Alimentacao Biodinamica - Biblioteca Virtual da Antroposofia

Transcrição

Alimentacao Biodinamica - Biblioteca Virtual da Antroposofia
1
GB110707 urubici
ALIMENTAÇÃO DINÂMICA
Gerhard Schmidt
Biblioteca Virtual da Antroposofia
2
Dr. Med. Gerhard Schmidt
ALIMENTAÇÃO
DINÂMICA
O estímulo da ciência espiritual de Rudolf Steiner a uma nova higiene
da nutrição
Tradução do francês: 1º. Ao 12º. Capítulos
Dr. Ivan Stratievsky
Revisão: Gerard Bannwart
BIBLIOTECA VIRTUAL DA ANTROPOSOFIA
3
ÍNDICE
PREFÁCIO DO AUTOR.................................................................... 7
CAPÍTULO I:
AS BASES DA NUTRIÇÃO. A AMPLIAÇÃO DA CIÊNCIA
NUTRICIONAL PELA CIÊNCIA ESPIRITRUAL DE RUDOLF
STEINER... 10
A nutrição como questão de consciência. A situação nutricional atual. A
evolução da ciência nutricional. Nascimento da dietética. O combate contra
a teoria materialista da nutrição. Necessidade de novos métodos de
investigação. As leis naturais são válidas apenas para o mundo inorgânico.
O mundo das forças formativas. A realidade da alma e do espírito. Os
fenômenos do anabolismo e do catabolismo no homem. Os conceitos de
saúde e de doença no homem. A tarefa da alimentação. A dietética.
Variações e limites da concepção científica. A ligação a antigos hábitos de
pensamento. A nova imagem do homem. Novos critérios de qualidade. A
natureza quádrupla do homem. A corrente quádrupla da nutrição. O duplo
problema da alimentação humana. A atividade dos constituintes do homem
do ponto de vista da alimentação. A ponte entre o físico-corporal e o
anímico-espiritual. Uma alimentação apropriada ao ser humano.
CAPÍTULO II:
POR QUE ALIMENTAR-SE?............................................................. 31
A balança e o termômetro no estudo da nutrição. Qual é o objetivo da
alimentação humana? A “natureza própria” das substâncias alimentares é
um critério de qualidade indispensável. A lei energética e seus limites. A
individualidade bioquímica do homem. Destruição e ressurreição da
matéria do homem. A alimentação: uma resistência contra a natureza.
CAPÍTULO III:
CONTRIBUIÇÃO À FISIOLOGIA DA NUTRIÇÃO............................
O homem e os reinos naturais na alimentação. As quatro etapas da
digestão. A digestão bucal. O triunfo sobre a natureza estranha dos
alimentos. A digestão gástrica. A digestão no intestino delgado. Processos
rítmicos no intestino – O papel do baço. A organização rítmica – O ritmo
4
circadiano. A absorção dos alimentos. Desvitalização e revitalização dos
alimentos. Admissão do alimento na organização superior do homem:
papel da função renal. A humanização da substância nutritiva – O papel do
fígado e da bile. A ação do colesterol. O metabolismo do açúcar. O calor,
suporte da organização do Eu. Significado do peristaltismo intestinal.
Polaridade da constituição humana. Significado da flora intestinal.
Aspectos da digestão das albuminas e das gorduras. Fermentação dos
carboidratos. Sentido e realidade da alimentação – quantidade e qualidade.
O problema fundamental da alimentação: a corrente terrestre e a corrente
cósmica. Materialidade e ação das forças. Origem e objetivo da
alimentação – Nutrição terrestre e cósmica.
CAPÍTULO IV:
OS PROCESSOS DO ODOR E DO GOSTO: CONDIMENTOS,
TEMPEROS
E
SUBSTÂNCIAS
AROMÁTICAS..............................................
Dados preliminares. A percepção olfativa – Significado do aroma.
Processos gustativos – O problema dos condimentos.
CAPÍTULO V:
O PROBLEMA DO RITMO NA ALIMENTAÇÃO..............................
Atividades da organização rítmica. O ritmo circadiano do fígado.
Resultados da ciência moderna dos ritmos. A importância do ritmo para a
saúde humana.
CAPÍTULO VI:
O QUENTE E O FRIO NA ALIMENTAÇÃO.......................................
Fisiologia do sentido do calor. O ser de calor. Processos térmicos no
homem - A teoria das calorias. Utilização do quente e do frio na
alimentação. A essência do quente e do frio. Técnicas modernas do quente
e do frio na alimentação. Alimentação. Alimentos secos, torrados, cozidos.
CAPÍTULO VII:
O CRU E O COZIDO.............................................................................
5
A descoberta de M. Bircher-Benner. Os dados da ciência espiritual. O
significado da sopa.
CAPÍTULO VIII:
ALIMENTOS.
PRODUTOS
DE
REGIME.
GULOSEIMAS.
MEDICAMENTOS.........................................................................................
....
As relações da planta com o homem tripartido. As plantas medicinais. Os
produtos de regime. O sal de cozinha. A essência do mineral. Outros pontos
de vista. A formação dos venenos. Diferenças entre o alimento e o remédio.
CAPÍTULO IX:
REGIME VEGETARIANO. REGIME CARNÍVORO........................
Origem do vegetarianismo moderno. Primeiro argumento: o de M. BircherBenner. Ampliação pela ciência espiritual. Pontos de vista da fisiologia do
comportamento. Qual regime escolher? O aspecto pedagógico. Resultados
da pesquisa científica. Os dados da ciência espiritual moderna. Aspectos da
alimentação carnívora. O leite e seus derivados.
CAPÍTULO X:
ALIMENTO E VIDA ESPIRITUAL......................................................
Um pouco de história. Pontos de vista da ciência moderna. O papel do
fósforo. Sal de cozinha – Sílica – Ácido úrico – Açúcar. Um alimento raiz:
a cenoura. Beterraba vermelha e raiz-forte. Fatores de inibição: Proteínas,
batatas e álcool. Café e chá. A ciência espiritual liberta do dogmatismo e
dos fantasmas pessoais.
CAPÍTULO XI:
ALIMENTAÇÃO E VIDA DA ALMA...................................................
Dados do problema. Resultados da “fisiologia do comportamento”. Os
esclarecimentos da ciência espiritual. O triplo mundo dos instintos,
impulsos e desejos. Não é o alimento que nutre, é a alma. O jejum, a dieta e
a ascese. Aspectos contemporâneos. Evolução dos hábitos alimentares.
Pontos de vista fisiológicos. A fome e a sede. A “benção”. Ações e reações
6
entre a substância física e o elemento anímico-espirirtual do homem. A
nova imagem do homem. Nutrição terrestre e nutrição cósmica.
CAPÍTULO XII:
A REFEIÇÃO, FATOR DE APROXIMAÇÃO.....................................
A alimentação cria elos. Aspectos históricos. Hábitos e usos alimentares.
Nossa alimentação, “pomo da discórdia”. A coletividade da alimentação.
Problemas modernos de alimentação - Problemas modernos de alimentação
coletiva.
CONCLUSÃO E PERSPECTIVA......................................................
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................
-x-
7
PREFÁCIO DO AUTOR
Quase um século se passou desde que Rudolf Steiner, o fundador da
ciência espiritual moderna, expôs uma nova concepção do ser humano e
uma nova compreensão do mundo. Daí resultou uma ampliação da arte de
curar, uma pedagogia adaptada à nossa época, novas diretrizes em todas as
ciências, a criação de um novo método em agricultura e, enfim, o
alargamento da ciência e da higiene alimentar. Na verdade, Rudolf Steiner
jamais fez um curso de dietética, mas uma enorme quantidade de
indicações e conselhos relativos à alimentação provieram de seus
ensinamentos, desde o início do século passado até a sua morte em 1925.
Rudolf Steiner expôs aspectos particulares da alimentação humana. Suas
idéias são novas, originais. Mas o que mais importa é que delas saiu uma
concepção de conjunto que é inteiramente nova, uma doutrina que é
verdadeiramente adaptada à realidade em nossa época. Assim ele se
relacionava, como sempre o fez, aos conhecimentos do seu tempo e os
completava, transportando todo o problema para um terreno mais seguro.
Quebrando os pretensos limites do conhecimento que haviam escravizado a
humanidade nos últimos séculos, pôde abrir um campo livre à investigação
espiritual. Daí partindo, torna-se possível lançar luz sobre perguntas e
problemas que ele mesmo não abordou e que só foram levantados após seu
desaparecimento.
O presente livro tem por primeira tarefa expor a concepção fundamental
que serve de base às pesquisas de Rudolf Steiner em matéria de dietética.
Tentaremos inserir nele os dados mais diversos sobre essa matéria, tais
como se encontram em sua obra. Enfim, examinaremos também uma série
de questões que resultam das pesquisas contemporâneas e que confirmam
as asserções de Rudolf Steiner, ou que, pelo menos, têm o mesmo sentido.
Nesse ponto mencionamos pioneiros como Bircher-Benner, Bunge,
8
Waerland, Ragnar Berg e outros brilhantes médicos ou dietistas. Mas isso
permanecerá forçosamente incompleto, por, senão, sair do objetivo desta
obra. Certos leitores poderão decepcionar-se por não encontrarem aqui uma
“soma” ou um “sistema” e por encontrarem repetições em vários trechos da
obra.
Tal trabalho jamais foi tentado neste domínio. Neste volume
esclareceremos os problemas da alimentação sob seus aspectos
fundamentais e gerais: significado da alimentação, fisiologia nutricional,
papel dos ritmos, dos aromas, etc. Caracterizaremos as três espécies de
alimentos: os minerais, vegetais e animais.
Em seguida, trataremos das relações entre a alimentação e o elemento
anímico-espiritual do homem; seguir-se-á um exame racional da diferença
entre os alimentos crus e os cozidos; definiremos a distinção entre os
alimentos, os medicamentos, os produtos de regime e os produtos de
“guloseima”. Para finalizar, leremos aqui um trabalho sobre o significado
social da alimentação humana e sobre seu histórico, com perspectivas para
uma higiene alimentar apropriada a nossa época.
O segundo volume, ainda não traduzido, que se apoiará sobre essas
bases, passará aos problemas mais detalhados: a questão das proteínas, dos
hidratos de carbono, das gorduras, minerais e vitaminas, do leite e seus
derivados, dos cereais, legumes, frutas, condimentos, etc. Os pontos de
vista práticos não faltarão, principalmente com relação às diferentes idades.
No terceiro volume, também não traduzido, encontraremos, a princípio,
os resultados experimentais obtidos pelo autor, baseados em regras
práticas. Teremos em seguida os conselhos de Rudolf Steiner para o regime
das doenças cancerosas, hepáticas, cardíacas e renais, bem como
prescrições dietéticas para as dermatoses e doenças da civilização. Outras
indicações de Steiner referem-se às crianças ditas excepcionais.
Preocupamo-nos, desde o final do segundo volume, com o vasto
problema da fome no mundo e tentamos projetar a luz da ciência espiritual
no caos e trevas da conjuntura atual.
Devemos ainda fazer uma observação referente ao título desta obra:
“Alimentação Dinâmica”.
9
Rudolf Steiner frequentemente referiu que as substâncias ingeridas
servem mais para provocar nossa mobilidade interna do que para constituir
reservas materiais. “Não se trata de um aporte quantitativo..., mas nosso
metabolismo deve poder acolher a totalidade das forças contidas nos
alimentos”. Friedrich Boas, na sua “Botânica Dinâmica”, tentou descrever
a planta como sendo um centro de forças e ações da natureza. Referia-se a
Goethe, Alexander von Humbolt, Lessing, etc.
Este é o método com o qual Rudolf Steiner igualmente aborda os
problemas da agricultura e da alimentação.
Na realidade, as interações dinâmicas das quais falamos ocorrem “em
todo o universo”, ou seja, entre o domínio terrestre e o domínio extraterrestre. As transformações não se referem somente à matéria e às forças
terrestres, mas ainda às forças supra-sensíveis, ditas “formativas”. Sem esse
conhecimento não se pode praticar uma agricultura nem uma dietética
adaptada às necessidades da nossa época. É por isso que intitulamos este
livro: “Alimentação Dinâmica”. É uma nova ciência das interações entre a
nutrição e o homem. O edifício já foi virtualmente construído por Rudolf
Steiner, mas é necessário reunirem-se as pedras espalhadas da construção.
Doutor Gerhard Schmidt
10
CAPÍTULO I
AS BASES DA ALIMENTAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA CIÊNCIA NUTRICIONAL PELA CIÊNCIA
ESPIRITUAL DE RUDOLF STEINER
A ALIMENTAÇÃO COMO PROBLEMA DE CONSCIÊNCIA
Aquele que quer se dedicar em nossos dias ao estudo da alimentação
não pode se esquivar de graves problemas. Com efeito, há menos de um
século os seres humanos escolhiam sua alimentação baseando-se num
sentido instintivo, relativamente seguro. A alimentação, a digestão, a
assimilação, etc. não traziam problemas ao homem de boa saúde. Mas essa
situação deteriorou-se intensamente. O sentimento de ser protegido pela
natureza, fornecedora de alimentos, a confiança que se tinha nela, deram
lugar a uma insegurança cada vez mais marcante, a um mal estar e mesmo
à suspeita: o alimento oferecido ou escolhido está apto a responder às
nossas demandas e às necessidades de nossa vida? Não é apenas a perda do
instinto, nem mesmo a baixa qualidade da nutrição, o que atormenta os
homens; é também – e sobretudo – o sentimento bem nítido de que o saber
tradicional ou modernamente adquirido somente pode responder
imperfeitamente às perguntas feitas. Por isso, torna-se um problema de
consciência. O homem procura ampliar e aprofundar o campo de sua
compreensão, ou seja, uma maior segurança, uma melhor possibilidade de
julgar. No que se refere à alimentação, essa necessidade, em nossos dias,
apresenta-se sob formas bem diversas.
A situação atual da dietética realmente é um sintoma dessa evolução.
No início do século essa disciplina movia-se ainda dentro de modestos
limites; em nossos dias ela quase que os ultrapassou. Os pesquisadores são
numerosíssimos e suas publicações proliferam de maneira inacreditável.
Um problema que já parecia resolvido não cessa de aumentar e de se
complicar. Os detalhes e as especializações triunfam. Praticamente não é
mais possível ao observador ter uma visão de conjunto. E, entretanto,
11
sente-se por detrás dessa agitação o mesmo mal estar, a mesma inquietação,
a mesma pergunta angustiada: Colocamos suficientemente o homem em
nossas especulações? Podemos realmente estudar a natureza? Ou será que
ambos não fogem para longe, envoltos em brumas?
Falta-nos uma imagem do homem e uma imagem da natureza.
Uma personalidade tal como Karl Marx acreditou ter resolvido no
século 19 o enigma da natureza, do homem e de suas mútuas relações,
quando escreveu: “A força do trabalho nada mais é do que a matéria natural
transformada no organismo humano. O metabolismo age de tal maneira que
a natureza seja humanizada e o homem naturalizado”. Com tal concepção
certamente poder-se-ia fundar o materialismo teórico, do qual nasceu a
experiência socialista com a visão de edificar uma nova ordem econômica e
política. Mas assim, a imagem do homem poderia apenas se petrificar, e a
da natureza, desaparecer. É necessário confessar que “por trás da medicina
científica atual não existe realmente uma imagem da natureza” (H.
Schipperges). Não há muita diferença em relação à dietética. Doerr
escreveu: “Isso significa que os dados da Ciência são exatos, mas que a
imagem do homem, fundada unicamente sobre esses dados, é falsa”. Nem
imagem da natureza, nem imagem do homem, tal é a triste conclusão da
pesquisa moderna. Mas ela leva à explosão e à progressão para um novo
domínio do conhecimento.
A chave que abre a porta para esse novo domínio já fora pressentida por
Goethe: “Aquele que não quer colocar na cabeça que espírito e matéria,
alma e corpo, pensamento e percepção, vontade e movimento, foram, são e
serão os duplos ingredientes do universo – cada qual reclamando direitos
iguais ao outro – e que esses pares devem ser considerados, sem dúvida,
como os representantes de Deus, aquele que não pode se elevar até esta
idéia deveria ter, há muito tempo, renunciado ao pensar”. Em outras
palavras, sem a ciência espiritual, a ciência não pode compreender nem a
natureza, nem o homem.
A SITUAÇÃO NUTRICIONAL ATUAL
Podem-se observar essencialmente seis sintomas:
12
1. Uma oferta crescente e muito diversificada de gêneros alimentícios
nos países civilizados. Falta de alimento nos países ditos “em vias de
desenvolvimento”.
2. A baixa qualidade dos produtos alimentícios.
3. A mudança dos hábitos alimentares. Superalimentação, isto é, abuso
de nutrição. Subnutrição, isto é, carência.
4. Em consequência dessa evolução, as doenças dependentes da
alimentação só se multiplicam.
5. A insegurança crescente em relação aos alimentos leva ao desejo de
uma nova consciência e de uma responsabilidade superior.
6. Confessa-se que se faz uma imagem defeituosa do homem e da
natureza.
Esse conjunto de sintomas que teremos ocasião de estudar em detalhe
resulta, em última análise, da filosofia do século 19. Daremos alguns
exemplos.
A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA NUTRICIONAL
Ela começou no meio do século 19. A época compreendida entre 1840
e 1860 parece ter desempenhado um papel decisivo.
Na França, com Lavoisier, Magendie e Claude Bernard, a fisiologia
orientou-se nitidamente para a física e a química. Essa virada ocorreu na
Europa Central com a importante personalidade que foi Johannes Mueller
(1801-1858). Na sua juventude leu com entusiasmo os escritos de Goethe,
dos quais guardou a impressão durante toda a sua vida. Quando em 18341840 fez surgir sua “Fisiologia do Homem”, viu-se bem que, sob influência
da escola francesa, ele abriu a porta a uma interpretação mecanicista dos
fenômenos vitais. Seus discípulos, Virchow, Helmholtz, Du BoisReymond, terminaram esse trabalho. Tal movimento logicamente
culminaria no ceticismo científico, ou num materialismo integral.
Em 1872 morria Feuerbach, no mesmo ano da morte de Du BoisReymond. Ele tinha anunciado o fim da filosofia, e cita-se frequentemente
seu intraduzível jogo de palavras: “Der Mensch ist was er isst” (O homem é
o que come).
13
Para Feuerbach, que não era dietista, essa consideração emanava de um
pensamento profundamente materialista. Para ele, nossa consciência era
apenas o produto de um órgão material: o cérebro. O espírito era apenas o
resultado final da matéria.
Tais asserções serviriam para fundar as teorias de Engels e Marx. Esse
foi o “materialismo histórico”. Mas elas também se infiltraram na ciência.
É significativo que o nascimento da dietética surja nesse momento sob essa
constelação. Sobrava apenas a matéria do homem e do mundo; mas sua
natureza permanecia um enigma inacessível a todos.
Carl Voit, que passa por fundador da dietética moderna, dizia em 1868:
“Por volta de 1840 a ciência da alimentação havia ultrapassado apenas o
seu estágio inicial. Ninguém poderia dizer porque comemos esta ou aquela
substância, ou porque um organismo nutre-se de carne enquanto que outro
de feno, alimentos, ao que parece, completamente diferentes...”.
Vê-se que depois houve uma considerável evolução, mas inteiramente
baseada numa filosofia materialista, a qual deixou sua marca em toda a
dietética atual. Em 1840, Liebig redigira uma obra que marcou época: “A
química orgânica e sua aplicação na agricultura e na fisiologia”. Voit disse
a respeito dela: “As idéias de Liebig trouxeram princípios e diretrizes para
a alimentação, e tudo o que os tempos mais recentes adicionaram foi
possível somente graças a ele”.
É importante lembrar que em outubro de 1870, Voit falou a respeito
desses meados do século 19, principalmente dos anos 40, como decisivos
para uma reviravolta espiritual na evolução da Europa e da América: “Foi
como que o apogeu do desenvolvimento materialista da inteligência sobre a
Terra”.
Não queremos nem esquecer que devemos a essa evolução uma grande
riqueza de dados indispensáveis ao estudo da alimentação. Sem ela não
teríamos nenhum conhecimento da albumina, das gorduras, carboidratos,
minerais e vitaminas. Nada saberíamos do valor nutritivo do leite, dos
cereais, legumes, condimentos, etc. Não teríamos quase nenhuma noção
das bases do aroma, das regulações do metabolismo, da digestão, das
secreções, etc.
14
Não esqueçamos, entretanto, que essa teoria científica da nutrição foi
precedida por um saber instintivo, com a qual a alta sabedoria espiritual
manteve a humanidade em vida durante milhares de anos. Unicamente esse
saber instintivo desapareceu no decorrer das eras, não podendo mais
renascer, pois a humanidade perdeu suas visões semi-oníricas das relações
espirituais entre o homem, a natureza e o cosmos; em troca, desenvolveu
uma faculdade intelectual bem desperta e consciente. Não se pode mais,
legitimamente, apelar às antigas fontes. No início dos tempos modernos
restava apenas um saber tradicional, geralmente mal compreendido e
deformado, que foi facilmente derrubado por espíritos como Lavoisier,
Liebig ou Du Bois-Reymond, os quais, aliás, tinham razão de fazerem isso,
pois esses vestígios incertos se haviam tornado imprestáveis e criavam
mais obstáculos do que progresso, não sendo mais efetivamente válidos
para os homens dos novos tempos.
Esses antigos conhecimentos, entretanto, infiltraram-se como pequenos
riachos até o coração do século 19, e encontraram, por exemplo, em
Goethe, uma espantosa expressão – até mesmo ajudando-o a elaborar seu
método científico, no qual Rudolf Steiner pôde se basear para refazê-lo
numa investigação espiritual.
Pelo contrário, os movimentos provenientes dessas antigas fontes do
Extremo Oriente, ao emigrarem para nossa atual existência, eram muito
pouco aptos a provocar uma renovação do pensamento ocidental. Suas
fontes espirituais já se encontravam esgotadas há muito tempo e suas
concepções, abandonadas aos perigos do dogmatismo e do sectarismo, não
podiam, de maneira alguma, elevar-se ao nível da ciência do Ocidente. Se
tais movimentos desempenham ainda hoje algum papel é porque esse
fenômeno se refere ao desejo do homem moderno de tudo compreender
(mesmo os processos nutricionais), segundo uma filosofia espiritualista;
isso não implica que esses movimentos sejam capazes de satisfazer esse
desejo de uma maneira apropriada aos tempos atuais. A dietética
“dinâmica” que aqui apresentamos tem o cunho da ciência espiritual; nada
tem em comum com esses movimentos de origem oriental e é com custo
que os mencionamos nesta obra.
Totalmente diferente é o que ocorre com movimentos como os de Max,
Bircher-Benner, Bunge e muitos outros eminentes pesquisadores, que se
apóiam sobre as modalidades modernas da consciência. Seus fundadores e
15
representantes geralmente são de grande competência em dietética, e
muitos dos seus desempenhos são notáveis. Com um olhar livre de
qualquer idéia preconcebida criaram brechas na fortaleza da dietética
puramente materialista. Finalmente, é preciso citar personalidades da
medicina e das diversas disciplinas antroposóficas – compreendendo a
dietética e as regras de higiene –, personalidades que serão frequentemente
mencionadas nesta obra. A todas elas o autor é grato, não somente pelas
numerosas novas idéias, como ainda pela confirmação de sua certeza; de
que uma exposição geral da questão dietética, como esta que é tentada aqui,
responda a uma necessidade urgente.
NASCIMENTO DA DIETÉTICA
Foi em 1847, quando quatro grandes sábios, Helmholtz, Du BoisReymond, Bruecke e Ludwig se encontraram em Berlim para “estabelecer
a fisiologia sobre uma base físico-química e colocá-la no mesmo nível que
a física”, que ocorreu uma reviravolta histórica no futuro da humanidade.
Liebig, em sua vasta obra “Cartas de um químico”, caracterizou
enfaticamente essa mudança, pelo menos do ponto de vista
químico.
Pode-se dizer que ele foi o primeiro grande pesquisador da ciência
nutricional, pois ele passou da química ao estudo da nutrição, dos processos
metabólicos, etc. Assim fazendo, transferiu o pensamento do químico para
os processos digestivos dos animais e do homem. Ele era fascinado
sobretudo pela presença de certos minerais nos organismos, e em seguida
estendeu suas concepções para o solo e a cultura, o que o levou a inaugurar
a adubagem mineral.
A fisiologia da nutrição, tal como nascia, edificou-se então sobre
fundamentos retirados do método puramente físico-químico de
investigação. Ela levou a fazer da “lei da conservação da energia” (18421847), postulada por Mayer e Helmholtz, o fundamento de toda a fisiologia
do metabolismo; depois veio a inauguração do método da análise
quantitativa e a escolha da caloria para as aplicações da termodinâmica
referentes aos organismos vivos. Foi com essa base que Voit, em 1875,
desenvolveu sua teoria da “ração média para o ser humano adulto”, (3000
16
calorias, provindo 500 gramas de carboidratos, 118 gramas de albuminas e
56 gramas de lipídeos), e que Rubner enunciou sua “lei da isodinamia”
(100 gramas de lipídeos são para o “pool” orgânico o equivalente a 230
gramas de carboidratos, ou a 230 gramas de albumina).
Pareceu-nos necessário voltar a esses aspectos do nascimento da
dietética para compreendermos bem qual tipo de herança recebemos no
início do século 20. Adicionemos a isso as fortes influências de Darwin e
Haeckel, de Marx, de Lasalle, de Malthus, etc. Foi nessa situação que Du
Bois-Reymond pronunciou seu célebre: “Ignoramus et ignorabimus”
(Ignoramos e ignoraremos), a 14 de agosto de 1872, perante uma
assembléia de cientistas e médicos alemães. Ele falou dos “limites
intransponíveis do conhecimento”, tanto da natureza como do homem.
Cem anos após, em nossos dias, podemos constatar quão graves
defeitos surgiram no edifício tão audacioso da ciência nutricional moderna,
e que, de qualquer maneira, uma coisa está evidente, como já o dissemos:
nossa imagem da natureza não tem nada a ver com a realidade... e nossa
imagem do homem é falsa. Isso significa também que a dietética tem
necessidade de uma nova imagem da natureza e do homem, se ela quiser se
construir sobre o que é real. Eis aí uma questão capital que surge aos
nossos contemporâneos. Ela permite compreender porque Rudolf Steiner
queria inicialmente criar os fundamentos de uma verdadeira antropologia,
quando falava dos problemas da nutrição.
O COMBATE À TEORIA MATERIALISTA DA NUTRIÇÃO
Desde antes da virada do século travava-se um violento combate em
torno da teoria materialista da nutrição. Foi nessa ocasião que Gustav Von
Bunge, catedrático de fisiologia e bioquímica da Universidade de Basiléia,
Suíça, de 1885 a 1920, adquiriu grandes méritos. Este homem, cuja obra
permanece atual até os nossos dias, e sobre a qual se apóiam importantes
partes da dietética atual, encaminhou-se, movido por uma convicção
íntima, contra as concepções mecanicistas de seus contemporâneos.
Ele exprimiu-se da seguinte maneira em 1886, numa conferência
denominada “Vitalismo e Mecanicismo”, que mais tarde foi incorporada
17
em sua “Fisiologia do Homem” sob o título de “Idealismo e Mecanicismo”:
“O olhar mais profundo, o mais direto que possamos mergulhar em nosso
ser íntimo, mostra-nos outras coisas, quais sejam, as qualidades e processos
que nada têm em comum com um mecanismo”. Bunge declarou então, sem
equívoco, que o essencial da natureza humana é feito de qualidades e de
um dinamismo que de alguma maneira se esconde sob as formas sensíveis.
Conclui: “Quanto mais nos esforçamos por compreender os fenômenos da
vida, mais chegamos a isto: aquilo que já pensávamos ter explicado pela
física e pela química na realidade revela-se mais complicado, desafiando,
no momento, qualquer interpretação mecanicista... Jamais se pôde explicar,
nem na ciência do metabolismo, nem em outros ramos da fisiologia, um só
dos fenômenos da vida com a ajuda das leis físico-químicas”.
Foi inevitável que Bunge entrasse em conflito com um sábio como Du
Bois-Reymond, ardente defensor da teoria mecanicista. Mas Bunge não
procurava ressuscitar um velho “vitalismo”. Achava unicamente que “era
absurdo esperar descobrir outras coisas na natureza vivente senão na
natureza inorgânica, empregando unicamente os mesmos órgãos
sensoriais”. Em outros termos, ele reconhecia claramente que com os
instrumentos de conhecimento que aplicamos na investigação da natureza
inanimada, jamais seria possível compreender o que é vivo, sendo fadada à
derrota qualquer tentativa deste gênero.
Essas afirmações de Bunge são de uma importância enorme e foram
confirmadas de diversas maneiras.
W. Heitler, de Zurique, Suíça, foi ainda mais longe. Ele escreveu:
“Pelos seus modos de ação, as leis que reinam no organismo são
diametralmente opostas às da matéria inanimada. Há no organismo,
manifestamente, atividades que a matéria morta não conhece e que fazem,
precisamente, a diferença entre a vida e a morte”.
NECESSIDADE DE NOVOS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO
As consequências dessas tomadas de posição foram muito importantes
para a ciência da nutrição. Conduzem a verdades que Rudolf Steiner já
havia reconhecido há mais de meio século. “A evolução das ciências
18
naturais, a partir do século 15, isolou o homem da sua própria natureza,
rejeitou-a, e a ciência assim desumanizada celebrou muito triunfos”, disse
ele. Mas como compreender a nutrição do homem se não se compreende
nem mesmo o vivente, sem falar da alma e do espírito?
Em seu debate com Du Bois-Reymond, Bunge escreveu: “Os autores
(mecanicistas) não abordaram o coração do problema: a impossibilidade de
explicar mecanicamente as qualidades psíquicas...”, e mais longe: “E como
esta pequena construção que é a célula torna-se portadora dos fenômenos
da alma? Aqui a fisiologia mais orgulhosa abaixa a cabeça e a psicologia
permanece muda”. Bunge dirige então sua atenção ao que ele denomina
“nosso sentido interior de observação dos estados e processos de nossa
própria consciência”. Esse sentido interior permite “um método científico
de investigação”, o qual pode de uma só vez, projetar luz sobre esses
problemas obscuros. “Pois nada pode parar a ciência na sua marcha
vitoriosa, e a limitação dos dons de nosso espírito não impõe ao homem
nenhuma fronteira intransponível”. Assim, uma personalidade eminente,
representativa da ciência moderna, afirmava que o “Ignorabimus” de Du
Bois-Reymond era falso e que não existe nenhum limite para os nossos
poderes de conhecimento.
Foi nesse momento que interveio a investigação espiritual de Rudolf
Steiner. No início seu método de conhecimento se assemelhava ao da
ciência moderna, mas: “enquanto a ciência permanece no mundo sensível”,
a ciência espiritual quer “considerar o estudo da natureza como uma autoeducação da alma e aplicar ao mundo sensível os resultados da sua nova
pesquisa”. Trata-se então de um “auto-desenvolvimento adquirido pelo
conhecimento da natureza”, mas também de uma tomada de consciência do
Eu e de um conhecimento de si, conforme a realidade. A força do
pensamento sustenta esse trabalho, pois ele se reconhece a si mesmo como
sendo supra-sensível. Pode-se fortificá-lo por meio de exercícios até tornálo um instrumento graças ao qual se revela um mundo até então escondido.
Bunge dizia: “O estudo da fisiologia começa pelo organismo humano,
que é o mais complicado; certamente, pois é o único que se pode observar
por outros modos que não os sentidos físicos, ou seja, pela introspecção,
pelo sentido interior, para finalmente estendermos a mão a aportes da física
que chega de fora”. (Fisiologia, Tomo II).
19
A intenção da ciência espiritual é, igualmente, a de adicionar ao que já
se sabe novos conhecimentos emanados da investigação supra-sensível, o
que permite a criação de uma imagem completa do homem e do mundo,
imagem esta que não está em contradição com a concepção científica, mas
está apta a adicionar-lhe o lado que lhe falta, o espiritual.
Esclarecer as questões alimentares pela ciência espiritual não é
unicamente ajuntar alguns pontos de vista, ou novos dados, mas sim se
apoiar sobre uma concepção geral do homem e do mundo, com a finalidade
de fornecer conselhos práticos para o dia-a-dia.
AS LEIS NATURAIS SÃO VÁLIDAS UNICAMENTE PARA O
MUNDO INORGÂNICO
Rudolf Steiner chegou então a um modo de conhecimento que já havia
sido definido por homens como Bunge, Gigon, Heitler e outros. Assim
como eles, reconheceu que as leis naturais são válidas unicamente para o
mundo físico, ou seja, o mineral. O mundo das plantas, sendo orgânico,
somente é possível sobre a Terra porque existem substâncias que não
permanecem cativas das leis físicas, mas que obedecem a outras leis
diametralmente opostas. O mundo ao qual pertencem essas leis é
denominado pela antroposofia de “mundo etéreo”. Neste sentido só se
compreende a planta quando se vê nela a colaboração do mundo físico
(terrestre) com o mundo etéreo (cósmico).
O MUNDO DAS FORÇAS FORMATIVAS
Da mesma maneira chegamos a uma concepção realista do homem vivo
e de seu corpo etéreo, também chamado de “corpo de forças formativas”.
As substâncias e forças do mundo físico, quando penetram no homem,
devem inicialmente perder o caráter que tinham originalmente, a fim de
poderem ser acolhidas pelo corpo etéreo. É um traço essencial da digestão
humana e será posteriormente estudado em detalhe, e caracteriza também a
20
relação que se estabelece entre o homem e o mundo vegetal, fonte de sua
nutrição.
A REALIDADE DA ALMA E DO ESPÍRITO
Esta realidade forçosamente permaneceu estranha à pesquisa científica
moderna, ainda que diversos movimentos – por exemplo, a etologia, ou
ciência do comportamento – tenham tentado abordar o mistério desses dois
constituintes supra-sensíveis do homem. Entretanto, vê-se que essas
tentativas permaneceram sem valor quando se lê, por exemplo, num ensaio
de Schaeffer e Novak (“Antropologia e Biofísica”): “Finalmente a alma
humana, ou a consciência de si, nasce de uma maneira da qual a biofísica
não pode se dar conta”. E Konrad Lorenz, o grande etologista, chega à
conclusão de que o espírito humano é o Mal absoluto, já que ele é
responsável pela destruição, já muito avançada, da natureza,
Faltaria então encontrar um novo método para a abordagem da
realidade dos fatos psíquicos e espirituais. Na disciplina que já esboçamos
o homem chega efetivamente a observar sua própria entidade, seu Eu,
independentemente de suas ligações com o corporal. O primeiro resultado
positivo de tal disciplina é que a alma se apercebe de si mesma em seu
próprio centro psíquico. Com relação a esse ponto de vista a ciência
espiritual confirma o postulado de Bunge. À pesquisa “desumanizada”
sucede então um método que recoloca o homem no centro de todas as
coisas. Essa disciplina vem, pois satisfazer um desejo expresso atualmente
por numerosos pesquisadores, por exemplo, quando se trata da “limitação
intolerável do pensamento científico corrente”, que torna a medicina inapta
a cumprir suas tarefas. O método de investigação espiritual responde
inteiramente a essas exigências. Permite também a obtenção de dados sobre
o ser anímico-espiritual do homem e de suas relações com o corporal. Sem
tais clarezas não é mais possível a percepção de quais relações o homem
mantém com o mundo quando se alimenta. Foi então uma descoberta
capital de Rudolf Steiner a interação entre a parte natural do homem e sua
parte anímico-espiritual.
21
OS FENÔMENOS DE ANABOLISMO E DE CATABOLISMO DO
HOMEM
Uma formulação particularmente precisa dessa interação encontra-se
nos “Elementos Fundamentais para Ampliação da Arte de Curar”. Já no
primeiro capítulo se lê: “No ser humano o espírito não se manifesta sobre
uma base de atividade construtiva da matéria, mas ao contrário, sobre uma
base de atividade de desagregação. Lá onde deve agir o espírito, a matéria
deve se retirar de seu campo de ação”. Na verdade, a moderna psicologia
conhece esse fato, mas não lhe dá a importância que realmente possui. No
organismo humano os processos anabólicos têm uma relação totalmente
diferente com as atividades psíquicas do que os processos catabólicos. A
edificação material exprime e manifesta atividades vitais, tais como são
observadas no crescimento, regeneração e reprodução. Pelo contrário, o
catabolismo geralmente corresponde a uma retirada dessas forças vitais em
favor de forças de morte, concomitantemente a um despertar ou
intensificar-se da consciência. Dessa maneira, o surgir do pensamento no
corpo etéreo não constitui enriquecimento deste corpo, mas sim sua
degradação parcial, por intermédio de processos de desagregação, de
fenecimento, de declínio. A vida da alma somente pode se desenvolver pela
retração dessas forças de vida, retração esta proporcional à intensidade dos
fenômenos psíquicos.
OS CONCEITOS DE SAÚDE E DE DOENÇA DO HOMEM
A saúde resulta da manifestação das forças etéreas formativas
anabólicas, isto é, das forças ligadas ao crescimento e à regeneração. Na
medida em que a alimentação estimula e entretêm essas forças, sua tarefa é
importante para manter a nossa saúde. Neste sentido, nutrir-se é repelir as
forças da morte. Quando não se pode nutrir mais, a morte sobrevém. É a
morte da velhice, cada vez mais rara hoje em dia.
Mas aos processos vitais, edificadores, constantemente se opõem os
processos catabolizantes, bases necessárias para a vida da alma e do
22
espírito. “É necessário procurar as causas de qualquer estado mórbido nas
atividades do espírito e da alma” (“Princípios Fundamentais”, Capítulo II).
Na ciência espiritual a alma humana é denominada de “corpo astral”,
nomenclatura baseada numa antiga terminologia. As forças de cura, pelo
contrário, residem no organismo etéreo das forças formativas. “Curar-se
bem ou tornar-se são, na realidade significa: desencadear no corpo etéreo
as reações contrárias às atividades patogênicas emanantes do corpo
astral”(7).
A TAREFA DA ALIMENTAÇÃO – A DIETÉTICA
A alimentação serve para estimular e desenvolver os poderes curativos
do corpo etéreo. Neste sentido ela age contrariamente às forças de morte,
enquanto que ao mesmo tempo tem por tarefa prevenir as doenças. Mas se
processos patológicos já se impuseram a alimentação deve ser modificada e
tornar-se um regime. O regime é a alimentação do doente, não unicamente
no sentido de cuidar de tal órgão ou função, mas ainda e, sobretudo, no
sentido de manter a medicação que é indispensável. Finalmente, a
alimentação durante uma convalescença tem por tarefa reconduzir o
organismo do regime especial a um regime normal.
A alimentação, como dissemos, deve ser colocada essencialmente a
serviço da saúde, que é, a cada instante, a resultante das tendências vitais e
das tendências patológicas ligadas à vida da alma. A alimentação deve se
desincumbir disso também. Ela não deve criar obstáculos ao
desenvolvimento de uma vida anímica sadia. Isto significa que ela deve
respeitar ao mesmo tempo os processos corporais (aí compreendida a
regeneração) e o desenvolvimento da consciência. Tocamos aqui num
ponto delicado e decisivo: o homem não adquire uma consciência
unicamente de grupo, como os animais; ele funda em si mesmo uma
“consciência do Eu” e imprime em seu organismo corporal o selo de sua
individualidade. Isto é de grande importância para a alimentação humana,
pois devemos sempre nos perguntar: como pode nossa alimentação
participar dessa “organização do Eu”?
23
VARIAÇÕES E LIMITES DA CONCEPÇÃO CIENTÍFICA
Algumas variações surgiram realmente neste domínio, na concepção
geral dos sábios. Começa-se a falar do “homem, este caso particular”,
enquanto durante muitos decênios ele foi considerado como uma espécie
melhorada do macaco. Pesquisadores renomados, como, por exemplo, o
patologista Doerr, que declara: “Não cometemos sem cessar dois erros
capitais, humanizando o animal e animalizando o homem? Não nos
enganamos, professando que a medicina de nosso tempo é um ramo das
ciências da natureza?” Seria muito longo citar aqui todos os sábios que se
adiantaram nesse caminho; teremos que mencioná-los mais adiante em
relação a diversos problemas. Todos tendem mais ou menos a reduzir as
atribuições da ciência. Por exemplo, o clínico francês Jean Hamburger, em
“O Poder e a Fragilidade” (1972), assinalando a descoberta importante da
“individualidade imunológica”, percebeu aí uma mudança fundamental em
nossa imagem do homem. “Esses representantes de nossa personalidade
estão presentes em cada uma de nossas células”. Bem que “cada uma das
milhões de células que forma nosso corpo possui a nossa marca”. Esta
descoberta marca época. E isto tanto mais quanto Rudolf Steiner enunciou
já em 1924 o seguinte resultado de sua investigação espiritual: “Até nas
menores partes de sua substância o homem é, em sua estrutura, um produto
da organização do Eu” (“Elementos Fundamentais”, Capitulo V). É
necessário então que esta “organização do Eu” seja capaz de imprimir a
cada instante seu “modelo” na substância humana, liberando-a dos traços
da natureza extra-humana. As consequências que isso traz para a
alimentação humana são imprevisíveis, porém somos obrigados a
reconhecer que a ciência atual verdadeiramente não as vê e não está em
condições de vê-las na medida em que não pode compreender o sentido
espiritual de suas próprias descobertas.
A LIGAÇÃO A ANTIGOS HÁBITOS DE PENSAMENTO
Outro pesquisador declara: “O homem possui um cérebro cujo peso
ultrapassa em muito o dos animais mais evoluídos”, mas logo em seguida
24
acrescenta: “Uma particularidade como a do espírito certamente não é
explicada por essa consideração” (Schaeffer e Novak: “Antropologia e
Biofísica”).
Por si só essa posição caracteriza a importância de um método que, por
definição, não pode conhecer a realidade do espírito. Existe uma asserção
de Rudolf Steiner que pode esclarecer-nos a esse respeito: “Quando alguém
diz que crê numa força vital, e mesmo num espírito, e quando expõe todas
as suas investigações e reflexões sobre os problemas da alimentação,
perguntando unicamente como a substância fabricada nos laboratórios age
sobre o organismo humano, sem se preocupar com as leis da vida
espiritual, seus resultados podem então ser fecundos para os humanos, mas
sua concepção geral do mundo não pode ser fecunda”. Em outras palavras,
os hábitos de pensamento, a ligação exclusiva a um método científico
pretensamente único, condenam o pesquisador moderno a uma impotência
tal que suas descobertas, por vezes grandiosas, não podem conduzir ao
verdadeiro progresso que se poderia esperar. Podem, entretanto, servir-nos
de pontos de apoio, não perdendo assim seu valor, pois muitas vezes
confirmam os resultados da investigação espiritual.
A NOVA IMAGEM DO HOMEM
A imagem do homem que pode ser criada e verificada por esse caminho
(dado que a ciência assinala a singularidade do cérebro humano,
instrumento da consciência) pode implicar na proeminência do pensamento
e confirmar esta asserção do investigador espiritual: “O corpo humano
inteiro é formado de tal maneira que encontra sua coroação no órgão do
espírito: o cérebro”. Mas “só se pode compreender a estrutura do cérebro
humano quando o consideramos sob o ângulo de sua função, de sua tarefa,
que consiste em ser o substrato corporal do espírito pensante”. Devemos
aqui lançar-nos a pergunta: Como deve se constituir a alimentação dos
homens para permitir o cumprimento dessa tarefa? Como deve ser
alimentado o cérebro do homem? O que é, na realidade, que o nutre?
É a essas perguntas que as investigações espirituais forneceram
respostas decisivas, com conselhos práticos de uma enorme importância.
25
NOVOS CRITÉRIOS DE QUALIDADE
Surge outra pergunta, já levantada: Como deve ser constituída a
alimentação a fim de interagir com a organização do Eu, que é ativa até na
última célula de nosso corpo? Será necessário estabelecer então não
somente um novo critério de qualidade para os alimentos, mas ainda mais,
regras para sua preparação. Será necessário respeitar inteiramente aquilo
que Rudolf Steiner denominou de “a grande, a possante máxima: É
permitido à natureza ser natureza no exterior da pele humana; no interior
desta pele aquilo que é natureza torna-se contra-natureza”. Será necessário
então que certas concepções naturistas (fiar-se na natureza), muito
divulgadas em nossos dias, sofram uma modificação e uma ampliação, se
quiserem permanecer válidas face à realidade.
A NATUREZA QUÁDRUPLA DO HOMEM – A CORRENTE
QUÁDRUPLA DA NUTRIÇÃO
Desde que a entidade humana surge ao nosso olhar em sua realidade
espiritual, nela discernimos um corpo físico, um corpo etéreo, um corpo
astral e uma “organização do Eu”. Este ampara os outros corpos e os
estrutura. É com esse homem quaternário que se confronta a alimentação.
Temos a triplicidade dos reinos naturais: mineral, vegetal e animal. O
ser humano acolhe em si apenas alguns minerais, por exemplo, o cloreto de
sódio (sal de cozinha). Com os alimentos de origem vegetal, já começa a
tratar com o que é vivente e penetrado de forças etéreas formativas. Aí ele é
confrontado com essas forças das maneiras as mais variadas. Com os
alimentos de origem animal absorve também as forças psíquicas que cada
espécie zoológica soube interiorizar, isto é, ele deve acomodar as diversas
“astralidades” do reino animal. É unicamente em sua infância que deixa
penetrar em si uma substância humana: o leite materno.
Existe então, face à nossa quádrupla entidade, uma corrente alimentar
quádrupla. O efeito que a nutrição terá sobre nós – afirmando nossa saúde,
26
estimulando nossas forças psíquicas, ou servindo de substrato para nossas
faculdades espirituais – dependerá ao mesmo tempo da qualidade dos
alimentos, de sua procedência, sua qualidade e de nossa constituição
individual.
A DUPLA QUESTÃO DA ALIMENTAÇÃO HUMANA
Não nos surpreenderemos então que Rudolf Steiner, em 1908, numa de
suas primeiras conferências sobre alimentação, tenha tido seu ponto de
partida no já citado axioma de Feuerbach: “O homem é o que come”.
Parece lógico que tendo que falar sobre nutrição, que a princípio é um
processo material, tenha-se podido elaborar uma opinião também
materialista. Entretanto, devemos saber claramente que o aspecto material é
apenas a face exterior de algo espiritual. Desde o século 19 a ciência
descobriu que matéria e energia são as formas cambiantes de um único
princípio, mas esta ciência não pôde apreender seu substrato espiritual
comum, porque não podia criar um método para este fim. E também não
podia ver que suas leis (conservação de energia, calorias, etc.) são válidas
apenas para o mundo físico, no seio do mineral inanimado, ou ainda, em
relação ao homem, até o ponto em que ele é portador unicamente de um
“corpo físico”.
Foram esses dois pontos de vista que Rudolf Steiner expôs na referida
conferência: por um lado, o ponto de vista do conhecimento. “Nós não
comemos apenas o que vemos materialmente com nossos olhos; comemos
também o espiritual que se esconde por trás dessa matéria” ou, mais
geralmente, “ingerindo-se este ou aquele alimento, entramos em relação
com o substrato espiritual que se encontra por trás do objeto material”.
Neste sentido, o axioma de Feuerbach pode ter certa veracidade. Mas é
necessário colocar imediatamente esta pergunta: O que transforma a
alimentação no homem? O que ocorre quando ele digere, assimila e
excreta? Como as leis de nosso meio se relacionam com as diversas
necessidades e forças de nosso organismo? Para sabê-lo é preciso possuir
um conhecimento do homem que seja correspondente à realidade. É o que
foi feito por Rudolf Steiner de uma maneira decisiva e fundamental.
27
Também nesse livro apelaremos às suas exposições sobre medicina e
fisiologia nutricional.
A ATIVIDADE DOS CONSTITUINTES DO HOMEM DO PONTO DE
VISTA DA ALIMENTAÇÃO
Du Bois-Reymond declarou que a partir de ações materiais jamais se
poderia explicar a vida. Rudolf Steiner, em seu “Elementos Fundamentais”
(Capítulo III) pergunta por que certo número de átomos de carbono, de
oxigênio, de hidrogênio e nitrogênio, unicamente por suas respectivas
posições, passadas ou futuras, são levados a engendrar a vida. Isto é tão
impossível como engendrar a consciência, pois os fenômenos da vida não
prolongam os processos da natureza inorgânica: são-lhe opostos. Uma
planta viva sobrepuja o peso terrestre e abre-se às forças extraterrestres. É
obrigada então a vencer o físico. É dizer também que a albumina, que é
portadora do vivente (decompõe-se em C-O-H-N), deve sua formação não
às forças terrestres, mas às forças cósmicas. Vimos que Rudolf Steiner
denominava-as de forças etéreas formativas, e que chamava de “corpo
etéreo” ou de “corpo de forças formativas” sua participação em um dado
organismo. Esse “corpo etéreo” dá-lhe sua forma, sua estrutura; está
presente em todas as atividades, tais como o crescimento, a reprodução, a
assimilação. É o que impede, enquanto dure a vida, que as substâncias e
forças físicas sigam seu próprio caminho; é então um “lutador” contra essas
substâncias e forças. Isso nos permite compreender porque, num organismo
vivo, as substâncias não possam nem devam permanecer tais como são fora
dele: desde os primeiros instantes em que ingere o alimento o homem
começa a modificá-lo, a decompô-lo e a transformá-lo, para poder
apropriar-se dele. Também a fisiologia moderna chega a essa constatação.
É unicamente na excreção que as substâncias retornam novamente
“mortas”, abandonadas à natureza mineral, e é unicamente após nossa
morte que as substâncias trabalham em nós como o fazem no mundo
mineral, destruindo nossa estrutura corporal. Enquanto dure a vida elas são
submetidas ao seu serviço. O corpo etéreo é geralmente chamado de “corpo
de vida”, mas nada tem a ver com a hipotética “força vital” de certos
filósofos vitalistas dos séculos 18 e 19.
28
Pode-se caracterizar o corpo físico por seus componentes sólidos,
minerais. As forças formativas, que se manifestam na maré dos sucos,
servem-se do elemento líquido. Desde o instante em que há circulação (seja
de líquidos nutritivos ou de sangue), temos forças não mais terrestres, mas
cósmicas
Mas o homem não é apenas um ser vivo: é ainda um ser anímicoespiritual portador de sensações, sentimentos, desejos e paixões.
Contrariamente ao que se passa nos animais, nele essas forças se organizam
e constituem um “corpo anímico” (corpo de alma, em oposição a corpo de
vida), onde surge a consciência e na medida em que ela age, as forças de
vida são repelidas. Assim para que surja em nós uma sensação ou um
sentimento, deve haver um recuo dos processos vitais; o crescimento para a
reprodução celular é freado. Assistimos a fenômenos de desagregação, de
catabolismo. Todos os órgãos humanos participam de processos
simultâneos de construção e de desagregação, mas nunca na mesma
medida. Um órgão como o fígado, está intensamente a serviço das forças
etéreas. As células hepáticas têm uma extraordinária capacidade de
regeneração. Entretanto, a formação da bile é um forte catabolismo. Nos
processos sensoriais e nervosos o catabolismo surge desde a primeira
infância. Para que um olho possa ver e um ouvido escutar, devem ser
abolidas as forças vitais que lhes são próprias. O olho torna-se então uma
espécie de aparelho físico que deve ser nutrido de fora por um sutil
processo circulatório. O ouvido, sem dúvida o mais perfeito órgão humano
é, como o olho, solidificado e petrificado. Finalmente, o cérebro não
poderia se tornar um instrumento do pensamento se as células nervosas não
perdessem, desde o nascimento, toda a capacidade de reprodução. “O
pensamento consciente não utiliza processos de formação ou crescimento,
mas de desagregação, de fenecência, de declínio”. O corpo astral (corpo
psíquico ou anímico) constrói seus órgãos, depois os destrói, o que permite
a manifestação consciente do sentimento na alma. O “Eu” constrói sua
própria “organização”, depois a destrói, assim que a atividade voluntária
age no conhecimento de si. Por essas forças do Eu o homem constitui um
“reino” à parte: eleva-se acima do animal e torna-se o portador de uma
organização espiritual. Este constituinte do homem intervém nos processos
corporais pelo calor. É assim que o fígado, sede de nosso calor máximo, é o
substrato corporal de nosso desenvolvimento voluntário. E não saberíamos
compreender a importância da temperatura dos alimentos sem nos darmos
29
conta dessa correlação. Da mesma maneira, o corpo astral utiliza o
organismo aéreo do homem, tornando-o seu substrato. A função
respiratória é também de natureza anímica. Mas o organismo aéreo, assim
como o calor, espalha-se por todas as partes do organismo humano.
A PONTE ENTRE O FÍSICO-CORPORAL E O ANÍMICO-ESPIRITUAL
É dessa maneira que se encontra uma possibilidade concreta de criar
uma ponte, nos dois sentidos, entre o corporal e o anímico-espiritual.
Podemos agora compreender que a substância alimentar estenda suas ações
até o domínio da alma e do espírito. Retomaremos mais adiante o mesmo
assunto. Mas agora se torna claro que cada substância alimentar deve ser
acolhida em todas as organizações humanas, para poder ser utilizada.
UMA ALIMENTAÇÃO APROPRIADA AO SER HUMANO
A tarefa da organização do Eu é precisamente a de transformar os
alimentos para torná-los apropriados ao ser humano. Quando existe a
impossibilidade ou incapacidade de preencher essa função, seja por
fraqueza da organização do Eu, seja por uma deficiência do corpo físico, a
morte sobrevêm, final e irremediavelmente.
O organismo da vida (corpo etéreo) é estimulado e fortificado pela
alimentação, como já vimos, tornando-se então o substrato para a saúde e
para todas as forças de cura. Mas dele não pode brotar nenhuma faculdade
da consciência. Tais faculdades exigem uma retirada, isto é, uma
momentânea paralisia das forças da saúde. Pode então surgir o sentimento.
Mas se o equilíbrio entre esses dois pólos é rompido, resulta a doença.
Toda dor é um sentimento muito forte, uma influência muito pronunciada
do organismo da alma (corpo astral) sobre o domínio do corpo.
Esse equilíbrio é instável e torna-se necessário restabelecê-lo sem
cessar. Cada ingestão de alimento faz com que ele vacile, depois o
30
restabelece. Um antigo provérbio árabe exprime perfeitamente essa
verdade: “Torna-se doente comendo e cura-se digerindo”.
Rudolf Steiner desenvolveu esse princípio numa conferência destinada
a jovens médicos: “O homem é constituído por processos brotantes de cura
e por perpétuas intrusões de forças patogênicas, isto é, por um processo de
morte que é contínuo, mas que é interrompido sem cessar, até que a soma,
ou a integral desses processos mórbidos predomine e traga a morte”.
Esboçamos de uma maneira geral e rudimentar uma série de questões
fundamentais concernentes à alimentação. Somente uma imagem verídica
do que é o homem, permite entrever o conjunto dos fenômenos
nutricionais. Veremos, em sequência, quais os resultados que se podem
auferir.
O estudo da nutrição, que permaneceu num impasse no século 19, pode
receber uma ampliação a partir da investigação espiritual de Rudolf Steiner.
Nessa nova imagem do homem insere-se organicamente uma nova imagem
da nutrição. Partindo daí torna-se possível traçar uma imagem da natureza
frente à alimentação. Assim poderão ser explicadas, conforme a realidade,
as ações e reações que se fazem entre o homem e a natureza, por
intermédio da alimentação.
Igualmente se explica como infelizmente se chegou à conjuntura atual,
e perceber-se-ão possibilidades de remediar, por impulsos sadios, esta
situação extremamente ameaçadora.
-x-
31
CAPÍTULO II
POR QUE SE ALIMENTAR?
A BALANÇA E O TERMÔMETRO NO ESTUDO DA NUTRIÇÃO.
- QUAL É O OBJETIVO DA ALIMENTAÇÃO HUMANA?
Desde que Lavoisier fundou a doutrina segundo a qual a vida é uma
função química e os alimentos “combustíveis”, pareceu fácil responder a
essas perguntas. Desde 1780 empregou-se a “balança, o termômetro e os
princípios da química para se estabelecer quantitativamente as relações
energéticas entre o alimento, o trabalho e o organismo” (M.Pyke).
Considerou-se todo fenômeno nutricional no homem como um “processo
de combustão” no qual os alimentos, ditos “portadores de energia”,
desenvolviam sua atividade graças à participação do oxigênio. Essa
energia, convertível em calor, pode ser medida com a ajuda de uma
unidade: a caloria. Bastava então estabelecer quantas calorias continha um
alimento.
Na realidade, a partir do fim do século 19, diversos experimentos
colocaram em causa essa disciplina simplista, em alguns detalhes. Gustav
von Bunge (1844-1920), o fisiologista e químico de Basiléia já citado,
percebeu (talvez tenha sido o primeiro a fazê-lo) que existe também “vida
32
sem oxigênio”. Começou-se a dizer que não é a combustão em si que é
universalmente necessária à vida, mas unicamente a energia por ela
liberada. Isso significa que todos os processos libertadores de energia são
úteis à vida. Por outro lado, reconheceu-se que proteínas específicas têm
constituições bem diferentes e não podem substituir-se umas às outras na
alimentação. Essas pesquisas prosseguem e delas ainda teremos que falar.
A “NATUREZA PRÓPRIA” DAS SUBSTÂNCIAS ALIMENTARES É
UM CRITÉRIO DE QUALIDADE INDISPENSÁVEL
Foram igualmente os ensaios de Bunge que atraíram a atenção sobre o
fato de que num alimento, no leite, por exemplo, o que nutre
verdadeiramente não são seus pretensos “constituintes”, resultantes de sua
decomposição, mas a totalidade; não são os dados de quantidade, mas a
“natureza própria” do todo, ou seja, a sua qualidade. Tais ensaios levaram à
descoberta de novos valores quantitativos extraordinariamente menores,
como os das vitaminas e oligo-elementos. Desde então se viu claramente
que a antiga concepção da nutrição, “grosseiramente material”, tornava-se
insustentável. Mas naquele momento o pensamento dos homens movia-se
apenas na direção do quantitativo, mesmo quando as “vitaminas”
conduziam-no até os limites do ponderável.
No final da sua vida Rudolf Steiner chegou a conhecer os inícios dessa
pesquisa sobre as vitaminas, e observou: “É necessário que outra maneira
de observar crie um caminho”. Também sobre esse ponto retornaremos
mais tarde.
À luz dessas descobertas a ciência da nutrição foi obrigada a mudar de
direção. Começou-se a falar não mais exclusivamente de “portadores de
energia” (elementos térmicos), mas também de “substâncias protetoras”,
entendendo-se, por isso, hoje em dia, as vitaminas, as substâncias minerais
e a água, pois esses elementos são indispensáveis à vida. Mas não podem
ser medidas em calorias. Foi-se obrigado a reconhecer seu caráter
puramente funcional, isto é, de maneira qualitativa. Em nossos dias,
atribuem-se tais “funções protetoras” às proteínas e a certas gorduras, ou
seja, a alimentos que sempre tinham sido considerados como simples
33
fornecedores de calorias. A. Gigon, da Basiléia, declarou em 1951: “O
valor de um alimento não pode ser compreendido nem do ponto de vista da
produção de calorias, nem do ponto de vista de sua composição química”.
Qual outro ponto de vista resta então, a não ser o qualitativo?
