Cap 38 ALAIN - Escola Superior de Educação de Santarém

Transcrição

Cap 38 ALAIN - Escola Superior de Educação de Santarém
Cap 38 ALAIN (1868-1951)
Ramiro Marques
Alain, com o nome de baptismo de Émile Chartier, nasceu em
Mortagne, a 3 de março de 1868. Depois de frequentar o colégio
católico de Mortagne, Alain frequentou o liceu de Alenzon, o liceu
Michelet de Paris e a Escola Normal Superior, onde se licenciou, em
1892, em Filosofia. Foi professor em Pontivy, Lorient e Rouen, onde
começou a publicar, com o nome de Alain, as suas célebres
"Conversações". Voluntário durante a guerra de 1914-18, publicou,
após a sua desmobilização, "Morte ou a Guerra Julgada", o "Sistema
das Belas Artes" e "Oitenta e Um Capítulos sobre o Espírito e as
Paixões". Entre 1921 e 1924, publicou novos volumes das
"Conversações". Mais tarde, publicou "História das Minhas Ideias" e
"As Estações do Espírito".
O que é educar para Alain? "É libertar o homem da barbárie
primitiva, dar-lhe a conhecer o seu poder para se governar a si
próprio, e para não acreditar sem provas. Tal é o fim essencial, e é
um fim urgente, porque a barbárie não deixa de ser uma ameaça
constante debaixo do verniz da cultura. Educar-se é dominar os
movimentos violentos que impulsionam a juventude, não suprimi-los,
mas dirigi-los de modo que a graça da criança de manifeste como
ardor na adolescência, mas regulamentada pelo juízo, o qual é, em
última instância, a verdadeira cortesia. A educação é conquista a
cada momento, mas sem que se renegue as idades anteriores" (1).
Educar é, enfim, ajudar a criança o alcançar o maior bem que há em
si, com carácter de potência, desbravando uma personalidade livre e
disciplinada.
O reconhecimento da importância da educação para a formação
do ser humano, levou Alain a criticar a educação elitista, incapaz de
responder aos anseios e necessidades de todos, e não apenas de uma
minoria. Os que mais precisam de educação não são os mais
inteligentes e sabedores, mas os mais ignorantes. Só uma educação
de qualidade para todos pode criar um povo educado. Sem isso, os
poderes resvalam para a tirania. Na sua obra "Cidadão contra os
Poderes", Alain chama a atenção para a relação entre ignorância do
povo e ditadura dos poderes. "A educação deve dirigir-se a todos por
igual, e em primeiro lugar aos espíritos lentos, para não deixar que
as ovelhas sejam guardadas por um único génio" (2).
Embora Alain se afaste da ideia de uma educação elitista, a
verdade é que também não aceita uma educação de massas que
nivele por baixo: Alain defende uma educação "que capte sempre o
homem pelo mais alto, já que os preconceitos e as propagandas o
captam sempre pelo mais baixo, pela besta. Ora bem, esta parte
superior do homem surge logo, pois o homem é um animal orgulhoso
e difícil" (3). Para que a educação favoreça a parte superior do
homem é necessário que a educação se distinga do jogo. A escola
destina-se a fazer da criança um homem e, portanto, não deve
infantilizar a aprendizagem.
O professor tem um papel muito diferente do pai ou do
companheiro, convém que manifeste certa indiferença e que se
interesse sem demonstrar interesse, a fim de deixar a criança cara a
cara com as dificuldades e é necessário que não se envolva
sentimentalmente com os alunos. Dessa maneira, o professor ajuda o
aluno a encarar o trabalho escolar com seriedade e a desenvolver
autodisciplina.. A escola, ao contrário do que pensavam muitos
teóricos da escola nova, não é divertimento, nem jogo. É sim
trabalho feito com rigor, obediência às regras justas e muita
autodisciplina.
Como é que Alain vê a sala de aula? Vê-a como uma oficina de
trabalho em que os alunos vão conquistado a sua autonomia com a
ajuda do professor. Em vez de os alunos estarem sentados, em
silêncio e de braços cruzados a ouvir o professor, devem, pelo
contrário, estar sempre em actividade, realizando exercícios, lendo,
escrevendo, calculando e desenhando. Ao contrário das salas de aula
típicas do movimento da escola nova, Alain não é partidário de salas
com as paredes repletas de desenhos e fotografias. A esse respeito,
prefere as paredes nuas para que o aluno não de distraia do
essencial: o trabalho feito com rigor e muita atenção. "O importante
é, com efeito, que a criança conheça o seu poder para se governar e
que faça com o seu trabalho uma espécie de aprendizagem desse
poder. Que chegue a dominar por si mesmo as paixões" (4).
