Contos de um Pequeno Universo no Canto do Espaço

Transcrição

Contos de um Pequeno Universo no Canto do Espaço
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Introdução
Como todos os outros projetos do blog, esse começou com uma
conversa no Alto Conselho (o pub virtual aonde os administradores
do blog se reúnem para tomar chá - e algumas bebidas alcoólicas - e
planejar a dominação mundial).
No aniversário do blog, alguns dos integrantes escreveram contos
sobre como é participar desse incrível universo de ideias que é o
Trenzalore. Escreveram sobre o quanto o blog tinha (e tem) ajudado
a nos tornamos pessoas melhores, a criar vínculos de amizade e
superar problemas pessoais. E desde aquele dia pensamos em fazer
um livro de contos.
Chamamos os integrantes (e alguns amigos queridos) para escrever
algumas histórias que trazemos nesse pequeno livro para vocês.
Sentem-se, peguem sua xícara de chá (ou qualquer bebida de sua
preferência) e viaje com a gente nesse pelos Contos de um pequeno
universo no canto do espaço que ninguém nunca leu.
Com amor e pressa, enquanto acabo de editar esse livro,
Andreia Rainha
Engenheira Sênior de Gallifrey e Consigliere do blog Tenzalore
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Os autores
Jonathan Holdorf
Com um sonho frustrado de ser produtor executivo de Doctor Who,
criou um blog sobre a série como uma desculpa para publicar
histórias inventadas na sua cabeça sobre o universo do viajante do
tempo mais legal da galáxia. Geralmente tem ideias aleatórias de
roteiros que dariam boas narrativas em áudio, até brinca de estar
vivendo no mundo da Big Finish, e também sonhou que era o melhor
amigo do Paul McGann. Em seu tempo livre busca trabalhar
profissionalmente com fotografia, mas o seu verdadeiro sonho é ir
para o espaço e postar fotos da lua no Instagram - o que pode ser
possível apenas abrindo a geladeira.
Pedro Alcântara
Dublador e diretor de dublagem em SP. Fã de Doctor Who desde
2011, parte da equipe do blog Trenzalore desde 2014. Fã de livros,
séries de TV e HQs desde sempre. Fã de ficção cientifica desde o
início dos tempos e embaixador do nonsense desde antes da criação
do próprio tempo.
Caio Di Sevo
Protótipo de escritor desde os treze, coleciona crônicas e textos
engavetados, assim como alguns romances pela metade. O único que
se salva é “A DROGA PÚRPURA”, sua primeira narrativa longa,
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assinada em 2012. Excêntrico, hedonista e preenchido de vazios.
Versão mais jovem do 12º Doutor e (péssimo) piadista no Twitter @sonnydisevo-. Às vezes fala de si mesmo na terceira pessoa.
Ravi Aynore
Extravagante, excêntrico, esquizofrênico e ex... ex-namorado de um
montão de gente. Algumas você provavelmente conhece. Ravi
Aynore é um amante da arte e do abraço e é viciado em amor, sexo,
pornografia, flerte e, é claro Doctor Who. Mente profissionalmente e
ganha a vida pegando carona nas aventuras de seus amigos cometas,
as deixando melhores, ou levemente mais interessantes. Atualmente
está: tentando persuadi-los a amá-lo intensamente. @raviaynore
Igor Nolasco
Sabe, você nunca percebe o quanto auto avaliação é algo difícil até
alguém lhe pedir para você escrever sobre si mesmo. Fugir do
genérico, muitas vezes, acaba sendo impossível, por mais que você
seja sincero em cada palavra que ponha no papel. Enfim, meu nome
é Igor Nolasco, e eu sou um editor, escritor e sonhador. Tenho um
senso de humor não muito aberto, e, muitas vezes pouquíssima
paciência para determinados assuntos. Cumpro com minhas
obrigações e exerço de meus direitos como qualquer pessoa deveria
poder em nossa sociedade (por mais que, na prática, isso não seja
muito bem o que aconteça), mas, apesar de ser uma pessoa comum,
não há nada do que eu goste mais do que os pequenos momentos da
vida em que me sinto extraordinário. E produzir entretenimento,
para mim, é um fator recorrente nesses momentos.
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Otávio Renault
Se eu tivesse que resumir meu caminho até esse conto eu diria que
sou um cineasta e artista versátil extremamente fascinado por muitas
obras da cultura pop. Eu me iniciei no ato de contar histórias com
curtas e alguns poemas bem sombrios, com o tempo talvez por
algum tipo de influência de Neil Gaiman optei por me tornar um
contador de histórias diversificado que passa por filmes, livros series
e quem sabe um dia até alguns jogos. Uma das séries que mais me
moldaram nesse caminho foi Doctor Who pela longevidade e
diversidades de aventuras em suas histórias, então fico muito feliz
por aqui conseguir escrever uma pequena obra dentro dessa grande
série que estimo muito.
Espero que gostem e espero poder criar mais obras no icônico
universo de Doctor Who.
Andreia Rainha
Engenheira Sênior de Gallifrey, Cosigliere do blog Trenzalore e
organizadora desse livro.
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Sumário
Comissionando uma sinfonia em Dó
por Andreia Rainha
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Meu Segredo
por Pedro Alcântara
17
Os Presentes podem esperar
por Caio Di Sevo
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A Senhora dos Óculos Engraçados
por Jonathan Holdorf
41
Cemitérios de despedidas
por Jonathan Holdorf
7
51
Como o Zygon (quase)
roubou o Natal
por Igor Nolasco
65
O que um dia estava aceso, agora viu a escuridão
por Jonathan holdorf
73
Handles twist
por Otávio Renault
82
Jedkiah e
Todos Os Natais Que Conheço
por Ravi Aynore
95
Jedkiah e
A Garota, o Porteiro e o Doutor
por Ravi Aynore
8
164
Comissionando uma
sinfonia em dó
Por Andreia Rainha
Indicado ler ouvindo a música de mesmo nome da
banda Cake
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Comissionado
adj. Aquele que recebe ou exerce uma comissão, um encargo,
incumbência ou uma função especial
Adrian tinha acordado assustado pelo sacolejar do trem. Seus ombros
estavam doloridos e o lado da sua bochecha que estava apoiada na
janela doía. Ao levantar os olhos, ele viu a grande caixa vermelha aos
seus pés. A caixa tinha detalhes em dourado e um fecho feito
especialmente para guardar artefatos mágicos. Olhou no relógio, que
marcavam sete da noite. Pela janela, ele conseguia ver a estação logo
a frente.
Levantou e começou a se arrumar. Nunca trazia muitas coisas consigo,
apenas uma pequena mala de mão e a caixa vermelha. Pegou as duas
pela alça e foi andando até o vagão de desembarque. Quando o trem
parou, Adrian desceu em uma enorme estação forjada em ferro.
Caminhou até o primeiro balcão de informações que encontrou e
perguntou sobre o endereço que ele a tanto tempo procurará. A moça
do balcão entregou a ele um mapa com as indicações rabiscadas.
Não foi difícil encontrar o endereço. A pequena loja continuava igual a
foto que ele ainda tinha na memória. O nome da loja ainda estava
fixado em adesivo na janela, com as mesmas caixas vermelhas na
vitrine. As luzes de Natal que decoravam a entrada já estavam acessas.
Quando ele abriu a porta, um sino tocou e um velhinho simpático veio
atende-lo. Perguntou se ele queria algo para beber ou para sentar,
mas Adrian recusou os dois.
- Bom dia jovem, sou o Sr Notorius, no que posso ajudá-lo?
- Olá, me chamo Adrian, e gostaria de saber se o senhor pode
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concertar uma coisa pra mim.
Colocou a caixa vermelha sobre o balcão e abriu o fecho, revelando o
conteúdo que nela continha. Um acordeon em perfeito estado, exceto
pelo teclado de baixaria que estava quebrado.
- Era de meu pai. Desde que eu me lembro por gente, esse acordeon
sempre esteve quebrado. – Adrian falava enquanto tirava o acordeon
da caixa e colocava em volta do corpo – A fole e o teclado estão em
perfeito estado, mas o teclado de baixaria não funciona. Há anos que
esse acordeon só toca em dó.
E para provar o que dizia, começou a tocar uma belíssima música. O
senhor Notorius parecia admirado com o acordeon e com o som que
aquele garoto conseguia fazer.
- Nunca vi algo parecido – disse colocando seus óculos.
- Eu também não. Procurei em todos os lugares possíveis na cidade
mas ninguém conseguiu concertar. O modelo é muito antigo, com
peças feitas à mão. A única solução que eu encontrei com ir
diretamente na loja de onde esse acordeon saiu, bem aqui.
- Não garoto, não foi isso que eu quis dizer – disse o Sr Notorius, rindo
– Eu nunca vi alguém tocar tão bem tendo tão poucas notas.
30 anos antes
Notorius não acreditava no que estava vendo. Um homem alto estava
na porta da sua loja e pelo jeito parecia impaciente. A loja já estava
fechada e estava tarde da noite, mas mesmo assim Notorius abriu a
porta e deixou o homem entrar. Fazia -15 graus lá fora mas ele não
parecia sentir frio com seu paletó e sua gravata borboleta. Ele
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carregava consigo uma enorme caixa vermelha com detalhes
dourados.
- Boa noite Senhor, me chamo Notorius, no que posso ajudá-lo?
O homem abriu um grande sorriso. Bem diferentes dos olhos, que
aparentavam serem muito velhos, seu sorriso parecia ser de uma
criança.
- Olá! - ele disse empolgado - Pode me chamar de Doutor, muitos
fazem isso. E preciso da sua ajuda com uma coisa. - disse o Doutor
batendo a mão da caixa vermelha.
O homem foi correndo até ao balcão, apoio a caixa vermelha sobre ele
e abriu o fecho. Dentro dele estava um acordeon, o mais lindo que
Notorios já tinha visto.
- Eu trouxe esse acordeon de um lugar muito distante, além das
estrelas. Não posso ficar com ele por muito tempo porque ele pode
acabar morrendo. Preciso que você encontre alguém que cuide dele.
- O que você quer dizer com além das estrelas?
- Notorius meu caro - disse o Doctor, segurando seus olhos e olhando
nos olhos. - O universo é maior, muito maior, do que você imagina.
