“Somos ou não somos um esporte?”: uma

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“Somos ou não somos um esporte?”: uma
“Somos ou não somos um esporte?”: uma abordagem antropológica do pole
dance
Isis Leal – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia(PPGA)/
Universidade Federal Fluminense(UFF)
Introdução
Esse trabalho aborda questões iniciais da minha pesquisa com praticantes de pole
dance que resultará na minha dissertação de mestrado. A escolha do meu objeto de pesquisa
foi bastante influenciada pela pesquisa que desenvolvi na graduação, com atletas de vela.
Trabalhando juntamente com um grupo em um projeto de pesquisa mais amplo, o estudo do
esporte da vela tinha intenção de construir interpretações acerca das relações encontradas
naquele espaço, tentando compreender, entre outras coisas, as diferenciações corporais e de
gênero naquele esporte.
Para minha pesquisa de mestrado então, procurei alguma prática que possibilitasse
uma pesquisa que contribuísse para a antropologia, especialmente nas áreas de esporte, corpo
e gênero. Após uma vasta pesquisa, principalmente na internet, me deparei com o pole dance.
O pole dance é uma prática que reúne dança e ginástica. É realizado junto a uma
barra vertical, combinando uma série de movimentos coreografados. Há diferentes versões
sobre como surgiu o pole dance.1 Uma delas é que o pole dance esportivo, ou pole fitness,
surgiu a partir da dança que era realizada em casas noturnas nos Estados Unidos e Canadá,
desenvolvido pelas próprias dançarinas que passaram a incorporar movimentos circenses e
artísticos. A partir daí surgiram escolas especializadas na prática, tendo acontecido o primeiro
campeonato esportivo mundial em 2005.
No Brasil, a modalidade ganhou força em 2007 após aparecer em uma novela de
horário nobre da rede Globo. A primeira escola especializada foi criada em 2008, quando
também se realizou o primeiro campeonato brasileiro. Há, desde 2009, um grupo de
praticantes que tenta incluir o pole dance nas Olimpíadas, e desde então foram criadas
federações e a confederação de pole dance que tentam legitimar essa prática como esporte.
1 Não é de meu interesse saber qual é a “verdadeira”, mas conhecê-las e entender qual o significado, e quem
usa cada versão e em que momentos. A versão que apresento aqui foi retirada de
http://www.cbpoledance.com.br/#!historia/c1u7o, site do campeonato brasileiro de pole dance de 2013. E a
escolhi para apresentar o pole dance, por, a princípio, entender que essa é a versão mais utilizada.
Nesse sentido, me interessei pelo tema, pois acreditava que me traria novas
perspectivas acerca da antropologia dos esportes, uma vez que é uma prática tentando se
consolidar como esporte. Procurei então algumas das pole dancers 2 mais importantes no
cenário brasileiro, me apresentei como pesquisadora e tentei uma abertura entre esse grupo
que tentava legitimar o pole dance em esporte. Depois de algumas tentativas sem sucesso,
resolvi mudar de estratégia e me apresentei como potencial aluna que também estava
interessada em realizar uma pesquisa.
Dessa forma consegui inserção num grupo de praticantes da cidade de Niterói.
Matriculei-me e iniciei as aulas uma vez por semana, com uma hora e meia de duração. As
aulas são realizadas em um estúdio, montado pela professora Nara 3, em um prédio no centro
da cidade. Cada turma possui no máximo quatro alunas, pois o estúdio conta com apenas
quatro barras. As turmas são mistas quanto ao nível das alunas, havendo apenas uma turma
aos sábados restrita às alunas mais avançadas.
Ao começar a pesquisa estava muito referida a ideia clássica de trabalho de campo,
pensando o campo como um locus. Achava então que tinha encontrado meu campo, que não
era o que eu queria a princípio, mas que me traria possibilidades de pesquisa. No decorrer dos
meses, e bastante orientada pelas disciplinas do mestrado, entendi que o campo seria uma
construção minha enquanto pesquisadora e não precisava ser restrito aquele espaço. A
professora havia me adicionado em um grupo do facebook 4 restrito as suas alunas, e com a
leitura daquele grupo e inspiração no trabalho de Sara Mendonça(2013), percebi que também
poderia considerar o facebook como campo, inclusive adicionando praticantes e observando
as representações como pole dancers.