Um médico dietista, M.Bircher-Benner, escreveu em 1929: “Todos os
valores nutritivos conhecidos, sejam proteínas, gorduras, carboidratos ou
minerais e vitaminas, são, no fundo, relativamente à sua origem, os ecos e
nuanças da luz solar. Agem como turbilhões bem ordenados de energia
solar; são retirados em ondas estacionárias e nós então os percebemos
como substâncias materiais, organismos, corpos; ou então se dissolvem em
correntes...”. Tais palavras deixam perceber nitidamente uma concepção
qualitativa das substâncias alimentares.
LEI ENERGÉTICA E SEUS LIMITES
A concepção materialista da nutrição foi abalada ainda de outra
maneira no início do século, se bem que não se tenha tomado tal abalo a
sério até o momento.
Um dos principais pilares da ciência da nutrição era, desde o século 19,
a célebre lei da conservação da energia. “Nada pode sair do nada”, declarou
Julius Robert Meyer, em 1842. Achava-se que o universo possuía uma
quantidade constante de forças (físicas) que se transformam em energia
térmica, mecânica ou química, mas cuja totalidade não podia nem aumentar
nem diminuir. Esta lei, confirmada no mundo orgânico, seria igualmente
válida para os organismos vivos? M. Rubner, em 1894, publicou suas
pesquisas, segundo as quais a lei da conservação da energia, era
plenamente válida para a vida animal. Outros pesquisadores acreditavam
encontrar também no homem tal afirmação.
Queria se provar definitivamente que o homem transforma somente
quantitativamente as substâncias e as forças absorvidas, dá-lhes outra
forma, utiliza-as no trabalho e excreta o restante. O homem seria apenas
34
um fragmento da natureza, um elo na corrente infinita do circuito universal
de substâncias e de forças, “da luz solar metamorfoseada”.
Mas no início do século passado Bunge fez uma objeção importante:
“O que ocorre na vida psíquica? Nossas sensações, nossos sentimentos,
nossas representações, são também luz solar metamorfoseada? Ou devemos
admitir que o nosso mundo interior não obedece à grande lei?” Bunge não
pode responder a sua própria pergunta. Mas a fisiologia moderna
espantosamente afirma que o trabalho intelectual praticamente não eleva o
nosso “metabolismo basal”. Não significa isto que a atividade anímicoespiritual do homem, e notadamente seu pensamento, não obedece à lei do
circuito de energia e se libera das regras da natureza?
Rudolf Steiner, baseado em sua investigação espiritual, respondeu no
9º. Capítulo de sua “A Filosofia da Liberdade”: “A planta transformar-se-á
em razão da lei objetiva que nela reside; o homem permanece em seu
estado imperfeito se não captar em si mesmo a substância a ser
transformada e se ele não se transformar por sua própria força. A natureza
faz do homem apenas um ser natural... somente ele pode fazer de si mesmo
um ser livre...”
E pode fazê-lo, pois a “organização humana não está separada do ser do
pensamento”.
A “A Filosofia da Liberdade” surgiu em 1894, no mesmo ano em que
Rubner publicou sua confirmação da lei de conservação de energia, no
mundo vivo.
Compreende-se porque Rudolf Steiner tenha visto nessa lei o grande
obstáculo que se opõe à compreensão do ser humano. Aliás, ele afirmou
que o homem é a única criatura na qual ela não se verifica. Para a ciência
da nutrição isso significa que somente o homem é capaz de individualizar a
substância de seu corpo, isto é, de retirá-la da corrente das leis naturais.
A INDIVIDUALIDADE BIOQUÍMICA DO HOMEM
Roger J. Williams, da Universidade do Texas, publicou em 1963 um
livro intitulado: “Biochemical Individuality”. Num ensaio posterior
35
escreveu o seguinte a esse respeito (1967): “A individualidade bioquímica
é um tema imenso, com numerosas ramificações, e do qual há ainda
numerosas pesquisas a serem feitas. O dado fundamental é a unicidade, a
singularidade de cada indivíduo, sendo a individualidade bioquímica
apenas uma parte dessa unidade. É um pilar da biologia. Não se pensa o
suficiente, de que cada um de nós tenha sua personalidade metabólica
especial e uma bioquímica que lhe é própria, exclusiva, pessoal. Sem
dúvida, nós utilizamos os mesmos aminoácidos, vitaminas e minerais, mas
a maneira como lhes damos valor e eficácia varia infinitamente”.
Lembremos que Rudolf Steiner disse em 1925: “Na sua estrutura, e até
nas mais ínfimas partes de sua substância, o homem é um produto de sua
organização do Eu”.
DESTRUIÇÃO E RESSURREIÇÃO DA MATÉRIA NO HOMEM
Na natureza, fora do organismo humano, é absolutamente válida a lei
da conservação da energia, mas no homem a Antroposofia fala “de um total
desaparecimento da matéria e de um nascimento de nova matéria, a partir
do simples espaço”.
Retornaremos oportunamente a esse tema. A ciência oficial já se
aproxima desse dado da investigação supra-sensível, que é indispensável
para a ampliação da ciência da nutrição.
A ALIMENTAÇÃO: UMA RESISTÊNCIA CONTRA A NATUREZA
Começamos a transformar o alimento a partir do primeiro instante em
que o tomamos, isto é, resistimos à natureza.
36
Liebig já falava, em pleno século 19, nas suas “Cartas de Um
Químico”: “Graças às forças engendradas em seu corpo o homem resiste às
energias naturais que continuamente tendem a aniquilar sua existência.
Essa resistência deve renovar-se quotidianamente, a fim de assegurar sua
momentânea sobrevida. O homem tem necessidade de fatores de
aquecimento e de forças, sob a forma de alimento e bebida, graças aos
quais nasce em seu corpo a resistência contra os efeitos da atmosfera, a
qual diariamente absorve para si uma fração de nosso corpo”.
Liebig insistia assim no ato de resistência que o homem deve exercer
contra a natureza, precisamente ao se alimentar. O homem só pode se
defender contra essa vontade destruidora da natureza se os alimentos lhe
trouxerem os estímulos e os meios de engendrar em si mesmo forças
suficientes, isto é, de criá-las para a ela se contrapor. Não toma então as
substâncias e forças naturais para evidenciar-lhes o valor, mas sim para
engendrar em si mesmo forças de defesa, o que pode finalmente exprimirse assim: na realidade o homem não pode se aproximar da natureza sem se
arriscar a ser destruído por ela. Toda ingestão de alimentos implica no
triunfo dele sobre essas substâncias e forças, das quais tem necessidade
para sua existência física.
Rudolf Steiner anunciou sem equívoco: “Não comemos para ter em nós
este ou aquele alimento, mas sim para podermos desenvolver em nós as
forças que triunfam sobre o alimento. Comemos para resistir às forças da
Terra, e vivemos sobre ela graças a esse contínuo ato de oposição”.
Ele respondeu assim, de uma maneira definitiva, à pergunta: “Por que
comemos?” Mas restam muitas outras. Por que temos necessidade de
alimentos variados, enquanto somente um bastaria para despertar nossa
força de resistência, a qual parece, a princípio, única e homogênea? O que
ocorre com essa força no interior do homem, quando da gênese de suas
próprias substâncias? De que natureza são as forças incluídas nos alimentos
e contra as quais resistimos? E, finalmente, como agem elas sobre os
diversos constituintes do homem? As considerações puramente
quantitativas não podem fornecer nenhuma resposta para essas perguntas.
Tal é o conjunto dos problemas que nos ocuparão nos próximos capítulos.
-x-
37
CAPÍTULO III
CONTRIBUIÇÃO À FISIOLOGIA DA NUTRIÇÃO
O HOMEM E OS REINOS NATURAIS NA ALIMENTAÇÃO
O homem retira sua alimentação dos três reinos na natureza: o reino
mineral, o reino vegetal e o reino animal. O que vem do reino mineral para
nossa alimentação é mínimo e sem nenhum valor em calorias; no entanto
ele é indispensável à vida. Em nossa época, pelo contrário, os alimentos do
reino animal não cessam de aumentar em número, porém não podemos
qualificá-los nem de indispensáveis, nem de necessários à vida. É então do
reino vegetal que o homem retira a maior parte de sua nutrição. Isso nos
mostra que deve haver uma relação toda particular entre o homem e o
mundo das plantas. Na humanidade atual a grande maioria dos indivíduos
vive efetivamente de frutas e legumes. Somente um décimo da nutrição
38
global dos homens provém dos animais (compreendendo o leite e seus
derivados).
O reino animal é o mais próximo de nós; o reino mineral é o mais
distante. O reino vegetal ocupa uma posição intermediária:
Animal
Homem
Vegetal
Mineral
O caminho que vai do animal ao homem é então o mais curto, e o que
parte do mineral o mais longo. Pode-se deduzir que o homem tem
necessidade de um mínimo de forças para triunfar sobre os alimentos
animais e de um máximo para triunfar sobre os alimentos minerais. Isso
nos explica imediatamente porque o homem, em sua constituição atual, é
capaz de absorver diretamente apenas minúsculas quantidades de minerais.
A planta lhe traz os minerais de que necessita, mas sob uma forma já
organizada e superior que, em certos casos, atinge o nível animal.
Talvez se tire a conclusão de que a alimentação carnívora seja a mais
adequada ao homem. O animal, devido ao seu nível de organização,
aproxima-se dele tanto quanto possível. O homem deve dar apenas um
passo para “humanizar” sua carne. Para a nutrição de origem vegetal o
homem deve despender duas vezes mais forças. Mas as condições da
realidade são diferentes: Rudolf Steiner revelou frequentemente que o
homem tem perfeitamente as forças necessárias para triunfar sobre a
organização vegetal, senão não poderia fazê-lo e não continuaria a retirar
do mundo vegetal a maior parte da de sua alimentação. Aí existe uma lei
que a biologia moderna conhece exatamente: um órgão que permanece
inativo ou insuficientemente ativo se atrofia ou degenera. Certamente, num
vegetariano, o organismo deve retirar forças bem diferentes de sua
intimidade do que um comedor de carne, mas essas forças ele as possui.
Quando são insuficientemente ativadas, retiram-se e trabalham então, no
organismo, de uma maneira que “muito geralmente engendra fadiga e
perturbações”. Retornaremos mais tarde a esse importante ponto de vista
que nos conduz à noção de que a nutrição “consiste em trabalho e não em
substâncias”, e que é absolutamente importante saber “que nossa vida
39
consiste não em ingerir repolhos e nabos, mas no trabalho que é preciso
executar quando as substâncias dos repolhos e nabos penetram em nosso
corpo”.
Esse trabalho pressupõe, entretanto, que a natureza dos alimentos nos
seja estranha. As forças de que o organismo necessita nessa circunstância
são representadas entre outras pela atividade das enzimas. Nos seres
humanos essa atividade varia em função da idade. Por outro lado, como já
explicamos, o homem sempre tem em seu organismo a possibilidade de
ficar doente, na medida em que exerce faculdades anímico-espirituais. Isso
tem um papel na sua alimentação, pois, por um lado, cada ingestão de
alimento impõe a seguinte pergunta ao homem: Pode ele triunfar sobre esta
natureza estranha e humanizá-la? Essa intrusão de um corpo estranho
ameaça destruí-lo e assim entravar-lhe suas capacidades anímicoespirituais, desencadeando nele forças naturais. Isto equivale a dizer que
toda alimentação é um início de processo mórbido. “O homem que comeu
está, por assim dizer, doente”. Em outros termos, ele deve “triunfar sobre
esta doença” graças às forças do seu organismo. O antigo provérbio árabe
está certo: “torna-se doente comendo e cura-se digerindo”. “No fundo, ficar
doente não é nada mais do que uma continuação do processo que ocorre na
nutrição humana”. Tal afirmativa projeta muita luz sobre as “doentes
dependentes da nutrição” que aumentam em nossa época. A alimentação
hoje em dia desempenha um papel importante como fator patogênico.
Pode-se deduzir que a alimentação do homem tem relações regulares,
mas múltiplas, com o conjunto de sua organização. O valor em calorias não
é aqui um critério adequado, e o que hoje em dia se chama “valor
biológico” certamente se revelará insuficiente. Para se estabelecer um
critério de qualidade de acordo com a realidade, deveremos ter em mente as
verdadeiras ações e reações entre a nutrição e a totalidade do homem. É o
que tentaremos fazer aqui.
Em seu “Curso Agrícola”, em 1924, Rudolf Steiner acentuou que o que
importa, mais do que as considerações de peso, é “que absorvamos de
maneira adequada a vitalidade das forças contidas nos alimentos”.
Devemos saber então que tais forças existem em nossa nutrição. O mundo
das plantas é penetrado pelas mesmas “forças formativas e de vida” de
nosso próprio corpo etéreo. O mundo animal tem, além delas, forças
anímicas diferenciadas e organizadas. Essas organizações de forças não são
40
de maneira alguma “paralelas” às substâncias físicas; ao contrário,
penetram estas últimas elevando-as a um nível superior.
As forças vitais da planta são opostas às leis físicas. Uma planta viva é
repleta de forças que de alguma forma arrebatam sua materialidade para
uma esfera cuja origem não é mais terrena, mas cósmica, pois enfim, a vida
vegetal é impossível sem as forças do sol. Na planta vive a matéria terrestre
“sai da sua comunidade com a terra”. Ela se incorpora com as forças que,
provenientes do extra-terrestre, “irradiam de todos os lados para a terra”, e
“o ser vegetal nasce da colaboração entre as forças terrestres e essas forças
cósmicas”. É por essas forças etéreas formativas das plantas que o homem
se orienta na alimentação vegetal. É importante saber que essas forças
subsistem na planta e que continuam a agir nela, mesmo quando ela está
separada do de seu substrato vital imediato. Surgem aqui diversas questões:
a da alimentação crua, ou ao menos fresca, a do preparo dos alimentos
(cozimento) e a de sua conservação. É necessário acentuar que os animais
em liberdade retiram sua alimentação diretamente da natureza vivente, o
que o homem raramente faz, pois ele sente a necessidade de uma
“preparação”.
É necessário lembra que o animal organiza em si mesmo uma categoria
de forças mais elevadas, pois ele não é simplesmente “vivo”, mas ele
também “sente”. Rudolf Steiner expôs a esse respeito que, na planta, a
substância é metamorfoseada pelas forças que se irradiam para a terra,
enquanto no animal, a substância senciente forma-se a partir da substância
viva, assim como na planta a substância viva se forma a partir da matéria
inanimada. A “substância senciente” é o produto do psiquismo (corpo
astral). Dessa maneira o animal possui, no exterior, uma forma completa e
autônoma, e no interior, sistemas orgânicos. Quem consome alimentos de
origem animal confronta-se com os efeitos residuais dessa astralidade. Um
órgão animal não é penetrado apenas por forças etéreas formativas, mas
também por forças astrais específicas. Um músculo de vitela é
completamente diferente da carne de peixe ou do fígado de ganso. É
necessário ter isso em mente se quisermos critérios de qualidade
compatíveis com a realidade. De qualquer forma, a alimentação de origem
animal difere qualitativamente da alimentação de origem vegetal.
Já no que se refere aos alimentos minerais, neles não ocorre nenhum
desses efeitos residuais astrais ou etéreos. Os minerais estão muito distantes
41
do homem; entretanto, são eles que se harmonizam mais facilmente com a
organização humana, pois não oferecem para sua destruição nenhuma
resistência de ordem vital ou anímica. Sua qualidade provém de outras
propriedades que posteriormente serão abordadas.
AS QUATRO ETAPAS DA DIGESTÃO. A DIGESTÃO BUCAL.
A digestão faz-se em quatro grandes etapas: na boca, no estômago, no
intestino delgado e, finalmente, no intestino grosso. Os primeiros
fenômenos já ocorrem na cavidade bucal e é importante que aí esses
fenômenos, por exemplo, a mastigação e a salivação, possam ser
observados pela consciência de vigília. A salivação é o trabalho das
glândulas salivares. É muito curioso que a qualidade da saliva mude em
função da natureza dos alimentos. Quando se põe na boca qualquer coisa de
insolúvel, por exemplo, uma pedra, as glândulas secretam uma saliva
aquosa, inativa. A resposta a um estímulo sensorial causado pelo alimento é
uma verdadeira saliva digestiva. Ela é de uma composição diferente
segundo o tipo do alimento. As glândulas secretam também,
permanentemente, uma saliva que umedece a cavidade bucal e que
desempenha certo papel na linguagem.
Essas variedades da saliva são provocadas também pelo paladar e
aroma dos alimentos, bem como por sensações visuais, auditivas, táteis e
térmicas, e até mesmo por atividades puramente anímicas; a representação
ou o desejo de um alimento. Isso mostra que o organismo psíquico (o
astral), conscientemente ou não, influencia a secreção das glândulas
salivares. Estas podem retirar do sangue elementos variados, segundo as
circunstâncias.
Mas Rudolf Steiner ensinou-nos a ver essas singularidades sob outro
aspecto. De uma maneira geral, as atividades glandulares fazem parte de
nosso organismo líquido e são expressões das forças etéreas. Mas a saliva
(e qualquer outra secreção) não é apenas formada, ela também é enviada ao
encontro dos alimentos, fazendo um ato de resistência contra a natureza
própria deles, que nos é estranho. Ora, essa resistência desperta certa
experiência interior, anímica, geralmente inconsciente. É como o choque de
42
um mundo estranho ligado a uma percepção aumentada do Eu. Se essa
percepção se intensifica, torna-se uma dor consciente: a de ter se chocado
com qualquer coisa. Um processo desse gênero acompanha em realidade
cada formação de saliva, ou outras secreções: é a sensação de extrair algo
do sangue e criar um líquido autônomo. Rudolf Steiner definiu esse
processo que ocorre em todas as glândulas como uma “tomada de
consciência de si”. Mostrou que é porque nosso organismo secreta diversos
líquidos que nasce nele a faculdade de se sentir isolado e capaz de se
experimentar a si mesmo. Essa auto-experiência provém essencialmente da
resistência encontrada pelo organismo.
Esse fenômeno interior ligado às glândulas, essa colaboração entre o
corpo etéreo e o corpo astral, prolonga-se em seguida à nutrição ingerida.
Aí também há uma “sensação de resistência”. A secreção salivar está então
ligada ao despertar do sentimento de si próprio, como foi dito. Ela aumenta
ao simples pensamento de um alimento particularmente desejado – fala-se
então de “água na boca”, porque se resiste por antecipação a esse alimento
desejado, o que fortifica o sentimento do Eu. Por aí se explicam também os
efeitos dos condimentos e substâncias aromáticas, dos quais trataremos
detalhadamente, pois são critérios de qualidade. Estimulam a salivação para
assegurar, por antecipação, um tratamento privilegiado na digestão e
assimilação.
Por outro lado, as secreções glandulares são em geral um sinal
indicativo de “que as forças etéreas saem do órgão e se transformam em
pensamentos”.
Quando uma glândula secreta, sempre o faz com relação a certos
movimentos conscientes ou instintivos da alma. É o que se vê claramente
no caso das lágrimas, mas igualmente no suor, quando este último se
relaciona ao medo ou a outras tensões anímicas. Vê-se aqui uma espécie de
divórcio entre as forças da alma e as atividades vitais. Uma parte do
fenômeno ocorre na alma, outra na vida orgânica. Pode-se exprimir isso da
seguinte maneira: “Se eu não tivesse tido este pensamento, minha glândula
não teria secretado”. Uma parte das forças formativas é diminuída então de
sua força vital e transferida para o domínio da alma. Em outros termos,
aquilo que é pura força etérea na planta e animais inferiores emancipa-se
em parte no homem e nos animais superiores, passando para o psiquismo.
O processo glandular, desde a salivação até a secreção do suco gástrico,
43
suco intestinal, etc. é assim uma particular alternância de ações entre as
forças da alma e as da vida. Esse dado é de grande importância para a
compreensão das glândulas digestivas em seu conjunto. Vemos então até
que ponto a nutrição está ligada à vida da alma do homem.
Quanto ao papel desempenhado pela saliva na elocução na linguagem
humana, temos o belo exemplo de uma função orgânica colocada a serviço
de uma atividade anímico-espiritual. Pode-se dizer o mesmo da língua e
dos dentes. A cavidade bucal do homem não é unicamente um órgão
digestivo, mas se encontra também a serviço de atividades superiores.
Dessa maneira, o processo alimentar no homem perde muito de sua
animalidade. Somente o homem pode desenvolver uma cultura
gastronômica, já que uma parte de seus processos nutricionais é consciente.
O homem aprende a comer (em alemão: essen), enquanto o animal é
condenado a pastar ou a devorar (em alemão: fressen).
Mencionamos finalmente a ação digestiva da saliva propriamente dita,
devida a uma enzima, a ptialina, que decompõe certos carboidratos (o
amido), criando estágios preliminares do açúcar. As gorduras e as
albuminas (proteínas) atravessam a cavidade bucal sem serem modificadas,
chegando assim ao estômago, enquanto que a conversão das substâncias
amiláceas em açúcar começa na boca. Esse gosto açucarado que surge
então é acessível à consciência. Rudolf Steiner indicou que esse processo
está situado nos limites da organização do Eu. Ele apela às forças que não
são do domínio vegetativo, nem mesmo do domínio animal, mas que
incitam a tomar consciência do Eu: “O homem não pode ser consciente a
não ser graças a processos de sua organização do Eu, que agem de maneira
a que nada venha perturbá-la ou suplantá-la... É nesse domínio que se
encontram as ações da ptialina”.
Por outro lado, o calor acolhe os alimentos desde a cavidade bucal e
regulariza sua temperatura.
O TRIUNFO SOBRE A NATUREZA ESTRANHA DOS ALIMENTOS
É necessário que a natureza estranha dos alimentos seja elaborada por
nossas próprias forças (etéreo-vitais, anímicas e espirituais). Um primeiro
44
resultado desse trabalho é que o alimento perde, mais ou menos, seu estado
sólido, dissolve-se, liquefaz-se. Que significa isto na realidade?
Um alimento sólido ou talvez mineral (sal de cozinha) obedece ao peso
terrestre. Nas antigas concepções, o sal e a solidificação eram como que
sinônimos de peso, de subordinação à Terra. Este caráter é abolido em
seguida na cavidade bucal, sob a condição de que as substâncias sejam
hidrossolúveis. Aí o sal retorna ao estado de solução. Isso significa na
realidade que o elemento constitutivo da terra é vencido. O sal retorna ao
estado em que se encontrava antes de ser tornado duro e pesado, sob o
efeito das forças gravitacionais. O resto do alimento é igualmente
liquidificado, também liberado das forças terrestres. Tal é a ação imediata
de nossa organização etérea, cujo elemento próprio é o líquido. “A natureza
humana tem certa necessidade de fazer retroceder certos processos da
natureza exterior”.
Esse poder de dissolver o mineral (e também o açúcar) pertence ao
nosso organismo de vida. Nas plantas e animais a solidificação já foi
vencida pelas respectivas forças etéreas, mas quando elas se tornam nossos
alimentos permanecem como “corpos estranhos” para nós, pois seu etéreo é
diferente do nosso. Seria ilusório acreditar que nosso corpo etéreo pudesse
absorver diretamente o de uma planta ou de um animal. Pode-se dizer o
mesmo do corpo astral de um animal: nossa própria astralidade se opõe a
ele.
Rudolf Steiner indicou isso com muitos detalhes concretos: “Todo traço
de vida extra-humana deve desaparecer de nossos alimentos”. No caso dos
comedores de carne, ele mostrou como “tudo” deve ser expulso desse
alimento. Caso isso não ocorra a atividade da natureza prossegue no
homem e uma doença se manifesta.
Essa luta que se inicia na cavidade bucal prossegue através do
estômago até o intestino. As ações das diástases e do ácido clorídrico
“preparam” o alimento antes do seu acesso ao verdadeiro homem interno,
pois todo o tubo digestivo representa uma invaginação do mundo externo
ou, se quisermos, uma “evaginação” do mundo interno. Aí ocorrem coisas
que não estão inteiramente de acordo com as leis do organismo interno. É
uma espécie de campo de batalha entre as forças de fora e as de dentro. É
45
somente quando o alimento passa para os vasos sanguíneos e linfáticos que
ele atinge o nível necessário para se integrar ao “homem interno”.
Rudolf Steiner declarou, em uma conferência destinada aos médicos,
que, quando nos limitamos a esse setor da fisiologia, pode-se, com rigor,
contentar-se com os dados da ciência oficial, “pois eles não são totalmente
mecanicistas”. Se considerarmos unicamente o fato de que as leis
inorgânicas exteriores mergulham aqui na vida do tubo digestivo, podemos
nos contentar com os dados científicos, “mas torna-se necessário não
esquecer jamais”, acrescenta ele, “que a digestão e o processo nutricional
não cessam diante da parede intestinal”.
A DIGESTÃO GÁSTRICA
O que caracteriza esta fase é a ação da mistura “ácido clorídrico pepsina”. Contrariamente à leve alcalinidade da saliva, esse meio é
fortemente ácido; decompõe sobretudo as albuminas. É o corpo astral que
se imprime nos ácidos. No domínio gástrico a organização do Eu é repelida
pelas forças astrais. “A atividade do Eu desaparece na astralidade”. Esses
processos são conhecidos de todos e foram muito estudados, mas nem
sempre interpretados com exatidão. Fala-se assim, a respeito da hiperacidez
do estômago e, sobretudo de sua úlcera, de correspondência com o sistema
nervoso vegetativo (grande simpático) que inerva esse órgão bem
particularmente. Mas H. Schaeffer protesta em seu livro “A medicina hoje”
(1963): “Mesmo se pudesse demonstrar que uma úlcera gástrica surge
consequentemente a excitações (experimentais) de certos nervos
vegetativos... isso não levaria à convicção. Seria necessário, a princípio,
perguntar como podem ocorrer tais excitações desses nervos vegetativos,
em quais centros somáticos são ativados esses impulsos neuro-vegetativos
e donde provêm as excitações que os ativam”. Essa atitude cética é bem
compreensível, pois nenhuma resposta foi dada às perguntas formuladas
por esse autor. De fato, elas não podem ser resolvidas sem um estudo do
homem à luz da investigação espiritual. Graças a esse método Rudolf
Steiner forneceu, em 1925, uma explicação convincente: “No sistema
nervoso simpático reina predominantemente o corpo etéreo”. Os órgãos
nervosos vegetativos são sobretudo “órgãos de vida”. O corpo astral e a
46
organização do Eu agem sobre eles apenas de fora; não os organizam. Mas
justamente por essas razões sua influência sobre eles é forte: “As
perturbações afetivas e as paixões têm um efeito durável, importante, sobre
o simpático. As preocupações e as contrariedades deterioram esse segundo
sistema nervoso”. Assim resultam os mais diversos fenômenos mórbidos.
A influência do corpo astral sobre as funções gástricas também se
manifesta por outros fenômenos, por exemplo, os movimentos peristálticos,
movimentos rítmicos dependentes do grande simpático. O homem com boa
saúde não os sente, mas eles podem provocar câimbras, o que denota uma
ação muito acentuada do corpo astral; por outro lado, “um estado de
excitação nervosa pode levar a uma agitação do peristaltismo gástrico”
(Landois-Rosemann). Isso mostra qual é o papel do estado anímico sobre a
digestão e a nutrição. Um fato curioso: as refeições ingeridas com apetite
podem atravessar o estômago, mesmo na ausência completa de ácido
clorídrico. E sabe-se que nossa atitude anímica frente ao alimento, e
notadamente o fato de que ele nos pareça apetitoso, facilita grandemente
sua digestão. “Essa mobilidade anímica contribui notavelmente para
esvaziar o conteúdo gástrico no duodeno”. “Os alimentos que permanecem
no estômago não o fazem devido unicamente à sua constituição (por
exemplo, um excesso de gorduras), mas também devido a nossa atitude
mental quando os comemos, ou depois”.
É igualmente bem conhecido o fato de que durante os fenômenos de
mistura do alimento, causados sobretudo pelos movimentos peristálticos,
podem nascer ruídos (borborinhos) que se produzem mesmo quando o
estômago está vazio, e que podem estar ligados a câimbras (por exemplo,
as câimbras de fome). Esses ruídos são provocados pelo gás contido no
estômago. A presença do gás não se explica unicamente pela aerofagia
(deglutição de ar). O ar, ou o estado gasoso, é o substrato do astral, assim
como o líquido é o substrato do etéreo. Um corpo gasoso torna-se o
portador das forças astrais. Já que existe continuamente uma grande bolha
de ar no estômago, o corpo astral do homem faz, graças a ele, um caminho
até as atividades desse órgão. Quando o gás acumulado provoca câimbras
semelhantes às da fome, isto faz pensar nas relações íntimas da fome e da
dor com a vida anímica.
47
A DIGESTÃO NO INTESTINO DELGADO
Os fenômenos que se iniciam assim que o alimento entra na primeira
parte do intestino delgado (duodeno) escapam ainda mais à consciência. O
que se passou no estômago reveste-se ainda de uma semi-consciência
(consciência de sonho). Mas no duodeno toda forma de consciência é
abolida. É a consciência dita do “Sono sem sonhos”.
Os carboidratos já sofreram na cavidade bucal o ataque dos fermentos
digestivos. Sua decomposição prossegue no estômago, depois no intestino
delgado. As albuminas (proteínas) que saíram inalteradas da cavidade oral
foram decompostas no estômago apenas em peptonas (polipeptídeos) e têm
necessidade então de uma decomposição mais completa no intestino
delgado. As gorduras permanecem intocadas no estômago e, em seguida,
serão decompostas no intestino delgado em ácidos graxos e glicerina.
Pareceria que elas seriam os alimentos nutritivos menos estranhos à
natureza do homem interno.
Rudolf Steiner descreveu todos esses processos; deu-lhes, todavia, sob
certos aspectos, outra interpretação. Na sua conferência de 22 de outubro
de 1922, encontramos o seguinte: a princípio os alimentos devem ser
mortos em nós, depois revivificados. Não saberíamos tolerar em nosso
organismo um prolongamento de sua vida própria (a da planta ou do
animal). “O etéreo e o astral dos gêneros alimentícios devem ser
eliminados”.
Não se trata unicamente de uma decomposição química. Isso ocorre de
três maneiras em nosso duodeno: pelo suco intestinal, pela bile e pelas
secreções do pâncreas. Estas três substâncias agem de acordo com o que
dissemos anteriormente a respeito das glândulas; elas resistem à erupção de
matérias estranhas e participam na decomposição das gorduras,
carboidratos e albuminas.
As gorduras, que até então praticamente não haviam sido modificadas,
são atacadas pelas três glândulas. Emulsionadas pela bile, separam-se em
produtos hidrossolúveis. “As gorduras são os alimentos que mais
facilmente passam de sua natureza original àquela do organismo humano”.
Isto é possível devido ao fato de que “elas nos comunicam o mínimo
48
possível de forças provenientes do organismo estranho (de suas forças
etéreas, etc.)”. A gordura é então uma substância que, assim que ela se
forma, apela muito pouco às forças etéreas e astrais. Veremos nos próximos
capítulos a que devem essas particularidades. Por outro lado, os
carboidratos já chegam muito transformados ao intestino delgado. Eles são
ainda elaborados pelo suco pancreático e pelo suco intestinal. A
metamorfose do amido em açúcar, é feita então progressivamente no
decorrer de todo o percurso digestivo.
A mais enérgica transformação que ocorre no intestino delgado é a da
albumina. Uma enzima, a terepsina, é proveniente da mucosa intestinal,
enquanto que a enzima decisiva, a tripsina, provém do pâncreas. É nesta
ocasião que a pesquisa analítica pode começar a estudar a dissolução da
albumina em aminoácidos. Mas se deveria precisar que esses vinte
aminoácidos representam os produtos da dissolução da albumina e jamais
suas “pedras de construção”. Para compreendermos essa asserção é
necessário que nos atenhamos um pouco aos fenômenos que ocorrem no
intestino delgado, especialmente no que se refere à decomposição da
albumina.
Deve-se à moderna pesquisa sobre o metabolismo um conhecimento
bem preciso sobre o papel do pâncreas na digestão. Assim, B. Bohlmann
escreve: “O mais notável é que seja sobretudo o pâncreas exatamente o que
produz os fermentos mais necessários para digerir os alimentos. Se estes
são muito ricos em gorduras, aumenta o teor de lípase no suco pancreático;
se são muito ricos em amido, é o teor de amilase que aumenta; se contêm
muita albumina, é o teor de tripsina. Esses teores relativos devem se
adaptar de certo modo, exatamente às doses ingeridos dessas diferentes
categorias, de tal maneira que se poderia comparar o pâncreas a um ser
pensante”. Semelhantes pesquisas já tinham sido feitas pelo fisiologista
russo Pavlov. Estudos mais prolongados em animais mostraram que a
atividade do pâncreas é independente do cérebro, mas intimamente ligada
ao sistema ganglionar chamado “plexo solar”. Mesmo a hipófise, tão
distante no alto (na cabeça), é um órgão metabólico que está relacionado ao
pâncreas por suas atividades.
Já expusemos o que é a individualização da albumina em cada ser
humano; desta maneira, o pâncreas adquire uma importância ainda maior.
Em seus “Elementos Fundamentais”, Rudolf Steiner fala de duas espécies
49
de matéria albuminóide: no início do processo digestivo, a albumina ainda
é uma substância estranha; no final adquire um caráter individual. Entre os
dois estados, há um momento em que a albumina ingerida ainda não foi
totalmente despojada de suas próprias forças etéreas e também “ainda não
adquiriu novas”. Neste estado ela se torna quase inorgânica. E essa ação
“mórbida” se exerce sobre a albumina, “lá onde a tripsina intervém na
digestão”.
Enquanto na digestão gástrica se tratava principalmente de uma
atividade do corpo astral, trata-se agora daquilo que denominamos
organização do Eu. É somente por suas forças que as substâncias
alimentares são decompostas o suficiente e que sua vida própria é
suficientemente abolida, para que possam se integrar às leis do organismo
humano individual. Pois “tudo aquilo que penetra na organização do Eu
deve ser abolido”.
Podemos aqui nos dar conta das sobrecargas que a alimentação atual
impõe ao pâncreas e compreender porque as doenças desse órgão estão em
constante aumento. Além disso, foi fornecida uma maior clareza sobre a
insuficiência congênita, tal como surge na mucoviscidose.
PROCESSOS RÍTMICOS NO INTESTINO. PAPEL DO BAÇO
O intestino delgado possui um peristaltismo rítmico, diferente daquele
do estômago. Ele consiste em movimentos alternados, de certo modo
pendulares, realizados pela alternância de contração e relaxamento de sua
musculatura circular. Isso conduz a uma “segmentação rítmica” do
conteúdo intestinal e à sua mistura (análoga à mistura gástrica), mas
provoca também a progressão do bolo alimentar. Esses movimentos
adaptam-se exatamente à natureza e composição do alimento, como se o
percebessem. Isso se realiza por meio do “sistema nervoso autônomo”,
comandado sobretudo pelo plexo solar. Este plexo é frequentemente
mencionado na ciência espiritual. Lê-se na “A Fisiologia Oculta”, de
Rudolf Steiner, que a tarefa do sistema nervoso dito simpático deve
consistir em transmitir ao sangue “a vida interna do organismo, expressa
por sua nutrição e aquecimento”. Mas isso deve realizar-se de tal maneira
50
que as impressões transmitidas ao sangue pelo simpático jamais cheguem à
consciência, contrariamente às do cérebro e da medula espinhal. Devem
permanecer numa subconsciência análoga à do sono. Essa espécie de
inconsciência é uma condição indispensável à regularidade rítmica das
funções. Cada vez que essa barreira é violada, isto representa um início de
doença. Aqui devemos mencionar um órgão – o baço – cuja importância
até então não havia sido considerada, pelo menos sob esse aspecto, e cuja
função Rudolf Steiner definiu precisamente.
Em outubro de 1911, na “A Fisiologia Oculta”, expôs como o baço é
inserido no “sistema cósmico interior” dos órgãos metabólicos, para
cumprir uma importante tarefa. É um órgão essencialmente rítmico.
Em face à circulação do sangue e de outros líquidos orgânicos, que
obedecem a leis severamente rítmicas, indispensáveis à manutenção da
saúde, espanta-nos às vezes a maneira arbitrária com que se absorve o
alimento, pois o homem pode utilizar seu sistema digestivo, não importa
em qual momento. E é para compensar essa irregularidade que o baço se
encontra inserido nesse sistema, um pouco antes que o bolo alimentar passe
para o domínio rítmico do sangue.
O baço é como “um transformador que compensa as irregularidades
existentes no tubo digestivo, a fim de que elas se tornem ritmos regulares
na circulação do sangue”.
A partir dessa data Rudolf Steiner mostrou a grande importância que
atribuía ao ritmo da nutrição. Não se trata de impor regras rigorosas, mas
seria muito desejável que uma auto-educação dos seres humanos chegasse
a tornar suas refeições cada vez mais regulares, principalmente na infância.
Rudolf Steiner denunciou igualmente o hábito de beber a todo instante, sem
regularidade.
O baço, que tem por tarefa estender suas ações rítmicas sobre todo
nosso organismo, é desta forma extraordinariamente maltratado e até
mesmo, pode-se dizer, submerso. Rudolf Steiner atraiu a atenção dos
médicos para esse ponto. Ele aconselhou recomendar refeições mais leves e
mais freqüentes aos doentes cujo baço não funcione normalmente. Isso
diminui o trabalho do baço e é uma regra importante de higiene alimentar.
51
Devemos aqui retornar ao peristaltismo intestinal. Esse movimento faz
parte da grande organização rítmica que atravessa o organismo.
Rudolf Steiner teve o mérito de ser o primeiro a distinguir e a descrever
essa organização rítmica como um todo autônomo. Em “Os Enigmas da
Alma” (1917), expôs esse resultado fundamental de sua investigação
espiritual. Distinguiu a atividade neuro-sensorial, as funções rítmicas e as
atividades metabólicas; certamente esses três sistemas se interpenetram,
mas eles também representam o tríplice aparelho corporal indispensável às
três forças da alma: pensar, sentir e querer. Os membros fazem parte do
sistema metabólico. Essa tripartição do organismo humano é uma “chave”
para a compreensão do homem e abre numerosas perspectivas novas. Não
poderemos abrir mão delas se quisermos estabelecer uma dietética
inspirada nas indicações de Rudolf Steiner.
A ORGANIZAÇÃO RÍTMICA - O RITMO CIRCADIANO
Stollberger escreveu em 1972: “Até os últimos tempos, aqueles que
acreditavam em ritmos biológicos eram considerados mais ou menos como
loucos. Produziu-se então uma reviravolta decisiva que pode se relacionar
com diversos fatores. Chegou-se a demonstrar que um organismo pode
oscilar espontaneamente, mesmo quando seu meio externo permanece
perfeitamente imóvel, o que se deve ao que ocorre em seu metabolismo”.
Entre os ritmos que ocorrem no metabolismo, o peristaltismo intestinal
ocupa um lugar bastante modesto. Entretanto, ele é de uma grande
importância, se lembrarmos que as acelerações e as lentificações desse
ritmo têm consequências patológicas muito comuns em nossos dias: a
diarréia e a constipação.
Investigações fundamentais a esse respeito já tinham sido feitas por
Rudolf Steiner e em 1952, Gunther Wachsmuth publicou uma obra
completa sobre os ritmos: “A terra e o homem. Suas forças formativas, seus
ritmos, seus processos vitais”.
“Pesquisas recentes estabeleceram que muitos processos metabólicos
cumprem-se no organismo segundo uma periodicidade de 24 horas,
52
apresentando em certas horas do dia picos máximos e mínimos”, escreveu
Forsgren em 1931. O fígado tem uma função rítmica muito independente
da hora das refeições, com atividades assimiladoras e secretoras
alternantes..., mas também a reabsorção de gorduras na parede intestinal, o
aumento do teor de açúcar no sangue, etc. obedecem a essa periodicidade,
da qual Jones, em 1940, disse: “No mamífero, assim como no homem,
conhecemos atualmente um grande número de funções que apresentam um
ritmo circadiano... e a multiplicidade dos fenômenos observados até o
presente obriga a admitir que um “relógio interior” regula seu desenrolar”.
Todavia, Stollberger confessa: Devemos admitir que o mecanismo causal
da sincronização do ritmo biológico é desconhecido. Não podemos nem
mesmo localizar o relógio!”
Essa tentativa jamais dará resultado, pois na origem de todos esses
fenômenos rítmicos há o organismo de forças formativas, o corpo etéreo ou
o corpo de vida. Mas existe também um envoltório de forças superiores na
atmosfera da terra – o que já tinha sido postulado por Kepler e Goethe.
W. Menzel, um eminente fisiologista, escreveu com razão em 1962:
“Não há fenômeno vital que não se desenvolva ritmicamente! E que
variedade! Essa lei se estende às plantas, aos animais, ao homem, à célula
isolada, assim como à associação de células. Ela ultrapassa os fenômenos
do vivo e reina sobre o mundo inorgânico, na atmosfera e no cosmos”.
Podemos declarar, nesse sentido, que todo o processo nutricional do
homem está integrado nesses ritmos, o que projeta luzes importantes sobre
o que é realmente a digestão. O que é na realidade a digestão? Perguntou
Rudolf Steiner um dia. Eis sua resposta: “É uma atividade metabólica que
termina no rítmico, que se desenvolve em direção ao rítmico; uma
atividade do metabolismo que é como que tomada pelo ritmo dos órgãos da
circulação”. Por esse processo a substância volatiliza-se no ritmo. É
também necessário dizer que a atividade muscular que começa com a
mastigação e prossegue no peristaltismo do esôfago, estômago e intestino,
é um elevar-se da substância ao domínio rítmico do organismo. Veremos
igualmente que quando o fluxo alimentar chega ao seio da reabsorção no
intestino delgado, enquanto é caótico e mineralizado, pode ser aceito no
ritmo circulatório interno do sangue, da linfa e dos líquidos tissulares...
Pois a atividade metabólica desse líquido tissular é “poderosamente levada,
ela também, pelo ritmo dos órgãos circulatórios”.
53
Como todos sabem, esse ritmo circulatório está regularmente
relacionado com o ritmo da respiração. Sua relação é de 4 pulsações
cardíacas para uma respiração: ele reflete uma relação cósmica entre a terra
e o sol. Com efeito, se tomamos o número médio de 18 respirações por
minuto, temos então 25.920 respirações (18x60x24) nas 24 horas. Este é o
número de anos que o sol gasta, no “ponto vernal”, para percorrer o
zodíaco inteiro. Esse período é denominado de “ano platônico”. O homem
é então construído segundo um ritmo cósmico. E é nessas duas funções
(circulação e respiração) que se manifesta sua essência rítmica.
“O ritmo fortifica, a arritmia enfraquece e traz a doença”. Essa frase de
Wachsmuth é particularmente válida para os fenômenos da nutrição. É
necessário que ela seja levada em conta numa higiene alimentar.
A ABSORÇÃO DOS ALIMENTOS
Para se ir a fundo nas coisas, é necessário dizer que a verdadeira
captação do alimento não se faz em nossa boca, mas sim no intestino
delgado, através das vilosidades de suas paredes... Somente aí os alimentos
já foram suficientemente liberados de sua natureza original, para poderem
atingir o “homem interno”. Mas neste estado em que o alimento se
incorpora ao sangue e à linfa, ele se tornou quase inorgânico, como já
expusemos. Convém acrescentar que Rudolf Steiner via nessa espécie de
mineralização uma singularidade da nutrição humana inerente às
necessidades da organização do Eu e da individualização da substância
humana. No animal essa retrogradação da matéria alimentar não pode ser
feita tão completamente: seu corpo astral não teria o poder para isso. Dessa
maneira, o animal não se distancia tanto de seu meio, da fonte de sua
nutrição. Ele se emancipa dela apenas parcialmente.
Esse dado nos ensina algo sobre as qualidades da alimentação de
origem animal (cárnea ou láctea). Quanto mais o animal é de um nível
inferior, peixe, mexilhões, etc., mais carrega em si forças cósmicas, sendo
sua qualidade alimentar para o homem totalmente diferente daquela do boi.
Por outro lado, a questão dos alimentos de origem animal traz a questão
de suas excreções, das quais não trataremos aqui. Finalmente, podemos nos
54
perguntar, à luz dos dados acima, até que ponto a experimentação em
animais, sobretudo no que se refere ao metabolismo, é convincente quando
ela é transposta ao ser humano.
O que ocorre quando o bolo alimentar atinge a parede intestinal? Esta
parede do intestino delgado é um órgão totalmente especializado, cujo
desempenho jamais cessou de intrigar e impressionar os pesquisadores.
Descrevamo-lo rapidamente. É ocupado por milhões de pequenos órgãos,
as vilosidades intestinais: contam-se cerca de 2500 a 3000 por metro
quadrado. No homem isso eleva a superfície absorvente a 2 metros
quadrados. Tentemos representar esta grande superfície num espaço tão
pequeno! Cada vilosidade está ligada a um vaso linfático, a um nervo do
plexo solar e a uma pequena artéria ramificada numa minúscula rede
capilar. Os músculos são todos “lisos”. Dessa maneira, todos os
constituintes do ser humano estão presentes: o corpo de vida pela linfa, as
forças subconscientes da alma pelo nervo, a organização do Eu pelos vasos
sanguíneos. Essas vilosidades efetuam movimentos rítmicos, à razão de
seis por minuto. Elas tateiam, provam, sugam o bolo alimentar: é uma
verdadeira percepção sensorial e descobriu-se efetivamente que sua
sensibilidade é extraordinariamente sutil. Esses órgãos são regulados por
atividades hormonais. De maneira alguma se trata apenas de uma função
passiva e físico-química. Fizeram-se experiências curiosas a esse respeito:
quando substâncias estranhas ao corpo e não fisiológicas, contra as quais os
fermentos digestivos eram impotentes, entravam em contato com esses
órgãos de absorção – o que só se pode observar experimentalmente – faziase uma absorção segundo as leis físico-químicas da difusão; em outros
termos, as faculdades superiores da mucosa intestinal não agiam, ou o
faziam insuficientemente. As funções vitais e sensoriais das vilosidades
ficam como que paralisadas. Algo de análogo ocorre nos casos cada vez
mais freqüentes de alergias alimentares. Aí, devido a uma permeabilidade
anormal da mucosa, entram certos componentes da albumina que não
foram anteriormente suficientemente desnaturados. Eles provocam então
reações de hipersensibilidade, como, por exemplo, o eczema.
As substâncias destinadas à formação interna das gorduras são
confiadas aos vasos linfáticos; as outras, aos vasos sanguíneos. E – o que
sempre deixou espantados os pesquisadores – na parede intestinal já
começa a edificação da substância corporal própria, e quando essa toma
55
lugar nas células dos tecidos, a transformação faz-se extremamente rápida.
Após um breve intervalo as substâncias neo-formadas e individualizadas
surgem em todo o organismo, ainda que, segundo os pesquisadores, isso
implique numa extraordinária complexidade de reações. Mencionaremos
alguns exemplos nas descrições das proteínas, carboidratos e gorduras. No
momento, citemos antes a conferência que Rudolf Steiner fez em 22 de
outubro de 1922, destinada aos médicos, e que começa pelas seguintes
palavras: “Bem, é agora que a maneira de pensar que praticamos aqui será
considerada como uma heresia pela ciência oficial”.
DESVITALIZAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DOS ALIMENTOS
Em nós, os minerais sofrem apenas mudanças mínimas, pois eles já são
inorgânicos. Isso é igualmente válido para o açúcar, na medida em as
preparações exteriores o mineralizam. Mas todo o alimento proveniente do
vegetal e do animal deve perder sua “vida”, assim como seu caráter de
animalidade, se ele o possui. É um trabalho considerável e o organismo
humano deve estar em condições de realizá-lo. Em outro capítulo nos
ocuparemos do preparo culinário (cozer, assar, etc.) que desempenha aí
também um papel.
Esse objetivo deve ser atingido no interior da parede intestinal. Este é
um órgão particularmente cheio de vida e de sensibilidade. Todo o interior
do organismo humano se reflete aí, de certo modo, especialmente os órgãos
internos de assimilação, que agora irão agir.
Esses órgãos internos, fígado, pulmão, rins, etc. são centros
diversamente penetrados por forças etéreas e astrais e recebendo as ordens
da organização do Eu, cada qual a sua maneira. Vê-se, por exemplo, que
suas albuminas constitutivas têm uma natureza peculiar a cada um deles.
O primeiro ato no interior do intestino é a absorção das substâncias
nutritivas (decompostas) em nosso próprio corpo etéreo. Essa revitalização
tem lugar a partir do momento em que essas substâncias entram nos vasos
sanguíneos e linfáticos das vilosidades intestinais. Rudolf Steiner disse que
isso era uma função do organismo “pulmão-coração”. Ela reconduz à vida
aquilo que havia se tornado completamente inorgânico. Essa revitalização
56
no corpo etéreo só é possível porque este é capaz de se renovar sem cessar,
com a ajuda do oxigênio respiratório. O oxigênio é “o que torna terrestre e
vivente aquilo que, sem ele, volatilizar-se-ia no corpo etéreo”. O oxigênio
revitaliza a substância, mas ao mesmo tempo a incorpora às leis da
existência terrestre. Senão a substância se dissolveria no etéreo puro. Aqui
também intervém a estrutura carbônica do nosso organismo e das
substâncias nutritivas. “O carbono está na base de todas as substâncias
orgânicas; ele fixa a organização física propriamente dita”.
Mas se permanecêssemos aí não poderíamos desenvolver nem vida
anímica, nem vida espiritual. É necessário então um novo passo;
“animizar” a substância vitalizada. Isto se faz graças à atividade de outra
esfera orgânica: o sistema renal.
ADMISSÃO DO ALIMENTO À ORGANIZAÇÃO SUPERIOR DO
HOMEM: PAPEL DA FUNÇÃO RENAL
Na sua “A Fisiologia Oculta”, Rudolf Steiner já expôs que o coração e
a circulação devem estar continuamente em condição de harmonizar os
movimentos externos e internos no organismo. Isto só é possível graças a
um órgão equilibrante: o sistema renal. Este é capaz de desembaraçar o
sangue do excedente que faria obstáculo à harmonização. Os rins eliminam
o que é supérfluo, inutilizável. Essa decomposição das substâncias
aproxima-as novamente da natureza inorgânica: a uréia, o ácido úrico, etc.
são o resultado. Este trabalho de desvitalização e decomposição é
comandado pelo corpo astral que é o constituinte anímico do organismo
humano. Neste sentido o corpo astral encarna-se no rim. O processo de
secreção renal proporciona ao homem a experiência que se resume no
seguinte: “ele se opõe, como entidade, ao mundo exterior”. Ele toma assim
consciência de si mesmo. O rim utiliza as leis da pressão, da osmose. É o
elemento aéreo ou gasoso que se exprime funcionalmente nesse órgão. As
leis do elemento gasoso desempenham um papel na formação da urina, ou
seja, as forças que agem na pressão sanguínea colaboram na gênese desse
líquido. O rim é no organismo o ponto de impacto daquilo que Rudolf
Steiner chama o “homem gasoso”; sem ele a organização anímica (corpo
astral) não poderia se manifestar. É desse “homem gasoso” que se irradia a
57
astralidade que penetra todo o corpo humano e o organiza. O próprio rim,
como órgão, nasce dessa irradiação. Através dela todo o organismo é
impregnado de sensibilidade. A substância que foi elevada ao estado de
vida pelo sistema “coração-pulmão,” sobe agora ao estado de alma.
É por esse caminho que os alimentos e as forças adquiridas pela
nutrição são “expedidas” até o corpo astral. Aquilo que, graças ao coração,
tornou-se “líquido, fluído, configura-se a partir de agora em órgãos
determinados. Pode-se dizer que o rim é o seu escultor...” e isso só se pode
fazer com a ajuda do “sistema cabeça” que recebe e detém a irradiação
provinda do rim.
Para esses processos dinâmicos o rim utiliza o nitrogênio, que é
eliminado com a uréia e o ácido úrico, enquanto no interior este gás
participa principalmente na constituição das albuminas.
Uma sabedoria muito antiga falava de uma “múmia astral” que se podia
descobrir na urina humana e que servia para diagnosticar a saúde ou a
doença. Sabia-se, dessa maneira, prescrever remédios e regimes.
A fisiologia moderna descobriu que o ácido úrico dispersado em finas
partículas no encéfalo permite medir o grau de inteligência de um ser
humano.
Em seus “Elementos Fundamentais”, Rudolf Steiner escreve que este
ácido úrico, secretando-se no cérebro, fornece a base da atividade neurosensorial e da consciência de vigília que dela depende (capítulo XI). Aí
então essa substância trabalha não mais na “animização”, mas na
espiritualização do organismo: ele entra a serviço da organização do Eu.
HUMANIZAÇÃO DA SUBSTÂNCIA NUTRITIVA. PAPEL DO
FÍGADO E DA BILE
Percorremos assim quatro etapas e chegamos ao ponto em que a
substância é humanizada. Ela se incorpora à organização do Eu. Esta quarta
etapa é privilégio do homem, enquanto as precedentes existem também no
animal. É essa passagem que traz tantos enigmas à antropologia e à
fisiologia. Já acentuamos que as descobertas da individualidade metabólica
58
e da personalidade imunológica caminham nesse sentido. Reconhece-se
geralmente o caráter único do cérebro humano, muito maior e muito mais
diferenciado do que o dos mamíferos mais evoluídos. E sabe-se que cada
cérebro humano não se assemelha a nenhum outro. Entretanto, não se
encontra a chave do mistério. Postulou-se um princípio organizador
específico, imanente ao organismo (Bertalanfey, 1949), mas concluiu-se:
“Aquilo que sabemos, nós o deduzimos indiretamente e com extrema
incerteza” (Schaeffer e Novak, 1972).
As exposições de Rudolf Steiner, elevando-se até a quarta fase do
processo interno de nutrição, passando do sistema cardíaco e do sistema
renal ao sistema hepático: “O sistema do fígado, com sua secreção biliar,
leva o todo até nosso Eu propriamente dito”. Certamente objetar-se-á que o
fígado e vesícula biliar também existem no reino animal, pelo menos em
suas classes relativamente elevadas; mas aí se trata de tentativas do
organismo animal de se apropriar de um princípio superior, que poderemos
estudar em outro lugar. A situação privilegiada do homem não está
colocada em questão.
A secreção biliar proveniente do sangue atinge, no intestino delgado, o
bolo alimentar e especialmente as gorduras. O fígado desembaraça o
sangue de todas as substâncias tóxicas e forças de decomposição que nele
se encontram. Graças à sua função colagoga, ele é o grande purificador do
sangue no homem, o antídoto aos venenos. Por sua ação sobre o sangue, ele
é o representante da organização do Eu nesse domínio. Já nos referimos ao
“ritmo circadiano” do fígado. Por outro lado, a bile ativa as enzimas que
digerem as gorduras, isto é, o suco pancreático (lípase pancreática). Essa
lípase só é enviada ao intestino delgado quando a mucosa desse órgão se
encontra umidificada pela bile.
Os ácidos graxos dos alimentos só se tornam solúveis e absorvíveis
quando se combinam com os ácidos contidos na bile. Mas esta é
rapidamente dissolvida e os ácidos biliares são levados ao fígado pelo
caminho dos vasos sanguíneos. Fala-se então de um “círculo de ácidos
biliares”. Quando eles atacam a gordura dos alimentos, formam-se
pequenas gotas de gordura e a lípase pode então atacá-las sobre uma
superfície enormemente aumentada.
59
Mas também a albumina só pode continuar sua digestão graças à bile
presente no intestino. A gordura ainda intacta envolve as partículas de
albumina e impede os fermentos dissolvidos na água de atacá-las. Nesse
sentido a atividade do fígado intervém, pela bile, na digestão das
albuminas. Se a bile é impedida de agir, ou se é insuficiente, a digestão das
albuminas sofre tanto quanto a das gorduras. Então a albumina não digerida
desce para o intestino grosso onde se putrefaz, o que cria um núcleo de
doenças.
A AÇÃO DO COLESTEROL
Para terminar, devemos falar do colesterol (ou colesterina) que é, desde
alguns anos, objeto de diversas opiniões errôneas. Essa substância, que se
forma apenas no animal e no homem – o que denota já sua natureza astral –
desempenha igualmente um papel nas enteropatias. Ela se forma tanto no
fígado quanto na parede intestinal. Ela é o ponto de partida para a síntese
de ácidos biliares.
Importante é que o colesterol se encontra em todos os líquidos do corpo
e em todos os seus tecidos; ele tem indubitavelmente uma ação muito geral,
apesar de estar centralizada, sua origem não é, por causa disso, no fígado. É
muito significativo que ele se encontre abundante e muito provavelmente
ativo em dois órgãos: no cérebro e nas glândulas supra-renais. Nestas
últimas ele está totalmente envolvido na dinâmica do metabolismo e
participa com o sistema renal na astralização da substância. No cérebro,
onde ele domina quantitativamente, parece estável, isto é, não submisso,
nem em quantidade nem em concentração, às variações metabólicas
dependentes da alimentação. Supõe-se hoje em dia que ele é depositado no
cérebro “pela vida”, e não toma nenhuma parte no metabolismo geral. Em
todo caso ele participa então na estabilidade e na desvitalização do pólo
nervoso do homem, desde a idade de 5 anos. É encontrado principalmente
na substância branca do cérebro (“substância pensante”), e menos na
cinzenta, que está mais ao serviço do metabolismo.
Nós absorvemos também o colesterol com nossos alimentos, mas este
colesterol exógeno é muito menos importante do que o endógeno. Pode-se
60
provavelmente admitir que esse colesterol exógeno seja um estímulo para a
síntese do endógeno. Muito colesterol alimentar poderia então desequilibrar
a economia interna desta substância. Por outro lado, o colesterol é
secretado pela vesícula biliar, participando notavelmente na formação de
cálculos neste órgão. Isto denuncia certamente uma perturbação do
equilíbrio colesterólico.
Mas ainda não foi dito tudo sobre o colesterol. Sabe-se hoje em dia que
além da formação dos ácidos biliares, ele é a substância de base para certas
sínteses hormonais.
Tudo isso mostra claramente que essa substância é indispensável à vida,
ou melhor, às funções do corpo astral. Mas é igualmente aí que reside seu
perigo, o risco de um desequilíbrio, cujas consequências que se estendem
às atividades etéreas do coração foram bem estudadas em nossos dias.
E quando se supõe, por exemplo, que uma alimentação de origem
animal freie a secreção de colesterol, enquanto a alimentação de origem
vegetal a estimule, então penetramos no domínio da higiene alimentar
moderna.
Não se trata unicamente de diminuir o aporte de colesterol na nutrição,
mas mais geralmente de encontrar novas formas de alimentação e de definir
a “qualidade”, ou mesmo, talvez de instaurar novos modos de vida.
O METABOLISMO DO AÇÚCAR
O metabolismo do açúcar está no centro mesmo das funções vitais, e a
investigação espiritual trouxe-o à luz de um novo dia. Rudolf Steiner
frequentemente observou que os carboidratos (dos quais o açúcar faz parte)
devem sua formação, no mundo das plantas, às forças do sol. Sem os raios
quentes e luminosos do sol, nas condições terrestres atuais, não seria
possível nenhuma síntese de açúcar. Em última análise, isso é igualmente
verdadeiro para as gorduras e albuminas. Dado que durante a formação dos
carboidratos a planta lança de novo oxigênio na atmosfera, o animal e o
homem devem essa fonte de vida, indiretamente às forças solares. A planta,
a partir das substâncias terrestres, condensa sua materialidade a partir do
61
éter solar; ela edifica assim, em primeiro lugar, sua armadura material que
é carbônica. Foi neste sentido que M. Bircher-Benner falou das “nuanças
cósmicas do sol” em nossos alimentos.