Presente
Adrian tinha ficado sem jeito por conta do elogio. Tirou o acordeon
dos seus braços e colocou novamente sobre o balcão.
- Sabe Adrian, não é a primeira vez que eu encontro com esse
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acordeon. Mas é a primeira vez que encontro um músico tão
esplêndido como você.
Adrian respondeu ao segundo elogio com um enorme sorriso.
- Obrigada Senhor. Mas sobre o acordeon, você consegue concertar?
Acha que ainda tem concerto?
Notorious retirou seus óculos e sentou no banco atrás do balcão.
- Infelizmente eu não sou cirurgião, Adrian. E para falar a verdade, esse
acordeon não parece precisar de concerto.
30 anos antes
Notorius não entendia o que estava acontecendo. Aquele homem
parecia ter saído de um livro, mas ao mesmo tempo parecia tão real
que dava medo.
- Sabe Notorius - disse o Doutor, andando pela loja. - Eu tenho
observado você a um tempo. Na verdade, a pouco tempo, mas em
quantidade suficiente. Viagem no tempo, é um pouco difícil de explicar
- o Doutor sorria - Só pelos seus olhos eu consigo perceber o quanto
você gosta de acordeons, por isso você é a pessoa perfeita para me
ajudar.
- Desculpa, desculpa - disse Notorius, interrompendo - Não entendo
ainda o porquê de você precisar da minha ajuda.
O homem correu novamente até o balcão e apontou para a caixa
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vermelha.
- Isso aqui, Notorius, não é um simples acordeon. Do planeta de onde
ele veio, todas as coisas são meio mágicas, meio reais. Até as coisas
mecânicas tem vida própria. Isso aqui - disse o Doutor, apontando
novamente pro balcão - não é um simples acordeon. É um organismo
vivo, tão complexo como eu e você. Preciso que você encontre alguém
que cuide bem dele para que ele não morra.
- Para que ele não morra? - Notorius foi andando até o balcão e
começou a analisar o acordeon.
- Ele precisa fazer o que nasceu para fazer, senão vai acabar
definhando até a morte.
- Assim como as pessoas - disse Notorius, entendendo o que o Doutor
dizia.
Presente
- Mas Senhor, ele está quebrado. Por isso que vim até aqui. Antes de
morrer meu pai disse que eu precisava fazer esse acordeon voltar a
vida. Que estava guardando pra mim, que era algo que eu devia fazer.
Notorius sorria de orelha a orelha.
- Você não lembra Adrian? Realmente não lembra de quando você era
novo e seu pai te trazia aqui?
- Um pouco. Eu era muito novo, não consigo lembrar de muita coisa.
Notorius levantou e pegou outro banco atrás do balcão e foi levou até
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o garoto.
- Senta aqui Adrian - o garoto obedeceu - A muito tempo atrás, quando
sua familia ainda morava nessa cidade, um homem veio aqui na minha
loja e me deu esse acordeon. Também era véspera de Natal, como
hoje. Ele disse que esse acordeon veio de muito longe e precisava de
alguém que cuidasse dele.
- Alguém que cuidasse dele? - disse Adrian, interrompendo.
- Sim. Assim como as pessoas, ele precisava fazer o que nasceu para
fazer para permanecer vivo. E no caso desse acordeon, ele precisava
de alguém para tocá-lo. Eu fiquei muito tempo procurando por esse
alguém, até que seu pai apareceu com você. Você tinha uns 7 anos
naquela época. Ele queria comprar um acordeon, como todos que
aparecem por aqui, eu mostrei esse aqui para ver se finalmente ele
tinha encontrado seu dono. Mas como todos as outras vezes, o
acordeon não funcionava. Parecia que estava quebrado. Enquanto eu
colocava novamente o acordeon na caixa, você subiu no balcão e
tocou esse acordeon. Seu pai ficou bravo, disse que aquilo não era
brinquedo, mas algo tinha acontecido.
- O que tinha acontecido? - Adrian não estava entendendo o porquê
daquela história.
- Ele respirou. Sabe quando você toca algum instrumento musical, ou
qualquer coisa que envolva arte, e aquilo fico vivo? Foi o que
aconteceu. Você tem arte em você Adrian, foi o que você nasceu para
fazer, e o acordeon sentiu isso. Na época, eu expliquei pro seu pai a
história desse acordeon e ele entendeu. Levou ele pra casa, como eu
tinha pedido, e me prometeu fazer você tocá-lo quando chegasse a
hora certo.
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Nesse momento Adrian já tinha levantado novamente e andava pela
loja.
- Mas Senhor Notorius, não faz sentido. Se eu devia fazer esse
acordeon permanecer vivo, não funcionou. Ele está quebrado.
- Não Adrian, ele não está. O Doutor me disse que esse acordeon já
tinha passado por muito na vida antes de chegar aqui. Ele só está
ferido, como um herói de guerra. Só tem muitas histórias dentro dele
que o deixou frágil, como qualquer pessoa.
Adrian sentou novamente no banco e passou as mãos pelo cabelo.
- Mas se ele não está quebrado, porque meu pai disse que eu precisava
fazê-lo funcionar? Por que ele disse que eu precisava procurar um jeito
de fazer o que ele nasceu para fazer?
Notorius colou novamente os óculos e voltou a sorrir.
- Porque ele estava certo Adrian. Você precisava ajudar esse acordeon
a voltar a vida e continuar vivendo. E como acontece com as pessoas,
a resposta está bem aqui - disse Notorius apontando o peito do garoto
- dentro de você.
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Meu Segredo
Por Pedro Alcântara
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O Natal havia chegado e dessa vez tinha uma grande diferença em
relação aos anos anteriores: eu me importava. "Grande coisa", você
diria, "todo mundo na Terra se importa com o Natal". Você se
surpreenderia com a quantidade de pessoas que não ligam pro Natal.
Tem vários motivos pra isso. Até onde eu sei, a origem dessa
comemoração é religiosa e nem todo mundo é cristão. Mas esse não
é o motivo para eu ter passado tanto tempo sem me importar. Era
minha família mesmo. Tem bastante gente que diz que o Natal é a
época em que devemos nos reunir com nossas famílias, sermos mais
amorosos uns com os outros, coisas desse tipo. E essas coisas não
faziam muito sentido para mim. Por que só no dia 25 de dezembro?
Não deveríamos ser unidos e amorosos durante o ano todo? Por que
fazer caridade apenas no fim do ano? Tem pessoas passando fome em
outros feriados também. Pensamentos como esses faziam com que o
contrário acontecesse a mim na época do Natal. Era a época em que
eu menos me sentia disposta a amor o próximo. Mas isso mudou.
Eu estava em minha cama, dormindo, e fui acordada por um barulho
estranhíssimo, que parecia uma chave arranhando cordas de piano
(não me pergunte de onde tirei essa comparação). Ao abrir os olhos,
vi uma caixa azul estranha, do tamanho de uma cabine telefônica, se
materializando em meu quarto. De dentro dela, saiu um homem tão
esquisito quanto a situação. Ele era alto, narigudo, orelhudo e usava
uma jaqueta de couro. Poderia facilmente conseguir o papel de um
elfo das sombras ou qualquer coisa do tipo se fizesse teste pra algum
filme de fantasia. Em sua mão havia um instrumento do tamanho de
uma chave de fenda, com uma luz tão azul quanto a caixa na ponta, e
que fazia um barulho estranho. Ele apontava a chave de fenda sônica
(não sei se esse era o nome certo do negócio, mas é o nome que eu
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daria) pra algum objeto no meu quarto e depois olhava para ele, como
se estivesse conferindo alguma leitura do instrumento. Até que ele
apontou para mim. Parecia estar me "sonicando" por mais tempo do
que havia "sonicado" tudo que tinha no meu quarto. Ao conferir as
leituras da chave de fenda, exclamou: "Fantástico!"
Queria perguntar várias coisas, como quem ele era, o que ele estava
fazendo ali, como a caixa azul tinha aparecido no meu quarto... Mas
só consegui balbuciar sons ininteligíveis. Felizmente, ele entendeu
tudo o que eu quis dizer e resumiu todas as respostas para minhas
perguntas (ou simplesmente estava com vontade de falar tudo aquilo).
"Olá, eu sou O Doutor, essa é minha TARDIS. Ela é minha nave espacial.
Ela é maior do lado de dentro e também viaja no tempo. Estou aqui
procurando resquícios de blórgons..." (ou trósgons... não lembro
muito bem o que era) "... e achei que pudesse ter algum no seu quarto,
mas aparentemente, eu estava errado... Por favor, não conte para
ninguém. Agora preciso partir, porque a segurança de muitos seres
depende de minha busca. Todos vão sobreviver nesta noite. Muito
obrigado, você foi fantástica!". Descobri muitas coisas sobre aquele
homem, só não entendi muito bem a missão dele ali. Parecia que ela
tinha fracassado, mas ele entrou na caixa azul com um sorriso no rosto
que dizia o contrário. A caixa desapareceu no ar fazendo o mesmo som
de chave arranhando cordas de piano que tinha feito ao aparecer por
ali. Não sei por que, minha primeira reação a tudo aquilo foi ligar a TV
no volume máximo, para ter alguma desculpa caso alguém em casa
tivesse acordado com o barulho da... TARDIS. Ninguém fora acordado
por aquilo tudo. Na manhã seguinte, pareciam nem ter percebido
nada.
O que tudo isso tem a ver com o Natal? Não tenho certeza, mas sei
que me fez, com certeza, me dar conta do quão grandioso é o Universo
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ao nosso redor. Em um lugar tão grande assim, não podemos deixar
passar as oportunidades que a vida nos dá para sermos pessoas
melhores. Mesmo que o Universo seja infinito, qualquer um pode ser
importante se encontrar a motivação certa. Isso que me aconteceu foi
minha motivação pessoal para me tornar cada vez melhor.
Não contei para mais ninguém que O Doutor apareceu no meu quarto
procurando alguma coisa importante para salvar a Terra ou a Galáxia
ou sei lá o quê porque não queria que se resumisse a uma simples
história em que você tem que acreditar ou duvidar. Não importa no
que você acredita ou deixa de acreditar, desde que suas convicções
pessoais apenas de motive a se tornar sempre alguém melhor.