Além disso, passei a colecionar diversas reportagens sobre o tema, uma vez que elas
parecem se utilizar dessas para legitimar a prática. Para alguns grupos de praticantes a
divulgação da prática é importante, porque o reconhecimento delas como atletas, e não apenas
como dançarinas sensuais, é importante.
É preciso informar ainda, que, sendo o pole dance um esporte majoritariamente
praticado por mulheres, e pelas direções que o trabalho de campo me deu até agora, optei por
2 Pole dancers é uma categoria nativa que designa aqueles que praticam o pole dance.
3 Todos os nomes que aparecem nesse trabalho são nomes fictícios, a fim de manter o anonimato das
pesquisadas.
4 Facebook é uma rede social virtual, na qual é possível criar grupos secretos nos quais apenas pessoas que são
convidadas podem ter acesso ao conteúdo e discussões. O grupo ao qual me refiro nesse trabalho é um grupo
secreto.
fazer um recorte e restringir meu grupo de pesquisados a mulheres praticantes de pole dance.
É preciso deixar claro que existem homens praticando e competindo, porém, eles não
aparecem aqui por uma opção de pesquisa.
Sendo assim, a partir de um trabalho de campo ainda bastante inicial, procurarei
trazer algumas questões que pretendo elaborar na minha dissertação de mestrado,
especialmente em relação a esporte e corporalidade.
Pole dance e esporte
O pole dance pode ser entendido como uma técnica corporal(Mauss, 2003).
Mauss(2003) coloca técnicas do corpo como “as maneiras pelas quais os homens, de
sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo” (2003, p.
401). Dessa forma, podemos entender o pole dance como uma das maneiras de “servir-se do
corpo”, seja para um fim artístico, esportivo e outros.
A partir dessa perspectiva, tenho tentado, ainda que seja um trabalho inicial, captar o
“ponto de vista dos nativos”(Malinowski, 1978, p.33) acerca dessas técnicas corporais. Sendo
assim, parto das abordagens que tenho encontrado sobre o pole dance e seus diferentes
significados. Algumas classificam o pole dance como arte, outras como dança, outras como
esporte, e algumas preferem nem classificar. Nesse trabalho, tento trabalhar com a perspectiva
do pole dance como esporte, por ser o recorte que princípio optei por fazer do tema. Entendo,
porém, que é quase impossível pensar uma perspectiva esportiva totalmente separada das
outras, uma vez que elas aparecem de maneira bastante misturada e fluida. E, portanto, apesar
de focar na perspectiva esportiva, não pretendo excluir as outras.
Tentando compreender um pouco melhor a reivindicação do pole dance como
esporte, escolhi algumas abordagens teóricas sobre o tema para tentar entender o que o
esporte representa para elas. Nessa primeira parte do artigo, tento então fazer um diálogo da
prática do pole dance com a teoria sobre esporte.
Nobert Elias (1992) tenta compreender o que é o esporte e qual a sua origem. O autor
entende que estudar o desporto só faz sentido quando há um simultâneo estudo da sociedade.
Sua teoria sobre o esporte, encontra-se então, situada dentro de sua teoria mais ampla sobre o
processo civilizador5 no qual Elias(1992) argumenta acerca dos modelos sociais de conduta e
sensibilidade, e como esses foram modificados ao longo da história. Em ambas as obras do
5 Ver O processo civilizador, Norbert Elias.
autor, ele se utiliza bastante de uma perspectiva histórica, trazendo parte da história europeia
para sustentar suas argumentações.
Sendo assim, ele coloca o surgimento do esporte localizado na Inglaterra no século
XVIII, isso porque de acordo com seu estudo histórico da sociedade inglesa, havia um
ambiente político e econômico propício ao surgimento do esporte. O esporte surge de acordo
com as mudanças nos padrões de sensibilidade, e consequente diminuição da violência. Nesse
sentido o autor tenta demonstrar a ideia de uma crescente internalização do autocontrole.
"Vários tipos de desporto integram um elemento de competição.
São confrontos que envolvem força física ou proezas de tipo não militar.
Para reduzir os danos físicos ao mínimo, existem regras que obrigam os
adversários a adoptar um determinado tipo de comportamento." (p. 39)
O autor coloca que sport era uma palavra inglesa utilizada para alguns passatempos,
e tenta demonstrar o que diferenciaria simples práticas de lazer de esportes e como houve essa
transformação de passatempos em deporto. O que caracteriza essa transformação e
diferenciação, principalmente, seriam as regulamentações – tanto de regras quanto de criação
de clubes e associações - o novo grau de sensibilidade à violência.
