ISSN 1688-9363 COMITÉ ORGANIZADOR Carlos Lesino
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ISSN 1688-9363 COMITÉ ORGANIZADOR Carlos Lesino Presidente Ana Bock Vicepresidente Carolina Moll Tesorera Mario Molina Liliana Schwartz Graça Gonçalves Diana Lesme Adriana Martínez Javiera Andrade Eiroa Argentina Argentina Brasil Paraguay Uruguay Uruguay COMITÉ CIENTÍFICO INTERNACIONAL Carlos Lesino (Presidente del IV Congreso ULAPSI) Ana Bock (Presidente de ULAPSI) Carolina Moll (Tesorera de ULAPSI) CONSEJEROS DE ULAPSI Argentina: Mario Molina Bolivia: María Lily Maric y David Olivares Brasil: Roberta Gurgel Azzi Costa Rica: Delio Carlos González Burgos Chile: María Teresa Almarza Morales Colombia: Erico Rentería Cuba: Manuel Calviño Guatemala: Juan Cristobal Aldana Mexico: Joel Vázquez Ortega Paraguay: Diana Silvia Lesme COMITÉ CIENTÍFICO INTERNACIONAL INVITADO Élida J.Tuana Luis Leopold María del Luján González Tornaría Javiera Andrade Eiroa Ana Mosca Sobrero Eduardo Viera David Alonso Ramirez Acunã Patricia Arés Nelson Zicavo Martínez Maria Cristina Joly Christina Veras Eric Garcia Luis Morocho Vásquez Joel Vázquez Graciela Mota Carlos Martínez y Luz de Lourdes Eguiluz Emílio Nava Cristina Domenico Mercedes Argaña Alicia Martha Passalacquea Hilda Alonso Mónica Pastorini Liliana Schwartz Mónica Braude Irma Silva Patricia Altamirano Graciela De Filippi Laura Napoli Carlos Saavedra Felisa Senderovsky Miguel Angel Castillo Francisco Javier Huerta Georgina Ortiz Gustavo Carpintero José de Jesús Gutiérrez Luis Eduardo Baltazar Pablo Rivera Valencia SEDES: Facultad de Psicología de la Universidad de la República Oriental del Uruguay Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de la República Oriental del Uruguay Intendencia Municipal de Montevideo EJES TEMATICOS Psicología Latinoamericana, su identidad, su historia y su epistemología. Perfiles epistemológicos, teóricos, metodológicos y prácticos de la Psicología en América latina. Lo Científico y lo profesional desde la diversidad de enfoques, problemas y demandas de la Psicología en el continente. Alternativas en Psicologías. Compromiso y cientificidad. Elaboraciones teóricas y epistémicas en la construcción de una Psicología desde y para América latina. La historia, lo histórico, y la identidad de la Psicología y de las psicólogas y psicólogos en América latina. Psicología, Globalización e Identidad. El abordaje de los procesos informacionales y mediáticos. Las redes sociales y su significación en las nuevas dimensiones de lo Psicológico. Psicología Latinoamericana, Derechos Humanos y Democracia. La Psicología como práctica profesional y sustento científico de las prácticas ciudadanas. El compromiso profesional con la defensa de los derechos humanos y la democracia. Psicología y Política. La inserción política de las prácticas profesionales y científicas de la Psicología. Psicología y prácticas liberadoras. La defensa y el desarrollo de las instituciones fundacionales: Familia, Comunidad. Aspectos psicológicos, culturales, jurídicos. Libertad, diversidad y mancomunidad. Retos a la Psicología latinoamericana: Pobreza, Desempleo, Desigualdad, Violencia. Psicología y Políticas públicas. Experiencias de trabajo, reflexiones teóricas. Psicología Latinoamericana, Diversidad y Convivencia La defensa y el respeto de la diversidad en las prácticas profesionales de la Psicología. Aspectos deontológicos, epistémicos y praxológicos. Diversidad y Política. Diversidad y Cultura. Diversidad, Genero y Sexualidad. El posicionamiento de la Psicología como saber y como hacer en los contextos socioculturales, económicos y políticos latinoamericanos. Las acciones comunitarias, institucionales, cooperativas. Violencia y exclusión. Marginación. Psicología y Comunicación social, publicidad. Psicología Latinoamericana, Educación y Cultura Actuaciones psicológicas en los ámbitos de la Educación. La inserción de la Psicología en las prácticas de las instituciones Educativas. La defensa de las culturas nacionales. Educación, espiritualidad, culturas. Diálogos de saberes y prácticas. La Educación crítica, liberadora, emancipadora. La Psicología en el perfeccionamiento de los procesos de desarrollo personal, grupal y social. Violencia en escenarios educativos. La Familia y las instituciones educativas. Tendencias de desarrollo de la Educación universitaria: los retos a la Psicología. Psicología y movilización social. Psicología Latinoamericana, Salud y desarrollo sostenible. Las prácticas profesionales de la psicología en la educación para la salud, la prevención y el desarrollo del bienestar y la felicidad. Acciones encaminadas al mejoramiento de la salud, la calidad de vida, y la lucha contra las enfermedades. Dispositivos, procedimientos, técnicas en el accionar profesional de la Psicología a favor del bienestar. Experiencias profesionales e investigativas. Reflexiones y elaboraciones teóricas. Paradigmas de trabajo en Psicología clínica, Psicología de la Salud. El compromiso con el bienestar de los pueblos de nuestra América. PUBLICACIÓN DE LOS TRABAJOS TOMO II REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO PARA ADOLESCENTES TRABALHADORES Renata Danielle Moreira Silva (PPGP/UFES) Lara de Sá Leal (UFES) Mayara Tulli Netto (UFES) Nayara Wiedenhoeft Carvalho (UFES) Zeidi Araujo Trindade (DPSD/PPGP/UFES) Apoio Institucional: CNPQ/FACITEC E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO O trabalho ocupa uma posição central nas sociedades modernas e, nesse contexto, ele exerce influência na vida dos membros dessa sociedade, na construção de crenças, atitudes e identidades (Tomás, 1998). Essa afirmação também se estende aos jovens. Pesquisas indicaram que o trabalho também ocupa uma posição central na vida desses (Tomás, 1998), sendo inclusive mais importante do que outras preocupações como família, relacionamentos e violência (Guimarães, 2005) A adolescência é uma etapa do ciclo vital importante na construção do significado do trabalho (González & Insa, 2006). Nesse contexto, pesquisas sobre o sentido que os adolescentes dão ao trabalho mostram que existem muitos aspectos positivos e negativos para esses sujeitos em relação a trabalhar, a ser um jovem que trabalha. Muitos desses sentidos dados ao trabalho por esse grupo são representações positivas, o que é confirmado por Rizo e Representações Chamon Sociais (2010). de Esses trabalho autores para afirmam adolescentes, que que ao investigar frequentam as o curso ―Treinamento para o mercado de trabalho‖, foi possível observar que os jovens representam o trabalho como oportunidade de não se envolver em coisas ilícitas, manter-se ocupado com algo moralmente aceito e valorizado, mas, somado a isso eles representam o trabalho como oportunidade de adquirir conhecimento e, também dinheiro, com o qual podem pagar suas despesas e ajudar suas famílias. Além disso, os valores familiares e sociais reforçam a importância do trabalho e do quanto essa atividade contribui para o futuro (Sarti, 2007, Laranjeira, Teixeira & Boudon, 2007). Outras representações positivas encontradas em estudos com jovens trabalhadores são as relacionadas: às categorias de amadurecimento, à função moral do trabalho (Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira & Sá, 2005), à possibilidade de adquirir bens de consumo que seus pais não teriam condições de proporcionar, à oportunidade de aprender um ofício (Torres, Paula, Ferreira & Pinheiro, 2010), à valoração pessoal e profissional, ao desenvolvimento de habilidades de comunicação e novos relacionamentos (Silveira, 2008), à autonomia, à satisfação dos pais e aos benefícios trabalhistas (González & Insa, 2006). Em relação à significação negativa, ―muita responsabilidade‖ se destacou na representação social de trabalho para jovens de uma escola pública de São Paulo. (Oliveira et al., 2005). A autora entende que essa visão negativa do trabalho está relacionada ao excesso de responsabilidade e de exigências, somada à falta de experiência desses adolescentes (Oliveira e cols. ., 2005). O fato de o trabalho ocupar o tempo que poderia ser dedicado aos estudos também aparece como negativo (Torres, Paula, Ferreira & Pinheiro, 2010; Silveira, 2008), como também o cansaço e a diminuição do tempo para o lazer e convívio com a família (Silveira, 2008). Em seu estudo com adolescentes aprendizes Mattos e Chaves (2006) afirmam que seus resultados apontam que o trabalho não é representado de forma intrinsecamente positiva ou negativa pelos jovens. A possibilidade de obter remuneração e com isso contribuir para o sustento de si mesmos e suas famílias aparecem como elementos positivos e, nesse mesmo estudo, o aumento da responsabilidade é interpretado tanto de forma positiva quanto negativa, uma vez apontam o que alguns adolescentes aumento da responsabilidade como incentivo para serem mais organizados, enquanto outros entendem que isso os deixa cansados e atrapalha seus estudos. Os adolescentes aprendizes possuem garantias trabalhistas e recebem treinamento para o exercício de suas atividades laborais, o que respalda a inserção desses jovens no mercado de trabalho. Entretanto, a partir do reconhecimento da relevância do trabalho para o desenvolvimento desses jovens, é importante investigar como ocorre Representação Social que orienta as essa inserção e qual práticas desse grupo a enquanto adolescentes que trabalham. Representações Sociais (RS) de acordo com Abric (2001) são conjuntos organizados de informações, crenças, opiniões e atitudes sobre um determinado fenômeno ou objeto socialmente relevantes. Esse conjunto caracteriza-se por ser um sistema sócio cognitivo com uma organização específica feita a partir de conteúdos representacionais estruturados (Abric, 2007). Essa estrutura representacional, segundo Flament (2001, p. 58) é constituída por um conjunto de elementos interligados de tal forma que qualquer alteração qualitativa de um desses elementos causará uma alteração qualitativa dos demais e consequentemente mudança da Representação Social. Esses elementos se organizam na estruturação de uma Representação Social em dois sistemas com características distintas, que, todavia funcionam de maneira interligada: sistema central e sistema periférico (Abric, 2007). O sistema central apresenta elementos representacionais diretamente relacionados ao sistema normativo sujeito que, por sua vez, estão às condições históricas, sociológicas e ideológicas desse grupo social e são os elementos mais estáveis, coerentes entre si e de difícil modificação (Sá, 1996; Abric, 1998). O sistema periférico refere-se às adaptações individuais destas representações ao contexto imediato e permite a integração das experiências e histórias individuais às representações sociais (Sá, 1996). Os elementos periféricos, em contraposição ao sistema central são mais flexíveis, suporta a presença de elementos contraditórios, constituindo o aspecto móvel e evolutivo das RS (Abric, 1998). MÉTODO Participaram 191 adolescentes, 89 meninas e 102 meninos, com idades entre 14 e 17 anos, inseridos em um programa de aprendizagem profissional de uma instituição da Região Metropolitana de Vitória/ES. O instrumento continha questões sociodemográficas e, além disso, uma questão de associação-livre (Abric, 2003) a partir dos termos indutores trabalho e ser adolescente e trabalhar. Após o espaço para os participantes escreverem as cinco palavras, imagens e/ou expressões que associavam ao termo indutor, solicitava-se que indicassem qual consideravam a mais importante. O instrumento foi aplicado de forma coletiva, nas salas onde os adolescentes tinham as aulas referentes à parte teórica do programa de aprendizagem. Primeiro as pesquisadoras apresentavam-se, explicavam os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário e sigiloso e distribuía-se aos adolescentes o instrumento. Após as explicações iniciais foi feito um treino de associação-livre e, na sequência, uma das pesquisadoras verbalizava um termo indutor, esperava que os participantes escrevessem as palavras, escolhessem a mais importante e justificassem sua escolha. O banco de dados recebeu formatação adequada à análise do EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L‟analyse dês Évocations) que se caracteriza por ser um programaque realiza a análise de evocações a partir dos parâmetros frequência ordem de aparecimento das evocações. e O cruzamento desses dois critérios permite o levantamento dos elementos que provavelmente se associam ao termo indutor e permite o levantamento da organização interna das representações sociais associadas a esses termos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados, tratados com auxílio do programa EVOC, foram organizados em um quadro de quatro casas. Os termos situados no quadrante superior esquerdo fornecem a composição provável do núcleo central da Representação Social. Em contrapartida, os termos situados nos demais quadrantes correspondem ao sistema periférico da representação. Os temas situados no quadrante superior direito são muito frequentes, mas considerados menos importantes. Eles correspondem a ―primeira periferia‖. Os temas do quadrante inferior direito são pouco frequentes e pouco importantes, são designados como a ―segunda periferia‖. Por fim, os temas situados no quadrante inferior esquerdo são pouco frequentes, mas considerados muito importantes por quem os evoca, e constituem a ―zona de contraste‖ (Sá e cols., 2009). As tabelas 01 e 02 apresentam os elementos constituintes das representações sociais de trabalho e ser adolescente e ter que trabalhar, respectivamente. Por motivos de espaço restrito para discussão dos resultados e por apresentarem diversos elementos representacionais em comum, essas duas representações serão discutidas em conjunto nos próximos parágrafos. Tabela 01: Representações Sociais de Trabalho para adolescentes aprendizes OMI <2,8 ≥ 2,8 Freq. med. Tema evocado Frequência OMI Tema evocado Frequência ≥33 Dinheiro 103 2,330 Aprendizagem 33 responsabilidade 84 1,774 Cansativo 50 Compromisso 53 <33 Acordar cedo Competência Experiência Futuro Independência Respeito Salário 17 13 20 13 11 22 27 2,471 2,692 2,700 2,692 2,818 2,773 2,704 Amizade Chato Chefe Comprar Crescer Diversão Equipe Estresse Família Empenho Honestidade Ônibus 32 12 15 15 16 13 16 11 08 29 13 10 OMI 2,800 2,940 2,95 3,750 3,500 3,733 3,600 3,188 4,000 3,000 4,000 3,250 3,379 3,530 2,800 OMI= Ordem média de importância. Tabela 02: Representações Sociais de Ser adolescente e trabalhar de adolescentes aprendizes OMI <2,9 ≥ 2,9 Freq. med. Tema evocado Frequência OMI Tema evocado Frequência OMI ≥34 Responsabilidade 96 2,073 Cansativo 46 3,000 Dinheiro 34 2,971 <34 Acordar Cedo 13 2,769 Alegria 12 3,250 Experiência 21 2,381 Amizade 18 3,611 Aprendizagem 24 2,417 Chato 13 3,462 Compromisso 19 2,684 Empenho 22 3,136 Crescer 22 2,682 Futuro 12 3,583 Dificuldade 22 2,455 Falta de Tempo 17 2,412 Independência 26 2,462 Legal 18 2,833 Oportunidade 15 2,267 Respeito 12 2,583 OMI= Ordem média de importância. O elemento representações responsabilidade ―ser constitui adolescente e o trabalhar‖ núcleo central tanto das como também das representações de ―trabalho‖. Ambas relacionam-se com outros elementos periféricos como empenho, respeito, honestidade e compromisso. O conjunto desses elementos traz à luz a ideia de trabalho como um valor moral, como algo dignificante e que traz crescimento (Oliveira & cols., 2005), sentido presente em RS de trabalho de outros grupos sociais. O termo responsabilidade também aparece no estudo de Rizzo e Chamon (2010), no qual, a categoria responsabilidade relaciona-se a elementos positivos, pois, considera-se que o adolescente ocupa seu tempo com algo moralmente aceito. Oliveira e cols.., (2003) afirma que os benefícios percebidos pelos adolescentes durante a inserção laboral são morais, no sentido de atribuir ao jovem uma ―posição‖ no mundo adulto, em função do aumento de responsabilidades. Elementos da periferia como ancoram-se também ao acordar cedo, cansaço, dificuldade núcleo responsabilidade. Esses e falta de tempo, elementos podem estar relacionados à dupla jornada escola/trabalho e possuem aspectos considerados para o desenvolvimento, bem negativos como para o desempenho escolar. A falta de tempo, por exemplo, pode ser consequência da dupla jornada. Desse modo, o adolescente pode vir a ter menos tempo para os estudos, diversão e para a família em prol da realização da atividade laboral. Para os adolescentes, o trabalho pode ter implicações positivas quando propicia aprendizagem e é revestido de significado. Por outro lado, pode trazer impactos para desenvolvimento quando as condições laborais seu se apresentam desfavoráveis Amazarray e cols., (2009). Em pesquisa realizada por Matos e Chaves (2006) os adolescentes ao refletirem sobre o significado do trabalho, referem-se às responsabilidades que passam a ter a partir do desempenho dessa atividade, aparecendo como aspecto central e amplo, inerente ao próprio caráter do trabalho. Dinheiro compõe o núcleo central da RS de ―trabalho‖ e a primeira periferia de ―ser adolescente e trabalhar‖. Esse se associa a elementos periféricos como salário, independência, ajudar a família e comprar, atribuindo o sentido da inserção laboral à possibilidade de autonomia e de aquisição de bens de consumo. Nesse sentido, essas representações conferem ao adolescente status social tanto no ambiente familiar, como também no contexto ao qual se insere. O elemento independência representações (Trabalho constitui e ser adolescente a segunda periferia e trabalhar). Rizzo das duas e Chamon (2010) ponderam que a subcategoria independência esta relacionada ao fato de o adolescente passar a contribuir financeiramente em casa e custear suas próprias despesas. O que é visto na maioria das vezes como positivo, pois essa ação é permeada por valores morais. A promoção de independência aproxima-se também do poder de compra, que até então era alcançado por meio dos pais. Esse mesmo autor reserva que os jovens buscam o trabalho como forma de consumir o que seus pais não têm condições de lhes dar (Amazarray e cols. 2009). Amazarray e cols. (2009) em estudo realizado com adolescentes em inserção laboral afirma que, os jovens representam o trabalho como um meio de ajudar as famílias, de adquirir independência financeira e uma maneira de conquistar liberdade. Em ambos os estudos a ideia de autonomia está vinculada a dinheiro. Nesse sentido o salário convém para complementar à renda familiar e também possibilitar o poder de compra, muitas vezes almejado por esse grupo. A representação do trabalho como forma de obter dinheiro ou remuneração é ilustrada no estudo realizado com adolescentes por Matos e Chaves (2006) como sendo aquilo que a pessoa faz ganhando seu dinheiro de maneira honesta, o meio de obter renda familiar e de ter a capacidade de se sustentar. Retornando mais uma vez a moralidade consentida socialmente. Aprendizagem, experiência, crescer e futuro apesar de não aparecerem no núcleo central de nenhuma das RS, compõem as três periferias. Tais elementos exprimem a ideia de linearidade, uma vez que o elemento aprendizagem pode ser considerado como pré-requisito para que os outros possam ser alcançados. Amazarray e cols. (2009) afiança que os adolescentes afirmam que ser aprendiz é uma experiência importante para o futuro profissional e um privilégio na inserção laboral. Esse mesmo autor afirma que, o contrato de aprendizagem visa à formação técnico-profissional e exige a manutenção das atividades escolares, diferenciando-se de uma relação de trabalho. Nesse sentido, podemos entender o elemento aprendizagem como uma espécie de incubadora que possibilita aos adolescentes terem uma experiência profissional, concomitante a um crescimento pessoal e profissional. Mattos e Chaves (2006) asseveram que os adolescentes associam trabalho e desenvolvimento pessoal, sendo o elemento mais significativo à possibilidade de aprendizagem. Nesse mesmo estudo, os jovens também relacionam o trabalho com a aquisição de experiência para o futuro. Os adolescentes demonstram em ambas as representações o elemento amizade. Esse se caracteriza como um facilitador das relações no ambiente de trabalho que acaba se tornando um espaço de socialização. Rizzo e Chamoun (2010) afirmam que esse é um ganho importante para os adolescentes, pois outras pessoas são inseridas no seu círculo de convivência. Elementos como chefe e equipe também contribuem para o entendimento desse novo espaço. Assim, os relacionamentos surgidos no ambiente de trabalho possibilitam aos adolescentes novas experiências e aprendizados, não só com seus pares, mas também com indivíduos que passam a fazer parte desse novo processo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados indicam que, apesar da presença de elementos negativos nessas RS como acordar cedo, estresse cansaço e falta de tempo, relacionados à dupla jornada, são predominantes os elementos positivos como dinheiro, independência, amizade, diversão e alegria. Pode-se concluir que as RS de trabalho desses adolescentes pautam-se em suas próprias experiências, práticas relativas à Profissional. inserção e vivências de trabalho laboral precoce proporcionada pelo Programa de Aprendizagem REFERÊNCIAS Abric, J. C. (1998). A abordagem estrutural das representações sociais. In: A.S.P. Moreira & D.C. de Oliveira (orgs). Estudos interdisciplinares de representação social. (pp. 27-38). Goiânia: AB. . (2001). Les représentations sociales: aspects théoriques. Em J.C. Abric (Org.). Pratique sociales et représentations. Paris: PUF, 3ª ed. pp.11-36. . (2003). La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In J. C. Abric (Org.), Méthodes d‟étude représentations sociales (pp.59-80). Ramonville Saint-Agne: Érès. . (2007). L ´approche atructurale et aspectis normatifs des des representations sociales. Psicologie & Societé. V.4 pp. 81-104 Amazarray, M. R.; Thomé, L. D.; Souza, A. P. L. de; Poletto, M.; Koller, S. H. (2009). Aprendiz versus Trabalhador: Adolescentes em Processo de Aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Jul-Set. Vol. 25 n. 3, p. 329-338 Flament, C. (2001). Approche Structurale et aspects normatifs des représentations sociales. Psicologie & Societé. V.4. Pp. 57-80. Gonzáles, J. J. Z.; Insa, L. L. (2006). Experiencias positivas, identidad personal y significado del trabajo como elementos de optimización del desarrollo de los jóvenes. Lecciones aprendidas para los futuros Programas de Cualificación Profesional Inicial. Revista de Educación, 341, ppt. 123 -147. Guimarães, N. A. (2005). Trabalho: uma categoria-chave no imaginário juvenil? In: Abramo, H W & Branco, P. P. (orgs.). Retratos da juventude brasileira. Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo, Instituto da Cidadania/ Fundação Perseu Abramo, pp. 149-174. Laranjeira, D.H.P; Teixeira, A.M.F & Boudon, S. (2007). Juventude, trabalho e educação: são os jovens o futuro do Brasil? Caderno CRH, Salvador, 20 (49), pp. 95-105. Mattos, E.; Chaves, A. M. (2006). As representações do trabalho entre adolescentes aprendizes: um estudo piloto. Revista de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 16, 66-75. Oliveira, D. C., Fischer, F. M., Teixeira, M. C. T. V., & Amaral, M. A. (2003). A escola e o trabalho entre adolescentes do ensino médio da cidade de São Paulo: uma análise de representações sociais. Psicologia: Teoria e Prática, 5, 27-39. Oliveira, D.C.; Fischer, F.M.; Amaral, M.A.; Teixeira, M.C.T.V. & Sá, C. (2005). A Positividade e a Negatividade do Trabalho nas Representações Sociais de Adolescentes. Rev Psicologia, Reflexão e Crítica; 18 (1): 125-133. Rizzo, C. B. S.; Chamon, E. M. Q. O. (2010). A Representação Social do Trabalho Para O Adolescente. Eccos Revista Científica, Julio-Diciembre, 453467. Sá, C. P. (1996). Núcleo Central das Representações Sociais. Petrópolis, RJ: Vozes. Sá, C. P. et al. (2009) A memória histórica do regime militar ao longo de três gerações no Rio de Janeiro: sua estrutura representacional. Estud. psicol. (Campinas). vol. 26, n.2 pp. 159-171. Sarti, C. A (2007) A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 4ª ed. São Paulo: Cortez. Silveira, C. A. (2008). Benefícios e malefícios do trabalho sob a ótica de adolescentes trabalhadores. 158 f. Tese (Doutorado). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. Tomás, E. A. (1998) La centralidad del trabajo en el proceso de construcción de la identidad de los jóvenes: una aproximación psicosocial. Psicothema. Vol. 10, nº 1, pp. 153-165. Torres, C. A.; Paula, P. H. A.; Ferreira, A. G. N. & Pinheiro, P. N. C. (2010) Adolescência e trabalho: significados, dificuldades e repercussões na saúde. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.14, n.35, p.839-50, out./dez. REPRESENTAÇÕES ADOLESCÊNCIA SOCIAIS DE ADOLESCENTES APRENDIZES SOBRE Renata Danielle Moreira Silva (PPGP/UFES) Lara de Sá Leal (UFES) Mayara Tulli Netto (UFES) Nayara Wiedenhoeft Carvalho (UFES) Zeidi Araujo Trindade (DPSD/PPGP/UFES) E-mail: [email protected] Apoio Institucional: CNPQ/FACITEC INTRODUÇÃO O conceito de adolescência é inaugurado por Stanley Hall (1904, citado por Sprintall & Collins, 2003), que a caracterizava como uma etapa de transição da infância para a vida adulta de intensas mudanças fisiológicas que repercutiam nos aspectos emocionais, causando um aumento da emotividade e do estresse. Parte da pesquisa sobre adolescência ainda é pautada em uma abordagem pessimista (Pais, 1990) sobre a mesma, consequência da adoção do modelo de ―Tempestade e Tensão‖ (Griffin, 2001) que influencia a conceituação das gerações mais novas pelas gerações adultas. Esse modelo atribui à adolescência as seguintes propriedades: 1) transitoriedade 2) instabilidade e conflito. Bock (2007) afirma que essa concepção de adolescência como fase universal do desenvolvimento onde o conflito e crise estão naturalmente presentes repercute nas práticas e intervenções com vezes por terem caráter adolescentes curativo caracterizadas muitas e preventivo dos problemas naturalizados como ―de adolescentes‖. A caracterização da adolescência, enquanto etapa do desenvolvimento precede de vários fatores quanto a sua definição. É necessário avaliar histórico-culturais, vivências, formas de significar os as diferentes inserções processos e diferentes maneiras de se estabelecer limites etários (León, 2005). Contudo, os limites etários fazem-se necessários para marcar algumas delimitações iniciais, transformando-se em um referente demográfico (León, 2005). Nesse sentido, ao falarmos em adolescência, estamos falando em formas de adolescer, de acordo com o contexto social, econômico, cultural (Sudbrack & Dalbosco, 2005). Moraes, Mendes, Nardi e Menandro (2010) observaram que há uma imprecisão no entendimento socialmente compartilhado sobre juventude. Isso se deve, pois, ao mesmo tempo em que os adolescentes são representados como portadores da rebeldia e do desejo de mudança, outros atributos também lhe são conferidos, como alienação, consumismo e individualismo, desvalorizando seu potencial. Amazarray, Thomé, Souza, Poletto e Koller (2009) em estudo realizado com adolescentes em processo de aprendizagem, afirmam que os adolescentes sinalizam as mudanças e os aprendizados do próprio desenvolvimento, referentes ao corpo e aos relacionamentos com os amigos e com a família, nesse sentido, a categoria ―Ser adolescente‖ estaria relacionada com questões próprias da adolescência, envolvendo aspectos físicos, sociais e psicológicos. Os estudos que se utilizam da teoria das Representações Sociais como aporte teóricometodológico são alternativa enriquecedora para estudos na área da adolescência. Investigar as representações sociais de um determinado grupo de adolescentes sobre um objeto social permite a compreensão de forma aprofundada do processo de formação de conhecimentos, práticas, emoções, crenças, valores, organizados no imaginário social, ancorados no âmbito da situação concreta dos indivíduos que as constroem (Franco, 2007, 2004). A Teoria das Representações Sociais investiga as formas dos indivíduos compreenderem, significarem a realidade e incorporarem novos conhecimentos aos saberes anteriores (Santos, 2005). Na gênese das Representações Sociais, no processo de tornar algo não familiar em familiar dois processos sócio-cognitivos estão presentes: a ancoragem e a objetivação (Moscovici, 2003). Toda idéia ou pensamento precisa de ancoragem, que visa, entre outros objetivos, facilitar a interpretação, permitir a apreensão do objeto estranho em um quadro de referência comum (Deschamps & Moliner, 2009). A objetivação tem como função dar materialidade a um objeto abstrato e consiste em reproduzir um conceito em uma imagem para reduzir a distância entre o conhecimento do objeto social que eles (os indivíduos) constroem e a percepção que eles têm desse objeto (Deschamps & Moliner, 2009, p. 127). Segundo a Abordagem Estrutural das Representações Sociais (Abric, 1998) as representações sociais possuem uma estrutura organizada a partir de dois sistemas: sistema central e sistema periférico. O sistema central tem uma determinação histórica e ideológica ligada ao sistema de valores, crenças e memórias sociais daquele grupo e caracteriza-se por ser estável, resistente a mudanças, não comportar incoerências e ser pouco sensível ao contexto imediato (Abric 1993; Sá 1996). Já o sistema periférico permite a integração da representação social com o contexto social imediato. É mais flexível que o núcleo central e está associado às experiências individuais dos sujeitos, é tolerante à heterogeneidade e às contradições existentes (Abric 1993; Sá 1996). A idéia de as representações sociais terem uma estrutura pode remeter à rigidez e imutabilidade, porém o fato de os sistemas central e periférico serem integrados permite que a dicotomia Estrutura versus Processo seja superada (Trindade, 1998). MÉTODO Participaram 191 adolescentes, 89 meninas e 102 meninos, com idades entre 14 e 17 anos, inseridos em um programa de aprendizagem profissional de uma instituição da Região Metropolitana de Vitória/ES. O instrumento continha questões sociodemográficas e, além disso, uma questão de associação-livre (Abric, 2003) a partir do termo indutor adolescência. Após o espaço para os participantes escreverem as cinco palavras, imagens e/ou expressões que associavam ao termo indutor, solicitava-se que indicassem qual consideravam a mais importante. O instrumento foi aplicado de forma coletiva, nas salas onde os adolescentes tinham as aulas referentes à parte teórica do programa de aprendizagem. Primeiro as pesquisadoras apresentavam-se, explicavam os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário e sigiloso e distribuía-se aos adolescentes o instrumento. O banco de dados recebeu formatação adequada à análise do EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L‟analyse dês Évocations) que se caracteriza por ser um programaque realiza a análise de evocações a partir dos parâmetros frequência ordem de aparecimento das evocações. e O cruzamento desses dois critérios permite o levantamento dos elementos que provavelmente se associam ao termo indutor e permite o levantamento da organização interna das representações sociais associadas a esses termos. RESULTADOS E DISCUSSÃO A tabela 01 apresenta a organização estrutural da representação social de adolescência. Os dados, tratados com auxílio do programa EVOC, são organizados em um quadro de quatro casas. Os termos situados no quadrante superior esquerdo fornecem a composição provável do núcleo central da Representação Social. Em contrapartida, os termos situados nos demais quadrantes correspondem ao sistema periférico da representação. Os temas situados no quadrante superior direito são muito freqüentes, mas considerados menos importantes. Eles correspondem a ―primeira periferia‖. Os temas do quadrante inferior direito são pouco frequentes e pouco importantes, são designados como a ―segunda periferia‖. Por fim, os temas situados no quadrante inferior esquerdo são pouco freqüentes, mas considerados muito importantes por quem os evoca, e constituem a ―zona de contraste‖ (Sá, 2009). O elemento diversão (núcleo central) indica que a adolescência continua a ser significada como etapa do desenvolvimento humano caracterizada pela curtição (Martins, Trindade & Almeida, 2003), também relacionado a outros elementos periféricos, como alegria, bagunça e brincadeiras. Esse período é significado como a época quando diversas novidades (coisas novas) e mudanças estão presentes e que permitem aos indivíduos ―aproveitarem a vida‖, por estarem em um período onde a autonomia em relação aos pais aumenta, o que permite maior permanência fora do espaço familiar, permite aumento da convivência entre pares e a frequência em festas. Tabela 01: Representações Sociais de Adolescência para adolescentes aprendizes OMI <3,0 ≥ 3,0 Freq. med. Tema evocado Frequência OMI Tema evocado Frequência ≥31 Amizade 49 2,755 Alegria 31 Diversão 79 2,658 Festas 47 Estudar 35 2,971 Namorar 51 <31 Aprendizagem Bagunça Brincadeira Coisas Novas Crescer Drogas Ficar Juventude Mudança Puberdade Rebeldia Responsabilidade Sexo média OMI= Ordem importância. 18 14 13 19 11 24 12 10 12 17 27 21 de23 2,222 2,929 2,923 2,474 2,455 2,625 2,500 2,500 2,333 2,647 2,852 2,429 2,435 Amor Briga Escola Esporte Gravidez Sair Trabalho 11 17 22 14 12 12 27 OMI 3,323 3,468 2,971 3,545 3,235 3,818 3,786 3,000 3,417 3,185 As mudanças que ocorrem no período da adolescência envolvem, além das alterações biológicas, ―mudanças de papéis, de idéias e de atitudes‖ (Martins; Trindade & Almeida, 2003, p. 555), o que pode ser observado pela presença de elementos como puberdade e responsabilidade. Amizade é um elemento central que marca a importância da socialização para esse grupo. Outros elementos presentes nas periferias dizem respeito às práticas relacionadas às vivências românticas, o que inclui relacionamentos afetivos marcados por certa estabilidade e compromisso (namorar) e outros relacionamentos mais passageiros como ficar e o relacionamento sexual (sexo). Estudar (núcleo central) aparece como representação para esses jovens ancorado na compreensão que se tem de que a escolarização é pressuposto para alcançar um emprego no futuro (Oliveira, Fischer, Martins, Teixeira & Sá, 2001). Entretanto, para esses adolescentes estudar também aparece relacionado ao espaço físico da escola, um local onde eles passam boa parte da sua adolescência, inclusive constroem relacionamentos (amizades). A Representação Social de adolescência para esses aprendizes comporta uma contradição interessante, uma vez que ao mesmo tempo em que a adolescência é representada por eles como um período de diversão, quando se pode inferir a significação da adolescência pelos participantes como período de descompromisso, elementos trabalho e responsabilidade também os aparecem. Pode-se inferir, dessa forma, que a diversão por ser um elemento central (ideológico e histórico) se refere a uma representação geral da adolescência e que os elementos responsabilidade e trabalho, relacionados ao contexto imediato dos participantes dizem respeito à representação social que eles têm de si enquanto adolescentes que estudam e trabalham diariamente. Rebeldia e drogas, presentes na zona de contraste, aparecem como elementos negativos da adolescência e reforçam a compreensão de que a adolescência é uma fase naturalmente difícil e problemática do desenvolvimento humano (Bock, 2004). O aparecimento do termo drogas também indica que a representação social de adolescência se ancora na tendência, compartilhada pela academia e pelo senso comum, desse período como em risco social, por ser uma etapa onde o adolescente tende a se envolver em situações potencialmente perigosas que poderão o levar a situações de vulnerabilidade social (Medrado & Lyra, 2009). CONSIDERAÇÕES FINAIS As Representações Sociais de adolescência dos participantes estão pautadas em uma concepção tradicional de adolescência como uma fase onde ocorrem mudanças de ordem biológica e de ordem psicossocial. A adolescência é representada também como um período de diversão com os pares e de risco social, mas ao mesmo tempo a partir de elementos representacionais contextualizados na realidade deles, a adolescência é caracterizada como uma fase de aumento de responsabilidade, quando se concilia estudar com o trabalho cotidianamente. REFERÊNCIAS Abric, J. C. 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Para os perfis patológico e limítrofe, situações que necessitam de intervenção observaram-se os seguintes resultados: perfil patológico: stress psíquico (23%); desejo de morte (10%); desconfiança no próprio desempenho (16%); distúrbios do sono (26%); distúrbios psicossomáticos (20%); saúde psíquica geral (15%). Casos Limites: stress psíquico (11%); desejo de morte (11%); desconfiança no próprio desempenho (21%); distúrbios do sono ( 20%); distúrbios psicossomáticos (23%); saúde psíquica geral (13%). No questionário observou-se que 61% dos trabalhadores avaliaram o próprio trabalho como estressante e, ainda, 56% afirmam que o trabalho interfere na rotina familiar. Em suma, percebe-se que existe um risco muito alto de adoecimento mental entre os profissionais de enfermagem e a necessidade de se iniciar ações de prevenção e promoção à saúde dos trabalhadores da instituição a fim de proporcionar melhores condições de trabalho aos mesmos. Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Saúde Mental. Saúde Pública. RESUMEN El estudio fue realizado en un servicio de urgencias de la Provincia de Rondônia, Brasil, y tuvo como objetivo el levantamiento de informaciones sobre la salud mental de los empleados en enfermería (técnicos y enfermeros). La investigación de tipo cuantitativa fue realizada por medio de dos instrumentos: el test psicológico ―Cuestionario de SaludGeneral de Goldberg‖ y un cuestionario con datos sociodemográficos, informaciones personales y profesionales. En los aspectos éticos, fue presentado un Termo de Consentimiento Libre y Esclarecido a todos participantes. Para los perfiles patológico y limítrofe, situaciones en las cuales se necesita de intervención, se observó los siguientes resultados: perfil patológico: estrés psíquico (23%); deseo de muerte (10%), desconfianza en el propio desempeño (16%); disturbios de sueño (26%); disturbios psicosomáticos(20%); salud psíquica general (15%). Casos limites: estrés psíquico (11%); deseo de muerte (11%), desconfianza en el propio desempeño (21%); disturbios de sueño (20%); disturbios psicosomáticos (23%); salud psíquica general (13%). En el cuestionario se observó que el 61% de los trabajadores evaluaron el propio trabajo como estresante y aun el 56% afirmaron que el trabajo interfiere en la rutina familiar. Em resumen, se nota que existe un gran riesgo de enfermización mental entre los profesionales en enfermería y la necesidad de empezar acciones de prevención y promoción de la salud de los trabajadores de la institución con fines de darles mejores condiciones de trabajo. Palabras clave: Salud del trabajador. Salud Mental. Salud Pública. 1Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia, Psicóloga da Secretaria de Estado da Saúde de Rondônia. E-mail: [email protected] 2Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. E-mail: [email protected] 3Doutora em Serviço Social, Professora do Mestrado em Psicologia e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia/ UNIR. E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Esse artigo visa expor uma pesquisa realizada com os profissionais de enfermagem (técnicos e enfermeiros) de um Hospital Público de Urgência e Emergência no Estado de Rondônia, que teve como objetivo realizar um levantamento sobre a saúde mental dos sujeitos que trabalham na instituição. O setor de saúde vivencia uma precarização das condições de trabalho, pois para atender às exigências inerentes à atenção integral à Saúde e à humanização das práticas, os trabalhadores da Saúde necessitam desenvolver múltiplas habilidades e incorporar tecnologias bastante complexas para superar os desafios que se colocam no cotidiano do trabalho. (BRAGA; CARVALHO; BINDER, 2011). Em uma pesquisa realizada por Sala et al (2011) onde se buscou caracterizar o perfil de licenças médicas entre os funcionários da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, foi constatado que os maiores percentuais de absenteísmo foram encontrados entre trabalhadores em funções operacionais e em funções assistenciais em hospitais. Entre trabalhadores de enfermagem, a literatura mostra que os fatores desencadeantes associados à depressão podem estar relacionados a fatores internos ao ambiente e processo de trabalho, como: os setores de atuação profissional, o turno, o relacionamento interpessoal, a sobrecarga, serviço, os problemas na escala, a autonomia na execução de tarefas, a assistência a clientes, o desgaste, o suporte social, a insegurança, o conflito de interesses, as estratégias de enfrentamento desenvolvidas; e a fatores externos ao trabalho, como: sexo, idade, carga de trabalho doméstico, suporte e renda familiar, estado de saúde geral do trabalhador e as características individuais. (MANETTI; MARZIALE, 2007). Outro estudo da Universidade de Campinas (LORENZ; BENATTI; SABINO, 2010) abordou a ocorrência da síndrome de burnout em enfermeiros de um hospital universitário, assumindo que essa categoria profissional é especialmente vulnerável a desordens mentais, pois o seu objeto de trabalho são ações que dependem de intenso relacionamento interpessoal em ambientes sobrecarregados de fatores estressantes. As pesquisas apontam que o trabalho na saúde e, principalmente, o trabalho da categoria de enfermagem, é uma atuação permeada de riscos, inclusive sendo incluída no grupo das profissões consideradas desgastantes. Lidar com vidas humanas é lidar com imprevistos, e para enfrentá-los, é preciso improvisação, criatividade e iniciativa. Os trabalhadores constroem outras formas de trabalhar, maneiras diferentes de se fazer algo, no embate constante com a complexidade das ações em saúde. (FARIA, 2010). Os trabalhadores da saúde lidam cotidianamente com situações nas quais o trabalho prescrito no manual tem que ser reinventado durante a execução do trabalho real. Essa possibilidade de criação já está imbuída de atributos benéficos para a saúde mental do trabalhador, porém existem outras questões envolvidas nesses locais de trabalho que ocasionam sofrimentos, como a degeneração dos vínculos através da negação ou omissão sobre os direitos constitucionais dos trabalhadores; a precarização dos ambientes e condições de trabalho; e as dificuldades no âmbito da organização e relações sociais de trabalho em contextos de gestão ainda tradicional. (SANTOS-FILHO, 2009). Para compreender melhor a relação sofrimento/prazer no trabalho, Freud (19271980) enfatiza que viver em sociedade significa renunciar aos instintos primitivos, e o trabalho é uma das formas que o ser humano utiliza para sublimar a energia sexual e obter a satisfação através de meios culturalmente aceitos. Dessa forma, o ser humano vivencia um sentimento de utilidade social quando está inserido no mercado de trabalho. Porém, existe o aspecto negativo dessa inserção, quando o trabalhador não consegue perceber um sentido ou visualizar o produto de seu trabalho. Yves Clot (2007) afirma a função psicológica do trabalho com uma dupla significação: trabalho sobre si e trabalho no mundo dos outros e das coisas. Destacando também o risco do trabalho ser fonte de sofrimento. Para Dejours (1994) o trabalho é prazeroso quando possibilita a descarga da energia psíquica acumulada diminuindo assim a carga psíquica do trabalho que está relacionada à liberdade dos trabalhadores na organização de seus processos de trabalho. Associado a essa conexão de prazer e desprazer, o trabalho exerce forte influência sobre a saúde já que muitas alterações físicas e psíquicas estão relacionadas com a forma como se reage aos eventos do trabalho. Assim, as condições de trabalho refletem valores e regras sociais e as doenças dos trabalhadores relacionam-se com diversas variáveis pessoais e institucionais. (TEIXEIRA; MANTOVANI, 2009). Pode-se dizer então que o trabalho é uma atividade intrinsecamente relacionada com a convivência social do homem e, nessa situação, o ser humano pode vivenciar tanto o sentimento de prazer como o sofrimento pelas condições que vivenciam em cada local. Essas condições estão relacionadas com diferentes fatores, de acordo com a especificidade subjetiva de cada um ou do coletivo de trabalho. Com isso, surgem questionamentos sobre a situação psíquica envolvida no trabalho na saúde e a importância de pesquisas que abordem esses fenômenos. PERCURSO METODOLÓGICO A pesquisa é focada em um hospital público da rede de saúde do Estado de Rondônia, situado na parte oeste da Região Norte do Brasil e na área abrangida pela Amazônia Ocidental. A Instituição é uma Unidade de Pronto Socorro, que, dentro da rede estadual de saúde, é referência em atendimento de Emergência para todos os 52 municípios do Estado e áreas fronteiriças. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o Hospital é caracterizado como uma Unidade de Média Complexidade, com o fluxo de clientela atendida por demanda espontânea e referenciada. Possui 127 leitos cadastrados, sendo 10 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto, 95 leitos de clinica geral e 32 leitos de cirurgia geral. Por ser a única Unidade de Pronto Socorro do Estado, a Instituição vivencia uma sobrecarga de atendimentos, ocasionando um número de internações maior que a quantidade cadastrada no CNES, acontecendo uma superlotação e consequentemente falta de leitos para alguns pacientes que acabam por ficarem internados em leitos improvisados no chão. Devido a esse contexto, verificou-se a necessidade de voltar o olhar para os trabalhadores que convivem diariamente com essa realidade e, assim, o Setor de Psicologia do Hospital realizou um levantamento sobre a situação psíquica dos cuidadores (enfermeiros e técnicos) no período de Junho a Agosto de 2008, através da aplicação de dois instrumentos: teste psicológico e um questionário sócio-demográfico. Os instrumentos foram aplicados junto à amostra de forma individual, no local de trabalho, durante o intervalo das suas atribuições, utilizando-se um questionário fechado com dados sóciodemográficos, informações pessoais e profissionais; e o Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG). O QSG consiste em uma avaliação psicológica, composta por 60 itens cujo objetivo está em avaliar os sintomas psíquicos através dos seguintes fatores: F1-Tensão ou stress psíquico; F2Desejo de morte; F3-Desconfiança no próprio desempenho (auto-eficácia); F4- Distúrbios do sono; F5-Distúrbios psicossomáticos; e, F6-Saúde Geral (fator geral). O teste em questão possibilita avaliar a saúde específica dentre cada fator supracitado, assim como (dependendo da necessidade) analisar como único fator geral (F6), demonstrando dimensões gerais da ausência de saúde mental (sofrimento psíquico). O referido instrumento foi validado no ano de 1972 e adaptado à realidade brasileira em 1996. Inicialmente o trabalho seria realizado com uma amostra de 100 servidores da enfermagem, no entanto, devido à dificuldade de retirar o servidor do seu local de trabalho por um tempo aproximado de 40 minutos a pesquisa foi realizada com 61 servidores. Os trabalhadores eram convidados a participarem da pesquisa, retirados do setor e levados para a sala do Setor de Psicologia. Na sala de aplicação os sujeitos eram esclarecidos sobre os objetivos e o método da pesquisa e, após sanarem suas dúvidas, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permitindo o uso dos dados coletados. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Dentre os 61 pesquisados, 09 eram homens e 52 mulheres. Sendo 09 enfermeiros (as) e 52 técnicos (as) de enfermagem. Dentre os sujeitos participantes, 61% afirmaram que acham o trabalho estressante e, dentre esse percentual, 50% referem como principal fator de estresse a falta de condições como espaço físico adequado, superlotação e falta de medicações e materiais de insumo. A falta de condições de trabalho, relatada pelos trabalhadores como fator de estresse, é algo comum ao contexto de trabalho na saúde, sendo que se considera o estresse como uma forma de sofrimento psíquico. Santos-Filho (2009, p. 73) afirma que: ―o trabalho em saúde tem sido ressaltado como objeto de atenção devido a sua crescente precarização no que se refere às condições de emprego e de trabalho e repercussões na qualidade de vida e saúde dos trabalhadores‖. Ainda relacionado a questões voltadas para a qualidade de vida, 56% afirmaram que o trabalho interfere de forma negativa nas relações familiares, e 76% disseram que tem algum problema de saúde, porém 54% alegaram que nos últimos seis meses não solicitaram nenhum tipo de afastamento por motivos de saúde. Percebe-se claramente que o trabalho no Hospital está causando sofrimento aos trabalhadores, mas, apesar disso, eles continuam a exercer suas funções. Dejours (2006) nos auxilia a compreender essa situação quando questiona o conceito de normalidade, ao dizer que: A normalidade é interpretada como o resultado de uma composição entre o sofrimento e a luta (individual e coletiva) contra o sofrimento no trabalho. Portanto, a normalidade não implica ausência de sofrimento, muito pelo contrário. Pode-se propor um conceito de ―normalidade sofrente‖, sendo pois a normalidade não o efeito passivo de um condicionamento social, de algum conformismo ou de uma ―normalização‖ pejorativa e desprezível, obtida pela ―interiorização‖ da dominação social, e sim o resultado alcançado na dura luta contra a desestabilização psíquica provocada pelas pressões do trabalho. (2006, p. 36). Percebe-se então, que a grande maioria dos trabalhadores são afetados pelas condições que vivenciam no trabalho, e cada um vai utilizar as estratégias que dispõem para conseguir manter-se dentro da normalidade, o que não significa ausência de sofrimento, mas sim uma eficácia na escolha e utilização dos mecanismos de defesa. A partir dos dados obtidos com a aplicação do QSG pode-se entender melhor a manifestação do sofrimento psíquico nesses trabalhadores. Os resultados do teste foram divididos em 4 categorias, considerando a necessidade de tratamento e/ou de prevenção quanto a distúrbios psíquicos, a saber: Perfil Patológico, são as pessoas que já estão adoecidas e necessitam de tratamento imediato; Casos Limites, são aqueles em processo de agravo, necessitando de atenção e intervenção; Casos com pequenas alterações, indicam a necessidade de prevenção para evitar agravamento; e Casos sem alterações, são as pessoas com a saúde psíquica considerada boa e ótima. Considerando que os casos patológicos e limites são os que necessitam de atenção imediata, essas categorias foram agrupadas para ilustrar melhor a situação de sofrimento vivenciada pelos trabalhadores. Nos fatores específicos verificou-se os seguintes resultados: estresse psíquico – 34%; desejo de morte – 21%; desconfiança no próprio desempenho – 38%; distúrbios psicossomáticos – 43%. Ainda sobre os dados do QSG, verificou-se quanto ao fator geral de saúde, os seguintes percentuais: perfil patológico – 15%; casos limites – 13%; casos com pequena alteração – 26%; casos sem alterações – 43%. Com isso, percebe-se que, apesar das condições de trabalho serem consideradas estressantes pelos sujeitos pesquisados, uma grande parte dos trabalhadores conseguem elaborar estratégias criativas para elaborarem as situações de sofrimento vivenciadas no ambiente de trabalho. Ferreira e Mendes (2001) em pesquisa sobre os trabalhadores que realizam atendimento ao público, afirmam que: [...] o sofrimento é capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade, conduzindo a problemas mentais; mas ao mesmo tempo, é elemento para a normalidade, quando existe um compromisso entre o sofrimento e a luta individual e coletiva contra ele, sendo o saudável não uma adaptação, mas o enfrentamento das imposições e pressões do trabalho que causam a desestabilidade psicológica, tendo lugar o prazer quando esse sofrimento pode ser transformado. Conclui-se, então, que mesmo em uma instituição com condições de trabalho consideradas precárias, como é o Hospital, ainda existe espaço para o prazer e os trabalhadores, apesar de todo o sofrimento, conseguem manter-se dentro dos padrões considerados normais. CONSIDERAÇÕES FINAIS De modo geral, os dados analisados mostraram que existem riscos muito altos de adoecimento mental entre os profissionais de enfermagem nessa instituição e a necessidade de se iniciar ações de prevenção e promoção à Saúde dos Trabalhadores, a fim de lhes proporcionar melhores condições de trabalho. Pode-se constatar a valorização atribuída pelos participantes para o momento da entrevista, visto como uma oportunidade para ―desabafar‖ e ser ouvido. A partir disso, verificase a importância de se oferecer espaços no cotidiano do trabalho para os trabalhadores compartilharem sobre as situações que vivenciam no Hospital. Observou-se, na aplicação do QSG, uma resistência de alguns profissionais para falar sobre a morte. Considerando que este tema se mostra relevante na área da saúde, pois é um enfrentamento diário entre eles, verifica-se a necessidade de espaços para os profissionais realizarem essa elaboração, visando, com isso, melhora nas relações da equipe com os pacientes e familiares que vivenciam esse momento. Devido à pesquisa ter sido realizada com um desenho quantitativo, verifica-se que alguns dados obtidos com a aplicação do teste mostraram-se relevantes para novos estudos com a abordagem qualitativa e que tenham como foco a compreensão de como os trabalhadores vivenciam subjetivamente as situações de sofrimento no trabalho. REFERÊNCIAS BRAGA, L. C.; CARVALHO, L. R.; BINDER, M. C. P. Condições de trabalho e transtornos mentais comuns em trabalhadores da rede básica de saúde de Botucatu (SP). Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1. 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232010000700070&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 fev. 2012. CLOT, Y. 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INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL E A FORMAÇÃO: REFLETINDO SOBRE ATIVIDADES TEÓRICO-PRÁTICAS EM PSICOLOGIA Roberta Fin Motta (Unifra - Email: [email protected]) Monise Gomes Serpa (Unifra - Email: [email protected]) Brasil – Rio Grande do Sul/RS RESUMO O objetivo desse trabalho é refletir sobre os desafios da intervenção psicossocial no processo de formação no curso de Psicologia do interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Serão analisadas 4 experiências de aula teórico-prática nas disciplinas de Psicologia e Saúde Coletiva e Psicologia em Contextos Comunitários, ambas, lecionadas no sétimo semestre do curso, entre os anos de 2009 e 2010. A experiência se deu em quatro comunidades em situação de vulnerabilidade social. A atividade era realizada a partir de uma entrevista com um morador e uma liderança da comunidade, além dos profissionais de saúde que atuam nas Estratégias de Saúde da Família (ESF). As aulas teórico-prática ocorriam ao final do semestre, com o objetivo de oportunizar uma experiência prática na perspectiva da Psicologia Comunitária e Saúde Coletiva, assim como com a Política de Saúde, vigente no país. Foi elaborado um roteiro semi-estruturado com perguntas abordando os aspectos históricos da comunidade, redes de apoio, relações estabelecidas com as instituições, condições de saúde, entre outras. Nessa experiência, foi possível perceber algumas dificuldades dos alunos em se inserir nos contexto de pobreza, ao relatarem medo de serem assaltados, desconforto com a distância do local, em caminhar a céu aberto, de não ter um lugar ―confortável‖ para se sentar. Tais fatos apontam que apesar da Psicologia, nos últimos anos, ter ampliado o seu campo de atuação, voltando-se mais para as intervenções sociais com as minorias sociais, ainda é um desafio propor atividades focadas em estratégias de enfrentamento da pobreza. Em vista disso, este projeto teve o intuito de contribuir para este campo de trabalho, em (re) inventar a atuação do psicólogo nesse contexto, com a intenção de fortalecer e ampliar o campo de atuação. Palavras-chave: Intervenção Psicossocial; formação; psicologia INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre os desafios da intervenção psicossocial no processo de formação no curso de Psicologia do interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Para tanto, examina as especificidades, a intersecção e a articulação dos profissionais da área da saúde, as instituições formadoras e o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, assim como a importância da Psicologia Comunitária nos contextos de saúde. Nos últimos anos, as rápidas transformações políticas, econômicas e sociais do país promoveram inúmeras mudanças, como por exemplo, a VIII Conferência Nacional de Saúde; o processo constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988; o Sistema Único de Saúde (SUS), dentre outros. A partir desta realidade, surgem necessidades que repercutem diretamente no modelo de formação e de exercício dos profissionais da saúde. Assim, torna-se necessário que tanto as Instituições de Ensino Superior (IES) passem a favorecer a capacidade de reflexão e crítica dos acadêmicos, quanto os serviços de saúde, que são os cenários das práticas, proporcionem aos futuros trabalhadores saúde oportunidades para o desenvolvimento de dessas capacidades. Percebe-se que para ocorrer à efetivação do SUS, novos modos de ser e de viver são demandados por parte dos vários atores envolvidos. Nesse sentido, passa a ser exigido profissionais com perfil diferenciado, com competências e habilidades gerais para enfrentar as mudanças que já ocorreram e as que ainda precisam ocorrer para a consolidação do SUS (Schmidt, 2008). Nesse ínterim, a atividade teórico-prática justifica-se, pois como afirma Ceccim (2005) torna-se fundamental a interação e interlocução entre os segmentos da formação, da atenção, da gestão e do controle social em saúde, a fim de permitir o desenvolvimento das potencialidades existentes em cada realidade. preciso pensar estratégias que Para tanto, é fomentem a mobilização dos sujeitos tornando-os agentes de mudanças, E é nessa perspectiva que a Psicologia Comunitária, a partir de um enfoque sócio-crítico, entende a importância de se desenvolver a consciência crítica das pessoas a respeito das condições interna e externas que o impedem de ser sujeitos de direitos e para isso, faz-se necessário desenvolver a sua capacidade de autonomia. E desenvolver tal capacidade, nos grupos sociais desfavorecidos torna-se fundamental na promoção de saúde. As mudanças ocorridas no contexto econômico social e político na década de 80 geraram um aumento no empobrecimento da população Brasileira (Dimenstein, 1998). Uma constante preocupação com a melhora da qualidade de vida das pessoas menos favorecidas fez com que as estratégias de intervenção e o foco da Psicologia se voltassem para o contexto popular e, com isso, buscassem técnicas que estivessem próximas a esta realidade (Góis, 1993). O problema central da Psicologia Comunitária não é a relação saúde e doença, prevenção e tratamento, mas a construção do indivíduo como sujeito de direitos. O sujeito é fortemente implicado com a sua realidade social que está ligada à realidade do local onde reside. Por isso, o espaço de atuação do psicólogo passa a ser o lugar/comunidade (Góis, 1993). Assim, a Psicologia Comunitária é uma área da Psicologia Social que estuda o psiquismo advindo do modo de vida do lugar/comunidade, as relações e representações, identidade, consciência, identificação e pertinência dos sujeitos aos grupos comunitários (Góis, 1993). Assim, o presente trabalho pretende refletir sobre os desafios da intervenção psicossocial no processo de formação no curso de Psicologia do interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no contexto da saúde coletiva e da psicologia comunitária, a partir de uma atividade teórico-prática. REFERENCIAL TEÓRICO A Formação e o Exercício do Profissional de Saúde no Brasil Conhecer a trajetória histórica e política da saúde no Brasil, nas últimas décadas, possibilita compreender o processo de formação e do exercício profissional na saúde e da psicologia nesse contexto. Segundo Theisen (2004) a Reforma Sanitária no Brasil se deu através de fatos e construções ideológicas, que vão desde o sanitarismo campanhista por volta de 1965, passando pelo modelo-assistencial privatista, com a prática médica curativa, até o final da década de 80, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o Ministério da Saúde (2003) o processo de implantação de um programa de saúde pública e/ou sistema de saúde, que então, começa a se concretizar e a população passa a receber maior atenção, a partir da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS/86). Logo, a Conferência foi considerada a pré-constituinte e seu relatório final propôs a implantação do SUS. Com isso, infere-se que a CNS/86 foi o marco histórico político-sanitário mais importante na década de 80, pois possibilitou a consolidação de um projeto consensual dos princípios e diretrizes que norteassem a Reforma Sanitária. Desta forma o Relatório Final da CNS/86 ampliou o conceito de saúde, referindo que a mesma é resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (Brasil, 1987). Ainda, na Constituição Federal de 1988 se estabelece que ao SUS compete ―ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde‖ (Brasil, 1988, art. 200, inciso III). Já na Lei Orgânica da Saúde (LOS) de 1990 determina-se uma política para os trabalhadores da saúde, tendo como objetivo organizar um sistema de formação em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal (Brasil, 1990). Ceccim e Feuerwerker (2004) referem que, ainda, entre 2001 e 2004, foram aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos Cursos de Graduação em Saúde (exceto Medicina Veterinária, Psicologia, Educação Física e Serviço Social), provocando um processo de implantação de novos currículos nos cursos de graduação nessa área, somando-se ao Movimento da Reforma Sanitária e aos movimentos educacionais. As DCNs afirmaram que a formação do profissional de saúde deve contemplar o sistema de saúde vigente, o trabalho em equipe e a atenção integral à saúde. É nesse período que o psicólogo começa a se inserir na área da saúde mental e, posteriormente, na saúde pública. Segundo Dimenstein (1998) o campo da saúde mental passava por um período de crítica ao modelo asilar e hospitalocêntrico, configurando-se um espaço para a entrada do psicólogo, incentivada pelo investimento feito em diferentes categorias profissionais, como tentativa de transformar o modelo médico vigente e de formar as equipes multiprofissionais. Spink (2007) fala sobre a inserção do psicólogo em serviços vinculados ao SUS: ―... somos muitos, porém ainda poucos...‖. As leis brasileiras não incluem o psicólogo na equipe de atenção primária. Fazem parte da equipe mínima, o enfermeiro, o médico, o odontólogo (que tem sua participação garantida pela incorporação de uma equipe de saúde bucal em cada equipe de saúde da família), técnico em enfermagem e seis agentes comunitários de saúde (Boing, Crepaldi, Moré, 2009). Ao se deslocar para o contexto da saúde pública, o Psicólogo reviu os seus modelos de atuação que até então estavam voltadas para uma clientela socioeconômica mais favorecida em consultórios particulares (Dimenstein, 2000). No contexto da saúde pública, o sofrimento psíquico passou a ser atrelado à realidade de pobreza da maioria da população atendida por esses serviços. Com isso, as ações que objetivavam a promoção e prevenção de saúde deveriam levar em consideração os efeitos que as condições de pobreza produziam na subjetividade das pessoas. Nessa concepção, o sofrimento humano está atrelado às condições sociais, culturais, históricas na qual a pessoa e a sua comunidade estão inseridas. A Psicologia Comunitária, referencial teórico e metodológico utilizado nesse trabalho, compreende a pessoas como uma realidade concreta, sociohistórica e ideológica (Góis, 2005). Nessa perspectiva a saúde, vista como comunitária, está fortemente relacionada com a realidade social na qual a pessoa reside. Por isso, o campo de trabalho do psicólogo é a comunidade, o espaço de moradia. RELATO DE EXPERIÊNCIA Foram analisadas 4 experiências de aula teórico-prática nas disciplinas de Psicologia e Saúde Coletiva e Psicologia em Contextos Comunitários, ambas, lecionadas no sétimo semestre do curso, entre os anos de 2009 e 2010. A experiência se deu em quatro comunidades em situação de vulnerabilidade social. A atividade era realizada a partir de uma entrevista com um morador e uma liderança da comunidade, além dos profissionais de saúde que atuam nas Estratégias de Saúde da Família (ESF). As aulas teórico-prática ocorriam ao final do semestre, a mesma objetivava oportunizar experiência prática na perspectiva da Psicologia Comunitária e Saúde Coletiva, assim como a Política de Saúde, vigente no país. Foi elaborado um roteiro semiestruturado com perguntas abordando os aspectos históricos da comunidade, redes de apoio, relações estabelecidas com as instituições, condições de saúde, entre outras. Na primeira experiência de contato com a comunidade, foi possível perceber algumas dificuldades dos alunos em se inserir nos contexto de pobreza, ao relatarem medo de serem assaltados, desconforto com a distância do local, em caminhar a céu aberto, de não ter um lugar ―confortável‖ para se sentar. Tal estranhamento demonstrado pelos alunos e alunas, aponta para a questão de qual é a expectativa deles e delas sobre qual deve ser o lugar de atuação do Psicólogo e o que esperar disso. Segundo Branco (1998), o serviços psicológicos são voltados em sua maioria para o público mais favorecido financeiramente nos consultórios particulares, restando para a população mais pobre o serviço médico psiquiátrico. Conforme a pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia, apesar da emergência de novas demandas de trabalho ao psicólogo e psicóloga, advindas da realidade social vigente da população brasileira, o seu perfil e modo de atuação ainda permanecem no modelo tradicional (Bastos & Achar), 2006). De acordo com Freitas (2008), a formação de profissionais voltados para uma prática mais comprometida com a realidade da população brasileira e engajados no processo de mudança social, tem sido um das grandes preocupações na constituição do fazer psicológico acadêmico. Para a autora, na psicologia ainda lidamos com perspectivas individualizantes na forma de analisar os fenômenos sociais e, no nosso fazer, temos pouca proximidade com os problemas concretos de grande parte da população brasileira. Na experiência vivenciada, o nosso papel enquanto professores e professoras de preparar alunos e alunas para atuarem de forma competente e compromissada com a realidade social em que estamos inseridos (as) tem sido constantemente colocado em questão. Analisar metodologias e a didática no cotidiano dentro e fora da sala de aula que possam desacomodar os(as) alunos(as) nos seus modos estritamente individualizantes de pensar sobre o psiquismo humano tem sido um grande desafio. Além disso, faz-se necessário avaliar quais recursos temos utilizado nas práticas psicológicas para lidar com a dimensão concreta dos problemas sociais enfrentados nos contextos de pobreza e qual desses recursos tem produzido melhoria e mudança. Segundo Guzzo e Lacerda Jr (2007), trabalhar com políticas de enfrentamento a pobreza faz com os profissionais tenha uma nova forma de pensar a humanidade. Para os autores, nos contextos de pobreza, é possível visualizar as conseqüências ―injustas‖ e contraditórias do sistema capitalista, o que gera nos profissionais sentimentos de impotência. Por isso a importância da Psicologia ir além dos seus conhecimentos específicos e buscar em outros saberes, como a antropologia, sociologia e educação, ferramentas que contribuam nesse pensar-fazer psicológico. Em relação à atuação do psicólogo nas Unidades de Básicas de Saúde, alocadas em regiões que se encontram em vulnerabilidade social, não é tarefa fácil, pois envolve aspectos relacionados a formação e atuação diária neste contexto. Através da atividade percebemos algumas das dificuldades em relação ao papel do psicólogo, como por exemplo, a inexistência de profissionais dos gestores e nesses locais, ficando demais profissionais de a mercê saúde de conhecer as potencialidades do trabalho do psicólogo e, com isso legitimar a contratação. Através da situação de não se ter um profissional no local, percebemos a influencia que gera na escolha do aluno pelo local de estágio e propriamente pelo campo de atuação (atenção básica). Ainda, de acordo com Böing, Crepaldi e Moré (2009) ao se discutir a efetividade da atuação e a formação acadêmica, muitas vezes, nas instituições de ensino a realidade apresentada não é condizente com a vivenciada pela saúde coletiva, o que acaba por reproduzir o modelo tradicional. Entretanto, esse mesmo fato, produz, em alguns alunos, a potência de buscar estratégias, esclarecimentos, estudos, sobre a atuação e a possibilidade de se abrir mais campos de atuação para o psicólogo, nessa área, ou seja, a psicologia na saúde coletiva, especificamente, na atenção básica. Assim, Dimenstein (2001) afirma que o profissional que atua nessa área, deve ter a capacidade de criar modos singulares de cuidado e atenção integrada priorizando as diversidades e singularidades de cada um. Este precisa se soltar das amarras da técnica e do conhecimento e assumir uma postura mais flexível levando em conta sempre as necessidades e potencialidades dos usuários. Tais fatos apontam que apesar da Psicologia, nos últimos anos, ter ampliado o seu campo de atuação, voltando-se mais para as intervenções sociais com as minorias sociais, ainda é um desafio propor atividades focadas em estratégias de enfrentamento da pobreza. Em vista disso, este projeto teve o intuito de contribuir para este campo de trabalho, em (re) inventar a atuação do psicólogo nesse contexto, com a intenção de fortalecer e ampliar o campo de atuação. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho apontou que apesar da Psicologia, nos últimos anos, ter ampliado o seu campo de atuação, voltando-se mais para as intervenções sociais com as minorias sociais, ainda é um desafio propor atividades focadas em estratégias de enfrentamento da pobreza. Tal fato mostra estarmos, enquanto a importância de docentes, incluindo em planejamento didático-pedagógico atividades que favoreçam aos alunos e alunas uma aproximação à realidade da população pobre, seja por meio de artefatos culturais como matérias jornalística, propagandas, vídeos e filmes, como também visitas aos espaços onde são realizados os estágios na perspectiva da Psicologia Comunitária. Além disso, espera-se que nessa aproximação, a reflexão dessa realidade contribua na problematização de nossas práticas psicológicas voltadas para a população pobre. Com isso espera-se que o olhar psicológico não se limite a ver o sujeito apenas na sua dimensão abstrata, mas também como sujeito concreto, com demandas sociais que, quando não atendidas de forma justa e democrática, refletem diretamente na sua qualidade de vida. Por isso, a concepção de saúde na qual trabalhamos leva em consideração não só a dimensão biológica nas estratégias de prevenção e promoção, mas também os modos de vida da pessoa e da comunidade na qual a ela está inserida. REFERÊNCIAS Bastos, V.B & Achar, R.(1994). Dinâmica profissional e formação do Psicólogo: uma perspectiva de integração. Em Achar, R., Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação. 2ªed. São Paulo: Casa do psicólogo. Brasil, Ministério da Saúde. (1987).8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986. (1987) Em: Anais. Brasília. . Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. (1990). Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 set. , Ministério da Saúde. (2003). Direito sanitário e saúde pública. Márcio Iorio Aranha (Org.) Brasília: Ministério da Saúde. Boing, E. Crepaldi, M. A.; Moré, C (2009). A epistemologia sistêmica como substrato à atuação do psicólogo na atenção básica. Psicologia: ciência e profissão. V. 29. N. 4. Brasília, dez. 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A PSICOLOGIA NA ASSISTÊNCIA SOCIAL: PRÁTICAS VIVENCIADAS E CONHECIMENTO PRODUZIDO Roberta Fin Motta (PUC RS – Email: [email protected]) Helena Scarparo (PUC RS – Email: [email protected]) Brasil - Rio Grande do Sul/RS RESUMO Este texto trata de uma Dissertação de Mestrado, que aborda a relação entre o saber-agir da Psicologia e o campo da Assistência Social, no Rio Grande do Sul, Brasil. Para explorar o tema, enfocamos os processos de inserção e atuação da Psicologia no campo da Assistência Social, tendo em vista duas fontes de dados: produções científicas e narrativas. Nas produções científicas, buscamos compreender o conhecimento produzido sobre processos de constituição das práticas do psicólogo no campo da Assistência Social em teses e dissertações brasileiras publicadas entre 2004 e 2010. Com apoio numa proposta de revisão sistemática, observamos escassez de estudos nessa área e constatamos peculiaridades concernentes às condições de trabalho, à consolidação profissional da Psicologia no campo da Assistência Social, às interlocuções com outras áreas e aos desafios cotidianos impostos e enfrentados nesse campo. A segunda seção apoiou-se nas experiências de profissionais da Psicologia que efetivam ou efetivaram saberes e práticas no campo da Assistência Social, a partir da década de 1990, em Porto Alegre. Como estratégia metodológica, utilizamos a coleta e análise de narrativas, tendo como referencial teórico, o construcionismo social. Dentre os resultados deste trabalho, destacamos os descompassos entre a formação e a prática profissional, a contradição entre a necessidade de promover estratégias para construção cotidiana e coletiva concomitante à compreensão deste processo como obstáculo ao trabalho e, finalmente, a ideia de que a Política Pública de Assistência Social é uma travessia pouco explorada e pouco articulada às demais Políticas Sociais. Por fim, o trabalho reforça a relevância do debate sobre a inserção das práticas dos psicólogos no campo da Assistência Social, tendo em vista a reflexão crítica e a transformação de concepções, lugares e projetos sociais para a profissão. Palavras-Chave: Psicologia, Assistência Social, narrativas, produção de conhecimentos. INTRODUÇÃO Este texto trata de uma Dissertação de Mestrado, que aborda a relação entre o saberagir da Psicologia e o campo da Assistência Social, no Rio Grande do Sul, Brasil. Para explorar o tema, enfocamos os processos de inserção e atuação da Psicologia no campo da Assistência Social, tendo em vista duas fontes de dados: produções científicas e narrativas. Nas últimas décadas, muitas experiências na Psicologia têm possibilitado vislumbrar práticas direcionadas aos problemas sociais brasileiros e voltadas para o fortalecimento da população no enfrentamento das situações de vulnerabilidade social. Como resultado definiram-se mais nitidamente as concepções acerca das contribuições da Psicologia para as Políticas Sociais Públicas. Além disso, constituíram-se novas referências para o exercício da profissão (CFP, 2005). Como decorrência, as aproximações entre Psicologia e Políticas Sociais Públicas no contexto brasileiro têm trazido indagações quanto aos processos de construção dos conhecimentos, das práticas que geram e dos territórios de poder que inauguram. Concomitante à inserção da Psicologia no campo das Políticas Sociais Públicas ainda é incipiente a discussão sobre as práticas psicológicas na Assistência Social. Além disso, a atividade dos psicólogos é imprescindível, tanto para os profissionais e gestores que atuam nessa área, como para os usuários. Scarparo e Guareschi (2007) salientam que existe uma discrepância entre a necessidade de trabalho no âmbito das Políticas Sociais e o despreparo dos profissionais para enfrentar os desafios relativos a esse campo. Nesse sentido, essa problemática, de acordo com as autoras implica em assumir o compromisso de compreender a magnitude das questões abordadas ao planejar, gerir e avaliar ações. Bem como, que a formação favoreça o conhecimento e a crítica dos pressupostos das Políticas Sociais e da amplitude do espaço público (Scarparo e Guareschi, 2007). Deste modo, para reafirmar o compromisso ético-político do fazer psicológico é fundamental produzir conhecimentos sobre o tema. OBJETIVO Compreender os processos de articulação entre a construção das práticas psicológicas e a Assistência Social em Porto Alegre, a partir da década de 1990. E, relatar o conhecimento produzido sobre processos de constituição das práticas do psicólogo no campo da Assistência Social em teses e dissertações brasileiras publicadas entre 2004 e 2010. REVISÃO TEÓRICA Nesse capítulo, pretendemos abordar aspectos da História da Psicologia Social no Brasil e Rio Grande do Sul e a inserção da psicologia na perspectiva das Políticas Sociais Públicas. Reconhecer a trajetória implica em entendê-la como um produto histórico, cujos determinantes passam pelo contexto sócio- histórico-político no qual a profissão se insere. Com isso podemos ter subsídios para a compreensão dos processos de articulação entre a construção das práticas psicológicas e a Assistência Social em Porto Alegre, a partir da década de 1980, adentrando a década de 1990. A partir dos anos oitenta, o País começa a viver a abertura democrática, os psicólogos procuraram discutir os conflitos existentes entre as diferentes abordagens teóricas e metodológicas e a criar espaços para repensar o trabalho voluntário. Houve um aumento crescente no número de práticas psicossociais, relacionadas às destacando-se as práticas comunidades carentes, as instituições totais, dentre outras (Freitas, 2009, Bomfim, 2004). É importante, também, o envolvimento dos psicólogos no movimento da saúde, com participação ativa na luta antimanicomial, nas Conferências Nacionais de Saúde, que acabam definindo algumas das condições para a inserção da categoria no campo público do bem estar social (Yamamoto, 2007). Em meados de 1980 temáticas relacionadas às práticas psicossociais começaram a ocupar espaços significativos e de interesse em diversos encontros científicos. Assim, em 1980 surge a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e em 1984, Lane e Codo organizam a obra que pode ser considerada marco da ruptura da Psicologia Social, intitulada Psicologia Social: o homem em movimento. Nessa obra vê-se claramente o rompimento com a Psicologia (Bernardes, 2008). Também, entre Associação Nacional de Pesquisa e Social norte-americana. as associações científicas tem-se destacado a Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) e a Sociedade Brasileira de Psicologia. (Bomfim, 2004). Assim, Bernardes (2008) reconhece que a realidade parece ser outra, uma vez que os países latino-americanos estão construindo uma produção em Psicologia Social, contextualizada, baseada na história de sua comunidade e preocupada com a cultura, os valores, os mitos e os rituais. Nesse ínterim, é fato que a inserção do psicólogo nas Políticas Públicas cresceu muito nos últimos dez anos, principalmente nas áreas de saúde e saúde mental, políticas de proteção à criança e ao adolescente e, mais recentemente, na área da Assistência Social. A discussão sobre Políticas Sociais Públicas é um tema relativamente novo para a ciência e para a prática psicológica. Embora haja o engajamento social e político de alguns profissionais da área praticamente desde seu reconhecimento como profissão no Brasil, e o movimento em busca de um compromisso social com a maioria da sociedade brasileira e com seu contexto sociopolítico e econômico já venha tomando corpo há pelo menos vinte anos; a inserção de profissionais como parte das equipes de trabalho em Políticas Públicas só tomou maiores proporções na última década (Fontenele, 2008). Essa atuação foi acompanhada pela construção, na Psicologia, do compromisso social, com a participação de psicólogos de todo o País. A partir dessa perspectiva, é valorizada a construção de práticas comprometidas com a transformação social, em direção a uma ética voltada para a emancipação humana. Diferentes experiências apontaram alternativas para o fortalecimento dos indivíduos e grupos para o enfrentamento da situação de vulnerabilidade. Como resultado dessas experiências houve uma ampliação da concepção social e governamental acerca das contribuições da Psicologia para as Políticas Públicas, além da geração de novas referências para o exercício da profissão de psicólogo no interior da sociedade (CFP, 2005). Esse fato é vislumbrado nas pesquisas organizadas pelo Conselho Federal de Psicologia no qual demonstra que há nos últimos anos um aumento progressivo do número de profissionais em novos espaços de atuação, sobretudo na Assistência Social, seja no âmbito público, seja no privado sem fins lucrativos (CFP, 1994; 2001; 2004). MÉTODO Para explorar o tema, enfocamos os processos de inserção e atuação da Psicologia no campo da Assistência Social, tendo em vista duas fontes de dados: produções científicas e narrativas. Nas produções científicas, buscamos compreender o conhecimento produzido sobre processos de constituição das práticas do psicólogo no campo da Assistência Social em teses e dissertações brasileiras publicadas entre 2004 e 2010, com apoio numa proposta de revisão sistemática. Já a segunda seção apoiou-se nas experiências de profissionais da Psicologia que efetivam ou efetivaram saberes e práticas no campo da Assistência Social, a partir da década de 1990, em Porto Alegre. Como estratégia metodológica, utilizamos a coleta e análise de narrativas, tendo como referencial teórico, o construcionismo social. RESULTADOS E DISCUSSÃO Dentre os resultados desse trabalho, observamos a escassez de pesquisas sobre o tema, e destacamos os descompassos entre a formação e a prática profissional, a contradição entre a necessidade de promover estratégias para construção cotidiana e coletiva concomitante à compreensão desse processo como obstáculo ao trabalho e, finalmente, à ideia de que a Política Pública de Assistência Social é uma travessia pouco explorada e pouco articulada às demais Políticas Sociais. Percebe-se que, em relação à Assistência Social, houve avanço nas últimas décadas, no Brasil, no que se refere aos sentidos sociais atribuídos a essa prática. Constatamos a diminuição da associação do assistencialismo, da benemerência, da filantropia e da conotação de clientelismo político em troca da vinculação com o estatuto de Política Pública. No entanto, vários desafios foram elencados ao longo da investigação. Podemos citar como exemplos substantivados nas interlocuções com outras áreas, interdisciplinaridade, na intersetorialidade, na busca no caso,na de melhoria das condições de trabalho, nos movimentos que buscam retomar antigas formas de saber-agir na Assistência Social, nos descompassos entre a formação e a atuação profissional, e a consolidação profissional no campo da Assistência Social. Nesse processo, encontra-se a Psicologia. Sabemos que a sua inserção na Política Pública de Assistência Social ainda é recente e que as discussões sobre sua interlocução com a Política de Assistência Social ainda estão sendo desenvolvidas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cabe destacar a importância de se ter estudos que possam refletir, problematizar e aprofundar os conhecimentos na área em questão. Desse modo, sendo plausível o intuito de contribuir para a produção do conhecimento em prol do desenvolvimento da Psicologia, entendida como ciência e profissão. Por fim, o trabalho realizado reforça a relevância de intensificar o debate sobre a inserção das práticas dos psicólogos no campo da Assistência Social, tendo em vista a reflexão crítica e a transformação de concepções, lugares e projetos sociais para a profissão. REFERÊNCIAS Bernardes. J.S. (2008). História. In Strey,M.N.et al. Psicologia Social Contemporânea.(p.19-35). Petrópolis, RJ: Vozes. Bomfim.E.M.(2004). Contribuições para a história da Psicologia Social no Brasil. In Jacó- Vilela, A.M., Mancebo. D. Psicologia social: abordagens sócio- históricas e desafios contemporâneos (123-144). Rio de Janeiro, RJ: Ed. da UERJ. Conselho Federal de Psicologia (CFP). (1994). Psicólogo Brasileiro: práticas emergentes e desafios para a profissão. São Paulo: Casa do Psicólogo. Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2001). Pesquisa feita junto aos associados do Conselho Federal de Psicologia - Relatório Final. Relatório on- line. 2010, de Recuperado em 05 Julho, http://www.pol.org.br /arquivos_.pdf/relatório_who.doc Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2005). Banco Social de Serviços. Relatório Final. Brasília: CFP. Fontenele, A, G, T. (2008). Psicologia e o Sistema Único da Assistência Social - SUAS. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil. Freitas, M. F. Q. (2009). Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (social) comunitária: práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90, no Brasil. In Campos, R. H. de F. (org.) Psicologia Social Comunitária – da solidariedade à autonomia (p.54-80). Petrópolis, RJ: Vozes. Yamamoto, O.H. (2007). Políticas sociais, terceiro setor e compromisso social: perspectivas e limites do trabalho do Psicólogo. Psicologia & Sociedade; 19 (1): 30-37; jan/abr. A DICOTOMIA ENTRE PÚBLICO/PRIVADO NA RESSOCIALIZACÃO E REINSERÇÃO DO PRESO NO PROCESSO PRODUTIVO Rose Ani Jaroszuk1, Sylvia Mara Pires de Freitas2, Tereza Rodrigues Vieira3 O intuito deste trabalho é refletir sobre questões suscitadas a partir de uma pesquisa de campo realizada com mulheres encarceradas que cumprem pena em regime fechado em uma unidade penal de segurança máxima no Estado do Paraná, Brasil. A pesquisa conta com o apoio do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil e tem como base teórica para a análise a abordagem fenomenológico-existencial. Partindo da complexidade do ser humano e da conjuntura político, econômica, social atual latino-americana, intensifica-se a importância e necessidade da atuação da Psicologia como uma ciência que pode, através do encontro com o outro, aceder à realidade humana construída através da relação homem/mundo, com seu caráter subjetivo/objetivo, individual/coletivo, e assim poder se implicar com a construção de uma nova realid ade, objetivando questionamentos e superações de impasses a situações que afligem e causam sofrimento ao homem na vivência do seu cotidiano. Parar para pensar, nos dias de hoje, no sistema penitenciário, nos presos, na sociedade intra e extramuros deste sistema, não resulta em uma tarefa animadora, fácil, muito menos passível de ser delegada a responsabilidade apenas a alguns. Talvez decorrente disso a demora e a dificuldade de alguma transformação dessa realidade, haja vista que ela operadores e instituições apresenta um emaranhado de que exige atores, entendimento, desvelamento e atendimento integral por parte das mais diversas ciências atuando interdisciplinarmente, além do espaço que deve ser ocupado por todos nós como cidadãos. Quanto à Psicologia, Silva (2007) ressalta que é necessária uma reconstrução da prática dos psicólogos envolvidos com o contexto prisional, através de parceria e trabalhos multidisciplinares e interdisciplinares, para compreenderem e atenderem a realidade carcerária, que de alguma forma ou outra implica toda a sociedade. 1 Discente do 5o ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense - UNIPAR (Umuarama/PR/Brasil) – Bolsista do CNPq - Brasil. Email: [email protected] 2 Psicóloga. Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUC/RS). Especialista em Psicologia do Trabalho (CEUCEL/RJ). Formação em Psicologia Clínica (NPV/RJ). Docente dos cursos de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM/Maringá/PR/Brasil) e da Universidade Paranaense - UNIPAR (Umuarama/PR/Brasil). Email: [email protected] 3 Pós-doutorado em Direito pela Université de Montreal, Canadá e Professora do Mestrado em Direito da Universidade Paranaense-UNIPAR (Umuarama/PR/Brasil. Email: [email protected] Relacionado ao sistema prisional e visando contribuir com os profissionais da Psicologia, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) em parceria com o Ministério da Justiça e através do diálogo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) elaboraram e publicaram uma cartilha (2007) com diretrizes para Atuação e Formação dos Psicólogos para a área prisional do Brasil. No entanto, essa problemática não é superficial, pois suas raízes se encontram na estrutura políticaeconômica, assim, como em outros aspectos que abrangem questões contemporâneas. É difícil buscar a compreensão de uma realidade sem adentrar na influência que o Estado liberal operou e opera na construção de valores que fundamentam ações. Mesmo não sendo nossa temática principal, vale destacar, a partir das palavras de Baumann (2000) que, se o liberalismo foi em sua época uma ideologia avançada e desafiadora, hoje se caracteriza pela rendição. Coloca este autor que: Este não é o melhor dos mundos imagináveis, mas o único mundo real. Além disso, todas as alternativas são, devem ser e se revelarão piores se experimentadas na prática. O liberalismo reduz-se hoje ao mero credo de que ―não há alternativa‖. Se quiser descobrir quais são as raízes da crescente apatia política, também não precisa procurar muito. Esta política louva e promove o conformismo [grifos do autor] (BAUMAN, 2000, p.12). Resulta ser um exercício simples olhar retrospectivamente para a construção da sociedade em seus diferentes momentos e observar a constituição de normas, contratos, leis que, consensual compulsoriamente, ou serviram e continuam servindo para estabelecer os direitos e deveres dos indivíduos, bem como a garantia de formas de convívio, ao mesmo tempo em que proporciona um controle sobre o social. Complexo, no entanto, é o trabalho que exige a percepção do presente e ações que visem atender as demandas atuais, buscando, sobretudo, o humano que nos caracteriza enquanto existência. É imprescindível debruçar-se sobre a problemática do sistema prisional e formular questões que conduzam às respostas inovadoras e às ações que caminhem ao encontro das demandas atuais, pois como assertivamente esclarece Bauman (2000, p. 14) : "Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar ou deixa que essa arte caia em desuso pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem‖. Destarte, a pretensão desse artigo não está em proporcionar respostas, nem tampouco expor a construção e função das prisões, já trabalhadas por Foucault (1979, 1998). Intenta-se aqui levantar questões provocativas, que incitem ações capazes de superar algumas contradições existentes no processo brasileiro de ressocialização e reintegração do preso como cidadão no sistema produtivo; além de esquadrinhar a dicotomia público/privado e sua influência na dinâmica desse processo no atual contexto histórico, sócio-cultural, político e econômico no qual, nós brasileiros, estamos imersos e somos transpassados. De maneira sintética, podemos dizer que o capitalismo é um sistema que mantém uma dinâmica de acumulação e centralização de capital apoiado pela ideologia liberal , que através da globalização teve esse processo ampliado para a internacionalização interesses fortemente arraigados no capital, que defendem sistema, contribuem com da expansão capitalista. Evidentemente, os a manutenção do o aumento abismal da desigualdade social. No entanto a globalização não se plasma somente na dimensão econômica, pois adentra o social, jurídico, político, cultural que, por sua vez, estão articulados intrínseca e complexamente. Neste contexto, o binômio público/privado está configurado por uma diminuição da intervenção do Estado no setor público e um aumento da pseudo-autonomia do setor privado. De acordo com Bobbio (2000) o liberalismo exibe o conceito de liberdade negativa, ou seja, aumentando o poder de uma pessoa, diminui- se o poder da outra, assim pretende-se que, aumentando a liberdade do indivíduo, reduz- se o poder e a função do Estado. Para ampliar a compreensão da dicotomia público/privado, trazemos a visão de Arendt (2007) que expõe o público como a esfera caracterizada pelo Comum, entendido como o que é perceptível aos sentidos de todos, por si mesmo e pelos outros, e tem a maior exposição plausível. Nesse sentido, a aparência institui o real, mesmo em se tratando de sentimentos, pensamentos, sensações externalizadas e adaptadas a exibição pública, são formas de transfiguração do privado ao público, como ratifica o seguinte excerto desta autora: A nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e, portanto da existência de uma esfera pública [...] neste só é tolerado o que é tido como relevante, digno de ser visto ou ouvido, de sorte que o irrelevante se torna automaticamente assunto privado (ARENDT, 2007, p.61). A esfera pública é o espaço comum a todos, mas desigual na parte que nos incumbe dentro dele, pois o lugar de um não pode ser ocupado por outro. Enfim, a esfera pública, de acordo com Arendt (2007), como espaço público, tem uma permanência e deve transcender a própria existência de uma vida, de uma geração, não pode ser planejado e construído só para os que vivem neste momento, pois de outra forma nem um mundo em comum nem o domínio público serão possíveis. A autora ressalta que o mundo comum não é resultado da igualdade entre as características humanas, mas basicamente da política, objeto que é comum a todos mesmo que em aspectos distintos. Em contraposição, se a esfera pública se caracteriza pelo comum e apresenta uma relevância múltipla, é justamente em relação a isto que a esfera privada adquire significado já pelo seu termo que denota privação. Para que o indivíduo viva a esfera privada em sua totalidade ele se absterá ou se destituirá de coisas primordiais da existência humana. Na esfera privada o homem não se dá a conhecer, pois está desprovido da alteridade, ou seja, da relação e interesse pelos outros, assim, de certo modo, a não aparição supõe que ele não existe. Suas ações são sem importância, pois não alcança o outro destituído e o que lhe é importante não desperta interesse para os outros. Para Arendt (2007) o privado está representado pela propriedade, porém esta não está associada à riqueza ou pobreza, mas ao lar, a família que tem como função resguardar, proteger, além de dar aconchego contra o mundo, inclusive abrigar os excluídos. Desta forma, não existimos separadamente na esfera política, haja vista que coexistimos pela implicação da alteridade. Se o pensamento é algo privado e o fazemos individualmente, a ação implica o público, o fazer em conjunto. Outro aporte no entendimento do binômio público/privado nos provê Bobbio (1987) abordando-o como a grande dicotomia. Para este autor, enquanto dicotômicas elas denotam capacidade de, primeiramente, fracionar um todo em duas esferas, em que por um lado cada esfera inclui todos os entes sem excluir a nenhum e mutuamente exclusivas, pois o ente compreendido na primeira não o será pela segunda. Em segundo lugar estabelece uma divisão que simultaneamente é total e principal. Total porque não fragmenta, uma vez que todos os seus entes nela têm lugar e principal porque em sua direção convergem outras dicotomias que lhe são secundárias, não se superpõem, mas se confrontam. Acrescenta que esses termos dicotômicos podem ser conceituados de modo independente, ou enquanto um é definido, o outro termo recebe uma conceituação negativa, ou seja, o privado definido como não público. Assim, pode-se dizer que o espaço do público chega até onde começa o espaço do privado e vice-versa. No entanto, paradoxalmente, exibe-se uma relação de reciprocidade, sendo que, quando se aumenta a esfera pública, diminui-se a esfera privada, sendo o inverso também verdadeiro. Enfim, esta dicotomia reflete a situação de uma sociedade em que se diferencia o que pertence ao grupo, à coletividade, e aquilo que pertence aos elementos singulares ou grupos menores, como se a condição humana não abarcasse o diálogo entre o singular e o coletivo, construindo-se mutuamente. Sob esse contexto de realidades contraditórias, mas não excludentes, é que trazemos a realidade humana pelo viés dialético sartriano enquanto devir. Para Sartre (2002) a dialética se dá pela consciência capaz de significar o mundo e, paradoxalmente, surgindo a partir do encontro com este. Assim, podemos compreender que as esferas pública e privada são fenômenos, transformando-se em fatos pelas ações humanas que a constroem e mantêm de maneira dicotômica. É válido acrescentar que isso não quer dizer que não exista paradoxos na natureza, na materialidade, mas tão somente que as coisas se autoignoram. É a reflexão que traz a lume as possíveis contradições na realidade concreta, construídas pelas ações. Na materialidade não há devir, não há totalização em curso, sendo o oposto da consciência, que é abertura, ou seja, total possibilidade de vir a ser. ―Sem o homem, a natureza é neutra, surdo-muda, e só na esfera da intervenção humana a matéria pode adquirir características dialéticas‖ (PERDIGÃO, 1995, p.163). Nessa perspectiva, concebida a partir da premissa de que a dialética não está no exterior para ser contemplada ou conhecida, cada pessoa está entretecida na construção da história particular e universal. Dessa forma, a responsabilidade da atual situação é de todos os cidadãos, e não se pode relegar à história a culpabilidade do processo de separação, punição e exclusão da sociedade carcerária. Embora seja uma realidade marginal, intramuros, ela não deixa de existir e a vida acontece lá dentro ao mesmo tempo em que acontece aqui fora, porém com características próprias. Assim, no contexto interno do sistema penitenciário feminino pesquisado, observamos que a configuração do público e privado tem suas próprias nuances, pois a dicotomia entre as duas esferas se diferencia em muito da sociedade extramuros. Na prisão, para as encarceradas, a esfera privada revela um achatamento em relação à pública. O mundo particular, íntimo basicamente se resume ao exercício do pensamento e ao cumprimento da pena, enquanto que o coletivo concentra e governa a maioria das ações, através do controle disciplinar que objetiva, atualmente, a ressocialização. Neste sentido, a esfera pública enquanto ação do Estado, através da instituição jurídica penal, exibe um acréscimo na interferência sobre o privado, corroborando a afirmação de Bobbio (1987) em que aumentando a esfera pública, diminui-se a esfera privada. Certamente, este é um processo repleto de contradições e por tais características é inexorável analisar, a partir da dicotomia público/privado, a configuração da sociabilidade e produção de subjetividade que resulta da práxis e objetivos da Instituição Penal com a finalidade de ressocialização da sociedade carcerária. Assim, emergiu a partir da nossa percepção sobre a pesquisa realizada, a existência de um impasse, um conflito entre o processo de ressocialização, exatamente na formação de subjetividade e o de reintegração da presa à sociedade externa, pois a ressocialização em cárcere está mais próximo de um modelo baseado no sistema cooperativista do que no sistema individualista, característico da sociedade capitalista ao qual o indivíduo deverá afrontar ao sair em liberdade, fato que poderia dificultar a não reincidência do egresso. O nosso questionamento não quer em hipótese alguma fazer julgamentos de valor sobre as práticas realizadas, nem em pretensão de dar respostas simplistas, mas em compartilhar a análise referente à temática trabalhada resultante da pesquisa realizada. Portanto, considerando o contexto já descrito, podemos pensar que o desencontro entre o processo de subjetivação da ressocialização e a intenção de reintegração do egresso à sociedade precisa ser mediado por uma nova possibilidade, uma nova forma para habilitar o preso a sua inserção ou reinserção à sociedade, seja esta pelo processo produtivo. Conjecturamos que, se a vivencia na prisão é construída por ações coletivas, a contribuição para este egresso poderia ser justamente um ambiente externo que o acolhesse com essas características. Sendo assim, a experiência de sair para a sociedade deixaria de ser um momento de encontro com a sorte, mas uma sequência no plano de ressocialização, reinserção e reabilitação, escopo do objetivo primeiro. Enfim, levando em conta a multiplicidade de fatores imbricados, mas também entendendo a pessoa segundo a concepção de Sartre (2001) como totalização-em-curso, ou seja, como possibilidade de se fazer, se construir incessantemente, vislumbramos também que um trabalho que ensine as detentas a criarem alternativas de trabalhos coletivos quando egressas na sociedade, como a construção de cooperativas, por exemplo, é possível um novo processo de subjetivação extra-cárcere, uma vez que pelo trabalho, pela atividade do indivíduo se estabelece e ao mesmo tempo fortalece e outorga um valor agregado pelo resultado de sua ação e produção, além de viabilizar o sentimento de pertencimento e o desenvolvimento de uma identidade, que fora disso seguirá estigmatizada pelo fato de algum dia ter sido preso, fragilizando o indivíduo e fechando-lhe portas. Concluindo, compreendemos que o conjunto das ciências engloba o conhecimento mais aproximado do todo que compõe tanto o individual quanto o coletivo. O encontro então das diversas ciências proporcionaria, não a ocultação ou exclusão de questões latentes e pendentes que aborreçam e atrapalhem o bom andamento do status quo, mas que proporcionem um devir justo, equitativo que prime pela pessoa humana. É necessário sair do solipsismo disciplinar e adotar a dialogicidade do encontro interdisciplinar para questões que são complexas e diversas, mas imensuravelmente necessárias para chegar ao encontro ao significado do conceito de sociedade. REFERÊNCIAS FOUCAULT, M. Microfisica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis, Vozes, 1998. ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2007. BAUMAN, Z. Em Busca da Política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000. BOBBIO, N. Estado, Governo, Sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2000. PERDIGÃO, P. Existência e Liberdade: uma introdução a filosofia de Sartre. Porto Alegre: L&PM, 1995. SARTRE, J. P. Critica da razão dialética. Tradução Guilherme J. F. Teixeira. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. SARTRE, J. P. O Ser o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão 10ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. SILVA, F. C. M. S. et al. Diretrizes para Atuação e Formação dos Psicólogos do Sistema Prisional Brasileiro. Brasília, 2007. Disponível em: <http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/publicacoes/publicacoesDocumentos/de pen_cartilha.pdf>. Acesso em: 10 fev 2012. Psicologia, Territorialização e Compreensão da Atividade Comunitária: um estudo realizado a partir do Estágio Básico em Psicologia Comunitária. Andréa Gyordana Lages Silva Pires1 José Ferreira Bandeira Neto2 Maria Thereza Figueiredo de Menezes Monte3 Suely Frade Montero4 Leonardo Sales Lima5 INTRODUÇÃO Para Freitas (1996) a Psicologia, em seu compromisso social, valoriza a construção de práticas comprometidas com uma transformação em direção à ética da emancipação humana. Nas últimas décadas, a divulgação de um conjunto de experiências possibilitou o surgimento de práticas direcionadas aos problemas sociais brasileiros, objetivando o fortalecimento dos recursos subjetivos para o enfrentamento das situações de vulnerabilidade, o que proporcionou uma ampliação da concepção social e governamental acerca das contribuições da Psicologia para as políticas públicas. Segundo Souza (2004) a saúde pública recorre à territorialização de informações, há alguns anos, como ferramenta para localização de eventos de saúde-doença, de unidades de saúde e demarcação de áreas de atuação. Martinez (2003) afirma que a produção de conhecimentos, que embasam a atuação da Psicologia no campo da Assistência Social e que subsidiam o desenvolvimento de 1 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho 2 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho 3 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho 4 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho 5 Professor do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho; Psicólogo, Mestre em Ciências e Saúde Email: [email protected]; [email protected]; [email protected] TERESINA – PIAUÍ - BRASIL atividades em diferentes espaços institucionais e comunitários, possibilita a proposição de políticas públicas e ações relacionadas aos diversos grupos e movimentos sociais, a partir da compreensão de suas atividades, com vistas à realização de projetos correlatos. Este trabalho tem como objetivo relatar uma experiência de Estágio Básico em Psicologia Comunitária desenvolvido por alunos do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho, no contexto dos cuidados em saúde da Estratégia Saúde da Família do Sistema Único de Saúde brasileiro. A experiência relatada, ocorreu no Bairro Mafrense, Zona Norte da cidade de Teresina, Estado do Piauí, Brasil. Foi realizado o diagnóstico das condições geográficas, econômicas, sociais e culturais, através de questionários e conversas formais e informais com profissionais da equipe de saúde, lideranças e moradores da comunidade, assim como intervenções coletivas, para a abordagem qualitativa das necessidades subjetivas e dos sentimentos de pertença e territorialização dos sujeitos. REFERENCIAL TEÓRICO Segundo Freitas (1996) o compromisso social da Psicologia Comunitária é com os grupos, com as instituições, com os conjuntos ―concretos‖ (conforme define o psicossociólogo francês E. Enriquez, 1983), nos quais o indivíduo se encontra e mediatiza sua vida pessoal e coletiva. Tal compromisso busca uma mudança nas relações sociais, pelo questionamento de práticas instituídas e cristalizadas, pela reflexão sobre a condição histórica que permeia as inter-relações institucionais. Busca-se, também em tal compromisso, o movimento onde se manifesta a estagnação, a naturalização do instituído; ato que se dá através dos atores sociais. Daí a impossibilidade de dissociação entre o social e o psicológico e a importância do sentido clínico da pesquisa e da prática – a intersubjetividade, proveniente de fenômenos psíquicos que ocorrem entre indivíduos: nos grupos, nas instituições, nas comunidades, no social mais amplo. Para Martinez (2003) a importância da divulgação de experiências em Psicologia Social reside em proporcionar a ruptura de certo dogmatismo, que marca um corte na rede das ciências humanas e sociais, mesmo que tal não impeça a defesa por diversos estudiosos do ideal teórico sempre em construção, jamais concluído. Através da interdisciplinaridade, com a contribuição da Psicossociologia, procura-se chegar um pouco mais perto do ―objeto-sujeito‖ de estudo, o ser que se inter-relaciona socialmente, objetivando o fortalecimento de sua subjetividade para o enfrentamento das mazelas que porventura venha a sofrer. De acordo com Souza (2004) uma proposta transformadora de saberes e práticas locais concebem a territorialização de forma ampla: um processo de habitar e vivenciar um território; uma técnica e um método de obtenção e análise de informações sobre as condições de vida e saúde de populações; um instrumento para se entender os contextos de uso do território em todos os níveis das atividades humanas (econômicos, sociais, culturais, políticos etc.), viabilizando o ―território como uma categoria de análise social‖; um caminho metodológico de aproximação e análise sucessivas da realidade para a produção social da saúde. Se a comunidade caracteriza-se pela distribuição em espaços, de homens, instituições e atividades – unidade de vida em comum e de ação coletiva e de controle social formal – se a instituição se apresenta como espaço de mediação entre o social e o individual, pode-se perceber a nítida inter-relação e interdependência entre instituição e comunidade, dentro do território, e a importância de se privilegiar aquela como campo de pesquisa e ação sobre a comunidade. Ainda para Freitas (1996) os dispositivos institucionais oferecem aos indivíduos a possibilidade de manifestações psíquicas, de confrontação interpessoal e de ação individual, ao mesmo tempo em que representam, em sua estrutura organizacional, as imposições legais, políticas e econômicas que regulamentam a sociedade. Lugar, portanto, do conflito inerente à vida coletiva e à inter-relação entre os indivíduos. O social atua de forma determinante sobre o comportamento individual e mais ainda se inscreve no corpo e no psiquismo do indivíduo, na representação que ele faz de si mesmo e dos outros, e nas relações que ele mantém com o outro. Porém, esse mesmo social obedece, em sua organização, aos ditames das vicissitudes humanas, das exigências psíquicas individuais. É do lugar dessa interação psicossocial que o psicossociólogo, ao fazer uma análise da instituição, vai dirigir seu olhar tanto para o que é de ordem do instituído (lugar da instituição no sistema sócio-econômico-político, identidade social, história), tanto para o que é da ordem do funcional (hierarquia, sistemas de decisão e de comunicação, funcionamento formal, divisão de papéis), assim como procurará apreender o que é da ordem do sujeito e das relações interpessoais. Segundo Bernardes (2004), para que as políticas públicas tornem-se objeto da Psicologia de um modo diferente não se deve pensar o sujeito e a partir dele suas práticas, ao contrário, é pensar nas práticas que constituem os sujeitos; por exemplo, nas que dizem respeito às políticas públicas. É uma filosofia das práticas e não do sujeito, entendendo com isso não um abandono do sujeito, mas compreendendo que o termo sujeito, aqui, é um modo de sujeitar-se a uma determinada forma, que pode ser ocupada por qualquer indivíduo, conforme a maneira como se posiciona em uma rede discursiva e o modo como experimenta determinadas práticas, tornando-se sujeito das mesmas. Experimentar exprime-se como a correlação entre saberes, tipos de normatividade e formas de subjetivação. Voltando-se à Freitas (1996), a metodologia própria à pesquisa-ação leva em conta as relações entre homem x cultura x meio ambiente, implicando como consequência a reelaboração coletiva de aspirações e valores psicossociais, a participação comunitária e a ação organizada. A própria postura do pesquisador frente a seu objeto de pesquisa se distancia da postura do pesquisador científico ortodoxo. Implicando psicoafetivamente, ele ―gosta‖ ou não da realidade social que apreende (tanto científica quanto vivencialmente), projeta nela e na interpretação que dela faz conteúdos de seu inconsciente; utiliza-se em seus mecanismos de defesa e investe-a de suas vontades conscientes. Em termos de técnicas de pesquisa apropriadas à pesquisa-ação, não há uma delimitação definitiva das mesmas, posto que as situações reais serão determinantes dessas escolhas. Podemos, no entanto, citar as entrevistas semi-estruturadas, os questionários, a observação livre e/ou sistemática, a etnometodologia, a análise de conteúdo documental e histórica através de material disponível, a análise do discurso, os grupos operativos e a dinâmica de grupo. A construção da criticidade pressupõe a perspectiva de um sujeito uno, soberano e capaz de se desprender, via bem-estar e consciência, daquilo que o oprime e/ou reprime, ou seja, de um sujeito constituído no projeto da modernidade. METODOLOGIA Foram realizados levantamentos de informações, mapeamento e diagnóstico do território de abrangência da instituição e planejamento das atividades desenvolvidas durante o estágio básico, no Centro de Saúde Dra. Maria Teresa de Melo Costa, através de contato com integrantes da equipe de saúde. Dentre as atividades planejadas para a área de abrangência realizou-se visita a famílias, associações de moradores e outras instituições, nos quais foram aplicados questionários com o objetivo de levantar informações quanto ao grau de satisfação dos moradores, em suas necessidades individuais e coletivas, e às suas percepções dos diferentes aspectos territoriais. A partir dos resultados dos questionários foram definidos os grupos prioritários para a realização de atividades educativas com temas de caráter multidisciplinar, com o objetivo de contribuir para o fortalecimento do vínculo entre comunidade e unidade de saúde e para a conscientização sobre o autocuidado em saúde. RESULTADOS Após a execução do processo de territorialização e as visitas institucionais e as residências das famílias, podemos destacar as seguintes informações: Infraestrutura: A maioria das ruas possui algum tipo de pavimentação; A área não é provida de iluminação pública em sua totalidade, existindo áreas pontuais sem iluminação; Há regiões desprovidas de saneamento básico: sem conexão com rede de esgotos e focos de acúmulo de lixo. Aspectos econômicos, sociais e culturais: Principais atividades econômicas: construção civil, comércio e agricultura; Focos de desemprego e maioria de trabalhadores sem registro profissional; Famílias com renda única proveniente de programas assistenciais do governo e doações de outras famílias; Inexistência de postos policiais, mercado público, creches e áreas para prática desportiva; Presença de associações de moradores (associações de bairros, clube de mães e alcoolistas anônimos). Condições de saúde Número de portadores de diabetes cadastrados e acompanhados: 05. Número de hipertensos cadastrados e acompanhados: 37. Número de gestantes cadastradas e acompanhadas: 04. Principais tipos de atenção realizada pela equipe de saúde: pré-natal, saúde bucal, DST/AIDS, hipertensão arterial, diabetes e tuberculose. De acordo com os dados levantados observou-se que: 30% dos moradores demonstraram satisfeitos com o serviço de saúde prestado pela UBS. 100% dos moradores mostram-se satisfeitos com o local onde moram, não pretendendo mudar de bairro por acreditarem ser um local tranquilo. 100% dos moradores reclamam da infraestrutura do bairro e da inexistência de alguns serviços como: correios, bancos, mercado, áreas de lazer entre outros. Em relação aos aspectos psicológicos, detectou-se, através do processo de escuta por parte dos estagiários, a necessidade de maior escuta dos integrantes da equipe de saúde à comunidade, de respeito ao atendimento das necessidades básicas para o exercício da cidadania e de afetividade. A partir dos resultados apresentados foram definidos como grupos prioritários para a realização de atividades o dos hipertensos e diabéticos, que receberam orientações básicas sobre atividade física, nutrição e de aspectos psicológicos. CONCLUSÃO Concluiu-se pela importância do estabelecimento de relações entre conceitos de Psicologia Comunitária com realidades observadas na identificação de processos sociais e seus determinantes, permitindo a reflexão sobre propostas de intervenção nos diferentes contextos, na medida em que o cruzamento das histórias de vida de indivíduos pertencentes a um mesmo grupo social permite ao pesquisador a apreensão da inter-relação entre dados fragmentários, do alcance à significação dos relatos recolocados em seus contextos sócio-econômico-culturais e ainda uma síntese dos elementos constitutivos de um discurso do grupo a várias vozes. A importância do processo de territorialização reside em contribuir no intercruzamento dos diferentes níveis que compõem o território, permitindo sua leitura; não de forma total, mas o mais abrangente possível, buscando integrar os diferentes determinantes, considerando a complexidade da realidade com a qual se lida. Ao ancorar-se numa filosofia do sujeito como construtor da história, as intervenções em Psicologia Comunitária proporcionam a promoção de espaços para a compreensão da atividade humana na territorialidade objetivando a construção da criticidade, o feixe de luz às vidas nos momentos em que confrontam o poder, fazendo-as ver e falar. Além de permitir o movimento de inserção no espaço comunitário, os resultados mostraram a importância de se compreender o desenvolvimento dos processos psicológicos no decorrer da vivência social, assim como os sentidos produzidos pelos aspectos sócio-culturais nos indivíduos dentro do contexto territorial. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS GIDEON, Helen. Diagnóstico da comunidade: ponto de partida para programas de saúde comunitária. In: Passos rumo à saúde comunitária. Coletânea. CONTACT. São Paulo, Paulinas, p.11-20, 1979. FREITAS, Maria de Fátima Quintal de. Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (social) comunitária: práticas da psicologia em comunidades nas décadas de 60 a 90, no Brasil. In: CAMPOS, Regina H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996. MARTINEZ, A. M. Psicologia e compromisso social: desafios para a formação do psicólogo. In: BOCK, A. M. B. (Org). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. BERNARDES, A. G. Psicologia, trabalho e políticas públicas. In: NASCIMENTO, C. A. T et al (Org). Psicologia e políticas públicas: experiências em saúde pública. CRP-07. Porto Alegre: p. 131138, 2004. LIMA, Antônia Jesuíta. A pobreza urbana e suas multifaces: experiências e significados. CES. 2004. SOUZA, M. A. Uso do Território e Saúde. Refletindo sobre “municípios saudáveis”. In: Ana Maria Girotti Sperandio. (Org.). O processo de construção da rede de municípios potencialmente saudáveis. 1ª ed. Campinas: IPES Editorial, v. 2, p. 57-77, 2004. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Banco Social de Serviços. Relatório Final. Brasília: 2005. CFP, MONTERO, Maritza. La familiarización com La comunidad. In: Hacer para Transformar. 2006. La identificación y La jerarquización de lãs necesidades y de los recursos para satisfacerlas. In: Hacer para Transformar. 