Seria ótimo se todos se esforçassem durante o ano inteiro para tentar
fazer o bem, mas se algumas pessoas só conseguem fazer isso no
Natal, essa data deveria ser realmente valorizada. Agora, deem-me
licença. Meus primos acabaram de chegar. Vou aproveitar o dia em
que todos decidem ser mais unidos e amorosos. Quem sabe dessa vez
eles decidem que isso tudo poderia durar pra sempre?
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Os Presentes podem
esperar
Por Caio Di Sevo
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Carne!
Uma inexplicável vontade, desejo, ânsia- quase libidoestonteante de comer um grande e redondo (também poderia
ser quadrado ou triangular, não fazia diferença) pedaço de carne
retirado de um falecido animal corroeu-me as ideias e, durante
três dias, não pude pensar em outra coisa. Fora impossível
tornar meu ímpeto realidade devido a uma situação tensa com
Jimi Hendrix em Woodstock (que belo plastro addari tinha
aquele sujeito!), mas assim que resolvido lá estava eu no
primeiro pub de aparência satisfatória e com o mínimo de
exigências aprovadas pelo scanner de higiene da TARDIS.
Fui informado que os banheiros eram no subsolo, e em uma das
paredes contemplei minha aparência em um gigantesco
espelho, cristalino como uma bacia com água para lavar os pés
(antes de se terminar de lavá-los, é claro). Ainda me acostumava
com aquele cabelo acinzentado, olhos azuis pálidos e linhas
marcando meu rosto como um mapa da minha existênciaindicando os caminhos de todas as galáxias que já visitei; rotas
de fuga desesperadas; os caminhos que levariam aos mais
profundos ódios e mágoas- linhas que eram como longos e
antigos rios secos, que agora davam espaço a pedras ásperas e
folhas murchas. Minha silhueta não passava de um fiapo,
convencendo-me de que deveria me apressar para comer aquele
filé alto e sangrento que atormentava minhas ideias naquela
semana.
Sentei-me ao balcão e um sujeito gordo, porém de aparência
simpática, veio até mim. Nenhum fio sequer de seu bigode
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ultrapassava a linha dos lábios, e o que era abundante em seu
topete melecadíssimo com gel, faltava na calvície traseira.
“Acabou de sair do seu show de mágica, companheiro?”,
enxugou um copo.
“Engano seu”, dei-lhe um sorriso amarelo, erguendo o papel
psíquico em seguida.
“Minha nossa, Anna!”, correu para os fundos. “É o crítico
gastronômico do ‘Times’! É ele!”
Voltou como se não tivesse surtado há menos de um minuto e
enxugou o suor da testa. Levantou as pontas do bigode e tentou
(porém não conseguiu) controlar a respiração. “O que o senhor
gostaria de provar?”, colocou um jogo americano de talheres e
guardanapos sobre a bancada.
“Um pouco de tudo”, debrucei-me sobre os cotovelos, “mas
vamos começar com um grande e saboroso filé de carne”.
“Mais alguma coisa?”, perguntou enquanto ia à cozinha.
"Não. Sim! Mal-passado, por favor. Oh! É importante que seja
proveniente de uma vaca.”
“Entendido”, acenou.
“Espere!”, gritei, quando ele já estava fora de vista.
“O quê?”, voltou ofegante.
“Também pode ser de um boi”, dei de ombros.
Quinze minutos depois o guardanapo estava em meu colarinho
e eu salivava feito um Lakorzi prestes a devorar um tronco de
cobre e, no momento em que espetei a fatia do cadáver bovino,
Cassius me interrompeu e sugeriu que, para acompanhar aquele
prato, ele recomendava uma ótima cerveja vermelha. Concordei
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que trouxesse. Cassius estava tão ansioso que mal conseguia se
lembrar de como usar um abridor de garrafas. Provei a cerveja
enquanto era observado por olhos aflitos. “Você chama isso de
ótima cerveja?”, indaguei com uma careta no rosto. “Para se ter
uma boa cerveja você precisa de... Ah, esqueça. Vocês não têm
isso na Terra. Ainda.”
Experimentei a carne. Dois segundos depois ela estava (cuspida)
de volta ao prato. “O que diabos é isso?”, limpei a boca.
“File mignon!”
“Não era assim da última vez que comi”, arranquei o guardanapo
do pescoço. Inspecionei o pedaço de carne com o indicador,
cheirei-a durante uns dois minutos, examinei-a com a chave de
fenda sônica. Nada, Parecia perfeitamente normal. “Não vai ser
dessa vez que ganharemos um pouco de músculos”, sussurrei.
“Dê-me todos os seus cereais”, pedi. “Castanhas, milho,
amêndoas, nozes... Sim, esses damascos também. Oh, eu amo
maçã!”
“Ok”, cocei a cabeça, “acho que tenho o bastante para uma
avaliação”. Levantei-me do banquete e rumei em direção à
saída.
“Senhor”, interviu Cassius. Fitei-o de volta. “Nossa nota foi muito
ruim?”
“Eu diria que... quatro estrelas”, seus olhos encheram-se de
alegria. “Os banheiros são muito agradáveis.”
“Obrigado, senhor”, abraçou Anna, “muito obrigado!”.
“Quatro de dez”, acenei, enquanto alcançava a calçada.
Eu voltava à TARDIS para uma soneca vespertina, tascando
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mordidas na espiga de milho pelo trajeto quando, há uns
quarenta metros de mim, uma moça era expulsa com hostilidade
de uma das casas daquela longa rua. “E não volte mais com essas
memórias!”, esbravejou uma senhora. Fui até ela e estendi-lhe a
mão para se levantar. Ela bateu a poeira das roupas e agradeceu.
“Gosta de damasco?”, perguntei.
“Sim”, respondeu, ainda meio desorientada.
“Parece que você não é muito querida aqui.”
“Essa foi minha última tentativa”, lamentou.
“Do quê?”
“Quem é você?”
“O Doutor.”
“Esse damasco está velho.”
“Droga, Cassius!”
“O quê?”, prendeu o cabelo.
“Desculpe, nada”, acalmei-me. “Qual o seu nome?”
“Lara.”
“Lara. Lara. Lara... Parece muito com o nome da minha última...
Ah, deixe pra lá”, sacudi as mãos. “Então, por que você foi
enxotada daqui?”
“Por causa das minhas perguntas”, sorriu um tanto
constrangida.
“Quais perguntas?”
“Sobre o desaparecimento das crianças no último natal.”
Olhei em volta. Havia pelo menos duas dúzias de casas naquela
rua. Corri até a esquina e, dentre todas elas, só três tinham
árvores de natal em seus interiores. O natal era uma festa
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brilhante, porém a maioria da vizinhança parecia não dar a
mínima. Corri de volta até Lara. “Por que quase nenhuma casa
está decorada?”, quis saber.
“Pouquíssimas pessoas comemoram o natal aqui no bairro”,
explicou. “Ano passado dezessete crianças sumiram na véspera
do natal. Do nada. Ninguém as viu em lugar nenhum.
Simplesmente desapareceram.”
“E te jogaram na rua por causa da sua investigação sobre a
situação em questão?”, deduzi.
“Exatamente.”
“Venha”, toquei em seu ombro, “talvez eu possa ajudar”.
“O que você faz da vida?”, perguntei enquanto caminhávamos.
“Trabalho como garçonete”, disse.
“Uma garçonete investigando aparecimentos misteriosos na
cidade”, suspirei. “Eu amo humanos!”.
Lara tinha quase um e setenta de altura. Tinha o cabelo Chanel
muito liso e muito preto, com apenas uma mecha azul. Uma
argola perfurava seu nariz e cada unha abrigava uma cor
diferente, assim como seus olhos heterocromáticos. O esquerdo
verde e o direito azul escuro. Ela era pálida e franzina. Como
lábios finos daquele jeito podiam ser tão intimidadores? Era
possível admirar veias espalhadas por todo seu braço e pescoço.
Parecia ainda vestir o uniforme do restaurante onde trabalhava:
calças presas com suspensórios, camisa cheia de botões e uma
gravata borboleta. Será que ela achava aquilo legal?
Puxei a chave do bolso traseiro das calças e destranquei a
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TARDIS. “Talvez você tenha um pouco de vertigem”, alertei. Seus
olhos brilharam e sua boca ficou tão seca quanto aberta.
“Como... Como é possível?”, gaguejou.
“Pense numa boneca russa”, falei. “Vão surgindo coisas
inesperadas e menores de dentro dela. Nesse caso, vão surgindo
coisas inesperadas e maiores.” Ela não respondeu. “Você se
acostuma”, confortei-a.
“Ah”, segurei sua mão. “Isso, ela... viaja pelo tempo e espaço.
Achei que você deveria saber.”
“E o que vamos fazer?”, balbuciou.
“Vamos voltar à véspera do natal passado e seguir os passos de
uma das crianças que sumiu naquela noite”, encarei-a. “Na
surdina.”
“Então”, desceu alguns degraus, “você tem um nome?”.
“Doutor”, disse.
“Sim, você já disse isso.”
“Então...?”
“Mas isso é um título, não um nome”, repreendeu.
“Mas se fosse um nome”, ergui as sobrancelhas, “seria um nome
esplêndido”.
A TARDIS aterrissara. Convidei Lara a sairmos. Estávamos na
mesma rua, no mesmo horário, porém um ano atrás. Minha
cúmplice levou as mãos à boca e seus olhos encheram-se de
lágrimas. “Olhe”, cutucou-me, “todas eles estão brincando. As
casas estão cheias de enfeites e luzes! Já dá pra sentir o cheiro
da ceia!”.
Já escurecia e algumas das crianças já voltavam para dentro.
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Uma das mães berrou para um garoto chamado Samuel entrar,
porém ele a persuadiu a deixá-lo dar mais uma volta na bicicleta.
“Vamos”, puxei-a. “Não deixe ele te ver.”
Samuel dobrou a esquina em seu veículo, entrando em um beco
deserto. Lara e eu o espreitamos de longe. Conforme ele
avançava, o seguíamos agachados, e quando se virou nos
esgueiramos atrás de um par de latas de lixo. Ao dar meia volta
com a bicicleta, Samuel decidiu amarrar seus cadarços antes de
fazer o trajeto de volta, e em pouco mais de um piscar de olhos,
duas figuras pequeninas, rosadas e de orelhas pontudas pularam
a cerca e envolveram o garoto em um enorme saco. Tive de
evitar que Lara seguisse seu impulso de ir ajudá-lo. “Não! Fique
quieta!”, sussurrei.