Uma importante parte da tese do autor é que o esporte seria uma atividade mimética,
ou seja, teria a capacidade de desencadear sentimentos que seriam desencadeados em
situações reais da vida, tanto para os praticantes quanto para o expectador. Porém, com regras
que controlam a violência e estimulam o autocontrole. O esporte cria tensões, mas as controla.
A partir da teoria de Elias, podemos pensar como o pole dance aparece como esporte
no sentido de que pode ser uma “competição envolvendo proezas do tipo não militar”, regido
por regras. Interessante também, é pensar que Elias pensa a formação do esporte a partir da
organização das práticas, através de organizações, regras e regulamentações. Nesse sentido, o
pole dance parece caminhar num mesmo sentido, já que partiu de prática de lazer e
atualmente no Brasil, está sendo organizado em Federações, Confederação, possui
campeonatos, os quais não regulamentados através de regras.
Seguindo essa ideia de caracterização do esporte, Bourdieu(1983) coloca que o
discurso de que o esporte é uma prática desinteressada e gratuita, mascara uma verdade sobre
as práticas esportivas. Essa verdade seria que alguns praticas esportivas estão relacionadas
com um “interesse”, com “lucros de distinção que ela proporciona” (p. 143, grifo do autor).
O autor argumenta referindo-se a uma dicotomia entre esportes “chiques” e esportes
“vulgares”, considerando que a procura por esses “chiques”(tênis, golf, equitação etc) seria
um elemento de distinção.
Baseando-se no exemplo do pole dance, poderíamos pensar que o fato de uma prática
ser classificada como esporte já é um elemento de distinção? Parece-me que nesse caso, seria
possível uma tentativa de ruptura e uma criação de dicotomia entre pole dance e pole dance
esportivo. O segundo, nesse caso, seria uma prática distintiva no sentido que distingue as
praticantes – ou atletas – de pole dance, especialmente, daquelas que praticam ou utilizam
técnicas do pole dance com alguma conotação sensual.
Bourdieu(1983) coloca ainda sobre a distinção de classes no esporte:
“De fato, além de qualquer busca de distinção é a relação com o
próprio corpo, enquanto dimensão privilegiada do habitus, que distingue as
classes populares das classes privilegiadas, assim como no interior destas
distingue frações separadas por todo o universo de um estilo de vida.”
(p.151, grifo do autor)
Fazendo um deslocamento da teoria do Bourdieu, e tentando pensar, como coloquei a
cima, não diferentes esportes como distintivos, mas ou ser ou não ser esporte como elemento
de distinção, é possível pensar como o pole dance esportivo também está associado a um
habitus corporal específico e também distintivo? Um habitus que distingue as atletas das não
atletas?
No campeonato brasileiro deste ano, ocorrido em setembro, segundo relato de uma
atleta do estúdio no qual realizo minha pesquisa, todas as atletas deveriam chegar no teatro
onde ocorreu o campeonato às 14:30, sendo que, as últimas atletas fariam sua apresentação
apenas depois das 22h. Segundo ela, a escolha da ordem de apresentação foi por sorteio, e ela
seria uma das ultimas a se apresentar. Porém, a organização do campeonato disponibilizou
apenas frutas para as atletas comerem, pois estariam referidos a uma ideia de saúde e cuidado
do corpo delas como atletas. Me contando a situação, ela comentou: “desculpa, mas fruta não
vai me sustentar o dia inteiro para depois ainda aguentar dançar. Trouxeram um
cheeseburguer para mim, e elas ainda acharam ruim, porque elas acham que somos atletas e
atleta não pode comer cheeseburguer. Tem muita estrelinha”
No mesmo dia, ela comentou que o próximo campeonato seria em março, e que ela já
estava se preparando, apenas sairia da dieta por alguns dias que iria tirar de férias e viajar e,
que logo em seguida voltaria para a dieta se preparando para o campeonato. Apesar de ela
parecer flexibilizar sua alimentação um pouco mais que algumas – ou do que algumas
procuram demonstrar – ainda há uma preocupação de cuidado com corpo. Em uma análise
inicial, percebo que existe uma relação específica com o corpo no espaço do pole dance. Há
um cuidado com o corpo, com a estética corporal e um controle das dores. Dessa forma,
parece haver uma aproximação entre as pole dancers e os pugilistas estudados por
Wacquant(1998). Mas será que essa perspectiva corpora, atua como vigília e cria uma moral
como aparece para Wacquant(1998)? Pode-se falar em um habitus corporal entre as pole
dancers, tal como Wacquant observa entre os boxeadores?
