criação
humana direcionada ao pró prio homem, para Santo Agostinho era
ape nas uma transição para a vi da eterna.
Obviamente. não roram as idé ias de Aristóteles acerca da escravidão
que inlluenciaram Las C asas (como se sabe, quem foi influenciado por
estac; idéias fo i (iincs de ScplJlveda). A parte do pensamento aristotélico
que influenciou o padre dominicano foi aquela q ue dizia respeito à
~lIhllli ssão de touas as coisas ao desenvolvimento da natureza, encamiII balldo-se para a perfeição <,"to lógic3, incluindo-se ai o próprio homem,
' 11!1'. <,l'll dq II!II :\lli rll :1I I'"li ti ,·p . 11'f"ia o q'U prnf!J"es<;' (I p: \ra :1 jll"tiça e ~
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S:It' I':wln : Alf:.J-() l nq! ;!, ll}lM, p . 10 /· 153;
....;( ' I I I A J I I N 1<)1{ . JI''''; I il" .ll ,h' ,te. /'I.l ~\\ iment l )" .. oe iai.; Clm" ~1-'II ,:ja de- Iltl \'\\!>
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felicidade dependente desse curso natural de todas as coisas. Para Santo
Tomás, natural seria aquilo comwn a todos os homens, seria a CSSl:lll' Ül
da espécie humana. Nessa idéia Las Ca<;aS baseou o princípio da igua ldade
entre todos os seres humanos, sem importar seu grau civilizatório. Além
disso, partindo da clássica hie rarqtJia das Icis proposta por Santo TOlllós
de Aquino, o rrei entende que a lei natuml seria ditadfl pelo pr(lpriu
intelecto hwnano. seda a sua manircstação justa de racionalidade. Tal
entendimento seroÍ usado para just ificar a legitimidade das sociedades
politicas dos índios, criada a partir da própria vontade justa e reta ra zno
dos mesmos. Para Francisco de Vitoria, no entanto, a sociedade seria
uma cri:u;flo dn vo ntade divillO, () que p(.~ rt1titia t'Ollsidl'rnr :1 :-;\li,: i ed:II!t,
indlgenu como pré-politica. po is não cl."hceia Ueus.
O tomismo, no século XVI. fazia parte de wn escolasticislllo não
ortodoxo, surgido em virtude da emergência do luteranismo e do pensamento maquiavélico. considerados pela igreja ameaçadores à sua 1110ral.
Assim, dizia-se em ,c ontraposição a Lutero. para quem todas as leis
vinham diretamen!e de Deus, que uma coisa era a lei dos homens. e outra
era a lei divina. Aquela só estaria vinculada a esta por intennédio da lei
natural. e não diretamente, como queria Lutero; a partir dessa constatação. para se chegar a tUna idéia de consenso necessário ent re 05
homens era apenas um passo. Tal conclusão foi acatada em parte por
Molina. Suárez e Vitoria, componentes da Escola de Salamanca. mas lo i
Bartolomé de Las Casas quem desenvolveu esse entendimento às últimas
conseqüências, superando o pensamento de seus contemporâneos. afirmando que o domínio espanhol sobre a América não era legitimo, pois
não estava apoiado no conSf"IlSO dos índios. Enquanto Vitori fl e Suárez
partiam da idéia tomist.. de que o povo, quando elege um soberano,
aliena sua soberdOia, Las Casas, partindo de Bartolo de Sassofe rrato, um
pensador italiano da baixa idade média. afirma que o povo apena , a
delega. que continua sendo o detentor e o titular do poder.
Naturalmente, o poder de Castela sobre o «Novo Mundu" c!'ta\õl
fundado na concessão papaL Para Las Cosas, isto significt\\·u 1I11-.! (l
poder c~piritual era mais valioso e maior que o temporal, e que. antes
de esta r fundado no Papa, que era só um representante de DeliS, estava
alicerçado no direito natural, em Deus e no povo. Ou seja, o poder
politico da Espanha só poderia ser exercido sobre a Américà se esta
antes se cncontras<.;c sob o domínio espiritual da Igreja, domíllil\ l'sse
que deveria passar so b o consenso indíge na. Afirma Las Casas cm S t\;l
Treil1(//
!H '( '!JOs icifJlles 111U.I· . illridh 'U ~. :
Todo~
os reis c senhores nawr.,is, cidades, comun idade:' l' pm l\S
dl' ( ·a.;I,:I:, l'11I H , '
, I' tOtH' lil" í ll din s "ij p nbt i.l!:u l p'; :11C(") lIh cc ('r p <;, r ci ...