Alain defende os exames como exercícios da vontade, de
provas a superar que mostram ao aluno que a escola não é como a
família. Crítico da psicologia da educação, Alain considerava que a
inteligência dependia dos esforços da vontade e mais importante do
que conhecer a psicologia da criança é acreditar que ela é capaz de
exercitar a sua vontade. Alain não considerava a inteligência como
uma característica fixa, antes olhava para ela como um poder com
múltiplas faces, cabendo à escola aproveitar e desenvolver as mais
vantajosas. Outra ideia cara a Alain era a necessidade de a escola
não se fixar nos interesse e nos desejos da criança. Como ser
imaturo, a criança precisa, por vezes, de ser contrariada, cabendo ao
professor cultivar-lhe os gostos e ajudá-la a passar a apreciar aquilo
que vale a pena.
Crítico da individualização do ensino e da diferenciação
curricular, Alain considerava que a cultura comum é igualmente
válida para todos e as metodologias para os melhores são igualmente
válidas para os mais lentos. O importante não é tornar todos os
alunos iguais, mas fazer com que cada um atinja o máximo de que
forem capazes. Defensor de uma pedagogia do esforço, via na leitura
e na escrita instrumentos de libertação da ignorância.
Quais as disciplinas que a escola devia valorizar? Alain foi
profundamente crítico da diversidade curricular e da livre escolha das
disciplinas. O currículo está fixado á partida, se tivermos presente
que a grande missão da escola é transmitir às novas gerações a
herança cultural que vale a pena. As grandes obras e os grandes
autores devem ocupar um lugar central na escola. A matemática, a
física, a química, a história, a geografia e as línguas são as traves
mestras do currículo.
A matemática e, em particular, a geometria ocupa o lugar de
rainha das ciências.
"Há que começar pelas experiências mais
simples. pela aritmética e pela geometria, nas quais se descobrem as
necessidades mais evidentes, as razões. E é notável que só através
da necessidade geométrica pode compreender-se a necessidade
exterior, como a história das ideias o ensina: o selvagem pode ser
um maravilhoso arqueiro, mas por falta de geometria permanece ao
nível da magia. É preciso, primeiro, a prova mais rigorosa, etapas de
provas, a qual provoca o duplo resultado de assegurar, com a noção
da necessidade, o domínio de si mesmo. Depois da geometria,
alguma física, mas física elementar ou, melhor, mecânica elementar.
Não se tenha a ideia perigosa de que convém ao aluno conhecer a
última verdade da ciência contemporânea" (5). A escola deve
preocupar-se mais em desenvolver, nos alunos, o espírito científico
do que em ensinar as últimas descobertas científicas.
Alain defendeu um ensino que colocasse a actividade mais no
aluno do que no professor, pois não se aprende a falar, a ler ou a
escrever ouvindo o professor. Há necessidade de experimentar, fazer,
voltar a fazer, emendar até que o aluno seja capaz de realizar
correctamente as tarefas. Estas prescrições são tão válidas para as
humanidades como para as ciências. A leitura e a escrita devem
ocupar um lugar central nas actividades da escola, pois são os meios
ideais para estabelecer o contacto com as grandes obras e os grandes
autores e para reflectir sobre eles. Os livros devem ser os "directores"
da aprendizagem, enquanto os professores são apenas adjuntos dos
livros. O verdadeiro culto da escola deve ser a leitura. Os clássicos
devem ocupar o primeiro lugar, sendo impensável que os alunos
deixassem a escola sem os conhecer. Os grandes autores são bons
para todos os alunos: grandes e pequenos, lentos e rápidos. Com as
artes deve passar-se a mesma coisa. Em primeiro lugar é preciso
conhecer os grandes artistas e as suas obras-primas. Os
comentadores dos grandes mestres podem ajudar, mas não devem
substituir a leitura das obras dos grandes autores. Daí que Alain
recomende não só a leitura das suas obras, mas também a sua
recitação em voz alta e a cópia de alguns trechos.
A escrita foi encarada por Alain como uma verdadeira disciplina,
onde se deve cultivar quer o respeito pela ortografia e pela sintaxe,
quer o desenvolvimento de uma letra bem desenhada. Cópias e
ditados eram encarados pelo pedagogo francês, não como exercícios
fastidiosos, mas como práticas indispensáveis ao desenvolvimento
das competências de escrita.
Alain recomendava a leitura das fontes, porque os comentários
ou os resumos desvirtuam e simplificam a verdade dos textos. Da
mesma forma, não é possível conhecer, com exactidão e rigor, o
pensamento pedagógico de Alain sem ler as suas obras.
Notas
1) Château, J. (1992). "Alain", in Jean Château. Los Grandes
Pedagogos. México: Fondo de Cultura Económica, p. 320.
2) Idem, p. 321
3) Ibid., p. 322
4) Ibid., p. 327
5) Ibid., p. 334