2006. O DILEMA VOCACIONAL DO ADOLESCENTE: UMA VISÃO COMPREENSIVA DO FENÔMENO THE VOCATIONAL DILEMMA OF TEEN: A COMPREHENSIVE VIEW OF THE PHENOMENON Josiane Guimarães dos PassosI; Luiz Francisco dos SantosII; e Márcia Elizabete Wilke FrancoIII I e II Graduandos do curso de Psicologia do CESUCA III Doutora em Educação, Professora do CESUCA, Psicóloga Resumo Este trabalho é o relato da experiência de uma proposta de intervenção, atividade do ESTÁGIO BÁSICO II- OBSERVAÇÃO E INTERVENÇÃO EM SAÚDE MENTAL, cadeira do quarto período do curso de Psicologia da faculdade CESUCA, freqüentada no semestre 2011/2, onde foram observadas duas turmas do último ano do ensino médio de um colégio estadual de Cachoeirinha, nas quais viu-se a necessidade de apoio aos alunos angustiados pela difícil hora da escolha vocacional. O objetivo da intervenção não visou soluções absolutas das dúvidas apontadas pelos adolescentes, mas fomentar ferramentas psicológicas como tranqüilidade, otimismo e autonomia, que os ajudassem a lidar com elas. Durante seis encontros, usando a técnica observacional assistemática e levantamento quanti-qualitativo, foi possível identificar o foco da intervenção. Utilizando o teste L.I.P (Levantamento de Interesses Profissionais) de Carlos Del Nero pode-se verificar com qual ou quais áreas profissionais cada um se familiariza e se estas estão de acordo com as disciplinas nas quais apresentam melhor desempenho. O que se constatou, com a verificação dos testes, foi a confirmação da indecisão dos adolescentes na escolha profissional por apresentarem percentuais de interesses muito próximos entre uma área e outra bem distintas, o que não acontece com o mesmo teste aplicado a pessoas já na fase adulta definida. O que se levou ao conhecimento das turmas foi que a indecisão extremamente comum na escolha vocacional é nessa fase do desenvolvimento, que o ser humano é dinâmico e mutável e assim podem ser suas escolhas. Que o mais importante é fazer uma opção o mais próximo possível de suas aptidões, levando em conta anseios próprios de realização, para aumentar sua garantia de sucesso. Palavras-chave: Adolescentes; escolha vocacional; intervenção Abstract This essay is a experience‘s report of a propose to intervention, activity of STAGE II BASENOTE AND INTERVENTION IN MENTAL HEALTH, fourth period subject of Psychology course from CESUCA College, frequented in the semester 2011 / 2, where two classes from the last year of high school were observed in a state college of Cachoeirinha, which could be seen the necessity of a support to the distressed students by the hard hours of a vocational choice. The goal of the intervention is not absolute solutions of doubts pointed by the teenagers, but to promote psychological tools like tranquility, optimism and autonomy, which could help them to deal with these doubts. During six meetings, using the technique unsystematic observational and quantitative- qualitative survey was possible to identify the focus of the intervention. Using the test L.I.P (Lifting of Professional Interests) of Carlos Del Nero, could be checked which professional areas each one feels familiar and if the area chosen is agree with the subjects that they show the best performance. What was found, with the verification of the tests, was the confirmation of the adolescent‘s indecision about the career choice because they have very close percentages of interests between one area and another very different, which doesn‘t happen with the same test applied to people already in the stage defined adult. What led to the knowledge of the classes was that indecision in vocational choice is extremely common in this phase of the development, the human is dynamic and changeable and this way can be your choices. The most important thing is to make a choice as close as possible to their skills, taking into account their own expectations of achievement, to increase its guarantee of success. Keywords: Teens; career choice; intervention Este artigo tem como objetivo relatar uma prática de Estágio Básico II do curso de Psicologia do CESUCA, realizada com duas turmas de adolescentes de 17 a 23 anos, alunos do último ano do ensino médio de uma escola estadual de Cachoeirinha, entre os meses de agosto e outubro de 2011. No ensino médio parece não haver tempo ou espaço para discutir com os jovens o valor social das profissões e a relação entre escola e trabalho, nem para promover o contato direto com diferentes profissões e o questionamento do vestibular como única via possível (Sparta e Gomes, 2005). Atualmente os jovens são livres para escolher uma profissão; já não se obriga os filhos a seguir o ofício do pai e as filhas as prendas domésticas da mãe, porém, a crescente indecisão e os conflitos dos jovens no que diz respeito a eleição de uma profissão sugerem que a liberdade de escolha não se fez acompanhar do bem-estar esperado (Osório, 1992). Fazer tal escolha não é tarefa fácil; Optar por um curso profissionalizante é mais que escolher uma carreira: é esboçar um projeto de vida (Bock, 2002). Especialmente para um adolescente que está vivendo a mais contraditória fase do desenvolvimento humano. A adolescência chega a ser descrita na literatura como uma patologia temporária (Aberastury,1981), tamanha presença de conflitos internos inerentes a essa fase. Ora, escolher uma profissão num momento em que se está vivendo uma total desorganização psicológica, física e biológica, gera indecisão e muita insegurança. O adolescente fica inseguro pela perda da identidade infantil e a não consolidada identidade adulta. A maturação que, para ele, é evidente, invasiva e destrutiva do que fazia sua graça de criança, é recusada, suspensa, negada. Talvez haja maturação, lhe dizem, mas ainda não é maturidade. Por conseqüência, ele não é mais nada, nem criança amada, nem adulto reconhecido (Calligaris, 2000). Os esboços de pretensões profissionais dos adolescentes mostraram, notoriamente, a predileção por carreiras que proporcionem status sociais. Isso demanda da pressão que sofrem, pois a sociedade atual privilegia o desempenho (e a competição) em detrimento da ludicidade, a ação em detrimento da reflexão e o condicionamento mental em detrimento da emoção. Essa postura aciona inevitáveis conflitos entre as tendências vocacionais e o imperativo não só das necessidades de subsistência, como, e principalmente, do estímulo a busca do poder, erigido em nosso momento civilizatório como o mais alto valor da condição humana (Osório, 1992). A observação dos adolescentes em aulas nos levou a definir, baseados em tais teorias, o foco da intervenção: Apoiá-los na difícil hora da escolha vocacional. RELATANDO A PRÁTICA Usando a técnica observacional assistemática e método quanti-qualitativo, fomos a campo realizar a experiência de observação e intervenção em saúde mental. Após ter acertado com a coordenadora da escola nossa autorização para as observações, nas quais acompanharíamos as turmas 305 e 306, terceiros anos do ensino médio, fomos, numa sexta-feira no período da noite, fazer a primeira observação. Às 19 horas começou o primeiro período de aulas. A turma 306 foi ao laboratório de ciências assistir a uma aula prática de matemática. A professora preparou amostras de volumes para explicar as medidas de metro quadrado e metro cúbico. Composta por jovens de 17 a 23 anos, a turma pereceu muito interessada na aula. A princípio se incomodaram um pouco com nossa presença, ficando encabulados, deixando de responder perguntas de fáceis respostas, mas com o passar do tempo acostumaram-se e passaram a se comportar como de costume. Todos os alunos estavam bem atentos as explicações e interagindo com a professora. Elogiaram a maneira como a professora deu a aula e o método de ensino escolhido por ela. Observei carinho e respeito de ambas as partes. Nesse clima de interação passou- se os dois primeiros períodos de aula muito rapidamente. Ninguém deixou o laboratório, com exceção de uma aluna que, provavelmente, foi ao banheiro e voltou rapidamente. Notamos que a turma tem jovens de diferentes personalidades apenas por sua maneira de se vestir, já que por estarem fora da sala de aula habitual, não demonstraram comportamentos típicos desse meio. Uma semana depois, já mais ambientados com o colégio, fomos fazer a segunda observação. Entramos no segundo período na sala 30, onde a turma 305 teria aula de Física ministrada pela professora Nara. Havia só 17 alunos presentes de um total de 26, pois, segundo a professora, a sexta feira é o dia que mais predominam as faltas. A professora nos apresentou e todos se mostraram bem receptivos. Sentamos bem ao fundo da sala de onde se podia observar todo o ambiente. A sala de aula era razoavelmente iluminada, com classes e cadeiras bem usadas. Assoalho, teto e paredes em bom estado e três janelas grandes que garantem boa ventilação. A turma é composta por jovens de 17 a 22 anos que demonstram bastante coesão. Durante a aula observamos inquietação e uma certa ansiedade em alguns alunos, talvez típico dos adolescentes ou até por estarem sendo observados. Da mesma forma que aconteceu com os colegas da turma 306, esta se mostrava interessada na aula, faziam muitas perguntas e demonstravam respeito pela professora. Entre eles em alguns momentos aconteceram pequenas discussões e desentendimentos passageiros. Observou-se que, praticamente todos, deixaram as mochilas e materiais soltos em cima das classes sobressalentes, sem nenhuma organização, gerando uma pequena bagunça, bem próprio dos adolescentes. Em um determinado momento, uma garota levantou e passou entre duas classes derrubando os materiais que estavam em cima, demonstrando um comportamento de quem ainda não tem exata noção do seu tamanho... Os demais imediatamente interferiram gerando uma pequena algazarra, que em seguida foi controlada pela professora. Na turma 305 observa-se uma particularidade: As moças estavam muito produzidas nas suas vestimentas, acessórios e maquiagens, enquanto os rapazes estavam despojados. No horário do intervalo bem observaram-se comportamentos bem inerentes aos jovens dessa idade. Alegres, despreocupados, sempre formando pequenos grupos de conversas, mas interagindo entre grupos. No final do intervalo voltaram muito lentamente para a sala de aula, demonstrando interesse em deixar correr um pouco do período de aula ainda com tempo livre. Aos poucos foram se acomodando e novamente se concentrando na aula que transcorreu sem nenhuma particularidade. No terceiro encontro pedimos para juntar as duas turmas. Já estávamos bem à vontade, pois já havíamos ganhado um pouco da confiança do grupo. Era aula de matemática novamente. Após algum tempo de observação, ouvindo a professora, por várias vezes, se referir ao vestibular, pedimos licença e tomamos a palavra levantando a questão da escolha vocacional. O tema gerou polêmica instantaneamente. Surgiram inúmeras perguntas como: O que faz o psicólogo? Como escolher uma profissão? Como se preparar para a escolha? Como decidir entre a atividade que gosta e a que o pai acha melhor? Enfim, a ansiedade tomou conta do ambiente... Observamos uma grande angústia em suas indagações. Pedimos que pensassem um pouco sobre o assunto para conversarmos mais no próximo encontro. Evitando atrapalhar ainda mais as aulas, nos despedimos. O quarto encontro aconteceu uma semana depois. Entramos no primeiro período, onde os presentes nos receberam com alegria e a cada colega que chegava atrasado. Novamente reunimos as duas turmas. Retomamos o assunto da escolha vocacional. Ouvimos as colocações de alguns alunos que uniformemente resumiam indecisão. Uma aluna revelou desejo de se submeter a um teste vocacional e foi apoiada por vários colegas. Prometemos levar, no próximo encontro um teste vocacional para todos. Pedimos que escrevessem em um papel qualquer, onde poderiam se identificar ou não, o que estavam pensando sobre seu futuro profissional. Nesse momento fez-se um silêncio total na sala. Foi possível observar, na grande maioria da turma, o dilema vocacional do adolescente (Osório,1992) se materializando em nossa frente. Buscavam pensamentos, mordiam a caneta, enfim deixavam transparecer um total desconforto. Quando todos entregaram seus ―bilhetes‖, guardamos-os cuidadosamente para posterior leitura e nos despedimos. A análise dos escritos dos adolescentes foi um momento muito especial para nós, pois esta nos aproximou ainda mais do grupo. O fato de todos eles terem topado escrever para nós foi a prova de que nosso foco de intervenção estava certo. Notamos um alto índice 50%) de opção por Administração e concluímos (quase que estavam influenciados pela escola que oferece um curso técnico em Administração. É uma conduta típica do adolescente, ser influenciável. Aliás, a nossa presença na escola também fez surgir desejos de cursar Psicologia, o que, segundo a professora, nunca havia sido mencionado. Uma semana depois retornamos a escola para a aplicação do teste. Escolhemos o teste L. I. P (Levantamento de Interesses Profissionais) de Carlos Del Nero. Trata-se de um teste de escolhas entre 256 atividades (128 pares) distribuídas em 8 áreas profissionais: Ciências Físicas, Ciências Biológicas, Calculísticas, Persuasivas, Administrativas, Sociais, Linguísticas e Artísticas. Apresentando 32 atividades para cada área atinge boa abrangência no julgamento dos interesses verdadeiros. Após a explicação de como iria ser feita a aplicação do teste e de como os estudantes deveriam proceder, iniciamos a atividade. Todos os presentes participaram do teste, num total de 22. Enquanto um estagiário fazia a leitura das opções de escolhas para os adolescentes irem marcando as grades de respostas, outro observava os comportamentos manifestos em cada um. A maioria da turma concluiu o teste com muito interesse, sem demonstrar cansaço algum. Com exceção de um aluno que fazia caretas e não parava de se movimentar na classe, dando sinais de desconforto. O teste durou 35 minutos. Finalizadas as questões, recolhemos as grades de respostas para posterior verificação. Agradecemos a participação de todos e nos despedimos. A verificação das grades de respostas dos testes foi uma confirmação da indecisão que paira nas cabeças adolescentes. Em quase 60% dos casos (13/22) o índice de interesse entre uma área e outra bem distinta, como por exemplo, Ciências Físicas e Ciências Biológicas, Calculísticas e Sociais, apresentaram equiparação e 50% (11/22) apresentaram interesses a cima de 50% em 5 ou mais diferentes áreas. Enquanto o mesmo teste aplicado a adultos, mostrou índices de interesses com percentuais equiparados somente em áreas afins, como por exemplo, Ciências Biológicas e Sociais, Ciências Linguísticas e Persuasivas caindo vertiginosamente a porcentagem de interesse em outra área distinta como Calculísticas. A noite de retorno dos resultados dos testes, após ter sido adiada por duas vezes por questões administrativas, finalmente foi agendada junto à coordenação da escola. Novamente no primeiro período de aulas reunimos as duas turmas para fazermos a entrega dos resultados das avaliações dos testes. Alguns alunos hesitaram um pouco em participar da reunião, demonstrando insegurança, medo do que poderiam descobrir com os ―tais resultados‖, mas aos poucos foram chegando, sentando e finalmente silenciaram-se para nos ouvir. No intuito de tranqüilizar e diminuir a insegurança dos nossos sujeitos de pesquisa, levamos até eles idéias de apoio as suas angústias como legitimação de seus sentimentos, escuta aos seus questionamentos e compreensão aos conflitos vividos nesse momento. Entregamos as avaliações, falamos dos percentuais de interesses que, invariavelmente, mostraram indecisão, esclarecendo que esse fato era absolutamente normal e compreensível em tal situação. Que a adolescência é a fase das dúvidas e que estávamos ali para ajudá-los a aceitar essa condição e incentivá-los a escolher uma profissão com tranqüilidade, sem o peso de estigmas de que uma escolha feita hoje tem que ser levada para o resto da vida. Não! As pessoas se transformam, mudam e suas escolhas também podem mudar... Mas é preciso que se faça a escolha sem protelar porque só ela levará a algum caminho para trilhar e só trilhando novos caminhos se alcança a evolução. Para simbolizar a escolha oferecemos uma caixa com muitos bombons sortidos de onde deveriam escolher um. Passamos a caixa para cada jovem fazer a sua escolha. Foi um momento marcante da intervenção... A maioria da turma ficou um tempo remexendo e escolhendo dentro da caixa, apenas duas garotas pegaram um bombom sem escolher. Quando falamos que não estávamos apenas doando um bombom, mas que nossa intenção era fazê-los pensar sobre processo de escolha, que escolher é sempre difícil, até mesmo um simples bombom, porque quando se escolhe um, se deixa de ficar com os outros. Por isso é importante focar a atenção no prazer de ficar com o que escolhemos e não na dor da perda daquilo que não podemos ter, fomos elogiados e aplaudidos: Eles haviam entendido a mensagem! CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos que a intervenção produziu efeitos condizentes com seu objetivo, pois ajudamos validar sentimentos que estavam sendo negados por se sentirem envergonhados em demonstrá-los. Quando os adolescentes entenderam que não estavam sós com suas angústias, que o que sentiam é extremamente compreensível, passaram a externálos e enfrentá-los, tornando-se bem mais fácil superar as dificuldades oriundas da hora da escolha profissional. Com uma atitude muito simples de acolhida aos jovens sedentos de compreensão, confortamo-los e ajudamos na busca de um mínimo equilíbrio psicológico necessário para atravessar, salutarmente, mais essa fase na caminhada desenvolvimental. REFERÊNCIAS Bock, S. D. Orientação Profissional. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2002. Osório, Luiz C. Adolescente Hoje. 2a ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. Calligaris, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. Aberastury, A.; Knobel, M. Adolescência Normal, Porto Alegre: Artmed, 1981. Sparta, M. e Gomes, W. B. Importância Atribuída ao Ingresso na Educação Superior Por Alunos do Ensino Médio. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 6 (2), p. 45-53, 2005. Possibilidades de intervenção com crianças autistas: um relato de estágio em Psicologia Letícia Wilke Franco¹; Márcia E. Wilke Franco²; Christine Luiza Silva da Silveira³ ¹ Psicóloga, UNISINOS e mestranda em Psicologia, UFRGS – Brasil. ² Psicóloga, Doutora em Educação, Professora da CESUCA e supervisora da Clínica Espaço Vital – Gravataí, RS, Brasil. ³ Acadêmica de Psicologia, PUCRS e estagiária da Clínica Espaço Vital – Gravataí, RS, Brasil. Resumo Este trabalho é um relato de experiência de Estágio Básico em Psicologia da UNISINOS realizado em projeto da Clínica Espaço Vital – Gravataí, RS. A intervenção foi realizada na classe terapêutica de crianças autistas de uma escola estadual. O trabalho foi fundamentado teoricamente em idéias de Winnicott. A intervenção teve como objetivo disponibilizar um espaço lúdico diferente do escolar, onde as crianças pudessem criar e interagir através de atividades semi-dirigidas, como criação de histórias, jogos com música e esportes adaptados. Esse trabalho resultou principalmente num maior envolvimento das mães e das crianças com a prática da psicologia. Hoje a Clínica oferece, para as crianças da classe terapêutica e para seus pais, o atendimento psicoterápico, levando em conta a realidade sócioeconômica dessas famílias. Palavras chave: autismo, espaço lúdico, relato de experiência. INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo relatar uma prática de Estágio Básico em Psicologia da Unisinos realizada em uma classe terapêutica de crianças autistas de uma Escola Estadual em Gravataí-RS. Esta turma era constituída por quatro crianças entre 12 e 14 anos até dezembro de 2007 e possuia duas professoras responsáveis. E a experiência aqui relatada é uma parte da intervenção planejada e realizada pela equipe de psicólogas e estagiárias da Clínica Espaço Vital, na cidade de Gravataí, RS, Brasil. A psicologia tem um campo muito vasto para ser explorado e através dos estágios exigidos pela universidade muitas experiências são vivenciadas pelos acadêmicos que decidem ir atrás das mais diversas formas de fazer psicologia. Nesta prática integrou-se saberes da psicologia/saúde mental e da Educação, em especial da Educação Física. Porém tornou-se mais atrativo conhecer um pouco da educação daqueles que não estão inseridos nas séries regulares, como crianças diagnosticadas como autistas, principalmente porque hoje se teve avanços na educação inclusiva do Brasil. Além dessas crianças estarem um uma ―turma terapêutica‖, afastadas das séries regulares, são crianças diagnosticadas como autistas. O autismo é um tema polêmico dentro de sua discussão teórica e não há um consenso sobre sua etiologia. Isso torna o autismo um assunto um tanto quanto inquietante, principalmente quando se está inserido num local que possibilita um maior contato com crianças com este diagnóstico, dando mais espaço para questionamentos a respeito dessa psicopatologia. Assim o autismo se coloca como um tema misterioso que muitos poucos se autorizam a falar sobre. Hoje o autismo é conhecido pelas pessoas através da mídia, pelos vários filmes que trazem como seus personagens principais crianças autistas, algumas com suas genialidades e outras com seus comportamentos estereotipados e repetitivos. Winnicott traz em seus estudos diferentes idéias e concepções dos demais autores do que vem a ser o autismo e de como foi concebido primeiramente na literatura. Por essa razão, recebe lugar de destaque entre os autores da abordagem psicanalítica nas diversas revisões teóricas publicadas. Em seu artigo "Autismo", escrito em 1966, publicado no Brasil em 1997 no livro "Pensando sobre crianças", Winnicott diz que a invenção do termo autismo por Leo Kanner em 1943 não foi uma contribuição tão significativa assim. Ele diz que "depois de este termo ter sido inventado e aplicado, estava montado o cenário para uma coisa um tanto falsa, a descoberta de uma doença" (WINNICOTT, 1997, p.180). Para este autor o autismo não é uma doença, e sim um problema de desenvolvimento emocional, dizendo ainda que essa doença, o autismo, não existe. Para ele a dificuldade de descrever esse fenômeno é que muitos desses estudos clínicos foram feitos por pessoas que só lidam com crianças normais ou só com crianças doentes. Essas pessoas, não se preocupam quanto aos problemas do relacionamento mãe-bebê. Outra dificuldade é a de que não só existem casos numerosos de autistas, como também multiformes, o que torna difícil formular uma explicação objetiva sobre o que é o autismo. (WINNICOTT, 1997). Ele ainda diz que nos encontramos diante de questões relativas a história do desenvolvimento dessa criança a ser diagnosticada como autista, e não puramente de um agrupamento de sintomas de uma doença ou síndrome (CAVALCANTI e ROCHA, 2001). Assim, Winnicott (1997) diz que de modo geral o que conta quando se fala em transtornos do desenvolvimento das crianças, incluindo o autismo, é a qualidade dos cuidados iniciais. Porém ele coloca que isso não quer dizer que a culpa da formação de um quadro autista seja inteiramente da mãe ou do pai dessa criança. RELATANDO A PRÁTICA O foco da intervenção foi o grupo de crianças da turma do turno da tarde da classe terapêutica na qual continha quatro crianças autistas. A partir das observações feitas durante o primeiro semestre do Estágio Básico, foi traçado o seguinte objetivo para a proposta de intervenção: Disponibilizar um espaço lúdico diferente do escolar, onde as crianças pudessem criar e interagir através de atividades lúdicas semi-dirigidas, como criação de histórias, jogos com música e esportes adaptados. Este objetivo foi escolhido porque dentre todas as atividades da criança, a lúdica sobressai, pois ela possui um prazer natural e espontâneo em jogar e brincar. Nas brincadeiras de faz de conta, a criança alcança o domínio da situação e cria e vive uma fantasia e uma realidade própria. Esta capacidade de espontaneidade traz à atividade lúdica o sentido de liberdade, o que reforça a motivação para o jogo (MONTEIRO, 1994). Para Winnicott (1975) o brincar pode ser entendido como mudança de significado, como movimento, tem uma linguagem, é um projeto de ação. Brincando trabalha-se a subjetividade do ser humano, cunha-se a realidade estabelece-se um tempo e espaço. Brincar é criar, criar uma forma não convencional de utilizar objetos, materiais, idéias, imaginar. É inventar o próprio tempo e espaço. Quanto à dramatização, instrumento também utilizado na prática, é importante destacar que, mesmo não sendo usada para fins terapêuticos, faz aparecer sentimentos e angústias importantes (SLADE, 1978). Estando sempre atentos se estes sentimentos demandarem atenção especial para se fazer o devido encaminhamento. A intervenção foi planejada com o intuito de ser realizada durante dez semanas, com um encontro a cada semana em um período de uma hora e meia, onde seria apresentada para as crianças a atividade proposta para aquele dia. Porém só foi possível realizar quatro encontros por motivos que serão analisados no item ―Análise do processo‖. As atividades eram semi-dirigidas para que as crianças pudesse também fazer parte da construção dos encontros. Exemplos de tipos de jogos planejados para a intervenção: a) JOGOS DE PESQUISA DE RITMO Monteiro (1994), entre outros autores, lembra que o ritmo está presente em todos os lugares que freqüentamos, assim como no nosso corpo, nas batidas do coração e no ritmo respiratório. Assim esse é o ponto de partida para o desenvolvimento destas atividade. Além disso ―os jogos de ritmo propiciam ao indivíduo descobrir o seu ritmo interior, natural, e desenvolvem a sua capacidade criadora sobre eles‖ (MONTEIRO, 1994, p.35). Podem ser feitos jogos de observação do ritmo interno, jogos com o uso de instrumentos musicais, assim como a brincadeira de estátua e expressão livre do ritmo. b) JOGOS DE PESQUISA DE ESPAÇO Todo jogo se realiza em um determinado espaço, portanto é importante conhecê-lo. Esse espaço se divide em dois, o espaço total para a realização do jogo e o espaço parcial que o corpo de cada um ocupa nesse espaço total. Podem ser feitos jogos para reconhecimento do espaço total e do espaço parcial. c) JOGOS DE SENSIBILIZAÇÃO ―Tem por objetivo levar o indivíduo a perceber melhor, através dos seus órgãos de sentido, tanto as impressões de seu próprio corpo, como as de um objeto externo a ele, por exemplo, o corpo de outra pessoa. Favorecem a coesão grupal‖ (MONTEIRO, 1994, p.56). Podem ser feitos jogos de pesquisa do próprio rosto, pesquisa de um objeto, cabra-cega, guia de cego. d) JOGOS DE DRAMATIZAÇÃO E DE CRIAÇÃO DE HISTÓRIAS Dramatização de histórias semi-estruturadas, e criação de histórias inventadas pelas crianças. ANÁLISE DO PROCESSO A proposta de intervenção foi apresentada às professoras e à coordenação da escola em novembro de 2007 e aceita para a sua realização no início de 2008. Porém ao retornar das férias escolares as professoras reduziram a intervenção para quatro encontros ao invés de dez. Estipularam os dias e os horários em que os encontros ocorreriam. Na supervisão local tentamos analisar o que pode ter ocorrido para que o antigo contrato fosse desfeito e para que um novo fosse imposto por elas. Uma das hipóteses é de que o trabalho que vinha sendo desenvolvido voluntariamente pela Clínica havia dois anos (por meio do grupo com mães, grupo com as professoras, avaliação psicológica com as crianças as e acompanhamento de uma tarde de aula juntamente com as professoras) começou a evidenciar questões que estavam latentes como: 1) o verdadeiro objetivo da classe terapêutica (ensinoaprendizagem ou recreação?); 2) a relação das professoras com os alunos; 3) a comodidade que a docência em educação especial proporcionava para as professoras. Nós víamos e sentíamos, e as mães e as professoras relatavam, o desejo e a felicidade das crianças nos dias da ida dos psicólogos e estagiários na escola, porém isso começou a ser usado como forma de chantagem para a realização de outras atividades (―se vocês não acabarem a atividade proposta, as psicólogas não vão vir fazer a atividade com vocês”). A partir desses acontecimentos sentimos uma grande competitividade por parte das professoras para com as psicólogas. Assim, nas conversas com as professoras, percebemos o relato do medo de analisarmos o trabalho delas e de que elas pudessem estar fazendo algo errado. As professoras foram as pessoas que demonstraram maior resistência para com a intervenção do projeto da Clínica. Viam o trabalho das psicólogas como uma oportunidade de ―hora livre‖ para elas. Sempre enfatizamos a importância de estarem presentes durante o trabalho das psicólogas e estagiários por terem formação adequada para trabalharem com essas crianças e para que depois pudéssemos discutir alguns eventuais episódios. Fazendo posteriormente uma avaliação do meu processo de estágio, vejo que mesmo não podendo colocar em prática a intervenção tal e qual foi planejada quanto ao número de encontros, consegui alcançar o objetivo traçado, abrindo um espaço lúdico, diferenciado do da escola, para trabalhar com as crianças. Esse trabalho resultou principalmente num maior envolvimento das mães e das crianças com a prática da psicologia. Hoje a Clínica oferece para as crianças da classe terapêutica e para seus pais o atendimento psicoterápico, levando em conta a realidade sócio-econômica dessas famílias. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante chamar a atenção para a importância da observação cuidadosa e sem pressa do funcionamento do local e dos atravessamentos que nele existem, pois nos atenta para o processo como um todo. Quando vamos focados para observar algo específico não enxergamos o restante. Isso foi importante por se tratar de um estágio que andou pela clínica enquanto instituição e pela escola. Entendi que a observação é um processo necessário para a construção de um projeto de intervenção, pois possibilita ver e entender as necessidades do local. Sem a observação corremos o risco de criarmos uma demanda que não condiz com a realidade. Este estágio evidenciou a importância da supervisão, tanto acadêmica quanto local. Zimerman (1999) postula que a atividade de supervisão tem três objetivos: a educação, sendo o papel do supervisor facilitar o aparecimento das capacidades e potencialidades que ainda estão latentes no supervisando; a instrumentalização, isto é, equipar o supervisando no exercício da prática da psicologia; e, por último, contribuir para a construção da identidade do futuro terapeuta psicanalítico. Além disso, na supervisão acadêmica discutimos com os colegas de curso e com o professor supervisor as relações com a equipe de trabalho, bem como os sentimentos frente a estas experiências que foram sempre acolhidos. Daí se dá a importância dessa atividade. O Estágio Básico demandou tempo, organização e responsabilidades e suscita no estagiário medos, dificuldades e incertezas no começo, possibilitando aprendizado e vivência da realidade do fazer Psicologia em locais como a clínica e a escola. Despertou sentimentos, dúvidas e também a certeza de que a Psicologia é um campo aberto a novas intervenções além de ter muito ainda a ser pesquisado e desenvolvido. REFERÊNCIAS CAVALCANTI, A. E.; ROCHA, P. S. Autismo: construções e desconstruções. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, 149p. MONTEIRO, R. F. Jogos dramáticos. 3ª ed. São Paulo: Agora, 1994, 110p. SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978, 102p. WINNICOTT, D. W. Autismo. In: WINNICOTT. Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p.179-196. WINNICOTT, W. D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. ZIMERMAN, D. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica e Clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. A PESQUISA COMO PARTE INTEGRANTE DA FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA Oliveira, Iraní Tomiatto de São Paulo - Brasil Associação Brasileira de Ensino de Psicologia [email protected] Aprender sobre pesquisa científica deve fazer parte da formação dos profissionais de nível superior, em qualquer área do conhecimento. A necessidade do desenvolvimento contínuo de novos conhecimentos e da evolução ciência exigem pesquisadores ativos. Por a outro presença e o lado, velocidade a da trabalho das constante de mudanças torna imprescindível a formação de profissionais que saibam buscar ativamente o conhecimento, para que possam se manter atualizados. A formação para a pesquisa, portanto, é uma necessidade não só para o desenvolvimento da ciência, mas para a própria formação profissional. Quando aprende a pesquisar, o aluno desenvolve a capacidade de buscar ativamente o conhecimento e de se apropriar dele de forma reflexiva. Portanto, desenvolve autonomia intelectual. Beirão (1998) afirmava, já há quase 15 nos atrás: Ao contrário conhecimento, de outrora, hoje quando penso que o o importante era importante é dominar o "dominar o desconhecimento", ou seja, estando diante de um problema para o qual ele não tem a resposta pronta, o profissional deve saber buscar o conhecimento pertinente e, quando não disponível, saber encontrar, ele próprio, as respostas por meio de pesquisa (p.2). São muitas as habilidades necessárias para desenvolver pesquisas, e vamos citar apenas algumas das principais: - delimitar um tema e objetivos de trabalho de forma realista, ou seja, compatíveis com os recursos humanos, materiais e financeiros com que se pode contar e com o tempo disponível para a realização do projeto; - buscar o conhecimento já produzido sobre o assunto, o que inclui saber utilizar bases de dados nacionais e internacionais, selecionar o que é relevante, muitas vezes entre grande quantidade de material disponível, compreender e articular ideias de outros autores; - escolher metodologia adequada e compatível com os objetivos estabelecidos e utilizá-la com rigor; - conhecer a legislação federal e as determinações dos órgãos reguladores do exercício profissional a respeito de pesquisas envolvendo seres humanos e animais, se o projeto envolver sua participação; - coletar dados com rigor científico e ética; - trabalhar com os dados de forma coerente com a metodologia utilizada e com os objetivos propostos, extraindo deles o máximo de informações possível; - analisar os dados obtidos, refletir sobre eles, compará-los e articulá-los com dados de outros pesquisadores e extrair conclusões; - relatar as conclusões de forma clara, limitando-se àquilo que efetivamente foi possível concluir e discriminando fatos de hipóteses e de teorias e utilizando-se de redação de cunho científico e de acordo com as normas da língua; - expor seu trabalho aos pares, sendo capaz de discuti-lo, de tolerar críticas e opiniões diversas, de reconhecer os méritos e as limitações de sua investigação. Na Psicologia, essas tarefas se mostram particularmente difíceis, dada a complexidade e variedade de temas, de referenciais teóricos e de possibilidades metodológicas, e da articulação entre eles. Os fenômenos estudados são, na maioria das vezes, abstratos e multifacetados, demandando o desenvolvimento de novos métodos, para se tentar dar conta de diferentes aspectos do fenômeno de forma sistêmica. O fato de a Psicologia tratar de questões que são sócio-historicamente determinadas faz com que seja essencial que tenhamos estudos desenvolvidos em nosso contexto e em nosso momento histórico. Mais um motivo para que a produção científica nacional e regional seja considerada imprescindível. Em vista disso, só podemos considerar que a inserção do aluno de graduação em atividades de pesquisa deveria ocorrer em momento bastante precoce. Por um lado, para que, ao se graduar, ele tenha podido desenvolver as competências básicas para a realização de uma investigação científica, seja para relatórios divulgados realizá-la, seja para poder compreender os e publicados por colegas, necessários para que sua atividade profissional seja adequadamente sustentada por conhecimentos empíricos atualizados. Nem todos têm interesse e desejo de serem pesquisadores. No entanto, algumas das habilidades que se aprende realizando investigações científicas são altamente desejáveis, ou mesmo imprescindíveis, para a atividade profissional dos psicólogos. O artigo do prof. Beirão (1998), citado acima e publicado na página eletrônica da UFMG, é seguido de vários depoimentos de alunos da universidade, em resposta à pergunta: ―O aluno deve começar a construir uma carreira de pesquisa já na Graduação?‖ Em um desses depoimentos, uma aluna do 5º. período do curso de Geologia afirma: ―Depende. Só se ele preferir ficar na Universidade. Nesse caso, quanto mais cedo começar melhor. ... Mas quem deseja colocar o pé no mercado rapidamente, não precisa se preocupar muito com isso.‖ Vemos nesse depoimento um engano que se faz com muita frequência: o de dos que a pesquisa é objeto de interesse apenas pesquisadores. A própria pergunta feita aos alunos parece aludir a esse engano, pois pode ser interpretada no sentido de que aqueles que se envolvem com pesquisa vão necessariamente construir uma carreira de pesquisadores. Essa concepção pode continuar afastando muitos estudantes e profissionais das pesquisas, e contribuindo para o abismo que ainda existe entre a pesquisa e a prática profissional. Um abismo sem sentido, uma vez que a pesquisa deve contribuir para a evolução da prática profissional e que esta, para que se constitua em prática científica, deve estar respaldada na investigação. Afirma Pfromm Netto (1992): É bem possível que uma parte considerável das vicissitudes experimentadas pela psicologia no Brasil advenha exatamente da precariedade de uma formação com pouco ou nenhum trato efetivo com a produção conhecimento científico, quer nas suas formas mais requintadas, quer contexto mais modesto dos exercícios de de no laboratório, da replicação de pesquisas simples, de treinamento na multiplicidade de habilidades, conhecimentos e atitudes que a pesquisa demanda (pp. 109-110). A precariedade de muitos cursos de Psicologia, que funcionam com corpo docente pouco qualificado, sem laboratórios, equipamentos e acervo bibliográfico adequados, segundo ele, talvez seja o principal fator entre os que determinam as condições insatisfatórias da produção científica brasileira. A separação entre pesquisa e prática guarda relação direta com o desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Já no final do século XIX e início do século XX numerosos estudos psicológicos foram apresentados como teses em faculdades de medicina brasileira, e havia vários laboratórios de Psicologia em funcionamento. A partir dos anos 1930, a Psicologia cada vez mais foi se constituindo em campo independente de investigação. Com o reconhecimento da profissão, em 1962, houve um grande interesse pela atuação profissional e, vinte anos depois, segundo Matos (1982), constatou-se um expressivo decréscimo na produção científica dos cursos de pós-graduação brasileiros. O autor atribui o fato à ausência de recursos financeiros, à absorção dos professores com o ensino e aos entraves burocráticos. Gomes (1996) propôs uma classificação das relações entre pesquisa, ensino e prática profissional, na psicologia brasileira, dividida em sete classes, sendo que as três últimas se referem a períodos que se sobrepõem. A primeira delas se caracteriza pelo interesse por pesquisa, revelado em teses das faculdades de medicina, durante o século XIX até o início do século XX. Na segunda, foram instalados os primeiros laboratórios de psicologia no Brasil, entre 1906 e 1931, e existe uma intenção por pesquisa. Na terceira, a trajetória se faz em direção à prática, entre 1932 e 1962, com a aplicação de conhecimentos psicológicos nas escolas, clínicas e indústrias. Na quarta classe, com a regulamentação da profissão, em 1962 e nos 15 anos seguintes, há uma mudança de rota, da prática para o ensino, com a organização dos cursos de graduação em Psicologia. A partir daí segue-se um período que o autor denomina de ―do ensino pelo ensino‖, e que toma o último quarto do século XX, com a enorme expansão da oferta de cursos e a falta de professores titulados. Os cursos de Psicologia eram 3 em 1962, 40 em 1974, 73 em 1984, 111 em 1996, se aproximam de 200 em 2003 e, como sabemos, são hoje em torno de 400. Como o artigo do Gomes foi escrito em 1996, o autor localiza essa classe nos últimos 25 ou 30 anos do século XX. Sabemos agora, no entanto, que ela se estende até os dias atuais. Desta classe decorre a sexta, com a perda do senso de pesquisa e os problemas de formação resultantes das deficiências da infraestrutura e do corpo docente dos cursos. A sétima e última, a partir de 1986, se caracteriza pelo retorno da pesquisa à formação profissional, com a ampliação da oferta e a reformulação da pós-graduação strito e lato sensu, o aumento do número de publicações e de eventos científicos, e com a promulgação das Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia (2004; 2011). Colaboraram muito para isso as orientações e avaliações da CAPES, a organização da Biblioteca Virtual de Psicologia e o incentivo ao estreitamento das relações entre graduação e pós-graduação. Há, no entanto, nessa área, muito o que evoluir. O número de professores titulados, e portanto com formação e experiência em pesquisa, é bastante insuficiente, e o crescimento do número de cursos de graduação continua muito acelerado; a distância entre a graduação e o pós-graduação é ainda muito grande, e a pós-graduação está ausente em muitas instituições de ensino superior. os professores frequentemente Além disso, estão sobrecarregados com as atividades de aula, de pesquisa, atuação profissional e muitas vezes com as atividades administrativas dos cursos. O modelo de formação brasileiro, no qual a graduação forma profissionais que são imediatamente habilitados para a atuação profissional em todas as áreas da Psicologia, resulta em um nível de exigência muito elevado para os professores: é preciso que eles tenham experiência profissional em sua área de atuação, para poder transmiti-la aos alunos, é preciso que eles tenham produção científica que qualifique sua atuação acadêmica e, muitas vezes, que se envolvam nos aspectos administrativos e na gestão dos cursos. O que se observa é que os cursos de graduação, de forma geral, não têm dado a importância devida à formação para a pesquisa, ou têm encontrado grandes dificuldades para isso. A formação em pesquisa tem sido reduzida, na maioria dos cursos, a uma atividade limitada ao trabalho de conclusão de curso e, algumas vezes, à iniciação científica, que tem caráter eletivo e é realizada pela minoria dos alunos. Nem todos os cursos têm disciplinas sobre metodologia de pesquisa e elaboração de projetos; e, quando têm, muitas vezes são de ordem meramente teórica e pouco interessantes. O aluno não tem seu interesse despertado para essa atividade e não aprende a reconhecer sua importância ou, ainda pior, desenvolve preconceitos e indisponibilidade. As Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia (2011) incluem a formação para pesquisa como parte integrante da formação profissional. Estabelecem que procedimentos para a investigação científica e a prática profissional devem se constituir em um dos eixos estruturantes dos cursos, e que eles devem incluir o desenvolvimento de habilidades e competências específicas a essa área. Isso pode ser visto especialmente em: Art. 5º- III, Art. 8- IV, V, XIV e XV, Art. 9- I, II, III e VII. Além disso, abrem possibilidades muito interessantes, que precisam ser melhor aproveitadas, como a inserção de atividades práticas de pesquisa entre os estágios básicos ou mesmo a escolha de atividades de investigação científica como uma das ênfases dos cursos, o que permitiria inseri-las como atividades dos estágios específicos. Já tivemos experiências de como essa atividades podem despertar a curiosidade e o interesse dos alunos pela investigação, tornando o aprendizado menos árido e abrindo caminho para novas possibilidades. Nem todos os formados em Psicologia serão essencialmente pesquisadores, e isso nem seria desejável. No entanto, todos devem estar capacitados para reconhecer a importância da pesquisa e para utilizar os conhecimentos que dela advêm como alicerce de sua prática profissional e como critérios de avaliação dos conhecimentos da área. REFERÊNCIAS Beirão, P.S.L. (1998). A importância da iniciação aluno da graduação. Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais, 24(1208). Recuperado em 26 de março de 2012 de http://www.ufmg.br/boletim/bol1208/ pag2.html científica para o Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES Nº 8, de 7 de maio de 2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Psicologia. Recuperado em 20 de setembro de 2011 de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 5, de 15 de março de 2011. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Recuperado em 20 de setembro de 2011 de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991 Gomes, W. B. (2003). Pesquisa e Prática em Psicologia no Brasil. Recuperado em 26 de março de 2012 de http://www6.ufrgs.br/museupsi/ppnb.htm MATOS, M.A. (1982). Avaliação e perspectivas. Ciências humanas e sociais. Psicologia. Brasília: Seplan/CNPq. Pfromm Netto, S. (1992). Pesquisa científica em Psicologia: fragilidade e desafios nos anos noventa. In: Gomes, William Barbosa; Rosa, José Tolentino (org): Divulgação de pesquisas em Psicologia no Brasil (Cadernos da Anpepp no. 1, pp. 107-125). Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pesquisa e Pós- graduação em Psicologia. Memoria de Marca: Influencia de la memoria en las decisiones de compra de los consumidores. Un estudio exploratorio. Lic. Claudio Francisco Reggiani Licenciado en Administración de Empresas y Contador Público (UBA), Maestrando en Psicología Cognitiva (UBA) , Profesor Adjunto de “Comercialización” de la Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de Buenos Aires. INTRODUCCION Una teoría ampliamente aceptada del proceso de elección de una marca es aquella que deriva de los trabajos de Howard y Sheth. Los autores distinguen entre dos fases diferentes en el proceso de elección de una marca, la evocación y la evaluación. La evocación refiere a un proceso por el cual, un conjunto de marcas a elegir, son recuperadas de la memoria a largo plazo para ser utilizadas en la memoria de trabajo, lo que permitirá la decisión final de elección por parte del consumidor. La evaluación es el proceso por el cual se realiza un juicio de valor sobre esas marcas evocadas para la elección final de la marca a comprar. 1 A partir de los conceptos y procesos mencionados en esta introducción surge la necesidad de hacer un breve comentario sobre los sistemas y procesos de la memoria humana, y a partir de allí introducirnos en el campo de la memoria desde la perspectiva del marketing. Sistemas y Procesos de la Memoria Humana Sistemas o Estructuras de la Memoria A finales del siglo XIX, Hermann Ebbinghaus y William James intuyeron la existencia de diferentes sistemas de la memoria humana, sin embargo estos trabajos pioneros recién se desarrollaron a mediados del siglo XX, con el surgimiento del paradigma Cognitivo. A partir de la denominada ―metáfora del ordenador‖ que era la base de la psicología cognitiva, se posibilitó el estudio de la percepción, la atención y la memoria. Así, la memoria fue concebida como un sistema de procesamiento, almacenamiento y recuperación de información. A partir del estudio de los procesos cognitivos, varios modelos teóricos fueron desarrollados, entre ellos el denominado ―Modelo Modal‖ de la memoria humana a partir de las investigaciones de Atkinson y Schiffrin (1968). El modelo de Atkinson y Schiffrin, postula que el procesamiento de la información ocurre en etapas secuenciales, y que la información es procesada en paralelo por 2 almacenes sensoriales; luego pasa al almacén de corto plazo y de allí a la memoria de largo plazo (MLP). Es de fundamental importancia el almacén de corto plazo, donde las funciones de repetición, codificación, decisión y estrategias de recuperación permitirán que la información pase a la MLP. Niveles de Procesamiento Serán Craick y lockhart (1972) quienes toman en cuenta los niveles de procesamiento de la información, sugieren que a mayor profundidad de procesamiento mejor recuperación del ítem, el procesamiento fonológico produce una huella más duradera y el procesamiento profundo produce un semántico aprendizaje más duradero Modelo de Working Memory (WM) o memoria de trabajo Baddeley y Hitch (1974), Baddeley (2000) propusieron un modelo de componentes múltiples de la memoria de trabajo (WM). 3 Modelo que se ve favorecido por estudios neurobiológicos y de técnicas de neuroimagen que dieron resultados consistentes con varios componentes del modelo La memoria de trabajo (antes almacén de corto plazo) es el espacio on line (virtual), donde se procesa, actualiza e integra la información proveniente del Sistema de Representación Perceptual (antes almacén sensorial) con el recupero de la información contenida en la MLP (donde se almacenan todos los conocimientos y experiencias que poseemos respecto al mundo (Fernández, 2000; Best, 2002; Schiffman y Kanuk, 2005)). Procesos de la Memoria Básicamente podemos distinguir tres procesos de la memoria: Codificación, Consolidación, y Recuperación. El proceso de Codificación es aquel en que la información sensorial es convertida en información comprensible para nuestra mente (permite la formación de huellas mnémicas), depende de factores de atención y motivación. En el proceso de Consolidación interviene la atención, que permite seleccionar algunos estímulos o rasgos del estímulo (información relevante) y desatender los rasgos no relevantes, con propósitos cognitivos (Baars y Gage, 2007); la atención selecciona filtra, e integra la información percibida como condición previa a la formación de recuerdos y luego esta información es transmitida de la Memoria de Trabajo a la Memoria de Largo Plazo. El proceso de Recuperación de información de la MLP, es clave en el recuerdo de marcas, incluye dos procesos: Evocación y Reconocimiento (Bernstein y Nash, 2008). El proceso de Evocación depende de la ―accesibilidad de la información‖, es decir de la facilidad con que la información pueda ser recuperada de la MLP de forma espontánea; el proceso de Reconocimiento a diferencia del proceso de Evocación, precisa de un estímulo externo para facilitar el recupero de la información. El campo de la Memoria desde la perspectiva del Marketing Como se mencionó ―ut supra‖, existen dos fases diferentes del proceso de elección de una marca, la evocación y la evaluación. La intención de compra de los consumidores dependerá de dos factores, el conocimiento que tengan de las marcas y la valoración positiva que realicen sobre las 4 mismas, conformando así un subconjunto que ha sido denominado ―conjunto en consideración‖ (Paulssen y Bagozzi, 2005). Esto implica que una marca que desee pertenecer al denominado ―conjunto en consideración‖, primero debe ser recuperada de la memoria a largo plazo del consumidor y como condición conjunta, ser evaluada positivamente (Shapiro y Krishnan, 2001). En Marketing, el proceso de recuperación del nombre de marca (Evocación y Reconocimiento) ha sido investigado en el marco de los modelos de Brand Equity (Valor de Marca). El Brand Equity, está conformado por cuatro dimensiones: Lealtad de Marca, Conciencia o Conocimiento de Marca, Calidad Percibida y Asociaciones de Marca (Aaker, 1991,1996, Keller, 1993) y refiere al efecto diferencial 1996; que, el conocimiento de la marca ejerce sobre las respuestas del consumidor. En la toma de decisiones del consumidor, autores como Alba, Hutchinson y Lynch, (1991) remarcan la importancia de la memoria de la Conciencia de Marca, que está relacionada a la fortaleza del nodo marca (o huella en la memoria), y refleja la capacidad de los consumidores para identificar la marca bajo diferentes condiciones (Rossiter y Percy, 1987). En particular, la conciencia del nombre de una marca refiere a la probabilidad que un nombre de una marca venga a la mente y la facilidad c on que así lo haga (Keller, 1993). Otros autores definen la dimensión Conciencia de Marca como la capacidad de un comprador para reconocer o evocar una marca como miembro de una determinada categoría de producto (Aaker, 1991). Por ello, la Conciencia de Marca consiste en el resultado del reconocimiento y la evocación de la marca (Rossiter y Percy, 1987; Keller, 1993). Sin embargo, tanto reconocimiento como evocación son términos diferentes: Reconocimiento de marca es la capacidad del consumidor para confirmar la exposición previa del nombre de marca y así reconocerla como perteneciente a determinada categoría de producto u otra clave de recuperación. En cambio, la evocación de marca es la capacidad del consumidor para recuperar de la memoria la marca como perteneciente a la categoría de producto u otra clave, sin exposición previa. En otras palabras, existirán nombres de marca de determinada categoría de producto que surgirán espontáneamente de la memoria del consumidor y otros nombres de marca que requerirán ayuda guiada para que sean recordadas. 4 Investigación Exploratoria Objetivos El objetivo del presente trabajo es explorar la evocación y reconocimiento del nombre de marcas de alfajores (Dimensión Mnémica), la valoración subjetiva de los consumidores para cada marca de alfajores (Dimensión Valorativa), y el grado de intención de compra que poseen los consumidores de alfajores sobre cada marca (Dimensión Conductual), y a partir de ello, explorar los resultados vinculantes de las tres dimensiones. Materiales y Método Sujetos La muestra está conformada por 148 estudiantes de la carrera de Licenciado en Administración de la Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de Buenos Aires, que cursan en la sede ubicada en la Avenida Córdoba 2122 de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, participaron voluntariamente, y se manifestaron como consumidores regulares de alfajores. El aspecto demográfico de la muestra indica que se encuestaron 77 sujetos masculinos y 71 sujetos femeninos, con un promedio de 26 años de edad. Procedimiento En una primera etapa se les solicitó a los sujetos que evoquen espontáneamente los nombres de marcas de alfajores que conocen. Las marcas de alfajores evocadas fueron anotadas en un formulario perteneciente a cada sujeto. Posteriormente, sobre una lista que incluye la totalidad de marcas de alfajores que están disponibles en todos los canales de venta tradicionales, se les solicito que marquen con una cruz los nombres de marcas de alfajores que reconocen como pertenecientes a la categoría de producto ―Alfajor‖, incluyendo las que habían sido evocadas en la etapa anterior. Además, sobre el mismo formulario debían marcar con una cruz su juicio sobre cada marca de alfajores conocida (Valorada positivamente, negativamente o indiferente), y señalar con otra cruz aquella marca de alfajores que tendrían intención de comprar en ese momento. Por lo expuesto, se obtuvo por cada sujeto: Listado de marcas espontáneamente, listado de marcas reconocidas (reconocimiento guiado), listado de 5 evocadas marcas valoradas en forma positiva, negativa o indiferentes (El total de marcas valoradas coincidirá con la totalidad de marcas evocadas y reconocidas) y el nombre de una marca en particular que es la opción de compra de ese sujeto en el momento de la encuesta. Resultados Resultados Globales (Inter-sujetos) Los resultados globales de los índices de Presencia Mental (Evocación espontánea, Reconocimiento guiado y Desconocimiento), Valoración e Intención de Compra se exponen en Tabla I Como se observa en la Tabla I, todas las marcas que poseen más del 60% de valoración positiva por parte de los sujetos de la muestra, representan en conjunto el 85% de las intenciones de compra, probablemente por la premisa básica de que toda marca que quiera poseer alta intención de compra debe ser valorada positivamente. Resaltamos que aquellas marcas con un porcentaje de desconocimiento menor del 8% (las mayormente reconocidas), representan en conjunto el 70% de las intenciones de compra, probablemente por la premisa que indica que una marca para ser valorada primero debe ser conocida. Otro aspecto a resaltar es que las marcas con mayor intención de compra (Cachafaz, Havanna y Milka) poseen los mayores índices de evocación, a la vez que los mayores índices de valoración positiva, de los que se sospecha que habría algún tipo de relación entre ―evocación espontánea‖ – ―valoración‖ – ―intención de compra‖, que deberíamos investigar con mayor profundidad. 6 Tabla I Resultados Específicos (Intra-sujetos) En la Tabla II del presente trabajo se ha efectuado un seguimiento por cada sujeto de la muestra, a fin de observar aspectos que refieran a una probable relación entre 7 ―intención de compra‖ – ―valoración positiva‖ – ―evocación espontánea‖. Si bien no es posible sacar conclusiones ya que se trata de un trabajo exploratorio, se puede extraer de la Tabla II, que de la totalidad de sujetos que manifestaron poseer intención de compra por una marca, el 100% había valorado positivamente a la marca elegida, y el 86,49% había evocado espontáneamente la marca elegida con intención de comprar. Tabla II 8 Bibliografía 1- Aaker, D. (1991). ―Managing Brand Equity‖. Free Press. New York, N. Y. 2- Aaker, D. (1996). ―Building Strong Brands‖. Free Press. New York, N.Y. 3- Aaker, D. (1996). ―Measuring Brand Equity Across Products and Markets‖. California Management Review, Spring 1996. 4- Alba, J. W., Hutchinson J. W. y Linch J. G. (1991). ―Memory and Decision Making‖ in Handbook of Consumer Behavior. T.S. Robertson y H. H. Kassarjian editors. Prentice Hall. 5- Atkinson, R.C.y Shiffrin, R.M. (1968). ―Chapter: Human memory: A proposed system 6- and its control processes‖. in Spence, K.W.; Spence, J.T.. 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Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, Brasil) ([email protected]) Flávia Palmeira de Oliveira 10 (Aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, Brasil) ([email protected]) Iara Cristine Rodrigues Leal Lima (Aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, Brasil) ([email protected]) Lucélia de Almeida Andrade (Aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, Brasil) ([email protected]) Introdução Neste texto, ocupar-nos-emos em relatar uma experiência de extensão universitária realizada na comunidade de pescadores e marisqueiras de Barra de Mamanguape (Rio Tinto/Paraíba/Brasil). O referido projeto desenvolve-se, desde 2008, através de uma parceria entre a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) 11 e o Instituto Chico Mendes de Conservação à Biodiversidade (ICMBIO) e tem como objetivo principal fortalecer, incrementar e fomentar espaços de escuta e de problematização da realidade, para estimular a autonomia popular, a participação e o processo de desenvolvimento da capacidade de análise crítica, por meio de uma postura ecológica comprometida ética e politicamente. A Comunidade de Barra de Mamanguape faz parte de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, denominada Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape, que compreende 14.000 hectares de ecossistemas de mangue, dunas, restingas, rios e zona costeira e abriga espécies da fauna ameaçadas de extinção, como o peixe-boi marinho (Trichechus manatus manatus) e o cavalo-marinho (Hippocampus sp.). Vive, nessa área, uma população de, aproximadamente, 50 famílias de pescadores e de marisqueiras, que perfazem um total de cerca de 250 habitantes. Sua principal fonte de renda é a pesca, e o turismo ecológico é uma renda complementar para essa população. O projeto de extensão universitária que desenvolvemos nessa comunidade orienta-se pelos pressupostos da Psicologia Social Comunitária, da Educação Popular e da Educação Ambiental. A Psicologia Social Comunitária adquire sua particularidade a partir do contexto histórico-social e econômico brasileiro, caracterizado pela desigualdade e pela seu surgimento guarda relação íntima com injustiça social. O a problematização psicossocial da vida concreta das pessoas e, desde sua origem, questiona o papel do psicólogo, no que se refere aos seus objetivos, concepções, atuações e resultados. Constrói, assim, um arcabouço de saberes e práticas pautados na defesa da diversidade cultural e no compromisso éticopolítico com setoresmenos desenvolvimento favorecidos da sociedade. A deestratégias que visem ao estímulo sua proposta implica o à autonomia, ao desenvolvimento de uma consciência crítica e ao protagonismo social dos grupos com os quais trabalha, com vistas à transformação social (CAMPOS, 1996; LANE, 1996; FREITAS, 1996). Nesse sentido, caracteriza-se por ser ―una psicología de la acción para el cambio, en la cual los actores principales son las personas 12 comunes y corrientes en su cotidianeidad y el psicólogo es un facilitador, no el rector de ese cambio.‖ (MONTERO, 1994, p. 17 apud GÓIS, 2003, p. 279). A intervenção, na perspectiva da Psicologia Social Comunitária, prioriza a valorização de recursos comunitários em articulação com ações concretizadas pela própria comunidade. Assim, parte-se do pressuposto de que as comunidades podem apropriar-se de bens e serviços e desenvolver conjuntamente capacidades e recursos potenciais. Destarte, o trabalho a ser desenvolvido deve ultrapassar a esfera do individual e do particular e, ao mesmo tempo, adquirir uma perspectiva de apreensão da realidade em sua totalidade. Desse modo, a psicologia (social) comunitária utiliza o enquadre teórico da psicologia social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos. (FREITAS, 1996, p. 73). Nessa concepção, o indivíduo é uma realidade histórico-social, fortemente enraizado em um processo cultural, em um modo de vida social peculiar, em uma estrutura social de classes e em um determinado espaço histórico, social, cultural, econômico, simbólico e ideológico, que vive em uma dada realidade concreta, físico-social, participando de uma rede de relações sociais complexas (mais além do interpessoal e do grupal) de uma sociedade historicamente determinada (GONÇALVES; BOCK, 2009). E como participa dessas relações sociais, ele pode ser capaz de ―ler o mundo e, ao lê-lo, transformá-lo‖ (FREIRE, 1976 apud OLIVEIRA; SANTOS, 2010, p. 50). A Educação Popular é, assim, um instrumento fundamental para a prática psicológica: A educação popular constitui uma prática referida ao fazer a ao saber das organizações populares, que busca fortalecê-la enquanto sujeitos coletivos, e assim, contribuir através de sua ação-reflexão ao necessário fortalecimento da sociedade civil e das transformações requeridas, tanto para a construção democrática de nossos países, como para o desenvolvimento econômico com justiça social. (CONSELHO INTERNACIONAL DE ASSESSORES CEAAL, 1994, p. 73 apud WANDERLEY, 2010, p. 25). 13 Como afirmam Oliveira e Santos (2010, p.5), ―a educação popular atua, portanto, para (trans)formar transformadoras e libertadoras.‖ Ao sujeitos ativos, sujeitos de práxis coletivas ter esses objetivos, assume o compromisso para com a transformação das condições de opressão e dominação da população, buscando orientar os diferentes trabalhos e práticas existentes. (FREITAS, 2007) No que tange à Educação Ambiental (EA) - outro pressuposto que norteia a nossa prática cabe ressaltar que a atenção da Psicologia voltada para a relação homem com a natureza apresentou sua gênese em contextos históricos, como os períodos pós-guerra e a Revolução Industrial, uma vez que se intensificaram a deterioração e o desequilíbrio do meio ambiente. (HERCULANO, 1992 apud REIGADA; TOZONI-REIS, 2004). A EA, que se consolidou na década de 70, se caracteriza como uma ferramenta importante para a Psicologia. Essa prática educativa propõe-se a fomentar sensibilidades afetivas e capacidades cognitivas para uma leitura do mundo do ponto de vista socioambiental. (ARAÚJO, 2007; CARVALHO, 2004). Desse modo, a educação ambiental é uma maneira de desenvolver novas formas de lidar com os problemas ambientais, bem como encontrar soluções sustentáveis (DIAS, 2003 apud SCARDUA, 2009). O conceito de sustentabilidade surge como uma alternativa de integrar a conservação e o desenvolvimento, assumindo um compromisso com as futuras gerações. A noção de sustentabilidade implica, portanto, uma inter- relação necessária de justiça social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental e a ruptura com o atual padrão de desenvolvimento. (JACOBI 1997, apud JACOBI, 2003, p.196). Por meio desses aportes teórico-metodológicos, o trabalho desenvolve-se através de visitas, conversas informais e oficinas realizadas mensalmente na Comunidade de Barra de Mamanguape. Através das visitas e das conversas informais, a realidade é refletida e problematizada, pois, como afirma Araújo (1999, p. 79), ―é muito limitado querer compreender a vida cotidiana comunitária somente pelas vias formais; é preciso buscar uma con-vivência com o povo do 14 lugar/comunidade, dirigindo especial atenção aos processos interativos e comunicativos‖. No que diz respeito às oficinas, relataremos, a seguir, o trabalho realizado com três grupos: o grupo de leitura com as crianças; o grupo de exibição de filmes e curtas-metragens (com os adultos); e o grupo de mulheres. Oficinas psicopedagógicas com as crianças No que diz respeito às oficinas com as crianças, essa proposta iniciou-se em 2009, a partir de uma demanda explicitada pelo diretor da Escola de Ensino Fundamental existente na comunidade. Segundo ele, a dificuldade maior das crianças era de ler e interpretar os textos. Sendo assim, o objetivo que norteia as oficinas com esse grupo é estimular o gosto pela leitura, bem como contribuir para a aprendizagem dessas crianças, no que concerne à interpretação de textos. Tendo como referência as contribuições do ―Projeto Geraldo Maciel (Barreto)‖, vinculado à Biblioteca Municipal de Catolé do Rocha - Pb (Secretaria Municipal de Educação de Catolé do Rocha/Pb, 2009), promovemos, com o auxílio de recursos metodológicos como a leitura, a contação de histórias, a música, o teatro, a imagem (vídeos, etc.), a modelagem, a pintura, o desenho e os exercícios e jogos do Teatro do Oprimido (TO), momentos de reflexão sobre a realidade cotidiana, para estimular as crianças a exercitarem o senso crítico, a imaginação e a criatividade, sem perder de vista a construção de preceitos éticos e ecológicos. Acreditamos que, nesse processo, estamos incentivando o protagonismo social desse grupo, numa perspectiva de ampliar o universo cultural dessas crianças, contribuindo para a ―construção de identidades em espaços que valorizem a sociabilidade e incentivem descobertas e aprendizagens voltadas para o pensamento crítico-reflexivo.‖ (OLIVEIRA; SANTOS, 2010, p. 4). Participam das oficinas crianças do sexo masculino e feminino, com idades que variam entre cinco e dez anos; o número de participantes de cada oficina 15 varia entre 10 e 23 crianças, e as oficinas são realizadas, mensalmente, aos sábados, no período da tarde. As oficinas, em geral, são operacionalizadas da seguinte forma: o primeiro momento é reservado para a contação, em que algumas crianças contam ao grupo histórias infantis lidas por elas. Essas histórias são entregues a elas, pela nossa equipe, no dia que antecede a oficina. Em seguida, são facilitados exercícios de TO, pensados de acordo com os objetivos específicos de cada oficina, em articulação com o objetivo principal dessa proposta, que é estimular o gosto pela leitura. Na sequência, há um momento de criação e de reflexão com base em textos. Nesse momento, são utilizados recursos como o data show, a leitura dramatizada, a construção de histórias a partir da projeção de imagens, a encenação de histórias lidas, a modelagem, entre outros. Na maioria das vezes, nesse momento, o grupo subdivide-se para realizar a atividade proposta e, depois, há a socialização do que foi construído nos subgrupos para o grupo como um todo. Encerramos as atividades com música e dança. Cumpre ressaltar que, durante o ano de 2011, foi montada, junto com as crianças, a peça ―A cigarra e a formiga‖, cuja construção, desde a discussão do texto e adaptação até a confecção do figurino e do cenário, foi realizada junto com as crianças. Os ensaios aconteciam durante as oficinas e eram feitos logo após a realização de exercícios de TO, que eram facilitados de acordo com o objetivo de cada oficina. A apresentação da peça ocorreu na Colônia de Pescadores, e toda a comunidade foi convidada. Oficinas de exibição de filmes e curtas-metragens Outro grupo que vem se consolidando desde abril de 2011 é o que reúne adultos, homens e mulheres, para refletir sobre temáticas baseadas na exibição de curtas e filmes. O grupo surgiu de uma iniciativa da equipe técnica, a partir da constante reflexão e avaliação do trabalho de extensão que vem sendo desenvolvido desde 2008 naquela comunidade. Já foram realizados seis encontros e discutidos os 16 seguintes temas: a pesca nos dias atuais; o que é Plano de Manejo; o lixo; a poluição e o assoreamento dos rios. O primeiro tema foi escolhido pela equipe, tendo como critério a realidade daquela comunidade, que vive da pesca e da coleta de mariscos. As reflexões desencadeadas a partir dos temas enfocados nos filmes selecionados têm apontado para as problemáticas vivenciadas pelos moradores da comunidade, ao mesmo tempo em que estimulam uma reflexão sobre o meio ambiente. Esse espaço auxilia o grupo a pensar e repensar o seu cotidiano, construindo uma postura mais crítica e ecológica diante do mundo, pois, como afirmam Zanini e Weber (2010), numa sociedade onde a imagem adquire um lugar fundamental, a utilização dos filmes para refletir sobre a vida cotidiana é um excelente recurso. A ideia é, através dessas exibições, provocar um diálogo entre as pessoas presentes que redunde em uma reflexão crítica sobre a realidade. Assim como Orozco-Gomes (2003, apud Zanini; Weber, 2010), concordamos que, através dessas exibições, são criados e elaborados sentidos, e a nossa intenção é problematizá-los. O ―diálogo problematizador‖ convida as pessoas a examinarem ―criticamente suas ações cotidianas e opiniões acerca do mundo, da vida e de si mesmos (...).‖ (OLIVEIRA et al, 2008, p. 156). Grupo de mulheres Esse grupo foi se constituindo no final de 2009. Inicialmente, a proposta era de reunir as mulheres para pensarem na organização de uma cooperativa de marisqueiras. O grupo, entretanto, organizou-se de outra forma e, em junho de 2010, começou a se reunir com o objetivo de discutir, coletivamente, questões relativas ao cotidiano feminino e aos assuntos relacionados à saúde. Essa experiência aproximou-se dos preceitos do Ecofeminismo, que aborda a relação da mulher com a natureza e a interligação entre a exploração e a submissão da natureza com a da mulher e de todos os excluídos do poder pelo 17 patriarcado. Dessa forma, relaciona a preservação ambiental à libertação da mulher (SILIPRANDI, 2000). A proposta metodológica do Cunhã Coletivo Feminista (ONG existente em João Pessoa/Pb/ Brasil) e a técnica do Teatro do Oprimido orientaram a proposta dessas oficinas que, além de procurar estimular essas mulheres a exercitarem a autonomia, a participação e o senso crítico, tiveram o objetivo de proporcionar uma reflexão sobre a realidade cotidiana por meio da discussão sobre a questão de gênero. Entre outros aspectos, o trabalho procurou contribuir para o desenvolvimento de uma consciência crítica, assim como estimulou ações coletivas na resolução dos problemas. Como afirma Sawaia (1995, p. 166-167): (...) a prática em comunidade atua, especialmente, no isolamento social, na convivência e na comunicação, dando existência social e individual às pessoas (...) seu grande trunfo é trabalhar no local em que se convive com os pares (...) o seu procedimento participativo e centrado na ação-reflexão permite superar a dicotomia entre subjetividade e objetividade e entre o pensar e o fazer, negando a visão reducionista- idealista de que a alienação é apenas a inconsciência da situação de opressão, mas é, também, a consciência da impotência frente à situação objetiva. Foram realizadas, no período entre junho de 2010 e agosto de 2011, onze oficinas, em que foram discutidos os seguintes temas: formação do grupo, identidade, saúde, corpo feminino, menstruação, menopausa, sexualidade e educação. Esses encontros ocorriam mensalmente, aos domingos, no período da noite. O número de participantes variava de cinco a dez mulheres, e cada encontro durava, em média, duas horas. Como recursos metodológicos, foram utilizados músicas, dinâmicas de grupo, exercícios e jogos de TO. A título de ilustração, faremos, a seguir, o relato de uma das oficinas, realizada no mês de outubro de 2010, em que foi discutida a temática da menopausa. Essa oficina se guiou pela ideia de que a menopausa não é uma doença, mas uma fase na vida da mulher como qualquer outra, com suas especificidades. 18 Iniciamos a oficina com exercícios de alongamento e relaxamento; em seguida, as mulheres foram perguntadas sobre o que entendiam por menopausa e os sintomas que a caracterizam. Após um debate sobre essas questões, realizamos o exercício de TO, denominado ―Quantos ‗as‘ existem em um ‗a‘‖, 1 com o fim de promover uma reflexão sobre as diferentes fases da vida ao longo do desenvolvimento humano. Para finalizar, colocamos a música ―Zazueira‖, de Jorge Ben Jor, que enaltece as qualidades femininas e, ao mesmo tempo, contribuiu para ―animar‖ o grupo com o seu ritmo contagiante. Por último, foi realizado o Círculo de Energia. 2 Cabe ressaltar que, ao final de cada encontro, o grupo escolhia o tema da oficina que seria realizada no mês seguinte. Considerações finais Durante essa experiência, nossa inserção na comunidade buscou construir uma relação com as pessoas por meio do diálogo, da interação, da construção de vínculos e da escuta, fazendo-nos presentes no cotidiano, de modo a orientar a nossa prática de acordo com as necessidades demandadas pela comunidade. Em diálogo com a Educação Ambiental e a Educação Popular, numa perspectiva teórica e metodológica que compreende o homem como sujeito criador e parte da Natureza, e a ciência e a cultura como movimento de produção de conhecimento, buscamos aliar à produção científica as necessidades humanas e da Natureza. Procuramos assim, através dessa interlocução, construir uma prática que oriente as pessoas a lidarem com as questões cotidianas, buscando soluções que impliquem em ações coletivas e sustentáveis. 1 Em círculo, sucessivamente, cada ―ator vai até o centro e exprime um sentimento - sensação, emoção ou ideia - usando somente um dos muitos sons da letra a, com todas as inflexões, movimentos ou gestos com que for capaz de se expressar‖. Depois que todos tenham expressado os ―as‖, o diretor pede que o exercício seja feito com as demais vogais, como também dizer ―sim querendo dizer sim, dizer ―sim‖ querendo dizer não, dizer ―não‖ querendo dizer não e ―não‖ querendo dizer sim para, por último, expressar frases inteiras (BOAL, 2008, p. 141). 2 No círculo de energia, é formado um círculo, com todos de mãos dadas, sendo a mão direita com a palma para baixo, e a esquerda, com a palma para cima, como forma de fazer fluir a energia do grupo. Nesse momento, pode-se fazer uma reflexão para que a energia do momento permaneça com todos os membros até o próximo encontro (BOND; OLIVEIRA, 2000). 19 Nesse processo, os grupos formados nessa experiência foram se constituindo pelo desejo de se construírem, na comunidade, espaços de trocas de saberes, afetos e vivências. Conforme Guareschi (1996), qualquer relação entre as pessoas nasce num grupo, de modo que, nesse encontro, sempre existe algo ―em comum‖, que pode estar tanto numa como noutra pessoa, fazendo nascer ―nesse comum‖ o ―coletivo‖. Assim, acreditando no potencial existente nesses grupos, buscamos, nesses espaços, aliar conhecimento e transformação, numa postura crítica e questionadora da realidade. Apesar de alguns avanços, cumpre ressaltar o grande desafio que é consolidar essa proposta, tendo em vista os ―atravessamentos‖ culturais, sociais e econômicos que permeiam a vida das pessoas, tornando-se, em alguns casos, um limitador para o devido comprometimento e a participação. Nesse sentido, tendo em vista a complexidade do trabalho, através do exercício de ação-reflexão-ação, recorremos a diversificadas propostas metodológicas, buscando, a partir dessa práxis, encontrar ferramentas que possam dar embasamento às necessidades que vão surgindo na prática. 20 Referências ARAÚJO, A. R. O que é educação ambiental? Dez. 2007. Disponível em: http://pga.pgr.mpf.gov.br/pga/educacao/que-e-ea/o-que-e-educacao-ambiental. Acesso em: 26 mar. 2011. ARAÚJO, R. C. O processo de inserção em psicologia comunitária: ultrapassando o nível dos papéis. In: BRANDÃO, I. R.; BOMFIN, Z. A. C. (Orgs.). Os jardins da psicologia comunitária: escritos sobre a trajetória de um modelo teórico- vivencial. 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Além disso, é cada vez maior a quantidade de empresas que terceirizam aspectos importantes da produção e da mesma forma, empresas subcontratadas que ofertam mão-de-obra terceirizada a custos reduzidos e, também, um conjunto de empresas que oferecem a chamada terceirização de serviços. Assim, no presente contexto histórico os trabalhadores vivem em uma constante busca por estar sempre se adequando ao mercado de trabalho e, não raro, são obrigados a se submeterem a constrangimentos e humilhações para manterem seus empregos e continuarem exercendo sua atividade profissional, mesmo que a custa do sofrimento causado pela vitimização do assédio moral. Para Hirigoyen (2004), o assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. Por esta definição observa-se que Hirigoyen coloca o assédio como sendo todo e qualquer ato que afete a pessoa humana causando-lhe constrangimentos pessoais, afetando seu mundo psíquico, social e organizacional. No Brasil Barreto (2000) define o assédio moral no trabalho como toda exposição prolongada e repetitiva a situações humilhantes e vexatórias no ambiente de trabalho. Percebe-se então, claramente que, segundo esta autora, o fato de o trabalhador ser vítima de situação constrangedora apenas uma vez não configura assédio. Para isto, se faz necessário que tal situação seja algo repetitivo. O assédio moral traz consigo diversas conseqüências para o indivíduo e para a empresa, consequências estas que irão influir negativamente nas relações de trabalho e no cotidiano social dos indivíduos agredidos e daqueles que estão ao seu redor, uma vez 23 que o assédio pode trazer como implicações, mais específicas para o indivíduo, a nível fisiológico problemas cardíacos, problemas gástricos, hipertensão, doenças psicossomáticas, dentre outros males. Entretanto, é na dimensão psicológica e social que o assédio moral mostra sua face mais cruel. Vítima desse tipo de agressão, o indivíduo passa a se sentir inferior, podendo então desenvolver transtornos psicológicos, a exemplo da depressão e, frequentemente, também passa a fazer uso do álcool continuamente, o que contribuirá para a defasagem da qualidade de suas relações no seu meio social. Sendo assim, essa pesquisa teve por objetivo identificar a ocorrência de ações visando à desqualificação profissional e a prática de atos humilhantes, degradantes e persecutórios, dentre outros, que possam ser caracterizados como comportamentos de assédio moral entre os trabalhadores de Shoppings Centeres na cidade de Campina Grande, Paraíba, Brasil. Trata-se de um estudo quantitativo com objetivos exploratórios. Quanto ao procedimento de coleta este estudo pode ser caracterizado como um levantamento de campo. Foi tomada uma amostra composta por 202 comerciários, observando o coeficiente de confiança de 95,5% e uma margem de erro de 5% (referência). Observouse em sua maioria mulheres (85,6%), solteiros (47,5%), com idade inferior a 30 anos (74,2%), sem filhos (57,9%), com curso superior incompleto (38,1%) e com remuneração entre R$ 560,00 e R$ 1.120,00 (62,5%). Para efeito de coleta de dados foi utilizado um questionário voltado para a identificação do assédio entre trabalhadores. Na primeira parte do instrumento constam as questões relativas aos dados sociodemográficos dos respondentes como: sexo, estado civil, idade, número de filhos, segmento comercial em que trabalha e renda. Para mensurar o assédio moral optou-se pelo instrumento elaborado por Nery (2005), como parte de seu trabalho de mestrado pela Universidade Católica de Goiás, e validado por Aleixo Junior et.al (2009). Este é um questionário tipo likert, composto por 58 questões, as quais os trabalhadores respondem fazendo uma única opção para cada item, de acordo com a seguinte escala: 0 – não vivenciou a conduta; 1 – vivenciou raramente; 2 – vivenciou moderadamente; 3 – vivenciou muito; 4 – vivenciou exageradamente. A análise dos dados foi realizada a luz do instrumento validado por Aleixo Junior et.al (2009), que identificou a existência dos seguintes fatores para o assédio moral: FI – atos de humilhação e desprezo; F II- desqualificação e desvalorização profissional e F III – Barreiras a autonomia e a participação. Os dados foram analisados à luz da estatística descritiva. Desta forma, neste trabalho os dados são analisados a partir de cada 24 dimensão para que se possam fazer inferências acerca do assédio moral. Fator I - Atos de Humilhação e Desprezo Este fator abrange 24 variáveis e tem uma escala de avaliação progressiva em direção ao assédio. Verificou-se que os atos relativos a esta dimensão não fazem parte do cotidiano laboral da maioria dos trabalhadores de shoppings da cidade de Campina Grande. O que pode ser confirmado, ao observar-se que em 13 variáveis mais de 93% dos trabalhadores nunca vivenciaram tais atos. No entanto, é importante atentar para o fato de que todas as variáveis receberam ao menos uma citação entre os respondentes, destacando-se que, as opções ―Muito‖ e ―Exageradamente‖, quando somadas, indicaram a incidência de assédio em cinco variáveis, com percentuais entre 2,5% a 5,5%, demonstrando assim, a presença de atos de humilhação e desprezo entre estes trabalhadores. Dessa forma, algumas das variáveis que se destacaram devido à ausência de atos de humilhação e desprezo entre os trabalhadores de shoppings são: Mexem ou danificam meus instrumentos de trabalho com a intenção de prejudicar-me (98%); Furtam alguns de meus pertences, documentos ou ferramentas de trabalho (98%); Não consigo falar com ninguém, todos me evitam (97,5%); Meus colegas foram proibidos de falar comigo (96,5%); Meu posto de trabalho foi colocado em local isolado dos meus colegas (96%); Insinuam ou fazem correr o boato que tenho um problema psicológico (95%); As pessoas estão deixando de falar comigo (95%); As pessoas que me apoiam são pressionadas para se afastarem de mim (94,6%); Sou exposto ao ridículo, as pessoas zombam de mim (94,6%); Zombam de minhas dificuldades pessoais (93,6%). Analisando-se os dados acima, percebe-se que entre as variáveis onde posturas de humilhação e desprezo foram menos citadas, destacam-se aquelas relacionadas a comportamentos que envolvem princípios ou valores sociais, geralmente transmitidos no processo de educação familiar, como a honestidade e a repulsa em subtrair objetos alheios. Transportados para o mundo do trabalho, estes valores atuam no sentido de contribuir para a consecução dos objetivos organizacionais, pessoais e profissionais, ao passo que servem de lastro para manter um bom relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho. 25 No que diz respeito à análise da incidência do assédio, considerou-se a soma das respostas nas opções ―muito‖ e ―exageradamente‖ como indicadoras, apresentando o seguinte resultado: Minha vida particular é criticada (5,5%); Sou caluniado pelas costas (5,5%); Comentários degradantes são feitos diretamente a mim (3,5%); Fazem circular boatos falsos e infundados a meu respeito (3,0%); Ridicularizam ou zombam de minha vida particular (2,5%). Em relação às variáveis ―críticas à vida particular‖ e ―calunia pelas costas‖, entende-se que tal postura, ao passo que é uma manifestação de comportamento de não aceitação do estilo ou maneira de viver do outro, também pode estar indicando uma reação, talvez pelo fato desse jeito de viver, que tanto se critica, seja um estilo de vida desejado por outros, porém só alguns têm a ousadia de adotá-los e, isto, de certo modo, vai de encontro aos padrões estabelecidos. Assim, muitas vezes, como reação se constrói estereótipos acerca destas pessoas e, a partir destes, se passa a promover boatos, utilizando-se de comentários degradantes, para ridicularizar e zombar da vida particular do outro, como forma de atingi-lo e intimidá-lo. Em conclusão pode-se afirmar que mesmo os atos de humilhação e desprezo não fazendo parte do cotidiano da maioria dos vendedores de loja dos Shoppings Centers de Campina Grande, essa dimensão relativa ao assédio foi identificada em 5,5% dos participantes. Fator II - Desqualificação e Desvalorização Profissional Da mesma forma que no fator I, neste, a escala de avaliação também é progressiva em direção ao assédio. Esse fator compreende 20 variáveis que mensuram o assédio moral. Para efeito de análise, observou-se que neste fator as avaliações positivas não são tão fortes quanto no precedente. Constatando-se que, em 11 variáveis mais de 80% dos respondentes afirmaram não terem passado por situações que se apresentem como atitudes e comportamentos de desqualificação e desvalorização de suas profissões. Entretanto, todas as variáveis indicativas de desqualificação receberam no mínimo uma citação entre os respondentes e, do mesmo modo em onze variáveis foram identificadas respostas indicativas à presença do assédio com variações entre 3,5% e 10,8%, considerando o somatório das opções ―Muito e Exageradamente‖, as quais indicam a existência de desvalorização no desempenho profissional dos respectivos trabalhadores. 26 Em relação àquelas de maiores percentuais no que se refere à ausência absoluta dos atos que levam ao assédio, podemos destacar algumas delas: Sou ameaçado verbalmente (94,1%); Sou obrigado a fazer trabalhos humilhantes para o cargo que ocupo (91,6%); Sou obrigado a fazer tarefas perigosas ou nocivas a saúde (91,6%); Sou prejudicado nas promoções (88,1%); Sou designado a fazer tarefas que exigem uma experiência muito acima da minha competência profissional, impossibilitando meu êxito (88,1%); Eu sou provocado até reagir de maneira agressiva (85,1%); Comentários negativos são feitos a meu respeito, e não tenho oportunidade de defasa (84,7%); Meu trabalho é criticado destrutivamente (84,2%). Levando-se em consideração a análise dos dados acima, pode-se perceber que, no que diz respeito às variáveis que estão na faixa de 90%, ou seja, que se referem à opção "não vivenciou" marcado pelos respondentes, percebe-se que estas se referem a atos que se mostram mais hostis e que seriam mais visíveis para os outros colegas de trabalho e para a chefia, possibilitando dessa forma, a identificação do comportamento assediante dentro do ambiente de trabalho. O que poderia ocasionar para o agressor, problemas com seus empregadores, bem como, sua demissão. Sendo assim, observa-se que as variáveis que se posicionam na faixa dos 80%, que também indicam ausência de atos de Desqualificação e Desvalorização profissional que foram menos citadas pelos respondentes, destacam-se aquelas referentes a comportamentos mais sutis. Ou seja, atos que podem ser praticados e não são tão identificáveis e percebidos como agressões. Em relação às variáveis indicativas do assédio moral entre os trabalhadores dos shoppings, destacamos as seguintes: Meu horário de trabalho é controlado e fiscalizado de maneira exagerada (10,8%); Minha autonomia foi retirada (7,4%); Eu sempre sou interrompido quando falo (7,0%); Minhas falhas e erros são extremamente valorizadas (7,0%); Avaliam meu trabalho de maneira injusta (5,5%); Minhas habilidades e competências são desvalorizadas (5,5%); As pessoas põem dificuldades para eu expressar o que eu tenho a dizer (4,5%); Atribuem a mim, propositalmente, tarefas inferiores a minha competência profissional (4.0%). Desta forma na avaliação da questão ―Meu horário de trabalho é controlado e fiscalizado de maneira exagerada‖, observa-se que foi considerável e expressivo o índice de respostas para a opção ―Muito e Exageradamente‖, percebendo-se a existência do maior percentual indicativo de desqualificação profissional. O que demonstra que 27 uma parte significativa dentre os respondentes é controlada e fiscalizada exageradamente quanto ao horário de trabalho, indicando que alguns empregadores ainda avaliam o controle rígido dos horários como uma técnica disciplinar importante para a produtividade na empresa. Em relação às variáveis ―Minha autonomia foi retirada; Eu sempre sou interrompido quando falo; habilidades e competências significativo de respostas Avaliam meu trabalho são desvalorizadas‖, indicando que alguns de maneira encontram-se trabalhadores injusta um têm e Minhas percentual perdido sua autonomia no desenvolvimento de suas tarefas laborais e que seus esforços não são percebidos. Tal perda pode está relacionada ao fato dos gerentes e superiores hierárquicos sentirem-se ameaçados ou com receio de perder seus cargos para aqueles empregados que eventualmente destacam-se. Neste caso, é preocupante a constatação de que 10,8% da amostra revelaram que situações dessa natureza façam parte do seu cotidiano profissional, numa frequência considerada como muita ou exagerada. Fator III – Barreiras à Autonomia e à Participação Observa-se que no fator III, composto por sete variáveis, em cinco delas a escala mensura de maneira regressiva, onde o ―0‖ significa a existência de barreiras à autonomia e ―4‖ a sua ausência. Por outro lado, nas outras duas variáveis o sentido é inverso. Para efeito de mensuração destas, optou-se por reunir os escores obtidos pelas opções ―0‖ e ―1‖ para indicar a ausência da variável e ―3‖ e ―4‖ para mostrar a sua presença. Em relação às variáveis que mensuram regressivamente observa-se que 53,9% dos respondentes afirmaram dispor das informações necessárias para a realização das tarefas e, por outro lado, 15,5% posicionaram-se contrariamente a essa afirmativa. Tal carência de informações pode indicar uma gestão/administração frágil devido à falta de preparação ou mesmo à intenção de prejudicar os trabalhadores no desempenho de suas tarefas, para com isso constrangê-los, forçar-lhes ou ter argumentos plausíveis para demissão. Observa-se que 49,5% da amostra afirmaram ter seus direitos trabalhistas respeitados (férias, horários, prêmios) pela empresa e 31,7% sentem-se lesados nesses 28 direitos. Neste caso, considerando-se as especificidades do mercado de trabalho (comércio), é possível que um grupo significativo desses trabalhadores não tenha acesso à carteira profissional assinada, pagamentos de horas extras, 30 dias de férias, licença maternidade e licença paternidade, entre outros. Desta forma, percebe-se que a atenção aos direitos trabalhistas dos comerciários campinenses é um item secundarizado pelas organizações, o que já havia sido identificado em pesquisa realizada com universitários trabalhadores de Campina Grande (Aleixo Junior et.al 2009). Para 43,0% dos comerciários os superiores oferecem as oportunidades para expressar opiniões, enquanto 32,7% relataram o contrário. Verifica-se que o estímulo à iniciativa própria (42,6%) acontece de maneira precária, ou seja, seu percentual é maior no tocante à falta de atitude para tal iniciativa ao se comparar com a postura positiva desse mesmo estímulo (27,2%), em relação aos trabalhadores. Com isto, infere-se que estes desenvolvem suas atividades profissionais desprovidos de uma política de gestão que os motivem a ter uma postura de iniciativa no ambiente de trabalho, o que denota o descompasso com um paradigma atual no campo da gestão de pessoas. Porém, quando o estímulo à iniciativa faz parte da cultura organizacional e apenas um grupo de trabalhadores é imbuído dessa possibilidade, pode estar ocorrendo, neste caso, o assédio moral. No que concerne às variáveis cuja análise da escala mensura progressivamente na direção do assédio moral, percebe-se que os comerciários de Campina Grande não costumam ser designados a fazerem sempre tarefas novas e diferentes (82,6%), ao passo que 4,0% afirmaram o contrário, indicando rotatividade nas tarefas, o que pode dificultar um trabalho satisfatório. Por outro lado, (96,1%) não sentem olhar de desprezo das pessoas no trabalho. Verifica-se que neste fator ocorreu a maior prevalência de respostas indicativas do assédio moral entre os trabalhadores comparando-se aos demais fatores. Neste sentido, identificou-se que 42,5% dos comerciários vivenciaram situações de imposição de Barreiras à autonomia e à participação na consecução do trabalho. Em seguida, a utilização do teste de Mann-whitney identificou a existência de diferenças significativas quando considerado o gênero dos respondentes em relação as seguintes variáveis: sentir-se zombado devido as dificuldades pessoais (U=21 Z= 29 3,83 e p<0,001); sentir-se hostilizado e zombado devido as convicções religiosas (U=18; Z= 3,31 ; p=0,001); é imitado na forma de andar, na voz, e nos gestos para expor ao ridículo (U=22; Z=-2,01 ; p=0,044); é estimulado a ter iniciativa própria (U=16; Z= -2,36 ; p=0,018). Nos três primeiros casos os respondentes do sexo masculino são as principais vítimas dos atos indicativos de assédio, enquanto que, no último caso, as mulheres recebem menos estímulos à iniciativa que os homens. O presente estudo revelou a existência de situações indicativas do assédio moral entre trabalhadores dos Shoppings Centeres de Campina Grande. Considerando os resultados deste trabalho pode-se afirmar que 5,5% dos comerciários sofrem com Atos de humilhação e Desprezo, 10,8% vivem ações de Desqualificação e Desvalorização Profissional e 42,5% dos empregados de comércio vivenciaram situações de imposição de Barreiras à Autonomia e a participação na consecução do trabalho. Por fim, entende- se que se fazem necessárias alterações na dinâmica organizacional dos Shoppings Centeres de Campina Grande que coíbam a prática do assédio moral e favoreçam a autonomia e a participação dos trabalhadores no tocante à execução de suas atividades laborais. Referências Bibliográficas: BARRETO, M. M. S. (2000) Violência, saúde, trabalho - Uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC - EDITORA DA PUC-SP. HIRIGOYEN, M. F.(2004). Malaise dans le travail: harcèment moral, démeler le vrai du faux. Paris: La Découverte, 2004. NERY, D. C. M. S. (2005). Trabalho masculino, trabalho feminino: representações sociais e assédio moral. Dissertação (Mestrado em Psicologia. Pro-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa. Universidade católica de Goiás, Goiânia. NEVES, J. S. ; ALEIXO JÚNIOR, N. ; SILVA, W. R.(2009) . Assédio Moral no Trabalho. In: XL Asamblea Anual de CLADEA, 2005, Santiago. XL Asamblea Anual de CLADEA. Santiago : Universidad de Chile, Facultad de Economía y Negocios, v. 1. NEVES, J.S. (2003) . Assédio Moral: um perigo visível. 2003. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Graduação em Psicologia) - Universidade Estadual da Paraíba. Crianças e adolescentes abrigados: um estudo das representações de educadores sociais 1 Lucivanda Cavalcante Borges (Professora Assistente da Universidade Federal do Vale do São Francisco) Ana Lúcia Barreto Fonseca (Professora Adjunta da Universidade Federal do Vale do São Francisco) Liliane Caraciolo Ferreira (Professora Assistente da Universidade Federal do Vale do São Francisco) Maressa Souza Neiva (Estudante de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco) Paula Nayara Bezerra (Estudante de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco) INTRODUÇÃO O abrigo é uma espécie de medida de proteção à criança que experimenta situações de grave risco à sua integridade física, psicológica e sexual (Rizzini & Rizzini, 2004). Diversos estudos têm buscado investigar o contexto dos abrigos como espaços que exercem uma forte influência no desenvolvimento de crianças e adolescentes abrigados revelando que a representação dos educadores sobre as crianças sociais e adolescentes abrigados tem implicações significativas em seu desenvolvimento psicossocial. Mesmo após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 1990), o processo de institucionalização e as consequentes transformações na concepção de abrigo, infância e adolescência, tem sido marcado pelo estigma social carregado de valor pejorativo e depreciativo, presentes, inclusive, no modo como os educadores dos abrigos interagem com as crianças e adolescentes. Os educadores possuem um papel importante no desenvolvimento abrigados visto que promovem Polônia, Dessen e Silva a socialização (2005) dos dos mesmos. Autores como afirmam que as relações criança/adolescentes/educador compreendem processos proximais 2 primários e que, portanto, podem determinar a trajetória de vida destas, inibindo ou incentivando a expressão de suas competências cognitivas, sociais e afetivas. Nesse sentido, pesquisar as representações dos educadores sobre crianças e adolescentes abrigados pode contribuir para a elaboração de estratégias intervenção que promovam ressignificação da infância e adolescência considerações, o presente trabalho teve a de problematização institucionalizada. o objetivo de A partir e a dessas conhecer as representações dos educadores sobre as crianças e adolescentes abrigados. METODOLOGIA Participaram desta pesquisa 23 educadores de três abrigos de uma cidade do interior de Pernambuco. Um abrigo é municipal e os outros dois são mantidos por entidades filantrópicas. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, gravadas em gravadores digitais, transcritas na íntegra e analisadas a partir da literatura sobre institucionalização e desenvolvimento humano. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados mostraram que os educadores, em sua maioria, consideram as crianças e adolescentes abrigados problemáticos, responsabilizando a família pela situação de risco em que se encontram seus filhos, desacreditando na possibilidade de um futuro melhor para aqueles que retornam ao convívio familiar. Para esses educadores, a vivência no abrigo pode oferecer um suporte para as crianças superarem as adversidades da vida, oferecendo-lhes a oportunidade de um futuro melhor, na medida em que os acolhe com apoio, afeto, estímulo aos estudos. ―Aqui no abrigo, eles sempre tem oportunidade, o menino sai já pronto, bem estruturado, mas às vezes também tem aquele menino que não quer né, quando sai não se ajeita lá fora e acaba indo pro lugar errado e aqui a gente ensina tudo de bom. Quando a criança realmente quer, ela vai ser um cidadão de bem” (educador 1). 3 Contudo, para os entrevistados, somente os abrigados que se esforçarem em aproveitar as oportunidades oferecidas pelo abrigo poderão alcançar melhores condições de vida. “Infelizmente alguns não tomam o caminho certo, mas não foi porque a instituição não procurou o meio certo de trabalhar com eles, porque acho que tem crianças que tem uma índole mesmo, que é difícil mudar”. (educador 2). Tal pensamento traduz uma concepção reducionista, individualista, que responsabiliza o indivíduo pelo sucesso ou insucesso na educadores, os abrigos oferecem boas vida. Na concepção oportunidades dos para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, e se esses não apresentam sucesso em suas vidas é devido a motivos pessoais, muitas vezes mal compreendidos a partir de uma perspectiva biológica e preconceituosa, como pessoas com má índole, e/ou a partir de motivos externos ao indivíduo, como a desestruturação representação que leva familiar, alguns educadores a desacreditar na possibilidade de um futuro melhor para os abrigados que retornam para as suas casas, devido a problemas familiares. ―A expectativa de vida é a mesma de quando chegou aqui, por que sai do problema e vem pra aqui, e aqui tem acompanhamento, pedagoga, tem psicólogo, tem professor, tem tudo. Aí quando volta pra família, fica a mesma coisa”(educador 1). Nesse sentido, esses educadores ressaltam a importância da participação família necessidade de um trabalho da conjunto nesse preocupação processo dos profissionais e quanto à pontuam a dos abrigos com os familiares dos abrigados, para que estes também possam participar ativamente na construção de um futuro melhor para as crianças e os adolescentes. Percebe-se, portanto, que para os educadores, os abrigos fazem o melhor para o desenvolvimento da criança e do adolescente, se esses não apresentam sucesso em suas vidas é devido a fatores pessoais e familiares. A compreensão de fatores relacionados ao contexto do abrigo, fatores sociais e políticos não são considerados na fala dos educadores como importantes na construção do futuro dos abrigados. Para alguns educadores, no entanto, a adoção constitui, na maioria das vezes, a única alternativa que pode garantir um futuro melhor para essas crianças e adolescentes, 4 dando-lhes a possibilidade de melhores condições de vida que 5 podem ser oferecidas por uma nova família: “Quando são adotados, quando eles estão prontos pra adoção, eu acho que eles tem uma perspectiva boa pra o futuro, porque aquela família que acolhe, no momento que tá acolhendo vai dar um bom estudo”. As representações dos educadores sobre as crianças e adolescentes abrigados, a qualidade da interação estabelecida entre os mesmos representa um importante referencial para o desenvolvimento infanto-juvenil, na medida em que os educadores apresentam um contato diário mais próximo com os abrigados, o que implica a necessidade de capacitação e acompanhamento desses profissionais, clareza do papel que exercem no abrigo, o conhecimento sobre a realidade das crianças e adolescentes atendidos, como também seus familiares, no desenvolvimento a de de suas atividades (CONANDA/CNAS, 2009). CONCLUSÕES O educador, em suas mais diversas funções estabelecidas nos abrigos, é uma figura essencial no desenvolvimento das crianças e adolescentes em situação de abrigo construídas (Bronfembrenner, por institucionalizada conseqüentemente, esses têm sobre 1998). profissionais implicações o Nesse sentido, acerca em sua desenvolvimento da as representações infância atuação psicossocial e adolescência profissional daqueles. e, Os resultados da presente pesquisa mostraram a importância de se problematizar as representações presentes no imaginário desses educadores sobre as crianças e adolescentes abrigados, de forma a intensificar a compreensão crítica de fatores sociais, políticos e institucionais envolvidos na construção do futuro dos mesmos. Para os educadores entrevistados, o contexto de abrigo é sempre visto como apresentando características positivas para as crianças e adolescentes que lá estão. Os problemas que envolvem a realidade dessas crianças e adolescentes estariam, na representação dos educadores, fora do contexto institucional, sendo gerados no 6 contexto das relações familiares. Nesse sentido, considera- 7 se importante um trabalho conjunto entre educadores e familiares em que seja possível a troca de informações sobre os modos de vida dessas famílias, seus sentimentos e práticas educativas dirigidas aos seus filhos. Um trabalho voltado à compreensão de outros fatores que perpassam a realidade das famílias como a realidade do próprio dos abrigados, contexto institucional assim como produtor de fatores de risco ou proteção à infância e adolescência abrigada. É impossível negar o papel que o educador desempenha em termos da qualidade do atendimento oferecido, da influência que ele exerce na vida de crianças e adolescentes, na construção que estes últimos farão em termos de auto imagem, auto conceito e perspectivas de futuro. Enfim, oferecer um espaço de escuta a esses profissionais para que possam expressar os sentimentos em relação ao seu trabalho, suas dificuldades e as possibilidades de superação destas, contribuindo para a promoção da saúde e potencialização dos fatores de proteção à infância e adolescência. 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL (1990). Lei n. 8.069, de 13 de Julho de 1990 – dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Brasília: Palácio do Planalto. BRONFENBRENNER, U. & MORRIS, P. A. The ecology of developmental processes. In W. Damon & R. M. Lerner (Orgs.), Nova York: Wiley, 1998. CONANDA/CNAS. (2009). Orientações técnicas para os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília. POLÔNIA, A. da COSTA; DESSEN, M. A. & SILVA, N. L. P. (2005). O modelo bioecológico de Bronfenbrenner: contribuições para o desenvolvimento humano. In: M. A. Dessen & A. L. Costa Júnior (orgs.), A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas futuras (7189). Porto Alegre: Artes Médicas. RIZZINI, I & RIZZINI, I. A institucionalização de crianças no Brasil: Percurso histórico e desafios presentes. Rio de Janeiro: PUC. 2004. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SERTÃO NA REGIÃO SERTANEJA PETROLINA- PE E JUAZEIROBA. Liliane Caraciolo Ferreira (Doutorando do Programa de Pós-graduação em Psicologia – UFES e Professora Assistente IV da UNIVASF) Lídio de Souza ( Doutor e Professor Titular da UFES) Resumo Este estudo analisa as representações sociais construídas por duas gerações acerca do sertão, jovens, entre 18 e 25 anos, (G1), e idosos, a partir dos 60 anos (G2). Participaram da pesquisa 120 sujeitos, G1 (N=60) e G2 (N=60), amostra intencional considerando a ―técnica de saturação de conteúdo‖, que falaram do sertão através da pergunta aberta: - Como é morar no sertão para você? E fizeram o Teste de Associação Livre de Palavras – TALP induzidos pelo termo ‗sertão‘. Os dados da questão aberta foram transcritos para o programa Bloco de notas, considerando as 9 orientações do software TextSTAT, que organiza a frequência de palavras em texto e possibilita a visualização do contexto das mesmas. Os dados do TALP foram transcritos para a planilha eletrônica do Excell, considerando as diretrizes dos softwares EVOC e SIMI, que organizam, respectivamente, por ordem média de evocações e co-ocorrência. Nessa organização, também foi utilizada a ―categorização ‖ de Bardin (2005). Em decorrência de pesquisa bibliográfica sobre representações de sertão, a análise de conteúdo foi orientada pelos temas: ―atraso‖ e ―desenvolvimento‖. Os resultados revelaram que G1 enfatiza como elementos que representam o sertão ―seca e caatinga‖ e para o G2 ―seca, sofrimento, resistência, agricultura, caatinga, fome e carência‖. Os resultados permitem concluir que a representação social de sertão é a ―seca‖. A questão é que muito se investiu e investe, o governo, a academia, a literatura, para falar sobre ― a região mais pobre do Brasil‖ Portanto, ainda há muito que pesquisar. Palavras-chave: representações sociais; núcleo central; sertão; Petrolina-PE; Juazeiro- BA. 1 0 O presente artigo trata sobre representações sociais de sertão entre jovens e idosos que moram na região sertaneja Petrolina-PE/Juazeiro-BA. Localizada no Sertão do São Francisco, essa região tem sido alvo constante de políticas públicas, que através de vultosos investimentos sai do isolamento e passa a concentrar uma estrutura que lhe confere o título de maior pólo de fruticultura irrigada do país. Segundo Sobel e Ortega (2007, p.4):―há pouco mais de três décadas, este território se apresentava como mais um dentre as diversas zonas de miséria situadas no sertão nordestino.‖ Hoje, Petrolina e Juazeiro formam ―um grande pólo comercial e agroindustrial impulsionado pela agricultura irrigada‖ (FONSECA, 2008, p.189). A questão é que, nesse processo, há uma radical mudança da prática agrícola, ―que de tradicional passa à agricultura científica e ao agronegócio‖ (ELIAS, 2006, p.30). Aborda-se, portanto, a representação social de sertão entre moradores jovens e idosos que moram em Petrolina-PE e Juazeiro-BA? Antes é preciso entender diferentes representações de sertão ao longo da história. Um processo que pode ser sintetizado pelas categorias ―Atraso‖ e ―Desenvolvimento‖ (ELIAS, 2006), resultadas dos interesses de dois grupos: colonizadores e empresários. Para colonizadores, o sertão era um lugar isolado, que precisava ser desbravado. Para os empresários, que vivenciam outra realidade tecnológica, é oportunidade de expandir. O Fator de ―pobreza‖ passa a fator de ―riqueza‖, depende de quem fala. Exemplo disso é Petrolina-PE Juazeiro-BA com o maior nível de exportação de manga e uva do Brasil. (IBGE, 2003). Há, nesse contexto, uma ―nova‖ estrutura que mexe com o imaginário das pessoas que vivem nestas áreas e que podem ser investigadas, tendo em vista o contato com o empírico, que permite-nos conhecer as dicotomias. (FRANCO, 2004, p.179), Considerando os propósitos optou-se pela abordagem estrutural de Abric (2000, pp. 2737). Extraíram-se os critérios: a) A hipótese do núcleo central; b) O estudo comparativo das representações e o c) O teste de centralidade. Método Os sujeitos da pesquisa são jovens entre 18 e 25 anos (G1) e idosos a partir de 60 anos (G2), seleção fundamentada na perspectiva que experienciem os mesmos 1 1 problemas históricos concretos na condição de grupos contemporâneos e que os mais velhos possuem o ―registro psicossocial de como era‖ (PECORA e SÁ, 2008, p. 320). De forma intencional, foram recrutados 120 sujeitos, G1(N=60) e G2 (N=60). Os primeiros contatos indicavam três outros, caracterizando, assim, o uso da técnica ‗bola de neve‘ ou snowball. (HECKATHORN, 2002) Para coletar essas informações foram utilizadas as técnicas: entrevista e teste de associação livre de palavras - TALP. Para o TALP, foi solicitado aos sujeitos que fizessem associações ao termo 'sertão' e indicassem o grau de importância dos elementos evocados, ordenando-os numa escala numérica de um a cinco. Na organização de dados, além da ―categorização‖ de Bardin (2005), foram utilizados, os programas TextSTAT, EVOC e SIMI. O TextSTAT trabalha com textos dispondo a freqüência das palavras e a disposição de contexto em que estão inseridas. O EVOC organiza os dados do TALP por frequência (F) e ordem de evocações (OE), dividindo os elementos em centrais e periféricos. Por fim, o SIMI organiza o gráfico de árvore máxima. (MARTINS, TRINDADE e ALMEIDA, 2003, p. 559). Resultados Representações sociais de sertão de G2 São elementos centrais da representação social de sertão entre os sujeitos de G2: ―seca, sofrimento, resistência, agricultura, caatinga e fome‘; primeira periferia: ―carência, desenvolvimento, pobreza, cultura e irrigação‖; segunda periferia: ―solidariedade‖ e zona de contraste: ―região e política‖. (Tabela 2). Tabela 1 – Evocações do Grupo 2, março a julho de 2010, (N=60) Núcleo Central - Freq. ≥ 12 OME Palavras Freq. Seca 45 2,22 Sofrimento 27 2,70 Resistência 25 2,96 Agricultura 16 2,88 Caatinga 14 2,88 Fome 14 2,57 Zona de contraste - Freq. < 12 Palavra Freq. Região 7 2,14 Política 6 1,33 < 3,00 O.M.E. 1ª Periferia - Freq. < 12 OME ≥ 3,00 Palavras Freq. O.M.E. Carência 51 3,51 Desenvolvimento 22 3,36 Pobreza 22 3,46 Cultura 18 3,94 Irrigação 16 3,63 OME < 2,5 O.M.E. 2ª periferia - Freq. < 12 OME ≥ 3,00 Palavra Freq. O.M.E. Solidariedade 10 4,20 1 2 Pelo critério de freqüência, ―seca‖ e ―carência‖ são os elementos mais expressivos. Entretanto, pela organização do EVOC, ―seca‖ é elemento do núcleo central e ―carência‖, do sistema periférico. Pécora e Sá (2008, p. 322) afirmam que ―alguns elementos de periferia, considerando as altas frequências com que foram evocados, podem ser considerados centrais, por algum outro critério‖. Neste sentido, lança-se a hipótese que ―carência‖ possa ser um destes elementos. A análise da conexidade dos elementos evocados, sintetizada na árvore máxima apresentada na Figura 1, parece fornecer apoio a essa hipótese. Figura 1 – Árvore máxima G2 Irrigação Caatinga 9 9 Pobreza 11 11 Seca 11 Carência 10 Desenvolvimento 19 15 11 Sofrimento 6 12 13 Fome Resistência Representações sociais de sertão G1 Entre os sujeitos do G1, ―seca e caatinga‖ são possivelmente, os elementos que compõem núcleo central. ―Resistência, cultura, pobreza, desenvolvimento sofrimento‖, a primeira periferia do sistema periférico. (Tabela 3) Tabela 3 – Evocações do Grupo 1, março a julho de 2010, (N=60) Núcleo Central – Freq. ≥ 12 OME < 3,00 Palavra Freq. O.M.E Seca 79 2,54 Caatinga 21 2,81 1ª Periferia – Freq. < 12 Palavra Resistência Cultura Pobreza Desenvolvimento Sofrimento Zona de contraste – Freq. < 12 2,5 Palavra Freq. Fome 9 Região 5 OME< 2ª Periferia – Freq.< 12 O.M.E 2,89 2,20 Palavra Carência Irrigação Solidariedade Preconceito 43 29 26 19 12 11 11 6 5 Freq. Freq. OME ≥ 3,00 O.M.E. 3,33 3,17 3,04 3,32 3,17 OME ≥ 3,00 O.M.E. 3,27 3,18 3,83 3,00 1 3 o e A árvore máxima corrobora a centralidade dos elementos ―seca e caatinga‖ na representação social de sertão entre jovens, sem que haja modificações na estrutura organizacional demonstrada na Fig. 2. Figura 2 – Árvore máxima G1 Sofrimento 8 Agricultura 13 7 Caatinga Carência 9 16 Resistência Seca Desenvolvimento 16 7 Cultura 14 17 8 Fome 8 Irrigação 14 Pobreza Quanto à diferença da estrutura de representação social de sertão entre G1 e G2, vale lembrar que segundo a abordagem estrutural das representações sociais, aqui privilegiada, as representações de dois ou mais conjuntos sociais acerca de um mesmo objeto só podem ser consideradas diferentes se as composições dos respectivos núcleos centrais forem nitidamente diferentes (ABRC,2000). Se isto não se verifica, há que se concluir que se trata da mesma representação social básica, apenas diversamente ativada em função das situações específicas em que se encontram os diferentes grupos de sujeitos. Nesse sentido, os resultados da presente pesquisa evidenciam a existência de uma representação única de ―Sertão‖. Representação social de sertão: análise de conteúdo A análise de conteúdo foi dividida em essencial e circunstancial, fundamentada no princípio da rationale de Flament (citado por Sá, 1996, p. 27): que "os sujeitos tendem a destacar o essencial (núcleo central) em relação ao circunstancial (periféricos) quando respondem à pergunta.‖ que no caso foi ‗como é morar no sertão para você‘. Nessa perspectiva, foram classificados como essenciais os elementos em sentido de sertão ―atrasado‖ e em circunstancial, em sentido de ―desenvolvido‖. Verifica-se que os sujeitos, ao responder como é morar no sertão, tendem a destacar as categorias essenciais, G1 = 62,02% e G2 = 52,14%, em relação às circunstanciais, G1 = 37,98% e G2 = 47,86%.. (Tabela 4) 1 4 Tabela 4 – Como é morar no sertão para você? Entre G1 e G2 Variáveis Freq. Absoluta Total G1 G2 24 18 6 43 25 18 19 7 12 3 3 0 8 5 3 18 8 10 15 5 10 7 6 1 4 3 1 16 9 7 14 6 8 29 8 21 17 13 4 21 13 8 8 0 8 141 80 61 105 49 56 246 129 117 Categorias 1. Lugar carente 2. Seca, caatinga 3. Resistência 4. Tranqüilo Essenciais 5. Lugar isolado 6. Fome, pobreza, miséria 7. Sofrimento 8. Região do Nordeste 9. Política 1. Aqui não é sertão 2. Lá é sertão, aqui não Circunstanc 3. Aqui é bom, amo, gosto iais 4. Não é só pobreza 5. Crescimento, desenvolvimento 6. Não tinha, hoje tem Total das categorias essenciais Total das categorias circunstanciais TOTAL GERAL Podemos verificar que as transformações da região Freq. Relativa (%) Total G1 G2 9,76 13,95 5,13 17,48 19,38 15,38 7,72 5,43 10,26 1,22 2,33 0,00 3,25 3,88 2,56 7,32 6,20 8,55 6,10 3,88 8,55 2,85 4,65 0,85 1,63 2,33 0,85 6,50 6,98 5,98 5,69 4,65 6,84 11,79 6,20 17,95 6,91 10,08 3,42 8,54 10,08 6,84 3,25 0,00 6,84 57,32 62,02 52,14 42,68 37,98 47,86 100,00 100,00 100,00 não ocorrem de forma imperceptível, tendo em vista a participação das categorias circunstanciais (42,68%). Impacto que pode ser observado pelo critério de importância relativa considerando o resultado total, pois verifica-se a imbricação de categorias essencial- circunstancial, haja vista que sertão é ―Seca, caatinga‖ (17,48%), ―Aqui é bom, amo, gosto‖ (11,79%), ―Lugar desenvolvimento‖ carente‖ (9,76%), (8,54%), ―Resistência‖ (7,72%), ―Não é só pobreza‖ (6,91%), ―Aqui não é sertão‖ (6,5%).Assim sendo, é possível região impactem ―Crescimento, o que discurso as dos transformações da grupos investigados. Vale a reflexão que, segundo Abric (2000, p. 27), ― toda realidade é representada, quer dizer, reapropriada pelo indivíduo ou pelo grupo, reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente de sua história e do contexto social e ideológico que o cerca‖, em outras palavras, o fato de estarem em uma região tida como ―desenvolvida‖, para padrões de sertão, impacta o discurso do grupo (indivíduos que moram na região sertaneja Petrolina-PE Juazeiro-BA). 1 5 Conclusão Os resultados evidenciam a existência de uma representação única de sertão, que é ―seca, pobreza, miséria‖. Entretanto pode-se supor que a construção da representação social de sertão dos participantes é impactada pela realidade que vivem ―sertão desenvolvido‖ ou ―sertão não - seco, pobre, miserável‖ na perspectiva do contexto ideológico de ―desenvolvimento econômico‖, tanto na configuração estrutural da representação social de sertão quanto na prospecção de seu significado. Entende-se que é um quadro processual, uma vez que o pensamento social do ―desenvolvimento‖ ancora-se no pensamento social da ―pobreza‖. A questão é que a legitimação desse contexto é ideológico, uma vez que, o ―desenvolvimento‖ dá-se pela pobreza extrema da maioria da população, beneficia uma minoria e permanece, por séculos, com transferência de recursos que pode ser repensado, tendo em vista o nível que se coloca: é coletivo, é social e pode beneficiar a todos. Nessa perspectiva, ainda há muito que ser pesquisado. Referências Bibliográficas Abric, J-C. (2000). A abordagem estrutural das representações sociais. Em A. S. Moreira & P. Oliveira, D. C (Org.). Estudos interdisciplinares em representações sociais (pp. 27-37). 2 ed. Goiana: AB. Bardin, L. (2005) Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Elias, D. (2006). Ensaios sobre os espaços agrícolas de exclusão. 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Disponível em: < http://www.sober.org.br/palestra/6/954.pdf > Acesso em: 22.04.2010 A AFETIVIDADE NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM Carlos Augusto Serbena e Maria Fabiane de Sousa Rodrigues Professor da UFPR, contato: [email protected] e [email protected] Alguns teóricos atuais, dentre eles Vasconcellos (2002), observam que o atual paradigma de competência, reflete sobre uma aprendizagem que se processa meio de relações sociais e está vinculada por as próprias experiências de vida do sujeito adquiridas na ação do mesmo sobre o ambiente no qual se insere. Segundo este autor, a escola em sua função social, deve preparar o sujeito para sua ação sobre o mundo, observando o conhecimento de forma dinâmica e flexível e com isso contribuindo para a elaboração de sua própria aprendizagem. Portanto, pode-se afirmar que 1 7 caberia ao ambiente escolar o papel de desenvolver um aluno sujeito de suas ações enquanto alguém inserido em uma relação de confiança. Relação esta que irá propiciar o desenvolvimento de competências e habilidades cuja finalidade é de preparar este aluno/sujeito para agir conforme as exigências da contemporaneidade. Neste sentido, reflete-se que atuação do profissional da educação, deve estar contextualizada e adequada à realidade, como também respaldada no conhecimento científico, observando conjuntamente a maturidade emocional do sujeito, percebendo-o como um ser integral. Entenda-se como educação contextualizada aquela que proporcione ao sujeito construir relações a partir de sua experiência de vida. A partir desse pressuposto, é importante refletir sobre a criança que se insere contexto desenvolvimento escolar e os aspectos que podem interferir no de aprendizagem. Podem-se sua no destacarquestões associadas a fatores sociais e econômicos como a baixa renda familiar que, muitas vezes, obriga crianças a auxiliar os pais no trabalho, com o intuito de contribuir financeiramente no sustento da família. Além de questões culturais que envolvem a carência de estímulos ambientais que garantam o acesso a livros de diversos gêneros, cinema e teatro e a violência presente nos grandes centros urbanos. As dificuldades sociais tornam-se intervenientes significativos do processo de educação, pois valores e interesses estão relacionados ao cotidiano social desta gerando preocupações imediatas relacionadas criança, à saúde, 1 8 alimentação, higiene, cuidados físicos entre outras. Portanto, pensar numa educação que vise apenas o saber científico, desconectado da experiência social, ou seja, da realidade prática deste aluno, muitas vezes reforça a questão da desigualdade social vigente. Observa-se, assim, o quanto, em alguns aspectos, a escola coloca-se distante da realidade do aluno, através de conteúdos que refletem uma linguagem própria, culta, e por isso vista como um ideal a ser atingido por este aluno. A aprendizagem deve levar em conta a realidade do aluno, sua cultura, seu cotidiano, sua linguagem. Ela não tem seu início e término na instituição escolar, dá-se nas ruas, na família, com os diversos grupos com os quais este aluno tem contato antes mesmo de ingressar na escola. Ao recorrer aos estudos de Fernandez (1991), podemos definir a aprendizagem como um processo vincular, ou seja, que ocorre no vínculo entre ensinante e aprendente, portanto entre subjetividades. Para aprender, o ser humano coloca em jogo seu organismo herdado, seu corpo e sua inteligência construídos em interação e a dimensão inconsciente. A aprendizagem tem um caráter subjetivo, pois o aprender implica em desejo que deve ser reconhecido pelo aprendente, isto é, ―o desejar é o terreno onde se nutre a aprendizagem‖ (FERNANDEZ, 2001, p. 41). A sala de aula surge como o ambiente no qual a criança irá reelaborar seu conhecimento a partir de uma possibilidade de perceber e compreender conforme sua própria experiência de vida. Portanto, pode-se definir a prática pedagógica analisada no desenvolvimento deste trabalho, enquanto uma tentativa de ressignificar o prazer pelo aprender e diminuir o pesadelo do fracasso escolar. O APRENDER NO AMBIENTE ESCOLAR Pode-se afirmar que a aprendizagem é um processo no qual o conhecimento é transmitido de gerações a gerações, visto que este conhecimento é um conjunto de saberes adquiridos ao longo da história, através da interação do homem em sociedade. Paín (1985) observa que o processo de aprendizagem e educação está relacionado a quatro funções consideradas fundamentais, são elas: a continuidade da espécie humana, a socializadora, a ideológica e a transformadora. Segundo a autora, garante a 1 9 continuidade da espécie, na medida em que reproduz o conjunto de valores e regras que regem a civilização. Socializadora, visto que a partir desta o indivíduo torna-se um ser social, pois aprende a agir de acordo com as regras vigentes. Ideológica, pois colabora para a manutenção de um determinado sistema social e transformadora, visto que favorece a expressão de formas de ação que preconizam modificações nesta própria sociedade (PAIN, 1985). Neste sentido, PAÍN (1999) considera que o conhecimento é o conhecimento do outro, visto que reconhecemos este outro como alguém possuidor do saber e que, na medida em que este saber é transmitido, colabora para a conservação da espécie humana. Ao possuir capacidades inteligentes o ser humano acumula sua experiência através de gerações, modificando-as conforme as necessidades do momento e transformando-as em conhecimentos e, conseqüentemente em aprendizagens. Sendo assim, a espécie humana firma-se ao longo da história, significando-a para si e tornando-se sujeito, na medida em que passa a ocupar um espaço na mesma (PAÍN, 1999). Fernandez (1991) considera que a inteligência está submetida ao desejo e que este desejo está diretamente vinculado na relação que se estabelece dentro da aprendizagem entre alguém que ensina (ensinante) e alguém que aprende (aprendente). Portanto, não aprendemos qualquer coisa a partir de qualquer um e sim, aprendemos daquele a quem delegamos confiança como também o direito a ensinar. Para a autora, a aprendizagem perpassa por quatro níveis de elaboração, tanto para o ensinante, quanto para o aprendente, são eles: ―organismo, corpo, inteligência e desejo‖ (FERNANDEZ, 1991, p. 57). Conforme a autora, o ponto fundamental de todo o desenvolvimento da aprendizagem seria a maneira pela qual o sujeito-criança atua para chegar a determinado resultado, ou seja, os processos de pensamento (cognitivo) e seu entrelaçamento afetivos, que resultam aprendizagem com aspectos naassimilação- acomodação de ou conhecimento. determinada A aprendizagem, portanto, passa a ter um significado para o sujeito que aprende, visto que passa a ser uma aprendizagem desejante. Diante disso, torna-se possível afirmar que a aprendizagem necessariamente perpassa um organismo-corpo-desejo. Ou seja, não basta apenas aprender por aprender, 2 0 mas ter maturação neurológica para tanto e ter um corpo desejante1 deste aprender, que lhe deve ter significado. Assim, FERNANDEZ afirma que ―existe um sinal inconfundível para diferenciar a ortopedia da aprendizagem: o prazer do aluno quando consegue uma resposta‖ (1991, p. 59). Portanto, se aprende de um alguém a quem delegamos confiança e o direito de ensinar, o espaço educativo deve, portanto, ser um espaço de confiança e liberdade. Reflete-se que esta aprendizagem ocorre dentro de um contexto histórico e social que possui um significado tanto para quem ensina quanto para quem aprende. Estes significados, que são singulares a cada sujeito inserido no processo de aprendizagem, constituem o caráter subjetivo da aprendizagem. Esta subjetividade mostra-se no vínculo professor-aluno e aluno-aprendizagem, numa relação dinâmica, inserida em determinado contexto social. Para aprender é preciso haver motivação e para tanto é preciso haver o desejo de aprender, pois esta aprendizagem deve estar vinculada à realidade de quem se insere neste processo. Isto constitui uma aprendizagem significativa. A partir deste aspecto, reflete-se sobre a interação entre professor e aluno e o desenvolvimento da aprendizagem escolar. Podemos, então, definir espaço escolar não apenas o local no qual está presente o saber científico, mas como o local formador e construtor de identidades, oriundas de saberes baseados em experiências próprias da vida cotidiana, de maneira a contribuir positivamente na sociedade, percebendo o aluno como um ser integral. A APRENDIZAGEM ESCOLAR, AFETIVIDADE E A RELAÇÃO PROFESSOR- ALUNO Ressalta-se os estudos de Vasconcellos (2002) pedagogo brasileiro, o qual estabelece uma ligação entre os aspectos abordados nas concepções teóricas de Vygotsky e Piaget, salientando os fatores emocionais e sua relação com a prática docente em sala de aula. O autor afirma que o conhecimento deve quatro critérios, são eles: estar baseado em ―significativo (que corresponda à realidade do aluno); crítico (que ajude a explicar o que se vive); 1 Fernandez refere-se ao ―o organismo, transversalizado pela inteligência e o desejo, o qual irá se mostrando em um corpo, e é deste modo que intervém na aprendizagem‖ (1991, p. 62). 