BARRIGA DE ALUGUEL ENTRE CASAIS HOMOAFETIVOS: COMO

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BARRIGA DE ALUGUEL ENTRE CASAIS HOMOAFETIVOS: COMO
BARRIGA DE ALUGUEL ENTRE CASAIS HOMOAFETIVOS: COMO
O DIREITO BRASILEIRO E A BIOÉTICA REAGEM A ESSES CASOS?
FONSECA, Nadja Santos da1; WOLTMANN, Angelita2
Resumo
O presente artigo trata da união homoafetiva no que concerne ao direito desses casais
formarem uma família com filhos, sejam eles gerados por barriga de aluguel, ou no caso de
casais femininos, o direito de uma das companheiras gerarem a criança com o óvulo da outra.
O direito decorrente dessas relações homoafetivas sofreu e vem sofrendo grandes mudanças
no Direito brasileiro, notadamente em relação ao Direito de Família. Esses pares clamam por
leis e direitos e, frente às omissões legislativas e ao avanço da biotecnologia, é o Poder
Judiciário e a Bioética que têm se encarregado de debater o problema e solucionar
controversas em casos concretos que chegam aos tribunais, de forma positiva, no sentido de
efetivar direitos desses casais homoafetivos.
Palavras-Chave: Barriga de Aluguel. Casais homoafetivos. Direito. Bioética.
Abstract
This article deals with the union homoafetiva regarding the right of these couples form a
family with children, whether generated by surrogacy, or in the case of female couples, the
right of one of the partners generate the child with the other egg. The right arising from these
relationships homoafetivas suffered and has undergone major changes in Brazilian law,
especially with respect to family law. These pairs clamor for laws and rights, in the face of
legislative omissions and advancement of biotechnology, the Judiciary and Bioethics who
have taken it upon themselves to discuss the problem and resolve controversial in cases that
come to court, positively, in the sense effect of these rights homosexual couples.
Key-words: Rental belly. Homosexual couples. Right. Bioethics.
Introdução (com Revisão de Literatura)
O presente artigo visa verificar a possibilidade dos pares homoafetivos se tornarem
“pais”, seja por uma barriga de aluguel ou até mesmo os pares femininos de gerarem seus
próprios filhos. O problema de pesquisa trabalhado centra-se em como o Direito brasileiro e a
Bioética reagem aos casos de barriga de aluguel por casais homoafetivos. A hipótese, por
conseguinte, é de que é possível, através de uma interpretação concretista, seja pelo Direito
1
Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ).
Doutoranda em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Acadêmica do Doutorado em
Ciências Jurídicas Universidade de Buenos Aires (UBA).
2
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(via legislação, jurisprudência ou resoluções) ou pela Bioética ampliar a expressão “família”
para fins de concretização de direitos fundamentais. Destaca-se a mudança na concepção de
família constitucionalmente protegida, o que hoje trouxe importante evolução jurídica ao
romper com paradigmas de uma sociedade patriarcal, já ultrapassados. Assim, o objetivo do
presente artigo será examinar as possibilidades de gerar filhos através de uma barriga de
aluguel e os limites dimensionados pelo Brasil, contando um pouco de como o nosso
Judiciário e a Bioética vêem esses casos.
Trazer à baila este assunto é de suma importância, uma vez que o Direito, e porque
não dizer o Direito de Família, vem sofrendo mudanças significativas no que diz respeito aos
Direitos dos casais homoafetivos. A sociedade transformou-se e, aos poucos, exigiu uma
resposta do próprio Estado, já que o direito a liberdade, tal como concebida na Revolução
Francesa, em 1789, já não é suficiente para desintegrar as desigualdades. Faz-se necessário
uma revisão nos conceitos e concepção de direitos, e, para tanto, nenhuma outra disciplina se
presta mais do que a Bioética.
Para que o problema de pesquisa fosse desvendado, foi preciso dividir o artigo em
algumas seções. Trabalha-se a Família, desde a união civil até o debate sobre a união
homoafetiva, para, posteriormente, à luz da Bioética e do Direito, abordar o cerne da temática,
qual seja, o útero (ou barriga) de aluguel para casais homoafetivos, seja via fertilização
assistida ou outros métodos.
Com relação à definição de um conceito para família como instituição, há
pluralidade de conceituação, não apenas em decorrência de ser ínsita a uma série de ciências
humanas, como também no universo jurídico, pelas aludidas modificações a que está sujeita.
Sofreu e vem sofrendo profundas mudanças no seu tempo, implicando uma alteração de sua
noção.