~
260
Jost CARLOS MOREIRA DA SILVA FfL.Ht)
DA "INVASÃO" DA AMtRICA A OS SI5TEMA~ PENAIS DE IIOJF: O DISC'lJR<:;n .
universais e soberanos senhores e imperadores da forma dita,
depois de ler recebido. por sua própria e livre vontade, nossa santa
fé e o sacro batismo, e se, antes que o recebam, não o fazem e nem
querem razê-Iu. não podem ser punidos por nenhum juiz ou justiça. 7S
A lei era essencial ; para Las Casas, deveria identificar-se com a
justiça, como defendia Domingo de Soto. Os homens estavam submelidos à lei, mas s6 porque ela era produto da vontade coletiva. Discursa
Las Casas no tratado De Regia Potestade:
Toda Autoridade püblicó1, rei ou governante , de qualqu er reino {HI co ~
lIlunitlade polflica, por ~ob('rano que seja, nrio tem liocrt.!:u,k "L'1I1
pode r para mandar nos cidauiíos arbitrariamente e ao capricho de sua
vontade. senão de acordo com as leis da comunidade política. É
assim que as leis deve m ser promulga.das, pam promover o bem-estar
de todos os cidadão ~ c nunca em prejuízo do povo. Devem ajustar-se
ao interesse público da comunidade, c não ao contrário, a cOlllunidade, às leis. Portanto, ningu ém tem poder para estabelecer coisa alguma
que prejudiqUe" o povo. O rei ou governante não manda sobre os súdi~
tos na qualidade de homem, senão como ministro da lei. Assim. não
é dominador, mas administrador do povo por meio das leis. Levam o
título de reis, porque curnprem as leis em consciência , mandando o
que é justo e prbibindo o que é injusto; e, assim, os cidadãos são
livres porque nâÓ obedecem a um homem, senão à lei.17
A.lém dis so, contrariílmcnte ao que pensavam muito!\ padres e
uou trinadores. para o paure dominicano Q e vangelização, conforme .
cxplessa em DeI tínico modo, deveria ser sutH, delicada, compreendida
pelos destinal,'u-ios da mensagem, adorada por eles, deveria respeilar o
direito natmal dos índios corno pessoas livres e soberanas.
!léctor Hern3n I3n.il defende a tese de que Las Casas, partindo da
Icoria de lJartolo sobre a plurafidade de autoridades políticas soberanas,
defendia uma relação federativa entre Castela e os reinos indigenas,
pe la qual ao reino espanhol caberia (I poder centrdl. "las sem outonomia para intervir na jurisdição dos governantes indígenas (estes só
deviam pagar um tributu de forma indireta, isto é, ao seu príncipe, que
depois prestaria contas à Castela). Tal relação federativa passaria a
existir depois de um Tratado. Contudo. nesta idéia de federação permanece uma inconsistência com o futuro perspectivismo religioso de Las
Casas, pois o dominio absoluto ainda seria Ja religião cristã, personificada na figura do Papa . Mas sabe-se que para o dominicano cbegar à
inovação do pcrspectivi smo tcve de passar por um longo e peno!=Oo
processo de desilusões e lutas.
I
Diante da pouca eficácia da praticidade de suas idéias, que resultou,
e nlre outras coisas, na criação de uma legislação de proteção aos
índios, como as Leis de Bllrgos, de 1512, e as Leis Novas, de 1542,
escreve o bispo de Chiapas cm sua obra Los /eso/'Os dei Peni:
Ne nhum rei. senhor, povo ou pessoa privadn ou parlicular de todo
aquele mundo das (ndi as, desde o primeiro dia de sua descoberta
até o dia de hujc, 30 de agosto de 1562, reconheceu nem aceitou de
maneira verdadeira. livre e jurIdica. a nussos inelitos reis da Espanha
como senhores e superiores, nem aos delegados, caudilhos ou capitães
enviados cm nome do rci , e a obediência que até hoje lhes têm
prestado e agora prestam. é c !'cmpre foi involuntá ria e coagida .16
Ressalte-se aqui que uma lei que não contemplasse o bem da
comunidade não era consideruda como tal pelo padre dominicllno. No
entanto. para Santo Tomás c Franci sco de Vitoria, o rei nfio c~tava
obrigado a obedecer a lei.