2 1 criativo (que seja ferramenta de transformação) e duradouro (algo que se incorpora no sujeito como visão de mundo)‖ (VASCONCELLOS, 2002, p. 41). É possível afirmar que o professor torna-se o elo entre o sujeito que aprende e o objeto de conhecimento, visto que realiza a mediação da aprendizagem e com isso, a construção do conhecimento. Assim sendo, o ―ensino se define como um processo duplo: acumulação de conhecimentos e domínio de modos de operar com eles‖ (VASCONCELLOS, 2002). Portanto, a afetividade gera a mobilização interna do sujeito e, com isso, dramas da vida cotidiana do aluno voltam-se e são vivenciados na sala de aula, gerando novas possibilidades de interação. Neste ponto, Vasconcellos salienta que ―o sujeito só aprende dentro de um vínculo afetivo. O desenvolvimento é inaugurado pela afetividade e não pela inteligência; de forma análoga, a metodologia dialética2 começa pela mobilização‖ (2002, p. 60). Contudo, para aprender o sujeito precisa sentir necessidade de algo, mesmo que esta necessidade não esteja presente de forma consciente. O autor reflete que a aprendizagem significativa está diretamente vinculada à carga afetiva envolvida no processo de conhecimento. Com isso, Vasconcellos (2002), observa que conhecer a realidade dos alunos e assim, o objeto de conhecimento é ponto fundamental para dar início a uma aprendizagem significativa. Somente desta forma pode-se mobilizar e atuar a partir de um conhecimento real e repleto de significados para este aluno, conduzindo este à apropriação de sua aprendizagem. Segundo Coll (1995), é importante observar que a realidade do aluno está relacionada e é também produto de um contexto social e interpessoal. Esta atividade construtiva faz-se num contexto sócio-interativo e, por assim ocorrer, interfere no resultado da aprendizagem. Desta maneira, a atividade construtiva frente aos conteúdos escolares, está imersa em uma rede social de atividades coletivas que supera o individual. O papel do professor está na estimulação e promoção desta atividade construtiva. Portanto, esta atividade torna-se um dos elementos que definem o processo de exteriorização do sujeito, já descrito nos estudos de Vygotsky. 2 Vasconcellos caracteriza o método como a construção do conhecimento a partir do movimento do pensamento que vai do abstrato (enquanto ainda é indeterminado e suas 2 2 Neste sentido, os processos psicológicos superiores3 (ou função psicológica superior) instalam-se a partir de um processo que ocorre em duas etapas. Num primeiro momento a nível externo (atuação do sujeito sobre o meio) e, posteriormente, a nível interno, com a capacidade de simbolizar. E, ―se esta última ocorre juntamente com o conjunto de desenvolvimento cultural da criança, também se aplica aos conteúdos escolares‖ (COLL, 1996, p. 289). Assim, podemos afirmar que o desenvolvimento cultural da criança tem origem social. O processo de educação escolar promove o desenvolvimento, conduzindo através da zona de desenvolvimento a criança proximal, convertendo-o em desenvolvimento real. A partir daí, ocorre a reconstrução. Pode-se fazer uma reflexão sobre a estrutura da comunicação que ocorre no ambiente escolar e, mais especificamente na sala de aula, no qual o professor fala a maior parte do tempo. Geralmente parte-se de uma pergunta da qual já conhece a resposta, o aluno a responde e o professor avalia. Nesta atuação, professor e aluno desempenham um papel no qual a comunicação ocorre tecnicamente e a interação está estabelecida em bases formais. Portanto, ao vir para a situação de sala de aula e aprendizagem escolar, professor e alunos trazem experiências aprendidas anteriormente. Coll (1996) reflete sobre os aspectos os quais denomina ―marcos‖. O autor destaca os ―marcos pessoais de referência‖, onde ocorre a primeira aproximação com a atividade momento, ressalta os acadêmica. Num segundo ―marcos interpessoais de referência‖ que é construído na ação conjunta entre professor e aluno. Eles determinam a forma como se dará este processo. Inserido nestes, há os ―marcos materiais de referência‖. Aqui está a forma como serão utilizados os instrumentos na atividade conjunta de aprendizagem escolar. Tal aspecto constitui a zona de desenvolvimento potencial, ponto fundamental da teoria sóciointeracionista. Partindo desse pressuposto, no qual o ensino é visto como um processo de construção de significados compartilhados, o papel de mediador desta aprendizagem não ficaria restrito apenas ao professor, existiria, portanto, uma relações não são aprendidas) ao pensamento concreto, aquela do qual já se estabelecem relações (2002, p. 58). 3 Vygotsky define a função psicológica superior, como a função inerente ao ser humano e que assim o constitui enquanto animal de sua espécie, pois é constituída pelo pensamento abstrato, raciocino lógico, memória e atenção (VYGOTSKY, 1991). 2 3 influência educativa dos próprios colegas da sala de aula (COLL, PALLACIOS e MARCHESI, 1996, p. 299). Portanto, a nível escolar, é possível afirmar que alunos que trabalham em colaboração, tendem a aprender uns com os outros. Nesta interação, estratégias são incorporadas e avanços realizados, tanto pelo aluno como pelo professor e a aprendizagem ocorre de forma conjunta. Podemos descrever o processo de aprendizagem como uma construção singular e coletiva que o sujeito realiza a partir de seu saber e assim vai transformando as informações em conhecimento, deixando sua marca como autor sentimentos de realização que acompanham sua e vivenciando aprendizagem. Neste sentido, a sala de aula é um dos locais onde ocorre a construção do conhecimento. Neste ambiente o aluno pode vivenciar a aprendizagem de uma maneira singular, potencializada quando ocorre a partir de sua realidade, de forma colaborativa tornando-se significativa para o aprendente e mobilizando o corpo e o seu desejo de aprender. Assim, pode-se também resgatar o prazer de aprender e ultrapassar os aspectos ideológicos e reprodutores do sistema escolar tornando a aprendizagem significativa um elemento importante do processo constitutivo do indivíduo como um ser singular e único. Deve-se ressaltar que a aprendizagem ocorre permeada de experiências anteriores refletem na interação entre colegas e professores. que Sendo se assim, observa-se que a aprendizagem não ocorre de forma linear, mas de modo dinâmico numa constante troca entre ambiente, sujeito e a coletividade na qual ele se insere e participa, isto é, o meio socio- cultural. 2 4 REFERÊNCIAS BEGER, L. Peter e LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976. BUENO, José G. S. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo, SP: Educ, 1993. COLL, C.; PALÁCIOS, J. & MARCHESI, A. (orgs.)...[et al]. educação: necessidades Desenvolvimento psicológico e educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. . Desenvolvimento psicológico e educação - 2: psicologia da educação escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. FERNANDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. 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O mundo da razão foi valorizado e colocado como verdadeiro e o mundo do irracional colocado como fábula, fantasia ou mito. É retirada do mito a validade de verdade, sendo portador de uma fábula. Porém, ocorre uma crise no pensamento por volta do final do século XIX e início do século XX, a Razão e a Ciência, em seus fundamentos entram em crise. Husserl (1900/2006) , por exemplo, tenta superar esta crise com a fenomenologia; novos campos de estudos se abrem. A antropologia se constitui como ciência e os relatos de estudos das civilizações ―primitivas‖ trazem uma nova luz ao problema dos mitos e da religião. Desenvolve-se a disciplina de estudo das religiões. Os primeiros estudos de James Frazer e Emile Durkheim mostram a importância dos mitos e da religião levando a uma nova compreensão do papel do mito e das religiões na existência humana e na sociedade. Valorizouse, sobretudo a experiência religiosa para definir o papel do mito e do sagrado. Malinowski mostra que a ―consciência mítica‖, embora rejeitada pelo pensar moderno está presente e atuante nas civilizações ditas primitivas: ―O mito, quando estudado ao vivo, não é uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, faz uma narrativa que faz reviver uma realidade que satisfaz a profundas necessidades primeva, religiosas, aspirações morais, a pressões e a imperativos de ordem social e mesmo exigências práticas [...] O mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe de ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva à qual se recorre incessantemente; não é, absolutamente, uma teoria abstrata ou uma 2 6 fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática‖ ( em Brandão, 1989, p. 41). Pode-se colocar que a experiência mítica absorve uma realidade que se apresenta como uma totalidade cósmica viva, a vida individual está sempre vinculada a esta totalidade. O mito surge de uma experiência direta de apreensão da realidade, possui um caráter emocional e funda a realidade. O mito funda a realidade no sentido que confere significados, nomes e funções às diversas percepções da realidade. Ele representa a primeira atitude da consciência diante do mundo e é um componente indissociável da experiência humana. O primeiro encontro com a realidade, é direto, emocional, o homem não se separa ou se distancia da realidade, ele se confunde com o mundo, faz parte dele e de sua totalidade este é do mito. O mundo da técnica, do o mundo saber instrumentalizado e da ciência se constitui em um segundo momento, através de um distanciamento ou de uma separação da realidade, após o contato mítico. O homem é assim, naturalmente, um criador de mitos, pois possui uma apreensão da realidade anterior à qualquer determinação consciente ou histórica. A consciência humana possui uma ―estrutura mítica‖ que independe das outra atividades, por que é anterior a elas e as possibilita fundando sua existência na consciência. Esta estrutura mítica corresponde a um núcleo basal de verdade do mundo e de seus entes, possui um caráter ontológico, pois impõe-se por si mesmo ou se revela à consciência. Sua verdade possui uma apreciação emocional e sentimental e não um caráter especulativo racional e conceitual. Desta forma o mito é uma estrutura fundamental da consciência humana e não apenas uma etapa que se passou. Entretanto, de forma contraditória ao exposto, entre o mito e a ciência parece haver uma oposição radical, pois o espírito humano se desenvolveu graças a uma libertação do sonho dogmático do mito. Neste processo e reduziu-o a um canto e afirmou uma nova autoridade que ―fundamenta-se na universalidade abstrata do formulário matemático e da experimentação objetiva‖(Gusdorf, 1980, p. 274). Este processo aparece claramente na constituição da psicologia como ciência. Pois ela aparece se desmembrando da filosofia e da metafísica, afirmando 2 7 sua autonomia em relação a estes campos. O homem e a sua subjetividade se colocam como objetos de estudo, um objeto da natureza como outro qualquer. A idéia de alma, de espírito, de mente é eliminada como um resíduo metafísico e que atrasa o avanço do conhecimento científico sobre o homem. Deste modo, S. Freud na constituição da psicanálise insiste em dizer que ela é uma ciência e se afasta da filosofia. Da mesma forma, J. Watson desenvolve uma ciência do comportamento humano incluindo apenas o que é observável. em ambos há uma insistência em colocar a psicologia como uma ciência positiva e não uma especulação metafísica gerando um avanço no entendimento do homem aproximando-a do modelo das ciências naturais. Seu objetivo é de previsão e controle e, deste modo, a psicologia como prática social ultrapassa o campo científico e recebe "seu estatuto, seus objetivos, sua razão de ser, não mais dos interesses internos ao domínio psicológico, mas das necessidades que tem a sociedade de fazer apelo aos métodos e técnicas psicológicas para resolver, pelo menos em parte, alguns de seus conflitos e contradições" (Japiassu, 1982, 156). Isto fica claro quando Foucault (1972) analisa a emergência das ciências humanas como técnicas ou dispositivos de controle do poder. Neste caso, a constituição da psicologia como ciência ocorre simultaneamente à sua operação como engenharia social e recebe da sociedade a sua sanção principalmente em seus aspectos científicos. A psicologia também possui um papel fundamental no entendimento do homem sobre si mesmo, inclusive vêem a ocupar um espaço social que era da religião, por exemplo, a psicoterapia é uma herdeira da prática da confissão religiosa (Jung, 1985). O desenvolvimento da razão, da técnica e da ciência com suas conquistas práticas e explicações lógicas levou a colocar nela uma profissão de fé, ―A Ciência transformou-se assim em um verdadeiro tipo, numa verdade modelosobretudo para aqueles que não conhecem nada sobre as modalidades difíceis do pensamento científico. Desta forma, constitui-se um mito do determinismo universal e da inteligibilidade universal [...] a 2 8 afirmação da validade do determinismo para todos os domínios da realidade repousa sobre um ato de fé puro e simples. (Gusdorf, 1980, pg 276). O princípio norteador da ciência é a Razão, a ciência nasce dentro de um projeto de compreensão e domínio do mundo pela razão. A razão sempre foi considerada metafísica tradicional e pela filosofia como a autoridade suprema. unidade racional é uma exigência em pela A qualquer sistema de pensamento. A noção de razão sempre corresponde a uma norma de verdade, acessível a todo homem. Ela institui uma norma a ser seguida que permite um consenso e regras a serem seguidas que permitem a instauração da verdade. A razão é um ideal muito referenciado, porém difícil de ser definido. ―Em lógica estrita, ela se reduz a alguns princípios rígidos de disciplina formal, os princípios diretores que gravitam em torno do princípio de identidade‖ (Gusdorf, 1980, pg.281). Uma aproximação ontológica da razão que é impossível desenvolver qualquer conhecimento sem alguns pressupostos. Todo conhecimento tem um espaço que é préintelegível onde ele se instaura e este espaço corresponde a própria estrutura do ser humano. Estes aspectos são negligenciados ou ignorados quando se considera a psicologia como ciência positiva. o elemento indeterminado, subjetivo, pré-lógico é ignorado em função de um determinado modelo da realidade que possui também pressupostos metafísicos. Isto é extremamente complicado para o entendimento do ser humano, pois ele acaba por moldar a sua própria realidade. Em outros termos, o fato de considerar apenas os aspectos quantificáveis, deterministas e reprodutíveis do ser humano acaba por ignorar aspectos subjetivos, qualitativos e particulares do homem. assim ele se conforma a imagem moldada por ele próprio. Elementos do discurso mítico na psicologia aparecem nas várias abordagens teóricas na Psicologia. Na psicanálise, S. Freud utiliza-se freqüentemente de imagens e figuras da mitologia intercalado com um discurso lógico, ―Sua linguagem racional é intercalada de imagens míticas: Édipo e Narciso, horda primitiva e cena primária, o censor, a criança polimorfa perversa e 2 9 aquela grandiosa visão de Tanatos, digna dos pré-socráticos. A linguagem de Freud se inspira nos discursos míticos; seria errado considerar seus mitos como descobertas empíricas demonstráveis por meio de estudos de caso. São visões, como as de Platão; a única coisa que falta é Diotima. (Hillman,1984, p. 143). Também a psicologia construída sobre a visão de homem do marxismo apresenta elementos do discurso religioso apesar da crítica marxista a religião, pois o próprio pensamento marxista possui um discurso com similaridades ao pensamento religioso. Estas similaridades, especialmente na noção milenarista de fatalidade histórica de um paraíso terrestre na forma de uma sociedade sem classes e da plena realização humana (Amador, 1991; Delumeau, 1997). Entretanto, este fato não retira a força do pensamento marxista como paradigma teórico de analise e pesquisa da relação entre o indivíduo e o social - a crise e a crítica é do marxismo como religião (Paramo, 1989). Aliás, esse milenarismo, esse impulso de recriar o homem e refundar a cultura e a sociedade pelo pensamento psicológico está presente, de uma maneira explicita ou velada, em quase todos os principais fundadores de abordagens teóricas na Psicologia. No campo do behaviorismo temos as obras de Skinner: O mito da liberdade e Walden Two. Pela Psicanálise, a crítica de Freud a religião e a sociedade em ―O futuro de uma ilusão‖ e ―O mal-estar na civilização‖. Na Psicologia Analítica, também a crítica a cultura de C. G. Jung e a proposta de mudanças a partir do Self e da individuação. De forma mais explicita, pregando uma nova moral Willian Reich e a bionergética; também o psicodrama de J. Moreno, antes de ser uma terapêutica do indivíduo é uma terapia da sociedade. Há ainda o caso explicito de F. Perls da Gestalt-terapai que funda uma comunidade alternativa para re-cosntruir a sociedade, bem no espírito da revolta das décadas de 1960 e 1970. Deste modo, há na teoria psicológica uma visão de homem que carrega consigo valores, normas e entendimento do mundo de caráter metafísico - pressupostos não acessíveis a razão, um espaço antes e depois da razão. 3 0 Ora, o espaço pré-lógico é justamente o mundo do mito. A razão se inicia a partir de um mito. Ele pode fundar o mundo racional, dar-lhe os significados, propósitos e modos de operação. Como coloca Gusdorf: ―Ele (o mito) intervém cada vez que estão em jogo os fundamentos primeiros e últimos da razão. Ele é o único horizonte possível para o uso total do conhecimento. O mito designa necessariamente os limites da razão, abrindo para ela um possível uso escatológico. Em suma, é a consciência mítica que permite a correta colocação da razão na existência, que insere a razão na totalidade, - visto que, deixada e entregue a si mesma, ela ficaria como que suspensa no abstrato, sem contato com o mundo real‖. Atualmente ocorre uma crise da razão, isto pode ser interpretado como uma crise da própria vivência do mito da Razão. Mito que coloca a Razão como único critério de verdade e capaz de resolver os problemas de existência humana e dar uma resposta última para tudo. Neste ponto deve-se salientar que quanto maior é a confusão e a crise de significados, tanto maior é a necessidade de mitos. Ora o receptáculo dos mitos costuma religião e a literatura de ―espírito‖ ou clássica. ser a Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a absorção do tempo livre pela mídia e o interesse pelo presente, termina-se por relegar a segundo plano toda literatura que possui um caráter atemporal, que faz referência a uma outra realidade e toda reflexão sobre a realidade atual. Deste modo, não há um reconhecimento do plano ou discurso mítico que acaba por contaminar o cotidiano, e por conseqüência, o mito na sociedade moderna parece assumir cada vez mais um caráter político e social, explicitando especialmente na mídia. Sobre isto, Gusdorf cita Karl Marx: ―Pensava-se até recentemente que a formação dos mitos cristãos sob o Império Romano não teria sido possível senão porque a imprensa ainda não tinha sido inventada. É justamente o contrário. A imprensa cotidiana e o telégrafo, que difundem suas invenções em um piscar de olhos em todo o universo, fabricam num dia mais mitos (e o rebanho de burgueses os aceita e divulga), do que antigamente num século‖. 3 1 Na América Latina, o papel e a concentração da mídia atuam como elemento ideológico e fundamental para manutenção da sociedade desigual na América Latina (Guareschi, 2000) apesar da luta política pela emancipação e cidadania da população dos seus países. A naturalização de aspectos da subjetividade humanos e uma e comportamento pretensa neutralidade e objetividade do conhecimento científico sobre o sujeito também apresentam aspectos ideológicos e de manutenção de uma realidade social adversa. A constituição de uma ciência corresponde também a constituição de seu objeto, método, e critérios de verdade e de valor. Isto também é válido para as ciências humanas, ou seja, de critérios e paradigmas a respeito do humano e de suas produções. Neste momento, torna-se evidente a inter-relação entre a ciência, a moral, a ideologia e a metafísica. Negar isto é desconsiderar uma problemática fundamental do conhecimento cientifico, e resvalar para o mito do cientificismo - a ciência como verdade única. Isto é problemático no caso da Psicologia, que ao de definir como ciência dentro de modelos mecanicistas, materialistas ou biológicos, nega o componente subjetivo e imaterial do seu objeto e suas próprias limitações. Ela passa a responder a demandas que não do seu próprio campo e acaba por absorver as funções que ultrapassam o seu campo, especialmente dar sentido e critérios de valor ao ser humano e á sua subjetividade, naturalizando elementos fundamentalmente sociais e imateriais, isto é, do discurso mítico.. A questão fundamental é esclarecer os limites da ciência e estabelecer modelos que permitam explicitar e trabalhar estas funções. Isto é particularmente importante na América Latina, onde historicamente o conhecimento científico tem atuado justificativa e manutenção de uma sociedade desigual e opressora. 3 2 Referências Bibliograficas Campbell, Joseph (1990). O Poder do mito; São Paulo, Palas Atena. Crippa, Adolpho (1975). Mito e cultura; São Paulo, Convívio. Delumaeu, J. (1997). Mil anos de felicidade: uma história do paraíso. São Paulo: Terramar.. Elíade, Mircea (s.d.). O Sagrado e o profano: a essência das religiões; Portugual. Foucault, Michel. (1972) A arqueologia do saber. Petropolis: Vozes: Lisboa: Centro do Livro Brasileiro. Guareschi, Pedrinho A. (org.) (2000). Os Construtores da Informação - Meios de Comunicação, Ideologia e Ética. Petrópolis: Vozes. Gusdorf, Georges (1979). Mito e metafísica. São Paulo, Convívio. Hillman, J. (1984). O Mito da análise: trêsensaios de psicologia arquetípica. São Paulo: Paz e Terra. Husserl, Edmund. Meditações Cartesianas. Conferências de Paris.. Edição – Phainomenon Clássicos de Fenomenologia. Lisboa: Centro de Filosofia Universitas Olisiponensis, 2006. Originalmente publicado em 1900. Japiassu, H. (1982). Introdução a epistemologia da psicologia. Rio de Janeiro: Imago. Jung, C. G. (1985). Prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes. Paramio, Ludolfo. (1989). Após o dilúvio: Introdução ao pós-marxismo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, (16), 123-152. Recuperado em 29 de mar o de 2012, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010264451989000100006&lng=pt&tlng=pt. http://dx.doi.org/10.1590/S010264451989000100006 Serbena, Carlos Augusto, & Raffaelli, Rafael. (2003). Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, 8(1), 31-37. Recuperado em 28 de mar o de 2012, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141373722003000100005&lng=pt&tlng=pt. http://dx.doi.org/10.1590/S141373722003000100005. A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA E SEUS MODELOS EPISTÊMICOS 3 Cesar Rey Xavier 3 [email protected] O texto a seguir faz alusão ao quinto capítulo de obra recém-publicada sob o título A psicologia e o problema mente-corpo (2012), cuja temática visa discutir a íntima relação de dependência entre a psicologia e a filosofia da mente, oferecendo também um caminho hipotético para esta relação. O capítulo em questão percorre os diferentes modelos epistêmicos que se prestaram ao objeto psicológico desde o seu nascimento como ciência autônoma. O presente texto destaca, portanto, esta temática, aprofundando seus fundamentos e apresentando novas perspectivas de análise. Quando pensamos acerca de uma ciência, a primeira ideia que se evidencia na mente do pesquisador é a de seu objeto de estudo, isto é, aquilo que esta dada ciência coloca sob seu olhar atento e rigoroso. Pergunta-se ele então: o que esta ciência quer estudar exatamente? A obviedade deste fato, contudo, pode ludibriar o observador mais desatento, caso ele deixe de perceber que quando qualquer observador lança seu olhar sobre um dado objeto de estudo, ele também o ―veste‖ com certa roupagem epistemológica carregada de valores, ideologias e expectativas. A esta roupagem chamaremos aqui de ―modelo epistêmico‖. Portanto, dependendo do modelo empregado para revestir determinado objeto, obtemos ao final um objeto impregnado com os valores epistêmicos oriundos deste modelo. No caso de uma ciência para a qual se possa delinear cerca de dez modelos epistêmicos, por exemplo, seria o mesmo que afirmar que esta ciência conta com dez identidades diferentes, desde que cada um destes modelos estaria ―vestindo‖ o objeto daquela ciência com uma roupagem epistemológica diferente. Tal situação é particularmente expressiva na ciência psicológica, na qual percebemos, além da concorrência de diferentes ―paradigmas‖ (de acordo com a conceituação de Thomas S. Kuhn), o concurso de diferentes modelos que conferem diferentes identidades ao objeto. 3 4 Dependendo da interpretação, contudo, o conceito de paradigma não chega comprometer a identidade do objeto, pois abrange esferas mais amplas diferentes comunidades científicas. Assim, vemos a das médicos seguirem orientações paradigmáticas diferentes em seus ofícios, mas todos comungam do mesmo objeto. Físicos e biólogos também podem se respaldar por paradigmas bem contrastantes, mas todos concordam em batizar seus objetos, respectivamente, de ―matéria‖ e ―vida‖. Nestes casos, pensando em termos de diferentes paradigmas, não há um conflito sobre o que estão a estudar, ou seja, não há discussão sobre a terminologia que batiza os objetos de estudo destas ciências. Seguem orientações diferentes no que concerne às suas teorias, mas não discordam que estejam a trabalhar com o mesmo objeto. O mesmo não se pode dizer da psicologia – aqui, estamos diante de uma ciência que possui várias identidades para seu objeto de estudo, vários nomes, várias filiações. Na obra supracitada, o conceito de modelo é descrito da seguinte forma: um conjunto de noções básicas que interferem decisivamente no critério de seleção para um objeto de estudo, no caso, o objeto psicológico, noções estas que antecedem e preparam o caminho para uma definição mais coesa dentro da ciência em questão, algo bastante próximo da noção kuhniana de ―paradigma‖, apenas com um sentido mais específico, referindo-se à forma de seleção (ou abordagem) do objeto de estudo. Um modelo, segundo o que estamos querendo salientar, ―fala‖ indiretamente do modo de observação que se lança sobre o objeto de estudo. Assim como se diz que boa parte de uma resposta já se pode encontrar na própria pergunta, também se pode dizer que boa parte do que se irá apreender de um dado objeto já se encontra nas expectativas do observador. Isto pode parecer óbvio, a priori, mas geralmente suas conseqüências são pouco refletidas, a posteriori. (XAVIER, 2012, p. 169-170). Deste modo, um modelo epistêmico nos conduz à identidade que uma dada teoria (dentre outras) atribui ao objeto de sua ciência. Se uma ciência, como é o caso da psicologia, possui diferentes teorias em seu corpus que resolvem empregar diferentes modelos (identidades), será o caso de concluir que esta ciência considera a possibilidade de diferentes ―nomes‖ para seu objeto de estudo, algo que compromete sobremaneira a sua coesão interna e consequentemente o seu estatuto de ciência. Convém refletir sobre as palavras de Figueiredo & Santi: 3 5 Ainda hoje, após mais de cem anos de esforços para se criar uma psicologia científica, os estudos psicológicos mantêm relações estreitas com muitas ciências biológicas e com muitas ciências sociais. Isto parece ser bom e, na verdade, indispensável! Mas várias vezes é mais fácil, por exemplo, um psicólogo experimentalista que trabalha em laboratórios com animais, tais como o rato e o pombo, entender-se com um biólogo do que com um psicólogo social que estuda o homem em sociedade. Este, por sua vez, poderá ter diálogo mais fácil com antropólogos e lingüistas do que com muitos psicólogos que foram seus colegas na faculdade e que hoje se dedicam à clínica psicoterápica. E, quando o psicólogo se põe a estudar temas como pensamento e solução de problemas, ele inevitavelmente se aproxima da filosofia e, em particular, da teoria do conhecimento (FIGUEIREDO & SANTI, 2004, p. 15). Podemos enxergar nisso aspectos positivos e negativos. A psicologia é, de fato, uma ciência sui generis, exatamente por compreender certas ambiguidades que poderíamos considerar ―criativas‖, intrínsecas à abrangência e plasticidade de seu objeto de estudo. Mas esta sua riqueza, por outro lado, fragiliza a necessária coesão epistemológica em torno de seu objeto de estudo, algo que se esperaria de qualquer ciência. O campo de possibilidades investigativas da psicologia é imenso, mas o alcance de seus passos ainda é limitado por uma indefinição de um modelo epistemológico que acompanhe esta amplitude. Os modelos empregados para ―vestir‖ o corpus psicológico nunca fizeram jus à complexidade e abrangência de seu objeto. Serviram a um propósito de época e a diferentes estados de maturação na diacronia da ciência psicológica. Na esteira deste processo, a psicologia principiou sua jornada de emancipação tomando de empréstimo o modelo da Física e, adjacentes a ele, os adjetivos de ―materialista‖ e ―mecanicista‖, conforme nos esclarece o trecho a seguir: É interessante notar que a psicologia nunca desfrutou de um modelo legítimo, um modelo que dissesse respeito especificamente à natureza e à ontologia de seu objeto de estudo. Desde o seu nascimento como ciência autônoma, ao cabo do século XIX, a psicologia precisou respaldar-se nos conceitos e nos métodos próprios da física, o que era notório através de expressões que se referiam à mente como sendo composta de ―elementos‖, ou sendo chamada de ―aparelho‖, esta última bastante empregada por Freud. 3 As ―idéias simples‖ dos empiristas eram encaradas mesmo como 6 ―átomos mentais‖, num modelo de mente cuja complexidade era ―construída‖ a partir dos conteúdos mais simples, tal como as engrenagens de um maquinário, marcas que em muito lembravam a vestimenta epistemológica do mecanicismo deixado como legado desde o século XVII (XAVIER, 2012, p. 170) A historiografia da psicologia, contada por outros pensadores e epistemólogos da psicologia, como Antonio Gomes Penna, também partilha do enfoque por modelos, embora dê luz a outros aspectos para os quais não haverá espaço hábil para esmiuçar aqui. Mas convém citar alguns trechos deste grande pensador brasileiro que se revelam especialmente oportunos à nossa análise, oriundos da obra História das ideias psicológicas, publicada nos anos 80. Ele menciona, por exemplo, o modelo psicopatológicopsiquiátrico destacado por Michel Foucault (1968) na obra ―Doença mental e psicologia‖. Em seguida, o pensador brasileiro lembra-nos de outros critérios que foram sendo agregados à diacronia da psicologia, tomados de empréstimo e gradativamente incorporados ao seu estatuto epistemológico. Afirma ele: Outros critérios, não obstante se poderão explorar. Epistemologicamente, por exemplo, a relevância da influência do positivismo pode ser sublinhada. A ideia de uma psicologia capaz de se fundamentar no modelo da física logo se revela. A preocupação com a medida procede dessa linha de pensamento. Se o rigor no campo das ciências naturais se alcança pela quantificação, também nos estudos psicológicos ele poderá ter o mesmo significado. Nesse sentido, os estudos de Weber e Fechner marcam um momento importante no processo histórico de implantação da psicologia como ciência. Também as pesquisas na área da fisiologia e, especialmente, no domínio da neurofisiologia propõem-se como relevantes. [...] No que se refere à influência do positivismo, ela se revela em primeiro lugar pela afirmação de que as regularidades observadas no plano da conduta obedecem às mesmas condições causais que dominam as regularidades físicas. Nesse caso, os mesmos métodos válidos nos domínios da física se deverão impor no domínio da psicologia. Serão possíveis, portanto, os recursos de previsão e de controle relativamente aos diversos padrões de comportamento. Em segundo lugar, revela-se importante a questão da publicidade dos fatos investigados. Tal condição não será atendida por uma psicologia da consciência, mas apenas por uma psicologia do comportamento. E esta surge precisamente em função desse contexto epistemológico. (PENNA, 1981, p. 133). Na medida em que estes modelos de cunho fisicalista e positivista se revelavam limitados para abranger a complexidade do objeto psicológico, novas perspectivas despontavam sob epistemológicos. Conforme salienta Penna: a roupagem de novos modelos3 7 É claro que a perspectiva derivada do positivismo foi logo contestada e a negação do modelo físico produziu-se no mesmo momento e que foi adotado. Para os que rejeitam esse modelo, a psicologia teria que se construir em função de conceitos e de métodos diversos. (PENNA, 1981, p. 134). De fato, não tardou para que a história da psicologia assistisse a emergência do modelo respaldado na Química, calcado no pensamento do eminente filósofo John Stuart Mill, com a célebre metáfora das moléculas de água e do ácido sulfúrico. Tal modelo já representava um salto se comparado ao modelo da Física, no sentido de ser um apelo à concepção de uma mente mais ―ativa‖ em todo o processo de construção das faculdades psíquicas. Assim, comparava-se o poder de síntese da mente ao da própria natureza quando as substâncias reagem umas às outras. Dois exemplos se destacam neste ínterim: a molécula de água e a do ácido sulfúrico. No primeiro caso, as propriedades do hidrogênio e do oxigênio, antes da reação, são gasosas, mas quando se transformam em água passam a exibir propriedades líquidas. No segundo, temos o oxigênio e o enxofre que, em separado, também exibem propriedades diferentes das do ácido que eles compõem depois da reação. Se a natureza apresentava este poder de síntese gerando novas propriedades a partir de elementos separados, então a mente, segundo este novo modelo, também seria capaz de produzir novas conjunturas a partir de sensações mais elementares, passando a exibir novas propriedades (XAVIER, 2012). O próprio Wilhelm Wundt, que tinha sobre os ombros a auspiciosa missão de emancipar o campo psicológico, já mesclava aspectos deste modelo em obra, muito embora tivesse sido frequentemente sua tachado de mecanicista. Seu conceito de ―síntese criativa‖, conhecido também por ―síntese aperceptiva‖ ou ainda ―princípio de síntese criadora‖ continha muito da metáfora do filósofo conhecida por ―química mental‖. (XAVIER, 2012). Mas a história da psicologia ainda assistiria a entrada em cena de novos modelos, calcados em outras áreas do conhecimento. O incremento nas pesquisas em genética e neurociência não demoraria a contagiar as mentes de muitos pesquisadores, novas promessas de esclarecimento com sobre célebres questões que desde sempre acompanharam a emancipação da 3 8 psicologia como ciência, tais como o tratamento das psicopatologias e o enigma filosófico conhecido como ―problema mente-corpo‖. ―Genes‖ e ―cérebro‖ podem ser situados, para os fins de nossa análise, num modelo calcado na Biologia. Paralelamente ao incremento destas áreas de pesquisa, a segunda metade do século XX também testemunhou a ascensão de um modelo epistemológico bastante nomear por promissor, que podemos ―modelo computacional‖. Neste, a mente volta a ser comparada às máquinas, mas em uma escala obviamente muito superior à do mecanicismo do século XVII. A psicologia vê nascer o campo cognitivista em seu escopo de escolas, e todos parecem entusiasmados com a nova metáfora que compara o cérebro ao hardware dos computadores, e a mente ao conjunto de softwares que rodam neste hardware. (XAVIER, 2012). Não é difícil, contudo, refletir sobre a seguinte questão: quando uma ciência toma de empréstimo os modelos oriundos de outras áreas do conhecimento para revestirse deles, haverá sempre a iminência de um ―desconforto‖ em seus trâmites de pesquisa. Na metáfora que estamos aqui empregando, seria como tomar de empréstimo a roupa de algum amigo para ir a uma festa – por mais que as dimensões corporais de ambos fossem parecidas, aquela roupa não lhe pertenceria, e em algum momento deveria ser devolvida. Assim, modelos oriundos de campos diversos não são... de todo inapropriados para uma ciência incipiente como a psicologia. Em certo sentido, eles foram indispensáveis aos primeiros passos de um campo de pesquisas que se arriscava a investigar o inefável objeto psicológico. Muitas das analogias com máquinas, softwares, campos de força e com reações químicas foram necessárias para que se pudesse falar do objeto psicológico de um modo que parecesse minimamente entendível. Mas quando uma ciência, que ainda não dispõe de um modelo próprio, passa a revestir-se dos modelos de suas ―irmãs‖ mais velhas ou contemporâneas, o quadro epistemológico pode ser caótico (XAVIER, 2012, p. 171). Além das dificuldades internas que uma ciência com várias ―identidades‖ enfrenta, há também o perigoso efeito que determinados modelos epistêmicos geram sobre a mentalidade dos pesquisadores. Não nos esqueçamos que o enfoque do objeto de uma ciência por um dado modelo me informa, inclusive, o conceito de homem e de natureza implicados nesta escolha. E quando este 3 9 modelo, ainda que útil em certos períodos da história desta ciência, destoa bastante da verdadeira essência deste objeto de estudo, as consequências podem comprometer as noções de homem e natureza relacionados com este objeto. Bem colocadas são as palavras de Hilton Japiassu a este respeito: Todo o esforço em prol do conhecimento do homem, como se torna patente nas várias metodologias das ciências humanas, foi sempre desenvolvido no sentido de se acabar com o privilégio do objeto ―homem‖, no sentido de se dessacralizá-lo, de se desantropologizá-lo e de deslocá-lo, do subjetivo ao objetivo. Assim, ao tentar desembaraçar os caminhos que conduzem ao homem de todas as imposturas nas quais ele se encontrava, a psicologia com pretensões à cientificidade tenta reduzi-lo a um objeto entre outros. Será tachado de mistificação todo empreendimento psicológico que não proceder a essa redução. (JAPIASSU, 1981, p. 115). Perceba o leitor que, em todas essas tentativas de se respaldar sob a égide de algum modelo epistemológico, podemos visualizar esforços conflitantes para se ―encontrar‖ e até se justificar a existência de uma ciência que tem como seu objeto de estudo um ente complexo, abstrato e repleto de ambiguidades. No grande banquete de métodos e modelos epistêmicos que permeia até hoje as pesquisas em psicologia, houve os que buscassem a ―alma‖ na fisicalidade das coisas, e aqueles que a procurassem nas transformações da natureza, outros ainda que a justificassem no próprio cerne dos processos orgânicos ou em comparações heurísticas com a tecnologia da computação. Mas o fato é que a psique humana não se deixa abarcar totalmente por nenhum destes modelos. Talvez isto seja um bom sinal – talvez ela esteja nos mostrando que a subjetividade humana deva ser respeitada como uma entidade natural legítima, exibindo, contudo, outras propriedades bem diferentes da matéria inanimada. Talvez mesmo ela esteja nos dizendo: ―procurem um modelo epistemológico que sirva para a minha complexidade, um modelo legítimo que possa me revestir de modo a fazer jus a todo o alcance de minhas possibilidades‖. 4 0 REFERÊNCIAS FIGUEIREDO, Luís Cláudio M. ; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. (nova) introdução. 2. ed. São Paulo: Educ, 2004. Psicologia: uma JAPIASSU, Hilton. Questões epistemológicas. Rio de Janeiro: Imago, 1981. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1994. PENNA, Antonio Gomes. História das ideias psicológicas. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. XAVIER, Cesar Rey. A psicologia e o problema mente-corpo: uma nova proposta para a imponderável epistemologia da consciência. Curitiba: Juruá, 2012. Posições identitárias em relatos de moradores de assentamento rural constituído pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Ana Elizabeth Araújo Luna (Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba, Brasil) ([email protected]) Thelma Maria Grisi Velôso (Psicóloga. Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, Brasil) ([email protected]) Introdução A exclusão e a exploração dos camponeses são intrínsecas à própria história do Brasil, pois, desde o período Colonial, a concentração de terra e dos meios de produção esteve sob a posse dos grandes proprietários, fato que resultou, ao longo dos anos, em muitas revoltas e movimentos políticos organizados pelos trabalhadores rurais em prol da luta por terra (TARGINO, 2002). Nesse contexto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge como um desdobramento de um longo processo de lutas entre trabalhadores e latifundiários e, como afirma Almeida (2008, p. 17), foi o ―principal responsável pela emergência do sujeito ‗Sem Terra‘ no cenário político nacional‖ (grifo do autor). 4 O MST originou-se com a retomada de lutas por terra, principalmente na Região Centro-Sul, na 1 década de 70. O movimento almejava ocupar terras improdutivas, que deveriam ser democratizadas pelo estado (CALDART, 2001; LACERDA; MALAGODI, 2007). Nesse período, com a modernização da agricultura, muitos agricultores e posseiros foram expulsos das terras. Então, muitos deles se rebelaram, na tentativa de permanecer nela, resistindo à migração para a zona urbana e para outras regiões do país. Foram vários os fatores que favoreceram o surgimento do MST, entre eles, destacam-se o trabalho pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a situação socioeconômica e a configuração política do país, visto que, em 1979, muitos cidadãos lutavam pela democratização do Brasil (STÉDILE; FERNANDES, 2005). O marco de fundação do MST, como movimento nacional, ocorreu em 1984, no I Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel, no estado do 4 2 Paraná. Com base nas discussões realizadas nesse encontro, concluiu-se que a ocupação era a estratégia mais adequada para que os trabalhadores conquistassem terra e se organizassem como movimento. Desde então, esse caráter organizativo e político faz do MST um movimento ímpar (SILVA; SOUSA, 2005). Assim, com os trabalhadores rurais organizados em luta pela reforma agrária, foi possível pressionar o governo vigente para que assumisse a ―reforma agrária como um compromisso social da nação para com os ‗excluídos‘ do campo‖ (BRUNO, 2003, p. 3, grifo do autor). Em contrapartida, os grandes proprietários também se organizaram contra a política do governo e contra os movimentos sociais dos trabalhadores, efetuando muitas investidas violentas. Essa violência no campo é um componente inerente à organização agrária em todo o Brasil (MOREIRA; TARGINO, 1997; PEREIRA; SOUSA, 2008). Ressalte-se, no entanto, que, apesar da violência no campo e da reforma agrária ainda não ter se concretizado, o MST vem resistindo e, ao longo dos anos, tem conquistado inúmeros assentamentos rurais, sendo referência para o surgimento de novos movimentos sociais no campo. Segundo Ramos Filho (2008), há uma estimativa de que, no ano de 2008, havia, no Brasil, mais de 350.000 famílias assentadas, territorializadas através da luta do MST. Contudo, o MST tem se enfraquecido como movimento, visto que, conforme Pereira e Sousa (2008), a reforma agrária deixou de ser prioridade, nos últimos anos de globalização e houve uma significativa diminuição no número de ocupações. No ano de 2004, houve 500 ocupações de terra, ao passo que, em 2007, ocorreram apenas 364 ocupações em todo o país. Ao falar sobre a atuação da política nacional diante da questão agrária, Stédile e Fernandes (2005, p.159-160) afirmam: O que existe no Brasil atualmente é uma política de assentamentos sociais, em que o governo federal e às vezes até os governos estaduais, premidos pelos movimentos sociais, e para evitar que os conflitos de terra se transformem em conflitos políticos, resolvem conseguir algumas áreas [...]. Essa é uma política de assistência social, apenas para se livrar do problema dos sem-terra e não para resolver o problema da concentração da propriedade de terra no Brasil. Outro fato que também evidencia o enfraquecimento da reforma agrária e a fragilidade do MST é a chamada crise dos movimentos sociais com o advento do modelo capitalista neoliberalista nos últimos vinte anos. Nesse modelo, a garantia dos direitos da cidadania é transferida do Estado para a sociedade civil, a qual passa a ser a responsável moral pela resolução dos problemas sociais, e não, as políticas públicas. Assim, os 4 3 grupos sociais isolados atuam de forma fragmentada e individualizada em busca de seus interesses (JEZINE, 2006). Afirma-se, ainda, que a reforma agrária está enfraquecendo devido às políticas assistencialistas do governo atual, como o Programa Bolsa-família1, por exemplo, que, ao atuar na periferia, impede a iniciativa da população e diminui, consequentemente, as ocupações (ARRUDA, 2008 apud PEREIRA; SOUSA, 2008). No caso específico do estado da Paraíba, o número de assentamentos conquistados anualmente diminuiu, nos últimos assentamentos cincos anos. Atualmente, são 300 acompanhados pelo movimento, distribuídos em uma área de 270.000 ha de terra2. Apesar desses indícios de fragilidade e dos desafios atuais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra persiste, e muitas famílias continuam conquistando o seu pedaço de terra. Além da luta pela reforma agrária, vale salientar que o MST reivindica, sobretudo, a luta política em prol da transformação da sociedade. Por esse motivo, Caldart (2001, p. 211) entende que ―ser sem terra‖ significa ―mais do que uma categoria social de trabalhadores que não têm terra; é um nome que revela uma identidade [...] e que tem a ver com uma memória histórica e uma cultura de luta e de contestação social‖ (grifo do autor). Considerando essa história de luta do MST, bem como a identidade social do ―Sem terra‖, realizamos uma pesquisa num assentamento, chamado ―Pequeno Richard‖, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Esse assentamento é constituído por 49 (quarenta e nove) famílias, numa área total de 1.210 hectares, e está localizado em Catolé de Boa Vista, no município de Campina Grande-PB, Brasil. A pesquisa teve como objetivo analisar as posições identitárias sobre o que é ser agricultor, construídas com base nos depoimentos orais sobre o que é a terra, o que é o trabalho na terra e o que motivou a luta pela terra. As identidades e seus conceitos A ciência oferece muitas definições de identidade, por isso, não há, na literatura, uma definição teórica única a respeito, mas um amplo arcabouço de discussões acerca dessa temática, pois, como afirma Hall (2006), o conceito de identidade é complexo e há várias formas de concebê-lo dentro das ciências sociais. Nesse sentido, o referido autor aborda três tipos de concepção de identidade: o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. A primeira concepção 1Bolsa-família: É um programa que atende a mais de 13 milhões de famílias em todo o território nacional, criado no Brasil, em 2003, durante o Governo Lula, que consiste na transferência direta de renda mediante critérios pré- estabelecidos pelo referido Programa, beneficiando famílias em situação de pobreza. 4 4 http://www.mds.gov.br/bolsafamilia 2 Informação verbal emitida pela Coordenação Geral do MST/PB em 2010. de identidade diz respeito ao sujeito da época iluminista, que era ―totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação‖, e cuja essência não mudava, ao longo da vida, e era concebida de forma totalmente individualista. (HALL, 2006, p.10) O conceito de sujeito sociológico tem muita influência dos estudos realizados pelos interacionistas simbólicos, que atribuem o processo de formação da identidade à interação do eu com o social e a cultura, como se a identidade fosse o ponto de intersecção entre o interior (o eu) e o exterior (o meio sócio-cultural). Já a terceira concepção de identidade, o sujeito pós-moderno, é exatamente o oposto da primeira, porquanto o sujeito, que antes tinha uma identidade fixa, passou a ser dotado de múltiplas identidades que são fragilizadas, fragmentadas, provisórias e, por vezes, contraditórias. A partir dessas concepções, pode-se dizer, então, que a identidade da época iluminista está em declínio, pois ―o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas‖ (HALL, 2006, p.12). Assim, diante da falta de referências, as relações sociais, no ―mundo líquido moderno‖, tornaram-se frágeis, e foi possível viver inúmeras posições, inúmeras identidades, inclusive conflitantes entre si. Nesse sentido, Bauman (2005, p. 32) acrescenta: Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em movimento - lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo. Autores como Woodward (2007), Silva (2007) e Hall (2007) assinalam a demarcação da diferença como fundamental para que as posições identitárias sejam estabelecidas. Para Silva (2007), construir a identidade implica promover relações e jogos de poder, que são sutilmente estabelecidos, tanto na identidade quanto na diferença, por meio do processo de normalização, ou seja, da atribuição de valores. Por isso é que ―afirmar a identidade significa demarcar fronteiras‖, e não, negar as diferenças (SILVA, 2007, p. 82). Nessa perspectiva, Velôso et al (2009) ressaltam que tanto o sentimento de pertença quanto as diferenças e fragmentações das identidades, intrínsecas aos grupos sociais, podem ser compreendidos a partir dos contextos socioeconômicos, que estão inter-relacionados aos discursos e às práticas discursivas. Sendo assim, para os referidos autores, as práticas discursivas têm um papel fundamental na construção da identidade, uma vez que o mundo é habitado por múltiplos discursos que exigem escolhas. O próprio 4 5 acesso ao mundo se dá através de construções discursivas, e essa relação entre o sujeito que usa a linguagem (e, também, é constituído por ela) é o que constrói as identidades. A identidade, num certo sentido, é constituída em redes discursivas, não sendo gerada simplesmente por meio dos discursos, das ações ou experiências do sujeito, mas também dos discursos sociais e institucionais que buscam fixar indivíduos e grupos, não sem resistência, em determinadas ―posições-deidentidade‖ (VELÔSO et al, 2009, p. 119, grifo dos autores). Essa concepção de ―posições identitárias‖ permite a compreensão de que, nessa relação sujeitosociedade, as identidades estão em movimento. Concebendo a identidade como mútavel, Ciampa (1984; 2001) sublinha que ela é constituída por meio de um processo dinâmico, posto que o sujeito se transforma à medida que também produz mudanças no mundo. Assim, a identidade é múltipla e mutável e é ―pelo fazer e pelo agir que alguém se torna algo‖. A partir dessas contribuições teóricas, utilizamos o termo posições identitárias, posições criadas e recriadas no ato de transformar e serem transformadas através das práticas sociais. Recursos metodológicos: História oral e Observação Participante De acordo com Alberti (2004, p. 26), a História Oral (HO) ―pode ser definida como método de investigação científica, como fonte de pesquisa, ou ainda, como técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados.‖ A metodologia da HO consiste no registro de narrativas, e a memória é a principal fonte dos depoimentos (THOMPSON, 1992; DELGADO, 2006). Ao se referir à relação entre memória e identidade, Pollack (1992, p. 205) ressalta que ―a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade‖ (grifo nosso), seja ela individual ou coletiva, pois seleciona e constrói os fatos de acordo com a imagem que o sujeito ou grupo faz de si, para si e para os outros. Na pesquisa realizada, recorremos à obtenção de depoimentos orais. Conforme Cavalcanti (2005), o depoimento oral possibilita ao sujeito construir e reconstruir histórias sobre a sua própria vida e sobre a história da comunidade à qual pertence. Foram entrevistados assentados do sexo masculino e feminino - dez mulheres e dez homens - todos casados, com idades variando entre 23 e 82 anos. É importante evidenciar que os pseudônimos dos entrevistados foram baseados em nomes de aves e plantas do Cariri, microrregião onde está localizado o assentamento. As entrevistas foram realizadas no próprio assentamento. Após explicar o objetivo da pesquisa, solicitava-se aos entrevistados a gravação de um depoimento oral sobre o 4 6 que é ser agricultor. Ao longo dos relatos, eram feitos questionamentos de acordo com os objetivos da pesquisa. Para a análise das entrevistas, foi empregado o método hermenêutico-dialético proposto por Minayo (1995). Cumpre ressaltar que os aspectos sócio-históricos do grupo foram levados em consideração em todo o processo da pesquisa. No tocante à observação participante, Cruz Neto (2000) afirma que sua finalidade é, através de uma relação face a face com a população, obter mais informações sobre a realidade. Por isso o uso dos diários de campo, úteis à pesquisa, tiveram o objetivo de registrar os acontecimentos e as impressões subjetivas observadas em campo. O que é ser agricultor Nas entrevistas, o trabalho é o ponto que demarca a ―identidade de agricultor‖, como podemos observar no depoimento oral abaixo: O que é ser agricultora pra mim? ... huuum... ser agricultora é, é... você... em primeiro lugar você... gostar (enfático) de ser agricultora... e depois você gostar, amar aquilo que você faz... mexer na terra. E... plantar, colher..., entendeu como é?... é isso, no meu entendimento... é o que eu acho que ser agricultora... é... é amar o que você faz... plantar, colher...[...] Ah, o trabalho na terra é o sonho de todo agricultor... você tem o... você tem que plantar, esperar, ser paciente... tolerante, e depois o importante vem... é a colheita (enfático). Entrevistadora: A colheita?! Verdade.... o mais importante pra gente... a alegria do agricultor é ... a colheita (enfático). Entrevistadora: E como é que acontece esse trabalho que você tá falando aí... que envolve o plantar e a colheita? Ah, isso aí acontece... em primeiro lugar... quando você tem a terra, você tem o acesso a terra... aí vem o inverno constante e você planta... e com a paciência você colhe (enfático) e... se realiza (falou com suavidade, mas enfaticamente) Entrevistadora: Se realiza?! De verdade, porque a realização do agricultor é... o inverno plantar e colher. Em primeiro lugar... ter acesso a terra...n/é? (Jurema, sexo feminino, 53 anos). Para Jurema, ser agricultora não é apenas trabalhar na terra e sobreviver dela, mas é, também, ter amor por esse trabalho. Assim, ela se posiciona como alguém que sente muito prazer pelo trabalho que realiza. Outro aspecto que aparece nas entrevistas é o fato de esses sujeitos considerarem o trabalho na terra como o ponto de manutenção da vida nas cidades: Trabalhar na terra é... a gente sempre progredir, n/é?... produzir o que a gente... pra cidade. A cidade... ela só vive se a terra produzir (enfático)... se num produzir a terra como é que o povo vai viver? (enfático)... [...] Tudo o que existir de... desse negócio de base... tudo é da terra... [...] Tudo no mundo existe através da 4terra! 7 (Tico-tico, sexo masculino, 62 anos) O depoimento de Tico-tico, acima, ressalta o valor do trabalho que realiza como agricultor, pois afirma que o que sustenta as pessoas que residem nas cidades é o fruto desse trabalho. Assim, sugere que a cidade depende do campo. Posiciona-se como alguém que valoriza a terra: ―Tudo o que existir de... desse negócio de base... tudo é da terra... [...] Tudo no mundo existe através da terra!‖ Outro aspecto ressaltado nos depoimentos é a ênfase no trabalho do agricultor como uma profissão, como mostra este depoimento: Agricultor é... é... é uma profissão... [...] Então ser agricultor é isso... eu num aprendi outra profissão... [...] Pronto, então pra mim ser agricultor é isso... [...] minha profissão é a terra... enxada, ferramenta... e cuidar da terra! (enfático)... Ser agricultor é isso! (Pereiro, sexo masculino, 82 anos) Pereiro, ao reconhecer o seu ofício3 como profissão, está se posicionando como um profissional em meios aos demais de outras áreas. Ao falar sobre o manuseio das ferramentas, refere-se ao seu saber-fazer no ofício que vivenciou em toda a vida. Em outros depoimentos, a ―identidade de agricultor‖ aparece como algo herdado, e essa ―identidade‖, inclusive, é uma das motivações para a luta pela terra. O significado de agricultor e agricultora... é muito importante pra mim! (enfático)... até mesmo porque eu fui criada na agricultura, n/é?.... hoje, graças a Deus, pelo exemplo de vida que meu pai me deu, como ele me criou... eu sobrevivo em cima disso. E... eu acho que pra ser agricultor eu acho que vem de uma criação, num é um nome agricultor, é uma criação que você tem, como se fosse uma genética, n/é? Você aprende (enfático) porque tem família, já vem de família... seus avós, seus filho, avó... e aí vai criando! (Baraúna, sexo feminino, 39 anos) Ah, o que me motivou nessa luta pela terra foi porque... antes eu... sempre fui agricultora, foi só o que eu conheci mesmo com meus pais... já veio deles... agricultura... é uma paixão, isso é uma paixão... Entrevistadora: Uma paixão!? Uma paixão pela agricultura... (Jurema, sexo feminino, 53 anos) A partir de seu depoimento, Baraúna se posiciona como agricultora porque foi criada juntamente com sua família na agricultura. Portanto, para ela, ser agricultor é ser filho de agricultor, visto que essa identidade é uma herança transmitida de geração para geração, algo genético. No depoimento de Jurema, a ―identidade de agricultora‖ está 3 Conforme Clot (2010), o ofício é pessoal, interpessoal, impessoal e transpessoal porque nele estão contidas todas as dimensões presentes no trabalho, tais como: a história de vida e as experiências anteriores do trabalhador, a relação e 4 os mecanismos que enfrenta com o trabalho prescrito; as relações interpessoais entre os trabalhadores que desenvolvem uma forma coletiva de organizar a atividade laboral; o reconhecimento 8 que o trabalhador adquire diante do outro e até a apropriação da atividade, que leva o trabalhador a desenvolver o seu próprio saber-fazer. vinculada também à família. Ela acrescenta que o que a motivou a lutar foi justamente por ser agricultora e reitera o prazer que sente pelo seu ofício. A terra é tudo Os entrevistados afirmaram que a terra é tudo e é vida. Essa definição foi motivada por inúmeros aspectos, como pode ser observado nos depoimentos transcritos abaixo: Minha filha, a terra é uma das coisas mais importante, é a terra! [...] porque é aonde você arruma o meio de sobrevivência é na terra. Entrevistadora: Um meio de sobrevivência!? Aí a terra pra mim... é tudo (enfático), a terra pra mim é tudo, é tudo, é tudo (enfático), a terra pra mim é tudo, n/é?... eu me sinto muito orgulhoso em possuir um pedaço de terra hoje porque a terra, ói, tem uma importância tão grande que a gente num sabe nem dizer a importância que tem. (Azulão, sexo masculino, 54 anos) A terra é... pra mim ela é uma vida fundamental de alimentação. Que nós fomos criados pela... e Deus deu nossa alimentação que é se alimentar da terra. Então a terra é vida e é uma alimentação, é a sustentação do povo! (enfático) [...]... terra é sustentação e vida! (enfático) [...] Essas duas coisa (silêncio) (Juazeiro, sexo masculino, 78 anos) Ah, a terra é... pra mim é tudo (falou alto e enfaticamente), é a Mãe Natureza... eu acho que a gente sem... sem a terra eu acho que... sei lá, sem espaço, sem respirar, sem chão... meu Deus! A terra é... sagrada (enfático), significa tudo... significa tudo!(enfático) (Jurema, sexo feminino, 53 anos) No depoimento de Azulão, a palavra tudo aparece quatro vezes, o que demonstra sua necessidade de enfatizar o que afirmou. Ele concebe a terra como uma das coisas mais importantes e um meio de sobrevivência, portanto, ―é tudo‖. Já Juazeiro diz que a terra é vida e sustentação, porque é através dela que o povo obtém a alimentação para se sustentar, para viver. Para Jurema, a terra é a Mãe Natureza, que significa tudo para o agricultor, por isso, é sagrada. Esses posicionamentos identitários nos remetem ao que afirma Velôso (2001, p. 166), com base nas contribuições teóricas de Madeira (1988): ―a terra define o pequeno produtor, isto é, é o espaço essencial para construção da identidade, pois o seu ‗eu‘ se estrutura, se define e se limita nessa relação – sem a terra ele não é ninguém‖. (grifo da autora) Afirmar que a terra é tudo demonstra o quanto ela é fundamental para o agricultor. A terra remete ao espaço que o diferencia de outros grupos e demarca a ―sua identidade‖, 4 9 além de ser o meio de sobrevivência de sua família e símbolo de liberdade. (SOUSA, 1991; SOUSA, 1992; DONAT, 2006). Quanto ao que motivou a luta pela terra, alguns relatos remetem ao desejo de ter autonomia: [...] Aí assim: a gente sempre trabalhou muito, fazenda muito grande, mas sempre nas fazenda dos outro, nunca tinha assim pra dizer... “É da gente!” (enfático) Entrevistadora: Você sempre teve vontade de ter um sítio!? É... pra gente puder plantar, produzir... aí aqui foi... um presente de Deus! (enfático) (risos) Entrevistadora: Um presente de Deus!? Foi. [...] É... o que ele [se refere ao próprio pai] botou, começou na terra dos outro, ―Eu quero fazer na minha (enfático)‖ e.... se ele num tivesse tão veinho, ele faria comigo... mas num dá! (enfático)... agora tá velhinho... (falou chorando) (Caatingueira, sexo feminino, 38 anos) Aí eu vou experimentar, eu vou... vou experimentar uma parte de... aqui desse terreno, agora o mais importante daqui (enfático), que a gente viemo... realmente eu mesmo, eu vim acompanhando o... o MST pra pegar um pedaço de terra, pra eu trabalhar por minha conta própria, que eu nunca gostei (enfático) de trabalhar pros outro não. (Garrincha, sexo masculino, 63 anos) Caatingueira e Garrincha afirmam que o que os motivou a lutar foi o desejo de trabalhar na própria terra, e não, na terra dos outros. Os dois discursos nos remetem à questão da autonomia. Como afirma Velôso (2001), ―trabalhar para si‖ significa realizar o trabalho no campo com autonomia e ‗libertar-se‘ do sofrimento da condição de trabalho à mercê de um patrão. Outro aspecto que motivou a luta pela terra foi a possibilidade de se ter outra alternativa de vida, saindo da zona urbana: [...] sempre tava no meu sonho, era ter um pedaço de terra só pra mim (enfático). Entrevistadora: Era seu sonho!? Era o meu sonho... [...] O que me motivou foi... como eu já disse a tu, é porque eu num tinha terra e antigamente eu tinha vontade de ter um pedacinho de terra, n/é? Aí foi isso, eu entrar e lutar (enfático) pra ter um... viver no meu canto sossegado e poder criar meus filho também, n/é?... sair da... de dentro das droga... que a pessoa que mora em cidade só ver isso.[...] Na cidade a gente cria dois, três filho, a gente só cria com medo de uma dia ver eles ir crescendo e aprender essas coisa, n/é? E assim, dentro da terra, dentro dum mato desse, dessa terra aqui que nem nós tamo aqui... sem ter essas coisa (enfático), eles vão aprender outras coisa mais gostosa, n/é?... aprender a trabalhar (enfático), aprender a pegar uma água, a cortar um pau, a plantar uma maniva... (Seriema, sexo feminino, 48 anos) [...] o emprego n/é? Num é hoje nem amanhã...(enfático) [...] às vezes acontece de trabalhar seis mês, às vezes num dá certo com os 5 0 encarregado... às vezes mesmo com o engenheiro, num dá certo (enfático), eles bota o cara pra fora, a pessoa passa dois, três... dois, três mês parado como acontece muito... com muitos que trabalha de empregado, que eu já trabalhei de empregado já sei... [...] E aqui a gente trabalha direto [...] todo dia (enfático) bem cedo o caba tem o que fazer (enfático). Dentro da terra é seguinte: num é como na... na rua, quando o caba tá trabalhando de empregado tudo bem, e quando num tá às vezes passa uma semana ou duas [sem trabalhar], nessa época eu trabalhava de pedreiro... E aqui, graças a Deus, todo dia tem um pé d‘água [refere-se à chuva], pra quem gosta de trabalhar. (Garrincha, sexo masculino, 63 anos) Em sua fala, Seriema posiciona-se como alguém que sempre sonhou em ter terra. Esse foi o motivo principal que a fez se inserir na luta, no entanto, outra motivação foi o desejo de manter os filhos longe do contexto de violência que caracteriza a zona urbana. Garrincha também enfatiza a sua preferência pelo trabalho rural em detrimento do trabalho urbano, e sugere que, no meio rural, há melhores condições de trabalho porque não há riscos de se ficar desempregado. Costa (2004, p.183), ao se referir aos sujeitos que abandonam a cidade em busca de terra, afirma que ―a volta do trabalhador rural à terra do assentamento é idêntica ao retorno à raiz da terra‖, uma vez que essa é uma forma de fertilizar a ―identidade‖ que estava antes fora da terra. Considerações finais É importante pontuar que os assentados constroem posições identitárias que estão diretamente relacionadas ao trabalho e a terra. Assim, percebe-se que se posicionam como agricultores, o que significa, de modo geral, trabalhar na terra. Ter a própria terra para trabalhar foi o que motivou a luta, não ter ―terra de trabalho‖ e ter que trabalhar em terra alheia os estimulou a lutarem pela terra. Outro aspecto relevante que apareceu nos depoimentos em relação ao que é ser agricultor foi a ―identidade de agricultor‖ concebida como herança familiar, um ofício que se aprende porque é passado de geração para geração, como filhos de agricultores que aprenderam esse ofício e desejam repassar aos seus descendentes. O trabalho do agricultor também é concebido como uma profissão que garante, inclusive, a manutenção da vida nas cidades. Essa estreita relação entre o agricultor, o trabalho e a terra denota um forte sentimento de ligação com a terra que, para eles, significa tudo: é ela quem dá vida e ―sustentação‖, é ―a Mãe natureza‖, é sagrada. 5 1 Diante das posições identitárias que os assentados constroem sobre a vida e o trabalho do agricultor, também constroem uma imagem do trabalho e da vida na cidade. Para esses sujeitos, a vida no campo é apontada como melhor do que a vida na cidade, e isso significa melhoria de vida, autonomia e qualidade de vida, porque não há a violência presente na cidade e porque, com o trabalho na terra, não se corre o risco de ficar desempregado, como na cidade. Através dos depoimentos, percebemos que a ―identidade de agricultor‖ é construída em um movimento de mão dupla, uma vez que, na prática desse ofício, ele encontra trabalho e realização pessoal, visto que, quando apreende o ofício, torna-se autor daquilo que faz. Os relatos se remetem ao prazer no e pelo trabalho e a identificação em ser agricultor em contraposição à exploração e ao sofrimento que vivenciaram trabalhando para os outros. Referências ALBERTI, V. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004. ALMEIDA, M. P. M. “Da casca ao miolo”: memórias e identidades de militantes do MST do Assentamento José Antônio Eufrosino. 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Tese (Doutorado em Sociologia), Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Araraquara, SP, 2001. 355f. Wilhelm Reich: entre o contato e a compaixão Autora: Mariana Tavares Ferreira Palavras-chave: Reich – budismo mahayana – compaixão – contato – fascismo. A sensibilidade é hoje o campo de batalha político. Franco Berardi Duas questões se superpõem em nosso pensamento, para utilizar uma imagem do próprio Reich. A primeira tem a ver com a discussão da atualidade do pensamento reichiano: seriam datadas as idéias deste pensador nascido na virada do século XIX; de pouco interesse frente às mutações do capitalismo no século desenvolve-se em XXI? A segunda torno do debate sobre a religiosidade, que tem suas raízes em Freud e Marx: alienação, ilusão e delírio coletivos ou experiência legítima? Ambas as questões convergem para a discussão a respeito da noção de contato, que perpassa a obra de Reich, e à qual propomos uma aproximação com a noção de compaixão do Budismo Mahayana. Alguns autores como COELHO e SEVERIANO (2007) comentam as reformulações pelas quais o modo de produção capitalista vem passando: os corpos obedientes, dóceis e úteis, das sociedades industriais que se iniciam no século XIX, batizadas por Michel Foucault de disciplinares, não seriam mais o modelo. Não mais também a usura e a contenção, tão fundamentais ao espírito do capitalismo, como analisado por Weber. O capitalismo atual se pautaria muito mais no consumo volátil do que na produção e acumulação de bens, o que pediria a liberação do desejo, tendo como ideal o sujeito hedonista. Assim, teriam se engendrado novas formas de domínio muito menos pela via da repressão e mais pela sedução de uma ideologia ―felicista‖. (BERARDI, 2005)1 Não haveria mais um espaço fora das instituições disciplinares para onde fugir, porque agora a matéria mesma da existência, seus fluxos e movimentos desejantes seriam os alvos dos dispositivos de poder. A economia 5 5 1 Na metáfora de Deleuze, não mais os buracos de uma toupeira, de um poder oculto, mas localizado, e sim os anéis de uma cobra, sempre modulando: muito mais difíceis de lidar. (1992, p.226.) 5 6 estaria regida cada vez mais por especulações e não por valores de uso, intensificando uma característica do capitalismo já apontada por Marx. Tudo isso vai ao encontro do que autores como Toni Negri e Franco Berardi denominam capitalismo cognitivo, em que ganham extrema importância o trabalho nos setores de comunicação e de serviços, em detrimento dos setores fabris, sem que estes, obviamente, desapareçam. Neste cenário, se ficarmos apenas com a imagem superficial de um Reich colada à do movimento contracultural das décadas de 60 e 70, teríamos quase que uma identidade de suas idéias com este novo espírito do capitalismo. referindo aqui à equação Estamos nos Reich/liberação sexual/prazer/orgasmo. O livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman, é emblemático dessa tese de que a falta de solidez no compromisso com o outro ou, no mínimo, a grande ambivalência sentida por aqueles que ainda se engajam em relacionamentos estariam relacionados ao esvaziamento da esfera pública, da política e da sociedade civil. Toda a fragilidade atual dos laços humanos se fundamentaria na percepção do vínculo como um empecilho, ao limitar o leque de oportunidades praticamente experiências de ilimitado de novas prazer oferecidas pelo consumismo, pelo rápido uso e descarte de parceiros sexuais. O orgasmo seria quase que um símbolo da volatilidade e do prazer fugaz e egoísta. Sem entrar na discussão sobre a validade das teses do renomado sociólogo, que pecam, ao menos, por generalizar demais em suas tipologias, examinemos aqui o quanto Reich pode ser identificado ou até mesmo culpado por contribuir com este estado de coisas. Observemos primeiramente que em sua obra, o pensador austríaco não propõe exatamente uma liberação sexual e sim uma economia sexual, nome que passou a utilizar para o que fazia quando notou ter ultrapassado o campo de atuação da clínica psicanalítica em seu setting tradicional, fazendo também um trabalho de intervenção política, mas que envolvia ainda o conhecimento de aspectos economia de Reich psíquicos e sociais. A certamente não recomendava a usura nos usos dos corpos, como a moral sexual vigente. Mas tampouco podemos imputar a Reich representar o oposto disso: o hedonismo do prazer pelo prazer. No texto de 1936, ―Casamento indissolúvel ou relação 5 7 sexual duradoura?‖, ao contrário do que a imagem estereotipada aparenta, lemos como o autor aprecia, do ponto de vista da economia sexual, as relações duradouras, embora nem por isso defenda a duração ―até que a morte os separe‖. O ideal reichiano, inclusive em termos terapêuticos, é desenvolver a potencialidade de auto-regulação, uma potencialidade natural que o corpo teria de equilibrar-se e adquirir estabilidade de seu ―meio interno‖ face às variações do externo, o que às vezes identifica-se até mesmo com certa ―sabedoria do corpo‖ (DADOUN, 1991, p.34). Um exemplo disso é a noção de homeostase, um processo como a produção de suor em temperaturas elevadas, que teria a finalidade de diminuir a temperatura do organismo via evaporação das gotículas na superfície da pele. Uma propensão ao equilíbrio entre o organismo e o meio. Da mesma maneira, para Reich, uma pessoa envolvida numa relação sexual satisfatória não teria a necessidade de uma moral imposta como uma lei, para conter seus impulsos sexuais: haveria uma tendência ao equilíbrio. Os excessos e perversões surgiriam justamente do estado de miséria sexual instaurados pela moral sexual civilizada, numa busca desesperada e infrutífera por satisfação. O interessante é que nem por isso Reich irá propor uma abolição abrupta dessa moral do homem encouraçado. Segundo ele, um rompimento súbito da couraça pode ser até o fator desencadeante de alguns suicídios, lembrando a frase de Clarice Lispector: ―Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual o defeito sustenta nosso edifício inteiro‖. (LISPECTOR são apud BORELLI, arranjos existenciais, formas de 1981.) Mesmo sintomas ser e estar no mundo ou complexas estruturas de caráter, para usar outra expressão cara ao autor. Por isso, há que se ter muita compreensão pode e suavidade nesta transformação, que não ser simplesmente oferecida como uma nova subjetividade prêt-à- porter: Por isso Reich irá cada vez mais apostar no trabalho educacional com crianças, recém-nascidos e suas mães, ao mesmo tempo numa transformação lenta dessas estruturas e instituições enraizadas há milênios. Assim, as relações líquidas, voláteis e consumistas denunciadas por Bauman seriam caracterizadas, conforme a linha de pensamento aqui desenvolvida, como 5 8 substitutivas: relações mais plenas, por assim dizer, se encontrariam muito dificultadas dadas as atuais condições de vida sob o capitalismo. Feita esta discussão sobre as más-leituras de Reich, vale muito a pena ainda, discutir o interesse das idéias do autor para os combates culturais na atualidade. Voltemos então à discussão a respeito de um capitalismo contemporâneo que funcionaria muito mais pela sedução e captura do desejo. A nosso ver, esta não seria uma novidade ou exclusividade do capitalismo atual. Michel Foucault vem nos ajudar neste momento, ao questionar em sua História da Sexualidade (1988), a chamada ―hipótese repressiva‖: mesmo sob o regime de poder da sociedade disciplinar temos muito mais a função de incitar a falar sobre o sexo, fixando a verdade do sujeito neste discurso. E todo o exército de especialistas voltado à normatização e à busca de uma ―saúde perfeita‖. Percebemos aqui um quê nietzscheano, na denúncia de um ódio ao vivo, porque mortal e imperfeito, tornando-nos sujeitos ressentidos e mortíferos. Por temermos a morte acabaríamos por sufocar de antemão todo impulso de vida, por trazer em si a fragilidade e a transitoriedade. É nisto que estaria a sedução sob o modo de vida capitalístico e é neste mecanismo de captura do desejo que Reich encontra explicação para o fenômeno das couraças que nos protegem desse contato mais intenso com a vida, suas agruras e prazeres. Há uma expressão presente tanto ao longo de O Assassinato de Cristo quanto em O Éter, Deus e o Diabo que é: ―perceber a realidade como em um espelho, sem jamais tocá-la‖. (2003, p.55.) A realidade como um espelho, na qual procuramos encaixar e congelar a inconstância da vida conforme uma imagem narcísica. Se ela não se encaixa, podemos transferir tal expectativa a um além-inacessível – o que tende a nos afastar do contato com o que acontece, com o corpo, a experiência e os afetos. Seja este além um paraíso religioso, um tempo futuro, um modelo de saúde perfeita ou um líder autoritário, ele é fruto não de uma imposição, mas do desejo. Então o interessante é que Reich já teria mostrado essa forma de captura desde a década de 30. Dadoun escreveu: ―A obra de Reich inteira impõe-se hoje, como uma necessidade imperiosa, como um meio de conhecer e um dos mais poderosos instrumentos para combater o fascismo – que ainda sobrevive aqui e ali‖. (1991, p. 209.) Juntando-se ao coro, no prefácio à edição 5 9 norte-americana de O Anti-Édipo, Michel Foucault (2001) vem nos lembrar de que o fascismo vai além do fenômeno histórico de Hitler e Mussolini, sendo capaz de assumir várias formas, ―desde aquelas, colossais, que nos rodeiam e nos esmagam até aquelas formas pequenas que fazem a amena tirania de nossas vidas cotidianas‖. Assim, a força da obra de Reich estaria justamente em nos fazer atentar a estas forças mortíferas do desejo humano, em primeiro lugar, não vendo nelas o contrário de Eros e sim uma perversão deste mesmo impulso, secundária. Já em O Assassinato de Cristo Reich mostra como o homem deseja sentir-se uno a força pulsante do cosmos e da vida, ao mesmo tempo em que teme essa experiência de dissolução dos limites, o que o levaria a projetar esta energia amorosa num ser intocável: Cristo. E por que Cristo então viria a ser morto por estes mesmos homens, entregue por seus próprios discípulos amados? Para Reich, como indica o título, não se trataria de uma morte sacrifical e sim de um assassinato: o homem tem que matá-lo para entronizá-lo como filho de um deus, inatingível, porque lhe é insuportável tê-lo como um próximo. O ódio, a destruição, ―o diabo‖, seriam assim, secundários, uma transformação do impulso de amor impedido de expressar-se: Cada impulso de amor encontra a barreira da couraça. Para se expressar, precisa abrir caminho para atravessar a parede rígida pela força; deste modo, transforma-se inevitavelmente em crueldade e ódio. (REICH, 2003, p.134.) E aqui entramos no tema da Superposição Cósmica. Nesta obra, Reich irá pensar a superposição como evento transindividual que toma conta da vida e a governa, indo, porém, além do biológico. Não há algo como um espaço vazio e inerte, mesmo em termos físicos, há campos energéticos sobrepostos, em perpétuo movimento e transformação, como num oceano. Para Reich, isso que engloba tudo, fonte de toda vida, é o oceano de orgone, nome com o qual ele batiza esta energia que a tudo permeia. Das superposições energéticas em dimensões micro-cósmicas, nasceria a matéria, e em dimensões macro- cósmicas – as galáxias. No nível atmosférico teríamos o fenômeno dos furacões. No homem, esta energia se expressaria através do abraço genital, impulso primário de superposição e fusão bioenergética de dois sistemas orgonóticos e não coincidente com o impulso de busca do prazer: ―o prazer 6 0 envolvido na superposição é o resultado que se experiencia e não a força propulsora do ato‖. (REICH, 2003, p. 202.) Como observou o estudioso da obra reichiana, Paulo Albertini, haveria um capítulo que o autor não abre mão de incluir em seus livros e que apareceria sob diferentes roupagens. Como também observou Dadoun (1991), há uma elaboração do mesmo tema sob os termos: auto-regulação, potência orgástica, amor Albertini que, no livro natural... Contudo, observa O Assassinato de Cristo, o uso do termo o abraço genital, como título de um dos capítulos, dá um tom muito mais próximo ao afeto e à disponibilidade de entrega, que extrapola o ato sexual propriamente dito e fala da relação com a vida. Seria ainda, segundo expressão cunhada por Albertini, uma ética da intensidade e, acrescentaria eu, também uma estética. Segundo Reich, o abraço natural pleno assemelha-se a uma calma escalada, em que o importante não é chegar aos cumes mais altos apenas para contar aos outros. Ela é fruída silenciosamente em todas as suas etapas: aliás, só pode ser fruída se vivida no continuum de suas subidas-platôs- descidas, no tempo. Essa ideia é então totalmente contrária a de um prazer imediatista e consumista, envolve ritmos. E aqui ele dirá que esta atitude vale não só para as relações com um parceiro sexual, mas para qualquer atividade vital, importante ou não. Viver na plenitude é abandonar ao que se faz. Pouco importa que se trabalhe, que se fale com amigos, que se eduque uma criança, que se escute uma conversa, que se pinte um quadro, que se faça isso ou aquilo. (REICH, 1999, p.32.) Tudo isto vem corroborar também a interpretação de Albertini de que, mais do que indivíduos teria orgasticamente potentes, Reich sempre enfatizado, desde suas primeiras formulações sobre o orgasmo, o encontro com o outro. Trata-se de uma potência de estar disponível ao que acontece e que pode realizar-se como uma arte do encontro ou ars erótica, por superposições, abraço: contato. Proximidades e distâncias. Voltemos a nossa questão norteadora. Que importância pode isso tudo ter para os combatentes culturais em 2012? Duas problematizações se delineiam aqui. A primeira é que no chamado capitalismo líquido (BAUMAN) ou cognitivo (BERARDI) existiria um limite à captura dos fluxos do corpo pela técnica e 6 1 pelas máquinas, a chamada flexibilização, e que passa muito pela questão do tempo, dos ritmos corporais, mas que no entanto, não desenvolveremos aqui. A segunda consiste num questionamento de que haveria uma falta de compaixão e crueldade decorrentes de uma crise moral no Ocidente. Neste ponto Reich se distancia da visão hobbesiana-freudiana da luta de todos contra todos, do animal egoísta em busca do prazer pessoal. Os corpos, mesmo em seus aspectos físicos, continuam para além de si próprios e esta continuidade, na visão de Reich, é fonte não só da vida organísmica como também da construção da cultura: As formações vegetativas substitutas não deram origem à cultura; todo o progresso humano surgiu dos vestígios remanescentes do contato vegetativo direto com o mundo. Isso nos dá uma idéia de quanta energia há para ser desenvolvida, se conseguirmos liberar as estruturas humanas de suas funções substitutas e restaurar a sua relação direta com a natureza e a sociedade. Felizmente, daqui não pode resultar uma nova religião – por exemplo, um novo movimento de ioga que ensina ―sobre a função do contato imediato‖. Essa alteração na estrutura humana pressupõe alterações no sistema social que o estudante de ioga não compreende. (REICH, 1998, p.304.) A citação acima, do livro Análise do Caráter, mostra que nosso autor já tematizava a questão do contato vegetativo2, como a forma de contato mais potente, ancorada no corpo e nos afetos, fonte das melhores realizações humanas, tema que será posteriormente ampliado e desenvolvido em O Assassinato de Cristo; O Éter, Deus e o Diabo e A Superposição Cósmica. Como podemos notar, algo diferente era, no entanto, a posição de Reich no que tange à religião. Apesar de considerar o Ioga como uma prática psicofísica capaz de ativar essa potencialidade ao contato vegetativo, Reich irá fazer ressalvas frente ao conservadorismo ou à falta de envolvimento com questões sócio-políticas imputadas ao ―estudante de ioga‖. Mas a postura de Reich no que se refere à religiosidade se modifica em obras como O Assassinato de Cristo e O Éter, Deus e o Diabo, na qual ele fará uma distinção entre as religiões institucionalizadas e a ―religiosidade natural‖, proveniente do contato pleno e não mistificado com a vida pulsante no cosmos. Não mais apontar culpados pela vida encouraçada em grupos de pessoas instituições históricos e explicá-la por uma espécie ou de Relativo às funções vitais comuns a animais e vegetais, que funciona involuntária ou inconscientemente. (FERREIRA, 2004). 2 embotamento atávico do animal consciente, que teria medo de dissolver-se no contato pleno com a vida, o que, na terminologia reichiana chama-se ―angústia de orgasmo‖, tem mesmo um tom de sabedoria ―asiática‖. Isso não implica um conformismo do tipo ―isso é assim mesmo‖, há uma aposta na possibilidade de transformação da experiência humana. Algo também bastante próximo ao budismo é a crítica ao ―tagarelar‖, à perda de tempo em se procurar as causas do sofrimento na acusação alheia e à necessidade de encontrar um meio hábil para se começar a agir prontamente de modo a aliviar o sofrimento decorrente desta ignorância: a compaixão. Esta parece também ter sido a saída encontrada por Franco Berardi ―Bifo‖. Sua proposta parte de uma percepção muito próxima à de Reich de que capitalismo e fascismo, mais do que sistemas históricos, seriam modos de ser e estar no mundo, enraizados na sensibilidade humana e que, infelizmente, não tem dado mostras de superação. Assim, fora do tema quer dizer também fora do tempo, historicizado, hegeliano, da dialética. O que ele propõe é uma retomada da política não mais pautada em valores universais como a razão e a vontade, dos quais decorreriam programas a serem desenvolvidos e sim como algo próximo da arte, da ética e da terapia: intermináveis. Sua proposta é que experimentemos uma aproximação à tradição budista para encontrarmos esta perspectiva ética, tendo como referência o conceito de Grande Compaixão, conceito que muito se afina à noção de contato desenvolvida por Reich. Como para Reich, para Berardi a falta de compaixão no mundo atual não é um problema moral e sim psíquico (e somático): se não sabemos mais sentir nossos próprios corpos como sentir os corpos alheios? A compaixão não se basearia num amor universal abstrato, mas no aspecto concreto e sensível dos corpos. Não seria nenhum mandamento, mas fruto da interdependência entre os seres. Não falamos em dependência ou desamparo, de um lado, nem em piedade e comiseração, do lado daquele que exerce a compaixão, mas num interser3. Na metáfora nostálgica de Bauman, nosso mundo seria um mundo onde as pontes foram destruídas e não as poderíamos reconstruir devido ao forte 3 Neologismo criado pelo mestre Zen vietnamita Thich Nhat Hahn, autor de diversos livros, que vive refugiado no sul da França. nevoeiro que nos impede até mesmo de saber onde estamos. Preferimos adotar, com Reich, Berardi e o budismo, a perspectiva oceânica de estarmos todos no mesmo barco. Ainda e, sobretudo, se ele está naufragando, a melhor forma de ajudar é simplesmente manter a calma, acreditando no poder de contágio dos afetos. E aprender a nadar – ou arranjar uma bóia, apostando na solidariedade dos náufragos. REFERÊNCIAS ADELMAN, M. [2009] Visões da pós-modernidade: discursos e perspectivas teóricas. Sociologias, Porto Alegre, n.21. Recuperado em 01/11/2011 da SciELO: www.scielo.br. ALBERTINI, P.. 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Mahayana Buddhism: the doctrinal foundations. London: Routledge, 2002. La práctica en la formación del Psicólogo en Latinoamérica Dra. Denise Benatuil y Lic. Juliana Laurito Universidad de Palermo Resumen En el presente trabajo se aborda la incorporación de la formación práctica dentro de la carrera de psicología en América Latina. Se hará hincapié en la experiencia realizada desde hace más de 10 años en una Universidad Argentina de gestión 1 privada. Teniendo en cuenta que desde su creación la Licenciatura en Psicología se ha caracterizado por una formación predominantemente teórica, el contacto con la práctica generalmente quedaba reservado para después de la obtención del título. los últimos años la práctica pre-profesional supervisada, En fue adquiriendo un rol de mayor relevancia, siendo actualmente un elemento central y diferencial en la formación. Estas modificaciones de los planes de estudio la creciente demanda de fueron acordes a la de sociedad, profesionales capaces de responder a los problemas reales. Otro factor que impulso a la inclusión de las prácticas en la Argentina fue la aprobación de los Estándares para la Formación del psicólogo en el año 2009. Estos establecen un mínimo de 500 horas de formación práctica. Si bien, en la actualidad lentamente se han ido incorporando aspectos prácticos, en algunos casos aún son poco sistemáticos y desarticulados con la teoría. Se sistematizará la experiencia obtenida a partir de la realización de prácticas profesionales en las diversas áreas del quehacer profesional. Está experiencia nos permite afirmar que el hecho de tener acercamientos a diferentes ámbitos, posibilita una integración teórico-practica y una articulación transversal del plan de estudios; genera en los estudiantes interés por formarse y profundizar en diferentes campos del quehacer profesional, preparándolo para una mejor inserción en el mundo del trabajo. El Practicum es una etapa de transición 1 entre el rol de estudiante y el de profesional, posibilita un contacto directo con la realidad cotidiana. Palabras Claves: Psicología- Formación práctica La formación del psicólogo en America Latina El interés por la formación profesional del psicólogo en América Latina, empieza al poco tiempo de la creación de las primeras carreras de psicología, pero su abordaje metódico comienza a fines de los años noventa, teniendo un aumento sostenido de producción científica y de revisión de los planes de estudio en los diferentes países de latinoamericanos (Benito, 2009). Dentro de los avances destacados de la región se podría situar la Primer Conferencia Latinoamericana sobre Entrenamiento en Psicología, realizada en Bogotá en el año 1974. En el encuentro se plantea por primera vez la necesidad de una revisión crítica de la formación vigente y se formaliza lo que se conoce como Modelo latinoamericano o Modelo Bogotá (Vilanova, 2003). En el que se propone la necesidad de un entrenamiento similar en los países de la región en las diferentes áreas de intervención profesional, la importancia de un título generalista y la necesidad de un entrenamiento práctico, a través de un practicum o pasantía (Ardila, 1978). Con el establecimiento del Mercosur aumento el interés en desarrollar propuestas tendientes a establecer pautas comunes para la futura integración regional. Es por ello que en 1994 representantes de las diferentes entidades profesionales de psicología establecieron estándares curriculares mínimos comunes (Di Doménico, 1998). En el VII Encuentro Integrador que se realizó 1998, se destaca la relevancia de una 2 formación básica común, pluralismo teórico y de una formación generalista. Estableciendo una carga horaria mínima de 3.500 horas y 350 horas de 3 prácticas supervisadas (Comité Coordinador de Psicólogos del Mercosur y Países Asociados, 1998). En 2001, se realiza el II Encuentro de Entidades de Psicología de América Latina, en el que se proponen nuevas pautas para la formación tanto científica como profesional, destacando la necesidad de un perfil científico-profesional del psicólogo capaz de investigar procesos mentales y atender necesidades sociales en las diversas áreas aplicadas (Comité Coordinador de Psicólogos del Mercosur, 2001). Del recorrido histórico anteriormente planteado se puede detectar como a lo largo de los años, en la región fue tomando cada vez más interés y reconocimiento la necesidad de incluir prácticas pre-profesionales en la formación del futuro profesional. Tomando como parámetro estándares comunes dentro de los planes de estudio de cada país. La formación práctica del psicólogo en América Latina Klappenbach (2003) realiza una recopilación de las investigaciones que analizan las dificultades de la formación académica de los psicólogos. Distingue trabajos que han puesto el foco de interés en las competencias que deberían de poseer los psicólogos luego de la formación académica y líneas de investigación que buscan definir los estándares de formación. Para el presente trabajo nos interesa el lugar que ha tenido la formación práctica en los planes de estudio de la carrera de Psicología. Partiendo de la base que desde los orígenes la Licenciatura en Psicología se ha caracterizado por una formación predominantemente teórica (Vilanova, 2003). La práctica no estaba incluida en la formación de grado. Para el estudiante de Psicología, el contacto con la práctica generalmente quedaba reservado para después de la obtención del título. De este modo la formación académica real no garantizaba un 3 entrenamiento adecuado para cada una de las prácticas a 4 las que los graduados están habilitados. Las carreras ofrecían muy pocas horas para prácticas profesionales bajo supervisión, lo cual redundaba en peor formación profesional (Corel &Talak, 2001). Paulatinamente se han ido modificando los planes de estudio, acordes a la creciente demanda de la sociedad, de profesionales capaces de responder a problemas reales. Teniendo en consideración que los problemas de la realidad son más complejos, requieren soluciones rápidas, que tengan en cuenta la diversidad del medio social, la globalidad de las intervenciones y el vertiginoso incremento de la información (Garcia, 2009). Es por ello que los planes de estudio deben estar a la altura de las circunstancias, contactando al alumno con esta realidad y complejidad durante su formación, aunque aún muchas de las carreras de Psicología no poseen la cantidad de horas prácticas mínimas requeridas en los estándares. Ya que conlleva un cambio estructural de los planes de estudio, requiriendo de tiempo, financiamiento y espacios de prácticas destinados a la formación aplicada (Garcia, 2009). Modalidad de Formación práctica en Universidades de América Latina Se realizó un relevamiento de los planes de estudio de algunos de los países que tienen una importante trayectoria en la formación de Psicólogos. Se encontró que muchos de ellos cuentan con prácticas profesionales como requisito para la obtención del título. Los datos fueron obtenidos a partir de la búsqueda en los portales de internet de cada una de las universidades. A continuación se sintetiza la modalidad que adquieren las Prácticas en algunas Universidades Latinoamericanas: Universidad Modalidad de Formación Práctica 5 México: Universidad Nacional Autónoma de Al finalizar la cursada de la carrera, el estudiante debe realizar un servicio social, que lo ponga en contacto con las necesidades y problemas de las poblaciones urbanas y rurales más marginadas del país. Su duración México (UNAM) Brasil: debe ser de un mínimo de 480 horas. La formación incluye la realización de al menos 425 horas de Universidad de prácticas supervisadas, 365 horas se han completado como San Pablo parte de las materias obligatorias. Las restantes 60 horas deberán completarse con el estudio de al menos un curso electivo (ej: Formación en investigación en psicología I). Perú: La práctica pre-profesional prepara al estudiante para su futura Pontificia inserción en la vida profesional, es un período de transición Universidad entre la etapa académica y el ejercicio profesional. El tiempo Católica del Perú requerido para la culminación de cada semestre de la PP (1 y 2) va desde 416 hasta 700 horas como máximo. Colombia: Las prácticas se dan tanto en áreas profesionales como en Universidad investigación, es requisito para ingresar a ellas haber aprobado Nacional de las demás asignaturas de la carrera. Se debe optar por áreas Colombia (Ej: Psicojurídica; Clínica; Neuropsicología; etc). Chile: Universidad de Chile En el último año de la carrera el alumno debe realizar las prácticas profesiones que tienen una duración mínima de seis meses (720 horas). Posteriormente una Memoria de título (informe escrito de profundización en un tema) y un Examen de título (defensa oral de la Memoria) Venezuela: El plan de estudios cuenta con una formación práctica. La Universidad misma se encuentra organizada en tres asiganturas (Pasantias Central de I y II y Pasantias Institucionales). Los objetivos fundamentales Venezuela de esta asignatura son que los 6 alumnos conozcan el funcionamiento de las diferentes instituciones visitadas. Bolivia : Uno de los requisitos para alcanzar la titulación es el Internado. Universidad El mismo consiste en un proceso de intervención psicológica supervisada, en el que se aplican los conocimientos de la Mayor de San psicología a una realidad concreta, sus resultados están Simón sometidos a una reflexión teórica permanente. Uruguay: En los dos últimos años de la carrera la formación está Universidad de la República orientada hacia los diferentes ámbitos de inserción profesional. Se realiza de manera obligatoria dos pasantías anuales, a desarrollarse en alguno de los servicios de atención o proyectos de investigación o extensión de la Ecuador: Universidad Estatal Facultad. Para alcanzar la titulación el alumno debe realizar seminarios, talleres, visitas de observación, prácticas extracurriculares programadas por el Consejo Académico Península de de la Carrera. Cumplir con el número de horas de prácticas Santa Elena o pasantías pre- profesionales y servicio comunitario establecidos en la Carrera. En el cuadro presentado se puede observar como las universidades nacionales de diferentes países de América Latina incluyen como requisito para la obtención del título de grado las prácticas profesionales dentro de la formación. Si bien la modalidad de las mismas, es disímil, mostrando un sello distintivo en cada carrera, según las posibilidades y demandas sociales. La experiencia de la formación práctica en una Universidad Argentina A continuación se desarrollará la experiencia de las prácticas pre-profesional en una Universidad Argentina de gestión privada. 7 Las prácticas profesionales se organizan en cinco niveles diferentes. El primer nivel está dirigido a alumnos de segundo año de la carrera. Por lo cual la práctica consiste en la realización de una observación no participante, en instituciones de los diferentes ámbitos de inserción del psicólogo (Clínica, Comunitaria, Educativa, Laboral y Jurídica). Con el objetivo de conocer cual es el rol del profesional una de las áreas. Aproximándose necesarias en cada a las funciones, competencias para un ejercicio idóneo del rol profesional, dificultades y perspectivas futuras de cada uno de los perfiles profesionales. Un segundo nivel de prácticas está dirigido a alumnos del tercer año de la carrera, por lo que la práctica tiene como objetivo profundizar en los conocimientos de los campos profesionales, con la modalidad de una observación participante. Las pasantías generalmente constan de diversas actividades: análisis de casos, lectura de historia clínica, participación en entrevistas individuales, grupales, supervisiones, admisiones, trabajo en cámara Gessell, observación de sesiones de terapia grupal, reuniones de equipo y otras actividades pertinentes para la formación práctica de los alumnos. En cuanto a las visitas, pueden ser a centros asistenciales, escuelas, hospitales, consultoras de recursos humanos etc. El tercer y cuarto nivel consisten en prácticas de investigación. En estas se favorece el entrenamiento y adquisición de competencias vinculadas a las tareas de investigación, para ello los alumnos participan durante dos cuatrimestres creando un pequeño proyecto de investigación vinculado con alguno de proyectos que tienen en curso los docentes que participan en el Centro de Investigaciones. En un quinto nivel de prácticas el alumno realiza un practicum de 350 hs en un área. La misma consiste en una práctica pre-profesional supervisada que 7 realiza en una institución a elección del alumno dentro del conjunto de instituciones con las cuales la Universidad tiene convenio. Se realiza en el tramo final de la carrera y concluye con la escritura de un Trabajo Final. A partir de la experiencia de la inclusión de prácticas obtenida se sintetizarán algunos de los beneficios que las mismas aportan a los alumnos. Permite una integración teórico-practica y una articulación transversal del plan de estudios. Provee al futuro profesional de espíritu crítico y compromiso con su comunidad. Prepara al alumno para una mejor inserción en el mundo del trabajo, el Practicum es una etapa de transición entre el rol de estudiante y el de profesional. Permite un contacto directo con la realidad cotidiana y el tener que enfrentarse a la resolución de problemas ―reales‖ que suelen ser más complejos que los problemas planteados como disparadores didácticos. Por todo lo desarrollado se considera que el Practicum está adquiriendo un lugar cada vez de mayor preponderancia dentro de la formación del Psicólogo, actualmente es considerado un eslabón fundamental en la formación de grado. Por ello debe ser un espacio de constante evaluación, análisis y revisión crítica en pos de implementar las mejoras que se consideren necesarias. Actualmente separados. supervisada la formación teórica y práctica no pueden transitar por caminos La inclusión desde los de inicios los alumnos en de la carrera la práctica debe ser pre-profesional un componente fundamental para formar psicólogos capaces de responder a las complejas demandas del mundo de hoy. La experiencia obtenida a partir de la realización de Prácticas profesionales en diversas 8 áreas del quehacer profesional del Psicólogo, dentro de la formación en una Universidad de gestión privada, nos permite afirmar que el hecho de 9 tener acercamientos formación a diferentes de grado, genera profundizar en diferentes ámbitos de inserción profesional durante la en los estudiantes campos del interés quehacer por formarse profesional. y Poder proporcionarle al estudiante una visión ampliada de la salida laboral, junto con posibilidad de observar el quehacer profesional en diferentes campos, permitiría entre otros beneficios, generar una diversidad mayor en la elección del campo para la inserción profesional una vez finalizada la carrera. Bibliografía Ardilla, R. (1978). La profesión de psicólogo. México: Trillas. Benito, E. (2009). La formación psicológica: Revisión y perspectiva. Revista Psiecia.(1), 2. Garcia, L. (2009). 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À partir do método de Histórias de Vida, que se insere nas metodologias qualitativas (Abordagens Biográficas), trabalharemos com membros de três gerações de famílias de descendentes alemães (avós, pais e filhos) que atualmente residam na cidade de Curitiba, Paraná e que tenham vivenciado, seja em seu cotidiano, ou em forma de relatos de familiares, o período conhecido como Estado Novo durante o governo de Getúlio Vargas. Partiremos da Psicologia Social e do conceito de identidade como categoria central de análise, propondo a reflexão crítica sobre os desdobramentos e pertinências do contexto de imigração frente o processo identitário. Buscaremos ainda contribuir com a compreensão dos movimentos migratórios e sua influência nas relações sociais. Palavras chave: imigração, identidades, memória, descendentes alemães. 1 1. Introdução e desenvolvimento da questão de pesquisa Em tempo de deslocamentos populacionais frequentes, como o que vivemos, pessoas das mais diversas origens se encontram e convivem em um mesmo espaço social com sua bagagem cultural. Neste contexto de espaços e deslocamentos, em um país como o Brasil - no qual a miscigenação advinda de sua colonização é parte essencial de sua história - trabalhar a questão dos descendentes de imigrantes e sua integração social faz-se importante, uma vez que estes continuarão a construir o país, não mais com o caráter de imigrantes, mas como parte da nação onde nascem. Desta forma escolhemos a população de descendentes de imigrantes alemães tomando por base que os 5% de imigrantes europeus que escolheram o Brasil como sua nova pátria, foram alemães (IBGE/ DW-WORLD.de, 2010). Durante muitas décadas, os alemães chegaram a ser o maior grupo de imigrantes a entrar no Brasil, período este em grande parte do século XIX, superando inclusive os portugueses. Segundo Stehling (1979) calcula-se em 18 milhões o número de seus descendentes em solo brasileiro, cerca de 10% de nossa população. A idéia de pesquisar sobre aspectos da identidade e imigração surgiu na estadia da autora (durante cinco anos) na Alemanha, período no qual verificou inúmeras vezes a grande dificuldade de integração de descendentes turcos à cultura e língua locais. Dados da imprensa alemã1 demonstram grande preocupação com as chamadas ―políticas de integração‖2 do país. Tal fato suscitou questionamentos acerca de como seria então, no Brasil, a integração de descendentes alemães. Como 1 Welt online. A integração dos turcos - um mal entendido. 2 Política que visa a integração como um processo de diminuição das diferenças entre migrantes e não migrantes na Alemanha. Maiores informações em Friedrich HECKMAN. A evolução recente da política 2 de integração na Alemanha e na Europa, 2010. 3 teria sido sua aculturação? Quem são estes indivíduos, como lidam com o deslocamento de seus antecessores e como a memória influenciou e/ou influencia a construção de suas identidades? Em diversas localidades do Brasil, mas em especial na região Sul, marcas desta imigração são evidentes. O Estado de Santa Catarina é considerado o mais ―alemão‖ do Brasil. Aproximadamente 35% (a maior porcentagem dentre os estados brasileiros) da sua população é de ascendência alemã. As cidades do interior do estado ainda preservam a arquitetura germânica das casas, bem como a língua alemã e festas populares, como a Oktoberfest. No ano 2004, a imigração alemã ao Brasil completou 180 anos. Estima-se que haja um milhão de falantes do idioma alemão no Brasil, sendo, a grande maioria, bilíngues. Importa ressaltar que a imigração alemã no Sul do Brasil deixou marcas profundas na composição da população. Nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a cada três pessoas, uma tem origem alemã. Números menores encontram-se no Paraná e em todo o Sudeste e Centro-Oeste do país. Dentre alguns aspectos históricos desta imigração, houve um muito significativo, que provocou influências importantes no modo de vida dos imigrantes e seus descendentes. Segundo Seyferth (1989, 1991) e Willems (1980) o Governo Federal Brasileiro determinou durante o Estado Novo a extinção das instituições comunitárias, proibiu o uso da língua alemã e publicações em alemão. Enviou unidades do exército a várias cidades situadas nas regiões de colonização. Tal fato, justificado pelo chamado “perigo alemão”3ocorreu em 1937 perdurando até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945. A proposta de construção do Estado Nacional no Brasil do período de Vargas pretendeu acabar com a descentralização 3 O ―perigo alemão‖ constituiu-se pelo temor de que a Alemanha anexasse áreas de colonização alemã no 4 Brasil, ou ainda que mantivesse algum tipo de influência nestas regiões (Gertz, 1991). 5 do poder e concretizar um projeto de uniformização e consolidação de uma identidade nacional. Vários aspectos caracterizaram esse período e inviabilizaram a presença de manifestações de grupos estrangeiros. Dentre estes aspectos, temos o ataque ás chamadas ―ideologias alienígenas‖, denominação dada ao modo de ver próprio dos grupos de estrangeiros e a preocupação com a fixação da língua portuguesa e da cultura brasileira. Neste período se inicia a afirmação de uma identidade nacional, na qual os colonos alemães de alguma forma serão assimilados (Santana, 2010). Partindo-se do pressuposto que as colônias alemãs da época já teriam lugar e papel definidos, bem como sentimentos de acolhimento no Brasil por parte de seus componentes, como se desenvolvera sua identidade a partir daí? Para Hall (2002), a identidade se torna uma ―questão‖ quando se está em crise, quando algo que se supõe fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza. A identidade não existe senão contextualizada, como um processo de construção e pressupõe o reconhecimento da alteridade para sua afirmação. Segundo Santos (2010), a Identidade Nacional seria uma identidade coletiva organizada em torno do Estado-Nação4 e estaria fundada sobre o princípio da autoridade, colocado acima da solidariedade. O nacionalismo constrói a idéia de totalidade: um povo, uma nação, uma cultura, uma língua. Contudo, o nacionalismo possui um caráter étnico, uma vez que na origem da idéia de nação está a de uma 4 A idéia de Estado-nação nasceu na Europa em finais do século XVIII e inícios do século XIX. Provém do conceito de "Estado da Razão" do Iluminismo, diferente da "Razão de Estado" dos séculos XVI e XVII. A Razão passou a ser a força constituidora da dinâmica do Estado-nação, principalmente quanto a administração dos povos. A idéia de pertença a um grupo com cultura, língua e história próprias, a uma nação, foi sempre uma das marcas dos europeus nos últimos séculos, ideal que acabariam por transportar para as suas projeções coloniais. Há um efeito psicológico na emergência do Estado-nação, pois a pertença do indivíduo a tal estrutura confere-lhe segurança e certeza, enquadramento e referência civilizacional. O Estado-Nação afirma-se por meio de uma ideologia, uma estrutura jurídica, a capacidade de impor uma soberania, sobre um povo, num dado território com fronteiras, com uma moeda e forças armadas 6 próprias. É na sua essência conservador e tendencialmente totalitário. 7 comunidade étnica. Na prática, o nacionalismo está ligado à idéia de pertencimento e justamente por isso, o imigrante que possui uma identidade dupla, é uma contradição dentro da categoria de Estado-Nação. O duplo pertencimento coloca o problema da lealdade nas redes de participação. Para Santos (2010) o problema do duplo pertencimento é freqüente, a partir da segunda geração de imigrantes. A primeira geração está ligada à identidade do país de origem, enquanto a segunda geração se sente dividida entre a identidade dos pais e a do país de acolhida. Quanto à identidade nacional, salienta Llobera (1996, p.11): Nas suas origens e na sua essência, a identidade nacional é uma tentativa de preservar os costumes dos nossos antepassados. O nacionalismo põe em destaque a necessidade das raízes e da tradição na vida de qualquer comunidade. A identidade se constrói através de relações, isto é processual e relacional e, portanto, capaz de se adaptar às transformações sociais e pode ser vista como construção social de pertencimento. Em época de globalização é oportuno lembrar que a identidade marca distância, mas também aproximações (Santos, 2010, grifo meu DP). 2. Justificativa Para que se entenda a identidade é preciso compreender o processo de sua produção. ―A identidade é a articulação da diferença e da igualdade‖ (Ciampa, 2001, p. 138). É a estrutura social mais ampla que oferece os padrões de identidade; neste sentido, também se pode dizer que as identidades, no seu conjunto, refletem a 8 estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela, conservando-a ou transformando-a. Ciampa traz a visão de que, em cada momento da existência do indivíduo, embora sendo uma totalidade, manifestam-se partes de si como desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito. Para Santos (2010), o processo de identidade é negociado e permanentemente construído e reconstruído nas trocas simbólicas sociais. No Brasil a idéia de identidade cultural5 é utilizada para o estudo de grupos migrantes, sendo freqüentemente intercambiada com o conceito de organização, segundo Santos (2010) e Dantas (2010) e de memória (Pollak, 1989, 1992) uma vez que esta, sendo relativamente constituída efetua um trabalho de manutenção, coerência, unidade, continuidade e organização. A memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo social, construído coletivamente e submetido e a flutuações, transformações e mudanças constantes (Pollak, 1992). Pollak (1992), em seu estudo sobre memória e identidade social, afirma que a memória tem características flutuantes e mutáveis, tanto individual quanto coletivamente e na maioria das memórias, existem marcos ou pontos invariantes e imutáveis. Ao questionar quais são os elementos que constituem a memória individual ou coletiva, entende que são os acontecimentos vividos pessoalmente e aqueles vividos por tabela, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade a qual a pessoa julga pertencer. 5 A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço. Como consequência do processo de globalização, as identidades 9 culturais não apresentam hoje contornos nítidos e estão inseridas numa dinâmica cultural fluida e móvel. 1 0 Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo. É possível que, por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar de uma memória quase herdada (Pollak, 1992, p. 2). O autor se refere à existência de acontecimentos regionais que traumatizaram muito e marcaram tanto uma região ou grupo, que sua memória pode ser transmitida ao longo dos séculos com altíssimo grau de identificação (Pollak, 1992). Arruti (2002) contribui neste sentido, salienta que memórias e identidades não são entidades fixas, mas sim representações e construções da realidade, fenômenos que são mais subjetivos do que objetivos. Na perspectiva da transmissão psíquica dentro da família, autores como Neuberger (1999) e Andolfi (1984) retratam a memória como transmissão capaz de deter as informações necessárias para articular o projeto fundador da família. A história de uma família é uma trama complexa e singular de histórias individuais, vínculos intergeracionais e experiências compartilhadas que se sucedem em tempo que se delineia e toma forma, não na sucessão dos anos, mas no perpetuar-se das gerações. Sugere a necessidade da presença de uma continuidade histórica e evolutiva entre os significados que diferenciam modelos de relação do passado e do presente, o que se trata da identidade cultural de uma família (Andolfi, 1984). Sayad (1998, p. 51) afirma que a imigração sofre de uma contradição dupla, porque ela representa um estado provisório que se prolonga indefinidamente, ao mesmo tempo em que ela se torna um estado definitivo e vivido com o sentimento de provisório. 1 1 Pensando esta questão na realidade social do cotidiano, Berger e Luckmann (1996) descrevem o mundo da vida cotidiana não somente tomado como uma realidade certa pelos membros da sociedade na conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem às suas vidas, mas um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles (p. 36). Aqui o interesse é o caráter intencional comum de toda consciência. A realidade da vida diária não se esgota nas presenças imediatas, mas abarca fenômenos que não estão presentes ‗aqui‘ e ‗agora‘. A zona da vida cotidiana diretamente acessível a minha manipulação corporal é a zona que se acha ao meu alcance, o mundo em que atuo a fim de modificar a realidade dele, ou o mundo em que trabalho (...) (Berger e Luckmann, 1996, p. 39). Segundo os autores, o interesse nas zonas distantes (como o passado) é menos intenso e menos urgente. O interesse maior do sujeito é o aglomerado de objetos implicados em ocupações diárias, porém o trabalho efetuado nas zonas mais distantes poderá afetar a vida cotidiana. Ciampa (2001) coloca que algumas personagens que compõem nossa identidade sobrevivem, às vezes, mesmo quando nossa situação objetiva mudou radicalmente. É a estrutura temporal que fornece a historicidade que determina a situação do sujeito no mundo da vida cotidiana. ―Nasci em certa data, entrei para escola em outra data, comecei a trabalhar como profissional em outra, etc. (...).‖ (Berger e Luckmann, 1996, p. 45). Estas datas, contudo, estão localizadas em uma história muito mais ampla e esta localização configura decisivamente a situação do indivíduo. Logo, a estrutura temporal da vida cotidiana também impõe, à biografia, 1 2 uma totalidade. E é nesta estrutura temporal que a vida cotidiana conservará para o indivíduo o sinal de realidade. Circunscrevendo este projeto em termos de chaves teóricas, serão abordados estudos de diferentes áreas do conhecimento que abarcarão a problemática escolhida. São estes: História (Seyferth, 1989, 1991, 2000); Sociologia (Pollak, 1989, 1992; Halbwachs, 2004; Willems, 1980); (Berger e Luckmann, 1996) e Psicologia Social (Ciampa, 2001; Mead, 1972), entre outros. Utilizar-se-á, por exemplo, a abordagem de Mead (1972) quanto à socialização humana, que surge quando o indivíduo percebe a intenção dos atos dos outros e então, constrói sua própria resposta em função desta. Tomaremos também os apontamentos de A. C. Ciampa (2001), que coloca a importância da identidade como metamorfose. Em sua visão, cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um projeto de vida. Uma vida-que-nem-sempre-é-vivida, no emaranhado das relações sociais. Logo, uma identidade concretiza uma política e dá corpo a uma ideologia. No seu conjunto, as identidades constituem a sociedade. Com este olhar, o presente estudo pretende contribuir com a compreensão da construção da identidade dos descendentes alemães, que por sua vez, são parte da construção da identidade coletiva da sociedade brasileira. Buscar-se á, pois refletir criticamente sobre os desdobramentos e pertinências deste contexto frente o processo identitário. Em mais de 180 anos de imigração alemã no Brasil, sua influência faz-se presente em diversos setores (sobretudo do ponto de vista econômico, visto, por exemplo, o grande número de empresas alemãs em território brasileiro). No entanto, a integração e desenvolvimento dos imigrantes e seus descendentes no país, sua inserção cultural, como esta se deu (e/ou se dá) no processo da construção 1 3 de sua identidade levando-se em conta sua origem, história, suas relações intersubjetivas, além da busca por reconhecimento social, merecem maior visibilidade e justificam a relevância social deste estudo. Sua constituição enquanto sujeitos e cidadãos reflete diretamente em suas relações sociais e posicionamentos frente à sociedade brasileira. No que se refere à contribuição científica deste projeto, constatou-se, que a maior parte dos estudos sobre a referida população advém predominantemente do campo da História e visa, em geral, subsidiar a compreensão de contextos e processos políticos. Dentre o material consultado, pouco se fala da história de vida e da construção da identidade e metamorfose dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. Logo, pretende-se com este projeto dar existência a um estudo que sirva como ferramenta útil, que contribua não só com a psicologia social e os estudos de identidade, mas também para melhor compreensão das transformações recentes da população do Brasil. Acreditamos ainda, contribuir com a compreensão dos movimentos migratórios e sua influência nas relações sociais. 