“Nós precisamos salvá-lo!”
“Errado!”, tentei manter o volume baixo. “Se nós interferirmos
nesses eventos, vamos alterar os fatos que nos levaram a
investigar esse caso. Criaremos um paradoxo, entende?”
Ela assentiu. As criaturas derrubaram o muro que pularam há
pouco e subiram em uma espécie de motocicleta adaptada,
içando voo e desaparecendo lentamente, enquanto eu apontava
a chave de fenda em suas direções, tentando obter alguma
leitura.
“Doutor?”
“Diga”, respondi um tanto aéreo, tentando decifrar o que fora
captado.
“O que eram essas coisas?”
“Lara”, levantei a cabeça e olhei-a nos olhos. “Essas coisas eram
duendes.”
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“Duendes?”, fez uma careta. “Duendes não existem.”
“Duendes, Goblins, Leprechauns, Elfos... Nada disso existe”,
ironizei. “Sabe o que também não existe? Cabines de polícia que
são maiores por dentro e viajam no tempo.”
“E qual o próximo passo?”
“Nós, eu e você”, disse, “vamos voltar pro ano em que
estávamos, e depois fazer uma visita ao Polo Norte. O planeta, é
claro. Pegue um casaco!”.
Os motores pararam e os navegadores indicavam a localização
certa. Um deserto de gelo dava as caras no monitor do console.
“Deixe-me ver como você fica com esses óculos escuros”, enfiei
uma armação no rosto de Lara.
“Por que isso?”, indagou.
“Nada, ué”, fiz um bico. “Só achei que, se vamos confrontar
duendes sequestradores, poderíamos parecer um pouco mais
durões...”
“E óculos escuros são a solução?”
“Ei, acorde!”, estalei os dedos. “Homens de Preto, lembra-se?”
“MIB? Ok, entendi.”
“Aquele foi um documentário e tanto”, balbuciei.
Pisamos em solo firme- nem tanto- e o frio que esperava não se
fez presente. Achei aquilo estranho, o que me levou a
inspecionar o chão. Ao dar pequenos socos concluí que a camada
de gelo estava muito fina e logo se romperia. Avisei para que
Lara andasse com cuidado e não fizesse movimentos bruscos.
Caminhamos a esmo feito dois andarilhos e, ao distrair-me um
29
pouco, tropecei em algo e estatelei-me, trincando o gelo e me
fazendo paralisar. Talvez essa fosse uma boa hora para revelar
que eu não sabia nadar.
Ao olhar para trás avistei o que me derrubara. Era uma figura em
trapos vermelhos, sustentando uma barba longa e suja. “Jeff!”,
exclamei. “O que há com você?”
Ele demorou a me reconhecer, mas quando conseguiu seus
olhos arregalaram-se. “Doutor, não!”, berrou. “Vá embora, vá
embora já!”
“O que aconteceu?”, perguntei.
“Ruby ficou maluco! Organizou um motim e me condenou ao
exílio!”
“Ruby, o chefe dos duendes e seu braço direito?”
“O próprio.”
“Pelo menos você perdeu peso”, sorri. “Desculpe, isso não é
hora de piadas. Lara, este é Jeff; Jeff, esta é Lara”, apresentei-os.
“Antes que diga alguma coisa, sim, você acaba de conhecer o
Papai Noel, o Bom Velhinho, Santa Claus, não importa do que
você quiser chamá-lo.”
“Por que não está tão frio, Jeff?”, sentei ao seu lado. “E por que
o gelo está tão frágil?”
“Eu não faço ideia!”, deu de ombros. “Ruby disse que estávamos
todos condenados e que eu não tinha mais nenhuma serventia
para eles.”
“Ruby, Ruby... O que está passando nessa sua cabeça?”, enfiei as
mãos nos bolsos. “Lara, qual a idade média das crianças que
desapareceram?”
“Todas entre quatro e oito anos”, pegou seu bloco de notas.
30
“Crianças de outro bairro também sumiram?”
“Não, apenas o nosso bairro.”
“Pense, pense seu caquético”, eu engatinhava. “Me ajude um
pouco, Jeff! Desculpe, você não está em condições nem de vestir
um gorro.”
“Ah”, Lara acrescentou, “todas elas estudavam na mesma
escola. Não sei se isso ajuda”.
“Não ajuda”, dei de ombros, quando segundos depois fui
acometido. “É claro!”
“O quê?”
“Essa tal escola”, raciocinei, “é uma escola particular?”.
“Sim.”
“Eles usam uniformes?”
“Usam, mas o que isso acrescenta?”
“A média de notas é acima de sete?”
“Acho que sim”, disse confusa, “mas como-“.
“Bingo!”, abri uma gargalhada. “Todas as crianças têm entre
quatro e oito anos, o que nós sabemos que é o período
fundamental em que se constrói o caráter de um ser humano;
todas elas estudam na mesma escola, um colégio rígido,
disciplinador. Já sacou?”
“Ainda não...”, fez uma careta.
“Olhe a situação deste gelo, Lara!”, soquei o chão, que se rachou.
“Não faz frio no maldito Polo Norte! O planeta está entrando em
colapso e os duendes estão montando um exército de escravos
para invadirem e conquistarem outro lar.”
“Isso faz sentido”, concordou.
“Alguém viu o Rudolph por aí?”, delirou Jeff.
31
“Vamos lá, Noel”, coloquei-o de pé. “Todo mundo sabe que não
existem renas mágicas.”
Retornei até a TARDIS e coloquei algumas coisas nos bolsos. “O
que você pegou?”, Lara perguntou-me.
“Nada. Só uns damascos.”
“Mas os damascos não estavam estragados?”
“Sim, chega de perguntas.”
Caminhamos durante quinze minutos até chegarmos a uma
enorme construção, que não era distinguível de um castelo ou
uma fábrica da revolução industrial. O polo norte não era mais
branco e fresco. Parecia um subúrbio inglês de mil novecentos e
vinte, cheio de fumaça, fuligem e tristeza. Fui capaz de
destrancar uma das portas de ferro dos fundos usando a chave
de fenda, e nos locomovemos com cuidado pelas pontes. Era
possível ver uma fila enorme de crianças acorrentadas- não só as
do bairro de Lara, mas centenas, provavelmente de outros
países e até mesmo planetas-, caldeirões a todo vapor e
engenhocas construindo algo grande, algo ameaçador. Eu me
rastejava quando, sem prévio aviso, Jeff berrou por todo o salão:
“Ruby, seu bastardo!”. Quis sentar e chorar, mas deixaria isso
para depois.
Em menos de trinta segundos tínhamos lanças apontadas para
nossos pescoços. Fomos algemados e levados a uma enorme
sala, semelhante a um tribunal, onde, sentado ao fundo, estava
um duende impressionantemente forte. Tão alto que quase se
assemelhava a um anão. Eu supunha que era Ruby.
32
“Vejo que te trouxeram de volta do exílio”, falou enquanto
brincava com uma moeda.
“O que você acha que está fazendo com essas crianças?”, fui até
ele.
“Simplesmente...”
“Eu já sei, não precisa dizer, seu duende sociopata!”
“Se você já compreendeu tudo poderá ser executado mais cedo,
então.”
“O planeta está se desintegrando”, argumentei. “Talvez eu possa
ajudar.”
“Você?”, zombou. “Vai fazer algum truque de mágica?”
“Vai ser o melhor número que você já viu”, cerrei os lábios.
“Ok”, sacudiu a cabeça. “Estou sem fazer nada, mesmo. O que
vamos fazer?”
“Já leu Viagem ao Centro da Terra?”, perguntei.
“Eu escutei o audiobook, por quê?”
“Troque o ‘Terra’ por Polo Norte.”
“Mandem preparar o trenó!”, ordenou Ruby.
Enquanto éramos levados para fora, me virei para Lara. “Por que
alguém prefere o audiobook ao livro original?”
Aos solavancos éramos encaminhados à pista de trenós. Tinha a
aparência de um kart, porém em formato oval e mais espaçoso.
Um a um nos acomodamos e vestimos uma máscara de
proteção. “Se não quiserem descolar suas retinas, vistam isso”,
disse o condutor. Passei uma das máscaras para Jeff, mas ele
sinalizou que não precisaria, abaixando então o visor de seu
gorro misterioso. Estávamos de frente para um túnel iluminado
33
em um tom quase sépia. Ruby fez a contagem e, dez segundos
depois, estávamos a todo vapor; nossas bochechas como as de
um Basset Hound quando põe a cabeça para fora do carro. Olhei
para Lara e levantei os polegares, perguntando se estava bem.
Ela retribuiu o aceno.
A viagem durou pouco mais de três minutos, e ao sair senti
náuseas terríveis. “Isso me lembra da festa de aniversário de
Keith Richards”, sussurrei. Apoiei-me em uma parede e engoli o
vômito. Estávamos em um cubículo extremamente quente e
pegajoso, e no centro reinava uma máquina retangular,
iluminada com luzes vermelhas e soltando um rugido a cada
quarenta segundos. “Eu gostaria de estar com as mãos livres
para esta tarefa”, pedi. Ruby titubeou, mas concordou.
Saquei a sônica e examinei o aparelho. Meus olhos não
acreditavam no que viam. “Um computador metabólico!”,
espantei-me. “Eu não encontrava um desses há séculos!”
“Um o quê?”, questionou Ruby.
“Não me diga que você não estava ciente”, disse.
“Isso sempre esteve aí, ninguém jamais mexeu nessa coisa.”
“Ruby”, aproximei-me, “esse computador controla o núcleo
artificial do planeta. Ele usa proteína como bateria e uma só
recarga pode durar milhares de anos”, voltei-me para Jeff. “Há
quanto tempo você não recarrega o computador?”
“Mas que computador?”, respondeu. “Ano passado você me
pediu uma bola de futebol!”
Suspirei. Era claro que o bom velhinho já não estava totalmente
são. Os segredos e métodos de como reger aquele mundo eram
passados de geração para geração, e obviamente a vida solitária
34
e antissocial de Jeff o levaram a uma nítida estafa. Precisaria de
umas férias.
“O que vamos fazer, então?”, Lara perguntou.