Para Las Casas. o bem comum não era um conceito abstrato, ele o
entendia como a necessidade de dividir as tarefas produtivas. incluindo
• funcão de governar 3 comunidade. A idéia do bem comum como a
finalidade de governo e de convívio social veio, no pensamento
Jascasiano, de Remigio de Girolami, pensador do século XI V. Com
relação às idéias políticas de Las Casas, di z Bruit:
Em Algunos principios, outro dos grandes tr<1tados. o domin icano
discute o pacto politico entre governantes e governados. O I'm'O
delega a soberania ao rei, para que este governe em função d{l hCIll
comum. finalidade que autoriza o governante a ditar leis que podem limitar os direito~ indi viduais, mas nunca os direit os colcti\'os
( ... ). As preocupações de Las Casas com as liberdades públ icll:-: l'
ind ividuais, C<lm os 1i.IIHJ::unclll os jurídicos da ~oc i eda d(' Ql1l' "l' pr·
gilniz<Jva. C01l1 (} desejo tk Vl'r n.1 Ámêrica IIllla Socil'dadc til' din.:ito
I! just iça social, de res peito aos direitos hum:mos, Ç0I1fi!~ur:l :-: ua
\'i~fio dos destinos do co ntin en te.'"
O poúer espa nho l não era leg it imo. nào estava apoiadu no consenso
dus pO\iOS ind íge nas. A obediêlH:ia roi im postâ pela rorÇa , Ilfio havia
\ t'r dadciTíllllcntc direito.
" ,
-, BRU I r. Il éclur Ikman . [J(/f'(nlol/lc! de LLl"; Cosas e a .çimu/açc1o dos ~'eltcidos-.
l'nsaio sobre a conquic;l<l lmp;i nica d.1 AI11i.!r ica . Camrina s: t Jr ,;çamp: São Paulo:
Iluminuras. jQ95. p 102
I',!'t ' !! I l(-lI"l 11" 111111 f ' I" 'r ti 1111
261
17
~~
BR UIT, l1éclor Bernan. 01'. di .. p. 10 6 ~ I 07.
mn ' lf . lliT!Or ll{'rn:m. O" ,il.p 10~ I (lI) .
JOSE C'ARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO
262
DA: lNV ASÃO" DA AMERlCA AOS SISTEMAS PENAIS DE BOJE, O DlSC'URSO...
263
;
Assim, para Bartolomé de Las Casas, uma verdadeira sociedad<! ,
constitula-se sobre esses princípios, em que a sobemnia e a dignidade
do Indio, enlim. a sua própria conrução de sujeito, eram respeitadas. O
frade, ao relatar a destruição das ln ruas, alertava para um perigo que se
projetava no futuro: a constituição de uma "sociedade às avessas". No
entanto. confonnc cham a a atenção Bruit, ele apenas viu ou qui 5 ver
um dos lados da moeda na construção dessa sociedade invertida: a ação
dos espanhó is . Não levou em consideração a ação velada dos índios, a
"meJação" da nova sociedade. Mas, apesar disso, ao vislumbrar a
existência de urna sociedade que não pôde vingar por não estar fundada
no consenso dos índios, o dominicano acabou colocando os ameríndios
co mo causa central do fracas~o da nova sociedade, fracasso que ficou
explíc ito não só na falta de diálogo e entendimento entre índios e
europeus, mas també m no mau governo e na corrupção que .tomou
conta da colônia, caracteristica anotada por quase todos os cromstas.
Tais conceitos de "sociedade às avessas" e "sociedade melada"
vêm desembocar tanto na idéia de " ocultamento do outro" , do "ser"
latino-americano. de Dusse l, quanto na idéia de "marginal", em
Zarraroni ." O penalista argentino enuncia quatro concepções do termo
aludido que se complementam, formando urna ideol~gia .de ex~lus~o.