O fígado, nós já o dissemos, tem relações particulares com essas
substâncias. O amido, tal como se forma na planta, recebe finalmente no
fígado sua neo-criação humana, o glicogênio. O glicogênio é, de certo
modo, a materialização da irradiação cósmica; do fígado ele passa para o
sangue e para todo o organismo. É a mais alta instância do organismo
humano, a organização do Eu, quem realiza essa transformação. Não é o
amido, mas a glicose proveniente dele, que pode ser utilizada pela
organização do Eu. “O sabor açucarado reside nesta organização”. Quando
o amido se transforma em açúcar no fígado, o sabor açucarado não é
perceptível à consciência; “mas o que se passa na consciência (no domínio
da organização do Eu) quando se experimenta o sabor doce, penetra na
região subconsciente do corpo humano, onde se torna ativa a organização
do Eu”. Essa “região” é primeiramente a do fígado que estende como que
antenas até os órgãos gustativos da boca e que, por outro lado, penetra todo
o organismo pelo caminho do sangue.
Um limite estreito e bem nítido é imposto à organização do Eu. Isto se
exprime, por exemplo, no fato de que a taxa de glicose no sangue, regulada
pelo fígado, mantém-se constantemente em 0,1%. Muito ou pouco açúcar
no sangue provoca, como se sabe, graves doenças.
Não se deve tirar das indicações de Rudolf Steiner a tola conclusão:
quanto mais açúcar eu como, mais fortifico minha organização do Eu. O
abuso que atualmente se faz do açúcar fala outra linguagem: mostra que a
atividade dessa organização do Eu depende de limites precisos (em
quantidade e qualidade) de nosso consumo de açúcar. Nós o mostraremos
mais à frente.
Todas essas funções – e mais muitas outras – fazem-nos compreender
que o fígado possa ser qualificado de “quimificador” (quimista ou
alquimista). Ainda aqui os dados da ciência espiritual podem nos mostrar o
caminho: “O homem possui em si um “quimificador”. Ele possui em si
algo das esferas celestes, onde reside a origem das ações químicas. E isto,
no homem, está fortemente localizado no fígado. Nós podemos estudar essa
62
esfera extraterrestre ao estudarmos todas as maravilhosas ações do fígado
humano”.
Isso é assim porque o fígado, na realidade, é uma espécie de enclave em
nosso ser interno; aí ele desenvolve processos que se assemelham a
processos extra-humanos, “se bem que é no fígado que o homem é menos
humano”. Da mesma maneira que o olho se volta para o mundo exterior e
percebe o que chega para nós com a luz, as distâncias cósmicas, da mesma
maneira o fígado é, sob esse aspecto, um órgão sensorial, ele mesmo pouco
sensível à dor, mas que constantemente percebe o quimismo e as forças
térmicas que lhe chegam do cosmos.
O CALOR, SUPORTE DA ORGANIZAÇÃO DO EU
Nós veremos adiante as consequências práticas desse caráter de enclave
que o fígado possui. Aqui, pela segunda vez, ele irá nos revelar as ligações
íntimas de suas funções com o Eu. Pois é o Eu quem nos abre novamente o
mundo exterior, após desligá-lo e fechá-lo inicialmente de nós. Da mesma
maneira, a substância, após ter sido a princípio tornada sensível e
“animizada” graças ao sistema renal, é acolhida pelo sistema hepato-biliar à
organização do Eu. Aqui e a partir de então o meio atuante é o calor, no
qual pode viver essa organização suprema do ser humano. O que reside em
nossa estrutura térmica, em nosso sistema hepato-biliar, “irradia-se de tal
maneira que o homem inteiro se encontra penetrado pela organização do
Eu, a qual está ligada de uma maneira geral às diferenciações térmicas em
todo o nosso organismo”.
O fígado não é unicamente o centro do quimismo e do organismo
líquido, ele é também o centro da organização térmica do homem. Esse
órgão possui a mais elevada temperatura local de nosso corpo: 41º C. Ao
mesmo tempo, regula o metabolismo do calor. Enquanto o sistema renal se
serve do ar, a organização do Eu utiliza o calor e o regula em todo o corpo.
Para esse fim ele utiliza o hidrogênio (o elemento químico mais próximo
do calor), assim como o rim emprega o nitrogênio, e o sistema cárdiopulmonar o oxigênio.
63
Essa função térmica do fígado está igualmente ligada ao açúcar, pois
assim que o fígado transforma o açúcar vegetal em “açúcar humano”, “ele
transmite ao corpo inteiro esse açúcar interno, graças ao qual ele possui o
seu caráter próprio”.
Assim como o açúcar, o calor permanece constante no sangue do
homem. Muito, ou muito pouco calor sanguíneo, denuncia uma doença.
Assim como para o açúcar, é indispensável uma medida exata.
É evidente, após o que foi dito, que o homem é um “ser de calor”. Toda
sua existência corporal e anímico-espiritual depende do calor. É um fator
que se deve ter em conta para apreciar o papel que desempenham o calor e
o frio na nossa nutrição, por exemplo, no preparo de nossos alimentos.
Somente partindo desse princípio pode-se chegar a dados racionais. Sem
ele todas as questões desse gênero ficam em suspenso.
Vê-se que por este meio o calor lança uma ponte entre o sensível e o
supra-sensível. Sua natureza é, ao mesmo tempo, sensível e anímicoespiritual. No homem esses dois lados da sua natureza são reunidos pela
organização do Eu, que age nos dois domínios e une os dois mundos. No
homem o calor não é somente natural, mas ainda e simultaneamente, moral
e espiritual. Através dele, o homem comunga com a força aquecedora da
espiritualidade cósmica. Graças ao calor o homem acende não apenas sua
consciência de vigília habitual, mas também se aquece com ideais morais
que podem levá-lo até a aumentar fisicamente sua temperatura.
Rudolf Steiner consagrou três conferências inteiras a esse problema da
antropologia. “Onde se encontram as fontes de nossa vida?” pergunta ele.
“Encontram-se naquilo que estimula os ideais morais que nos inflamam”.
Descobrimos essas “fontes cósmicas criadoras” quando consideramos o
organismo térmico do homem. Podemos observar que nossos pensamentos
abstratos, intelectuais, “esfriam-nos”; eles “paralisam” o organismo aéreo
gasoso e “extinguem” a vida em nós. É um verdadeiro processo de morte
que parte desse “pólo do frio” da natureza humana e desce até o corpo
físico. Essas forças de morte e de desagregação que trazemos em nossa
cabeça e tornam possível nossa faculdade de pensar abstratamente são, ao
mesmo tempo, aquilo que em nós faz a matéria e a energia descerem “até o
zero absoluto”, aquilo que as aniquila. Mas é por esse meio que adquirimos
a consciência de nós mesmos... Nosso Eu, que não tolera em si nenhuma
64
vida estranha, ilumina nossa autoconsciência pela combustão, pela
incineração da substância do mundo. “É sob a forma de um cadáver que o
universo nos torna consciente e nos faz homem”. Essa morte, entretanto, é
seguida de uma nova germinação, de um novo início, de um futuro, depois
que a antiga substância da natureza foi morta em nós. No fogo chamejante
de nosso ser voluntário nasce a nova substância que servirá de instrumento
a nossa individualidade. Nesse momento o anímico-espiritual vive em nós
sob a forma de força moral. “Um mundo passado morre em nós. Não o
notamos, pois outro mundo nasce logo: a matéria morre e renasce”.
Efetivamente esse processo se dissimula em nós até esse dia, pois
ultrapassa nossos critérios temporais habituais. Mas quando pesquisas
muito recentes, como as do professor Manfred Eigen, revelam que
numerosas reações do metabolismo humano realizam-se em frações de
segundo, estamos já talvez na pista desse fenômeno. Por outro lado,
“quando se segue o corporal até o calor, pode-se lançar uma ponte entre o
calor, tal como existe no corpo e no calor da alma”.
O homem possui um pólo do frio localizado na sua cabeça, no seu
sistema neuro-sensorial e em seu cérebro, e deve a ele o seu pensamento
abstrato e consciência de vigília fundamentada no corpo. Mas sua
verdadeira natureza reside em seu organismo térmico e voluntário, que
ainda está em germe. Ele deve vencer sem cessar o frio da cabeça, a rigidez
dos membros, recriar e revitalizar a substância morta, e imprimir-lhe o selo
de sua inteligência. É no fígado que essa natureza ígnea do homem cria
para si uma fonte de calor.
Não nos surpreenderemos, portanto, de que o homem atual seja tão
exposto às doenças deste órgão, que Rudolf Steiner qualificou de “agulha
da balança”. Por isso nossa alimentação deve corresponder ao que foi dito.
Como deve ser nosso alimento para favorecer as forças do Eu, em lugar de
paralisá-las, para despertá-las, em lugar de submergi-las?
Sob esse ponto de vista podemos compreender o que seja uma dietética
“dinâmica”, ou seja, um impulso da ciência espiritual “para uma higiene
alimentar que convenha a nossa época”.
Com a atividade hepato-biliar, na qual a substância nutritiva é
impregnada pelas forças da organização do Eu, o processo nutricional
atinge seu ponto culminante. Mas outros processos – como os intestinais –
65
desempenham um papel muito importante. Eles se estendem do intestino
delgado ao intestino grosso e caminham até a atividade final da digestão: a
excreção.
SIGNIFICADO DO PERISTALTISMO INTESTINAL
Dois fatores são indispensáveis para a digestão e para a excreção: o
peristaltismo intestinal e a presença de uma flora intestinal.
Falamos anteriormente dos movimentos rítmicos das vilosidades do
intestino delgado; eles desempenham um grande papel na absorção. Mas o
próprio intestino executa movimentos. Dissemos que o movimento exige
consciência, vontade e atenção na cavidade bucal, mas que essa
consciência cessa desde a deglutição. Os movimentos do esôfago já são
involuntários, subconscientes. Aí começam os ritmos que vão se prolongar
ao longo de todo o tubo digestivo. Somente no outro extremo, no reto, é
que o jogo de movimentos recomeça a ser mais consciente. O ato excretor
no homem é submisso a um certo livre arbítrio. Desta maneira, ele se torna,
hoje em dia, fonte de perigos muito freqüentes, dos quais falaremos mais à
frente. Entre a mastigação e a excreção, que são voluntários, sucedem-se os
três peristaltismos, do estômago, do intestino delgado e do intestino grosso:
eles chegam à nossa consciência apenas na forma dolorosa, em caso de
doença.
Este organismo de movimento (de propósito evitamos a palavra
“mecanismo”) é determinado por numerosos fatores, adaptados uns aos
outros por regulações sutis; verdadeiros processos de percepção atuam em
todos esses órgãos extremamente sensíveis. Tudo se altera conforme o
alimento seja quente ou frio, sólido ou pastoso, segundo sua quantidade e
sua natureza. Sabemos quanto a influência anímica se faz sentir também.
Por exemplo, é importante que o alimento seja tomado com apetite e não a
contragosto. A higiene alimentar deve examinar em quais condições se
passam as refeições. Não é somente a má qualidade dos alimentos que pode
perturbar o apetite e paralisar assim os processos digestivos; também o
ambiente pode ser ou não “apetitoso”, no sentido amplo da palavra. Diz-se:
“alimento bem mastigado já está meio digerido”; poder-se-ia dizer
66
igualmente: “o bom humor é metade da digestão”. Não é por acaso que a
mesma palavra latina designa o humor e os humores, ou seja, os sucos
orgânicos. Um humor deprimido, preocupações, inquietações, são tão
nocivos para digestão, e, portanto, para toda a nutrição, quanto uma
qualidade deficiente ou uma mastigação insuficiente. Nosso psiquismo
consciente influencia nitidamente os processos subconscientes do estômago
e do intestino. Isto se manifesta por acelerações ou retardamentos que
frequentemente resultam em processos patológicos.
Rudolf Steiner pensou nesses fenômenos quando falou, em seus
“Elementos Fundamentais”, no capítulo “Sangue e Nervo”, do sistema
nervoso simpático que inerva os órgãos digestivos. Estes nervos são
chamados “vegetativos” porque comandam apenas a vida e nunca a
consciência. Eles aceleram ou retardam os movimentos rítmicos dos quais
falamos. “Os constituintes superiores agem sobre esses nervos apenas de
fora, e não como organismos internos”. Mas é justamente por essa razão
que sua influência é forte: “As perturbações afetivas, as paixões, têm um
efeito durável e importante sobre o simpático; as preocupações e tristezas
levam progressivamente à ruína esse sistema nervoso”. Sabe-se o quanto as
desordens da alma favorecem a formação de uma úlcera gástrica, ou pelo
menos a hiperacidez do estômago.
Todavia, essas influências anímicas desempenham apenas um papel
restrito no peristaltismo dos dois intestinos. Os movimentos intestinais
realizam-se geralmente numa profunda inconsciência (consciência do sono
sem sonhos), enquanto que no estômago há uma consciência de sonho. O
peristaltismo intestinal serve sobretudo para fazer progredir o bolo
alimentar; as emoções da alma, como o medo, podem acelerá-lo,
provocando a diarréia. O efeito dos medicamentos é conhecido. Outro
ritmo que faz oscilar o conteúdo intestinal sem fazê-lo avançar, depende da
temperatura do intestino.
O fisiologista B. Thomas trouxe uma importante contribuição neste
campo pela sua obra: “As substâncias nutritivas e as substâncias “mortas”
das farinhas dos cereais”. Suas convincentes exposições chegam a concluir
que os produtos cerealíferos ditos “completos” são muito importantes para
a saúde dos processos digestivos. Sob sua influência aumenta a mobilidade
do intestino, pois os movimentos peristálticos “desenvolvem-se tanto mais
intensamente quanto menos digestível seja o alimento, ou mais rico em
67
substâncias não digeridas, as quais exercem uma excitação química e
mecânica”. Eis como B. Thomas resume as consequências dessa
mobilidade aumentada:
- mistura mais intensa do bolo alimentar;
- secreção mais forte de sucos digestivos (inclusive a bile e o colesterol);
- influência favorável sobre a circulação do sangue e sobre a atividade
absorvente do epitélio intestinal;
- absorção mais rápida das substâncias nutritivas decompostas pelas
Enzimas;
- passagem mais rápida para os vasos sanguíneos e refluxo mais
rápido do sangue venoso, a partir da mucosa intestinal;
- transferência das substâncias absorvidas do intestino para o fígado e
aceleração parcial da progressão do bolo.
Tudo isso confirma a afirmação de Rudolf Steiner: “Quando se pode
digerir um pão mais rústico, este é, em realidade, o mais sadio de todos os
alimentos”. Retornaremos adiante à questão da digestibilidade.
Mas a ciência espiritual propôs ainda outros dados sobre o tema das
funções intestinais.
POLARIDADE DA CONSTITUIÇÃO HUMANA
Vimos que uma dietética dinâmica é obrigada a levar em consideração a
polaridade da constituição humana: de um lado, a cabeça, centro do sistema
neuro-sensorial, e de outro, o metabolismo (sistema de trocas), centralizado
nos órgãos do tubo digestivo.
Rudolf Steiner incitou os pesquisadores à sua volta a fazerem estudos
comparados sobre o desenvolvimento de certas partes do intestino na série
animal, e sobre a diferenciação do cérebro, principalmente do cérebro
68
anterior que é tão importante para a vida consciente. Ele mesmo chegou ao
surpreendente resultado de “que a mais alta atividade espiritual, ligada à
perfeição do cérebro, é igualmente ligada a um aperfeiçoamento
correspondente do intestino”. Existe aí, igualmente, uma ação da dinâmica
intestinal sobre as faculdades do cérebro. Quando, por causa de
estagnações no intestino, a digestão das albuminas se torna insuficiente, se
bem que predominem os processos de putrefação, e disso resulta uma
perturbação que se exprime geralmente por “dores de cabeça e incômodo
pelo trabalho intelectual”. O mesmo ocorre para a constipação crônica.
Assim “de um lado, para serem descarregadas as atividades físicas, face
ao pensamento, vocês são levados, por outro lado, a carregar seu
organismo, o que permite certa perfeição do intestino grosso”. Para que se
opere no alto, a “descarga” necessária ao pensamento, é preciso que a
demora no intestino grosso, de substâncias tornadas sólidas, pesadas e
acessíveis à consciência terrestre no homem, seja medida com justeza. Por
esse processo, aquilo que foi preparado para a excreção termina de se
desvitalizar, mas pode também sofrer a ação de forças formativas e
modeladoras, evocando de longe a formação cerebral. Nesse sentido,
Rudolf Steiner fez alusão a uma imitação de processos silicosos, que ocupa
uma parte importante na formação dos órgãos dos sentidos e do cérebro.
Podemos medir ainda de outra maneira a amplitude dessa polaridade,
dessa metamorfose. Rudolf Steiner insistiu na função sensorial
metamorfoseada que retorna aos processos digestivos, e falou mesmo de
um “processo prolongado de sensação gustativa”. Acrescentou que quando
não desprezamos tais indicações, abrimos os caminhos para uma dietética
sadia.
Vemos que tais maneiras de observar as coisas conduzem a resultados
totalmente realistas e práticos. Aqui temos novamente um ponto de partida
concreto para uma higiene alimentar inspirada na ciência espiritual.
Na mesma conferência Steiner falou sobre a dentição. Esta contrasta,
pela extrema mineralização, solidez e dureza dos órgãos, com a mobilidade
fluida do intestino. Relações concretas unem pólos opostos: quando o
dentista vê que os dentes se tornam cariados deveria cuidar “para que toda
a atividade digestiva da pessoa atacada se torne menos intensa, por
exemplo, prescrevendo sedativos do sistema digestivo”.
69
Isto mostra que Rudolf Steiner via a causa das cáries dentárias
primeiramente no organismo interno; esta é uma opinião geralmente
reconhecida atualmente. Nós nos ocuparemos mais tarde com essa questão
que implica no papel do flúor, mesmo na higiene alimentar.
SIGNIFICADO DA FLORA INTESTINAL
Pode parecer surpreendente que o homem interno – seus dois intestinos
– seja habitado por uma flora abundante, isto é, por uma vida estranha que
se engajou manifestamente numa íntima simbiose com seu organismo.
Devemos sobretudo ao Dr. Baumgaertel uma descrição muito
esclarecedora dessa flora, da qual ele é um dos melhores especialistas.
Segundo ele, pertencem à “flora necessária” do intestino humano pelo
menos sete espécies diferentes de bactérias ativas na digestão. Enquanto a
parte superior do delgado é normalmente isenta de bactérias, a flora
bacteriana começa na parte seguinte, onde dominam principalmente
Bacterium coli e Bacterium lactis aerogenes, que produzem ácido láctico.
Numa parte mais baixa do intestino, o cecum, ou “câmara de
fermentações”, encontram-se, além dos
colibacilos, Bacillus
saccharobutyricus, que fermentam os carboidratos, e Bacillus putrificus que
decompõe a albumina. Na extremidade distal do intestino essas massas de
bactérias morrem e são, na maioria, excretadas com as fezes. Existem então
constantemente processos de fermentação e putrefação nas partes habitadas
do intestino. Uma intensa atividade vital se desenvolve nessas regiões
totalmente fora da consciência, pois as bactérias que perecem
constantemente em massa, são, por esse fato incitadas a uma multiplicação
intensa e ininterrupta.
Mas a flora intestinal surge como que domada pela atividade própria do
organismo, por uma alternância extraordinariamente “sábia” de numerosos
fatores (secreção glandular, equilíbrio entre o meio alcalino e o meio ácido,
etc.). Essas ações são, todavia, instáveis, e novamente iniciadas a cada nova
atividade digestiva. Elas podem ser perturbadas de numerosas maneiras,
mas também estimuladas pela qualidade da alimentação. Atualmente, estas
70
são as perturbações que predominam e provocam numerosas afecções
intestinais.
Rudolf Steiner projetou uma nova luz sobre esses fenômenos, e isto de
duas maneiras.
Primeiramente, devemos nos perguntar como é possível que um mundo
de seres vivos pertencentes ao reino vegetal ou animal inferior possa se
aclimatar no interior do homem. Essa aclimatação se faz logo nas primeiras
horas após o nascimento. A criança é “infectada” pela mãe durante a
gestação. Entretanto, Escherich (1886), o descobridor dessa flora intestinal
infantil, já havia ressaltado o fato surpreendente de que “cada indivíduo
possui uma raça pessoal de colibacilos” (Baumgaertel) . Parece que o
apêndice seja o “ninho” desses colibacilos individuais e que eles se
espalhariam a partir daí para todo o intestino. Atualmente se admite,
seguramente com razão, de que se trata apenas de uma aclimatação e de
uma adaptação desse bacilo a cada indivíduo. É justamente por isso que
pode sobrevir uma modificação patológica dessa flora: a “individualização”
das bactérias intestinais favorece seu desvio patológico.
Os processos vegetais que se prolongam assim no homem encontram
uma atmosfera favorável no intestino. Num estado de sono profundo criouse um meio cuja alcalinidade convém à vida vegetal. Mas há impulsos que
se opõem a esse processo natural extra-humano, os quais provocam uma
contínua adaptação dos colibacilos. Dessa maneira, o processo puramente
vegetal é repelido. Em outras palavras, forças formativas são subtraídas a
nossa flora intestinal. É, manifestamente, o nosso Eu que retira essas forças
formativas para utilizá-las para fins mais elevados.
ASPECTOS DA DIGESTÃO DA ALBUMINA E DAS GORDURAS.
FERMENTAÇÃO DOS CARBOIDRATOS
Rudolf Steiner abordou esse tema numa conferência para os
trabalhadores da construção do Goetheanum. Os fenômenos de putrefação
da albumina e as fermentações dos carboidratos são particularmente ligados
à atividade da flora intestinal. Ambos são necessários, mas devem ser
71
mantidos dentro de limites estreitos. Certo equilíbrio deve ser encontrado.
Acrescente-se a isso um terceiro processo: o ranço das gorduras.
A putrefação da albumina ocorre principalmente no intestino grosso,
onde é desencadeada pela flora bacteriana; daí resultam diversas
substâncias tóxicas que o fígado deve neutralizar. (Aqui sempre existe um
risco de invasão por esses processos, principalmente nos últimos tempos.
Fala-se de auto-intoxicação a partir do intestino, causada acima de tudo
pelo abuso de albuminas e favorecido por um regime exclusivamente
carnívoro). Ora, a albumina é destinada particularmente à construção vital e
aos processos de crescimento. Então o corpo etéreo está ligado aí. “Toda
albumina é semi-líquida. O corpo etéreo do homem tem acesso a tudo que é
semi-fluído”. Mas o corpo etéreo tem também a tarefa de combater os
processos putrefativos da albumina. “O corpo etéreo é aqui o lutador e o
vencedor”. Entretanto, pode-se perguntar até que ponto o corpo etéreo é
capaz, face à alimentação albuminóide atual.
No que concerne à digestão das gorduras, o processo que ocorre chamase geralmente fermentação, mas Rudolf Steiner prefere a antiga palavra:
rançar. Este ranço já ocorre no duodeno, no início do intestino delgado. Se
a putrefação se relaciona com o odor (formam-se gases), o ranço, mais
interiorizado, revela-se por um sabor. A tendência dos corpos gordurosos
para rançar deve, ela também, ser freada pelo homem. Isto se faz graças à
atividade do corpo astral. Se isto não ocorre, “tem-se um gosto
desagradável na boca”, Essa gordura rançosa que se conserva dentro de si
provoca doenças do estômago e do intestino.
A fermentação dos carboidratos faz-se principalmente no intestino
delgado, resultando diversos ácidos: ácido láctico, ácido butírico, ácido
acético, etc. Os microorganismos da flora intestinal produzem um fermento
que é capaz de digerir a celulose. Em seguida, prosseguem os processos de
fermentação no intestino grosso, mas aí eles devem ser dominados também,
como a putrefação das albuminas. Da fermentação forma-se assim sempre
um pouco de álcool, e este não deve se espalhar por todo o organismo ou
subir à cabeça.
É necessário que o açúcar que nasce do amido e da celulose possa
desempenhar seu papel normal e chegar ao domínio da organização do Eu.
72
É ela que age, como um pólo antagonista, e do alto, contra as fermentações
do intestino.
Esse processo desempenha em particular um grande papel na digestão
dos cereais. Eis-nos aqui de volta à questão das “substâncias mortas” da
qual já falamos. Até mesmo Liebig tinha reconhecido que “separar o farelo
da farinha é um luxo mais danoso à nutrição do que útil” (1865). Isso foi
negado em seguida por Voit e Rubner, mas atualmente é um dado
fisiológico incontestável. Thomas mostrou não somente que os produtos
com “grão completo” são favoráveis ao peristaltismo intestinal, como
também, que as bactérias intestinais que digerem a celulose dificultam a
produção de venenos provocada pela putrefação da albumina. É verdade,
acrescenta Thomas, que essa faculdade parece perder-se frequentemente no
homem moderno, provavelmente porque ela não é utilizada. “Todavia, as
perturbações geralmente desaparecem por causa de um rápido acostumarse, ou seja, de uma readaptação da flora intestinal”. É talvez o que Rudolf
Steiner queria dizer: “Se vocês puderem suportar um pão rústico...” O
homem atual, que está desabituado desse trabalho devido ao seu regime
alimentar “civilizado”, talvez mesmo por hereditariedade, sofre então de
perturbações intestinais quando come pão integral. Mas ele poderia
certamente educar seus órgãos e ao mesmo tempo fortificar a atividade do
seu Eu. Thomas escreve: “As pessoas habituadas desde a infância aos
cereais completos estão totalmente dispostas, uma vez adultas, a se
reacostumarem a eles. Isto mostra como esse assunto é importante no
domínio educativo.
Por outro lado, as gorduras e as albuminas que são envolvidas por
matérias fibrosas (de farelo, por exemplo), principalmente no grão dos
cereais, são mais facilmente digeridas graças à flora intestinal; e
finalmente, um alto teor em fibras nos alimentos favorece a síntese das
vitaminas pelas bactérias do intestino.
Se observarmos bem todos esses fatores, poderemos avaliar toda a
importância dessa flora no homem. Inversamente, poderemos adivinhar que
danos resultam pela paralisia crescente desses processos, assim como pela
destruição de nossa flora intestinal pelos medicamentos utilizados
atualmente.
73
SENTIDO E REALIDADE DA ALIMENTAÇÃO. QUANTIDADE E
QUALIDADE
Tentamos assim passar em revista os principais processos da nutrição
humana, mostrando a ampliação dos pontos de vista fornecidos pela ciência
espiritual neste domínio. Adiante retornaremos a isso em detalhe, para
mostrar os inumeráveis conselhos práticos que resultam daí para a higiene
alimentar.
Todavia, neste ponto da nossa exposição, ressurge ainda mais
intensamente a pergunta do início: Por que se alimentar? Para que serve
nossa alimentação quotidiana? Por que estamos submetidos a essa
necessidade?
Que resposta nos fornece a ciência espiritual sobre esse ponto? É
evidente que a alimentação nos traz forças que nos tornam mais resistentes
e mais aptos ao trabalho. Pode-se admitir que os alimentos contêm em si
forças que nos comunicam.
Essa questão pareceu primordial aos pesquisadores do século 19 que
começaram a desenvolver uma ciência da nutrição. Procurou-se resolver
essa questão de uma maneira tão “fisiológica” quanto possível. Criou-se a
teoria das trocas de energia. Chamou-se de “energia” a capacidade de
realizar um trabalho, no sentido físico da palavra. Definiu-se o trabalho
como o produto de uma força por uma duração. Sabia-se, pelos físicos, que
toda execução de um trabalho levava a um desprendimento de calor. Era
tentadora a aplicação dessas noções ao homem e ao animal.
Os resultados desses pensamentos foram incluídos na teoria da nutrição
(Liebig, Voit, Rubner, Du Bois-Reymond, etc.). Nisso Ludwig Buechner é
particularmente radical. Em “Força e Matéria” (“Kraft und Stoff”), 1865,
pode-se ler: “Matéria e energia são, no fundo,uma única e mesma coisa,
consideradas sob diferentes pontos de vista... Certamente, não sabemos
hoje em dia, não mais do que ontem, e sem dúvida jamais o saberemos, o
que é a energia e o que é a matéria. Mas não temos a necessidade de sabêlo, pois... sua separação existe apenas no pensamento e não existe na
realidade. São dois nomes para dois modos de manifestação de um ser ou
de um fundamento original, desconhecido de nós pela sua natureza...”
74
Segundo esse e outros autores, o circuito de energia transforma-se em
circuito de matéria e vice-versa. Sua origem é o sol e Buechner conclui: “A
energia que impulsiona uma locomotiva é uma gota de calor solar, assim
como a força que cria os pensamentos no cérebro de um filósofo”.
De uma maneira típica encontramos em tais proposições todos os
elementos sobre os quais repousa a dietética do século 19, cuja herança em
nosso século está longe de ser abolida. “As verdades de nossa alimentação
permaneceriam incompreensíveis sem a termodinâmica”, ouve-se dizer por
toda parte.
Tenta-se então estabelecer um balanço da matéria e da energia: a
unidade escolhida é a caloria, quantidade de calor necessária para elevar
em 1ºC a temperatura de um litro de água de 14,5ºC. Rübner calculou o
“valor de combustão fisiológica” referente aos carboidratos, às proteínas e
às gorduras, e estabeleceu equivalentes entre esses alimentos quanto ao
fornecimento de energia (100 g de gordura equivalem a 230 g de
carboidratos e a 230 g de albumina).
Apesar de tudo, esses princípios sofreram restrições importantes pelos
dietistas modernos, por exemplo, Mohler. Este fez a observação de que,
estando nosso corpo a uma temperatura constante, o calor não é utilizável
para medir sua energia.
Por outro lado, foi demonstrado que as medidas feitas são válidas
apenas para substâncias nutritivas absolutamente puras – o que não ocorre
na natureza. Lembremo-nos do que Bunge, no final do século 19 salientou,
de que todos os nossos alimentos naturais são misturas, e não entidades
químicas. Ele deduziu então que um alimento artificial tendo o caráter de
uma entidade química deveria, a priori, provocar perturbações da saúde.
Apesar dessas restrições continuou-se a pensar que a célula é comparável a
uma fábrica de onde saem resíduos sem valor energético, água e gás
carbônico. Estes são recuperados graças à energia solar, “nascida da
energia atômica”. Isolou-se, finalmente, uma combinação química, o
trifosfato de adenosina, (ATP), que seria o substrato material do
“acumulador humano” e do qual quase todos os nossos processos vitais
retiram sua energia. “A energia solar está armazenada no ATP”. Estas
palavras coroam o edifício, certamente importante, da ciência nutricional
moderna.
75
Numerosos sábios fazem reserva sobre essa concepção mecanicista.
Poderíamos citar numerosos testemunhos. No conjunto, permanece válido
o que Rudolf Steiner dizia em 1908: “o importante não é o que se pensa,
mas a ação que exercem os pensamentos”. O importante então não é o que
se admite, em teoria, sobre as atividades vitais que ultrapassam as forças
mecânicas ou químicas. Só pode ser importante, isto é, frutífero, um
pensamento que realmente mude de método e de atitude espiritual. Aí
encontramos uma particularidade que é entristecedora e mesmo trágica:
frequentemente as descobertas mais significativas são publicadas sem que o
próprio pesquisador saiba trazer os dados de seus achados. É como se a
pessoa permanecesse “em atraso”, em relação a seus trabalhos.
Entretanto, outros pesquisadores, notadamente médicos, exprimem-se
hoje em dia de uma maneira mais crítica e mais prudente. Glatzel, entre
outras observações judiciosas, escreve: “a questão de saber qual quantidade
deste ou daquele alimento é necessária ao homem só pode, em realidade,
receber resposta para um indivíduo bem determinado, vivendo em
condições bem determinadas e devendo realizar um trabalho bem
determinado”. Só que tal homem existe apenas em sua cabeça, não na
realidade! Essas especulações mostram apenas a inutilidade e a nocividade
de critérios e normas desse gênero. E, além disso, tratou-se por essas regras
apenas de uma ínfima parte do homem, de seu corpo físico, pois um corpo
etéreo deve sobrepujar a natureza própria do físico: “Ele é um lutador
contra as substâncias e forças físicas”. E o corpo físico leva em si não
apenas o corpo etéreo (sem o qual não teria órgãos digestivos), mas ainda
as influências do corpo astral e da organização do Eu. Dessa maneira, ele se
subtrai de qualquer regra autoritária de suas necessidades alimentares. Tal
regra pode ser unicamente individual, de acordo com as condições dadas.
“O homem normal não vive segundo as tabelas da fisiologia nutricional,
nem segundo as prescrições médicas”, escreveu Glatzel.
Como veremos, quando se trata, por exemplo, de fixar uma norma para
o consumo quotidiano de albumina, intervêm outros critérios de qualidade.
Se as pretensas leis da necessidade alimentar puderam se confirmar na
prática pelo desempenho esportivo, isto prova, antes de tudo, que esses
desempenhos são anti-fisiológicos, e não que essas leis sejam válidas em
geral. Um fato experimental bem provado, pelo contrário, é que “o trabalho
76
do espírito não exige nenhum gasto mensurável de energia” (Glatzel). Esse
fato é extremamente importante e tende-se muito a esquecê-lo.
Dessa maneira, podemos aplaudir um médico como A. Gigon, que
escreveu em seus “Pensamentos sobre a nutrição do homem”: “não se deve
ver jamais o processo da vida sob o ângulo energético... Quando se pensa
que nos faltam albumina, gordura e carboidratos para se ter calorias, é
como se dissesse que a atmosfera consiste em oxigênio, nitrogênio e gás
carbônico... para que nos parecesse azul”.
Devemos compreender que efetivamente a caloria não tem nenhum
significado real no interior do homem. Ela é válida, bem entendido, no
domínio do reino inorgânico, mas no vivo são ação já se restringe.
A planta eleva as matérias da terra para fora do domínio das forças
terrestres. Na planta agem forças que não emanam da terra, mas do cosmos,
da periferia. Somente quando a planta morre é que predominam as forças
terrestres sobre as outras que tinham chamado a matéria à vida.
Nesse sentido pode-se realmente falar das plantas, como de “força solar
condensada”, de força etérea condensada. Tanto quanto a luz solar a
irradia, a planta engendra seu corpo etéreo. A planta terá então uma
qualidade particular durante o dia e outra qualidade durante a noite.
Quando colhemos uma planta, ela traz consigo os efeitos das forças
cósmicas, tanto mais intensamente quanto mais fresca ela é, e muito menos
se a colhemos à noite, quando ela é privada da luz solar.
Para que surgisse sobre a terra a matéria animal, a confluência dessas
duas espécies de forças não foi suficiente. Foi necessária uma terceira,
extraterrestre, superior às duas outras. Ela é cósmica, mas não se irradia do
cosmos, mas sim “interioriza” o cosmos. Rudolf Steiner denominou-a de
“astral”, o que significa que ela é de natureza cósmica, mas não engendra a
vida. Ela engendra a sensibilidade. Ela nasce da “matéria sensciente”. Sua
expressão física é o sistema nervoso.
É por esse razão que o corpo animal não é preenchido somente de forças
vitais; ele as perde na medida em que nasce a matéria sensciente. Mas isso
é verdadeiro apenas quando o animal se encontra em estado vigília: quando
dorme, predominam as forças vitais.
77
“Nos três organismos (físico, etéreo, astral) a substância física penetra
de fora. Cada qual deve, a sua maneira, vencer a natureza própria daquilo
que é físico”. É o que se passa na nutrição, graças à digestão, nos processos
já abordados em nosso esboço de fisiologia da digestão. Esses processos
são dinâmicos e, por esta razão, só são compreensíveis por uma dietética
dinâmica.
O homem não pode, como a planta, receber forças luminosas cósmicas
em sua natureza irradiante: é obrigado a interiorizar essa luz, a transformála em forças anímica, ou seja, em força de consciência.
Mas ele tem ainda necessita de uma força mais elevada, que ele
organiza em si, e que se opõe à animalização. Ela transforma então, por sua
vez, a “matéria sensciente”. Esta se torna portadora do “espírito consciente
de si mesmo”, ou seja, da organização do Eu, “até nas mais íntimas partes
de sua substância”. O órgão que se torna a expressão corporal dessa
organização do Eu é o sangue.
Em sua conferência de 17 de dezembro de 1902, Rudolf Steiner expôs
longamente essas correlações, sobretudo do ponto de vista do corpo astral
humano. Nós devemos vencer continuamente o processo de tornar-se
vegetal, senão não teríamos a consciência de vigília. Esse corpo astral,
justamente porque se opõe às ações luminosas exteriores, é ele mesmo
aparentado com a luz. Para os que podem observá-lo com a ajuda de uma
consciência clarividente, ele é uma “luz interior, uma luz de natureza
espiritual”, ou seja, um corpo espiritual de luz, em oposição à luz que
ilumina do exterior. Enquanto a luz irradiante, cósmica, tem a tarefa de
estimular o corpo etéreo a edificar o organismo vegetal a partir de matérias
inorgânicas (graças à assimilação de clorofila que transforma o ácido
carbônico e a água em amido e açúcar), a luz interior, o corpo astral,
inaugura os processos de destruição que tornam possível nossa vida
anímica. É nesse sentido que o homem e o animal prolongam o tornar-se
vegetal. Enquanto o corpo astral repele assim a luz exterior, ele cria não
somente
a
luz
interior
da atividade anímica, mas ainda um órgão por meio do qual pode realizar
seu trabalho no corpo físico: o sistema nervoso. E, “sob certos aspectos, é
novamente o elemento espiritual da luz que trabalha em nós, na edificação
do sistema nervoso”.
78
Esse sistema nervoso é continuamente atravessado por fenômenos de
desagregação. Repelindo a luz, cede lugar ao desenvolvimento anímico e
espiritual. É por essa razão que a atividade consciente (intelectual) não é
ligada a um a intensificação do metabolismo.
Dessa maneira, a planta adquire assim uma relação particular com a
alimentação do homem. Com os alimentos de origem vegetal tomamos
diretamente em nós forças luminosas. Nesse sentido isso é uma
“alimentação dos nervos”. Porém isso é verdadeiro sobretudo para a planta
verde. Enquanto nosso corpo astral desagrega, destrói essa luz solar
condensada, despertamos em nós as forças que nutrem, formam e
conservam nosso sistema nervoso.
Por outro lado, se ingerimos alimentos de origem animal, estes são, na
verdade, mais próximos de nós (o animal traz em si um sistema nervoso
que é feito de luz condensada), mas o importante é que o animal já realizou
esse processo, já utilizou o corpo de luz do vegetal para a edificação de
seus órgãos nervosos. Assim, o homem toma para si, com os alimentos
cárneos, algo que já desenvolveu em si forças astrais. A carne pode ser
mais fácil de digerir, mas, na realidade, “o homem deve vencer então o que
resultou do trabalho do corpo astral animal”, lidando com as diversas
astralidades das espécies animais. Isto repercute necessariamente sobre seu
próprio corpo astral, ou seja, sobre seu sistema nervoso, mas de uma
maneira bem específica, incômoda, inibidora. Rudolf Steiner acentuou que
se deve levar esse fato em consideração para explicar como o sistema
nervoso é a fonte de numerosas doenças. Isso nos conduz a uma
justificação do vegetarianismo: ele é particularmente importante em todos
os casos de degeneração do sistema nervoso. Este assunto será abordado
mais adiante (capítulo IX).
Já se tinha conhecimento instintivo desses fatos em épocas muito
antigas. Dizia-se: “o homem é feito de luz” porque se podia perceber o seu
corpo etéreo. Quando este fenecia um pouco, via-se um sintoma de doença
que se estendia até a face: a cor encarnada. Sabia-se então da enorme
influência da luz sobre a saúde humana. E via-se nas diferentes plantas,
pela maneira como tratavam a luz, suas virtudes curativas.
Esta luz que nós modernos apreciamos tanto, não era preciosa aos olhos
dos antigos. Pelo contrário, eles apreciavam plenamente a luz proveniente
79
das plantas. Sentiam-se atraídos por esta ou aquela planta, pois dela tinham
necessidade, como medicamento ou como simples alimento. Quando
erravam pelas florestas ou pradarias, sentiam-se estimulados, vivificados.
Era um efeito imediato da força etérea luminosa do mundo vegetal. “Mas
atualmente temos necessidade de reconhecer de uma maneira nova o que é
a luz”, e de compreender de que tipo são as forças solares cósmicas que ela
obtém para a alimentação e a cura do homem.
A ciência espiritual admite assim, plenamente, a relação do mundo
vegetal com as forças do sol. Mas não deveríamos persistir muito tempo no
erro de ver nessa força solar condensada apenas a energia no sentido dos
físicos, e de querer medi-la em calorias. É preciso que ampliemos nossos
conhecimentos a respeito do sol, e que deixemos de ver nele apenas uma
fonte de energia atômica, e que aprendamos a considerá-lo por seu lado
interno, assim como o corpo astral humano, pois ambos são fontes de
forças luminosas interiorizadas, isto é, espirituais.
Tudo isso pode parecer absurdo ou mesmo extravagante a quem foi
educado nos hábitos de pensar da ciência atual. Tal concepção, na
realidade, é proveniente de uma observação espiritual tão exata quanto a
dos cientistas. Para a compreensão geral do processo nutricional, para todas
as perguntas que surgem a seu respeito no dia a dia, e mesmo para uma
verdadeira solução do problema da fome do mundo, a tentativa da criação
de uma dietética “dinâmica” pode ter uma importância decisiva.
Reconheçamos também que as qualidades dos alimentos devem ser
compreendidas de toda outra maneira que abra caminhos concretos. O
essencial, entretanto, é liberar o homem de seus entraves: “o homem
interno” não é um continuador das leis da natureza, ou seja, da lei da
entropia; nele a lei da conservação da energia não é absolutamente válida.
Pois, “é permitido à natureza de ser natureza fora da pele do homem, mas
no interior dessa pele, o natural é o que se opõe à natureza”.
Quando Rudolf Steiner teve ocasião de falar, pela primeira vez, sobre
medicina, perante uma platéia de médicos, ressaltou que o maior obstáculo
a uma compreensão exata da ação das substâncias (principalmente
medicinais) no corpo humano é a pretensa lei da conservação da energia.
Pois, “ela estaria em contradição absoluta com o processo de evolução da
humanidade”. E acrescentou: “O processo da nutrição e da digestão não é,
80
de modo algum, o que parece ser para a mentalidade materialista”. A
realidade aqui só pode ser observada espiritualmente.
Na conferência médica acima mencionada, ele parte do carbono que
ingerimos com todos os nossos alimentos, sobretudo se são vegetais. Ele
determina o que o carbono começa a ser. Há em nosso organismo a
possibilidade “de aniquilar o carbono extra-humano, graças ao pólo
inferior, de fazê-lo desaparecer no espaço e, em seguida, de criá-lo
novamente, no estado original, por uma reação”. Ocorre então a “morte e
ressurreição” desta matéria. Mas algo mais ocorre ali, ou seja, um processo
de gênese de luz no interior do homem.
As altas qualidades como luz e calor devem, elas também, ser
submetidas a certo processo digestivo, ou seja, a uma morte seguida de
uma ressurreição. A luz interior tem, na realidade, apenas o papel de um
estimulante para a gênese de uma luz interior. Esta gênese, que é um
processo espiritual, (o corpo astral é um corpo de luz espiritual) é
desencadeada pela luz de fora. Rudolf Steiner, entretanto, afirma
expressamente que “esses dois processos são separados pela superfície
(pele) de nosso corpo e não se unem”. Temos então em nós a nossa própria
luz e se perguntarmos qual é o órgão encarregado desse processo,
retornaremos ao rim, conforme o que já foi exposto. Os fenômenos de
eliminação urinária são, neste sentido, o lado exterior dessa “luminosidade
renal”, bem conhecida pelos homens de outrora, dotados de clarividência
instintiva. O homem traz então em si a fonte de um fenômeno
extraterrestre. Pode-se dizer o mesmo das forças que se manifestam em seu
quimismo. O fígado, esse “quimicador” é, ele também, uma fonte
interiorizada de forças extraterrestres. Todas as atividades químicas das
substâncias terrestres têm igualmente sua origem nos domínios cósmicos.
O mesmo ocorre com o rim e a luz. Mas, na realidade, nós trabalhamos
com essas forças internas contra as forças cósmicas, emancipando-nos não
somente da natureza, mas também do cosmos. Nós nos individualizamos,
no sentido cósmico. Dessa maneira, chegamos a um equilíbrio mais
elevado face a esses domínios extra-humanos. Graças a nosso Eu,
adquirimos uma nova harmonia com o mundo. Nós nos afirmamos como
homens livres até em nossos processos fisiológicos, sobre uma terra que
vive num acordo superior com o universo. Um dos meios pelos quais
81
alcançamos isto é o ritmo, que atualmente é de uma importância primordial
na alimentação.
Não foi por acaso que Goethe disse: “O ritmo tem algo de enfeitiçador, é
necessário até mesmo crer que o sublime nos pertence”. Esta frase exprime
uma profunda intuição espiritual. Pelo ritmo, a substância desaparece, de
certo modo, nos processos. “O organismo é uma correlação de atividades.
Só o ser reside naquilo que ele faz e não em sua substância. O organismo
não é um conjunto de substâncias, mas de atividades”. Essas palavras de
Rudolf Steiner podem ser colocadas como a base de um tratado de
alimentação dinâmica. Somente quando percebermos todo seu sentido é
que seremos capazes de sobrepujar o materialismo, nesse domínio.
Colocamos aqui novamente a nossa pergunta: “Porque se alimentar?”
Vemos claramente que se trata de atividades. Desde que nos chegam, os
alimentos são tomados por uma corrente de atividades dinâmicas que se
opõem mesmo às coisas que foram criadas por um dinamismo análogo, nos
seres vivos. O objetivo é de fazer regredir tudo que as fixou numa forma e
de dissolver a coesão das substâncias. Assim fazendo, libertamos forças
que se teriam concentrado na matéria. Levamos esse processo quase à
volatilização, à caotização. Obrigamos a substância a voltar ao passado, a
sua origem cósmica.
É necessário lembrarmos aqui que a matéria de nossos alimentos,
chegada a um estado de “densidade grosseira”, foi originalmente uma
substância tênue, sutil, uma configuração de forças completamente
imaterial; isto significa que há uma forma de ser que é supra-sensível, à
base de cada alimento. Por outro lado, no processo digestivo o alimento é,
de certo modo, levado a essa forma de ser; ocorre como que um “processo
de memória” que ressuscita o passado cósmico. Na realidade, o estado
grosseiramente material de nossos alimentos é uma espécie de fase
transitória, uma densificação momentânea. O que nos alimenta é,
aparentemente, apenas a substância grosseira. Esta substância abandonou
sua forma original e tomou essa forma ilusória a fim de servir, dessa
maneira, à evolução humana sobre a terra.
Em “Surgimento das Ciências Naturais” (9ª. conferência, 6 de janeiro de
1923), Rudolf Steiner disse que os estados originais da matéria, são
82
conservados em nosso organismo inferior, no nosso metabolismo, “Aí
podemos encontrar até o estado do antigo Saturno”.
E o que faz o homem, em sua nutrição, desses estados originais?
Tentamos demonstrar claramente que nesse momento o Eu humano pode
intervir e impregnar a substância, pouco a pouco, com seus próprios
constituintes. Graças à dinâmica do coração e do pulmão, graças aos
processos renais e hepáticos, a substância sofre uma nova densificação e
chega a uma nova forma. Esta se encontra na cabeça, ou seja, no pólo
oposto ao metabolismo. Essa corrente volta à imobilidade na esfera neurosensorial, morrendo novamente. Adotou uma nova forma, a da organização
do Eu.
Segundo esses pontos de vista, o que encerra a cabeça? Uma
materialidade terrestre, re-condensada, depositada, eliminada pelo fluxo
dinâmico do metabolismo.
Dado que o cérebro é o órgão central do sistema neuro-sensorial,
sabemos agora que toda a substância atual deste cérebro é uma espécie de
secreção do metabolismo. Seguimos aqui, fielmente, as exposições do
Curso Agrícola. Ali Rudolf Steiner explicou aí que a matéria do sistema
neuro-sensorial humano que resulta do processo nutricional, é a matéria
mais evoluída que se possa encontrar sobre a terra. Nem o reino animal,
nem o reino vegetal, podem possuí-la, pois eles não têm a organização do
Eu.
Mas esse processo de eliminação para o alto, para a cabeça, já começa no
intestino, e devemos ver seu semelhante na excreção intestinal. Naquela
oportunidade Rudolf Steiner falou de uma espécie de “parentesco” que,
certamente, pode nos parecer paradoxal face às nossas atuais capacidades
de compreensão. Esse paralelismo ainda era bem natural, por exemplo, para
Paracelso. Se nos perguntarmos: “O que é a matéria cerebral?”, poderemos
apenas responder: “Matéria fecal chegada a seu termo”. Uma excreção em
direção ao alto. Isto torna compreensível que essas matérias tenham
necessidade de permanecer bastante tempo no intestino grosso e que aí
surjam, novamente, processos conscientes.
Agora talvez vejamos melhor “para o que serve a nossa alimentação”. A
princípio, para formar o “substrato do Eu”, secretando-se o cérebro. Por
isso o cérebro humano é muito mais perfeito e mais volumoso
83
relativamente ao corpo. É igualmente o mais individualizado. “Não há dois
cérebros iguais”, declara o neurologista A.F.Marfeld, especialista em
cérebro. Mas é claro também que nossa nutrição deva se acomodar a lei
materiais, terrestres; é justamente por isso que toda a ciência da
alimentação tornou-se tão exclusivamente materialista.
Se essa é a origem da substância cerebral, como explicar o extraordinário
poder plástico desse órgão, cuja diferenciação sobrepuja de longe tudo que
se possa conhecer da vida orgânica? É porque além da substância também
existem forças.
Ressaltamos que essa substância é bem peculiar: ela é
extraordinariamente frágil, mais efêmera do que qualquer outra. Aqui
novamente a fisiologia moderna chegou a resultados importantes; por
exemplo, ela pôde estabelecer que a substância das células ditas
ganglionares, que são os verdadeiros elementos dos nervos, se renovam a
cada nove horas, pois neste lapso de tempo elas esgotam toda a sua força
vital. Essa matéria cerebral está então desde seu início, tomada pelas forças
da morte. Em seguida, pela influência do astral e do Eu, ela se desvitaliza
completamente,
As forças formativas que foram retiradas tão cedo das células nervosas
(desde a primeira infância elas não são mais aptas a se reproduzirem)
podem, estando liberadas do organismo físico (portanto, da matéria
cerebral), orientar-se para um tarefa mais elevada: a atividade anímicoespiritual.
Mas a necessidade de renovar constantemente a substância cerebral
exige que haja nesse órgão um metabolismo extraordinariamente intenso.
Este deve ser sustentado por nossa alimentação. É por essa razão que
devemos nos alimentar muitas vezes ao dia. Existem casos excepcionais de
jejum prolongado, e a isto voltaremos adiante.
O cérebro compreende, na realidade, apenas uma pequena porção de
substância nervosa. As fibras nervosas, ou seja, a substância branca é
menos abundante nesse órgão do que as células que são dotadas de
metabolismo. Se as células ganglionares, nas quais terminam os nervos,
pertencem acima de tudo à atividade nervosa, os outras dedicam-se
visivelmente ao metabolismo cerebral. Essas últimas (em número de 100
bilhões) conservam ainda a faculdade da mitose. Sua aglomeração é
84
chamada de “substância cinzenta”. No animal elas são relativamente menos
abundantes do que no homem.
Rudolf Steiner explicou que a substância cinzenta “serve
essencialmente para a nutrição do cérebro”... enquanto a “substância branca
é essencialmente a substância pensante”. Esse ponto de vista é importante
no que concerne à questão da alimentação do cérebro que merece uma
atenção toda particular. Nós lhe consagraremos então uma exposição
detalhada.
No momento continuaremos antes a seguir o fio que nos conduzirá
pouco a pouco a responder às questões fundamentais.
A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA ALIMENTAÇÃO: A CORRENTE
TERRESTRE E A CORRENTE CÓSMICA
Como já explicamos, a matéria praticamente desprovida de forças vitais
que se deposita no cérebro e que deve ser constantemente substituída pela
substância nova, é manifestamente tomada por outras forças formativas que
são obrigadas a agir também constantemente para evitar ao sistema nervoso
o perpétuo perigo de um colapso. Forças “modeladoras” devem amparar-se
do produto final do metabolismo terrestre. Rudolf Steiner assinalou essa
corrente de forças por numerosas vezes, sobretudo durante os últimos anos
da sua atividade terrestre.
E provavelmente não é por acaso que ele se exprimiu pela primeira vez
a esse respeito na Inglaterra, ou seja, no Oeste onde a terra é
particularmente acessível às forças “modeladoras”. – Nas conferências que
ele fez, de 19 a 31 de agosto de 1923 em Penmaenmawr, Inglaterra, o local
sagrado de um antigo colégio dos druidas. Este local deu-lhe
manifestamente a possibilidade de revelar de uma maneira toda especial, os
mistérios do homem e do cosmos.
Os três sistemas ou ”membros” da fisiologia humana (não são partes!)
não são separados uns dos outros: o metabolismo encontra-se em toda
parte, mesmo no cérebro, como já vimos. Contudo, o caráter típico do
85
organismo metabólico propriamente dito é encontrado nos órgãos
digestivos, o “pólo inferior”.
O mesmo ocorre para o organismo neuro-sensorial. Mas o cérebro
jamais poderia se formar em outro local senão na cabeça, o pólo neurosensorial.
MATERIALIDADE E AÇÃO DE FORÇAS
Em cada um dos três sistemas temos que distinguir a substância e a
atividade (as forças). “Na realidade, a substância e a atividade não são mais
que unas; agem, entretanto, de maneiras diferentes em direção do mundo”.
Esta frase poderia parecer confirmar a proposição de Buechner, já citada:
“A matéria e a energia são, no fundo, a mesma coisa, consideradas somente
sob pontos de vista diferentes”. Mas Buechner via a energia apenas sobre a
base de uma matéria organizada que existia muito antes do espírito,
enquanto que a investigação espiritual moderna fornece o resultado
contrário: “Tudo é proveniente do espírito”. A matéria ou substância
representa uma condensação da energia e, como já vimos, uma
condensação momentânea.
Tomemos a princípio, a cabeça humana. Devemos reconhecer que sua
substância formou-se à custa do mundo físico. Essa formação começa no
início da vida embrionária, época em que a cabeça (o cérebro) se
desenvolve com predominância. Ela está muito adiantada em relação aos
membros e aos órgãos metabólicos. É neste momento que intervém
claramente outra atividade, que a modela e forma; uma força “modeladora”
age sobre a corrente das substâncias corporais. Ora, essa atividade não é
terrestre, é cósmica. A matéria da cabeça é proveniente da terra, mas jamais
forças terrestres lhe poderiam dar sua forma. Esta forma da cabeça, bem
entendido, é a do cérebro e é, na verdade, uma “criação celeste”.
A extrema complexidade do cérebro humano, que o torna inexplicável
para a ciência moderna, sua inacreditável diferenciação, não pode
efetivamente, ter sido proveniente das leis terrestres. Pode até mesmo
parecer absurdo do ponto de vista das forças terrestres.
86
O sistema neuro-sensorial do homem representa então uma colaboração
das substâncias terrestres com as forças cósmicas.
Inversamente, observamos o modo como forças absolutamente terrestres
atuam no domínio do metabolismo e dos membros. Se nós não
estivéssemos submissos aí à lei da gravidade, não poderíamos nos encarnar
como homens terrestres. Nosso Eu utiliza constantemente seu predomínio
contra nosso próprio peso terrestre. “As forças e as atividades são levadas
pelo metabolismo e pelos membros, ao mundo físico”. Mesmo os processos
químicos da digestão são, a princípio, determinados por uma atividade
terrestre.
Mas qual é a base substancial desse sistema (metabolismo e membros)?
Os riscos de erro aqui são muito grandes. O conceito atual de “balanço da
substância” não tem nada a ver com a realidade. É preciso voltar-se para
outra coisa.
Consideremos que em nosso cérebro nós nos tornamos “um outro”, pelo
menos duas vezes em 24 horas: renovamos inteiramente nossa substância,
mantendo plenamente nossa individualidade. Ainda que não se trate de uma
troca de substâncias terrestres, não é possível nos representarmos realmente
tais eventos, pois nossa consciência de vigília fundamenta-se na
estabilidade de nossa existência corporal. Se a construíssemos sobre uma
ilusão, não seríamos de modo algum conscientes. Nossa existência
metabólica (e nossos membros) parece basear-se sobre uma estabilidade
terrestre do mesmo gênero. Mas a ciência espiritual chega a outros
resultados. Ela diz o contrário: “Os membros do homem e seu sistema
digestivo são constituídos unicamente de substância celeste”. O que quer
dizer isso?
Quando o organismo humano realiza esta “eterização” da substância
nutritiva, ele a faz de diversas maneiras, segundo a natureza dos alimentos.
“O homem não é um confluente qualquer de reações químicas”. Ele deve
transformar:
- tudo que é material em “éter de calor”;
- Tudo que é vegetal em “forma aérea”;
- Tudo que é animal em “forma aquosa”.
87
Rudolf Steiner explicou concretamente essas leis em sua conferência de
10 de novembros de 1923, repetindo ainda que não e tratava de
prolongamentos de processos físico-químicos no homem, “pois no interior
tudo é diferente do exterior”. O sal (mas também o açúcar, que se aproxima
do mineral) “deve adotar a forma de éter de calor antes de poder ser
utilizado pelo organismo humano”...
No que concerne ao alimento de origem vegetal, a digestão humana lhe
dá a possibilidade de “retornar não somente às profundezas luminosas, mas
também às profundezas espirituais do cosmos”. Veremos adiante que isto
tem um sentido concreto, não apenas para o homem, mas também para a
planta. E com sua nutrição de origem animal o homem deve realizar
processos análogos no domínio do líquido (éter químico). Se não é
suficientemente capaz, adoece. Rudolf Steiner mostrou, de passagem, como
o diabetes surgia num ser humano que não está em condições de reconduzir
o açúcar “ao estado volátil de éter de calor”.
Antes de poder utilizá-lo em si o homem deve então subtrair a
substância nutritiva à lei da conservação de energia. Rudolf Steiner afirma
expressamente: “Isso concerne não somente às substâncias, mas também às
forças”. Em outras palavras, o homem se nutre de um modo não terrestre,
mas cósmico, etéreo.
Em seguida ele deve dar um segundo passo, que é de recondensar este
alimento cósmico-etéreo, de reconstruí-lo em albumina, carboidratos,
gorduras, etc. Nós expusemos anteriormente que aí se trata de um
fenômeno paralelo à excreção. Ele representa, em realidade, a formação de
substância neuro-sensorial e cerebral.
ORIGEM E OBJETIVO DA ALIMENTAÇÃO. NUTRIÇÃO
TERRESTRE E CÓSMICA
Toda nossa alimentação não é proveniente de uma forma mais antiga
em que o alimento permanecia mais sutil e mais etéreo, e em que o próprio
homem ainda não tinha descido tão profundamente na solidificação
terrestre? A ciência espiritual fala de uma ”atmosfera albuminóide
88
original”, na qual os seres vivos viviam em algo como um líquido nutriente
dotado de vida.
Rudolf Steiner expôs, por exemplo, que o leite materno atual era
outrora fornecido aos seres humanos pela atmosfera. “Durante toda a sua
vida o homem tinha apenas como alimento uma espécie de leite”. Havia,
naquelas primeiras épocas da Lemúria, “um fino mingau lácteo no qual se
vivia. Aspirava-se o leite circundante”. Esse “antigo leite ainda era cósmico
e não é por acaso que a mitologia fala de uma região paradisíaca onde, nos
velhos tempos, “corriam o leite e o mel”.