“É muito simples”, retruquei. Preciso alimentar o computador
com qualquer coisa que tenha uma quantidade satisfatória de
proteína. Milho, ervilha, feijão, qualquer coisa”.
Ruby e o condutor do trenó sofreram um baque. “Nós não temos
nada disso aqui.”
“Como assim?”, elevei a voz. “Do que vocês se alimentam?”
“Gelo.”
“Gelo?”
“Gelo.”
“E o que Jeff come?”, indaguei.
“Geralmente leite e biscoitos deixados pelas crianças”,
lamentou.
“Mas isso é só em um dia do ano”, Lara abriu os braços.
“Existem inúmeros planetas de inúmeras galáxias que têm festas
semelhantes ao natal quase todos os dias do ano”, Ruby
explicou. “Ele estoca o leite e biscoitos, mas desde que foi
exilado, jogamos tudo fora.”
“Oh”, esfreguei os olhos.
“Não temos escolha, Doutor, vamos ter de usar as crianças para
colonizar outro planeta.”
“Sempre existe uma escolha, Ruby”, repliquei. “E, enquanto eu
viver, ninguém vai conquistar glória por meio da dor e
escravidão.”
Eles tinham menos de uma semana até que o núcleo do planeta
35
não aguentasse mais e tudo fosse pelos ares. Recordei por um
momento como aquele fim de tarde estava delicioso até pouco
tempo. Um bom livro em minha poltrona, a brisa fria de inverno,
a passada no pub de Cassius...
Dei um salto. “Cassius, eu te amo!”, gritei.
“O que foi?”, Lara perguntou.
“Ruby, para salvar o Polo Norte preciso fazer uma rápida viagem.
Fique com Lara como garantia.”
“Você não vai me deixar aqui!”, estapeou-me o ombro.
“Parece que já deixei”, disse enquanto subia de volta ao trenó.
“Vamos logo!”
Retornei até a TARDIS e fiz uma visita ao meu bom amigo
Cassius, exatamente um minuto após ter saído do pub.
“Eu mudei de ideia”, adentrei o recinto. “Seu bife estava
fantástico! Por sinal, vou querer uma dúzia deles. Pra viagem.”
O gordo bigodudo me olhava sem entender nada, até me ver
batendo palmas e o apressando. Cerca de cinquenta minutos
depois, Cassius me entregou os filés em recipientes de alumínio,
em duas sacolas diferentes. Quando pousei novamente no Polo
Norte, toda a superfície tremia, e parecia que leões estava soltos
por perto, tamanho barulho. Ao adentrar a sede dos duendes,
Lara estava sentada em um dos bancos do tribunal genérico.
Olhava-me com olhos raivosos.
“Ei, você trocou de roupa”, notei. Ela me estapeou.
“Onde você estava, seu safado?”, berrou.
“Buscando a salvação pro Polo Norte!”, expliquei-me.
“Já fazem sete dias! Você ia me abandonar aqui?”
36
“Minha nossa!”, levei a mão à cabeça. “Acho que errei algum
código de navegação.”
“Eu vou te mostrar um código”, levantou o dedo médio.
“Ei, ei!”, interrompi. “Não temos tempo pra isso. Se já faz sete
dias, então falta muito pouco pra tudo isso explodir.”
Tomamos o trenó de volta ao centro do planeta e, ao chegar em
meu destino, Ruby estava pronto para mandar que me
cortassem a cabeça ou, no mínimo me dessem uma boa surra.
“Você nos traiu”, disse.
“Desculpe, é uma máquina do tempo, às vezes ela vai onde
quer.”
“Não posso confiar em você.”
“Ou você confia”, aproximei-me, “ou todo mundo morre”.
Ruby calou-se consentindo e, com a ajuda de Lara, escorregamos
todos os bifes pelo funil do computador, tornando sua luz
laranja, depois verde e, por fim, branca. Estava tudo
estabilizado. “De nada”, fiz uma mesura ao duende.
“Ok, ok”, deu de ombros.
“Certo, vamos buscar as crianças e levá-las pra casa”, Lara sorriu.
Já estávamos de volta ao grande salão, quando Ruby nos parou.
“Acontece, Doutor, que estar no poder é muito bom. Estar no
comando. Você sabe disso.”
“Eu?”
“Não se faça de besta. É muito bom ainda ter nosso planeta,
assim não teremos de mudar nosso quartel-general de lugar.
37
Mas as crianças ficam. Nossa meta de invasão também. Assim
como sua nave.”
“Ah, não”, desdenhei. “Não, não, não.”
Segurei a mão de minha comparsa e saímos correndo pelo gelo,
mas uma imensa frota de duendes estendia-se pelo horizonte
até o ponto onde a TARDIS encontrava-se, e meia dúzia deles
posicionava-se em frente a ela, empunhando armas.
Continuamos a correr. “Peguem-nos!”, ordenou Ruby.
“Você ainda está com os óculos escuros?”, perguntei.
“Estou.”
“Essa é uma boa hora pra colocá-los”, retruquei, também
vestindo os meus, imediatamente puxando meus damascos
falsos do bolso, que na verdade eram um desmemorizador
instantâneo, plantando-o no chão e o ativando. Instantes depois
um clarão inundou por todo o céu e mar, ofuscando-me por mais
ou menos cinco minutos. Pude então notar todos os duendes
correndo, sorrindo e brincando por toda parte. Jeff saiu de
dentro do castelo e bocejou, vindo até mim.
“O que aconteceu?”, perguntou.
“Apaguei a memória deles, Noel”, respondi. “É como se eles
tivessem voltado à adolescência com um corpo de adultos. Mas
vão ter uma nova chance pra não se tornarem cruéis.”
“Que beleza!”, admitiu.
“Cuide bem deles”, bati em seu ombro. “Acho que as crianças
vão sobreviver sem presentes esse ano.”
“Mas e os anos seguintes?”, levou a mão à cabeça. “Quem vai
me ajudar a entregá-los? Os duendes vão levar bastante tempo
para estarem preparados novamente.”
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“Acho que minhas famosas ceias de natal com Sophia Loren não
vão acontecer por um tempo”, suspirei. “Separe um gorro para
mim, Jeff.”
“O que você está anotando?”, Lara perguntou.
“Não posso esquecer de voltar daqui a dois mil anos com mais
proteína para o computador”, fechei a caderneta.
Botei todas as crianças à bordo da TARDIS e as levei de volta para
seus pais em suas diferentes cidades, estados e continentes.
“Não encostem em nada!” Isso demorou um pouco, Lara e eu
ficamos exaustos. Entretanto, antes de devolvê-la para sua casa,
ainda fiz questão de mostrar-lhe uma coisa.
“Esse, Lara”, abri as portas enquanto estávamos estáticos em
meio à imensidão de estrelas, “é o espaço profundo”. Ao fundo
podia-se observar uma supernova quase em seu estágio final.
Sentamo-nos com as pernas balançando para fora e, depois de
enxugar as lágrimas, fechou os olhos e inclinou seu rosto em
direção ao meu, mas quando percebeu estava beijando meu
gato de estimação - Willie-, enquanto eu já voltava aos controles.
Estacionamos em sua rua. Saltamos e sentimos o asfalto
embaixo dos nossos pés. “Então”, disse a ela, “adeus”.
“Você vai voltar, não vai?”, perguntou.
“É claro”, respondi. “Pode ser. Provavelmente não.”
“Por quê?”
“Não tenho mais idade pra simplesmente deixar pessoas
sozinhas num planeta distante durante uma semana inteira.”
“Não tem problema, eu aguentei”, sacudiu os braços.
“Tem problema, sim.”
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“Pense a respeito.”
“Talvez”, dei de ombros.
“E como vou continuar a viver assim”, disse, “depois de ter visto
as estrelas de perto, o tenebroso espaço, raças alienígenas em
outra galáxia?”.
“A pergunta”, sussurrei em seu ouvido, “que você deve se fazer,
Lara, minha cara Lara, é: como não continuar vivendo?”.
Ela sorriu e deu-me as costas. Caminhou de volta por aquela
interminável rua comum, e aos poucos saltitou e olhou para trás,
talvez para ter certeza de que tudo não passara de alucinação.
Entrei de volta na TARDIS e suspirei. Talvez o tédio me
consumisse por dias, talvez eu tirasse uma soneca por meses a
fio. Talvez uma visita a Skelter Nove? Por que não uma passada
em Taurus, para um jogo de pôquer com meu velho amigo
Zarius?
Frango!
Uma inexplicável vontade, desejo, ânsia- quase libidoestonteante de comer um grande e redondo (também poderia
ser quadrado ou triangular, não fazia diferença) pedaço de
frango.
40
A Senhora dos Óculos
Engraçados
Por Jonathan Holdorf
41
Na longa e distante estrada, quando a rua não parecia acabar ao
horizonte, ao lado de uma padaria na qual aromas celestiais pareciam
flutuar até as nuvens, e em uma vastidão de folhas dançantes
deslizando pela calçada paralelepípeda do cenário gelado da manhã
de inverno, novamente encontrei a livraria que tanto amava quando
criança. Se eu disser que não era qualquer livraria você vai adivinhar o
restante da história, então dedicarei esta carta ao passado apenas
para anunciar que, exatamente, não era um lugar comum.
Nunca fui nostálgico - bem, talvez apenas um pouco. Mas o Natal
sempre me trouxera memórias de coisas que há muito havia perdido
lá no fundo de minha mente. Acreditar no Papai Noel era uma delas.
Porém, em meio ao mundo confuso e sempre-funcionando, esqueci
completamente da aventura mais incrível da minha vida. Esqueça
primeiro beijo, esqueça saltar de paraquedas, esqueça o gosto de
chocolate que você ganhou da sua avó - tudo isso são apenas formigas
perante ao que aprendi quando tinha dez anos. E também era Natal.
Eu estava caminhando tranquilamente na mesma rua que estou hoje
escrevendo neste diário, não sabia muito bem qual seria o meu
destino, apesar de ter certeza de que pararia mais uma vez na livraria.
Aquele lugar era como um imã para o meu coração; o cheiro de chá
recém feito, misturado com o café que vinha da cozinha tornavam a
situação mais persuasiva. Meus pais até perguntavam como eu
gostava tanto de ler, ou como eu não enjoava de estar sentado ao lado
daquela senhora dos óculos engraçados pendurados na ponta do
nariz, aquele casaco azul marinho e um sorriso contagiante no rosto.