A maioria dos estudiosos do tema é uníssona em considerar a família como célula
básica da sociedade, razão pela qual há uma urgência em conceituá-la e apontar as suas
espécies. O Direito de Família estabelece um tratamento diferenciado às pessoas, e isto por
diversas razões, dentre as quais, a circunstância de ser a família o primeiro ente coletivo no
qual a pessoa se insere e deve passar a conviver de maneira grupal.
A conceituação de família oferece de plano, um paradoxo para a sua compreensão. O
Código Civil, não a define. Como regra geral, porém, o Direito Civil apresenta uma definição
que considera membros da família pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco.
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Dessa forma, Rodrigues (2004, p.6) expõe que a família se apresenta como “instituição que
surge e se desenvolve do conúbio entre o homem e a mulher e que vai merecer a mais
deliberada proteção do Estado, o qual nela vê a célula básica de organização social”. Neste
contexto e tendo assim como fonte essencial, o art. 226 da Carta Magna de 1988, em seu
parágrafo 4º, destaca: “Entende-se também como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais ou seus descendentes”.
O que prevalece no direito de família é seu conteúdo personalíssimo, focado numa
finalidade ética e social, direito esse que se violado poderá implicar na suspensão ou extinção
do poder familiar, na dissolução da sociedade conjugal, ou seja, propriamente nos direitos
exercidos pelos membros de uma família na sociedade. Maria Berenice Dias (2009, p.35),
bem destaca que:
O direito das famílias, por estar voltado à tutela da pessoa – é personalíssimo, adere
indelevelmente à personalidade da pessoa em virtude de sua posição na família
durante toda a vida. Em sua maioria é composto de direitos intransmissíveis,
irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis.
O Direito, não regula sentimentos, contudo, dispõe sobre os efeitos que a conduta
determinada por esse afeto pode representar como fontes de direitos e deveres, criadores de
relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas ingressando no
Direito de Família.
O conceito de família é relativo, altera-se continuamente, renovando-se como ponto
de referência do indivíduo na sociedade e, assim, qualquer análise não pode prescindir de
enfocar o momento histórico e o sistema normativo em vigor. A família é uma realidade, um
fato natural, uma criação da natureza. Hoje, nesta nova visão de família, que já não é aquela
formada apenas pela celebração de um casamento entre homem e mulher, mas sim uma
família marcada por laços de afeto e valores mútuos.
Durante muito tempo viu-se no casamento – ou união civil - a única forma de
constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais ou menos estável,
traduzindo essa posição em nosso Código Civil do século passado, persistiu por tantas
décadas em razão de inescondível posição e influência da igreja católica.
Essa oposição dogmática, em um país no qual largo percentual da população é
historicamente formado de uniões sem casamento, coube à doutrina, a partir da metade do
século XX, tecer posições em favor dos direitos dos “concubinos”.
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Advirta-se de início que contemplada a terminologia união estável e companheiros
na legislação mais recente, a nova legislação colocou o termo “concubina”, na posição para
as quais há impedimentos para o casamento.
Isso fica muito claro, quando se observa, no art.1727, do Código Civil de 2002:
Art.1.727: “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato”.
A união do homem e da mulher preexiste à noção jurídica. Possuí as características
de um acordo de vontades que busca efeitos jurídicos.
Nessa discussão, o art. 226 da Nossa Lei Maior, de 1988, em seu parágrafo 3º, traz
elencado que a família é à base de tudo, reconhecendo como união estável a convivência de
homem e mulher sob o mesmo teto e convivendo como se marido e esposa fossem. Assim:
“Art.226º §3º Para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem
e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Há, portanto, um sentido amplo de união, desde a aparência ou posse de estado de
casado à notoriedade social.
Ainda neste campo, embora não mencionados em nosso ordenamento, há as relações
ou uniões homoafetivas, fenômeno importante no campo do Direito de Família moderno.
Assim dita, Girardi (2005, p.50):
[...] com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que as necessidades
humanas no plano da realização da personalidade e, em decorrência disso, da
sexualidade, não são isonômicas, e que as uniões homossexuais vão além do simples
fato de se constituírem por pares de mesmo sexo, pois são uniões que têm sua
gênese no afeto, na mútua assistência e solidariedade entre os pares e, dessa forma,
não seria mais possível se deixar de reconhecer efeitos jurídicos para esse tipo de
união.
Nesse sentido a união civil é um fato jurídico, qual seja um fato social que gera
efeitos jurídicos e ainda significa dizer, o reconhecimento da singularidade do potencial
humano, na medida em que todas as pessoas merecem o tratamento de liberdade, igualdade e
dignidade da pessoa humana.