3. Objetivos Geral: Compreender a formação da identidade de descendentes alemães no Brasil e o papel da memória neste processo, bem como a situação da imigração frente à auto definição do eu. Específicos: Observar o papel da memória no processo de formação da identidade dos descendentes; 10 Entender como se dá a compreensão de sua identidade cultural (sentimentos de pertencimento); Identificar fatores que possam dificultar ou facilitar a mudança que a migração ocasiona para o sentido de quem se é e como isto difere entre as gerações. 4. Caminho metodológico O enquadramento teórico desta pesquisa se vincula à escola de Frankfurt, também conhecida como teoria crítica da sociedade, particularmente à dita segunda geração (Habermas, 1983) em cujo contexto se insere a teorização de A. C. Ciampa (1987) com sua tese de que a identidade é metamorfose. A teoria crítica da sociedade propõe um pensamento questionador, sobretudo em relação às relações de poder decorrentes do sistema social em que vivemos. Considera os fenômenos estudados a partir de suas determinações histórico-sociais e sua orientação para a emancipação humana. Segundo Goulart (2009) Habermas mostra a necessidade de se estudar de forma reconstrutiva o modelo concreto de relacionamento entre o Estado, as instituições políticas e a sociedade. Com o filósofo frankfurtiano, reportar-nos-emos a uma perspectiva de estudos críticos de macroalcance, que nos projeta nas relações políticas, sociais e comunitárias em suas múltiplas formas e modos (Spink & Spink, 2005). O método escolhido para este estudo se insere na abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa refere-se, em amplo sentido, a descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos 11 em seus próprios termos. ―Como a realidade social só aparece sob a forma de como os indivíduos veem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através dos olhos dos pesquisado‖ (Goldenberg, 2005, p. 27). As chamadas metodologias qualitativas privilegiam de modo geral, a análise de micro processos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais (Martins, 2004). A pesquisa qualitativa se debruça sobre o conhecimento de um objetivo complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito concreto. A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito marcam sua singularidade, que é expressão da riqueza e plasticidade do fenômeno subjetivo (González-Rey, 2002). Para a coleta de dados, utilizar-se-á o Método de História de Vida, que se insere dentro das metodologias qualitativas (Abordagens Biográficas). Este método objetiva apreender as articulações entre a história individual e a história coletiva, em uma ponte entre a trajetória individual e a trajetória social (Silva, 2007). Emolduradas na metodologia qualitativa, as abordagens biográficas caracterizam-se por um compromisso com a história como processo de rememorar, com o qual a vida vai sendo revisitada pelo sujeito. O método da História de vida funciona como possibilidade de acesso do indivíduo a realidade que lhe transforma e é por ele transformada, na busca da apreensão do vivido social, das práticas do sujeito, por sua própria maneira de negociar a realidade onde está inserido (Barros, 2000). Este método tem como objetivo o acesso a uma realidade que ultrapassa o narrador. Por meio da história de vida contada da maneira que é própria do sujeito, tenta-se compreender o universo do qual o indivíduo faz parte. Isto nos mostra a faceta do 12 mundo subjetivo em relação permanente e simultânea com os fatos sociais (Camargo, 1984). A utilização do método biográfico em ciências sociais e humanas é uma maneira de revelar como as pessoas universalizam, através de suas vidas e de suas ações, a época histórica em que vivem. (Goldenberg, 2005). O método biográfico pode acrescentar a visão do lado subjetivo dos processos institucionais estudados, como as pessoas concretas experimentam estes processos e levantar questões sobre esta experiência mais ampla. Becker (1994) enfatiza o valor das biografias, atribuindo grande importância às interpretações que as pessoas fazem de sua própria experiência como explicação para o comportamento social. Para Ferrarotti (1983) citado por Goldenberg (2005) cada indivíduo singulariza em seus atos a universalidade de uma estrutura social e é possível ―ler uma sociedade através de uma biografia‖, conhecer o social partindo-se da especificidade irredutível de uma vida individual (Goldenberg, 2005, p.36). A análise do conteúdo contemplará a perspectiva hermenêutica-crítica, consistindo em explorar ou deduzir as definições de situação que o texto transmitido pressupõe a partir do mundo da vida do autor e de seus destinatários (Habermas, 1987). A interpretação hermenêutica no âmbito das metodologias qualitativas busca reconstruir os processos interativos que produzem o sentido prático ou a construção social da realidade (Koller, 2003). 5. Procedimento e considerações éticas 13 Entrevistas abertas com membros de três gerações de famílias de descendentes alemães (por exemplo, avô, pai e filho) na cidade de Curitiba/PR. A escolha por esta cidade dá se em função do contato com a AMIG (Associação Pró Memória da Imigração Germânica) que proporcionará indicações de pessoas que possam contribuir com relatos. Ressalta-se que a indicação pelos sujeitos de pesquisa propõe que os mesmos tenham vivenciado o período conhecido por ―Estado Novo‖ (citado anteriormente, página 3) em ao menos uma das gerações a ser entrevistada. A escolha por este período da História do Brasil visa o impacto causado nas vidas dos sujeitos, impacto este que possa ter alcançado também as gerações mais jovens de descendentes alemães. As entrevistas serão gravadas e transcritas para análise e interpretação dos dados. Posteriormente dar-se-á a análise das histórias de vida e observação de aspectos da memória, tendo por base a teoria da identidade como metamorfose de A. C. Ciampa. Após análise do conteúdo das entrevistas será verificada a necessidade de uma segunda entrevista, a fim de explicitarem-se pontos a serem esclarecidos. Destaca-se que serão observados aspectos legais, de acordo com a Resolução 196/96 de proteção ao sigilo e procedimentos adotados em pesquisas acadêmicas. As pessoas que virão a se constituir em sujeitos da pesquisa serão contatadas diretamente pela pesquisadora. Aqueles que concordarem em participar da pesquisa apenas o farão após serem informados sobre os propósitos do estudo e mediante assinatura do termo de consentimento informado. As entrevistas serão realizadas em encontro único, em data a ser indicada pelo indivíduo e em local no qual estejam resguardadas a garantia de sigilo e privacidade. O contato com o sujeito de pesquisa exige do pesquisador uma postura ética, 14 a qual, além dos procedimentos rotineiros que envolvem o esclarecimento dos termos da pesquisa, o consentimento do entrevistado, junto com a possibilidade de retirar tal consentimento em qualquer etapa que considerar conveniente e a possibilidade dos sujeitos terem acesso ao conteúdo do trabalho após o término e de manterem contato com a entrevistadora para eventuais dúvidas e observações posteriores ás entrevistas, pressupõe também cuidados como a não indução de questões, a não interferência em respostas indicadas pelos sujeitos, a proposição de questões abertas, não diretivas, que propiciem que os pesquisados escolham como narrar suas próprias histórias, realizando seu próprio caminho de exposição e reflexão da identidade. 6. Bibliografia Andolfi, M. (1984). Por trás da máscara familiar. Porto Alegre: Artes Médicas. Arruti, J. M. P. A. (2002). 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A inferência deste conceito faz-se presente em campos como literatura, linguagem e artes plásticas. O encontraremos também em escritos de autores como William James (1920) e Erik Erikson (1972). Atualmente, no Brasil, a visão mais discutida é a de Antônio da Costa Ciampa (1987) que configura a identidade como metamorfose, constante estar sendo e infindável possibilidade de ser. Desta forma, em resposta à pergunta ―quem és‖ o indivíduo trará não somente um substantivo que o nomeia, mas carregará com isso toda interface social que a resposta lhe acarreta. Observando-se em paralelo a arte, pode-se pensar esta como ferramenta mutável que em se comparando à identidade, nomeia e insere o sujeito em determinado contexto social. O papel da experiência com arte pode tornar as pessoas capazes de criar imagens visuais que expressem memórias reprimidas, percepções e padrões de vida, fazendo destes, referenciais que facilitem a comunicação entre consciência da interioridade e a consciência do que é externo, ajudando a colocar o sujeito no mundo como construtor da realidade e também do belo. Segundo Rhyne (2000) a forma como percebemos 1 visualmente está diretamente relacionada à forma como pensamos e sentimos, a correlação torna-se aparente quando representamos nossas percepções com materiais artísticos. As figuras centrais que representamos emergem de um fundo difuso e nos dão pistas do que é central em nossa vida. A forma como linhas são usadas, formas, cores e a relação destas umas com as outras, bem como o espaço onde estes elementos são colocados, indica algo sobre como padrões de vida são organizados. A estrutura e até mesmo a falta dela, a compreensão deste movimento e a forma como este é executado, pode gerar a consciência sobre a criação de 1 novos rumos, novas possibilidades. No âmbito artístico é notável a aquisição de autonomia que a arte promove no indivíduo, gerando tipos de movimentação pró-vida. A relação entre o artista e seu trabalho pode ter efeito tranquilizador e também reabilitador (Pain & Jarreau, 2001, grifo nosso). De Masi (2000) ressalta a relevância que a arte terá no próximo milênio. A estética ajuda o indivíduo a dar significado às coisas mais simples, algo perdido na sociedade totalmente industrializada. A demanda será por pessoas criativas, que possam substituir as máquinas. A criatividade está ligada à liberdade: Todo indivíduo fortemente preso às regras tem sua criatividade comprometida. A busca pela liberdade incide na arte, onde fantasias e a expressão concreta das emoções podem aflorar. Mesmo em situações de pressão, o artista acaba por ultrapassar barreiras de vigilâncias que impeçam a expressão da subjetividade (Giora, 2000). A autora ressalta o caráter libertário da arte, que possibilita ao homem um novo tipo de conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo diferentemente do conhecimento ciências. A arte experiências cotidianas por possibilitar que o produzido pelas difere também homem veja-se das inteiro, essencialmente como criador. É natural da essência humana o desejo e a identificação com o belo. Identificar-se com o que agrada ser reconhecido por isto são formas de constituição do indivíduo junto ao meio social no qual estiver inserido. A questão de fato, é que os meios sociais levam o indivíduo a estruturar-se de acordo com objetos de identificação variados. Situações diversas podem sugerir que a vida tome rumos os mais diversos. Contudo, podem existir pontos onde indivíduos com vidas e experiências diferentes podem se encontrar e identificarem-se com a mesma busca. Busca esta, por emancipação. Quando falamos em ―encontros‖ queremos com isto dizer que a mesma busca por emancipação pode unir vidas, transformar identidades e por que não, por meio de ferramentas aparentemente simples como a arte, trazer à tona a interrelação indivíduo-sociedade-identidade. Neste contexto, a pergunta a qual buscamos responder corresponde ao papel da arte como possível mediadora no processo de metamorfose da 2 identidade. Qual seria seu papel no vir a ser do sujeito? O que é a arte? Arte pode ser entendida como uma forma de comunicação humana, através da qual se expressam essencialmente emoções. Por acessar justamente os canais da afetividade, permite a troca entre pessoas de qualquer idade, gênero, raça, classe ou nível de conhecimento (Giora, 2000). A arte aciona elementos interiores, muitas vezes inconscientes. Segundo Hauser (1988) uma obra de arte é uma entidade independente, um sistema fechado e completo em si próprio, cujos elementos poderão ser inteiramente explicados em termos de interdependência, sem qualquer recurso às circunstancias da sua origem ou sua influência. Na obra de arte existe uma lógica interna própria e a especificidade vê-se claramente nas relações estruturais internas dos vários níveis de organização e dos vários temas distintos. A arte nos dá interpretação da vida, que nos permite enfrentar com maior êxito o estado caótico das coisas e extrair da vida um sentido superior, mais convincente e seguro. A obra de arte não é apenas uma fonte de experiência pessoal complexa, possui também outro tipo de complexidade, que faz dela um ponto de encontro de diferentes linhas causais. É o resultado de pelo menos três diferentes condições: psicológicas, sociológicas e estilísticas (Hauser, 1988). Como ser psicológico, o indivíduo retém só a liberdade de escolher entre várias possibilidades permitidas pela causação social, esta também cria para si próprio novas possibilidades, de modo algum prescritas pela sua sociedade, ainda que podendo ser limitadas pelas condições sociais em que vive. O individuo criador inventa novas formas de expressão, não as encontra já feitas. Van Gogh, por exemplo, demonstrava sua arte não como um instrumento, mas sim como agente de transformação da sociedade. A arte deve-se inserir no ativismo geral como uma força, descobrir verdade contra a alienação (Argan, 2002). Para Fischer (1977) a arte é concebida como meio de colocar o homem em estado de equilíbrio com o meio circundante, trata-se de uma idéia que contém o reconhecimento parcial da natureza da arte e de sua necessidade. 3 Desde que um permanente equilíbrio entre o homem e o mundo que o circunda não pode ser previsto nem mais desenvolvida nas sociedades, trata- se de uma idéia que sugere que a arte não só é necessária como tem sido necessária. O autor adverte que a função da arte não é meramente divertimento, mas sim que o expectador busque nas diferentes formas de expressão, que vão desde o teatro até a pintura, um modo de identificação, podendo este ser um desejo de completar a própria vida incompleta. Sobre o artista, Baudelaire apud Bosi (2000) diz que este dá realidade a seu sonho e persegue a imagem interior por meio de técnicas plásticas, com sucessivos toques e retoques até que encontre o efeito da verdade que almeja obter. Quanto mais o artista apura sua técnica, mais facilidade tem de expor seu movimento interno com exatidão, ao mesmo tempo em que elabora, participa e pensa seu trabalho. ―Um bom quadro é fiel e igual ao sonho que o gerou‖ (Baudelaire apud Bosi, 2000 p. 95). O ver do artista é sempre transformador, um combinar e um repensar dos dados da experiência sensível (Bosi, 2000). No processo artístico o sujeito apropria-se das imagens e acaba por elaborar um universo de imagens significantes de seus conflitos subjetivos (Pain & Jerreau, 2001). Identidade Iniciar a explicação deste tema envolve primeiramente um questionamento: A resposta dada por um indivíduo quando perguntado sobre sua própria pessoa produziria um efeito que o torna perfeitamente previsível? É com este questionamento que Ciampa (2001) inicia a explanação do que vem a ser identidade. Esta, configura uma totalidade contraditória, múltipla e mutável, onde o indivíduo sempre é único na multiplicidade e na mudança e se revela naquilo que oculta. Segundo o autor o processo de mudança é constante e nos tornamos algo que não éramos ou nos tornamos algo que já éramos e que estava embutido dentro de cada um. Identidade é a junção de vários fatores. É iniciada por nosso nome, escolhido pelo grupo familiar e passa pelas várias expectativas que outros colocam em nós, chegando então no decorrer da existência em um ponto onde o indivíduo saiba nomear suas vontades, desejos, qualidades e ações. 4 ―O sujeito deixa de ser substantivo, ser nomeado, para ser verbo, ser ação.‖ (Ciampa, 2001, p. 170). Para que se entenda a identidade é preciso compreender o processo de sua produção. ―A identidade é a articulação da diferença e da igualdade‖ (Ciampa, 2001, p. 138). É a estrutura social mais ampla que oferece os padrões de identidade; Neste sentido, também se pode dizer que as identidades, no seu conjunto, refletem a estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela, conservando-a ou transformando-a. Ciampa traz a visão de que em cada momento da existência do indivíduo, embora sendo uma totalidade, manifestam-se partes de si como desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito. Segundo Jacques (1998), temos um panorama de autores que empregam distintas expressões como imagem, representação e conceito de si na discussão de identidade. Em comum, caracterizam o desenvolvimento por estágios crescentes de autonomia e consideram a identidade como gerada pela socialização garantida pela individualização. Em psicologia social, a identidade como problemática ocupou lugar também na tradição interacionista simbólica, em trabalhos pioneiros de George Mead. Para Ciampa, o conhecimento de si é dado pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através de um determinado grupo social, grupo este que acaba por ser determinante na configuração subjetiva do sujeito. Podemos exemplificar com crianças em seu processo de desenvolvimento que, logo nas idades iniciais, passam a compreender como os outros são enquanto aumentam sua compreensão de senso de si mesmas (Gardner, 1997). Reconhecer-se e ter sua identidade em grupos que existam objetivamente, onde se trabalha ou se tem alguma prática são fatores que levam a existência, esta é reconhecida por meio da ação praticada pelo indivíduo. ―Nós somos nossas ações, é pelo agir que se é (...). Onde a identidade aparece e se estabelece pelas ações do sujeito‖ (Ciampa, 2001, p. 203). Em parte, há dificuldade conceitual, onde sistemas identificatórios são subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal (atributos específicos do indivíduo) e identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias). Esta última ainda recebe 5 predicativos mais específicos como identidade étnica, religiosa, profissional etc. (Jacques, 1998). A identidade tem seu desenvolvimento determinado por condições históricas, sociais e materiais dadas, somadas às condições do próprio indivíduo. Desta maneira a concretude da identidade é sua temporalidade: passado, presente, futuro. É a síntese de múltiplas e distintas determinações (Ciampa, 2001). Objetivos Compreender o papel da arte na transformação da identidade fazendo uso do referencial de Ciampa (1987). Segundo o autor a metamorfose da identidade decorre da atividade e consciência do sujeito. Metodologia usada Entrevistas abertas com dois sujeitos que mantêm contato com arte e análise qualitativa de suas histórias de vida, observando-se as categorias centrais da teoria da identidade de Ciampa (1987). O método escolhido para este estudo se insere na abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa refere-se, em amplo sentido, a descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos. ―Como a realidade social só aparece sob a forma de como os indivíduos vêem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através dos olhos dos pesquisado‖ (Goldenberg, 2005, p. 27). As chamadas metodologias qualitativas privilegiam de modo geral, a análise de micro processos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais (Martins, 2004). Um breve relato das entrevistas com B e F Entrevistamos dois sujeitos que mantinham contato com arte e seu encontro, deu-se também por meio desta atividade em comum. B. migrou do Nordeste para o Sudeste, onde sofrera muito com a busca por trabalho e por reconhecimento. Seu sonho era estudar, contudo, frente às 6 dificuldades financeiras, teve que trabalhar como atendente de Telemarketing em um Call-Center e não via perspectivas, além de um possível retorno à sua cidade de origem. Em dado momento, passeando por uma feira de artes em São Paulo decidiu que era isto o que queria ser: Artista. Inicia-se então um processo de busca por tal concretização. Após ter feito Faculdade de artes, B. inicia sua atividade como professora, contudo, não fica satisfeita. Sente que deveria desenvolver a atividade, mas não sabia bem como isto deveria se dar. Algum tempo depois, envolvida por questionamentos quanto à função de sua arte enquanto profissão, andando pelas ruas de São Paulo, vê um morador de rua cuja casa, feita de papelão, era toda decorada com pinturas com motivos florais. Foi o momento onde B. soube que seu trabalho com arte poderia ter um sentido! B. consegue então parcerias e inicia um projeto para dar aulas de arte em presídios na cidade de São Paulo. É justamente em um dos presídios onde ensinava que B. encontra F. nosso outro sujeito deste estudo. F. estava preso há cinco anos por latrocínio, não tinha contato com sua família e sentia-se desmotivado, deprimido e sem perspectivas na condição de presidiário. Algum tempo depois, B. e F. desenvolvem uma amizade e pensam um projeto futuro, que agregasse a experiência com a arte e que abrangesse mais pessoas para além das paredes do presídio. B. consegue então fundar uma ONG, cujo objetivo é o ensino de arte à egressos das penitenciárias. F. segue também com o projeto da ONG de B, primeiro contribuindo com idéias quando ainda preso e depois, já em liberdade, passa a ajudar B a ensinar arte para outros. Além disto, F. busca um curso profissionalizante e tem como objetivo até o momento de nossa entrevista, profissionalizar-se como professor: Professor de artes! Discussão Com a análise das entrevistas percebeu-se o papel de ação da arte nas vidas dos sujeitos participantes. Os mesmos apresentaram mudanças significativas por meio do contato com a arte em seu jeito de ser. Em seus relatos 7 observamos que estes puderam reconhecer-se como possuidores de possibilidades e com isto, abriram caminho para seus projetos de vida. A arte nas histórias de vida analisadas foi utilizada não como instrumento único de metamorfose da identidade, mas sim como auxiliar, mediador no vir a ser de ambos. Abriu possibilidades para que os sujeitos percebessem potenciais e talento e o que poderiam vir a fazer, iniciando seus novos planos de vida. Cabe ressaltar que à partir dos dados trazidos pelos entrevistados, percebemos que a abertura de possibilidades do vir a ser (no nosso caso do vir-aser de artistas e atuantes na sociedade com sua atividade), dependerá do momento de vida de cada indivíduo e também da própria percepção de suas atividades e busca por emancipação. Na história de vida de B, inferimos o quanto a identidade possui raízes na percepção que o sujeito tem do seu primeiro ambiente social vivido (família) e de como tal percepção permeará muitas das suas futuras buscas. Junto a isto, o conceito que o indivíduo tem de si mesmo, contribui para que seu potencial de ação se desenvolva. As buscas de B. e F, bem como o reconhecimento que tiveram ao longo do caminho percorrido, contribuíram para que continuassem a lutar pelo que de fato lhes preencheria e que lhes fizesse sentido. É no grupo social que nos reconhecemos primeiramente como o que não somos para daí então, tomarmos consciência do que somos e do que queremos ser. Segundo observado nos relatos, o meio foi determinante para o reconhecimento do que os sujeitos eram e também do que não eram, partindo assim cada qual para sua própria busca. Exemplo de um relato de F falando sobre sua atividade na ONG e de como percebeu o que B. Nele observava: “ ossa, ela viu a forma que as pessoas me tratavam e ela sabia que fazia 6 meses que eu tava fora do presídio e ela via como o pessoal me tratava, como era parte dos negócios de dar aula né... Que foi o recebimento pelo trabalho efetuado, ela viu como ocorreu e tudo mais, então eu nossa, tive um relacionamento maravilhoso com todos(...). ” F descobriu na arte um instrumento e ao mesmo tempo uma forma de dar 8 vasão ao projeto de uma nova vida ao deixar o presídio. Em seu relato mostrou-nos como a arte veio a se tornar ferramenta que daria voz a seu talento e a seu autoconhecimento. Pôde modificar sua forma de se perceber e também sua realidade social, quando decide ser professor. A atividade com arte apareceu como possibilidade de não-exclusão, oportunidade que F. veria como chance de sair da vida que levava até então. F. deixou sua marca na sociedade por meio da arte e isto gerou novas possibilidades. Iniciou novas buscas, como o estudo e o trabalho. B. viu na arte a alavanca para a educação. Formou-se professora, lecionou no presídio, desenvolveu novas relações e novas percepções do mundo e de si. Fundou sua própria ONG, viu seu projeto se concretizar. Pôde com a arte levar consciência a seus semelhantes, desenvolveu-se ao mesmo tempo em que ajudou outros a desenvolverem-se. Em seu relato, trouxe ter percebido sua evolução por meio de seus quadros e conta ter observado este mesmo desenvolvimento nas obras de seus alunos. B. foi reconhecida por seus alunos como professora de artes e com isto reconheceu em si mesma o potencial para fundar seu novo projeto: O projeto da ONG. B. Transformou sua situação de exclusão em inclusão, melhoria social (para si e para outros) ao mesmo tempo em que pôde se reconhecer na situação de transformadora, o que passou a ser parte de sua identidade. Pensando-se a relação arte-transformação, no caso de nossos sujeitos, cabem algumas analogias: As tintas puderam ser instrumentos e o resultado foi a modificação e constatação do subjetivo, visto a olhos nús quando concluída a obra de arte (ou quando concluindo-se visto que uma obra não precisa ter fim!). Um quadro em branco é uma possibilidade... Caberá ao sujeito torná- la atividade! Considerações finais A arte pôde ser considerada um agente mediador no processo de metamorfose da identidade dos entrevistados. A busca do sujeito por 9 emancipação se fez relevante neste processo, bem como foi o reconhecimento social a alavanca para continuidade das metamorfoses da identidade. Encontrando espaço em si mesmo e no meio social para sedimentação de sua ―nova‖ identidade, será neste mesmo meio social, que o indivíduo terá reforçada ou não a possibilidade de seguir adiante em seus projetos de vida. Fato observado na história de vida de nossos entrevistados, que encontraram na resposta social força motriz para dar continuidade a buscas pessoais. Ao mesmo tempo em que reconheceram e reconhecem seus próprios ―eus‖ a importância do apoio do outro para fortalecimento do ―quem sou e o que busco ser‖ foi encontrada em ambas histórias de vida. Ambos em meio a seu anseio por ensinar pessoas em condições parecidas com as que possuíam (exclusão) sedimentaram o que suas identidades lhes remetia. Tal movimento ocorreu com a arte como ferramenta mediadora, na atividade com esta e pelo reconhecerem-se em suas obras. Pudemos observar que a arte desenvolveu nestes sujeitos o senso de liberdade e de autonomia. A arte aqui foi também ferramenta que aguçou a abertura da sensibilidade e ânsia do vir a ser, possibilitando um movimento emancipatório. A continuidade de pesquisas sobre a arte como ferramenta no processo de metamorfose da identidade e emancipação do sujeito faz-se relevante. Desta forma abrir-se-ao possibilidades de maior conhecimento desta ferramenta (arte) como forma de reconhecimento social. Referências bibliográficas Argan, G. C. (2002). Arte Moderna. Do iluminismo aos movimentos contemporâneos, 8ª ed. São Paulo: Companhia das letras. Bosi, E. (2001). Reflexões sobre a arte, 7ª ed. São Paulo: Ática. Ciampa, A. C. (2001) [1987]. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense. 10 De Masi, D. (2000). O ócio criativo, 4ª ed. 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Trabajo Completo Bombeiros Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), INTRODUÇÃO uma função tão essencial e com tantos estressores. 1 O presente trabalho refere-se ao estágio Específico do curso de psicologia de uma universidade particular do interior do Rio Grande do Sul, centrado na ênfase da Psicologia Organizacional e do Trabalho, sob a ótica da Saúde do Trabalhador. Este apóiase na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho de Dejours e nos fundamentos da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), considerando também a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Considera-se a atividade profissional a partir dos diversos significados que ela possui na vida do homem e da organização como um todo, considerando a saúde do trabalhador, a humanização do trabalho e o desenvolvimento da instituição do Corpo de Bombeiros de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. A profissão de Bombeiro possui algumas particularidades, a principal delas é o fato de estar sob pressão e estressores ao lidar com o salvamento e resgate e com a vida humana. Assim, esse profissional lida com uma forte carga afetiva e emocional em seu trabalho, o que muitas vezes pode ser traumático para o trabalhador e para a organização, ao mesmo tempo esse profissional é vinculado à imagem de herói, o que sinaliza reconhecimento e confiança por parte da população. Destaca-se o trabalho como fonte de prazer e sofrimento, provocando uma contradição, toda essa tentativa de equilíbrio entre prazer e sofrimento e mesmo o desequilíbrio é refletido na saúde ou adoecimento do indivíduo e da organização. (MONTEIRO, MAUS, MACHADO, PESENTI, BOTTEGA e CARNIEL (2007). JUSTIFICATIVA Este trabalho justifica-se pela relevância de se compreender as relações de trabalho dentro de uma organização observando seu funcionamento, e a partir daí apresentar possibilidades de intervenções neste meio. O presente estudo se faz necessário pela peculiar possibilidade (que nos foi dada) da entrada da psicologia em um meio tão restrito, rígido e ordenado, e do espaço que este meio oferece para que ali se faça uma escuta diferenciada de seus trabalhadores. Torna-se relevante destacar também a necessidade de que a psicologia se faça presente em espaços como esse, auxiliando na saúde desse trabalhador que desempenha uma função tão essencial e com tantos estressores. 1 É importante ressaltar que o trabalho também possui relevância acadêmica, na possibilidade de associar a teoria estudada à prática, além de aprofundamento dos conhecimentos na Psicologia Organizacional e do Trabalho. REFERENCIAL TEÓRICO O campo da psicologia voltado à saúde do trabalhador segundo Zanelli e Bastos (2004), teve alterações significativas, a partir de 1986, propostas pela XIIIª Conferência Nacional de Saúde e Iª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, consolidadas na Constituição Brasileira de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde de 1990. Tais alterações rompem o modelo teórico centrado no conhecimento médico e em saberes compartilhados por categorias profissionais para proporem ações integradas e interdisciplinares. Os principais desafios na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) de acordo com o autor anteriormente citado, é compreender como interagem os múltiplos aspectos que integram a vida das pessoas, grupos e organizações em um mundo em constantes transformações, de modo a propor formas de promover, preservar e restabelecer a qualidade de vida e o bem-estar. Sabe-se que o trabalho ocupa papel central na vida de muitos homens de diversas culturas. Para Seligmann-Silva (1994) o trabalho dignifica, ocupa e traz idéia de utilidade e produtividade ao homem. Porém, a autora ressalta que assim como o trabalho tende a fortalecer a saúde mental do indivíduo, pode levar a distúrbios. Esses distúrbios podem se expressar de maneira individual ou coletiva, adoecendo uma organização inteira. Dejours (1999), começa seu seminário certa vez fazendo uma pergunta: O trabalho é causa de sofrimento especifico ou o trabalho apenas revela um sofrimento cujas origens são internas e estranhas ao próprio trabalho? Para responder a esta pergunta ele recorre a uma nova disciplina, a psicopatologia do trabalho, que tem por objetivo especifico a análise clínica e teórica da patologia mental devida ao trabalho. Esta disciplina vem a ser chamada mais tarde de psicodinâmica do trabalho ou analise psicodinâmica das situações de trabalho. A psicodinâmica do trabalho é uma abordagem que tornou-se difundida segundo Jacques (2003), a partir da publicação de Dejours em 1980 do livro A loucura do 2 Trabalho, que ganhou grande receptividade e tem sido um dos referenciais de apoio de inúmeros estudos e pesquisas brasileiras. A ênfase da proposta dejouriana recai no privilégio concedido ao estudo da normalidade sobre a patologia que, inclusive, motivou a substituição da expressão psicopatologia do trabalho por psicodinâmica do trabalho para minimizar a importância do aspecto psicopatológicos, embora a advertência inicial do autor de que utilizava a expressão inspirado nos estudos freudianos e não no sentido restritivo do mórbido. A psicodinâmica do trabalho é um campo do sofrimento e do conteúdo, da significação e das formas desses sofrimentos no âmbito do trabalho prescrito e trabalho real, que correspondendo a Jacques (2003) prioriza aspectos relacionados à organização do trabalho (como ritmo, jornada, hierarquia, responsabilidade, controle, ...). As intervenções propostas se voltam para a coletividade de trabalho (e não indivíduos isoladamente) e para aspectos da organização do trabalho a que os indivíduos estão submetidos. Dejours (1999) afirma sempre haver sofrimento. A única possibilidade, para nós, é transformar o sofrimento: não podemos eliminá-lo. O trabalho é então, ora patogênico, ora estruturante porque a relação entre o sofrimento e o trabalho nunca é previamente determinada, pois depende da dinâmica entre os dois fatores. A organização do trabalho se apresenta de acordo com Jacques (2003) como uma ―porta de entrada‖ do sofrimento e doença mental enquanto geradora de angústia e de estratégias defensivas. Dejours (1999) aponta que há defesas construídas e sustentadas pelos trabalhadores, coletivamente, mecanismos denominados, estratégias de de defesa defesa clássicos coletivas, descritos pela especificadamente psicanálise. São marcadas pelas exigências reais do trabalho. O conceito de sofrimento segundo o autor anteriormente citado, pertence á ordem do singular: o sofrimento coletivo é inconcebível, já que não existe corpo coletivo. Se clinicamente se observa estratégias coletivas de defesa fundadas em uma cooperação entre sujeitos, por outro lado o sofrimento permanece sempre individual e único. Cabe ressaltar que os aspectos saudáveis ou patológicos do trabalho dependem de um equilíbrio, explicado por Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), para os autores, o trabalho pode ser equilibrante ou fatigante. Alguns fatores como a relação que o homem estabelece com seu trabalho e com a organização estão ligados a este processo. Se existe a descarga de energia que o trabalho produz, o trabalho seria Equilibrante, já nos casos em que essa descarga não ocorre, acumula-se tensão, o trabalho torna-se fatigante. Na 3 concepção dos autores, o trabalho que foi livremente escolhido, geralmente oferece vias de descarga mais adaptadas às necessidades do trabalhador, transformando-se em algo relaxante, prazeroso, atingindo uma esfera de realização, uma vez que ao terminar sua tarefa, a pessoa pode sentir-se ainda melhor, do que antes de fazê-la. Um trabalho que promove a homeostasia, equilibrante. Dejours (1999) afirma que se o sofrimento é reconhecido como engenhosidade, a pessoa pode repatriá-lo para o registro da construção de sua identidade; se não é reconhecido pelos outros, seus esforços e contribuições individuais não são reconhecidos pelos outros, o sofrimento é experimentado como absurdo, torna-se sem sentido porque não pode ser transformado, não pode ser subvertido. Nessa situação o sujeito é condenado à repetição, à crise de identidade, à doença. A qualidade de vida no trabalho (QVT) é um fator que merece bastante atenção, especialmente na profissão em que este trabalho trata, a de bombeiro. Para Monteiro, Maus, Machado, Pesenti, Bottega e Carniel (2007) o termo pode ser entendido como uma forma de pensamento que envolve pessoas, trabalho e organizações, abrangendo além de empresas, corporações, escolas, exércitos, hospitais e igrejas. A QVT preocupa- se com a comunicação interna da organização, com a valorização de idéias dos trabalhadores e com o estresse e as estratégias de prevenção do mesmo. Na tentativa de preocupar-se com a saúde do trabalhador, surge a necessidade de melhorar o ambiente de trabalho, considerando as expectativas do trabalhador, necessidades, dificuldades e desejos. Mais especificamente sobre a profissão de bombeiro, os autores anteriormente citados expõem que no imaginário social a palavra ―bombeiro‖ aparece, muitas vezes, carregada de um sentido de heroísmo e salvação, esta ligação pode ser fruto das funções desempenhadas por este profissional, como salvamentos de qualquer espécie, resgate de vítimas em incêndios, primeiros socorros, resgate em acidentes de trânsito, buscas e salvamentos terrestres e aquáticos, auxílio em situações de desastres e calamidades, entre outros, deixando um aspecto de ―super-herói‖ que pode acudir a população nas horas de desespero. Porém, é relevante destacar que este profissional é um ser humano que tem de lidar com muitas situações de risco e estressores em seu cotidiano. Os profissionais que trabalham como bombeiros lidam constantemente com uma forte carga afetiva em seu trabalho, nas situações que envolvem vítimas, por exemplo, eles estão face a face com a morte ou com cenas muito impactantes e quando retornam 4 ao quartel precisam estar prontos para uma próxima ocorrência. (MONTEIRO, MAUS, MACHADO, PESENTI, BOTTEGA e CARNIEL, 2007). METODOLOGIA O estágio específico é um estágio de psicologia com ênfase na área Organizacional e do Trabalho, sob a perspectiva da Saúde do Trabalhador a ser realizado no Corpo de Bombeiros de uma cidade do interior do RS que ocorreu no período de março a dezembro de 2011. O estágio possuiu carga horária de dez horas semanais. As atividades foram realizadas por duas alunas estagiárias do curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano, com supervisão de duas horas semanais com a professora supervisora do estágio. Procedimentos: Inicialmente foi realizada uma reunião com os responsáveis pela direção do local para a discussão de algumas ações e escuta das principais demandas do local. Logo após, conhecemos o local de estágio e começamos o processo de inserção no local bem como a criação do vínculo. Posteriormente, cumpriu-se o cronograma com as atividades previstas, incluindo como método a observação participante da dinâmica do local, que segundo Gil (1993) consiste em um tipo de observação onde o pesquisador está mais próximo da realidade do objeto, interagindo com o mesmo, além de entrevistas, grupos terapêuticos e operativos, e demais atividades, concentrando o foco do trabalho em estratégias de ação que contemplem as demandas do local, atendendo a organização como um todo, em suas necessidades e potencialidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se entender depois de um longo tempo de estágio a complexidade das organizações, principalmente da organização em que nos inserimos. Digo principalmente pelo fato de estarmos falando em uma instituição governamental, com um ritmo distinto de trabalho, onde, a maioria dos trabalhadores segue escalas próprias de cada equipe de trabalho. Nesse sentido, pudemos perceber que existe uma falha muito grande na comunicação dessas equipes. Elas nos pareceram extremamente fechadas e não interessadas em se comunicarem com as outras. Um exemplo disso é o mural da instituição, que atinge somente alguns grupos de trabalho, os outros como não passam 5 na frente do mural para irem as suas salas de trabalho, não lêem as informações ali colocadas. Esse foi um aspecto que demoramos a perceber e que influenciou diretamente nossa inserção no local. Como muitos não lêem o mural, e não houve uma formatura geral para que pudemos ser apresentadas aos colaboradores, a maioria do quartel não sabia que existia o serviço de psicologia ali. Muitos deles somente ficaram sabendo próximo ao final do estágio. Essa questão também dificultou nossa visão da organização. Por muitos meses tentamos organizar atividades que atingissem a organização como um todo. O que percebemos mais tarde que era inútil, pois, devido ao perfil completamente distinto das equipes de trabalho, percebemos que deveríamos propor uma atividade para cada equipe. Por mais que nossa dedicação fosse sempre além do necessário, sentíamos a cada semana como era difícil a inserção da psicologia em um local tão rígido quanto esse. Ao mesmo tempo em que víamos a necessidade da escuta, do acolhimento, da orientação, nos deparávamos com o desconhecimento, a descartabilidade (quando fomos ―despejadas‖ da sala que ocupávamos), entre tantas outras frustrações que tivemos. No entanto, entre as linhas de cada fala que se aproxima de nós nesses finalmentes, sentíamos quão importante era nossa presença ali, mesmo que muitas vezes nada tivéssemos para fazer, mas só por estarmos ali algo diferente parecia acontecer para eles. Algo do tipo: caso eu precise, eu sei que tem, mesmo eu sabendo que não preciso, se algum dia precisar, eu sei que elas estão ali. Pudemos perceber que se o tempo nos proporcionasse mais tempo, nosso estágio lá teria atingido mais pessoas, teria falando e escutado mais, talvez até proposto mais. Dessa forma, ficam várias sugestões para quem assumirá nos próximos semestres este local. Um exemplo que pode ser citado, é o curso CQP que ocorre todo ano e atinge toda a região do corpo de bombeiros. Com certeza esse caminho foi aberto para que a psicologia faça parte de todas as equipes do curso, levando esclarecimentos, conhecimento, escuta e todo nosso instrumental prático e teórico. Por fim, pudemos entender que a aproximação da psicologia como fonte de saúde e escuta, é o que eles mais querem, no entanto, as formas de manifestação desse desejo, ainda são meio obscuras e distantes, fazendo com que muitas vezes, nosso ouvido não tão sensível, ainda em aprendizado, entenda que ali não tem espaço para nós, que eles não querem a Psicologia, quando, pelo contrário, eles clamam profundamente, que 6 alguém os olhe, os escute, os cuide. Ninguém mais preparado e instrumentalizado que a Psicologia, para olhar esse profissional não como um herói, mas como um ser humano que sofre por trabalhar diariamente com um dos maiores sofrimentos da vida: a morte. REFERÊNCIAS DJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho: Contribuições da escola Djouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994. DEJOURS, C. Conferências Brasileiras: identidade, reconhecimento e transgressão no trabalho. Tradução: Ana Carla Fonseca Reis. São Paulo: Fundap: EAESP/FGV, 1999. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1993. SELIGMANN-SILVA, E.; Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Cortez, 1994. MONTEIRO, J. K.; MAUS, D.; MACHADO, F. R.; PESENTI, C.; BOTTEGA, D.; CARNIEL, L. B. Bombeiros: um olhar sobre a qualidade de vida no trabalho. Rev. Psicologia Ciência e Profissão. V. 27 n. 3 . Brasília, 2007. ZANELLI, J. C.; BASTOS, A. V. Psicologia, organizações e trabalho. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2004. La atención psicológica a pacientes con riesgo de suicidio en casos de depresión en el marco de la red de salud mental en Brasil Cibele Cunha Lima da Motta Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré 1. Introducción La depresión constituye la forma de sufrimiento psíquico que presenta mayor asociación a casos de suicidio. De acuerdo con Chachamovich, Stefanello, Botega & Turecki (2009), cerca del 60% de los casos de suicidios eran diagnosticados como trastorno depresivo; esa asociación pone de manifiesto que la atención a la ideación suicida constituye uno de los elementos intrínsecos al manejo clínico del paciente deprimido. 7 En ese sentido, a partir de las indicaciones clínicas dadas al paciente deprimido con ideación suicida resulta conveniente destacar aspectos relevantes de la evaluación y atención al paciente en riesgo. En lo que se refiere al proceso diagnóstico, el estudio de Feldman et al (2007) señala que el riesgo de suicidio en casos de depresión es investigado por clínicos generales de atención primaria a través de la detección de algún indicio, lo que configura una práctica común entre los profesionales de la salud. Las indicaciones del Ministério da Saúde [Ministerio de la Salud] en relación con el proceso diagnóstico de la ideación suicida en casos de depresión se basa en un abordaje que parte de un vínculo de proximidad y confianza, sin establecer un criterio específico para la investigación del riesgo de suicidio. Estas indicaciones forman parte del Manual de Prevenção de Suicídio (Ministério da Saúde, 2006 [Manual de Prevención de Suicidio]), un manual dirigido a los profesionales de los equipos de salud mental, en el que se presentan los factores de riesgos y las principales psicopatologías relacionadas con el comportamiento suicida y, a partir de dicha presentación, establece supuestos para la realización del diagnóstico y del tratamiento. Hay que destacar que las estrategias de atención recomendadas por dicho manual coinciden con los supuestos del concepto orientador de la clínica ampliada y compartida, desarrollada por el Ministério da Saúde (2009). Dicho concepto comprende que los procesos de diagnóstico y manejo clínico se construyen y deben ser ejercidos de forma compartida, lo que promueve procesos de trabajo desarrollados a partir del seguimiento de la persona en 8 tratamiento y configura, así, un proceso de responsabilización compartida con los profesionales involucrados en el manejo clínico. En la noción de Clínica Ampliada y Compartida uno de los elementos fundamentales de la elaboración del proyecto terapéutico es la participación familiar en el proceso de gestión de crisis y tratamiento del paciente. Esa comprensión parte de la concepción de la familia como principal representante de la red social significativa, que Sluzki (1997) concibe como la red de relaciones humanas que contribuyen al sentido existencial del individuo, organizando, así, su identidad ―a partir de la mirada del otro‖. En ese sentido, Sluzki (1997) entiende que la familia tiene una función protectora y ejerce un papel de monitoreo de la salud para garantizar las rutinas diarias de los cuidados básicos, así como los cuidados terapéuticos, además del apoyo emocional, fortaleciendo así el afecto en la familia. El reconocimiento del papel de la familia y de otras fuentes de la red de apoyo social significativo como importantes aliados en el tratamiento del paciente con riesgo de suicidio es aconsejado por el Ministério da Saúde (2006) y por la OMS (2000). En ese sentido, el equipo de salud debe dar informaciones y orientaciones acerca de recursos institucionales —como dar el pase al profesional especialista—, haciéndose así una fuente de apoyo para el paciente y su familia (Brasil, 2006; OMS, 2000). Aparte de los procesos de acogida, evaluación y derivación a un tratamiento médico, la intervención psicoterapéutica constituye un dispositivo eficaz en el tratamiento del paciente deprimido, como señalan estudios de Fountoulakis, Gonda, Siamouli y Rihmer (2009), Eskin, Ertekin y Demir (2008) y Weisz, McCarty y Valeri (2006), que muestran la eficacia de diferentes formas de psicoterapia en las crisis y la comprensión proceso del psicoterapéutico en papel la del prevención del comportamiento suicida, que permite al paciente comprender y elaborar su historia de vida y los factores que desencadenaron dicho evento. La presentación de las indicaciones sobre el proceso de evaluación y atención al paciente con riesgo de suicidio puso de manifiesto un conjunto de indicaciones recomendadas por el Ministério da Saúde (Brasil, 2006) y la OMS (2000), así como los datos de investigaciones sobre los principios del manejo clínico de los pacientes con riesgo de suicidio. A partir del marco teórico expuesto, esta investigación tiene el objetivo de poner de manifiesto las prácticas de los psicólogos en la atención a pacientes con riesgo de suicidio en casos de depresión en el contexto de la salud pública en Brasil. 9 2. Método Este es un estudio de naturaleza cualitativa, desarrollado desde la perspectiva de los supuestos epistemológicos del pensamiento complejo (Morin, 2007; Vasconcellos, 2002), y apoyado en los principios de la teoría de base empírica (Grounded Theory), desarrollada por Strauss y Corbin (2008). 2.1 Caracterización del Campo de Investigación El estudio fue realizado en un municipio del sur de Brasil, cuya red de salud mental disponía, durante la investigación, de 48 Centros de Salud, que constituyen la red de atención primaria, y tres Centros de Atención Psicosocial, que constituyen la red secundaria. En dicho contexto municipal, la salud mental estaba caracterizada por una articulación entre los servicios de la Atención Básica y Atención Secundaria, con los centros de salud como entrada preferencial. 1 2.2 Participantes La investigación contó con la participación de 22 psicólogos de un grupo de 24 profesionales invitados. 2.3 Instrumentos y Procedimientos para la Recolección de Datos Se utilizaron dos instrumentos para la recolección de datos, que fue realizada en dos etapas diferentes. La primera etapa se caracterizó por un proceso de observación participante de campo de las reuniones mensuales de los grupos regionales de salud mental, en un total de dieciocho encuentros. Los datos reunidos en esa etapa de recolección fueron registrados en diarios de campo que pusieron de manifiesto la configuración del contexto institucional y también de qué forma eran discutidas en ese contexto las temáticas de la depresión y el suicidio. La segunda etapa da recolección de datos, que tuvo lugar tras el período de observación participante de campo, fue llevada a cabo por medio de entrevista 1 La presente investigación siguió las normas de la resolución 196/96 del Consejo Nacional de Salud y de la resolución 016/2000 del Consejo Federal de Psicología, siendo aprobada por la por dicha institución de salud y por el Comité de Ética de la Institución Educativa con el número de registro 147/08 FR-201479, a partir de lo cual fue realizada. 1 0 semiestructurada, de forma individual, después de la firma de la Declaración de Consentimiento Informado. 2.4 Análisis de los Datos Las transcripciones de las entrevistas semiestructuradas y las notas del diario de campo fueron analizadas cualitativamente con el método de la Grounded Theory (teoría de base empírica), de Strauss y Corbin (2008). Ese proceso de análisis permitió la codificación y clasificación de los datos en categorías de análisis que posibilitaron una comprensión integrada sobre la práctica de los psicólogos en la atención de los pacientes en riesgo de suicidio en el contexto de la red municipal de la salud. El procesamiento del análisis se llevó a cabo con el software de análisis para la investigación cualitativa denominado ATLAS TI 5.0 (Qualitative Research and Solutions), que facilitó el proceso de codificación y construcción de las categorías, tomando como base el marco teórico adoptado por la investigadora. 3. Resultados y Discusión 3.1 Categoría Diagnóstico del Riesgo del Suicidio Considerándose los contextos de las investigaciones sobre la relación entre depresión y suicidio, la evaluación del riesgo del suicidio se caracteriza como un aspecto del diagnóstico que debe ser observado. En esa investigación, todos los psicólogos afirmaron que evaluaron el riesgo de suicidio en casos de depresión. Entre los entrevistados, un total de diez psicólogos relataron que investigan sobre el suicidio a partir de indicios, estén presentes en el discurso del paciente, en el prontuario o bien cuando se presentan como un evento en la historia familiar. Estos datos coinciden con los resultados de la investigación de Feldman et al (2007), que señalan que clínicos generales en la atención primaria investigan el riesgo de suicidio en casos de depresión a través de algún indicio, no siendo, por lo tanto, una practica clínica común a todos los pacientes deprimidos. Un proceso de investigación activa sobre la ideación suicida fue relatado por dos grupos de psicólogos; el primer grupo, formado por ocho profesionales, afirmó que realizó una investigación de la ideación suicida en casos de depresión severa, lo 1 1 que, según ellos, disminuiría el riesgo de suicidio. Para un conjunto de cuatro psicólogos, la investigación sobre el riesgo de suicidios se debe realizar en todos los casos de depresión. Las diferentes narrativas aportadas por los participantes ponen de manifiesto que los abordajes del riesgo de suicidio se diferencian en lo que se refiere al momento más adecuado, considerándose los indicios de riesgo y la gravedad de la depresión. A pesar de las diferencias, el riesgo de suicidio en casos de depresión es constantemente evaluado por los profesionales de acuerdo con los principios del Manual de Prevenção de Suicídio (Brasil, 2006). Cabe decir también que el Ministério da Saúde recomienda, además, un abordaje basado en una relación de confianza y proximidad, características observadas en la narrativa de los psicólogos, mientras describían la forma de abordar al paciente en riesgo. 3.2 Categoría Estrategias de Intervención Terapéutica Esta categoría relacionó diferentes aspectos del proceso de intervención terapéutica en el caso de comportamiento suicida. El primer aspecto que se presentará se refiere a la inclusión de la red de apoyo social significativa para ayudar en los cuidados al paciente. Ese tipo de intervención estuvo presente en la narrativa de los veintidós participaron en la psicólogos que entrevista, configurando así el procedimiento de mayor regularidad entre los profesionales. La inclusión de la red social significativa en la atención al paciente en riesgo revela el reconocimiento de la dimensión de la red social en los procesos de cuidados al paciente, en la medida en que se comprende que la(s) persona(s) elegida(s) por el paciente desempeñan un papel de contención y cuidado a partir de una matriz relacional propia que contiene la historia afectiva, constituyéndose cuidadores específicos de aquel paciente. Se puede destacar que esa estrategia constituye uno de los procedimientos de prevención al suicidio recomendados en el Manual de Prevenção de Suicídios desarrollado por el Ministério da Saúde (2006), y por la OMS (2000), confirmando la importancia del comprometimiento activo de la red de apoyo social en casos de riesgo de suicidio. La intervención psicoterapéutica fue presentada como una de las estrategias de intervención por cinco de los participantes en la investigación. Los aspectos abordados profesionales fueron las estrategias por los de acogida, de establecimiento de un vinculo y de una relación de contención con el paciente con 1 2 comportamiento suicida, así como el desarrollo de acciones de orientación en los momentos de crisis. La acogida y la oferta de apoyo emocional son estrategias terapéuticas enfatizadas por el Manual de Prevenção de Suicídio (Brasil, 2006) para el comportamiento suicida, reforzando así posturas de atención aconsejadas dentro del la noción de clínica ampliada (Brasil, 2009). A su vez, los participantes de esta investigación destacaron el proceso de intervención como una herramienta en la atención al paciente con comportamiento suicida. La comprensión del papel del proceso psicoterapéutico en la prevención del comportamiento suicida es defendida por estudios que señalaron la eficacia de diferentes tipos de terapia, en ese momento de crisis (Fountoulakis et al., 2009; Eskin et al., 2008; Weisz et al., 2006). 3.3 Categoría Estrategias Institucionales Esta categoría se formó a partir de datos del diario de campo, recolectados en el proceso de observación, junto a las informaciones sobre las estrategias institucionales presentadas por los participantes. Entre los aspectos presentados, el proceso de discusión y atención interdisciplinaria fue presentado como una estrategia positiva por los psicólogos entrevistados. El proceso de discusión acerca del manejo clínico del paciente en riesgo también fue seguido a lo largo del proceso de observación participante de campo. Ambas fuentes de datos pusieron de manifiesto que la construcción interdisciplinaria de la propuesta de manejo clínico del paciente propició una comprensión ampliada de la demanda y la construcción de un proyecto terapéutico fundamentado en las necesidades del usuario de la salud y en la viabilidad de recursos terapéuticos del equipo y de la institución. El proceso interdisciplinario es uno de los principios de la política pública de clínica ampliada (Brasil, 2009), que, por medio del trabajo multiprofesional, busca ofrecer una atención más integral al paciente. En ese contexto, los cuidados con el paciente son función del equipo y no solamente de un profesional responsable por el paciente, lo que configura una atención compartida. Esa dinámica forma un equipo que comparte la responsabilidad por la atención al paciente en riesgo, lo que permite, según declara una psicóloga entrevistada, una mayor cobertura y atención al paciente en riesgo, algo considerado por los entrevistados como un aspecto positivo, tanto para el paciente como para el grupo. De acuerdo con lo recomendado por el Ministério da Saúde (Brasil, 2006), los psicólogos afirmaron que desarrollan estrategias de orientación e información acerca 1 3 de los recursos institucionales y otros servicios ofrecidos por la comunidad para la atención al paciente en crisis. 4. Consideraciones finales Esa investigación expuso las prácticas de los psicólogos en el manejo clínico del riesgo de suicidio en el contexto de la red pública de salud mental en Brasil. En lo que se refiere al proceso de diagnóstico, los datos señalaron que el abordaje de los psicólogos se caracteriza por una escucha individual y cuidadosa que considera los indicios presentados por el paciente deprimido. En lo que se refiere a la atención al paciente en riesgo fue posible observar que la activación de la red social significativa del paciente es el punto de partida del desarrollo del proceso terapéutico, una vez que se reconoce el papel de la familia o de otras fuentes de red significativa como aliados en el tratamiento del comportamiento suicida. Cabe destacar que la inclusión de la familia en la atención resultó la forma de intervención de mayor regularidad entre los profesionales entrevistados, siendo utilizada por todos los psicólogos. El relato de los psicólogos puso de manifiesto el papel del proceso psicoterapéutico como una herramienta fundamental en la atención al comportamiento suicida, corroborando así la literatura revisada. Los procedimientos de psicoeducación y orientación fueron mencionados por los profesionales como parte del proceso terapéutico. Otro elemento que se debe subrayar, es que los casos de comportamiento suicida son discutidos y derivados en equipo en un proceso de responsabilización compartida de la atención entre los profesionales de la salud. Los procesos de discusión atención compartida señalan en equipo y la el ejercicio de la multidisciplinariedad y de la interdisciplinariedad en el contexto de la red de salud mental. Considerándose todos los aspectos presentados por los psicólogos, se observó claridad y uniformidad en lo que se refiere a los principios del manejo clínico del comportamiento suicida, de conformidad con los supuestos del Ministério da Saúde, caracterizando, así, una calidad en las acciones de prevención y atención en salud mental. 1 4 5. Bibliografía Brasil. Ministério da Saúde. (2006a). Manual de Prevenção do Suicídio. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde. Brasil. Ministério da saúde. (2009). Clínica ampliada e compartilhada. Secretaria de atenção à saúde. Política nacional de Humanização da atenção e Gestão do SUS: Ministério da Saúde. Chachamovich, E., Stefanello, S., Botega, N., & Turecki, G. (2009). Quais são os recentes achados clínicos sobre a associação entre depressão e suicídio? Rev. Bras. Psiquiatr., 31(1):18-25. Eskin, M., Ertekin, K., & Demir, K. (2008). Efficacy of a Problem-Solving Therapy for Depression and Suicide Potential in Adolescents and Young Adults. Cogn Ther Res, 32:227–245 Feldman, M. D., Franks, P., Duberstein, P. R., Vannoy, S., Epstein, R., & Kravitz, R. L. (2007). Let‘s Not Talk About It: Suicide Inquiry in Primary Care. Ann Fam Med, 5(5):412-418. Fountoulakis, K. N., Gonda, X., Siamouli, M., & Rihmer, Z. (2009). Psychotherapeutic intervention and suicide risk reduction in bipolar disorder: A review of the evidence. Journal of Affective Disorders, 113:21–29. Morin, E. (2007). Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina. Organização Mundial de Saúde. (2000). Preventing suicide: A resource for general physicians. Mental and Behavioural Disorders Department of Mental Health. Geneva: World Health Organization. Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo. Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artemed. Weisz, J. R., McCarty, C. A., & Valeri, S. M. (2006). Effects of Psychotherapy for Depression Bull, in Children and Adolescents: A Meta-Analysis. Psychol 132(1):132–149. 1 Construyendo herramientas conceptuales para una Psicología del Desarrollo Rural Autores: - Dr. Fernando Landini. Facultad de Psicología, Universidad de Buenos Aires y Universidad de la Cuenca del Plata, Argentina. Email: [email protected] - Lic. Sofía Murtagh. Facultad de Psicología, Universidad de Buenos Aires, Argentina. Resumen: La psicología tiene contribuciones reales para hacer al área del desarrollo rural, particularmente al trabajo de extensión rural con pequeños productores. No obstante, al día de la fecha, esta disciplina carece de un marco conceptual adecuado para abordar la complejidad y multidimensionalidad de los procesos de desarrollo rural. En este sentido, queda claro que la psicología no debe caer en el reduccionísmo de interpretar procesos tan complejos como la innovación o la adopción de tecnologías utilizando únicamente variables índole psicológica, ni abordar estas cuestiones focalizando solo en una dimensión intrapsíquica. Por esta razón, en el presente trabajo se exploran un conjunto de desarrollos provenientes de distintas ciencias sociales para encuadrar el estudio de los factores psicosociales que se vinculan con los procesos de desarrollo rural. En concreto, se analiza la noción de interfaz social como alternativa para comprender el carácter interventivo de los proyectos de desarrollo y se articulan las nociones de cosmovisión, racionalidades y estrategias para abordar la dimensión social de los procesos de desarrollo, haciendo énfasis en sus fundamentos psicosociales. Por último, se presenta un gráfico con el objeto de sintetizar la propuesta conceptual. Palabras clave: Cosmovisión; Desarrollo rural; Estrategias; Interfaz Social; Racionalidades 2 1. Introducción En distintos trabajos, nuestro equipo ha sostenido que la psicología, particularmente en su vertiente social y comunitaria, tiene potencialidad para contribuir con iniciativas, procesos y proyectos de desarrollo rural que se llevan adelante con pequeños productores (ej. Barilari, Landini, Logiovine y Rotman, 2011). En efecto, es claro que los procesos de desarrollo rural poseen dimensiones iniciativas y componentes de extensión que tienen un fuerte contenido psicosocial. rural, por ejemplo, se caracterizan Las por un fuerte contenido cooperativo/asociativo, requieren de la participación e implicación de los beneficiarios en sus actividades y se orientan a la transformación de las actitudes y las prácticas de los productores. Se entiende entonces, que haya consenso en considerar que las ciencias sociales en general (y obviamente la psicología en particular) pueden efectuar importantes contribuciones en estas cuestiones (Tsakoumagkos, González y Román, 2009). En este contexto, y con el objetivo de conocer los aportes de psicólogos y psicólogas en esta área, nuestro equipo de investigación académicos (publicaciones científicas) que abordaran, indagó los trabajos desde la psicología, cuestiones vinculadas al desarrollo rural. Este trabajo permitió concluir que este tipo de investigaciones no solo son escasas, sino que además tienden a estudiar los procesos de desarrollo rural desde una perspectiva individualista que no reconoce su complejidad y multideterminación (Landini, Benítez y Murtagh, 2010; Murtagh y Landini, 2011). Esta limitación, presente en la mayoría de los enfoques utilizados, nos ha llevado a delimitar un conjunto de lineamientos conceptuales ser útiles para que psicólogos y psicólogas esta temática que puedan aborden reconociendo su complejidad y multideterminación. Es precisamente en torno a esos lineamientos que nos proponemos reflexionar en este trabajo. 2. Intervenciones para el desarrollo e interfaces sociales Cuando pensamos en procesos de desarrollo rural, resulta fundamental 3 mencionar que estos procesos se encuentran organizados en términos de intervenciones para el desarrollo, en las cuales quedan delimitados dos tipos 4 diferenciados de actores sociales. Por un lado, los actores internos, es decir, las comunidades de pequeños productores, portadores de una racionalidad, una lógica cultural propia, que no se identifica con la de los actores técnicos (Cáceres, 2003; Carenzo, 2006). Por el otro, actores externos, generalmente técnicos o ingenieros agrícolas y funcionarios públicos, portadores de sus propias prioridades, intereses y valores. Así, queda en el foco de nuestra atención la relación (generalmente conflictiva) que se establece en el contexto de los procesos de desarrollo local entre actores internos y externos (productores y agentes de desarrollo). Ahora bien, para la comprensión de este vínculo es necesario un abordaje específico que pueda abarcar su complejidad. Para esto proponemos el uso del concepto de ‗interfaz social‘, desarrollado por Norman Long en el contexto de la sociología del desarrollo (ej. Long, 1992, 2007). Long define a las interfaces sociales como puntos críticos en los cuales se intersectan mundos de vida, campos sociales o niveles de organización social, en los cuales es posible encontrar discrepancias a nivel de valores, intereses, conocimientos y poder (Long, 2007). Diremos entonces, que las interfaces sociales constituyen espacios en los cuales diferentes racionalidades o lógicas entran en conflicto, negocian y se reconstruyen. Y no se trata sólo de conflictos en torno a conocimientos, es decir, a lo que se considera la forma correcta de ver las cosas o de abordar determinados problemas económicos, productivos o comerciales, sino particularmente se trata de conflictos de poder, donde lo que está en cuestión es quién decide, qué es lo que se hace y quién se beneficia de ello. Interesante mencionar que el modo en que se dé la interacción en la interfase entre agentes de desarrollo y pequeños productores rurales, va a determinar carácter transferencista o dialógico el del vínculo, conceptos desarrollados por los especialistas en el área de la extensión rural para abordar esta temática (ej. Freire, 1973; Schaller, 2006; Machado, Hededüs y Silveira, 2006). 3. Agencia y Abordaje Orientado al Actor (Actor-Oriente Approach) Para Long (1992), el concepto de ‗agencia‘ (agency) es clave para comprender los encuentros que se dan en las interfases sociales. Es que la agencia, 5 entendida como la capacidad humana para comprender la realidad y actuar sobre ella para alcanzar objetivos deseados (tanto a nivel individual como colectivo), discute la idea de que los actores sociales están determinados (y no solo constreñidos) por las estructuras sociales. Así, la agencia habla del margen de maniobra que tienen los actores, precisamente, para actuar según sus pareceres y luchar por sus propias metas. Usando la noción de agencia para pensar la dinámica que adquieren las interfaces sociales que surgen de intervenciones para el desarrollo rural, comprendemos que los programas y proyectos propuestos externamente no son aplicados e implementados en terreno por los diferentes actores como éstos han sido diseñados formalmente, sino que cada uno de ellos los interpreta, traduce e implementa comprenderlos a su manera, según su propio modo y capacidad para y según sus propios intereses y valores, buscando margen de maniobra para alcanzar sus objetivos. Así, en el contexto del trabajo de extensión rural con pequeños productores, no resulta extraño encontrar conflictos en torno a qué es conocimiento legítimo (Landini y Murtagh, 2011), observándose incluso aceptaciones simuladas del punto de vista de los técnicos, con el fin de obtener distinto tipo de beneficios y subsidios (véase por ejemplo Landini, 2010, en prensa). Ahora bien, para comprender estos procesos conflictivos que se dan en el contexto de las interfaces en los cuales los distintos actores buscar argumentar (e imponer) la legitimidad de sus propios puntos incluso de vista, el construccionismo social resulta de particular interés. Es que esta perspectiva conceptual considera la ‗realidad‘ no como algo cuya verdad a es independiente de los seres humanos sino como el resultado de un proceso de construcción social (Gergen, 1996; Ibáñez, 2001). En concreto, el construccionismo social estudia el modo en que ciertas versiones de la realidad circulan y se convierten en hegemónicas en distintos grupos sociales, haciendo énfasis no en su validez empírica sino en los procesos de comunicación (Gergen, 1993). Importante recordar aquí que, dado que las diferentes versiones de la realidad pueden favorecer intereses sociales particulares, el conflicto en torno a ellas no es sólo una cuestión de conocimiento sino que involucra cuestiones de autoridad y de poder 6 (Howarth, 2006) 7 4. Análisis de las prácticas de los actores sociales Procurando estudiar la agencia humana y las prácticas sociales en el contexto de los procesos de desarrollo y extensión rural, articulando un abordaje psicosocial con uno socio-antropológico, reinterpretar en términos psicosociales resulta tres conceptos de interés analizar y de gran interés. Estos conceptos son los de ‗estrategias‘, ‗racionalidades‘ (o lógicas) y ‗cosmovisiones‘ (Landini, 2011) La noción de ‗estrategias‘ ha sido ampliamente utilizada en el ámbito de los estudios sociales agrarios. Los autores hablan de ‗estrategias‘, ‗estrategias de reproducción social‘, ‗estrategias de subsistencia‘, etc. Con este concepto hacen referencia al conjunto de acciones o patrones de conducta relativamente estables utilizadas por individuos o actores sociales para mantener o mejorar su posición social o para acceder a cierto tipo de beneficios, siempre en el contexto de las constricciones sociales y materiales que estos sujetos o grupos enfrentan. En el contexto de los estudios sociales agrarios, la noción de ‗estrategias‘ ha sido utilizada fundamentalmente para referirse a aquellas de los productores rurales, no obstante, queda claro que puede hablarse de las estrategias de cualquier grupo social, en nuestro caso de interés tanto productores rurales como extensionistas o agentes de desarrollo. La noción de ‗racionalidad‘ (o de ‗lógica‘) es menos utilizada que la anterior, pero de mayor interés para la psicología. Con ella nos referimos al conjunto de principios, reglas, creencias y valores utilizados por diferentes grupos o actores sociales para organizar, guiar y dar forma a sus prácticas sociales. Articulando los conceptos de ‗cosmovisiones‘, ‗racionalidades‘ y ‗estrategias‘, diremos que las cosmovisiones refieren a las distintas ‗realidades‘ o modos de comprender el mundo que tienen los distintos grupos sociales. De estas concepciones del mundo se derivan un conjunto de principios, reglas y prioridades que dan forma a las prácticas de los distintos actores sociales. No obstante, estas ‗reglas‘ o ‗premisas‘ para la acción que constituyen las racionalidades, no pueden ponerse en práctica directamente sino que tienen que tomar en cuenta la disponibilidad de recursos, la existencia de obstáculos y las acciones y estrategias de otros actores 8 sociales. Así, las estrategias serían la puesta en práctica de una racionalidad específica en un contexto material y 9 social particular. En la siguiente racionalidades figura puede observarse y estrategias. la articulación entre cosmovisiones, Nótese que nuestro gráfico muestra como las estrategias de diferentes actores sociales pueden articularse o entrar en conflicto unas con otras. Figura 1: Articulación entre „cosmovisiones‟, „racionalidades‟ y „estrategias‟ 5. Complejidad y multideterminación En el proceso de abordar la dimensión psicosocial de los procesos de desarrollo rural, la psicología no puede caer en el reduccionismo de interpretar los fenómenos que estudia únicamente en términos de variables psicológicas 1 0 individuales intrapsíquicas (Martín-Baró, 1986). Por el contrario, es menester que la psicología tome conciencia de la multideterminación y complejidad propias de los procesos de desarrollo e innovación rural (Leeuwis, 2004; Leeuwis y Aarts, 2011). En términos prácticos, cuando hablamos de multideterminación, en primer lugar estamos argumentando que los procesos psicológicos no pueden ser pensados como la causa única o más importante de los procesos de desarrollo o de adopción de tecnologías. En segundo lugar, la multideterminación también refiere el hecho de que debemos tener conciencia de que los procesos psicológicos o psicosociales también pueden ser determinados por otros que no sean de índole psicológica, sino de naturaleza económica, política, histórica o ambiental, como señala Quintal de Freitas (1994). Finalmente, cuando hablamos de complejidad nos referimos al modo en que esta multideterminación está organizada, haciéndose imposible abordar los fenómenos a partir de determinaciones directas o unidireccionales. Al contrario, la idea de complejidad nos invita a analizar el modo en que los distintos fenómenos, que se encuentran ubicados a distintos niveles y son estudiados por diferentes disciplinas, se encuentran organizados (Ussher, 2006) 6. Conclusiones En el presente trabajo nos propusimos presentar y discutir diferentes conceptos y nociones que, desde nuestra experiencia de trabajo, tanto académico como en terreno, han resultado útiles para abordar procesos rural desde una perspectiva psicosocial, de desarrollo y extensión pero siempre desde una mirada interdisciplinaria. Debemos señalar que el presente trabajo constituye parte de un proceso de reflexión y discusión en curso, de modo tal que tenemos conciencia de la necesidad de realizar precisiones y clarificaciones ulteriores. estamos confiados No obstante, de que estas ideas pueden favorecer el proceso reflexivo de aquellos psicólogos y psicólogas interesados en el desarrollo rural. 1 1 7. Bibliografía Barilari, Z., Landini, F., Logiovine, S. y Rotman, J. (2011). La labor del profesional de la psicología en los proyectos de desarrollo rural orientados a pequeños productores agropecuarios. Revista Argentina de Psicología, 50, 105-115. Cáceres, D. (2003). El campesinado contemporáneo. En R. Thornton y G. Cimadevilla (Eds.), La extensión rural en debate: concepciones, retrospectivas, cambios y estrategias para el Mercosur (pp. 173-197). Buenos Aires: INTA. Carenzo, S. (2006) Economías domésticas y proyectos de desarrollo rural: tensiones en torno a las prácticas y sentidos del trabajo. Cuadernos de Desarrollo Rural, 56, 137-161. Freire, P. (1973). ¿Extensión o comunicación? La concientización en el medio rural. Buenos Aires: Siglo XXI. Gergen K. (1993). El movimiento del construccionismo social en la psicología moderna. Sistemas Familiares, 9(2), 9-22. Gergen, K. (1996). Realidades y relaciones. Aproximaciones a la construcción social. Barcelona: Paidós. Howarth, C. (2006). A social representation is not a quiet thing: exploring the critical potential of social representations theory. British Journal of Social Psychology, 45, 65-86. Ibañez, T. (2001). Psicología social construccionista. Guadalajara: Universidad de Guadalajara. Landini, F. (2010). Ingenieros extensionistas desde la mirada de los pequeños productores. Representaciones, expectativas y realidades. [Versión electrónica]. Mundo Agrario, 20. Landini, F. (2011) Racionalidad económica campesina. [Versión electrónica]. Mundo Agrario, 23 Landini, F. (en prensa). psychology from an Peasant Argentinean identity. case Contributions study. Journal towards of a rural Community Psychology. DOI: 10.1002/jcop.21479 1 2 Landini, F., Benítez, M. y Murtagh, S. (2010). Revisión de los trabajos realizados por la psicología sobre pequeños productores agropecuarios. 1 3 Anuario de Investigaciones de la Facultad de Psicología, 17, 221-229. Landini, F. y Murtagh, S. (2011). Prácticas de extensión rural y vínculos conflictivos entre saberes locales y conocimientos técnicos. Contribuciones desde un estudio de caso realizado en la provincia de Formosa (Argentina). Ra Ximhai, 7(2), 263-279. Leeuwis, C. (2004). Communication for rural innovation. 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[Versión electrónica], Psicología para América Latina, 5. Título: Problemas y propuestas para la conceptualización de la accesibilidad psicosocial y cultural al sistema de salud Autores: - Dr. Fernando Landini (Universidad de Buenos Aires y Universidad de la Cuenca del Plata). Email: [email protected] - Lic. Eliana D‘Amore (Universidad de la Cuenca del Plata) - Lic. Valeria L. González Cowes (Universidad de Buenos Aires) Resumen La accesibilidad al sistema de salud es uno de los principios fundamentales de la Atención Primaria de la Salud (APS). Sin embargo, la mayor parte de los trabajos académicos que abordan suficientemente preciso el tema suele carecer como para abordar de un marco conceptual lo la complejidad relacional de sus dimensiones cultural y psicosocial. Así, se tienden a estudiar las percepciones y el grado de satisfacción de los beneficiarios sin tomar en cuenta el carácter complejo y relacional de la accesibilidad psicosocial y cultural. Por esta razón, en el presente trabajo discutimos los abordajes utilizados actualmente por la academia para el estudio de la accesibilidad al sistema de salud, mostrando sus limitaciones. Así, partiendo de estas reflexiones, se propone un marco conceptual para abordar la dimensión relacional de la accesibilidad psicosocial y cultural haciendo énfasis en la articulación conflictiva entre las percepciones, expectativas y posicionamientos de beneficiarios, por un lado, y profesionales y otros agentes del sistema de salud, por el otro. Para esto, se toma la noción de interfaz social, desarrollada por lo que en sociología se abordaje orientado al actor (Actor-Oriented denomina Approach), focalizando en su nivel de determinación psicosocial. 1 6 Finalmente, para clarificar nuestra propuesta, se presentan dos proyectos de investigación sobre la accesibilidad de la población rural al sistema de salud en el ámbito de la salud sexual, ambos diseñados desde el abordaje conceptual que hemos propuesto. Palabras clave: Accesibilidad; APS; Interfaz social 1 7 1. Introducción La accesibilidad de la población beneficiaria al sistema de salud constituye uno de los elementos fundamentales de la noción misma de Atención Primaria de la Salud (APS), como fue definida en la Declaración de Alma-Ata de 1978. En efecto, en ella se establece que la asistencia sanitaria esencial debe estar al alcance de todos los individuos y familias de la comunidad. Ahora bien, no obstante su importancia, en el presente trabajo argumentamos que a la fecha no contamos con un marco conceptual adecuado para abordar con precisión y claridad el concepto, particularmente en lo que hace a su dimensión psicosocial y cultural, argumento que será presentado en el siguiente subtítulo. A continuación, generaremos una propuesta aprehender haciendo énfasis en utilizando conceptual la noción de interfaz que consideramos idónea social, para la profundidad de esta dimensión de la accesibilidad, el carácter relacional o vincular de la accesibilidad. Seguidamente, una vez presentada nuestra propuesta, desarrollaremos dos proyectos de investigación que fueron diseñados guiados por ella, con el fin de precisar algunas de sus implicaciones empíricas. Finalmente, para culminar nuestro trabajo, sintetizamos las conclusiones a las que hemos arribado en esta ponencia. 2. El concepto de accesibilidad y sus limitaciones El estudio de la accesibilidad de la población a los servicios de salud es una temática que ha sido considerada de gran importancia por múltiples autores (Bernal-Delgado, Peiró y Sotoca, 2006). Ahora bien, teniendo en cuenta esto, llama la atención que en la bibliografía científica que aborda esta temática no suelen encontrarse definiciones fundadas teóricamente. De hecho, lo que suele observarse son definiciones sin referencias bibliográficas que las sostengan (Comes y Stolkiner, 2005), que incluso a veces se intuyen como simples expresiones del sentido común. Asimismo, lo que también llama la atención es la falta de un marco conceptual en el cual estas definiciones se inserten, lo que podría darles más precisión y alcance. En este sentido, podríamos decir que ésta es una de las limitaciones más importantes de los desarrollos 1 8 en torno a la 1 9 noción de accesibilidad: su falta de articulación con marcos conceptuales más amplios. Para precisar el concepto, tomemos una definición propuesta por Martins et al. (2010), quienes han considerado a la accesibilidad al sistema de salud como ―la posibilidad de uso de los sistemas de salud cuando son necesarios, lo que se expresa en las características de la oferta que facilitan u obstaculizan la posibilidad de la gente de usar los servicios de salud cuando los necesitan‖ (p. 439)1. En este sentido, diremos con Solitario, Garbus y Stolkiner (2008) que ‗accesibilidad‘ es un concepto relacional. En la bibliografía científica disponible parecen ser dos las alternativas conceptuales tradicionalmente utilizadas por la mayor parte de los estudios para delimitar los elementos que componen la accesibilidad. La primera propuesta diferencia entre disponibilidad, accesibilidad y aceptabilidad de los servicios de salud (e.g. Wallace y Enriquez-Haass, 2001). Estos autores consideran ‗disponibles‘ a los servicios de salud cuando estos existen en un territorio determinado, ‗accesibles‘ si los costos financieros y las posibilidades logísticas permiten llegar a ellos y ‗aceptables‘ si responden a los valores de los beneficiarios. El segundo abordaje, posiblemente el más extendido, diferencia entre accesibilidad geográfica, financiera, administrativa y cultural (Comes y Stolkiner, 2005), hablándose de ‗barreras‘ cuando las personas no pueden acceder al sistema de salud por razones referidas a estos diferentes ejes. En los dos esquemas mencionados es posible identificar la presencia y el rol que juega la accesibilidad psicosocio-cultural, tal como la llamaremos en este trabajo. En el primer caso, mencionada en términos de ‗aceptabilidad‘ y en el segundo, como ‗accesibilidad cultural‘. No obstante, identificada cuando ponemos nuestro foco en los estudios que han tematizado estas cuestiones, nos encontramos con una limitación de particular importancia. Es que, teniendo en cuenta que la accesibilidad es un concepto relacional, encontramos que los trabajos disponibles tienden a focalizar en aspectos puntuales y específicos de la accesibilidad cultural, sin estudiar como totalidad la conflictiva que puede surgir a partir de la existencia de diferentes racionalidades culturales en el 1 Hacemos notar que la cita ha sido traducida por los autores de este trabajo desde su original en inglés 2 0 encuentro entre beneficiarios y el sistema de salud con sus profesionales y agentes. Veamos algunos ejemplos de aquello a lo que nos referimos cuando hablamos de estas diferentes racionalidades culturales. Una adolescente de 13 años queda embarazada en un pueblo rural. El agente de salud del lugar hace énfasis en la ‗ignorancia‘ de las familias pobres. Hablamos con una vecina de la muchacha y nos comenta que el joven involucrado era de una buena posición económica, por lo que la madre de la adolescente le había aconsejado no cuidarse como forma de consolidar la relación con un posible embarazo. Una mujer lleva a su hijo al médico porque está con diarrea. El profesional indica una dieta, la cual la madre se compromete a seguir al pie de la letra. No obstante, luego nos cuenta que la recomendación del doctor fue una ‗dieta para ricos‘ que no es accesible a la gente pobre, por eso no pudo seguirla. Aquí vemos que la accesibilidad de nivel psicosocial-cultural complejidad centrados presenta una profunda, que necesita ser abordada. No obstante, los abordaje en encuestas de satisfacción frente a la labor del profesional o la indagación de aspectos puntuales de ese vínculo, resultan alternativas limitadas para comprender la dinámica de las barreras que existen a este nivel. Por esta razón, afirmamos la necesidad de contar con un marco conceptual y una estrategia de indagación que nos permita dar cuenta de estas limitaciones para poder generar estrategias para superarlas. 3. La accesibilidad como interfaz social Partimos de asumir que la accesibilidad es un concepto relacional y que los integrantes de distintos grupos sociales poseen diferentes racionalidades (Lapalma, 2001), es decir, distintos principios a partir de los cuales organizan sus conductas y prácticas sociales (Landini, 2011). Resulta claro, entonces, que el concepto de interfaz social resulta de interés. Norman Long (2007) ha definido a la interfaz social como ―un punto crítico de intersección entre diferentes mundos de vida, campos sociales o niveles de organización social en donde es más probable localizar discontinuidades sociales, basadas en discrepancias en valores, intereses y poder‖ (p. 445). Este concepto resulta interesante ya que permite poner el foco en las 2 1 discontinuidades que encontramos, en el contexto de la atención médica, entre los profesionales de la salud (portadores de saberes médicos o científicos) y los/as pacientes (poseedores de saberes empíricos, experienciales o cotidianos), situación que se traduce en diferentes intereses y prioridades. Siguiendo a Long y Villarreal (1993) es importante señalar que, dadas estas diferencias en torno a los marcos de sentido que guían las conductas de los diferentes actores en el contexto de la interacción en las interfaces, será posible observar conflictos, acomodamientos e imposiciones entre estos actores en torno a qué es lo que debe hacerse (prácticas vinculadas con la salud) y qué debe considerarse conocimiento verdadero o legítimo en relación a salud materna. Visto lo anterior, podemos concluir que la accesibilidad psicosocial y cultural al sistema de salud bien puede ser abordada en términos de una interfaz social. Entender así a la accesibilidad nos lleva a poner nuestro foco de atención en los mundos de sentido que guían las prácticas de los actores intervinientes, en los surgen cuando estos conflictos que actores interactúan, en las interpretaciones que cada uno hace de los comportamientos de los otros y en los intereses o prioridades con las cuales estos actores se embarcan en la interacción. 4. Concretización de la propuesta en dos proyectos de investigación Los siguientes proyectos de investigación están diseñados desde la propuesta conceptual de comprender la accesibilidad al sistema de salud en términos de una interfaz social. El primero de ellos toma como eje la salud materna y el segundo el embarazo adolescente, ambos en el ámbito rural. 4.1. La salud materna desde la perspectiva de la interfaz La implementación de estrategias, planes y programas que optimicen la salud materna suele producir espacios de interfaz social donde pueden captarse las discontinuidades, conflictos, negociaciones y acuerdos/desacuerdos sobre el modo de definir la salud y de elaborar propuestas y recomendaciones que tienen los profesionales de salud por un lado y los usuarios del sistema sanitario por el otro. Estas discontinuidades suelen ser insuficientemente 2 2 consideradas embarazo, cuando se trata de estudiar las problemáticas el parto y el puerperio –generalmente vinculadas abordadas desde al la cuantificación de la patología– o en la elaboración e implementación de políticas e intervenciones referidas a ellas. Y son aún menos tenidas en cuenta cuando se trata de llevar estas políticas a poblaciones rurales. En consideración a este cuadro de situación y entendiendo la accesibilidad psicosocial y cultural como un proceso vincular, cabe preguntarse ―¿cuáles son las barreras de orden psicosocial y cultural que limitan y cuáles son los factores que favorecen el acceso de las mujeres rurales de bajos ingresos al sistema de salud público en el ámbito de la salud materna?‖ Para responder esta pregunta diseñamos un estudio comparativo de casos enmarcado en la convocatoria 2012 de la Comisión Nacional Salud Investiga. Proponemos implementar el estudio en 4 provincias del norte argentino (Corrientes, Formosa, Misiones y Tucumán) caracterizadas por superar la media nacional de mortalidad materna. Se trata de una investigación cualitativa, de carácter exploratorio-descriptivo anteriormente presentado y de tipo transversal. El marco conceptual se traduce, en nuestro proyecto, en un diseño de investigación que parte de considerar como participantes no solo a mujeres rurales de bajos ingresos embarazadas o con hijos pequeños sino también a los profesionales de la salud involucrados en la atención del embarazo, el parto y el puerperio de estas mujeres, haciendo énfasis en el estudio del vínculo y las representaciones de un actor social sobre el otro. En combinación con técnicas de observación participante y no participante, se realizarán entrevistas semiestructuradas que, en el caso de los profesionales de la salud, buscan explorar las percepciones sobre sus propias prácticas como profesionales vinculados a la atención del embarazo, el parto y el puerperio; sobre las mujeres rurales que atienden y la valoración que hacen de las prácticas de autocuidado que ellas sostienen; sobre los vínculos y las dinámicas de interacción que se dan con ellas y sobre las barreras que a su entender limitan el acceso de estas mujeres al sistema de salud. Entre tanto, las entrevistas a las mujeres rurales buscan describir sus percepciones sobre los problemas de salud relativos a la salud materna y las estrategias empleadas para hacerles frente; explorar sus representaciones sobre las características, el funcionamiento y la 2 3 utilidad del sistema de salud, sobre sus 2 4 profesionales así como la valoración que hacen de las propuestas y recomendaciones médicas y explorar el modo en que perciben la interacción, dinámica y los vínculos que establecen con los profesionales de salud. Así, el análisis de estas entrevistas nos permitirá comprender no sólo las racionalidades propias de cada uno de los grupos estudiados sino también las dinámicas que se desencadenan en la interfaz de nuestro interés. Podremos conocer la percepción que cada uno de los grupos de actores tiene de la interfaz así como de los conflictos que se suscitan en su interior. Y al comparar las lógicas propias de cada grupo será posible, además, descubrir los supuestos que sostienen las prácticas de cada uno de los actores y los conflictos que se dan entre ellos, no siempre percibidos por los involucrados. Finalmente, podrán hacerse comparaciones entre los estudios de caso de cada provincia, puesto que este proyecto tiene por meta hacer contribuciones que favorezcan el acceso de este sector vulnerable al sistema de salud y, así, aportar al diseño de políticas tendientes a la reducción de la morbilidad y mortalidad materna desde una complementaria a perspectiva las implementadas tradicionalmente. 4.2. Embarazo adolescente en la interfaz entre el sistema de salud, las madres y las adolescentes El segundo de los proyectos constituye una propuesta de investigación doctoral que toma como centro de investigación el embarazo y las prácticas de prevención y cuidado realizadas por las adolescentes en el ámbito rural, específicamente en la localidad de Cerro Azul, provincia de Misiones, Argentina. Es importante señalar que la provincia de Misiones es una de las más afectadas por la problemática del embarazo adolescente en la Argentina. Tomando la perspectiva de la interfaz social, el proyecto hace énfasis en el estudio de los vínculos que se establecen entre las madres, las adolescentes y los agentes de salud, analizando cómo estos vínculos influyen en las prácticas sexuales de las adolescentes y en su acceso a información y orientación apropiada y oportuna. Estos espacios de interacción entre las adolescentes y sus madres son fundamentales, ya que circulan en ellos informaciones, representaciones sociales, costumbres y creencias que pueden influir en las prácticas y cuidados que tengan las adolescentes en cuanto a la sexualidad. Lo 2 5 mismo ocurre en el vínculo que se establece entre las adolescentes con los agentes de salud, en donde las representaciones que ellas tienen sobre los agentes y las prácticas que estos realizan, y las de los propios agentes de salud en cuanto a las adolescentes, la sexualidad, la anticoncepción y el embarazo, influyen debido al entrecruzamiento de diferentes racionalidades, generando conflictos que pueden traslucirse en las relaciones de poder establecidas entre el saber técnico y el saber cotidiano, en la no aceptación de las indicaciones y prácticas recomendadas por los agentes, entre otras. 5. Conclusiones En esta ponencia hemos argumentando que el concepto de accesibilidad al sistema de salud carece de un marco conceptual que facilite su abordaje. Para superar esta limitación, hemos propuesto abordar la noción de accesibilidad desde una perspectiva relacional, destacando la importancia de la accesibilidad psicosocial y cultural, en tanto puede existir acceso geográfico, económico y administrativo pero los potenciales beneficiarios pueden no acceder a los beneficios del sistema de salud por diferencias en las lógicas culturales que guían las prácticas de los agentes de salud y las comunidades, en nuestro caso rurales. En este sentido, hemos propuesto abordar la accesibilidad psicosocial y cultural en términos de una interfaz social, haciendo foco en las dinámicas, conflictos y relaciones de poder que se dan en la interacción entre los profesionales del sistema de salud y sus beneficiarios potenciales. Consideramos que se trata de una propuesta conceptual interesante que nos puede ayudar a reenfocar nuestra concepción de accesibilidad, focalizando en su dimensión humana y relacional. 2 6 6. Bibliografía Bernal-Delgado, E., Peiró, S. y Sotoca, R. (2006). Una aproximación por consenso de expertos. Gaceta Sanitaria, 20(4), 287-94 Comes, Y. y Stolkiner, A. (2005). ―Si pudiera pagaría‖: estudio sobre la accesibilidad simbólica de la mujeres usuarias pobres del AMBA a los servicios asistenciales estatales. Anuario de Investigaciones, 12, 137-143. Landini, F. (2011) Racionalidad económica campesina [Edición online]. Mundo Agrario, 23. Lapalma, A. (2001). El escenario de la intervención comunitaria. Revista de Psicología de la Universidad de Chile, 10 (2), 61-70. Long, N. (2007). Sociología del desarrollo: una perspectiva centrada en el actor. México: Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social. Long, N., y Villarreal, M. (1993). 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Disponibilidad, accesibilidad y aceptabilidad en el sistema de atención médica en vías de cambio para los adultos mayores en los Estados Unidos. Revista Panamericana de Salud Pública, 10(1), 2 7 18-28. RELATO DE EXPERIÊNCIA DE MORADORES DE RUA DE SANTARÉM – PARÁ – BRASIL: Uma reflexão necessária. Raimunda Margarete Teixeira Muniz¹ IzauraACardoso ² LucivâniaI.Souza² Atualmente, o morador de Rua não é mais motivo para surpresa. O contato com o morador de rua foi se banalizando e deixando de abalar percepções e construir subjetividades. Resta uma dúvida: a vida nas ruas não choca por ter se tornado banal e corriqueira, ou porque já não vemos esse ‗outro‘ como um análogo? Os estudos sobre ―população em situação de rua‖ no Brasil ainda são relativamente escassos. Adversidade de conceitos que envolvem esse tipo população e as dificuldades relacionadas à suamensuração são obstáculos que têm sido superados gradativamente.Utilizando entrevistas abertas e semi- estruturadas, fotografias, registros no diário de campo, rodas de conversas e técnicas de observação com os sujeitos participantes do estudo, assim como de suas características psíquicas e sua interação com o meio em que vivem ou viveram. Tentou-se estabelecer um cenáriode investigação das razões que levam um individuo a ruptura com o meio social, na cidade de Santarém no Pará, onde foi feito um estudo com quinze (15) moradores de rua. Do ponto de vista investigativo este relato não pretendeu esgotar, nem abranger uma temática atual e fértil no que concerne aos moradores de rua e suas questões profundas e subjetivas, mas apenas levantar um pequeno ponto dentro de um oceano de possibilidades de pesquisas e descobertas envolvendo esta população invisível. Palavras chave: morador de rua, ruptura social, vulnerabilidade, direitos e cidadania. ¹Professora do Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), psicóloga, especialista em Administração e Planejamento em Saúde e Segurança do Trabalho (IESPES) ²Estudantes de Psicologia VII Semestre do Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES) 2 8 INTRODUÇÃO O espaço social ocupado pelo morador de rua é um espaço subordinado,que exige que se submeta em quase tudo o que faz. A partir daqueles que seopõem a eles - e poucos não o fazem - vai-se estruturando a representação quefazem de seu espaço social e de seu próprio papel na sociedade. Segundo o artigo 6ª da Constituição Federal do Brasil, balizam a defesa da seguridade social, entendendo que esta deve incluir todos os direitos sociais como: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência e assistência social, de modo a conformar um amplo sistema de proteção social, que propiciar mudanças nas perversas possa responder e condições econômicas e sociais dos cidadãos brasileiros. Os moradores de rua têm seus direitos furtados todos os dias, pois vivem sem remédios e médicos, seu lar é um banco de praça, as ruas, sem água e sem esgoto, não tem local para tomar banho, comem alimentos do lixo independente do que for dependendo da necessidade do momento. Poucos são alfabetizados, sem instrução e oportunidades. Muitos se drogam para esquecer os problemas e a realidade cruel de suas vidas, são isentos de qualquer tipo e lazer, e em virtude de sua experiência de vida, passam sempre por momentos fortes de ruptura. Como totalidade, numa integração dialética entre mente, corpo e mundo exterior, estabelecendo vínculos mistos com diversos grupos e pessoas, dos quais um dos mais significativos é o grupo familiar. Desta forma o presente trabalho tem como objetivo geral relatar a problemática de pessoas que vivem na e da rua na cidade de Santarém-Pará- Brasil. E objetivos específicos: investigar o que levou e leva até hoje a morar nas ruas; como sobrevive nas ruas; identificar as maiores dificuldades enfrentada nas ruas; o tempo que está ou esteve nas ruas e se há perspectivas de regressar a vida social. 2. O MORADOR DE RUA, DIREITOS E CIDADANIA Segundo Damon (2001), o problema do morador de rua se transforma em uma questão social quando e inscrito na agenda pública. Pois oBrasil é 2 9 considerado uma das dez maiores economias industriais do mundo, entretanto, apresenta uma das piores distribuições de renda do planeta, ocupando a 73ª posição no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles não existem, uma vez que não possuem casa, portanto, não participam de censos demográficos. Mesmo assim, estão cada vez mais presentes nas ruas, vítimas do desemprego, da falta de moradia, do aumento da miséria provocada pela política econômica recessiva, praticada pelo governo federal há várias gestões. Além desses fatores é importante salientar que algumas pessoas vão para a rua em decorrência de problemas mentais, abuso de drogas lícitas e ilícitas e/ou por vontade própria. Segundo a resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, aprova a Tipificação Nacional de Serviços Sócio - assistenciais e serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade, onde se disponibiliza serviços especializados para pessoas em situação de rua, promovendo o acesso a espaços de guarda de pertences, de higiene pessoal, de alimentação e provisão endereço de documento institucional Civil. Proporciona para utilização, como referências do usuário que são pessoas que utilizam a rua como espaço de moradia e/ou sobrevivência. 2.1Quem são os moradores de rua? Especulam-se várias hipóteses que levam uma pessoa a ir para as ruas. GREGIS(2002), salienta que várias são as causas: abandono familiar ou até mesmo a falta de uma família, situação econômica, desemprego problemas psicológico, desajuste social. Segundo Cury (2005), muitos dos cadáveres dissecados nas aulas de anatomia dos cursos de Medicina, são moradores de rua, indigentes, mendigos, doentes mentais, sem identidade e sem família, morrem pelas ruas e nos hospitais e ninguém reclama a ausência dele, são tratados como corpos sem vida, sem história, sem cultura e sem nada. Vivem por instintos à margem da sociedade, saem como animais por ruas e estradas. 2.4 Tipos de moradores de Rua 3 0 Segundo Vieira(1994), há vários tipos de Moradores de Rua, são eles: Os recémdeslocados:assim que entram para situação de rua se esforçam para sair dela, se identificam com a vida de antes e não se identificam com os moradores. Vacilantes: Diminui os esforços para sair das ruas, se torna familiar ao ambiente, se identificam com os moradores. Outsider: Elas são mais concentradas na sobrevivência na rua do que sair dela, está fora das estruturas sociais, não se questionam por estarem nas ruas. Andarilhos:Trabalhador migrante independente e tem auto controle. Desprezam os que pedem esmolas e desfazem-se dos seus nomes de batismo. Mendigos: Alcoólatras crônicos, raramente fazemtrabalhos remunerado, por se tornarem indiferentes ou porque estão debilitados fisicamente. Raramente se preocupam com o futuro, por que o amanhã lhes reservam pouca diferençado que já foi hoje. Os mendigos usam álcool para perder a timidez e pedir, além de esquecer os problemas. Doentes Mentais: São os mais imóveis, sobrevivem catando comida, aceitando doações, não usam álcool e drogas, são os mais reclusos e socialmente isolados. Trecheiros: Fazem uso de bebidas alcoólicas. Os principais motivos para a ruptura com a vida social é a morte dos pais, desemprego, conflitos familiares, infidelidade conjugal. Sobrevivem através do trabalho volante ou da mendicância, transitando de uma cidade para outra. 2.2Moradores de rua, impulsos e compulsões Alguns moradores de rua desenvolveram impulsos e compulsões, a mais freqüente é a Poriomania. Segundo Dalgalarrondo (2008), a poriomania é o impulso e o comportamento de andar a esmo, viajar, ―desaparecer de casa‖, ―ganhar o mundo‖, como se diz na linguagem popular. Ocorre em pacientes esquizofrênicos (às vezes, por imaginar que está sendo perseguido ―Sumir do mapa‖), em pessoas com quadros psico-orgânicos e nos deficientes mentais, etc. Em sua teseenfatiza ainda que,outrofator é a compulsão por álcool e drogas, geram dependências psicológicas e físicas de modo contínuo havendo 3 1 a perda do controle. Ela ocorre associada com redução dos interesses, deteriorização dos cuidados consigo mesmo, perda de vínculos sociais (que não relacionados a substância) e envolvimento com atividades criminosas ou mendicância para obtê-las. Essa diminuição da auto-estima relaciona-se também com perda de auto-respeito, sentimento de vazio e de solidão e depressão. Alguns se tornam desnutridos, descuidam-se dos vestuários, da higiene e dos dentes e tem vida sexual promíscua. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Como procedimento metodológico utilizado neste projeto de ação adotou-se uma pesquisa de campo qualitativa, pois envolve seres humanos em sua complexidade e se entende que este referencial metodológico propõe ―a dissolução de ―velhas‖ desigualdades sociais dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas de vida‖ (FLICK, 2004, p.17-18). Foram tomados como participantes dessa pesquisa quinze (15) moradores do sexo masculino e um(01) do sexo feminino. A coleta de dados foi realizada junto uma Casa de Oração próxima a Praça Rodrigues dos Santos localizada no centro da cidade onde distribuem almoço para moradores de rua de segunda a sexta-feira, mercados e praçasde Santarém do Pará. Esta pesquisa utilizou uma entrevista aberta e semi – estruturada, mediante o consentimento prévio do sujeito para utilização de um gravador. O roteiro de entrevistas foi composto por dois blocos focalizando os seguintes temas:Bloco I: Nesse bloco, as perguntas elaboradas tiveram como objetivos principais delinear os motivos que levaram um sujeito ao processo de ruptura com meio social e o tempo em que vivem na rua e as maiores dificuldades enfrentadas.Bloco questões II: Teve por meta explorar as referentes, exclusivamente ao alcoolismo, procurando investigar os motivos, as causas e influências que levaram ou ainda levam o sujeito a residir nas ruas e ingerir álcool e outras drogas, como também conhecer suas perspectivas futuras, se elas existem. Enfatizando também as rupturas com os familiares, amigos, vizinhos. Foi utilizada também a técnica da Roda da conversa, para ajudá-los a exteriorizar a forma como se viam no mundo, suas ideologias sobre o futuro, e 3 2 também as inevitáveis lembranças e emoções do passado que vieram à tona, onde se podem perceber quão presentes ainda estão nas suas relações atuais: “Fui pras ruassó que depois que papai morreu com 99 anos e minha mãe morreu nova com 34 anos, ai depois a minha mulher morreu queimada, com meus 2filhos queimados no barco, era movido a álcool, quer dizer querosene. Morreuo Thiago e a Maria minha mulher e a Roberta minha filha, que era tudo da Aldeia da tribo Guajajara. Viver na rua, não é bom para ninguém, viver num papelão. O cara não dorme, passa medo, fazem mal com a gente não se alimenta, não vou mentir não, eu já comi lixo, pão azedo, comida azeda, hoje em dia não tem quem ofereçaum prato de comida não tem não, mas a bebida e a droga. É muito ruim na rua, a pessoa anda doido, sem confiança, um chega e dá porrada, corta a cabeça da gente é assim.. e Mata! Já comi resto de comida de porco, as migalhas que caíam da mesa é que eu comia, eu jantava era carne velha azeda, tudo isso eu já comi. Pior é no inverno, as pessoas não deixam a gente ficar nas puxadas, elas dizem: Não! Aqui não!... Os outros roubam e quem pega a culpa somos nós, mendigos da rua aqui na rua é hospital, cadeia ou cemitério.Tem gente que pede a Deus para um tirar da rua, levar para um abrigo”.J.V.D 46 anos, pseudônimo Capadinho “Quando eu sai de casa ela saia com outro macho, eu não matei ele, mas matei ela, fui preso mas custaram me pegar, a gente arrumar mulher só para a gente, não para três ou quatro pião, tem condição? Tu é corno! Os outros diziam... Eu só trabalhava, aí eu peguei ela, mas não deu tempo de furar ele, eu disse porque você faz uma coisa dessa?” “Tem noite que não durmo, tenho tentações, ando de um lado para o outro, deito no chão e vou rolando e não durmo,ela aparece... A voz diz que me ama, ela fala comigo a noite, dizendo para mim não ter matado ela, dá um aperto no coração”M.S.G.C – 48 anos A fala dos entrevistados acima confirmam a tese de Vieira, à respeito do perfil dos moradores de rua do tipo OUTSIDE. “Quero sair dessa vida um dia, vou sair! Oba!Meu registro ta no cartório de Icaraí, preciso pegar a 2º via, fiz o supletivo e 2º grau...” A.J.S – 55 anos (pseudônimo Ceará) Perfil do tipo do morador de rua acima:recém-deslocado. “Depois que eu perdi pai e mãe, nós desbandemos, fui para Manaus, Santarém, fico no barco, reparo um barco, pois posso morar lá, mas não sou de rua..”A.D.E – 53 anos “falei guarda pra mim que eu vou dar meu jeito, vou depender de mim mesmo, e me juntei com os amigos, nove meses rolando na rua, dormia no relento, bebia, nunca passei fome, nunca andei maltrapilho, mais sempre lembrando da minha famíliaaí eu sempre procurava fazer alguma coisa pra poder comer, mais sair pedindo não, nunca. Sempre tomava um banho, vestia uma roupa, quando não vestia a mesma, tinha todos os meus documentos, ficava dentro de uma bolsa” H.S.M – 54 Anos Os02 entrevistados acima apresentaram perfil do tipo andarilho. “você sabe que é vício andar assim bebendo? Eu não posso passar da hora de beber, tem uma coisa me atentando para beber. Tenho uma verme que transmite da minha carne, quando não bebo dá coceira, aí venho para a rua e não sinto‖.M.E.R.S – 67 Anos “Beboé todo dia, sempre é regular.Na lua Nova dói muito a minha perna,fui rossando, quando passei pro outro lado, quando eu fui rossardenovo ela “thá”, olha aqui, a cobra me picou”M.O.C.C- Pseudônimo “vira bicho”-52 Anos”. Os 02 entrevistados acima foram considerados do tipo mendigos. “Com 24 anos fui para o hospital, meu registro ficou lá, hospital psiquiatrico, psicológico. Lá no hospital fizeram reunião comos doutores assim, que o senhor tem a doença, que tem assim a 3 falta de um comportamento, eles escreveram lá que 2,3 doenças juntos. Eu vou na estrada 3 devagar, cortando o pé, espera um pouco pra ver se apressa um pouquinho‖.”J.I..F.S – 44 Anos O entrevistado acima foi considerado do tipo Doente Mental. “Meu pai eu não conheci, quando eu era moleque ele me abandonou, meu pai foi a minha mãe mesmo. Não conheci meu pai, a vida do meu irmão era boa, ela dava tudo para ele, eu era o filho mais velho, ela não olhava para mim, só olhava para ele ai eu fui me revoltando e fui para as ruas. Eu era viciado em nóia, em bebida, dormi muito aqui nesses bancos na rua, fui para o presídio”E.M.S.R - 28, pseudônimo Jamaica “meu pai me rejeitava, ele não me dava amor, ele não sabia conversar com nenhum dos filhos”J.M.C – 33 anos “Vontade de sair de casa, desde de pequeno comecei a andar na rua, a andar de bar em bar, anda pelas outras cidades vizinhas, viajava e tudo, meu finado pai me batia muito com pedaço de pau, fio elétrico, de todo jeito, e também fui criando aquela revolta, e eu dizia que eu não ía ficar em casa, vinha para a rua, ficava na rua, aí peguei o gosto de morar na rua, tinha aquela raiva do meu pai que não queria conversa comigo, já ía comigo e já batia com aquele ódio de mim, eu me revoltava e ficava na rua mesmo, do que ficar apanhando assim...Entrei nas ruas a partir dos 12 anos, eu volto e saio, volto e saio, tenho recaídas, usava drogas, se eu tomar um gole de bebida me dá vontade de fumar, se eu não beber não vem vontade nenhuma de usar nenhum tipo de droga, se eu beber sim, eu luto para evitar isso, o primeiro gole, mas eu creio que vou vencer...”E.P.C – 32 anos, pseudônimo Jardel Os 03 entrevistados acima, perfil:moradores de rua do tipo trecheiros. Se você pudesse realizar algum sonho, qual seria? Não, eu não quero não,só isso que Deus ta me dando mesmo, sonho eu não tenho muito alto não, mais eu queria operar minha vista, só isso.Não quero nem conversa com meus filhos .Eu tenho contato, todo sábado eu vou pra lá, 3 4 mais eu já to muito velho pra ta no meio deles, eles me tratam bem mais eu não quero, prefiro ficar por aqui mesmo, com certeza”.J.B - 55 anos. O morador de rua acima apresentou características do tipo Vacilante. 4. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS Apesar de estarmos diante de uma sociedade que já passou por grandes processos e avanços técnico-científicosé alarmante que os problemas sociais são questões que ainda estão sendo negligenciadas, e pouco se tem feito por aqueles que moram nas ruas. Entretanto, há um movimento referente ao plano das representações sociais que a antecede e merece ser analisado com muita atenção. Tal foi o esforço deste trabalho, demonstrar que o problema do morador de rua em Santarém – Para- Brasil, antes de se inscrever na agenda pública enquanto um problema relevante, deve ser um objeto de uma série de transformações no nível das consciências e das atitudes individuais e coletivas. Este estudo nos permitiu enxergar que a tão almejada transformação social, capaz de restituir a dignidade dos moradores de rua, cumprindo as promessas de igualdade perante os diversos tipos de direito, não ocorrerá sem uma profunda modificação das representações sociais. As rodas de conversaspossibilitaram o estimulo de suas habilidades cognitivas, resgatando auto-estimas e perspectivas quanto ao futuro e sonhos que estavam adormecidos. As atividades apresentaram resultado satisfatório e isso pode ser percebido através de alguns ―feedback‘s‖ trazidos pelos M.R: ―Acho que agora me deu uma força (risos), obrigada por falar comigo‖. M.E.R.S – 67 Anos ―quero sair dessa vida um dia, vou sair! Oba! Só preciso da 2ª via do meu registro que tá em Icaraí‖. A.J.S – 55 anos (pseudônimo Ceará) ―Eu gosto de foto, eu me sinto importante, fotografia é muito lindo‖ depoimento de F.V 44 - Anos, após ser fotografado. ―Então eu tenho um sonho que é ter um trabalho fixo!‖ M.O.C.C (Pseudônimo Vira – Bicho), 52 Anos ―Quero voltar pra casa .Tô mais pra lá do que cá... É só uma questão de tempo.‖ H.S.M – 53 Anos ―Tem que ter uma pesquisa assim, alguém responsável para estudar a pessoa‖ J.I..F.S – 44 Anos Este relato não pretendeu esgotar, nem abranger uma temática atual e fértil no que concerne aos moradores de rua e suas questões profundas e subjetivas, mas apenas levantar um pequeno ponto dentro de um oceano de possibilidades e descobertas envolvendo esta de pesquisas 3 população invisível. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES.M.M.Viagem ao mundodos homens Madalena.sites.uol.com.br (acessado em 22/01/2012). de rua. Disponível em: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL(CFESS). 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M.População de rua: quem é, como vive, como é vista. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1994 VIOLÊNCIA CONJUGAL E AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SEXUALIDADE FEMININA: UMA INVESTIGAÇÃO À LUZ DA MEMÓRIA SOCIAL Profª Me. Maria de Fátima Scaffo Profº Dr. Francisco Ramos de Farias Palavras-Chave: Violência conjugal. Memória Social. Sexualidade Feminina A violência contra a mulher é um fenômeno que perpassa todo ordenamento social, etnias, religiões 3 e culturas, ocorrendo em populações de diferentes níveis de desenvolvimento econômico e social. 6 Pelo seu alto poder destrutivo, a violência tem causado sérias conseqüências para a sexualidade feminina, como também abortos, doenças sexualmente transmissíveis, depressão, fobias, lesões irreversíveis e elevado índice de mortalidade. Deve ser também entendida pelo viés psicológico, moral sexual e patrimonial, como forma de desqualificação, constrangimento, cerceamento da liberdade, ameaças, condutas abusivas, estupro, confisco de bens documentais, materiais, dentre outros. A gravidade do problema da violência contra a mulher no Brasil fica evidente no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher (2009). Este documento apresenta os esforços das áreas legislativa, executiva e jurídica que avançam na promulgação de leis, formulação de programas de atendimento à mulher e filhos, delegacias especializadas, entre outras providências, e, ainda assim, podemos verificar pelos números apresentados nesse mesmo documento que a violência contra a mulher continua apresentando crescimento acelerado, mais notadamente no âmbito privado. Como sinônimo de destruição e desequilíbrio, a violência ultrapassa todos os limites considerados necessários à convivência social. Porém, é no âmbito privado, ou melhor, nas relações conjugais, que a violência expressa sua face de total negação da alteridade, deixando marcas irreparáveis na existência quem sofre esse agravo. A violência contra a mulher, em especial, a conjugal, não é um fenômeno novo e em estudos sobre esta ocorrência várias são as hipóteses formuladas. Segundo Giffin (1994), foram as enormes diferenças atribuídas à sexualidade de homens e mulheres que contribuíram para a manutenção da tradição do pensamento dualista na sociedade ocidental. Homens e mulheres passaram a ser caracterizados pela oposição: cultura/natureza, razão/emoção, sujeito/objeto, ativo/passivo, respectivamente, sendo as contradições decorrentes dessas oposições binárias ocultadas pela ideologia. Para Caulfield (2000, p. 75): ―a ideologia dominante enfatiza que a dominação, o controle e até mesmo, a violência masculina na sexualidade são naturais‖. Para Badinter (1993), a virilidade masculina deve ser expressa no corpo e no comportamento. O homem para construir sua identidade masculina, deve convencer a si mesmo e aos outros, durante toda a sua vida, de que não é uma mulher. Destacando os dualismos que sustentam a categoria gênero, Gregori (1993), afirma que a imagem de mulher foi definida como um ser para o outro e não um ser com o outro. Esta autora esclarece que a mulher idolatrada pela cultura machista é a mulher que se sacrifica, é submissa aos homens, boa mãe e esposa boa (passiva). Segundo Oliveira e Souza (2006), todos esses dualismos 3 atribuídos a homens e mulheres trazem custos e benefícios para ambos. Os efeitos dessas 7 concepções produzem uma dinâmica de sujeições às cobranças sociais que penalizam emocionalmente homens e mulheres que buscam se enquadrar em certos estereótipos, ou que pagam o preço ao quebrar esses preceitos. Osterne (2001) e Szapiro e Feres Carneiro (2002), afirmam que as mudanças sociais, culturais e políticas ocorridas nas últimas décadas para as mulheres, como a participação na população economicamente ativa nacional e o aumento do contingente de mulheres chefiando as famílias, principalmente nas camadas mais populares, têm contribuído para o deslocamento dos padrões hierárquicos nas relações de gênero, não chegando, entretanto, a superar as diferenças. Consideramos em concordância com o pensamento destes autores que esse deslocamento pode também contribuir para a violência conjugal, uma vez, que ainda na atualidade os homens parecem acostumados a ter independência financeira e a dependência econômica e afetiva ocorrer por parte da mulher. Desta forma vivenciam um novo dilema: a autonomia financeira da mulher e em muitos casos a dúvida quanto à dependência afetiva feminina. É possível que a percepção dessa nova posição na relação conjugal lhe provoque ressentimento, uma vez que a sua capacidade de prover a família, aspecto auxiliar na composição do culto à virilidade, fica comprometida, levando-o então a atos violentos. Como é possível observar, tratar da violência exige uma análise multidimensional que contemple a diversidade de aspectos estruturais; economia, sociedade, cultura, oral, históricos; grupos sociais e sua localização num tempo histórico-social e conjunturais; contexto no qual a violência se expressa (SCAFFO, 2011, p.120). Cabe sinalizar que em relação à violência contra a mulher, em culturas como a brasileira, onde a mulher, já alcançou lugares significativos no âmbito público, ainda é considerada objeto de consumo das necessidades masculinas, há uma insinuação para a conivência ou aceitação de atos violentos. Para ratificar nossa afirmação recorremos a Gay (1995, p. 423), a sociedade desenvolveu álibis para a agressão, entendendo por eles ―crenças, princípios, atitudes retóricas que legitimam a militância verbal ou física em terrenos religiosos, políticos, ou melhor, que tudo, científico‖. Segundo este autor um ato de agressão é uma transação, e a maneira como é julgado depende, obviamente, da perspectiva dos participantes, compreendendo percepções e julgamentos diferentes. Desta forma quando a objetividade dos fatos ou realidade social não apresenta justificativas para a violência, o homem coloca no outro a razão de uma violência que carrega dentro de si mesmo. Ainda para Gay (1995, p. 427), ―deslocar para o outro a violência contida, seria uma maneira confortável do homem se proteger de seus próprios defeitos, porque não os reconhece em si mesmo‖, portanto através do mecanismo de projeção lança à mulher sua fragilidade, punindo-a pelos seus conflitos e insatisfações. 