As plantas que ainda hoje secretam o “látex”, são, nesse sentido, os
vestígios de vegetais muito mais antigos. E o leite atual, este alimento vivo
que pode se transmitir diretamente de um organismo a outro, nos beneficia
de outra alimentação feita de matéria sutil, etérea. Rudolf Steiner disse que
a alimentação láctea é uma transição para a forma terrestre de alimentação.
Por esse motivo ele é o primeiro alimento do recém-nascido. Ele forma
uma ponte entre a alimentação cósmica e a alimentação terrestre.
Agora talvez compreendamos melhor o seguinte: segundo a ciência
espiritual, ao lado de nossa alimentação grosseiramente material,
beneficiamo-nos de uma alimentação feita de matéria etérea, sutil. Rudolf
Steiner disse pela primeira vez nas conferências de Penmaenmawr: o
sistema do metabolismo e dos membros não é feito de substâncias
terrestres: “Por mais inacreditável que isso possa parecer, tendes em vosso
sistema de trocas e dos membros algo que não é proveniente da terra, mas
de substância existente no mundo espiritual”. O que Rudolf Steiner queria
dizer com isso? Para explicá-lo apelaremos para toda uma série de outras
exposições do investigador espiritual. Mencionaremos, a princípio, a
conferência de 9 de fevereiro de 1924. Ali ele mostra que todos os seres
vivos, e mesmo a terra, são percorridos por uma dupla corrente de
substância. As plantas e os animais, sobretudo os animais inferiores
marinhos, recebem sua nutrição daquilo que os rodeia. E a própria terra se
nutre de matérias sutis que estão espalhadas por toda parte no universo. A
terra recebe continuamente “alimentos do espaço cósmico”.
Tais asserções foram inteiramente confirmadas pela ciência moderna.
Fala-se de uma “radiação cósmica” que faz descer sobre a terra uma
substância extremamente sutil. Em seu livro “A criação ainda não está
89
terminada”, F.L.Boschke fala da “troca com o universo”, insistindo sobre o
hidrogênio, o gás que é “o mais fracamente ligado à terra pela gravidade e
que mais facilmente pode deixar seu campo gravitacional”. Ora, a
“radiação cósmica” aqui mencionada consiste, num estado primário, em
“núcleos de hidrogênio”. Aí colocam-se igualmente os pretensos “ventos
solares”, assunto da atualidade devido às pesquisas dos astronautas na lua.
Boschke descreve: “A terra não recebe desses ventos solares menos de 1,6
toneladas de matéria por segundo. Trata-se de partículas provenientes do
sol, de núcleos de átomos de hidrogênio”.
Rudolf Steiner fez para os trabalhadores do Goetheanum toda uma
conferência: “Sobre a essência do hidrogênio”. Ressaltou o estreito
parentesco desse elemento com o fósforo que está espalhado “em toda a
periferia do mundo”, mas que também desempenha um importante papel
nos seres vivos terrestres. Ele é parente próximo do calor e faz parte dos
constituintes da albumina. Por outro lado, ele tem relações com o nosso
sistema cardíaco: “O homem, por meio do seu sistema cardíaco, prepara o
hidrogênio, que em seguida será o substrato de seu aparelho pensante”.
Aprendemos também, nessa conferência, que nós absorvemos fósforo e
hidrogênio provenientes de todo nosso ambiente, por intermédio de nossos
cabelos e de nossa pele. O fósforo vivifica o homem, e também todos os
seres vivos, e no cérebro é “uma substância mediadora do pensamento”.
Vê-se então que o hidrogênio é uma das substâncias que se move entre
a terra e o cosmos e que desempenha um papel importante na “nutrição
cósmica”. É, de certo modo, uma respiração refinada que se faz não
somente através de toda a pele, mas também pelos órgãos dos sentidos:
“Nós absorvemos ferro, continuamente, por nossos ouvidos... Por nossos
olhos aspiramos luz, mas também substâncias” e “pelo nariz tomamos um
enorme número de substâncias sem o perceber”. Antes, numa conferência
destinada aos médicos, em 31de dezembro de 1923, Rudolf Steiner insistiu
sobre esse lado da nutrição. Após ter dito que o metabolismo ordinário
fornece apenas as “pedras da construção” do sistema nervoso, ele
acrescentou que pela atividade neuro-sensorial, em colaboração com a
respiração, “substâncias, no estado de partículas extremamente finas, são
retiradas do ambiente cósmico e em seguida elaboradas por esse sistema
neuro-sensorial e incorporadas em todo o organismo”, onde elas substituem
tudo que desapareceu. Ele ainda acentua aqui a importância da orelha como
90
órgão de absorção. Enfim, na conferência de 7 de janeiro de 1924,
encontramos: “No espaço do mundo, todas as substâncias estão num estado
de diluição muito rarefeita, principalmente o ferro. O homem o respira, mas
ele o absorve também pelos olhos e orelhas”. Segue-se este dado
importante: sobre a terra o homem é obrigado a absorver o alimento na
medida em realiza “funções terrestres”, caso contrário não teria
absolutamente necessidade alguma de comer, pois poderia receber tudo do
espaço universal. Mas, dado que devemos “trabalhar” com nosso corpo,
temos necessidade de ser sustentados comendo, no sentido grosseiramente
material.
A ciência atual sabe perfeitamente que uma grande quantidade de
substâncias irradia-se do universo e penetra em nossa atmosfera.
Nitrogênio, carbono e hidrogênio fazem parte da “irradiação cósmica”
(Boschke): “Além disso, quantidades muito pequenas de outros elementos
químicos, ferro, níquel, lítio, berilo, boro, etc. chegam à terra. Assim esta
capta átomos de numerosos elementos que nós identificamos pela análise
da luz estelar”. É assim que com a neve cai sobre a terra um “material
cósmico” contendo ferro, cobalto e níquel: é o mesmo com a queda de
meteoros. Segundo Boschke, há, por exemplo, 14,3 milionésimos de grama
de níquel em 1000 cm3 de ar. Isto equivale a uma precipitação anual de 5
milhões de toneladas, de origem cósmica. É, segundo o autor, “uma
contínua chuva de metal pulverizado”. É muito plausível que essa chuva
metálica seja absorvida não somente pela terra, mas ainda pelos seres vivos
terrestres e pelo homem. Em outras palavras, ocorre continuamente uma
“nutrição cósmica”.
A nutrição corriqueiramente material é necessária para a existência
terrestre. Pela resistência que ela deve vencer desse lado, o homem
fortifica-se particularmente como alma e espírito, sob a condição de que
esse combate chegue à eterização da substância. É por isso que ele se torna
uma individualidade fisiológica.
A corrente material que ele re-materializa entra em seguida entra no
sistema neuro-sensorial que é então construído com matéria terrestre. Ele
faz assim do seu cérebro o principal instrumento da consciência. Por isso
pode-se dizer que a nutrição terrestre é, antes de tudo, substancialmente a
do cérebro.
91
Para vencer a natureza terrestre dos diversos alimentos o homem deve
desdobrar certas forças antagônicas que ele mobiliza – mas nem sempre é
capaz de fazê-lo. São essas forças de nossos alimentos terrestres que
fortificam nossos membros, que nos tornam capazes de trabalhar e que
impregnam nosso sistema metabólico de peso, de força terrestre. Ou seja,
nossa nutrição terrestre estimula por meio de substâncias a formação de
nossa consciência, e por meio de forças, de energias, nosso sistema de
trocas e dos membros. Ambos são constantemente esgotados e devem ser
regenerados pela alimentação de cada dia. É esse “aporte energético” que
conduziu às medidas quantitativas feitas sob forma de calorias. Porém, as
deduções tiradas daí são falsas.
A essa corrente terrestre de substância corresponde uma corrente
cósmica. A recepção é assegurada pela pele e pelos órgãos dos sentidos,
assim como pelo aparelho respiratório. Ora, é necessário que a alimentação
terrestre os regenere sem cessar, para que eles possam captar a corrente
cósmica. A substância nervosa degrada-se sem cessar e deve ser
substituída.
Pelo seu lado, a alimentação cósmica condensa-se e torna-se substância
no sistema metabólico-mêmbrico. Ela também tem necessidade de uma
condensação terrestre. Mas a organização anímico-espiritual do homem
pode dirigir-se diretamente à forma etérea dessa corrente e imprimir-lhe
seu caráter individual, pois também essa substância precisa ser
personalizada.
O pólo superior, ou seja, a respiração e os órgãos neuro-sensoriais são
de uma natureza diferente do pólo inferior, que compreende a circulação, o
metabolismo e os membros. Os dois organismos encontram-se e se
interpenetram no coração, mediador entre o superior e o inferior. A
respiração e a circulação formam no homem um sistema mediano e rítmico,
onde “confluem a atividade espiritual e a substancialidade física. Aí, tudo
conflui: a substancialidade e a atividade celestes, a atividade e a
substancialidade terrestres”.
Tal quadro é inegavelmente, muito diferente de nossas concepções
científicas correntes e da imagem popular moderna. Mas os resultados da
experiência não contradizem esses resultados da investigação espiritual.
Também aqui a investigação oferecida pela ciência espiritual consiste em
92
liberar o espírito humano de suas representações exclusivamente
materialistas.
Numa de suas últimas conferências, Rudolf Steiner abordou novamente
a questão da nutrição terrestre e da nutrição cósmica. Declarou que da
absorção do alimento cósmico pela respiração, aspiramos “não somente
matéria, mas ainda forças anímicas”. Até mesmo nas mais finas partículas
de matéria que respiramos, “tudo vive, tudo é repleto de alma”. Não se trata
unicamente das substâncias minerais das quais fala a ciência oficial, mas de
portadores de forças vitais e de uma força objetiva que podemos denominar
como a astralidade cósmica.
Sabe-se hoje em dia, que mesmo com nossa alimentação terrestre
absorvemos forças dessa natureza. Elas se exprimem em certas
propriedades perceptíveis dos alimentos e constituem sua qualidade.
Sabe-se, por exemplo, que os músculos dos animais de abatedouro
modificam-se em sua constituição química quando estão nervosos e
aterrorizados. M.Pyke escreve que “isso não diminui diretamente o valor
nutritivo da carne”, mas que “sua qualidade alimentar é apesar de tudo
diminuída”. Esse autor mostra igualmente que “o estado fisiológico de um
animal influencia nitidamente seu sabor e o odor da sua carne”. Mas o que
ele tem realmente em vista são os diversos estados da alma animal, tal
como, por exemplo, a excitação genética*.
*É por isso que os músculos e a gordura dos javalis adultos, em época de
cio, exalam um odor repulsivo. A concentração desses princípios odoríficos
manifesta-se muito forte e por isso sua carne não é comestível.
Trataremos agora da gênese dos aromas e dos sabores, de um fenômeno
de larga influência, muito importante para o lado prático da dietética: a
questão dos aromas e dos sabores.
Antes de tratar disso, faremos ainda duas pequenas explanações
complementares que mostram como, para Rudolf Steiner, todos esses
93
conhecimentos, aparentemente muito distantes da prática, conduzem a
situações humanas bem concretas.
Numa consulta pedagógica, discutia-se a respeito de uma criança
extremamente destituída de apetite, ainda que fosse robusta no que
concerne aos membros. “Esse apetite deficiente”, disse Rudolf Steiner,
“causa mal à nutrição da cabeça e do sistema neuro-sensorial e, dessa
maneira, esta organização tornou-se fraca, o que cede lugar a certas
perturbações anímicas. Em compensação, o organismo dos membros é
forte, dado que não é construído com alimentos no que concerne à
substância, mas edificado a partir do cosmos, a partir da respiração e da
atividade dos sentidos”. Rudolf Steiner deu para essa criança conselhos
terapêuticos que levavam isso em conta.
Para terminar, gostaríamos de retornar um instante ao Curso Agrícola
de Rudolf Steiner. Ali o seu propósito era justamente desenvolver certa
compreensão dos processos nutritivos, a fim de que pudessem mostrar-se
fecundos na prática de todos os dias. Por isso ele acentuava muito que toda
substância espiritual – portanto, também etérea – deveria ter portadores
físicos sobre a terra. Os materialistas “consideram apenas os portadores
físicos, esquecendo-se do espiritual”. Isto é muito grave no que se refere à
alimentação. Nesse curso ele qualificou a distinção entre alimentação
terrestre e alimentação cósmica como “noção extremamente importante
para a alimentação”. A esse respeito fez ressaltar, no que concerne a nossa
alimentação, que é muito importante que possamos acolher em nós, junto
com os alimentos, “forças verdadeiramente vivas”. É dessas forças que
temos necessidade para nossa atividade quotidiana, para nosso trabalho.
Quanto à matéria corporal propriamente dita, acrescentou, nós a
absorvemos “de uma maneira contínua, em doses extremamente sutis” e a
condensamos em nosso organismo. Nós a tornamos tão fortemente sólida
que a encontramos nas unhas, cabelos, etc., a ponto de sermos obrigados a
cortá-los. E “é extremamente errado acreditar que os alimentos ingeridos
atravessam o corpo, terminando por penetrar nas unhas e películas”. A
verdade é esta: “respiração é sutil absorção pelos órgãos dos sentidos,
depois travessia pelo organismo e eliminação”. As forças que acolhemos
em nós pela alimentação terrestre têm isto de importante, que “introduzem
no corpo forças da vontade”.
94
É sobre essa concepção da nutrição que Rudolf Steiner edificou sua
nova doutrina da adubação, que é o fundamento do método biodinâmico de
agricultura para os campos e hortas.
-x-
CAPÍTULO IV
OS PROCESSOS DO OLFATO E DO PALADAR.
CONDIMENTOS E SUBSTÂNCIAS AROMÁTICAS.
95
DADOS PRELIMINARES
Também aqui a pesquisa moderna obteve resultados cujo verdadeiro
significado só se tornará evidente com o esclarecimento dado pela ciência
espiritual. Mencionemos os desenvolvimentos recentes da ciência dos
aromas e o dos órgãos sensoriais. Novamente nos surpreendemos com as
descobertas que Rudolf Steiner, muito avançado para o seu tempo, fez
nesse domínio, mediante a investigação espiritual moderna.
Trata-se aqui dos sentidos olfativo e gustativo. Vejamos esses dois
processos, gêmeos de certa forma, seu desenvolvimento, sua formação, sua
inserção no processo orgânico único e múltiplo. Por um lado, embora a
pesquisa fisiológica tenha descrito minuciosamente inúmeros fatos, ela
ainda é obrigada a confessar que “a maneira pela quais as substâncias
odoríferas desencadeiam a função das células olfativas ainda é
profundamente desconhecida”, e reconhece a mesma ignorância com
relação ao sentido do paladar. Por outro lado, Rudolf Steiner declara: “O
que se experimenta pelo paladar... são correspondências vivas entre o
macrocosmos e o microcosmos”, cuja compreensão tornará possível “uma
verdadeira higiene alimentar”. Temos necessidade dela, pois “a existência
humana não é mais guiada pelo inconsciente, pelo instinto; é preciso
substituí-los por uma comunhão consciente com o ambiente cósmico”. Tais
palavras, pronunciadas há mais de 90 anos, mantêm uma extraordinária
atualidade, pois a degradação dos instintos humanos acelerou-se
enormemente.
A PERCEPÇÃO OLFATIVA – SIGNIFICADO DO AROMA
À percepção olfativa chega apenas uma substância em estado
gaseiforme. Esta primeira proposição, por mais simples que pareça, implica
em que as substâncias odoríferas receberam do “macrocosmos” a faculdade
de deixar os estados sólidos e líquidos para passar ao estado gasoso. Por
outro lado, o “microcosmos” deve formar um órgão particularmente sutil e
diferenciado para poder perceber esse gás e receber estímulos internos. O
processo do olfato serve-se então do ar, da atmosfera.
96
Na alimentação chamaremos essas substâncias de “aromáticas” e
consideraremos acima de tudo as que vêm das plantas, ainda que os aromas
de origem animal também tenham importância.
Tomemos um exemplo: a tília, cujas flores difundem um perfume
característico, bem conhecido, liberando, nessa ocasião, certas essências
etéreas que são voláteis, mas também facilmente inflamáveis e que ardem
com uma chama clara. São, portanto, ligadas à luz e ao calor; não têm,
praticamente, nenhuma relação com o líquido, nem com o sólido.
Certamente elas dissolvem as resinas, as ceras e as gorduras que lhes são
aparentadas, mas nenhum sal. Elas escapam então às forças terrestres
formativas e ao peso, para se envolverem com a leveza do ar e com as
radiações cósmicas: luz e calor. Elas participam da propriedade que os
gases têm de se interpenetrarem sem obstáculo e de poderem ser diluídas
em proporções quase infinitas, constituindo assim um invólucro para o
organismo terrestre. Este invólucro se prolonga nos seres vivos da terra, nas
plantas, nos animais e nos homens. Na realidade, há, no homem interno,
uma “esfera de aromas”.
A pesquisa científica moderna aproximou-se dessa “esfera de aromas”.
O desenvolvimento da cromatografia dos gases contribuiu particularmente
para o conhecimento das substâncias aromáticas. Foram classificadas em:
sulfurosas, que estão entre as mais intensas; torrefeitas, que surgem da
torração dos alimentos e principalmente da torrefação do café, etc. O café,
por exemplo, contém mais de 300 substâncias odoríferas voláteis.
O objetivo confessado dessas pesquisas é de se chegar a imitar todos os
aromas naturais por meio de misturas apropriadas. O estudo dos aromas das
frutas já conduziu a visões profundas sobre sua origem natural. Muitos
desses portadores de aromas são fases de degradação de certas substâncias
metabólicas, ditas “precursoras de aromas”. A gênese dos aromas não
parece assim repousar sobre sínteses, sobre anabolismo, mas sobre
degradações análogas às fermentações. Na flor e no fruto não há uma
continuação de processos propriamente vitais, mas sim uma intervenção de
forças externas, tais como a luz e o calor. Essas forças que tocam a planta
em flores, ou o fruto amadurecendo, são forças “astrais”. No animal e no
homem elas agem de dentro e se manifestam como alma e espírito.
97
Certo dia, Rudolf Steiner disse que a flor tende a se unir “à alma do raio
solar”. Ora, o raio solar é penetrado dessas forças astrais que nós
interiorizamos. “O espírito, a planta e o Sol agem em harmonia”. Mas essa
atividade não tem tendências vitais, pelo contrário, a gênese dos portadores
de aromas imita então, de certo modo, um processo que, interiorizado, leva
à faculdade da consciência.
Por outro lado, as pesquisas científicas modernas estabeleceram que
nenhum ser humano “se satisfaz, por muito tempo, com uma alimentação
sem sabor nem odor”. E há uma questão aromática especial para cada
gênero alimentício.
De outra parte, nas substâncias gasosas e no ar luminoso, chegam forças
que elevam os corpos gasosos para fora do estado terrestre, e as colocam
“sob a influência da entidade solar unificadora”. Em outros termos: na
atmosfera, um elemento astral-espiritual “aproxima-se tanto quando
possível do mundo material. A matéria torna-se, no perfume tão espiritual
quanto possível”. Podemos então compreender que “é quando o espírito...
desce mais profundamente no mundo físico é que nasce a percepção
olfativa”.
A gênese dos aromas representa então um vai-e-vem entre as forças
terrestres e extraterrestres. A planta que os produz é, neste momento,
tomada por forças particulares, às quais responde segundo sua espécie: à
maneira da tília, da violeta, da lavanda, da cebola, etc. Para a planta é um
processo secretor, mas ao mesmo tempo, uma comunhão com o mundo
ambiente. A planta é criadora no ato secretor, dado que ela se preenche de
forças extraterrestres, as quais lhe conferem qualidades específicas.
É, portanto, uma ilusão acreditar que a planta é limitada por seus
contornos físicos. Em realidade, uma rosa que nós podemos sentir de longe,
estende-se por toda a atmosfera. Podemos sentir de muito longe o corpo de
perfume da rosa, e nós o percebemos no nosso próprio “organismo aéreo”,
ou seja, com nosso corpo astral, apesar da imperfeição de nossas faculdades
olfativas.
Em uma conferência aos operários do Goetheanum, Rudolf Steiner
descreveu a gênese do aroma das plantas. “As plantas farejam o espaço do
mundo e elas se organizam, em conseqüência”. “Dessa maneira, a violeta
percebe de uma maneira sutil o que emana de Mercúrio e forma então seu
98
corpo de perfume, enquanto que a asa-fétida percebe muito finamente o
que emana de Saturno e faz, sobre esse modelo, um corpo gasoso fétido. É
assim que todo ser vegetal , quando se tora odorífero, “percebe os aromas
que vêm dos planetas”.
Mesmo as plantas que nos pareçam inodoras têm, na realidade, um
aroma que nos chega ao menos sob a forma de uma emanação refrescante.
Dessa maneira, esse elemento nos comunica “aquilo que vem do Sol”.
Tais dados são muito importantes no que concerne à higiene alimentar:
a emanação refrescante, o frescor, não são as qualidades mais procuradas,
particularmente em relação aos legumes, folhas e raízes? Quanto mais uma
planta desprender um odor “fresco”, e se torna aromática, mais ela entra em
comunhão com o cosmos.
Essas qualidades aromáticas – a ciência moderna o confirma –, são as de
que temos necessidade para nossa alimentação; elas são, em última análise,
as que entretêm o verdadeiro processo digestivo e nutritivo.
Infelizmente nossa alimentação atual perde constantemente seus poderes
aromáticos devido aos métodos agrícolas e aos processos de preparação.
Compreende-se então porque Rudolf Steiner, ao fundar o método de
agricultura biodinâmica, tornou possível a obtenção de gêneros
alimentícios que sejam verdadeiramente portadores de aromas, portanto
muito mais nutritivos. Esse acréscimo de valor, como já vimos, não é
determinado por proteínas materiais nem por vitaminas, etc., mas
unicamente pela propriedade odorífera que exprime um justo equilíbrio da
planta, entre o terrestre e o cósmico.
Em seu Curso Agrícola, Rudolf Steiner mostra como é importante para a
saúde do gado e para a qualidade de seus derivados, deixá-lo “procurar
livremente sua nutrição com a ajuda de seu faro, que está harmonizado com
as forças do cosmos”.
É menos importante saber o que pasta o animal, do que conhecer “os
efeitos que têm certos métodos de alimentação sobre o organismo”. Seria
bom que o animal, servido por suas faculdades olfativas, encontrasse, ele
mesmo, seus alimentos aromáticos, a fim de incorporar influências
cósmicas suficientemente.
99
O mesmo se poderia dizer do ser humano, num sentido ligeiramente
diferente. As forças aromáticas cósmicas do alimento, que o tornam
verdadeiramente nutritivo para o ser humano, obtêm para o sistema neurosensorial, alimentos que ele possa assimilar; ou seja, elas criam o substrato
material da consciência. Esta última é estimulada por uma refeição repleta
de aromas, filhos da luz e do calor.
É chegado o momento de nos ocuparmos um pouco dessa organização
olfativa do homem. É preciso compará-la com a dos animais. Nesse
sentido, é instrutivo partirmos do olfato do cão, como também do animal de
caça que, como se sabe, é muito superior ao do homem. Esses animais
farejam coisas a distâncias de muitos quilômetros; isto não é nada mais do
que uma percepção sutil da atmosfera. Os animais utilizam essa percepção
não somente para procurar alimentos, mas também para entrarem em
relação com os outros animais da sua espécie. Cada espécie possui sua
emanação própria, e os congêneres farejam-se mutuamente à distância. A
esfera olfativa tem então uma enorme importância no comportamento
social instintivo dos animais. Se um rebanho permanece unido, é porque
todos os animais que o compõem “se farejam”. Assim o fazendo, eles
percebem a astralidade comum. A alma grupal dos animais se revela em
secreções muito sutis que se volatilizam e se tornam acessíveis ao olfato. O
inacreditável poder olfativo de certos animais é então, em realidade, um
instrumento do seu ser supra-sensível, de seu psiquismo comum, de sua
astralidade ligada à espécie.
Nós já vimos ainda há pouco, que as plantas, através de seus perfumes
específicos, comungam com as forças cósmicas dos planetas; eles são então
órgãos físicos para a percepção do aroma universal, para a comunhão com
o astral, ou seja, com os astros. Os animais, através de suas emanações, são
religados a uma astralidade que é a realidade mesma da sua alma grupal. O
olfato é ao mesmo tempo, ativo e passivo; ele cria o aroma universal e o
percebe. A tília, por exemplo, possui seu perfume “porque tem em suas
flores pequenos narizes muito sensíveis a tudo que, no universo, emana de
Vênus. É assim que, no odor das plantas, nós sentimos, na verdade, o céu”.
Pode-se perguntar o que ocorre hoje em dia na horticultura quando se
habituam as rosas e as violetas a nada mais exalarem. E é o que acontece
quando nossos métodos de produção agrícola fazem perder todo aroma das
100
plantas alimentares. Esses vegetais distanciam-se assim de sua origem
celeste? Tornam-se, finalmente, estranhos à sua própria entidade?
E o que dizer dos crimes cometidos pelo homem, há alguns decênios,
ao lançar anarquicamente na atmosfera os gases repelentes e as emanações
contaminadas de suas urinas e de seus motores? Já não está a atmosfera
envenenada há muito tempo e todos os seres vivos que a respiram já não
estão doentes? A poluição do ar, um dos mais terríveis perigos da nossa
civilização, ameaça cortar o cordão umbilical entre a terra e o cosmos, e
secar para sempre as correntes nutricionais que os unem.
Se estivermos conscientes dessas responsabilidades, não poderemos
ficar indiferentes frente a tal evolução. Mas como atacar o mal pela raiz?
Fazendo com que venham à luz o conhecimento justo e a compreensão da
realidade. O homem é capaz disso se fizer uso de suas faculdades. E se
possui essas faculdades, é porque nele, em última análise, o órgão olfativo
sofreu uma admirável metamorfose, permitindo a aquisição de uma
inteligência consciente.
Mencionamos a inacreditável sutileza do olfato em numerosos animais,
particularmente nos ungulados e nos carnívoros. Mas o olfato de muitos
insetos é ainda bem mais surpreendente. No cão, a superfície olfativa (ou
seja, o órgão sensorial propriamente dito) é 80 vezes menor do que a
superfície total do corpo; no homem, 8000 vezes. Nos insetos, os órgãos
olfativos são independentes, separados das vias respiratórias. Abelhas,
formigas e borboletas possuem um incomparável poder olfativo em suas
antenas. Graças a esses órgãos, elas vivem ainda diretamente em seu meio;
elas são, quanto a seus órgãos físicos, muito mais instrumentos das forças
cósmicas do que fatores ativos.
O homem, ao contrário, emancipou-se progressivamente de seu
ambiente terrestre e cósmico. Ele se interiorizou e com esse fim foi
necessário que ele se liberasse da influência excessiva do seu meio. Em
compensação, desenvolveu sentidos superiores, dos quais os menos
elevados, a visão e a audição, ainda mergulham no mundo físico sensível.
Qualidades sensoriais mais elevadas não têm mais necessidade de órgãos
sensoriais externos, mas sim de uma diferenciação avançada do cérebro,
substrato e refletor dos fenômenos da consciência.
101
A regressão do órgão olfativo no homem é evidente. Não somente o
epitélio olfativo se atrofiou, mas também a parte olfativa do cérebro, a
“esfera olfativa”, situada no córtex cerebral, é pequena em relação à
maioria dos animais. É o que permitiu o grande desenvolvimento do
cérebro anterior frontal, e deu à cabeça humana sua forma característica.
Ou seja, no homem, o cérebro olfativo metamorfoseou-se em grande parte
em um “cérebro pensante”.
Rudolf Steiner falou diversas vezes dessa metamorfose e acentuou que
ela foi paralela à aquisição da posição vertical. “No fundo, todos os nossos
pensamentos são odores transformados”, disse certo dia.
É necessário, entretanto, não subestimar a importância de nosso
sentido olfativo, principalmente no que concerne à alimentação.
A princípio, devemos confessar que o nosso poder olfativo é
medíocre. Que o homem em boa saúde seja capaz de perceber no ar um
milionésimo de miligrama de éter etílico, cinco milionésimos de gama
(milésimo de miligrama) de vanilina e 40 milionésimos de gama de
marcaptan*, isto mostra que ele ainda pode perceber quantidades materiais
“não detectáveis quimicamente”. Nosso nariz permanece então mais sutil
do que a melhor análise química, mesmo quando a idade reduz seus
poderes.
O adulto em boa saúde é muito sensível ao caráter odorífero ou
aromático dos alimentos. Esse odor estimula não só a digestão, colocando o
homem em comunicação com a periferia cósmica, mas também contribui
para criar um substrato substancial para o cérebro – e inclusive o cérebro
frontal. Este tem necessidade dessa corrente de forças cósmicas para ser o
instrumento do pensamento. Uma “higiene alimentar sadia”, fundamentada
em “interações vivas entre o macrocosmos e o microcosmos”, depende
dessa relação consciente com o universo. Isso deveria começar pela terra,
com a agricultura, e despertar a consciência moral, o sentido de
responsabilidade em todos os que trabalham na produção alimentar,
respondendo
*Classe de compostos em que um hidrogênio do H2S foi substituído por
um radical orgânico, e que são líquidos de odor desagradável. (N.T.)
102
também aos consumidores no que concerne ao significado do aroma nos
alimentos. Uma alimentação bem aromatizada pode contribuir para deter a
“decadência dos alimentos de origem vegetal”, impedindo que ela traga
pura e simplesmente a decadência da humanidade.
Para finalizar, constatemos que esse problema dos aromas toca de perto
o da “nutrição cósmica”, exposta no capítulo III. Efetivamente, o “corpo de
odor” de uma planta, para dar um exemplo, representa uma dissolução dos
sólidos e dos líquidos, uma regressão do processo formativo terrestre, um
impulso na direção do etéreo. Rudolf Steiner disse a respeito da flor de
tília: “Nesse perfume suave que se espalha, encontramos a interação do
etéreo vegetal com a astralidade circundante que preenche o espaço
universal”.
PROCESSOS GUSTATIVOS. O PROBLEMA DOS CONDIMENTOS.
Assim como no pólo inferior os processos digestivos se bifurcam para
as duas vias de eliminação, que são os rins e o intestino, da mesma
maneira, no pólo superior se bifurcam o olfato e o paladar. Este último tem
sua sede no na cavidade bucal, sobre a língua, cuja extrema mobilidade
assegura um máximo de contatos entre as substâncias dissolvidas e os
órgãos receptores.
Pelo olfato nós nos unimos ao ar, que é o portador do astral; pelo
paladar fazemos experiências no elemento aquoso. Experimentamo-nos no
domínio das forças etéreas formativas. Essa distinção é de grande
importância para a compreensão desses dois sentidos.
Aquilo que queremos sentir pelo paladar deve ser dissolvido. Nossa
impressão de sabor depende do grau de solubilidade dos alimentos no
líquido salivar. Essa solubilidade é de alguma forma preparada já
anteriormente: ocorre, por exemplo, numa planta onde processos químicos
culminam na produção de um líquido. Este pode ser secretado diretamente
para o exterior, ou permanecer contido nos tecidos. Este último caso é o de
muitas folhas e caules que empregamos como condimentos: sálvia, salsa,
103
cebola, melissa, etc., mas também da maior parte dos frutos e de muitas
sementes. Ora, quando uma planta engendra substâncias “com sabor”, é
porque suas forças etéreas típicas estão como que veladas por aromas de
caráter astral. Isso é importante para compreendermos a qualidade dos
alimentos. A tília, por exemplo, lança a maior parte de suas forças em
perfumes, ou seja, na esfera astral. Já a melissa o faz em sabores, ou seja,
no etéreo. Dessa maneira, os processos que as plantas desencadeiam no
homem são extremamente diferentes uns dos outros.
É com razão que se considera nossos dois “sentidos químicos” (olfato
e paladar) como nossos “principais órgãos de controle para o exame dos
alimentos e das bebidas” (von Frisch). A posição desses órgãos, na entrada
do tubo digestivo, antes da deglutição, deixa-nos a possibilidade de recuar
o que não nos convém. No homem, os órgãos do paladar se encontram em
sua maioria sobre a língua, mas também sobre o palato. As papilas
gustativas são de diferentes tipos e irregularmente disseminadas. A ponta
da língua é mais sensível ao doce, sua parte posterior ao amargo. O gosto
salgado é sentido, sobretudo na borda anterior da língua e o gosto ácido na
borda média. É ao sabor doce que o homem é menos sensibilizado. Numa
solução, é preciso de pelo menos 1/200 de açúcar para que ele seja
percebido. O sal de cozinha pode ser sentido numa concentração de 1/400 e
os ácidos numa de 1/430.000... Mas é ao sabor amargo que nós somos, de
longe, os mais sensíveis. A quinina, por exemplo, pode ser percebida numa
diluição de 1 / 2.000.000. Para percebermos o gosto temos necessidade
muito mais de açúcar que de sal, ou de substâncias amargas. Esse é um
dado digno de interesse, se nos lembrarmos de que o açúcar está ligado à
organização do Eu e o ácido ao nosso corpo astral. Lembremo-nos também
de que as substâncias amargas estão geralmente associadas a combinações
tóxicas. Elas se anunciam assim à nossa percepção a partir das mais fracas
quantidades. Se compararmos isso ao olfato, parece-nos que este, mesmo
no homem, é bem mais sensível que o paladar, apesar da regressão sofrida
comparativamente ao faro dos animais.
Como se comporta o sentido do paladar nos animais,
comparativamente ao homem? Essa vasta questão somente pode ser
esboçada aqui. Muitos animais, testados a esse respeito, mostraram que a
acuidade de seu sentido gustativo é muito superior. Sob esse ponto de vista,
os peixes suscitam um interesse particular.
104
O peixe vive na água, ou seja, no meio que melhor favorece a sensação
do gosto. Podemos também supor que ele sinta continuamente o gosto da
água carregada com substâncias dissolvidas. Os peixes percebem o açúcar
numa diluição cem vezes maior do que a do homem. Podem também
perceber de muito longe as substâncias nutritivas e, aliás, têm papilas
gustativas dispersas sobre toda a pele, até mesmo na ponta da cauda. Um
siluro cego, por exemplo, percebe o alimento que se aproxima de sua
cauda, volta-se com a rapidez de um relâmpago e o apreende tão
seguramente como se o visse (von Frisch). Numa conferência feita aos
operários do Goetheanum, Rudolf Steiner disse que o sentido gustativo do
peixe é manifestamente externo – uma espécie de órgão sensorial da pele –
mas deve ser considerado em relação com os órgãos de movimento. É
igualmente o sentido do gosto que dirige os peixes em suas migrações
coletivas.
Em muitos insetos os órgãos gustativos são ainda mais periféricos e
mais ligados ao organismo dos membros. Uma das mais belas borboletas,
chamada Amiral, pode perceber, com seus órgãos gustativos situados na
extremidade das patas, uma solução de açúcar bem mais diluída do que a
dos peixes. E uma borboleta da América tropical, sempre com suas patas,
realiza performances mil vezes superiores às da língua humana. Karl von
Frisch denomina-a a de “o mais fino gourmet da terra”.
Então é bem evidente que nos animais inferiores o sentido do gosto
ainda é epidérmico, e que estes seres, principalmente os insetos, vivem
inteiramente no “exterior”, são uma parte constituinte do seu meio.
Somente os animais superiores de sangue quente transformam a sensação
do gosto em uma experiência da alma, dissociando esta percepção do meio
exterior. Rudolf Steiner disse: “Todos os nossos pensamentos são, na
realidade, odores metamorfoseados” e “o que é interessante no homem é
que seu sentido do gosto transforma-se em forças de sentimento”.
Uma nova tarefa surge então para a experiência gustativa do homem.
Por um lado ela se interioriza e torna-se mesmo, como veremos uma
“gustação de órgãos”; por outro lado, ela tende para o domínio neurosensorial. Devemos a Rudolf Steiner esclarecimentos preciosos a respeito
desses dois pontos.
105
Na 8ª. Conferência de seu Primeiro Curso Médico (1920), ele expôs
como a gustação se prolonga em todo o tubo digestivo; a digestão é assim
uma metamorfose do processo gustativo, orientado para baixo. Isso quer
dizer que uma “boa digestão repousa sobre uma faculdade de degustar por
meio de todo o tudo digestivo e, uma má digestão, sobre uma incapacidade
de fazê-lo”. A investigação espiritual fala em seguida de experiências
gustativas específicas do estômago, do fígado, do pulmão e do coração: o
desenvolvimento normal da vida humana depende do aperfeiçoamento
desses “paladares” orgânicos.
Nós nos perguntamos aqui, bem concretamente, quais são os fatores
que podem estimular esse desenvolvimento? A resposta é: bem natural uma
alimentação saborosa! Pois cada planta é boa apenas para um órgão
preciso.
Para que possamos instaurar uma “higiene alimentar sadia” baseada
sobre as forças da consciência, é necessário que aprendamos a degustar as
sutis diferenças de qualidade de nossos alimentos. Isto é, ao mesmo tempo,
a base de uma arte culinária renovada. Essa nova higiene alimentar é
também a melhor profilaxia contra a perda dos “paladares orgânicos”, que
é sinônimo de doenças. Seria difícil evocar mais expressamente a
necessidade de uma alimentação realmente saborosa, o que é, como se sabe
a razão de ser da marca de qualidade “Demeter”.
Mas a metamorfose do sentido gustativo em direção ao alto não é
menos importante. Desta vez trataremos do sistema neuro-sensorial. Rudolf
Steiner disse textualmente que “a visão é uma gustação metamorfoseada”.
Pela visão nós nos distanciamos de nossa vida interna, nós a repelimos. É
isto que permite como seres interiorizados que somos que tenhamos uma
percepção visual absolutamente objetiva daquilo que nos envolve. Em
seguida nós podemos interiorizar e individualizar esse processo, e é então
que surge o ato do pensar. O cérebro toma aqui o descanso dos órgãos
internos e digestivos. Como instrumento da consciência ele objetiva e, em
seguida, individualiza o mundo de nossas percepções. Nós devemos
aprender essa metamorfose com toda autonomia, a realizar, a purificar e a
intensificar. Uma nova higiene alimentar facilitará a coisa, não somente
fisiologicamente, mas também psiquicamente, pois, em última análise, “o
que encontramos numa refeição saborosa é uma espécie de sentimento”. E
podemos dizer que o que dá sabor a uma planta, ou a qualquer outro
106
alimento, é, por natureza, uma qualidade afetiva. E, na realidade, “no ato de
degustar um sentimento encontra um sentimento”. Com efeito, ainda que a
sensação gustativa ocorra no líquido, ou seja, no domínio etéreo, ela
também evoca imagens astrais nesse meio etéreo.
Essa metamorfose do gosto em visão não é apenas uma transformação
de órgãos, mas também uma mudança de consciência. Interiorizando o
sentido do gosto, o ser humano desliga-se da animalidade. Ele eleva as
experiências gustativas da esfera astral à do Eu. “O animal não pode
perceber de uma maneira simultânea objetiva e subjetiva, tal com o ser
humano”; e permanece cativo da experiência subjetiva. Mas atualmente o
paladar e o olfato ameaçam fazer o ser humano recair na animalidade. Isso
acorrenta até mesmo a visão, sua mais elevada faculdade sensorial, às
percepções subjetivas do gosto. Ele “animaliza-se” novamente, e isto
devido aos hábitos alimentares atuais, com certa predileção pela carne, pelo
peixe, etc., sem falar do álcool. Quando rebaixamos os sentidos superiores
até lhes dar o caráter de sentidos inferiores, a percepção torna-se imoral.
“Então vós não entendeis mais nem os pensamentos nem as palavras de
outrem, vós os degustais assim como um vinho de Moselle, de vinagre ou
um prato qualquer”.
Nossa nutrição, cada vez mais pobre de forças etéreas que engendram o
sabor e o aroma cósmicos, está arriscada a se tornar ela mesma a artesã
dessa degradação humana. No regime cárneo, regado a álcool, de nossa
civilização, causa e efeito dão-se as mãos. A humanidade torna-se cada vez
mais “grosseira”. É assim que o estudo da dietética nos conduz a afrontar
os problemas mais graves e mais universais.
Sobre os fundamentos esboçados podemos agora construir também uma
doutrina prática dos condimentos. Na Idade Média e um pouco depois,
desencadearam-se guerras as mais sangrentas para obter acesso às regiões
do globo onde cresciam as “especiarias”. Não minimizemos então essas
substâncias aromáticas e condimentares, como a pimenta, o cravo da Índia
e muitas outras que são bem conhecidas e universalmente empregadas. As
indicações de Rudolf Steiner adicionam novos esclarecimentos a essas
tradições históricas. Esse assunto será melhor tratado no segundo volume
(não traduzido ao português), onde lhe consagraremos um capítulo inteiro.
107
No momento, um dos próximos capítulos abordará o tema do
cozimento, da aromatização dos alimentos por diferentes procedimentos,
como a dessecação, a torrefação, etc.
Mas antes dissertaremos sobre o problema do ritmo, o qual já
mencionamos quando definimos “a nutrição terrestre e a nutrição cósmica”.
-x-
108
CAPÍTULO V
O PROBLEMA DO RITMO NA ALIMENTAÇÃO.
ATIVIDADES DA ORGANIZAÇÃO RÍTMICA
“Não há nenhum processo vivo normal que não se desenvolva
ritmicamente. Essa lei se estende às plantas, aos animais e ao ser humano, à
célula isolada, como aos agregados de células; ela rege tanto a forma dos
processos como sua duração. Ela se prolonga no mundo inorgânico, na
atmosfera e no cosmo”. Essas são as palavras de W. Menzel, um sábio
contemporâneo que mostra assim a grande dimensão desempenhada pela
questão do ritmo e assinala sua importância para com tudo que vive.
Preocuparemo-nos, neste capítulo, acima de tudo, com o papel que o ritmo
ocupa na alimentação.
O homem dos tempos antigos vivenciava bem naturalmente os ritmos
do dia a dia e do ano. Sentia-se menos incluído e protegido. Foi somente
nos séculos 18 e 19 que se começou a estudar os fenômenos rítmicos.
Também aqui Goethe mostrou-se um pioneiro. Foi com sua idéia da
“respiração terrestre” que iniciou a verdadeira ciência moderna do ritmo, a
qual, posteriormente, ocupou um lugar definido nas pesquisas médicas e
biológicas. Devemos também a Rudolf Steiner que nesse ponto se prende a
Goethe, dados de extrema importância sobre a essência dos fenômenos
rítmicos e seu papel prático na vida humana. Estamos então no direito de
esperar da ciência espiritual moderna indicações sobre a questão do ritmo
na alimentação.
“O que é, na verdade, a atividade digestiva? É uma atividade
metabólica que se desenvolve em direção ao rítmico, um metabolismo que
é tomado pelo ritmo dos órgãos circulatórios”.
Foi nesses termos que Rudolf Steiner caracterizou a digestão
propriamente dita. Ao mesmo tempo ressaltou o papel central do ritmo na
109
alimentação. O essencial da nutrição é que as substâncias nutritivas sejam
captadas pelo ritmo interno do homem. Para melhor compreendê-lo
voltaremos aos dados fornecidos pelo capítulo III e os completaremos.
No homem moderno a ingestão de nutrientes não se faz mais segundo
regras rítmicas bem nítidas. Certamente que os hábitos alimentares de
diversos povos ainda se mantêm mais ou menos nas horas tradicionais das
refeições. Mas os civilizados transigem com essas regras. Em muitos
lugares a racionalização conduziu ao encurtamento da refeição do meiodia. Indubitavelmente isso torna mais difícil a tarefa do organismo que é a
de integrar o alimento ao seu próprio ritmo. Entretanto, existe um
“guardião”, um órgão cuja função Rudolf Steiner foi o primeiro a
mencionar: o baço. Ele disse em seu primeiro Curso Médico (1920): “Pelo
sistema respiratório o ser humano é levado a seguir o ritmo cósmico.
Tomando suas refeições de maneira irregular, ele viola constantemente esse
ritmo. O baço é um mediador”.
É necessário representarmo-nos que esse restabelecimento do ritmo
pelo baço começa no instante em que os alimentos penetram na nossa boca.
Sabe-se hoje em dia que desde esse momento todo o organismo é ativado,
compreendendo-se o fígado e até mesmo o cérebro. Pode-se então admitir
que o baço também comece a agir. Não se trata de uma “reação em cadeia”;
a organização das forças formativas está ativa por toda a parte, ao mesmo
tempo, desde o início do processo nutritivo, não havendo de maneira
alguma uma sucessão no tempo. Esta organização que Rudolf Steiner
denomina de corpo etéreo, é supra-sensível, mas de natureza rítmica. Ela se
desdobra fisicamente no elemento aquoso, em todo o organismo dos
líquidos. Ela tem então seu centro na circulação. É necessário lembrarmos,
portanto, que no interior do homem, tudo que é líquido se move segundo
ritmos: o sangue, o líquido tissular, a linfa, o líquido cérebro-espinhal, etc.
Também as glândulas trabalham segundo ritmos: o fígado, o pâncreas, etc.
E nesse sentido, podemos considerar como um processo rítmico do corpo
etéreo a atividade das glândulas salivares, as secreções de sucos digestivos
pelo estômago e pelo intestino. Isso começa desde que um fragmento
alimentar entre na boca, sendo então necessário que o baço, neste
momento, realize já seu trabalho, que é de “ritmizar” o todo.
Rítmico é igualmente o trabalho mastigatório que se prolonga pelos
movimentos peristálticos do esôfago, do estômago e do intestino. Tudo
110
concorre para levar o alimento ao estado de caos: ele já não pertence mais à
natureza, mas também ainda não ao homem.
Em seguida ele sai do intestino e para aos vasos linfáticos, aos líquidos
tissulares. Aí ele é novamente tomado pelas forças formativas do corpo
etéreo individual, é transformado, ou novamente criado em substância
propriamente humana. O estado de caos provém, em parte, do fato de que o
alimento perdeu o ritmo de seu estado original, e deve se integrar às forças
de nossa organização rítmica.
Mas como é esse organismo rítmico do homem? Quais os ritmos que o
percorrem?
O ritmo do sistema circulatório é particularmente manifestado no
batimento do pulso. Com 72 pulsações por minuto, é quatro vezes mais
rápido do que o ritmo respiratório. Mas nós já vemos aqui como esses
ritmos estão sujeitos a todas as espécies de variações. Na maioria dos
civilizados não se constatam nem 72 pulsações, nem 18 respirações por
minuto. Aqui o sistema respiratório se torna o eco da arritmia da
alimentação. É um fator que, na nossa opinião, deveria ser tomado a sério.
A causa não é unicamente a irregularidade das horas das refeições, mas
também e principalmente o caráter arrítmico da própria alimentação.
O que se entende por isso?
Desde que Goethe, estimulado pelas observações de Alexander von
Humbolt, estudou “os movimentos rítmicos fundamentais do corpo vivo da
Terra”, admite-se muito geralmente “que a Terra não é o corpo morto pelo
qual tem sido tomada”. Rudolf Steiner exprimiu-se a esse respeito em
1909: “Da mesma maneira como no homem há uma inspiração e uma
expiração, a Terra que é um ser vivo, tem uma inspiração e uma
expiração”. “Ela é penetrada, como o corpo físico do homem, de
constituintes invisíveis”. O grande mérito de Günther Wachsmuth foi o de
ter sido o primeiro a dar uma exposição desses fenômenos em sua obra: “A
Terra e o homem”.
Essa respiração do globo terrestre faz-se segundo um ritmo de 24
horas: o organismo etéreo da Terra desloca-se periodicamente em relação
ao globo físico; ele sai, depois entra. O máximo da inspiração ocorre por
volta das 3 horas da manhã, e o máximo da expiração por volta das 3 horas
111
da tarde. Esse ritmo quotidiano é de grande importância, pois todos os seres
vivos, inclusive o ser humano, nele tomam parte. A ciência moderna
descobriu uma multidão de fenômenos que vão nesse sentido. Günther
Wachsmuth assinalou no que concerne ao reino vegetal, “que o mundo das
plantas forma um órgão vivo sobre toda a Terra e que exerce profundas
influências sobre a biosfera e sobre a atmosfera. Relacionando-se com os
grandes processos de respiração e circulação da terra, este órgão toma e dá
ao longo de todo o dia e de todo o ano; assim ele é um provedor de forças
que se enriquece a si mesmo e transforma o ambiente; ele não é somente
capaz de reagir, mas também é um eficiente fator de evolução de todo o
organismo terrestre”.
O RITMO CIRCADIANO DO FÍGADO
O ritmo circadiano do fígado se desliga desse conjunto complexo. Foi
descoberto pelo sueco Forsgren, em 1937. Seguiremos aqui a exposição de
G. Wachsmuth, de sua obra citada.
Forsgren partiu de pesquisas sobre a secreção da bile. Ele escreveu em
1935, em sua obra: “Os Ritmos da Função Hepática, do Metabolismo e do
Sono”: “Anteriormente eu acreditava que a atividade do fígado era
determinada pelas refeições”. Mas suas observações desmentiram tal
crença: “O fígado tem uma função rítmica bem independente das refeições,
com uma alternância de atividades assimilativas e atividades secretoras”.
Reproduziremos o ponto de vista de Forsgren, simplificando-o com a ajuda
de um esquema:
Máximo da secreção
Máximo da formação de bile
Máximo da concentração
O glicogênio é armazenado no fígado
Esquema: As fases da atividade do fígado
112
(segundo G. Wachsmuth, “Erde und Mensch”, 1952)
O fígado armazena o glicogênio, resultado do metabolismo do açúcar,
durante a fase da inspiração terrestre, até as 3:00 horas da madrugada; em
seguida, durante as horas da manhã, até por volta das 15:00 horas, derramao no sangue sob a forma de açúcar. Por outro lado, o ritmo da secreção
biliar apresenta um máximo por volta das 15:00 horas, ou seja, no ponto
culminante da expiração terrestre, e um mínimo por volta das 3:00 horas da
madrugada.
Forsgren era plenamente consciente da importância dessa descoberta:
“Desde quando Claude Bernard descobriu o glicogênio do fígado,
considera-se o fígado como um depósito do glicogênio, que se enche graças
aos aportes de carboidratos e que se esvazia em caso de inanição e de
trabalho corporal”. Atualmente o quadro é totalmente outro: a atividade do
fígado, em relação com o sangue, apresenta um ritmo próprio, a serviço do
qual está colocado o metabolismo, ou seja, o aporte de carboidratos por
meio dos alimentos. Em outros termos: o fígado tem a tarefa de não
somente formar o glicogênio, que é um amido especificamente humano,
mas ainda de realizar essa função segundo um ritmo estrito e de imprimir
assim seu próprio ritmo à substância humana. A secreção biliar obedece a
um ritmo também restrito, mas inverso, o que dá um caráter igualmente
rítmico à digestão das gorduras. Holmgren, outro cientista, forneceu
esclarecimentos a esse respeito. Ele pôde provar que “os corpos graxos da
parede intestinal variam em quantidade no decorrer das 24 horas, e ao
mínimo por volta das 14:00 horas”. Como se vê, todos os máximos e
mínimos reúnem-se em torno das 15:00 horas. Holmgren também pôde
afirmar: “A adsorção rítmica das gorduras parece, portanto, bem certa”.
Finalmente Holmgren chegou a demonstrar um ritmo análogo para a
função pancreática: “Independentemente do aporte alimentar existe um
função rítmica de devisão, de absorção e de armazenamento do alimento”.
RESULTADOS DA CIÊNCIA MODERNA DOS RITMOS
113
Ainda que Henzel tenha dado uma exposição geral dos ritmos de 24
horas e tenha mostrado “o profundo enraizamento dessa periodicidade nos
organismos vivos”, Sollberger, que renovou essa questão viu-se obrigado a
concluir: “Devemos confessar que nos é desconhecido o mecanismo de
sincronização que está na base dos ritmos biológicos. Não podemos nem
mesmo localizar o relógio”. É evidente que a pesquisa somente pode
progredir se ela tem em conta a essência mesma dos fenômenos rítmicos.
Veremos que a ciência espiritual é capaz disso. Rudolf Steiner definiu o
ritmo como “metade-espiritual” e disse que no ritmo “o físico se transforma
em processo, em acontecimento” e “desaparece em si, no fenômeno
rítmico”. Isto já é dizer que o ritmo é um mediador sobre o mundo material
e o mundo espiritual e que ele assegura a transição de um ao outro. Isso se
torna claro quando se examina o papel do ritmo no processo metabólico. O
ritmo é então um tornar-se que utiliza uma coisa física (o alimento, por
exemplo) para lhe imprimir um processo formador espiritual, no qual se
organiza a matéria. A organização que ela atinge não é mais física; pelo
contrário, as leis físicas aí são abolidas. O tornar-se rítmico atua sobretudo
na região etérea, das forças formativas, ainda que seu impulso inicial
provenha de fontes mais altas, puramente espirituais. Tudo leva a supor que
o campo de ação do ritmo está situado no domínio do etéreo-vital: seu
desenvolvimento periódico, suas repetições, dinâmicas e não estáticas,
ainda que a intervalos iguais; Goethe já o havia compreendido, quando
descobriu que o princípio formador da planta é a alternância rítmica:
concentração, dilatação. Interpretou também as observações de Humboldt
como desencadeando um ritmo terrestre de inspiração e expiração, uma
alternância atmosférica, da qual somos obrigados a deduzir que nosso
globo é um ser vivo e não um simples mineral inanimado.
Todos os fenômenos que tenham uma periodicidade de 24 horas são
então síncronos com o ritmo da respiração terrestre. Devemos então
inquirir qual é causa primária desse estado de coisas. A ciência moderna
teve de capitular, até o momento, diante desta questão. Mas Rudolf Steiner
deu-lhes uma resposta surpreendente e formal. Em 1908, fez uma
conferência sobre “o ritmo dos constituintes do homem”. Aí ele expôs que
cada um dos quatros constituintes possui seu ritmo próprio, pelo que ele se
manifesta. Daí passou à alternância sono-vigília, que desempenha
igualmente um papel importante nas modernas pesquisas sobre o ritmo. A
seguir, Menzel e Sollberger ligaram-se a esse problema, mas só Rudolf
114
Steiner tinha reconhecido que é o próprio Eu humano – portanto uma
entidade espiritual – que “atravessa no decorrer das 24 horas diversas
transformações, no que concerne não somente ao sono, mas a muitos outros
fenômenos rítmicos ligados a essa freqüência, geralmente dominada hoje
de “circadiana”. Ele via aí o ritmo do próprio Eu. Esse ritmo concorda,
portanto, com o da respiração terrestre; chegamos esta conclusão de que o
“ritmo do Eu é síncrono com o ritmo circadiano da terra”. Os cientistas
estabeleceram que no ser humano, a periodicidade de 24 horas é
restritamente ligada à hora local. Dito de outra forma, o ritmo do fígado e
os ritmos digestivos, dos quais falamos, estão sincronizados com o local
onde se encontram; desenvolvem-se diferentemente se situados na Basiléia,
ou em Nova York, ou em Tóquio. Eis algumas observações feitas por
viajantes do Transiberiano: “cada dia desperta-se ¾ de hora mais tarde. No
final de alguns dias, sem o querer, chega-se por volta do meio-dia ao vagão
restaurante para o desjejum, e isto sem que o garçom se aborreça, pois ele
está habituado com esse fenômeno. Quando se viaja no sentido inverso, ou
seja, do leste para o oeste, acorda-se por volta da meia-noite, pensando já
ter dormido bastante, e deseja-se vivamente o café da manhã...” Guardouse então o ritmo de seu local de origem, o que mostra como cada Eu se
encontra ligado a um determinado ponto do globo. O Eu pode, em seguida,
adaptar seu ritmo ao novo local de permanência, mas isto exige um certo
tempo. Menzel diz que para uma hora local deslocada de 12 horas, em caso
de viagem de avião, é necessário três dias, ou mesmo uma semana para se
reabituar. Como se vê, a técnica moderna criou problemas sobre esse ponto
de vista. Tentou-se também estudar as alterações do estado geral que
ocasionam um trabalho noturno, voluntário. É admissível que tais violações
do ritmo possam ser muito nefastas, sobretudo para os órgãos digestivos.
Em tais trabalhadores, observa-se geralmente males do estômago e do
intestino, uma falta de apetite e constipação. Menzel colocou esses fatos em
relação com a aparição de úlceras gástricas.
Finalizando, lembramos o papel desempenhado pelo baço para
compensar as violações do ritmo. Poderemos então confirmar uma asserção
de Wachsmuth: “O ritmo cura, a arritmia enfraquece e adoece”.
A IMPORTÂNCIA DO RITMO PARA A SAÚDE HUMANA
115
A ciência moderna do ritmo finalmente compreendeu a importância
desses problemas*: Sollberger escreve: “Mesmo os práticos começam a
admitir que o conhecimento dos ritmos fisiológicos é importante para
diagnosticar as doenças e para tratar os doentes; mas isso vem ocorrendo
muito lentamente...” Segundo ele, o organismo humano está inserido num
grande complexo rítmico com o seu ambiente, as plantas, os animais e toda
a terra. Esse ritmo permanece constante, mesmo se mudarmos
voluntariamente suas relações com o seu meio. Para dar um exemplo
concreto: a secreção biliar tem seu pico máximo a 15:00 horas, mesmo se
tomarmos nossa principal refeição somente às 18:00 horas. Ocorre então
um fluxo suplementar de bile, mas as gorduras não são digeridas em
condições excelentes, não mais do que quando fazemos de nosso desjejum,
às 8:00 horas, nossa principal refeição.
Como vimos, o ritmo de 24 horas é o instrumento do qual se serve a
organização do Eu. Este não é caso da planta, nem do animal, os quais
apenas seguem esse ritmo relacionado com todo o organismo terrestre, Ora,
a Terra adquiriu esse ritmo numa fase muito recuada de sua evolução,
quando nem o homem, nem o próprio globo terrestre tinham ainda atingido
um grande nível de endurecimento, de solidificação. “Quando o homem se
encontrava ainda num estado totalmente diferente do atual, a rotação do
globo em 24 horas não existia. O homem foi o primeiro a ser incitado a
girar sobre seu eixo... o Eu humano conduziu a Terra e a fez girar em torno
de si. Em outros termos, a rotação da terra é conseqüência do ritmo do Eu”.
Isso quer dizer que nesses tempos antigos o homem era um ser
cósmico, que recebia esse ritmo a partir de suas interações com o Sol
imprimindo-o em toda a criação terrestre.
A natureza manteve esse ritmo circadiano até os nossos dias, e ela o
prolonga ainda no homem. Mas justamente pelo fato de que este
desenvolveu seu Eu, emancipou-se cada vez mais dos laços instintivos.
Dessa maneira, ele penetra sempre mais no arbitrário e na doença. O
homem não pode continuar indeterminadamente a se desligar do ritmo.
Mas vemos preparar-se fisiologicamente uma situação totalmente nova: o
116
homem é chamado a tornar-se o criador do ritmo próprio, pessoal, que
vibre novamente de acordo com os grandes ritmos de cosmos. O homem
pode, por exemplo, em
*Ver também: Alain Reinberg: “Des Rythmes Biologiques à la
Chronobiologie” (Gauthier-Villars), 1975, (N.T.)
contrar para sua vigília e seu sono um ritmo que se sincronize bem com as
leis do mundo, mas que convenha é sua personalidade. Encontrar para cada
indivíduo um ritmo regular, mas pessoal!
Na dietética, o regime dos doentes, isto somente poderá ser tentado
com muitas preocupações. O ritmo aí deve desempenhar um grande papel,
pois traz forças de cura, sendo o “filho” das forças formativas dinâmicas.