Em nenhum outro ato da vida são necessários tantos formalismos e solenidades como
no casamento. De qualquer forma, durante muito tempo o casamento era a única forma de
constituir família. Porém, como já dito, o art.226 da Constituição Federal de 1988, parágrafo
3º protege a união estável entre “homem” e “mulher” como entidade familiar. E mantida
também pelo art. 1.723 do Código Civil de 2002: “É reconhecida como entidade familiar a
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união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
A regulamentação das relações familiares no âmbito do Direito de Família vem
sofrendo uma série de alterações nos últimos tempos fruto de profundas mudanças sucedidas
no seio da sociedade mundial, bem como do desaparecimento de determinados dogmas e
princípios antes considerados inabaláveis. A homoafetividade é uma dessas mudanças.
Buscando outorgar direitos a essas uniões, o Estatuto das Famílias (VENOSA, 2009, p.416)
dispõe expressamente acerca da união afetiva:
Art.68 É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas do mesmo
sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com o objetivo de
constituição de família, aplicando-se, no que couber às regras concernentes à união
estável.
Parágrafo Único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se:
I. Guarda e convivência com os filhos;
II. Adoção de filhos;
III. Direito Previdenciário;
IV. Direito a herança.
Neste aspecto, há de se convir que uma relação não discriminada, mas que se torne
pública e protegida por lei, leva as pessoas com esse tipo de orientação sexual a assumirem
assim, um compromisso, saindo da clandestinidade e angústia que essa possa lhe causar.
Em resposta a esta questão, registra-se o reconhecimento do casamento entre pessoas
do mesmo sexo no Brasil, desse modo concedendo aos parceiros direitos e deveres
semelhantes ao casamento. Segundo o Supremo Tribunal Federal (2011, [s.p.]), “[...] O sexo
das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica [...].”
As uniões do mesmo sexo agora se utilizam das disposições de diversos princípios
constitucionais e à ausência de legislação proibitiva no Brasil, com o advento da Resolução
175 de 14 de maio de 2013, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou
de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. Negar aos casais
do mesmo sexo o acesso ao matrimônio e a todos os seus benefícios legais conexos representa
uma discriminação baseada na orientação sexual.
Outros argumentos para o casamento do mesmo sexo são baseados no que é
considerado como uma questão de direitos humanos universais, preocupações com a saúde
física e mental, igualdade perante a lei e o objetivo de normalizar as relações homoafetivas.
Segundo Venosa (2009, p.209): “O parentesco é o vínculo que une duas ou mais pessoas, em
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decorrência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um genitor
comum”.
As famílias homoparentais são uma das possibilidades de construção familiar atual,
possível de viver em sociedade. Essa noção fica ainda melhor definida nas palavras de Farias
e Maia (2009, p.68): “O conceito de homoparentalidade diz respeito à capacidade de pessoas
com orientação sexual homossexual exercerem a parentalidade”.
Dessa forma, descreve Zambrano (2006, p.10) que: homoparentalidade é um
neologismo criado em 1996 pela associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas (APGL),
em Paris, nomeando a situação na qual pelo menos um dos adultos que auto designe
homossexual, é (ou pretende ser) pai ou mãe de,pelo mínimo uma criança.
O uso desse termo nos transfere à orientação sexual (homoerotismo) dos pais,
associando o mesmo aos cuidados com os filhos (parentalidade).
O seu emprego se justifica pela necessidade de colocar em evidência uma situação
cada vez mais presente na sociedade atual, nomeando assim um tipo de família, dando a ela
sua real existência.
No âmbito das relações de parentesco e a consagração do princípio da igualdade
entre os sexos, não seria possível manter o sistema de proteção da pessoa dos filhos baseada
em critérios discriminatórios de gênero, tendo sido alterados as regras relacionadas à matéria,
conforme elencado no art. 226 da Constituição de 1988, parágrafo 5º: “Os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
Negar a este novo molde familiar os laços de parentesco é negar a existência de um
vínculo entre seus membros e a diversidade de expressão adotada na contemporaneidade.
Assim, é claro que os casais do mesmo sexo, sejam homens ou mulheres, devem
também gozar dos direitos reprodutivos, seja de maneira natural ou artificial. Por isso, debatese tanto na Bioética3 quanto no Direito à questão da barriga de aluguel a tais casais.
Metodologia e/ou Material e Métodos
Para a elaboração deste artigo foram usadas fontes bibliográficas4, documentais e, de
modo exemplificativo, notícias retiradas dos meios de comunicação, visto que o assunto é
polêmico e ainda não há definição legal no país.