3 8 Em relação a essa afirmação, entre tantas questões instigantes, levantamos duas que nos parecem pertinentes à discussão neste artigo: Seria a transmissão geracional dos papéis de gênero responsável pela condição de subalternidade da mulher em relação ao domínio masculino? Qual o impacto da violência conjugal para a sexualidade da mulher? Para refletir sobre a primeira questão, julgamos pertinente trazer à luz outra categoria de análise desse fenômeno, como mais uma fonte possível de promoção e manutenção da violência contra a mulher: a memória social. De acordo com Halbwachs (1992, p. 21) ―A memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes‖. Pollak (1992), alerta que na flutuação e mutabilidade da memória, tanto individual quanto coletiva, existem marcos ou pontos, relativamente invariantes, imutáveis. Este autor adverte que em relatos sobre histórias de vida, ocorrem voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos que demonstram essa invariância. Sinaliza que igualmente em memórias construídas coletivamente também surgem elementos irredutíveis que evidenciam um trabalho de solidificação da memória tão importante, impossibilitando a ocorrência de mudanças. Para Halbwachs (apud Peralta 2007, p. 7): As memórias subsistem porque fazem parte de um conjunto de valorações e acepções que são comuns a todos os membros do grupo, na medida em as imagens privadas que cada um tem do passado são submetidas a padrões apropriados mantidos coletivamente. Em concordância com os autores citados, afirmamos que durante séculos as gerações vêm sendo influenciadas pela transmissão geracional psíquica de papéis de gênero –TGPPG, processo que envolve afetividade na socialização das normas-protocolos, ou seja, nas regras de comportamento, que se tornam constituintes da dinâmica psíquica feminina, uma vez, que são transmitidas principalmente, pelo adulto que lhe é mais significativo por identificação. Dessa forma, os protocolos de gênero se tornam raízes modeladoras da conduta desde a fase infantil, pilar das atitudes e comportamentos e base das escolhas ao longo de todo o processo do desenvolvimento humano. Portanto, de geração a geração é passada a crença de que mulher é propriedade do homem e que, ao se tornar esposa recebe o sobrenome do cônjuge, protocolo cultural que explicita seu pertencimento, é possível que essa crença tome tal relevo no imaginário tanto masculino como 3 9 feminino que lhe confiram a ideia de imutabilidade acerca da representação da mulher como inferior, sendo esta representação terreno propício para o exercício, do controle, autoritarismo e violência em suas diferentes modalidades. Frisamos que ao falar em violência não estamos somente apontando as agressões físicas, mais comumente entendidas como absurdas e até impensáveis. Estamos definindo como violência ―todo e qualquer tipo de coerção, aplicada através de meios físicos ou psíquicos e sempre pautados na crueldade, com o objetivo de destruição total ou parcial de alguma coisa‖ (FARIAS, 2010, p. 91). É incontestável que qualquer modalidade de violência é uma ocorrência traumática que provoca entre outros agravos temor, ansiedade, angústia, depressão, enfim, vulnerabilidade psíquica. Ainda assim, consideramos que a violência conjugal, objeto de nossa investigação, tem maiores implicações deletérias, por ocorrer em espaço onde supostamente a mulher deveria se sentir protegida e resguardada em sua integridade física, moral e psíquica. Quanto a essa questão, Moreira et al. (1992, p. 177-179) apresentam alguns fatores que parecem se combinar na situação de violência conjugal: . Ainda assim, consideramos que a violência conjugal, objeto de nossa investigação, tem maiores implicações deletérias, por ocorrer em espaço onde supostamente a mulher deveria se sentir protegida e resguardada em sua integridade física, moral e psíquica. Ainda sobre esta temática, Moreira et al. (1992, p. 177-179) enfatiza que onde se supõe que numa relação afetiva, revela-se certa ambivalência da mulher, que julga seu agressor como bom e mau; a representação da violência como inerente às relações conjugais; e o desejo maior de reparar do que de romper o relacionamento conjugal violento: o mesmo homem que bate, desvaloriza, é também o que protege, sustenta, é bom pai e amante. Esta ambivalência parece incidir com maior frequência em relação à sexualidade feminina. Em entrevistas com dez mulheres vítimas de violência conjugal, oito se queixaram de falta de desejo, aversão, nojo e aceitação passiva da relação sexual, mas ressaltaram a ausência de prazer. Em alguns relatos fica evidente que as feridas psíquicas criam no inconsciente feminino estruturas rígidas que as impede de se envolver no ciclo de resposta sexual. Este ciclo, segundo Kaplan (1979), tem início na fase do desejo, ou seja, vontade de praticar sexo em resposta aos estímulos recebidos ou pela fantasia. Já nesta fase a mulher vítima de violência pode apresentar desejo sexual hipoativo ou mesmo aversão, o que dificultará a fase seguinte. E nesta fase denominada de excitação que ocorre a lubrificação vaginal, sua ausência dificulta a penetração causando dores de intensidade significativa. A fase intermediária denominada platô, é considerada um breve período antes do orgasmo. A fase posterior, o orgasmo, fica inibida, não ocorrendo na maioria das vezes, portanto, a última fase, de resolução não se concretiza, o que leva a mulher a uma série de sentimentos e sensações contraditórias. 4 0 O final do ato sexual é invariavelmente considerado pelas entrevistadas como um verdadeiro alívio, embora a preocupação quanto à constituição de uma possível frigidez faz com que se sintam mais destruídas ainda. Algumas argumentam que para evitar embates que podem gerar desqualificações, agressões verbais e até físicas optam por simular excitação e orgasmo para o parceiro e escondem dispareunias, vaginismo e anorgasmia. A insatisfação com sua forma existencial pode levar também ao abuso de álcool, uso excessivo de tabaco, compulsividade, síndrome do pânico, enfim, uma série de distúrbios psicossomáticos. Considerações Finais: A violência conjugal é uma das formas mais difíceis de ser denunciada. Como transgressão das proibições, ultrapassa códigos sociais quanto ao respeito à alteridade. Sua natureza traumatizante provoca profundas feridas físicas e psíquicas de diferentes ordens, em especial, a fragilização identitária. Como dispositivo de degradação provoca uma série de disfunções relativas à sexualidade, fenômeno bastante comum entre as mulheres que silenciam em função do aprisionamento na estreita moldura educativa construída geracionalmente é reforçada pela memória social. Nos reportamos a fala de Hirigoyen (2008), de que não surpreende que algumas mulheres considerem normal serem castigadas. Depreendemos dessa afirmação que gestadas para serem mães dedicadas e guardiães do lar, tenham medo da solidão, das críticas e culpabilizações sociais, que ainda depositam nelas a atribuição de harmonização do lar, amparo dos filhos e cuidado ao cônjuge. Ainda para autora citada (p. 64): As mulheres forjam um ideal em função das normas sociais veiculadas pela família e pela sociedade. Por isso, algumas, seguindo o modelo da mãe disponível e entregue, pensam que para conservar um homem tem que demonstrar abnegação e submissão. Esta socialização ao tornar-se raiz modeladora da conduta, das atitudes e base das escolhas entre si mesma e a manutenção da estrutura familiar, influencia na negação da alteridade, ruptura com seus desejos e consequente submissão à violência conjugal e surgimento de patologias relativas à sexualidade. . . 4 1 V – Referências: BADINTER, E. 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SECRETARIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília – DF: Cidade Gráfica e Editora Ltda, 2009. Uma análise sobre o Filme Minha Vida em Cor de Rosa. Carlos Alberto Oliveira Bonifácio Júnior Faculdade de Ciências Humanas Esuda O referido trabalho pretende levantar a discussão sobre as teorias de sexo e gênero na construção da identidade e a desnaturalização da mesma. Admite- se uma construção da identidade de gênero, incentivada pelos pais da criança e posteriormente pelo próprio processo de socialização. Usando a teoria queer, que se oponhe àqueles que desejam regular a identidade e estabelecer premissas epistemológicas e a categorização do sujeito, indo contra a Heterossexualidade compulsória que tenta levar uma obrigação social de relacionamento com pessoas do sexo oposto. Através da análise do filme Minha vida em Cor de Rosa (Ma Vie En Rose, 1997), do diretor Alain Berliner, esboçarei uma reflexão sobre o assunto, já que o filme aborda a história de Ludovic, um menino de 7 anos, que deseja ser uma menina, para casar-se com seu amigo Jerome, levando Ludovic a passar por preconceito da família, dos amigos da escola e de toda a vizinhança. Sabe-se que a sociedade patriarcal dita às crenças que se constroem sobre o gênero e que a heterossexualidade não é natural, sendo portanto efeito de poder e do controle da regulação social. É preciso acabar com a categorização fechada sobre o sujeito, por isso que a Teoria Queer tenta combater a homofobia e insistir que a sexualidade não se resume em categorização. Butler (2006) pergunta o que é o humano e quais os parâmetros usados para compreendê-lo, alertando que é essencial que a noção de humano seja mantida sempre em aberto. A autora pede para que seja recusado todo o tipo de fundamentalismo biológico, de romper com o heterossexismo que impera nos estudos eministas, acreditando que aqueles que viviam fora das normas de gênero (gays, lésbicas, travestis, drags) deveriam ser merecedores 4 3 de reconhecimento e de existências. Aqueles que vivem em paradoxo identitário estão sujeitos ao não reconhecimento e ao preconceito, exatamente por não seguirem as normas vigentes, sendo considerados menos humanos. 4 4 A realidade deve ser questionada, mudando as normas que regem o humano. Todos aqueles que não seguem o padrão heteronormativo devem atuar no cenário político, questionando o real, as fronteiras construídas socialmente apontando para outras possibilidades indetitárias. Nessa cultura burguesa, capitalista, ocidental e patriarcal é a heterossexualidade que predomina sobre os sexos, sendo imposta aos sujeitos como identidade representativa. Stoller (1993) afirma identidade de gênero como um misto do feminino e do masculino em um indivíduo, sendo a masculinidade e a feminilidade encontrada em todas as pessoas, mas em graus diferentes, não tendo haver com a qualidade de ser homem ou mulher, pois a identidade de gênero encerra um comportamento psicologicamente motivado, e que não há relação entre sexo e gênero. Tudo começa quando a criança nasce. O medico define o sexo da criança e os pais começam a encorajar comportamentos que eles consideram ser masculino ou feminino na criança, desestimulando outros comportamentos. A escolha do nome, as roupas, os jogos constituem a formação da criança para o desenvolvimento de sua identidade de gênero. As raízes da masculinidade ou da feminilidade são, portanto, o resultado do comportamento dos pais e não expressão de um instinto qualquer (Badinter, 1986). Existe a ideia de que o macho é o agressor e a fêmea é a dócil receptora, tendo essa ideia influenciado no modo de se pensar um comportamento masculino e o feminino. Birman (1997) fala que o corpo é uma propriedade privada do indivíduo que o contém, de maneira que nenhum outro pode dele legalmente se apossar do jeito que quiser, e bem entenda, sem a prévia autorização do seu dono. Para o autor, o homem pode não possuir qualquer outra propriedade na sociedade, mas que possui algo inviolável: seu próprio corpo. O Estado, com todo o seu poder que lhe é dado, deve criar leis que punam aqueles que atentem contra a vida e a individualidade do cidadão. Com isso os direitos poderiam ser garantidos e pessoas seriam poupadas e preservadas no seu direito de liberdade de expressão sexual. 4 5 Louro (1997) afirma que as identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num determinado momento. A influência cultural influencia nessa construção do que seria uma identidade de gênero. Portanto não podemos dizer que existe uma natureza, pois afinal nós é que construímos através da linguagem o que pensamos sobre as coisas, e a natureza nunca nos veio comunicar o que ela seria, nós é que construímos linguisticamente o que ela é ( Costa 1994 A). A identidade não pode ser definida num determinado momento, seja na fase infantil, seja na adolescência ou na fase adulta. Pois, afinal, a identidade nunca é definida ou estabelecida, pois a identidade está sempre se construindo, são instáveis, passíveis de transformação. Toda identidade sexual é um construto instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada. (Louro, 1997 apud Britzman, 1996). O que existe é uma diversidade de identificações onde o sujeito busca sua felicidade, seu prazer e bem estar com a pessoa que melhor o(a) realize. Não se pode impor uma heteronormatividade nas vidas dos indivíduos, mas sim a liberdade de escolha para a sua plena satisfação, sem julgamento e discriminação. Jurandir Freire costa (1992, 1995) diz que condicionamo-nos a compreender a heterossexualidade no homem e na mulher, como única realidade possível e desejável da moral sexual contemporânea. Por isso precisamos criticar duramente o que é dito normal e anormal dentro das identidades sexuais. Pois existem varias possibilidades de relações afetivas sexuais que não sejam com pessoas do sexo oposto. A masculinidade no homem e a feminilidade na mulher não são as únicas possibilidades na constituição de suas subjetividades e nem dependem do sexo biológico que cada um pertence. Existem possibilidades infinitas que não podem ser limitadas por uma imposição heterossexista. Sabe-se de que cada cultura tem uma concepção sobre a sexualidade dos seus membros, como em tribos africanas que tem rituais de masculinação dos homens, que para nós seriam consideradas como práticas homossexuais para nossa cultura, não havendo nenhuma perda de sua masculinidade para os seus membros. A felação é uma prática que inicia os jovens adolescentes que precisam fazer a sucção do pênis de um dos membros mais velho da tribo, a 4 6 fim de beber o esperma do mesmo, sendo comparado ao leite da mãe que o nutria quando bebe para crescer e agora precisaria dessa bebida branca, o esperma, para se fortalecer e amadurecer. (Bandinter, 1996) A seguinte afirmação diz: ―não pergunte o que é ser masculino ou feminino, nem como posso me descrever melhor enquanto homem ou mulher, e sim, pergunte-me como posso me descrever de modo a buscar formas mais belas e harmônicas de vida, ou seja, a possibilidade de criarmos diferentes modos singulares de subjetivação, de descrição de si mesmo, tantas vezes quanto seja possível, na diversidade histórica, social e cultural em que vivemos.‖ (Costa, 1994-B apud Rorty, 1991) 4 7 Bibliografia ARENDT, Hannah (1981). A condição humana. São Paulo: Forense Universitária - Salamandra consultoria Editorial/Edusp. BADINTER, Elisabeth (1986). Um é o outro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Fronteira. . (1996). XY sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova BIRMAN, Joel (1997). Fazendo acontecer o sublime? Sobre o erotismo e a violência sexual na atualidade In Templo psicanalítico - Psicanálise e cultura. Rio de Janeiro, v. 29, pp. 211-235. COSTA, Jurandir Freire (1992). A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. . (1994 -A). A Ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco. . (org.) (1994- B). Redescrições da psicanálise: ensaios pragmáticos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. Paulo: Escuta. . (1995). A face e o verso: estudos sobre o homoerostimo II. São LOURO, Guacira Lopes (1997). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis: Vozes. BUTLER, Judith. Deshacer el Género. Barcelona, Paidós, 2006. STOLLER, Robert (1993). Masculinidade e feminilidade: apresentações de gênero. Porto Alegre: Artes Médicas. Adolescentes Infratores e Temperamento Flavio Roberto de Carvalho Santos A realidade dos adolescentes infratores no Brasil aponta uma problemática da área da saúde. Pesquisar este fato desde a vida primitiva (a vida no útero, respaldada pelo biológico, os registros no sistema neural, o início do desenvolvimento e da construção psicológica pela conquista autonômica no desmame) é importante para a prevenção. Esta pesquisa enfocou o período após o parto até os nove meses de vida (período neo-natal). Após a vida primitiva no útero com todas suas particularidades relevantes e também fora dele, continua a marcha do desenvolvimento até a conquista da autonomia mais específica por ser um processo constante e complexo, ou seja, crescer e 1 desenvolver. Até a maturação da neuromuscularidade, onde a ação voluntária será eficiente, este período ainda corresponde à mais construção do temperamento (do latim temperamentum, medida), que é definido pela teoria pós-reichiana como aspecto biológico da personalidade (Navarro1). O período neonatal iniciado com o nascimento (Boadella2). é um drama com condições de determinar características profundas da personalidade, variando entre o traumático que é doloroso para a mãe e desgastante para o bebê e, o natural, que é o que ocorre com prazer para ambos e favorecerá a vida saudável. É um período de adaptação e estruturação do EU pela relação com a mãe, imprimirá o sentido sendo de a qualidade da troca que todo funcionamento e as relações futuras. Em situações dificultosas de relação afetiva mãe-bebê, acarretará uma imaturidade psicológica comprometendo o temperamento e o caráter. Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo/SINASE 3, em agosto de 2006, um total de 1.159 adolescentes cumpriram Medida Sócioeducativa (MSE) no Estado do Rio de Janeiro por terem cometido atos inflacionais, o que mostra uma realidade importante para pesquisa e, ao Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UNICAMP), Mestre em Sexologia Clinica (UGF) e Psicólogo (UGF), professor na UNIABEU, UVA e colaborador no Ambulatório de Sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ / Brasil. E-mail: [email protected]. 2 mesmo tempo, a justifica. Buscou-se conhecimento retrospectivo da vida primitiva de adolescentes em conflito pré-natal, com a lei com desenvolvimento, aspectos construção teóricos de psicologia neuropsicológica e reconhecimento de áreas diversificadas de inserção da psicologia para estudos humanos além de contribuir academicamente com pesquisas com enfoque em políticas de prevenção em saúde mental acerca da infração na adolescência. O objetivo Geral foi detectar condições de saúde e amamentação do bebê após o parto até os nove meses de vida dos adolescentes cumprindo MSE e dos que não cumprem, por meio de suas mães biológicas e verificar, comparar e associar tais dados do referido período dos mesmos adolescentes. O método da pesquisa foi quantitativo, retrospectivo longitudinal, com freqüência de sondagem descritiva de campo referente ao período dos dez primeiros dias de nascido aos nove meses de vida referente à saúde e amamentação relacionado ao comportamento infrator e não infrator na adolescência por meio de questionário estruturado individual aplicado às suas mães. Ocorreu na Região Metropolitana do Rio de Janeiro com mães biológicas de adolescentes que cumprem MSE de Internação (I), Semi Liberdade (SL), Liberdade Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e os que não a cumprem. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA4 (Brasil, Lei 8.069, 1990), art. 2º, considera adolescente aquele entre 12 e 18 anos de idade completos. A amostra foi composta por todas as mães biológicas de adolescentes que cumprem MSE nos CRIAAD‘s - Centro de Recurso Integrado de Atendimento ao Adolescente - da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e mães de adolescentes que não cumprem MSE da mesma região, matriculados em escolas públicas, que concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participar da pesquisa, divididas em Grupo Estudo (GE) – Mães de adolescentes cumprindo MSE e Grupo Controle (GC) – Mães de adolescentes que não matriculados cumprem em MSE, escola sendo pública obrigatório da região. estar regularmente Desta forma, participaram da pesquisa 162 mães, sendo 85 do GE e 77 do GC, 3 independente de credo, raça e nível sócio-econômico. Os dados receberam tratamento estatístico do Teste Qui-quadrado e adotado o nível de significância de 5 % no teste, pelo software SPSS (Statistical Package for Social Science). O Juizado da Infância e da Adolescência determinou que os dados do GE e GC não discriminem localidades. Os processos legais com adolescentes tramitam em Segredo de Justiça por não terem completado 18 anos, pelo art. 27 do Código Penal critério biológico e sendo ignorado Brasileiro, por o desenvolvimento mental, estando sujeitos apenas às medidas do ECA, Lei 8069/90 (Brasil, 1990)5, que prevê medidas corretivas que variam com o ato e incidência criminal. Os aspectos éticos observaram as normas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP, Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde/Brasil, Resolução 196/96) e o Código de Ética Profissional dos Psicólogos, com aprovação sem restrições do Comitê de Ética em Pesquisa – UNICAMP/SP sob o parecer nº 220/2007 e autorizações do Departamento Geral de Ações Sócio-educativas (DEGASE/RJ), dos Juizes de Direito das Varas da Infância e Adolescência; dos Diretores dos CRIAAD‘s e diretores de Escolas Públicas. Das 162 mães de adolescentes entrevistadas (85 do GE e 77 do GC) dados quanto a problemas de saúde revelou que no período fetal (dez primeiros dias de nascido) do GE, 30,6 % tiveram problemas de saúde nesta fase contra 9,5 % do GC e; ficaram em incubadora 21.4 % do GE contra 2,6 % do GC. Em relação ao período fetal (décimo primeiro dia aos nove meses), o GE teve problema de amamentação em 42,9 % contra 24 % do GC, tendo revelado as mães que amamentaram em maior parte do tempo no peito. Tais problemas foram ―leite empedrado‖, ―não ter leite‖ e o ―bebê não mamar‖ entre o GE. A administração de alimentos pastosos iniciou mais cedo para o GE que o GC, por volta dos 3 e 4 meses. Nesta amostra, fatores vivenciados no período logo após o parto, incluindo a amamentação até os nove meses de vida do bebê podem comprometer a construção do temperamento da criança e do adolescente, onde o filho tenderá para um paradigma de necessidades primitivas insatisfeitas que poderá 4 dificultar seu comportamento futuro. Não foram encontrados estudos relacionados ao tema proposto, embora o estudo ―Amamentação, prevalência e fatores determinantes‖ realizado por Sandes et al5 destaque a influência da amamentação na vida, este mesmo estudo não enfocou a questão do comportamento infrator na adolescência. As condições vividas entre o parto e os primeiros nove meses de vida dos adolescentes infratores e não infratores relatados por suas mães destacaram que não há diferença entre o peso ao nascer, porém, com significante diferença entre os grupos há os problemas de saúde e permanência na incubadora nos dez primeiros dias de nascido; problemas com a amamentação e uma pequena redução do prazer em amamentar após o décimo primeiro dia de nascido. No processo desenvolvimental há transições fundamentais que podem ser satisfatórias ou não como a transição sensorial, a transição circulatória e o nascimento da respiração, a transição gravitacional e, por fim, a alimentar. Logo após o parto o bebê tem maior referência do corpo interno materno e, o nascimento é um período de adaptação com o meio exterior (Navarro7). Neste período os telereceptores são estimulados intensamente, mais que na vida intra-uterina e forma a base de percepção da realidade de seu organismo e o mundo circundante, via sua mãe. Dificuldades nesta estimulação podem gerar a incapacidade de aceitação da realidade e até mesmo de suportar algumas circunstâncias do cotidiano. Neste caso, o fluxo energético é maior no campo reptiliano, que tem a função de sobrevivência ou a manutenção da existência, portanto, temperamental (Navarro8). Assim, os problemas de saúde logo após o parto podem acarretar no bebê o registro maior da estimulação de sobrevivência. O GE referiu doenças como bronquite, infecção, convulsão, doença renal, hepatite, icterícia, falta de oxigenação e cardiopatia e, o GC destacou infecção e convulsão. As mães referiram problemas de saúde dos filhos até nove meses no GE como bronquite, ―nervos‖, cardíaco, desidratação, renal, pneumonia, resfriado, infecção alergia, intestinal e urinária; no GC como bronquite, cólicas, infecção intestinal, rubéola, sarampo, infecção urinária e convulsão, não 5 havendo diferença significativa entre os grupos neste período. Os bebês passam do parto ao nascimento auxiliado pelo cuidado e o contato materno na amamentação pelo reconhecimento do batimento cardíaco, odor, voz e calor da mãe para registro sensorial de sua construção subjetiva. Neste momento também ocorre a satisfação da necessidade fisiológica, a saciação da fome para a homeostase proporcionando bem-estar necessário ao crescimento e desenvolvimento. As vivências uma necessidade básica dificultarão o negativas de temperamento, fato mais presente no GE que contribui para associação ao comportamento infrator na adolescência. Ressalta-se que Freud (s/d)9 em Inhibicion, sintoma y angustia, em 1925, apontou a importância do contato e cuidado materno com o bebê para o desenvolvimento como um todo, sendo extrema relevância que a mãe deve satisfazer toda necessidade do feto e logo após o nascimento por meio de seu organismo, pois a vida intra-uterina é substituída pela relação afetiva materna com o bebê. Nos dez primeiros dias de nascido foi revelado pouco problema com a amamentação nos grupos, os dois grupos tiveram leite e amamentaram a maior parte ou somente no peito. Relataram prazer inicial em amamentar, o que aponta para a relação/contato na satisfação instintiva para o registro de prazer em receber por parte do bebê, porém, uma pequena redução de prazer aparece até o final dos nove meses. Embora a redução do prazer em amamentar tenha ocorrido nos dois grupos, as mães do GE apresentam uma maior redução deste prazer no período neonatal em comparação a fetal, o que possibilita uma análise com o destaque de Nóbrega10 “O desenvolvimento psíquico da humanidade passa pela possibilidade de boas experiências com o primeiro objeto de amor: o seio materno”. As mães do GE relataram mais problemas na amamentação no período neonatal, fato que pode estar associado à redução do prazer em amamentar, que vinculado ao processo de desmame para o desmame em si é base das questões temperamentais e interfere no que também desenvolvimento, segundo Zanini e França11, pois há uma associação do aleitamento com o desenvolvimento neurológico intelectual do bebê. Para Schappi12 “o homem é um mamífero social, um primata social” e “quem fala mamífero fala 6 amamentação”. O bebê humano é um matrícula, um matri, um matriz, relativo à mãe; cola, criação, pois só a fêmea é mamífera. Amamentar é maturar, uma função específica da matriz. Porém, é necessário destacar que a matriz precisa estar bem para exercê-la, momento em que é importante o apoio do parceiro na relação do casal. Desta forma, incentivar o aleitamento e a relação é promoção e prevenção em saúde. Uma mãe que não tem prazer em amamentar tem dificuldade na relação com seu filho e este registrará tal informação sensorial no temperamento, tal como pode ser associado aos dados das mães e o comportamento infrator na adolescência. O seio, segundo Santos e Zeferino13, é um órgão capaz de proporcionar prazer à mulher, porém, no caso do lactente, ocorre um encontro de afeto e nutrição para construir-se. A amamentação, tal como a sexualidade, é uma função humana que foi agredida, alterada e artificializada. Quantas conseqüências tais situações trouxeram à humanidade! No caso da sexualidade, ―A causa imediata de muitos males assoladores pode ser determinada pelo fato de que o homem é a única espécie que não satisfaz à lei natural da sexualidade.‖ comenta Reich14; o que se pode fazer uma alusão a este comentário quanto à amamentação. A amamentação deve continuar até o momento em que a glândula timo se torne funcional, a dentição iniciar sua aparição e o amadurecimento da mandíbula para a mastigação (Navarro15‘). Isto implicará com que a alimentação comece a ser mudada gradativamente de líquida para pastosa e para sólida, momento em que se iniciará o período pós-natal. A amamentação não deve ser tardia nem prematura, mas sim seguindo o desenvolvimento natural. A saída da dependência para o processo de independência é também marcada pelo processo de desmame. Este momento tem base orgânica na maturação neuro-muscular que favorece a construção da subjetividade e, se retardado, esta necessidade anterior não satisfeita será levada da relação mãe-bebê para a vida afetiva adulta com cunho de necessidade imediata. Boadella16 destaca o nascimento como um drama positivo ou negativo que pode marcar a personalidade e, Gomes17, aborda a adaptação à nova condição de vida, sendo de extrema importância pontuar que os bebês passam do parto ao nascimento auxiliado pelo contato materno. 7 O contato com a mãe na ação amamentar deve ser afetivo para que o bebê possa vivenciar o prazer e o registre em seu corpo favorecendo o desenvolvimento da subjetividade. Tais fatores relacionais são sensações intensas pelo contato dos lábios – língua – palato – mamilo; sensações do contato do nariz e das bochechas com o seio; sensações de maciez e calor; sensações de estar envolvido, amparado e abraçado; odores do corpo da mãe; sensações de satisfação na boca – faringe – esôfago – estômago quando recebe o leite morno; sensações sonoras apropriadas da mãe; sensações de acariciar, apertar e afagar o seio com as mãos; impressões visuais da expressão facial da mãe pelo contato ocular. O encontro entre dois organismos vivos vibrantes é chamado por Reich18 de superposição. No encontro sexual saudável há uma superposição e, no caso da gravidez e da amamentação, também há uma superposição. Tais condições são básicas para capacitar o organismo para a potência na vida, segundo Reich19. Com a amamentação o bebê chega à fase de estruturar-se pela percepção de si e do outro (mãe), que é além do fator nutritivo, é relacional. Navarro 21 comenta que a amamentação com dificuldade em vários aspectos interfere no EU em construção, ainda no período do temperamento, e está ligado à impossibilidade de lidar com as perdas, onde na realidade o que importa é o ter sempre. Isto implica em uma vulnerabilidade que pode gerar da depressão à explosão. Este ponto se aproxima dos adolescentes em conflito com a lei no comportamento de ―ter a todo custo e de forma fácil‖, não suportar perdas e que o ter é mais imperioso que o ser, ou seja, ter para ser. Isto é o temperamento, onde aparentemente há uma adequação no modo se ser, porém as explosões aparecem nos momentos em que o sujeito se sinta ameaçado por questões interpretadas como existenciais. No contexto social, os indivíduos que apresentam psicopatologias de com núcleo psicótico (30%) são os que tiveram dificuldade no período fetal; indivíduos ―borderline‖ (45%) são os que tiveram dificuldades no período neonatal (Navarro22); destaca-se aqui maior atenção para as dificuldades no período neonatal referente aos problemas saúde, permanência na incubadora, problemas com de a amamentação e redução do prazer em amamentar. A saída da dependência para o processo de independência é, também, marcada pelo desmame. Este 8 momento tem base orgânica na maturação neuro-muscular que favorece a construção da subjetividade e, se retardado, esta necessidade anterior não satisfeita irá da relação mãebebê para a vida afetiva adulta com cunho de necessidade imediata, o que se observa que no GE levou mais tempo mamando que o GC. Assim, pelos dados verificados nos grupos, é possível destacar que as variáveis saúde nos primeiros dez dias de nascido, dificuldades na amamentação e o prazer materno reduzido na relação/contato com o bebê até os primeiros nove meses de vida formam um conjunto significativo de reflexão para a problemática da infração na adolescência. Pode-se inferir que a necessidade de incentivo às mães na participação de programas de política preventiva de aleitamento como fator que previna doenças e dificuldades na amamentação que acarretam em problemas de ordem afetiva. 9 REFERÊNCIAS 1. Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus; 1995. 2. Boadella, D. Correntes da vida: uma introdução à biossíntese. São Paulo: Summus editorial; 1992. 3. Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo/SINASE – Presidência da República – Secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/SEDH – Tabelas do período de 01/08/2006 a 15/08/2006. www.mj.gov.br (acessado em 21/Nov/2007). 4. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Publicado no DOU de 16/07/1990. 5. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Publicado no DOU de 16/07/1990. 6. Sandes AR; Nascimento, C; Figueira J; Gouveia R; Valente S; Martins S; Corrêa S; Rocha E; Da Silva L Breastfeeding: prevalence and determinant factors. HTTP://www2netmed.com.br/pubmed/abstrat.php?bd=pubmed&submit=y&brea stfeed+AND+portuguese[la]&ids=17868527 Acesso em 27/10/2009. 7. Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus; 1995. 8. Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus; 1995. 9. Freud, S. Obras completas. Tomo III Madrid s/d. p. 2.863 10. Nóbrega, F. J. Vínculo Mãe/Filho. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. p. 64. 11. Zanini, C. & França, M. C. T. Algumas considerações sobre o leite humano e aleitamento materno. In: JACOBI, Juliana da Silva; LEVY, Deborah Salle & Silva, Luciano Muller Corrêa da – Disfazia: avaliação e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. 12. Schappi, R. & col. A dinâmica do bebê. Porto Alegre: Artes Médicas: 1987. 13. Santos, F. R. C. & Zeferino, A. M. B. Ação amamentar e a construção da subjetividade. Revista científica das Faculdades Maria Thereza/FAMATh. Vol. ½ (Jan/Dez 2007) Niterói: Faculdades Integradas Maria Thereza, 2007. 14. Reich, W. A função do orgasmo. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense; 1992. p. 18. 15. Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus editorial; 1996. 16. Boadella, D. Correntes da vida: uma introdução à biossíntese. São Paulo: Summus editorial; 1992. 17. Gomes, A. M. A Criança em desenvolvimento: cérebro, cognição e comportamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. 18. Reich, W. Crianças do futuro. Orgone Energy Bulletin, Vol. 2 – nº 4, s/d. 19. Reich, W. A função do orgasmo. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense; 1992. 20. Baker, E. F. Um estudo posterior da angústia genital em mães que amamentam. Journal of orgonomy, vol. 3, nº 1, 1952. 21. Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus editorial; 1996. p. 10. 22. Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus editorial; 1996. Vulvodinia: reflexões acerca da sexualidade Flavio Roberto de Carvalho Santos 1 0 A proposta de discussão sobre Vulvodinia e sexualidade surgiu do trabalho realizado no Ambulatório de Sexualidade Humana do Instituto de Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro por ser uma síndrome de difícil diagnóstico. Vulvodinia é uma junção de duas palavras para designar sofrimento/dor na vulva, onde vulva deriva do latim volva e refere-se à porção inferior do véu que permanece em torno da base da estipe, como uma bainha, nos corpos frutíferos de muitos cogumelos e, na anatomia humana feminina, é a parte exterior do aparelho genital. Dinia significa dor ou sofrimento em região especifica, neste caso, dor na vulva. Historicamente a Vulvodinia foi abordada pela primeira vez em 1889 por Skene, como sensibilidade vulvar: Síndrome de vestibulite vulvar; Disestesia vulvar; Vestibulodinia, como sendo a dor ou sensação desagradável na vulva e é caracterizada por coceira, ardor, picadas ou esfaqueamento na área ao redor da abertura da vagina, forte ou fraca, porém crônica. Segundo Zakka, Teixeira e Yeng1, a Vulvodinia é descrita como desconforto vulvar crônico e caracterizada por queixas de ardor de queimadura, ardência e/ou irritação na ausência de lesões e prurido que, habitualmente, não é diagnosticada e tratada convenientemente. Vulvodinia é uma síndrome de dor crônica que afeta a área da vulva e ocorre sem uma causa identificável ou patologia visível, ou seja, a "dor vulvar" não implica uma causa específica, sendo complexa e de difícil tratamento (Paolo Ricci A2) A antiga Classificação Internacional de Doenças – CID 9 (625.7) destacava o mais próximo da dor vulvar como “Dor e outros transtornos dos órgãos genitais da mulher” e, na CID 103 (N94), como “Dor e outras afecções associadas com os órgãos genitais femininos e com o ciclo menstrual”. Contudo não acrescenta contribuição importante para uma análise em questão. Dado que a Vulvodinia tem difícil diagnóstico e etiologia complexa, destaca-se que a sexualidade deva Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UNICAMP), Mestre em Sexologia Clinica (UGF) e Psicólogo (UGF), professor na UNIABEU, UVA e colaborador no Ambulatório de Sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ / Brasil. E-mail: [email protected]. 1 1 ser investigada em sua relação com a mesma. Assim, a proposta de discutir Vulvodinia e sexualidade levanta interesse na área da Terapia Sexual e também da psicologia em função da vulva se tornar ―viva‖ ou ―presente‖ por meio da dor. A referida ―dor‖ em sua sintomatologia inclui os lábios e a entrada para a vagina, sendo constante, intermitentes ou quando a vulva é tocada, podendo durar anos. Os sintomas podem ocorrer em um único lugar ou toda a área da vulva e em situações diversas como durante ou após a atividade sexual, no uso de absorvente íntimo, uso de roupa íntima, anda de bicicleta ou à cavalo de tal modo que interfere no estado emocional da mulher, inclusive levando a crise de depressão. É importante destacar que dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma lesão real ou potencial, ou descrita como tal, segundo a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED4. O diagnóstico é por exclusão de causas, é baseado nas queixas típicas da paciente cujo exame físico é essencialmente comum/rotina, pela ausência de causas identificáveis em um diagnóstico diferencial e não deve ser confundido com vaginismo ou dispareunia. O médico no exame ginecológico pode usar um "teste de cotonete" para identificar a(s) área(s) de dor que as pacientes fazem referem a sensação desagradável como a raspagem de uma faca. É comum que as pacientes busquem vários médicos para sanar suas queixas. Um fato relevante é que estas mulheres hesitem procurar tratamento para a ―dor vulvar crônica‖ (Vulvodinia) em função de que para algumas a síndrome iniciou na época em que se tornam sexualmente ativas, o que desperta a atenção neste trabalho. O objetivo, então, é ampliar a reflexão sobre o tema vinculado aos aspectos da sexualidade, pois a estimativa é que ¼ da população sofra desta síndrome, como aponta a Universidade de Michigan5 que entrevistou 2.269 mulheres na área de Detroit metro e descobriu que mais de 25 % das mulheres sofreram dor vulvar em algum momento de suas vidas. No entanto, apenas 2 % delas procuraram tratamento. Ainda para Zakka, Teixeira e Yeng6, 15% das consultas ginecológicas, a Vulvodinia acomete mulheres em todas as faixas etárias incidindo 2 mais entre 18 e 25 anos de idade. Dentre alguns antecedentes, a história reprodutiva e sexual abaixo de 16 anos assim como o uso de contraceptivos antes dos 17 anos de idade, menarca antes dos 12 são fatores destacados. Stewart e cols (1994, apud Zakka, Teixeira e Yeng)7 não destacaram incidência de abuso sexual em mulheres vulvodínicas em comparação à população sem dor. Quanto ao aspecto afetividade e emoção, Damásio8 aponta que “A tristeza desacelera o raciocínio e pode nos levar a ficar ruminando a situação que a desencadeou; a alegria pode acelerar o raciocínio e reduzir a atenção para eventos não relacionados.” (p. 143). Neste sentido, a mulher vulvodínica tem em sua mente a vulva com dor cotidianamente. Assim, como o corpo está na mente, a vulva é uma parte do corpo e, certamente, está na mente que acaba por interferir nos comportamentos, pois, Ainda destacando Damásio9, “É impossível continuar a sentir prazer em qualquer atividade que estejamos desempenhando enquanto sentimos a dor do ferimento.” (p. 131). Esta vivência e realidade alteram a percepção do corpo, a cognição e atuação do Ego. O cérebro mapeia o corpo e esta é uma forma de entrada e uso da consciência para a expressão do Ego. Como aponta Damásio10, desde 2000 já se sabe que a atividade da ínsula também está vinculada à matiz prazer e dor, por estímulos negativos e positivos (neste caso da sexualidade os estímulos eróticos e fazer sexo) estão marcados em uma mesma área cerebral. No caso da Vulvodinia, o cérebro mapeia a vulva com dor e a emoção é comprometida. Mas, é o cérebro que simula a dor para ―evitar‖ algo ou a dor existe como expressão mapeada da dificuldade de algo (no caso a sexualidade)? Afetivamente falando ou com base na sexualidade, a Vulvodinia seria um medo ou um alarme falso? São questões importantes a ser investigado. Outro aspecto importante é destacado por Navarro11 sobre a memória emocional que tem um vinculação com a muscularidade, já que a vulva é uma área envolta por muscularidade na área pélvica; diferentemente da memória intelectual que se refere á célula nervosa. A mulher constrói sua identidade do EU e isto inclui a vulva, isto é, com sua sexualidade. Do ponto de vista dinâmico soma-psique, Navarro12 destaca que “Todo traço caracterial é, em última análise, a solução que o individuo encontrou para reprimir uma situação 3 conflitante. A partir do momento que todas as situações conflitantes provocam angústia, é evidente que o traço caracterial esconde, bloqueia quase sempre uma situação de angústia.” (p. 26). Assim, buscando refletir sobre os aspectos da sexualidade, segundo Navarro13, a mulher com uma Cobertura Caracterial hístero-anal não permite a entrega, não finaliza coisas, não se expressa plenamente e é ambivalente. Já a Cobertura hístero-clitoridiana demarca em alguns momentos a vivência de depressão bem compensada, uma pseudogenitalidade, expressam aparência de segurança, buscam reconhecimento e tem uma excitabilidade exagerada no clitóris em função de certa virilidade que tende a ser reprimida e hostilizada. Na Caracterialidade hístero-vaginal onde há uma personalidade maleável, viscosa e infantil, há um bloqueio intermitente na pélvis, com agilidade corporal de sedução defensiva e, também variação de humor, sugestionabilidade e fantasiosas. Navarro14, citando Ferenczy, destaca que neste caso há a genitalização em tudo em função da sobre carga de tensão sexual, onde toda a energia libidinal é colocada como defesa, somatizar muito. Navarro15 podendo ser expressar em depressividade e também sinaliza que “O bloqueio na pélvis comporta presença do superego ligado ao julgamento dos outros, o que implica numa tensão diafragmática provocada pelo sentimento de culpa; isso caracteriza o clássico masoquismo do histérico. O histérico tem, no fundo, medo do sexo oposto e não é capaz de abandonar-se, para não se culpabilizar, temendo o julgamento do parceiro.” (p 89). Além dessas reflexões, é interessante acrescentar que é preciso investigar questões como orientação sexual (preferência sexual) e opção sexual (escolha que é feita sobre a orientação sexual) quanto à mulher com Vulvodinia. Tais considerações sugere um nível de complexidade grande, porém destacam a importância sobre o tema em suas possíveis vinculações para a devida atuação terapêutica. No que concerne às questões da sexologia, ou o estudo da sexualidade, e também da importância desse estudo na formação dos profissionais de saúde, implica na adequada orientação para a terapia sexual. Outra realidade a ser pensada é se a Vulvodinia é ou não uma Disfunção 4 Sexual, tendo em vista que esta síndrome dificulta a vivência do ato sexual e expressão da sexualidade. Referências: 1 – Zakka, T. M.; Teixeira, M. J. e Yeng, L. T. – Dor vulvar Crônica. Revista Dor, 2009; 10: 4: 349-354. 2 – Paolo Ricci A. - Vulvodinia: un diagnóstico olvidado frente al dolor vulvar. Rev Chil Obstet Ginecol 2010; 75(1): 64 – 76 3 – Classificação Internacional de Doenças. On line, disponível em: http://www.medicinanet.com.br/cid10/n.htm Capturado em 20/01/2012. 4 – Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED – On line, disponível em: http://www.dor.org.br/profissionais/index.asp Capturado em 15/03/2012 5 – Universite of Michigan Health System. On line, disponivel em: http://www.uofmhealth.org/news/se-michigan-vulvodynia (2011) Capturado em 12/12/2011. 6 – Zakka, T. M.; Teixeira, M. J. e Yeng, L. T. – Dor vulvar Crônica. Revista Dor, 2009; 10: 4: 349-354. 7 – Zakka, T. M.; Teixeira, M. J. e Yeng, L. T. – Dor vulvar Crônica. Revista Dor, 2009; 10: 4: 349-354. 8 – Damásio, A. – E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia das letras: 2011. 9 – Damásio, A. – E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia das letras: 2011. 10 – Damásio, A. – E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia das letras: 2011. 11 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995. 12 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995. 13 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995. 14 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995. 15 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995. Psicopatologia e disfunção sexual: o lugar da terapia sexual Flavio Roberto de Carvalho Santos Com base no trabalho realizado no Ambulatório de Sexualidade no Instituto de 1 Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a discussão sobre psicopatologia e disfunção sexual é um tema complexo, contudo importante para pontuar o lugar da terapia sexual. Esta tentativa e proposta são de um esboço e conceito didático das principais psicopatologias com base em autores relevantes. Destaca-se que psicopatologia é um sofrimento afetivo, uma expressão da grande dificuldade do sujeito para lidar com a diversidade, flexibilidade e eficácia no uso de diversos mecanismos, sendo esta realidade interna e construída ao longo de uma vida. Para a compreensão deste fenômeno, a valorização desde a vida intrauterina é valorizada com grande destaque. Reich, Navarro e Bergeret apontam esta etapa da vida como básicas sobre o tema. Algumas estruturas principais são abordadas, como Neuroses, Psiconeurose, Estados Limítrofes e Psicoses, no ensaio de fazer uma articulação da sexualidade com indicações e contra indicações à terapia sexual. Psicopatologia, junção de palavras, deriva de Psico – do grego psyché, significa borboleta em uma alegoria à imortalidade da alma, pois, após a vida de lagarta, ela se transforma em pura alegria de viver leve e solta, sendo a alma humana purificada; e Pato – do grego páthos, refere à doença ou sofrimento e, de logia – do grego lógos, referente à palavra, discurso ou tratado, no sentido de estudo. As palavras juntas referem-se ao estudo de um conjunto de sofrimento da alma desvios da personalidade, personalidade e dentro de uma estrutura psíquica as e têm desordens como objeto patológicas os da do comportamento. Assim, cada indivíduo se organiza que interferirá que, aoser psicopatológico, acarretará em na dinâmica da sexualidade uma disfunção sexual. É neste sentido que cabe a discussão sobre o lugar da Terapia Sexual. Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UNICAMP), Mestre em Sexologia Clinica (UGF) e Psicólogo (UGF), professor na UNIABEU, UVA e colaborador no Ambulatório de Sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ / Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Neste sentido, alguns pontos naturalmente surgem ligados à psicopatologia, como a etiologia (estudo da causa ou origem), a nosologia (estudo ou tratado explicativo de classificação das doenças), nosografia (descrição das doenças) e a semiologia (estudo dos sinais e os sintomas). O processo de formação da psique tem inicio na concepção, sendo um processo biopsicológico longo que deve chegar a uma maturação plena em seu processo de vida (Navarro1). A característica principal da psique é o fenômeno emocional, onde o afeto é movido para fora, a expressão afetiva de um conteúdo armazenado ao longo do construído crescimento e e do desenvolvimento. Infelizmente, alguns problemas ocorrem e dificulta este processo que, neste caso, se estabelece um sofrimento, um páthos. Como a função instintiva humana básica é a conservação e preservação da espécie, frente a qualquer dificuldade extremada ou significativa, sempre ocorrerá uma adaptação que pode ser sinalizada pela patologia como resposta inadequada ao fato na tentativa de manter a vida. Quando o organismo (dinamicamente, organismo significa soma e psique juntos) não consegue lidar com as dificuldades, esgotando as ―adaptações‖ patológicas, este sucumbe, adoece mais gravemente e morre. Uma grande e importante dificuldade destacada é o estresse, valorizado como um agente desde o período primitivo até a vida adulta, o qual o organismo buscará por uma adaptação. Uma patologia é uma resposta adaptativa que é um sinal, assim como o próprio estresse é uma Síndrome Geral de Adaptação, como definido por Selye em 1936 (Moreira e Mello Fº 2). No momento mais primitivo da vida, no período embrionário, Navarro3 destaca que o estresse sobre o embrião é o principal desencadeante da emoção (expressão) do medo (emoção básica), um medo celular da morte. Situações como estas são vivenciadas nas circunstâncias onde há uma tentativa de aborto, intoxicação, uso de álcool e/ou drogas e todas as outras formas de tensão aguda ou crônica, onde o embrião responderá com uma reação celular básica de contração, uma defesa, tentando se adaptar. Citando Navarro4: “É preciso assinalar que cada dano é causa de um mecanismo de defesa para a 3 vida, que se manifesta com diversas patologias.” (p. 17). O mesmo pode ser entendido referente ao período fetal, pois neste período a psique ainda é fusional e há também uma simbiose biológica, como no período embrionário. O período fetal tem sua extensão até o décimo dia de nascido segundo a teoria reichiana. O parto, momento também crucial para o novo ser, deverá conduzir ao nascimento. Nascer significa que o bebê será conduzido para uma separação (do útero) adequada, sem tensões, ansiedades e estresses, para a vivência dos estímulos do contato externo que facilitará ou não à construção da subjetividade, portanto, da saúde ou da patologia. Uma mãe muito ansiosa, estressada ou estressante neste momento pode comprometer essa passagem. Como já apontado, Navarro5 destaca que Reich considera os dez primeiros dias de nascido como um período intra-uteriano e, portanto, o período neonatal é demarcado do 11º dia de nascido ao 8º-9º mês, quando nesta época ocorre o desenvolvimento ósseo e muscular da mandíbula, o processo da maturação nervosa para os movimentos voluntários da mastigação. Por volta desta idade o recém-nascido dá início à motilidade intencional com base na maior mielinização das fibras nervosas. Quando a função materna é insatisfatória continuamente em relação às necessidades simbióticas deste bebê, há a facilitação para a instalação da psicopatologia do Núcleo Psicótico. Esta psicopatologia traz a angústia ou o sentimento de se desmembrar, desmanchar, que expressa o não receber e por isso se perdem, ou não se encontram, de si. Após o 8º-9º mês de nascido, tem início o período pós-natal, marcado pelo inicio do processo de desmame e o desmame propriamente dito, por volta do 18º mês. Este período necessita que a função materna favoreça a segurança necessária para o bebê iniciar a busca além dela. As dificuldades vivenciadas aqui favorecem a instalação dos Estados Limítrofes pela inconstância, incoerência, ansiedade e incertezas. Da mesma forma que a precocidade no desmame, a amamentação prolongada também acarreta dificuldades, pois cria ou mantém uma dependência na simbiose biológica não mais necessária neste momento. O marcado pela maior atuação período pós-natal é 4 neuromuscular que marcará a entrada da criança nas relações mais amplas por seu crescente desenvolvimento, definindo sua forma (caráter) de ser e atuar no mundo, uma realidade intra e inter-psíquica. É também marcado pelo desenvolvimento da linguagem, dependendo dos comprometimentos intensos e graves, poderá se instalar ainda os Estados Limítrofes. Ressalta-se neste período o início do desenvolvimento para a fase anal, proposta pela psicanálise freudiana, na construção do EGO. A analidade, psiquicamente, representará a realidade da condição do controle de si, de seus desejos e vontades assim como a participação no mundo de forma mais ativa, mais pessoal. A diferenciação da instalação da psiconeurose na fase pós-natal é a entrada na fase fálica, ou seja, ativar Édipo e vivenciá-lo como um complexo e ―solucioná- lo‖ inadequadamente. A neurose, para Navarro6, se instala por problemas emocionais existenciais vividas após e a puberdade, pois não houve comprometimento em fase anterior. Sendo a marca de ansiedades e medos referentes à vida no seu sentido mais simples, nascida de um ambiente cultural ou social restritivo não tão comprometedor. É possível encontrar uma ansiedade ou angústia ligada à sexualidade quanto à entrega ao prazer, somatizações e estresses circunstanciais; contudo, pode ser minimizado com facilidade, ou seja, é uma questão existencial. Quanto mais cedo o estresse ocorre no processo de desenvolvimento, maior o dano na estrutura de um individuo e, conseqüentemente, acarreta na diferença marcante na forma de lidar com a angústia. Isto explicita exatamente que há um significado do sinal (sintoma) em relação à situação atual, o curso e a origem da patologia. A Estrutura Psicótica é produto de um estresse intra-uterino e provoca a angústia do medo de se desintegrar ou se perder (morrer). A estrutura dos Estados Limítrofes tem marcado o estresse no período neo-natal que acarreta a angústia do medo de não poder sobreviver por faltar algo, é a angústia da expectativa da perda. A Psiconeurose, marcado pelo estresse pós-natal, vive a angústia do medo de não poder viver, pois há a culpa e, o Neurótico, marcado pelo estresse na vida pós-púbere, vive a angústia do medo de uma circunstancia ou um momento em que a vida é insatisfatória, ou seja, de não se 5 realizar. Com base em Navarro7, nos estudos acerca da clínica-social, a psicopatológica está distribuída da seguinte forma: Neurose – 4,9%, Psiconeurose – 20%; Estados Limítrofes – 45% e Estados Psicóticos – 30%. No mesmo sentido (Bergeret, apud Bukowski8) destaca que parte da população está distribuída em Neurose – 33 ou 20%, Estados Limítrofes – 33 ou 50% e, Psicótico – 33%. Tais dados são importantes para abordar a realidade da sexualidade. Há que se reconhecer que a sexualidade é uma expressão da saúde pela economia sexual para a manutenção da mesma. e direciona Nos casos de psicopatologia, a sexualidade está comprometida e a estase energética da libido sustenta o sofrimento. É exatamente a boa economia da energia sexual, onde a qualidade da vivência afetiva é eficaz, que a saúde se estabelece. Para uma boa compreensão da psicopatolgoia, é importante a compreensão do entrelaçamento entre a base corporal – neural – com a base psíquica – subjetivo. Uma função psíquica só ocorre porque há uma base neural, é o corpo respaldando o subjetivo, isso é uma unidade funcional e não uma oposição. Nas pesquisas do neurologista Paulo Mac Lean, desde 1952, sobre o cérebro triúnico humano, Navarro9 destaca que há uma trindade importante que suportará a função psíquica. Sendo assim, o Cérebro Reptiliano, se localiza nos núcleos da base onde residem as funções vitais e instintivas ligada à manifestação afetiva relacionada ao território, caça e, sexo, principalmente. Portanto, é um cérebro instintivo. Ao longo do desenvolvimento filogenético o Cérebro Reptiliano foi recoberto por outro cérebro, o Cérebro Límbico (extremidade, contorno) presente nos animais vertebrados de sangue quente, os animais que cuidam da prole. Nesta evolução, o comportamento afetivo em relação ao sentir e experienciar se destaca com a memória afetiva, sentido de autoconservação e da atividade sexual ligada a uma descarga energética de prazer e não apenas de procriação, pois há uma conexão com os núcleos da base, com a hipófise e ao neocórtex. Esses dois cérebro chamados ―animais‖ estão presentes no homem. 6 O neocórtex é o terceiro cérebro proposto por Mac Lean, o Cérebro Cortical, que possibilita a dimensão espaço-temporal, da historicidade, da consciência, linguagem, abstração e a inventividade. A delicada e coerente integração e maturação destes três cérebros possibilita a saúde, pois determinam a formação do EU (Navarro10). Conseqüentemente, quando há dificuldades nas etapas de desenvolvimento da fecundação à maturação total dos cérebros, é possível ocorrer psicopatologias diferenciadas. Esses três cérebros têm uma única função de integração coerente em suas funções diferenciadas e complementares que interfere no ser, na expressão de sua sexualidade. A nosografia proposta por Bergeret11 destaca as Estruturas Neurótica, Estados Limítrofes e Estados Psicóticos. Navarro12 destaca Neurose, Psiconeurose, Borderline e Psicoses. Reich13 aborda principalmente as estruturas neuróticas (o caráter histérico, o caráter fáliconarcisita, o caráter compulsivo e o caráter masoquista) e, na estrutura Psicótica, cita a Cisão Esquizofrênica. Escribano14 aponta na visão psicossocionômica que há também estruturas de base como Neurose (histérico, obsessivo e passivo agressivo); Limítrofes (borderline,narcisista e (paranóia psicopata) e Estados Estados Psicóticos e esquizóide). A proposta da etiologia das psicopatologias, segundo a visão de Navarro15 em relação à sexualidade pode ser associada e entendida da seguinte forma: o resultado do estresse do medo embrionário gera a psicose, a mais grave (autismo), onde o sexo é uma resposta do cérebro reptiliano, é instintivo, não havendo uma sexualidade. No caso do estresse do medo fetal, que gera a psicose, há uma falta de identidade biológica do eu e o sexo é também reptiliano. Não há uma sexualidade propriamente dita nos dois casos, mas a expressão de uma necessidade de uma fusão biológica. Já o estresse do medo vivido no período neo-natal, que gera os estados limítrofes, a sexualidade é córtico-reptiliano, com pseudos contatos, com nuance límbica que não respalda e nem assegura a vivência da sexualidade propriamente dita. Na psiconeurose, que tem a vivência do estresse do medo no período pós-natal, há o medo da castração e a culpa, a sexualidade é vivenciada com base nos mecanismos de defesa. A neurose, cujo estresse do medo é circunstancial após a puberdade, 7 pode aparecer a sexualidade com dificuldade de assertividade em dado momento, sendo o reflexo do orgasmo comprometido pelo sentimento de ansiedade. Ou seja, a sexualidade genital (madura) não é plenamente satisfatória ou em alguns poucos momentos. Ressaltando que a proposta é apontar psicopatologia e disfunção sexual para focar o lugar da terapia sexual, se destaca que são as psiconeuroses e neuroses que são objetos de Terapia Sexual por haver um EGO estruturado para a intervenção focal acerca das referidas disfunções (Vide tabela I). As disfunções sexuais como ejaculação precoce ou retardada, perda da ereção, inibição do desejo, anorgasmia e vaginismo, por exemplo, destacadas por Andrade-Silva16, refletem o não funcionamento adequado de uma ou mais fase do ciclo da resposta sexual humana a ser investigada. Tais fases deste ciclo são, segundo Kaplan17, desejo, excitação, platô, orgasmo e resolução (DEPOR) ou, segundo Reich18, tensão, carga, descarga e relaxamento (TCDR), entre outros teóricos. Tabela I: Destaca as psicopatologias com suas principais características para o entendimento da terapia sexual, por ser focal. Estruturas Tipos ESTRUTUR A Neurose NEURÓTICA ESTRUTUR A PSICONEU RÓ TICA ESTRUTUR AS LIMÍTROFE S ESTRUTUR AS PSICÓTICA S Histérico Fálico narcisista Compulsivo Passivo agressivo Borderline Masoquista Narcisista Psicopata Paranóia Esquisoidi a Melancolia Instância dominante na organizaçã o Ego Natureza do conflito Natureza da angústia Superego Existencial Superego Supereg o com o id Castração Recalcamento Genital Ideal de ego Ideal de ego com id e realidad e Id com a realidad e Perda do objeto Clivagem dos objetos foraclusã o Anaclítica Id Principais defesa s Relação de objeto Genital Fragmentação Negação da realidade desdobrament o Fusional 8 Referências: 1 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 2 – Moreira, M. D. & Mello Filho, J. – Psicoimunologia hoje. In: Mello Filho, J. [e cols]. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes médicas, 1992. 3 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 4 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 5 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 6 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 7 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 8 – Bukowski, H. – Jean Bergeret: la personnalité normale et pathologique. (resumé par Henry Bukowski) Capturado em 11/06/2011. On line – Disponivel em: www.candiulb.be/forum/index.php?act=attach&type=post 9 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 10 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 11 – Bergeret, J [et al] – Psicopatologia: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2006. 12 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 13 – Reich, W. – Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 14 – Escribano, G – Apostila de curso de Formação em Psicossocionomia (2010). 15 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996. 16 – Andrade-Silva, M. C. – Principais sistemas para uso em terapia sexual. In: Andrade-Silva, M. C.; Serapião, J. J.; Jurberg, P. – Sexologia: interdisciplinaridade nos modelos clínicos, educacionais e na pesquisa. Rio de Janeiro: UGF, 1997. 17 – Kaplan, H. S. – A nova terapia do sexo. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1977. 18 – Reich, W. – Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989. A reinserção, do adolescente em conflito com a lei, à convivência social pelo programa de semiliberdade, perspectivas da Casa de Semiliberdade em Londrina/PR – Brasil. 9 Henrique Siena Zanon1 Silvia do Carmo Pattarelli2 Patrícia Castelo Branco3 Este trabalho pretende apresentar uma extensão do projeto “A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada”, que é desenvolvido com adolescentes em conflito com a lei que cumprem a medida sócio- educativa de semiliberdade na cidade de Londrina/PR – Brasil. A medida sócio- educativa é uma manifestação do Estado em resposta ao ato infracional, descrito na Lei como crime e/ou contravenção penal, praticados por adolescentes menores de 18 anos, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência e é desenvolvida com a finalidade pedagógico-educativa. A proposta do programa é de articular junto com a comunidade a habilitação desses jovens ao seu convívio social irrestrito, através de um ambiente socioeducacional, que os permita desenvolver um novo olhar sobre os aspectos de sua subjetividade, das normas sociais e da convivência com o outro. A inserção na educação escolar, introdução à profissionalização, atividades físicas, culturais, religiosas e de lazer, são meios para que eles possam ampliar seu conhecimento e progredir enquanto sujeito da sua própria história na sua jornada pela Casa de Semiliberdade. Os estagiários buscam, em encontros semanais, estabelecer vínculos, aprender e compreender a realidade do adolescente, que está em um período de desenvolvimento pessoal, visto pela Psicanálise, com base na teoria Winnicottiana, como uma busca da identidade adulta, o que gera questionamentos e dúvidas sobre suas verdades, devido às constantes mudanças biológicas, psicológicas e sociais que o circundam. O vínculo entre os estagiários e os jovens é costurado a partir de um ambiente facilitador durante as ―conversas‖ sobre direitos do adolescente, drogas, sexualidade e outros assuntos propostos pelos adolescentes. Há também estudos de caso, mensais, com os profissionais da Casa, onde há uma troca e reflexão das situações experienciadas com os jovens. Este projeto possui apoio de uma bolsa de Iniciação Científica da Fundação Araucária. Palavras-chave: Adolescente; Winnicott; Medida sócio educativa; Subjetividade 1 Autor do texto, Discente do 5º ano do curso de Psicologia, Bolsista da Fundação Araucária (Set/2011 – Set/2012), Centro Universitário Filadélfia – UniFil. ([email protected]) 2 Orientadora: Profª do curso de Psicologia/Centro Universitário Filadélfia – UniFil; formada em Psicologia pela PUC/Curitiba e Mestre em Educação pela Sociedade Educacional Tuiuti (2001). Coordenadora do Projeto: ―A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada‖ ([email protected]). 3 Orientadora: Profª de Antropologia do curso de Psicologia/Centro Universitário Filadélfia – UniFil, formada em História pela UEL e Mestre em História pela UNESP. Profª Integrante do Projeto: ―A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada‖ (patrí[email protected]). 1 0 Pode-se afirmar que complexidade da adolescência é tão grande que por muitas vezes foi relegada ao estigma de ―idade difícil‖, e esquecida pelas dificuldades no encontro com o nosso próprio adolescente que vem à tona na relação terapêutica entre analista e adolescente. Desenvolvido a partir do projeto “A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada”, este trabalho com adolescentes em conflito com a lei nos permite aprender e compreender a realidade vivida pelos jovens em regime de semiliberdade, através da teoria winnicottiana que da base para o crescimento de um ambiente suficientemente bom, e proporciona vinculo entre os estagiários do projeto e os adolescentes. Buscamos ampliar seu horizonte para com suas expectativas de vida e possibilidades na sociedade. Primeiramente é necessário compreender o que é ser adolescente segundo Relatório da Organização Mundial de Saúde (1965) define a adolescência por, um período da vida, que começa aos 10 e vai até os 19 anos. Já, para o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a adolescência começa aos 12 e vai aos 18 anos. Este enfoque cronológico, especificando a idade, é baseado pela idéia de ―pessoa em condição peculiar de desenvolvimento‖, pensamento que se atenta às transformações de ordem física, emocionais e cognitivas desta fase de desenvolvimento do ser humano. Para a psicanálise, a adolescência é vista como um período de transição da idade infantil para a adulta, que compreende muitas transformações biológicas, físicas, psicológicas e sociais, sendo então um fenômeno de caráter psicossocial, o que pode resultar em diversas características conforme a influência dos estímulos, do ambiente e da convivência social. (OUTEIRAL, 2003) Outeiral (1994) nos diz que, há uma diferenciação conceitual entre puberdade e adolescência. Puberdade é um processo biológico caracterizado por uma atitude hormonal que desencadeia as características sexuais secundárias, por volta dos nove e quatorze anos de idade. A adolescência, por sua vez, é um fenômeno psicológico e social, sendo assim, será influenciado pelo ambiente social, econômico e cultural em que o adolescente está inserido. Em ―Três ensaios sobre a sexualidade (1905)‖, Freud (1972) nos traz a adolescência como uma continuação do período infantil. Essa segunda edição da infância tem em comum a luta entre um Id mais exaltado e um Ego mais inibido, o 1 1 que leva a um período de transição da estabilidade do estado psicológico da infância e do mundo adulto. De acordo com Aberastury (1983), a adolescência faz parte de um processo de desprendimento, este processo transpassa por três etapas cruciais, o nascimento, a percepção da genitalidade o surgimento da linguagem e o começo do domínio sobre o corpo com o andar, e, a adolescência. Com a perda do corpo infantil e o redescobrimento do corpo em desenvolvimento, o adolescente se vê na necessidade de abandonar a bissexualidade, aceitar seu sexo e lutar contra a possibilidade real do incesto, já que agora possui os atributos necessários para definir seu papel de procriador. (ABERASTURY, 1983) Para Rassial (1997), o adolescente parece com o imigrante, alguém que ainda não encontrou seu lugar, devido a não ter espaço no âmbito da criança e muito menos no do adulto, fica sem lugar definido na sociedade. Outeiral (2003) nos traz a adolescência com um período de transição que compreende a formação de uma nova fase de seu crescer, o ―pensamento formal‖, que vai lhe proporcionar a capacidade de refletir sobre o que o circunda, aproximando o da vida adulta. Nessa busca por uma identidade adulta se vê frente a busca de si mesmo, onde os questionamentos e duvidas vem a tona, as crises da identidade são freqüentes devido a essa luta pelo eu próprio. Os estudos de Winnicott (1995) abordam um aspecto de grande relevância para nosso projeto, a tendência anti-social, que surge a partir da de- privação, não uma simples privação, mas a perda de algo que foi positivo para o desenvolvimento da criança e que se estendeu por um período de tempo maior do que seria possível para a criança manter viva em sua memória esta experiência boa: Quando existe uma tendência anti-social, houve um verdadeiro desapossamento (não uma simples carência); quer dizer, houve perda de algo bom que foi positivo na experiência da criança até uma certa data, e que foi retirado; a retirada estendeu-se por um período maior do que aquele durante o qual a criança pode manter viva a lembrança da experiência. A descrição abrangente da privação inclui o antes e o depois, o ponto exato do trauma e a persistência da condição traumática [...]. (WINNICOTT, 1995, p.131) Winnicott (2000) divide a tendência anti-social entre duas vertentes, o roubo e a destrutividade. Sendo que a criança busca, com o roubo, encontrar algo 1 2 que foi perdido e fracassa, mas, por ter esperanças, vai à busca disso em outros lugares, procura pela sua mãe que falhou em devido na momento do desenvolvimento. No ato destrutivo, tenta manter um equilíbrio ambiental para suportar o encontro com seus comportamentos impulsivos, necessário para procurar o limite que foi falho na função paterna. Outra contribuição de Winnicott (2000) é a possibilidade de se criar o ambiente facilitador, o que permite aos estagiários estabelecerem vinculo com os jovens em conflito com a lei, um espaço em que eles possam se abrir sobre sua realidade história de vida, medos, frustrações e dúvidas. Proporcionando um cuidado suficientemente bom. [...] o fornecimento de um ambiente suficientemente bom na fase mais primitiva capacita o bebê a começar a existir, a ter experiências, a constituir um ego pessoal, a dominar os instintos e a defrontar-se com todas as dificuldades inerentes à vida. Tudo isto é sentido como real pelo bebê que se torna capaz de ter um eu, o qual, por sua vez, pode em algum momento vir até mesmo a sacrificar a espontaneidade, e até mesmo morrer. (WINNICOTT, 2000, p.404). A partir desse ambiente suficientemente bom, o adolescente pode reestruturar seus conteúdos psíquicos e dar novos significados aos aspectos de sentido a sua vida, requisito indispensável para o andamento do projeto. Permitindo através dessa nova visão um olhar inovador e criativo aos jovens que cumprem medida sócio educativa de semiliberdade. O adolescente autor de ato infracional, fica sujeito a uma legislação especifica dada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, sendo esta a aplicação de medidas sócio educativas; como vemos em Batista (2003): [...] é uma medida jurídica, de cunho socioeducativo, fundamentada na doutrina de proteção integral, destinada exclusivamente ao adolescente autor de ato infracional. Medida jurídica ou legal, porque as medidas socioeducativas são parte da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, É também uma medida judicial, pois só pode ser aplicada pelo juiz, o qual é a autoridade competente a que se refere o art. 112 do ECA, ou seja, é quem, verificada a infração, decide pela aplicação da medida socioeducativa. Este juiz é o da Vara da Infância e da Juventude. De cunho socioeducativo, porque o adolescente é um sujeito em desenvolvimento, ou seja, não completamente formado, o Estado determina que a prioridade da medida deva ser sua formação, sua socioeducação. Ou seja, que ele receba, durante o período do 1 3 cumprimento da medida, uma formação que o deixe melhor preparado para a vida, com valores de respeito a si mesmo e aos outros, respeito às normas de convivência social, com objetivos de vida e fortalecido para perseguir estes objetivos, percebendo o que é capaz de fazer e sabendo onde procurar ajuda, lidando melhor com os limites e as possibilidades da vida. As medidas sócio educativas visam inibir a reincidência, tem finalidade pedagógico-educativa e deve respeitar a capacidade do adolescente em cumpri-las, as circunstâncias em que o ato infracional foi praticado e a gravidade da infração, pois cada adolescente traz consigo sua história e trajetória de vida. Por remeter a pessoa em desenvolvimento e ao contexto em que esta relacionado o ato infracional, as medidas são aplicadas de acordo com sua particularidade. São elas, a Advertência, de serviços à a Obrigação de comunidade, Liberdade reparar o dano, a Prestação assistida, Semiliberdade e Internação (BRASIL, 1990). O regime de semiliberdade pode ser aplicado tanto como medida inicial, quanto uma transição para o meio aberto. É caracterizado pelo espaço físico no molde de uma moradia familiar, busca propiciar ao jovem a convivência com outros jovens, num ambiente educativo, aliado à escolarização, profissionalização, resgate e fortalecimento dos vínculos familiares, acessam a rede de serviços e programas sociais, conferindo-lhe condições para o retorno ao convívio social. Não possui prazo determinado. Sua concepção objetiva proporcionar um ambiente socioeducacional que permita, ao adolescente, desenvolver um novo código de convivência, além de oferecer garantias quanto à segurança pessoal, com limites espaciais definidos que lhe deem proteção. Ao manter contato direto com o meio social, onde realizará suas atividades voltadas ao seu desenvolvimento, além de outras oportunidades de interação comunitária, o jovem toma conhecimento de novas possibilidades para sua vida, como sujeito de direitos (BRASIL, 1990). A partir do fornecimento de um ambiente suficientemente bom, em parceria com os aspectos sócio educativos proporcionados pela objetividade da medida, conseguimos estabelecer vínculos com o adolescente em conflito com a lei, indo ao encontro com sua subjetividade, a expressão de seus pensamentos, angustias, frustrações, a vida atual e passada e constante contato com os aspectos de seu desenvolvimento. 1 4 Podemos acompanhar o cotidiano dos adolescentes nos estudos de caso mensais junto aos técnicos da Casa de Semiliberdade, que fornecem dados da sua visão sobre a rotina ali vivida, são discutidos a realidade econômica, cultural, escolar e familiar dos jovens, os atos que culminaram no cumprimento da medida, seu comportamento dentro e fora da casa, a evolução de seu caso, as alternativas e as expectativas frente a cada individuo. São realizadas atividades semanais com duração de 1h e 30 minutos, com aproximadamente dez adolescentes, dentre as quais se podem destacar os diálogos, que tem os temas sugeridos pelos próprios meninos (drogas, direitos da criança e do adolescente, sexualidade), há também atividades físicas na quadra poliesportiva, culinária e dinâmicas de grupo. O projeto “A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada” ainda está em andamento, porém pode-se observar o interesse dos jovens em participarem e contribuírem para a realização das atividades, as dúvidas, sobre drogas e sexualidade principalmente, que surgem em meio aos debates, a vontade de expressarem e compartilharem seus sentimentos, e a busca por novos conhecimentos. Vê-se então que o adolescente em regime de semiliberdade é um ser humano em desenvolvimento, cercado por conflitos em muitas esferas da sociedade, digno de um olhar sem preconceitos estabelecidos, e que deve ser tratado como sujeito de direitos, garantindo-lhe condições para o seu retorno ao pleno convívio social. 1 5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABERASTURY, Arminda; e colaboradores. Adolescência. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. BAPTISTA, M. V. Prestação de serviços à comunidade. São Paulo: NCA, 2003. V. I BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal n°8069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 20 fev. 2012. FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. ESB, v. VII, Imago, 1972. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD -OMS. Problemas de salud de la adolescência. Série de Informes técnicos. Geneva: OMS, 1965. OUTEIRAL, José Ottoni. Adolescer: estudos sobre adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. OUTEIRAL, José Ottoni. Adolescer: estudos revisados sobre adolescência. Rio de Janeiro: Revinter, 2003. RASSIAL, Jean-Jaques. A passagem adolescente: da família ao laço social. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997. WINNICOTT, D. W. Da Pediatria à Psicanálise: Obras Escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000. WINNICOTT, D. W. A tendência anti-social. In D. W. Winnicott, Privação e delinquência (p. 135147). 3. ed. Trad. A. Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1995. “Sobrecarga en cuidadores familiares de pacientes con demencias: el Síndrome del cuidador”. Autores: Tartaglini, M.F. ; Hermida, P.D. & Stefani, D. Institución: Instituto de Investigaciones Cardiológicas ―Prof. Dr. Alberto C. Taquini‖ (ININCA – UBA CONICET), Ciudad Autónoma de Buenos Aires, República Argentina. Mail de contacto: [email protected] 1 6 En este trabajo se presentan resultados parciales correspondientes a un proyecto de investigación mayor titulado ―Evaluación de la Apraxia en Pacientes con Demencia y del Bienestar Subjetivo en Cuidadores Informales: Un estudio Interdisciplinario en Familiares‖, el cual contó con el subsidiado de CONICET: PIP Nº 5464/05. Resumen Objetivo: Evaluar la influencia del sentimiento de sobrecarga de los cuidadores familiares de pacientes con demencias, sobre los trastornos de salud que éstos experimentan. Método: Estudio descriptivo de corte transversal, en 200 cuidadores de distinto sexo y edad, residentes en Buenos Aires (República Argentina). Se aplicaron, a los cuidadores familiares, un cuestionario de datos generales y psicosociales y la escala de sobrecarga. Resultados: Se observó que a mayor nivel de sobrecarga en los cuidadores familiares, mayor probabilidad de presentar algún trastorno de salud. Discusión: Estos hallazgos coinciden con otros trabajos empíricos, en los que se define a los trastornos de la salud de los cuidadores como ―Síndrome del Cuidador‖. Este síndrome describe el aumento de la vulnerabilidad del cuidador familiar a contraer trastornos en su salud, físicos y psíquicos, como consecuencia de la situación estresante de asistir al familiar enfermo. Palabras claves: Cuidadores familiares - Demencias - Sobrecarga - Trastornos de salud. 1 7 Introducción La figura del cuidador informal de un paciente con demencia, refiere a un individuo que pertenece a la red de apoyo social del enfermo y que dedica la mayor cantidad de tiempo al cuidado del paciente. No recibe retribución económica alguna por las tareas que realiza y es percibido por los miembros de la familia como el único responsable del cuidado (Tartaglini, Ofman & Stefani, 2010). En la actualidad, numerosos trabajos empíricos demuestran que el cuidar, por ejemplo, a una persona mayor con discapacidades resulta un proceso estresante, que genera en los cuidadores familiares un aumento del riesgo de padecer problemas físicos y mentales (Pearlin, Mullan, Semple & Skaff, 1990; Zarit, Todd & Zarit, 1986; Kielcot-Glaser et al., 1991; Schulz & Wiliamson, 1991). La expresión de las repercusiones del cuidado ha sido conceptualizada con el término de ―carga‖ o ―sobrecarga‖ (Robinson, 1990). Desde la Teoría Transaccional del Estrés (Folkman & Lazarus, 1984), se considera al sentimiento de sobrecarga del cuidador como una de las manifestaciones del estrés psicológico y social generado por dicha situación. Objetivo Este trabajo se propone describir la presencia y tipo de trastornos en la salud de los cuidadores familiares de pacientes con Demencias, asociados a la tarea de asistir al enfermo; y evaluar la probable relación entre el sentimiento de sobrecarga experimentado por ellos y el desarrollo de dichos trastornos. Hipótesis La presencia de mayores niveles de sobrecarga favorece la aparición de trastornos de salud en los cuidadores familiares de pacientes con Demencias, como una de las consecuencias probables de las tareas de cuidado que realizan. Metodología Diseño Con el fin de cumplir con el objetivo propuesto, se siguieron los pasos correspondientes al estudio ex post facto, de corte transversal. Población y muestra Se consideraron sujetos del estudio a los cuidadores familiares residentes en Capital Federal y Gran Buenos Aires, República Argentina, de diferente sexo y edad, que acompañaron a los pacientes con Demencia a los Servicios de Neurología del Hospital Interzonal General de Agudos Eva Perón, del Hospital Dr. Abel Zubizarreta y a otras instituciones médicas, públicas y privadas, para su atención. La muestra se encuentra conformada por 200 cuidadores familiares, que fueron seleccionadas a 1 8 través de la estrategia de muestreo no probabilístico de tipo accidental. Con respecto a las características sociodemográficas de la muestra, el promedio de edad de los cuidadores fue de 58 años (de: 15.9) y el 71% son mujeres. El 93% de la muestra es de nacionalidad argentina y con respecto al estado civil, el 76% vive en pareja. En relación al vínculo de parentesco 1 9 establecido con el paciente, el 44.5% eran cónyuges y el 42% hijos. En cuanto al nivel de educación, el 38% consignó estudios primarios y el 35% secundarios; y en cuanto a la ocupación, el 54% se encontraba empleado, desarrollando tareas docentes, comerciales u oficios varios. Para finalizar, el 90% profesaba alguna religión, siendo en su mayoría católicos (93%). Material y Procedimiento Instrumentos de medición: Cuestionario de Datos Generales y Psicosociales (construido ad hoc). Este instrumento, recaba información demográfica y sociocultural del cuidador familiar, como así también el tipo de enfermedades, emergentes como una consecuencia probable de las tareas de cuidado. Se elaboraron, preguntas abiertas y cerradas con alternativas fijas. Escala de Sobrecarga (Zarit & Zarit, 1982; Martín, et al., 1996). Esta Escala fue diseñada para valorar la vivencia subjetiva de sobrecarga experimentada por el cuidador principal de pacientes con Demencia, con el fin de explorar sus efectos negativos en las distintas áreas de su vida: salud física, psíquica, actividades sociales y recursos económicos. Se utilizó la validación española de la Escala (Martín, et.al., 1996), compuesta por 21 ítems. Recolección de datos: Una vez logrado el consentimiento de las autoridades pertinentes, y la aprobación de los respectivos comités de Ética y Docencia e Investigación de las instituciones de salud que colaboraron con el estudio, se entrevistaron a aquellos cuidadores que manifestaron libremente su aprobación a participar en la presente investigación, quedando ésta expresada a través de la firma del consentimiento informado. Los instrumentos fueron administrados a los cuidadores familiares principales en forma individual, como entrevista estructurada, cuya duración fue de 40 minutos, aproximadamente. Análisis estadísticos Se utilizó la prueba de X2 (JI Cuadrado) de independencia estadística y se obtuvo el coeficiente de asociación Phi, considerando a la variable ―Niveles de sobrecarga‖ como antecedente y la ―Presencia de trastornos de salud‖ como variable consecuente. Se fijó un nivel de probabilidad de error menor o igual al valor de .05. 2 0 Resultados Tabla 1.Niveles de sobrecarga (n=200) Niveles de sobrecarga n % Ausencia de sobrecarga 98 49 Sobrecarga leve 37 18,5 Sobrecarga intensa 65 32,5 Total 200 100 En la tabla 1 se observa que las respuestas de los cuidadores familiares se concentraron en las categorías ―Ausencia de sobrecarga‖ (49%) y ―Sobrecarga intensa‖ (32.5%). Tabla 2. Tipo de trastornos de salud (n=134) Tipo de Trastornos n Físicos: Total 134 Hipertensión arterial Alteraciones gátricas Alteraciones del sueño Otras (Hipotiroidismo, Diabetes) Total T. Físicos 12 5 4 2 23 Psíquicos: Total 134 Ansiedad Tristeza/Depresión Agotamiento Irritabilidad Total T. Psíquicos 68 27 12 4 111 % 23 111 En la tabla 2 se presentan las distribuciones 52,2 21,8 17,4 8,6 100 61,3 24,3 10,8 3,6 100 17,3 82,7 de frecuencias y porcentajes correspondientes a las respuestas de los cuidadores familiares acerca de los tipos de trastornos de salud asociados a las tareas de cuidado del paciente con Demencia. De la muestra total de 200 cuidadores, el 67% (n=134) presentó algún trastorno en su salud, a partir de realizar las tareas de cuidado. Se observa que la mayoría indicó la 2 1 presencia de trastornos de tipo psíquicos (82.7%), de los cuales, más de la mitad contestó sentirse ansioso (61.3%). Con respecto a los problemas de salud de tipo físico, el 17.3% respondió afirmativamente, entre los que el 52.2% consignó problemas de hipertensión arterial. Tabla 3.Presencia de trastornos de salud según niveles de sobrecarga (n=200) Presencia de Niveles de sobrecarga trastornos Ausencia Sobrecarga Sobrecarga de la salud total de sobrecarga leve intensa n1 % n2 % n3 % Muestra nt % NO 48 49 10 27 7 11 66 33 SI 50 51 27 73 58 89 134 67 Totales 98 100 37 100 65 100 200 100 x2 = 21.4 p < .000 Phi = .35 En la tabla de contingencia número 3, se consignan las frecuencias absolutas y porcentajes correspondientes a la variable ―Presencia de trastornos de salud‖ según la característica ―Niveles de sobrecarga‖. En la última columna de esta tabla, correspondiente a los valores marginales, se observa que más de la mitad de los cuidadores (67%) manifestaron sufrir algún trastorno de salud. Asimismo, los otros datos indican la tendencia que a mayores niveles de sobrecarga, mayor probabilidad de presentar algún trastorno de salud. Se destaca que entre los que no presentaron algún trastorno de salud, el 49% respondió ―Ausencia de sobrecarga‖, mientras que, entre los que sí consignaron sufrir alguna enfermedad, el 89% contestó ―Sobrecarga intensa‖. Con respecto a los valores obtenidos en la prueba de Χ2 (Ji cuadrado) y el coeficiente Phi, estos indican una asociación positiva y moderada entre las variables ―Presencia de trastornos de salud‖ y ―Niveles de sobrecarga‖ (X2= 21.4; p < .000; Phi= .35). Discusión Los resultados hallados en el estudio indican un predominio de cuidadores familiares que manifestaron padecer algún tipo de problema de salud, en su mayoría de tipo psíquicos. Estos hallazgos apoyan la hipótesis formulada y coinciden con otros estudios que definen al conjunto de los trastornos padecidos por los cuidadores como ―Síndrome del Cuidador‖. Este concepto se refiere al aumento de la vulnerabilidad del familiar responsable, que repercute en una mayor probabilidad de aparición de problemas psíquicos, tales como sentimientos de cansancio, tristeza, ansiedad/depresión, irritabilidad y culpabilidad, y problemas físicos tales como astenias, cefaleas, alteraciones del sueño, lumbalgias, afecciones de la piel, alteraciones gastrointestinales (Dillehay & Sandys, 1990; Baltes & Schaie, 1976). Al respecto, Perlado (1995) señala que los cuidadores familiares de pacientes con Demencia 2 2 deben ser considerados un grupo sociosanitario de riesgo, debido a las repercusiones desfavorables sobre su salud bio-psico-social, generadas por las tareas deben desarrollar. El autor los considera ―segundas víctimas‖ de la enfermedad, refiriéndose a la continua sobrecarga a la que están expuestos, 2 3 tanto física como emocional, resultante de asumir la responsabilidad principal del enfermo, perdiendo así el cuidador su independencia, y paralizando sus proyectos personales durante el tiempo de cuidado. Referencias Bibliográficas Baltes P. B.; Schaie K. W. (1976). On the plasticity of intelligence in adulthood and old age. American Psychologist, 10: 720-725. Dillehay, R. C. & Sandys, M.R. (1990) Caregivers for Alzheimer‘s patients what we are learning from research. International Journal of aging and human development, 30 (4): 263285. Kielcot-Glaser, J. K. et al. (1991). Spousal Caregivers of Dementia Victims: Longitudinal changes in immunity and health. Psychosomatic Medicine, 53: 345-362. Lazarus, R.S.; Folkman, S. (1984). Stress, appraisal and coping. New York: MacGraw-Hill. Martín, M.; Salvado, I.; Nadal, S.; Mijo, L. C.; Rico, J. M.; Lanz, P.; Taussig, M. I. (1996). Adaptación para nuestro medio de la escala de sobrecarga del cuidador (Caregiver Burden Interview) de Zarit. Rev. Gerontol, 6: 338-346. Pearlin, L.; Mullin, J.; Semple, S. & Skaff, M. (1990) Caregiving and the Stress Process: An Overview of Concepts and their Measure. The Gerontologist, 30: 583-591. Robinson, K.M. (1990) Predictors of burden among wife caregivers. Scholarly inquiry for nursing practice. A International Journal, 4(3): 189-203. Schulz, R. & Wiliamson G. M. (1991) A 2-year Longitudinal Study of Depression Among Alzheimer‘s Caregivers. Psychology Aging, 6: 569-578. and Tartaglini, M. F., Ofman, S. D., Stefani, D. (2010). Sentimiento de Sobrecarga y Afrontamiento en Cuidadores Familiares Principales de Pacientes con Demencia Zarit, S. H.; Todd, P. A.; Zarit, J.M. (1986) Subjective Burden of Husbands and Wives as Caregivers: A Longitudinal Study. The Gerontologist, 26: 260-266. Zarit J. M.; Zarit, S. H. (1982). Measurement of burden and social support. Paper presented at the annual scientific meeting of the Gerontological Society of América. San Diego. 2 4 Controvérsias no diagnóstico de psicopatia: memória e signos da violência Francisco Ramos de Farias Considerar os restos e fraturas indizíveis decorrentes do excesso incrustado no psiquismo devido ao acontecimento traumático é uma tarefa árdua. Em princípio, ante a possibilidade de formulação de um diagnóstico. A esse respeito sabe-se que com relação à psicose e a neurose já se tem avançado bastante, mas quando se trata da psicopatia há ainda muitas obscuridades. Tomemos esse ponto para situar nossas reflexões: se o diagnóstico, mesmo que seja para fins de tratamento, produz sempre uma situação de estigma, a situação se agrava no tocante à psicopatia por ser uma categoria nosográfica em relação a qual os teóricos divergem bastante. Para aprofundar essas questões no âmbito de um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, iniciemos pela complexidade do que seja uma avaliação psicológica. Se o homem não se expusesse a situações difíceis em sua vida provavelmente seu estado psíquico apresentaria um estado de estabilidade. Isto por que as situações traumáticas produzem fraturas no funcionamento psíquico e deixam restos indeléveis de difícil elaboração. É nesse sentido que se assenta a avaliação psicológica, ou seja, identifica os vestígios de memória que se produziram em decorrência da exposição do homem a situações traumáticas. Os efeitos dessa exposição, juntamente com a condição de desamparo do ser, produzem condições que levam o sujeito a produzir ações como respostas ou tentativas de elaborações. Uma delas pode ser a escolha de alternativas criativas para deixar produções culturais como um legado que testemunhe a passagem pela vida. Nem sempre é isso o que acontece, pois muitas vezes o homem sucumbe diante de tais efeitos e não suporta o peso que é a travessia da vida chegando ao suicídio, ao homicídio e outras formas de ações destrutivas. As ações destrutivas suscitam sempre uma explicação: o que teria levado o homem a praticá-las? As respostas são inúmeras e advêm de vários campos da experiência humana. Porém nos ateremos nesse recorte às ações destrutivas que são praticadas por sujeitos que não dispõem momentaneamente de juízo crítico para avaliar as suas consequências. Esses sujeitos são inscritos em uma categoria que é produzida pela interferência do saber médico no âmbito das práticas jurídicas. Referimo-nos ao louco criminoso; louco infrator, ou pessoas adultas com transtornos 2 5 psíquicos em conflito com a lei. Há Geralmente as pessoas aqui uma particularidade a ser assinalada. que são inseridas nessa rubrica trazem consigo uma marca bastante estigmatizante em função do diagnóstico que recebem: retardo mental, psicose e psicopatia entre outros. Qualquer uma dessas modalidades diagnósticas enfeixa sujeito em uma categoria que é objeto de exclusão social o e, consequentemente, dificilmente, consegue a recuperação para a vida em sociedade, seja pelo diagnóstico, seja pela passagem em instituições de custódia para tratamento psiquiátrico. Em outras palavras, essas pessoas são objeto de duplo estigma, visto encerrarem duas nuanças mais sombrias da experiência humana: a loucura e a criminalidade. Conforme assinala Carrara (1998) o destino é serem confinadas a um local que apresenta uma faceta de prisão para criminosos e outra de hospício para loucos. Eis a solução que a sociedade apresenta para situações dessa natureza, pois sabemos que toda vez que a sociedade se depara com um problema, logo se mobiliza para produzir uma solução e, nesse caso, não é diferente. Certamente o crime e a loucura são questões que emergem da condição social. Porém são focos de tensão, razão pela qual quem comete um crime ou quem enlouquece denunciam a existência de um zona de mau funcionamento social. Por isso é preciso legitimar tais agentes, incluí-los em uma categoria social negativa para então ter lugar o processo de exclusão e confinamento. Assim, são produzidas estratégias de avaliação quantitativas e qualitativas que têm sempre um mesmo objetivo: identificar agentes diferentes considerados negativamente e aplicar determinadas medidas que são ideologicamente produzidas como condições de produção de estabilidade social (ROVINSKI, 2007). Geralmente as justificativas para o emprego de tal procedimento são tecidas em razão dos pareceres serem produzidos no âmbito do contexto científico, como se esse argumento fosse suficiente para empreitadas que tentam minar a singularidade do homem na produção de seres homogêneos. Eis uma das possíveis aplicações da avaliação dos vestígios da situação traumática que concorre para a inserção de um sujeito em função de uma ação praticada, sob a ótica de um estigma indelével (MILLER e MILNER, 2006). Retomando a questão do diagnóstico de psicopatia estamos diante das possibilidades de avaliação de situação de transbordamento em termos de elaboração, mesmo que consideremos a existência de um tipo de saber aliado a uma intenção, os efeitos da situação, às vezes, escapam o limiar de compreensão. Então se produz o arranjo mnésico, em sua estrutura sinuosa devido ao recalque, ao lado da 2 6 descontinuidade produzida pelo trauma, O trauma torna as cadeias mnêmicas heterogêneas no sentido de produzir uma história singular em função do modo como os arranjos de temporalmente memória como (inscrição, registros tradução passíveis de e retranscrição) análise (FARIAS, são 2011). dispostos Mesmo considerando que a estruturação das cadeias mnésicas dependem de circunstâncias históricas, ou seja, da presença do representante da espécie que se encarrega de transmitir para a cria humana o legado da cultura, tentamos entender que relação há entre o acontecimento traumático, a memória no âmbito da alteridade e a produção de uma categoria diagnóstica repleta de controvérsias, basta, como título de ilustração, situar as diferentes denominações que foram produzidas ao longo do século XX (SCHNEIDER, 1968). Não é objetivo aqui adentrar nessas questões para maiores esclarecimentos, uma vez que nos centramos na análise dos efeitos que incidem sobre o sujeito diante de um diagnóstico dessa enfermidade psíquica. Por um lado, há um corrente que acredita que tais serem não se beneficiariam com um tratamento, restando-lhes apenas a condição de encarceramento quando praticam um crime. Por outros, existem os defensores de que a psicopatia é uma enfermidade psíquica que poderia muito bem ser beneficiada com um tratamento, apenas ainda não foram produzidos os instrumentos para intervir nessas situações. Daí então esses sujeitos poderiam ser encaminhados aos hospitais de custódia para tratamento. Em uma temos a negação da psicopatia como enfermidade psíquica e sua inscrição no campo da maldade humana para a qual somente as instituições prisionais encarregar-se-iam da correção ou anulação. Em outra, há a aceitação da psicopatia como doença psíquica, porém há também o reconhecimento da inexistência de meios adequados para o tratamento. Como podemos depreender a psicopatia representa uma categoria limite entre a psiquiatria e justiça penal, pois ora esse primeiro campo a inclui no rol das enfermidades psíquicas; ora, o segundo aborda como falha incorrigível do caráter. Dependendo de uma leitura ou de outra se tem uma situação revestida de ambiguidades e contradições, o que certo modo representa a herança de posturas da psiquiatria positivista que propunha a existência da de traços degenerativos que concorriam para o aparecimento da loucura e a ideia lombrosiana de criminoso nato explicada em termos de uma condição atávica presente no homem que o aproximaria de seres involuídos e primitivos. Não obstante, a formulação dessa categoria diagnóstica representa para o saber médico ―o poder psiquiátrico em termos de um 2 7 instrumento para a patologização de um número cada vez maior de atos e indivíduos e para a justiça a possibilidade de uma solução cômoda para o crescente índice de criminalidade, permitindo a referência a causas mórbidas e mascarando a problemática política social (RAUTER, 2003, p. 115). A psicopatia em ambos os campos de saber, psiquiatria e direito, é considerada na rubrica de personalidade anormal conforme formulação de Schneider (1968). Não obstante convém esclarecer que, em primeiro lugar, referir-se a personalidade anormal não quer dizer necessariamente personalidade mórbida como no âmbito das psicoses. Certamente as personalidades psicopáticas são consideradas como aquelas que sofrem ou fazem sofreu a sociedade. Como se pode observar a própria definição já apresenta um grande paradoxo: como pode ser considerada uma entidade que faz sofreu o sujeito ou sociedade, como anormal, mas não mórbida? Apesar dessa contradição o mérito do trabalho de Schneider foi trazer a questão da psicopatia para o âmbito da psicopatologia, mesmo sem considerá-la como enfermidade psíquica mórbida, pois a sua interpretação recaia na observação de sujeitos que apresentam ações que se desvia em relação a uma faixa média da população, em termos daquilo que é definido no campo exclusivo da criminologia. Cabe antes de prosseguir tecer algumas considerações. Embora possamos considerar, por um lado, a inclusão da psicopatia no campo da psicopatologia um grande avanço, principalmente no que concerne a possibilidade de tratamento, por outro, a ideia de personalidade anormal não permite considerá-la no âmbito dos fenômenos psíquicos mórbidos. Sendo assim, o psicopata não teria um lugar no contexto da prática psiquiátrica restando-lhe apenas o enquadramento da prática jurídica para retificá-lo pelas correções, quando possível, de seus desvios. Ainda assim, considerar o psicopata como anormal, mas não enfermo, equivale a imputá-lo um rótulo que o insere no estigma de irrecuperável. É pertinente extrair dois elementos da proposta de Schneider para considerar as contradições presentes: o que significa, por exemplo, fazer o sujeito sofrer? ou fazer sofrer a sociedade? Em primeiro lugar essa tese traz a ideia de que tanto o homem quanto a sociedade devem ser pensados em estado de harmonia como uma realidade indivisível. Sendo assim, transgredir as normas criadas pela sociedade seria fazê-la sofrer e, por isso, o homem seria mau. Mas quem são aqueles que fazem a sociedade sofrer? Certamente são aqueles que têm em sua origem constitucional uma predisposição hereditária para fazer maldades. É conveniente salientar que analisar a 2 8 questão por essa ótica significa incluir qualquer tipo de contestador das normas sociais nessa rubrica e, nesse bojo, são incluídos os loucos criminosos para que sejam retirados da sociedade em defesa do bem estar social, uma vez que são considerados como um tipo de ameaça. Por serem considerados intratáveis e passiveis de não serem educados restaria para esses sujeitos, como destino, apenas a instituição prisional. Um outro ponto merece destaque: o psicopata é aquele que causa sérios danos à sociedade, principalmente pelo desrespeito às leis. Então se a questão é desrespeito às leis tem-se uma questão que concerne ao âmbito da justiça criminal, sendo que o saber psiquiátrico, como estratégia de poder, comparece para indicar, por intermédio de seus procedimentos técnicos, a existência de desvios de uma condição idealizada socialmente como padrão. Quais seriam então os argumentos utilizados pelo saber psiquiátrico para inserir um determinado sujeito que pratica uma ação na rubrica de psicopatia? Em princípio aponta-se uma vida atribulada em termos de precárias condições socioeconômicas e ainda o desequilíbrio familiar. Sendo assim, alguns sujeitos dificilmente escapariam a esse destino e são aqueles que povoam as instituições de reclusão que concentram, em sua maioria, a pobreza criminalizada que é severamente punida com a privação das condições mínimas de vida que são dever do Estado (WACQUANT, 2003). Há nisso a difusão de uma tese de que determinados sujeitos são perigosos para a sociedade pelos seus maus hábitos e pela dificuldade em seguir as normas estabelecidas, devendo ser recluídos em lugares de confinamento para a defesa da sociedade. Certamente determinados segmentos da população dificilmente escampam de serem enquadrados nessas condições. Na medida em que o social admite que haja uma escolha por um tipo de vida desregrada repleta de maus hábitos, então devem ser implantadas medidas preventivas para coibir a má escolha feita por esses sujeitos que provenientes de classes socais desfavorecidas economicamente superlotam prisões, instituições asilares, hospícios, internatos entre outros. Quem são esses personagens condenados socialmente a engrossar a lista de pessoas consideradas perigosas para a sociedade e que uma vez apreendidos pelos órgãos de repressão são inseridos na rubrica de psicopatas? São filhos de prostitutas, órfãos, moradores de rua entre outros que, segundo o saber psiquiátrico adotam, em suas vidas, atitudes perigosas de rebeldia por não se disporem à obediência às leis sociais. Como é uma categoria de amplitude considerável que vai da excentricidade à criminalidade, o campo da psiquiatria como dispositivo de controle social adota 2 9 como medidas de proteção à sociedade a ideia de que tais sujeitos se recusam na vida a seguir as leis sociais por algum tipo de erro da razão. Mas não somente isso: são sujeitos rebeldes que, mesmo sendo capazes do uso da razão na decisão quanto à prática de suas ações, decidem pela escolha de atos que os colocam enquanto atores na em condição de contestação. São essas algumas das dificuldades relacionadas ao diagnóstico de psicopatia, seja na diferenciação em relação à neurose e à psicose; seja em termos do sofrimento psíquico do sujeito, pois o acento então considerado coloca em primeiro plano a defesa da sociedade. A argumentação para abordar a psicopatia nesses termos, como uma questão que concerne ao social reside no fato de que diferentemente dos neuróticos e psicóticos admite-se que o psicopata não cometem erros da razão, mas a ―ausência de uma comunicação com o meio que data da infância‖ (ALONSO FERNANDEZ, 1972, p. 371). Para finalizar deter-mos-emos nesse último aspecto. Esmiuçar a história de vida e a infância de pessoas que cometem crimes em estado de ausência de racionalidade crítica tem sido uma prática corrente utilizada para constatar a anormalidade. Por esse motivos são buscados os indícios de ações praticadas que sejam considerados como oposições sociais e atitudes rebeldes em relação à obediência das regras sociais. Certamente essas posturas são guiadas por dispositivos disciplinares e de controle social (MACHADO, 1998). Notadamente os indícios procurados são buscados em termos de inadaptação à vida escolar, aos ambientes de trabalhos, aos costumes vigentes de uma dada sociedade que são considerados, pelo saber médico, para definir a psicopatia. Como se trata de condições desfavoráveis que causaram danos psíquicos, haveria a possibilidade de que um tratamento pudesse ajudar esses sujeitos. Para tanto é necessária a reclusão em instituições. Daí o motivo pelo qual foram criados os manicômios judiciários, atualmente denominados hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Não obstante, uma ambiguidade persiste nesse tipo de abordagem, especialmente em relação à crença de que os psicopatas dificilmente mudam suas ações e convicções a partir de interferências externas. Eis o que saber médico atual reedita do pensamento de Schneider (1968) para quem a vida infantil a educação infantil sendo eficaz faria com que crianças e jovens sejam facilmente curáveis. A direção oposta é pensada em relação ao psicopata, pois por terem uma infância problemática em termos educacionais e de respeito às autoridades parentais tornarse-iam incuráveis, ficando somente ao encargo do tempo a possibilidade 3 0 remota de cura, razão pela qual o ambiente prisional seria a alternativa mais apropriada para que o sujeito pudesse se remodelar em termos da aceitação em relação às exigências da vida. Nesse sentido, a acatar regras, aceitar autoridades e assumir responsabilidades seria a única possibilidade de condução do sujeito em termos de cura de seus males. Mas, não nos deixemos levar por essa corrente uma vez que a discussão em torno da possibilidade de o psicopata ser curável ou não pode muito bem ser visto como uma disputa de poder entre o saber médico a justiça penal, reeditando, em grande estilo, dispositivos disciplinares e de controle social. Eis o eco que encontramos com as ideias de Schneider (1968, p. 102) quando afirma que provavelmente o psicopata ―parece preferir mais o trato dos juízes ao dos médicos. Tais personalidades não são tributárias de tratamento médico, mas de atividade educacional pedagógica‖. Como isso se vê o saber médico transferir, de forma explícita, para a justiça penal, a responsabilidade em lidar com todos aqueles que questionam as leis, no intuito de colocá-los em instituições educacionais e correcionais. A lista de questionadores é longa: moradores de rua, criminosos, pobres sem afeição ao trabalho, praticantes da prostituição, operadores do narcotráfico, os sem-terra e assim por diante. Sendo os vestígios de memória de uma vida são considerados como signos de violência para formulação de um diagnóstico que apresenta mais incertezas e ambiguidades do que posicionamentos que direcionem uma prática social que esteja isenta de determinações disciplinares e de controle de reclusão e confinamento de determinados sujeitos considerados inaptos para vida em sociedade pelo fato de suas vidas, seus hábitos e suas ações são, muitas vezes, questionamentos a uma ordem determinada pelo seguimento social que detém o poder para ser seguida por aqueles que se são privados quase que totalmente dos benefícios das políticas públicas. Vendo a questão por esse prisma, podemos então lançar a seguinte indagação para reflexão: se a miséria é criminalizada e os pobres são punidos severamente pela ausência do Estado e pelo confinamento em instituições prisionais, qual o destino de quem é duplamente estigmatizado como o louco criminoso? Questão espinhosa sobre a qual não podemos nos esquivar! 3 1 Referências ALONSO FERNANDEZ, F. Fundamentos de La psiquiatria actual. Madrid: Paz Montalvo, 1968. CARRARA, S. Crime e loucura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. FARIAS, F. R. Trauma, sedução e memória. Em: . (org.) Apontamentos em Memória Social. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011. MACHADO, R. Ciência e saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. MILLER, J-A. e MILNER, J-C. Você quer mesmo ser avaliado? São Paulo: Manole, 2006. RAUTER, C. Criminalidade e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. ROVINSKI, S. L. R. Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo: Vetor, 2007. SCHNEIDER, K. Psicopatologia clínica. São Paulo: Mestre Jou, 1968. WACQUANT, L. Punir os pobres. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. Experiência traumática, escrita mnêmica e arranjos subjetivos: signos da violência Francisco Ramos de Farias – UNIRIO/PPGMS Abordaremos restos e fraturas indizíveis decorrentes do excesso incrustado no psiquismo devido ao acontecimento traumático. Consideramos traumática qualquer situação de transbordamento em termos de elaboração, tanto para quem sofre, quanto para o agente praticante. Embora do lado deste haja sempre um tipo de saber aliado a uma intenção, os efeitos da situação, às vezes, escapam o limiar de compreensão. Então se produz o arranjo mnésico, em sua estrutura sinuosa devido ao recalque, ao lado da descontinuidade produzida pelo trauma, O trauma torna as cadeias mnêmicas heterogêneas no sentido de produzir uma história singular em função do modo como os arranjos de memória (inscrição, tradução e retranscrição) são dispostos temporalmente como registros passíveis de análise. Mesmo considerando que a estruturação das cadeias mnésicas dependem de circunstâncias históricas, ou seja, da presença do representante da espécie que se encarrega de transmitir para a cria humana o legado da cultura, tentamos entender que relação há entre o acontecimento traumático e a memória no âmbito da alteridade. Abordar a questão por esse viés é possível em razão do corte que viabilizou o surgimento da psicanálise que, realizada a quatro mãos cujos, tem Descartes e Galileu (MILNER, 1996); na condição 3 2 de fundadores da ciência moderna. A descoberta do inconsciente indica que o lugar do trauma deve ser situado na constituição da memória em seu caráter fragmentário, passível de reconstituição pelo próprio sujeito. Assim podemos pensar as condições de relacionamento do sujeito na atualidade face ao valor dado à experiência num contexto em que se aposta no esquecimento como máxima de vida. Assim buscamos elaborar algumas formas de persistência da memória em face de essa exigência de apagamento a qual o homem do século XX se habituou. Assim pensamos o arranjo mnêmico e sua expressão nas formas atuais da subjetividade e nisso a interferência de situações da ordem do indizível que insistem em acompanhar o homem contemporâneo, obrigando-o a encaminhar por sendas obscuras e difíceis. Mas pensar tal articulação requer delimitar o que compreendemos por cenário da atualidade visto que cada sujeito se movimenta em dupla direção: a) deixa os rastros de sua produção inconsciente nas suas invenções e, b) desloca-se num tempo na condição de ator e agente construtor de uma história. Se o mundo, organizado sob os auspícios da ciência moderna, produzia no homem o regime da falta para torná-lo seguidor de 3 3 determinados preceitos, nos dias atuais, observa-se um viver no regime do excesso. Estamos assim diante da depressão causada pelo vazio de sentido. Questionemos esse vazio: falha dos arranjos mnésicos ou as condições atuais que apostam na efemeridade não permitem a experiência ser registrada e conservada? Na fratura que se produz em função da impossibilidade de organizar registros mnésicos que se reportem à experiência para simbolizá-la, vemos a adesão às soluções tóxicas e a recorrência impensada aos objetos de consumo, mas sem qualquer mediação da memória, visto que o cenário atual impõe ao sujeito não pensar: deve apenas se apropriar do objeto de consumo por período fugaz e logo descartá-lo, já que é decretado para tal objeto, no seu lançamento, seu tempo de validade. É, de extrema relevância, indagar quais meios o homem dos dias atuais dispõe para transformar suas vivências em relatos de experiências ou mesmo em arquivos disponíveis a serem utilizados no confronto com situações da ordem do inominável. Assim, estamos nos localizando, para pensar a articulação entre os efeitos do trauma e a configuração dos registros mnêmicos, na esfera da realidade psíquica. A especificidade da realidade psíquica que traz em si um corpo inscrito, chamado de corpo estranho (FREUD, 1893/1976), sem qualquer nuance de significação, nos faz pensar numa ruptura num arranjo de arquivos mnêmicos, tornando-os descontínuos e diferenciados em termos de sequências temporais. Assim, tentaremos rastrear as circunstâncias do viver nos dias atuais que retratem situações nas quais o sujeito esteve num estado de paralisação por não dispor de recursos para produzir elaborações diante da gama de informações com as quais é constantemente bombardeado. Vale situar que a distinção entre realidade psíquica e material estabelecida, no texto freudiano, aponta para a singularidade do sujeito de modo que sua ação tem de ser uma convocação para realizar uma produção sobre as pegadas que fizeram história em seu percurso de existência. Mas se o trauma produz uma fratura por produzir filigranas impossíveis de serem representadas, qual a posição do sujeito diante de tais circunstâncias? Quanto a isso podemos pensar algumas alternativas: a) o sujeito pode manter o material decorrente da vivência isolado do restante das cadeias mnêmicas sem qualquer significação e, estamos diante de uma perda, b) procurar um interlocutor a quem dirigir o enigma resultante do incompreensível da vivência traumática, e, c) enfim, produzir rastros mnésicos tentando significar o vazio produzido pela experiência. As duas últimas alternativas requerem um tempo de elaboração. Mas num mundo em que a palavra de ordem é o efêmero, como operar dessa maneira frente à aposta no esquecimento e no apagamento dos restos das vivências? Eis a questão que estamos circunscrevendo: uma vez que o trauma produz 3 4 uma fratura no sentido da formação de registros mnêmicos contínuos, como então o sujeito pode lançar mão de dispositivos para relatar suas experiências num contexto cuja lógica é ditada pelo consumo do excesso de objetos a serem rapidamente descartáveis? O fato de o mundo atual ser ordenado por um critério diferente do Mundo Antigo (o religioso) ou daquele do Mundo Moderno (o científico) indica a travessia de uma era, a Era Moderna, com o ingresso numa época que ainda não foi produzido um termo adequado para designá-la. Mas nos encontramos no seio da era da eficácia da técnica, ou seja, no horizonte de a Era Tecnológica que tem como princípio ordenador a lógica do consumo. Se o mundo foi palco de uma grande reviravolta no século XVII, constatamos que o século XX tem de ser pensado em razão das transformações radicais nos costumes, descobertas, progressos e pronunciados estados de barbárie no berço civilizado do planeta. Além disso, a reviravolta no espírito do tempo somente poderia ser compreendida na alusão àquilo que Milner (1996) denomina de um corte maior responsável pela produção dos discursos do mundo ocidental a partir da Era Moderna com novas formas de entendimento sobre a loucura e o crime, momento em que a desrazão passa a ser vista como produto de uma doença e não mais efeitos de uma manifestação divina (FOUCAULT, 1991). A questão, acerca das fraturas da memória causadas pelas circunstâncias que colorem o cotidiano vigente, concerne ao fato de indagarmos se estaríamos, no cenário das ocorrências que marcaram o século XX como a ―Era dos Extremos‖, seguindo a indicação de Hobsbawn (1995:13), de que vivemos numa época em que se tem ―de um lado a destruição do passado e do outro, a construção de um presente contínuo‖; ou se estaríamos diante de um corte maior comparável aquele que produziu o advento da ciência moderna, momento em que a ciência introduziu no mundo uma espécie de incerteza que ―corresponde à emergência de um novo saber: o saber real‖ (CABAS, 1998:10). Se a ciência se esmerou na construção de parâmetros para operar frente ao cenário da incerteza, essa dimensão conhece seu ápice no século XX, momento em que a indagação recai na preocupação acerca do futuro da civilização no sentido de sua conservação em registros de experiências e também acerca do destino do homem no planeta. Viverá o homem como um ser desenraizado ou construirá suportes para ancorar suas agruras? Diante dos impasses que assolam o viver cotidiano de quais alternativas dispõe-se atualmente? De uma coisa estamos cientes: a era tecnológica produziu um cenário e modificou radicalmente a experiência humana: encurtou distâncias, deu-nos acesso aos acontecimentos em tempo recorde de suas ocorrências, banalizou o sofrimento, 3 5 naturalizou a miséria e ―comercializou‖ o crime em larga escala. Nesse sentido, admitamos que a ciência moderna não só propiciou a emergência de uma nova forma discursiva como também fundou um novo tipo de laço social na medida em que operou uma radical inversão na relação do homem com o saber, mediante o uso da técnica instrumental. A operatividade e eficiência da técnica são marcos responsáveis pelos modos de ação do homem, ou seja, encontra-se a sua disposição um manancial técnico bastante eficaz e que certamente dispensa o ―pensar bem‖ como a utilização da experiência armazenada. Desse modo qual seria a função da experiência conservada em registros mnêmicos se existem dispositivos funcionais para a ação? Como nos alerta Heiddeger (2001:11) a ―técnica é um meio para um fim, ou seja, é uma atividade humana‖. Com isso, o homem que vive no cenário contemporâneo, regido pela técnica, vê-se constantemente desafiado a produzir filigranas de suporte frente às ameaças afiguradas num horizonte próximo que podem surgir de qualquer parte. Isso quer dizer que não há mais lugares definidos de onde se espera o pior! Chegamos, assim, aos balizadores da era atual. A cultura globalizada confere um grande destaque à imagem e ao seu poder no sentido de exacerbar, de forma incisiva, as forças que respondem pela operação do recalque. Por outro lado, a tendência ao esquecimento é empreendida para justificar o rumo desenfreado aos objetos de consumo, o que confere à mercadoria o seu valor de fetiche e, enfim, a onda crescente na crença de que existem meios para suprimir, por completo, o mal-estar, o que concorre para a busca de satisfações experimentadas de forma extrema. Disso resulta, no próprio arranjo psíquico do sujeito, a exigência de liquidação dos excedentes ou de restos de vivências que não se coadunam com os ditames da era atual. Os mecanismos de supressão daquilo que é considerado inaceitável, ou sem utilização imediata, são, pois as coordenadas reais de uma experiência em que somente tem valor a satisfação máxima vivida num presente contínuo sem ligação com as vivências do passado ou mesmo dos ancestrais. Essa experiência de engenharia das relações humanas representa uma perspectiva antecipada do futuro regida pela aposta do esquecimento, da eficácia e do encontro com a felicidade mediante o consumo excessivo em níveis bem amplos. Assim caem as ilusões, a experiência singular é objeto de uma plaina que impede qualquer nuance de profundidade em nome de um mundo sem fronteiras e acentua-se a vocação para a prática de um individualismo exacerbado. Nisso a técnica a disposição do homem tem uma função impar pelo fato de produzir resultados imediatos e eficazes. A questão sobre a maneira como o homem contemporâneo organiza seus arranjos mnêmicos diante de circunstâncias traumáticas, num contexto em que se 3 6 promulga o esquecer como regra, é um ponto a ser investigado, principalmente, se indagarmos qual o valor da experiência enquanto dimensão subjetiva? Não hesitamos em admitir estarmos diante de um novo recorte muito diferente daquele que produziu o advento da isso, nos reportamos ao ciência moderna. Por saber psicanalítico, contemporâneo do cenário radical que o século XX produziu para traçar um dialogo sobre essa nuance subjetiva, desprovida de memória, que caracteriza o homem da atualidade como perito no uso desenfreado da técnica. É comum nos dias atuais o homem operar maquinas sem qualquer conhecimento acerca do funcionamento das mesmas. Os manuais para uso técnico dispensam o ―pensar bem‖ como qualquer referência à experiência passada. Tal modalidade de vivência tem de ser rapidamente apagada visto que há uma produção de ponta que urge em ser consumida. Não estamos com isso afirmando que as formas de conhecimento da Era Moderna esteja envelhecidas e a Psicanálise seja o único caminho propício. Em principio, somos favoráveis à ideia de que é preciso descartar a tese de um envelhecimento habitual no campo dos saberes, pois não advogamos pelo princípio de que o envelhecimento concerne à passagem natural do tempo com seus efeitos mórbidos. Vivemos uma nova época que tem suas consequências, inclusive, no campo das afecções psíquicas mórbidas. Sendo assim, nos fundamentamos na ideia de que o tempo é uma construção subjetiva produzida por saltos qualitativos, ou seja, rupturas indicativas de passagens lógicas e não cronológicas em que operam: ―dois mecanismos de memória: a memória de um passado, que não passa, como o mecanismo de reprodução do já produzido, cuja falha é o esquecimento dos fatos, de dados e de conteúdos; e a memória do futuro, como o mecanismo de criação, em cuja falta reina a compulsão à repetição‖ (CANEIRO LEÃO, 2003:11) Essa construção do tempo pensado como um instante efêmero compõe uma engrenagem descontinua forjada pelos arranjos produzidos pelos registros das vivências acondicionadas em sistemas mnésicos. Somente a partir dessa dimensão dos registros dos sistemas mnésicos é que se pode mencionar a instauração de passado e futuro como vetores de sentido para a massa disforme das vivências do presente. Trazendo essa formulação para o âmbito dos arranjos mnésicos, gostaria de salientar que é fundamental a conservação dessas nuances vivenciais para que seja possível a produção das diferentes narrativas as quais o homem contemporâneo tem de utilizar para marcar sua presença no presente cotidiano nuançado de cinza e disforme, pois os contornos produzidos pela memória como ação social, já se mostram enfraquecidos, pois ―a memória como vínculo que provê continuidade, permite a projeção 3 7 do futuro‖ (VÁSQUEZ, 2001:25). Disso então sugerimos que a utilização dos arquivos mnêmicos concerne a uma lógica que não se coaduna com o fechamento promulgado na aposta ao esquecimento e ao descarte da experiência. Desse modo, apostamos na lógica que prima por um resgate dos arquivos mnésicos para, assim, encontrarmos balizadores para explicar tanto o surgimento quanto as obscuridades dos fenômenos atuais agrupados na rubrica de novos sintomas. Compreendemos que os arquivos de memória trazem a marca de uma relação trágica inquieta, tanto pela construção no processo testemunhado pelo semelhante da espécie, quanto pela inquietação diante da possibilidade de encontrar um destinatário para que se disponha a testemunhar o sentido do mesmo. Não estamos aqui propondo a ideia de um arquivo absoluto como a captação especular da narração histórica da vivência, ou seja, um culto narcísico desenfreado ao registro das vivências. Se assim ocorresse, a história, como criação, não seria possível, ou seja, é preciso transgredir as aspirações meramente individuais para construir, com o semelhante, as filigranas de uma história. Por outro lado, um mínimo de coisas arquivadas se faz necessário, pois se ―tudo está apagado ou destruído, a história tende para a fantasia ou o delírio, para a soberania delirante do eu, ou seja, para um arquivo reinventado que funciona como dogma‖ (ROUDINESCO, 2006:9). Não por noticiários da atualidade acaso, deixam transparecer ações os que somente podemos pensá-las como decorrente do chamado ―delírio de autonomia‖ pivô das práticas de devastação de cunho paranoico. Assim cremos que nos situamos diante de dois extremos que nos levam a uma mesma interdição: a) a interdição do saber absoluto, pois o saber só tem valor se construído a partir de uma experiência compartilhada e, b) interdição da soberania interpretativa do eu para desalojar o sujeito de seu fechamento narcísico na celebração única da satisfação pela imagem. Essas duas maneias de interdição são as condições de registros de vivências necessárias à invenção de uma história, pois tanto o culto excessivo aos traços da experiência quanto a aposta no seu apagamento, ou seja, na sua destruição, estariam na esteira da produção de um delírio que deixa de lado o peso interiorizado da memória subjetiva de modo a impedir pensar a história como a construção que se edifica na significação dos vestígios da experiência. (BACHELARD, 1990). Mas se o cenário da atualidade está impregnado de exigências para o descarte e para a relação efêmera do homem com as coisas, como então pensar a construção de uma história que se mostre resultado da experiência subjetivada isenta da contaminação do processo de automatização do pensar e consequentemente do desejar? Eis o paradoxo de nossa época, muito bem definido por Compagnon (1999:10) ao afirmar que 3 8 ―se moderno seria o que rompe com a tradição e tradicional o que resiste a modernização‖, então, a ruptura com as tradições do passado por uma geração constitui de certo modo uma tradição. Disso então resulta que falar de tradição dos dias atuais concorreria para uma dificuldade visto que toda tradição só se produz por rupturas. Então vivemos na política de pendor ao recalque com significativa aposta no esquecimento, a ruptura de uma tradição, mas isso certamente não pode ser considerado a tradição vigente em nossa época. Apenas nos situamos em relação a um ultrapassar da era que teve seu advento com a promulgação da ciência moderna que teve seu zênite com o processo de matematização apresentado ao mundo através dos princípios newtonianos (KOYRÉ, 1991). Assim sendo o arranjo que caracteriza o contexto atual traduz uma forte radicalização dos próprios paradigmas que serviam de esteios ao homem na Era Moderna com uma nova proposta para a ação do homem: valorização excessiva daquilo que se encontra fora dele em detrimento dos aspectos de sua dinâmica interna. Por esta razão, nos concentraremos sobre o fenômeno da memória como processo de ação social tecendo considerações sobre a interferência do trauma e sobre as suas consequências na invenção de uma historia que retrate o homem em sua singularidade, ou seja, que expresse, de algum modo a moção de seu desejo. 