Sollberger refere casos de câncer gástrico nos quais desapareceu
qualquer espécie de ritmo de digestão. As perspectivas que assim se abrem
não são unicamente da ordem de diagnóstico, mas também terapêuticas e
dietéticas. O estudo dos “ritmos biológicos” despertou um grande interesse,
a partir dos trabalhos do Dr. W. Fliass. Mas corre-se aqui o perigo do
subjetivismo e, aliás, este domínio não foi ainda suficientemente explorado.
Numa conferência sobre a “educação prática do pensamento”, Rudolf
Steiner disse que o homem não pode esperar a cura, nem um progresso,
“retornando ao ritmo antigo”. Este era necessário em tempos recuados onde
o homem estava face a face com o Cosmos, “como a marca do selo da
cera”. O homem não deve, entretanto, acreditar que ele pode viver sem
ritmo. Atualmente sua tarefa é a de aprender a “reconstruir-se
ritmicamente”. “O ritmo deve percorrer o homem interno”. Vê-se que esta
questão toca de perto a higiene alimentar e o comportamento do homem
moderno.
-x-
117
CAPÍTULO VI
O QUENTE E O FRIO NA ALIMENTAÇÃO
Entre as forças mais importantes que desempenham um papel na nossa
alimentação, o elemento calor ocupa um lugar central. Consagraremos
então a ele um capítulo inteiro.
Para ressaltar qual o significado desse problema, até a prática seremos
obrigados a voltar a diversos dados já fornecidos precedentemente. Por
outro lado, devemos dar-nos conta das mudanças realizadas nesse domínio
durante os últimos decênios; lembremo-nos, por exemplo, das técnicas do
frio, dos alimentos congelados, etc. aos quais Rudolf Steiner não podia
ainda fazer alusão. Mas nas suas obras encontramos visões profundas sobre
a essência do frio, sobre suas relações com o ser humano. Podemos então
esperar uma modesta contribuição aos debates acerca dessas técnicas.
Mostraremos também no decorrer deste capítulo, os resultados da dietética
moderna e finalmente os trabalhos realizados pelos pioneiros da pesquisa
antroposófica contemporânea. Veremos que esse problema está longe de
ser fácil. Os critérios de um julgamento sadio estão muitos distantes de
nossos hábitos de pensar e sua compreensão exigirá muito esforço. Por
outro lado, este capítulo deveria ser um exemplo daquilo que a ciência
espiritual pode realizar face a uma “alimentação dinâmica”.
A “terminologia” moderna reflete suficientemente bem o caminho
percorrido em direção a concepções abstratas e materialistas: aqui a ciência
se afasta do homem e da realidade do mundo. O calor e o frio são apenas
objetos de estudo para um laboratório de física. Dessa evolução provieram
as técnicas do calor e do frio, fatores eminentes da civilização atual.
118
Mas se quisermos aprofundar nossos conhecimentos sobre a ação do
quente e do frio na alimentação, não podemos permanecer no laboratório
de física. É preciso ampliar nosso campo de observação e,
simultaneamente, ter nosso ponto de partida no homem. Isto pode ser feito
graças à ciência espiritual, sem que se perca nada de uma escrupulosa
exatidão científica.
FISIOLOGIA DO SENTIDO DO CALOR
Comecemos por fazer desfilar perante nossos olhos uma série de
fenômenos que podem ser observados no ser humano e estudados pela
moderna fisiologia das sensações.
Quando tocamos um objeto, sentimos se ele está quente ou frio. Em
nossa boca sentimos o calor da sopa ou o frio do sorvete. Entretanto,
podemos observar que somente fazemos esse gênero de experiências na
superfície de nosso corpo (incluindo seus orifícios naturais). A fisiologia
moderna encontrou sobre nossa pele “pontos de calor” e “pontos de frio”
ligados a terminações nervosas sutis. O número de “pontos de calor” é de
30.000 em média e o de “pontos de frio”, 250.000. Vê-se por esses
números que o homem é muito mais sensível ao frio que ao quente.
Em realidade não sentimos um grau de calor ou frio, mas sim as
diferenças de temperatura. Uma experiência muito simples o demonstra:
mergulhemos nossas duas mãos simultaneamente em dois recipientes; em
um a água está a 25ºC e no outro a 35ºC. Sentimos nitidamente a diferença.
Em seguida, mergulhamos ambas as mãos, ao mesmo tempo na água a
30ºC. A mão que estava na água a 25ºC sentirá a água quente e a outra
sentirá a fria. Então não é um calor objetivo nem um frio objetivo o que
percebemos, mas sim a diferença, quedas do potencial térmico. O que
experimentamos é o processo de aquecer-se ou de resfriar-se. Comparamos
o calor externo com o nosso próprio calor.
Esse “sentido do calor” não percebe então da mesma maneira que o
olho, por exemplo, e também não como o termômetro. Este instrumento é
uma abstração. Na realidade, relacionamos todo o calor e todo o frio
exteriores ao nosso próprio “organismo térmico”. E tão “pontual” como
119
pareça a princípio nossa percepção térmica, nós não temos menos de uma
“experiência térmica global”. “É o calor em nós que percebe diretamente o
calor exterior”. Nosso sentido de calor se estende por todo o nosso corpo. O
ser de calor é um organismo independente, um “quarto organismo” em nós,
disse Rudolf Steiner; é de uma natureza mais elevada que o organismo
sólido, o líquido ou o gasoso, mas penetra todos os três.
Sabemos que nosso organismo de calor tem uma temperatura
fundamental, à qual ele se mantém com uma força extraordinária: a
temperatura do sangue. Há, entretanto desvios notáveis em nosso corpo, já
que o fígado possui temperatura por volta de 41ºC e a ponta do nariz pode
descer a 22ºC. Então o ser de calor é diferenciado. Por outro lado, segue
fielmente o ritmo circadiano, o grande ritmo terrestre de inspiração e
expiração. A temperatura do sangue atinge seu máximo à tarde, entre 14:00
e 16:00 horas, atingindo o mínimo à noite, entre 2:00 e 4:00 horas.
O SER DE CALOR
Não há nada com que possamos nos identificar tão perfeitamente do
que com o nosso próprio calor.
A maneira pela qual este ser de calor se mantém em seu meio esclarecenos sobre os problemas do calor e do frio na alimentação. A “regulação
térmica” mostra com eloqüência como o ser de calor intervém até nas
partes sólidas, minerais, de nosso corpo.
Graças à evaporação não cessamos de enviar calor ao meio externo, ou
dele retirá-lo, em função da temperatura do ambiente e da umidade do ar.
Em caso de aquecimento do corpo os vasos sanguíneos dilatam-se, a pele
enrubesce; em caso de esfriamento, os vasos contraem-se e a pele
empalidece. A irradiação de calor que emana continuamente de nós
reforça-se quando a temperatura do ar sobe, ocorrendo a sudação e a
evaporação. Então o “frio da evaporação” intervém e o calor é retirado da
pele.
Mas o suor, que provém de aproximadamente dois milhões de
glândulas, elimina além do calor, um líquido orgânico e também sais
120
minerais, que são dissolvidos nele. A sudorese inconsciente (perspiratio
insensibilis) elimina pela evaporação, em 24 horas, em torno de um litro de
água tissular, mas a quantidade rejeitada pela transpiração propriamente
dita pode atingir em caso extremo, quantidades de até 20 litros! O
organismo perde também com o suor quantidades notáveis de minerais,
particularmente de cloreto de sódio (sal de cozinha) e 24 espécies de oligoelementos, de reconhecida utilidade para a nossa vida.
Esses exemplos mostram bem que o organismo está ocupado até em
seus constituintes minerais, em manter sua regulação térmica. Esta perda de
substâncias deve ser compensada. Este é um problema da alimentação. A
fome e a sede fazem parte, na realidade, da regulação térmica do corpo
humano. Podemos até mesmo nos perguntar se o único objetivo da
alimentação não seria este! De qualquer maneira, é certo que os
organismos, gasoso, líquido e sólido, são colocados a serviço do ser de
calor.
Dissemos anteriormente que o termômetro indica apenas uma medida
“abstrata” do calor. Somente Fahrenheit tinha procurado um ponto de
partida concreto: ele fixou em 100ºF a temperatura média do sangue
humano e estabeleceu sua graduação a partir daí. Celsius e Réamur, ao
contrário, tomaram como ponto de partida a temperatura de solidificação de
água. Assim o fazendo, eles se desligaram do homem. Sua graduação
venceu. No final, foi a escala de Celsius que prevaleceu.
Para nosso propósito, o que importa sobretudo saber é que, no homem,
a percepção do quente ou do frio não é de modo algum passiva. A
regulação térmica é uma função ativa do ser de calor. Ele realiza ações e
reações entre si e o quente ou o frio do exterior, é ele que deve triunfar.
Toda intrusão anárquica de calor ou de frio em nosso corpo é o inicio de
um desequilíbrio que deve ser reparado sem demora. Ao que parece, é mais
importante para o homem interno adaptar sua temperatura do que cessar a
perda de líquido e de substâncias minerais. A regulação do calor tem a
prioridade absoluta. “É preciso que a todo instante ou esteja capaz de captar
o calor em cada ponto de minha pele e de fazê-lo meu” . Caso contrário
sobrevém um “resfriamento” patológico, que é uma espécie de intoxicação
para o quente ou o frio do exterior. Estes podem agir então como “corpos
estranhos”. Eles não devem, porém ultrapassar a barreira da pele, enquanto
121
que, por exemplo, os corpos graxos, que são portadores de calor, podem
chegar sem inconveniente até o intestino delgado.
É necessário acentuar em todos esses fenômenos que o homem é um ser
de calor, jamais um ser de frio. O calor lhe é mais aparentado que o frio.
Este é o fato essencial ao qual ainda voltaremos.
PROCESSOS TÉRMICOS NO HOMEM. A TEORIA DAS CALORIAS
Tudo isso dá uma nova luz à teoria das calorias. Tinha-se postulado, no
século 19, que toda substância, todo gênero alimentício, eram portadores de
calor e que se podia medir em calorias seu potencial térmico. Mas esta
força térmica não se integra passivamente no organismo, ela deve ser
captada ativamente, ou seja, confrontar-se com o ser de calor. Essas
calorias que absorvemos nos são, a principio estranhas, como declarou
nitidamente A. Gigon em seus “Pensamentos sobre a nutrição”: “A força
térmica dos alimentos deve ser transformada em calor corporal próprio,
antes de poder ser utilizado em qualquer trabalho”.
Rudolf Steiner fez uma importante descoberta sobre esta questão: tudo
o que nos alimentos é mineral, deve ser provisoriamente transformado em
calor. E é precisamente aquilo que no homem é sólido, pesado, morto,
cristalizável que deve sofrer essa transformação: ao menos por alguns
instantes deve tornar-se leve, imaterial, energia pura, antes de se
recondensar e de formar a matéria corporal humana. Percebemo-nos aí, em
particular, de uma afinidade entre o ser de calor e o mineral.
“Quanta força o organismo humano deve despender para levar uma
substância mineral do mundo exterior até o estado sutil de éter de calor?”
Essa medida seria muito mais real do que a abstrata caloria, pois tudo
depende concretamente da capacidade ou da incapacidade do homem: ou a
substância é dissolvida, ou permanece como um corpo estranho e se
incrusta nos tecidos, onde pode formar depósitos patológicos. Como
exemplo desse último caso, Rudolf Steiner cita o diabetes, pois ele
considerava o açúcar – principalmente o açúcar industrial atual – como
uma substância pseudo-mineral. Ora, o homem não é de maneira alguma
organizado para sobrepujar (no sentido explanado anteriormente) as
quantidades excessivas de açúcar industrial que ele consome hoje em dia.
122
De fato, o diabetes é uma doença que se expande cada vez mais. Essa
maneira de ver permite explicar outras doenças, como o reumatismo, a
gota, a artrite e até mesmo o câncer.
Chegamos então às questões práticas. Entre outras não é sem
importância a temperatura fria ou quente de nossa alimentação. O calor ou
o frio precisam também integrar-se ao “homem interno”. A experiência
mostra já que os alimentos e bebidas são digeridos mais facilmente quando
quentes. É então que percebemos a ação benfazeja da sopa, que Rudolf
Steiner preconizou para o inicio das refeições. Por outro lado, surge um
problema relacionado com os alimentos gelados. Os sintomas são claros:
esses alimentos precisam ser reaquecidos, antes de chegar ao estômago;
eles também não estancam a sede, que se encontra a serviço da regulação
térmica, como já vimos. Tudo leva a pensar que sua assimilação exige
esforços excessivos por parte do ser de calor, e isto bem frequentemente
desde a infância. È o fígado quem, em primeiro lugar é sobrecarregado.
A noção exposta acima (dissolução dos minerais em éter de calor) lança
uma nova luz sobre o papel dos minerais. Temos necessidade dessas
substâncias minerais, sem as quais não poderíamos ter uma consistência
sólida. Infelizmente, nossa alimentação atual é frequentemente deficiente
nesse sentido; faltam-nos, acima de tudo, minerais que deveriam ser
incorporados a toda substância viva, principalmente às albuminas e aos
carboidratos. Nesse sentido, o pão e os cereais integrais, sendo mais ricos
em minerais, podem ser considerados como auxiliares indispensáveis da
regulação térmica. Lembremos ainda que não se atribui aos minerais
nenhum valor em calorias.
Graças à transformação do mineral em calor, os alimentos perdem sua
qualidade terrestre e tornam-se aptos “a acolher em si o espiritual que vem
dos espaços cósmicos”. Essas substâncias são então regeneradas,
rejuvenescidas; abandonam seu peso terrestre e comungam com sua origem
cósmica, que é a atmosfera térmica do globo terrestre. Esse jogo de trocas
entre o homem e o universo faz ressaltar uma vez mais o papel central do
calor para a interiorização do Eu. Graças ao calor o Eu é, por um lado,
reconduzido à sua existência terrestre, sólida e mineral e, por outro,
reconduzido à sua existência terrestre, sólida e mineral e, por outro,
elevado até a união com suas próprias origens espirituais.
123
Na evolução do homem houve um momento onde “uma certa
quantidade de calor penetrou em cada envoltório humano”. O globo
terrestre era “envolvido numa vasta atmosfera quente”, cujo único
resquício atual é o calor mineral. Naquele tempo, a espiritualidade do Sol
vivia nessa atmosfera. Ela foi derramada em cada homem e deu o germe de
sua individualidade. Ela ancorou-se no calor do sangue, em todos os níveis,
até nos componentes salinos desse líquido.
UTILIZAÇÃO DO QUENTE E DO FRIO NA ALIMENTAÇÃO
“Quando nos encontramos num ambiente suficientemente quente para
que possamos dizer a nós próprios: “Eu”... sentimos, então, bem estar”.
Mas se rodeados de frio glacial, “então o frio exterior retira de nós esse
fragmento de calor que somos. Nosso Eu procura nos escapar”.
Como vimos o valor calórico do alimento é importante, mas também
sua temperatura. Iremos reter-nos um pouco sobre esse ponto. Para
decompormos os alimentos realizamos um trabalho que exige calor interno.
O quente ou o frio dos alimentos provocam igualmente um trabalho, mas
este é menor se a refeição é quente. Neste caso, “o homem não tem
necessidade de lhe fornecer seu próprio calor”. O cozimento transforma o
alimento: “Todas as operações relacionadas ao cozimento eu as poupo ao
meu próprio corpo”. Resumindo: esquentar, cozer, fritar ou ferver, mas
também assar, torrar, etc., isto consiste em aproximar o alimento do
organismo térmico humano.
Isso é particularmente válido para os carboidratos, os quais, pelo
cozimento, já se transformam parcialmente em açúcar. “Desde que haja
açúcar, entra em atividade a organização do Eu”. Esse processo está
também relacionado com as forças voluntárias do homem, as quais se
desenvolvem tanto em seu pensamento quanto em seus movimentos.
Essa decomposição efetuada pelo calor é de outra natureza do que a
pelo frio, que se faz na refrigeração, nos alimentos congelados, etc. A
fisiologia moderna é obrigada a reconhecê-lo. Ela o faz quando fala de um
metabolismo específico do frio nos produtos congelados. É mais
importante saber se esta ou aquela substância permanece inalterada nos
124
diversos métodos de conservação, do que conhecer os reflexos dessas
operações sobre o organismo humano.
Também o frio tem o seu equivalente espiritual. Em seu Curso
Agrícola de 1924, Rudolf Steiner falou sobre a terra e as plantas. Neste
caso, o frio traz consigo “um reforço da influência cósmica”, das forças
extraterrestres. Um alimento que não foi atravessado por processos de
calor, como por exemplo, os alimentos crus, inclinam-se então para essa
esfera cósmica; com efeito, ele se orienta ao organismo neuro-sensorial, à
pele, ao homem periférico. Sob este ponto de vista esse regime parece
legítimo, mas sob certas condições. De qualquer maneira, pode-se dizer que
os alimentos congelados de nossa época mantêm unilateralmente o sistema
neuro-sensorial, abusando das forças extra-humanas, negligenciando e
deixando desempregada a organização central do Eu. Esta alimentação
favorece a abstração dos pensamentos, o pólo do frio no homem.
Tais considerações são proibidas ao cientista moderno, que acredita no
que deve se limitar à física. Mas justamente por essa razão, ele não está
apto a formar um julgamento baseado na realidade sobre o quente e o frio
na alimentação humana.
A ESSÊNCIA DO QUENTE E DO FRIO
A ciência espiritual foi muito mais longe nesse domínio. Na realidade,
sempre a questão do quente e do frio foi abordada nos “Mistérios”. O
discípulos ou o sacerdote que se iniciava recebia a resposta. Era o enigma
das forças estivais e hibernais. Dessa maneira, o antigo iniciado nos
Mistérios de Hybernia via nas paisagens de inverno, surgidas ao seu olhar
interior, “os impulsos destrutivos do universo”, os quais reinam sobre seu
pólo neuro-sensorial; e nas paisagens de verão, o elemento de
interiorização que o preenchia “concentrava-se em seu coração” e lhe dava
“o sentimento de seu próprio Eu”.
Por sua vez, o iniciado dos Mistérios gregos sentia: “No ar quente, tu
te sentes em ti... na água fria, tu te sentes estranho...”. “Na realidade tu
podes sentir o ar quente apenas em ti e a água fria apenas fora de ti....”
125
O papel do quente e do frio em nossa alimentação só poderá ser
realmente compreendido se for aclarado pelos resultados da investigação
espiritual. Isto fará com que o homem aprenda a utilizá-los na medida
certa. Ele verá cada vez mais claramente que os processos de calor trazem
um elemento do futuro que somente pode se desenvolver graças à
individualidade humana. Os processos de calor interno que o organismo
produz em nosso sangue... sobem para o espiritual, transformam-se em
processos anímico-espirituais. Graças ao calor, graças à sua transformação
permanente de corpóreo em espiritual, chega a uma existência mais elevada
e o calor cria nele uma substância moral. Com efeito, “o calor tem por
missão sobre a Terra transformar-se em compaixão”
TÉCNICAS MODERNAS DO QUENTE E DO FRIO NA
ALIMENTAÇÃO
Para começar citaremos uma declaração de Glatzel, um dos cientistas
mais eminentes de nossa época. Ele escreveu em “Fisiologia do
comportamento alimentar” (1973): “Nenhum procedimentos provoca
modificações tão profundas de estruturas e dos componentes de um gênero
alimentício como o calor, em suas diversas formas de aplicação”. Isso
mostra toda a importância do cozimento dos alimentos: ele é o privilégio
absoluto do ser humano, sendo proveniente de seus instintos primordiais.
Glatzel declara que após numerosas experimentações bioquímicas,
fisiológicas e clínicas, o cozimento dos alimentos “oferece mais vantagens
que desvantagens”. Quais são os pontos de vista da medicina oficial?
Admite-se que o cozimento proporciona uma melhor digestibilidade às
proteínas do leite e dos ovos e aumenta o sabor e a assimilação das
proteínas vegetais. O mesmo não ocorre em igual proporção para as
proteínas da carne e do peixe. Elas permanecem praticamente inalteradas.
Sem dúvida que ocorre aí uma modificação qualitativa que escapa ainda à
análise.
No que se refere aos tratamentos do leite pelo calor, Glatzel declara
que não se pode estabelecer nenhuma diminuição notável do valor
biológico das proteínas do leite pela pasteurização, nem mesmo pela
esterilização à 150ºC. Mas é necessário lembrar que a qualidade sutil do
leite se perde certamente por essas operações. Aliás, o critério “valor
126
biológico das proteínas” é manifestamente insuficiente: retornaremos a esse
assunto no capítulo IX.
O professor Catel estabeleceu em 1939 que o leite cru tem um valor de
3 a 10 vezes maior que o leite esterilizado, faltando ao leite esterilizado as
forças bactericidas que possui o leite cru. Por outro lado, demonstrou-se
que o leite sofre uma desnaturação de sua albumina a partir de 70ºC. O
método das “cristalizações sensíveis” de E. Pfeiffer pode fornecer respostas
preciosas a essas delicadas questões, as quais serão mencionadas no
volume III, quando citarmos as experiências feitas por nós mesmos. Em
relação ao leite em pó, Glatzel declarou sem rodeios: “O teor em proteínas
do leite em pó abaixa em função do calor de dessecamento e da duração do
processo”.
No que concerne aos tratamentos térmicos dos cereais sabe-se bem
que o amido, por exemplo, torna-se muito mais saboroso e mais digestível
pelo cozimento. Ao incharem-se na água fervente os “grãos” de amido se
abrem. E é, sobretudo para os cereais ditos “completos” que os tratamentos
térmicos, parecem indispensáveis, devido aos limites de nossa capacidade
digestiva. Se o homem quisesse, como o animal, contentar-se apenas com
alimentos crus ser-lhe-iam necessárias capacidades digestivas bem
diferentes. É claro que ele economiza forças nesse domínio a fim de
reservá-las para fins superiores, tal como a aquisição do pensamento. A
fécula da batata também é amido, mas ela não sofre pelo cozimento as
mesmas modificações favoráveis que o amido de outras plantas.
Já o problema de panificação exigirá um capítulo especial (volume II).
Assim como os tratamentos pelo calor, os tratamentos pelo frio devem
respeitar certos limites, a fim de não causarem prejuízos e perdas de valor
biológico. A conservação pelo frio é praticada há milênios. Ela é muito
pouco nociva quando se limita a temperaturas compreendidas entre +5ºC e
-5ºC. Já há muito tempo é conhecido o armazenamento de frutas e legumes
em adegas, fossas, subterrâneos, etc. (nos climas frios). Quando são
conservados em plena terra, as forças cósmicas desempenham um papel
não desprezível.
Em compensação, temperaturas mais baixas, como as utilizadas para
os alimentos congelados, trazem novos problemas. Esses procedimentos
são certamente eficazes, no sentido em que matam praticamente todos os
127
microrganismos e inibem a atividade das enzimas restantes; os processos
de vida são então perfeitamente abolidos. Mas é preciso ressaltar que existe
um “metabolismo do frio”, isto é, que certos microrganismos e certas
enzimas como que despertam em baixas temperaturas. Por outro lado,
lembremos que nós homens somos seres de calor e que o pólo do frio
(nosso sistema neuro-sensorial) encontra-se em conflito permanente com o
nosso pólo de calor. O calor aparenta-se com a vontade. O frio equivale à
rigidez, mas também à força estruturalmente cristalina.
Numa conferência feita aos operários do Goetheanum, Rudolf Steiner
deu detalhes sobre essas duas tendências formativas “No universo tudo é
ordenado segundo as leis cristalinas”. Essas forças cósmicas agem,
sobretudo à noite. Elas querem, incessantemente, transformar-nos em
formas minerais sem vida. Mas as forças solares opõem-se a essa
solidificação, a essa cristalização. O homem, pela dualidade de seu ser
(seus pólos da vontade e do pensamento), inclui-se igualmente nesse
conflito entre quente e frio.
Em toda solidificação há uma tentativa de separar, de se tornar
independente do meio. Isto se vê bem quando o gelo se separa da água... O
calor, pelo contrário, tende ao amorfo. Ele representa de alguma forma o
“negativo do peso”.
Em seu curso sobre o calor, Rudolf Steiner falou de uma “noite
térmica” e de um “dia térmico”. “Durante a noite térmica, a terra tende à
formação, à cristalização”, enquanto que no dia, sob a influência da
entidade solar, há uma dissolução contínua, uma vitória sobre as tendências
cristalizantes. O homem traz espacialmente em si, em seu pólo superior e
em seu pólo inferior, aquilo que a terra atravessa temporalmente em relação
ao sol. Também a planta encarna espacialmente esses pólos: em sua raiz
vivem as forças do frio e em sua flor, os efeitos do calor.
Em um passado longínquo o homem tinha aprendido intuitivamente a
utilizar essas duas forças, particularmente para o preparo de medicamentos.
Rudolf Steiner disse, numa conferência em 10 de setembro de 1923:
“naqueles tempos antigos, disse ele aludindo à civilização dos Druidas (por
volta de 1500 anos a.C.) sabia-se submeter as plantas escolhidas a
processos muito particulares, como o do congelamento, o da combustão e o
da dissolução. Imitava-se assim certos fenômenos elementares conhecidos
128
da natureza. Mas somente em certos limites”, isto é, provavelmente os
limites da temperatura compreendidos entre 0º e 100ºC (gelo e ebulição da
água). Aquilo que ultrapassa esses dois limites, na direção do frio ou do
quente, sai do domínio dinâmico próprio ao homem, provocando efeitos
inesperados e perigosos.
Assim se sabe que o congelamento a baixa temperatura desnatura as
proteínas, as gorduras e os carboidratos dos alimentos. No que concerne às
gorduras, surgem produtos intermediários de decomposição que não
existem na decomposição natural. É possível que a albumina torne-se assim
mais digerível, mas, ao mesmo tempo, as forças correspondentes são
parcialmente paralisadas no organismo. Isto não é grave caso o consumo de
tais elementos seja ocasional, não se tornando regra e hábito. Seria também
necessário que a qualidade dos alimentos submetidos a esse tratamento
fosse perfeita, assim como seu frescor. Conhece-se o ditado dos produtos
congelados: “Degelar, cozinhar, consumir”. Isto denuncia suficientemente
seu caráter pouco natural e inadequado ao homem, por mais práticos que
possam ser na “cozinha moderna”.
Nesse contexto, voltemos um instante ao Curso Agrícola, onde Rudolf
Steiner declarou, em resposta a uma pergunta: “Os efeitos do gelo são
sempre um reforço notável da influência cósmica que age na Terra”. Mas
em seguida, o investigador espiritual mostra que essa influência cósmica
tem sua média normal em certos graus de temperatura. Aí ela é útil às
plantas. Mas se sobrevêm temperaturas muito baixas e intensas, então esta
influência se torna muito forte e extremamente prejudicial às plantas.
Rudolf Steiner não pensava seguramente que as plantas “se congelavam”;
ele tinha em vista a ação cósmica unilateral, ligada a um frio intenso.
“Então, muito céu penetra na terra”. Tais dados podem ajudar a tomar uma
posição frente às modernas técnicas de frio na alimentação.
Já nos referimos às fossas nas quais os camponeses enterram diversos
legumes para conservá-los durante o inverno. Rudolf Steiner aludiu a isso
numa conferência aos operários do Goetheanum: “No inverno o Sol age no
interior da terra. Ele deixa aí suas forças, como que à espera. Elas exercem
uma influencia vivificante no interior do solo. Assim os legumes, as
batatas, as frutas, etc., que se colocam aí podem aproveitar-se disso”.
129
ALIMENTOS SECOS, TORRADOS, COZIDOS.
Tudo o que acabamos de dizer pode ser aplicado também aos
procedimentos de dessecação. A natureza nos propõe o modelo: a gênese
das sementes, com eliminação da água e o dessecamento quase absoluto.
As sementes de diversos cereais ainda contêm entre 12% e 14% de água;
muitos aquênios têm bem menos (noz 7%, avelã 6,8%, amêndoa 4,5%, noz
de coco 3,5%). Nesses casos, é, sobretudo o calor que faz sair a água, pela
transpiração vegetal. É isso o que imitamos em nossas técnicas alimentares
de dessecação. Rudolf Steiner, em seu Curso Agrícola, declara: “Aqui,
como já o dissemos, são, acima de tudo as forças dos gêneros alimentícios
que importam. Quando comemos frutos ou grãos, a força terrestre aí é
importante. Se introduzimos então o processo de dessecação artificial –
torrefação, o assar, secagem, etc. – reforçamos esta ação. Trazemos então
força ao nosso sistema dos membros e ao organismo metabólico”. Sem
dúvida alguma, essa é a razão pela quais os frutos secos são recomendados
no regime de doentes do fígado. No mesmo sentido pode-se falar
atualmente do cozimento dos grãos de trigo ou de flocos de cereais. Esse
procedimento favorece sua ação dinâmica sobre o metabolismo; por outro
lado, a formação de aromas novos, graças ao cozimento, acompanha-se de
um aumento do sabor e da digestibilidade.
Como vimos, pode-se igualmente inibir e repelir a vida por meio do
frio. A dessecação pelo frio consiste em congelar o produto e fazer
evaporar todo o gelo formado. Isso foi empregado em grande escala, pela
primeira vez, durante a última guerra mundial, para a obtenção de
conservas de sangue seco. Em seguida, esse método foi largamente
difundido*. Assim são fabricados sopas em saquinhos, frutas dessecadas,
laranjas, etc. e café em pó (liofilizado). Com esse procedimento,
transformamos 20% de água em gelo, o qual em seguida é eliminado sob
vácuo, à baixa temperatura. O nitrogênio líquido também desempenha aí
um papel. Finalmente, restam apenas 2% de água. O sucesso da operação
então só é possível se utilizarmos outros processos, que são antifisiológicos. Não devemos nos esquecer disso.
Neste campo, toda nossa técnica alimentar moderna edifica-se sobre
uma concepção puramente físico-química; a ciência atual não se encontra
130
em condições de fixar verdadeiros critérios biológicos, pois não basta
pensarmos nas perdas de vitaminas e enzimas. Temos aí apenas uma parte
do verdadeiro valor nutritivo. Por outro lado, pode-se deixar convencer que
certos métodos tradicionais de dessecação, empregados com as necessárias
precauções, longe de diminuírem as forças presentes nos frutos e nos
legumes, os aumentam, sendo então mais prudente dar-lhes a preferência.
Alegramo-nos em ver que tais métodos se encontram em uso em diversos
locais e que os frutos secos ou os legumes desidratados, de procedência
biodinâmica, já se encontrem no comércio. As sopas em pacotes são
saborosas e seu valor nutritivo é completamente satisfatório, assim como os
frutos
*Admite-se que ele é o melhor e o que melhor poupa as substâncias.(N.T.)
secos biodinâmicos (maçãs, peras, ameixas).
Outro procedimento de conservação, também muito antigo, consiste em
fixar a água por meio do açúcar. É o princípio das geléias, compostas,
marmeladas, frutas em conservas, etc. Nós o mencionamos aqui porque o
calor desempenha também um papel no preparo das geléias. Uma solução
de açúcar a 40% ou 50% é indispensável para que a geléia se conserve por
muito tempo. Em relação a esse ponto de vista, é evidente que a polpa e o
suco ditos “integrais” apresentam vantagens. Para finalizar, ressaltemos
que nossa civilização fez um consumo inacreditável de cremes gelados,
gelo para bebidas – enfim, de frio. Isso denota uma tendência em
privilegiar nosso “pólo do frio”, o pólo neuro-sensorial. Com isto é o
fígado quem mais sofre.
Em suma, nesse setor são necessários e urgentes novos métodos,
fundamentados em novos conhecimentos. Felizmente, já podemos assinalar
iniciativas muito interessantes, por exemplo, procedimentos de conservação
por meio de processos rítmicos.
Falaremos mais tarde, em detalhe, sobre outros métodos que são mais
químicos que térmicos.
-x-
131
CAPÍTULO VII
O CRU E O COZIDO. A DESCOBERTA DE M. BIRCHER-BENNER
Foi somente a partir de 1847, data em que foi fundada a primeira
sociedade vegetariana (a London Vegetarian Society), que a questão do
regime “cru” começou a se lançar na Europa. Pouco antes de 1900, o jovem
Bircher Benner, com então 28 anos, decidiu-se pelo vegetarianismo; este
foi um ato extremamente inabitual. Nessa época, Bunge, o grande
fisiologista da Basiléia, já havia tomado posição a esse respeito – o que
veremos adiante. De fato, o regime cru aplica-se quase que exclusivamente
a alimentos de origem vegetal. Iremos nos prender aqui ao que foi dito
anteriormente aos processos térmicos. Depois da ação de Bircher Benner
em favor dos alimentos crus, diversas variações sobrevieram na apreciação
desse regime, o que valeu a Bircher Benner muita censura por parte do
corpo médico de Zurique. Ele foi reabilitado pela medicina oficial, bem
antes de seu centenário (15 de novembro de 1967).
Bircher Benner não se fez vegetariano por razões morais ou religiosas,
mas sim porque aprendeu por experiência que seus doentes curavam-se
melhor com esse regime. Mas ele não achou na ciência nutricional de 1895
nenhum dado capaz de justificar os efeitos benfazejos do “regime cru”.
132
Em tudo isso Bircher Benner teve um comportamento perfeitamente
científico, racional e livre de preconceitos. Ele foi obrigado a confessar:
“Ao contrário de tudo o que eu pensava e sabia o doente se recuperava”.
Achou então que seu dever de homem e cientista o obrigara a pesquisar
porque isso era assim. É muito significativo que ele tenha descoberto as
virtudes dos alimentos vegetais crus à cabeceira de um doente. Ele viu
então, diretamente, o caráter terapêutico desse regime.
Procurando a razão dessa eficácia, Bircher Benner deteve-se numa
asserção do físico Wilhelm Ostwald: “O que comemos na planta é a
energia solar”. Ele fez seu esse postulado, que é absolutamente justo e
deduziu que a nutrição de origem vegetal deve ter o mais elevado valor
nutritiva, pois segundo as leis energéticas, a luz solar representa a força
mais atuante. Mas a alimentação vegetal crua, “fresca”, como ele dizia,
ultrapassa em valor a alimentação vegetal denominada “cozida até a
morte”.
Não é possível demonstrá-lo pelos meios de fisiologia. E atualmente
não se pode dizer que essa questão tenha encontrado uma resposta
satisfatória, apesar das numerosas pesquisas realizadas nesse sentido.
È verdade que essas pesquisas revelaram toda uma série de efeitos
importantes devidos ao regime de alimentos crus: o efeito diurético, a
diminuição de tendência à inflamação, o efeito “emagrecedor” (devido a
sua pobreza em albumina e gordura), e a ativação das secreções digestivas
e do peristaltismo intestinal.
OS DADOS DA CIÊNCIA ESPIRITUAL
Todos esses efeitos indicam nitidamente que o regime de alimentos
crus possui um valor terapêutico. Mas para que realmente compreendamos
o que isso significa, devemos ampliar a idéia que fazemos do homem.
Nesse domínio pode ser então interessante observarmos quais são os
dados trazidos pela ciência espiritual moderna. Rudolf Steiner exprimiu-se
numerosas vezes sobre esse assunto, particularmente diante de médicos e
agricultores – duas categorias sociais particularmente ligadas ao problema.
133
Ressaltou que em caso de alimentação vegetariana, “devemos nós
mesmos realizar toda a elaboração que o animal que a consome nos poupa,
uma vez que ele mesmo já conduziu o vegetal a um nível superior”. Ao
comermos carne, não desenvolvemos então as forças necessárias para a
digestão das plantas. Tornamo-nos interiormente mais preguiçosos e as
forças não utilizadas provocam distúrbios.
Foi o que constatou Bircher Benner, quando optou pelo
vegetarianismo. Aos seus olhos, esse feito estimulante das plantas era tanto
mais forte quanto mais frescas eram comidas, e no seu estado natural, sem
mudança alguma. Mas o que significa verdadeiramente: os alimentos
“cozidos até a morte?” Será justificado o uso dessa alocução? O que ocorre
realmente durante o cozimento?
Rudolf Steiner disse que pelo cozimento o homem poupa a si um
trabalho que ele mesmo deveria fazer, se o alimento fosse cru. Logicamente
a alimentação crua seria então preferível. Esse julgamento, entretanto, é
apenas parcialmente defensível. Rudolf Steiner assinalou que há nesse
domínio uma polaridade do organismo humano. Nós somos orientados para
o mundo exterior pela pele, pelos órgãos sensoriais e pelo sistema nervoso.
É por eles que somos ligados à natureza, ao cosmos. Esse pólo do nosso
organismo é de certo modo aparentado aos produtos crus e inalterados da
natureza. Se quisermos exercer uma ação dietética sobre essa “periferia” de
nosso organismo, nós a fortificaremos por meio do regime “cru”. Mas
veremos adiante o que são necessárias certas reservas, também nesse
sentido.
Se cozermos os alimentos vegetais ou se os secarmos, etc.,
adicionamos-lhes um processo térmico. Assim o fazendo, desencadeamos
um processo que nos é aparentado. Com efeito, nós aquecemos os
alimentos ingeridos em nosso estômago e em nosso intestino, e mais ainda
na região do fígado, onde são plenamente penetrados por nosso calor
próprio, o do sangue. É no calor que se desenvolve nossa individualidade.
Com os alimentos cozidos e quentes estimulamos as forças internas de
nossa organização; favorecemos as forças de individualidade que se
encarnam no calor.
Dessa maneira, adicionando um processo térmico aos alimentos de
origem vegetal, nós o orientamos para o nosso ser interior, central, que se
134
emancipa do cosmos, contrariamente à nossa pele e aos nossos sentidos. A
nutrição cozida fortifica o homem terrestre.
Segundo Rudolf Steiner, o regime “cozido” é, propriamente falando,
“adaptado ao homem”. É, em verdade, um processo de nutrição.
Quando o alimento é “deixado em seu estado natural”, consumido cru,
age de encontro a esse processo central. Para vencer esse alimento, é
preciso que o homem faça uma força bem maior. É necessário, em
realidade, para que isso seja possível, um caso patológico.
Se o homem tem necessidade de processos terapêuticos, seja porque
queira fazer agir seus alimentos até a periferia, seja porque o equilíbrio
entre o homem periférico e o homem central esteja rompido (o que
ocasiona sintomas patológicos dos dois pólos), então o regime “cru”
encontra-se indicado.
Rudolf Steiner assinala a grande importância dessa proposição de
Schafer: “O consumo de alimentos crus é, em certo sentido, um processo
de cura, muito mais que o consumo de alimentos cozidos”. Com efeito, é aí
que se encontra a chave do problema.
Quando Bircher Benner fez sua primeira experiência decisiva, por
ocasião de uma cura, e não num regime permanente normal, encontrou-se
em acordo com a proposição de Rudolf Steiner. Dado que o homem sofre
hoje em dia cada vez mais de alterações do equilíbrio entre seu centro e sua
periferia, o regime cru adquire uma enorme importância terapêutica.
Mas em realidade, é somente a alimentação com raízes cruas que
deveria ser qualificada como “regime cru”. Sobre isso existem inumeráveis
resultados de experiências, por exemplo, com o regime de cenouras cruas,
com relação aos órgãos sensoriais, à pele e ao sistema nervoso.
As folhas e principalmente ainda as extremidades superiores da planta,
no estado cru, já foram trabalhadas pela luz e pelo calor solar. Os frutos são
em realidade “cozidos pelo Sol” e por essa razão uma dieta de frutas não é
um verdadeiro “regime cru”, destinando-se muito mais ao homem interno
central.
135
Pode-se prolongar esse cozimento solar das frutas por meio da
dessecação, etc., aumentando então seu efeito sobre a organização interna
do homem.
É somente com essas respostas que se pode resolver com realismo o
problema dos dois regimes, o cru e o cozido, e empregá-los racionalmente.
Nessa ocasião, lembremos que o processo de nutrição no homem tem
limites determinados, particularmente no que concerne ao regime cru. Para
que o alimento nos seja suportável, é necessário que tenha atingido certo
grau de maturação. Isso é particularmente verdadeiro para as frutas. Todos
conhecem os efeitos nocivos das “frutas verdes”. Isso mostra que uma
força térmica deve adicionar-se necessariamente à nutrição “humana”.
Como todos sabem, os animais comportam-se nesse aspecto bem
diferentemente do que nós, e toleram assim uma alimentação
demasiadamente amadurecida, já fermentada ou apodrecida. Sob esse
aspecto o homem é muito mais sensível.
Atualmente as frutas são colhidas ainda “verdes”, sendo amadurecidas
após colheita por métodos artificiais, sobretudo frigoríficos. A qualidade
dos gêneros assim amadurecidos traz certo problema.
Leremos mais adiante o que Rudolf Steiner pensava a respeito das
sopas quentes.
Citemos, entretanto, essa passagem de sua “Fisiologia oculta”: “Os
processos térmicos internos que o organismo engendra em nossa sangue
parecem-se a uma flor, que resume em si todos os outros processos da
planta; isso se eleva até a esfera anímico-espiritual e o transforma em alma
e em espírito. O que é mais belo nesta esfera? É o fato de que pelas forças
do ser humano, aquilo que é orgânico pode ser transmutado em alma...”
Tais palavras permitem-nos experimentar que, mesmo em nossa
alimentação, participamos de processos os mais elevados; podemos ver a
que sublimes pensamentos pode nos conduzir o exame de um problema tão
simples e tão quotidiano como o do cozimento dos alimentos.
O SIGNIFICADO DA SOPA
136
Walter Ulrich Guyan redigiu uma pequena “História cultural da sopa”.
Aí ele declara que o “nascimento da sopa” deve remontar aos primórdios
da evolução humana. Essa forma de alimentação teria então uma idade
muito respeitável.
A isso retornaremos mais adiante: o alimento original da humanidade
era líquido; o leite veio mais tarde. Em seguida desenvolveu-se uma
alimentação feita de caldos de cereais, geralmente cozidos em leite, etc.
Sem dúvida foi essa a base da alimentação durante milênios. Mas já
Aristóteles fala de “suco de legumes”, talvez referindo-se a sopas. Segundo
Guyan, marmitas de sopas foram encontradas num povoado do terceiro
milênio a.C., na Suíça (escavações Thayngen).
Sabe-se que Henrique IV, na França, fazia o elogio da sopa, o famoso
caldo de galinha (“poule au pot”). E Luiz XIV mantinha em sua corte
diversos cozinheiros cuja única atribuição era de preparar as sopas. No
século 17 a cozinha francesa já era renomada; ela fazia da sopa não
somente o “primeiro serviço”, mas “a abertura” da cerimônia da refeição.
Brillat Savarin falou muito sobre as sopas na sua “Fisiologia do
paladar” (1825). Utilizava-se então quase que apenas o “consommé”, ou o
caldo de carne, adicionado de diversos legumes, massas e crostas de pão, e
a “sopa Parmentier”, feita de batata, que rapidamente substitui os caldos de
aveia (51).
Liebig compôs um extrato de carne que se tornou célebre. Mais tarde,
em 1886, Maggi colocou no comércio sopas preparadas sob a forma de
farinhas e, no mesmo ano, Knorr fabricou os primeiros cubos-de-sopa.
Esses produtos mantiveram-se até os nossos dias, graças aos procedimentos
modernos de desidratação dos legumes, com grande popularidade, mas que
não podem se rivalizar, do ponto de vista da qualidade, com uma boa sopa
caseira de legumes. Eis as vantagens de uma sopa de boa qualidade,
segundo Mohler (1972): “Pelo seu calor, ela dilata os vasos sanguíneos na
boca e no estômago; estimula as secreções digestivas; fornece o líquido
indispensável para as secreções do tubo digestivo.”
Essas vantagens eram bem conhecidas de Rudolf Steiner, que
aconselhava “sempre começar uma refeição por uma boa sopa quente”,
assim como o faz A. Ljungquist em seu livro, onde se lê: “Quando
137
quisermos oferecer frutas geladas ou leite coalhado no verão, dever-se-ia
fazê-lo após o prato quente.”
Sabe-se que Rudolf Steiner, para seu próprio uso, apreciava muito a
sopa de legumes frescos. Ele aconselhava o uso de legumes de todos os
tipos e de “peneirar” tanto quanto possível o caldo.
Nem o “consommé”, ou caldo de carne, nem o extrato imaginado por
Liebig são recomendáveis. Seu alto teor em sal, sua leve acidez e as carnes
de má qualidade utilizadas em seu preparo são razões para se abster deles.
Eles são “fortificantes”, apenas aparentemente, ainda que diversos médicos
lhe atribuam ainda essa propriedade.
-xCAPÍTULO VIII
ALIMENTOS - PRODUTOS DE REGIME - GULOSEIMAS MEDICAMENTOS
Em princípio tudo o que é proveniente do vegetal ou do animal pode
servir á alimentação do homem, contanto que este possa digeri-lo. Todo o
nosso ser está envolvido em cada ingestão de alimento: pensamento,
sentimento, vontade, consciência e inconsciência, corpo, alma e espírito.
Por outro lado, o que o homem escolhe para a sua alimentação é em função
de sua raça, de seu povo, de seus hábitos e tradições. Atualmente o homem
tende cada vez mais a escolher individualmente seus alimentos.
Nosso alimento deve ser digerível, consumível e saboroso. Mas o
alimento que se digere, o que facilmente se consome, é ele necessariamente
agradável ao paladar?
Os animais têm um sentido instintivo dos alimentos que lhes são
“bons”. O homem perdeu esse instinto há muito tempo e é preciso que
comece a substituí-lo por suas escolhas conscientes. Eis aí a tarefa
essencial de uma nova higiene alimentar.
138
AS RELAÇÕES DE PLANTA COM O HOMEM TRIPARTITE
Essas relações são válidas tanto para a planta medicinal como para a
planta alimentícia. Rudolf Steiner definiu-as com precisão em seu Primeiro
Curso médico de 1920, baseando-se sobre a “tripartição” do organismo
humano. Nesse sentido a planta é o inverso do homem. Ela desenvolve suas
raízes na terra; e suas flores, assim como suas sementes, no ápice. O ser
humano, pelo contrário, dirige seus órgãos genitais para baixo e pela sua
cabeça, de certo modo, “enraíza-se” no céu. Sob esse ponto de vista o
homem é então uma planta invertida. A formação das folhas constitui um
sistema mediano. Eis então a correspondência:
Tudo que na planta é raiz tem uma ligação com o pólo superior do
homem, com o sistema neuro-sensorial.
Tudo que é flor e fruto aparenta-se com o pólo inferior ao homem, com
o sistema de trocas (metabolismo) e dos membros.
As folhas, os caules, todas as partes herbáceas da planta, correspondem
ao homem médio – respiração e circulação –, ou seja, ao sistema rítmico.
Em primeira noção, bem vasta, indica todas as relações de troca entre
nosso alimento e nosso organismo interno.
É preciso considerar a extrema diferenciação do reino vegetal. Poucas
plantas desenvolveram harmoniosa e plenamente os três sistemas definidos
acima. O que caracteriza nossas plantas alimentícias é o desenvolvimento
especial de uma de suas partes. As plantas que desenvolvem sobretudo a
raiz expressam sua afinidade com o que é terrestre. Outras plantas
distinguem-se pela riqueza de suas flores ou de seus frutos (bananeiras,
árvores frutíferas). Elas estão mais orientadas para o cosmos. Certas plantas
fazem sobressair singularmente seu tronco: o ananás, por exemplo. Em
tempos muito antigos, o homem começou a selecionar, a transformar certas
plantas: os cereais, as árvores frutíferas, a oliveira e diversos legumes,
como a cenoura e a lentilha.
Assim se especializando, as plantas adquiriram ligações com certas
partes ou certos órgãos do homem. Foi por isso que Rudolf Steiner pôde
139
dizer: “Uma determinada planta tem sabor apenas para o órgão bem
determinado, sendo insípida para os outros órgãos; apenas um órgão deixase excitar pelas forças dessa planta, e acrescenta: “É importante
compreender que ao comermos devemos nos manter em uma relação viva
com os diversos alimentos”. Temos aí as relações entre microcosmos e o
macrocosmos. Desse conselho pode resultar uma “sadia higiene alimentar”.
Desenvolveremos aqui apenas dados gerais sobre esse assunto e
retornaremos mais detalhadamente no segundo volume.
AS PLANTAS MEDICINAIS
Rudolf Steiner disse que podemos esperar de uma planta medicinal que
ela se mostre capaz de intervir na consciência do homem. A consciência foi
modificada pela doença, seja num único órgão, seja em todo o corpo, e
deve ser então normalizada, reconduzida à “consciência do homem são”.
Uma planta alimentar, pelo contrário, deve intervir não na consciência, mas
unicamente nos estados vitais; no máximo pode se refletir na consciência.
Rudolf Steiner forneceu uma definição muito importante da diferença entre
o que seja medicamento e o que seja alimento. Quando nos alimentamos
devemos cuidar para que o alimento aja em nós como um “meio de viver” e
não como um meio de modificar nossa consciência. A qualidade dos
gêneros alimentícios depende da medida com que eles podem responder a
essa exigência.
É necessário ressaltar também que a planta medicinal,
comparativamente à planta-alimento, exagera sempre um caráter
específico, que se manifesta também em seu quimismo. Nesse sentido uma
planta medicinal é algo “anormal” e, por vezes, mesmo aberrante,
patológico. Ela cai nos extremos, como é visto nas plantas venenosas.
Certamente, um gênero alimentício pode ultrapassar seus limites
normais, por exemplo, quando se torna um produto de guloseima ou é
utilizado como tal. Quem bebe café geralmente não o faz pensando apenas
no eventual valor nutritivo desse líquido; mas quem bebe cerveja
geralmente o faz. E quando comemos chocolate geralmente o fazemos por
prazer, raramente nos lembramos do seu valor nutritivo. Da mesma
140
maneira um sorvete não é consumido por seu valor alimentício.
Inversamente, um bebedor de café age “como um medicamento”.
O “produto de regime” tem isso em comum com os outros gêneros, que
se consomem em quantidades maiores ou menores, enquanto que um
remédio deve ser sempre dosado.
Rudolf Steiner falou sobre isso numa conferência destinada a médicos,
em Londres, em 29 de agosto de 1924. Ele perguntou por que o ser humano
admite em sua alimentação um grande número de substâncias, enquanto
que, comparativamente, há poucas substâncias medicinais. A resposta foi a
seguinte: “Porque as substâncias que não são contidas nos alimentos agem
particularmente de um modo forte sobre a parte espiritual do ser humano”.
Elas têm um parentesco com seu corpo astral e seu Eu. Isto novamente é
uma diferença sensível entre o alimento e o remédio.
Dessa maneira podemos transformar um alimento em remédio, seja pela
dosagem, seja por uma preparação farmacêutica. Temos numerosos
exemplos disso na medicina antroposófica: a alcachofra, por exemplo. Ela
é um “produto de regime” para as doenças do fígado. Por outro lado, um
fruto como o ananás é ao mesmo tempo um alimento e uma guloseima,
mas, Rudolf Steiner usou esta bizarra formação vegetal para a composição
de um remédio. Últimos exemplos: podemos empregar a urtiga como
alimento, produto de regime, remédio e condimento. E a páprica pode
indiferentemente ser considerada como condimento ou medicamento.
OS PRODUTOS DE REGIME
Rudolf Steiner indicou em seu primeiro Curso Médico, em 1920, que o
regime torna o ser humano não social, pois ele se isola da comunidade pela
sua alimentação e se torna, socialmente, até mesmo um “fora da lei”. Por
esta razão Rudolf Steiner recomendou habituar-se a digerir e a tolerar
alimentos que não suportamos bem, pois assim se fortificam os órgãos
internos. Ele aconselhou aos médicos a não prolongarem os regimes por
mais tempo que o absolutamente necessário, para que os doentes
retornassem à comunidade. “A importância da Ceia não reside em que o
Cristo tenha dado um alimento especial a cada um de seus discípulos, mas
141
que tenha dado a todos a mesma coisa. Estar juntos para comer e beber é de
um grande significado social.” Tais palavras mostram os graves problemas
com a alimentação em comum (cantinas, etc.) dos quais trataremos mais
adiante.
Como vimos, quando tratamos dos condimentos, muitas especiarias e
aromas culinários são ao mesmo tempo plantas terapêuticas: o cominho, a
manjerona, a melissa, o alecrim, etc. Instintivamente dosamos nossos
condimentos como se dosa um medicamento.
O SAL DE COZINHA
Essa substância tem ao mesmo tempo o valor de alimento, de
condimento, de produto de regime e de remédio. Numerosos sábios
trataram dele. Podemos esperar indicações preciosas pela ciência espiritual,
mas no momento exporemos apenas princípios gerais. Mais tarde
examinaremos os minerais em detalhe.
Talvez o sal seja a única substância que nós absorvemos sob uma forma
puramente mineral, mas nós o consumimos apenas em pequenas
quantidades, como um condimento.
No último terço do século 19 estudou-se a necessidade do sal no
homem e se estabeleceu que esse alimento é indispensável. Liebig era
então, na Europa Central, o promotor dos adubos minerais. Ignorava-se
ainda totalmente qual a atividade dos minerais absorvidos pelo homem.
Bonge estudou mais tarde o consumo do sal na cidade e no campo. Ele
descobriu que seu consumo diminui quando o regime é, sobretudo cárneo,
como é o caso nas cidades, e aumenta quando o regime é sobretudo
vegetariano. Bonge perguntou-se porque desejamos sal, já que nossa
alimentação, mesmo a vegetariana, deveria naturalmente conter o
suficiente. Esse desejo de sal existe também nos animais herbívoros, como
se sabe. Em uma carta de Bonge o Dr. L. Reinhardt, aquele escreveu:
“Dado que o regime dos negros é principalmente vegetariano, sua
necessidade de sal é espantosamente grande. Aqui todas as mulheres
aprendem a obter o sal a partir das cinzas das plantas. Mas lá onde o sal se
encontra no solo e na água, ou seja, unicamente perto do litoral, as
empresas de produção de sal são prósperas.” Já o Dr. L. Ranke menciona
142
num de seus livros uma comunicação de Livingstone, o famoso médico da
África austral: “Em toda a região não há sal, e apenas os ricos podem
comprar um pouco. Os médicos indígenas conhecem a causa da doença
(conseqüência da falta de sal) e prescrevem sempre sal entre seus
remédios.” Vê-se aqui que o sal é tratado tanto como medicamento como
alimento.
Eis os princípios estabelecidos por Bonge:
1- Mesmo sob forma mineral o sal de cozinha é necessário na ingestão
alimentar;
2- Quando a alimentação é predominante vegetal, aumenta a
necessidade de sal, pois os vegetais contêm pouco cloreto de sódio
orgânico;
3- Quando o alimento é predominante animal, diminui a necessidade de
sal;
4- Existe no organismo uma relação entre o potássio e o sódio. Os
alimentos vegetais contêm 3 a 4 vezes mais potássio que a carne. A
riqueza das plantas em potássio é a causa de nossa necessidade de
sal, em caso de regime vegetariano.
Ainda que essas observações fossem hipotéticas em sua época, M.
Bircher Benner declarou em 1930: “Um moderado consumo de sal não
deveria comportar mais de 3 a 5 gramas de sal por dia, adicionados aos
alimentos”. Essa norma fixou-se entre 0,5 a 5 gramas, o que não impede
que o consumo diário de sal nos países civilizados, estatisticamente, seja de
20 a 30 gramas. O sal então tornou-se “guloseima”, constatou Bunge.
Mas o que há à base dessa necessidade? Por que o homem tem
necessidade de sal? Deduz-se das quatro teses de Bonge que somente uma
concepção dinâmica da alimentação pode compreendê-la. Como se sabe, a
economia do cloreto de sódio no organismo é intimamente ligada ao
metabolismo dos líquidos, ou seja, ao organismo-água. E como já se viu, o
sódio está em polaridade com outros metais, principalmente com o
potássio, o magnésio e o cálcio. A questão do sal de cozinha une-se então
ao equilíbrio entre os alcalinos e os ácidos em nosso organismo.
143
A ESSÊNCIA DO MINERAL
A ciência espiritual moderna, tomando o antigo princípio alquimista,
sal, mercúrio, enxofre, estudou de perto essas três noções. O sal surge
como um princípio terrestre, em contraste com o enxofre (Súlfur), que é
portador de fogo e de luz. O telúrico, o sólido, concentrou-se no sal.
“Quando um ser humano mostra-se ávido por tudo que é salgado, é porque
seu Eu e seu corpo astral encontram-se muito ligados a seu corpo físico e
etéreo”. Por quê isso? Porque o Eu e o corpo astral – sobretudo o Eu –
estão em relação com o que é mineral, cristalino, inorgânico no organismo,
com tudo o que perdeu nos “imponderáveis”, como o calor e a luz,
permanecendo unicamente o “ponderável”. Por causa disso, o sal torna-se
transparente para o espiritual. Ele era para os alquimistas uma “substância
que não é egoísta”, uma substância absolutamente desinteressada, pela qual
pode inflamar-se nossa natureza superior, anímico-espiritual. Note-se que
todas as partes do corpo humano que tendem à mineralização, os nervos, o
cérebro, o esqueleto, são os fundamentos de nossa vida anímico-espiritual.
O que é salino é parente do gelo, do frio. “No pensamento a vida se
congela.”
Mas o homem deve vencer sem cessar esta tendência. Quando
consumimos sal, queremos e devemos “fazer regredir o processo de
salinização”, no processo de densificação da terra. Desde a cavidade bucal
nós dissolvemos o sal, nós o tornamos líquido. Nosso desejo de sal tem
essencialmente esse significado. “Por aí se lança um olhar sobre as
correlações entre o organismo humano e a natureza extra-humana.” E se
aprende então que a natureza humana “experimenta uma espécie de
necessidade orgânica de fazer recuar, de combater certos processos do
mundo exterior”.
Foi por esses dados que Rudolf Steiner justificou a necessidade de
remédios minerais. Na alimentação podemos ultrapassar apenas de pouco a
dose de minerais que as plantas oferecem em seus tecidos. A maior parte
dos minerais está ligada aos seres vivos que podemos consumir. Somente o
sal de cozinha é exceção, no sentido em que o cloreto de sódio contido nas
plantas ou nos animais pode não nos bastar.
144
Entretanto, essa regressão da qual falamos, o ser humano somente pode
realizar na medida das forças de sua “organização do Eu”. Bircher Benner
reconheceu a necessidade de um consumo “moderado” de sal. De seu
abuso, como de sua falta, podem resultar doenças. Pesquisadores
americanos assinalaram as relações da arteriosclerose, da hipertensão
arterial e de muitas doenças do coração com uma sobrecarga renal em
cloreto de sódio.
Em uma conferência feita aos operários do Goetheanum, em 22 de
Setembro de 1923, Rudolf Steiner disse: “O sal é um alimento
extremamente importante”, pois “salgamos nossos alimentos para sermos
capazes de pensar”.
“Logo que o sal chega ao cérebro, ele já está espiritualizado” disse
ainda, acrescentando que “tudo o que absorvemos de mineral deve tornarse, por certo tempo, puro calor, e unir-se ao calor próprio do homem”.
Mas esse aspecto não é o único. Sabemos que temos necessariamente
no estômago ácido clorídrico, um derivado do cloreto de sódio. Com a
pepsina este ácido colabora, no nosso estômago, para a digestão das
albuminas. O sal desempenha aqui todo outro papel, ele que depende do
corpo astral. Mas o cloreto de sódio que intervém na gênese do ácido no
estômago “não vem de fora com os alimentos; ele é perpetuamente
produzido pelo organismo”.