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Bioética é o estudo do comportamento moral do homem em relação às ciências da vida. (CONTI, 2004, p.5)
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Cabe salientar que a pesquisa é qualitativa e exploratória.
Resultados e Discussões
Antes de trazer exemplos e opiniões de juristas e bioeticistas sobre o tema, é
necessário dar ênfase para a Fertilização Assistida, Barriga de Aluguel ou Útero de
substituição.
Reconhecidos os casais homoafetivos como entidade familiar, a Resolução 175 de 14
de maio de 2013, além de conceder aos parceiros direitos e deveres concernentes ao
casamento, também prevê o direito a fertilização in vitro e barriga de aluguel.
As transformações por que vem passando a sociedade e a descoberta das técnicas de
reprodução assistida, especialmente o da fertilização in vitro implica, necessariamente, uma
nova visão da família, com a reformulação dos conceitos de paternidade e maternidade.
Salienta-se que a Reprodução Assistida nada mais é que técnicas pelas quais é
possível auxiliar na reprodução humana, como descreve Badalotti (2013, p.1): “Entende-se
por Reprodução Assistida (RA) o conjunto de técnicas laboratoriais que visa obter uma
gestação substituindo ou facilitando uma etapa deficiente no processo reprodutivo.”
No Brasil, a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, após 18 anos de
vigência, recebeu modificações relativas à reprodução assistida, o que gerou a Resolução nº
1.957/2010, que substitui a primeira“in totum”, isto é, vedou a resolução de 1992. Vale
destacar que ambas as resoluções, reconhecem a infertilidade humana como um problema de
saúde e as principais mudanças entre estas são nas suas terminologias, quais sejam:
- as palavras “reprodução humana” substituíram as palavras “infertilidade humana”;
- não são mais usuários de RA e sim pacientes da RA;
- o “casal infértil” se tornou “toda pessoa capaz”.
- receptora “não deve” [...] para a receptora “não pode” [...]
A grande novidade da Resolução, é que agora qualquer pessoa, não importando se
heterossexual ou homossexual, solteira ou casada, se portadora de infertilidade/esterilidade ou
não, pode procurar uma clínica de RA e se submeter aos tratamentos para engravidar, gestar,
parir e criar uma família.
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Podem-se citar alguns autores como: Venosa, Mariana Farias, Ana Cláudia Maia, Maria Claudia Crespo
Brauner e Maria Berenice Dias, que defendem a causa dos pares de casais dignamente.
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Assim nesse complexo de fatores, manifesta-se independentemente da orientação
sexual e representa uma das melhores maneiras que se tem conhecimento desse indivíduo
realizar-se como ser humano e estabelecerem-se no contexto de seus relacionamentos sociais,
ressaltando a possibilidade da busca pelo desejo de se tornarem pais e mães, pois várias são as
evidências que apontam para a igual habilidade de conduzir a educação de uma criança.
No Brasil, não há legislação regulamentando a utilização das técnicas de reprodução
assistida e tampouco as suas consequências no Direito de Família, apenas a Resolução acima,
que constitui único ato normativo a critérios éticos, que serve de mera orientação, mas não
têm força de lei,uma vez que esta é uma resolução administrativa e decisões judiciais5.
O art. 1.597 do Código Civil de 2002 insere, de forma tímida, três incisos para
estender o manto da presunção pater is est, a alguns casos de utilização de técnicas de
reprodução assistida, mas, vale salientar que referidas normas não regulamentam qualquer
técnica. Assim:
Art. 1.597 Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I. Nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II. Nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III. Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.
Todavia, especialmente o inciso V, do já referido artigo, é bastante inovador, ao
prever a inseminação heteróloga, ou seja, com a utilização de esperma de doador, desde que
haja prévia autorização do marido, como se descreve: “V - havidos por inseminação artificial
heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.
Entende-se que, in casu, se trata de presunção absoluta por configurar verdadeira a
paternidade socioafetiva e vários estudiosos do assunto admitem o uso da analogia para
ampliar o âmbito de incidência da norma para alcançar os casos de fertilização in vitro com
utilização de sêmen de terceiro.
Na ausência de norma legal a respeito, lança-se mão da Resolução nº 1.957/10, do
Conselho Federal de Medicina como parâmetro moral e ético para dirimir eventuais questões
surgidas com a prática de alguma das técnicas de reprodução assistida. A propósito, a
Bioética tem a função de debater e auxiliar o Direito em tais casos.
5
Projeto de Lei 1184/03- Semelhanças e divergências entre a resolução do CFM e o PL. nº 90/99(Substitutivo)
- Proíbem a “Barriga de Aluguel”.