3 9 Referências Bibliográficas BACHELARD, G. Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Brasiliense, 1990. CABAS, A. G. Os paradoxos da civilização e o desgarramento da cultura. Agora. 1 (1). CARNEIRO LEÃO, E. O esquecimento da memória. IN; GONDAR, J. e BARRENECHEA, M. A. (orgs.). Memória e espaço: trilhas do contemporâneo. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003. COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: EDUFMG, 1999. FOUCAULT, M. A história da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1991. FREUD, S. Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos (1993). Rio de Janeiro: Imago, 1976, HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001. HOBSBAWN, E. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KOYRE, A. Estudos da história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. MILNER, J-C. A obra clara. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. ROUDINESCO, E. A análise e o arquivo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. VASQUEZ, F. La memoria como acción social. Buenos Aires: Paidos, 2001. A VIOLÊNCIA E AS PRATICAS PRISIONAIS: RASTOS DE MEMÓRIA E TRANSMISSÃO DE HÁBITOS Francisco Ramos de Farias Maria de Fátima Scaffo Glaucia Regina Vianna 1 – Introdução A prisão existe, desde a remota as mais remotas épocas. Na Antiguidade funcionava como o lugar de retenção de criminoso para receber o castigo que incluía a morte, o espancamento, o exílio, a perda de partes do corpo, a tortura, a troca, a desapropriação de bens entre outras formas. Com o advento da Era Moderna houve uma profunda transformação na finalidade da prisão que passou a ser o lugar de encarceramento para punição pela restrição de direitos, justificada para a defesa da sociedade contra aqueles que, socialmente, punham em risco a propriedade e a vida. Além disso, a punição, como fundamento racional, estendia-se, igualmente, também a todos os cidadãos, mediante a advertência do possível destino a quem pratica o crime. Na condição de instituição total, juntamente com internatos, asilos, hospícios e quartéis, a prisão tinha por finalidade administrar a vida daqueles que nela se instituíam em decorrência da prática de um crime, mesmo que fosse a revelia da vontade. Tal empreendimento visava, outrora, à disciplinarização de corpos e mentes rebeldes transformandose em corpos dóceis e mentes alijadas de pensamentos nefastos. Atualmente, a prisão destina-se a fazer verdadeiras correções morais com o isolamento, o silencio e o trabalho, empregados como métodos para recuperar o homem em termos do convívio social. A exigência de mão de obra qualificada para o trabalho foi, sem dúvida, a condição que determinou a criação das primeiras oficinas de aprendizagem na prisão e posteriormente as escolas. Porém, uma indagação insurge-se: a prisão ao invés de coibir a violência acaba transformando-se em um espaço de aperfeiçoamento do homem na aprendizagem de 4 0 práticas criminosas. Mesmo que o aparato estatal tendo introduzido a escola na prisão para profissionalizar os detentos, no sentido de prepará-los para a reinserção social, acontece uma modalidade de transmissão que decorre da adesão do preso as normas implícitas do espaço prisional, como meio de sobrevivência ou o domínio de uma técnica para o campo das ações criminosas. Desse modo, o funcionamento da prisão não pode ignorar o fato de que há uma modalidade de transmissão de hábitos e saberes, pela ação dos aprisionados, como recursos inerentes à sobrevivência no cárcere, denominada de cultura prisional. Esses dois modos de construção de memória atravessam as práticas sociais na prisão. Considerando a singularidade da prisão, onde, paradoxalmente, há o objetivo de punir e as ofertas de possibilidades ao criminoso de escolhas pela criação, tem-se um espaço em que incidem distintas nuances da violência que refletem na ação instrucional da cultura prisional: a escola da prisão onde se observa a aplicação da violência como meio de transmissão de conhecimentos e hábitos destinados à reprodução da prática disciplinar e a construção de saberes para salvaguardar a própria vida. Essa modalidade de instrução deve-se a existência de organizações criminosas que funcionam no aparelhamento e aperfeiçoamento no âmbito da criminalidade. A escola é um espaço de transmissão de saber. Porém não o único. Na escola há uma seleção de saberes que são transmitidos, mas igualmente são transmitidos também saberes que, objetivamente, não se encontram nas planilhas curriculares. Essa segunda modalidade de saber faz parte de um processo de transmissão que acontece no espaço prisional, se considerarmos o impacto da cultura prisional que impõe ao sujeito transformar-se, subjetivamente, no sentido do estabelecimento estratégias de sobrevivência. Sendo assim, à experiência carcerária, marcada por agressões físicas e 4 1 psicológicas, é também um vetor de modelação do sujeito, por se encontrar em regime de restrição de liberdade em função do confinamento onde será, doravante, administrado a revelia de sua vontade, tanto pelos representantes do aparato de segurança, quanto pelas organizações prisionais formadas pelos próprios detentos que reproduzem a forma de dominação macrossocial, no espaço microssocial. O sujeito, uma vez que ingressa no sistema prisional, encontra-se a mercê dessas duas vertentes de dominação, sem dispor de alternativas para evitá-las, exceção à temporalidade da pena. Sendo o crime um ato transgressivo, cujo efeito é a devastação, seu autor estará sujeito à pena imposta por lei, conforme ditam as ferramentas do corpo estatal que apresentam como finalidade a reclusão para a recuperação do agente infrator. Mas, há no cárcere uma realidade assustadora: os espaços destinados para que o criminoso pague, com sua condenação, o que deve à sociedade, encontram-se muito longe das finalidades propostas, em razão da possibilidade do seu aperfeiçoamento em técnicas de ações criminosas e de reprodução de táticas de dominação pela imposição da violência. Disso resulta uma cultura criminosa devida à experiência do encarceramento, cujos alicerces reproduzem, no ambiente carcerário, as mesmas condições de exclusão social. Resta então ao sujeito aderir a essa cultura no sentido de garantir, minimamente, uma forma de inclusão, da mesma forma que, ao praticar um crime, realizou em tipo de inclusão alienada ao contexto social, pois será, pela Lei, marcado por uma filiação ao Estado. Não obstante, a situação agrava-se quando o criminoso encarcerado é visto como perigoso e insubordinado. Disso resulta a sua ordenação por mecanismos de opressão que configuram um sistema de relações em constante tensão. Diante desse sistema opressor e impeditivo de um sistema penal inadequado, criamse novos valores e um verdadeiro código de condutas evidenciando a base da cultura prisional incólume às normas legais e denunciando a fragilidade do sistema carcerário. Daí então se produz uma ―escola da prisão‖ que confere ao preso um ―poder paralelo‖ através das facções. Assim, a mesma opressão e injustiça que o criminoso sofre do Estado, paradoxalmente são reproduzidas no cotidiano da prisão entre os próprios presos. Desse modo, a prisão configura-se, em dadas circunstâncias, como um espaço de construção de conhecimento e formação de hábitos, transformando o sujeito, de maneira irreversível, sendo, às vezes, um processo irreversível. A ação da educação primordial que acontece no seio da família, uma vez realizada no âmbito do poder outorgado pelo saber, não deixa de ser um meio de aplicação da violência, seja pela disciplina imposta aos atores dessa relação no que tange à dinâmica de seus corpos, seja pela assimetria que acontece entre personagens de gerações diferentes. Os pais, agentes da transmissão do legado cultural, são figuras ideias que evocam no processo imagos da historia pessoal, e os filhos esperam encontrar respostas para questões de cunho subjetivo. A situação apresenta uma particularidade no tocante à educação que a mãe empreende sobre sua filha no sentido dos ensinamentos acerca do que seja o ser mulher, o que não deixa de ser um cerceamento da liberdade pela imposição de regras de ordenamento, de disciplinarização e de controle na reprodução de sistemas de hierarquização, modelação de corpos dóceis aplicação de princípios morais calcados na ideia de correção de erros. Em suas práticas cotidianas, a mãe pode colocarse em uma posição de transmitir para a filha protocolos de submissão em relação a violência na esfera das relações conjugais. Desse modo, acontece a reprodução de formas sutis formas de violência com o reforçamento limites entre a busca por autonomia da mulher que acontece pela liberação da posição subserviente frente ao homem e a manutenção no lugar servil ao homem, seja pai, irmão ou marido. Para tanto, esse processo conta, com princípios extraídos da lógica de controle onipresente que prima pela imposição de violência. O olhar de vigilância nesse contexto com a finalidade de controle, contribui para a segregação, especialmente, devido à prática de princípios autoritários justificada por códigos nem sempre explicitados. Sabe-se que a função desse aparato é distanciar a mulher, pela submissão, de ser um agente histórico na construção 4 2 de seus arranjos subjetivos, na alegação de a mesma deve contenta-se em seguir normas prescritas. Assim o contexto da relação mãe e filha reproduz formas de controle social que operam no sentido da segregação, inscrevendo determinados sujeitos em espaços marginalizados e indo de encontro aos princípios básicos de busca de singularização. Esse processo conta com a participação de atores sociais encarregados de ações legitimadoras que apresentam certas singularidades reconhecidas socialmente como negativas. Sobre esse processo, pretende-se a construção da memória social da engrenagem que funciona, em oposição aos princípios de socialização pelo saber, fundamentalmente, na forma com que são transmitidos protocolos de práticas instituídas. A ação educativa realizada no espaço prisional apresenta limites de duas naturezas: limites próprios à impossibilidade do ato de educar e limites em relação à condição de cárcere, mesmo sendo a escola na prisão o fruto de uma determinação legal destinada a oferecer condições para que o homem, em regime de restrição de liberdade, reavalie sua vida, reflita sobre o teor de suas ações e construa condições visando à reintegração na sociedade, recuperando os espaços perdidos com a prisão: família, grupo de amigos, trabalho. Essa finalidade da escola confronta-se com os obstáculos do encarceramento e da cultura prisional que tem condições de funcionamento próprio, às quais, o sujeito é submetido, contra a sua vontade, do mesmo modo que o foi em relação à prisão. Sendo assim há, no espaço escolar do cárcere, transformações em duas direções: a internalização de saber no sentido da construção de condições para firmar laços sociais e a aquisição de hábitos para aperfeiçoamento na técnica e prática do crime. São essas as marcas do acesso ao saber e das tecnologias de poder disciplinar que subsistem nesse ambiente. Não obstante, deve-se considerar que as propostas da escola na prisão vertemse em possibilidades da construção de arranjos subjetivos que nem sempre se coaduna com os objetivos punitivos e corretivos da prisão. Além disso, o detento pode, pelo acesso ao saber, vislumbrar alternativas que o diferencie da massa carcerária que se mantém identificada pela prática do crime. Existem, certamente, situações que caminham em direção opostas. Daí a escola na prisão ser também um espaço de controvérsias quanto a finalidade que visa a ser um local de constituição de laços identitários, ou seja, um lugar capaz de formar cidadãos que não se incluam, de forma alienada, no contexto social. Eis a pórtico em que o detento, pela inserção à escola no espaço prisional, pode distanciarse da condição de reprodutor da lógica que acentua a condição de desigual e prima pela condição de alienação. Assim, espera-se que a escola na prisão forneça ao detento condições de superar a sua posição de mero consumidor passivo da cultura prisional para, pela vertente criativa, lançar mão dos diferentes produtos culturais e, enfim, ser o autor de uma história, construída por prática sociais solidárias ao invés de danos e de devastação. Como isso, aposta-se na ação educativa que acontece no espaço prisional, como lugar de interações privilegiadas para dar suporte aos projetos criativos que se vertam em obras inscritas socialmente e não em possíveis ―lixos‖ atômicos não recicláveis. Assim a escola na prisão, mesmo em seus limites, pode ser considerar uma usina de reciclagem de costumes e hábitos que acontece pela transmissão do saber e construção do conhecimento. Por fim, indaga-se sobre a ação dos atores que se encarregam do processo de transmissão de saber bem como dos efeitos em seus destinatários. O sistema penitenciário é um lugar de punição onde acontece a transmissão de saber. Considerada como um quadro social de memória na acepção de Halbwachs (2004), a instituição prisional faz parte de todos os outros lugares de constituição da memória, onde saberes são transmitidos relacionado ao modus vivendi do cotidiano prisional e às relações de poder estabelecidas que reproduzem as relações de poder do contexto social. Essa transmissão acontece no espaço prisional, se considerarmos o impacto da cultura prisional que impõe ao sujeito transformar-se, subjetivamente, no sentido do estabelecimento estratégias de sobrevivência. Sendo assim forja-se um 4 3 espaço de transmissão de saber bem distinto de outros, uma vez que vincula, especialmente, ao aprendizado de técnicas para o aperfeiçoamento no âmbito das ações criminosas. Com isso, a prisão também é um espaço formador de hábitos. A cultura prisional funciona, de forma implícita, como um espaço de construção de conhecimento que possibilita aos seus atores ultrapassar determinadas condições mediante a manejo de sofisticadas estratégias criminosas. Nesse sentido, funciona na contramão do cárcere que privilegia o silêncio. Não obstante, o silêncio preconizado pelo encarceramento transborda no aparelhamento de espaços construídos como suportes para a garantia da sobrevivência e, nisso, surgem os espaços de construção de memória para transmissão de saber sobre o crime e formação de hábitos fundamentais à vida. Eis a cultura da prisão que funciona como uma figura anônima de um grupo subordinado, conforme assinalou Thompson (2002); quer dizer: às leis do Estado são utilizadas e adaptadas ao exercício de poder nas instituições prisionais, onde muitas vezes, apenas os mais fortes sobrevivem. A experiência carcerária funciona de modo a modelar o condenado que se encontra em regime de restrição de liberdade em função do confinamento onde será, doravante, administrado pelos representantes do aparato de segurança e pelas organizações prisionais formadas pelos próprios detentos que reproduzem a forma de dominação macrossocial, no espaço microssocial. O sujeito, uma vez que ingressa no sistema prisional, encontra-se a mercê dessas duas vertentes de dominação, sem dispor de alternativas para evitá-las. Sendo o crime um ato transgressivo, cujo efeito é a devastação, seu autor estará sujeito à pena imposta por lei, conforme ditam as ferramentas do corpo estatal que apresentam como finalidade a reclusão para a recuperação do agente infrator. Mas, há no cárcere uma realidade assustadora: os espaços destinados à transformação do criminoso pelo exercício do arrependimento e da reflexão oriunda da culpa, encontra-se muito longe das finalidades propostas, em razão da possibilidade do seu aperfeiçoamento em técnicas de ações criminosas e de reprodução de táticas de dominação pela imposição da violência. Disso resulta uma cultura criminosa pela experiência do encarceramento, cujos alicerces reproduzem, no ambiente carcerário, as mesmas condições de exclusão social. Em condições de marcadas coerções, resta então ao sujeito aderir a essa cultura no sentido de garantir, minimamente, uma forma de inclusão, da mesma forma que, ao praticar um crime, realizou em tipo de inclusão alienada ao contexto social, pois será, pela Lei, marcado por uma filiação ao Estado (Farias, 2010). Não obstante, a situação agrava- se quando o criminoso encarcerado é visto como perigoso e insubordinado. Disso resulta a sua ordenação por mecanismos de opressão que configuram um sistema de relações em constante tensão. Diante desse sistema opressor e impeditivo de um sistema penal inadequado, criam-se novos valores e um verdadeiro código de condutas evidenciando a base da cultura prisional incólume às normas legais e denunciando a fragilidade do sistema carcerário. Daí então se produz uma ―escola da prisão‖ que confere ao preso um ―poder paralelo‖ através das facções. 2 – A transmissão de saberes, manejos de técnicas e a prisão A história do surgimento das diferentes instituições que regulam as práticas sociais, bem como as práticas de intervenções estabelecidas pelos discursos teóricos peculiares a cada época histórica, serve-nos de fundamentos para levantar questões sobre o modo de proceder das instituições sobre o sujeito. Para tanto, faz-se necessário uma leitura sobre o modo como um segmento dessas instituições, no caso a escola, trata aquilo que é manifestado por aqueles que encontram-se inseridos neste lugar, especialmente em função de determinadas circunstâncias que representem uma transgressão às normas de seu funcionamento. Como nos mostra Foucault (2008), as instituições que se dedicaram à assistência dos sujeitos que deixavam transparecer a dimensão trágica de suas existências, não procederam, para atender a essa finalidade, da mesma maneira, a ponto 4 4 de se observar práticas institucionais que seguem direções completamente opostas além de, divergirem radicalmente uma das outras. A instituição escolar imbuída de seu objetivo maior que é o transformar pelo educar defrontou-se com situações de difíceis soluções. Em princípio, a escola manteve e ainda hoje mantém, um sistema de exclusão daqueles que não respondem aos objetivos institucionais em termos de um rendimento esperado ou daqueles que em seus atos, distanciam-se daquilo que é esperado como condição do bem-viver. De certo modo, quando se configura, no âmbito escolar, uma atitude de um de seus instituídos que não esteja circunscrita nas suas normas de funcionamento, a postura dessa instituição é, geralmente, pela utilização de métodos que vão de uma rudeza a uma sofisticação, cujo resultado é quase sempre a exclusão em nome de uma pretendida racionalização. Imagine a potencialização dessa situação em uma escola que funciona em um espaço de excluídos como a prisão? E, ainda, a formação de uma cultura de transmissão de saber nesse espaço? (Vieira, 2008). Cabe então indagar acerca da razão em função da qual a escola adota esse modo de proceder. Face esta postura da escola abre-se uma possibilidade para se analisar essa questão por duas vertentes: pelo lado do aprendente e de sua inserção na escola, mesmo que seja em uma prisão e, pelo lado da escola enquanto instituição inscrita no contexto das práticas sociais, intervindo em ambientes que socialmente concentram aqueles que causam danos à sociedade. Cabe lembrar que em se tratando da violência que marca o ingresso dos sujeitos na prisão, tem-se uma condição humana que ―é sempre construída em função de necessidades, paixões sonhos e de loucuras assassinas de governantes. Ou seja, a violência é adquirida pela educação‖ (Heritier, 1996, p. 14). Possivelmente, desde que foi criada a escola não pôde ignorar essa realidade até mesmo porque o educar implica considerar a dinâmica das pulsões para que seja possível a formação dos laços sociais, necessários à convivência do sujeito como cidadão. Quer dizer, é próprio da criança atitudes que nem sempre se ajustam às normas sociais. Por isso cabe uma intervenção das instituições que compõem o social. Sabe-se que acerca da intervenção, a história das práticas institucionais, nos relata inúmeras modalidades. O problema crucial surge quando se tem como meta teorizar sobre uma dada modalidade de intervenção ou mesmo sustentá-la em bases teóricas que não estejam diretamente a serviço de uma ideologia ou de outra. Sendo assim é possível que a manifestação de variadas nuanças do processo de subjetivação do homem revelem-se, na família e na escola. E a escola como procede frente à determinadas manifestações que são consideradas pelo discurso social como atípicas? Em certo sentido, esse é o nó górdio que toda instituição e inclusive escola dificilmente consegue desatar, pois ―se por um lado a escola pretende tratar o sujeito na sua totalidade, não pode e nem deve deixar de ter um posicionamento politico e técnico‖ (Farias, 1998, p. 68). Se adentarmos na história da constituição das práticas educativas, constatamos que uma dada direção baseada em um ideal de correção. Isto se deveu, sem sombra de dúvida, à concepção reinante que, para Schreber (2007, p. 31), ―a criança seria má de nascença, razão pela qual seria necessário separá-la de sua natureza e submetê-la a um adestramento moral e físico. Isto quer dizer que era esperado da criança a arte da renúncia, como também se espera do detento que se arrependa do crime cometido e possa a partir daí fazer outra escola para sua vida. Talvez fundado nessa expectativa o educador que exerce sua prática em uma escola prisional espere ações ideais de seus alunos em termos de transformação pelo saber no sentido de construção de condições em prol da cidadania. Neste sentido, a possibilidade de expressão de um pensamento livre dado ao preso, no contexto da prática educativa, é ilusória, sendo este o motivo pelo qual a escola vai se valer de dispositivos de controle que não se justificam quando a filosofia do educar é a questão central. Como aponta Mannoni (1976, p. 38), ―a pedagogia oscila entre ideais de liberdade herdados do século XIX e os princípios de 4 5 disciplina saídos da tradição religiosa. A criança na sua família e na escola encontra-se apanhada entre a sedução e o castigo como método educativo‖. É interessante observar que esse modo de concepção, no seio da instituição prisional, ou em outra qualquer, pode ter as consequências mais indesejadas, especialmente quando a prática educativa advoga mesmo por uma formalização do sujeito esperando uma produção em série. Ora, se o aprendente , em seu processo de transformação, na instituição escolar explicita determinados modos de agir que vão de encontro às normas da escola, algum motivo deve ser considerado para explicar esse modo de existir. O que é manifestado nesse caso são expressões do agir humano que colocam em xeque os valores da sociedade, valores estes sustentados por uma ideologia humanista defensora de uma posição teórica, a qual considera que os criminosos como tipos de monstros. É a essa ideologia que o aprendente, quando não se comporta em conformidade com aquilo que é esperado na escola, está fazendo uma denúncia e também uma espécie de contestação sobre a dogmatização de que o criminoso pelo seu ato deveria ser considerado como um não-sujeito. Melhor dizendo: essa ideologia que, na escola, coloca-se em prática numa postura de exclusão daqueles chamados ―desviantes― pretende naturalmente uma harmonia, acreditando que uma vez suprimida a camada do mal, o bem aparecerá. Não obstante, a possível interferência do mal tem interpretações distintas, conforme assinala Nancy (1991, p. 28): ―o mundo conheceu o mal enquanto maldade e o mundo moderno como doença. A maldade é o efeito de uma maldição que vem dos deuses, das ordens do mundo e recai sobre os desgraçados. Daí a culpabilidade objetiva que é, no fundo, a essência e enigma do trágico‖. O contexto social vale-se do mal para justificar a prática, por alguns de atos delituosos que, sendo considerados perigosos devem ser isolado do convívio social, devendo ser encaminhados à prisão. A prisão funciona tanto como um lugar de expurgação do mal quanto da ofertas de possibilidades para a recondução do sujeito, uma vez, modificado ao contexto social. Aliás, conforme assinala Foucault (2008, p. 25) ―em nossas sociedades, os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma economia política do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade destes, de sua repartição e de sua submissão‖. É sobre esse apagar que o ato delituoso faz ressoar a exigência de que esse ato tem uma significação. E é sobre a significação desse ato bem como sobre o modo como a prisão o considera que se envereda por uma via para que seja possível considerar o aprender no seu vínculo ao desejo e o papel da escola nas situações em que o aprendente não responde conforme o que é esperado. 3 – A dinâmica do crime e o encontro com a escola A dinâmica e o contexto do ato delituoso considerando o discurso do detento e as medidas desencadeadas pela prisão, no processo de recuperação do sujeito criminoso para a sociedade produzem uma leitura acerca do crime e das engrenagens que funcionam no sistema prisional. O discurso acerca do crime bem como a inserção do condenado ao aparato escolar é o ponto de partida para o entendimento sobre o significado desse ato no âmbito prisional e no contexto social. Ao se considerar a natureza do crime e a dinâmica subjetiva em seu aspecto diferencial, aventa-se a possibilidade de produzir um saber o elo ―frouxo― que na instituição do tecido social que favorece vias para o tipo de realização mediante a escolha pelo crime. Porém não se deve esquecer a responsabilidade do infrator e a maneira como se posiciona em relação ao crime praticado, ou seja: qual a dimensão que tem o infrator de um dispositivo normativo quando vai de encontro a esse dispositivo no tecido social? E, o que a escola pode fazer em outra direção, em termos da oferta de outros meios de realização? Por ser o crime um aspecto da condição humana crucial às normas de transmissão do saber, até então não se encontra referências sobre os modos de ação da escola em relação a esta questão. Face a esta circunstância indaga-se: o que a escola, como agencia 4 6 representativa da transformação pelo educar, pode formular em relação ao crime, uma vez funcionado em uma prisão? Ou seja: como entender o que aciona esse sujeito a praticar tal ato e que lugar ocupa no contexto das relações sociais? Assim, acreditamos que a escola na prisão enfrenta obstáculos quando os educadores se defrontam com as manifestações da subjetividade que retratem uma forma da existência explicitadora da dimensão trágica, como também com a modalidade de saber que é transmitida pela cultura prisional. Ao que se sabe ainda hoje herdamos uma forma de pensar sobre o sujeito ditada pelo saber médico, em sua forma objetalizante, a qual consiste em defini-lo e também sua condição de saúde, considerando a normalidade, em um extremo e a patologia, em outro. Assim, temos instituições que se erguem como lugares de correção do sujeito para que, uma vez submetendo-se a esta intervenção, viesse a apresentar uma condição de adequação a um modelo construído em termos de ideais desejados. Não obstante sabemos que o lugar de correção das condições ditas selvagens ou concentradoras do mal, no homem, ficariam a encargo da educação, ou seja espera-se que ―uma pedagogia total forneça ao homem natural toda a soma ainda incalculada da cultura‖ (Mannoni, 1993, p. 192). Esse domínio do saber, bem como o saber médico, contribuíram, de forma significativa, para um mascaramento da vertente subjetiva da existência. Essa mesma acusação pode muito bem ser pensada em relação à prisão e à instituição escolar, que se pautou numa compreensão acerca do sujeito considerando-o em função do rendimento. Não obstante, em razão desse reducionismo algumas questões não são tratadas no âmbito escolar, no contexto prisional. Isto é o que acontece, acreditamos, com o ato delituoso pensado a partir de uma escolha, ou outras formas da conduta que não estejam em consonância com os ideais sociais. Enfatizamos que tomar a questão em termos apenas de uma de suas facetas é deixar de considerar uma posição ética. Quer dizer além de considerarmos uma dada transformação do criminoso pela prática do crime em termos do estigma que desse ato advém, devemos levar em conta a sua estrutura subjetiva. Assim sendo deve-se estar atento para diferenciar quando um ato delituoso é fruto de, apenas, uma situação circunstancial, ou quando se trata de aspectos referentes à estrutura psíquica. Por isto, a escola na prisão deve encarar o ato delituoso em uma dinâmica que inclui a função da escola, por um lado, e a responsabilidade do criminoso, por outro. Dito em outras palavras: é importante verificar qual a noção de responsabilidade que detém o transgressor na objetivação de seu ato. Possivelmente, seu ato é indicativo de uma ruptura no funcionamento e nos laços de relacionamento necessários à permanência e circulação desse sujeito no contexto social. Vale destacar que as implicações desse ato especialmente quando o seu praticante é inserido na prisão e é submetido às suas normas, nos remete aos conceitos de cidadania, principalmente quando há na prisão uma escola, por ser esta um dos dispositivos de inscrição do sujeito no contexto social. Embora seja um aparelho ideológico de estado que, segundo Althusser (1983, p. 79), ― desempenha o papel dominante e inculca os saberes contidos na ideologia dominante, durante anos, precisamente, durante aqueles em que a criança é muito mais vulnerável‖. Sabemos que a escola não desconhece esse seu papel. Mas por que estranhar as manifestações da subjetividade do detento quando estas não se ajustam à aplicação desses princípios? 4 – Considerações finais A forma parcial de tratar o sujeito ignorando a dinâmica relativa ao seu desejo faz a escola se encaixar nos instrumentos de reprodução das relações de produção nas quais produziram aproximações ingênuas sobre quem comete um ato delituoso. Mas, se a escola adota tal postura certamente é em razão de ainda manter viva a ideologia de que existem sujeito que por suas ações encontrar-se-iam cada vez mais presos a forças do mal e que por isso mesmo não sustentariam mais a condição de humano. Há muito se 4 7 pensou e ainda atualmente se pensa que a prática de atos de certa natureza equipara o homem aos animais, vistos como não no seu sentido natural e sim na acepção negativa de monstros, conforme depreendemos em ―preguiça, orgulho, maldade, imaturidade e debilidade‖ (Foucault, 2001, p. 40), palavras utilizadas para referência aos sujeitos que compareciam ao social pela transgressão. Há outra linha de pensamento quando o ato delituoso é considerado em termos de sua repercussão no processo de transformação pelo aprender, visto que segundo Filloux, (1987, p. 14) ―sendo a escola um lugar institucional de transmissão de saberes e apoiando-se na atividade intelectual do aluno, temos de interrogar sobre o que fundamenta o desejo de saber do aluno, o funcionamento e a maneira pela qual se opera a sublimação‖. Não obstante, o criminoso, em seu ato transgressor, estaria alimentado a esperança de encontrar suportes que lhe garantam a condição de sujeito inscrito em um país e que isso signifique uma modalidade de filiação. Pensamos que a prisão e a escola na prisão devam tomar uma posição frente ao sujeito transgressor e não somente excluí-lo. As razões da segregação por parte desses quadros sociais de memória somente reproduzem a normalizante e normatizadora. Ora, esse ato pode muito bem ser o meio encontrado para a inscrição no contexto social em detrimento da submissão a ideologia vigente. Queremos salientar que o crime pode representar uma busca incessante de um nome e reconhecimento. Considerando particularmente a constituição social da cultura brasileira não se pode deixar de fora determinadas práticas levadas a efeito pelos representantes do povo que em nada se distanciam de atos perversos. E esta situação não é recente. Historicamente é datável desde os pioneiros da colonização do Brasil, que se encarregaram, em sua maioria, da extorsão e do roubo. Nada mais significativo que uma origem histórica dessas para justificar a conduta desviante, nestes termos, quase como algo natural. Não se pretende com essa advertência opinar em favor da manutenção de tal forma de agir. Apenas constata-se que essa modalidade de pensar e de agir faz parte de um imaginário que deve levar muito tempo para ser erradicada. Além disso é preciso a implantação não só de outros valores mas também de práticas que não escamoteiam dadas nuanças da questão, ou seja o crime é uma circunstância do sujeito que requer atenção e um tratamento outro que não seja somente a exclusão. R ef er ê nc ia s Althusser, L. (1983). Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal. Farias, F. R. 1998) Ato delituoso, passagem ao ato e ato pedagógico. In: Farias, F. R. e Dupret, L. (orgs). A pesquisa nas ciências do sujeito. Rio de Janeiro: Revinter. . (2010) Por que, afinal, matamos? Rio de Janeiro: 7Letras. FILHO, J. B. M. ( ) Ensinar: do mal-entendido ao inesperado na transmissão. In: LOPES, E. A Psicanálise escuta a Educação. Belo Horizonte: Autêntica. Filloux, J-C. (1987) Psicanálise e educação. Estilos da clínica. II, 2 Foucault, F. (2001) Os anormais. São Paulo: Martins Fontes. . (2008) Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes. Halbwachs, M. (2002) Los marcos sociales de la memoria. Barcelona: Anthropos. Heritier, F. (1996) De la violence. Paris: Odile Jacob. 4 8 Mannoni, M.(1976) Educação impossível. Lisboa: Moraes. Mannoni, O. (1993) Chaves para o imaginário. Rio de Janeiro: Vozes. NANCY,J.L. (1991) Entretien sur le mal. Apertura. Collection de recherche psychanalitique. Perversion. Spring Verlag, v.5. Thompson, A. (1998) A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense. Vieira, E. L. G. Trabalho docente: de portas abertas para o cotidiano de uma escola prisional. Dissertação de Mestrado. PUCRIO, 2008 Experiência traumática, escrita mnêmica e arranjos subjetivos: signos da violência Francisco Ramos de Farias – UNIRIO/PPGMS Abordaremos restos e fraturas indizíveis decorrentes do excesso incrustado no psiquismo devido ao acontecimento traumático. Consideramos traumática qualquer situação de transbordamento em termos de elaboração, tanto para quem sofre, quanto para o agente praticante. Embora do lado deste haja sempre um tipo de saber aliado a uma intenção, os efeitos da situação, às vezes, escapam o limiar de compreensão. Então se produz o arranjo mnésico, em sua estrutura sinuosa devido ao recalque, ao lado da descontinuidade produzida pelo trauma, O trauma torna as cadeias mnêmicas heterogêneas no sentido de produzir uma história singular em função do modo como os arranjos de memória (inscrição, tradução e retranscrição) são dispostos temporalmente como registros passíveis de análise. Mesmo considerando que a estruturação das cadeias mnésicas dependem de circunstâncias históricas, ou seja, da presença do representante da espécie que se encarrega de transmitir para a cria humana o legado da cultura, tentamos entender que relação há entre o acontecimento traumático e a memória no âmbito da alteridade. Abordar a questão por esse viés é possível em razão do corte que viabilizou o surgimento da psicanálise que, realizada a quatro mãos cujos, tem Descartes e Galileu (MILNER, 1996); na condição de fundadores da ciência moderna. A descoberta do inconsciente indica que o lugar do trauma deve ser situado na constituição da memória em seu caráter fragmentário, passível de reconstituição pelo próprio sujeito. Assim podemos pensar as condições de relacionamento do sujeito na atualidade face ao valor dado à experiência num contexto em que se aposta no esquecimento como máxima de vida. Assim buscamos elaborar algumas formas de persistência da memória em face de essa exigência de apagamento a qual o homem do século XX se habituou. Assim pensamos o arranjo mnêmico e sua expressão nas formas atuais da subjetividade e nisso a interferência de situações da ordem do indizível que insistem em acompanhar o homem contemporâneo, obrigando-o a encaminhar por sendas obscuras e difíceis. 4 9 Mas pensar tal articulação requer delimitar o que compreendemos por cenário da atualidade visto que cada sujeito se movimenta em dupla direção: a) deixa os rastros de sua produção inconsciente nas suas invenções e, b) desloca-se num tempo na condição de ator e agente construtor de uma história. Se o mundo, organizado sob os auspícios da ciência moderna, produzia no homem o regime da falta para torná-lo seguidor de determinados preceitos, nos dias atuais, observa-se um viver no regime do excesso. Estamos assim diante da depressão causada pelo vazio de sentido. Questionemos esse vazio: falha dos arranjos mnésicos ou as condições atuais que apostam na efemeridade não permitem a experiência ser registrada e conservada? Na fratura que se produz em função da impossibilidade de organizar registros mnésicos que se reportem à experiência para simbolizála, vemos a adesão às soluções tóxicas e a recorrência impensada aos objetos de consumo, mas sem qualquer mediação da memória, visto que o cenário atual impõe ao sujeito não pensar: deve apenas se apropriar do objeto de consumo por período fugaz e logo descartá-lo, já que é decretado para tal objeto, no seu lançamento, seu tempo de validade. É, de extrema relevância, indagar quais meios o homem dos dias atuais dispõe para transformar suas vivências em relatos de experiências ou mesmo em arquivos disponíveis a serem utilizados no confronto com situações da ordem do inominável. Assim, estamos nos localizando, para pensar a articulação entre os efeitos do trauma e a configuração dos registros mnêmicos, na esfera da realidade psíquica. A especificidade da realidade psíquica que traz em si um corpo inscrito, chamado de corpo estranho (FREUD, 1893/1976), sem qualquer nuance de significação, nos faz pensar numa ruptura num arranjo de arquivos mnêmicos, descontínuos e diferenciados tornando-os em termos de sequências temporais. Assim, tentaremos rastrear as circunstâncias do viver nos dias atuais que retratem situações nas quais o sujeito esteve num estado de paralisação por não dispor de recursos para produzir elaborações diante da gama de informações com as quais é constantemente bombardeado. Vale situar que a distinção entre realidade psíquica e material estabelecida, no texto freudiano, aponta para a singularidade do sujeito de modo que sua ação tem de ser uma convocação para realizar uma produção sobre as pegadas que fizeram história em seu percurso de existência. 5 0 Mas se o trauma produz uma fratura por produzir filigranas impossíveis de serem representadas, qual a posição do sujeito diante de tais circunstâncias? Quanto a isso podemos pensar algumas alternativas: a) o sujeito pode manter o material decorrente da vivência isolado do restante das cadeias mnêmicas sem qualquer significação e, estamos diante de uma perda, b) interlocutor a quem dirigir o procurar enigma um resultante do incompreensível da vivência traumática, e, c) enfim, produzir rastros mnésicos tentando significar o vazio produzido pela experiência. As duas últimas alternativas requerem um tempo de elaboração. Mas num mundo em que a palavra de ordem é o efêmero, como operar dessa maneira frente à aposta no esquecimento e no apagamento dos restos das vivências? Eis a questão que estamos circunscrevendo: uma vez que o trauma produz uma fratura no sentido da formação de registros mnêmicos contínuos, como então o sujeito pode lançar mão de dispositivos para relatar suas experiências num contexto cuja lógica é ditada pelo consumo do excesso de objetos a serem rapidamente descartáveis? O fato de o mundo atual ser ordenado por um critério diferente do Mundo Antigo (o religioso) ou daquele do Mundo Moderno (o científico) indica a travessia de uma era, a Era Moderna, com o ingresso numa época que ainda não foi produzido um termo adequado para designá-la. Mas nos encontramos no seio da era da eficácia da técnica, ou seja, no horizonte de a Era Tecnológica que tem como princípio ordenador a lógica do consumo. Se o mundo foi palco de uma grande reviravolta no século XVII, constatamos que o século XX tem de ser pensado em razão das transformações radicais nos costumes, descobertas, progressos e pronunciados estados de barbárie no berço civilizado do planeta. Além disso, a reviravolta no espírito do tempo somente poderia ser compreendida na alusão àquilo que Milner (1996) denomina de um corte maior responsável pela produção dos discursos do mundo ocidental a partir da Era Moderna com novas formas de entendimento sobre a loucura e o crime, momento em que a desrazão passa a ser vista como produto de uma doença e não mais efeitos de uma manifestação divina (FOUCAULT, 1991). A questão, acerca circunstâncias que colorem das fraturas o cotidiano da memória vigente, causadas pelas concerne ao fato de indagarmos se estaríamos, no cenário das ocorrências que marcaram o século 5 1 XX como a ―Era dos Extremos‖, seguindo a indicação de Hobsbawn (1995:13), de que vivemos numa época em que se tem ―de um lado a destruição do passado e do outro, a construção de um presente contínuo‖; ou se estaríamos diante de um corte maior comparável aquele que produziu o advento da ciência moderna, momento em que a ciência introduziu no mundo uma espécie de incerteza que ―corresponde à emergência de um novo saber: o saber real‖ (CABAS, 1998:10). Se a ciência se esmerou na construção de parâmetros para operar frente ao cenário da incerteza, essa dimensão conhece seu ápice no século XX, momento em que a indagação recai na preocupação acerca do futuro da civilização no sentido de sua conservação em registros de experiências e também acerca do destino do homem no planeta. Viverá o homem como um ser desenraizado ou construirá suportes para ancorar suas agruras? Diante dos impasses que assolam o viver cotidiano de quais alternativas dispõe-se atualmente? De uma coisa estamos cientes: a era tecnológica produziu um cenário e modificou radicalmente a experiência humana: encurtou distâncias, deu-nos acesso aos acontecimentos em tempo recorde de suas ocorrências, banalizou o sofrimento, naturalizou a miséria e ―comercializou‖ o crime em larga escala. Nesse sentido, admitamos que a ciência moderna não só propiciou a emergência de uma nova forma discursiva como também fundou um novo tipo de laço social na medida em que operou uma radical inversão na relação do homem com o saber, mediante o uso da técnica instrumental. A operatividade e eficiência da técnica são marcos responsáveis pelos modos de ação do homem, ou seja, encontra-se a sua disposição um manancial técnico bastante eficaz e que certamente dispensa o ―pensar bem‖ como a utilização da experiência armazenada. Desse modo qual seria a função da experiência conservada em registros mnêmicos se existem dispositivos funcionais para a ação? Como nos alerta Heiddeger (2001:11) a ―técnica é um meio para um fim, ou seja, é uma atividade humana‖. Com isso, o homem que vive no cenário contemporâneo, regido pela técnica, vê-se constantemente desafiado a produzir filigranas de suporte frente às ameaças afiguradas num horizonte próximo que podem surgir de qualquer parte. Isso quer dizer que não há mais lugares definidos de onde se espera o pior! Chegamos, assim, aos balizadores da era atual. A cultura globalizada confere um grande destaque à imagem e ao seu poder no sentido de 5 2 exacerbar, de forma incisiva, as forças que respondem pela operação do recalque. Por outro lado, a tendência ao esquecimento é empreendida para justificar o rumo desenfreado aos objetos de consumo, o que confere à mercadoria o seu valor de fetiche e, enfim, a onda crescente na crença de que existem meios para suprimir, por completo, o mal-estar, o que concorre para a busca de satisfações experimentadas de forma extrema. Disso resulta, no próprio arranjo psíquico do sujeito, a exigência de liquidação dos excedentes ou de restos de vivências que não se coadunam com os ditames da era atual. Os mecanismos de supressão daquilo que é considerado inaceitável, ou sem utilização imediata, são, pois as coordenadas reais de uma experiência em que somente tem valor a satisfação máxima vivida num presente contínuo sem ligação ancestrais. com as vivências do passado ou mesmo dos Essa experiência de engenharia das relações humanas representa uma perspectiva antecipada do futuro regida pela aposta do esquecimento, da eficácia e do encontro com a felicidade mediante o consumo excessivo em níveis bem amplos. Assim caem as ilusões, a experiência singular é objeto de uma plaina que impede qualquer nuance de profundidade em nome de um mundo sem fronteiras e acentua-se a vocação para a prática de um individualismo exacerbado. Nisso a técnica a disposição do homem tem uma função impar pelo fato de produzir resultados imediatos e eficazes. A questão sobre a maneira como o homem contemporâneo organiza seus arranjos mnêmicos diante de circunstâncias traumáticas, num contexto em que se promulga o esquecer como regra, é um ponto a ser investigado, principalmente, se indagarmos qual o valor da experiência enquanto dimensão subjetiva? Não hesitamos em admitir estarmos diante de um novo recorte muito diferente daquele que produziu o advento da ciência moderna. Por isso, nos reportamos ao saber psicanalítico, contemporâneo do cenário radical que o século XX produziu para traçar um dialogo sobre essa nuance subjetiva, desprovida de memória, que caracteriza o homem da atualidade como perito no uso desenfreado da técnica. É comum nos dias atuais o homem operar maquinas sem qualquer conhecimento acerca do funcionamento das mesmas. Os manuais para uso técnico dispensam o ―pensar bem‖ como qualquer referência à experiência passada. Tal modalidade de vivência tem de ser rapidamente apagada visto que há uma produção de ponta que urge em ser consumida. 5 3 Não estamos com isso afirmando que as formas de conhecimento da Era Moderna esteja envelhecidas e a Psicanálise seja o único caminho propício. Em principio, somos favoráveis à ideia de que é preciso descartar a tese de um envelhecimento habitual no campo dos saberes, pois não advogamos pelo princípio de que o envelhecimento concerne à passagem natural do tempo com seus efeitos mórbidos. Vivemos uma nova época que tem suas consequências, inclusive, no campo das afecções psíquicas mórbidas. Sendo assim, nos fundamentamos na ideia de que o tempo é uma construção subjetiva produzida por saltos qualitativos, ou seja, rupturas indicativas de passagens lógicas e não cronológicas em que operam: ―dois mecanismos de memória: a memória de um passado, que não passa, como o mecanismo de reprodução do já produzido, cuja falha é o esquecimento dos fatos, de dados e de conteúdos; e a memória do futuro, como o mecanismo de criação, em cuja falta reina a compulsão à repetição‖ (CANEIRO LEÃO, 2003:11) Essa construção do tempo pensado como um instante efêmero compõe uma engrenagem descontinua forjada pelos arranjos produzidos pelos registros das vivências acondicionadas em sistemas mnésicos. Somente a partir dessa dimensão dos registros dos sistemas mnésicos é que se pode mencionar a instauração de passado e futuro como vetores de sentido para a massa disforme das vivências do presente. Trazendo essa formulação para o âmbito dos arranjos mnésicos, gostaria de salientar que é fundamental a conservação dessas nuances vivenciais para que seja possível a produção das diferentes narrativas as quais o homem contemporâneo tem de utilizar para marcar sua presença no presente cotidiano nuançado de cinza e disforme, pois os contornos produzidos pela memória como ação social, já se mostram enfraquecidos, pois ―a memória como a vínculo que provê projeção do futuro‖ continuidade, (VÁSQUEZ, permite 2001:25). Disso então sugerimos que a utilização dos arquivos mnêmicos concerne a uma lógica que não se coaduna com o fechamento promulgado na aposta ao esquecimento e ao descarte da experiência. Desse modo, apostamos na lógica que prima por um resgate dos arquivos mnésicos para, assim, encontrarmos balizadores para explicar tanto o surgimento quanto as obscuridades dos fenômenos atuais agrupados na rubrica de novos sintomas. 5 4 Compreendemos que os arquivos de memória trazem a marca de uma relação trágica inquieta, tanto pela construção no processo testemunhado pelo semelhante da espécie, quanto pela inquietação diante da possibilidade de encontrar um destinatário para que se disponha a testemunhar o sentido do mesmo. Não estamos aqui propondo a ideia de um arquivo absoluto como a captação especular da narração histórica da vivência, ou seja, um culto narcísico desenfreado ao registro das vivências. Se assim ocorresse, a história, como criação, não seria possível, ou seja, é preciso transgredir as aspirações meramente individuais para construir, com o semelhante, as filigranas de uma história. Por outro lado, um mínimo de coisas arquivadas se faz necessário, pois se ―tudo está apagado ou destruído, a história tende para a fantasia ou o delírio, para a soberania delirante do eu, ou seja, para um arquivo reinventado que funciona como dogma‖ (ROUDINESCO, 2006:9). Não por acaso, os noticiários da atualidade deixam transparecer ações que somente podemos pensá-las como decorrente do chamado ―delírio de autonomia‖ pivô das práticas de devastação de cunho paranoico. Assim cremos que nos situamos diante de dois extremos que nos levam a uma mesma interdição: a) a interdição do saber absoluto, pois o saber só tem valor se construído a partir de uma experiência compartilhada e, b) interdição da soberania interpretativa do eu para desalojar o sujeito de seu fechamento narcísico na celebração única da satisfação pela imagem. Essas duas maneias de interdição são as condições de registros de vivências necessárias à invenção de uma história, pois tanto o culto excessivo aos traços da experiência quanto a aposta no seu apagamento, ou seja, na sua destruição, estariam na esteira da produção de um delírio que deixa de lado o peso interiorizado da memória subjetiva de modo a impedir pensar a história como a construção que se edifica na significação dos vestígios da experiência. (BACHELARD, 1990). Mas se o cenário da atualidade está impregnado de exigências para o descarte e para a relação efêmera do homem com as coisas, como então pensar a construção de uma história que se mostre resultado da experiência subjetivada isenta da contaminação do processo de automatização do pensar e consequentemente do desejar? Eis o paradoxo de nossa época, muito bem definido por Compagnon (1999:10) ao afirmar que ―se moderno seria o que rompe com a tradição e tradicional o que resiste a modernização‖, então, a ruptura com as tradições do passado por uma geração constitui de certo modo 5 5 uma tradição. Disso então resulta que falar de tradição dos dias atuais concorreria para uma dificuldade visto que toda tradição só se produz por rupturas. Então vivemos na política de pendor ao recalque com significativa aposta no esquecimento, a ruptura de uma tradição, mas isso certamente não pode ser considerado a tradição vigente em nossa época. Apenas nos situamos em relação a um ultrapassar da era que teve seu advento com a promulgação da ciência moderna que teve seu zênite com o processo de matematização apresentado ao mundo através dos princípios newtonianos (KOYRÉ, 1991). Assim sendo o arranjo que caracteriza o contexto atual traduz uma forte radicalização dos próprios paradigmas que serviam de esteios ao homem na Era Moderna com uma nova proposta para a ação do homem: valorização excessiva daquilo que se encontra fora dele em detrimento dos aspectos de sua dinâmica interna. Por esta razão, nos concentraremos sobre o fenômeno da memória como processo de ação social tecendo considerações sobre a interferência do trauma e sobre as suas consequências na invenção de uma historia que retrate o homem em sua singularidade, ou seja, que expresse, de algum modo a moção de seu desejo. 5 6 Referências Bibliográficas BACHELARD, G. Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Brasiliense, 1990. CABAS, A. G. Os paradoxos da civilização e o desgarramento da cultura. Agora. 1 (1). CARNEIRO LEÃO, E. O esquecimento da memória. IN; GONDAR, J. e BARRENECHEA, M. A. (orgs.). Memória e espaço: trilhas do contemporâneo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: EDUFMG,1999. FOUCAULT, M. A história da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1991. FREUD, S. Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos (1993). Rio de Janeiro: Imago, 1976, HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001. HOBSBAWN, E. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KOYRE, A. Estudos da história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. MILNER, J-C. A obra clara. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. ROUDINESCO, E. A análise e o arquivo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. VASQUEZ, F. La memoria como acción social. Buenos Aires: Paidos, 2001. DEKASSEGUIS: O DIFÍCIL RETORNO *Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel - UNESP/Assis/Brasil. **José Sterza Justo – UNESP/Assis/Brasil. Palavraschave: Dekassegui, criança; retorno; desamparo e psicanálise. INTRODUÇÃO: O fenômeno “dekassegui‖ tem se destacado no Brasil pelo expressivo contingente de descendentes de japoneses que têm se deslocado para o Japão, em busca de trabalho e de uma poupança financeira, e retornado novamente depois de um longo período ou de sucessivas idas e vindas. O Brasil começou a se reconhecer como um país de emigração, na década de 1980. Desde então, deixou de se representar como um país receptor para se reconhecer como um país emissor de imigrantes. As dificuldades econômicas dessa época fizeram com que muitos brasileiros fossem procurar melhores oportunidades de vida e trabalho no exterior. Dekassegui, na língua Japonesa significa trabalhar fora de casa. Ressalta Miura (apud 5 7 DEBIAGGI, 2004) que o termo dekassegui era aplicado ao japonês camponês que buscava trabalho temporário nas cidades no período de invernos rigorosos e retornando ao campo após essa fase. Com o passar do tempo, o termo dekassegui foi designado a qualquer trabalhador migrante que alimenta o desejo de retornar à sua terra de origem. Portanto, dekassegui passou a ser compreendido como ―trabalhador estrangeiro‖ e esse pode ser tomado como o sentido básico dessa corrente migratória. O caso dos dekasseguis pode ser tomado como paradigmático, enquanto uma experiência de encontro/confronto com o estranho, com o ―outro radical‖. Mesmo sendo descendentes de japoneses emigrados para outros países, como o Brasil e Peru, na America Latina, ao retornarem para o país dos seus antepassados os dekasseguis se confrontam com uma cultura e um modo de vida muito diferente daqueles do seu país natal. Vive uma experiência de estranhamento muito particular porque se trata de não se reconhecerem nas imagens daquele outro, de um espelho que, mesmo à distância fez parte da 5 8 constituição de suas referências de si mesmo: a cultura japonesa veiculada pelos seus antepassados que emigraram do Japão e cultivaram hábitos, costumes, a língua, culinária, tradições e tantas outras referências simbólicas oriundas compreensão das experiências da terra natal. Portanto, a dos dekasseguis, tomadas como experiências fundamentalmente construídas no encontro/confronto com a figura do outro, não se restringe a um caso particular, mas sim oferece elementos para o entendimento dos desafios que a mobilidade e, conseqüentemente, os relacionamentos com o estranho colocam para o homo viator da contemporaneidade. Dentre tantos problemas e desafios presentes nessa experiência estão aqueles relacionados aos filhos. Tivemos a oportunidade de observar que as crianças têm muitas dificuldades tanto para se adaptarem à cultura japonesa como também para se reintegrarem à cultura brasileira quando retornam. Grinberg (1984) enfatiza que o indivíduo alimenta o desejo de se deslocar, e que, às vezes, esse desejo surge de forma surpreendente e em outras ocasiões suscitam visadas impossíveis de mas se concretizarem, são contentados com fantasias. Muitas pessoas migram por razões externas, como a necessidade financeira, buscando melhores condições de vida para si e para a família. Ainda conforme Grinberg (op.cit.), ao chegar num mundo desconhecido, o imigrante pode encontrar muitas dificuldades internas para se integrar ao meio, por entrar em contato com objetos que soam estranhos, tal como o idioma, os costumes, e tantos outros que fazem parte do lugar. Surge o temor do perigo de não se comunicar com os outros e consigo mesmo. Esses estados chamados confusionais podem resultar do fracasso de se manter em uma dissociação eficaz e também uma precoce tentativa de integração que ainda não pode ocorrer. O imigrante usa mecanismos de defesas primitivos, como a dissociação e idealização no novo ambiente em que chegou. Surgem também sentimentos de desvalia e persecutoriedade em relação ao novo lugar e a todas as pessoas que ficaram no antigo ambiente. ―Esta disociación le sirve para evitar el duelo, el remordimiento y las ansiedades depresivas que se agudizan por la misma migración, sobre todo cuando se trata de una migración voluntaria‖ (GRINBERG, 1984, p. 19). 5 9 Grinberg (1982) destaca em seu livro Psicoanalisis de la migracion de y del exílio, que as experiências migratórias são impactantes em qualquer etapa da vida, e assimiladas de formas distintas devido a idade do emigrante. A experiência da emigração não é igual para as crianças, nem para os adolescentes que tem uma vida toda pela frente, diferente das pessoas maduras, que já construíram uma história de vida. As crianças emigram com seus pais, ou seja, com sua família que as protegem, ou pelos menos se sentem acolhidas. Diante dessa experiência surgem nessas crianças os sofrimentos e as carências. Ademais, a decisão de se deslocar de seu país de origem e ir viver em outras terras foi uma decisão tomada pelos pais, entretanto, a criança não participa dessa decisão, não entendendo as motivações que fizeram os pais emigrarem. Algumas crianças pequenas cobram a falta de seus amiguinhos e das pessoas que mantinham vínculos, incluindo também a falta da casa e de lugares que freqüentavam. A criança passa a viver ansiedades de separação e perceber o que perdeu. Além desses acontecimentos, outros também são vivenciados por muitas crianças, como o medo de ser abandonada pelos próprios pais. Podemos nomear esse medo de ser abandonada pelos próprios pais, como sendo uma experiência de desamparo da criança. A noção Freudiana de desamparo foi apresentada pela primeira vez, em 1895, no ―Projeto para uma psicologia científica‖, ressalta que o bebê ao nascer vive uma experiência inicial de desamparo, ínterim, o bebê é incapaz de realizar ―ações específicas‖ para sua sobrevivência e necessita da ajuda de outrem. O estado de relativa dependência do bebê por sua mãe faz com que o mesmo viva num estado de onipotência considerado importante para a estruturação do psiquismo nesse período de desenvolvimento infantil. Na teoria da angústia diz que o estado de desamparo humano é o protótipo da situação traumática. Em Inibição, sintoma e angústia Freud (1926) reconhece os perigos internos considerados comuns diante de uma experiência de perda ou separação, da qual o ego não consegue lidar devido à intensidade das excitações, caindo em desamparo. Assim, a idéia de pré-maturação do indivíduo diante da vida. Na comparação com outros animais, o ser humano é considerado inacabado, necessita do outro para sobreviver. Surgem os perigos internos e externos e é 6 0 na construção do amor na relação com o outro que vai gerar o sentimento de proteção e de que não será abandonada a própria sorte. Para Klein o bebê mesmo tendo uma relação satisfatória com a mãe, sempre terá vivências persecutórias. Essa ansiedade persecutória como diz a autora, surge no início da vida e se encontra no auge nos três primeiros meses de vida do bebê. A ansiedade persecutória resulta do conflito entre as pulsões de vida e de morte, e o nascimento é um marco importante para essa vivência. Devido à sua vivência persecutória em decorrência dos impulsos destrutivos e a força desses, o bebê sente alguma insegurança. ―Essa insegurança paranóide é uma das raízes da solidão‖ (KLEIN, 1963/1991, p.342). Klein parece significar o sentimento de solidão à vivência de um estado de desamparo, que percorre por toda a vida, às vezes essa vivência ocorrerá de forma inconsciente. O indivíduo usa de mecanismos de defesas do ego, como a onipotência e a negação da realidade psíquica e externa como meio de não se sentir desamparado. Quando cita que esse sentimento de solidão nunca será eliminado, a não ser mitigado na vida do indivíduo, corrobora que esse sentimento faz parte da humanidade. Ao retornarem para seu país de origem a criança terá que passar novamente pela angústia de separação. Quais são os sentimentos vivenciados por as crianças migrantes? Como é para a criança essa experiência migratória de retorno ao seu país de origem? Sendo que para os adultos é uma experiência difícil à reintegração a própria cultura e para as crianças? OBJETIVO: O objetivo específico da pesquisa é investigar nessas crianças que passaram a primeira infância no Japão, como vivenciam o processo de adaptação à cultura brasileira, particularmente no que diz respeito a sentimentos de ansiedades e desamparo. Ao retornar para seu país de origem, o emigrante vivencia a experiência de separação e surgem ansiedades persecutórias e depressivas. METODOLOGIA: A proposta geral da pesquisa elege como objeto de investigação, a experiência do migrante dekassegui, particularmente dos filhos desses migrantes, descendentes de japoneses que fizeram o caminho inverso ao de seus avôs e que, atualmente, estão retornando para o Brasil. 6 1 Para tanto, será tomada a psicanálise como referencial teórico de fundo e o método clínico de investigação científica baseado em testes projetivos com as crianças na faixa etária de 7 a 10 anos e entrevistas com pais, para i dentificar, analisar e tentar compreender a constituição dos conflitos e das dificuldades de adaptação dos filhos de dekasseguis que retornam ao Brasil. RESULTADOS: A nossa pesquisa está em andamento e por isso ainda não obtivemos os resultados. CONCLUSÃO GERAL: Com efeito, o motivo principal da imigração dos dekasseguis foi à busca de um trabalho que pudesse trazer algum retorno financeiro expressivo, suficiente para adquirir bens duráveis ou iniciar algum empreendimento no Brasil. Alguns permaneciam por um longo tempo, tentando acumular a maior poupança possível, outros intercalavam períodos no Brasil e no Japão e existiam também os que acabavam fixando residência lá. Apesar de ter sido uma política proposital de o governo japonês favorecer a imigração de descendentes por considerá-los mais adaptáveis à cultura japonesa não é isso que acontece. Os nipo-brasileiros, mesmo com certa familiaridade da cultura adquirida na convivência com familiares e com a comunidade nipônica instalada no Brasil, quando chegam ao Japão, pela primeira vez, sentem um profundo choque cultural. A língua, os hábitos e os costumes são sentidos como muito diferentes e estranhos. Estranhamento que mobiliza imagos diversas e profundas alusivas aos vínculos e afetivos e a estruturas psicológicas básicas. Se para os adultos as experiências de estranhamento do presente, aliadas aos fantasmas do passado, são bastante penosas e desafiadoras, para as crianças, mesmo com uma carga menor de fantasmas antigos, a edificação dessas estruturas nas experiências do presente, marcada pela condição de imigrante, não é menos problemática, nem menos mobilizadora de estruturas matrizes de relacionamento afetivo. As dificuldades de adaptação das crianças se expressam com mais visibilidade na escola. Dificuldades de aprendizagem, de integração, de absorção da cultura escolar japonesa são sintomas de traumas mais básicos e referidos aos relacionamentos afetivos. Resta mapear os problemas de adaptação mais comuns e percorrer suas conexões com processos psicológicos básicos. 6 2 Esse fenômeno migratório contemporâneo chamado de dekassegui, faz parte das diferentes experiências humanas de deslocamento e mobilidade. Em decorrência das crises políticas e econômicas no Japão, muitos dekasseguis estão retornando para o Brasil com sua família. Por isso a nossa atenção está voltada para essas crianças e as suas dificuldades de adaptação nesse novo meio. À semelhança do recém-nascido, o imigrante não sai propriamente de uma situação inteiramente passiva, mas abandona uma situação de relativa segurança e familiaridade para enfrentar o desconhecido, um outro mundo. A vivência de retorno do emigrante a sua terra natal não se difere da experiência da ida para terra desconhecida. Pesquisas sobre o retorno do emigrante têm mostrado que é muito mais difícil a chegada à terra natal do que a partida, por tratar de um assunto complexo. *Email: [email protected] **Email: [email protected] 6 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DEBIAGGI, S. D. & PAIVA, G. J. (Orgs.). Psicologia, E/Imigração e Cultura. São-Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. FREUD, S. (1996). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. (1886-1889) ―Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos‖. v. I p.370. (1996). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. (1925-1926) ―Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, análise leiga e outros trabalhos‖. v. XX p. 77-170. GRINBERG, L. & GRINBERG, R. Psicoanalisis de La Migracion y Del Exilio. Madrid: Alianza Editorial, A. A., 1984. KLEIN, M. (1946-1963/1991). Inveja e gratidão e outros trabalhos. Notas sobre alguns mecanismos esquizóides. Tradução 4ª ed. Rio de Janeiro: Imago. (1946-1963/1991). Inveja e gratidão e outros trabalhos. Sobre o sentimento de solidão. Tradução 4ª ed. Rio de Janeiro: Imago. Experiência traumática, impotência, violência e criação. 1- Experiência traumática, impotência e violência Vivemos em um momento da história da humanidade em que a violência salta aos olhos. A palavra é aplicada a situações contextuais extremamente variadas, mas todas marcadas pelas manifestações como o furor, os ataques de ira, o ódio, o massacre, a crueldade, as atrocidades coletivas e outras tantas formas que se revestem da condição de poderem ser vividas, pelo homem, como experiências traumáticas. Quando tomamos a violência, em seu caráter instrumental, como objeto de reflexão, precisamos, a princípio, considerar duas modalidades: a violência sofrida e a violência praticada, pois assim temos atores sociais em posições diferenciadas. Daí então precisou discorrer conceitualmente no sentido de caracterizar as diferentes formas de violência praticadas, naturalizadas ou não, e indicar seus agentes, do mesmo modo que devemos circunscrever a violência sofrida. Nessa linha de pensamento situamos o objeto de estudo dessa investigação: o agente praticante da violência no contexto específico da criminalidade. Em princípio, é preciso demarcar as condições do percurso de vida do agente praticante da violência em termos das situações de violência a que se submeteu, seja pela ausência de acesso aos bens culturais, seja pela falta de condições mínimas de sobrevivência como educação, saúde, habitação e segurança. Viver nessas condições pode ser considerado uma espécie de travessia por experiências de cunho traumático. O que se espera de quem está em exposição a tais circunstâncias não é 6 4 necessariamente um tipo de ação campo da passagem ao ato. Porém isso acontece com muita frequência, embora não possamos creditar a esses aspectos a única possibilidade de causa, pois toda ação é também fruto de uma escolha do sujeito. É importante ressaltar que o presente estudo procede da interdisciplinaridade entre dois importantes campos do saber: a Psicanálise e a Memória Social, portanto utilizamos como subsídio teórico conceito de Passagem ao Ato, de acordo com as formulações psicanalíticas elaboradas primeiramente por Freud, e retomadas por Lacan. Conforme Kaufmann (1993) salienta, esse termo foi utilizado por Freud para designar certas formas impulsivas do agir. Não obstante, torna-se necessário um esclarecimento: esse mesmo termo de Passagem ao Ato também é utilizado na psiquiatria, porém seu emprego muitas vezes pejorativo não tem a mesma especificidade da psicanálise. Na psiquiatria, considerasse o termo Passagem ao Ato para sublinhar a violência de diversas condutas que causam curto circuito na vida mental do sujeito precipitando-o numa ação: agressão, suicídio, comportamento perverso, delito etc. Lacan na sua 6 5 leitura freudiana, retoma esse conceito da Passagem ao Ato a fim de delimitá-lo melhor identificando-o a uma saída de cena em que, como numa defenestração ou um salto no vazio, o sujeito se reduz a um objeto excluído ou rejeitado. Ou seja, o sujeito produz uma ação na qual ele se exclui inteiramente, com todo seu corpo. Ao sujeito não mais falta apenas uma parte. Ele mesmo é a parte que falta. Diante da possibilidade de o sujeito enveredar por um caminho que inclua a passagem ao ato com alternativa para solucionar os impasses advindos das experiências traumáticas, conhece-se o desfecho que quase sempre é a apreensão do sujeito que comete um crime pelos aparatos legais. Uma vez condenado a viver em situação de cárcere, o sujeito está exposto, mais uma vez, a situações ostensivas, não só de restrição de liberdade, como também alvo constante de violência, tantos dos internos quanto dos agentes que exercem funções determinadas pela Lei. A condição de coerção às quais o sujeito é exposto funciona na contramão: ao invés de ser obstáculo ou declínio do sujeito para a realização de ações criminosas, parecem ser, ao contrário, um incremento para a prática da violência. Como entender uma nuance tão complexa? Poderíamos nos aventurar a pensar que o sujeito responde com violência a violência advinda das precárias condições sociais em que vive como bem se depreende do pensamento de Wacquant (2001; 8), na ausência de qualquer rede de proteção social, é certo que a juventude dos bairros populares esmagados pelo peso do desemprego e do subemprego crônicos continuará a buscar no ―capitalismo de pilhagem‖ da rua os meios de sobreviver e realizar os valores do código de honra masculino, já que não consegue escapar da miséria no cotidiano. Situação semelhante acontece no ambiente carcerário onde o preso reproduz as regras de coerção da própria instituição. Eis o encaminhamento para a reflexão acerca do objeto desse estudo, partindo-se do pressuposto de que, diante de circunstâncias decorrentes da situação traumática que são impossíveis de elaboração, o sujeito responde com violência. Isso é consoante com a linha de raciocínio de que podemos ter uma situação paradoxal em que o sujeito passa da condição de vítima à condição de algoz, sem tem a menor noção de que faz parte desse circuito. Nesse contexto, podemos indagar se os agentes praticantes de violência, cujas ações são objetos de inúmeras matérias em jornais, revistas e televisão, têm clareza de que a coerção que impõem àqueles a quem destinam seus atos, pode muito bem ser a reprodução da coerção vivida em relação ao Estado? Com isso queremos situar o campo onde abordamos o agente praticante da violência que, em função das possíveis fraturas de memórias decorrentes da exposição a situações traumáticas, engaja-se em um tipo de funcionamento em que ocorre uma virada de posição: de quem sofre a violência para quem pratica. As 6 6 experiências traumáticas deixam vestígios que tanto permanecem como meros signos de percepção quanto, quando elaborados, são alçados à condição de representação, seja da violência sofrida por quem passa da condição de vítima à condição de algoz, seja simplesmente daqueles em quem cenas de destruição têm lugar. É importante salientar que em ambas as situações as lembranças produzidas são de caráter traumático, pois conforme assinala Pollak (1989:6) ―Em face dessa lembrança traumática, o silêncio parece se impor a todos aqueles que querem evitar culpar as vítimas. E algumas vitimas que compartilham essa mesma lembrança ‗comprometedora‖, preferem, elas também, guardar silêncio.‖. Outrossim, há modos diferentes de escolha do sujeito perante a violência sofrida, como exemplifica Primo Levi que após ter vivido em um campo de concentração, teria se dedicado a uma escrita para produzir entendimento daquilo que, em princípio, é da ordem do incompreensível, do inominável, do indizível? Certamente o que sabemos é que, uma vez tendo sido acossado pela violência brutal, esse homem em um dado momento de sua vida decidiu escrever sobre o que denominou de zona cinzenta começando por uma indagação: ―fomos capazes, nós sobreviventes, de compreender e de fazer compreender nossa experiência?‖ (LEVI: 2004,53). Sendo assim, encontramos elementos que poderão ser compreendidos à luz dos arranjos mnésicos produzidos pela exposição do homem atual, em seu pronunciado estado de desamparo, às circunstâncias traumáticas de grandes intensidades, sendo experimentadas sob o signo de grande violência. Estamos assim pensando o arranjo mnêmico e sua expressão nas formas atuais da subjetividade e nisso a interferência de situações da ordem do indizível que insistem em acompanhar o homem contemporâneo e acabam por marcá-lo, e obrigá-lo a caminhar por sendas obscuras e difíceis. Assim, encontramos muitos termos utilizados na compreensão do sofrimento físico ou psíquico oriundo da paralisação do homem diante de situações de vida que trazem a marca do insuportável como acontece no trauma, na catástrofe e na barbárie. Porém todos esses termos podem ser agrupados segundo um denominador comum que é a violência, termo que tem sido o mais utilizado para designar os estado de monotonia e apatia que colorem de negro o viver do homem dos dias atuais. 6 7 2- Um ato da criação “Tolerar a existência do outro, E permitir que ele seja diferente, Ainda é muito pouco. Quando se tolera, Apenas se concede E essa não é uma relação de igualdade, Mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas, Da qual estivessem excluídas A tolerância e a intolerância.”. (José Saramago) Num belíssimo livro intitulado Uma História Íntima da Humanidade, Theodore Zeldin (1996), um importante historiador e pensador da atualidade, preocupa-se com um foco diferente no que tange aos afetos, ou seja, sua tentativa visa descobrir o que os homens têm, mais do que os divide, e o de explicar o que os impediu de mostrar-se humanos, de aprender a arte de viver, de lidar com a crueldade e o ódio, como categorias que fazem parte do humano. Sua perspectiva é muito simples, pois diz respeito ao que a humanidade pode mudar e não sobre o que não pode. Nesse contexto, ele esclarece que todo indivíduo reúne lealdades passadas, apresenta necessidades e visões do futuro numa teia de contornos diferentes, com ajuda de elementos heterogêneos tomados de empréstimo a outros indivíduos; e esse constante toma lá dá cá constitui o principal estímulo da energia da humanidade. Quando as pessoas se veem como fatores de influência entre si, nesse caso já não são meras vítimas: qualquer uma, por mais modesta, se torna então capaz de estabelecer uma diferença, por mais ínfima e fugaz, para modelar a realidade. Pensar como será a melhor forma de obter qualidade de vida, se através do esforço individual ou coletivo, perdeu o sentido. Torna se evidente a importância da inspiração de fora e as lutas deixam de ser individuais para tornarem-se coletivas. Todos os grandes movimentos de protesto contra o menosprezo, a segregação e a exclusão envolveram um número infinito de atos pessoais dos indivíduos, provocando no todo uma pequena mudança, pela qual aprendem um do outro, e pela qual tratam 6 8 os demais. Sentir-se isolado é não ter consciência dos filamentos que ligam uma pessoa ao passado e a partes do mundo onde jamais esteve. Assim, podemos pensar em quão tênue é o limite que separa as fronteiras entre a fraternidade e o ódio nas suas manifestações, através dos mecanismos de exclusão e de segregação, como esperanças vãs de ―tratar o insuportável, o impossível de suportar‖. (SOLLER, 1998:46). A fronteira que se margeia a fraternidade é o ponto no qual se centram muitas ambigüidades, não sendo prévia ao surgimento do ser desejante, e sim construída pelo homem a partir de uma contradição lógica em termos da necessidade simultânea de aproximação e de afastamento. Na constituição do laço social, temos de pensar o movimento dialético no qual se encontra o limite, signo da diferença e o ideal de igualdade. O sujeito busca firmar laços com o semelhante em termos do reconhecimento de que algo lhe falta. Em torno da falta se produz a esperança da satisfação. A ideia de fraternidade é a esperança de satisfação para todos, enquanto a ideia de individualismo é a esperança de satisfação apenas para um. Porém alertemo-nos a esse respeito, pois sabemos que fraternidade e potência voltada para destruição são totalmente incompatíveis. No momento em que uma dessas facetas se manifesta, a outra obrigatoriamente está oculta. Além disso, sabemos que o movimento rumo à fraternidade diz respeito à unificação, colocando em pauta um projeto fundado e mantido por ideais; enquanto que a vontade potencial de destruição refere-se às pequenas diferenças que não se fundam em ideais e sim em diferenças explicitáveis no contexto das relações sociais. Então a fraternidade seria a esperança de unidade sustentada pelas diferenças, tendo-se um processo cujo suporte é a exclusão daquilo que está na base da diferença. Todavia, esse é o lado totalitário que se depreende dos movimentos frenéticos em nome da fraternidade, movimentos esses que não escondem sua base de funcionamento: a exclusão. Temos assim um desdobramento que vai da simples segregação até as formas mais rudes de exclusão, como o assassinato. Quanto a isso, no belíssimo diálogo sobre a Estranheza do Estrangeiro, Jean Daniel, no momento de concluir fala sobre a xenofobia, como uma categoria do espírito, ele esclarece: ―Em condições particulares, sociais, ou outras, quando não podemos culpar nem Deus nem as instituições pelo mal que sofremos, a estranheza do estrangeiro torna-se insuportável, sendo valorizada com o procedimento do bode expiatório. Um único ser, um único grupo, uma única raça são estranhos e 6 9 bastaria suprimi-los para que a estranheza desaparecesse como mal. Trata-se de uma tentação ainda maior na medida em que a ―expiatorização‖ do estrangeiro permite recuperar uma identidade coletiva, a qual, como a identidade pessoal, é algo incrivelmente frágil. Processo fascinante na medida em que triunfa sobre uma outra categoria do espírito que é a interdição de matar ou até de banir, se não o dever de amar. Como chegamos a matar esse outro sem o qual nada somos? (DANIEL, J. 1998:22). Em resposta ao diálogo travado com Jean Daniel, Ricouer responde que esse abrandamento da censura do assassinato é o que lhe parece mais perturbador, pois ele abre caminho para uma verdadeira cultura da morte que se poderia resumir assim: Prefiro perder com meu adversário do que ganhar com ele. No que tange à alteridade, salientaria como vectores semânticos fundamentais do conceito a sua estrutura polarizada, por um lado, e, por outro, a sua dimensão de abertura. O fato de ser alteridade uma estrutura polarizada significa que a sua caracterização supõe a referência ao seu contrário, ou seja, supõe que a alteridade é um termo cuja semântica se alimenta de uma relação, que, no caso, é uma relação antinômica, a saber, a relação entre o mesmo e o outro. A questão da alteridade convoca, por isso, a força da própria dinâmica da dialética para o interior do processo de pensar, introduzindo nele uma estrutura inquietante, de confrontos e de determinações recíprocas. Nesse esteio, Zeldin (1997) salienta o fato de que ocorreu uma mudança de foco, das disputas nacionais para o humanitarismo amplo e as preocupações ambientais, é sinal da urgente necessidade de escapar de antigas obsessões, de manter a vista todas as dimensões diferentes da realidade e de enfocar simultaneamente o pessoal, o local e o universal. O autor assevera que a humanidade só pode dar uma impressão satisfatória de rumo certo quando calcular suas realizações com ajuda de uma economia que se refira às pessoas como estas são, que incorpore comportamentos irracionais e altruístas em seus cálculos, que não parta do pressuposto de que as pessoas são egoístas, preocupando-se em oferecer aos perdedores vitórias alternativas mutuamente aceitáveis. A busca do que temos em comum, apesar das nossas diferenças, nos leva a alhures, como ilustra uma história que começa assim: Meio minuto basta para transformar uma pessoa aparentemente comum num objeto de ódio, e através da Passagem ao Ato poderá até tornar -se 7 0 num inimigo da humanidade: Ele cometeu homicídio e foi condenado à prisão perpétua. Depois, na sua cela solitária, meio minuto foi suficiente para transformá-lo outra vez, agora em herói. Salvou a vida de um homem e foi perdoado. Mas ao chegar a casa encontrou a mulher vivendo com outro, além do que a filha nada sabia a seu respeito. Ninguém mais se importava nem precisava dele para coisa alguma, de modo que só lhe restava à ideia de tirar a própria vida. Sua tentativa de suicídio também fracassou. Um padre chamado à beira do seu leito disse-lhe: ―Sua história é terrível, eu nada posso fazer para ajudá-lo. Tenho família rica, mas renunciei à herança e fiquei apenas com dívidas. Gastei tudo que tinha em abrigos para os desamparados. Nada lhe posso dar. Você quer morrer e nada o pode deter. Mas antes de se matar, me dê a sua mão. Depois, faça como quiser...‖. Essas palavras mudaram o mundo do assassino. Alguém precisava dele: afinal ele já não era uma pessoa supérflua e dispensável. Concordou em ajudar. E o mundo nunca mais voltou a ser o mesmo para o monge, que se sentia até então esmagado pelo acúmulo de tanto sofrimento ao seu redor, e cujos esforços para minorá-lo quase não faziam diferença. O encontro casual com o criminoso deu-lhe a ideia de que iria modelar-lhe todo futuro: diante de uma pessoa na maior depressão, nada lhe pudera dar, mas ao contrário, lhe pedira auxílio. Mais tarde o criminoso disse ao monge: ―Se você me tivesse dado dinheiro, ou um quarto para morar, ou um emprego, eu teria reiniciado minha vida de crimes e matado outras pessoas. Mas você precisou de mim.‖ Eis como nasceu o movimento de Emaús do abade Pierre em benefício dos miseráveis: de um encontro de duas pessoas totalmente diferentes que acenderam uma luz no coração uma da outra. Curiosamente Zeldin nomeia essa história da seguinte forma: O que se torna possível quando almas gêmeas se encontram? Curioso porque esses dois homens não eram almas irmãs no sentido comum, na significação romântica das palavras, mas pura alteridade e permissividade, pois a partir do momento do encontro com o estrangeiro, não fizeram mais do que encontrarem a si mesmos, através do encontro com o estranho que os habitava e estava até então desconhecido. A verdade é que cada um deve ao outro o sentido de direção e o Ato de Criação que lhes guia a vida até hoje. De vez em quando, assim caminha a humanidade! 7 1 REFERÊNCIAS ARENDT, H. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. . 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Rio de Janeiro: Record, 1996. 7 2 Trauma, estados melancólicos, memória e criação: de Aristóteles a Freud uma luz na escuridão Glaucia Regina Vianna Francisco Ramos de Frarias O sofrimento não é uma experiência distante e desconhecida do homem, como também não o são os meios recorridos para sair dessa situação. Certamente, a grande maioria dos viventes, em um dado momento da existência, passa por diferentes circunstâncias que os confronta com a dor de existir. Como devemos entender tal nuança da existência? Em princípio, sabemos que a meta principal do homem é ser feliz, bem como conservar este estado por toda a vida. Não obstante, algo interpõe-se na consumação dessa tarefa, quer dizer, a felicidade é desalojada e, por isso, o sujeito não passa incólume às ondas de mal-estar próprio da condição civilizatória. Assim, podemos afirmar que o homem busca a felicidade, porém a ordem do mundo é um grande empecilho no caminho para alcançar a felicidade plena. Além do mais, a felicidade só é buscada em uma situação de contraste: diante da intensificação da dor ou do desprazer, o homem busca encontrar o sentimento de tranqüilidade, de bem-estar e satisfação, almejados em termos de eternidade. Não obstante, o tempo da satisfação é a efemeridade, bem como o tempo do ser é a transitoriedade. Duras certezas que não podem ser evitadas, que se agudizam em circunstâncias de catástrofes e de perdas. Eis o pórtico que escolhemos para situar os estados melancólicos vinculados à questão da busca da felicidade, ao considerar a via da criação que se afigura em condições de ruínas. Quer dizer, o homem pode, em certas situações de aniquilamento, devido a experiências traumáticas, não sucumbir e lançar-se em condições criadoras, produzindo saídas a serem inscritas no contexto social como a marca de uma historia. Porém, não devemos esquecer que é próprio da melancolia arrefecer as forças psíquicas, deixando o sujeito em uma espécie de latência, à espera de interferências da pulsão de vida para sinalizar sua existência. Isso, bem entendido, quando não há o triunfo radical da pulsão de morte com saídas como o suicídio e outras formas de passagem ao ato. Nesse sentido, queremos salientar que a pressão do sofrimento pode tanto levar o homem a reduzir suas chances na busca da felicidade, quanto servir de propulsão para a elaboração de alternativas criativas, especialmente, quando há claramente o desejo de endereçamento ao social de uma obra conforme retrata a historia dos grandes feitos da humanidade pelos gênios que, reconhecidamente, deixaram testemunhos sobre a descida ao estado de ruinas devido à aproximação radical ao mundo das trevas. Sob esse prisma, temos de pensar os estados vivenciais próprios da melancolia não apenas no campo da destruição, mesmo sabendo que a tristeza e a depressão são estados de 7 3 ânimos que, frequentemente, produzem queda do sujeito sobre si mesmo. Neles encontra-se a concentração dolorosa, em intensidades diferenciadas, configurada na dor de existir que obscurece o horizonte existêncial do homem, em uma espécie de fechamento gradativo. Quer dizer, esses estados são cobertos por uma nuvem negra que se expande a ponto de fechar gradativamente todas as possibilidades de alternativas de realização. A reflexão em tela requer que situemos o estatuto conceitual dos estados melancólicos, pois conforme Kehl (2009) salienta, no pensamento freudiano, o significante melancolia, referese a uma diferenciação nos estudos das psicoses maníaco-depressivas. Assim, a Psicanálise diferencia-se da Psiquiatria do século XIX e início do século XX ao situar a melancolia, como uma estrutura clínica, pensada, sobretudo no processo de subjetivação e não apenas como uma entidade nosológica. Foi a partir dos estudos do psiquiatra suíço Adolf Meyer que a melancolia passou a ser difundida na rubrica de depressão, ganhando, cada vez mais, penetrabilidade no campo da medicina, especialmente, sendo explicada em termos de causas orgânicas. (PERES, 1996). Contudo, por outro lado, o termo melancolia, no texto freudiano, foi resgatado da estética, conforme Lambote (2000:12) explica: [...] a progressão dos capítulos da Estética corresponde ainda, no registro da metapsicologia, à elucidação etiológica da melancolia como "neurose narcísica", para retomar a nosografia freudiana de 1924, bem como a exposição de um de seus modos de resolução mais exemplares na função paradoxal cumprida pelo objeto estético: a de indicar e de mascarar a um só tempo a proximidade de um gozo original que, por trás da negação da realidade cotidiana, se manteria em todo o esplendor de seu brilho. Ora, por trás da realidade, como por trás do espelho, não há nada e o objeto estático, da mesma forma que a atividade de construção que ele requer, faz tela ao encanto destruidor de uma realidade supranatural. O que mais se evidencia, nesses estados de queda do humor, é a perda do interesse pelas coisas e pelas pessoas com o evitar contumaz de toda atividade relacionada ao prazer, a não ser, muitas vezes, a satisfação em cultuar a vivência dolorosa. Aparentemente, tudo que o sujeito vive nessas condições parece não ter qualquer vinculação com estados passados de sua vida. Daí o sentimento de impotência em lançar mão de seus recursos, mesmo que sejam mínimos, para construir condições de prosseguimento ao viver, além, da descrença em contar com o semelhante nessa empreitada. Poucos são aqueles que conseguem, à duras penas, emergirem desse lugar sombrio, por si próprios pela criação ou pela ajuda clínica. Tudo indica que a experiência de dor vivida nos estados melancólicos é indicativa de uma ruptura radical em que as vivências atuais são marcadas por apatia e indiferença, muitas vezes tão potente que o 7 4 sujeito acredita não ter como evitar. 7 5 O esvaziamento e a perspectiva de falta de sentido presentes no viver do melancólico estendem-se ao mundo como um todo, especialmente quando o sujeito concentra todo as forças que ainda restam para viver, com a maior intensidade possível na manutenção da dor moral. Daí o sujeito, na travessia, por um estado melancólico, tornar-se refratário a qualquer argumento de racionalidade e de crítica, quando é taxativo em declarar que perdeu, de forma irrecuperável, a estima por si mesmo. Ainda evidencia também um estado de vida no qual se coloca como um ser inferior, inútil e incapaz. Submerso nesse cenário sombrio, nada resta a fazer senão engendrar estratégias para se maltratar, o que se transforma em ideias fixas das quais não se dispõe a abrir mão. É interessante observar que a paixão mórbida movida por um ideal, qualquer que seja, provoca o desleixo com o corpo e também pode ser o caminho mais curto para a destruição (FARINA e BERLINCK, 2011). Curiosamente muitos dos que realizam essa dolorosa travessia, de maneira surpreendente, engajam-se em projetos de criação deixando testemunhos que serão para sempre lembrados. Acerca dessa possibilidade, uma questão insiste em ser posta: como é possível, em um estado de ruínas, reunir forças para criar, como fizerem tantos gênios conhecidos na história da humanidade? Essa nuança enigmática presente nos estados melancólicos foi objeto de indagação no âmbito do pensamento aristotélico e ainda é no contexto dos dias atuais. Disso temos então um saldo importante: a experiência melancólica não significa apenas a rota para a destruição, pode ser também o ponto de partida para a produção criativa, pois, como relata Costa (2001), Van Gogh, considerado melancólico, em uma situação de surto, produziu setenta quadros em setenta dias. Provavelmente esse jorro de criação somente pode ocorrer com a minimização da autoacusação, pois este é o sentimento poderoso que consome, de forma brutal, praticamente todas as energias vitais do sujeito. Obviamente, essa saída criativa não ocorre a todos aqueles que são acossados pela dor de existir na travessia pelos estados melancólicos, embora muitos sejam os relatos daqueles que, em situações extremas de sofrimento declinaram vertiginosamente pelo suicídio. É fundamental assinalar que a estratégia de suicídio não é uma modalidade apenas dos tempos atuais, pois já no texto aristotélico há indicações de tais ocorrências ao lado de indicações de saídas criativas. O que constatamos apenas é a variedade das formas de suicídio na contemporaneidade, visto que Aristóteles (384-322 a.C/1998) registra somente a morte por enforcamento. Assim sendo, tanto o suicídio quanto a melancolia que se fazem presentes na vida, nos dias atuais, remontam ao mundo da antiguidade. A melancolia não é uma experiência de nossos tempos, pois desde a Grécia Antiga encontramos relatos de sujeito em estados melancólicos, principalmente na estreita relação 7 6 estabelecida entre o gênio e a loucura, o que ganhou contornos marcantes na Era Renascentista, tendo seu ápice na Modernidade em razão da compreensão da experiência subjetiva como ruína do próprio Eu e do mundo. Tal experiência é compreendida como um parâmetro da atividade criadora, quer dizer, o homem contemporâneo tem de organizar as bases do seu viver a partir dos fragmentos que, em forma de resíduo, configuram tudo o que dispõe para tal finalidade. Da dor de existir não há como fugir. A dor de existir recobre, para cada um, na sua travessia existencial, a exposição inevitável ―às separações, às perdas, ao afrontamento com a insuficiência, ao trágico do saber sobre a morte, à presença do mal e à experiência do não-sentido‖ (JURANVILLE, 2005:15). Enquanto dor de existir, a melancolia revela-se um estado crítico da condição humana, considerada desde a Antiguidade como aspecto constitutivo do ser e que pode ser analisada, em nossos dias, como o momento fundador do sujeito, conforme propõe Hassoun (2002). Qu er dizer, é possível ao sujeito erigir condição de vida, uma vez tendo que realizar a travessia por experiências traumáticas. O trauma não apenas significa paralisação absoluta, pois diante dos vestígios da experiência traumática é possível ao sujeito reunir filigranas na construção de seus arranjos subjetivos. Assim fica patente que a melancolia refere-se muito estreitamente à condição humana naquilo que a mesma apresenta de extremo. Do ponto de vista negativo, é um estado de loucura, mas, positivamente, constitui a experiência vivida e transmitida aqueles homens que dão um passo além da dimensão trágica da existência. Todos aqueles que conhecem de perto o lado obscuro do ser, como heróis, místicos, artistas, filósofos, cientistas e, enfim, todos aqueles que são considerados, no contexto social, como seres de exceção que conhecemos sob a rubrica de gênios criadores. Apesar de a depressão e a melancolia serem consideradas, no âmbito do saber médico, no contexto do século XX, afecções mórbidas que apresentam um sentido comum, pois as diferenças presentes na fenomenologia clínica são sutis; sabe-se que ambas casuísticas possuem definição própria e que depressão não é melancolia. Provavelmente, a idéia da associação entre melancolia e depressão tem suas raízes no cenário da Era Moderna. Não poderia ter se configurado antes do corte que marcou o advento da ciência moderna, o qual propiciou um novo tipo de relação do sujeito com o saber. Este foi o solo propicio para que fosse cunhada a palavra depressão, pois, conforme aponta Milner (1996:30), o homem ―sempre precisa de representações‖, Além disso, a ruptura com o pensamento aristotélico criou um cenário sobre os destroços do mundo antigo que exigiam a criação de termos para representá los. Talvez tenha sido por esse motivo que a palavra depressão faz então sua aparição somente 7 7 a partir da evidencia desse novo mundo e não antes. Daí então o saber médico, nos séculos XVII e XIX, ter encampando a melancolia como equivalente à depressão, a partir do surgimento desse termo. A criação de termos para nomear formas de sofrimento produziu igualmente diferentes tipos de estados que, embora tendo uma raiz comum, apresentam nuanças próprias. Sendo assim, entra em circulação o homem deprimido juntamente com aqueles nos quais já era visível a presença de estados melancólicos. O que ocorreu então com o surgimento do termo depressão foi a equiparação com a melancolia, como se houvesse apenas uma única forma de sofrimento. Porém, no século XX, Freud (1917/1976) ocupa-se da distinção entre tais termos sinalizando que a depressão é uma manifestação clínica presente em vários estados de perda, entre os quais o luto e a melancolia. Diferentemente do enlutado, o ser que atravessa um estado melancólico apresenta grande empobrecimento do Eu, reconhecido a partir da baixa auto-estima, conforme pode-se depreender em: ―pensamentos de menos valia lhe abismam [o sujeito] e a recusa em se alimentar muitas vezes se instaura, superando o instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida‖ (FREUD, 1917/1976:252). Ocorre assim um esvaziamento do próprio Eu e autoacusações cruéis contra si mesmo sem o menor pudor. Traçando um paralelo entre os estados melancólicos e os estados depressivos, nestes últimos verifica-se também a diminuição da autoestima, contudo não existe a tendência a humilhar-se perante aos outros, nem a falta de pudor presente na melancolia. No sujeito deprimido, as auto-acusações são dialetizáveis. Muitas vezes ele acha que está sendo injusto consigo mesmo. A esse respeito, Soler (1999:176) nos chama atenção de que a depressão não é diretamente produzida pela castração, mas pelas soluções singulares de cada sujeito para lidar com esse tipo de operação psíquica. Essas soluções variam em função das contingências, porém sempre implicam a dimensão ética. Nesse sentido, a expressão que evoca o sujeito na condição de estruturalmente deprimido, subentendido nisso um efeito de castração, carece de precisão, sendo mais justo afirmar: estruturalmente deprimível, pois a depressão surge sempre em função dos avatares da junção com o objeto. No que tange ao sujeito que atravessa os estados melancólicos constata-se o julgamento pela autoria de causa ruim de todas as coisas. Nesse contexto, tudo se torna inútil, sem vida, até mesmo o próprio Eu que em consequência esvazia-se. Diante da viagem ao estado de ruinas e morada nas trevas, Freud (1917/1976) postula que uma parte do Eu colocou se contra outra parte do próprio Eu, considerando-a como um objeto. Dai decorre a autotortura a que o sujeito se submete. Na verdade, essa autotortura é em relação a outrem que esse mesmo sujeito amou ou ama, pois, é a um outro que o melancólico agride e não a si próprio, um outro 7 8 que no Eu habita, por intermédio da identificação e da incorporação, sem que o próprio melancólico saiba sobre isso. Frequentemente nos estados melancólicos a relação que o Eu estabelece com o objeto faz com que o investimento libidinal seja dele retirado para retornar ao Eu, ocorrendo uma forma de recusa psíquica da realidade da perda de tal objeto. Essa recusa se encontra enraizada no próprio amor narcísico, traz no seu complexo o desdobramento da negação do Eu quanto ao reconhecimento da alteridade. Quando ocorre a perda do objeto, tem se o retorno de todo investimento outrora direcionado a esse objeto para o Eu. Essa energia que retorna não é utilizada para investir nas lembranças do objeto, como é comum no luto, mas sim para realizar uma identificação do Eu com o objeto, fusionando um ao outro. Portanto, perder o objeto significa também perder a si mesmo nesse objeto, dai haver o apego do Eu ao objeto e a dificuldade em aceitar a perda. Sob esse prisma, Hassoun (2002) aponta que o melancólico é aquele que não conheceu a experiência da perda e nem um primeiro luto subjetivante. Sugere que tal sujeito foi tragado por desejo materno próprio. Algo lhe foi sacrificado, sem nada ser dado. A perda, não se manifesta em relação ou na direção dele. Não tendo acesso ao dom, o melancólico não se refaz desse impossível. Possivelmente, o sujeito melancólico não pôde fazer uma identificação primeira, especular. O objeto está ausente, suicidado, desencadeando o que chama de crueldade melancólica. Portanto a falha, na primeira forma de identificação adicionada à ausência de objeto, poderia explicar esse tormento. Podemos traçar, considerando essas premissas, um esboço para pensar a questão da melancolia no âmbito de um estado da condição humana, conforme extraímos do pensamento freudiano, no sentido de sua afirmação acerca de um furo no psiquismo. Furo constitutivo que não deve ser entendido como aniquilante, uma vez que é aquilo de que o sujeito dispõe para funcionar no campo das relações sociais. A perda no âmbito das relações afetivas, no dizer de Freud (1894/1976:276), na área da vida pulsional, deve ser considerada como condição de catástrofe devido ao esvair de quantidades de excitação. Nessa condição, o sujeito pode emergir, produzindo arranjos no sentido de aposta na vida. Apoiando-nos no ensino lacaniano, podemos afirmar que o objeto perdido deixa uma fratura de modo que, no lugar onde deveria ser encontrado um tipo de teia simbólica, nada se encontra: só um furo, um ralo aberto, por onde escoa a libido. Eis o que ocorre na relação do sujeito com o símbolo, em função do que, na melancolia, como em outras dificuldades da vida, ―é possível que uma parte da simbolização não se faça. Provavelmente pode acontecer que alguma coisa de primordial quanto ao ser do sujeito não entre na simbolização‖ (LACAN, 1985:97). 7 9 A referência a não simbolização na melancolia, ou seja, a produção de um resíduo, concerne exclusivamente a um ponto não simbolizado. Esse ponto impossível de ser simbolizado é certamente o furo que aparece formulado por Freud (1894/1976) em seus textos ―pré-psicanalíticos‖, especialmente nas cartas a Fliess, seu mais importante interlocutor no período de fundação da Psicanálise. Tal furo produz um resultado: a relação entre a melancolia e a anestesia sexual que se caracterizada pela ausência de sensação de prazer, corresponde à uma total abolição do desejo e também a um luto pela perda de libido que tem como efeito uma inibição psíquica com empobrecimento pulsional e dor. Tal condição nos conduz a refletir sobre a intrigante questão formulada por Aristóteles (384-322, aC/1998), na qual atribui à melancolia o caráter de exceção aos grandes homens. Farias (2004), movido pela indagação aristotélica, indaga-se porque homens brilhantes de várias áreas do saber atravessaram em suas vidas estados melancólicos e postula que a dor de existir seja o enfrentamento mais radical do sujeito frente à falta, tornando-o visionário do vazio da vida, mas impulsionando-o à invenção. Não obstante o foco principal de indagação incide na perplexidade relacionado ao fato acerca do motivo pelo qual o homem precisa cair em um estado como esse, seja para criar, seja para endereçar-se ao dispositivo clínico solicitando ajuda para suportar o viver. Acerca dessa nuança Hassoun (2002) faz uma comparação entre o melancólico e certos autores cuja narrativa refletem a melancolia, observando que é como se desenvolvessem uma inquietação infinita e desesperada que a sociedade suscita neles. Diante disso, formula a hipótese de que cada uma de suas produções é em si mesma uma tentativa de criar um objeto próprio que lhes permita efetuar um trabalho de luto; luto que se cumpre graças ao texto escrito, publicado, e, portanto, endereçado a alguém. Segundo Costa (2001), é possível reconhecer uma determinada produção de ato, no estilo daquele que precisa transmitir algo pela escrita. O estilo é algo que se repete. Essa insistência de algo que não se escreve, quer dizer, estes restos inassimiláveis são impossíveis de se escrever e de transmitir. A atividade da escrita, como a de toda criação, uma vez atravessada por uma sublime melancolia, não encontra contudo sua resolução, em função da fugacidade do objeto, visto que, nesses estados de ruínas, cada vez que o sujeito direciona-se ao objeto tem de construí-lo. Essas considerações não se dirigem a um sentido de refletir sobre o ato criativo, no âmbito da patologia. Pelo contrário, talvez tais condições tenham mesmo a intenção de enobrecer o sintoma, ou os produtos dos atos humanos, como maneiras diferentes de representação. Basta, mais uma vez, lembrar de Van Gogh, como situação exemplar dessa situação no episódio que ―no final de sua vida pintou setenta quadros em setenta dias‖. (COSTA, 2001:131). 8 0 Referências ARISTÓTELES (384-322 a.C/1988). O homem de gênio e a melancolia: O problema XXX, 1. Rio de Janeiro: Lacerda. COSTA, A. 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Rio de Janeiro: Rocco. 8 1 Estigmas resultantes de diagnósticos em um Manicômio Judiciário Introdução Quando observa-se a temática da loucura, lembrando-se sempre de levar em consideração as diferentes concepções, em termos de conflito com a moral, de desordem psíquica ou de inadaptação social (FOUCAULT, 1996), a medida relativa à exclusão do contexto social justificava-se, até recentemente, como recuperação, ou cura, e controle estratégia que buscava à de determinados sujeitos que são considerados perigosos, pelo fato de colocar em risco a própria vida ou a vida de outras pessoas em função de suas crises. É importante salientar que as definições da loucura sofreram alterações devido as cada diferentes época, percepções e representações de sendo ressignificadas em função de injunções sociais e políticas. Segundo Castro (2009, p.52) com o desenvolvimento e fortalecimento de uma ciência colocada nos ideais positivistas, no século XVII ocorreu uma revolução científica, estabelecendo a ruptura com as concepções cientificas e filosóficas existentes naquele momento. O avanço das ideias positivistas fez com que a loucura passa-se uma doença sendo reconhecida a ser vista como pelas características do aparelho destinado ao controle, segregação e tratamento. A influência dos ideais positivistas encontra eco nos diagnósticos dos primeiros loucos que foram internados. Ao se considerar o recorte histórico do processo de exclusão dos segregados, voltamos nosso olhar para a loucura na contemporaneidade, que teve um percurso de pesquisas e tomadas de decisão, sempre priorizando o confinamento do louco para tratamento. O mesmo processo de segregação era também verificado no âmbito da criminalidade: onde os criminosos eram confinados, à espera de um castigo. No contexto moderno das prisões, são punidos com a restrição de liberdade. No final do século XIX, o saber médico passa a intervir nas práticas jurídicas, e de acordo com Donzelot (1977, p.92) tal iniciativa é produto de uma 1 vontade de reduzir o recurso ao judiciário e ao penal, por intermédio do alicercamento nas ciências sociais, através da qual foi produzida a categoria louco delinquente (FOUCAULT, 2010). Essa categoria social é também conhecida como loucocriminoso, e é uma categoria hibrida, pois o sujeito passa a ser estigmatizado como criminoso e como louco, ou seja, passa a comportar as duas nuanças (PINTO; FARIAS; GONDAR, 2012). As terminologias relativas a essa categoria já passaram por várias mudanças, porém a atual identificação é tida como a de pessoas adultas com transtornos mentais em conflito com a lei (BRASIL, 2011). Com isso, surgiu no cenário dos segregados da sociedade, uma categoria hibrida que congrega os dois lados mais sombrios da dimensão trágica da existência, o crime e a loucura (CARRARA, 2010). O processo de internação da referida categoria, resulta de uma dinâmica que comporta as seguintes fases: a) o sujeito após ter cometido um crime, caso seja preso, é declarado legalmente como criminoso; b) posteriormente, na fase do inquérito, o sujeito em condição de suspeito, a critério do juiz, ou de outros profissionais envolvidos, poderá ser encaminhado a um exame pericial que ateste o seu estado psíquico; c) em caso de existência de enfermidade psíquica, o criminoso será considerado, em termos da motivação para o crime, como portador de um transtorno psíquico, caso fique evidenciado a ausência momentânea de juízo crítico na avaliação das consequências do crime. Nosso olhar, além de se debruçar sob a categoria do loucocriminoso, considera também a instituição destinada ao tratamento destes, que segundo nossos estudos, é um espaço tido como um lugar de memória (NORA, 1993). Não obstante, esses olhares convergem para a construção de sua memória social; conceito ético e político, além de polissêmico e transdisciplinar (GONDAR, 2005). Trata-se de um processo delicado de investigação das memórias que estão difundidas nos diversos ambientes da instituição, e também as histórias construídas ao longo de quase um século de existência. Para fins desse estudo, tomamos como objeto de investigação, uma instituição destinada a custódia e tratamento de tal categoria, fundada nas primeiras décadas do século XX, na cidade do Rio de Janeiro, em um anexo à casa de correção, conhecida como complexo penitenciário da rua Frei Caneca, 2 que foi demolida em 2009. Trata-se do hospital de custódia e tratamento psiquiátrico Heitor Carrilho, fundado em 1921, sendo a primeira instituição desse tipo na América latina, idealizada nos moldes de funcionamentos e princípios norteadores europeus vigentes na França e na Inglaterra. Tal instituição legitima-se como sendo mais um tipo de instituição total (GOFFMAN, 1974), apresentando-se também como uma instituição que reflete o status híbrido dos que nela mentem-se segregados, sendo uma instituição que abriga dois fantasmas que ameaçam a sociedade: o louco e o criminoso (CARRARA, 1998). Pode-se concluir que os segregados assim o são por serem portadores de um estigma, ou de estigmas no caso do loucocriminoso, estigmas estes que serão atribuídos em referência a um caráter profundamente depreciativo, e que encontram representatividade na sociedade e no sujeito. Ao lidar com pessoas estigmatizadas, a sociedade cria um ambiente perfeito em que se pode encontrar a construção de cenários que justifiquem o estigma produzido pela sociedade. Um desses cenários será a justificativa sobre uma teoria do estigma como instrumento ideal para segregação. Esse modo de proceder do contexto social é estreitamente vinculado à origem grega do termo estigma, cujo sentido refere-se a sinais corporais que atenuassem algo extraordinário ou mau sobre o status moral de alguém (GOFFMAN, 1891). Deve-se também levar em consideração que o estigmatizado, ao ter noção que detêm um estigma, cria uma representação subjetiva do próprio, que pode ocasionar as mais diversas consequências, desde a apropriação do estigma para ―tirar vantagem‖ em determinadas situações, até danos subjetivos consideráveis, que resultam em uma profunda queda da autoestima. Objetivo A custódia do loucocriminoso para tratamento é bastante problemática, pelo fato de que a medida de segurança é um procedimento jurídico e o tratamento fica ao encargo do saber médico. Nem sempre essas duas instâncias mantêm um diálogo em uníssono, principalmente pelo fato de que a instituição de tratamento conserva em si todas características físicas e gestoras 3 dos espaços prisionais. No que tange a medida de segurança, sua finalidade consiste na legalização da internação, justificada em prol da segurança do sujeito e da sociedade. Em caso de desinternação, que é a consequência do forte movimento antimanicomial presente na atualidade, como efetivar, para o desinternado, as condições possíveis para que seja beneficiado da rede de serviços de saúde mental? Sob essa perspectiva, objetiva-se: a) Produzir uma reflexão acerca da política de desinternação do loucocriminoso, considerando as possibilidades de sua reinserção na sociedade; b) Cogitar a pertinência de políticas públicas visando trazer a luz da sociedade a importância que esta tem na participação do processo de desinternação do loucocriminoso; c) Identificar em que medida os estigmas produzidos e relacionados ao sujeito em processo de desinternação, vão inviabilizar, ou provocar entraves em tal processo. A título de análise focaliza-se a situação de uma desinternada identificada pelo pseudônimo Maria dos Anjos, a qual apresenta um percurso de mais de quatro três em instituições totais diferentes: prisão, hospício e manicômio. Cabe também ressaltar, com relação à internada, que a sua longa estadia no hospital, foi responsável por lhe transmitir, uma série de hábitos próprios da institucionalização, o que acaba por ser visto como uma possível leitura de construção da memória social (FOUCAULT, 2010). Esses hábitos tanto funcionam como expressões no cotidiano, quanto na condição de memórias subterrâneas, nem sempre passíveis de serem manifestas (POLLAK, 1989). Metodologia Devido ao extenso número de documentos do prontuário de Maria dos Anjos, optouse por apenas um volume do mesmo, que contém cerca de seiscentas páginas, e nele foram selecionados documentos que pudessem permitir entender a problemática da produção de diferentes diagnósticos desde sua primeira prisão até a guia de desinternação. O intuito é acompanhar a 4 produção dos diferentes estigmas decorrentes dos diagnósticos realizados, atentando para as características e expressões identificadas no conteúdo dos documentos. Resultados Foram analisados diversos documentos oriundos de um dos três volumes do prontuário de Maria dos Anjos. O teor desses documentos é variado, mas em sua maioria apresentam informações relativas ao estado da paciente, as classificações diagnósticas e ao fato de algum episódio que segundo o saber assistencial ou jurídico, mereceu destaque. Para análise foram considerados as seguintes quantidades de documentos: a) vinte e quatro encaminhamentos a clínica psiquiátrica; b) uma sentença do ano de 1990; c) um laudo de exame de sanidade mental do ano de 1997; d) um parecer psiquiátrico do ano de 1995; e) uma sinopse psiquiátrica do ano de 1993, e f) uma sinopse psiquiátrica do ano de 2007. g) uma sinopse psiquiátrica não datada. O olhar centrou-se sobre esses documentos, pois eram os que, de acordo com o seu conteúdo, refletiam diretamente no tratamento e na forma de segregação da internada. Pautados em análise temática construída para a investigação, constata- se com relação aos encaminhamentos psiquiátricos a existência de: a) onze documentos datando do ano de 1991; b) dez documentos datando do ano de 1992; c) dois documentos datando do ano de 1994; d) um documento datando do ano de 1995; e) um documento com a temática ameaça a terceiros; f) seis documentos com a temática saúde da paciente; g) um documento com a temática vicio na medicação de contenção; h) dois documentos com a temática porte de medicamentos/drogas; i) três documentos com a temática agressiva; j) quatro documentos com a temática luta corporal; j) dez documentos com a temática agitação. Os temas foram construídos a partir das informações contidas nos encaminhamentos, são as características apresentadas acerca da internada que servem para justificar os diferentes diagnósticos produzidos ao longo de 5 seu percurso institucional. Além disso, alguns episódios são peças fundamentais na montagem dos diagnósticos, dentre os quais destacam-se: a) os constantes transtornos que a internada levou até a clínica Pró-matre, após ter dado a luz ao seu primeiro filho e reivindicar o direito de permanecer com este, que segundo o Hospital nasceu morto, mas tal versão é questionada pela internada; e b) o assassinato de uma mulher no Hospital Pedro II. Ambos os episódios encontram-se registrados no prontuário de Maria dos Anjos, e cabe ressaltar que os aspectos retratados nos temas e os episódios mencionados são elementos dos quais o saber médico se utiliza para construir um quadro nosológico configurado por categorias diagnósticas (MILLER, 1997). Conclusões As indagações feitas, quando confrontadas ao corpus teórico da investigação, e principalmente, com as necessidades de Maria dos Anjos, nos permite afirmar que a estigmatização do sujeito através da produção de diferentes diagnósticos, provoca uma profunda alteração no tratamento deste, bem como uma dificuldade no processo de desinternação e reinserção social do mesmo. Raramente, na instituição, são encontrados casos em que existe de fato, uma solitude na presença e no apoio da família, mas é claro que não se quer generalizar a existência deste dilema e de complicações de tratamento, mas levando em consideração as circunstâncias observadas, as chances de tais complicações serem reincidentes são evidentes. Sabemos também que, com relação ao estigma responsável pela segregação do sujeito do meio social, este, é quase impossível de ser eliminado. Mas é preciso um olhar cuidadoso para as questões que interferem diretamente na sustentação da vida desse sujeito fora dos muros da instituição. Estas são justamente as questões relativas aos desdobramentos das leituras sociais que estes estigmas vão despertar. 