“Eu não sei”, sempre respondia - “É o melhor lugar do Universo”, então
completava.
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De fato era. As estantes eram de madeira - muito velhas, dava para
notar -, e os livros coloridos enfeitavam o ambiente como se fossem
as próprias paredes. A Senhora dos Óculos Engraçados uma vez me
contou de que não sabia mais como tudo aquilo fora parar ali.
- Houve um tempo, sabe? Um tempo em que tudo aqui era diferente.
Certamente não lembro mais… faz anos. Olhe para mim, tão velha já,
mas ainda consigo dar um jeito de levar a vida. É bem provável que eu
tenha lido todos os livros do mundo, quem sabe de todo o sistema
solar, ou até fora dele. Tentei me aventurar nos novos, mas nunca os
entendi. Acho que falta tato. Se bem que sempre adorei Neil Gaiman,
então aí está um ponto positivo.
Ela era misteriosa, sim. Não a achava tão velha assim, apesar dos seus
olhos contarem tantas histórias - eram diversas delas. Sempre ficava
do lado de trás do balcão, era muito difícil vê-la escapar de lá, nem
mesmo quando pedíamos ajuda.
“Pedíamos”, porque naquela manhã de Natal encontrei com as minhas
duas melhores amigas, e elas me ajudaram a escolher o meu próprio
presente. Eu preferia assim. Meus pais já tinham aceitado que eu não
queria brinquedos para estragá-los no outro dia, eu queria livros, para
saber que sempre teria as minhas aventuras comigo, mesmo que as
páginas fossem rasgadas ou se a chuva molhasse cada letra para a
escuridão. Nenhum brinquedo se manteria tão vivo quanto os meus
livros.
- Tem este aqui sobre um dragão que viaja no tempo! - Kyra segurava
o tijolo de 680 páginas em mãos. A capa ilustrava um dragão
literalmente voando pelo vórtice e salvando planetas.
43
- Acho que não… - eu disse, sorrindo.
Ela sorriu de volta.
- Ei, e que tal este? - dessa vez Evelyn indicava que um homem das
neves cavalgando em um urso polar batalhando contra extraterrestres
seria sábio.
Eu amava essas garotas, sabe? Mas elas realmente não tinham um
bom olho para livros que eu gostava. Bem, na verdade, na maioria das
vezes em que íamos para a livraria, Evelyn e Kyra apenas tiravam sarro
com a minha cara por gostar de fantasia e aventura. Acho que essa era
realmente toda a graça de ir lá. Mas no fundo elas também adoravam.
Se me lembro bem, enquanto escolhíamos os livros, enchíamos as
cestas com dezenas deles, a Senhora dos Óculos Engraçados
bebericava o chá e pegava um biscoitinho do pote que ficava em cima
do balcão. Gostava de observá-la, pois a sua peculiaridade me deixava
curioso, e eu morria de vontade de saber o porquê de ela nunca sair
do seu lugar.
Mas foi nesse instante em que isso mudou. Não tenho certeza se
aquilo aconteceu no mesmo dia ou se é uma memória um pouco
distante que ficou perdida e se misturou com o Natal daquele ano, mas
ela saiu de trás do balcão. Foi surpreendente, era como se o mundo
tivesse entrado em colisão com diversos outros mundos lá fora. A
Terra parecia estar girando.
- Ela está saindo! - Kyra me cutucou.
- Eu sei! Eu percebi! - respondi, pela primeira vez não conseguindo
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prestar muita atenção na minha amiga ao lado.
- O que ela vai fazer? - Evelyn logo sussurrou.
A Senhora dos Óculos Engraçados e Casaco Azul-Marinho caminhava
lentamente em nossa direção. Estávamos congelados, não
literalmente, mas de surpresa. Ela não era aterrorizante nem nada, era
muito simpática, até. Mas aquilo era um evento, e logo percebi que
seria muito maior quando falou:
- Vocês querem viajar?
Tudo parou. Meu queixo encostou no chão, Kyra deu um sorriso,
Evelyn suspirou e riu baixinho.
- Viajar? - perguntei.
- Bem, vocês não gostam de aventura? - seus olhos mostravam uma
vida quase que eterna.
- Ahn… - nós três respondemos ao mesmo tempo.
- Tudo bem, apenas venham aqui.
Ela nos levou para detrás do balcão em que nunca saía, pegou uma
chave dourada e pesada de uma gaveta e abriu a porta que levava para
o lado de fora da livraria, mais aos fundos.
Parecia uma livraria particular - na verdade, uma salinha. Era uma mini
biblioteca, eu acho. Apenas que, no lugar da televisão, uma lambreta
ficava estacionada em cima de um tapetinho delicado e com padrões
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coloridos.
- Bem-vindos! Esta é a nossa entrada para a aventura.
Devo dizer que fiquei um pouco decepcionado. Todo o mistério sobre
a Senhora dos Óculos Engraçados tinha sumido da minha mente como
uma fumaça. Agora só pensava que era alguma maluca querendo
sequestrar crianças. Kyra olhou para mim desconfiada, e Evelyn, seus
olhos cresciam mais que o seu rosto.
- Muito… obrigado, mas eu acho que desta vez vamos deixar passar.
Precisamos ir para casa cedo e tudo aquilo. - eu disse, já andando para
trás.
- Bem, bem, bem, parece-me que vocês, crianças, que acreditam no
Papai Noel, ainda não quebraram todo o ceticismo que veio
impregnado nas suas mentes construídas por pais que só os deixam
viver fantasias já planejadas pelo mundo. Deixe-me mostrar algo que
pode ser um pouquinho surpreendente.
Ela tirou do bolso uma colher. Sim! Uma colher. Mas era diferente,
talvez fosse muito antiga, porém tinha detalhes eletrônicos e piscava
alucinadamente. Apertou alguns botões e… pronto. A salinha ficara
enorme, ainda com cara de biblioteca, mas agora a lambreta tinha um
anexo na sua traseira: uma carruagem. Era minúscula por fora. Três
pessoas não caberiam lá.
- Venham, venham… Cuidado com o degrauzinho, ele sempre dá
dificuldades. Eu vou na frente. Sou a única que sabe pilotar essa coisa.
Abrimos a portinha. Deixei Kyra e Evelyn entrarem primeiro e fui logo
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em seguida. O espaço no interior conseguia ser menor do que o
exterior. Era realmente apertado.
- EI! Este negócio é menor por dentro! - falei.
- Ha! Adoro quando as pessoas dizem isto. - ela gritou lá da frente. Segurem-se!
A janelinha na carruagem permitia que espiássemos para ver o que
estava acontecendo no lado de fora. A Senhora dos Óculos Engraçados
estava ligando a lambreta, que definitivamente não fazia barulho de
lambreta - era mais como um ranger de metal muito alto e irritante.
Por um instante pensei que não sairíamos dali, quando pisquei e
percebi um ambiente assustadoramente real.
- Alô! Vocês me ouvem? Sim. Tudo bem. - ela falava conosco através
de uma espécie de microfone. - Câmbio! Alô! Certo. A nossa atual
localização também pode ser conhecida por muitos viajantes espaciais
como: espaço. Bem, temos planetas ao nosso redor que não merecem
menções, porém devemos sempre estar antenados para a maravilhosa
fábrica de sonhos, que serve para gerar aqueles momentos do
inconsciente do ser humano. Na verdade, é bastante invasivo. Vocês
não fazem ideia de quantas vezes tentei impedi-los, mas ainda não
funcionou, sempre acabo dormindo. Daqui alguns anos-luz vocês
poderão presenciar a mais incrível constelação Aari XI9, que fundou
trezentas e cinquenta maneiras de comer sem engordar.
- Senhora? - Kyra batia na portinha da carruagem.
- Sim, minha querida?
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- Aqui está tudo incrível e tal, mas nós vamos mesmo para algum
lugar? Está bastante apertado.
- Oh, mil desculpas! Mil desculpas! Estamos, sim, indo para um lugar
fenomenal, talvez o meu favorito no universo, apesar disso ser quase
impossível de determinar, sendo uma viajante no tempo e toda essa
coisa…
- Viajante no tempo?!? - Evelyn tentava conter a animação, mas
infelizmente não conseguiu, pois bateu a sua cabeça de maneira
violenta no teto da carruagem.
- Desculpe-me novamente. Não me apresentei? Que boba que eu sou.
Meu nome é… bem, nunca tive um nome. Na verdade não lembro
mais. Talvez tenha sido importante, mas hoje não é. Coisas
aconteceram, coisas perigosas, milhares de batalhas, impossíveis
guerras… Enfim, nós estamos indo para a Fazenda no Espaço, e quando
fizermos isso as suas vidas mudarão para sempre.
Definitivamente mudaram. Até o momento estávamos apenas no
espaço, dançando pelas estrelas, olhando pela janelinha da
carruagem, esperando o machucado de Evelyn sarar, mas quando segundo a Senhora dos Óculos Engraçados - entramos na rodovia da
Fazenda no Espaço, tudo ficou com uma nova cara.
É difícil de acreditar que no espaço tenha Natal, você imagina que isso
seja apenas uma festa da Terra em que as religiões iniciaram e depois
apenas se tornou uma maneira das lojas arrecadarem dinheiro com
presentes estúpidos. Mas não! São em tempos como este que
percebemos como somos minúsculos.
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- Contemplem as estrelas! Vejam as rodovias flutuantes, os postes
saltitantes, as árvores falantes desejando um Feliz Natal. Observem os
planetas com luzes coloridas, encantando as noites dos seus povos.
Louvem e amem todas as músicas entoadas na imensidão da galáxia.
Sintam o ar com cheiro de bolo fresco. Corram, pois já está no fim. discursava a Senhora dos Óculos Engraçados lá na frente. Era como se
ela fizesse aquilo sempre.
Eu nunca diria que o espaço estaria enfeitado com temas natalinos.
Bem, podemos sempre nos enganar nesta vida.
A Fazenda no Espaço era engraçada, linda, os canteiros perfeitamente
bem organizados e simétricos, os celeiros enormes e todos enfeitados,
animais correndo - e não somente animais Terrestres -, pessoas e
criaturas dos mais variados tipos e tamanhos confraternizavam em
uma espécie de mini-festa que acontecia naquele momento.