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Neste contexto, sendo a bioética uma ciência que visa estabelecer um elo entre a
conduta humana e a ciência (saúde, ética e moral) e tendo seus princípios fundamentais
alicerçados em quatro (4) Princípios basilares, descritos por Martins (2008). Destaca-se que,
ainda, o exposto por Brauner (2003, p. 51-52):
[...] os recentes direitos sexuais e reprodutivos reconhecem o direito das pessoas de
organizar sua vida reprodutiva e de buscar cuidados científicos para solução de
problemas com sua saúde sexual e reprodutiva. Desse modo, deve ser considerada
legítima toda forma de intervenção objetivando assegurar o restabelecimento das
funções reprodutivas, ou de alternativas que resultem no nascimento dos filhos
desejados.
Da mesma forma, opina Gama apud Silva (2003, p.20) :
O direito de família sofreu direta repercussão dos avanços tecnológicos na área de
reprodução humana, mormente envolvendo as fontes da paternidade, maternidade e
filiação, e todas essas transformações permitiram a ocorrência de um importante
fenômeno, denominado “desbiologização”, ou seja, a substituição do elemento
carnal pelo elemento biológico ou psicológico.
Cabe salientar que as mudanças no campo da biotecnologia somada ao novo conceito
de família ao qual, podemos dizer que vivemos cotidianamente trás em sua bagagem não só às
mulheres e homens inférteis a possibilidade da procriação, mas sim aos casais homoafetivos
de gerarem, sua prole.
O lapso legislativo ocorre também, no caso da utilização de útero alheio para
produzir filho próprio, fenômeno que acaba por ser regulamento pela Resolução do Conselho
Federal de Medicina, todavia, insuficiente para resolver outros temas pertinentes.
A referida resolução somente autoriza a utilização da barriga de aluguel se houver
um problema médico que impeça ou contra indique a gestação pela doadora genética. Estando
casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após
processo semelhante de consentimento informado.
Ainda assevera tal resolução que as doadoras temporárias do útero devem pertencer à
família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos
sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. A doação temporária do útero não
poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
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O art. 13 do Código Civil de 2002 veda a disposição de parte do corpo: “Salvo por
exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”.
Do ponto de vista criminal há aqueles que entendem que não há tipificação legal de
tal fato (barriga de aluguel) no ordenamento jurídico penal brasileiro, haja vista que a Lei nº
9.434/97- Lei dos Transplantes de Órgãos,em seu artigo 15,prevê que é um crime punido com
a pena de reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias multa, e, ainda, que incorre
na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a
transação. As técnicas de reprodução assistida sem uma regulamentação específica podem
gerar uma situação de risco ou casos polêmicos. No Congresso Nacional brasileiro tramita
um projeto de lei para regulamentar as terapias de reprodução assistida desde 2003.
A falta de regulamentação específica acaba tornando as questões que envolvem as
técnicas de reprodução assistidas, inclusive a doação temporária de útero, polêmicas e difíceis
de serem analisadas.
A legislação brasileira possui uma séria lacuna no que diz respeito à utilização da
denominada “barriga de aluguel” para aqueles casais que, infelizmente, não podem reproduzir
sem tal recurso, pois para uma lei ser publicada são necessários trâmites burocráticos, o que,
de certa forma, esta ao nascer já estaria ultrapassada frente às evoluções sociais e
biotecnológicas e, estas não acompanham à feitura das leis.
Conclusão
As famílias hoje não seguem um padrão rígido e formal de constituição e
desenvolvimento. As famílias são plurais, admitindo a possibilidade de novas uniões
conjugais. Entretanto, toda essa pluralidade, possui um elo em comum, o afeto.
As uniões de pessoas do mesmo sexo tem potencial para no caso concreto possuírem
essa característica de afeto, basta apenas analisar a presença dos elementos fundamentais, de
ter uma vida em comum, com mútua assistência afetiva e patrimonial, fidelidade,
durabilidade, continuidade e publicidade. Ou seja, no plano fático, podem se igualar às uniões
de pessoas de sexos diversos.
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Cada vez mais, casais homoafetivos têm desejos de ter filhos, seja por adoção,
fertilização in vitro ou barriga de aluguel, e, apesar da omissão legislativa, o Judiciário tem
amparado e concretizado os direitos fundamentais dessas famílias.
O Direito da Família e o da procriação pertence a todos e é reconhecido na
Declaração dos Direitos Humanos que destaca que, além da igualdade e dignidade, o ser
humano tem direito a fundar uma família.
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