6 1 Referências ALVES, C.F.O.; et al. Uma breve história da reforma psiquiátrica. Revista das Ciências do Comportamento da Universidade de Pernambuco – UPE. V. 72, 2009. ALVIM, R. C. M. Uma pequena história das medidas de segurança. São Paulo: IBCCrim, 1997. P 16 BRASIL. Presidência da Republica. Casa Civil. Lei n°10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. BRASIL. Governo federal. O novo direito dos portadores de transtorno mental: o alcance da lei 10.216/01. Brasília: 2011 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. 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Uma dessas articulações é o Núcleo de Apoio à Saúde da Família que tem como objetivo potencializar, ser um apoiador, dar suporte e apoiar a Estratégia de Saúde da Família (ESF) a partir de um grupo objetivo interdisciplinar, agindo em parceria e desenvolvendo ações na atenção básica, Na atenção nível primária (que compreende ações com baixas tecnologias e complexidade), a Estratégia de Saúde da Família (ESF) é o modelo central desse nível, a chamada atenção primária a saúde (APS). A ESF representa a porta de entrada do SUS, tem por objetivo a proteção, promoção da saúde e a prevenção de doenças da população de um determinado território. É o ponto mais capilar do sistema, com contato direto com a população sendo implantada em locais estratégicos dentro do município, de modo a perceber as necessidades da população. As ESF‘s abrangem um quantitativo de ações bastante intenso, com grande demanda por atendimento multidisciplinar, sendo percebida a necessidade de um suporte a essas equipes de modo a complementar as ações em saúde coletiva de modo a diminuir os casos que necessitem de uma atenção especial. É nesta perspectiva que os NASF's são criados, em 2008, seu trabalho pressupõe intersetorialidade, não se limitando a saúde da população, mas também dos profissionais que atuam nas equipes, caracterizam-se como serviços de caráter interdisciplinar do princípio promoção, proteção à saúde e a prevenção de doenças, ressaltando, desse modo, a necessidade de uma ação integrada (Brasil, 2008). Na configuração de seu quadro de profissionais, deve ser composto por equipes com profissionais de diferentes áreas de conhecimento, compartilhando as 2 3 práticas em saúde nos territórios, de modo a identificar juntamente com as ESF‘s as carências e especificidades em cada localidade, para que atue nesses pontos, pautado em ações na educação permanente, na reabilitação, alimentação e nutrição, assistência farmacêutica, serviço social, saúde mental, saúde da criança, saúde da mulher, saúde do idoso. O tipo de NASF e o número de profissionais vão depender da população a ser atendida, no NASF 1 deve ter em sua equipe multidisciplinar com cinco especialidades dentre elas pode optar por médico acupunturista, física, assistente social, professor de farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, ginecologista, médico homeopata, nutricionista, educação médico médico pediatra, psicólogo, médico psiquiatra e terapeuta ocupacional. Já o NASF 2 que é menor, deverá ser composto por, no mínimo, três profissionais de nível superior assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta ocupacional (Brasil, 2008). Existem algumas possibilidades de ações da equipe do NASF em conjunto com as Equipes da Saúde da Família, devendo promover debates que se atentem para a gestão do cuidado, realizando reuniões e atendimentos compartilhados, sendo campo de produção de aprendizado coletivo. Dessa forma criam-se redes de responsabilização e gestão compartilhada. Delimita-se algumas ferramentas dos trabalhadores do NASF, como um importante instrumento de ação, que são o apoio matricial, a clínica ampliada, o projeto terapêutico singular (PTS) e o projeto de saúde no território (PST). Este estudo de caso se atenta especificamente para a atuação do psicólogo no matriciamento em saúde coletiva, limitando então a expor sobre este conceito. Apoio matricial em saúde coletiva é um termo criado por Campos (2009) que pressupõe um modo dinâmico de troca de saberes e vivências entre a equipe de referência (que compreende os profissionais que desenvolvem vínculos com os usuários, ou seja, aqueles que atuam em policlínicas ou hospitais, ESF‘s, onde estabelecem um acompanhamento longitudinal, estabelecendo rede de confiança para com esse profissional, é um ponto de partida e retomada dos usuários) e o profissional matriciador, é o(s) especialista(s) que atua(m) fornecendo base especificada para o atendimento dos casos. Existem dimensões de apoio: o suporte assistencial, que se refere às intervenções em que o especialista do apoio matricial e profissionais da equipe de referência atua junto; ou onde os casos que 3 3 necessitam do atendimento do núcleo de saber do apoiador, sendo realizadas intervenções diretas com a população, mas se conserva o contato com a equipe de referência, que pode atuar auxiliando no segmento dos atendimentos; e o suporte técnico pedagógico às equipes de referência, o apoio ocorre a partir da troca de saberes entre a equipe de referência e o apoiador, debate-se sobre os casos, realizam projetos terapêuticos singulares, mas o apoiador não tem um contato direto com os usuários, o atendimento fica a cargo da equipe de referência (Campos & Dominitti, 2007). Dimenstein (2009) também expõe a cerca do que constitui o apoio matricial e como ele pode ocorrer, representa uma articulação da atenção básica e do serviço especializado, favorecendo o encontro das diferentes áreas do conhecimento para obtenção de uma ação mais integral e menos fragmentada, vendo o sujeito como um todo. Assim a equipe ambulatorial responsável, com atenção especializada, atende sua demanda específica e passa também a atuar em outro aspecto, de modo a descentralizar o cuidado, não se restringindo a uma população específica, mas, trazendo mais perto o usuário; ocorrendo enfim, um compartilhamento de responsabilidade entre a equipe especializada e a equipe de atenção básica, onde o maior beneficiado é o próprio usuário, já que tem maior acesso à rede de saúde. Atuar nesta perspectiva é amparado pela necessidade de se pensar na atuação do psicólogo no âmbito da saúde coletiva da população, com ações centradas na promoção e prevenção da saúde de modo a melhorar a saúde das coletividades, entendendo que o apoio matricial vem potencializar o atendimento prestado, já que capacitaria os profissionais, promovendo um novo modo de olhar as problemáticas apresentadas, atuando sempre de maneira contextualizada. Tendo por objetivo compreender a ação do psicólogo no matriciamento no NASF, apreender acerca da efetividade do papel do psicólogo no matriciamento em saúde coletiva. Metodologia A pesquisa, ainda está em andamento, o que ora se apresenta é um estudo preliminar, uma análise de discurso a partir de entrevista e conversas com o psicólogo que atua no NASF1 no município de Corumbá. A base bibliográfica que norteará as discussões parte dos núcleos de significação para a apreensão dos 4 4 sentidos de Aguiar e Ozella (2006) e de Minayo (2006) expõe sobre a análise de discursos em pesquisa no campo da saúde, interessando aqui análise de conteúdo, especificamente a análise temática, como meio de se estudar o discurso apresentado através dos núcleos de sentido, apresentando um modo interessante de se apreender os conteúdos provenientes do campo da saúde, a partir dos núcleos em que o discursos do sujeito é estruturado. Os núcleos são pontos centrais e essenciais do material coletado e estes expressam uma relação com os objetivos da pesquisa sendo capazes de propor reflexões e críticas a respeito do trabalho do psicólogo na rede de saúde. Discussão O município de Corumbá está a 420 km quilômetros da capital Campo Grande, compreende a região do pantanal do Mato Grosso do Sul, possui uma população de 103 mil, 703 habitantes, e uma área da unidade territorial de 64.962,836(Km²). No que tange aos serviços de saúde o município consta com sessenta estabelecimentos de saúde, sendo: Federais 1 (um), que corresponde a 1.7% do total; nenhum Estadual, e 31(trinta e um) municipais, 51.7% do total; e estabelecimentos Privados 28 (vinte e oito), 46.7% do total (Brasil, 2011). O município possui dois NASF‘s do tipo 1. O profissional entrevistado atua no NASF que foi implantado no município em 2008, contudo só é efetivado em junho de 2010. No momento da entrevista era único psicólogo nos dois NASF‘s do município, e por isso estava com algumas dificuldades, pois, tinha que atender todas as unidades, não conseguindo realizar algumas ações que haviam sido elaboradas, como grupos em educação em saúde. Durante a entrevista foi explicado a proposta desta pesquisa, falou-se sobre o apoio matricial e foi-se indagando a respeito de como era a atuação deste profissional, o que ele pensava a cerca da proposta do NASF. Pode-se observar alguns aspectos que se repetiram e/ou que vieram imbuídos de algum conteúdo emocional e se irá trabalhar o que foi coletado a partir desses três pontos. Organização do trabalho, trabalho prescrito trabalho real. Neste núcleo pode-se observar no discurso do sujeito um reconhecimento que existe uma política pública que norteia o serviço, contudo não se cumpre o que 5 5 está por ela especificado. Não há uma gestão compartilhada desse serviço, as ações são trazidas de modo um tanto verticalizado e isso lembra Campos (2000) que expõe sobre a racionalidade gerencial hegemônica, a instituição de saúde acaba por funcionar numa lógica onde existe o que domina a forma de trabalho, pensada pelo gestor que não é o ator que a executa isso é evidenciado quando cita um encontro estadual onde só estavam os profissionais, não havia gestores, nem a comunidade. Há um grande distanciamento entre quem planeja e quem executa as ações. Outro ponto observado em seu discurso evidencia o reconhecimento de que não estão sendo cumpridas as ações que são preconizadas na Portaria 154 e no Caderno de Atenção Básica (como a apoio matricial, a clínica ampliada etc.) que são os documentos que direcionam as ações, e mesmo quando é realizada ações em interdisciplinaridade, com reuniões para discutir casos, isso não acorre de modo sistemático. É importante salientar que houve alguns problemas de logística (como a falta de psicólogo, a dificuldade de locomoção) que acabaram interferindo no cronograma elaborado. No que tange ao apoio matricial não foi diferente, o que ele afirma é que pode até ocorrer, mas não é sistematizado, é de modo esporádico. Desmotivação, desvalorização profissional É evidenciado no discurso do sujeito, uma falta de recursos materiais, de infra-estrutura para que possa realizar o trabalho, bem como algumas dificuldades na aceitação por parte dos profissionais das equipes em entender que a atuação no NASF é diferenciada, isso é devido à influência do modelo biomédico, que diz que só trabalha e se resolve os problemas da população se estiverem sendo realizados atendimentos, desvalorizando a importância de ações de caráter preventivo. Dimenstein (2001) aborda exatamente sobre condições que influenciam para que se tenham profissionais comprometidos, dentre elas à formação acadêmica, a jornada de trabalho, e salários e principalmente, a falta de participação dos trabalhadores como co-responsáveis pela gestão do SUS, e essas dificuldades, levam os profissionais à desmotivação, descrentes no sistema de saúde e também na luta pela cidadania acaba por não comprometer-se verdadeiramente com um o projeto de sociedade e de saúde. Esses fatores são expostos pelo sujeito da pesquisa como a questão salarial que não é satisfatória, a co-gestão é inexistente isto somados aos fatores já expostos geram desmotivação, desqualificação do seu trabalho. Outro 6 6 ponto apontado em sua fala refere-se a certa angústia frente a não saber o que se espera realmente do profissional do NASF quando este foi criado, bem como relata a falta material teórico-prático embasando suas atividades, colocando a necessidade de capacitações, no âmbito desta política, por parte do Estado. Aspectos positivos que indicam uma ação mais coletiva Há uma atenção observada no discurso voltada aos profissionais de saúde, sendo enfatizada no discurso psicólogo a importância de um olhar sobre a equipe, mostrando o desejo de realizar estudos com eles, reconhecendo que por muitas vezes é penoso estar em contato com as carências da população e perceber que não é possível resolver os problemas daquela pessoa, e o entrevistado afirma que os profissionais precisam estar bem para que possa realizar um atendimento de qualidade. Chiaverini et al. (2011), expõe exatamente sobre esse olhar as equipes não apenas na questão da capacitação, do matriciamento, mas no oferecimento de um espaço para que possam elaborar suas angústias, dúvidas frente às demandas em que são expostos. Outro ponto interessante são os movimentos observados no sentido da discussão de alguns casos atuando assim com vistas à clínica ampliada, pois nessas discussões é feito uma discussão interdisciplinar, com as enfermeiras, auxiliar de enfermagem, (raramente o médico esta presente), às vezes o agente e os especialistas do NASF, quando percebem a necessidade de uma atenção maior em algum caso. Vem sendo realizadas algumas ações em educação em saúde, com a população profissionais, foram feitas capacitações, uma delas e com os na perspectiva intersetorial, alguns encaminhamentos, para outros setores como CRAS, CREAS, CAPS interface com os outros setores a partir das necessidades percebidas. É exposto ainda outro tipo de ação, que está em processo em implantação: são os grupos com a população. Chiaverini et al (2011) colocam essa possibilidade de intervenção na atenção primária, com grupos para além dos tradicionais de educação em saúde (que se organizam geralmente por meio de palestras e tem apenas um caráter informativo). O que ora se propõe, consiste em grupos educativos, mas com espaços que permitam a reflexão e suporte, a mudança de uma atitude passiva para uma ativa no processo da informação e da vida dessas pessoas. Sendo realizado por profissionais de saúde mental e profissionais da 7 7 atenção primária, propiciando um auxílio aos trabalhadores no manejo de aspectos subjetivos do processo grupal. Conclusão A partir da análise parcial do primeiro contato formal com o psicólogo que atua no NASF no município de Corumbá pode-se inferir que existe certa insegurança frente a proposta, evidenciado em sua fala sobre as ferramentas que são previstas pela política do NASF. A princípio mostrase claro para ele esse conteúdo, explicitando até algumas atividades que eram pra ter sido desenvolvida, mas que não foi possível até o momento por obstáculos na gestão do programa. Pode ser percebida certa angústia, que o psicólogo permite que a entrevistadora tenha contato, e isto indica que ele está incomodado frente a essa situação, mostrado pelo desejo dele em que o programa seja efetivo, pois há um flerte com a saúde coletiva e, sobretudo deve-se pensar que este saber está sendo construído já que se trata de uma proposta diferenciada e relativamente nova. Podese dizer que o apoio matricial não ocorre do modo sistematizado como deveria. Contudo não se pode afirmar que não esteja sendo realizadas ações voltadas a saúde coletiva, pois estão ocorrendo ações com as coletividades, atendem-se as demandas que são levantadas pelas unidades de saúde. 8 7 Referências Bibliográficas Aguiar, W. M. J. & Ozella, S. (2006) Núcleos de Significação como Instrumento para a Apreensão da Constituição dos Sentidos. Psicologia Ciência E Profissão, 26(2), 222-245. Brasil. (2011). IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades BRASIL. Ministério da saúde. (2009) Diretrizes do NASF: núcleo de apoio a saúde da família. Cadernos de atenção básica. Brasília. Versão preliminar Publicação em fase de normalização. BRASIL. Mistério da Saúde. (2008) Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF. Brasília. Campos G. W. de S. (2000) Um método para análise e co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec. Campos G. W. de S. (2009). Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria Paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In G. W. de S Campos et al. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. Campos G. 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ENVELHECIMENTO E HIV/AIDS: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL AO ENSINO MÉDICO Autores: Felício, E.E.A.A*. ; Cassétte, J.B*. ; Silva, L.C*.; Soares, L.A*. ; Morais, R.A*.; Prado, T.S*.; Guimarães, D.A**. Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste, Dona Lindu (UFSJ/CCO), Divinópolis, Brasil – e-mail de contato: [email protected] * Acadêmicos do sétimo período do Curso de Medicina ** Psicóloga, Doutora em Psicologia Social, professora adjunta do Curso de Medicina da UFSJ/CCO Introdução 1 O aumento das infecções por HIV em pessoas acima de 60 anos no mundo, impõe à sociedade, políticas públicas e profissionais de saúde o desafio de pensar o processo de envelhecimento associado ao diagnóstico de HIV. Esse texto objetiva apresentar alguns aspectos da complexa discussão acerca da sexualidade e do processo de envelhecimento em sua interlocução com a realidade do aumento de casos de HIV/aids na população idosa. Esta temática vem sendo desenvolvida junto a acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de São João Del-Rei – Campus Centro-Oeste, cujo currículo considera a Psicologia Social como uma das bases para o enfoque dos aspectos psicossociais da prática médica. O projeto pedagógico do curso de medicina tem como pilares a formação voltada para a complexidade dos processos saúde-adoecimento, a determinação social das doenças e as reflexões críticas acerca da função social da medicina como campo de conhecimentos e área de atuação. O projeto ―Envelhecimento e HIV/aids: impactos psicossociais do diagnóstico‖ é desenvolvido por acadêmicos do curso de medicina, sob a orientação de uma docente psicóloga; busca promover um diálogo interdisciplinar e tem como principal referencial teórico as discussões sobre o estigma em Goffman. A infecção pelo HIV em idosos aponta que estes têm vida sexual ativa. No entanto, como a sociedade se organiza considerando também os preconceitos e estigmas historicamente consolidados em relação à sexualidade de pessoas idosas, as crenças acerca da assexualidade na velhice exercem influência também na formação e atuação dos profissionais de saúde e na definição de políticas públicas de prevenção e promoção da saúde. O envelhecimento populacional é um evento já anunciado desde a década de 2 7 1970. No ano 2000, a população geral era de 6.118,9 milhões de habitantes com 402,9 milhões com mais de 65 anos e 59,6 milhões acima de 80 anos; demonstrando um crescimento absoluto de pessoas acima de 60 anos e a necessidade de reestruturações no aparato governamental para lidar com os impactos do fenômeno, sobretudo na saúde e na previdência social 1,2 As discussões, estudos e políticas que se desenvolvem em torno da temática do envelhecimento populacional evidenciam que não são suficientes as mudanças de econômico e sanitário. É preciso que estas caráter mudanças sejam acompanhadas de conquistas no âmbito social que considerem os mais diferentes aspectos do envelhecimento 3, inclusive a sexualidade, presente também nesse momento da vida. No entanto, mais do que reconhecer a complexidade da sexualidade no processo de envelhecimento, importa ultrapassar as análises e intervenções que se detenham exclusivamente no indivíduo idoso de forma isolada 4. Interessa aqui pensar alguns dos elementos que compõem o conjunto de relações sociais que se constrói e reconstrói ao longo da história da humanidade, definindo e regulando a vivência da sexualidade, das práticas sexuais e dos preconceitos que fazem com que estas não sejam percebidas como um direito da pessoa idosa 5,6. Ao longo da história da humanidade, sexualidade e preconceito se apresentam interrelacionados e abordar essa temática é falar de um campo da experiência humana constituído por aspectos paradoxais 7,8. Abordar a sexualidade exige ultrapassar visões que promovem sua redução ao ato sexual, admitindo que o elemento que fundamenta a sexualidade humana é o prazer e não a determinação para a procriação. Nesse sentido, a compreensão da sexualidade está relacionada às diferentes formas de satisfação do prazer experimentadas pelos indivíduos 5,8,9. Considerando que as mudanças sócio-culturais e o aumento da expectativa de vida potencializam a extensão da vivência da sexualidade e das práticas sexuais, é preciso ampliar as ações de saúde que considerem a necessidade de prevenção às DST/aids em pessoas idosas. O atual aumento de casos de infecção por HIV em pessoas idosas não é acompanhado por incentivos suficientes à prática do sexo seguro nessa faixa etária 10. As infecções por HIV avançam em números absolutos no Brasil e no mundo11 e no país registra-se um aumento dos diagnósticos de aids em indivíduos com idade superior a 60 anos. Foram notificados até junho de 2006, 9.918 casos; destes, 6.728 em homens e 3.190 em mulheres 12,13. 3 7 Diante dessas questões, ressalta-se a relevância de pesquisas e discussões de caráter multidisciplinar que considerem a indissociabilidade de 7 elementos fundamentais para a promoção da saúde da pessoa idosa, a saber: sexualidade, preconceitos e estigmas, adoção de práticas sexuais seguras, a complexidade do que representa o envelhecer com HIV e a importância desses temas para a formação de profissionais de saúde. Envelhecimento e negação da sexualidade O Brasil coloca-se em posição de destaque em relação ao envelhecimento populacional e estima-se que até 2025 a nação ocupará o sexto lugar em números absolutos de idosos no mundo 2. No entanto, apesar das melhorias da condição de vida, os aspectos negativos atribuídos ao envelhecimento, de forma generalizada ainda são evidentes e podem levar ao equívoco de considerar a velhice como uma experiência homogeneamente negativa 3,4 na qual o sexo e a vivência da sexualidade são excluídos. A exclusão do idoso de uma vida sexualmente ativa é resultado de uma construção histórico-social produzida durante muitos séculos, além de amplificada ao longo do tempo e perpetuada até os dias atuais 7. Ao longo de vários séculos, as sociedades, de maneira geral, reprimiram a sexualidade, associando-a, de maneira positiva, somente aos fins reprodutivos, além de promover sua redução ao ato sexual. O sexo já foi encarado como algo não saudável, abominável e, até mesmo, demoníaco, o que influenciou a visão repressora que se perpetua. Os elementos históricos ajudam a compreender que a sexualidade é um tema relacionado aos preconceitos que as sociedades constroem e mantêm ao longo do tempo, inclusive àqueles relacionados à sexualidade na velhice. Atravessam os séculos a ideias de que os idosos não sendo mais aptos à reprodução, passam à categoria de seres assexuado, limitados ao papel de avô ou avó. Persistem, portanto, as ideias que associam o envelhecimento à negação de sentimentos, desejos, expectativas e necessidades de âmbito sexual 18,19. A cena contemporânea demonstra a permanência das ideias de assexualidade do idoso, o que pode ser verificado em pesquisas que indicam a conservação de ideias sobre o desaparecimento do apetite sexual no idoso; o caráter perverso do sexo na velhice; a certeza da decepção dos idosos em relação ao ato sexual em decorrência das limitações advindas além da da idade; associação entre 4 sexualidade, beleza, atração, virilidade, juventude e as formas aceitas e 7 normatizadas para a vivência da sexualidade 7,20,9. Existem grandes dificuldades para desatrelar o exercício da sexualidade da reprodução, o que dificulta o desenvolvimento dessa troca afetiva após o período da possibilidade de procriação. As atitudes culturais que denigrem a idade permanecem tão fortemente presentes que um número inimaginável de idosos sente ser algo anormal expressar suas necessidades sexuais5 ,demonstrando o quanto eles próprios podem estar compartilhando dos preconceitos que os afetam 6. É importante destacar que a vivência da sexualidade nos idosos, além do ato sexual, inclui diversas formas e expressões que demonstram a própria abrangência da sexualidade, podendo se manifestar como expressão verdadeira de carinho; expressão de afeto, admiração e amor; afirmação do corpo; percepção de si mesmo e dos outros; proteção contra ansiedade e o prazer de ser tocado, entre outras 5. A sexualidade admite tanto o conhecimento íntimo de si e dos outros, o prazer e o desejo, quanto o desconhecimento, as dúvidas, os preconceitos, os medos e as culpas 5,8,9. Assim, a sexualidade acompanha o indivíduo ao longo de sua vida, sendo expressa de maneira abrangente, particular e única por cada pessoa 17, 6. Envelhecimento e HIV/aids Atualmente, há o reconhecimento de um conjunto de fatores que estimulam a sexualidade e a prática sexual dos idosos, dentre eles, a maior expectativa de vida, práticas de exercício físico, turismo direcionado para esse grupo, o aumento da participação em grupos de convivência, os avanços no campo de medicamentos, lubrificantes vaginais, próteses, correção e prolongamento peniano, cirurgias plásticas estéticas, exames preventivos de câncer de próstata 23,18,19. À medida que o desempenho sexual dos idosos se beneficia com os avanços científicos, tecnológicos e melhoria da qualidade de vida, aumenta a preocupação com as infecções por DST‘s/aids nessa faixa etária, já que a melhora no desempenho sexual pode aumentar a chance de comportamentos sexuais de risco 25. No Brasil, foram registrados apenas quatro casos de aids em idosos durante os cinco primeiros anos da epidemia 30,31. Atualmente novos perfis de portadores do HIV surgiram e hoje, percebe-se uma tendência da feminização e interiorização da aids acometendo com importância epidemiológica no Brasil, o grupo dos 5 heterossexuais e das pessoas acima da 5ª década, em detrimento da queda dos números de 7 novos casos entre mulheres e homens jovens 30. No entanto, o teste anti-hiv é raramente pedido durante a consulta médica ao idoso, o que indica que os dados a respeito de infecção por HIV em idosos poderiam ser mais representativos. Tanto os profissionais de saúde, quanto os idosos por eles atendidos têm dificuldade em perceber a importância da testagem, deixando-a muito aquém da testagem nos adultos jovens, pois a possibilidade de vida sexual ativa nessa faixa etária é ignorada, além de serem confundidos os sintomas do HIV/aids com os de outras doenças comuns ao envelhecimento 31,34,35,18,19. Tanto nas campanhas organizadas pelo poder público, quanto entre os profissionais de saúde estão presentes, em maior ou menor grau, as ideias de que somente algumas pessoas usam drogas e têm práticas sexuais que os expõem ao risco de contrair DST/aids e os idosos não estariam incluídos entre essas pessoas 24. Outras contribuições para a compreensão da temática do envelhecimento associado ao diagnóstico soropositivo para HIV, podem advir das discussões desenvolvidas por Erwing Goffman, ao discutir o processo de estigmatização, seus efeitos sobre a identidade dos indivíduos, dos grupos e das relações sociais 36. De acordo com o autor, o estigma é uma construção social, que nasce na relação entre os indivíduos e que define de forma simbólica ou concreta os territórios de ―normalidade‖. Ultrapassar os limites definidos para o que seja considerado como normalidade pode promover a instalação de desvios, acompanhados de acusação, isolamento, rejeição e a adoção de medidas punitivas e corretivas. O estigma atribui a um indivíduo ou grupo determinada característica que norteia toda sua rede de relações pessoais e, quando internalizado, domina suas referências de si mesmo, seus sentimentos e atitudes, gerando culpa, vergonha, raiva, confusão e desorganização da identidade 8,37. Segundo Goffman, o estigma se refere a algo de mau e depreciativo sobre o status moral de quem o apresenta, sendo mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal. É uma metáfora da situação social de um indivíduo que está na condição de exclusão, vergonha e culpa advindas de características individuais consideradas socialmente depreciativas. No processo de estigmatização a pessoa é rebaixada e o estigma reduz o indivíduo ao atributo depreciativo que traz um efeito de descrédito e que pode provocar uma deterioração da identidade 36. 6 Em relação à infecção por HIV, o indivíduo pode ser estigmatizado e identificado pelo estereótipo do aidético, termo carregado de preconceito, mas amplamente difundido, inclusive no meio acadêmico 37. Nessa perspectiva, o processo de estigmatização faz com que um indivíduo, dotado de atributos e características diversas, seja reduzido a uma condição de desvalorização, uma vez que passa a ser identificado prioritariamente ou exclusivamente pelo atributo estigmatizante: o fato de ser portador de HIV/aids 38. A identidade do indivíduo passa a ser desfigurada na sociedade e, imutavelmente, este carrega a marca de pertencer ao grupo que remete à transgressão de normas sociais e às condições julgadas como inaceitáveis 37. De forma geral, pesquisas apontam que têm sido encontrados, nos soroconvertidos recentes, sentimentos como depressão, culpa, vergonha, raiva, medo, rejeição, isolamento, arrependimento, remorso, revolta, desespero, desejo de suicídio, negação frente à aceitação do diagnóstico, raiva, agressividade, perda do desejo sexual, diminuição da atividade sexual, entre outros 32. Em relação ao medo, o sujeito experimenta o receio da revelação do estigma, uma vez que sua condição pode permanecer como um segredo para muitos e sua revelação poderia provocar vários problemas, como por exemplo, a perda do emprego, o afastamento de amigos e familiares e uma exclusão social generalizada 38. O medo do afastamento social e da rejeição, da perda do desejo sexual, o medo de contagiar alguém e as dificuldades de se aderir ao uso de preservativo são alguns motivos encontrados em pesquisas que tratam da alteração do ritmo sexual em indivíduos HIV positivos.32. Pesquisas registram que dentre os estereótipos vinculados aos idosos, destacam-se principalmente aqueles vinculados à ideia de assexualidade nesse momento da vida 3,4,7,18,19. Nesse sentido, pensar a saúde dos idosos HIV positivos implica também em considerar as possíveis situações estigmatizantes que podem vir a enfrentar. Em determinado aspecto, por explicitarem à sociedade que na velhice a atividade sexual permanece, podem ser associados aos estereótipos negativos advindos das ideias de que atividades sexuais são consideradas inadequadas para pessoas idosas. Além disso, pelo fato de terem contraído uma infecção que já é carregada de preconceitos, podem ser duplamente associados aos estereótipos negativos vinculados às ideias de comportamentos inadequados, sejam eles sexuais ou relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Atualmente o aumento de casos de infecção por HIV em pessoas idosas não é acompanhado por incentivos suficientes à prática do sexo seguro nessa faixa etária, 7 7 por mais que sejam reconhecidos os esforços do Ministério da Saúde em relação à divulgação de informações sobre prevenção às DST/aids, os trabalhos educativos - em sua maioria – são direcionados ao público jovem, às gestantes, aos usuários de droga, aos homossexuais e aos profissionais do sexo. Pesquisas apontam que as campanhas de prevenção não estão atingindo de forma adequada a população idosa 18,19,24. A noção de exposição ao risco e a adoção de comportamentos seguros entre idosos possui especificidades e isso exige reformulação nas estratégias e campanhas para promover a prevenção das DST‘s/aids para a população idosa e reformulações na abordagem dos profissionais de saúde. As discussões sinalizadas neste texto buscaram apresentar o complexo conjunto de elementos que se interrelacionam quanto se trata da temática da sexualidade no processo de envelhecimento, especialmente num contexto de aumento de contaminações de pessoas idosas pelo HIV. Conclusão Registra-se a importância de discussões mais amplas acerca da temática da sexualidade no processo de envelhecimento por parte da população geral e dos profissionais de saúde. discussões apresentadas sobre a realidade As do envelhecimento associado ao diagnóstico de HIV, assim como os preconceitos e estigmas relacionados à mesma, apontam a complexidade e relevância desses eventos para a compreensão dos processos de saúde e adoecimento, não só do ponto de vista da realidade individual, mas principalmente, como fenômeno diretamente relacionado ao conjunto de relações sociais. O envelhecimento, o HIV e a associação desses dois elementos da realidade, impacta, define e desafia não somente as relações que se estabelecem entre os indivíduos, mas também confronta diretamente as políticas públicas, a formação e a atuação dos profissionais de saúde. Ressalta-se a importância da interface entre medicina e Psicologia Social, para se entender um fenômeno que, para além dos cuidados biomédicos, necessita de um olhar atencioso sobre o indivíduo, sobretudo apresentadas em demonstram relação os aos avanços aspectos psicossociais. As discussões aqui dos acadêmicos em direção a uma perspectiva multidisciplinar que possibilite maior entendimento dos que os indivíduos atribuem ao significados processo de envelhecer com HIV/aids e aos impactos psicossociais decorrentes deste processo. 7 7 7 Referências Bibliográficas 1- Achutti A, Azambuja MIR. Doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil: repercussões do modelo de atenção à saúde sobre a seguridade social. 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Nesse contexto, destaca-se a importância dos processos de educação em saúde, não somente por sua capacidade em influenciar comportamentos imediatos visando à cura de doenças, mas também por suas potencialidades em definir e redefinir formas de prevenção e vigilância como objetivos centrais de políticas de saúde que possam capacitar os sujeitos ao exercício pleno de sua cidadania. Não se pode, contudo, desvencilhar o processo de educação em saúde do processo de comunicação social, por sua relação de indissociabilidade e interdependência. Nessa perspectiva, o currículo do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei, campus Centro-Oeste, está organizado de forma a considerar a importância das reflexões interdisciplinares que viabilizem as mudanças em discussão. Destacam-se os diálogos entre a psicologia social, comunicação social e medicina social, em torno da temática dos processos de educação e comunicação em saúde desenvolvidos no curso de medicina. Falar de comunicação em saúde no Brasil é perceber que, diante da heterogeneidade da população e das dimensões continentais do território, não se pode comunicar da mesma todos. A segmentação,estratégia que forma para define diferentes formatações do conteúdo de acordo com as características do público-alvo, é a linha- guia atual das ações comunicacionais desenvolvidas pelo Ministério da Saúde (MS6). No entanto, apesar dos avanços e conquistas em relação às estratégias de 1 Mestre em comunicação social pela UFMG, graduado em Comunicação Social pela Puc Minas e graduando do curso de Medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO. 2 Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO. 3 Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO. 4 Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO. 5 Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora adjunta do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste Dona Lindu. Email para contato: [email protected]. 6 http://www.saude.gov.br 2 comunicação em saúde desenvolvidas pelo MS, é possível perceber discrepâncias em relação à difusão e discussão da informação em saúde ao analisarmos, por um lado, o conjunto de mídias massivas7 (televisão, rádio, jornal, outdoor) e por outro, o conjunto de mídias de caráter digital e interativo, com destaque para a explosão recente do uso das mídias e redes sociais. A interatividade, característica fundamental desse segundo tipo de mídia, considera o contexto dos sujeitos e sua capacidade ativa de intervir concretamente na realidade que os cerca e consequentemente no processo de produção social da saúde. A partir de tais considerações, este trabalho tem como objetivo analisar a experiência brasileira desenvolvida pelo MS no uso das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), em especial as mídias sociais 7, como forma de ampliar a compreensão acerca da importância da interatividade e participação nos processos de comunicação em saúde. Por fim, a comunicação social é integrada ao quadro geral dos determinantes sociais da saúde (DSS), de maneira a destacar seu impacto na diminuição das iniquidades no campo da saúde pública. 2. Educação em saúde - formação médica, falência do modelo biomédico e a importância das discussões interdisciplinares: O conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde - OMS conforme discutem Guimarães e Silva (2010), ainda é capaz de suscitar alguns questionamentos importantes, pois se apóia na crença de um estado de permanência e completude do homem consigo mesmo, com outros homens e com o meio ambiente. Ideias como essas ―contrariam o tempo em que vivemos e anulam toda a abrangência das relações sociais contraditórias, inerentes ao nosso tempo‖ (GUIMARÃES, SILVA, 2010, pg. 2557). Os autores explicam que a compreensão ampliada acerca dos determinantes da saúde e adoecimento para indivíduos e coletividades deve levar em conta diversos aspectos, tais como o grau de desenvolvimento social e econômico, os valores e crenças de cada indivíduo e grupo, a acessibilidade às diversas formas de informação e avanços tecnológicos, aos serviços de saúde, educação e lazer. Esses elementos indissociados compõem uma realidade hipercomplexa e devem guiar qualquer proposta de formação e atuação em saúde. Apesar da OMS não definir mais o conceito de saúde como a ausência de doença, ainda existe um longo caminho para que se consolide, de fato, o modelo ampliado de 7 http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/area/348/redes-sociais.html 3 saúde em nossa sociedade. Sabe-se que a formação dos profissionais de saúde é discutida em vários países, principalmente em relação à discrepância entre o que se ensina na graduação e o que7 se observa na realidade dos serviços de saúde e na comunidade. O modelo biomédico, segundo De Marco (2006), ao refletir o referencial técnico-instrumental das biociências, ―exclui o contexto psicossocial dos significados, dos quais uma compreensão plena e adequada dos pacientes e suas doenças depende‖ (DE MARCO, 2006, pg. 64). Segundo o autor, a formação tradicional do médico está ancorada nesse modelo, de forma a desconsiderar os aspectos psicossociais tanto dele próprio quanto dos pacientes. Barros (2002) explica que o problema central no modelo biomédico reside no fato de que ele é demasiado restrito no seu poder explicativo. Apesar dos profissionais médicos perceberem o impacto das reações psicológicas dos pacientes e dos problemas socioeconômicos na manifestação das doenças, não são capazes de incorporar essas informações na formulação diagnóstica e no programa terapêutico. Diante dessas discussões, o currículo do curso de Medicina da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Campus Centro-Oeste foi organizado buscando fomentar uma sistemática de formação de médicos integrada às necessidades sociais, individuais e coletivas, de maneira a formar profissionais com um olhar diferenciado para o modo de viver das pessoas. O curso de medicina da UFSJ compromete-se com as novas prerrogativas apontadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (2001), voltando-se para a formação de profissionais comprometidos com o planejamento participativo e integrado, orientado por problemas e necessidades em saúde. As estratégias pedagógicas utilizadas abordam os determinantes e consequências sociais e psíquicas do processo saúde/doença, de forma integrada à abordagem de aspectos físicos e biológicos, buscando a compreensão da complexidade da inter-relação entre os vários níveis que compõem a realidade humana e seu ambiente. A matriz curricular apresenta os conteúdos das áreas básicas biológicas agrupados na unidade curricular (UC) denominada Bases Biológicas da Prática Médica (BBPM), integradas ao conhecimento clínico da unidade curricular de Introdução à Clínica (IC) e ao conhecimento de saúde coletiva, psicologia social, sociologia, antropologia da saúde, ética e saúde mental agrupados na unidade curricular de Bases Psicossociais da Prática Médica (BPPM). Já a unidade curricular PIESC (Prática de Integração: Ensino, Serviço e Comunidade) insere o estudante, desde o primeiro período nas comunidades de Divinópolis/MG. O acadêmico vivencia a rotina das equipes de saúde 4 da família (ESF), além de conhecer as características da comunidade e trabalhar questões específicas e prevalentes em cada área. 7 Até o final do segundo ano de curso, as atividades da UC BPPM são desenvolvidas sob a forma de grupos de discussão, seminários, mesas redondas com especialistas ou exposições dialogadas. A partir do terceiro ano, até o final do curso, ela são desenvolvidas sob a forma de discussão psicossocial de casos clínicos, organizadas a partir dos casos acompanhados pelos estudantes em suas atividades no PIESC. O currículo do curso de medicina expressa a intenção e as formas de promover mudanças no enfoque da formação médica, reservando lugar especial para as discussões interdisciplinares oportunizadas ao longo dos vários períodos do curso. Destacam-se, em especial, as contribuições da psicologia social e da medicina social para ampliar a compreensão sobre os processos de comunicação em saúde. A Psicologia Social contribui para a análise da realidade, do indivíduo, das coletividades e dos processos saúde-adoecimento a partir de seu enfoque na relação indissociável entre indivíduo e sociedade em um constante movimento de formação e transformação ao longo da história. Da psicologia social, especificamente pensando em suas contribuições para a formação e prática médicas, tomamos de empréstimo as discussões feitas por Martin – Baró sobre a atuação de psicólogos e cujo raciocínio considera-se válido também para a atuação de médicos e demais profissionais de saúde. Enfatizando a dimensão crítica a partir da qual o profissional deve conduzir sua prática, o autor afirma que as perguntas que devem formular a respeito de sua atividade devem centrar-se no papel que estão desempenhando na sociedade, a respeito de quem se beneficia com essa atuação e principalmente, sobre quais são as consequências históricas concretas que suas atividades estão produzindo. Nesse sentido, independente da área de atuação, as críticas e reflexões que devem guiar os profissionais de saúde estão indissociadas do papel que desempenham na sociedade em que estão inseridos, das influências que sofrem e exercem e principalmente das consequências produzidas por suas formas de atuação. Ao considerar a importância da Comunicação Social dentro de um contexto de formação médica, deve-se levar em conta o fato de que comunicação ocorre em contextos sociais de interação entre indivíduos, de forma a ressignificar sentidos de vida, saúde, doença, bem estar, morte, etc. Reafirmando o valor dos contextos biopsicossociais, evidencia-se que o entendimento dos mecanismos pelos quais se dá a Comunicação Social é de grande interesse à prática médica, visto que ela ocorre 5 não apenas dentro de instituições ou consultórios, mas em constante jogo com a sociedade e com os valores e crenças dos indivíduos e das coletividades. O advento das NTIC‘s mudou não somente7 o quadro técnico de referência dos processos comunicativos, mecanismos pelos quais as mas também os pessoas obtêm informações sobre saúde e o grau de participação/interação que elas mantêm com os produtores de conteúdo e outros usuários/membros com os mesmos interesses que elas, disseminados pelas mais diferentes redes telemáticas. As mídias sociais permitem o questionamento, a interatividade e a modificação do clássico fluxo de comunicação unidirecional, em que a informação partia do emissor em direção ao receptor, sem possibilidade de retorno. Dentro do contexto da prática médica, todos esses avanços e modificações nas relações comunicativas, causadas em boa parte pelo recente desenvolvimento tecnológico das mídias digitais, desafia os profissionais de saúde a adotarem novas posturas e novos modos de encarar a realidade, muito menos fragmentada do que poderia parecer à primeira vista. Das contribuições da Medicina Social, destaca-se a perspectiva de discussão acerca dos determinantes sociais da saúde (DSS), compreendidos como as condições de vida e de trabalho relacionadas com a situação de saúde de indivíduos e grupos da população. Os DSS representam fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. Buss e Pellegrini Filho (2007) resgatam o conceito de Nancy Krieger (2001), notadamente intervencionista, que define os DSS como os fatores e mecanismos pelos quais as condições sociais afetam a saúde e que podem ser modificados através de ações baseadas em informação. Para Buss e Pellegrini Filho (2007), o principal desafio nas relações entre determinantes sociais e saúde está em se estabelecer um certo nível de hierarquia entre os fatores gerais de natureza econômica, social e política e as mediações através das quais esses fatores ―incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas, já que a relação de determinação não é uma simples relação direta de causa-efeito‖ (BUSS e PELLEGRINI FILHO, 2007, pg. 81). O estudo dessa cadeia de mediações permitiria identificar onde e como devem ser feitas as intervenções, buscando reduzir as iniqüidades de saúde, entendidas aqui como as desigualdades evitáveis, injustas e desnecessárias entre os diferentes grupos populacionais. Os termos informação e mediação, tão caros ao universo da Comunicação Social, prestam-se também, como se pôde perceber, ao estudo dos DSS. Como já discutido 6 anteriormente, não basta que a informação sobre saúde seja disseminada de forma massiva e indistinta à população em geral, sem que se leve em conta os contextos psicossociais e os7 diferentes processos de interpretação e entendimento das mensagens. É preciso ir além, no sentido de se entender quais são as especificidades de cada segmento do público, os processos midiáticos dos quais participam ou não e suas repercussões na sociedade e nas articulações entre comunicação e cultura. Assim, mais do que simplesmente informar, a Comunicação Social, entendida como um conjunto de ferramentas a serem utilizadas na modificação de certos DSS, deve ser capaz de atuar como mediadora em uma série de processos sociais, de forma a ressignificar práticas e predispor sujeitos e comunidades à promoção da saúde. Cabe ressaltar que o uso do termo mediações, no universo teórico comunicativo, refere-se ao modelo formulado por Martín-Barbero (2009), bastante utilizado nos estudos de recepção e nas articulações da comunicação com a educação. ―A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de reconhecimento. Um reconhecimento que foi, de início, operação de deslocamento metodológico para re-ver o processo inteiro da comunicação a partir de seu outro lado, o da recepção, o das resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a partir de seus usos‖ (MARTÍN-BARBERO, 2002, pg. 28). Considerando-se portanto, as contribuições das áreas de Psicologia Social, Comunicação Social e Medicina social para ampliar a compreensão acerca dos processos de comunicação e educação em saúde, discutiremos, a seguir, a experiência desenvolvida pelo Ministério da Saúde na difusão e discussão de informações em saúde por meio das mídias sociais. 3. Análise da experiência desenvolvida nas mídias sociais pelo Ministério da Saúde – Brasil No atual contexto comunicacional multifacetado e complexo é que surgem as mídias e redes sociais, fenômeno de proporções globais, marcado pelo conjunto das novas tecnologias de comunicação mais participativas, rápidas e populares. Segundo Telles (2011), várias pessoas confundem o significado dos termos redes sociais e mídias sociais, muitas vezes usando-os de forma indistinta, quando na verdade o primeiro é uma categoria do último. Segundo o autor, os sites de relacionamento ou redes sociais são ambientes virtuais cujo objetivo principal é reunir pessoas, os chamados membros 6 que, depois de inscritos, podem expor seu perfil e dados como fotos, textos, mensagens e vídeo, além de interagir com outros membros e comunidades. As redes sociais seriam uma parte das7 mídias sociais, que incluiriam outros sites não ligados diretamente ao relacionamento social, mas inerentes à cultura participativa, como, por exemplo, o Twitter, Youtube, Digg e Flicker. Nesse sentido, as mídias sociais, em especial as redes sociais, parecem se constituir como uma nova possibilidade não só de transmissão e recepção de informações relacionadas à promoção da saúde, mas efetivamente de compartilhamento, diálogo e apropriação delas por parte de usuários sempre conectados, distribuídos de forma diversa no território geográfico. De acordo com Erik Qualman (2011), em poucos anos, as mídias sociais se tornaram a atividade mais popular da Internet, suplantando a pornografia pela primeira vez na história. Parte desse sucesso é explicado pelo autor a partir da ―dicotômica necessidade psicológica de sermos indivíduos e ainda nos sentirmos conectados e aceitos por um conjunto social muito maior‖ (QUALMAN, 2001, pg. 45). As pessoas se propõem a manter um diário aberto nas redes sociais como forma de se manterem conectadas e serem aceitas pelo grupo, mesmo que isso gere uma constante luta entre a necessidade de proteção da privacidade e a de aceitação. Estar "online" possibilita algo novo. Diferentes fluxos comunicacionais horizontalizados são criados, de forma a questionar a edição e o controle vertical assimétrico da informação pelos meios de comunicação de massa. ―A liberação do polo da emissão está presente nas novas formas de relacionamento social, de disponibilização da informação e na opinião e movimentação social da rede‖ (LEMOS, 2009, p. 8). Segundo o MS (2011), as mídias sociais, com suas novas formas de interação e utilização da Internet, foram grandes aliadas no enfrentamento de crises e também na mobilização para as grandes campanhas e esclarecimentos específicos da população. A atividade do MS nas redes sociais já existe desde 2009, época da criação do primeiro perfil oficial no Orkut. Hoje, o MS possui também perfis no Orkut, Facebook, SoundCloud, Youtube, Formspring, Flickr, SlideShare, Twitter e o blog da Saúde, hospedado na plataforma WordPress. Orkut – mais do que interação: propagação O MS trabalha não só com a criação de comunidades, mas de modo a influenciar a circulação e o compartilhamento da informação entre os usuários e seus amigos virtuais. No caso da comunidade ―Gripe Suína/Influenza A (H1N1)‖, além das 7 possibilidades de resposta às perguntas que eram postadas na página inicial, foram estabelecidas parcerias com comunidades já existentes criadas por usuários, de modo a ampliar a possibilidade de7 diálogo para fora do perfil oficial da comunidade criada pelo MS. Foi criado também o perfil oficial do MS, com links para comunidades de outras campanhas oficiais, como a ―Doe órgãos. Doe vida‖. Talvez a atitude mais interessante estimulada pelo MS no Orkut seja a propagação da informação por meio da corrente de amigos e parceiros dispostos a apoiar alguma causa. Como afirma Telles (2011), essa forma de uso faz com que a mensagem chegue com muito mais credibilidade, além de fomentar o boca a boca. Facebook e a lógica do compartilhamento A primeira diferença perceptível em relação à postura adotada pelo MS no Orkut é que, no Facebook, existem regras claras para a moderação da participação dos usuários, de forma a coibir links ou spam de correntes ou mensagens, manifestações de qualquer forma de preconceito, imagens com conotação sexual ou propaganda político-partidária. Percebe-se, a partir das visitas feitas ao Orkut e ao Facebook, que a segunda plataforma parece receber atualmente mais atenção por parte do MS, acompanhando a tendência de migração do público para a plataforma criada por Zuckerberg8. Ao invés de trabalhar com um perfil no Facebook, o MS optou por criar uma página, de forma a reunir todo o seu conteúdo de informação e interatividade em um só local. Nela estão disponíveis diversas opções. Em seu mural, é possível visualizar as diversas informações postadas pelo Ministério, como as atualizações da agenda do Ministro Alexandre Padilha, campanhas de saúde pública, notícias do SUS, dicas para a promoção da saúde e prevenção de agravos. Formspring: direto ao ponto Uma das mais interessantes ferramentas de mídias sociais utilizadas pelo MS é o FormSpring, canal de perguntas e respostas utilizado pelos internautas para tirar dúvidas sobre assuntos ligados à saúde. A forma de funcionamento é simples: por meio de um formulário presente no Blog da Saúde (ou por acesso direto ao site da ferramenta), o usuário faz perguntas para outro usuário, nesse caso o MS, revelando 8 Informação publicada em 17/01/2012 no site do jornal Estado de São Paulo. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/facebook-supera-audiencia-do-orkut-no-brasil 8 ou não o seu perfil. Com 958 seguidores, o perfil ―minsaude‖ é repleto de perguntas e respostas toda natureza. Percebe-se um efetivo esforço por parte de dos 7 administradores da ferramenta em realmente responder às perguntas feitas, e não simplesmente encaminhar, de forma rápida e mecanicista, o proponente da questão ao médico ou à unidade de saúde mais próxima. Apenas quando a complexidade ou natureza da questão ultrapassa os objetivos colocados pelo MS no uso do FormSpring é que são indicadas outras vias de esclarecimento e de obtenção da informação. Twitter: comunicação em 140 caracteres Segundo Telles (2011), comparado ao blog comum, o microblogging satisfaz a necessidade de um modo de comunicação ainda mais rápido, mediado por um limite de 140 caracteres. O Twitter funciona a partir do envio de mensagens que são vistas por um grupo de seguidores e ―Além de gerar conteúdo, o usuário pode compartilhar links de vídeos ou de páginas da web que tenham um conteúdo interessante e que o usuário acredite ser relevante para seus seguidores‖ (TELLES, 2011, pg. 60). Existem ainda perfis específicos para campanhas, como o @doeorgaos_MS, @doesanguems, @dengue_MS e o @aidsMS. O “blog da saúde” Segundo informações publicadas no próprio Blog, ele está dividido em abas para melhor organizar os assuntos dos posts. O objetivo principal é facilitar o diálogo com a sociedade, por meio da disponibilização de informações que ajudem a melhorar a qualidade de vida, além de ser um espaço para o envio de sugestões, críticas e qualificações do SUS. Todo conteúdo publicado é de livre reprodução, podendo ser veiculado em qualquer meio de comunicação. Existe o cadastro de blogs parceiros, de forma a replicar as matérias e informações do blog da saúde em outros blogs de natureza pessoal. Do conjunto de ferramentas em uso pelo MS, brevemente apresentadas, destacam-se as potencialidades das NTICs para ampliar a difusão de informações em saúde e consequentemente, ampliar a abrangência, conceito e instrumentos da educação em saúde. No entanto, não podem ser desconsideradas também as assimetrias existentes no processo de apropriação das novas tecnologias pela população. No Brasil, a 9 pesquisa TIC Domicílios 20109 revelou que apenas 27% dos domicílios têm Internet, o que limita de certa forma a participação geral da população nas mídias sociais, mesmo se considerando a7 popularidade do acesso feito em lan-houses ou no ambiente de trabalho e celular. O ambiente doméstico é capaz de oferecer muito mais privacidade e comodidade a esse tipo de comunicação digital, principalmente se for levada em conta a natureza de algumas das informações compartilhadas por meio das ferramentas de mídias sociais do MS. Além do computador e dos softwares necessários, que se constituem como custos fixos, é necessário lembrar que as taxas de manutenção da Internet banda larga no Brasil são altas, e devem ser pagas mensalmente. Tanto as potencialidades das NTICs quanto as restrições de seu acesso, desafiam as políticas públicas e os profissionais de saúde envolvidos cotidianamente nas atividades de educação e comunicação em saúde. 5. Considerações finais A análise da política de comunicação digital do MS, com destaque para o trabalho desenvolvido nas mídias e redes sociais, possui sólidas vinculações com as modificações dos DSS, de forma a não só aumentar o nível de informação geral da população (o que já tinha sido, de certa forma, alcançado pelos meios de comunicação de massa, apesar de suas falhas já comentadas), mas de criar uma forma rápida e fluida de transmissão de informações relativas à saúde, permitindo às pessoas efetivamente participarem de todo o processo, a partir das conexões estabelecidas em suas redes privadas de amigos e parceiros virtuais. O compartilhamento, a recomendação, a chamada para adesão a uma campanha, o esclarecimento direto e objetivo de dúvidas, a possibilidade de replicação das informações para membros específicos, a interatividade, a não passividade, a construção digital da alteridade, a criação de novas formas de relacionamento entre usuários e a divulgação e possibilidade de obtenção, sem qualquer tipo de restrição, dos materiais utilizados nas campanhas do MS nos levam a acreditar em um ganho fundamental para o campo da saúde pública no Brasil. Percebe-se, todavia, que a grande parcela da população brasileira excluída digitalmente encontra-se também privada de uma série de benefícios e de possibilidades de diálogo frente a diversas questões do campo da 9 Pesquisa que mediu o acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação, uso do computador, uso da Internet, habilidades na Internet e acesso sem fio (uso do celular). Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.Br. TIC DOMICÍLIOS 2010. Disponível em http://www.cetic.br 10 saúde. Logo, para que possa ocorrer um processo de educação em saúde 7 verdadeiramente universal, é imprescindível pensar nas diversas barreiras que precisam ser superadas. 6. Referênci as: BARROS, J. A. C. Pensando o processo saúde doença: a que responde o modelo biomédico?. Saúde soc. [online]. vol.11, n.1, pp. 67-84. 2002. BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. M. A saúde e seus determinantes sociais. Physis (Rio J.): 17 (1): 77-93, jan-abr. 2007. DE MARCO, M. A. Do modelo biomédico ao modelo psicossocial: um projeto de educação permanente. Rev. Bras. educação médica. Rio de Janeiro, v. 30, nº 1, jan./abr. 2006. GUIMARÃES, D. A. SILVA, E. S. da. Formação em ciências da saúde: diálogos em saúde coletiva e a educação para a cidadania. Ciência e saúde coletiva. Vol. 15, n. 5. 2010. Pg. 2551-2562. Rio de Janeiro, Brasil. KRIEGER N. A Glossary for social epidemiology. J. Epidemiology Community Health, n. 55, p. 693-700, 2001. LEMOS. A. Ciber-cultura-remix. Disponível em http://www.facom.ufba.br MARTÍN-BARBERO, J. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002. MARTÍN-BARÓ, I. 1997. O papel do psicólogo. Estudos de psicologia, Rio Grande do Norte, vol. 2, nº 1. Disponível em: http://www.scielo.com.br Ministério da Saúde. Relatório de ações de comunicação realizada pelo MS de 2007 a 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/alerta Projeto pedagógico do curso médico. Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste Dona Lindu. 2009. Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal QUALMAN, E. Socialnomics: como as mídias sociais estão transformando a forma como vivemos e fazemos negócios. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. RECUERO, R. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. TELLES, A. A revolução das mídias sociais. São Paulo: M Books, 2011. JUVENTUDE E ESTÉTICA* 11 A influência da mídia na busca por cirurgia estética pelos jovens 7 Bárbara Paloma Marques de Luna1 Camila Leonel Nascimento2 Inês Maria Rocha Gomes3 Jéssica Fernanda de Souza Sampaio4 Maria Eduarda das Neves Pereira Silva5 1 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – [email protected] 2 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – [email protected] 3 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco [email protected] 4 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – [email protected] 5 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco [email protected] *Trabalho realizado como atividade de avaliação da Disciplina de Psicologia do Desenvolvimento II do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – Brasil. Recife, jun. 2011. 12 2 Introdução Tendo em vista a solicitação por parte da professora – como atividade de avaliação para a disciplina – de que elaborássemos um projeto de intervenção a partir de uma temática que tem como núcleo a Juventude, refletimos sobre variados temas que se interpõem e que circulam essa categoria. Dentre eles, optamos por trabalhar a questão da cirurgia estética. Ou seja, visamos enfocar a cirurgia estética enquanto busca, a todo custo, por se encaixar em um modelo de beleza, muitas vezes idealizado pela sociedade midiática e até, em certa medida, colocando em risco a própria saúde. Fundamentação Teórica Ao tratar o jovem no contexto da cultura ocidental, o que vemos é uma constante tentativa de homogeneização das experiências de uma fase ou período da vida, abarcando conflitos, indecisões, experimentações, transgressões e descobertas. Nesse sentido, a mídia funciona como meio de propagar essa imagem generalizada do jovem, excluindo possíveis especificidades socioculturais como, gênero, raça/etnia, classe social, orientação sexual e se mora em área urbana ou rural, por exemplo. Essa influência da mídia em geral, especialmente a televisão, sobre o comportamento do jovem não é mais novidade. Pesquisas revelam (FISHER, 2005a; 2005b) que grande parte dos jovens brasileiros tem fácil acesso à TV e manifestam interesse por ela que, para além de uma fonte de lazer, produz valores e participa diretamente da formação deles. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no Brasil, em 2009, 95,7% das residências tem pelo menos um aparelho de TV e em Pernambuco a média se mantém, totalizam 95,5% dos domicílios. Essa percepção do jovem enquanto uma categoria unificada e homogênea, da qual não se considera outros fatores que perpassam sua vivência da juventude advém de uma visão desenvolvimentista da psicologia do desenvolvimento, que o entende como um grupo característico possuidor de um conjunto de aspectos negativos e definido como uma fase de turbulência na vida dos sujeitos, a adolescência (COIMBRA, BOCCO & NASCIMENTO, 2005). Contudo, com o passar do tempo, alguns autores passaram a repensar essa idéia de adolescência. Margaret Mead foi uma das pioneiras nessa questão, uma vez que ela observou em suas pesquisas que o fenômeno descrito como adolescência não ocorria em determinadas culturas ou ocorria de maneira diferente da convencionalmente pensada. 2 3 Ou seja, a adolescência seria, então, em suas manifestações, decorrente da cultura. A partir disso, deu-se início uma forma de pensar que incluía o contexto social em que o indivíduo vive, e para dar conta deste novo modo de perceber esse grupo surge o termo ―juventude‖. Este, por sua vez, propõe uma nova forma de olhar o jovem, sem invisibilisar suas diferenças, ou seja, considerando sua cultura e o contexto social em que está inserido, sem, contudo, suplantar ou substituir o uso do termo adolescência (COIMBRA, BOCCO & NASCIMENTO, 2005). No entanto, acreditamos que o termo juventudes, trazido no plural, definiria melhor o posicionamento a cerca da multiplicidade de formas de se vivenciar este período. Assim, admite-se melhor a influência de diversos fatores, desde os biológicos aos culturais. Entendendo juventude como uma construção social, percebe-se que a maneira que o jovem busca para afirmar-se e ser reconhecido está atrelada ao momento histórico, ao estereótipo e, principalmente, à forma de como a sociedade vê esse jovem (ESTEVES & ABRAMOVAY, 2008). Neste sentido, o indivíduo mostra-se mais vulnerável às influências sociais, tentando alinhar-se ao que é socialmente correto e aceitável. De acordo com uma pesquisa realizada por Conti et al. (2010) com 121 jovens de ambos os sexos e com idade que variaram dos onze aos dezoito anos, 95% apresentaram em seus discursos alguma relação entre a influência da mídia no seu cotidiano, e trazendo à tona questões como a ―cobrança de um ideal físico, tanto para meninos como para meninas (25%), e o desencadeamento de doenças e sentimentos depreciativos, como a humilhação (11%)‖ (p. 2097). Assim, é importante refletir sobre que jovem é esse que a mídia, especialmente a televisão e internet, propaga como modelo que virá ser buscado e almejado por todos, inclusive por crianças e adultos. O ―ser jovem‖ (e ―ser belo‖) passa a ser o modelo, o ideal: a criança anseia ser jovem enquanto o adulto busca formas de prolongar sua juventude. A mídia, então, propaga e reforça esse ideal (KEHL, 2007). Se antes o ideal era o adulto, com sua maturidade e experiência, hoje o jovem ganha o destaque, com sua beleza e vitalidade (KEHL, 2002). Atualmente vivenciamos um período de exacerbado culto ao corpo e, compreendemos que este funciona como instrumento de comunicação, ou seja, que a linguagem está para além da fala oral e escrita, mas também é inscrita nele (no corpo) e comunica através de gestos movimentos, vestimentas, etc. (LE BRETON, 2009). Não se 3 4 trata aqui apenas do corpo físico, mas também do corpo social, que é constituído social e culturalmente ou, como explica Queiroz apud Maldonado (2006), ―o corpo é de fato apropriado, adestrado pela cultura, concebido socialmente, alterado segundo crenças e ideais coletivamente estabelecidos‖ (p. 61). Assim, o que temos na nossa cultura é a constante veiculação de corpos idealmente perfeitos almejados por todos. Jovens belos e corpos sarados, para os garotos, ou magros, para as garotas, são difundidos midiaticamente como o modelo de beleza vigente, propagando socialmente o desejo de consumo desse corpo. Como afirma Fisher (2002): Os imperativos da beleza, da juventude e da longevidade, sobretudo nos espaços dos diferentes meios de comunicação, perseguem-nos quase como instrumento de tortura: corpos de tantos outros e outras nos são oferecidos como modelo para que operemos sobre nosso próprio corpo, para que o transformemos, para que atinjamos (ou que pelo menos desejemos muito) um modo determinado de sermos belos e belas, magros, atletas, saudáveis, eternos (p. 160). Dessa forma, há uma busca desenfreada por meios para atingir esse dito ―padrão de beleza‖. Nessa busca, é possível encontrar métodos prejudiciais à saúde como o uso de anabolizantes ou a prática de dietas sem orientação, ou os de rápido resultado, como as intervenções cirúrgicas. É possível observar que as intervenções cirúrgicas estão de acordo com o modo capitalista vigente, em que, além de incentivar o consumo, ou seja, haver a crença de ser possível comprar (quase) tudo, há uma exigência de obter bons resultados em menos tempo (CRUZ, NILSON, PARDO & FONSECA, 2008). Essa forma de alcançar o corpo desejado através do método cirúrgico vem crescendo cada vez mais entre os jovens (LEAL, CATRIB, AMORIM & MONTAGNER, 2010). De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, entre 2007 e 2008 foram realizados 37.740 procedimentos cirúrgicos estéticos em jovens com até 18 anos, correspondendo a 8% do total. Além disso, a SBCP afirma que enquanto cresce o número de intervenções cirúrgicas neste grupo, a idade vai diminuindo. O aumento da procura de jovens por supervalorização da aparência física cirurgias e determinados plásticas padrões decorre de beleza da e comportamentos veiculados pela mídia. É cada vez mais evidente a grande força que a mídia exerce na definição geral do que é belo e do que não é, mostrados a todo tempo nos comerciais e programas de TV. Há um estímulo muito grande para que as pessoas se encaixem em um determinado padrão e o jovem está muito mais vulnerável a esta 4 5 pressão da ditadura da beleza, pois seu corpo e identidade encontram-se em formação ainda. Numa fase da vida em que as mudanças são constantes, muitos se sentem à margem dos padrões de beleza vigentes e procuram nas cirurgias plásticas uma melhora na qualidade de vida. A forma como a mídia veicula a idéia de beleza física, colocando aquele corpo esteticamente perfeito como objeto de poder e status, têm levado muitos jovens a uma rejeição de si mesmos. O ideal de beleza cria um desejo de perfeição, introjetado e imperativo. Ansiedade, inadequação e baixa autoestima são os primeiros efeitos colaterais desse mecanismo. Os mais complexos podem ser a bulimia e anorexia [também a vigorexia 6], além de grande parte do orçamento familiar gasto em produtos e serviços ligados à estética (MORENO, 2008, p. 13). As diferenças, ao invés de serem valorizadas, são tratadas como um defeito. Dessa forma, o desejo juvenil de querer mudar a qualquer custo, pode chegar a tornar-se uma obsessão e, na ansiedade de conquistar uma inclusão social baseada na sua autoimagem, acaba recorrendo a cirurgias plásticas como o método mais imediato de corresponder a esses padrões. (BARROS, 2007) Entretanto, o adolescente que se torna refém dessa ―ditadura da beleza‖ pode sofrer graves conseqüências a curto e longo prazo. Pois, as cirurgias plásticas estéticas realizadas no corpo ainda em formação, podem acarretar graves problemas, entre eles, problemas na coluna e na postura dos ombros, atrofia das glândulas mamárias e, na vida adulta, interferência na amamentação dos filhos, no caso das mulheres, além de deformação na estrutura óssea (MATOSO, 2010). Por essas e outras questões, esta nem sempre é a melhor opção para o jovem que busca essa inserção nos padrões de beleza socialmente vigentes. Com isso, apesar do tema ser amplamente abordado na mídia, nos propomos pensar em que medida essas discussões são funcionais? mobilizam os jovens? O que mais pode ser feito para que mais jovens não se tornem refém da ditadura da beleza? Não pretendemos, porém, através desse trabalho fornecer respostas para essas perguntas, apenas incitar reflexões e debates relativos ao tema. Nesse sentido, visamos não vedar ou extinguir a prática cirúrgica para fins estéticos para aqueles que ainda não atingiram a maioridade, mas sim buscar desenvolver um olhar crítico por parte desses jovens, a fim de tornar essa prática mais 6 Grifo nosso. 5 6 consciente, na tentativa de reduzir possíveis danos físicos e psicológicos causados na busca impulsiva por uma beleza padronizada. Projeto de Intervenção Objetivo Conscientizar e orientar os jovens em relação à estética corporal, a partir de uma atmosfera crítica, proporcionada pelo ambiente escolar, sendo favorecida por palestras esclarecedoras em relação à temática. Público Alvo Adolescentes do sexo masculino e feminino, estudantes do ensino médio, do 1º ao 3º ano, com idade média entre 15 e 18, de escolas particulares da cidade do Recife (Pernambuco - Brasil). Local Escolas particulares da cidade do Recife (Pernambuco – Brasil). Como Pretendemos Trabalhar Por termos como foco os jovens e os padrões estéticos, iremos desenvolver uma semana de palestras nas escolas tendo como convidados profissionais especializados referentes ao tema: cirurgião plástico, esteticista, nutricionista, professor de educação física e uma psicóloga. Tais profissionais tratarão de assuntos relevantes ao contexto da estética e dúvidas levantadas pelos jovens. O evento será divulgado na escola através do encontro inicial com a equipe de implantação do projeto, que esclarecerá sobre o evento, profissionais envolvidos e horários das palestras. Também utilizaremos cartazes para divulgação do projeto. Número de Encontros (Programação) Serão, ao todo, sete encontros por escola, sendo sistematizados da seguinte forma: 6 7 Momento inicial: Entraremos em contato com os colégios escolhidos de modo a sugerir a aplicação do projeto de intervenção e a proposta sendo aceita, seguirá nos seguintes passos: 1º encontro: Nesse primeiro encontro, iremos até as escolas para fazer a divulgação do projeto de intervenção, definir quem serão os convidados palestrantes da semana, bem como fixando cartazes nas escolas participantes, para divulgação dos horários e profissionais envolvidos no projeto. 2º encontro: Neste dia, dar-se-á início tendo como convidado um cirurgião plástico que irá esclarecer alguns pontos centrais sobre cirurgia plástica estética envolvendo adolescentes, alguns procedimentos, bem como seus riscos e resultados. Por fim, haverá uma abertura para perguntas e debate entre o convidado e os alunos ali presentes, a fim de incitar uma maior reflexão crítica dos jovens sobre o assunto. 3º encontro: Neste terceiro momento, haverá a participação de uma esteticista, a qual irá ministrar uma palestra referente a jovens e o surgimento de acnes e celulite, cuidados com a pele. A palestrante trará como foco do encontro, possíveis tratamentos referentes a essas questões, abrindo espaço, em seguida, para debates, momento onde os jovens poderão tirar dúvidas. 4º encontro: Após os encontros referentes aos processos de estética, haverá a participação de uma nutricionista, neste quarto encontro. Esta palestra tratará de temas como: alimentação saudável, fast-food, dietas e possíveis riscos para a saúde. Em seguida, como nos demais encontros, haverá um espaço para trocas entre profissional e estudantes, referentes a dúvidas e esclarecimentos sobre questões tocantes ao tema. 5º encontro: No penúltimo dia teremos como convidado um professor de educação física que informará sobre a prática de esportes, perda de peso, ganho de músculos, alterações corporais e jovens sedentários e os riscos pra saúde. Vale salientar a importância de 7 8 trazer um profissional externo, de educação física, para dinamizar um pouco a visão dos jovens sobre a área, atuação e pontos importantes referentes a esportes. 6º encontro: No último dia da semana teremos como palestrante final, uma psicóloga. Como destaque de sua palestra, debaterá sobre questões como anorexia, bulimia e vigorexia entre jovens, pontos principais dos transtornos, características centrais e como buscar ajuda, como orientar familiares, amigos e se conscientizar sobre essa realidade. Além de estimular um debate crítico sobre o ideal de beleza e o desejo de se encaixar nesse padrão a todo custo. Por fim, haverá debate, como de costume, e uma ressalva: haverá a presença da equipe de implantação do projeto que irá propor como atividade de conclusão e reflexão a produção de textos informativos sobre todo o conteúdo apreendido na semana, de forma a tentar conscientizar, propagar essas informações a outros jovens, em uma linguagem que se aproxime do mundo dos jovens, não sendo tão teórica, mas ao mesmo tempo sendo fundamentada pelo discurso dos profissionais versus o olhar crítico do jovem que a escreve. Tal atividade será proposta aos jovens como conclusão, integração e apreensão dos conteúdos ali debatidos durante toda a semana, a fim de deixar registrado tal conhecimento, sendo possível servir para orientação em demais escolas, para outros jovens de mesma faixa etária. Será indicado que façam um texto informativo, dos quais alguns serão selecionados para confecção de uma cartilha que será digitalizada e distribuída entre outros jovens, contendo assim informações relevantes à diversos olhares sobre as práticas abordadas: cirurgia plástica, tratamentos estéticos, nutrição, esportes e transtornos psicológicos referentes ao corpo. 7º encontro: Serão recolhidos os textos produzidos pelos jovens, prometendo haver um retorno da equipe de implantação do projeto, que trará a cartilha finalizada, contendo os textos selecionados e sendo assim distribuídas entre os alunos da escola e outros jovens de escolas públicas e particulares. 8 9 Referências Bibliográficas BARROS, R. R. Cirurgia plástica na adolescência. [Versão eletrônica], Revista Adolescência e Saúde, v. 4, n. 1, p. 45-47. 2007. Acedido em 12 de Junho de 2011, em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=120 COIMBRA, C. C.; BOCCO, F.; NASCIMENTO, M. L. Subvertendo o conceito de adolescência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 57, n. 1, p. 2-11, 2005. CONTI, M. A.; BERTOLIN, M. N. T.; PERES, S. V. A mídia e o corpo: o que o jovem tem a dizer? Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 4, p. 2095-2103. 2010. CRUZ, P. P.; NILSON, G.; PARDO, E. R.; FONSECA, A. O. Culto ao corpo: as influências da mídia contemporânea marcando a juventude. Fazendo Gênero 8 – Corpo, Violência e Poder, 2008. ESTEVES, L. C. G.; ABRAMOVAY, M. Juventude, juventudes: pelos outros e por elas mesmas. VI Congresso Português de Sociologia, 2008. FISCHER, R. M. B. O dispositivo pedagógico da mídia: modos de educar na (e pela) TV. Educação e Pesquisa, v. 28, n. 1, p. 151-162. 2002. _. Mídia e educação: em cena, modos de existência jovem. Educar em Revista, n. 28, p. 17-38. 2005a. . Mídia e juventude: experiências do público e do privado na cultura. Caderno Cedes, v. 25, n. 65, p. 43-58. 2005b. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 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Professor da disciplina Daniela Dillenburg........................................Acadêmica do Curso de Fisioterapia Jocelito Torres do Carmo..............................Psicológo Wilkinson Kunzler........................................Acadêmico do Curso de Fisioterapia Vanessa.........................................................Acadêmica do Curso de Ed. Física 4 5 Agradecemos Ao Professor Hélio, por nos proporcionar essa oportunidade de realizar uma atividade prática envolvendo a Psicologia do Trabalho e como ela pode melhorar o dia- a-dia e as relações de trabalho. Ao 7° Comando Regional de Bombeiros da cidade de Passo Fundo pela disponibilidade de nos receber e nos permitir fazer as observações de maneira sempre muito descontraída e a vontade. 5 6 RESUMO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A Psicologia do Trabalho mantém-se ainda um tanto distante das demais ciências que tratam da dinâmica do trabalho, limitando-se muitas vezes a adaptar o homem ao trabalho sem considerá-lo como sujeito que se relaciona que interage que sente que sofre e que possui necessidades. A formação profissional na área da Psicologia do Trabalho está ainda alicerçada numa concepção estática que não reconhece as implicações subjetivas que o trabalho exerce sobre as pessoas. Entendemos que o caminho que conduz ao trabalho saudável é aquele que respeita a identidade do trabalhador em sua construção plena enquanto pessoa, respeitando potenciais e limites da condição humana. Serão apresentados dados quantitativos referentes ao Corpo de Bombeiros, no que se refere a sua estrutura física e humana. Também serão problematizadas questões levantadas pelos próprios sujeitos que trabalham como Bombeiros, assim como percepções da equipe em si. Serão abordados temas como: - Processo de trabalho dos Bombeiros; - Sentimentos e percepções dos trabalhadores; - Trabalho Prescrito X Trabalho Real; - Defasagem de pessoal e equipamento. 6 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 7 2 REVISÃO TEÓRICA 8 3 METODOLOGIA 9 3.1 Pressupostos Epistemológicos 9 3.2 Procedimentos Metodológicos 10 3.2.1 Contato com o local observado 10 3.2.2 Técnicas empregadas para coleta das informações 11 4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS OBSERVADOS 13 5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS OBSERVADOS 17 6 CONCLUSÃO 19 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 20 7 8 1. INTRODUÇÃO O presente relatório refere-se à atividade teórico/prático realizado no Corpo de Bombeiros de Passo Fundo, no período de agosto a novembro de 2011, com o objetivo de proporcionar aos alunos um maior conhecimento e compreensão da dinâmica das relações de trabalho que se estabelecem no local entre direção, colaboradores e clientes. A metodologia usada foi à análise qualitativa de dados de maneira informal através de observações, entrevistas e filmagem. Nas quartas-feiras no turno da noite. Além dos dias citados, ocorreram outros dias de visitas que foram previamente avisados ao local da atividade. A escolha do local foi motiva pelo fato de que no imaginário social, a palavra "bombeiro", na maioria das vezes, aparece carregada de um sentido de heroísmo e salvação – concebe-se o bombeiro, portanto, como um ser humano onipotente. O profissional bombeiro lida constantemente com uma forte carga afetiva em seu trabalho. Durante a atividade os alunos tinham como objetivo conhecer e compreender a dinâmica das relações de trabalho que se estabelecem entre os bombeiros, conhecer as dificuldades e facilidades do trabalho realizado por eles, entender quais as motivações que levam estes profissionais a atuarem neste segmento, identificar os possíveis riscos que esta atividade pode causar à saúde física e mental nas pessoas envolvidas neste trabalho, compreender as implicações emocionais decorrentes do trabalho nas pessoas que ali realizam suas atividades e conhecer as percepções que os funcionários têm da atividade que exercem. Com o presente trabalho quisemos mostrar como o a atividade laboral pode ser tanto fonte de prazer pessoal e profissional, bem como fonte de adoecimento. Além disso observar como a Psicologia Organizacional e do Trabalho são capazes de colaborar na construção dos trabalhadores como sujeitos, promovendo a dignidade, igualdade e integridade do ser humano auxiliando-os na busca por uma qualidade de vida no trabalho. 8 9 2. REVISÃO TEÓRICA Por meio do trabalho, o sujeito transforma a sua realidade, viabilizando o modo de sobreviver, de obter realização pessoal, definindo seu padrão de qualidade de vida, como meio de construção de identidade e como meio de adoecimento. O trabalho ocupa a vida inteira das pessoas, e hoje as organizações devem ficar atentas com a qualidade de vida no trabalho. Diante disto a psicologia é ―solicitada a aprofundar sua produção de conhecimentos para colaborar com a compreensão do desempenho e da realização do trabalhador, dentro de um contexto de condições singulares que frequentemente demanda adaptações que superam os limites da condição humana. As pessoas têm sido solicitadas a aprender habilidades em tempo mais curto que sua condição humana permite, ou solicitada a alterar suas identidades, sem que isso faça parte de seus planos de vida‖ (Zanelli e col.). O objetivo é não pensar que uma função na empresa são apenas técnicas e tecnologias em busca de resultados, mas que ali estão pessoas desempenhado o seu papel de trabalhador, desta maneira compreender a complexidade do trabalho e sua contribuição para a complexidade do ser humano individual e coletivo. 9 10 3. METODOLOGIA 3.1 PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS Utilizaremos a metodologia com enfoque qualitativo o que configura que teremos como pressuposto que a conduta humana, em seus aspectos de fala e de ação define seu mundo. Thompson (1995, p. 357) afirma que existe uma tentação constante, por parte do pesquisador, de tratar fenômenos sociais em geral e formas simbólicas em particular, ―como se elas fossem objetos naturais, passiveis de vários tipos de análise formal, estatística e objetiva‖. Argumenta que, embora vários tipos de análise formal, estatística e objetiva sejam perfeitamente possíveis e até necessários, de forma geral na análise social e na análise de formas simbólicas em particular, esses tipos de análise se constituem, quanto muito num enfoque parcial ao estudo dos fenômenos sociais e das formas simbólicas. ―Elas são parciais, porque, como nos lembra a tradição da hermenêutica, muitos fenômenos sociais são formas simbólicas e formas simbólicas são construções significativas que, embora possam ser analisadas pormenorizadamente por métodos formais ou objetivos, inevitavelmente apresentam problemas qualitativamente distintos de compreensão e interpretação. Os processos de compreensão e interpretação devem ser vistos, pois, não como uma dimensão metodológica que exclua radicalmente uma análise formal ou objetiva, mas antes como uma dimensão que é ao mesmo tempo complementar e indispensável a eles‖. (Thompson, 1995, p.358). A subjetividade traduz-se, portanto, na maneira como a pessoa percebe o mundo e o relata através de sua fala, na sua singularidade de ser único. É fundamental que se possa construir dessas falas um corpus – (termo utilizado para designar o material coletado e que será utilizado na análise) (Bauer e Gaskell, 2002). A partir disso será possível registrar, igualmente, o significado que os trabalhadores atribuem ao trabalho como eixo fundamental na estrutura de suas subjetividades. 1 0 10 3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.2.1 Contato com o local observado • Carta de apresentação Os alunos apresentaram ao responsável pelo local, a Carta de Apresentação, elaborada pelo professor da disciplina de Psicologia do Trabalho II, como documento comprovatório de que os alunos representados por esta carta, estavam oficialmente matriculados na disciplina e em condições de realizar a atividade teórico/prática junto ao local escolhido. • Carta de informação/aceite Para a realização do presente trabalho teórico/prático foi necessário haver, por parte da responsável pelo local, uma manifestação, por escrito, confirmando a possibilidade dos alunos realizarem suas atividades acadêmicas. Esta formalidade se deu através da Carta de Informação, que autorizou os alunos a realizarem suas atividades práticas no local. • Questões Éticas Todo o trabalho que os alunos realizaram junto à instituição foi regido pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo. • Identificação do local onde foi realizada a atividade prática O local onde foi realizada a atividade, foi o 7° Comando Regional dos Bombeiros da cidade de Passo Fundo localizado na Rua Independência n° 1320 - Passo Fundo/RS. O quartel é dividido em cinco setores: seção administrativa, seção de combate (caminhões de combate a incêndios), a seção das ambulâncias (atendimento de emergência), a seção de recepção e sala de operação (atendimento de ocorrências), a seção de fiscalização e prevenção de incêndios (fiscalização de prédios públicos e privados) contando ainda com a área de lazer (cozinha, sala de TV, sala de estar, campo de Futebol 7, academia, sinuca); 10 11 • Descrição do local O local onde foi realizado o trabalho de observação conta com: -Alojamentos - Sala de Aula; - Estacionamento; - Museu; - Praça; - Oficina Mecânica; - Área de Descontaminação. • Participantes O Comando é composto por 87 servidores efetivos, porém, o trabalho de observação foi realizado com aproximadamente 12 profissionais de diversas patentes e diversas funções que estavam de plantão durante nossas visitas. 3.2.2 • Técnicas empregadas para coleta das informações Contatos e observações informais O contatos com as pessoas no local da atividade prática foram realizados pelos alunos de forma individual e coletivamente, de acordo com a disponibilidade dos profissionais naquele momento da visita, procurando sempre evitar interferir no trabalho realizado pelas pessoas que lá trabalham. Os aspectos observados se referiram ao cotidiano do trabalho, não possuindo caráter de diagnóstico e nem de intervenção, apenas dizendo respeito ao exercício da aluna em observar e conhecer lugares de trabalho para poder refletir sobre a prática do psicólogo no mundo das organizações onde muitos, certamente, exercerão suas atividades como profissionais da psicologia. • Avaliação e compreensão das informações coletadas As falas, as observações e as informações coletadas pelos alunos eram registradas através de pequenos relatos e também foram realizadas entrevistas com 11 12 alguns profissionais que se dispuseram para coleta de informações a respeito da percepção dos mesmos com relação ao trabalho, como se deu o desenvolvimento dentro da profissão, quais os pontos fracos e fortes das atividades que exercem e suas expectativas e informações a respeito das dinâmicas de trabalho. Com a análise dos resultados, foi buscado responder aos questionamentos feitos nos objetivos específicos descritos no Projeto. 12 13 4. APRESENTAÇÃO DOS DADOS OBSERVADOS • Histórico do local O Corpo de Bombeiros da cidade de Passo Fundo teve inicio com uma viatura locada na estação ferroviária da Gare e, em 1951, foi sediada no quartel dos bombeiros, ainda como Comando de Bombeiros do Interior. Em 1970 foi estruturada a Corporação, ainda sob comando dos bombeiros de Caxias do Sul. Apenas em 1995 a Corporação foi estabelecida como 7º Comando Regional de Bombeiros, atendendo e comandando outras Corporações e Comandos da região. • Características da Organização O Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul é subordinado da Secretaria Estadual de Saúde, Justiça e Segurança desse estado. Foi fundado em 27 de junho de 1935, quando o então Interventor do Estado, General Flores da Cunha, decretou que o Corpo de Bombeiros particular de Porto Alegre (inaugurado em 1895, conduzido pelos ―soldados do fogo‖) seria transferido à Brigada Militar. É, portanto, uma Corporação ligada à Brigada Militar do Rio Grande do Sul (BMRS) – os Bombeiros, como todos os outros militares, são selecionados por concurso público. Após aprovação em concurso, os Bombeiros passam por exames, testes e cursos que comprovem as habilidades que um Bombeiro deve deter ou a capacidade de adquiri-las. Passados esses processos, confere-se a ―formatura‖ aos Bombeiros e estes passam a atuar nos Corpos de Bombeiro do estado, conforme demanda e abertura de vagas. Ao entrar para uma Corporação, os Bombeiros são condecorados com o título de Soldado, porém, através de plano de carreira, ato de bravura e concursos internos, podem subir de posição hierárquica: Segundo Sargento, Primeiro Sargento, Subtenente, SegundoTenente, Primeiro-Tenente, Capitão, Major, Tenente-Coronel, Coronel, Subcomandante e Comandante (as patentes de A Corporação dos Bombeiros Militares do Rio Grande do Sul está dividida em 12 Comandos Regionais e um Grupo de Busca e Salvamento, são eles: 1º Comando Regional de Bombeiros – Porto Alegre; 2º Comando Regional de Bombeiros – São Leopoldo; 3º Comando Regional de Bombeiros – Rio Grande; 13 14 4º Comando Regional de Bombeiros – Santa Maria; 5º Comando Regional de Bombeiros – Caxias do Sul; 6º Comando Regional de Bombeiros – Santa Cruz do Sul; 7º Comando Regional de Bombeiros – Passo Fundo; 8º Comando Regional de Bombeiros – Canoas; 9º Comando Regional de Bombeiros – Tramandaí; 10º Comando Regional de Bombeiros – Santana do Livramento; 11º Comando Regional de Bombeiros – Santo Ângelo; 12º Comando Regional de Bombeiros – Ijuí; GBS (Grupo de Busca e Salvamento) – Porto Alegre. • Organização do trabalho no local A organização do trabalho se dá através das atividades que podem ser desenvolvidas variam de acordo com o local onde o profissional está inserido. No quartel, ocorrem os atendimentos de ocorrências – imediato, a manutenção dos equipamentos, a gestão da equipe, são realizadas também vistorias e aval de prédios e construções, a parte administrativa também dispõe de cursos que são oferecidos a locais como escolas, empresas, condomínios de prevenção a incêndios, etc. • Descrição do trabalho Atendimento de ocorrências: nessa situação de trabalho os profissionais que cumprem o plantão de 12 ou 24 horas realizam as atividades no atendimento das ocorrências. As chamadas de emergências são atendidas pelo profissional que fica na sala de telefones que faz a triagem da ocorrência (local, situação do risco, número de pessoas envolvidas,etc), onde em seguida aciona através de um alarme os demais companheiros de serviço para irem até o local da ocorrência. Os mesmos, ao encaminharem-se a ambulância ou carro de combate, vão equipando-se com os devidos aparatos para aquele determinado tipo de ocorrência. Vistorias e aval de prédios e construções: a sessão administrativa do 7° CRB coordena toda a parte de vistorias de prédios públicos e privados para que os mesmos possuam a garantia de estarem habilitados dentro das normas de segurança exigidas; 14 15 Cursos para prevenção de incêndios: ainda sob os comandos da parte administrativa, a área de prevenção planeja suas atividades através dos locais ondem são solicitados seus serviços como escolas, condomínios, empresas, etc. com o intuito de prestar esclarecimentos, fornecer dicas e conscientizar as pessoas a fim de evitar maiores complicações em situações de perigo e risco de vida. Manutenção de equipamentos: os profissionais além de realizar todas as atividades citadas acima, são os responsáveis de verificar diariamente os equipamentos utilizados em serviço (ambulância, carros de combate, roupas, materiais em geral, etc) a fim de constatar qualquer alteração e falta dos mesmos. • Clientes Por tratar-se de um órgão público o atendimento destina-se a comunidade em geral, não havendo nenhum critério de exclusão para os atendimentos. • Percepção das trabalhadoras sobre seu trabalho Por meio das observações e das entrevistas não- estruturadas pode-se perceber que os profissionais bombeiros gostam muito de realizar suas atividades. Sempre que questionados a respeito das questões relativas à percepção dos mesmos sobre o próprio trabalho todos trazem que o trabalha ali realizado é gratificante. Percebeu-se também que todos os profissionais que ali trabalham percebem os colegas como parceiros, trabalham unidos independentemente da situação e que todos estão sempre dispostos a auxiliar o colega quando necessário. O ambiente de trabalho segundo eles é agradável mesmo certas vezes surgirem algumas desavenças. Uma das percepções manifestads pela grande maioria dos profissionais foi a de que a falta de pessoal e o baixo salário, por muitas vezes, torna o trabalho um pouco desgastante e desanimador. • Cargas de trabalho, que acometem as profissionais do local Sabe-se que muitas vezes o que está prescrito na conceituação de uma determinada tarefa em um ambiente de trabalho, não condiz com a realidade na qual o sujeito que está executando-a está inserido. Por isso, é importante que, ao avaliarmos um determinado tipo de trabalho, saibamos quais são as cargas exigidas na realização dessa tarefa e em quais situações elas se apresentam. 15 16 - Carga física: tendo em vista essa noção, percebe-se que é exigido dos profissionais que trabalham como bombeiros, possuir um bom desempenho físico nas tarefas, sendo indispensável rapidez, agilidade, boas condições de saúde e preparo físico. - Carga mental: ao trabalhar com essa percepção, notamos que devido às atividades desempenhadas pelos bombeiros dentre elas salvar vidas, entrar em contato com sujeitos entre a vida e a morte, vivenciar momentos onde precisam tomar decisões rapidamente, agilidade, concentração, entre outras, a carga mental desse tipo de trabalho é muito grande e exige de seus funcionários uma boa estrutura emocional, capaz de auxiliálos a suportar tantas experiências que lidam com dor, sofrimento e perigo humano. -Cargas Químicas: exposição a componentes químicos nas ocorrências; -Cargas Mecânicas: devido à operação e manutenção de equipamentos; -Cargas Orgânicas: riscos biológicos, por ser uma atividade que manipula bactérias, fungos, sangue, etc. no momento em que atendem as ocorrências. • Relação entre o local e a sociedade Os profissionais bombeiros buscam atender as demandas solicitadas pela sociedade como um todo. Segundo durante o mês de julho de 2009, pela 7ª Pesquisa Marcas de Confiança 1.500 pessoas ouvidas nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, , 96% escolheram o bombeiro como o profissional mais confiável do País. Tendo em vista esse dado percebe-se o quanto, no imaginário social as pessoas veem os profissionais bombeiros como pessoas que estão ali para proteger e preservar suas vidas. Percebeu-se muito isso ao longo das observações e entrevistas onde por exemplo, em uma caso específico, como o dia em que a cidade de Passo Fundo havia enfrentado uma forte tempestade onde muitas casas foram afetadas pela mesma, que a população em geral passou a buscar o auxílio do corpo de bombeiros que após o incidente já estava se preparando para receber a comunidade no quartel em busca de materiais e auxílios para a reconstrução de suas casas. 16 17 5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS OBSERVADOS Ao analisar os dados obtidos durante as observações e entrevistas realizadas no trabalho pode-se perceber que os profissionais bombeiros exercem atividades muito complexas e que estas exigem dos mesmos uma grande disposição e preparação para executá-las. Sabe-se que muitas vezes o que está prescrito na conceituação de uma determinada tarefa em um ambiente de trabalho, não condiz com a realidade na qual o sujeito que está executando-a está inserido. Por isso, é importante que, ao avaliarmos um determinado tipo de trabalho, saibamos quais são as cargas exigidas na realização dessa tarefa e em quais situações elas se apresentam. É importante a avaliação das cargas de trabalho, pois são elas que nos ―dizem‖ o quão árduo é determinado tipo de trabalho e o quanto ele acarreta dificuldades na realização das tarefas que são exigidas de seus trabalhadores. Quando há um desequilíbrio entre a prescrição da tarefa e a execução da mesma os sintomas surgem dentro do ambiente de trabalho através de manifestações negativas no que diz respeito ao prazer, produtividade, qualidade, absenteísmo, rotatividade, as licenças pata tratamento de doenças e os acidentes de trabalho. No caso dos profissionais do corpo de bombeiros de Passo Fundo, nota-se que essas manifestações se dão principalmente, quando não se consegue cumprir a tarefa de salvar vidas com sucesso, porém elas são momentâneas já que o trabalho executado pelos mesmos preconiza e exige qualidade e produtividade constante, já que os profissionais bombeiros prestam auxilio e oferecem ―proteção‖ a toda uma sociedade. Entendemos que o profissional Bombeiro Militar, no exercício da sua atividade profissional, coloca sua vida em risco para salvar a vida de terceiros e/ou para defender bens públicos e privados da sociedade. O risco é inerente a essa atividade profissional e, segundo o Estado Maior das Forças Armadas, ―o exercício da atividade militar, por natureza exige o comprometimento da própria vida‖ (Brasil, 1995, p. 11). A probabilidade de ocorrer um dano (riscos potenciais e adicionais) está presente em qualquer situação de trabalho, em diferentes graus e níveis, dependendo do tipo de organização e da natureza da atividade realizada. Assim, tratando-se da atividade dos bombeiros como pôde ser observado, os homens e mulheres que desempenham este trabalho estão sujeitos a todos os riscos que podem ser classificados e relacionados à ocupações. Riscos esses, das mais diversas classes, sejam eles agentes físicos, químicos, biosanitários, ergonômicos, fatores de segurança, psicológicos e sociais. Todos eles 17 18 relacionados diretamente com o dia-a-dia do bombeiro. Tendo em vista a natureza do trabalho, é necessário ao profissional, que desempenha a atividade durante seu turno de serviço, uma compreensão desses riscos, além da capacidade de saber reconhece-los e trabalhar de forma consciente para que seja possível diminuir ao máximo a ocorrência de acidentes em virtude disso. Ainda associado a isso, existe outro fator, o que envolve terceiro no desempenho da atividade, como no caso dos socorristas que atendem na ambulância, além de estarem atentos ao que pode ocorrer com eles, existe a figura do sujeito que esta necessitando do socorro, e que por consequência, também está sujeito aos mesmos riscos. A atividade desempenhada pelos profissionais que atuam nessa área apresentam também algumas exigências. Dentre elas destacam-se as físicas, que estão relacionadas à tarefa e à situação (esforços dinâmicos e estáticos) e relacionadas com o organismo humano (posturas, movimentos, dispêndio de energia, reações cardiovasculares, reações respiratórias e térmicas), as ambientais que estão ligadas à iluminação, tarefa, ambiência sonora, sensório-motoras relativas aos dispositivos sinais-comandos as e às características antropométricas do trabalhador e as mentais que são avaliações relativas às características da tarefa e relacionadas com o operador. Assim, essas exigências são testadas quando os profissionais ainda estão em cursos preparatórios, antes de tornarem-se de fato Bombeiros, para que seja comprovada a capacidade de dar conta dessas exigências. Apesar de todos os riscos, exigências, cargas e situações de risco que esse trabalho acarreta, percebemos que os profissionais bombeiros que se pôde observar tem uma grande satisfação de trabalhar nesse segmento. A credibilidade que eles têm perante a toda sociedade e a gratificação existente no momento em que se salvam vidas faz com eles sintam-se recompensados pelo trabalham que realizam. Isso nos faz pensar que o trabalho, sendo ele em qualquer segmento, se tiver reconhecimento e valorização pode ser um importante fator para o desenvolvimento emocional, cognitivo e pessoal saudável. 18 19 6. CONCLUSÃO Diante do que foi observado, percebe-se a possibilidade de inserção da Psicologia do Trabalho e suas possíveis intervenções em mais este campo de atuação profissional, tendo em vista que o Corpo de Bombeiros é, também, uma organização, composta por trabalhadores estabelecidos hierarquicamente e funcionalmente, razão pela qual muitos dos bombeiros acreditam que seria interessante para as Corporações que as patentes superiores, a gestão do Corpo de Bombeiros, tivesse formação superior em Administração ou Psicologia, por exemplo, além da formação em Direito, única adotada como pré-requisito para a prova. Quanto às questões que permeiam a atuação do Bombeiro, conclui-se que este profissional, respaldado pela confiança socialmente atribuída a ele, é um profissional, em geral, satisfeito com as funções que deve cumprir, pois, ainda que a compensação econômica pelas exigências do trabalho seja questionável e o trabalho seja de alto risco, o reconhecimento da sociedade parece ser mais importante e, por vezes, suficiente para esses profissionais. 19 20 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GUARESCHI, P. A. Para que serve mesmo a psicologia? In Territórios de Exclusão: investigações em representações sociais. Possamai, Hélio e Guareschi, Pedrinho A. (Orgs) Porto Alegre: Abrapso Sul, 2009 (p. 6-8) LANE, S. T. M. A Psicologia Social e uma nova concepção do homem para a Psicologia. In Psicologia Social: o homem em movimento. Lane, Silvia T. M. e Codo, Wanderlei (Orgs) Brasília (DF): Editora Brasiliense, (p. 10-19). SAMPAIO, J. dos R. Psicologia do Trabalho em Três Faces. 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Coordenadora da Oficina Clínica sobre as Psicoses do Centro 1 2 Psiquiátrico do Rio de Janeira. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio. E-mail: [email protected] Introdução O presente trabalho faz parte de uma dissertação de mestrado, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de JaneiroBrasil, que está em sua fase inicial de elaboração, cujo tema é A constituição do eu em Freud e Lacan e a questão da angústia, e que se encontra articulada a uma pesquisa teórico-clínica sobre as psicoses, em desenvolvimento no Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro. O objetivo, aqui, é discutir algumas questões dentro desse vasto tema, colocando em destaque a constituição do eu em suas relações com a temática das psicoses. O que se visa é delimitar a importância da função imaginária em tais estruturas no que diz respeito ao recobrimento do real traumático. Parte-se do pressuposto de que as instituições de saúde mental podem favorecer a recomposição imaginária e simbólica do sujeito psicótico. O eu e o corpo próprio Para a psicanálise existe uma distinção fundamental entre o eu (moi) e o sujeito (Je). Enquanto o eu se articula à função imaginária, o sujeito diz respeito ao acesso a fala e à linguagem. 2 3 Em Sobre o narcisismo: uma introdução, (1914), Freud afirma que o eu não é o resultado de um processo natural de maturação biológica, mas sim o resultado de uma nova ação psíquica, cuja função seria a de unificar as pulsões auto-eróticas numa imagem de corpo próprio. O eu, portanto, não é um dado a priori, ele precisa ser desenvolvido (Freud, 1914 p. 84) e é exatamente o encontro com outro enquanto semelhante e alteridade aquilo que possibilita esse processo. Nesse texto o que Freud destaca é que a imagem do corpo próprio fornece uma primeira distinção entre interno e externo e de recobrimento do desamparo originário oriundo da experiência da imaturidade do corpo em sua desarticulação motora inicial. A partir da identificação da criança com sua própria imagem o eu torna-se objeto de investimento libidinal. É esse momento de identificação com a imagem e a palavra do Outro, que simultaneamente inscreve a alienação e a separação promovendo o recalque das pulsões auto-eróticas e instituindo a divisão radical que caracteriza o sujeito humano. Leite, (2011) aponta que o fato do Outro ser necessariamente falho em seus cuidados, introduz o significante da falta para o sujeito, indicando que a satisfação total é impossível. A falta inscrita no Outro estabelece um limite para os desejos imperiosos e onipotentes do bebê, ao mesmo tempo em que presentifica a perda do objeto mítico originário. São esses fatores que viabilizam a estruturação da realidade psíquica para o sujeito, ou seja, uma posição no mundo simbólico. Para a psicanálise a realidade psíquica, portanto, é fruto de um processo de simbolização da realidade objetiva, ou seja, dos objetos que são faltosos desde as origens do sujeito. Em síntese, a teoria do narcisismo indica que a constituição do eu se dá através de um precipitado de identificações, no qual a imagem assume um papel determinante, mas, que sem a ratificação da palavra não há apropriação da linguagem que possibilita o recobrimento do encontro com a falta do objeto. Apesar da indiscutível importância do texto Sobre o narcisismo, no que tange ao estudo do eu, será no artigo O eu e o isso (1923), que Freud lhe dará um contorno definitivo. Nesse último, Freud retoma suas elaborações acerca 3 do sistema percepção-consciencia, desenvolvido no capítulo VII de 4 A interpretação dos sonhos, (1900), para mostrar como o eu se adapta ao principio de realidade. Nesse sentido Freud afirma que “o eu é, primeiro e acima de tudo, um eu corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas, é ele mesmo a projeção de uma superfície”. (Freud, 1923 p.39). O eu, portanto, é uma estrutura narcísica que tem como referencia o corpo que exerce dentre outras a função de estabelecer defesas contra o excesso de excitações provenientes do mundo (real). Freud afirma que ―O próprio corpo de uma pessoa e, acima de tudo, a sua superfície, constitui um lugar de onde podem originar-se sensações tanto externas quanto internas” (Freud, 1923 p.39). Freud considera que a percepção das sensações exige que o eu estabeleça um modo de funcionamento que lhe permita fazer uma espécie de distinção entre um estímulo interno e um estímulo externo. Freud afirma em O eu e o isso que essa distinção entre um ―dentro‖ e um ―fora‖ depende de uma ação específica do eu que ele chamou de teste da realidade. (Freud, 1923 p. 67). Afirma, ainda, que as percepções derivam tanto das imagens motoras das palavras, ou seja, dos resíduos de memórias derivados das palavras ouvidas, quanto das sensações sentidas pelo corpo, o que exige que o eu faça uma representação (simbolização) para cada percepção. (Freud, 1923 p.35). A representação das palavras e, por conseguinte, das sensações corporais seria então a condição necessária para que o sujeito mantenha contato com o mundo externo sem ser devastado por ele. Nesse sentido entende-se que são os registros das imagens, das identificações e fantasias instituídas pelo eu durante a estruturação do narcisismo que permitirão que a representação da sensação (estímulos, excitação) seja realizada pelo eu. Conclui-se, portanto, que o teste da realidade só pode ser realizado pelo eu através do reconhecimento prévio das inscrições que compõem o que Lacan chamou de registro imaginário. Lacan, (1949) retomando a descrição feita pelo psicólogo Wallon, em 1932, acerca do desenvolvimento da inteligência em bebês, elabora o ―estádio do espelho” onde afirma que a constituição do eu é indissociável da imagem do outro. Considera que o momento constitutivo do sujeito acontece quando a 4 criança reconhece sua imagem no espelho com uma manifestação de júbilo e com 5 a efetuação de uma operação de identificação entendida como ―a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem - cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago". Nesse sentido explica que num primeiro momento, o sujeito vivencia o real de um corpo despedaçado, revelando que no início não há unidade e, portanto não há ainda um eu constituído. Somente a partir da identificação com a imagem do outro é que essa imagem de um eu despedaçado pode vir a se unificar. A constituição imaginária do eu se efetua em torno da imagem especular do corpo próprio, ou seja, uma Gestalt onde a criança se identifica, se reconhece e assume a imagem do corpo como sendo sua. Lacan afirma que nesse primeiro momento acontece uma fixação narcísica na imagem, onde o sujeito cria uma série de fantasias e alucinações em relação ao objeto, que caracterizaria o fenômeno imaginário. É a partir dessa imagem identificatória primária que se constitui o eu ideal, sendo que, nesse momento o que se produz é uma verdadeira antecipação do psicológico sobre o fisiológico. Posteriormente, em 1953 no Seminário 1 - Os escritos técnicos de Freud - Lacan faz avançar suas elaborações a respeito do registro imaginário utilizando o experimento do buquê invertido retirado da física óptica, conhecido como ―experimento de Bouasse‖. Utiliza o esquema óptico para demonstrar que a constituição do eu e do sujeito, depende da presença da palavra que ratifica a imagem no espelho possibilitando a estruturação psíquica para além da pura imagem alienante. Apesar de o conceito de sujeito se encontrar implícito na obra de Freud, foi Lacan quem se preocupou em diferenciá-lo do eu conferindo-lhe o status de conceito. Existe, portanto, uma diferença fundamental entre o eu (moi) e o sujeito (Je). Enquanto o eu surge em decorrência da uma construção imaginária (identificações, imagens e fantasias), o sujeito surge em uma referencia direta ao acesso a fala e à linguagem. Para Lacan o sujeito é regido pelas leis do simbólico. A ordem simbólica pré-existe à sua constituição o que destaca a dependência do falante aos significantes que vem do Outro (Lacan, 1954 p.255). 5 6 Os cuidados que no inicio da vida advém dos objetos primários, é que viabilizarão a humanização do bebê e conseqüentemente sua entrada no universo da linguagem. Tratase, portanto, da relação inaugural do sujeito com o campo da alteridade com o qual é possível estabelecer identificações simbólicas (Lacan 1953-54, p.207-209). Em síntese, o esquema óptico nos permite antever que é possível dar aos objetos reais (imagem real) uma organização imaginária e simbólica. Essa organização, apesar de ser ilusória, funciona como elemento de estruturação do sujeito que permitirá um contorno do real. Lacan mostra que o imaginário tem a função de recobrir o real que marca a ausência total de sentido e que representa o traumático, ou seja, um excesso pulsional irredutível e impossível de simbolizar. É a presença do Outro enquanto alteridade que introduz a palavra que permite que a simbolização da imagem refletida no espelho possa ocorrer. Ou seja, pode-se afirmar que a constituição do mundo simbólico permite ao sujeito um acesso ao mundo real mediado pela imagem e pela palavra. A psicose No artigo Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), Freud ratifica sua tese de que nas psicoses ocorreria uma regressão da libido ao eu, idéia defendida já no inicio de suas investigações clínicas, e que foi registrada, dentre outros textos, em uma carta endereçada a Fliess em 1899 (carta 125) e na análise do caso Schreber (1912). Nesse texto, Freud opõe a libido do eu à libido do objeto para mostrar que quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia, indicando a necessidade de um equilíbrio na distribuição da pulsão sexual. Nesse sentido, indica que o momento da eclosão da psicose seria aquele em que o excesso de investimento da libido no eu teria como conseqüência um rompimento com a realidade. Considera que a incapacidade do eu em suportar as exigências advindas do mundo externo, é que causaria o afastamento da realidade, momento que Lacan denomina de foraclusão do Nome-do-Pai. Nesse artigo, Freud faz uma importante distinção entre o delírio e a psicose indicando que o 6 7 primeiro não é a psicose, mas sim uma tentativa de restauração dos investimentos da libido nos objetos, o que significa considerá-lo como tentativa de cura. (Freud, 1914 p.93). Tal questão é retomada em 1924 no artigo sobre a questão da perda da realidade na neurose e na psicose quando enfatiza que existe uma impossibilidade de acesso direto a realidade, pois, algo aí sempre se perde. Com isso considera que mais do que a perda da realidade o que interessa seria delinear de que forma o sujeito substitui a realidade faltosa. Destaca que nas neuroses é a fantasia que estrutura o sujeito possibilitando o acesso a alguma forma prazer parcial. Já no caso da psicose considera o delírio como o trabalho psíquico que permite o recobrimento daquilo que é o impossível na realidade. O trabalho de reconfiguração da realidade é operado a partir de processos psíquicos formados a partir do contato com a realidade, ou seja, sobre os traços de memória, as representações e os juízos, por meio dos quais a realidade se fazia representar no mundo psíquico. Essas percepções estão sempre se modificando, assim para a psicose, coloca-se a tarefa de providenciar percepções que estejam em sintonia com a nova realidade, o que é conseguido de forma radical pela via do delírio. Por sua parte, Lacan, (1956), no Seminário 3 – As psicoses – relaciona a questão da psicose às origens do eu e a uma ausência de transmissão do significante da falta. É por isso que em algum momento do percurso do sujeito um acontecimento inesperado, que exigiria a simbolização, pode desencadear a psicose. Nesse momento há uma invasão do imaginário pelo real, cuja conseqüência é a foraclusão (repúdio) da realidade pelo sujeito. Em outros termos, é o encontro com o real da castração, da falta do objeto, aquilo que o sujeito é incapaz de simbolizar (Lacan, 1956 p.105;244). Indica que no momento da eclosão da psicose há a dissolução do registro imaginário exigindo que o sujeito empreenda um verdadeiro remanejamento de seu mundo, o que é viabilizado pelo delírio. A produção da metáfora delirante por parte do sujeito psicótico é uma forma de estabilização, ou seja, um modo de lidar com real possibilitando que o sujeito volte a se relacionar com os objetos mesmo que de uma forma 7 persecutória. Com essa indicação, sublinha que o sujeito psicótico é capaz de criar saídas 8 possíveis para o encontro com o traumático. A Reforma Psiquiátrica, e suas instituições, ao estimular o convívio através da experiência nas Oficinas Clínicas voltadas para a criação artística, dentre outras, estimula a reconstrução dos laços sociais do sujeito psicótico. Como identificações reforçam a indicado alienação, pois, se sustentam, exclusivamente, na imagem do outro. A clínica institucional com as psicoses depende, criação de condições algumas para que portanto, da as identificações simbólicas, para além da pura imagem do outro, possam pontualmente se estabelecer e isso depende da aposta de que na psicose é possível emergir um sujeito capaz de um discurso próprio. 8 9 Referências FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. . (1914) Sobre o narcisismo: uma introdução. Vol. XIV. . (1923) O eu e o isso. Vol. XIX. . (1924) Neurose e psicose. Vol. XIX. . (1924) A perda da realidade na neurose e na psicose. Vol. XIX. LACAN, J. (195354) O Seminário livro 1 Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. LACAN, J. (1954-55) O Seminário livro 2 O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. LACAN, J. (1955-56) O Seminário livro 3 As psicoses. 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O conceito de paz concebido engloba tanto o seu aspecto negativo, a ausência de violência, quanto o seu aspecto positivo, à promoção de arranjos sociais que reduzam a injustiça social e econômica, as desigualdades de gênero, de raça e os desequilíbrios ecológicos como barreiras à paz. Esta pesquisa tem como objetivo investigar o papel de diferentes níveis de relacionamento (interpessoal, intergrupal e internacional) para a promoção da paz mundial de acordo com a visão de participantes da organização/movimento Servas Internacional. Os referenciais teóricos utilizados caracterizam-se como perspectivas convergentes devido a partirem de pontos de vistas semelhantes em relação ao comportamento social humano com a proposta de diferentes níveis de complexidade e suas relações dialéticas, seja na promoção da paz ou nos relacionamentos interpessoais. Os participantes foram membros do Servas 9 Internacional e utilizou-se de uma abordagem metodológica qualitativa com o uso da entrevista semiestruturada, que focalizou em analisar diversos contatos pessoais realizados através 10 do Servas. O Servas Internacional é uma organização não governamental, multicultural, criada na Dinamarca no ambiente pós segunda guerra mundial e administrada por voluntários em mais de 100 países, com o objetivo de promover a paz e a tolerância entre os povos. Foram realizadas dez entrevistas com participantes de diferentes países. Os dados foram analisados de acordo com a análise do conteúdo e organizados em três níveis dos relacionamentos, pessoal, intergrupal e internacional. Os resultados indicaram a importância do relacionamento interpessoal para a paz mundial, já que tudo começa com o contato entre duas pessoas que pode expandir para o grupo e para as nações. Contudo, as pessoas devem apresentar interesse e motivação para viajar, para se deslocar e se relacionar com pessoas diferentes, de diversas raças, religiões, culturas, e países para assim poder superar preconceitos e quebrar estereótipos. O Servas consegue operar modificações e viabilizar mudanças de perspectivas em pessoas com histórico familiar de ampla percepção e convívio com o diferente. Ademais, este estudo ressaltou a relevância da predisposição pessoal para a tolerância e acrescentou o papel das corporações para a promoção da paz neste mundo globalizado. 1Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e Professora adjunta da Universidade Federal do Vale do São Francisco, [email protected] e [email protected], Brasil. 2 Professor titular da Universidade Federal do Espírito Santo. 