A relação entre essa acidez gástrica e a atividade do corpo astral – nosso
psiquismo – já há muito tempo é conhecida. Nessa produção de ácido
distinguem-se atualmente três fases: psíquica (45%), gástrica ou humoral
(45%) e intestinal (10%). Como se vê, a maior parte do suco gástrico
provém de fora, por meio do sistema nervoso e do sangue.
É notável que para a gênese do ácido clorídrico no estômago necessitese sempre de hidrogênio, o elemento mais rebelde ás forças terrestres e o
mais próximo do Eu humano. Retornaremos a esse fato interessante quando
examinarmos o papel dos diversos minerais em nossa alimentação.
Um papel igualmente duplo é desempenhado pelo ácido úrico. Rudolf
Steiner falou dele, sobretudo em seus “Princípios Fundamentais”. Glatzel
declara, após inúmeros experimentos com animais: “De que maneira e por
145
quais caminhos os processos nervosos regem esse fenômeno (a produção
do ácido úrico), ninguém o sabe até o presente”.
OUTROS PONTOS DE VISTA
No decorrer da evolução da Terra o que era mineral condensou-se até o
estado sólido, cristalino. Rudolf Steiner falou dos antigos estados da
substância: “Todos os minerais existiam sob a forma de vapores, de brumas
clareadas”, ou seja, numa atmosfera viva e penetrada de calor. Na ciência
espiritual moderna essa época é chamada de “pré-lemuriana”. O homem
também vivia nessa atmosfera, numa forma totalmente diferente da atual.
Tais estados continuam a existir em nossos dias, no homem interno, no seu
metabolismo. Nesses tempos recuados, a nutrição, a respiração e a cura
constituíam um único processo.
Foi o mineral o que mais se distanciou dessa atmosfera plena de
espiritualidade. Ele projetou fora de si, sobretudo com o sal, todos os
imponderáveis. Ele é totalmente morto. Por isso o mineral tornou-se
permeável ás atividades extraterrestres. Ele está em colaboração real com
as forças que envolvem a terra. Os minerais, disse Rudolf Steiner, são o
resultado das ações dinâmicas extraterrestres.
Uma metamorfose desse gênero afetou, no homem, os órgãos que
servem ao desenvolvimento da consciência. Também aí a vida própria se
retirou, para que a vida universal pudesse entrar no homem, graças á
percepção e ao pensamento, nos quais se acende a consciência do Eu. Dito
de outra forma a organização do Eu confronta-se sem cessar com um
processo de mineralização. Ela deve sem cessar, combater no homem
inteiro sua propensão para se mineralizar. É claro agora que na
alimentação, e, sobretudo na ingestão de sal de cozinha, o homem deve sem
cessar realizar esse trabalho, no que é ajudado pelo sal.
Mas o que faz da substância mineral um remédio? É o mesmo processo,
mas realizado de fora, artificialmente provocado: levar a matéria densa ás
suas origens, á dissolução atmosférica. Esse princípio é chamado
dinamização ou diluição rítmica, ou ainda “homeopatização”. Sob esta
forma, as substâncias dinamizadas podem ser vencidas pela organização do
146
Eu. Tornam-se remédios que executam por um tempo no homem aquilo
que ele não é capaz de fazer. Assim ele pode utilizar substâncias que não
saberia suportar em estado concentrado, pois então elas agiriam sobre ele
como venenos.
A FORMAÇÃO DOS VENENOS
Isto nos leva a considerar a formação dos venenos, os quais existem
num grande número de remédios, “Honramos o homem quando sabemos
que ele participa nesse rude combate...” (trata-se da regressão do elemento
mineral) e “é o Eu quem deve participar dessa luta”. O que importa num
remédio não são apenas as substâncias utilizadas (elas são absolutamente
necessárias na nutrição terrestre) “é, antes de tudo, o modo de preparação, o
caráter dinâmico do processo”. Assim exprimiu-se Rudolf Steiner numa
conferência destinada a médicos. Nesse caso, a farmacologia imita o que se
passou na natureza exterior, na origem das substâncias... e o que se passa
no homem durante a digestão.
Mas voltemos à gênese dos venenos. Numerosos venenos encontramse em nossa alimentação quotidiana; são constituintes naturais de nossas
plantas alimentícias e certamente têm um papel em seu valor nutritivo.
Rudolf Steiner falou longamente sobre o gênese dos venenos no mundo
vegetal (Primeiro Curso médico, 1920). Toda planta “comestível” participa
das forças formativas terrestres e extraterrestres. Ela as equilibra
desenvolvendo-se. Esse equilíbrio, entretanto, pode ser alterado. Se há uma
predominância das forças cósmicas, a planta “defende-se” contra as forças
terrestres, na formação de seus frutos e sementes. Tende então a ultrapassar
o processo de formação vegetal e a atrair para si forças que são próprias
dos animais. Tal planta torna-se então venenosa, tal como a beladona ou o
Hiosciamus. Essas plantas podem tornar-se medicamentos importantes,
quando são devidamente preparadas. Agem diretamente sobre a
consciência alterada pela doença. Tais plantas venenosas são ligadas a
forças extraterrestres extremamente diversas, oferecendo, por conseguinte,
uma rica possibilidade terapêutica.
147
É verdade que toda planta atrai a astralidade para si, especialmente em
seus frutos. Rudolf Steiner disse assim em seu Curso Agrícola: “As árvores
frutíferas são coletoras de substância astral e isso se manifesta em seus
frutos”. Mas tal vegetal alimentar “possui apenas trocas dinâmicas com o
astral.” Em uma planta venenosa, pelo contrário, o astral penetra até seu
corpo etéreo. Ora, quando comemos uma planta, absorvemos também seu
corpo etéreo, como já foi dito.
Rudolf Steiner falou com precisão desse processo. Quando comemos
uma planta crua, uma fruta, por exemplo, nós “arrancamos o etéreo da
planta e o colocamos em nosso próprio corpo etéreo, com as forças que
nele se encontram”. Mas então ocorre “algo de muito particular”, que
Rudolf Steiner descreveu, dando o exemplo do repolho. Quando o
comemos, surge na parte inferior de nosso organismo “uma forma
luminosa”, traduzindo sua digestão; depois, no alto, na cabeça, surge outra
forma que é como o “negativo” da primeira. Esse fenômeno, percebido pela
clarividência, não deve ser concebido de maneira física, espacial. É uma
“visão imaginativa”. Vale para todas as plantas que são alimentos. Mas se
ingerimos uma planta venenosa, ocorre outra coisa, surge então uma forma
“muito mais sólida”, cujo negativo age bem mais intensamente. Tal forma,
percorrendo o corpo etéreo humano – se o veneno foi tomado numa dose
tolerável – provoca um negativo mais intenso no pólo superior. E é sobre as
reações alternantes das duas imagens que repousa o processo terapêutico.
Rudolf Steiner acentua, porém, expressamente, que não é a “dispersão no
espaço” que importa. Essas duas imagens polares, uma no abdômen e a
outra na cabeça, existem sem que haja nenhuma transferência físicoespacial. Vemos aqui todas as complexidades de uma ciência dinâmica da
alimentação.
DIFERENÇAS ENTRE O ALIMENTO E O REMÉDIO
Sabe-se há longo tempo que muitas plantas que crescem nas montanhas
possuem poderes terapêuticos diferentes dos da mesma espécie que cresce
nas planícies. Seu porte é diferente, são mais robustas, têm um perfume
mais forte, etc. Há milênios que essas diferenças são utilizadas. Tais
148
plantas são de uma qualidade especial, seja como remédios populares, seja
como condimentos, ou mesmo como alimentos.
Rudolf Steiner foi interrogado sobre esta questão e a sua resposta não
foi desprovida de interesse. Falou sobre o morango: o dos bosques é
pequeno, mas muito perfumado, contrariamente ao dos jardins, que é maior
e tem geralmente pouco gosto. Isso é devido, segundo ele, à maior riqueza
dos bosques e montanhas, em minerais: “A planta toma em sua seiva
partículas muito finas desses minerais, tornando-se terapêutica”. Por outro
lado, as plantas da montanha e da floresta desenvolvem em suas raízes o
poder de atrair traços extremamente sutis de matéria. Por isso que a
amoreira selvagem é capaz de atrais muito mais ferro que as outras plantas,
o que dá aos morangos selvagens seu delicioso perfume. Assim o morango
se torna um produto de regime muito eficaz para enriquecer o sangue. Ao
mesmo tempo, esse morango dos bosques contém um alto teor em vitamina
C (60 miligramas), enquanto que a groselha tem apenas 35 miligramas, e a
framboesa 25 miligramas. Por outro lado, o cynorrhodon (baga de roseira
brava ou roseira selvagem) é muito privilegiado sob esse aspecto: ela
contém de 300 a 380 miligramas de vitamina C por 100 gramas de polpa.
Seu teor em minerais é igualmente muito elevado (0,7% no morango dos
bosques; 4,6% na roseira brava). Rudolf Steiner comparou a roseira brava,
que desenvolve muita atividade para a formação do fruto, com a roseira,
que consagra à floração as substâncias encontradas no solo cultivado.
É assim que se passa na natureza, da planta alimentícia à planta
medicinal e também, em outras condições, à planta ornamental (rosa).
Rudolf Steiner aconselhou a não empregar uma planta como remédio e
como alimento ao mesmo tempo. Se tratarmos, por exemplo, um paciente
com um medicamento á base de morango, é desaconselhável comê-lo no
mesmo dia, pois seus efeitos se anulariam no organismo.
Voltaremos à questão dos minerais no Volume II, quando falaremos em
detalhe sobre os diversos alimentos.
Por outro lado, são as forças espirituais no decurso do ano que regem as
substâncias nutritivas ou medicinais. Durante o verão, as forças nutritivas e
formativas se encontram em seu apogeu na natureza. Essas forças
correspondem ás forças solares no homem, ao seu metabolismo. Da
natureza provém, como já vimos, essas forças que se transformam
149
rapidamente em propriedades medicinais que são mais aparentadas ao
outono. Ora, no homem interno, quando se faz metamorfose de forças
formativas em forças terapêuticas, estas sobem da região metabólica para o
sistema respiratório. “As forças nutritivas são as forças de cura”. Aquele
que compreende bem a nutrição compreende, ao mesmo tempo, o início da
cura. No emprego dietético (nos regimes) as substâncias se encontram a
meio-caminho entre a nutrição e a cura. As guloseimas serão assunto para
mais tarde. Trataremos especialmente dos excitantes, do café, do chá e do
álcool.
Rudolf Steiner falou igualmente dos “curiosos remédios antigos”, ainda
hoje encontrados em povos ditos “primitivos”. A esses tempos remotos
remontam também as maravilhosas criações de plantas alimentares, a
cultura de árvores frutíferas, a de cereais, etc. Novas plantas alimentares
nos foram enviadas por povos longínquos, dos quais injustamente
desdenhamos a sabedoria ancestral (batatas, tomates, soja, e outros).
Para terminar esse capítulo, ressaltaremos que o próprio Rudolf Steiner
foi criador no domínio da dietética, quando compôs seus “sais calcáreos”
(Weleda), que é um produto dietético composto principalmente de fosfato e
de carbonato de cálcio, adicionado de substâncias orgânicas. Esta
composição é um estimulante insubstituível, não somente para a regulação
do metabolismo cálcico, como também para favorecer em geral a digestão
e a assimilação dos alimentos.
-x-
150
CAPÍTULO IX
REGIME VEGETARIANO. REGIME CARNÍVORO - ORIGEM DO
VEGETARIANISMO MODERNO
Foi somente no final do último século que se espalhou o regime dito
“vegetariano”. Como seu nome indica, é constituído exclusivamente de
vegetais. Era sem dúvida, nessa época, uma concepção revolucionária, que
provocou violentos debates. Médicos e reformadores defenderam as
afirmações apaixonadas de uns, ora as convincentes refutações de outros.
Em nossos dias, não é ainda simples a abordagem desse problema sob uma
base puramente objetiva. Mas aqui também os dados da ciência espiritual
moderna podem ajudar-nos a encontrar as respostas. O vegetarianismo tem
diversas origens. Pioneiros como M. Bircher Benner, já citado, tiveram
grande
proeminência
em seu
desenvolvimento.
Constatando
151
experimentalmente o valor do “regime cru”, e, ao mesmo tempo, o valor do
vegetarianismo em geral, esforçou-se sempre por encontrar uma explicação
racional para seus resultados clínicos. Ele próprio sofreu de uma icterícia e
de uma repulsão aos alimentos. Sua jovem esposa colocou-lhe, por acaso,
uma fatia de maçã na boca: ela estava descascando essas frutas. Ele a
comeu e sentiu tanto prazer que comeu apenas maçãs nos dias seguintes. A
partir daí curou-se pouco a pouco.
Esse acontecimento, em 1895, foi rapidamente esquecido, mas o jovem
Bircher prosseguiu na questão alimentar. No mesmo ano teve que cuidar de
um doente que sofria de graves males de estômago. Como falhavam todos
os remédios, ele voltou-se para um “naturalista”, que então estudava
medicina em Zurique, e que lhe aconselhou tentar o regime cru. E o
sucesso foi espantoso. O regime cru fez o efeito de um remédio. O doente
curou-se completamente em poucas semanas. Já explicamos num capítulo
precedente esse valor terapêutico do regime cru.
Bircher deu provas de grande presença de espírito ao seguir o conselho
desse naturista “profano”. Ele confessou: “eu me espantei... pois em toda a
ciência nutricional de 1895 não encontrei um único dado que pudesse me
explicar esta ação do regime cru... O doente se refez, ao contrário de tudo o
que eu pensava e sabia”.
Começaram então para Bircher anos de pesquisas sérias contadas por
seu filho Ralph, num belo livro: “Bircher-Benner, sua vida e sua obra”.
Finalmente ele foi obrigado a constatar que a medicina na sua época “não
sabia nada, por assim dizer, das relações entre a nutrição e a doença”.
PRIMEIRO ARGUMENTO: O DE M. BIRCHER BENNER
Bircher Benner encontrou-se em Dresden, Alemanha, com um pioneiro
da dietética de então, o Dr. Heinrich Lahmann. Este tinha fundado uma
casa de repouso numa pequena estação de cura, Weisszer-Hirsch. Aí ele
praticava, de uma maneira pouco convencional, uma espécie de
hidroterapia, baseada nas experiências de Priessnitz e de Kneipp, assim
como uma espécie de alimentação vegetariana. Esses reformadores
inspiravam-se principalmente nas pesquisas feitas por Bunge na Basiléia,
152
que era praticamente o único da sua época a ter reconhecido a importância
das substâncias minerais na alimentação humana. A riqueza dos vegetais
em minerais alcalinos era um dos argumentos de Lahmann a favor do
regime vegetariano. Isso era muito importante, mas não explicava os
efeitos do regime cru de Bircher-Benner. Foi então que esse último visitou
seu antigo professor em Berlim, Max Rubner, que o orientou para a teoria
da energia.
As leis da termodinâmica eram universalmente admitidas nessa época.
A primeira preposição da termodinâmica, a lei da conservação de energia,
segundo a qual caloria é utilizada como unidade de medida para todas as
formas de energia, não era discutida. Mas Bircher percebeu, no que
concerne à segunda proposição, que muitas questões permaneciam em
suspenso, pois ele percebia que o cálculo de calorias não fornecia resposta
exaustiva aos problemas energéticos ligados a alimentação. Eis o que,
muito mais tarde disse Pasqual Jordan: “O protesto levantado por BircherBenner contra essa doutrina das calorias alimentares é, bem entendido,
perfeitamente justo”. Mas acrescentava: “A segunda proposição
desempenha um papel essencial e deve ser levada em conta”. Esta
proposição anuncia, como se sabe, que a entropia do universo cresce sem
cessar e que em consequência toda a evolução cessará pela “morte do
calor”, o resfriamento da Terra. Esse postulado foi igualmente denominado
de “lei da desvalorização da energia”. Admitia-se que todos os fenômenos
da vida lhe eram sujeitos, igualmente os da nutrição. Segundo esta filosofia
a energia do sol, sendo a fonte de todos os processos energéticos de nosso
sistema solar, seria a que tem maior valor; o calor, pelo contrário, que
resulta da combustão das substâncias – portanto também de sua oxidação
no organismo vivo – seria a energia menos preciosa. Bircher deduziu que
quando se mede em calorias o “poder de combustão” dos alimentos, avaliase na realidade apenas seu valor mais baixo: segundo ela, os alimentos
estariam implicados numa queda de potencial: no início se encontra seu
mais elevado valor energético, que se exprime, por exemplo, em seu valor
químico. A alimentação consiste assim, em primeiro lugar, em trazer
“estruturas energéticas” de valores diferentes, os quais serão tanto mais
elevados quanto mais próximo da energia solar se encontra o alimento.
Nutrindo-nos com tais alimentos, agiríamos contra a entropia, ou seja,
contra a degradação e a morte. Daí a frase do físico W. V. Ostwald: “O que
nós comemos nas plantas é a energia solar”. Para Bircher-Benner isto foi
153
uma revelação. Ele pode deduzir que a alimentação que se deixa em estado
natural, crua, é a que mais se aproxima da energia solar (a forma superior
de energia), e que, por essa razão, tem o maior valor nutritivo. O alimento
cozido já perderia uma parte desse valor. Quanto ao alimento de
procedência animal, notadamente a carne, ela já teria sofrido uma
desvalorização maior, dado que o animal já gastou, para sua própria vida,
as energias recebidas. E ao cozinharmos a carne ocorre uma nova perda de
energia. Já o leite, que o animal não forma para si mesmo, mas para sua
prole, coloca-se numa categoria mais elevada, mais próxima da
alimentação de origem vegetal, sob a condição de ser consumido cru. No
outro extremo dessa corrente encontram-se os cogumelos, que como
saprófitos, entram, segundo esta teoria na mais baixa categoria dos valores
nutritivos.
A obra de Bircher Benner foi realmente espantosa para sua época. Era
sem dúvida o primeiro sistema coerente que se desligava dos entraves da
teoria das calorias e que tentava introduzir na ciência nutricional um
conceito racional de qualidade. Decênios mais tarde, o físico nuclear,
Erwin Schroedinger, prêmio Nobel, podia perguntar: “Que é então essa
preciosa qualquer coisa que está contida nos alimentos e que preservamos
da morte?” Sua resposta ia no mesmo sentido que a de Bircher Benner: “A
organização do vivo mantêm-se retirando ordem do mundo ao derredor”.
Ou seja, a ordem é o critério do organismo vivo, mas a ordem, a
organização, só podem provir da própria ordem, e não da “desordem”. Esta
é o sinônimo de morte. Foi assim que Bircher-Benner pode ser justificado
pelas teses de Schroedinger. Após ter sido excluído da ordem dos médicos
de Zurique, em 1900, sob a acusação de idéias não científicas, formulou
sua doutrina em 1903 em seu livro: “Fundamentos da Terapia Alimentar”,
publicada em uma segunda edição, ampliada, em 1905.
Existia já, nesta época, uma teoria científica do vegetarianismo, nascida
inteiramente do pensamento ocidental. Em nossos dias, espalhou-se
amplamente a idéia de que “o organismo humano não é um motor qualquer
que tem necessidade de muito mais que combustível”.
Pode-se perguntar porque, num livro de Mohler, o músculo é ainda
chamado de “uma máquina mecânico-física”, ainda que o autor acrescente
que o homem é incapaz, até o momento, de construir uma semelhante, e
porque se tem ainda o costume de chamar cada célula de nosso corpo “um
154
acumulador humano” pelo fato de que a acumulação de energia solar se faz
graças ao A.T.P. (adenosina trifosfato)... Segundo os biólogos modernos, a
célula emprega uma parte da energia para formar combinações altamente
energéticas, por exemplo, a glicose no fígado. Tanto quanto ela é capaz, ela
se opõe à entropia e à “morte do calor”, ao resfriamento da terra.
Deduz-se então dessas explicações que o organismo vivo combate a lei
física e não cessa de fazê-lo até a morte. A alimentação abole sem cessar as
necessidades físicas e a morte só sobrevém, em consequência, quando o
processo de nutrição se torna impossível, ou pelo menos tão diminuído que
o organismo não pode desenvolver forças suficientes contra as leis da
natureza.
AMPLIAÇÃO PELA CIÊNCIA ESPIRITUAL
“Concretamente a morte sobrevém no homem quando toda sua
organização interna torna-se tão física que mais nenhum processo completo
de nutrição pode ser desencadeado... O corpo não pode mais cumprir
plenamente a nutrição; ele se tornou muito físico para isso”. Assim, Rudolf
Steiner assinalou uma polaridade entre o corpo físico e a nutrição. O
alimento de origem vegetal nos serve então, em primeiro lugar, para lutar
contra a morte, pois, na realidade, ele não traz a morte em si.
Para construir seu organismo e edificar seu corpo a partir de substâncias
inorgânicas, a planta tem necessidade da luz solar. Ela é “a força
maravilhosa sem a qual a planta não poderia se realizar”.
Rudolf Steiner mostra claramente que, com a ajuda da luz solar, a planta
constrói seu “corpo de vida”, seu “corpo de forças formativas”, esta parte
constitutiva de todo ser vivo que deve sua origem às forças que se irradiam
da periferia. “Ao entrar nos reinos vivos a matéria deve se subtrair às forças
que emanam dela e se subordinar às forças que irradiam para ela”. Mas a
fisiologia revela, já que o homem e o animal trazem em si um processo
oposto ao da planta, o vegetal aspira o gás carbônico e constrói seu corpo
graças às forças solares. O homem e o animal expelem esse gás carbônico e
aspiram o oxigênio liberado pelas plantas, ou seja, os seres providos de
alma fazem o contrário da planta.
155
Na nutrição vimos também que o homem é obrigado a decompor e a
destruir aquilo que a planta edificou. A animização não é o prolongamento
da vitalização. Ela repele as forças vitais, trabalha contra elas. Pode-se
então compreender que as qualidades psíquicas, as forças da consciência,
nascem de maneira diferente das forças vitais, afluem com a luz exterior do
sol. Rudolf Steiner deu uma concepção coerente, ao reconhecer que o corpo
astral (alma) do homem é uma “luz interna, uma luz de ordem espiritual”, e
que permanece invisível aos olhos físicos. Nesse sentido, o corpo físico do
homem é um “corpo espiritual de luz”, isto é, uma espécie de negativo da
luz exterior do sol: “A luz interna (o corpo astral) inaugura as destruições
parciais que provocam a consciência e toda a vida psíquica”. O sistema
nervoso é o portador dessas forças psíquicas e é com a ajuda do sistema
nervoso que o corpo astral repele os processos vitais, trabalha em seu
contrário. Isso é ilustrado pela fisiologia das células nervosas, que perdem
todas as suas forças formativas, isto é, cessam de se multiplicar desde os
primeiros anos de vida humana.
Dessa maneira, o mundo vegetal, que deve a sua vida às forças
exteriores do Sol, opõe-se aos reinos animal e humano, que constroem o
corpo astral a partir das forças interiores do sol. Esta noção fornece
critérios objetivos para a alimentação humana: “Quando o homem retira
sua nutrição do reino animal, o processo de integração já está realizado.
Pelo contrário, se ele se alimenta de plantas, realiza em si mesmo, com
todo o frescor e virgindade, o processo de integração”.
O animal gasta em si mesmo as forças que a planta consumida utilizou
na edificação de seu próprio corpo etéreo; o animal as emprega na
edificação de seu sistema nervoso e para o desenvolvimento de suas forças
psíquicas. Poderia parecer assim que o alimento de origem animal fornece
ao homem uma grande ajuda. Mas isso não é totalmente verdadeiro. É
muito mais importante para o homem “desenvolver ele mesmo essa força”
do que ser dispensado desse trabalho. Esse princípio alimentar é
fundamental.
Todos podem ter experiências nesse sentido, pela observação. Toda
força que não é utilizada paralisa-se e se enfraquece. Quer seja um
músculo, que não podendo mais se mover, atrofia-se, quer seja um órgão
digestivo não estimulado suficientemente, ou ainda uma faculdade psíquica
deixada de lado, o resultado é sempre um enfraquecimento, jamais um
156
reforço. Ao que Bunge já havia dito: “É na atividade que reside o segredo
da vida”, Rudolf Steiner acrescenta: “Quando o homem desenvolve esta
força, torna-se ele mesmo uma entidade autônoma”. Resulta daí que não é a
quantidade de matéria absorvida que importa, mas sim as forças que ele
desperta e sua qualidade.
Essas afirmações já haviam sido enunciadas por Rudolf Steiner em sua
conferência pública de 15 de dezembro de 1908. Observa-se certo
paralelismo com as opiniões de Biercher-Benner, mas esses dois
pensadores chegaram ao mesmo resultado por caminhos totalmente
diferentes.
Rudolf Steiner insistiu sobre a “forte resistência” que o alimento de
origem vegetal opõe ao homem. Ele anunciou a sentença geral de que o
homem “deve desenvolver forças ainda maiores quando grandes forças se
opõem a ele.”
Alimentar-se exclusivamente de vegetais é tomar a seu cargo todo o
processo que o animal nos pouparia, dado que ele já conduziu bastante
longe a metamorfose de suas próprias substâncias. Uma alimentação cárnea
impede o desenvolvimento de certas forças. Reproduzimos aqui nosso
esquema do capítulo III:
ANIMAL
HOMEM
VEGETAL
MINERAL
Já havíamos dito que os alimentos têm que percorrer um caminho mais
ou menos longo para se identificarem e se integrarem ao homem. É por isso
que o homem atual pode suportar apenas pequenas quantidades de
minerais, a menos que sejam “vegetabilizados”: a planta lhe traz minerais
já transmutados.
Mas o homem atual tem forças suficientes para o regime vegetariano?
Pode mobilizá-las o suficiente? Não terá se tornado inapto para esse
trabalho? Em qualquer caso, um regime “misto” lhe conviria melhor.
157
PONTOS DE VISTA DA FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO
Em sua “fisiologia do comportamento nutricional”, o professor H.
Glatzel escreve: “Outros fatores, além da tomada de alimento, participaram
na formação da mandíbula humana”. Ele constatou que essa mandíbula não
se assemelha nem à dos carnívoros nem à dos herbívoros. Ela apresenta um
caráter particular, humano. “Nossa mandíbula torna-nos aptos a viver
essencialmente de vegetais, mas também, essencialmente, de carne
animal”. Se admitirmos essa tese, ela significa que o homem, fisiológica e
anatomicamente, tem a liberdade de escolher ele mesmo entre os dois
regimes. Já o animal é condicionado, desde o princípio, pela forma de sua
mandíbula. O homem seria então capaz de transformar e adaptar seus
órgãos internos até seu intestino. Objeta-se muito frequentemente que o
homem não tem uma organização digestiva conveniente ao regime
puramente vegetariano. Glatzel escreveu: “O intestino humano é mais curto
que o dos animais herbívoros, mas mais comprido que o dos carnívoros”.
Seria certamente mais simples deduzir disso que o homem é onívoro. Aí
também Glatzel reconhece no homem “seu poder extraordinário de
adaptação a diferentes formas de alimentação”. Isso significa que o homem
tem a possibilidade de romper com as severas dificuldades que pesam sobre
o animal em matéria alimentar e de criar seu próprio modo de alimentação,
em função de seu nível de evolução, de sua constituição, de sua raça, de seu
povo e, em última análise, de sua individualidade.
No que concerne ao comprimento do intestino, Thomas escreve: “as
perturbações digestivas observadas quando se renuncia aos alimentos crus e
fibrosos poderiam ser explicadas como conseqüência de uma
degeneração”; a ausência da flora intestinal correspondente parece resultar
da “falta de uso”.
Por sua vez, Rudolf Steiner declarou que um intestino muito curto para
digerir as plantas nada prova, e que o homem é capaz de transformá-lo pela
educação e pela auto-educação, mesmo que sejam necessárias muitas
gerações.
QUAL REGIME ESCOLHER?
158
A questão “regime vegetariano ou misto” não representa de modo algum
um dilema. O problema se coloca num outro plano. Segundo Rudolf
Steiner, de acordo com as hipóteses de Thomas, o homem possui as
faculdades necessárias para ser vegetariano. “As forças estão aí para essa
vitória sobre o elemento vegetal”. Se não são despertadas, ou se são
insuficientemente utilizadas, elas se atrofiam, regridem, retornam de
alguma forma ao organismo, o que leva à fadiga e a diversos problemas.
No último ano de sua vida, Rudolf Steiner disse que, sem o regime
vegetariano, ele mesmo não poderia jamais sobrepujar as fadigas e os
esforços a que se tinham imposto durante os últimos 24 anos. Pode-se
deduzir desta confidência pessoal que ele se tinha decidido por esse modo
de alimentação em 1900, ou seja, no início de seu apostolado de
investigação espiritual. Dizia também: “Quando se pode passar sem carne,
sente-se mais forte do que antes”. Entretanto ele ressalta bem: “Quando se
pode” - o que levanta um outro problema.
Ele sempre aconselhou fazer tentativas prudentes para se saber se as
pessoas realmente poderiam viver sem carne. Isto pressupunha que as
pessoas em questão eram capazes de formar sobre esse ponto um
julgamento compatível com a realidade. A experiência mostra que neste
domínio existem todas as espécies de riscos de ilusões, e mesmo um
homem que julgue muito objetivamente pode sucumbir ao erro.
Rudolf Steiner indicou, ele mesmo, alguns critérios. A hereditariedade,
por exemplo, pode desempenhar um papel. “Existem pessoas que, devido a
sua hereditariedade, não podem desenvolver forças suficientes para uma
alimentação puramente vegetariana”. No campo, há apenas alguns
decênios, raramente comia-se carne. Bircher-Benner contou que com seus
ancestrais camponeses, e isso durante séculos, a carne tinha um papel dos
mais restritos. Era o alimento dos dias de festa. Rudolf Steiner disse o
mesmo a propósito de sua região natal. Já, por outro lado, prevalecia nas
cidades, desde o século 19, a “cozinha burguesa”, com seu assado
tradicional. Entretanto, nesse tempo, os meios operários eram muito pobres
para se oferecerem carne. Como conseqüência, as disposições hereditárias
de uns e de outros são muito diferentes, no que se refere à necessidade da
carne.
159
O ASPECTO PEDAGÓGICO
A educação recebida pelas crianças é também importante, e o exemplo
dado pelos pais e educadores desempenha um papel decisivo. As crianças
de menos de 7 anos querem imitar seus acompanhantes. Elas vivem na
imitação. Nossas simpatias e antipatias frente e certos alimentos formam-se
já a partir de experiências feitas nessa época. A tarefa da educação é de
desenvolver os instintos alimentares sadios que a criança traz consigo ao
nascer. Rudolf Steiner disse um dia: “Quando a criança tem gula por
açúcar, não é para se alimentar, é por causa de seu sabor açucarado”. Tudo
depende da maneira como se satisfaz na criança sua legitima necessidade
de açúcar. Existem, nesse ponto, regras importantes quase que totalmente
ignoradas, assim como grandes ocasiões de pecar por erro ou por omissão.
Esse assunto será tomado em nosso capítulo sobre a alimentação nas
diferentes faixas etárias.
As simpatias e as antipatias desempenham um papel importante nesse
assunto; elas podem provir do próprio organismo. Dessa maneira, muitas
pessoas preferem carne, ao invés de legumes, já que têm relações de
simpatia com a astralidade dos animais. Sentem-se fortificadas e satisfeitas
pela ingestão da carne. Isso é absolutamente real. Rudolf Steiner dizia:
“Isto provoca no adulto a volúpia exatamente como os doces na criança...
Se come carne, é principalmente porque o corpo ama a carne”.
Se o organismo se habituou ao regime cárneo desde a infância, será
muito difícil de desabituá-lo. Também sob esse aspecto o poder do hábito é
considerável, e geralmente desconhecido. Entretanto existem atualmente
cada vez mais pessoas que procuram ver mais claramente seus desejos
inconscientes. Os jovens do nosso tempo recusam-se geralmente, e com
razão, ao perpetuar de usos tradicionais: eles querem criar um novo estilo
de vida e procuram conhecimentos que justifiquem seus atos. Eles chegam
assim muitas vezes a se desfazer de velhos hábitos que não lhes dizem
nada. Infelizmente, esses mesmo jovens caem frequentemente em
armadilhas, pois seu julgamento ainda não se encontra suficientemente
maduro. Vemos aqui como a questão da alimentação tornou-se hoje em dia
um problema de conhecimento e de consciência.
160
RESULTADOS DA PESQUISA CIENTÍFICA
Lancemos um olhar sobre as concepções atuais da ciência nutricional
moderna a esse respeito.
Eis os argumentos de Paul Glatzel, um dos cientistas mais
representativos desse ramo. “A produção de proteínas e gorduras animais
exige um enorme uso de vegetais nutritivos. O animal de açougue gasta
para seu próprio uso a maior parte da energia consumida”. Conta-se em
média um gasto de 7 kg de proteínas vegetais e fim de se obter 1 kg de
proteínas animais. Em outros termos: “Do ponto de vista energético, a
produção de proteínas animais é um procedimento extremamente
irracional.” Esta constatação certamente é de grande importância
econômica, mas também acarreta outras noções sobre o que despende o
animal para formar e nutrir seu sistema nervoso. De fato a “caloria animal”,
como é chamada, é em média três vezes mais cara do que a “caloria
vegetal”. Outras pesquisas fornecem resultados ainda mais decisivos a
favor da alimentação vegetariana. Para Pirie, o coeficiente é apenas 10%, o
que significa que se recebe 10 vezes mais calorias na alimentação vegetal.
Dito isso, não nos esquecemos do que o cálculo das calorias é um critério
pouco válido para nossa nutrição: ele negligencia totalmente o valor
qualitativo. Mas é aí justamente que se acusa o alimento de origem vegetal
de ser deficiente, comparativamente ao alimento cárneo. Glatzel escreveu,
por exemplo, que as proteínas das plantas têm menos valor nutritivo e que
o regime vegetariano nos obriga a consumir, para cobrir nossa necessidade
em proteínas, “quantidade de alimentos vegetais que ultrapassam a
capacidade de nosso sistema digestivo”. Esta dedução, entretanto, é falsa.
Primeiro, ela repousa numa estimativa exagerada e muito controvertida de
nossas reais necessidades protéicas e, segundo, o fato reconhecido de que
atualmente a maior parte da população mundial ainda de alimenta
principalmente de plantas, demonstra que esse modo de alimentação pode
ser plenamente satisfatório, se ele não é desnaturado e desvalorizado. Eis as
cifras de F.A.O. ( Food Alimentation Office), em 1960:
161
Alimentos de origem
animal
Alimentos de origem
vegetal
América e Austrália
1
1
Europa e Rússia
1
2 2/2
Extremo – Oriente
1
9½
África
1
10
Países subdesenvolvidos
Se a fome reina atualmente no mundo, isto não é de maneira alguma
por causa dessas proporções entre os dois tipos de alimento. Aqui intervém
frequentemente um terceiro alimento: a qualidade deficiente da
alimentação, as conseqüências de métodos culturais pretensamente
modernos – na realidade desvalorizados e já ultrapassados - , a
desnaturação do alimento e a ausência de qualquer critério real e
reconhecido para julgar um alimento.
Já se começou a falar de um “valor biológico de albumina”, que não
tem nada a ver com o seu valor em “calorias”. Parte-se, entretanto, da
albumina das bactérias, pois é a que mais se parece com a do homem pela
seqüência de seus aminoácidos. Isso mostra já a insuficiência de tal critério.
De uma maneira mais realista, experimentou-se em animais de laboratório
que “as misturas de proteínas são, em todo caso, melhor assimiladas que
uma proteína pura, por mais rica que ela seja”. Ainda mais concreta é a
opinião do professor Fleisch, segundo o qual “é um fato experimental:
quando diminui o aporte de albumina, diminui igualmente a quantidade de
calorias consumidas... As propriedades estimulantes da albumina das
carnes incitam a superestimá-las, acrescentando um consumo excessivo que
é injustificado e provavelmente prejudicial, pois traz combustões
supérfluas. Deve haver na carne outros efeitos excitantes das proteínas
animais, além de outras causas estimulantes ainda desconhecidas”. Isto é o
que Rudolf Steiner já nos havia dito: “Se come carne, isto se deve
principalmente a que o corpo gosta de carne”.
162
Há outro argumento, raramente mencionado: o aumento das
capacidades devido ao regime vegetariano. Os testemunhos históricos são
interessantes. Heródoto escreveu que os povos comedores de cereais “são
muito mais avançados, quanto às artes, às ciências, à demografia, à cultura
física e espiritual, do que os povos que vivem da guerra, da caça, da
pecuária e da pesca”.
Eis aí, realmente, um critério de superioridade do homem; mas isso não
há uma razão para pensar que esta superioridade cultural esteja ligada a
fraqueza física. Glatzel não é muito objetivo quando fala da “menor
vitalidade dos vegetarianos”, ou quando afirma que “nos países
subdesenvolvidos os homens vivem essencialmente de vegetais, sendo
pouco capazes de grandes performances físicas e intelectuais”. Ele se
utiliza aqui de um critério totalmente falso, ditado por um modo
ultrapassado de pensar. Não se pode negar, certamente, que nos países ditos
“em vias de desenvolvimento”, as condições alimentares sejam atualmente
muito decadentes e que, sob a influência da sociedade de consumo, esses
povos sejam profundamente lesados em suas verdadeiras tendências
evolutivas. Essas questões nos ocuparão mais adiante, juntamente com o
valor da própria albumina e com a alimentação mundial.
Aqui diremos apenas que não se deveria negligenciar mais os
testemunhos trazidos pelo reino animal, relativamente às forças e às
faculdades que conferem os regimes herbívoro e carnívoro.
Sabe-se que muitos animais, como o cavalo, o gorila e o camelo,
alimentam-se exclusivamente de plantas, e são então vegetarianos puros. E,
entretanto, ninguém jamais colocou em dúvida suas extraordinárias
capacidades de desempenho corporal. Até mesmo um animal gigantesco,
como a baleia que possui forças incalculáveis, alimenta-se de vegetais.
Descrevendo o elefante, Herder o chama “o rei dos animais pela sua
sabedoria pacífica e pela pureza compreensiva dos seus sentidos”. É
continua: “Já o leão é outro tipo de rei dos animais. A natureza visou nele
apenas os músculos, não a doçura ou a compreensão”.
OS DADOS DA CIÊNCIA ESPIRITUAL MODERNA
163
Rudolf Steiner, em sua conferência de 17 de dezembro de 1908 fala da
importância específica que a nutrição vegetal tem para o sistema nervoso.
Diz ele que o homem é convidado “a desenvolver em si mesmo as forças
que penetram seu sistema nervoso”. E é o que faz quando se alimenta de
plantas. Mas isso vai muito mais longe. A alimentação é um problema que
diz respeito ao homem inteiro, tanto à sua entidade anímico-espiritual
quanto ao seu ser corporal. O sistema nervoso é o instrumento de sua alma
e de seu espírito. Por “sistema nervoso” entende-se não somente o cérebro,
mas também a medula, os gânglios, etc.
Ora, uma alimentação de origem vegetal coloca o homem em relação
com forças cósmicas não utilizadas, virgens, e dessa maneira ele se torna
“muito mais sensível” a todas as impressões e experiências espirituais que
o sistema nervoso lhe transmite. Nada então perturba esse sistema nervoso.
O homem deve, pois a essa alimentação uma “faculdade de ver mais alto e
mais largamente as grandes correspondências das coisas, o que o eleva
acima dos estreitos limites de sua existência pessoal...” Tal alegação, bem
como as seguintes, só pode ser compreendida por um espírito livre de todo
preconceito, o que atualmente é raro e difícil de exigir. Para evitar mal
entendido citaremos tão literalmente quanto possível esta passagem da
referida conferência: “Em todo o lugar onde o homem se eleva às grandes
percepções da existência, onde se libera das correntes de uma tradição
coletiva, onde regula sua vida e sua existência a partir de pontos de vista
livres e vastos, ele deve esta rapidez do pensamento e da visão à sua
alimentação vegetariana”. Estas palavras, pronunciadas em 1908, não
foram escutadas, senão elas poderiam ter marcado uma reviravolta na
história da cultura ocidental. Foi nesse mesmo momento, como já vimos,
que Bircher-Benner entrou com suas dietéticas percebendo por toda a parte
tentativas de “reforma de vida”, num sentido mais espiritualista: no
“movimento dos jovens”, na Arte e, enfim no movimento antroposófico.
Foi a época na qual o grande poeta Cristian Morgenstern se orientou nesse
sentido e declarou que o número de vegetarianos aumentaria
desmesuradamente, se o homem culto fosse obrigado a abater ele próprio
os animais dos quais ele quer consumir a carne. Albert Steffen, cuja arte
magistral seu à Antroposofia seus frutos mais ricos, já se havia convertido
ao vegetarianismo nessa época tão vibrante de esperanças.
164
Rudolf Steiner acrescentava: “Quando o homem forma seus
julgamentos a partir da cólera, do egoísmo, das simpatias e antipatias que
tudo alteram e mostram tudo sob uma luz estreitamente limitada, quando
ele se arrasta de preconceito em preconceito... ele o deve às suas relações
com o mundo animal do qual se alimenta”.
Tais palavras praticamente não tinham sido pronunciadas em nosso
mundo moderno; quando isso foi feito por aquele que escreveu “A filosofia
da Liberdade”, isso lhe dá mais peso. “Pois o homem é livre na medida em
que é capaz, a todo instante de sua vida, de obedecer somente a si mesmo”.
Somente então ele pode dizer de si mesmo: “Não sinto nenhuma obrigação,
nem a obrigação da natureza nem a de um preceito moral; quero
simplesmente cumprir o que está em mim”.
ASPECTOS DA ALIMENTAÇÃO CÁRNEA
A esse respeito Rudolf Steiner declarava abertamente que ninguém
deveria deduzir de suas palavras que ele fazia “propaganda” para o
vegetarianismo. Isto estaria em contradição com a atitude espiritual de um
homem livre que incita à liberdade. Mas ele diz, “o progresso do homem”
virá na medida em que a alimentação de origem vegetal tomar um lugar
cada vez maior. Para isso não há necessidade de propaganda, pois a coisa
se fará por si. Por outro lado, a evolução do homem para a personalidade
tinha-se ligado ao fato de que ele por muito tempo alimentou-se à custa do
reino animal. A alimentação cárnea lhe dá a “firmeza de seu
estabelecimento sobre a Terra” e a força de desenvolver sua vida pessoal. A
esse respeito Rudolf Steiner lembra a opinião de Heródoto, já citada
anteriormente. E acrescenta: “Em nossa humanidade há povos que fazem a
guerra, que se queimam uns contra os outros em cólera, ódio e paixões
sensuais”. Estes povos retiram sua força da alimentação de origem animal.
Mas eles adquiriram ao mesmo tempo, “a bravura, a coragem e a audácia”.
Outros povos, que se voltaram de preferência para interesses espirituais,
tinham o costume de se alimentar de plantas. No futuro, “se se abusar do
alimento de origem animal, perder-se á todo o interesse pelo mundo
espiritual”. Ora, atualmente o consumo de carne está em franca ascensão
em nosso país (Alemanha). Basta apenas sublinhar as conseqüências.
165
EIS ALGUMAS CIFRAS:
Em 1850 em torno de 18 kg, por pessoa ano;
Em 1870 em torno de 28 kg, por pessoa ano;
Em 1900 em torno de 48 kg, por pessoa ano;
Em 1958 em torno de 58 kg, por pessoa ano;
Em 1970 em torno de 68 kg, por pessoa ano.
Foi com essa razão que Bircher-Benner escreveu: “Existe um certo
apetite mórbido para a carne, comparável à toxicomania, e ela é muito
espalhada atualmente”.
O que significa essa evolução do ponto de vista da saúde?
Responderemos brevemente agora, citando o professor Schipperges, de
Heidelberg, que conclui “que em face da crescente avalanche de doença da
civilização, somente uma rápida e enérgica mudança em nossos hábitos de
vida e da alimentação ainda poderia nos salvar”.
Num outro ciclo de conferência, Rudolf Steiner ressaltou o caráter
especificamente terrestre da alimentação cárnea, que “acorrenta os homens
especialmente à Terra”. Ao contrário, diz ele, o alimento de origem vegetal,
ele anima outras forças no homem, colocando-o em relação cósmica “com
todo o sistema planetário”. A “leveza” do organismo alimentado de plantas
“eleva-o acima da gravidade terrestre”
Entretanto, para nossa surpresa, ele nos disse igualmente que a maioria
das pessoas “são incapazes de realizar o vegetarianismo total”, porque sua
hereditariedade e outras causas não lhes permitem desenvolver forças
suficientes para poderem levar adiante tal exigência fisiológica. Assim
devemos deduzir que, mesmo atualmente, apenas uma parte relativamente
mínima da humanidade será capaz de praticar o verdadeiro vegetarianismo.
É preciso ressaltar que a maior parte das populações do Extremo-Oriente,
possui ainda sem dúvida, a hereditariedade necessária, ainda que suas
condições de vida se transformem rapidamente. As estatísticas são
instrutivas. Por exemplo, a ração quotidiana média do Hindu é somente de
2 gramas de carne; a do Suíço é de 194 gramas. Outra estatística mostra
que em 1960/61 o consume médio de carne nos EUA foi de 85 kg por
166
pessoa/ano; na Alemanha Ocidental, de 60,8 kg; na Suíça, de 59,4 kg; na
Itália, de 29,6 kg; na Espanha, de 20,8 kg; contra 730 gramas na Índia!
A questão se coloca: qual é a situação no Ocidente? As condições
hereditárias pioram cada vez mais, devido ao contínuo super-consumo de
carne. Por outro lado, será que o número de pessoas capazes de sacudir os
entraves da hereditariedade não aumenta constantemente? Cada um de nós
já pode se analisar a esse respeito e deve terminar por reconhecer que
atualmente ele não faz parte ainda daqueles que podem contribuir, pela
reforma alimentar, para o “progresso do homem”.
Existe um argumento de peso contra o vegetarianismo, que é afirmado
pela ciência nutricional e que não manteremos em silêncio. A vitamina B12
que não pode ser elaborada pelas plantas só nasce no organismo animal ou
humano. Essa substância intervém nos processos da gênese do sangue e sua
insuficiência pode acarretar a anemia perniciosa. Essa substância chama-se
atualmente cobalamina. Glatzel declara: “O nível de vitamina B12 no
sangue é muito baixo nos vegetarianos”. Outras comunicações falam da
anemia perniciosa. Entretanto, o mesmo autor declara: Sinais clínicos de
carência de vitamina B12, no sentido de uma anemia megaloblástica... não
parece surgir nos vegetarianos... “Citemos também a observação de A.Iklé
na revista “Praxis”: É útil saber que 100grs de salsa contém 60 mg de
vitamina B12, cuja necessidade quotidiana durante a gestação foi avaliada
em 30 mg por dia. Vê-se assim que a alimentação vegetariana é
absolutamente capaz de ativar o organismo e de fazê-lo produzir a
substância necessária, por meio da flora intestinal, protegendo-o assim
contra a doença.
O LEITE E SEUS DERIVADOS
A cobalamina (vitamina B12) encontra-se também num alimento sobre
o qual nos deteremos agora um pouco: o leite. Falaremos detalhadamente
sobre ele e seus derivados no segundo volume. Aqui iremos ver unicamente
qual caráter a ciência espiritual reconhece no leite.
Depois de muito tempo a cozinha vegetariana admite o leite e seus
derivados; fala-se então de um regime “lacto-vegetariano”. Ainda que o
leite seja considerado como um produto animal nos tratados de dietética, os
167
vegetarianos têm-no admitido sem protesto. O leite e seus derivados
representam uma admirável transformação do alimento vegetal do
herbívoro, com proteínas de grande valor. Em realidade o leite é uma
substância única em seu gênero e que não se pode simplesmente qualificar
de animal.
Basta compararmos o leite e o sangue para o percebermos. O sangue é
inteiramente formado no interior do organismo e se coloca inteiramente ao
seu serviço. Já o leite, se bem que ligado ao sangue que é sua fonte, formase nas mamas situadas na periferia do corpo, como se aí nascesse e como se
fosse sua criação própria. A albumina típica do leite, a caseína, e seu
açúcar, a lactose, são criações originais que não se encontram em nenhum
outro local do organismo. Dessa maneira, o leite se emancipa de alguma
forma no sangue. Ainda tudo mostra que as direções desses dois líquidos
estão em polaridade. O leite não é formado para beneficio do corpo, que o
secreta e o lança para o exterior. O sangue, assim que surge na superfície
do corpo, coagula-se logo por se fechar ao mundo exterior: o leite não
possui essa propriedade. Pelo contrário, deve deixar o corpo tão logo é
formado. Diríamos que o leite é inteiramente organizado no sentido “para
fora”, e o sangue no sentido “para dentro”. O leite se libera das forças
interiorizantes especificamente animais (astralidade) e se sujeita
unicamente ás forças vitais puras que, como se sabe, predominam na
planta.
Rudolf Steiner referiu-se ao sangue e ao leite em seu primeiro Curso
Médico (1920). Ele sublinhou que o gênese do sangue “encontra-se muito
longe, nas regiões escondidas do organismo”, enquanto que a secreção
láctea tende acima de tudo para a superfície”. Nesse sentido, o sangue é
parente do homem central, interno, do processo de individualização. O leite
pelo contrário, é mais próximo do cosmos extra-humano ou mesmo extraterrestre. Podemos então, com a condição de que se nos compreenda bem,
aproximar o sangue da alimentação cozida e o leite da alimentação crua. O
leite cru, na alimentação, reveste-se de outra qualidade que o leite fervido,
a quem o processo térmico conferiu mais interioridade, se assim o podemos
dizer. A verdadeira alimentação láctea é o leite cru, como acentuou Bircher
-Benner.
Aqui é preciso ainda lembrar como Rudolf Steiner após ter
caracterizado o leite e o sangue como acabamos de ver expôs a polaridade
168
que opõe o organismo feminino ao organismo masculino. Pode-se estudar o
organismo feminino “na sua dependência em relação às forças cósmicas,
periféricas, formativas”, e o organismo masculino “na sua dependência em
relação às forças dissolventes, telúricas”. Ora, na humanidade atual e nos
mamíferos, a lactação é tipicamente reservada ao organismo feminino, em
relação com as forças reprodutivas. A princípio a lactação é esboçada em
ambos os sexos, mas dela se desenvolve normalmente apenas no sexo
feminino. Também aí o leite se mostra aparentado às forças de fora: é um
processo de regressão do psíquico para o vegetativo.
Sobre esse tema Rudolf Steiner exprimiu-se ainda mais ampla e
concretamente em 1909: “O leite é algo que exprime apenas debilmente o
processo animal. O leite é um produto animal apenas pela metade; ele não
deixou participar em sua natureza a força astral do animal nem do homem”.
Considera-se, por um lado, o leite materno, e por outro, a astralidade da
qual a planta tem a nostalgia e que plana sobre ela, o olhar de investigador
espiritual encontra, senão uma semelhança total, pelo menos um
extraordinário parentesco entre a astralidade que brota da mãe, ao mesmo
tempo que seu leite, e a que desce do cosmos para planar a flor.
É assim, concretamente, que a lactação escapa à interiorização e
conclui numa corrente de forças formativas; essa corrente não tem mais a
alma em si, mas a recebe de alguma forma de fora, da periferia. E é assim
que o leite adquire um parentesco próximo à gênese das flores e frutos no
mundo vegetal.
As flores e os frutos são “coletores de astralidade”, eles se elevam
acima do vegetal puro por suas cores, pela formação de volumes, e
prefiguram algo no processo animal. O leite, porém, renuncia a isso de
alguma forma e afirma seu íntimo parentesco com os valores puramente
vegetais. Tal investigação supra-sensível chega então à conclusão de que o
leite e seus derivados podem legitimamente figurar ao lado dos alimentos
vegetais e que o regime lacto-vegetariano não é um regime misto (isto é,
vegetal e animal), mas pode ser perfeitamente qualificado de “regime
vegetariano ampliado”.
Inversamente, deveremos estabelecer que plantas, tais como as
leguminosas e os cogumelos, aproximam-se já do metabolismo animal e
que elas tomam um lugar à parte no regime vegetariano. Desenvolveremos
169
mais adiante esse tema. Agora nós encontramos aqui uma transição para o
capítulo X que vai tratar da relação entre a alimentação e a vida espiritual.
-x–
CAPÍTULO X
ALIMENTAÇÃO E VIDA ESPIRITUAL - UM POUCO DE HISTÓRIA
170
Já mencionamos uma opinião do historiador grego, Heródoto, que
reconhecia uma ligação entra a alimentação do homem e sua vida
espiritual. Declarava que os povos consumidores de cereais são muito
avançados quanto às artes, às ciências e à cultura espiritual, em relação aos
povos que se alimentavam basicamente de carne; isto é reconhecer uma
ação, pelo menos indireta, da nutrição sobre a vida do espírito. Por outro
lado, S.Bommer, em “Os dons de Deméter”, estuda a época da decadência
romana e nos informa que em tempos de “crescente confusão política,
cresce imensamente o desejo de prazeres materiais”. É um fenômeno que
se encontra ao longo de toda a evolução histórica da humanidade. Já as
regras e máximas alimentares emanadas das escolas de filosofia, antigas ou
orientais e, principalmente, as dos Mistérios, estabeleceram uma ligação
entre a alimentação quotidiana e sua influência sobre a vida espiritual.
A ciência espiritual moderna redescobriu tais relações e muitas
exposições da presente obra já ressaltaram as ações recíprocas que existem
entre o espírito e o corpo. Tentaremos resumir neste capítulo os diversos
aspectos desse problema, tratando-os sob pontos de vista especiais. Qual é
o significado da alimentação no que concerne ao desenvolvimento
espiritual do homem? Esta pergunta não é nova; pode-se mesmo dizer que
era tomada muito mais a sério nos tempos antigos do que hoje. As formas
de nutrição eram fixadas pelos sábios, pelos iniciados. Quem quer que
seguisse uma disciplina espiritual deveria obedecer a regras bem estritas.
Parece mesmo que as substâncias desempenhavam um papel ativo na
obtenção de faculdades superiores. E os povos que dirigiam tais centros
espirituais, que eram frequentemente também os centros do poder,
recebiam preceitos quanto à sua nutrição. Não era por acaso que tal povo se
tornava comedor de cereais ou caçador. Os guias espirituais dessas antigas
tribos e comunidades sabiam exatamente o que eles queriam e podiam fazer
espiritualmente; sabiam quais eram as tarefas e missões desses grupos
humanos; sabiam também quais alimentos lhes eram convenientes. Assim,
não foi por acaso que os povos civilizados do Oriente desenvolveram a
cultura do arroz, enquanto que a do milho ocupou o primeiro lugar nas
civilizações pré-colombianas da América e que a batata nos tenha vindo do
Oeste e a soja do Leste. Tocamos aqui na história da alimentação. Mas
constata-se também que as antigas correspondências entre a alimentação e
a vida espiritual se perderam, desapareceram mais ou menos
completamente.
171
Temos a nossa disposição, atualmente, todos os gêneros alimentícios
que a terra pode produzir. Não podemos nos privar do que talvez nos faça
mal e não podemos mais nos impor o que nos conviria. Nesse sentido o
homem deixou a coletividade, e o que ainda age sob forma de tradição, por
vezes potentes, certamente desaparecerá nos séculos vindouros, pelo menos
nos povos civilizados. A “cozinha vienense” desaparecerá, bem como a
“cozinha francesa”. O homem tornou-se livre; ele quer escolher livremente
o que come e o que bebe. Para isso, porém, ele tem a necessidade de
possuir um novo grau de consciência, o que não cessamos de repetir.
Essa evolução não resulta unicamente do progresso técnico. Certamente
que esse favoreceu, mas poder-se-ia dizer, inversamente, que foi a evolução
espiritual da humanidade moderna que tornou possível a técnica,
colocando-a a serviço das tarefas e missões adaptadas à época presente:
Criar na humanidade uma consciência planetária que seja ao mesmo tempo
uma nova consciência do problema alimentar, com métodos de nutrição
próprios ao espírito, mas individualizados.
É verdade que isso seria menosprezar o problema técnico da
alimentação. Foi a técnica moderna que modelou nossa alimentação e lhe
impôs normas absolutamente novas. Mas no quadro desse capítulo,
pesquisaremos unicamente a correspondência da alimentação com a vida
do espírito.
PONTOS DE VISTA DA CIÊNCIA MODERNA - O PAPEL DO
FOSFÓRO
Foi uma grande surpresa para a ciência quando se descobriu que o
trabalho do espírito não ocasiona nenhum gasto mensurável de energia.
Para pensar nós não temos necessidade de calorias! Este fato é,
indubitavelmente, de grande importância. Ele implica em que a atividade
do nosso espírito é mais ou menos independente do metabolismo, do corpo
em geral. O balanço metabólico não é modificado de modo algum, nem
positiva nem negativamente, por nosso trabalho de espírito. Assim, um
esforço intelectual não provoca nenhum gasto, nenhuma destruição.
Entretanto, há outra constatação da ciência moderna: o cérebro, na medida
172
em que funciona como instrumento do pensamento, desenvolve um
metabolismo particularmente intenso e tem mesmo o mais alto
metabolismo de todos os órgãos. Este metabolismo, porém, acontecem sem
descontinuidades, ainda que com oscilações periódicas (o que nós veremos
mais adiante). O cérebro é então “diminuído” em seu desempenho, em caso
de nutrição carente ou nula. Já, pelo contrário, é evidente que não existe
“alimentação que torne inteligente” (Mohler), ainda que se tenha tido
algumas esperanças nesse sentido, logo frustradas. Dada a constituição do
homem atual, tal ação direta da substância sobre a vida do espírito não é
possível. Ainda aqui o homem se tornou livre. Mas neste domínio, os malentendidos são freqüentes e os erros muitos fáceis.
Os métodos que se emprega para a investigação desse problema são
bem insuficientes. Surgiu assim um artigo: “A nutrição influencia a
evolução espiritual das crianças?” (na revista “Ernaehrungs – Umschau”,
(Frankfurt, 8/74). Crianças em ótimas condições alimentares, em
comparação com outras crianças, alimentadas “normalmente”, no final do
período de ensaio “apresentaram uma elevação mais acentuada do
quociente intelectual do que as crianças do grupo de controle”.
Tomemos como primeiro exemplo uma substância que tem aqui um
papel particular: o fósforo. Buechner escreveu, em 1885, sobre a
composição química do cérebro, que “de todos os órgãos do corpo, é ele o
que contém a maior quantidade de fósforo”. Relata que “um trabalho
intelectual intenso provoca o aparecimento de quantidades notáveis de
álcalis fosfóricos e sulfúricos na urina”, e cita outro autor que constatou
“que o teor de fósforo do cérebro diminui até em 50% na velhice avançada,
e em caso de idiotia retorna ao teor da criança nova”. Resumindo,
Buechner escreve: “Esses fatos mostram sem dúvida nenhuma que o teor
de fósforo do cérebro tem uma importância particular e permite supor que o
fósforo tem íntimas relações com o trabalho intelectual”. Finalizando, ele
cita Moleschott, cuja preposição: “Sem fósforo não há pensamento!” tinha
produzido na época uma grande repercussão.
Qual é a posição da fisiologia atual, em particular da ciência
nutricional, face a esse problema?