- Atentem à mais maravilhosa invenção do universo: a Fazenda no
Espaço. Há bolos, bebidas quentes desconhecidas, infinitas sensações
natalinas percorrendo as veias de todos os que aqui estão presentes.
Não há perigos, não há distrações, apenas o bom e velho espírito do
Natal. Ho. Ho!
- Senhora… como a senhora sabe de tudo isso e possui toda essa
possibilidade de viajar assim? - a pergunta de Kyra fez os óculos
engraçados da Senhora caírem um pouco mais.
- Eu já fui um pouco menos convidativa, sabe? Teve uma época em que
dificilmente aceitaria pessoas aqui na minha lambreta. Ah, a lambreta!
Bem, aconteceram algumas coisas ao longo do caminho. Nem sempre
fora uma lambreta, mas esta não é a nossa história - apesar do espaço
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do seu interior ser muito melhor antes. Enfim, em uma outra época
até fui mais feliz, usava acessórios engraçados no pescoço e saltitava
como louca, ou louco. Mas há um momento em que todos devem se
aposentar. Bem, ainda fui curadora de um Museu em Londres. Uau,
tantas memórias… porém cuidar de uma livraria pareceu o mais certo
a se fazer. E vocês, crianças, conquistaram o meu coração para mais
uma aventura.
- Você tem um lar? - Evelyn sempre fora a mais emotiva do grupo,
estava com os olhos úmidos.
- Perdido, há muito perdido. Tentei encontrar várias vezes, até fiz isso,
mas a vida deu um jeito de retirá-lo de mim novamente. Mas este não
é o Natal que eu quero.
***
A Fazenda no Espaço não era tão segura assim, no final das contas.
Encontramos com criaturas que se disfarçavam de outras pessoas e
atacavam umas às outras. Mas a Senhora dos Óculos Engraçados
conseguiu nos livrar de tudo aquilo. Que fôlego ela tinha!
Por muito tempo tentei encontrá-la novamente, mas a livraria parece
estar eternamente fechada. Talvez tenha morrido, talvez o seu rosto
seja outro, ou talvez as minhas histórias não tenham sido verdade.
Mas não importa. Não importa se as aventuras se passaram em livros
ou se a minha mente criou um universo novo e me fez viajar para lá, o
que importa é que tudo aquilo se tornou o presente de Natal que
sempre viverá comigo. Nunca se quebrará, graças à Senhora dos
Óculos Engraçados.
50
Cemitérios de
despedidas
Por Jonathan Holdorf
51
O céu amanhecera cinzento naquele dia, véspera de Natal. Não estava
daquela cor porque o seu humor havia mudado ou porque apenas
gostava de ser assim. Pela primeira vez - e isso pode soar de uma forma
muito estranha para quem estiver lendo este texto em algum lugar do
passado - nevava em todo o mundo. Finalmente os países concluíram
que deixar as nações serem influenciadas pelo “espírito do Natal”, no
qual o frio e a neve são presentes, seria algo que todos poderiam
aproveitar. Era um teste.
O cemitério estava quieto, tão quieto como qualquer cemitério
deveria ser. Talvez fosse por causa da tristeza que todos sentiam ou
talvez porque o Natal era tempo de alegria e poucos se lembravam
daqueles que já haviam partido. O ano 3047 era definitivamente um
dos mais inovadores desde o princípio dos tempos: os seres humanos
estavam cada vez mais explorando as estrelas, descobrindo
civilizações; prédios com arquiteturas minimalistas ocupavam os
cenários caóticos, porém muito bem desenhados das cidades grandes;
mas o que realmente importava e, talvez, o que mais tivera alguma
ação significativa na população foi a criação da viagem no tempo. Bem,
não exatamente. Cemitérios neste século são muito visitados - seja
pelos que já morreram ou pelos que estão ainda vivos e prestam
homenagens aos seus familiares e amigos. Com o avanço tecnológico
foram criados sistemas de capsulas temporais que substituem os
túmulos e dão a oportunidade para que os que já partiram voltem e
deem o seu último adeus. Mas nada é tão simples assim. Por mais que
todos os cemitérios sejam livres de paradoxos temporais, as viagens
feitas pelos falecidos são apenas cenas repetidas da primeira
despedida, como um holograma, como um vídeo daquela pessoa que
você gosta e fica revendo várias vezes. Aos poucos, dependendo dos
anos que se passam, a possibilidade desta despedida fica cada vez
mais difícil.
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E no cemitério triste e quieto, na véspera de Natal, uma pequena
família se encontrava parada em frente a um túmulo normal, como
aqueles que eram tradicionais no passado. Uma garota, de cabelos
loiros e com uma touca feita à mão na cabeça, vestindo uma roupa
simples e confortável, escorava-se ao ombro de sua mãe, que a
consolava e limpava as lágrimas do seu rosto. O pai estava há muito
falecido, e seu túmulo o guardava pela eternidade.
- Você tem certeza de que não quer revê-la? - a mãe perguntou,
olhando fixamente para o rosto da filha.
- Qual é o sentido? Só para ter aquele último momento de novo e de
novo? Vai chegar uma hora que tudo parecerá falso, ou terá a cara de
um filme idiota que eu assisto todos os dias porque não tenho outra
coisa para fazer. - Luna chorava ainda mais, e aconchegava-se perto de
sua mãe.
- Não fale assim! Você pode ganhar muito com essa experiência… Olhe
o que aconteceu com o seu pai.
- E é isso que eu quero! Não quero viver na ilusão de sempre estar me
despendido. É hora de seguir em frente. - ela sabia que aquilo soava
como um clichê dos filmes de comédia romântica, mas tinha certeza
de que seria a sua melhor decisão.
A mãe e Luna caminharam lentamente até o seu carro que ficava
estacionado no outro lado da rua, em uma das rodovias que ainda
utilizavam asfalto naquela região da cidade. Continuava nevando e,
por mais que o frio ocupasse todo o cemitério, elas não se importaram
e levaram horas até chegarem ao destino - com frequentes pausas
53
para um abraço e diversas conversas de arrependimento e dor.
Kali morreu no dia 23 de dezembro daquele ano enquanto viajava em
uma expedição para um planeta que melhora tecnologia do corpo de
humanos aperfeiçoados. A nave sofrera uma grande turbulência e não
conseguira recuperar as forças para continuar. Era possível, para Luna,
que voltasse no tempo e conversasse um pouco com seu grande amor
que não estava mais consigo, mas já havia tomado a sua decisão.
Na casa da mãe e de Luna, um lugar quentinho, com a lareira acesa e
vários tipos de comida em cima da mesa, as duas se sentaram e
ficaram abraçadas no sofá durante horas. Suas comemorações de
Natal, apesar de serem ultrapassadas em 3047, ainda mantinham-se
firmes nas tradições da família - além de outras partes da sociedade.
Naquele século muitas coisas diferentes começaram a acontecer:
sabemos que a neve do dia 25 de dezembro fora inventada para que
todos pudessem compartilhar o que a mídia tanto mostra como o
“Natal perfeito”; sabemos também que as sociedades em uma
metrópole não eram mais unidas. Diversas facções foram criadas e
algumas delas preferiam se manter de acordo com os “Velhos Modos”.
Por isso, na casa de Luna, o Natal continuava a ser feito como
antigamente, além de todas as suas tradições. Para ela aquilo era mais
real.
Quando se tratava de Kali, tudo era diferente. Haviam se conhecido
ainda na escola, que unia todos os tipos de sociedade em um só lugar.
Era uma das únicas que permitia isso acontecer.
Kali era linda aos olhos de Luna: usava lentes digitais multicoloridas
que emitiam um diferente tipo de cor de acordo com a sua alegria.
54
Fazia tempo que não deixavam de ser azuis. Seu rosto tinha pecinhas
milimetricamente posicionadas para que ela conseguisse acessar os
bancos de dados e à internet. Mas o que fez Luna realmente se
apaixonar por Kali não foram esses objetos tecnológicos ou
habilidades especiais da garota - ela não ligava para isso. O toque das
suas mãos, quando perceberam que seriam melhores amigas e, muito
em breve, que o seu amor estaria espalhado pelos seus corações, foi
o necessário para que soubessem que aquilo duraria por muito tempo.
- Talvez eu não mereça felicidade. - dizia Luna para a mãe.
- Você merece toda a felicidade do mundo.
Ela não queria acreditar. Foi dormir tentando não lembrar de daquilo
tudo. Sentou na sua cama, pegou a caixinha com fotos impressas da
garota que havia perdido e pediu para que alguém a ouvisse; pediu
para que tivesse um adeus verdadeiro, não um adeus criado para
satisfazer um sentimento vazio. Não merecia ter o seu Natal estragado
assim, e sentia-se egoísta por pensar daquela maneira.
Até pensou em ir olhar pela janela e tentar pedir ao universo por uma
ajuda, mas desistiu e logo adormeceu.
***
O dia logo chegou, a neve continuava caindo e o sol permanecia
escondido por detrás de todo o cinza que ocupava a manhã de Natal.
Luna ouviu as músicas alegres no andar de baixo da sua casa e sentiuse levemente irritada pelo calor que a sua mãe tentava passar. Sabia
que era apenas amor, apenas uma maneira de deixá-la animada, mas
nada resolveria a dor naquele momento.
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Desta vez ela olhou pela janela. Removeu um pouco o gelo que ficava
no lado de fora e notou algo estranho parado no meio da rua. Não
conseguia entender muito bem do que se tratava devido à confusão
dos seus olhos recém despertados e inchados pelas suas lágrimas. Era
um padrão azul, confuso, com alguns traços iluminados saindo do que
pareciam ser janelas… e uma lâmpada. Uma espécie de caixa gigante
parada no concreto. Carros buzinavam e pessoas começavam a se
reunir ao redor do objeto, mas não parecia se mover de lá.
Por algum motivo aquilo estava motivando-a a sair do quarto e
investigar. Lembrava-se dos tempos em que saía com Kali pela facção
Do Futuro e procuravam relíquias dos tempos antigos. Era animador.
Ela desceu as escadas correndo, um pouco atrapalhada, vestiu as luvas
e a touca e saiu sem avisar à sua mãe o seu destino. Logo a Mãe
percebera que ela estava verificando o mistério da rua no Natal.