Bourdieu(1990) entende que é preciso compreender o contexto mais amplo,
entendendo primeiro qual a posição que aquele esporte ocupa no espaço dos esportes e em
seguida compreender o espaço social que se manifesta nesse espaço do esporte. Logicamente,
Bourdieu se refere a um contexto de classe social relacionado a práticas esportivas
determinadas, e a relação entre elas, cuidando sempre para não estabelecer uma relação direta
entre determinada classe e determinado esporte. Porém, podemos pensar não somente a partir
das classes sociais, mas também em relação a gênero, corporalidade etc e tentar entender que
grupo de pessoas é esse que procuram esse esporte? Por que procuram?
Tanto Bourdieu, quanto Elias, entendem que o esporte tem uma ligação direta com o
contexto social no qual esse está inserido. O esporte não é algo dissociado das outras esferas.
Nessa perspectiva é preciso tentar entender qual é a representação ou o valor que o esporte
tem no Brasil, ou melhor, qual a representação ou o valor que as praticantes de pole dance
pensam que existe no Brasil, para reivindicarem que tal prática seja transformada em esporte,
e vejam isso de maneira positiva.
Seguindo essa perspectiva, penso que também é preciso buscar compreender também
qual o papel ou a importância da mídia nesse contexto. O título do artigo ““Somos ou não
somos um esporte?”: uma abordagem antropológica do pole dance” é baseado na fala da
presidente da confederação brasileira de pole dance em uma rede social. Ela postou uma
notícia do site do globo esporte intitulado “Canadense ‘selvagem’ vence Pan de pole dance na
feira de Arnold’6 e juntamente com o link colocou o seguinte comentário: “SOMOS OU NÃO
SOMOS UM ESPORTE, O ESPORTE ESPETACULAR E O GLOBO ESPORTE.COM
NÃO TEM DÚVIDA!!!!” Ela se referia ao fato de um campeonato de pole dance ter sido
noticiado por programas e sites de esporte.
6 A matéria se referia a feira do ator Arnold Schwarzenegger , que tendo grande envolvimento com musculação
e fitness, promove uma feira, na qual existem competições ligadas a essas práticas. Na ultima feira realizada
no Rio de janeiro, em 2012, houve também competição de pole dance.
Essa prática de postagem de notícias sobre o pole dance é bastante comum entre as
praticantes de pole dance, que parecem entender uma maneira bastante positiva de
divulgação, que contribui para a legitimação do pole dance como esporte. Por isso, pretendo
tentar entender qual o significado que a mídia tem para essas mulheres, quando noticiam o
pole dance.
Pole dance como esporte: uma tentativa de legitimação
No estúdio de pole dance que realizo a pesquisa tenho contato com poucas
praticantes. Sendo assim, tento trocar de turma com alguma constância (já que não posso
assistir a várias devido a uma limitação de tempo) e participo de todos os eventos organizados
por elas.
Para conseguir observar melhor a perspectiva do esporte, e seguindo conselhos das
próprias praticantes do estúdio, passei a realizar minha pesquisa também no facebook, onde
pude ter acesso a diversas atletas, principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo. Sigo suas
postagens, e também algumas páginas de estúdio de pole dance e de federações. Foi através
dessa rede social que soube da campanha “Pole dance. Eu faço, e você?”. Essa consistia no
recolhimento de assinaturas de praticantes e cadastramento de estúdios de pole dance de todo
o Brasil. A divulgação da campanha foi feita através de panfletos virtuais(anexo 1), e as
assinaturas eram recolhidas em site indicado.
A partir do sucesso campanha, foi desenvolvida uma segunda campanha então,
chamada de “Campanha de mobilização nacional pelo pole dance”, a qual incentivava as
escolas, estúdios e praticantes de pole dance a promoverem um dia de pole street 7 em suas
respectivas cidades. Essa campanha está sendo divulgada através, principalmente, do
facebook, e até agora mais de 11 cidades já aderiram o movimento.
O site que recolhia as assinaturas trazia a seguinte mensagem:
“Queremos conhecer todas as pole dancers do Brasil : Assinem e ajudem a
mapear a atividade em nosso país.