Em todas as obras publicadas a esse respeito, acentua-se a presença e a
importância das substâncias fosfóricas no sistema nervoso. Estas são, entre
173
outras, as lecitina, a cefalina, a esfingo-mielina, os cerebrosídeos, os
gangliosídeos, etc. Seus nomes mostram que elas se encontram nos
diferentes tecidos do sistema nervoso central. Mas elas são encontradas
também em outros tecidos metabolicamente ativos. Em sua “Bioquímica”,
P.Carlson indica que o tecido dos nervos é particularmente rico em
fosfatídeos: “A estrutura fina dos nervos só pode ser compreendida pela
colaboração dos fosfatídeos”. Ele acrescenta que no futuro dever-se-á
consagrar ainda mais atenção a essas substâncias. Por outro lado, atribui-se
hoje em dia uma grande importância a certos processos de “fosforilação
oxidativa” no metabolismo. Mohler declara a esse respeito que o ácido
fosfórico é indispensável para a assimilação do amido e do açúcar, e
finalmente E.A.Schmid observa que o fósforo “é particularmente
abundante e intensamente ativo nas células e núcleos celulares do cérebro”,
onde ele aparece sob a forma de lecitina e “é indispensável para a
respiração celular, que condiciona a consciência”. É também notável que,
desde o fim do século 19, Bunge tenha mostrado a importância do fósforo,
notadamente da lecitina, que se encontra principalmente no cérebro.
“Durante os primeiros meses de vida, o teor de lecitina no cérebro cresce
continuamente”, pois ela é utilizada para a formação das bainhas nervosas.
Ele pôde estabelecer que o teor em lecitina no leite é tanto mais elevado
quanto maior é o peso relativo do cérebro. Daí ele conclui que o leite da
mulher é o mais rico em lecitina. Bunge via nisso um argumento a favor do
aleitamento materno. Dando-se leite de vaca ao lactante, diminui-se pela
metade sua quota de lecitina. Já, por sua vez, Burchner escreveu que “todos
os alimentos que contêm fósforo sob a forma de lecitina compensam
particularmente bem as perdas devidas a uma sobrecarga intelectual”.
Qual é, agora, a imagem que a ciência espiritual fornece a respeito do
fósforo? Já indicamos onde esta substância é mais encontrada no
organismo: no cérebro, nos ossos, mas também em ligação com a
albumina. Como mineral, o fósforo age na direção do inanimado, do que
não é organizado a partir do interior, mas que tende ao inorgânico. Tais
substâncias, como sabemos, têm uma ligação particular com a organização
do Eu. Esta necessita justamente delas para desenvolver sua própria força
nos processos de repelir o que é vivo. Neste sentido, o fósforo estimula a
atividade consciente, que pode se desenvolver sobre a base de tendências
mineralizantes.
174
Isto é o essencial do papel que se deve atribuir ao fósforo. Isto permite
compreender também a sua ação, relativamente à vida espiritual do
homem. “O fósforo desperta a atividade consciente do homem”. Esta
afirmação de Rudolf Steiner esclarece o que ele diz em outra parte: “Temos
fósforo também no nosso cérebro. E vocês compreenderão que ele é útil,
pois sem fósforo não se poderia de modo algum empregar o cérebro em
pensamento”. Poder-se ia crer que esta afirmação lembra o aforisma de
Buechner e de Moleschott: “Sem fósforo não há pensamento!” Mas, em
realidade, esses pensadores querem dizer exatamente o contrário do que
ensina Rudolf Steiner. Eles querem dizer que a matéria não possui
unicamente forças físicas, mas também forças espirituais, e que essas
últimas surgem em toda parte onde as condições requeridas são reunidas,
ou seja, quando a matéria que se move no cérebro e no sistema nervoso
engendra o aparecimento da sensação e do pensamento, assim como
engendra, em outras circunstâncias, a atração e a repulsão. Eles sustentam
claramente que é a própria matéria que “engendra” uma atividade
espiritual. A ciência espiritual, pelo contrário, fala de outra maneira a
respeito da matéria: “sem fósforo não se poderia de modo algum empregar
o cérebro para o pensamento”. Isto quer dizer: o cérebro, a matéria que aí
se encontra e as atividades que nele se manifestam materialmente,
compõem o instrumento que torna consciente o pensamento na existência
física corporal. A natureza dos processos específicos do fósforo favorece
esse desenvolvimento das forças de consciência. Vemos então, nesse
fenômeno, que o espiritual está ligado ao cérebro, mas tomado em si
mesmo, ele nasce e vive livremente; ou seja, ele age independentemente da
matéria. Esta é o espírito “condensado”, tornando-se, em nós, o portador do
espiritual.
Rudolf Steiner expõe mais adiante: “O fósforo é benfazejo quando é
consumido de uma maneira correta com os alimentos”. Ele reconhece a
importância dos alimentos fosforados para a função cerebral e para o
desenvolvimento do pensamento. Esses alimentos fosforados serão
estudados detalhadamente no volume II. São chamados de “alimentos do
cérebro”. Queremos mostrar aqui apenas a idéia fundamental. Já indicamos
que os cereais são da maior importância para as forças da consciência,
principalmente o arroz, com seu alto teor em fósforo. Temos ainda a noz,
que os dietetistas citam hoje em dia entre os “alimentos do cérebro”.
Rudolf Steiner referiu-se a esse respeito: Quando se quer submeter-se a
175
uma disciplina espiritual tem-se necessidade, antes de tudo, de um
“aparelho cerebral” sadio e bem construído. É raro que os pais de hoje
dêem a seus filhos um cérebro dessa espécie; é necessário então remediar,
fortificar esses aparelhos cerebrais; com esse objetivo, é sobretudo a noz
que fornece a substância necessária.
SAL DE COZINHA – SÍLICA - ÁCIDO ÚRICO – AÇÚCAR
Do que precede já se pode concluir qual é o significado do cloreto de
sódio (sal de cozinha) relativamente ao pensamento humano. Lembremos
ainda uma vez que Rudolf Steiner foi formal: “Nós não salgamos os
alimentos unicamente para lhes dar um sabor agradável, nós os salgamos
para sermos capazes de pensar, pois aquele que não está em condições de
ter a atividade do sal em seu cérebro; este se torna um tolo”. Igualmente
temos o resultado de que o cloreto de sódio é o único alimento que
realmente é mineral. Não absorvemos outros sais, tais como foram
compostos e elaborados pela planta ou animal. Mas o mais importante é a
resistência que o mineral opõe ao homem, é a força que o Eu humano pode
despertar ao encontrar esta resistência.
Existem outras substâncias que agem desta maneira como a sílica, por
exemplo. “Ela constitui o substrato físico da organização do Eu, ela
desenvolve, dessa maneira, uma atividade capaz de formar os órgãos da
vida consciente”. Nesse sentido pode-se falar de um organismo de ácido
silícico que atravessa o homem e sobre o qual “repousa a sensibilidade dos
órgãos, indispensável a uma vida sadia, e sua correta relação com a alma e
o espírito...” Esses são os processos que despertamos diretamente no
organismo pelos alimentos que contenham a sílica, entre outros cereais e
numerosas raízes comestíveis.
Rudolf Steiner falou igualmente desta forma, sobre o ácido úrico. Nós o
consideramos, geralmente, como produto de eliminação, renal ou como
depósito patológico nos gostosos. Mas ele existe também em finíssima
diluição no cérebro. Recentemente, nos Estados Unidos da América, quisse testar a inteligência humana medindo-se o precipitado de ácido úrico
fornecido pelo cérebro. Eis então um elo reconhecível entre uma substância
176
mineral e a vida do espírito. “É a organização do Eu, em primeiro lugar, a
responsável pela secreção de ácido úrico no cérebro”, afirma Rudolf
Steiner, acrescentando: “É unicamente por meio desta impregnação dos
órgãos com o inorgânico que o homem pode ser a entidade consciente que
é”. Sabe-se que o ácido úrico provém de certos processos de decomposição
de albumina.
Neste contexto é preciso pensar também numa outra substância, que é
orgânica, mas que se aproxima muito do reino mineral e que, por esta
razão, é também de grande importância para os fenômenos da consciência:
o açúcar. Ele resulta da decomposição dos carboidratos. O próprio homem
forma o açúcar no curso da digestão, uma substância que pode agir dali em
diante no domínio da organização do Eu. Aí se acrescenta o sabor
açucarado que segundo Rudolf Steiner, “tem sua origem na organização do
Eu”. Onde quer que nasça o açúcar, aí pode intervir a organização do eu,
para orientar para o humano os constituintes sub-humanos (vegetativos,
animais). Vê-se como é vasto o campo de ação desta organização do Eu, o
que justifica nossa necessidade de açúcar. Isto será mais amplamente
discutido no volume II. Aqui diremos simplesmente que em todo o lugar
onde a organização do Eu esteja sobrecarregada, extenuada, surge a
doença, quer seja em relação ao açúcar, ao sal ou ao ácido úrico, etc. O
consumo atual de açúcar, principalmente em sua forma industrial
(refinado), demonstrou pelas suas conseqüências que a organização do Eu
está amplamente sobrecarregada, incapaz de manipular todo esse açúcar.
Rudolf Steiner falou também do gosto açucarado, indicando suas relações
diretas com o Eu. “A glicose (açúcar da uva) é uma substância que pode
agir no domínio da organização do Eu. Ela corresponde ao gosto
açucarado, que tem sua origem nesta organização”. “Desde que é
consumido, o açúcar vai diretamente para a organização do Eu,
ocasionando aí a sensação do gosto açucarado”. Sabe-se, aliás, que essa
sensação se produz na ponta da língua e não em sua base, como o sabor
amargo. Somos muito menos sensíveis ao sabor doce que ao sabor amargo
(vide o capítulo precedente sobre o sabor). Tudo isso não significa
naturalmente que os animais sejam incapazes de fazer a experiência do
doce. Eles fazem, porém, outra coisa. O homem tem necessidade de uma
quantidade relativamente considerável de glicose para alimentar seu
cérebro, em torno de 110 gramas por dia, e é por isso que o leite da mulher
tem um teor tão elevado de açúcar, comparativamente ao leite dos animais:
177
mais de 7%. O açúcar serve para preparar o substrato do pensamento, as
forças da consciência, mas ele não determina em nada a qualidade de seus
pensamentos. Ressaltaremos unicamente que ele será apto a aumentar o
grau de consciência, a vigília. Rudolf Steiner mencionou um dia que em
seu tempo a população inglesa consumia muito mais açúcar que os Russos.
“O campeão russo acentua tão pouco quanto possível o Eu”, enquanto que
o inglês escreve: “eu” com uma única maiúscula: “I” “o grande aporte de
açúcar no tubo digestivo está em correlação, no pólo superior, com uma
autonomia mais intensa da função pensante”. Rudolf Steiner parece admitir
aqui uma ação qualitativa do açúcar no que concerne ao pensamento:
“Quando um ser humano possui uma grande autonomia e tende fortemente
ao egoísmo, deveria diminuir seu consumo em açúcar... Se, pelo contrário,
falta tônus a um ser humano, tanto no interior como no exterior, se ele crê
precisar sempre de sustentáculos e de apoios, ele deveria consumir açúcar
em abundância, a fim de se tornar mais independente”. Eis aqui um ponto
de vista totalmente novo, que descobre uma correspondência qualitativa e
fornece indicações úteis. Seria, portanto um erro acreditar que, aumentando
o consumo de açúcar, fortalecemos a consciência; pelo contrário o que se
favorece é, sobretudo o egoísmo. Isto pode ser evidenciado atualmente nos
países ocidentais. As conseqüências patológicas desse fato são acima de
tudo para serem encarados como os sintomas de uma espécie de autodefesa do organismo. Sob esse ponto de vista, uma luz foi lançada sobre a
inquietante progressão do diabetes, e também sobre o problema da cárie
dentária, na medida em que aí atua um consumo de açúcar. Esse problema
encontra-se igualmente ligado ao do alcoolismo.
Nas conferências de La Haye, em 1913, Rudolf Steiner acentuou ainda
“que o açúcar impregna o homem de uma espécie de egoísmo natural;” ao
qual ele pode criar certo contrapeso, quando, pela disciplina espiritual, ele
se esforça em adquirir o altruísmo, a abnegação, etc. O açúcar, então,
permite-lhe “permanecer com os pés sobre a terra”, a despeito de todas suas
ascensões aos mundos espirituais. Isso interessa sobretudo aos que seguem
uma disciplina espiritual. “O consumo do açúcar eleva fisicamente o
caráter pessoal do homem”, mas é preciso “permanecer em limites sadios”.
Ora, nosso atual consumo de açúcar há muito que ultrapassou os
“limites sadios”. Lembremos que nós ser humanos temos necessidade de
açúcar em nossa alimentação, mas que só podemos utilizá-lo se
178
continuamente o dissolvemos. A força dissolvente nos é fornecida pela
organização do Eu, quando é corretamente incitada a agir.
Como se vê, há múltiplos aspectos a respeito do problema da ação das
substâncias no ser humano. Ele não será jamais resolvido unicamente pela
mentalidade do químico, nem mesmo do fisiologista ou do psicólogo. Isto
surge nitidamente quando tratamos do açúcar.
Finalmente, constatamos aqui novamente que a norma de consumo do
açúcar só pode ser apenas individual, mas isto é precisamente o que cada
um deve descobrir. Repetimos uma vez mais: um fundamento
verdadeiramente seguro para nossos problemas alimentares não pode ser
encontrado sem o apoio da ciência espiritual.
UM ALIMENTO – RAIZ: CENOURA
Acabamos de ver que todo alimento inorgânico, ou que tende a sê-lo,
tem relações com a vida da consciência, Neste sentido, a formação das
raízes vegetais deve ser relacionada com o nosso organismo neurosensorial. Os alimentos raízes estimularão então especialmente esta função:
citaremos a cenoura, da qual Rudolf Steiner ressaltou a importância para a
vida espiritual, mas também a beterraba vermelha e a raiz forte. Essas
indicações são preciosas para uma dietética dinâmica. Além disso, a
cenoura é um exemplo específico da atividade da sílica no homem.
O que chama a atenção nessa planta é a polaridade entre a formação da
raiz e das sementes (aquênios de umbelíferas). A primeira está sujeita às
forças terrestres, as outras às forças cósmicas. Este é um princípio muito
geral no mundo das plantas, mas ele pode sofrer múltiplas metamorfoses.
Em sua base existe o elemento primordial, a folha, sobre a qual Goethe
edificou sua concepção das plantas.
Na cenoura cultivada o aparelho foliar nada tem de especial, e a
formação das sementes não é particularmente diferenciada. Tudo se
concentra na raiz. Esta impregna-se não somente de forças aromáticas que
descem para ela, mas ainda de uma viva coloração, geralmente reservada às
partes aéreas, e representada aqui por um depósito de caroteno. Este é,
179
talvez como veremos, o processo mais importante dos que caracterizam a
cenoura.
Ora, Rudolf Steiner disse: “A raiz encontra-se no interior da terra; ela
contém principalmente muitos sais, dado que os sais se encontram na
terra... De sorte que a raiz está em ligação com o reino mineral”.
Encontra-se efetivamente na cenoura uma grande abundância de
compostos salinos: magnésio, ferro, cálcio, potássio, fósforo, arsênico,
níquel, cobalto, cobre, iodo, manganês. Além desses, em quantidades
notáveis, o ácido silícico (1 a 5%) e o açúcar (12%), no qual reconhecemos
certo caráter de mineralidade. Mesmo o caroteno se apresenta na raiz da
cenoura sob forma cristalina.
Ora, “na natureza tudo se ordena”. Esses numerosos minerais não se
acumulam na cenoura de uma maneira anárquica. Eles exprimem ações
dinâmicas, processos determinados, que foram “precipitados”
materialmente. Reconhecemos, por exemplo, a tríade “ferro, cobalto,
níquel”, que nos vem do cosmos por meio dos inumeráveis meteoros.
Todos esses sais têm um caráter comum: eles rejeitaram para fora de si
toda vitalidade, rejeitaram sua água, seu ar e sua luz, enfim, seus
imponderáveis. É por isso que os alquimistas descreviam o sal como um ser
isento de egoísmo. Ele renuncia de alguma forma à vida própria. Dessa
maneira, ele pode se abrir a uma espiritualidade externa, a forças cósmicas,
tornando-se o portador da vida do universo.
As substâncias trazidas à Terra pelos meteoros e pelos cometas são
integradas rapidamente pelo ar, pela água, pela terra. Daí elas passam para
as raízes das plantas, depois para nossos alimentos. Esses compostos
minerais de origem cósmica desenvolvem então sua atividade até na
formação do sangue.
A gênese dos sais, tal como se faz muito intensamente na raiz da
cenoura, tem então ligações muitos estreitas com o homem. Aquilo que lhe
corresponde em nós é evidentemente um domínio no qual as forças vitais
são repelidas, e no qual ocorre uma mineralização, uma solidificação, mas
também um desenvolvimento das forças plásticas e modeladoras: é o
sistema neuro-sensorial e tudo o que nasceu do ectoderma. Rudolf Steiner
insistiu muito sobre a correspondência das raízes com a “cabeça”, a qual
180
tem necessidade de sais. A partir da “cabeça”, essas mesmas forças formam
no corpo humano um aparelho de sustentação, um esqueleto, etc. O que
aqui se denomina de “cabeça” corresponde a toda a organização neurosensorial, que aí está centralizada.
Eis então uma primeira constatação: por seu caráter de raiz e seus
intensos processos salinos, a cenoura preenche uma função nutritiva em
relação ao sistema neuro-sensorial do homem. Seus processos de
salificação estimulam os que o homem deve realizar ele mesmo. Um
regime de cenouras estimulará então a função neuro-sensorial e sustentará
o repelir de nossas próprias forças vitais, o que nos permite participar da
vida universal por meio de imagens, pensamentos e sensações. Como
sabemos, a organização de nosso olho tem precisamente esse caráter.
Isso ajuda também a compreender o intenso processo silicoso da
cenoura em suas relações com o pólo superior do homem. Um mesmo
acúmulo de sílica encontra-se no olho, nos órgãos dos sentidos e na pele.
“O ácido silícico dirige suas ações através das vias do metabolismo até as
partes do organismo onde o vivente torna-se inanimado”. Por razões
análogas Rudolf Steiner aconselhou a beterraba*, particularmente para
alimentar os bezerros. “Esta substância encaminha-se para suas cabeças e
os coloca em comunicação sensorial bem ativa com o ambiente cósmico.
Quando o bezerro come beterrabas, todo o processo é realizado”. O bezerro
tem necessidade de toda a sua acuidade sensorial para encontrar no pasto a
nutrição que lhe convém, aquilo que é necessário para a formação do leite
na futura vaca.
Mas também o lactente humano tem necessidade de cenoura para
estimular seu “organismo silícico”. Seus órgãos sensoriais e seu cérebro
ainda estão em formação. Processos salinos são necessários também para a
formação de seus ossos. Por isso é muito importante dar-lhes regularmente
esse legume. Isso já é conhecido há muito tempo pelas mães e dietistas.
E.Schneider escreve: “Além da alimentação normal da lactante, dar-se ás
crianças suco de cenouras finamente raspadas, em caso de crescimento
retardado, má dentição e para aumentar a resistência à infecção”.
*”Rübe”: em alemão designa tanto a cenoura, como a beterraba e o nabo.
(N.T.)
181
O grande teor de cálcio e fósforo na cenoura tem um papel importante
na formação dos dentes e dos ossos. Mas a resistência à infecção resulta da
qualidade dos alimentos, que permite ao organismo de se fortificar em
favor desta resistência. É por isso que atualmente a cultura das cenouras
torna-se um problema de qualidade. Se esse vegetal se enfraquece, por
exemplo, em caso de invasão das moscas da cenoura, ele não pode mais
preencher sua função no organismo humano. E se nos limitarmos à
proteção artificial pelos inseticidas, a cenoura absorve avidamente esses
“sais” (metabolitos), podendo tornar-se tóxica. Mas a cenoura já se
encontra enfraquecida, por toda parte, por meio dos adubos químicos que
lhe administram sais hidrossolúveis em excesso, tais como os nitritos, a
ponto de não poder mais assimilá-los. Deve se admitir que tal planta é mais
receptiva aos efeitos dos venenos, ou seja, menos resistente. A qualidade
desse legume é então indispensável. É preciso favorecer de toda as
maneiras sua cultura “biodinâmica”, se quer que essa maravilhosa planta
alimentícia não perca todo o seu valor.
Fortificando a cabeça, a cenoura envia forças até os órgãos do
metabolismo, fortificando-os também quando excessiva vitalidade neles
prolifera. Ela interrompe o crescimento de parasitas tais como os vermes
intestinais. Rudolf Steiner mostrou que quando o pólo superior é fraco,
facilmente aparecem vermes no intestino, pois a cabeça não age mais tão
forte no restante do corpo. “Quando se come cenouras por certo tempo, a
cabeça é estimulada pelas forças salinas e ela impede o pulular dos
parasitas no intestino”.
Em afecções intestinais graves (doença celíaca) o suco e o purê de
cenouras podem desempenhar um grande papel. As cenouras cozidas em
fogo brando podem ser “passadas” e acrescidas de manteiga e mel.
O regime de cenoura é indicado, sobretudo nos problemas intestinais.
Ressaltamos que, segundo Rudolf Steiner, os alimentos cozidos agem na
“cabeça”; por outro lado, tudo o que é raiz também se aparenta a ela. A
cenoura cozida cumpre bem esta função, enquanto que a cenoura crua serve
mais para terapêuticas especiais. Sintomas tais como pele seca, cabelos
quebradiços e sem brilho, catarros do nariz com perda do olfato e paladar,
podem ser assim tratados.
182
E “se vocês sentirem alguma vez que têm a cabeça vazia e que não
podem pensar bem, seria bom acrescentarem, cenouras ao seu regime,
durante certo tempo”. “Mas isto é eficaz acima de tudo nas crianças”
acrescenta Rudolf Steiner, dando a subentender que o cérebro infantil é
ainda maleável. Tal indicação é de valor pedagógico imenso, tanto para os
professores quanto para os alunos.
Certamente, a grande quantidade de açúcar que contém essa raiz adquire
aqui toda sua importância. Sabemos atualmente que “a energia da célula
nervosa provém do metabolismo dos açúcares”, e que: “O cérebro parece
alimentar-se quase que exclusivamente de açúcar” (Gleess).
BETERRA VERMELHA E RAIZ FORTE
Mostremos ainda rapidamente o que é preciso pensar, sob esse ponto de
vista, sobre a beterraba vermelha e a raíz forte. Ambas são raízes
verdadeiras. Rudolf Steiner disse da primeira: “A beterraba vermelha
estimula bem intensamente a atividade pensante. Ela favorece em particular
a vontade de pensar”. Talvez sua dinâmica repelidora, desvitalizante, mas
estimulante para as forças formativas, explique sua ação recentemente
descoberta sobre tumores cancerosos. Um princípio ordenador compensa
um excesso desordenado de vitalidade.
A respeito da raiz-forte conhece-se há muito tempo a atividade salina
picante ao paladar, dando-lhe seu lugar na dietética. Na alimentação
popular observa-se, com sucesso, o efeito excitante que ela tem sobre o
cérebro. “Quando alguém não está muito ágil para o lado da cabeça, seria
bom para despertar um pouco seus pensamentos, que acrescentasse raiz
forte à sua alimentação”, aconselha Rudolf Steiner. “A raiz forte anima o
pensamento”. Os rabanetes agiriam no mesmo sentido, assim como o
rabanete negro.
É preciso ressaltar também que em todos os rábanos concentram-se,
particularmente na raiz, compostos de essência de mostarda. Descreveu-se
um composto (tiocionato) que existe nas diversas raízes fortes, à base de
enxofre e de cianogênio. Nas beterrabas vermelhas existe uma substância
183
colorida, um glicóside, parente próximo dos alcalóides. Falaremos numa
outra ocasião a respeito dos cianogênios.
FATORES DE INIBIÇÃO – PROTEÍNAS, BATATAS E ÁLCOOL
Na sequência de nosso capítulo sobra “Alimentação e a vida espiritual”,
devemos agora assinalar os fatores alimentares que inibem o
desenvolvimento livres das forças de consciência. A ciência espiritual
fornece a esse respeito indicações importantes. Assim, a princípio devemos
conhecer a natureza da albumina: excitando as forças de crescimento e da
vida, ela age de encontro às forças da consciência. “É por isso que o aporte
de substâncias albuminóides (protéicas) deve permanecer limitado, caso
contrário o homem é invadido por certa forma de representações, das quais
ele deveria justamente se liberar”, pois ela é considerada pelo metabolismo.
É também o que pensava Pitágoras quando ensinava a seus discípulos:
“Abstenham-se de favas”. Rudolf Steiner explica que nessas leguminosas,
são forças muito próximas do metabolismo animal que condicionam a
formação das proteínas e lhes dão um caráter especial. Já se pode prever
que a apreciação da soja, com a ajuda de um verdadeiro critério qualitativo,
será um dia muito diferente daquele que atualmente é propagada por toda
parte.
A batata, como planta alimentar, tem um valor apenas muito restrito,
por causa de seu amido de difícil digestão que faz pesar o cérebro. Rudolf
Steiner insistiu com nitidez a esse respeito: na conferência de 18 de julho
de 1923, por exemplo, ele opôs a batata à raiz forte e às beterrabas
vermelhas. “A quem come muitas batatas não ocorrem fortes
pensamentos...” ele está “continuamente cansado e quer dormir e sonhar
sem cessar”. E acrescenta: “Deve-se dar um grande significado, na história
das civilizações, aos alimentos utilizados pelos povos”.
Naturalmente uma força de inibição ainda maior é fornecida pelo
álcool, que não é em realidade alimento, mas cujo consumo ultrapassa em
quantidade o de qualquer alimento. Abordaremos aqui apenas os efeitos
inibidores sobre a consciência, para os quais Rudolf Steiner não cessou de
chamar a atenção. Explicou, por exemplo, que a formação do álcool é um
184
fenômeno que ultrapassa os processos propriamente vegetais; na
fermentação surgem processos próximos do tornar-se animal, não do lado
da albumina, como nas leguminosas, mas do lado do açúcar. Lembremonos de que o açúcar está relacionado com a organização do Eu; o álcool
entra em relação com as forças do Eu, mas como antagonista. O álcool
penetra muito rapidamente no sangue e aí se comporta como um corpo
estranho que vem tomar o lugar das forças do Eu. “Pode-se dizer, não
figuradamente, mas realmente, que a partir de certo nível de alcoolemia, o
álcool pensa, experimenta e sente no lugar do Eu do homem”. É então
compreensível que aquele que empreende um treinamento espiritual “evita
o álcool sob todas as suas formas, mesmo nos bombons”. Sob um ponto de
vista puramente científico foi demonstrada a ação nociva do álcool sobre o
cérebro humano. “Quanto mais ainda um ser humano, para o qual o
principal objetivo é o espiritual, não deve abster-se de um prazer que
exclua completamente o conhecimento do espiritual?”
Também nesse sentido foram importantes as descobertas de pioneiros
tais como Bunge, B.Forel, M.Bleuler, tanto no domínio médico quanto na
psiquiatria. Bunge, em particular, não agia como asceta ou como fanático,
mas era guiado pelo conhecimento puro, quando dizia: “Todo homem
dotado de consciência moral deve sentir o dever de colaborar na supressão
completa de todas as bebidas alcoólicas, e, antes de tudo, dar o bom
exemplo”. Ele sabia que se exerce melhor o trabalho no espírito quando se
abstém totalmente de álcool. Mais tarde, o farmacologista Moeller
escreveu: “As funções que o álcool paralisa em primeiro lugar são as que
distinguem o homem do animal e o adulto da criança”. Com efeito, nem o
animal nem a criança possuem as forças do Eu que lhes permitem uma vida
espiritual consciente. Esse tema será tratado especialmente no próximo
tomo desta obra, assim como o café e o chá, cujo efeito sobre nossa vida
intelectual é manifesto.
CAFÉ E CHÁ
No que concerne a essas duas bebidas ressaltaremos aqui, sobretudo seu
efeito sobre a vida do espírito. Como o mostra a experiência ambos
influenciam à sua maneira, nessa atividade intelectual. A responsável
185
principal é a cafeína, que existe tanto nos grãos de café quanto nas folhas
de chá. A ação desta substância foi bem estudada na farmacologia e ela é
usada em diversos remédios para males de cabeça. Isto mostra já que a
cafeína age em direção do sistema nervoso central, do cérebro. Moeller
escreve: “A cafeína estimula as funções do córtex cerebral, ou mais
exatamente, estimula no córtex os processos que determinam uma ação sem
atrito entre certos processos anímico-espirituais”. Sabe-se, pela observação
e pela experiência, que “a cafeína facilita os impulsos de um nervo para
outro, o que explica que ela favorece a associação de idéias”. Entretanto,
ele acrescenta: “O efeito da cafeína difere muito segundo as pessoas”. Na
literatura os efeitos do café foram elogiados por diversas vezes, e em 1567,
o poeta, árabe Abd el-Kader os invocava:
“Ó café, tu extingues todos os lamentos!
Os que estudam te desejam.......”
Sobre o chá, P.Dufour escrevia em 1648: “Uma das principais virtudes
do chá é a de curar a embriaguez. Ele purifica também o cérebro. Os
chineses, que bebem tanto chá, jamais escarram ou se assoam. Seu cérebro
é liberado das impurezas que comprometem gravemente a sede da razão.
Poder-se ia pensar que o café e o chá têm os mesmos efeitos sobre o
sistema nervoso central. Isto é verdade apenas em relação à cafeína. Essas
duas plantas encontram-se, botanicamente, muito distantes, e a análise
mostra que a cafeína aí está revestida de ações muito diferentes. Enquanto
que o café torrado contém em média 1,5% de cafeína, o chá fermentado
contêm de 1 á 5%. Mas o chá contêm de 1 á 15% de tanino, sobretudo, a
teofilina, que é diurética, bem como um óleo essencial que lhe dá o aroma;
enquanto que no café encontram-se os ácidos clorogênico e o ácido
nicotínico. É necessário lembrar que os órgãos de café não torrados são
totalmente desprovidos de sabor; a ação típica do café nasce somente na
torrefação. Graças á cromatografia dos gases, descobriu-se aí até o presente
mais de 300 substâncias voláteis aromáticas. Unanimemente se admite que
essas duas bebidas têm uma “influência excitante sobre o cérebro”, com um
“aumento transitório das capacidades intelectuais”.
186
E agora, o que diz a ciência espiritual? Em sua conferência de 22 de
outubro de 1906, Rudolf Steiner fala da atividade pensante e do poder de
dedução lógica que podem ser reforçados por certo exercícios. “Quando se
bebe café, favorece-se de certa maneira a lógica dos pensamentos”. Numa
conferência de La Haye, ele relata como o café e o chá agem sobre os
constituintes do ser humano. Por meio do café, a organização vital (corpo
etéreo) é momentaneamente deslocada para fora do corpo físico; sua
ligação é afrouxada. Tal processo é precisamente no domínio do cérebro, o
fundamento fisiológico da atividade pensante. O café favorece então o
estabelecimento de um estado que é a condição do pensamento lógico. Sob
esse ponto de vista, é talvez útil recorrer às vezes ao café, para adquirir
idéias mais precisas e mais exatas.
E o chá? Ele tem a mesma ação do café, mas com uma diferença de que
ele modifica, esfuma as “estruturas” do corpo físico. Resulta então uma
excitação bastante fantasmagórica, um modo de pensar instável e
“borboleteante”, que nem sempre se adapta ás condições concretas.
“Enquanto que o café nos torna mais “sólidos”, o consumo do chá favorece
o charlatanismo, a negligência, a preguiça”. O que há de comum entre as
duas bebidas é uma liberação, um afrouxamento das ligações físicas,
sobretudo no cérebro.
Essa ação do chá foi descrita muitas vezes. Na China antiga, por
exemplo, premiava-se todos os anos o melhor poema escrito em louvor do
chá, pois os poetas eram particularmente sensíveis a seus efeitos. Um
pequeno poema de Heine evoca isto:
“Ils buvaient du thé et parlaient beacoup d’amour.
Les messieurs, ils se faisaient tous esthéticiens;
Les dames,elles avaient des sentiments tendres.”
Esta estrofe foi escrita num salão de chá berlinense, onde se encontrava
o mundo literário. Igualmente, no salão de Rachel Varnhagen, uma das
bem-amadas de Goethe, reuniam-se na hora do chá pintores, atores e
diplomatas. Eckermann relata: “Essa noite fui à casa de Goethe para um
grande chá. Esta sociedade agradou-me; tudo era tão livre e tão espontâneo;
levantava-se, sentava-se novamente, brincava-se, ria-se...” Isso talvez
explica a sensação que Rudolf Steiner fez num de seus Cursos Médicos:
187
“Enquanto que o café é uma boa bebida para os jornalistas, o chá é
extraordinariamente favorável aos diplomatas, pois se habituam, graças a
ele, a pensamentos soltos, e conversas nas quais pode-se brilhar e pode-se
parecer espiritual”.
Em nosso tempo, na qual o consumo dessas duas bebidas – sobretudo o
café – ultrapassa a medida, devemos nos perguntar qual é a influência disso
sobre a vida espiritual. É fácil economizar qualquer esforço interior de
pensamento e compreensão substituindo sua própria mobilização de forças
por inúmeras xícaras de café por dia, mas isso nos torna então preguiçosos,
em lugar de nos tornar ativos. Rudolf Steiner disse aos médicos: “Não se
deveria atribuir qualquer valor a tais efeitos, pois eles tornam inerte a alma,
se dá atenção apenas a eles... E também: “O café favorece o pensamento
lógico apenas de uma maneira constrangedora”.
“É importante saber essas coisas”, acrescenta ele, “pois numa vida
realmente moral essas faculdades devem ser favorecidas de outra maneira”.
Na verdade, nossa época ainda se encontra bem distante disso.
A CIÊNCIA ESPIRITUAL LIBERTA DO DOGMATISMO E DOS
FANTASMAS PESSOAIS
A alimentação vegetariana, quando não é um regime terapêutico, exige
do organismo humano um maior esforço, mas libera ao mesmo tempo uma
grande soma de forças para nossa vida anímico-espiritual. Dito de outra
forma: “Certas forças materiais transformam-se em forças espirituais”. Mas
o importante é que essas forças sejam empregadas de maneira conveniente.
Se não as empregamos... “elas podem até mesmo comprometer a atividade
do cérebro”. Essas palavras nos protegem de um perigo, pois se ele é
praticado com estreiteza de espírito, o vegetarianismo pode acarretar
anomalias psíquicas. Floresce então o fanatismo, o dogmatismo, a obsessão
e os fantasmas. Pode-se mesmo observar tendências à brutalidade e um
egoísmo sem limites.
É por isso que Rudolf Steiner, consciente desses perigos, deu o seguinte
conselho: “Assim, o vegetariano deve ao mesmo tempo submeter-se a uma
disciplina espiritual, senão seria melhor se manter carnívoro”. É preciso
188
levar a sério esta sentença, sobretudo em nossos dias, onde o
vegetarianismo retornou à moda, juntamente com antigas tradições
orientais. Entretanto, os hábitos alimentares do Oriente, bem como suas
motivações, estão totalmente desvalorizados no que se refere ao organismo
atual do homem. A vida espiritual lá tem um caráter passivo, conduzindo
facilmente ao engano da alma, conferindo uma saúde apenas aparente ao
corpo. Ainda que Rudolf Steiner tenha adotado o vegetarianismo para seu
uso pessoal, desde quando começou seu apostolado espiritual (1905),
declarou nessa mesma época: “O regime vegetariano sem a contrapartida
de um esforço espiritual leva á doença”. É também o que nos ensina a
história da alimentação humana, onde o regime vegetariano surge sempre
como condição inicial a um treinamento espiritual. Abordaremos esse dado
histórico no volume II. Falta-nos tratar de um assunto que se relaciona
diretamente com o que acabamos de dizer: é a relação entre a alimentação e
a vida da alma humana. Para isso, será necessário que cheguemos a uma
noção exata da entidade que denominamos de “alma”. Atualmente,
dificilmente fazemos uma distinção clara entre a alma e o espírito; por
outro lado, desenvolveu-se uma psicologia (ciência da alma), que tem
muita dificuldade para dar uma definição nítida daquilo que é o objeto de
seu estudo. Também aqui os conhecimentos da ciência espiritual moderna
abrirão um caminho e se mostrarão fecundos. Logicamente deveremos,
neste livro, limitar-nos a um esboço. Mas ele esclarecerá igualmente todo o
capítulo que o precede.
-x–
189
CAPÍTULO XI
ALIMENTAÇÃO E VIDA DA ALMA - DADOS DO PROBLEMA
A ciência da nutrição, que foi criada no século 19, não propunha nada
mais do que analisar quimicamente as substâncias alimentares e de tentar
compreender os fenômenos digestivos segundo as leis físico-químicas. Max
Rubner, na introdução de sua obra principal: “As leis do gasto de energia
nutrição” (1902) o exprime claramente: “Os fenômenos físicos que
acompanham as combinações químicas são, como já demonstrei, de uma
natureza tão importante para as questões biológicas, que se deve dar-lhes o
valor que aos fenômenos substanciais (químicos)”. Estava-se persuadido,
no fim do século 19, de que “unicamente a consideração energética pode
nos esclarecer sobre todo o conjunto das relações mútuas entre as
substâncias”. Acreditava-se então poder compreender o metabolismo dos
seres viventes graças às leis do mundo inorgânico. Não se percebia, porém,
o fato de que os objetos da investigação – o animal e o homem – são
dotados de alma e de espírito. O terreno, entretanto, já havia sido preparado
pelas concepções de Moleschott e de Feuerbach. Defendia-se contra
“dualismo da filosofia” e na doutrina “monista”, tinha-se postulado: “Os
materialistas professam a identidade da energia e da matéria, do espírito e
do corpo, de Deus e do mundo”. Essas palavras são de Moleschott, em sua
obra “O circuito da Vida” (1887), e refletem a total insuficiência do
conhecimento naquela época. De uma alma nem sequer se cogitava, e o
espírito era considerado apenas como uma forma de aparição da matéria. A
investigação do sistema nervoso central parecia confirmá-lo: “Todos os
animais assemelham-se, amputando-lhes seu cérebro, amputamos-lhes
também seu espírito e sua sensibilidade” (ibidem). Vê-se que um
190
inacreditável diletantismo tinha se espalhado, em relação á existência do
anímico e do espiritual. O mesmo era para as faculdades morais do homem;
“O mal que surge no indivíduo é apenas um fenômeno natural, assim como
o homem inteiro”.
Pode-se então avaliar a situação dolorosa de um homem como Rudolf
Steiner, crescendo naquele final de século, já que desde sua infância o
mundo espiritual surgia-lhe sem cessar, da maneira mais evidente. Mas ele
só pôde justificar sua concepção aos seus próprios olhos, correlacionando-a
ao método científico de Goethe, bem como aos resultados dos pensadores
idealistas alemães (Schiller, Fichte, Scheling, Hegel). Até que ponto podese demonstrar que no pensamento humano um espírito real está agindo?
Rudolf Steiner respondeu a essa pergunta em suas duas obras
fundamentais: “Epistemologia do pensamento Goetheano” (1886) e “A
Filosofia da Liberdade”. Nesses livros ele chega a uma opinião contrária à
de Moleschott e de muitos outros: “O mundo dos sentidos é, na realidade,
um mundo espiritual; e a alma vive com esse mundo espiritual quando
prolonga até ele sua consciência” e: “O que incita o homem a agir
moralmente é a revelação do mundo espiritual, resultado da experiência
que faz a alma” (ibidem). O objetivo dessa “Filosofia da Liberdade”, pela
qual Rudolf Steiner conseguiu vencer de dentro o materialismo, era de
mostrar que o mundo sensível é, em realidade, uma entidade espiritual a
que o homem, como alma, “vive no espiritual graças ao verdadeiro
conhecimento do mundo sensível”. Assim foi criado o fundamento de uma
ciência conforme ao espírito, na qual a entidade humana encontra o lugar
que lhe cabe como corpo, alma e espírito. Tal fundamento é igualmente
indispensável para se estudar a correspondência entre a alimentação e a
vida da alma. Ele permite distinguir claramente as qualidades psíquicas das
qualidades espirituais.
RESULTADOS DA “FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO”
Este jovem ramo da Zoologia carregou-se de uma pesada hipoteca ao
voltar-se para o comportamento humano. Konrad Lorenz, considerado
justamente o fundador da ciência comparada dos comportamentos, buscou
paralelismos entre os resultados da psicologia animal e o comportamento
191
do homem, com a intenção de trazer uma contribuição decisiva a uma nova
antropologia. Por mais interessantes que sejam, tomados à parte, os
resultados dessa pesquisa, e enquanto fenômenos sejam úteis para
enriquecer nosso conhecimento do comportamento animal e humano, não
se saberia admitir o princípio que está em sua base. Aliás, percebe-se como
mudou pouco o método de investigação nos seus postulados, desde o
último século, mesmo que o enfoque seja nitidamente deslocado para novos
objetos.
É assim que Lorenz, por exemplo, limita esse método desde o início,
quando declara: “A tentativa para se aproximar de uma compreensão dos
fenômenos da alma pelo caminho da análise causal exige um a priori que é
de uma evidência axiomática para o biólogo, ainda que tenha sido repelida
por certos metafísicos: é que todo fato “puramente psíquico” é ao mesmo
tempo “um fato neurofisiológico”. Aqui o psiquismo está reduzido à sua
expressão por “fatos neurofisiológicos”, ao passo que, na realidade ele é
capaz de se exprimir através do homem inteiro, sendo o sistema nervoso
apenas um instrumento corporal para esse fim. Ademais, a natureza desse
psiquismo permanece obscura, bem como a distinção entre os fenômenos
da vida e os da alma. “Todo fato psíquico está subordinado aos fenômenos
da vida” (ibidem). Assim são necessárias séries reservas sobre a afirmação
de que “o pensamento causal do homem... é o mais regulador e o mais
finalista de todos os fenômenos orgânicos sobre este planeta”. O mesmo
quando Lorenz declara: “A liberdade de velocidade e estrutura que
apresentam esses desempenhos é apenas uma ilusão resultante da estrutura
e da coloração de elementos (nervosos) complexos ao infinito. Esses
desempenhos são então também perturbados por certas lesões, não importa
qual sua função mecânica”. Aqui, o etologista, por mais moderno que
queira parecer, coloca-se na escola de Moleschott, Feuerbach e Buechner.
Essa etologia, a despeito de tudo o que ela nos fez ganhar no domínio dos
fatos particulares, limita-se a si mesma ao declarar: “Ignoramos como e por
quê centros foram criados no Gyrus suprammarginalis (do cérebro) para a
prática, o conhecimento e a linguagem; como e por quê o cérebro humano
adquiriu seu grande volume e sua extrema diferenciação, sobre os quais se
edifica o pensamento conceitual e toda a evolução do homem... não o
compreendemos, tal como não podemos encontrar no decorrer da
evolução" (ibidem). Qualquer que seja, nós saudamos de bom agrado o fato
de que ele aqui novamente falou da alma e do espírito. Adolf Portmann,
192
entretanto, exprime-se de uma maneira muito mais realista em seu livro:
“Novos caminhos para a biologia” (1960). “A pesquisa que analisa a
substância viva pelos meios químicos e físicos nos distancia cada vez mais
da experiência direta. É preciso não fazer nenhuma ilusão a esse respeito,
mesmo se cremos que talvez num futuro distante encontraremos a
explicação da matéria, assim como da experiência (Erlebnis) e, finalmente,
da alma, prefiro declarar que não compartilho dessa opinião”.
Essa reserva é igualmente colocada quando se quer aplicar aos homens
os modos de comportamento dos animais. H.Glatzel escreve com razão em
seu livro: “Fisiologia do Comportamento na Alimentação”: “O fato de que
o comportamento humano seja determinado não somente por impulsos e
processos afetivos, mas também por representações e idéias, é algumas
vezes esquecido, e a tentação de tirar das formas de conduta animal
deduções sobre o comportamento humano, sem o suficiente conhecimento
dos resultados da sociologia, da psicologia e da psiquiatria, parecem
seduzir realmente muitos zoólogos tornados etnólogos”. Em qualquer
direção que caminhemos com esse problema, sempre chegaremos ao
“Ignoramus et Ignorabimus” de Du Bois – Reymond. O neurologista
Yasargil, de Zurique, escreve: “Os conhecimentos científicos da natureza
não autorizam tirar conclusões que expliquem os fenômenos que nos
parecem dualistas. É preciso repudiar como ilógica toda alusão a pontos de
contato e a relacionamento entre as funções somáticas e as funções
psíquicas...” A isso acrescentaremos que, sem uma ampliação da
consciência será realmente impossível um substrato utilizável para uma
ciência do comportamento. Ora, essa ampliação existe depois que se ativa a
ciência espiritual moderna.
OS ESCLARECIMENTOS DA CIÊNCIA ESPIRITUAL
Na “Ciência Oculta”, Rudolf Steiner fala também do comportamento
do homem em relação ao que concerne à memória, que é uma das
propriedades importantes da alma. Quando se observa o animal nesse
sentido, percebe-se a diferença entre seu comportamento e o nosso. O
animal não tem memória no sentido humano da palavra. Ele se conduz
então psiquicamente, de uma maneira diferente que a nossa, pois uma
193
memória só pode existir quando um ser é capaz de conferir duração às suas
experiências. É por essa razão que o animal deve se comportar, frente a seu
alimento, de uma maneira totalmente diferente do homem. Com a tomada
de consciência de um elemento durável, estável, no seio da constante
mudança de suas experiências, começa a se acender no homem, mas não no
animal, o “sentimento do Eu”. Para o animal, uma impressão dissipa a
outra. O ser humano, pelo contrário, pode transportar uma consciência de
uma impressão a outra. Por exemplo, o homem não pode ser incitado pela
visão ou pelo odor de um alimento, bem como pela sensação interna de
fome, ao lembrar-se do prazer que tenha precedentemente experimentado
ao comê-lo. Ele pode contrariamente ao animal, desenvolver
suficientemente sua liberdade para decidir por si mesmo seu
comportamento.
No que concerne à nossa relação psíquica com a alimentação, o
fundamento instintivo tem o primeiro papel, mas muito mais no animal do
que no homem. Enquanto o animal está solidamente acorrentado ao seu
instinto e lhe obedece quase inconscientemente, o homem pode, ao menos
parcialmente, desligar-se dele, e no futuro ele o fará cada vez mais. Nos
tempos primitivos ele possuía um instinto muito seguro em relação aos
alimentos e também aos remédios. Esse instinto desapareceu na medida em
que se desenvolvia sua inteligência. Atualmente ele ainda age nas crianças,
na escolha dos alimentos. A maior parte da nossa alimentação foi criada a
partir de um instinto que repousa, em realidade, sobre uma ligação
espiritual subconsciente com o mundo dos alimentos. Isso se reflete
igualmente em inúmeros costumes e hábitos alimentares nos mitos e
lendas. Temos aí um mundo repleto de sabedoria, que se esvai cada vez
mais, é mal compreendido e está em decadência.
Rudolf Steiner fez uma exposição muito explícita sobre o instinto,
dizendo que, na realidade, só podemos estudá-lo graças às formas do corpo
físico. Olhemos as formas dos corpos físicos na série animal; aí
reconheceremos a imagem de diversos tipos de instintos. Reconhecemos
então como o instinto é diferenciado, por exemplo, nas formigas ou nas
abelhas, nos pássaros ou nos bovinos. É a vontade que se exprime como
instinto.
O corpo físico torna-se vivente pela presença de um corpo etéreo e se
apodera do instinto, a vontade torna-se impulso (ibidem). O mesmo ocorre
194
no homem. O que é impulso surge já como experiência interior de alma,
enquanto que o instinto parece ser, acima de tudo, impresso do exterior. O
impulso para o alimento é guiado diretamente pelas necessidades da vida
corporal. Em tempos pré-históricos o homem inventou por instinto
cozinhar sua alimentação. O instinto guiava também a procura e a escolha
dos alimentos. Em nossos dias, onde se dispõe de tudo, tornamo-nos
interiormente menos seguros e bem frequentemente não temos qualquer
idéia do que se deve escolher. Raramente o instinto nos diz o que é bom
para nós. O instinto e o impulso podem se transformar ainda em desejo,
tanto no homem como no animal. O ato instintivo torna-se então um ato
consciente.
O TRIPLO MUNDO DOS INSTINTOS, DOS IMPULSOS E DOS
DESEJOS
Ele corresponde à tríplice organização física, etérea e psíquica, somente
no homem ele pode ser transformado por algo superior: o Eu. Torna-se
então um “motivo” para o ato voluntário, sendo esse o objetivo final de
toda metamorfose no homem.
Esses esclarecimentos eram indispensáveis antes de tratar o tema:
“Alimentação e vida da alma”.
Rudolf Steiner aconselhou massagens leves no baço, órgão regulador
dos estados voluntários inconscientes, pois este tratamento “equilibra a
atividade instintiva do homem”. “Ele encontra então mais facilmente os
alimentos que lhe convêm ou não”. É fácil compreender todo o interesse
que esse procedimento poderia despertar nas clínicas, nas creches, nas
casas de repouso, etc.
Tocamos aqui forçosamente na Pedagogia. Releiamos “A educação da
criança à luz da ciência espiritual”. Aí lemos que um corpo físico sadio
reclama o que lhe convém melhor. Mas se pode pecar gravemente contra os
instintos da criança. As crianças perdem seu instinto quando são colocadas
na impossibilidade de se unir psiquicamente, como é preciso, à sua
alimentação, à sua qualidade e à sua quantidade, sobretudo se começa a
“engordá-las” desde a idade da mamadeira: Bunge já tinha percebido que
195
os bebês alimentados com a mamadeira eram mais facilmente
superalimentados que os outros. “Nesses bebês não se via surgir a tempo a
sensação de saciedade que regulariza a mamada nas crianças nutridas no
seio”. O instinto da saciedade tornou-se incerto atualmente, e para os bebês
a super-alimentação conduz à aceleração do desenvolvimento fisiológico,
com todas as suas conseqüências. Entre os perigos da super-alimentação,
mesmo na idade adulta, há o consumo excessivo de albumina (proteínas).
Empanturra-se então de forças de vida e de crescimento. O resultado disso
é que o instinto perde toda sua segurança. Se, pelo contrário, limitamos
corretamente o consumo protéico, esse instinto se conserva melhor.
Agora devemos nos perguntar em qual domínio nasce o desejo. Ele se
eleva a partir do “homem interno”, e podemos observar muito nitidamente
que ele constitui uma parte da alma. Experimentamos, portanto, também
que ele está ligado ao corpo. O mundo dos desejos está ligado à nossa “vida
dos sentimentos”, mas na sua parte ligada ao corpo. É por isso que a
ciência espiritual fala a respeito o “corpo de sentimento”, portador de todos
os sentimentos em sensações dependentes da vida corporal. Mas o homem
pode orientar seus sentimentos para o pensamento, o que os liberta de suas
obrigações corporais. “O homem não obedece cegamente a seus impulsos,
instintos e paixões, ele reflete...” Ou seja, o homem pode, na vida psíquica,
elevar-se acima da animalidade, mas pode igualmente utilizar seu
pensamento para chegar aos meios de melhor se satisfazer. O “gourmet”,
por exemplo, satisfaz seus impulsos nutricionais com refinamento.
Pela sua “alma de sentimento” o homem é ainda parente do animal. Mas
enquanto os animais obedecem imediatamente aos seus impulsos e desejos,
e não podem se livrar deles, o homem pode transformá-los e orientá-los
para objetivos mais elevados. É o que ele faz quando pensa. É o seu Eu que
lhe confere esta faculdade. Ele pode então ser educado ou educar-se a si
mesmo. É por isso que se distingue um homem evoluído de outros.
Os desejos não cessam de emergir na vida da alma e eles sempre são
novos. Nascem e morrem. Eles se inflamam à vista de um alimento que se
aprecia (ou mesmo à simples idéia deste alimento). O efeito das vitrines de
lojas e da publicidade nos jornais é considerável.
Face a esse fluxo e refluxo de desejos, o homem pode desenvolver sua
consciência do Eu, ele pode fazer dominar sua “alma do intelecto” e sua
196
“alma da consciência”. Podemos dizer então que ele “motiva” sua
necessidade de alimento. O desejo converte-se em “motivo” voluntário. O
homem age então com discernimento, mesmo em relação a seus alimentos.
Ele é livre nessa parte de sua vida psíquica, liberado da dominação do
corpo. Ele pode começar a se tornar “consciente do Eu”, mesmo na sua
alimentação. Esse é um dos objetivos para os quais devem encaminhar-se
nossos contemporâneos.
Talvez seja aqui o momento de mencionar algo exposto por Rudolf
Steiner, num contexto no qual pouco se esperava vê-lo falar sobre
alimentação; na série de conferência sobre o Evangelho de São Marcos. Aí
ele diz que o fato de comer e de beber todos os dias corresponde àquele
“que o pensar pode muito dificilmente pelo pensamento compreender...” É
necessário muito tempo até que uma pessoa que siga um treinamento
espiritual chegue a incluir esse tipo de coisas em sua vida espiritual... mas
existem atualmente métodos, graças aos quais podemos aprender a nos
representar que lugar uma maçã ou uma outra fruta ocupam no conjunto do
universo”. Podemos então também “espiritualizar os processos mais
quotidianos e mais materiais.” E acrescenta: “na verdade, somente uma
minoria de pessoas, atualmente, é capaz de conceber idéias plenamente
válidas sobre o fato de comer”.
O que Rudolf Steiner assinalava já por essas palavras, ele não cessou de
aprofundá-lo e ampliá-lo a partir de 1911. Em última análise, aquilo para o
que tendemos na presente obra não é nada mais do que aprender como se
pode estender ao domínio da alimentação nossa consciência bem desperta
do Eu. Após 1911 essa necessidade tornou-se cada vez mais urgente e vital
para toda nossa civilização. Em 1924, quando Rudolf Steiner retornou a
Dornach, após o Curso Agrícola que ele tinha dado em Koberwitz, ele
declarou que no domínio antroposófico pode-se agir em duas direções: do
lado das mais elevadas realidades espirituais e do lado da vida prática... “e
que a tarefa essencial seria doravante fazer intervir o espiritual nos
trabalhos práticos imediatos”. Desde então tem sido essa, cada vez mais, a
ordem do dia. Em suma, em Koberwitz, Rudolf Steiner colocou não apenas
os fundamentos de um novo método de agricultura, mas ainda os de uma
nova dietética.
197
NÃO É O ALIMENTO QUE NUTRE, É A ALMA
Esse aforisma de Aristóteles pode ser assim interpretado: “O homem
normal não come para se reabastecer de calorias, de proteínas e de
vitaminas, mas porque ele encontra aí um prazer gustativo” (Glatzel). Os
diversos sentidos; visão, olfato, paladar, e mesmo a audição e o tato,
participam da sensação que lhes é agradável ou desagradável. Mas nos
tempos antigos, as forças do instinto, plenas de sabedoria, comunicavamlhe de maneira objetiva uma ligação com sua alimentação e dessa maneira
era guiado para alimentos favoráveis à sua saúde. Ele não tinha necessidade
de refletir aí, e ele teria sido incapaz para isso. Vivia em união com a
natureza, que lhe dispensava seus bens. Mesmo seus impulsos estavam a
serviço dessa comunhão totalmente inocente. Em seus instintos vivia ainda
uma clarividência atávica, graças à qual o homem estava abrigando no seio
de uma natureza que ele sentia “divina”. Atualmente encontra-se ainda esse
fenômeno em civilizações ditas “primitivas”; disso restaram numerosos
traços: hábitos e tabus alimentares, que muito frequentemente nem mesmo
os “primitivos” sabem mais compreender. Em compensação a atitude dos
civilizados quanto à nutrição tornou-se abstrata e banal; ela contrasta
inteiramente com essa alegria das almas de outrora à vista das florestas, das
campinas, das fontes de remédios e de alimento. Essas tradições
prolongaram-se até a medicina e a dietética de Hipócrates e Galeno. Por
elas, o homem era preservado ao mesmo tempo do apetite egoísta e do
impulso solto (guia), bem como dos desejos de prazer refinado.
Esses perigos já eram conhecidos no início da Idade Média e Santo
Agostinho fala deles em suas “Confissões”: “Tu me ensinastes a utilizar os
alimentos e a bebida como remédios, que eu tomo; mas então mesmo que
eu passe dos sofrimentos da inanição à paz da saciedade, o pecado da
concupiscência atinge-me com todas as duas armadilhas... E enquanto o
objetivo do beber e do comer é de entreter o corpo, o prazer perigoso aí se
insinua e o acompanha... Frequentemente ignora-se se é o corpo que pede
ainda ajuda, ou se é a concupiscência que nos engana”.
No fundo, esse problema inquietou a humanidade durante milênios e nas
mais diversas civilizações. Era de ordem moral e religiosa. Ele se exprimia
pelos jejuns rituais, pelo ascetismo. Na Idade Média cristã a abstinência ou
198
a redução de alimento jogavam um papel considerável, em conjunto com as
festas e como meio de purificar a alma, dominando-lhe sua natureza
inferior.
O JEJUM, A DIETA E A ASCESE
O jejum permaneceu finalmente apenas na prática médica, que lhe
atribui certa importância, quer seja prescrito pelo médico, ou parta de uma
iniciativa pessoal. Certamente esse jejum terapêutico, que parece ter
voltado à moda nos últimos tempos, deveria dar-se conta, sob todos os
aspectos, do homem inteiro e, acima de tudo, de sua individualidade. Um
dia de jejum por semana terá sobre muitas doenças um efeito salutar.
Médicos como Bircher-Benner, Buechinger e Heun fizeram experiências
nesse sentido.
Mas é interessante constatar que Rudolf Steiner, além de suas
numerosas consultas terapêuticas, jamais aconselhou curas por jejum
propriamente dito. Ele via no jejum vários perigos para o homem moderno,
esta solidão psíquica indo até o sectarismo, o fanatismo e o dogmatismo.
Tudo isso lhe era tão estranho quanto possível, sendo esse, sem dúvida o
motivo pelo qual recomendou aos médicos de jamais prolongarem
inutilmente os regimes, que “fazem do homem um ser associal”. Ele diz a
respeito do jejum: “Rebelando-se contra o apetite não servimos aos órgãos,
nós os hipertrofiamos e os fazemos degenerar”. Mas a esse respeito seu
pensamento era extremamente sutil e cheio de tonalidades. Ele disse, por
exemplo, que se o homem se submete a um regime que lhe é ordenado, isto
torna suas forças psíquicas passivas; ele pode até mesmo sofrer certa
sugestão. O contrário ocorre se o regime é decidido por si mesmo, após têlo experimentado.
A ascese de inspiração católica relevava uma concepção filosófica
especial, ocasionando o desprezo à natureza: acreditava-se obter assim um
acesso ao espírito. Essa concepção deve ser rejeitada atualmente e
substituída por um novo conhecimento do que é a matéria. “Devemos
chegar a nos representar novamente a natureza como algo inteiramente
espiritualizado. Devemos renunciar a desprezar a natureza”.
Isso não significa de maneira alguma que Rudolf Steiner tenha ignorado
a importância da ascese na história da espiritualidade. Numa conferência
em 1905 sobre a alimentação, lê-se que “durante um período de trabalho
199
espiritual á particularmente importante” viver com frugalidade, pois a
frugalidade “purifica os sentimentos, desperta a inteligência, alegra o
humor e fortifica a memória. A alma é então aliviada de seu fardo terrestre
e goza assim de uma maior liberdade”. A esta citação de um “sábio antigo”
ele acrescenta que, segundo sua experiência, comer muito freia a
produtividade espiritual. É por isso que a maior parte dos grandes espíritos
viveu frugalmente. “O espírito nunca é tão lúcido quanto após um longo
jejum”. Também os grandes santos viveram de frutas, de pão e água, e não
se conhece nenhum santo que tenha realizado milagres após uma opulenta
refeição.