1 0 2 Palavras-chave: Relações humanas. Movimentos pelos direitos humanos. Movimentos sociais. Paz - Sociedades, etc.. Relações internacionais.Servas (Organização). RESUMEN Em muchos estudios se ha discutido la importancia de las relaciones en cuanto a la calidad de vida de las personas, ya sean en el ámbito familiar, internacional o organizativo. Sin embargo, a pesar de la indiscutible importancia de estos vínculos, puede verse en la literatura, así como en la vida cotidiana, una tendencia prioritaria a asociar el término ―relación‖ con su dimensión conflictiva. De otro modo, la investigación, aquí presentada, trata de la cuestión de las relaciones y los conflictos según el enfoque hacia la promoción de la paz, sobre la base de estudios relativos a la relación interpersonal y a la psicología de la paz. El concepto de paz así concebido abarca tanto su aspecto negativo: la ausencia de violencia, como su aspecto positivo : la promoción de acuerdos sociales que reducen la injusticia social y económica, las desigualdades de género o de raza y los desequilibrios ecológicos como obstáculos a la paz. Esta investigación tiene como objetivo estudiar el papel de los diferentes niveles de relaciones (interpersonales, intergrupales e internacionales) para promover la paz mundial, de acuerdo con la visión de los participantes de la organización/movimiento Servas Internacional. En este estúdio se adoptan como base teórica, los estudios sobre la relación personal, propuestos por Robert Hinde y los estudios sobre la sicología de la paz realizados por Christie et al. Los referentes teóricos utilizados se caracterizan como perspectivas convergentes debido a que tienen puntos de vista similares en cuanto al comportamiento social humano con la propuesta de los diferentes niveles de complejidad y de sus relaciones dialécticas, tanto en la promoción de la paz como en las relaciones interpersonales. Se realizó una investigación cualitativa con los participantes de Servas Internacional. La obtención de datos se llevó a cabo a través de la entrevista semiestructurada, centrada en el análisis de diversos contactos personales realizados con membros de Servas. Servas Internacional es una organización no gobernamental, multicultural, creada en Dinamarca depués de la Segunda Guerra Mundial y administrada por voluntarios en más de 100 paises, con el objetivo de promover la paz y la tolerancia entre los pueblos. Está registrada en Suiza como una organización no gobernamental y tiene representación en la ONU. Se realizaron diez entrevistas con los participantes de la organización en diez paises diferentes. Ocho entrevistas fueron realizadas personalmente y dos por Skype. Los datos fueron analizados de acuerdo con el análisis de contenido y organizados en tres niveles de relaciones : personal, intergrupal e internacional. Los resultados mostraron la importancia de las relaciones interpersonales para la paz mundial, considerando que todo comienza con el contacto entre dos personas que puede ampliarse al grupo y a las naciones. Sin embargo, las personas deben demostrar interes y motivación para viajar y desplazarse a fin de relacionarse con gentes diferentes, de diversas razas, religiones, culturas y naciones, para poder superar los prejuicios y romper los estereotipos. Servas logra operar modificaciones y hacer viables cambios de perspectivas en personas con antecedentes familiares de percepción amplia y de convivencia con lo diferente. Además, este estudio destaca la importancia de la predisposición personal para 2 3 la 3 4 tolerancia y pone de relieve el papel de las corporaciones de promoción de la paz en este mundo globalizado. Palabras clave: relaciones interpersonales, la Psicología de la Paz, el movimiento por la paz, relaciones internationales, Servas. ABSTRACT This study aims to investigate the role of different levels of relationships (interpersonal, intergroup and international) to promote world peace in accordance with the vision of participants of the organization / movement Servas International. The frameworks are the studies about interpersonal relationship and Peace Psychology. These frameworks presents converging due from similar points of view in relation to human social behavior with the proposal of different levels of complexity and their dialectical relations, both to promotion of peace and in interpersonal relationships. Its approach is qualitative and the sample consisted of 10 Servas leaders around the world, centering on providing and analyzing a number of personal contacts each participant has made through Servas and the participants´ perspective on how relationships (personal, intergroups and international) affect international peace. Servas is an international, non-governmental, multicultural peace association run by volunteers in over 100 countries. Founded in 1949 as a peace movement, Servas International is a non-profit organization working to build understanding, tolerance and world peace. Data were collected through a semi-structured interview, which lasted for about an hour each, and was analyzed by content analysis . Results indicate the importance of interpersonal relationships to world peace, since it starts with contact between two people, that can spread to the group and to the nations. However this contact must be qualified and made between people of different races, religions, cultures, and countries to overcome prejudices and break stereotypes. The study also illustrates the importance of intrapersonal aspect and corporations actions to promote peace in this globalized world. Keywords: interpersonal relationship, international relations, Peace Psychology, peace movements, Servas. Introdução: Este artigo tem por objetivo investigar o papel de diferentes níveis de relacionamento (interpessoal, intergrupal e internacional) para a promoção da mundial de acordo com a visão de participantes paz de um movimento/organização para a paz. Apesar dessa temática, frequentemente estar associada ao aspecto conflitivo, esta pesquisa, dialeticamente, trata a questão dos relacionamentos de acordo com a abordagem da promoção da paz, com base nos estudos do Relacionamento Interpessoal (Hinde, 1997) e da Psicologia da Paz (Christie, Tint, Wagner e Winter, 2008, Galtung,1969, entre 4 5 outros). Um aspecto a ser aqui ressaltado é que a Psicologia da Paz, no âmbito da intervenção apresenta, como foco central a administração de conflitos de forma não violenta (Christie et al, 2008). Metodologia. Foi adotada uma abordagem metodológica qualitativa. Os participantes foram dez membros do Servas Internacional de dez diferentes nacionalidades, como demonstra a Figura 1. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada que durou cerca de uma hora. Esses dados qualitativos foram trabalhados através da análise de conteúdo (Bardin, 2004 e Minayo, Deslandes, & Gomes, 2010) Participante L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 L9 L10 Nacionalidade Americana Portuguesa Singapurense/Americana Malaia Israelense Francesa Canadense Argentina Brasileira Australiana Gênero Masculino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Idade 83 anos 46 anos 70 anos 42 anos 63 anos 51 anos 58 anos 33 anos 35 anos 71 anos Figura 1 – Relação de participantes, identificando nacionalidade, gênero e idade. Resultados e discussão: O Servas Internacional (Altieri, s/d; Knowles, 1989; Luitweiler, 1999; Mulder & Viguurs, 2001) é uma organização não- governamental internacional, criada na Dinamarca após a II Guerra Mundial, em 1949, com o objetivo de promover a paz, a compreensão e tolerância entre os povos e assim evitar outras guerras. O Servas está presente em mais de 100 países, oportunizando o contato entre pessoas com diferentes backgrounds, cultura e nacionalidade. Trata-se de uma rede mundial de anfitriões e viajantes, criada com o propósito de ajudar a construir a paz mundial e reforçar valores de boa vontade, entendimento e tolerância mútua por entre indivíduos de diversas meio de contatos pessoais culturas, nacionalidades e histórias de vida. 5 5 Relacionamento interpessoal e a paz mundial Com base na análise dos dados pode-se afirmar que o relacionamento interpessoal é considerado pelos participantes como o primeiro ponto e a forma provável para a promoção da paz entre os povos. A análise dos dados demonstrou aspectos que influem no comportamento das pessoas e que podem influenciar a paz mundial. Pode-se relacionar psicológicos esses aspectos aos no dos modelo processos diferentes níveis de complexidade de Hinde (1997). De a pessoa ter uma mente aberta e estar disponível, e ir preparada para conviver com o diferente e se superar. É necessário refletir sobre o grau de intolerância que cada pessoa apresenta, mesmo participando de um movimento para a paz, neste caso o Servas. Ainda no que se refere aos relacionamentos interpessoais, os dados demonstraram que as pessoas que se juntam ao Servas parecem apresentar características que facilitam os relacionamentos, como mente aberta, simpatia, bom senso de humor (Hinde, 1997). Essas características corroboram para que as pessoas sejam mais hospitaleiras, acolhedoras e procurem tratar bem umas as outras. Relacionamentos intergrupal e paz. De acordo com os dados obtidos, a relação entre grupos participantes. parece ocupar uma posição secundária na visão dos Assim, as menções a relacionamento entre grupos foram escassas, como, por exemplo, a consideração de grupos etários, religiosos ou étnicos. Neste caso, os participantes apontaram para um bom contato entre representantes destes diferentes grupos. O próprio movimento Servas de cada país foi visto como um grupo, por vezes. Apesar do relacionamento entre grupos fazer parte do modelo de relacionamentos de Hinde (1997), o autor não trata especificamente do tema. Embora os participantes parecessem não entender quando indagados sobre relacionamentos entre grupos, quando indagados sobre os relacionamentos entre nações, afirmaram que esses relacionamentos (entre nações) eram permeados pelos grupos. Convém do Servas é proporcionar as pessoas citar que interesses um entre dos fundamentos dos diversos grupos oportunidades de se conhecerem e de se tornarem amigas, para assim, recusarem a fazer guerra com o país da outra (Servas, s/d , Mulder & Viguurs, 2001). Esse networking de viajantes e anfitriões facilitaria o contato de pessoas entre diversos grupos e nações de acordo com os estudos que afirmam que o 5 6 conflito cresce com a ignorância do adversário e que o contato entre grupos em conflito é crucial para reduzir inimizade e preconceito (Allport, 1954). Esta pesquisa apresenta convergência com a teoria do contato intergrupos (Pettigrew, 1998) que afirma que a oportunidade de interação entre pessoas de diferentes grupos contribui para a diminuição de conflitos tratados de forma violenta. O grupo constitui um dos níveis de complexidade apresentado no modelo teórico de relacionamento interpessoal apresentado por Hinde (1997). É importante mencionar que também sofre a influência e influencia a estrutura sociocultural e o ambiente físico. Convergente com este modelo, a análise dos dados confirmou a influência dos valores culturais das pessoas e de cada país nos relacionamentos intergrupais. Neste mesmo sentido, estudiosos da Psicologia da Paz afirmaram que se pode alterar a característica competitiva dos relacionamentos, enfatizando a cooperação entre pessoas e grupos que pode atingida através de um processo de ser comunicação eficiente, compartilhamento de valores e crenças entre outros (Christie et al., 2008). Um exemplo dessa ação foi quando os Estados Unidos alterou seu sistema de ensino, acabando com a segregação buscando reduzir o preconceito. Galtung (1969) quando trabalhando os conceitos de paz positiva e negativa, ressaltou a noção de padrões cooperativos que buscam a colaboração entre grupos e nações – acrescentando justiça e solidariedade. Também no relacionamento entre grupos, como aconteceu no relacionamento ao nível interpessoal, apareceu como destaque às diferentes nacionalidades e a realização de atividades em conjunto. Relacionamento internacional e a promoção da paz: O relacionamento entre nações procurando identificar se o contato com o hóspede/anfitrião de outro país alterou a visão que o participante tinha daquele país efetivou-se geralmente de forma positiva. Ao falar sobre as nações, os participantes focalizaram também nas características das pessoas daquele país e aspectos culturais e históricos. No que se refere às diferentes nacionalidades, foi mencionado que se a pessoa tem uma experiência positiva com um ente de um país, tem tendência a acreditar que essa experiência vai perdurar com as outras pessoas daquele país. 6 7 Não houve histórico que o relacionamento entre pessoas de diferentes nações tivesse alterado a visão do país de forma negativa. Por conseguinte, podemos afirmar que o contato com pessoas de outros países colabora para a quebra de preconceitos e estereótipos e assim pode aumentar a tolerância entre as pessoas e as nações, de acordo com os princípios da Cultura da Paz (ONU 1999, Resolução 53/243), que reconhecem a necessidade de eliminar todas as formas de discriminação e manifestação de intolerância. Em suma, a análise dos dados das entrevistas nos faz compreender que os participantes consideram o relacionamento interpessoal como relevante para a paz mundial, já que, tudo começa com o contato entre duas pessoas que pode expandir para o grupo e para as nações. Ademais, foi ressaltado o papel das corporações internacionais como fundamental para a promoção da paz e a governança global, já que tem poder agir com certa autonomia em relação aos Estados-Nação. Considerações finais: Tanto a Psicologia da Paz quanto o estudo do Relacionamento Interpessoal na perspectiva de Hinde (1997) reconhecem a existência de diferentes níveis de complexidade. Pode-se dizer que o Conceito de Paz, a Cultura de Paz, a Educação para a Paz e os Movimentos pela Paz envolvem como representantes basicamente as de país, destacando- um pessoas se sua nacionalidade e a cultura associada a ela. Do ponto de vista do relacionamento interpessoal, não se pode perder de vista que a nação, a sociedade, a que cada pessoa pertence afeta o relacionamento com outras pessoas (Hinde, 1997). Assim, quanto ao papel de diferentes níveis de relacionamento, pode-se propor um movimento dialético na percepção dos membros do Servas, entre pessoas e seus países, de modo que relacionar-se bem com outras pessoas de outro país é a base da paz como o movimento a constrói. O relacionamento interpessoal é a célula do internacional, sendo pouco percebido o nível intergrupal para a promoção da paz mundial de acordo com a visão de participantes do Servas, mesmo que em outros momentos, eles mencionaram temas ligados aos grupos. 7 8 Referências Allport, G. W. (1954). The nature of prejudice. Reading, MA: Addison-Wesley. Altieri, A (s/d) Ospitare la pace: le reti di ospitalità e le loro potenzialità nello scambio interculturale. Tese de doutorado. Università di Pisa. Pisa, Itália. Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo. 3ª. ed. Lisboa: Edições 70. Bobbio, N. (2003). O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: UNESP. Christie, D. J., Tint, B.S., Wagner, R.V., & Winter, D.D.N. (2008). Peace Psychology for a Peaceful World. American Psychologist, 63(6), 540-552. Galtung, J. (1969). Violence, peace and peace research. Journal of Peace Research, 3, 176–191. Hinde, R. A. (1997). Relationships: A Dialectical Perspective. Hove: Psychology Press. Knowles, P. (1989) ‗Servas 1949 – 1989, an experiment in peace building‘, Birmingham: Church Enterprise Print. Luitweiler, B. (1999). Seeds of Servas. San Francisco: Richard Piro. Minayo, M.C.S., Deslandes, S. F., & Gomes, R. (Orgs) (2010). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade (27. ed.). Petrópolis: Vozes. Mulder & Viguurs (2001). Reinventing Hospitality Networks Research into the impact of a changing environment on the future of hospitality networks. ONU (1999). Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz. Resolução aprovada por Assembléia Geral em 06 de outubro de 1999, nº 53/243. Original: Declaración y Programa de Acción sobre uma Cultura de Paz. Recuperado em 10 setembro 2009 de www.onu.org. Pettigrew, T. F. (1998). Intergroup contact theory. Annual Review Psychology, 49,6585. Rigurosidad en un contexto complejo. Fco. J. Torres Barrios, mail: [email protected] Resumen: El presente trabajo pretende ser una propuesta teórico- procedimental que otorgue rigurosidad en un contexto complejo, es decir, hacer del análisis crítico de discurso, una herramienta con procedimientos inflexibles en su estructura, pero respetuosos de la diversidad de las formas lingüísticas. Potenciando así, prácticas profesionales con procedimientos, que si bien serios, reflejen el espíritu de la psicología social desde este lado del mundo. 8 9 Introducción Quisiera detenerme en un elemento epistemológico importante, la inter- relación. Maturana (2006 p. 99); Gergen (1996, p. 63); Cabruja, Iñiguez y Vásquez (2001, p. 64); entre otr@s relevan la importancia de lo social como elemento ya sea constitutivo o mediador de lo individual, esto implica hacer el ejercicio epistemológico de contextualizar las posibles lecturas de los estudios en distintas dimensiones sociales difícilmente escindibles, propiedad que complejiza y enriquece la construcción del conocimiento social, en la medida que va mostrando cuales dimensiones sociales, entendiéndolas como el contexto sociohistórico-político particular que engloba y responde diversas preguntas investigativas. Esto implica entender la acción humana en cuanto a ideológica (Martín-Baró, 1988), entendiendo también a los discursos como coordinaciones de acciones insertas en un contexto específico que las legitima como posibilidades factibles, es decir, entender la acción humana inserta en una realidad entre paréntesis, paréntesis que es dado por la sociedad. Desde esta epistemología se entiende que un aspecto importante para el análisis de la realidad son los discursos, desde ellos se puede lograr una comprensión de cómo es que se van construyendo los fenómenos sociales. Este enfoque respeta la posible diversidad causal de los fenómenos sociales con una fuerte noción de su contexto, sin embargo, plantea una diversidad de enfoques posibles, los cuales pueden poseer un alto nivel de flexibilidad, al 9 10 costo de una inespecificidad que abre un espacio a la crítica desde cosmovisiones distintas, lo que ayuda a deslegitimar un corpus teórico muy valioso para comprender nuestras realidades. A continuación, presento una breve propuesta, en parte compilación y en parte creación que responde a la necesidad surgida en el contexto de tesis de grado (Freire, Moreno y Torres, 2012). Propuesta teórica: Fairclough (2008, p. 172) dice que se puede considerar el uso lingüístico como práctica social, lo que implica considerarlo como un modo de acción, y que es un modo contextualizado sociohistóricamente, por lo que sería menester, estudiar la tensión entre el discurso como un elemento socialmente constitutivo (acción), pero a su vez normado socialmente. Debido a la complejidad de interrelaciones implicadas en el uso lingüístico del discurso, este no puede ser concebido como una estructura monádica, estable y reglada, debido a que coexisten distintas prácticas discursivas que están compuestas por diversos y a veces divergentes consensos sociales, los cuales adquieren valor según el contexto. Por ejemplo, en una ciudad urbanizada, si a alguien le duele la muela, el consenso social y la práctica discursiva dominante sería decir: iré al dentista; sin embargo en zonas rurales, es posible decir voy al 1 brujo, o la machi , lo cual no excluye que en la ciudad, la gente pueda decir, que después de ir al médico su dolor se haya ido como por arte de magia, y en lo rural que a la machi o brujo le pidan remedios. De forma similar Fairclough (2008) enuncia: Existe una compleja relación entre eventos discursivos particulares (…) y de normas o convenciones subyacentes del uso lingüístico. En ocasiones, la lengua puede emplearse ‗adecuadamente‘, adhiriendo y aplicando directamente las convenciones, pero esto no ocurre siempre, ni tan 1 Denominación que dependería de la localidad. 1 0 11 generalmente como lo sugieren las teorías de la adecuación lingüística. (p. 173) Esta vida social heteroglósica, de los diversos usos lingüísticos del discurso, es ejemplificada por Vicente Sisto (2003), donde el lenguaje no sería normado y monádico como en un juicio o un debate ―en que cada parte tiene su tiempo de palabra, escucha a la otra, y en que cada parte estructurando argumentativamente su discurso responsivo‖ (p. 19) sino que sería como una feria caracterizada por: Gritos en la calle, algunos se escuchan, otros no, sin orden e inacabadamente. No hay un orden que se interponga y subordine a las otras, tal vez una voz se escuche más fuerte, pero existen otros murmullos, incapaces de lograr una coherencia ni siquiera argumentativa. (op. Cit.) Esta heteroglosia en Fairclough (2008) es concebida como una situación que le otorga complejidad al estudio discursivo. El orden del discurso de una sociedad es el conjunto de estos órdenes del discurso más ‗locales‘, y las relaciones entre ellos (…). Los límites y separaciones entre, y dentro de los órdenes del discurso, pueden ser puntos de conflicto y de disputas (Bernstein, 1990), que pueden debilitarse o fortalecerse, como parte de conflictos y luchas sociales más amplios (…). La categorización de tipos de prácticas discursivas (…) es difícil y controvertida. (pp. 173, 174) La solución planteada por el autor y adoptada por esta perspectiva, es el optar por una: Distinción entre discursos (empleando discurso como sustantivo contable), como modos de significar áreas de la experiencia desde una perspectiva determinada (por ejemplo, discursos patriarcales vs. discursos feministas de la sexualidad), y géneros, usos lingüísticos 1 1 12 asociados con tipos de actividad socialmente ratificadas, tales como la entrevista de trabajo o los artículos científicos. Fairclough (2008, p.174) Propuesta metodológica: Análisis Crítico de Discurso. Respecto al análisis de discurso existe un corpus teórico significativamente amplio, pese al reconocimiento de esta técnica, los modelos metodológicos explícitos de análisis de discurso corresponden más bien a lecturas semiótico- linguísticas de análisis, habiendo solo una referencia metodológica explicitada por Parker (citado en Gordo y Linaza 1996), sin embargo ésta proviene de una tradición más lingüística. Antaki, Billig, Edwards y Potter (2003) enuncian una coexistencia de diversos tipos de análisis de discurso, Garay, Iñiguez y Martínez (2005) dicen que es posible hablar de una perspectiva discursiva en la psicología social. Esto implica un contexto heterogéneo de convivencia de distintos tipos de análisis bajo una misma denominación. Reconociendo que existe una amplia cantidad de hacer análisis de discurso debido a la gran cantidad de tradiciones desde las cuales se puede abordar el lenguaje, sin desmerecer ninguna de ellas, este artículo pretende ser una propuesta más, tal vez con la diferencia de estar contextualizada a una epistemología latinoamericana. Al hablar de discurso, se hará referencia a Fairclough (2008), quien enuncia que discurso es una categoría que ha sido ampliamente usada, y en concordancia con varios lingüistas dice: ―emplearé el término ‗discurso‘ para referirme primordialmente al uso lingüístico hablado o escrito, aunque al mismo tiempo me gustaría ampliarlo para incluir las prácticas semióticas en otras modalidades semióticas como la fotografía y la comunicación no verbal‖ (p. 172) y a su vez el mismo autor enuncia: ―al referirme al uso lingüístico como discurso, estoy señalando un deseo de investigarlo como una forma de práctica social, con una orientación informada por la teoría social.‖ (op. Cit.) Para Fairclough (2008) el análisis crítico del discurso es el estudio que ―pretende explorar sistemáticamente las relaciones a menudo opacas de causalidad‖ (p. 174) dadas entre las prácticas discursivas y las estructuras, 1 2 13 procesos y relaciones sociales y culturales más amplias. Desde esta compleja causalidad, para el autor la finalidad del análisis crítico del discurso sería: Investigar de qué modo esas prácticas, relaciones y procesos surgen y son configuradas por las relaciones de poder y en las luchas por el poder, y para explorar de qué modo esta opacidad de las relaciones entre discurso y sociedad es ella misma un factor que asegura el poder y la hegemonía (…) Al referirme a la opacidad, estoy sugiriendo que los vínculos entre discurso, ideología y poder pueden muy bien ser ambiguos, difusos y poco claros para quienes están involucrados en las prácticas sociales, y en general, que nuestra práctica social está ligada a causas y efectos que pueden no ser en absoluto visibles y claros. (op. Cit.) La siguiente propuesta procedimental (Freire, Moreno, Torres 2012) pretende ser fiel a este contexto teórico flexible, mas con una delimitación procedimental. 1.- Transcripción de las entrevistas. Si bien pareciera un paso obvio el proceso de transcripción, éste guarda relación con el cómo se está concibiendo la figura de texto en el presente estudio, lo cual está relacionado a la definición de discurso a la cual esta investigación adscribe. Un problema característico que se plantea tras la definición de discurso es qué tipo de textos lo conforman (…) En pocas palabras, lo que convierte un texto dado en discurso es el hecho de que define en el espacio social una que se puede cierta posición contextualizar enunciativa históricamente. (Iñiguez, citado en Gordo y Linaza, 1996). 2.- Enumeración de las líneas y codificación de tipos de técnicas de producción de datos. La enumeración y codificación facilitan la identificación del momento y contexto en los cuales se seleccionan los textos para su análisis. 1 3 14 3.- Lectura profunda de los datos. Otro paso que parece obvio es el de la lectura, sin embargo ésta, como refieren Potter y Wetherell (citados en Gordo y Linaza, 1996), implica el primer paso del análisis propiamente tal. Nuestra política de codificación en esta etapa del análisis del discurso habitualmente es inclusiva, aceptando todos los casos límite y anómalos, y el producto final es un archivo de fotocopias de la transcripción original. Es en este punto donde empieza el análisis propiamente dicho, con repetidas lecturas cuidadosas de los materiales en búsqueda de patrones y de organizaciones recurrentes. 4.- Selección de extractos de las transcripciones y tabulación de los mismos en una tabla-matriz. Este proceso no consiste en seguir unas reglas y unas recetas, sino en guiarse por corazonadas y desarrollar esquemas interpretativos tentativos que tal vez tengan que ser abandonados y revisados una y otra vez. (Potter y Wetherell, citados en Gordo y Linaza, 1996). A partir de este proceso se obtienen diversos extractos que conforman la columna que es enunciada como citas en la matriz anexada a este estudio, los cuales en agrupación preliminar son denominados una como códigos, permitiendo éstos los siguientes pasos del análisis crítico del discurso. Cabe mencionar que los esquemas tentativos varían en función del proceso de triangulación, tanto en términos teóricos, como de distintos observadores partícipes en la investigación. 5.- Agrupación de extractos de acuerdo a su efecto declarativo. Cuando hacemos declaraciones no hablamos acerca del mundo, generamos un nuevo mundo para nosotros. La palabra genera una 1 4 15 realidad diferente. Después de haberse dicho lo que se dijo, el mundo ya no es el mismo de antes. Este fue transformado por el poder de la palabra. (Echeverría, 2005 p. 44). A partir de la noción de declaración del lenguaje es posible referirse al efecto declarativo del mismo, es decir, el efecto constructor de realidad asociado a los actos lingüísticos. El criterio para esta agrupación de extractos radica en el tipo de realidad inferible que se está construyendo con las declaraciones citadas. Este efecto declarativo facilita la denominación de distintos códigos que permiten agrupar distintas citas que comparten declaraciones similares. 6.- Denominación del repertorio interpretativo, al cual aluden las declaraciones. Desde aquí llegamos a nuestra última herramienta analítica: el repertorio interpretativo. (…) El discurso es variable, en el sentido de que cualquier hablante constituye acontecimientos y personas de maneras distintas según la función. Esto no implica que no haya ninguna regularidad, sino que la regularidad en el discurso no se puede probar a nivel de hablante individual. Las inconsistencias y las diferencias en el discurso son diferencias relativamente entre unidades vinculadas e internamente consistentes hemos denominado (…), lingüísticas que repertorios interpretativos. Potter y Wetherell (citados en Gordo y Linaza, 1996). Este repertorio consiste en el conjunto de actos linguísticos para referirse a un mismo discurso, siendo entonces el repertorio de posibilidades que califica al discurso. Los repertorios se pueden considerar como los elementos esenciales que los hablantes utilizan para construir versiones de las acciones, los procesos cognitivos y otros fenómenos. Cualquier repertorio determinado está constituido por una restringida gama de términos usados de una manera estilística y gramatical específica. Normalmente estos términos 1 5 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 derivan de una o más metáforas clave, y la presencia de un repertorio a menudo está señalada por ciertos tropos o figuras del discurso. (op. Cit.) Fín(alidad) La apuesta es que por medio del conocimiento de los repertorios interpretativos envueltos en los discursos se puede optar a soluciones que escapen de lecturas monádico-individualistas, la aplicabilidad de esto pareciera incierta, por lo que ejemplificaré con un suceso en Chile: El 27 de marzo murió un joven, producto de una golpiza tortuosa propinada por 4 jóvenes con tendencias neo-nazi, esto podría ser leído desde una lógica convencional, en el sentido de comprender la golpiza como una conducta enfermiza de los 4 jóvenes, pero no es un hecho aislado, y socialmente es difícil lanzar la primera piedra contra la intolerancia en un país que no dejó adoptar a una pareja lesbiana, donde humoristas y estudiantes se mofan de los hombres amanerados y las mujeres masculinas, entre otras situaciones de intolerancia a la divesidad sexual. Al conocer las dimensiones sociales en cuanto; ideológicas, histórico, políticas, discursivas, etc. accedemos a un modo de comprensión y solución de dichos problemas, no desde la lógica del control de variables, sino del cambio social, y entendiendo que dichos cambios tienen elementos que no solo pasan por la política formal, sino también por los aprendizajes que tenemos desde la relación dialógica con un otr@, y la comunidad. Los repertorios interpretativos no son monádicos ni estables en el tiempo, y teniendo como referencia un concepto ampliado de salud, que implique impajaritablemente las sanas relaciones. Como seres sociales que innegablemente somos, quedamos al debe en el momento de sanarnos de forma colectiva, y para ello, vamos requerir análisis y diagnósticos pertinentes con la complejidad de nuestras sociedades. Bibliografía: Cabruja T., Iñiguez L., Vásquez F. (2000) Cómo construimos el mundo: relativismo, espacios de relación y narratividad. Revista Análisi nro 25. Echeverría R. (2005). Ontología del lenguaje. Santiago: Lom. Fairclough N. (2008). El análisis crítico del discurso y la mercantilización del discurso público: las universidades. Discurso & Sociedad, Vol 2(1) pp. 170-185. Freire R., Moreno C. y Torres F. (2012). El proceso de otorgamiento de métodos Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. anticonceptivos a 12 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 (adolescentes) desde una mirada biopolítica. Tesis para optar al Grado de Licenciado en Psicología y al Título Profesional de Psicólogo. Facultad de psicología. Universidad del Mar, Chile Garay A., Iñiguez L. y Martínez M. (2005). La perspectiva discursiva en psicología social. Subjetividad y procesos cognitivos Nº 7. PP. 105-130. Gergen K. (1996). Realidades y relaciones. Aproximaciones a la construcción social. Barcelona: Paidós básica. Gordo y Linaza (1996) Psicologías, discursos y poder (PDP). Madrid: Visor. Martín-Baró, I. Ideología. Psicología Social (1988) Acción e desde Centroamerica. UCA Editores, San Salvador. Maturana H. (2006). Desde la biología a la psicología. Santiago: Editorial Universitaria. Sisto V. (2003) Ideas que se mueven. Los caminos del socioconstruccionismo desde el discursivismo a las actividades dialógicas corporizadas. Revista de Psicología Universidad de Valparaíso. Vol. 2; Nº 1. Linkografía: Antaki C., Billig M. , Edwards D. y Potter J. (2003). El Análisis del discurso implica analizar: Crítica de seis atajos analíticos. Athenea Digital Nº 3. Recuperado 2012, el 5 de marzo de de: http://psicologiasocial.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/vie wArticle/64 A Influênciada Propaganda no Processo de Decisão de Compra do Adolescente Brasileiro The Influence of Advertising in the Buying Decision-making Process among Brazilian Adolescents Marcílio Ângelo e SilvaI Antonio RoazziII Bruno Campello de SouzaII Resumo O presente trabalho versa sobre aspectos referentes ao consumidor e a fatores que podem influenciar sua decisão de compra, como a propaganda. Concentra-se no comportamento do consumidor adolescente brasileiro recifense, uma Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 12 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 vez que poucos estudos têm sido feitos nesta área no Brasil. Aborda inicialmente aspectos relativos ao contexto social brasileiro, relacionados à adolescência e aspectos do marketing, de forma particular a uma de suas táticas promocionais, a propaganda. Analisa criticamente as possíveis relações diretas ou indiretas da propaganda com o processo de decisão de compra do consumidor. Teve como objetivo principal verificar se a propaganda exerce influência determinante na decisão de compra dos adolescentes. Apoia-se na teoria das facetas e na abordagem qualiquanti, usando como instrumentos a associação livre, a classificação dirigida, situação hipotética de compra e escala Likert relacionada ao peso da propaganda para decisão de compra. Análises descritivas, de variância Kruskall-Wallis e multidimensional através da técnica SSA (Smallest Space Analysis) e de entrevista foram realizadas. Verificou-se que a propaganda não se apresenta, na opinião dos participantes, como uma influência determinante na decisão de compra dos mesmos. Palavras-chave: Comportamento determinante; tomada de decisão. do consumidor; adolescência; propaganda; influência Abstract This work refers to consumers‘ aspects and motives, such as adverts, which can influence the buying decision process. It focuses on Brazilian adolescent‘s consumer behavior, since only very few studies have explored this field so far. It initially covers aspects related to adolescence and marketing in the city of Recife (PE) social context, especially advertising as a promotional strategy. It critically analyses the possible direct or indirect relation between advertising and buying decision. The main goal was to verify whether adverts can have a determinant influence on the adolescents‘ buying decisions. It draws upon facets theory as its framework, the quali-quanti approach as well as instruments for data collection such as free associations, directed classifications, hypothetical buying situation, Likert‘s scale and interviews. Descriptive, variance (Kruskall- Wallis) and multidimensional analysis (Smallest Space Analysis) were also applied. The findings suggest that commercial advertising are not perceived as a determinant influence on adolescents´ buying decisions. Keywords: Consumer behaviour; adolescence; advertising; determinant influence; decision making. I Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Brasileiro de Gestão e Marketing II Universidade Federal de Pernambuco De uma forma geral, pesquisas na área do comportamento do consumidor são escassas no Brasil, ainda mais sobre o consumidor adolescente. Contudo, vem-se notando ao redor do mundo que o adolescente dos tempos modernos não é mais tão dependente dos seus pais como aquele de algumas décadas atrás. Os adolescentes estão mais independentes em relação às suas escolhas e são tidos como potenciais consumidores em si mesmos (Belch & Belch, 2004; Czinkota & Ronkainen, 2004). No Brasil, um fator bastante sugestivo referente a essa nova realidade é a redução da idade mínima para a emancipação legal do cidadão, hoje estabelecida em 18 anos (e não 21 como antigamente) pelo novo Código Civil de 2002 (Gonçalves, 2007). Com o desenvolvimento econômico recentemente vivenciado no Brasil, o poder aquisitivo do brasileiro aumentou. Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 12 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Novas ascensões sociais ocorreram, o consumo cresceu junto com novos desafios em diversas esferas da sociedade. Os prazos para financiamentos foram estendidos em razão da baixa inflação e do crescimento do PIB nacional – apesar do encolhimento recente desses prazos pelo efeito da crise financeira atual, o Brasil ainda é um dos países menos afetados pela crise e projeta crescimento positivo do PIB para o ano de 2009. Acesso a cartão de crédito está bem mais facilitado, existe a possibilidade de comprar sem sair de casa (compra via Internet, ainda que de forma muito limitada por uma questão estrutural, social e de segurança) e voar, em muitos casos, ficou mais barato do que viajar de ônibus. Ao mesmo tempo em que essas mudanças ocorrem no Brasil, esses e outros eventos também acontecem em nível global, novas tendências e valores Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 12 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 vãosurgindocom consequências positivas, mas também com as consequências negativas outrora previstas. A massividade da comunicação, a liberação indiscriminada do conhecimento, a mu- dança rápida de costumes e de valores éti- cos, morais e a interpenetração de culturas diferentes por intermédio de rápidos e efi- cientes meios de comunicação tendem a sat- urar o aparelho psíquico. Ante a saturação do aparelho psíquico, este, como expressou Grimson (1991), ―cede à tentação de um dis- cernimento estético‖ (Levisky, 1998 p.76). Neste bulício cultural se encontra o adolescente que: ―...vivendo sua crise de identidade, portador de um ego com características específicas, ele possui um terreno fértil para sofrer induções, sugestões, pregações de toda natureza, podendo ser utilizado como cidadão de papel, na expressão de Dimenstein (1993)‖ (Levisky, 1998 p.74). O adolescente estaria assim mais vulnerável a influências socioculturais, de amigos, de situações estressantes e de dificuldades típicas desse período de desenvolvimento, quando aspectos como a autoestima e o ―self ‖ (Bee, 2003) são postos à prova frequentemente. Momentos de instabilidade e mudanças na personalidade ocorrem e possíveis desordenamentos do comportamento são intensificados (Donnellan, Conger & Burzette, 2007; Lebelle, 2007; Shaffer, 2002). Desta forma, devido à fragilidade deste período de desenvolvimento e refinamento da personalidade do indivíduo, é plausível afirmar que seria justamente em tal fase do desenvolvimento do ser humano em que a propaganda exerce seu maior poder de influência sobre o consumidor. Por outro lado, de um ponto de vista cognitivo, Piaget (1950) afirma que é durante a adolescência que o indivíduo desenvolve completamente sua capacidade hipotético-dedutiva, sendo capaz, assim, de utilizar o raciocínio lógico que é a base para o pensamento crítico. Trata-se de uma capacidade que pode ser usada diante de determinadas situações para direcionar processos decisórios. Todavia, a qualidade da capacidade crítica do adolescente vai depender também de aspectos relacionados ao processo de identificação, o qual na perspectiva da teoria social cognitiva pode se dar através do processo de modelagem; de imitação de um modelo escolhido pelo adolescente Propaganda e Processo de Decisão de Compra 13 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 (Bandura, 1986). Assim, partindo deste referencial, é plausível afirmar que, se o adolescente toma como modelo pessoas extremamente influenciáveis e de baixa capacidade crítica, ele assimilará também tais características, consequentemente tornando-se muito mais passivo diante de influências externas como propagandas. Entretanto, Bee (2003) referindo-se aos relacionamentos dos adolescentes com seus pares, afirma que eles não imitam cegamente seus companheiros e tendem a se associar a grupos, que compartilhem seus valores, atitudes e comportamentos. Em que medida os adolescentes são influenciados por fatores psicológicos intrínsecos e/ou por fatores do ambiente ainda é uma pergunta difícil de responder. Pesquisas na área do comportamento do consumidor não têm acompanhado as mudanças no macrossistema (contexto mundial) e mesossistema (contexto mais local, nacional, regional, etc.), que influenciam o microssistema (família, vizinhança, amigos, etc.) no qual o adolescente encontra-se inserido, pegando emprestada a terminologia usada por Urie Brofenbrenner (Shaffer, 2002). Algumas pesquisas nos EUA chegaram a mostrar evidências de que eles são de fato influenciados por comerciais (Shaffer, 2002), mas a realidade e a cultura norte-americanas são diferentes da realidade do adolescente brasileiro. Ademais, tais pesquisas tendem a mostrar que os comerciais exercem maior influência em crianças e não em adolescentes. Ao que parece, fazem-se necessárias novas iniciativas científicas que tenham como objetivo verificar se a propaganda influencia de forma determinante a decisão de compra do consumidor adolescente de diferentes realidades sócio-culturais. Considera-se aqui ―propaganda‖ como toda e qualquer forma de anúncio de um produto (ex: Outdoors, Bussdoors, Banners, TV, Rádio, Jornal e Internet), pois, a intenção do presente trabalho não é verificar especificamente o efeito de um dos veículos de propaganda, mas sim se, na opinião do pesquisado, a propaganda influencia de forma determinante suas decisões de compra. A Propaganda Influencia a Decisão de Compra de FormaDeterminanteou não? Quando um ser humano se depara com um problema, a sua maneira de resolvê-lo, as etapas percorridas, as estratégias utilizadas para chegar a Propaganda e Processo de Decisão de Compra 13 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 uma solução, parece estar longe de ser um fenômeno passível de ser compreendido de maneira simplória. Há indicativos de vários estudos (Gardner, 2003; Damásio, 2003; Tversky & Kahneman, 1974) que apontam para o fato de que indivíduos desenvolvem seus próprios estilos ao engajarem na resolução de um mesmo problema – apesar da tentativa de alguns modelos em uniformizar o comportamento humano. Entretanto, a existência de modelos gerais não implica em considerar todas as pessoas como iguais ou na inexistência de estilos pessoais. Por exemplo, Loewenstein preconiza sistemas decisórios racionais e emotivos em todas as pessoas, mas cada um tem o seu próprio equilíbrio entre esses dois sistemas (Loewenstein, 1996; Loewenstein & Lerner, 2003; Loewenstein, Hsee, Weber & Welch, 2001). A possível ilusão da crença na influência determinante da propaganda no processo de decisão de compra pode estar no fato de se presumir cegamente que o estímulo veiculado pela propaganda serve como um gerador de uma necessidade, quando faz mais sentido supor que seja uma combinação de vários fatores (biogênicos, psicogênicos, sociais, culturais, intelectuais, inconscientes, etc.) anteriores à propaganda que o impulsiona ou não um indivíduo a comprar. Além do mais, supostamente vive-se numa sociedade capitalista onde tudo, desde saúde até diversão, é um produto a ser comprado. Em outras palavras comprar é uma realidade inevitável nos tempos atuais, com a propaganda servindo ―simplesmente‖ como um agente fornecedor de informações sobre como, onde e quando se obter determinados produtos que podem ou não coincidir com uma necessidade ou vontade específica do consumidor. Existem, porém, diversos outros fatores incontroláveis ao marketeiro ou publicitário, tais como o estado emocional do consumidor antes e durante o processo de decisão da compra, a influência de amigos, da família, de parceiros, a condição financeira do consumidor, fatores beneplácitos, e valores pessoais, dentre outros. Tais fatores podem ser determinantes na hora da tomada de decisão do consumidor e levá-lo a tomar decisões completamente diferentes daquelas esperadas a priori. É comum ser bombardeado por milhares de propagadas todos os dias, mas nem por isso responde-se aos estímulos veiculados por elas. Ademais, não existe consenso, mesmo entre os pesquisadores da área, em relação aos efeitos da propaganda sobre o indivíduo. Ora uns afirmam que esta tem poder de persuasão Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 14 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 sobre o consumidor, ora outros afirmam que não (Willemsens, Perin & Sampaio, 2006). Alguns autores, como Heath e Nairn (2005), afirmam que estímulos da propaganda podem atuar de forma tardia, prolongada e inconsciente através do que eles chamam de ―memória implícita‖ e ―aprendizagem implícita‖. Esses autores, no entanto, baseiam-se em poucas referências sobre o efeito da memória sobre a afetividade e as emoções, além de trazerem à tona afirmações bastante subjetivas sobre os níveis de atenção do consumidor, e também pouco explicarem exatamente por que é que somente em baixos níveis de atenção as memória e aprendizagem implícitas dos consumidores são ―acionadas‖. Outras contradições sobre os supostos efeitos poderosos da propaganda persistem, como no caso do ―DTC Advertising‖ nos EUA (Spake & Joseph, 2007). Ademais, considerando-se o inconsciente de cada consumidor, que o mesmo age de forma individual e invisível, que diferença na prática há em afirmar que foram os efeitos tardios da propaganda absorvidos através das memórias implícitas ou o inconsciente dos consumidores que os fizeram comprar um determinado produto? Se as afirmações de Heath e Nairn (2005) são plausíveis, então aceitar que propagandas elaboradas conscientemente por um grupo de pessoas podem influenciar decisivamente o inconsciente de outras, seria uma façanha difícil de realizar em termos práticos, pois o acesso a alguns conteúdos do inconsciente de uma pessoa pode se dar apenas através da hipnose (prática esta abandonada pelo próprio Freud), de um esforço individualizado e consciente de um indivíduo em acessar memórias/fantasias passadas dele mesmo e da interpretação cuidadosa dos conteúdos de sonhos e falas de alguém por um especialista bem treinado. Em qualquer uma das opções anteriores se pressupõe uma ação direta e consciente, seja de um especialista que faça um acompanhamento consciente e individualizado da história da pessoa analisada, seja do próprio sujeito no seu esforço consciente de acessar suas próprias memórias/fantasias passadas (Frankland, 2005). Sem um acompanhamento pormenorizado da história de um indivíduo e de interpretações sistemáticas de comum esforço entre terapeuta e analisado, o acesso a conteúdos inconscientes é praticamente inviável. Há aqui uma relação difícil, dual, e de esforço consciente e deliberado de ambas as partes para se acessar o inconsciente de apenas uma pessoa. E a dificuldade aumenta quando Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 14 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 se amplia essa relação a milhares de pessoas ao mesmo tempo e com a tentativa de manipulação desses conteúdos de maneira massificada. Como afirma um publicitário entrevistado no estudo feito por Piedras (2006, p.10), ―há indícios de que as pessoas não se deixam mais enganar... Eu tenho que buscar o consumidor porque ele não quer mais ver propaganda‖ – ou será porque ele nunca deu mesmo a tão desejada importância às propagandas? Em congruência com os argumentos acima, Maman (2006) enfatiza que, apesar de massivos investimentos em propaganda e na crença do poder deste instrumento, observa-se nos últimos anos o desaparecimento de inúmeras empresas: Mappin, Mesbla, VASP, Transbrasil, Banco Econômico, Banco Bamerindus, Credicard, Vésper, Bancol, Balaio, entre outras recentes como a VARIG. Maman (2006 p.2) ainda aponta o fato de que agências publicitárias como a WBrasil, DPZ e Fischer América ―criam peças publicitárias focadas em princípios de sedução e envolvimento do consumidor, propagandas estas com pouca ou nenhuma relaçãocom a realidade‖. Enfatizando um ou outro aspecto, tanto Maman (2006), quanto Piedras (2006), Giglio (2004) e Willemsens, Perin e Sampaio (2006), ressaltam aqui e ali elementos importantes como o ceticismo do consumidor em relação a propagandas e fatores como valores, família, sinceridade, qualidade e preço do produto que influenciam a sua decisão de compra e que devem ser considerados por profissionais da área. Num estudo sobre produtos que não danificam o ambiente e sua influência sobre a decisão de compra do consumidor recifense, Melo, Costa e Leite (2007), apesar de argumentarem que a propaganda pode servir como meio eficiente de divulgação da prática eticamente correta de empresas e de conscientização do consumidor da importância de proteger o meio ambiente, obtiveram em seu estudo o achado de que a maioria dos participantes indicou a qualidade e o preço como sendo os fatores mais importantes na sua decisão. Estes achados, adicionando-se também à lista o elemento ―disponibilidade do produto no mercado‖, estão em consonância com estudos feitos fora do Brasil (Carrigan et al., 2004; Bhaskaran & Hardley, 2002; Carrigan & Attalla, 2001; Shaw & Clarke, 1999; Yam-Tang & Chan, 1998). Existe forte evidência de que a propaganda dirigida e altamente segmentada, ou seja, voltada mais Propaganda e Processo de Decisão de Compra 15 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 para a sintonia com as motivações dos consumidores do que numa tentativa de influenciar as mesmas, é muito mais eficaz do que as formas massificadas, sendo um dos principais motivos do enorme sucesso comercial de empresas como a Amazon e Google (Torres & Briggs, 2005; Lacerda, Cristo, Gonçalves, Fan, Ziviani & Ribeiro Neto, 2006; Payne, David, Jennings & Sharifi, 2006; Goldfarb & Tucker, 2008). Isso contradiz frontalmente o que seria de se esperar caso fosse verdadeira a noção de que a propaganda tende a criar um efeito psicológico de necessidade ou de ilusão de necessidade em relação a um produto ou serviço naqueles que originalmente não apresentavam tal disposição. De fato, tais achados sugerem que os melhores impactos publicitários sobre as vendas surgem quando se tenta fazer chegar informação ao público aprioristicamente interessado, mais do que aos desinteressados. Apesar de uma revisão crítica filosófica sobre a propaganda ser fundamental para um melhor entendimento dela e do seu papel na tomada de decisão de compra, seria interessante também partir para uma exploração empírica. Foi considerando essa possibilidade que o presente trabalho veio à tona. É importante ressaltar ainda, que, apesar da tendência crítica contra a crença dos poderes indutores da propaganda aqui expostas, o presente trabalho pretende ser falseável, ou seja, ele não parte do pressuposto de uma única hipótese possível. Numa tentativa de conciliar as dificuldades de uma abordagem quantitativa de ser mais compreensiva e aprofundada no tratamento dos dados e de se fazer uso de uma quantidade grande de variáveis (e de maneira sistematizada), o que é uma característica dos estudos que envolvem os fenômenos das ciências humanas e sociais, adotou-se como referência metodológica a teoria das facetas ou Facet Theory, a qual Primeiro, oferece princípios sobre como delinear pesquisas para a coleta sistemática de dados. Igualmente oferece um marco de referência formal que facilita o desen- volvimento de teorias. Neste sentido é um procedimento metateórico. Segundo, apre- senta uma variedade de métodos para ana- lisar dados, métodos estes que se destacam por um mínimo de restrições estatísticas. Por este motivo, apresentam-se como ad- Propaganda e Processo de Decisão de Compra 15 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 equados para analisar uma grande quanti- dade de variáveis psicológicas e sociais. Finalmente, permite relacionar sistemat- icamente o delineamento da pesquisa, o registro dos dados e sua análise estatística. Dito de outra forma, facilita expressar su- posições teóricas, isto é, hipóteses, de tal forma que se pode examinar empirica- mente sua validade (Bilsky, 2003 p.357). A Teoria das Facetas é uma teoria que se apoia na teoria dos conjuntos e se constitui como uma vertente que envolve três perspectivas ou facetas de um universo estudado: os participantes (faceta P), as variáveis que podem influenciar os mesmos (faceta C) e as possíveis respostas ou amplitude de respostas admissíveis (faceta R) que possam emanar da interação das duas primeiras facetas (aqui denominada de domain of concern) (Bilsky, 2003). No caso específico do campo da psicologia, como o número de variáveis, ou facetas do tipo ―C‖, que influenciam a psique e/ ou comportamento humano são incontáveis, pelo menos se tenta considerar e analisar em interação aquelas diversas prováveis variáveis, de um contexto específico, que possam influenciar o objeto estudado e as possíveis respostas comportamentais que possam emanar de tais influências. Finalmente, levando em consideração o que foi dito anteriormente, surge a seguinte indagação: Na opinião dos participantes, a propaganda tem influência determinante na decisão de compra do adolescente brasileiro recifense? E como hipóteses: • A propaganda não tem influência determinante na decisão de compra do adolescente brasileiro recifense • A propaganda tem influência determinante na decisãode compra do adolescente brasileiro recifense. Destarte, o objetivo do estudo realizado foi de verificar, a partir da opinião do pesquisado, se a propaganda exerce influência determinante sobre suas decisões de compra ou não. Método Amostra Foram incluídas duas escolas na pesquisa, sendo uma pública e outra particular, com o intuito de abranger de forma mais ampla as classes sociais Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 16 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 que compõem a estrutura sócio-econômica do Recife. Outro critério utilizado foi a idade dos participantes. Foram incluídos no estudo 77 adolescentes provenientes dos dois últimos anos do ensino médio, os quais incluem alunos das classes sociais entre ―A2‖ (renda média de R$6.563,73) e ―D‖ (renda média de R$484,97) - segundo a classificação da ABEP (2007). Mesmo com a delimitação inicial baseada no ano de escolaridade do aluno (a), foram incluídos no estudo somente adolescentes na faixa-etária de 15 a 18 anos. Os motivos para esta decisão foram: 1. Pode ocorrer que pessoas com mais de 18 anos ainda estejam cursando o ensino fundamental (portanto, não mais seriam considerados adolescentes) – baseado neste critério, sete alunos com idades entre 20 e 23 anos não foram considerados nas análises dos dados desta pesquisa. 2. Na faixa-etária 15-18 anos os adolescentes tendem a ser mais independentes no que concerne ao sair só e com amigos, e nas suas decisões de compra do que aqueles maisjovens. Muitos possuem alguma forma de recurso financeiro, seja proveniente dos pais (a chamada mesada), seja através de emprego próprio ou ―estágios‖ de meio expediente. O número final de participantes da pesquisa foi de 73 alunos; sendo 28 do sexo masculino - média de idade 16.22 (DP.78) e 16.88 (DP .78) para escola particular e pública, respectivamente - e 46 do sexo feminino média de idade 16.19 (DP.75) e 16.88 (DP .60) para escola particular e pública, respectivamente. Vários aspectos como, disponibilidade dos alunos, tempo necessário para a coleta dos dados, permissão por parte da administração das escolas e dos pais, acarretaram atrasos e uma diminuição do número de participantes. Procedimentos Antes da aplicação definitiva dos instrumentos de coleta de dados da pesquisa, foi feito um piloto com dois alunos e duas alunas (os quais foram excluídos da amostra principal para evitar o risco de bias por parte destes que já conheciam os instrumentos a ser utilizados) para verificar se os instrumentos eram compreensíveis aos participantes. Verificou-se então a necessidade de ajustar alguns aspectos como a frase do primeiro protocolo e o valor hipotético em Reais do protocolo III que foi ajustado para cima (o valor hipotético final disponível foi de R$ 1.500,00). Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 16 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 A coleta de dados foi dividida em dois dias no período da manhã, na escola particular, e no período da tarde na escola pública – apenas por uma questão de horário de funcionamento do ensino médio das escolas; com um intervalo de uma semana entre a primeira fase e a segunda; e em turmas mistas. No primeiro dia aplicou- se o formulário para coleta de dados demográficos e a atividade de associação livre. No segundo momento, aplicaram-se os protocolos contendo as atividades de classificação dirigida, atividade hipotética de compra e escalas Likert sobre o peso da propaganda na decisão de compra dos alunos participantes e de seus amigos. A coleta foi realizada em dias de aula normais com a permissão dos professores de várias disciplinas e anuência préviada diretoria da escola. Cada atividade proposta foi explicada previamente e nenhuma pressão em termos de tempo foi realizada por parte dos pesquisadores, de forma que os alunos puderam responder cada um, a seu tempo, o que lhes era pedido. Nenhuma outra atividade foi iniciada antes que todos terminassem de responder os protocolos. No total foram quatro encontros entre os pesquisadores e os alunos; sendo dois encontros na escola pública e dois na particular. Instrumentos Para a obtenção dos dados demográficos da amostra envolvida no estudo, utilizou-se um formulário contendo uma parte para identificação dos participantes (com o uso de um apelido à escolha dos alunos para garantir o anonimato), ano escolar, data de nascimento, sexo, número de integrantes da família, se os alunos trabalhavam, a profissão dos pais, se os alunos recebiam mesada, se possuíam cartão de crédito. Na segunda parte do documento, o formulário requisitava informações sobre a renda familiar,uma autoavaliação por parte dos alunos e os hobbies prediletosdos mesmos. Foram também realizadas entrevistas na forma de associações livres e classificações dirigidas, situação hipotética de compra e uso de escalas Likert com espaço para livres justificativas. Para a atividade de associação livre os alunos receberam um protocolo contendo instruções sobre a atividade proposta. Pediu-se aos alunos que lessem atentamente o que estava sendo requisitado e que respondessem imediatamenteaquilo que vinha em suas mentes quando liam a frase ―o que influencia minha Propaganda e Processo de Decisão de Compra 17 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 decisão de compra é‖. Nas instruções desta atividade havia também a orientação para os alunos apontarem no mínimo três palavras / motivos em suas respostas. Para a atividade de classificação dirigida os alunos receberam um protocolo contendo uma figura em forma de pirâmide com vários níveis divididos da base ao topo; acima deste se encontrava a palavra ―Compra‖. Uma lista contendo os motivos mais apontados pelos próprios alunos na atividade de associação livre (aplicada no primeiro encontro) foi distribuída juntamente com o protocolo da pirâmide (protocolo II). Pediu-se então aos alunos que apontassem os itens (apresentados na lista) que mais tinham relação com a palavra apontada no protocolo, em ordem de importância, da base ao topo; desta forma, a palavra mais próxima ao nome ―compra‖ indicaria o item de maior relação com a mesma, segundo a opinião dos estudantes. Aplicou-se também um terceiro protocolo contendo uma atividade de compra hipotética, onde os alunos tinham R$ 1.500,00 para gastarem com três produtos de seu agrado. Além dos produtos os alunos deveriam especificar as marcas dos mesmos e dar uma breve justificativa a respeito das suas escolhas em relação às marcas dos produtos escolhidos. Finalmente, aplicou-se quarto e último protocolo contendo duas escalas Likert sobre o peso (variando de 0 a 10, onde próximo ao ―0‖ constavam as palavras ―peso nenhum‖ e, do ―10‖, as palavras ―muito peso‖) da propaganda na decisão de compra dos alunos participantes e na decisão de compra de seus amigos. Os alunos deveriam escolher a numeração que mais se adequasse à opinião deles no que concerne à decisão pessoal de compra e supostamente à decisão de compra de seus amigos. Resultados Foram realizadas análises descritivas, de variância Kruskal-Wallis e multidimensionais, esta última baseando-se na técnica SSA (Smallest Space Analysis) que permite converter distâncias e similaridades do tipo psicológicas em distâncias geométricas euclidianas, o que por sua vez, permite ao pesquisador uma comparação direta entre estruturas mentais complexas (Roazzi, 1995). Com base neste tipo de análise é perfeitamente possível verificar como as categorias se relacionam, entre si e com grupos independentes. As SSAs foram feitas a partir dos critérios ―MOTIVOS‖ (para decisão de compra) Propaganda e Processo de Decisão de Compra 17 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 e ―ATIVIDADES‖ (preferidas pelos adolescentes). A partir dos resultados obtidos neste procedimento é possível verificar quais motivos na perspectiva dos adolescentes estão mais ou menos relacionados entre si e com a decisão de compra dos deles, distinguindo-se também as relações entre gênero e escolas. O mesmo se aplica à SSA feita para as atividades preferidas pelos adolescentes, como pode ser verificado nas Figuras 1 e 3 para motivos e atividades, respectivamente. Atividades preferidas Pediu-se aosparticipantes paraque eles escolhessem por ordem de preferência, numa escala avaliativa de 1 a 13 (13 = a mais preferida e 1 = a menos preferida), as atividades nas quais os mesmos se envolvem em seu tempo livre. 69 alunos (as) de 74 escolheram “sair com amigos”, com uma média dos escores de 9.7, sendo que 50% destes (37 pessoas) escolheram esse item como sendo uma das três atividades mais preferidas. 68 alunos (as) de 74 escolheram “escutar música”, com média dos escores de 9.2, sendo que 50% destes (37 pessoas) escolheram este item como sendo uma das três atividades mais preferidas. 67 alunos (as) de 74 escolheram o item “navegar na Internet”, com média dos escores de 8.2, sendo que 27,5% destes (19 pessoas) a escolheram como sendo uma das três mais preferidas. 58 alunos (as) de 74 escolheram “praticar esportes”, com média dos escores Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 18 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 de 7.7, sendo que 44%,6 destes (33 pessoas) escolheram esse item como sendo uma das três atividades mais preferidas por eles. 59 alunos (as) escolheram ―assistir televisão‖, com médiados escores de 5.3, sendo que apenas 12,2% destes (09 pessoas) a escolheram como sendo uma das três atividades mais preferidas. O item ―fazer compras‖ foi mencionado por 51 pessoas, apresentando média de 5.4 com 11 pessoas (21,6% destes) escolhendo-a como uma das três atividades mais preferidas. O item ―ir ao cinema‖ nem mesmo foi citado como uma das duas primeiras atividades mais preferidas pelos adolescentes, mas foi escolhido por 59 alunos (as) e apresentou média 5.8. É importante ressaltar que estes dados a respeito das atividades realizadas no tempo livre dos adolescentes são relevantes, pois apontam para a possibilidade de eles estarem mais ou menos propensos à exposição de propagandas. Por exemplo, escutar música no MP3 possivelmente expõe os adolescentes a propagandas muito menos do que navegar na Internet. No que se refere à atividade ―fazer compras‖, houve diferença significativa entre os grupos ―Ma‖ e ―Fe‖, com o grupo ―Fe‖ apresentando uma média maior e entre os grupos Pa-Ma, Pa-Fe, Pu-Ma e Pu-Fe, com o grupo Pa-Fe apontando uma média maior. Aqui também é possível perceber uma preferência do grupo feminino a esta atividade, mas de forma especial para as estudantes da escola particular. Já a atividade ―jogar vídeo-game‖ apresenta diferenças significativas entre os Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 18 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Figura 1 - Análise SSA das associações à pergunta “O que você gosta mais de fazer?”, considerando como variáveis externas (e) o tipo de escola (2: pública e particular – Pub e Part, respectivamente) e o sexo (2: masculino e feminino - Masc e Fem, respectivamente). grupos ―Pa‖ e ―Pu‖, ―Ma‖ e ―Fe‖ e Pa-Ma, Pa-Fe, PuMa e Pu-Fe, com os grupos masculinos apresentando maiores médias, assim como o grupo ―Pa‖, o que aponta para uma preferência maior dessa atividade por parte dos alunos da escola particular. No referente à atividade ―ir ao cinema‖, houve diferença significativa apenas entre os grupos ―Pa‖ e ―Pu‖, com o grupo ―Pa‖ apresentando uma média maior. É importante notar que para aquelas atividades que requerem maior investimento financeiro, a preferência maior é dos e das alunas da escola particular, o que aparentemente se justifica pelo maior poder aquisitivo daqueles, o qual é representado através das faixas de renda das famílias apontadas pelos próprios alunos. Finalmente, no que concerne à atividade ―navegar na internet‖, houve diferença significativa apenas entre os grupos ―Ma‖ e ―Fe‖, com o grupo ―Ma‖ apresentando uma média maior. Os resultados das análises de variância estão em consonância com os da MDS SSA (ver Tabela1). A análise multidimensional SSA feita com as variáveis referentes às ―ATIVIDADES‖ preferidas pelos adolescentes, aponta relações muito próximas entre os grupos Pub-Fem (pública/feminino) e Part-Fem (particular/feminino) e os gruposPart-Masc (particular/ masculino) e Pub-Masc (pública/masculina). A Propaganda e Processo de Decisão de Compra 19 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 SSA também aponta uma relação próxima entre as atividades que caem no campo ―dentro de casa‖ (assistir TV, assistir filmes em casa, navegar na internet, escutar música e jogar videogame) e os grupos Part-Masc e Pub-Masc e uma relação próxima entre as atividades do campo ―fora de casa‖ (ir ao cinema, ir à praia, ler, fazer compras, sair com os amigos, ir para balada e viajar) e os grupos Part-Fem e Pub-Fem. De acordo com os resultados da SSA é possível apontar que as atividades preferidas mais mencionadas pelas estudantes de ambas as escolas são ―sair com os amigos‖, ―fazer compras‖, mas com uma relação similar com as atividades ―navegar na internet‖ e ―escutar música‖ (dentro de casa). Já para os grupos dos estudantes de ambas as escolas, a relação é mais próxima com as atividades ―navegar na internet‖, ―escutar música‖ e ―jogar videogame‖, com esta última um pouco mais relacionada com o grupo Part-Masc e aquela penúltima com o grupo Pub-Masc. A atividade ―praticar esportes‖ (fora de casa) apresenta uma relação mais próxima com o grupo Pub-Masc. Já a atividade ―ir para balada‖ (fora de casa) está mais relacionada com o grupo Part-Fem. Estes dados são consistentes com a descrição das frequências das atividades preferidas pelos Propaganda e Processo de Decisão de Compra 19 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 adolescentes, as quais apontam as três atividades mais preferidas como sendo: ―escutar música‖, ―sair com os amigos‖, ―navegar na internet‖ e ―praticar esportes‖. De uma forma geral o que se percebe é um padrão de relação maior entre os grupos masculinos de ambas as escolas e as atividades da esfera ―dentro de casa‖ mais a atividade ―praticar esportes‖ (fora de casa). No caso feminino de ambas as escolas a relação é maior com as atividades ―fora de casa‖ mais ―navegar na internet‖ e ―escutar música‖ (dentro de casa). Assim sendo, pode- se dizer que os grupos femininos apresentam uma preferência por atividades outdoors sociais e dinâmicas, enquanto os grupos masculinos apresentam uma preferência por atividades indoors e individuais. Com a exceção da atividade ―praticar esportes‖ que pode ser realizada em grupo e ao ar livre, ―navegar na internet‖ e ―escutar música‖ que podem ser realizadas fora de casa também. É possível ainda notar que as atividades que exporiam os adolescentes de forma mais imediata à influência da propaganda, como ―assistir TV e ―ir ao cinema‖, apresentam uma relação próxima entre si, mas distantes dos quatro grupos das escolas, quando comparado às atividades principais mais relacionadas Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 20 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 aos grupos. No entanto, não se pode afirmar que os adolescentes pesquisados são imunes à influência da propaganda por preferirem atividades aparentemente sem relação direta com a mesma. A propaganda pode influenciá-los por outros caminhos, pois ao ―sair com os amigos‖, ―escutar música‖ e ―fazer compras‖, os grupos femininos de ambas as escolas se expõem a influências da propaganda de diversas formas como outdoors, panfletos, pôsteres, mídia ambiente e merchandising de toda sorte. Assim como os grupos masculinos de ambas as escolas são expostos à propaganda ―ao navegar na internet‖, ―praticar esportes‖ e ao ―escutar música‖ (é comum se escutar rádio pelo celular, já que escutar músicas no formato MP3 consome mais rapidamente a bateria dos aparelhos). No entanto, os motivos principais apresentados pelos adolescentes para a decisão de compra não foram a propaganda ou a mídia. Motivos que influenciam a decisão de compra Da lista dos sessenta motivos apontados pelos próprios adolescentes cinco itens obtiveram as maiores frequências e médias, quais sejam: “qualidade Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 20 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 do produto”, “preço do produto”, “dinheiro disponível”, “marca do produto” e “conforto pessoal”, com os motivos “influência da propaganda” e “meios de comunicação” apresentandofreqüências e médias muito baixas. As frequências apontam que 72,5% dos participantes (55 pessoas) escolheram ―qualidade do produto‖, apresentando média de 5.03, sendo que 43,2% daqueles (32 pessoas) avaliaram esse item com os três maiores escores (escores vão de 9 a 1 em termos decrescentes de importância). 71,6% dos participantes (53 pessoas) escolheram ―preço do produto‖, apresentando média 4.61, sendo que 40,5% daqueles (30 pessoas) avaliaram esse item como os três maiores escores. 45,9% dos participantes (34 pessoas) escolheram ―dinheiro disponível‖, apresentando média de 2.93, sendo que 25,6% (19 pessoas) avaliaram esse item com os três maiores escores. Apenas 2,7% dos participantes (02 pessoas) citaram ―meios de comunicação‖, apresentando média de 0.14, das quais uma delas avaliou esse item como sendo o segundo motivo mais importante de influência na decisão de compra. Em relação ao item ―influência da propaganda‖, 10,8% dos participantes (8 pessoas) o escolheram, apresentando média de 0.36, sendo que nenhuma pessoa (0%) avaliou esse item com um dos três maiores escores e uma pessoa o avaliou como sendo o quarto motivo (escore 6) de influência na decisão de compra. Um reagrupamento posterior das 60 variáveis referentes aos motivos que influenciam a decisão de compra dos pesquisados foi feito usando-se uma análise de Cluster do tipo ―Pearson r‖ no método de Ward. A partir dos reagrupamentos realizados, foram geradas 5 variáveis ―mães‖ e 18 subgrupos de variáveis do reagrupamento das 5 principais. O reagrupamento foi feito a partir das relações de proximidade ou distância, em termos de força de correlaçãoestatística, entre as 60 variáveis. Estas relações foram adotadas como critérios para a geração das 18 subgrupos de variáveis reagrupadas que foram utilizadas posteriormente nas análises de variância e multidimensionais. Houve diferenças significativas entre grupos, no que concerne aos motivos escolhidos como sendo os que mais influenciam a decisão de compra dos adolescentes. Há uma variação significativa entre as escolas, no que diz respeito a comparações envolvendo as variáveis S.Interesses, S.Pertencer, S.Conexões, V.Aspectos Propaganda e Processo de Decisão de Compra 21 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Figura 2 - Análise SSA das associações à pergunta “O que influencia minha decisão de compra é ...” considerando como variáveis externas (e) o tipo de escola (2: pública e particular – Pub e Part, respectivamente) e o sexo (2: masculino e feminino - Masc e Fem, respectivamente). Herdados, V.Preferências, V.Contexto e Q.Praticidade, com a escola particular apresentando as maiores médias. Em outras palavras, os motivos mídia, propaganda, satisfação pessoal, vontade de gastar, festas, bem-estar, histórico do produto, rendimento do produto, vaidade pessoal, minha personalidade, vontade pessoal, custo- benefício do produto, funcionalidade do produto, durabilidade do produto, originalidade do produto, mãe, interesse pessoal, sabor do produto, produtos eletrônicos, irmãos, estilo pessoal, condição financeira, garantia do produto, simplicidade do produto e praticidadedo produto, foram mais citados pelosalunos da escola particular. A variação foi significativa também entre as escolas no concernente às variáveis I.Marca, I.Psicossocial, I.Estímulo Secundário e E.Bem-estar, desta vez com a escola pública apresentando as maiores médias. Ou seja, os motivos confiança no produto, opção de pagamento, variedade do produto, produtos novos, diversão, mania de comprar, namorado(a), outras pessoas, satisfação pessoal, vontade de ter, solidão, gosto pessoal e tempo pessoal, foram mais citados pelos alunos da escola pública. Houve ainda diferenças significativas entre sexos no que diz respeito às variáveis V.Contexto (motivos: Propaganda e Processo de Decisão de Compra 21 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 irmãos, estilo pessoal e condição financeira) e E.Bemestar (motivos: satisfação pessoal, vontade de ter, solidão, gosto pessoal e tempo pessoal), com o sexo masculino apresentando uma média maior para o primeiro caso e o sexo feminino para o segundo caso (citando mais os motivos referentes às variáveis de cada um). As análises de variância relativas aos motivos para decisão de compra apresentam resultados consistentes com a análise MDS SSA, mas ressaltam ainda a diferença de intensidade em termos de importância dos motivos para decisão de compra dos adolescentes. É relevante notar as diferenças entre os grupos (Pa-Ma, Pa-Fe, Pu- Ma e Pu-Fe) no que concerne à variável ―S.Pertencer‖ (a qual representa o motivo ―Propaganda‖), com o grupo Pa-Ma apresentando as maiores médias neste caso. A partir da análise MDS SSA sobre os ―Motivos‖ é possível ressaltar as relações existentes entre os motivos para decisão de compra, apontados pelos adolescentes. A inspeção da projeção SSA confirma as relações entre as variáveis, as quais já tinham sido apontadas anteriormente através da Análise de Cluster, mostrando também a relação estrutural entre os itens. Nota-se que existe uma relação muito próxima entre os grupos que correspondem aos alunos e alunas da escola particular e pública e a variável ―Emoção‖ que inclui motivos como satisfação pessoal, vontade de ter, solidão, gosto pessoal, tempo disponível, relação pessoa-produto, design do produto, loja/estabelecimento e cor do produto. Isso sugere que esses motivos antecedem outros da escala hierárquica daquilo que influencia a decisão de compra dos adolescentes. A variável ―Part-Fem‖, a qual representa as estudantes da escola particular, em relação ao gênero é a que tem uma relação mais próxima com a variável ―Status‖, que representa os motivos ―Propaganda‖ e Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 22 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 ―Mídia‖, sugerindo que estes têm mais relação com a decisão de compra dessas estudantes do que as da escola pública e do que para os estudantes de ambas as escolas. Isso é consistente com o fato de que somente na escola particular foram citadas a propaganda e a mídia como agentes influenciadores da decisão de compra e aponta para o fato de que, das dez pessoas que citaram esses dois motivos, a maioria era estudantes do sexo feminino da escola particular. De uma forma geral, é plausível afirmar, a partir do primeiro exercício realizado pelos adolescentes através dos protocolos I e II relacionados aos motivos enunciados por eles, que a propaganda representada pelas variáveis ―Propaganda‖ e ―Mídia‖ não está entre os motivos mais relevantes para decisão de compra dos adolescentes de ambas as escolas. Baseando-se nas análises estatísticas descritivas, multidimensional SSA e de variância Kruskall-Wallis pode-se afirmar que, tomando como referência as opiniões dos adolescentes apresentadas na primeira atividade (protocolos I e II), a propaganda é tida como agente influenciador apenas na decisão de compra de alguns estudantes da escola particular, sendo que as estudantes citaram a propaganda e a mídia e os estudantes apenas a propaganda. Ademais, apesar de citarem a propaganda na mesma proporção, os estudantes da escola particular atribuíram um escore maior à influência da mesma, em relação aos escores atribuídos pelas estudantes. No entanto, no contexto geral, a propaganda e a mídia nem podem ser consideradas como os aspectos mais importantes, nem sequer como aspectos muito importantes para decisão de compra da maioria dos adolescentes das duas escolas. Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 22 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Produtos e marcas preferidos Com base nas análises descritivas dos dados obtidos no exercício sobre a situação hipotética de compra, foi possível identificar, a partir das justificativas dadas pelos pesquisados, se a propaganda está relacionada com a escolha das marcas escolhidas pelos adolescentes1. Noventa e oito (98) marcas e quarenta (40) produtos diferentes foram citados pelos adolescentes das duas escolas juntas, sendo que os mais citados dos dois (marcas e produtos) estão representados em percentuais na tabela 4 abaixo. Realizou-se também uma análise de variância Kruskal-Wallisparaverificarsehaviadiferençasignificativa entre os grupos das escolas particular e pública no que diz respeito aos produtos e marcas preferidas. Apenas para o item ―Celular‖ houve uma diferençasignificativa, com o grupo Pu-Ma que representa os estudantes da escola pública apresentando uma média maior. Peso da propaganda na decisão pessoal e de amigos A partir das questões que solicitavam uma avaliação do peso da propaganda para decisão pessoal de compra e para decisão de compra de amigos, foi possível determinar o peso que a propaganda tem na decisão dos adolescentes, segundo a opinião dos mesmos. É interessante notar que a média obtida na segunda escala Likert, concernente à decisão de compra de outras pessoas (dos amigos dos adolescentes), é maior do que a da primeira escala. Quais sejam: 6,05 (DP 2,862) para a primeira escala referente à decisão de compra pessoal e 7,56 (DP 1,840) para a segunda escala referente à decisão de compra de amigos. No entanto, as médias, tanto de uma como de outra escala, não apontam para os maiores índices de influência da propaganda que seriam entre os números 8 e 10 da escala. Propaganda e Processo de Decisão de Compra 23 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 De acordo com os resultados obtidos através de análises de variâncias não-paramétricas se constatou que houve diferença significativa entre os grupos Ma (masculino) e Fe (feminino) e Pa (escola particular) e Pu (pública), no que diz respeito ao peso da propaganda para decisão pessoal de compra, sendo o grupo feminino e a escola pública mais afetados pela propaganda. O que aponta para uma maior influência da propaganda na decisão de compra das estudantes da escola pública. Ver tabela 4 adiante. Análise da entrevista Após a aplicação do último protocolo da pesquisa, uma breve entrevista não-estruturada foi realizada na escola pública, onde a propaganda ou qualquer termo relacionado à mesma não havia sido citado no primeiro exercício como sendo um motivo de influência na decisão de compra dos adolescentes daquela instituição. É possível perceber através da transcrição que houve uma dificuldade de se chegar a um consenso entre os alunos sobre o peso da propaganda na decisão pessoal de compra deles, apesar de haver uma tendência da turma a concordar com a influência da mesma nas suas decisões de compra. No entanto, é possível também perceber que, de uma forma geral, apesar dos alunos entrevistados admitirem inicialmente que a propaganda pode ter influência determinante na decisão de compra deles, esta mesma afirmação torna-se inconsistente quando o pesquisador pergunta por que os alunos não mencionaram a propaganda na lista de seus motivos para decisão de compra. Ao final da entrevista torna- se mais claro que a propaganda é importante para a decisão de compra dos adolescentes daquela escola, mas que o produto em si e aspectos relacionados ao mesmo, como qualidade, preço e características morfológicas são 1 As justificativas para as escolhas das marcas acima são referentes à qualidade do produto, durabilidade, facilidade no manuseio/ praticidade, beleza/design, conforto, tradição familiar e experiência com o produto. Nenhum adolescente citou a propaganda ou qualquer termo como publicidade, mídia ou imprensa nas suas justificativas. Propaganda e Processo de Decisão de Compra 23 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 mais importantes do que a influência da propaganda, como pode ser verificado adiante em alguns trechos da entrevista. As afirmações acima vêm ratificadas também pelas justificativas dadas por alunas da escola pública para o peso atribuído à propaganda na decisão pessoal e dos amigos como apontado após os trechos da entrevista. Pesquisador: quer dizer, a propaganda é importante, mas o produto tem que ser... Alunos (as): completam a frase do pesquisador dizendo: “ é mais importante”. Pesquisador: é mais importante que o produto seja bom e tenha qualidade? Alunos (as): comentários cruzados. Aluna “J”: comenta algo sobre os aspectos mais importantes como sendo qualidade, beleza e preço. Milla apontou peso 9 para decisão pessoal: “ influencia muito minha decisão, e sendo um produto que eu possa comprar melhor ainda”. E 8 para decisão dos amigos:“ depende da vontade dos meus amigos” Nane apontou peso 5 para decisão pessoal: “porque nem muitas vezes a propaganda ela diz se o produto é bom”. E 10 para decisão de compra das amigas: “porque as vezes elas são influenciadas por elas”. Anny apontou peso 10 para decisão pessoal: “como assisto muito, tenho a oportunidade de ver as novidades, os preços, que com isso me influencio”. E peso 3 para decisão de compra dos amigos: “acredito que poucos se deixam influenciar pela propaganda” Bela apontou peso 7 para decisão pessoal: “pelo produto estar na propaganda ele é atual. isso chama minha atenção”. E peso 8 para decisão dos amigos: “porque a propaganda é um meio de manipulação” Pamynha apontou peso 9 para decisão pessoal: “pq gosto de me exibir”. E peso 6 para decisão de compra dos amigos:“porque a maioriavai pelo preço e não a marca ou propaganda” Nega apontou peso 8 para decisão pessoal: “não influencia muito”. E peso 7 para decisão dos amigos: “ influencia mais ou menos” Nany apontou peso 7 para decisão pessoal: “porque nem sempre ela me faz ir a loja e comprar, e sim a necessidade”. E peso7 para decisão dos amigos; “porque ela adora comprar mas nem sempre vai atras das propagandas” Meury apontou peso 1 para decisãopessoal: “... não me influencia, o que me influencia é se caso eu gostar do produto, e ter condições de comprar”. E peso 5 para decisão de compra dos amigos: “se acaso ela agradar Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 24 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 pelo produto a propaganda influencia m u ito pra ela” Ao que parece, levando em consideração todas as análises feitas neste estudo, os adolescentes participantes desta pesquisa, ainda que se enquadrem na citação ―... vivendo sua crise de identidade, portador de um ego com características específicas, ele possui um terreno fértil para sofrer induções, sugestões, pregações de toda natureza, podendo ser utilizado como cidadão de papel, na expressão de Dimenstein (1993)‖ (Levisky, 1998, p.74), estejam vulneráveis a influências socioculturais, de amigos, de situações estressantes e de dificuldades típicas deste período de desenvolvimento. Tenham momentos de instabilidade e mudanças na personalidade e possíveis desordenamentos do comportamento são intensificados (Donnellan, Conger e Burzette, 2007; Lebelle, 2007; Shaffer, 2002). Mesmo assim, baseando- se nos resultados do presente trabalho, não se pode afirmar que, devido à fragilidade deste período de desenvolvimento e refinamento da personalidade do indivíduo, a propaganda exerça influência determinante na decisãode compra dos adolescentes. Considerações Finais Tomando como referência os achados deste trabalho e o objetivo nele propostos, a seguir são apresentadas algumas conclusões que merecematenção: 1. Dentre os motivos para a decisão de compra dos adolescentes de ambas as escolas e sexo, a Propaganda e a mídia não foram apontadas como sendo os mais relevantes, ficando atrás de outros como qualidade, preço, características diversas do produto e dinheiro disponível. Ademais, a partir da análise SSA referente aos motivos apontados espontaneamente pelos adolescentes, as variáveis centrais de grande importância para ambos os sexos e escolas foram aquelas relacionadas com aspectos emocionais do indivíduo. 2. As atividades preferidas pelos estudantes foram apontadas como sendo, para ambos os sexos, sair com os amigos e escutar música com escolas, navegar na internet e praticar esporte tendo predileção um pouco maior para o sexo masculino. É plausível, portanto, afirmar que estas atividades não os isolam da influênciada propaganda. 3. De uma forma geral a propaganda recebeu um peso acima do nível 5 da escala Likert na decisão de compra pessoal, principalmente para as estudantes da Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 24 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 escola pública; mas deu-se peso maior para decisão de compra dos amigos. No entanto, ao se verificar os dados das análises qualitativas, percebeu-se que, mesmo tendo sido apontada como um fator importante de influência na decisão de compra pessoal, a propaganda não ocupa posição determinante na decisão final dos e das estudantes. Quanto à segunda escala relativa ao peso da propaganda para a decisão de compra dos amigos, onde houve uma tendência geral em apontar um peso maior à propaganda, a conclusão que se pode tirar é que um maior peso tenha sido dado simplesmente porque afirmar que a propaganda influencia mais a decisão dos outros pode fazer parte do imaginário social e de um possível mito criado sobre os reais efeitos da mesma, além de uma possível preservação do próprio ego - (não é muito elegante se autoclassificar como influenciável); contudo, tais argumentos merecem ser mais aprofundados em outra iniciativa de pesquisa. Considerando-se que os alunos se auto-avaliaram e avaliaram seus colegas, não seria inconsistente dizer que muitos dos amigos avaliados eram os próprios colegas de classe. Destarte, poder- se-ia especular que o peso real da propaganda para decisão de compra pessoal seria o da segunda escala. No entanto, alguns aspectos devem ser considerados: a) As médias gerais da primeira e da segunda escala não apresentam uma grande diferença entre si (6,05 e 7,55, respectivamente), o que aponta para a possibilidade de sinceridade nas respostas dos adolescentes; b) Há apenas uma única diferença significativa entre grupos, com o Pu-Fe indicando maior peso à propaganda; c) Todos os outros achados indicam que a propaganda não está entre os motivos mais citados para decisão de compra; d) E as médias gerais das duas escalas, apesar de razoavelmente diferentes, não representam os maiores escores da escala, que estão entre 8 e 10. Assim sendo, é plausível afirmar que mesmo os adolescentes apontando que a propaganda teria um peso maior para decisão de compra dos seus amigos, e as estudantes da escola pública apresentando maiores médias para decisão pessoal de compra, o peso geral atribuído em ambas as escalas não coloca a propaganda como agente determinante para decisão de compra dos amigos, muito menos para decisão de compra pessoal dos próprios pesquisados. 4. Dentre as preferências dos adolescentes estão os produtos roupas, celulares, calçados e MPs e as marcas Sony, Sony-Ericsson, Nokia e Adidas. No que concerne aos objetivos do presente trabalho, nenhuma Propaganda e Processo de Decisão de Compra 25 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 justificativa dada pela maioria dos adolescentes para as escolhas das marcas foi relacionada à propaganda. Os resultados do presente trabalho estão em consonância com outros estudos feitos por Maman (2006), Piedras (2006), Giglio (2004) e Willemsens, Perin & Sampaio (2006), os quais ressaltam elementos importantes como ceticismo do consumidor em relação a propagandas e fatores como valores, família, sinceridade, qualidade e preço do produto que influenciam a decisão de compra. Os achados desta pesquisa seguem também na mesma direção do estudo de Melo, Costa & Leite (2007) sobre produtos que não danificam o ambiente e sua influência sobre a decisão de compra do consumidor recifense, no qual a maioria dos participantes indicou a qualidade e o preço como sendo os fatores mais importantes na compra de um produto. Todos estes achados, adicionando-se também à lista acima o elemento ―disponibilidade do produto no mercado‖, estão ainda em consonância com outros estudos feitos fora do Brasil (Carrigan et al, 2004; Bhaskaran & Hardley, 2002; Carrigan & Attalla, 2001; Shaw & Clarke, 1999; Yam-Tang & Chan, 1998 ). Finalmente, os resultados aqui apresentados fornecem suporte à afirmação de Damásio (2003), a qual enfatiza que as emoções são um meio natural de avaliar o ambiente em que vivemos e de reagir de maneira adaptativa a este ambiente e com Reimer e Katsikopoulos (2004) e Tversky e Kahneman (1974) que apontam o uso de procedimentos heurísticos em processos decisórios e avaliação sob incerteza, como se pode perceber claramente nas justificativas para as escolhas de marcas dos alunos. Talvez toda argumentação aqui apresentada ainda não seja suficiente para descartar a propaganda como agente determinante e indutor na decisão de compra, no entanto, mesmo considerando a propaganda como tal, seria aceitável somente afirmar que a mesma representa um dentre tantos outros elementos a serem considerados no processo decisório do consumidor. Por se tratar de um estudo de caráter exploratório e de uma amostra muito pequena e ao mesmo tempo limitada quanto à representação dos gêneros, certamente os resultados do presente trabalho não devem ser generalizados para toda realidade Recifense, muito menos à brasileira. Outras iniciativas, com um maior e mais equilibrado número (em termos do sexo) de participantes, que abranjam mais escolas das diversas regiões da cidade do Recife e Propaganda e Processo de Decisão de Compra 25 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 de outros locais do Brasil, são necessárias e bem-vindas para que se possa chegar a uma compreensão mais ampla e ao mesmo tempo profunda do comportamento do consumidor adolescente brasileiro. Uma proposta para o futuro seria um estudo de acompanhamento do comportamento do consumidor antes, durante e depois de um processo decisório de compra real, para que se possa verificar na prática este processo e se variáveis como a propaganda os influenciam determinantemente. A partir de um estudo como este seria possível comparar se há disparidades profundas entre o que os adolescentes dizem e o que fazem na prática. Outra possibilidade ainda poderia ser o uso de várias escalas Likert contendo os motivos já citados pelos adolescentes para que se possa comparar o peso dado à propaganda com o peso dado a outros motivos como qualidade,preço do produto e dinheiro disponível. Finalmente, esta iniciativa nunca teve a intenção de diminuir a importância da propaganda para as atividades comerciais e até mesmo para o crescimento econômico do país, pois como afirmado anteriormente, a propaganda serve como um meio de informação e de ilustração dos diversos produtos produzidos e oferecidos numa determinada sociedade. Apenas se questiona o poder de influência da propaganda na decisão de compra do consumidor, a qual, de acordo com a opinião dos adolescentes envolvidos neste estudo, não se revelou determinante. Referências Bandura, A. (1986). Social Foundations of Thought and Action: A Social Cognitive Theory. Englewood Cliffs, NJ: PrenticeHall. Bee, H. (2003). A Criança em Desenvolvimento. 9º Ed. 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Busca-se discutir as práticas de saúde em Psicologia, diante da diversidade de contextos de trabalho do psicólogo. Neste âmbito de análise, destaca-se o bem estar do ser humano nos contextos principais de atuação psicológica: ESCOLA, COMUNIDADE, TRABALHO E SAÚDE MENTAL. Cada contexto intervém com referenciais teóricos e Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 26 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 metodologias diferenciadas, oferecidas por cada apresentador em seu campo de atuação específico. Tema: Psicologia Latino-americana, Educação e Cultura ENSINO-APRENDIZADO DE PSICOPATOLOGIA:RETRATOS DA LOUCURA Cociuffo, Tânia – UNIP. Psicóloga, é psicóloga, mestre em Psicologia Clínica , Professora universitária da UNIP e PUC em São Paulo- Brasil. Autora do livro Encontro Marcado com a Loucura: Ensinando e Aprendendo Psicopatologia. [email protected] apresentadora do trabalho em questão. Este trabalho é uma mostra de fotos criadas por estudantes de Psicologia, na disciplina teórico/prática de Psicopatologia a partir da compreensão do conceito de loucura. Tal recurso iconográfico, utilizado há muitos anos como estratégia de ensino, marca para os graduandos um momento de busca de representação do conhecimento construído a partir do conteúdo programático obrigatório ministrado no primeiro bimestre letivo do curso. Esse conteúdo objetiva a compreensão dos às pressupostos epistemológicos relativos diferentes perspectivas em relação ao conceito de normal e de patológico. A ênfase da autora recai na compreensão psicanalítica do adoecimento psíquico. Cada aluno é solicitado, após o primeiro bimestre do curso, a criar uma foto na qual represente seu conceito de ―loucura‖ - ressaltamos que tal trabalho é anterior ao contato dos alunos com os usuários dos serviços de Saúde Mental - e, através desse recurso, pretendemos oferecer mais um elemento de reflexão para a construção de um espaço interno de acolhimento e escuta aos usuários desses serviços. Neste trabalho, apresentamos uma série de seis fotos Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 26 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 produzidas pelos graduandos de terceiro e quarto anos do curso de Psicologia, no período de 2005 a 2012. A análise do material demonstra que o conceito de loucura como ruptura, como um acontecimento psíquico que traz a emergência dos conteúdos inconscientes, destacando um momento ―diferente‖, de quebra do contato com a realidade, está presente em todas as representações. A partir da representação, está colocada a questão de como aceitar a diferença e trabalhar com ela. A autora conclui que o recurso utilizado (conceito-imagem) proporciona uma busca de significado que permite aos graduandos a possibilidade de expressar e conservar internamente, de maneira singular e marcante, a compreensão do significado da loucura. Palavras - chave: Psicopatologia, Ensino, Aprendizado, Psicanálise, Loucura, Arte. INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS EM ESCOLAS: CONSTRUÇÃO DE NOVAS PRÁTICAS. Ribeiro, Mônica Cintrão França. Psicóloga, Doutora e Mestre em Psicologia na área Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professora e Supervisora de estágio na Universidade Paulista – UNIP – SP – Brasil – [email protected], apresentadora do trabalho em questão. O não aprender é uma denúncia de que algo não está bem na instituição escola, se a criança em seu desenvolvimento infantil pode apropriar-se de um conjunto de algo ocorre nas relações informações, institucionais que interrompem o processo de aprendizagem do aluno. Da mesma forma, o atendimento psicológico oferecido tem se reduzido a um fenômeno psicopatológico: concepção que entende a queixa escolar como um problema individual, de pertencimento à criança encaminhada. Com isso abre-se a perspectiva de se investigar o funcionamento escolar e a dinâmica das relações família-escola-criança por meio do resgate e construção do significado do aprender. Novas práticas do atendimento psicológico aos problemas de Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 26 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 escolaridade buscam o fortalecimento interno do aluno e a desconstrução da queixa, retirando a criança da condição do não aprender em que foi colocada. Neste trabalho são apresentados resultados referentes a uma intervenção psicopedagógica em escolas na cidade de São Paulo (Brasil). O objetivo do trabalho foi construir uma perspectiva de intervenção no atendimento a queixa escolar que se opõe às práticas tradicionais, visando a não redução dos problemas de escolarização à criança, mas aos funcionamentos escolares e sua relação com o fracasso e sofrimento dos alunos. Os resultados mostram uma mudança na dinâmica do fazer pedagógico na escola, possibilitando a construção de uma rede mais significativa no processo ensino aprendizagem. Palavras chave: psicologia escolar, queixa escolar, psicologia e saúde. PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL NA COMUNIDADE DA FUNERÁRIA (SÃO PAULO, BRASIL) João Eduardo Coin de Carvalho. Psicólogo, Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professor e Supervisor na Universidade Paulista – UNIP – SP – Brasil – [email protected], apresentador do trabalho em questão. Desde a Constituição de 1988, a saúde no Brasil é considerada direito fundamental e universal dos cidadãos, requerendo políticas públicas que garantam a implementação e a manutenção destes direitos. A atenção primária à saúde se apresenta como dimensão necessária das políticas públicas e tem buscado na parceria com a população e com as comunidades as condições necessárias para sua realização. A Psicologia, mais especialmente a Psicologia Social Comunitária, tem buscado ao longo dos últimos anos contribuir para este processo de instalação da saúde como direito, promovendo trabalhos com grupos e discutindo as condições de parceria na qual população e trabalhadores são protagonistas de são apresentados resultados Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. um mesmo referentes projeto coletivo. Neste trabalho a uma intervenção 26 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 psicossocial junto a uma comunidade de baixa renda na cidade de São Paulo, Brasil (Complexo da Funerária). O objetivo do trabalho foi instituir um grupo de agentes da própria comunidade como responsável pelo acompanhamento de mães adolescentes, numa parceria entre moradores, trabalhadores da saúde e acadêmicos. Os resultados mostram o interesse e a disposição de todas as partes, mas revela os desafios da construção de um projeto comum que possa ultrapassar os muitos anos de descaso e desqualificação das demandas comunitárias em saúde, revelando desconfianças e preconceitos de lado a lado. Concluímos que, enquanto a comunidade aparece como alvo prioritário das políticas públicas de saúde, são muitas as dificuldades para a sua efetiva integração como parceira, demandando o desenvolvimento de estratégias específicas que possam dar conta das condições de exclusão e sofrimento social que recaem sobre estas populações, assim como das condições técnicas e políticas envolvidas no trabalho dos profissionais da saúde. Palavras-chave: psicologia social comunitária, psicologia e saúde, comunidade, políticas públicas, atenção primária. SAÚDE MENTAL E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO Zavattaro, Hely Aparecida – UNIP. Psicóloga (1984-UFPr), mestre em Psicologia Social e do Trabalho (1999-USP), consultora em gestão de pessoas (R&H / CETEAPRO) e professora universitária (UNIP) em São Paulo - Brasil – [email protected], apresentadora do trabalho em questão. A importância da relação saúde-mental e trabalho tem crescido no Brasil, dado o número de estudos crescentes desenvolvidos sobre o tema e questão. Também existe ênfase da legislação previdenciária brasileira, a qual determina a prevalência de modelos diagnósticos, identificando os transtornos mentais e do comportamento bem como o relacionados ao trabalho, necessário estabelecimento de relação causal entre a doença e o trabalho. De acordo com estatísticas do INSS, referentes apenas aos trabalhadores brasileiros com registro formal, os transtornos mentais ocupam a 3ª posição entre as causas de concessão de benefício previdenciário como auxílio Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C. 26 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 doença, afastamento do trabalho por mais de 15 dias e aposentadorias por invalidez (MSBrasil, 2001). No Brasil, observa-se a presença de algumas das principais abordagens no âmbito da saúde/doença mental e trabalho e sua interseção com a psicologia. Percebe-se que existem pressupostos teóricos e metodológicos divergentes quanto à ênfase atribuída ao trabalho no processo de adoecimento mental, por vezes teórico e técnicas com metodológico nas havendo um equívoco pesquisas, combinando-se conceitos fundamentos e epistemológicos diferentes. Neste sentido, Jacques (2003) propõe quatro amplas abordagens que se articulam por percursos diversos com a psicologia e com a psicologia social em particular: as teorias sobre estresse, a psicodinâmica do trabalho, as abordagens de base epistemológica e/ou diagnóstica e os estudos e pesquisa em subjetividade e trabalho. Observa-se, noconjunto de teorias sobre estresse, uma ênfase nos cognitivo-comportamentais, na metodologia quantitativa e uma aproximação postulados da psicologia social científica. pressupostos com os Na psicodinâmica do trabalho são reconhecidos os fundamentos psicanalíticos na concepção teórico-conceitual e de ciência e pesquisa. Nos estudos e pesquisas com base no modelo epidemiológico e/ ou diagnóstico e nos estudos e pesquisas em subjetividade e trabalho, pressupostos compartilhados pela psicologia histórico crítica, com prevalência para social o diagnóstico psicopatológico ou para as experiências e vivências dos trabalhadores. Palavras-chave: saúde mental, trabalho, qualidade de vida no trabalho. ORIENTACIÓN EDUCATIVA, PROFESIONAL Y VOCACIONAL EN AMERICA LATINA: PROPUESTAS INNOVADORAS. Participantes: Sergio Rascovan, Daniel Korinfeld, Daniel Levy, Silvio Bock, Marcelo Alfonso, Héctor Magaña. Debates pendientes para transformar las prácticas de la Orientación Educativa Daniel Korinfeld – Daniel Levy - Sergio Rascovan (*) Abstract Las prácticas genéricamente denominadas ―Orientación Educativa‖ están inscriptas en 1 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 territorios de entrecruzamientos institucionales (salud, trabajo, educación, socio-comunitario), de sistemas (educativo, de salud, de servicios sociales), disciplinares (ciencias de la educación, psicología, psicopedagogía) y profesionales (psicólogos/as, psicopedagogos/as, trabajadores/as sociales, etc.). En la actualidad se enfrentan a realidades muy complejas donde las instituciones y sus actores están cada vez más interpelados y demandados. En este contexto, la especialización de la función en Orientación Educativa –que incluye sus riesgos-, requiere nuevas perspectivas teórico-prácticas que la sustenten desde una perspectiva crítica. Se trata de una perspectiva en construcción conformada por un conjunto heterogéneo y plural de aportes teóricos y de experiencias que le otorga a la subjetividad un lugar central. Una noción de subjetividad que se articule con lecturas e intervenciones en el registro de lo institucional y lo comunitario a través de lógicas complejas que es necesario continuar explorando y recreando. Palabras clave: orientación educativa - perspectiva crítica - subjetividad. Introducción Existen un conjunto de prácticas en distintos niveles y ciclos del sistema educativo, que abordan un amplio espectro de problemáticas y de conflictos que atraviesan dimensiones pedagógicas, institucionales, sociales y subjetivas. Las dificultades en los procesos de enseñanza-aprendizaje de los alumnos, el denominado fracaso escolar (la llamada ―deserción‖ escolar, los problemas de retención en los ciclos medio y superior), los conflictos de convivencia en las instituciones, diversas problemáticas psicosociales que atraviesan la vida cotidiana de las organizaciones educativas algunas de ellas vinculadas con la violencia, nuevas situaciones y preocupaciones sociales que impactan e interrogan a educadores, niños, adolescentes y jóvenes con sus familias, tales como los problemas de consumo de alcohol y otras drogas, las problemáticas de inserción ocupacional, la formación y elección profesional, el concepto y manejo del tiempo libre, entre otras. Muchas de ellas, son objeto de una intervención ―especializada‖ que han sido nombradas como: psicopedagógicas, de psicología educativa, educacional o escolar. Sin embargo fue el término orientación educativa el que mayor consenso ha generado, al menos, en muchos países de Latinoamérica. 2 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Una primera aproximación definiría a la Orientación Educativa como el conjunto de discursos y prácticas que colaboran, prestando apoyo técnico profesional específico en el desarrollo de las funciones de las instituciones educativas. Acciones que están a cargo de profesionales y agentes de formaciones disciplinares distintas: psicólogos, psicopedagogos, asistentes educacionales, psicólogos sociales, licenciados en ciencias de la educación, trabajadores sociales, maestros, profesores. Estos profesionales que actúan en el campo de la educación suelen denominarse genéricamente orientadores. Los procesos de institucionalización de estas prácticas son muy variados en el vasto territorio latinoamericano. En algunos países existe la carrera de grado denominada Orientación, con cargos creados de orientadores en el sistema educativo y hasta su propio himno y sindicato (Costa Rica, es un ejemplo de ello). Departamentos de orientación, departamentos de psicología, gabinetes psicopedagógicos, equipos de orientación escolar o salud escolar, asesores y consejeros educativos o escolares, equipos o sistemas de tutorías, son algunos de los diferentes nombres que reciben los dispositivos al interior de las organizaciones. Las prácticas de la orientación se enfrentan en la actualidad a realidades muy complejas donde las instituciones y sus actores están cada vez más interpelados y demandados. En este contexto, se despliega la especialización de la función en Orientación Educativa, con nuevas perspectivas teórico-prácticas que la sustentan. Nuestro desafío es intentar articular y aportar al mejoramiento (veremos más adelante de qué se trata) del funcionamiento institucional en las circunstancias y situaciones agudas que viven las sociedades y las instituciones educativas en la actualidad. El conjunto de perspectivas críticas que se vienen desarrollando en Latinoamérica desde hace tiempo nos invitan a multiplicar los esfuerzos por reunir y sumar aportes, dándoles mayor consistencia a estos enfoques Acerca de las “perspectivas” críticas Una perspectiva es para nosotros el efecto de una corriente de trabajo e intercambio a partir de algunas premisas, como aquella que no hace una distinción radical entre teoría y práctica sino que se plantea la praxis como un continuo dinámico y abierto en interacción, las que parten de que el pensamiento es capaz de alterar la configuración de las situaciones y la convicción de que ése es el sentido y el destino del pensamiento (Lewcowicz, 1999, p.174). Una perspectiva crítica cuestiona toda sustancialización y naturalización de los objetos a analizar y se propone intervenir a partir del análisis de un campo complejo de determinaciones y condiciones situadas históricamente, que forman parte de un juego de fuerzas, un campo de disputa social por la imposición de sentidos. Un campo del que no están por fuera las disciplinas, las instituciones académicas, las agrupaciones corporativas y gremiales de los profesionales. El plural de perspectivas nos orienta frente a todo reclamo de exclusividad, pretensiones u originalidad de nuestras formulaciones. Forman parte de nuestros objetivos articular las experiencias afines, nos anima la expectativa de crecientes construcciones en red. Se trata más 3 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 bien de un polo, una corriente en permanente intercambio y discusión, aún, de sus propias premisas. 4 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Cuando hablamos de disputa por los sentidos, incluye al proceso de construcción de los problemas que se han de investigar y sobre el que se buscan las mejores alternativas de abordaje e intervención. Supone, sin duda, la construcción de una agenda, la puesta en común de las prioridades, la relevancia que le damos a determinados problemas y conceptos. Pensamos que el conocimiento es una construcción social e históricamente situada. También los problemas se construyen desde esa mirada y ciertas dimensiones presentes en las realidades de los países de la región latinoamericana nos exigen reconsiderar tanto las matrices de formación de los profesionales como las modalidades de realización de sus prácticas. Para nosotros una perspectiva crítica debe otorgarle un lugar central a la noción de subjetividad. Una noción de subjetividad que se articule con lecturas e intervenciones en el registro de lo institucional y lo comunitario a través de lógicas complejas que es necesario explorar. Sin duda, se trata de una perspectiva en construcción conformada por un conjunto heterogéneo y plural de aportes teóricos y de experiencias. Si algo tienen en común las búsquedas que venimos sosteniendo desde diversos países latinoamericanos, es pensar y actuar en una práctica de la orientación que suponga develar la ideología que comporta el discurso pretendidamente aséptico del tecnicismo pedagógico, desocultar las tramas de poder que lo sostienen, discutir su lugar asignado al servicio del control social, proponer incesantemente la construcción de ciudadanía y resistir creativamente a las opciones que imponen como única a la lógica del Mercado. La construcción de un paradigma crítico en orientación tiene como principal propósito avanzar en la elaboración de categorías conceptuales que respeten la complejidad de la trama entre los sujetos, las instituciones y las sociedades. La Orientación Educativa desde esta perspectiva debería integrarse al conjunto de las políticas sociales en general, promoviendo la coexistencia y la articulación -en el mejor de los casos- de los dispositivos escolares y clínicos junto a programas de alcance social y comunitario. Pensar y hacer Orientación Educativa de este modo es integrar esta práctica en un campo más amplio y de mayor compromiso con los problemas y las demandas socioinstitucionales, recuperando una noción tan significativa del campo educativo y social como es la de emancipación que implica asumir una ética en tanto parte de un dispositivo de subjetivación. La Orientación Educativa cuestionada Como venimos sosteniendo, la orientación así pensada es irreductible a lo pedagógico, sociológico y lo psicológico. Por ello, insistimos, no se trata de una disciplina sino de un campo de problemas abordable desde una lógica transdisciplinaria. En sus diferentes matices, con sus particulares recursos, podemos aventurarnos a sostener que la Orientación Educativa constituye -en conjunto- una estrategia de acompañamiento de los diferentes actores que componen la escena educativa. Partimos de sostener que en cualquier acompañamiento lo decisivo será que al ―acompañado‖, no lo ubiquemos en posición de receptor. Que el objeto de la política, el programa o la intervención sea concebido en su condición de sujeto activo. Lo central en cualquier proceso de acompañamiento es el protagonismo del ―acompañado‖, tanto a nivel individual, grupal, institucional como comunitario. Esto plantea otro modo de lazo social, un modo de relación que reconoce la condición 5 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 de sujeto del otro, y que permitiría evitar que, bajo el pretexto de la orientación, se filtren formas refinadas de manipulación, de control social. 6 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 Se trata de ―hacernos cargo‖ entre todos los actores de una institución educativa de reconocer que la tarea educadora se ha vuelto cada vez más compleja. Que entre todos tenemos que buscar vías, alternativas para que se pueda cumplir la misión social de dicha institución, esto es, promover aprendizajes significativos para vivir la vida social – cultural compleja de nuestros tiempos. La institución educativa puede ser un terreno fértil para producir ―inventos‖. La Orientación Educativa puede considerarse ser uno de ellos. Ni más ni menos una ―idea‖ transformada en ―dispositivo‖. En la medida que creamos que lo más importante sea ―aplicar‖ un sistema, institucionalizar una práctica, podremos perder de vista el valor decisivo, su cualidad más destacada: la Orientación como proceso más que como resultado. Es decir, recuperar su función instituyente, su condición de acto de creación. Creemos que será precisamente allí cuando los actores educativos se dispongan a pensar, a inventar, a crear las formas propias que la orientación tendrá en cada institución, donde operará fundamentalmente su eficacia. La institución no funcionará mejor por aplicar tal estrategia o técnica, sino por permitir y estimular los procesos creativos. Podríamos decirlo del siguiente modo: El propio proceso es, curiosamente, el resultado. Mientras estamos pensando, creando, haciendo, estamos activos y comprometidos con aquello que nos preocupa. Lo definitorio, será pues, no dejar de inventar formas que ayuden a que la institución siga siendo educadora, es decir, escenario privilegiado de transmisión y apropiación cultural. Así, cuando en una institución educativa logremos crear un dispositivo de orientación, el desafío será no ilusionarnos con él, sino tomarlo como base, como sostén para seguir construyendo, deconstruyendo, reconstruyendo a partir de él. Construir, de-construir, reconstruir nos indica la dinámica de un proceso continuo que se va configurando de un modo inestable y en permanente cambio. En ese derrotero va logrando formas que se estabilizan, se institucionalizan pero que no son eternas. Del mismo modo cuando nos incorporamos a un sistema de Orientación Educativa ya instituido tenemos la posibilidad de recrearlo para mantenerlo con vitalidad y potencia transformadora. Lo peor que nos puede ocurrir es que el diseño y la implementación de prácticas de orientación inhiban o coarten aquello que debería alimentarla, esto es, la capacidad instituyente de los sujetos. Sostenemos, también que no habrá programas de Orientación Educativa sin inclusión en un proyecto educativo institucional que lo sostenga, sin la participación del colectivo institucional y, por qué no decirlo, sin el debido reconocimiento salarial para la tarea. En cada uno de los países latinoamericanos, a partir de lineamientos generales precisos de los organismos estatales, cada jurisdicción y cada una de las instituciones educativas deberán encargarse de definir cómo organizar los dispositivos específicos de orientación. Esto implica, entre otras cuestiones, generar espacios de diálogo y conocimiento grupal que favorezcan el intercambio y la integración de todos los alumnos; del afianzamiento de vínculos que permitan una apertura hacia la reflexión sobre temas y problemas; de promover espacios de encuentro e intercambio con los 7 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 docentes, las autoridades y los padres; de elaborar los recursos necesarios para anticipar y actuar frente a situaciones de malestar que puedan generar diversos conflictos; de atender alumnos con posibles dificultades que involucren el aprendizaje y/o su adaptación a 8 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 la escolaridad a fin de desarrollar estrategias de abordaje posibles en cada situación. Nuestra propuesta, trata de fundar un espacio diferenciado de un discurso técnico pedagógico que sobreentiende la escena institucional. Ese discurso que muchas veces viste diferentes ropajes, a la moda de las distintas corrientes pedagógicas o psicológicas, que basa su arquitectura en un ideal de adaptación total del sujeto al medio (social cultural) y a la institución. Decimos que sobreentiende el escenario escolar desde el momento que genera un saber supuestamente científico y una práctica basada en la exclusiva eficiencia de la técnica. La escuela tradicional como institución heredera de la modernidad, dirige su accionar a la formación de ciudadanos. Reproduce, en gran parte sus mecanismos, las lógicas que dominaban en las sociedades industriales, modos de concepción y de producción intelectual basados en la centralidad de un saber, sujetos pasivos que se adecuan a una modalidad única de aprendizaje. Modelos que asignan y confieren autoridad y generan sumisión. Una práctica que se reduce a un accionar universal, considerando un sujeto centrado en la conciencia, que define un objetivo, crea modos de clasificación y evaluación. Y planifica en función de operaciones que apuntan a la completud del otro. Un discurso que hace cierre sobre lo instituido, que no pone en evidencia la ideología que lo atraviesa, que confirma plenamente al orden establecido y las estrategias de acomodamiento. Un modo de operar a partir de la creación de certezas, de la imposición de verdades y de la transmisión de creencias. Pensar hoy la escena pedagógica implica un nuevo modo de concebir al sujeto en interrelación con su medio y con sus pares, un modo de interacción que queda excluido de un pensamiento dual. Pero el discurso crítico que venimos sosteniendo también corre el riesgo de establecerse de un modo único o sacralizado. Puede convertirse fácilmente en el paradigma crítico que establezca categorías del buen hacer y así llevarnos a una lógica de lo ideal. Un discurso que genere nuevos ideales sobre la educación y vuelva a quitarle protagonismo a los sujetos, a la experiencia, al acontecimiento cotidiano. Que devele y no lea, que interprete a ciegas y codifique, que busque el plácido lugar de lo que debe ser y desde esa concepción cree un poder de lo posible. Una discurso que devenga en una técnica hacia el futuro. En contraste con una práctica de lo cotidiano. Un discurso que renuncie a los pliegues de la contradicción, que se sitúe en los márgenes de un sistema, pero que no conciba la singularidad de los hechos ni de los protagonistas. Existe, decimos, el riesgo de configurar un nuevo espacio de poder, ya no en virtud de un saber establecido como el que deviene del discurso técnico pedagógico, sino de un lugar de poder por ser los portadores de los ideales de lo que vendrá. Entendemos que el antídoto posible, no garantido, ante este riesgo es no renunciar a la voluntad de deconstruir e interpelar las prácticas y los discursos que atraviesan la escena pedagógica, vincularlas con condiciones sociales y culturales y animarse a generar espacios donde surja la posibilidad de una experiencia significativa para los que habitan la escuela. Orientación Educativa e intersecciones entre salud y educación Hace tiempo venimos abonando la idea de pensar e intervenir frente a cierto tipo de 9 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 problemáticas propias de la Orientación Educativa como formas de expresión de intersecciones, de interrelaciones, de entrecruzamientos, entre salud y educación. Afirmar que ciertos problemas son propios de las intersecciones entre salud y educación, es indicar las coordenadas que lo constituyen en los múltiples atravesamientos, sin encasillarlos 1 0 Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011 disciplinariamente. De este modo, no sólo nos apartamos de la rigidez disciplinaria (que a veces domina la práctica de la Orientación), sino que al nominar intersecciones entre salud y educación, aludimos al nivel social-institucional en el que los problemas se presentan a nuestro análisis e intervención. Problemas que a su vez, ciertas disciplinas -y sus especialidadespretenden capturar, transformándolos en objetos discretos. En este procedimiento conformamos un nuevo campo que se presta mejor –creemos- para dar cuenta de la complejidad de su funcionamiento y, por tanto, de sus conflictos. Convengamos que a poco de pensarlo, los términos orientación y orientadores suscitan más de un malentendido y son proclives a las humoradas que alguna vez todo profesional habrá recibido. Alguna de las figuras a partir de las cuales habrá tomado forma el chiste, referidas a la ubicación o circulación, a la confusión o a la pérdida del sentido y la dirección, a la oscuridad, o más directamente al pedido de una palabra ―preclara‖, localizan los puntos por los que esta práctica debe ser revisada. Las perspectivas tradicionales de la Orientación Educativa han desplegado posiciones directivas, centradas específicamente en la atención al alumno o referidas a los aspectos metodológicos de la práctica educativa. Cuando ampliaron su foco de intervención desde perspectivas idealistas o tecnicistas, mantuvieron posiciones paternalistas y normalizadoras para con los sujetos, los grupos, las instituciones. El orientador se comportaba, allí, como el ―corrector‖ respecto de los ideales, el portador de los secretos y soluciones para reencontrar el camino perdido o, en todo caso, para indicarle al sujeto en qué sector del sistema educativo estaría apto para continuar. Reforzando y legitimando la tutela educativa moderna, propone y produce un alumno desde la racionalidad de un saber y bajo el ejercicio de un poder. Será así una orientación que no orienta (en el sentido de no definir una dirección preestablecida desde un lugar de saber, es decir, desde un lugar de poder que anula al otro) sino q