Abaixo-assinado por
Federação Brasileira de Pole Dance”
7 Pole street normalmente designa uma espécie de evento de pole dance praticado na rua. As praticantes vão
para as ruas em grupo e realizam seus movimentos especialmente em postes ou outras instalações urbanas
que permitam as acrobacias.
“Somente assim conseguiremos mostrar força e buscar reconhecimento
perante a sociedade, qualquer pessoa que pratica em qualquer lugar do
Brasil, pertencente a qualquer corrente, somos uma petição para mapear a
quantidade de pessoas independente da escola ou da corrente que acredita.”
A página conseguiu mais de 500 assinaturas, e era possível também, deixar um
recado explicando porque assinou. Muitos dos recados, apenas traziam informações como:
há quanto tempo praticava e que a praticante amava ou era apaixonada pela prática. Alguns
traziam ainda os benefícios(corporais e mentais, como flexibilidade, concentração, melhora
da autoestima etc) da prática, alguns argumentando inclusive, que o pole dance precisa ser
reconhecido porque transforma vidas. Outros depoimentos se destacaram no meu olhar,
como:
“Silvia
meu comentario vai em relacao ao juri do pole brasileiro que esta cheio de
professores dos atletas a competir! assino a peticao com um intuito de apoiar
o pole asssim como de solicitar uma peticao para elaborar novas regras e
criterios de juri( neutralidade , imparcialidade)nos campeonatos”
“Ana
Sou da área de Psicologia e nem consigo acreditar no preconceito e estigma
que ainda giram em torno do pole dance, o pole e uma atividade que
estimula a auto confiança de quem pratica, promove os vínculos sociais e
traz benefícios físicos visíveis,assino porque já esta mais que na hora da
atividade ser reconhecida como uma modalidade esportiva”
“Marina
Pq acredito que o pole ainda sobre muita discriminaçao por parte de pessoas
com conceitos antiquados e limitados que não acompanham a evolução
maravilhosa que essa atividade está tendo... no POLE vc compete com vc
mesmo e vencer cada desafio é uma gratificação pessoal muito grande...
além dos benefícios que são múltiplos!!! Precisamos de um maior
RECONHECIMENTO... apoio 100% essa causa”
“Zélia
Por que o Pole dance é um esporte como outro qualquer e precisa ser
reconhecido e respeitado. Queremos dar um basta no preconceito”
Os comentários e alguns outros contextos que venho observando trazem duas
questões que me parecem pertinentes. A primeira diz respeito à problemática que parece
existir na modalidade principalmente quanto ao campeonato brasileiro, que é um espaço
muitas vezes acusado de haver favorecimentos e de não respeitar os regulamentos 8. Já a
segunda questão diz respeito ao “preconceito” ou “discriminação” que as praticantes dizem
sofrer.
“Melissa falou que o regulamento falava que não podia ter muito
brilho, e que a roupa de uma das competidoras “era brilho da cabeça as pés.”
Ela continuou: “eu não sigo o regulamento pra fazer minha apresentação, se
quer ter regulamento, tem que seguir, ou não faz regulamento. Eles fazem e
chega na hora: ‘tava’ no regulamento que tinha q ficar pelo menos 30
segundos na giratória9 e a que ganhou só ficou 10.” A Andreia completou:
“Quer ser esporte olímpico? Na olimpíada a ginasta faz lá a apresentação
dela, espera uns minutos e sai a nota dela lá pra todo mundo ver, e ela pode
pedir revisão na hora, não sai meses depois.” Segundo elas, as notas do
campeonato elas recebem muito tempo depois. Uma das meninas ainda
levantou a questão de haver um favorecimento de algumas, e elas falaram
que possivelmente havia, uma delas comentou: “Pra você ganhar esses
campeonatos, você tem que chegar lá e arrasar, ser muito melhor que todo
mundo, pra não haver duvidas, e não poder haver o favorecimento.” (Trecho
do meu diário de campo de 10/08, durante a festa de comemoração de 1 ano
do estúdio)
8 O campeonato possui um regulamento, um manual de arbitragem e uma lista de movimentos.
9 A barra giratória, deferentemente da barra fica, gira, e por isso as praticantes consideram a prática na barra
giratória mais difícil. No campeonato brasileiro de pole dance é obrigatório o uso das duas barras, uma fixa e
outra giratória.