Mas nesses tempos e, sobretudo na Antiguidade, tinha-se ainda “O
sentimento das ligações entre o microcosmo e o macrocosmo. Exigia-se de
cada membro adulto da comunidade que em datas determinadas, ele se
tornasse mais acessível a certas forças espirituais”, o que era realizado pela
temperança. Aquele que se rebelava contra essas leis expunha-se, em todo
caso, a ser excluído da comunidade.
ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS
Já dissemos que em nossa época deve reinar a liberdade nesse domínio,
além da compreensão individual e da livre decisão. Bunge explicou nos
seguintes termos porque se abstinha de álcool: “Recuso a acusação que me
fazem de ser um asceta. Eu afirmo que quando um homem renuncia
completamente às bebidas alcoólicas ele não se priva de nada de nenhuma
maneira. Ele nada faz do que ganhar em alegria de viver, em felicidade...
Os esforços intelectuais são muitos mais suportados quando se evita
cuidadosamente todo álcool”. Bunge serve assim de modelo a uma plêiade
de espíritos eminentes.
Qual é a posição de Rudolf Steiner? Numa conferência sobre a “Ascese
e a doença”, ele explicou que a palavra grega “ascese” significa “exercitarse”, “esforçar-se” e também “fortificar-se”. Um exercício ascético das
forças da alma, na época atual, só pode significar “clarificar e purificar o
pensamento, o sentimento e a vontade, torná-los mais fortes, a fim de que
triunfem da corporalidade”. Como se vê, o caminho da ascese moderna se
200
dirige para a direção oposta à da antiga. Outrora, por meio de privações de
todas as espécies, repeliam-se as forças vitais para que a alma se
fortificasse e se abrisse ao espiritual. Essa ascese tornava os homens
estranhos ao mundo. “Mas a verdadeira e autêntica ascese forma um ser
humano cada vez mais útil ao mundo”.
Nesta concepção moderna da ascese uma prescrição de dieta ou de
regime “pode ser somente um socorro acessório e externo para
proporcionar certo alívio à corporalidade”. Pode servir de apoio a um
tratamento medicamentoso. Assim, um regime vegetariano pode ser o
auxiliar de um treinamento espiritual da alma. “Um homem que se
desenvolve espiritualmente e se utiliza do vegetarianismo, torna-se mais
vigoroso, mais eficaz e mais resistente”. Ele pode não somente rivalizar
com qualquer comedor de carne, mas ele o “ultrapassa em capacidade”.
Lembremos também, ao mesmo tempo, que “enquanto se experimenta a
necessidade e o desejo de comer a carne, o vegetarianismo não serve
absolutamente para nada”, pois “somente quando o prazer de comer carne
desapareceu completamente é que se tem a atitude necessária para que essa
abstinência tenha qualquer utilidade no domínio espiritual”. O que é
essencial, em nossa época, é a ascese interna, anímico-espiritual, e é
necessário guardar-se aqui dos erros, ilusões e desregramentos.
É preciso ainda que se tome consciência desses riscos de erro e de
desregramento. No capítulo sobre os processos do olfato e do paladar,
citamos o que Rudolf Steiner expôs em 22 de julho de 1921. Voltemos a
ele uma vez mais. Vimos que a organização dos sentidos não é a mesma no
homem e no animal. Distinguimos três regiões sensoriais no homem:
superior, média e inferior. O olfato e o paladar fazem parte da região
mediana. Eles são nitidamente afetivos, enquanto que o sentido auditivo,
por exemplo, (sentido superior) é acima de tudo conceitual. Quanto ao
sentido do tato, ele tem, sobretudo um caráter volitivo. Pelo olfato e pelo
paladar aparentamo-nos à alma do animal, pois esses dois sentidos são
extremamente desenvolvidos neste último, tornando-o muito mais
dependente do que nós de seu meio. Nosso paladar, em particular,
aproxima-nos dos processos metabólicos internos; o olfato tem ligações
muito nítidas com os processos sexuais; resumindo, esses sentidos
acorrentam nossa “alma da sensibilidade” às profundezas do nosso corpo e
as funções aparentadas com a animalidade.
201
Chegamos dessa maneira a estabelecer que pelos sentidos superiores
nossa relação com o mundo é bem diferente do que pelos sentidos
medianos ou inferiores. O processo gustativo permanece objetivo; é um
processo que faz parte do mundo. Pode-se ter a tentação de perceber com
os sentidos superiores como se faz com os sentidos medianos, olfato e
paladar. Isso conduz a uma “atitude imoral”, que nós já mencionamos, pois
“rebaixam-se os sentidos superiores, visão e audição, atribuindo-lhes
caracteres reservados aos sentidos inferiores”. Tem-se então, por exemplo,
frente aos semelhantes, reações “doces” ou “ácidas”, que somente deveriam
ocorrer, fisiologicamente, frente aos alimentos.
EVOLUÇÃO DOS HÁBITOS ALIMENTARES
Sem dúvida alguma, existe aqui para o homem um grande obstáculo. A
história está repleta de exemplos que o mostram. O bem-estar sempre
esteve ligado a uma “cultura do paladar” mais “refinado”, mas que é na
realidade mais grosseiro, pois é apenas um mergulho mais profundo na
parte animal de nosso corpo. Chega-se aos excessos da mesa, aos prazeres
gastronômicos sofisticados, à libertinagem e à superalimentação. Nos
países civilizados esse mal reina atualmente por toda parte. Ocorre aí uma
relação nociva entre a vida da alma e a alimentação, sintoma irrefutável de
decadência.
Conta-se que na Roma antiga, numerosos livros culinários forma
publicados e que mesmo pessoas de muito alto nível se ocupavam com a
gastronomia e redigiam tais livros, por exemplo, Martius, amigo de César,
sobre temas como “O cozinheiro”, “O mestre copeiro”, “A fabricação de
geléias”... o célebre gastrônomo Apicius publicou uma obra, em dois
volumes, sobre a arte culinária na época do Imperador Tibério. Conta-se
que o Imperador Vitellius, bem conhecido por sua gula, deu para seus
irmãos um festim onde foram servidos 2.000 peixes e 7.000 pássaros. É
bem nítido que toda essa boa comida contribuiu para o declínio dos hábitos
e a destruição progressiva do império, ainda que tenham sido necessários
vários séculos para se completar a queda.
202
Uma evolução semelhante caracterizou na França a cultura “clássica”. A
“gastrosofia” desenvolveu-se particularmente na Corte. Novamente,
pessoas altamente colocadas revelaram-se cozinheiros inventivos. É assim
que o intendente geral de Luiz XIV, Béchamel, marquês de Nointel, criou o
célebre molho que traz o seu nome. Um marechal francês, Conde, conhecia
tão bem a arte culinária como fazer a guerra. “O luxo alimentar na França
do século 17 era apenas conveniente”, escreveu um especialista. Mas a
escolha dos alimentos, a delicadeza das preparações, o serviço de mesa
complicado, os “couverts” luxuosos, as bandejas quentes e perfumadas,
etc., tudo isso tendia para afinar esses prazeres e para fazer triunfar o
espírito.
Pode-se ia também falar dos festins do tempo da Renascença, se bem
que naquela época a quantidade predominava sobre a qualidade.
A evolução dos hábitos alimentares é um reflexo exato da alma humana.
Até a alvorada dos tempos modernos a relação da alma com a alimentação
era muito diferente daquela em que se tornou. A arte culinária era ainda
muito próxima da arte médica, e as concepções que se tinha sobre a saúde,
a doença e os medicamentos, aplicavam-se simultaneamente à alimentação
e aos regimes. Sentia-se ainda forças concretas que passavam do alimento
para o homem e que eram chamadas, na medicina hipocrática de: o úmido,
o seco, o quente, o frio. Equilibrava-se esses diferentes fatores, uns eram
“temperados” pelos outros. Essas considerações não visavam unicamente
aquilo que se chama hoje em dia de valor nutritivo, mas ainda os efeitos
psíquicos dos gêneros alimentícios.
Tais são os bastidores do jejum, da temperança, da abstinência pregados
nas mesmas épocas. E é também aí que se encontra uma das principais
raízes da profunda necessidade que tinham os homens de refeições tomadas
em comum, de comunidades criadas ao redor de uma mesa (mesa redonda),
etc.
PONTOS DE VISTA FISIOLÓGICOS
Já mencionamos quão importante metamorfose se fez no homem desde o
antigo “cérebro olfativo” até o “cérebro frontal”, instrumento de nossa
203
interiorização, de nossa emancipação. Esse cérebro frontal permite ao
homem criar idéias individuais, em lugar de dever obedecer cegamente
como a maior parte dos animais, às ordens de um universo de odores.
“Se o homem tivesse um cérebro olfativo tão poderosamente
desenvolvido como o do cão, ele não teria fronte”, disse Rudolf Steiner;
“em compensação o homem tem a faculdade de formar idéias, com seu
cérebro tornado frontal”. Mas os animais inferiores ao cão têm um sentido
olfativo ainda mais desenvolvido. Rudolf Steiner falou uma vez das
andorinhas e dos pássaros migratórios em geral: na realidade, para essas
grandes viagens, “os pássaros guiam-se por partículas odoríferas
infinitamente diluídas na atmosfera”. Atualmente, os resultados dessa
investigação espiritual foram confirmados pela fisiologia do
comportamento, principalmente no que se refere aos peixes. As trutas e os
salmões voltam sempre ao seu local de nascimento. Nos EUA, perfumou-se
ligeiramente a água de um instituto de piscicultura e, em seguida, após a
partida dos jovens peixes, fez-se o mesmo com a água de deferentes cursos
d’água desconhecidos pelos peixes. Quando de seu retorno, os peixes
marcados pelo controle nadaram para todas as águas “perfumadas”.
Entretanto, o homem transportou esta faculdade para o seu cérebro. E
quando ele é particularmente inteligente ele sabe muito bem “sentir”,
“farejar” a realidade das coisas. É então nossa razão combinatória que é
intimamente ligada a esse antigo centro olfativo. E quando cultivamos
intensamente esse tipo de pensamentos, como ocorre atualmente, isto
determina toda nossa atitude anímico-espiritual. Rebaixamos assim um
pouco o nosso pensamento, aproximando-o mais dos sentidos inferiores
que dos superiores. Isso explica porque talvez a gulodice e o refinamento
gastronômico estão tão ligados à inteligência do calcular e do homem de
negócios.
A FOME E A SEDE
A regulação de nossa necessidade de alimento pela fome e pela sede
tem também algo a ver com a nossa alma. O que é na realidade a fome e a
sede? São estados psíquicos que se sentem, sobretudo no corpo, dos quais
204
não temos uma consciência muito precisa. Experimentamos a fome “no
estômago” e a sede “na garganta”. Brillat-Savarin, em sua célebre
“Fisiologia do paladar”, escreve a respeito do apetite: “Entende-se por essa
palavra a primeira impressão da necessidade de comer”, ou seja, uma
experiência da alma. Ao mesmo tempo em que “o apetite se anuncia por
certa languidez no estômago, a alma se ocupa com objetos análogos às suas
necessidades”. A continuação é contada com um autêntico “charme
francês”: “Durante esse tempo, o aparelho nutritivo manifesta-se todo
inteiro, o estômago torna-se sensível; os sucos gástricos exaltam-se; a boca
preenche-se de sucos e todos os poderes digestivos estão sob as armas,
como soldados que aguardam nada mais do que o comando para agir.
Ainda alguns momentos e ocorrerão movimentos espasmódicos, bocejarse-à, sofrer-se-á, ter-se-á fome”. Em termos mais modernos: “Entendemos
por fome o desejo de alimento, tal como se apresenta subjetivamente como
experiência vivida e objetivamente como complexo de comportamentos e
de sintomas físicos” diz Glatzel, que acrescenta: “A experiência aguda da
fome é um dado imediato, indefinível, mas como sensação geral não
equívoca ela pode se combinar com sensações locais de pressão, de nó ou
estrangulamentos no alto do ventre, por trás do esterno e na garganta”.
Mas podemos aprofundar esse problema. Podemos perceber que
experimentamos na fome uma necessidade de alimento terrestre, e que
regularizamos assim nossa relação com a terra em geral, pois a fome se
refere aos alimentos sólidos. O que aí se exprime é a nossa necessidade e a
nossa faculdade de nos ligar à terra, de ingerir coisas terrestres e sobre elas
triunfar. Enquanto um homem ainda tem fome, - por exemplo, na velhice –
ou quando recomeça a ter fome – por exemplo, após uma doença – movemse forças nele que o acorrentam novamente ao corpo da terra. Nesse
sentido, a fome e o apetite são o contrário do jejum, da ascese ou da
anorexia. Na fome, a alma experimenta que ela deseja a existência terrestre.
Conhece-se a seguinte anedota: César soube certo dia da morte de um de
seus amigos. Ele teria bradado: “Como, este homem está morto: E, todavia
ele tinha sálvia em seu jardim!” (Cum moriatur homo cui Salvia crescit in
horto?) A sálvia era nessa época bem conhecida por suas virtudes
aperitivas. E enquanto se tem apetite, não se morre.
A fome é uma experiência rítmica, ligada ao decurso do dia, um ritmo
que para o homem é o ritmo do Eu, como já dissemos. Nosso Eu, que se
205
encarna num corpo terrestre, cria assim diariamente pela fome uma
experiência renovada sem cessar de sua encarnação, para se experimentar
em suas capacidades de dominar a terra, de espiritualizar a matéria.
Quando o estado de inanição se prolonga, ocorre uma atrofia
progressiva dos órgãos do metabolismo (estômago, intestino, fígado, rins,
etc.), bem como dos músculos. O cérebro, pelo contrário, permanece
incólume por muito tempo, sofrendo lesões apenas nos casos extremos.
Entretanto, já expusemos que ele tem necessidade de alimento terrestre. A
cabeça humana é essencialmente o “corpo físico” e, na subnutrição esse
caráter da cabeça estende-se ao corpo inteiro: ele se torna “todo cabeça”. Já
na super alimentação, ocorre uma espécie de “amolecimento do cérebro”
(ibidem). O apetite, que depende do Eu, é individualmente marcado, pois
ele exprime a relação do indivíduo com a terra.
Rudolf Steiner fazendo a pergunta: Onde “localiza-se” realmente a
fome? Responde assim: no pulmão. É o pulmão que liga o homem à terra,
desde seu primeiro sopro até seu último suspiro; ele regulariza
profundamente no homem um processo formador terrestre. É o que se pode
observar, por exemplo, na metamorfose dos brônquios em pulmões, quando
um animal aquático torna-se um animal terrestre (batráquios, peixes
dipnóicos). No mesmo tempo do pulmão, surgem os membros para a
locomoção terrestre.
A fome é então, nesse sentido, a expressão do egoísmo. A fome cria as
inimizades entre os homens. Aniquila os laços da camaradagem, da
amizade e do amor. “A fome destrói a comunidade”, (Glatzel). A fome
impede a concentração mental e a atividade pensante, pois o cérebro deixa
de ter alimento. Neste estado os homens tornam-se “adormecidos, com
sonhos diurnos e alucinações” (ibidem).
É de uma maneira totalmente diferente que se deve visualizar a
experiência da sede. Frequentemente ela é confundida com a da fome, mas
trata-se de uma experiência íntima bem diferente. Ela não se orienta mais
para a terra física, mas ao nosso corpo vital, etéreo. Já explicamos antes
que este corpo age em princípio ao contrário do corpo físico. Ele vive na
força ascensional, na vitória sobre o peso. Entretanto, ele é muito mais
ligado á materialidade do corpo físico do que o é a alma ou o espírito, que
206
se libertam e se desligam dele cada vez que se dorme. Esse corpo etéreo
penetra, sobretudo a organização metabólica e o sistema rítmico.
Os sintomas da sede já nos ensinam que se pode suportá-la por muito
menos tempo do que a fome. A sede é muito mais torturante que a fome.
Quando as forças formativas não se tornam mais ativas, ocorre uma rápida
destruição do corpo. A vida extingue-se e o anímico-espiritual se separa
dele.
É por isso que a regulação do teor de água no organismo é
extremamente sutil: somos extremamente sensíveis às suas variações. Uma
modificação de 1% na proporção de água no líquido intracelular já é o sinal
de uma sensação de sede. Quando se pode apaziguá-la o suficiente, a
variação da proporção de água é apenas de 0,22% em 24 horas. Dois por
cento de água perdida já acarretam problemas bem nítidos, e 15% já trazem
a morte.
Dado que o liquido é o instrumento de todos os processos vitais, o
aporte de substâncias líquidas é de uma necessidade absoluta. Não somente
o equilíbrio eletrolítico do organismo depende dele, mas ainda toda a
regulação do “meio interno”.
“As atividades etéreas no homem têm o seu principal ponto de choque
em suas partes líquidas”, disse Rudolf Steiner. “Esse processo pode ser
considerado como o processo nutricional em si, o que mantém a vida.
Nesse sentido, lembremos ainda uma vez que o mais importante é escolher
ou preparar os alimentos de maneira que eles estimulem esta atividade
vital... e não para que forneçam substâncias nutritivas ao corpo” (ibidem).
O órgão, graças ao qual a sede se satisfaz deve então ser procurado onde
se encontra um centro importante do metabolismo dos líquidos: no fígado.
“É nos sistema hepático que devemos procurar as causas profundas dos
processos líquidos do organismo”. “A sede também está ligada ao sistema
hepático”. Também aqui devemos nos lembrar de como a função hepática
está ligada à vida da alma humana. Nesse sentido, a sede, ainda que a
princípio subconsciente, é um impulso para maior força vital, para um
equilíbrio entre o organismo líquido (principalmente a água dos tecidos) e
os órgãos, para a dissolução e para um quimismo ativo, todas propriedades
particulares do fígado. É por isso que as sensações de sede são sintomas de
uma doença hepática. Além disso, a sede pode tornar-se um estado
207
patológico, que ocasiona por vezes anomalias psíquicas e mentais. Nesse
sentindo Rudolf Steiner abriu perspectivas inteiramente novas que
podemos apenas entrever.
Resulta do que precede que toda fome e toda sede são inícios de
doenças, que são curadas ao serem satisfeitas. Sente-se assim, após cada
refeição, um contentamento interno, devido ao fato de que o organismo
digestivo pode se ativar como deve. Ele está ocupado na dissolução dos
alimentos e o homem experimenta então, em sua alma, certo bem estar, um
prazer íntimo. Nesse sentido, a fome e a sede são atividades anímicoespirituais, pois todo processo nutricional reflete-se finalmente em nosso
“corpo astral”.
É aí que pode aparecer o patológico, quando, por causa de uma
incapacidade da alma, as substâncias alimentares não estão apropriadas às
necessidades dos órgãos, ou penetram por vias aberrantes. Pode resultar daí
não somente perturbações orgânicas, mas ainda decomposições no seio de
nosso “ser líquido”. Rudolf Steiner assinalou que toda doença se apodera
do homem inteiro e que é o seu corpo astral que dirige as matérias
produzidas (patológicas) para um ou outro de seus órgãos. Ou seja, a
origem das afecções internas é sempre devida ao fato de que “substâncias
indesejáveis dissolvem-se em nosso ser líquido”.
Podem ocorrer igualmente irregularidades na passagem contínua do
líquido para o gasoso, isto é, na evaporação interna. Os órgãos então não
podem mais abrandar suficientemente sua “sede”. A causa desse mal pode
ter sido criada na primeira infância, quando o lactente recebia um leite que
não lhe convinha, de sorte que um ou outro órgão tenha ficado insatisfeito.
Neste caso, as relações entre o organismo líquido e o organismo aéreo
ficam perturbadas; ora, este último é estreitamente aparentado ao corpo
astral. Já explicamos precedentemente que a atividade sadia do corpo
astral, da alma, apóia-se especialmente sobre o homem aéreo. Ela pode ser
perturbada em suas relações com os órgãos e ocasionar estados patológicos,
cujo substrato orgânico é bem conhecido atualmente: as doenças ditas
“mentais”. Eis então o que se pode dizer: “na fome reside a causa original
da doença física, e na sede, a da doença mental”.
Essa nova perspectiva, ainda distante para o pensamento de nossos
contemporâneos, lustra claramente as íntimas ligações de todo o processo
208
nutricional com o elemento anímico-espiritual, e Rudolf Steiner pôde dizer
no fim dessa mesma conferência: “É por isso que a Antroposófica é algo
que tende imperiosamente a agir também sobre a higiene e a compreender
com exatidão o que é a saúde. Pois aqui, a influência que uma alimentação
aberrante, nos primeiros anos da infância, pode ter sobre o restante da vida
é evidente; não somente sobre a saúde do corpo, mas também sobre a do
espírito.
A “BENÇÃO”
Como podemos preparar nossa alma, de uma maneira benéfica, com
relação à ingestão alimentar? Esta questão importa, em realidade na relação
entre corporal e o anímico-espiritual.
Já abordamos por inúmeras vezes o tema desse “comportamento”
humano. Mas existe aqui um assunto que, sob esse aspecto e até o
momento, não foi abordado pela fisiologia do comportamento, é o do
significado das “orações de mesa”, ou “Benção”. E não é certamente por
acaso que somos gratos a Rudolf Steiner por um texto de “oração de mesa”:
ela vale para todas as idades e responde às necessidades particulares do
homem moderno, pois exprime não apenas um sentimento, mas ainda e,
sobretudo uma tomada de consciência em relação aos alimentos.
Entretanto, nós nos absteremos de tentar aqui uma “interpretação” dessas
palavras; indicaremos unicamente como essa prece, composta como arte,
endereça-se bem particularmente à alma, que germina em nós como as
plantas germinam na terra. Esta germinação, esta eclosão e esta maturação,
colocadas ao serviço de nossa alimentação terrestre, são entrelaçadas aqui
aos processos anímico-espirituais.
“Germinam as plantas na noite da Terra.
Crescem os brotos pela força do ar.
Amadurecem os frutos pelo poder do Sol.
Assim germina a alma no relicário do coração.
209
Assim cresce o poder do espírito na luz do mundo.
Assim amadurece a força do homem no fulgor de Deus”.
“Es Keimen die Pflanzen in der Erde Nacht.
Es sprossen die Kraeuter durch der Luft Gewalt.
Es reifen die Fruechte durch der Sonne Macht.
So keimet die Seele in des Herzens Schrein.
So sprosset des Geistes Macht im Lichte der Welt.
Se reifet des Menschen Kraft in Gottes Schein”.
Pode-se perceber bem claramente a força harmonizadora que emana
dessas palavras e que une a alma aos alimentos terrestres. E é tão natural
que essa “benção” seja pronunciada quando seres humanos tomam lugar
numa mesa para uma refeição. Isso faz parte de uma boa higiene alimentar.
Rudolf Steiner teria dito um dia que, graças a essas palavras, um fator de
saúde pode se infiltrar até nos processos digestivos, mas é necessário
pronunciá-las da maneira correta. Dessa maneira também emana delas uma
força que cria uma união social e é necessário ressaltar sua importância
para a criação de uma comunidade. Retornaremos a isso no próximo
capítulo.
AÇÕES E REAÇÕES ENTRE A SUBSTÂNCIA FÍSICA E O
ELEMENTO PSICO-ESPIRITUAL DO HOMEM
Já falamos num capítulo precedente sobre o papel que desempenha o
calor, como mediador entre o corpo e a alma. Este é um problema capital,
que ultrapassa de muito a nutrição e toca em questões primordiais da
existência humana. Resumamos então mais profundamente o que
210
expusemos a esse respeito, a fim de precisar sua importância para a
alimentação.
Lembremos que toda nossa alimentação deve ser tomada por nossa
organização interna. Assim o fazendo, nós a privamos de todas as
propriedades naturais que fazem dela um corpo estranho para nós. Esse
corpo estranho é atacado pela totalidade do ser humano: físico, vital,
anímico e espiritual. Este deve desenvolver forças suficientes para destruir
as substâncias e forças do mundo exterior, dissolvê-las e conduzi-las, ao
menos por alguns instantes, ao estado de calor que o caracteriza como
portador de um Eu. “O que nós percebemos no homem, é o seu Eu, sob
uma forma exterior, física”.
Após ter sido assim destruído, e poder-se-ia até mesmo dizer
“putrefeito”, o alimento pode então reaparecer sob outro aspecto, sob a
forma de substância animada e espiritualizada, até mesmo em nossas unhas
e cabelos.
Nosso alimento é, finalmente, “mineralizado”,
simultaneamente, elevado ao nível de éter de calor.
morto,
e,
Não se trata unicamente de uma reação do nosso organismo térmico,
nem de um processo de adaptação ao nosso calor individual: trata-se
também de um encontro com a entidade – calor do cosmos. O alimento
metamorfoseado está pronto então “para acolher em si o espiritual que
provém do cosmos longínquo”. “E é a partir daí que finalmente penetra em
nosso corpo aquilo de que ele necessita, graças à substâncias terrestre
convertida em éter de calor”. Em seguida “condensando-se novamente”,
esta substância torna-se o substrato material dos diferentes órgãos.
Na realidade, ocorre então neste momento uma fecundação cósmica, um
nivelamento das forças cósmicas criadoras, das quais as substâncias
naturais tiram sua origem. Essas se recordam de alguma forma dessa
origem e a ela retornam, no interior do homem, antes de serem rematerializadas, na medida em que o permite o indivíduo.
Neste momento, a “lei da conservação da energia” é abolida; já
dissemos que somente o homem é capaz disso. É então o Eu humano que
aniquila a substância e que, de alguma forma, abre a porta ao poder criador
universal, antes que possa ocorrer a densificação, a descida na
211
materialidade do corpo, e antes que se forme a “individualidade
fisiológica”.
O investigador espiritual acrescenta: “A matéria desaparece até o ponto
zero. A energia desaparece até o ponto zero, em nosso próprio
organismo...” “Um mundo completo”, do qual nos apropriamos com a
alimentação, morre em nós... e como imediatamente nasce um outro, não
notamos que a matéria morre e ressuscita”.
Tudo isso se encontra em contínuo movimento, em contínua flutuação.
É aqui talvez, que se vê enfim, claramente, o que entendemos por dietética
“dinâmica”, pois sem compreender este fenômeno somos incapazes de
conceber o processo nutricional em toda sua amplidão, até em suas
conseqüências quotidianas. Não poderemos saber de quê o homem
realmente tem necessidade para se alimentar.
É necessário mencionar também, ainda que já o tenhamos indicado que
esse jogo dinâmico complexo representa um envenenamento contínuo do
organismo, fator de sobrecarga que cresce atualmente de uma maneira
assustadora. Toda superalimentação intoxica e faz adoecer, mas o mesmo
ocorre com a subnutrição. Toda qualidade alimentar deficiente e todos os
processos injustificados, aos quais se submetem nossos alimentos, antes de
chegar a nós, todo vestígio residual de substâncias realmente tóxicas, etc.,
tudo isso distancia o alimento de seu arquétipo, fazendo dele uma
caricatura. A avalanche das doenças da civilização nos mostra isso, sem
dúvida alguma. Por outro lado, a produção maciça de alimentos de origem
animal, o uso cada vez maior e mais irresponsável de produtos químicos –
de estrógenos, tireostáticos, substâncias arsenicais, etc. , até os aromas e
corantes artificiais, tudo isso manifesta suas ações nocivas sob a forma de
alergias alimentares, de aceleração do desenvolvimento fisiológico, de
“stress”, etc.
Tem-se a vontade de gritar com Ralph Bircher: “Parem! Invertam o
vapor!” E talvez já se pergunte: “Não será muito tarde?” Quando de lê, por
exemplo, “que no Japão, o número de crianças natimortas, cujos corpos
apresentam mal-formações multiplicou-se por 12 durante os últimos 20
anos”, e que esses danos são devidos a 300 diferentes aditivos químicos
que se misturam aos alimentos das mães.
212
Como adquirir as forças de consciência, capazes de introduzirem
realmente uma volta nesta evolução?
A NOVA IMAGEM DO HOMEM - NUTRIÇÃO TERRESTRE E
NUTRIÇÃO CÓSMICA
Já expusemos que o homem – e somente ele, sobre a Terra – elimina em
sua nutrição a lei natural da conservação de energia, a fim de criar um
caminho livre para a neo-criação de sua substância individual. No caminho,
a substância desmaterializada, elevada ao nível de éter de calor, encontra as
forças do mundo cósmico.
É no mesmo “ponto” que se faz também o encontro com a corrente de
nutrição cósmica, que nos chega do mesmo mundo. Pode-se compreender
que essas duas correntes estimulem-se mutuamente e que “se abasteçam os
cântaros com ouro”, segundo a frase de Goethe. Elas se condicionam,
chamam-se reciprocamente, como a inspiração e a expiração. Ocorre então
aí uma tensão de polaridade que exige uma resolução.
Rudolf Steiner disse que essa harmonização das duas correntes de
nutrição, uma terrestre e outra cósmica, ocorre efetivamente no nosso
sistema rítmico. “Aí, tudo influi: a substancialidade e a atividade celestes, a
atividade e a substancialidade terrestres”. Nesse sentido, o coração e o
pulmão são considerados como os centros do processo nutricional. A
substância terrestre sobe para o organismo neuro-sensorial, pois “somente o
sistema neuro-sensorial é feito da substância telúrica”. Aí ela encontra a
corrente de substância cósmica, que desce em direção ao sistema
metabólico e dos membros, no qual se une à corrente terrestre, para se
penetrar pelas forças da vontade que residem no corpo. Essas são as forças
que nos dão a ilusão de um mundo de calorias. Já o mundo das forças
cósmicas realiza-se e se condensa, com a ajuda das substâncias terrestres,
no domínio neuro-sensorial.
Se essas trocas dinâmicas escapam à ciência contemporânea, é porque
ela se restringe ao mundo inorgânico. É justamente por isso que temos
necessidade de uma ampliação dos métodos de pesquisa, de uma dietética
“dinâmica”.
213
O método da ciência espiritual chega então a resolver o problema capital
da existência humana: o da ponte entre o mundo físico e o mundo anímicoespiritual. Essa ponte pode parecer inexistente, e, de fato, não pode ser
encontrada pela ciência comum.
No seio de uma concepção do mundo que faz evoluir a natureza e a terra
apenas entre a nebulosa primitiva e a “morte do calor”, não há lugar algum
para uma ordem espiritual que seja também uma ordem moral, já que se
permanece com a convicção de que o ser humano nada mais é do que um
prolongamento das leis naturais. Ele está então sujeito à necessidade e não
existe nem liberdade nem mundo moral. A energia e a matéria, tais como
reinam na natureza inorgânica, prolongam-se no homem, e este está
condenado, pelo fato de que existe, a aumentar a escória final do sistema
solar.
Esta concepção é ainda hoje a que se qualifica de “científica”. Aí não
existe nenhum ponto de contato, nenhum ponto de união entre o corpo e a
alma, ou o espírito. “É por pura inconseqüência que a ciência se autoriza a
falar de uma ordem moral do mundo”.
No entanto essa ponte existe, ou pelo menos nós a construímos graças
ao pensamento: é o calor, em nós e no cosmos, que preenche o abismo
entre o mundo natural e o mundo moral.
Quando nos inflamamos sinceramente por um ideal, nosso organismo de
calor é então vivificado. Podemos observá-lo em nós mesmos. Enquanto o
ideal moral anima em nós o calor, este age até na parte sólida do nosso
corpo físico, apodera-se de nossa organização aérea, de nosso organismo
líquido, e cria em nossa organização física germes de vida. Atualmente isso
escapa à consciência habitual, e pode ser pressentido apenas surdamente.
Mas esse processo é nitidamente conhecível pela percepção supra-sensível
bem exercitada. Rudolf Steiner a explicou na sua conferência já citada: “A
ponte entre a espiritualidade do mundo e o físico do homem”. O que ele aí
disse seria fundamental para nossa civilização atual, se o homem de hoje o
fizesse seu. Ressalte-se também que se pode, por tais caminhos,
compreender plenamente a alimentação humana em sua realidade corporal,
anímica e espiritual.
Os impulsos morais que recebemos por nossa participação ativa na
verdadeira espiritualidade do mundo, e que fazemos descer até nossa
214
organização corporal, constituem na realidade em nós a “fonte criadora por
excelência” e as fontes dos processos vitais, até no quimismo que impregna
nosso metabolismo. É essa fonte de calor que brota em nosso metabolismo
e que aí engendra a força da vontade; ela é estimulada, inflamada pelas
forças de nossa alimentação quotidiana, aí surgindo como uma
“combustão”. Pelo fato de que a cada instante nosso organismo térmico
muito diferenciado atinge todos os nossos órgãos e até os músculos, é que
podemos nos mover, a partir de impulsos anímico-espirituais.
Pode-se então conceber “a relação do homem com o mundo” quando
“se imagina o físico de tal modo afinado e diluído que o anímico pode se
unir a ele e ampará-lo”. Graças aos nossos processos objetivos, realizamos
essa “diluição” extrema das matérias e das forças, “nós dissolvemos até o
ponto zero e as ressuscitamos sem cessar... e criamos efetivamente pontos
de contato e união entre o físico e a ordem moral do mundo, em nosso
organismo térmico”.
Mas o pólo oposto ao metabolismo é a organização neuro-sensorial. O
que a caracteriza em sua estrutura corporal é que ela repele as forças de
vida, os impulsos voluntários, o calor; ela “resfria-se” e deixa a corrente
vital paralisar-se e morrer. Somente então a consciência pode nascer no
homem, e mesmo a consciência de si. Dessa maneira, substâncias morrem
ou são aniquiladas. Abolimos então a lei da conservação de energia pelo
fato de que somos conscientes de nosso Eu. Despertamo-nos, adquirimos
nossa liberdade, acendemos nosso pensamento. Ainda aqui, são universos
de calor que se encontram. O “teatro” desta destruição da substância e de
sua ressurreição, de sua neo-criação é o nosso cérebro, o nosso sistema
nervoso central. É aí que a matéria é conduzida a seu termo. Por outro lado,
reconhecemos que também no metabolismo ocorrem processos de morte e
de neo-criação. Lá “em baixo” é a força terrestre, proveniente dos
alimentos, que morre e que é recriada. Neste ato criador, ela se une à
corrente de substância cósmica que já definimos. Já no domínio neurosensorial, a substância nutritiva terrestre chega a seu termo e ressuscita
graças às forças cósmicas, com as quais nos unimos na “nutrição cósmica”.
Em última análise, essas duas “correntes” interpenetram-se. No fundo,
“elas não são mais do que uma”; não reconhecemos que o cérebro possui o
metabolismo mais elaborado? Não tivemos que admitir que o cérebro
“espera seus alimentos do estômago?” Rudolf Steiner disse mesmo que se
215
nos tornamos homens dotados da consciência do Eu, é porque podemos
nutrir nosso cérebro melhor do que faz o animal. Por outro lado, temos nos
órgãos inferiores do aparelho digestivo uma atividade pseudo-cerebral. Já
mencionamos que a fisiologia atual denomina o pâncreas de “cérebro
abdominal” e que no sistema simpático, no plexo solar, reina uma
sabedoria suprema. É preciso então não falar de “paralelismo”, mas de
interferência dinâmica, sobre a base de certas polaridades. O objetivo de
todos esses processos é a encarnação do Eu, a “hominização”, ou seja, a
criação de um ser pensante, consciente de si, nascido para a liberdade e
atuante pelo amor, isto é, a partir de impulsos morais.
Este é o fim último, o “objetivo” e o “sentido” de toda a nossa
alimentação, com a digestão e a excreção. E o meio pelo qual nos servimos
para esse fim é o calor.
Tais são os pontos de vista “realistas”, sob os quais devemos examinar
as questões da qualidade dos alimentos, o grande problema da saúde e da
doença, o das relações entre a alimentação e a vida da alma ou do espírito,
a questão do cru e do cozido, da conservação pelo calor ou pelo frio, da
escolha dos alimentos e de sua quantidade, da cultura de plantas
alimentícias... e até o problema das refeições tomadas em comum, com seu
ambiente aquecedor para a alma e vivificante para o espírito, apto a reunir
os indivíduos em uma comunidade, todos esses problemas marcaram
igualmente a história da alimentação.
CAPÍTULO XII
A REFEIÇÃO, FATOR DE APROXIMAÇÃO. - A ALIMENTAÇÃO
CRIA ELOS
Cada um pode perceber, por sua própria experiência, a importância das
refeições tomadas em comum, para a vida social em geral. Inúmeros
documentos trazem igualmente seu testemunho para as épocas e as
civilizações mais diversas. Ressalta daí, nitidamente, que o “prazer da
mesa” sempre desempenhou, e ainda o faz, um grande papel de
aproximação. Desde os antigos festins, às mesas redondas, às mesas de
hóspedes, até às cantinas atuais, tudo demonstra a força comunitária das
216
refeições. Brillat-Savarin escreve num espírito bem francês: “Em seguida a
uma refeição o corpo e a alma desfrutam de um bem-estar particular. No
físico, ao mesmo tempo em que o cérebro se restaura, a fisionomia se
desabrocha, a animação se eleva, os olhos brilham, um doce calor espalhase por todos os membros. Na moral, o espírito se aguça, a imaginação se
aquece... Aliás, encontram-se geralmente reunidas ao redor da mesma mesa
todas as modificações que a extrema sociabilidade introduziu entre nós: o
amor, a amizade, os negócios, as especulações, o poder, as solicitações, o
protetorado, a ambição, a intriga: eis porque isso convinha a tudo; eis
porque produzia frutos de todos os sabores”.
Esse escritor nos mostra já o essencial dos efeitos de uma refeição
tomada em comum, mas iremos examinar essa questão mais de perto.
ASPECTOS HISTÓRICOS
Podemos evocar duas imagens que são como poderosos pilares
envolvendo a evolução da humanidade: no início encontra-se Eva, a mãe
do gênero humano; ela oferece a Adão a maçã da árvore do Paraíso. Esta
cena, frequentemente enaltecida pela arte que se fortificava ainda nas
fontes originais do vir-a-ser humano, representa a queda do homem no
mundo dos sentidos. “Então abriram-se seus olhos”, diz a Bíblia. Em
seguida, vem outro quadro, o da Ceia, onde o Cristo, reunido com os doze
representantes da humanidade distribuiu-lhes o pão e o vinho dizendo:
“Este é meu corpo, este é o meu sangue”.
Em ambas as vezes a refeição comum criou um pacto, do qual todos nós
participamos, quando consumimos alimentos terrestres. Sempre nesse caso
ocorre uma aliança.
O homem dos tempos muito antigos absorvia o alimento original que a
terra lhe fornecia: o leite. No berço da humanidade, o leite era ainda “o
alimento de todos, que se aspirava da atmosfera circulante”. Atualmente, é
apenas o dom de nossas mães. Ele comunica ao homem “uma força que o
integra no gênero humano terrestre”. Ele faz do homem um “cidadão da
Terra”, e não lhe impede de ser também “um cidadão de todo o sistema
solar”.
217
Isso foi quase esquecido em nossos dias, mas a cada tomada de alimento
o homem entra em comunhão anímico-espiritual com certas forças da terra
e do cosmos, que o unem por uma aliança a princípio invisível, que tendem
a liberá-lo ou acorrentá-lo, a elevá-lo ou rebaixá-lo, conforme o que ele
consome e como ele o consome. O leite o prepara para ser “uma criatura
terrestre”, mas ele não o prende realmente à Terra. O leite lhe dá a força de
assumir sua missão terrestre, ele harmoniza seu ser com o universo. Já os
outros alimentos têm a propriedade de “exercer influências diferentes sobre
os sistemas de órgãos particulares”. Tais considerações levaram outrora os
iniciados a prescrever certa alimentação a seus discípulos, e a estabelecer
normas alimentares para as populações vizinhas de seus centros. Aí se
fundaram, bem conscientemente, comunidades nas quais se abstinha, por
exemplo, de carne ou de bebidas embriagantes; mas houve também as
comunidades de comedores de arroz no Oriente, de comedores de milho na
América pré-colombiana, de bebedores de chá ou café, etc. A arte da
panificação e da cultura de cereais remonta à época Atlântica. “Sim,
outrora, antes do Dilúvio, havia cereais com espigas macias, espessas, de 7
tipos, cujo perfume evocava os planetas”. Assim fala Noé num drama de
Albert Steffen. Demeter iniciou Triptolemo nos mistérios de Elêusis da
cevada. Heródoto escreveu: “Os povos comedores de cereais são
espiritualmente muito mais adiantados do que os povos que vivem da
guerra, da caça e da pecuária. E Rudolf Steiner acrescenta que as
populações guerreiras são mais inclinadas a comer carne do que as
populações pacíficas. Entretanto, em sua origem, o consumo de carne
estava sempre ligado a um ato sacramental, um sacrifício. É somente mais
tarde que se começa a abater os animais tendo em vista um simples prazer.
Assim, na Grécia, nas guerras dos medos, só se comia carne de boi nas
refeições oficiais e rituais, ligadas a um sacrifício.
HÁBITOS E USOS ALIMENTARES
Em seu livro sobre “o nascimento da confederação helvética”,
F.Haeusler chama a atenção de outro ponto de vista, sobre a força de
aproximação que existe em certos modos comuns de alimentação.
“Sabemos que o leite e o mel, por exemplo, são tanto mais saborosos,
218
quanto mais rica e variada for a flora da qual são retirados... mas nós não
notamos mais a diferença de seus efeitos... Basta ir a países onde a
alimentação é muito estreitamente ligada aos ritmos do ano, para se ver que
tal modo de alimentação determina amplamente a vida das almas... As
coisas desse gênero tinham uma outra importância para as gerações
passadas, ainda ligadas à natureza...”
Esta influência da alimentação sobre a vida das almas existe ainda
atualmente, mas ela frequentemente se inverteu. Pensemos, por exemplo,
no álcool, da qual se utilizou a influência, nos tempos pré-cristãos, nos
Mistérios dionisíacos, para encarnar o homem mais intensamente no plano
físico, para lhe dar uma experiência mais profunda de seu corpo terrestre! –
O álcool tirava-o dos mundos espirituais, nos quais precedentemente ele
vivia. Era para a humanidade de então, ou pelo menos para suas frações
mais evoluídas, um progresso necessário da consciência. O corpo humano
foi preparado nessa maneira, para uma civilização puramente terrestre. Mas
isso era feito para um fim mais elevado: as “Bodas de Canaã” são o
prelúdio da fundação do culto cristão e da Eucaristia.
Desde então o álcool perdeu sua missão e seu efeito se inverte. Um
farmacologista moderno escreveu: “Ele paralisa, em primeiro lugar, as
funções que distinguem o homem adulto do animal e da criança”. A
sociabilidade dos alcoólatras ocasiona uma regressão até os estágios
infantis da humanidade, uma queda no sub-humano.
Outras substâncias, chamadas de guloseimas são oferecidas em larga
escala; elas criam caricaturas de comunidade e abrem caminhos aberrantes.
Esse rebaixar das motivações não deixa de inquietar. Esta decadência,
entretanto, demonstra ainda o poder dos alimentos e das bebidas sobre a
alma.
No passado, os guias das grandes comunidades religiosas conheciam
esse poder. Em conseqüência tinha fixado prescrições e proibições em
relação a certos alimentos, datas de jejum, etc. Tinha-se ainda um
sentimento bem vivo das correspondências entre o microcosmos e o
macrocosmos. Exigia-se também de todo membro adulto da comunidade
que, em certas épocas do ano, ele se tornasse acolhedor receptivo para
certas forças, sujeitando-se a regras alimentares estritas. Tal foi o método
dos Pitagóricos, dos Essênios, dos Cavaleiros do Graal, da Távola Redonda
219
do Rei Arthur, de todas as grandes comunidades místicas da Índia, e
também da Igreja Católica, até antes da Idade Média.
Tentaremos esclarecer este tema mais profundamente. Não são
unicamente os processos devidos aos alimentos que se prolongam no
homem, aí criando impulsos sociais, são também os homens mesmos, seu
estado de espírito, seu humor, a simultaneidade de atividades fisiológicas e
de atividades anímico-espirituais.
Quando excitações gustativas e olfativas, impressões visuais e auditivas
são desencadeadas igualmente em todos os participantes, sua ação e
principio são superficiais, pouco conscientes. Tomemos o consumo de um
alimento açucarado. A sensação doce excita no homem uma esfera
determinada que Rudolf Steiner descreveu: Ele falou da correlação entre a
atividade digestiva e a atividade pensante: o processo que na digestão
resulta de um grande aporte de açúcar, tem o seu correlativo no “pólo”
superior, e este é um reforço da atividade pensante”. Se, numa refeição
coletiva, esse processo do açúcar é levado à sua potência ótima, pelo fato
de que no aparelho digestivo a farinha integral de trigo converte-se em
açúcar, então este aumento da atividade pensante traduzir-se-á pela
independência das idéias, pela força de concentração, pela vigília, pela
maior originalidade individual, etc. Neste sentido fez-se, há anos,
experiências muito evidentes com estudantes, com o chamado pão
“integral”. Por outro lado, Rudolf Steiner ressaltou que o consumo
quantitativo de açúcar imprime um caráter nos povos.
Outro exemplo que ele deu é o da batata, que se espalhou largamente
pelo mundo em poucos séculos. Ele fez observar que “na Europa o
pensamento regrediu a partir do momento em que se instalou o consumo
maciço de batatas”. A batata provoca no homem processos exatamente
opostos aos provocados pelo açúcar, “pois ela não tem nenhum parentesco
com o espiritual”. A comunidade dos comedores de batatas tem em si,
ainda hoje, processos físicos e anímicos bem particulares, que podem se
transmitir pela hereditariedade: quando os pais comeram muitas batatas,
seus descendentes, desde a embriogênese “não encarnam realmente sua
alma e seu espírito no copo físico”. De fato, Rudolf Steiner estabeleceu um
paralelismo entre o consumo de batatas, nos últimos séculos, e a invasão
dos povos europeus pelo materialismo.
220
É interessante constatar que depois de alguns decênios a dietética já se
tornou um ramo da antropologia social. Ela explica, por exemplo, porque
os judeus sempre proibiram o consumo da carne de porco; esta carne
perturba o organismo, o metabolismo do açúcar. Ora, a raça judaica é
particularmente acessível ao diabetes. A proibição de comer carne de porco
foi talvez uma medida instintiva de proteção, extensiva a todo um povo.
NOSSA ALIMENTAÇÃO, “MAÇÃ DE DISCÓRDIA”
Entramos num outro domínio quando consideramos o comportamento
singular de certas tribos índias: Karl von Steinen, o primeiro a observar esta
particularidade dos Sakairis (1888), escreveu: “Nesse povo não há refeição
em comum, mesmo numa mesa familiar”. R.Bilz deduziu: “Comer e beber
não são somente processos nutritivos; são fenômenos fundamentados nos
domínios ditos superiores de nossa existência humana”. Nossa alimentação,
na verdade, tem o caráter de uma “maçã da discórdia”. Ela se relaciona, nas
profundezas do ser, á vergonha e ao pudor, que já se exprime no mito de
Adão e Eva. O caráter egoísta da ingestão de alimento age aqui de uma
maneira anti-social: cada um quer receber o melhor pedaço e não ser nem
perturbado, nem observado e nem invejado durante sua degustação. Tal
impulso anti-social existe inegavelmente na alimentação, no fundo do
homem, e deve ser abolido pelo desenvolvimento de faculdades mais
nobres. Mas ele pode também se intensificar, tornar-se obsessivo, culminar
em fobias e neuroses que trazem aos doentes a impossibilidade de tomarem
suas refeições em comum. Em alemão, fala-se “daquele que come seu pão
sozinho”; ele se prende ao sectarismo e ao “fanatismo alimentar”.
A esse respeito pode ser instrutivo também saber o que Rudolf Steiner
disse sobre regimes (Primeiro curso médico, 1920): Esta questão não tem
apenas importância médica. Todo regime torna o homem associal... Quanto
mais queremos ou devemos consumir algo de especial, mais nos tornamos
associais. “O significado da Ceia não é que o Cristo tenha dado alguma
coisa a cada discípulo, mas sim que deu a todos a mesma coisa. A
possibilidade que temos de nos encontrarmos juntos como seres humanos
no ato de comer ou beber tem uma grande importância social”. É por isso
que Rudolf Steiner aconselhou, quando um regime é necessário, orientá-lo
221
de maneira que se pudesse rapidamente deixá-lo e retornar aos hábitos de
todos. O regime pode facilmente tomar um aspecto egoísta, o que ilustra
nosso propósito: a refeição comum cria laços.
Lembramos de que na Idade Média a palavra “companheiro” (Compain,
Copain) significava aquele que fazia parte da Companhia, que “repartia o
pão”.
Assim, o pudor de um lado, e o egoísmo de outro, são abolidos em
princípio pela “mesa redonda”, onde não há nenhum lugar privilegiado. O
belo “couvert”, a decoração da mesa, que incita à solenidade, a música de
mesa... tudo contribui para uma cultura alimentar mais elevada, da qual
participam os olhos e os ouvidos. Também a conservação, e mais ainda, a
prece da mesa (a benção), moldam esse caráter comunitário elevado. Se
Rudolf Steiner nos deu uma nova prece para a mesa, pode-se admitir com
certeza de que ele o fez com plena consciência do poder anímico-espiritual
do Verbo, como fator de reunião social. Cada vez que seres humanos se
reúnem ao redor de uma mesa para tomarem uma refeição, vê-se o
arquétipo de toda comunhão que é a Ceia instituída por Cristo.
Mas atualmente, sob a influência da civilização materialista, que é
conseqüente quando proclama que o “homem é o que ele come” (ou seja,
ele não é nada além do que fazem dele as substâncias da natureza ou dos
laboratórios químicos), o elemento comunitário, do qual acabamos de falar,
ameaça se inverter e ser degradado em simples impulso animal. O super
consumo, a gulodice levada quase à neurose, os excessos da mesa
acarretando doenças, tudo parece levar a humanidade para uma esfera
amoral, subumana, onde a maioria de seus membros arrisca-se a se
submergir. Por esses aspectos a nossa civilização lembra assim a do
Império Romano decadente.
Escutemos as palavras que pronunciou Rudolf Steiner, há mais de 77
anos (hoje mais de 110 anos), sobre sua própria época: “Pode-se facilmente
perceber toda a inversão que se fez sob esse aspecto em pouco tempo.
Basta comparar um cardápio de hotel dos anos 1870 com o cardápio atual.
Veremos que progresso fez a vida em direção dos prazeres de mesa mais
refinados e do gozo de seu próprio corpo”.
222
A COLETIVIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO - PROBLEMAS
MODERNOS DA ALIMENTAÇÃO COLETIVA
Além de tudo, acrescenta-se aqui uma evolução que traz também
grandes problemas. Devido às novas técnicas, instauraram-se as refeições
coletivas em quase todas as empresas industriais. A mesa familiar, que
durante milênios foi o centro e a sede da vida social, foi amplamente
destituída e substituída pelo restaurante, pela cantina, pelo refeitório, etc. A
alimentação comunitária tornou-se uma “alimentação das massas”. A
cozinha coletiva, industrial, criou novos problemas, não somente em
relação à qualidade dos alimentos, mas ainda a pontos de vista fisiológicos,
anímicos e sociais.
Essa questão é muito vasta para que possamos abordá-la, mesmo
brevemente, no quadro desta obra. Mas é necessário tê-la em conta.
Certamente não se poderá restabelecer as formas antigas. Mesmo que essa
evolução comporte enormes perigos e que já tenha produzido resultados
negativos, devemos esforçar-nos em tirar dela algo de positivo. Devido a
essa mudança de hábitos, o homem de nossos tempos foi frequentemente
impiedosamente rejeitado pelas antigas comunidades familiares: isolado,
reduzido a si mesmo, mas tornado livre como indivíduo, deve aprender a
encontrar o caminho de uma nova comunidade alimentar. Duas condições
serão cada vez mais necessárias: a princípio, tomar a sério as exigências do
Espírito do tempo: “Escolher a alimentação segundo os princípios do
conhecimento espiritual”, - eis a exigência absoluta que deveria ser
respeitada por todos os novos responsáveis, chefes de cozinha,
administradores, produtores, atacadistas, fabricantes de gêneros
alimentícios, conselhos de dietética, médicos de empresas e, finalmente, o
próprio dietista, cujos trabalhos guiam a pesquisa da qualidade. Pertencem
igualmente a essa categoria os produtores, que são os camponeses, os
hortelãos e os horticultores. Estes deverão tomar consciência da missão de
que são encarregados para todos os homens e para toda a Terra. A segunda
condição é colocada aos consumidores. É preciso que eles participem da
elaboração de um novo fundamento do conhecimento e de sua prática.
Deverão então se reunir em novas associações. O fundamento necessário
resultará do estudo da ciência espiritual moderna de Rudolf Steiner. Eis o
que pudemos ainda indicar aqui.
223
Na alimentação, como já vimos, o homem pode se comportar de
diversas maneiras, de acordo com sua própria natureza. A fome é um
impulso que nasce de uma natureza humana sadia; ela reclama
legitimamente seus direitos. Ela é a garantia da conservação de nossa vida
física. Ela nos incita simultaneamente para a tomada do alimento e para a
união comunitária. Mas o homem pode ter desejos que não são adaptados à
sua nutrição legítima, desejada pelo Espírito. “O contentamento que
confere a alimentação ao ser que tem fome” surge o princípio como “uma
manifestação do espírito”. Nos alimentos vive algo de espiritual que se
comunica ao homem. Da mesma maneira, forças espirituais agem nos
processos digestivos, até o sangue, e manifestam-se em atividades
fisiológicas.
É aí que está a origem da comunidade descrita acima. O homem,
entretanto, pode também ultrapassar esse estado da satisfação das
necessidades naturais e desenvolver desejos estranhos à verdadeira tarefa
dos alimentos. O que lhe importa então, não é mais o serviço que lhe
fornece a nutrição, mas unicamente seu desejo. Quando analisamos sem
preconceitos nossos hábitos atuais, frequentemente descobrimos esse vício.
As crianças, imitando os adultos, geralmente entregam-se à “mania” da
superalimentação e da gulodice. Assim, este impulso moral e anti-espiritual
não cessa de celebrar novos triunfos. Não somente as doenças se
multiplicam, mas ainda – e o que é muito mais grave – a fraqueza de
espírito e da vontade tornam-se conseqüências inevitáveis, pois trata-se de
impulsos e de necessidades que despertam no próprio Eu humano – o
animal não é capaz disso -, sem nenhuma vontade de servir à natureza
espiritual desse Eu. É por isso que eles são eminentemente anti-sociais. A
formação comunitária que daí resulta baseia-se na comunidade do “eu”
inferior. A sombra do “pecado original”, ao qual sucumbiram Adão e Eva
paira terrivelmente sobre o homem chegado à liberdade, chamado à
consciência e à força de vontade próprias.
A “nova higiene alimentar”, da qual falou Rudolf Steiner, deverá
aprender a se orientar para o outro arquétipo das refeições: A Ceia. O
Cristo a inaugurou, com o pão e o vinho, para as comunidades futuras.
Entre a maçã da discórdia e a eucaristia, o homem moderno é chamado a
escolher.
-x-
224
APÊNDICE
Terminaremos aqui o primeiro volume de nosso “Alimentação
Dinâmica”. Em doze capítulos testamos expor os princípios de uma higiene
alimentar resultante dos impulsos da ciência espiritual de Rudolf Steiner.
Neste caso, vimos como essa ciência é múltipla, nova; ela comporta tantas
estratificações que não se pode absolutamente expô-la atualmente em sua
totalidade; mas igualmente vimos como ela é fecunda para nossa nova era
de pesquisas dietéticas.
225
Para caracterizar o essencial, mencionemos uma frase de Rudolf Steiner,
que é plenamente válida no ramo que estudamos: “Partir-se-á sempre da
observação do ser humano. É o ser humano que se colocará à base de toda
pesquisa”. Para isso necessita-se de uma verdadeira antropologia. Isto é
precisamente o que oferecem os conhecimentos da ciência espiritual.
Aquele que os abordar sem preconceitos poderá constatar uma
transformação de seu próprio pensamento, e mesmo de todas as forças de
sua alma, o que lhe dará acesso a uma nova esfera de experiência.
São necessárias, em nosso tempo, evoluções objetivas, que exigem
novos impulsos. Rudolf Steiner atraiu a atenção sobre eles, principalmente
em seu Curso Agrícola, dizendo que “encontramo-nos frente a uma grande
transformação interne da natureza. As antigas forças da natureza e do
homem estão declinantes, decadentes. É preciso adquirir novos
conhecimentos, senão a humanidade não terá escolha: ela deixará
degenerar, morrer tanto a natureza como a vida humana”.
Tais palavras, pronunciadas há mais de um século, não são hoje de uma
assustadora realidade? Não se repete por toda parte que o futuro destino da
humanidade, e talvez até sua sobrevivência, depende de uma reviravolta
rápida e mundial? Queremos falar da superpopulação, da falsificação dos
gêneros alimentícios, da poluição ambiental, etc. Esses problemas não
estão isolados, mas sim ligados, embaralhados. Citemos aqui o primeiro
relatório do Clube de Roma (1973): “Porém o crescimento”, cujos autores
escrevem: “Esse comportamento sistemático tende nitidamente a
ultrapassagem os limites de um crescimento sadio e a provocar a
destruição”. O segundo relatório desse Clube, que acaba de aparecer, chega
à mesma conclusão, “Se queremos romper esse circulo vicioso, são nossas
formas de pensamento que devemos quebrar, para nos liberar de uma
doutrina reinante, que reuniu alguns conhecimentos fragmentados num
sistema quase ditatorial”. Estas palavras de P.Vogler (1972) podem
igualmente se aplicar à dietética atual. Em 50 anos ela fez progressos
enormes e se orientou para uma concepção mais espiritual, mas, no fundo,
permaneceu conservadora: ela se prende à teoria das calorias e ás
abstrações quantitativas. Ela só ultrapassará esse estágio quando
compreender melhor a si mesma.
H. Schipperges lembra, a esse respeito, a frase de Goethe: “Aquele que
não quer colocar na cabeça que o espírito e a matéria, a alma e o corpo, o
226
pensamento e a visão, a vontade e o movimento, foram, são e serão os
duplos ingredientes necessários do universo... aquele que não pode se
elevar a essa idéia, deveria, há muito tempo, renunciar a pensar”. Sem
dúvida é uma exortação ao rompimento com as antigas formas de
pensamentos e ao desenvolvimento de novas idéias que correspondem
enfim à realidade. Nada será feito sem essa conversão do pensamento.
Nossa obra destina-se aos médicos, pedagogos, educadores, sociólogos,
cientistas, mas também a todos os “profanos”: aos pais, aos produtores de
gêneros alimentícios, aos consumidores – a todos aqueles que são
chamados pelo destino ou por vocação a colaborar nesta tarefa. Todos
devem tomar nas mãos, com lucidez, a conservação da saúde dos homens.
Rudolf Steiner forneceu um novo impulso para a higiene. Ele denominou o
médico de um “perpétuo instrutor”. Nossa tentativa visa realizar essa
colaboração crescente e vivente entre os médicos e o restante da
humanidade.
Nesse sentido, os doze capítulos que precedem têm necessidade de um
complemento, que constituirá nosso segundo volume. Nele temos a
intenção de estudar à parte as principais substâncias nutritivas: a albumina
(proteínas), os hidratos de carbono, as gorduras, os minerais, as enzimas e
as vitaminas; de fornecer em seguida, uma séria de exemplos tirados do
reino vegetal: os cereais, os legumes, os frutos, os condimentos: em
seguida, falaremos do leite.
Em toda a parte, teremos a ocasião de examinar questões de principio e
de fornecer indicações práticas, referindo-nos à ciência espiritual. E,
finalmente, adicionaremos alguns capítulos de dados gerais acerca da
alimentação nas diversas idades da vida, sobre a educação, bem como sobre
o problema da fome no mundo.