"Margi nal", primeiramente, refere-se à nossa localrzaçao perr~érr~a
no poder planetário ; depois. di z respeito à relação de dependencta
com o poder central; também se reporta à imensa m~io~ia?a pop~lação
latino-americana, à margem do poder e vitima da vlolencla do sIStema
penal; por fim. indica a configuração cultural de "marginalização",
imcrsa em um profundo sincretismo e fabricada pelos processos de
colonização. Um dos piores efeitos dessa configuração. observa
Zarraroni, é a estigmatização de
qualquer pcnsamento contra a maré na região marginal como me io
de se evi tar a contaminação e de se ganultir a aprovação dos controles
de qualidade das agências centrais. Portanto. a dificil situação gerada por este pensar conlnJ a maré marginal produz. freqüentementc.
uma vertigem capaz de leva r os autores de esforços desta natureza a
se apegarem a posições completamente nnlagõnicas e negadora~ das
NII
próprias ha~cs úe se u pcn..,nmcnto mais produtivo.
Para o autor de F.m busca das penas perdidas, a garantia de que o
IH,,'Il<.;a lllcllto prndulivo nfin
<;1.'
perca
IH1
vt!r1igcm é tl sua fUlldamcnt'H;ão
'" 7.;\r~ARüN I . EUl!c!l i\, Raú1. fl/lll/l~('fl da.~ pl'nm perdida,s: a perda d~ lcgit.i rn i(!:Ide do sistl'!lI;! penal. Tr:,tI. V:\1!i~ t~Olll;l1H\ Pt.>dro'íJ c '\,mr I 0lh'~ d:1 (onl'e'r çilo.
1" ,,1 1. 1' 11'.'!!I'
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11)111
"
11, 1.111('
na pessoa. na vida humana como valor ôntico. Nesse sentido. o próprio
Zaffaroni observa o seu distanciamento do pensamento de Foucault, na
medida em que configura posição central ao homem, e não o considera
um mero produto do poder. despido de sua condição de suje ito
pensante. Esse tipo de critica que se faz ao pensamento de Foucault,
isto é, de que o poder, na sua concepção. seria uma espécie de "ser
etéreo", despersonalizado, dá margem a muitas polémicas. que aqui
não se dispõe de espaço para aprofundar. De qualquer fonna, chamando a atenção para a urgente necessidade de neutralização do
sistema penal como executo r de práticas genocidas-coloniali stas,
bem como propondo um no vo pape l à crimillOlogia, qual seja, o de
instrumentalização da decisão po litica de salvar vidas humanas e de
diminuir a violência política em nossos países, Za ffaroni fiTl t:a o pé
no valor vida e no valor human idade.
Com as reflexões presentes neste texto, desejou-se chamar a atenção
para a correlação entre: o genocídio tisico e cultural da colonização
americana (em sentido afTlplo), tendo-nos detido mais no primeiro
pedodo, em virtude do direcionamento que este imprimiu para os
pedodos subseqüentes; o sàber antropológico de cunho racista que se
implantou no espaço colonial, servindo de fundamento à disciplina da
escravidão. e que permanece até hoje. informando a disciplina dos
sistemas penais latino-americanos; e. por fim. a prática violellta ('
genocida do modelo penal latino-americano.
Enfim, como resultado dessas correlações, percebe-se que, enquanto
na América Latina persiste a desconsideração pela imensa maio ria da
população miserável e oprimida, continuar-se-á sob a vigência de uma
sociedade às avessas, em que o "outro" não tem espaço na "comunidnde de comunicação ideal", cm q ue ri alteridade latino-amei icana é
encoberta por uma cultura eu rocentrista, nossa herança indígena é
ignorada, espezinhada por uma conliguração cultural de marginalização. É importante ter consciência de todos esses processos . po is só
assim sr poderá atingir uma Utransmodemidade" um "sétimo sol" em
que não mais brilhe o vil metal, mas sim a vida humana. o amor pelo
próximo e pelo di"""le.
I
9.
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