O incomodo com um possível favorecimento de algumas
praticantes é colocado por diversas pole dancers. Minha impressão é que o
favorecimento diminui a competição, ou, ao menos, diminui o interesse da
participação uma vez que a perspectiva de vitória é quase inexistente.
“Uma das meninas ainda comentou que pole dance não deveria ter
competição, que deveria ser só apresentações. E, uma outra retrucou: “mas
competição é isso, você dá o seu melhor(apontando para uma das meninas
que havia feito um comentário sobre
um movimento que ela treinava
controladamente, mas que na competição faria o melhor que ela consegue),
quando é só uma apresentação nem sempre.” (10/08)
A competição parece aparecer de maneira positivada em alguns discursos, não
necessariamente estando de acordo com a vontade de legitimação do pole dance como
esporte. Apenas a competição permite o ganhar ou perder. Como coloca Huizinga(ano), o
ganhar está relacionado a demonstração de uma aparência de superioridade do vencedor, que
traz ganhos tanto para o ganhador quanto para o grupo ao qual esse está ligado. Segundo o
autor, o principal objetivo do jogo ou da competição é a vitória.
“Ganha estima, conquista honrarias: e estas honrarias e estima
imediatamente concorrem para o benefício do grupo ao qual o vencedor
pertence. [...] Os frutos da vitória podem ser a honra, a estima, o prestígio.
Via de regra, contudo, está ligada à vitória alguma coisa mais do que a
honra: uma coisa que está em jogo, um prêmio, o qual pode ter um valor
simbólico ou material, ou então puramente abstrato.”(p. 40)
Sendo assim, pode-se pensar que o favorecimento e a consequente impossibilidade
de vitória, faz com que algumas atletas critiquem ou até optem por não participar de
determinada competição. Isso porque há a impossibilidade de ganhos simbólicos, tanto para a
competidora quanto para seu grupo. A vitória daqueles que são favorecidos apenas reforça
uma suposta superioridade de determinado grupo, o que não é desejado pelos outros grupos.
Já a questão do preconceito e da discriminação parece estar diretamente relacionado
à perspectiva sensual ou sexual do pole dance. O que ainda me parece confuso é: por que é
preciso desvincular essa imagem do pole dance? Por que as praticantes pensam – ou parecem
pensar – que para obterem respeito como praticantes de pole dance é necessário serem
chamadas de atletas e que o pole dance seja categorizado como esporte? Para ter um
entendimento dessas questões, pensa que será preciso um investimento na perspectiva delas
em relação a o que elas pensam como “preconceito”, “discriminação” e como elas pensam as
relações de gênero em um espaço mais amplo, no qual elas procuram esse “reconhecimento”.
No grupo secreto do facebook das alunas e ex-alunas do estúdio onde realizo a
pesquisa pude observa também alguns comentários nesse sentido. Recentemente uma cantora
internacional, Rihanna, lançou um clipe no qual aparecem dançarinas de pole dance como
dançarinas de clube de strip-tease10. Uma das alunas postou o video do clipe no grupo,
comentando “Alguém viu essa coisa ridícula?!!!! Destruindo nossa reputação que temos
lutado tanto para construir!! Rihanna caiu completamente no meu conceito, de muito mal
gosto esse vídeo!!”
Algumas desaprovaram, mas uma ex aluna que atualmente está morando na Europa
respondeu: “Fui ver de perto como stripper dança no pole, e me identifiquei com várias
acrobacias. Entendo que pole dance é uma coisa e pole fitness é outra totalmente diferente.
Cada uma usa o corpo como bem entender, não fiquei ofendida vendo a menina fazendo isso.
Desculpe o comentário e sei que ning perguntou. Lol”
Entre vários comentários das duas e de outras alunas, a aluna que postou respondeu:
“Não estou desmerecendo o trabalho delas, como você mesmo disse cada um faz do seu corpo
é que quer, mas e as atletas? Que querem ver seu trabalho reconhecido desvinculado desse
tipo de imagem e querem respeito? Infelizmente vivemos nem mundo machista e a imagem
do clipe da Rihanna que eles vão ver quando dissermos que praticamos o Pole dance”
Parece haver uma dupla caracterização do pole dance. Por um lado uma ideia de
sensualidade, ligado ao feminino, e por outro lado uma tentativa de tirar esse caráter sensual –
ou até sexual – da prática. Essas duas “correntes” existem dentro do mesmo grupo, e as vezes
até mesmo em uma mesma praticante. Conversando com a professora do estúdio que faço
aula, ela me falou que algumas meninas a procuram dizendo que querem fazer aulas para
aprender a dançar para seus namorados. Mas segundo ela “o cara não quer ver você de cabeça
para baixo na barra, ele quer ver você rebolando no pole” e para isso não seria preciso ter
10 Havia ainda um descoforto quanto a letra da música, que dizia: “Strip clubes and Dollar Bills/Patron shots
gonna get a in fill/Strippers goin up and down the pole/4 o'clock and we aint goin home.”
técnicas de pole dance. Algumas se desiludem com as aulas e desistem, outras adoram e
seguem na prática.
Insisto que, só será possível compreender essa dupla dinâmica do pole dance,
entendendo o que elas pensam como relações de gênero existentes e consolidados nos meios
nos quais elas buscam “respeito”. Como coloquei no início do texto, ainda que busque um
recorte esportivo do pole dance em minha pesquisa, a perspectiva sensual – assim como a
artística – está totalmente colada a essa. Seja no sentido de pensar uma relação de oposição,
seja no sentido da articulação das duas perspectivas.
Nesse sentido, existe não só uma perspectiva sobre “o que os outros pensam”, mas
também uma perspectiva sobre o que elas próprias entendem como merecedor de “respeito”
ou “reconhecimento”. Dessa forma, aparece não somente critérios ligados ao esporte, mas
também as próprias relações de gênero das praticantes.
Simon (apud Le Bot, 2012) traz algumas questões sobre identidade. Ele coloca que
existe uma auto-identidade e uma hetero-identidade ou exo-identidade. A primeira seria como
aquele grupo vê a si mesmo, já segunda trata de uma visão externa daquele grupo. A
identidade é formada nas relações, e também na relação entre a auto e exo identidade. Nesse
sentido, a identidade aparece como contextual, e não fixa, uma vez que ela é construída nas
próprias relações.
No pole dance, parece haver, além de diferentes identidades entre as praticantes,
também uma hetero identidade construída pelos “outros” partindo de uma ideia de
sensualidade e até erotismo associada às pole dancers. Muitas vezes então, elas parecem tentar
criar uma identidade justamente pela oposição(Barth, 2000), ou seja, a identidade que elas
tem de si mesmas é criada na relação entre essas identidades. Ao mesmo tempo essa
identidade parece ser suficientemente fluida, no sentido que permite as mesmas que
reivindicam esse lugar não erotizado, participarem do Bringing Sexy Back11.
Através dessas relações, parece que são construídas não só identidades de pole
dances, mas também identidades de gênero. Mas quais identidades seriam essas? Em que
contextos elas são formadas e em que contextos são explicitadas? Como se dá, essa
articulação entre a sensualidade e a não-sensualidade na formação das identidades desse
grupo?
11 Esse é um evento criado pelo United Pole Artist, que propõe o retorno da sensualidade ao pole dance, que
segundo um artigo no qual eles se basearam para criar o evento, estava sendo perdida. A ideia era que as
praticantes de pole criassem vídeos ou fotos sensuais com o pole e mandassem para os organizadores para que
divulgassem através de um site especializado em compartilhamento de vídeos.
Considerações finais
Esse artigo apresentou as primeiras considerações sobre a pesquisa que venho
realizando com praticantes de pole dance. Deixando claro que ainda não houve grande
investimento no trabalho de campo e na bibliografia, sendo assim, tentei então apenas levantar
questões a partir de observações iniciais.
Como coloquei ao longo do artigo, minhas principais questões de pesquisa a partir de
então são: como entender a tentativa de legitimação do pole dance no Brasil a partir de um
contexto mais amplo e da posição do esporte como um todo entre os brasileiros? Como a
mudança de categoria de dançarina de pole dance para atleta modifica as representações que
as praticantes tem delas mesmas e de seus corpos? Como se articula a relação das atletas com
a competição? E como se dá – se se dá – a construção de uma identidade pole dancer?
Portanto, espero, a partir de um maior investimento no trabalho de campo, conseguir,
construir interpretações acerca da dinâmica da prática do pole dance com o esporte, o corpo e
as relações de gênero. Conseguindo assim trabalhar com as questões que apresentei aqui,
conseguindo uma melhor compreensão do “mundo do pole”.
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Anexo 1

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