- Com licença, com licença! Deixa eu passar por aqui. - ia se
espremendo em meio à multidão.
Surpreendentemente todos deixaram-na passar.
Bateu três vezes na porta azul. Leu a placa com os dizeres “Cabine de
Polícia”. Nada aconteceu. Tentou chamar e também não ouviu
resposta. Então fez o que qualquer pessoa deveria ter feito, mas não
pensaram na brilhante ideia: abrir a porta.
O ranger da madeira soou estranho para alguns que viviam naquele
lugar. Acostumados com as tecnologias do futuro, não sabiam mais
como funcionava algo tão velho. Aos poucos todos saíram e deixaram
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Luna sozinha com a caixa azul.
O interior não surpreendia a garota - talvez um pouquinho, porque
nunca vira uma nave tão grande em um exterior tão pequeno. Mas
estava acostumada em viajar com Kali, então se sentiu um pouco em
casa quando entrou naquele novo mundo.
“Parece a minha casa”, pensou, referindo-se à luz calorosa e
alaranjada da nave.
- Olá? - chamou.
Ninguém respondeu.
Caminhou ao redor do console e procurou algo que lhe desse alguma
explicação. E havia! No vidro arredondado no meio daquela mesa
cheia de botões tinha um bilhete colado, um bilhete com símbolos e
letras escritos à mão. Era uma bela caligrafia!
“Pegue o CD azul que está em cima da cadeira. Insira-o aqui no console
e segure-se firme.
PS: você pode sentir algum enjoo.
Att. Doutor”.
Ela seguiu as instruções exatamente com o tal Doutor havia
recomendado. Um ranger estranho começou a gritar, e as luzes
piscavam alucinadamente. Luna ficou entretida com as rodas que
giravam logo acima da sua cabeça.
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O som estava ficando mais fraco e um barulho de algo pousando
finalmente aconteceu.
Abriu as portas e viu que estava em um ambiente familiar. Era a casa
de Kali, em uma tarde que se lembrava muito bem. Luna foi
caminhando aos poucos, viu a garota em frente à casa, olhando para
o horizonte, pensativa…
- Ei! Você acabou de ir embora… O que aconteceu? - Kali estava
surpresa, mas o seu sorriso mostrava o quanto estava feliz por rever
Luna.
- Ahn… Sim… eu…
- E você trocou de roupas! Ah, que amor. Espere, por que você trocou
de roupas? - ela se aproximava da garota e a envolvia com os seus
braços.
- Eu… - Luna não conseguia falar.
- Ah, esquece. Você está linda e blá blá blá. Venha, vamos lá para
dentro. De novo.
- Espere! Eu quero falar com você. - os olhos de Luna estavam úmidos,
ela não conseguia conter a emoção e tristeza e alegria.
- Ei… ei! O que aconteceu?
- Nada, eu só… - deu um sorriso. - Eu só estou feliz em lhe ver, é isso.
- Ah, sabe que essas suas frases me matam, né? - Kali sorria.
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- Não fale assim - Luna voltou a ficar um pouco triste. - Não fale que
isso lhe mata.
- Tudo bem, tudo bem. Você está muito diferente de cinco minutos
atrás. Comeu naquele lugar novamente, né?
- Haha! Sim! Quero ir lá mais uma vez.
Elas foram até uma espécie de Café que ficava logo acima à base
militar intergaláctica de um restaurante exótico. Ninguém entendia
tanta mistura, mas falavam que “esse é o futuro”. O Café era bem
convidativo, mas as comidas tinham a fama de não serem tão bem
administradas.
- Você continua chorando. O que está acontecendo? - Kali conseguia
perceber que algo não estava certo com Luna naquele dia.
- Eu só queria me despedir. - falou, soluçando.
- Como assim, se despedir? - Kali segurava as mãos de Luna,
aquecendo-a um pouco mais.
- Em caso de não nos vermos novamente. Eu sei, é clichê. Sei que você
não gosta disso.
- Já me acostumei. É bonitinho. - sorriu. - Mas o que você quer dizer?
- Eu não quero vê-la partir, só isso.
- Partir?
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- Para a sua viagem, aquela. Esqueça de tudo, vamos ficar juntas,
assistir um filme ou algo assim. Outro clichê para a sua coleção. - Luna
também estava sorrindo em meio as lágrimas.
- Você não quer mesmo que eu vá, né?
- Não. - disse prontamente.
- Tudo bem. - concordou.
- Sério?
- Sim. Eu faço isso por você. Atualizar os meus dados não é assim tão
importante, não se você está me pedindo.
Luna abraçou-a fortemente por vários minutos e a beijou no rosto,
com carinho.
- Obrigada!
Elas se despediram novamente. Luna estava com todas as esperanças
de que havia mudado o futuro, de que tudo estaria bem novamente.
Entrou na caixa azul e encontrou um homem sentado.
- Feliz Natal - disse, com as mãos no bolso da calça. Sorriu como um
velhinho cumprimentando uma criança no meio da rua.
- Ahn… Feliz Natal?
- Você sabe o que acabou de fazer, não é?
60
- Sobe a Kali?
- Exato. Você alterou o futuro. Bem, devo dizer que estava esperando
isso e que isso não é algo tão bom de se fazer, caso contrário estaria
gritando com você agora.
- Paradoxos e tal?
- Paradoxos e tal.
- Posso ter um Feliz Natal? Eu não sei quem você é ou como você
chegou aqui ou até mesmo como descobriu a minha história. Posso
apenas ter um Feliz Natal? - ela chorava novamente.
- Você pode. Você teve! - disse o Doutor.
- Não é suficiente. E não é justo!
- O que é justo? - aproximava-se da garota, suas sobrancelhas
interrogavam-na mais do que suas palavras.
- Minha vida com Kali.
- Você realmente quer isso?
- Mais do que tudo.
- Você quer o seu adeus eterno?
- Quero poder estar com ela… sem repetições.
61
O Doutor caminhou por alguns minutos e pensava calmamente até dar
a sua última resposta.
- Tem uma coisa que eu posso fazer. - levantou a voz, rapidamente. O cemitério!
- O cemitério? - Luna parecia não entender.
- Sim! O cemitério! O cemitério sem paradoxos, o cemitério da viagem
no tempo eterna.
- O que isso significa?
- Significa que eu posso fazer o seu Natal feliz!
- Como assim?
- O nosso ponto de encontro sempre será o cemitério! - nem mesmo
aquela encarnação do Doutor costumava ficar tão feliz ao ajudar um
ser humano. Talvez fosse o espírito do Natal.
- Explique! - ela sorria, chorava, estava impaciente.
- Todos os dias! Todos. Os. Dias. Eu virei aqui e levarei você para algum
lugar no tempo e espaço com Kali. Você poderá revê-la sempre que
quiser, mas há apenas um problema: ela não pode sair do cemitério.
- Nunca?
- Nunca. - completou o Doutor. Aquele parecia ser o fim do assunto.
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- Mas eu posso viver com ela? Digo, no passado?
- Você pode fazer isso, mas o futuro sempre será o mesmo.
- Então eu quero apenas uma despedida, um Feliz Natal. - concluiu.
O Doutor foi até o console da sua nave e começou a mexer nos botões.
- Um último Natal! - gritou. - Vamos lá! Segure-se!
A TARDIS voou pelo vórtice, o espaço passava pelas janelas como uma
paisagem em um trem em alta velocidade. Luna sorria, mas sabia que
aquele seria o fim. Talvez durasse dias, talvez seria só um minuto. Mas
tinha consciência de que não veria Kali depois daquilo.
A nave se materializou. Foram até a casa de Kali e a buscaram, sem
contar qualquer coisa. Ela apenas confiou no Doutor e sua nova amiga.
- Em qual lugar estamos? - perguntou Kali.
- Este é o planeta Nitria XIV, fica localizado no sistema Licca 151, é o
planeta das despedidas. Ótimo para quem quiser ou não dizer o último
adeus.
- Por que você está fazendo isso? - Kali observava o local, um lugar
bonito, pessoas sorriam e se abraçavam. Não só pessoas, mas criaturas
estranhas, alienígenas. Todos se despediam da sua maneira.
- Bem, eu pensei que…
63
- Não você! - interrompeu quando o Doutor começava a falar. - Você,
Luna. Por que você está fazendo isso?
***
De vez em quando o Doutor voltava para encontrar com Luna e Kali.
Ele prometera estar ali todos os dias, mas era um homem impossível
de decifrar. Em vários Natais estacionou a sua nave no quintal da casa
aconchegante e até ficou para o jantar. Luna, quando podia, visitava o
seu amor no cemitério, mas sabia que o dia do acidente estava
chegando, que o tempo de despedidas estava acabando. Não era mais
possível voltar e voltar. Era o momento de se despedir pela última vez
naquele Natal.
64
Como o Zygon (quase)
roubou o Natal
Por Igor Nolasco
65
Peter estava sentado o corredor que desembocava na sala de sua casa.
Sentia a noite ficar mais fria, os pelos de sua nuca arrepiando. Olhava
fixamente para a lareira estéril (ele havia pedido para seu pai apagar o
fogo, só por precaução), esperando algo acontecer. Debaixo da árvore
de natal, apenas os desenhos do tapete. A única iluminação da sala era
um abajur que ficava ao lado do sofá, mas como a visão de uma criança
curiosa é ampliada por sua perspicácia e ansiedade, isso era mais do
que o suficiente para o menino.
Ele sentiu um toque em seu ombro e tomou um susto.
- O que você está fazendo? - Perguntou seu irmão, Ripley.
Peter suspirou. Ele havia levado um susto.
- Estou esperando ele.
- Ele? - Indagou Ripley.
- Papai Noel. - Respondeu Peter, olhando para o relógio na parede. Ele vem meia-noite, e isso é daqui a pouco.
- Papai Noel não existe, Pete. - Disse o irmão mais velho, dando as
costas para o outro. - Vai dormir. Tá tarde.
- Já vou. - Murmurou o irmão mais novo. - Só vou esperar mais um
pouco.
Passou mais alguns minutos sentado, de pijamas, seu olhar alternando
entre a lareira, a bandeja de leite e biscoitos e a árvore de natal. Então,
de repente, um barulho estranho foi ouvido pelo garoto, vindo do
66
telhado da casa. Ele correu e se escondeu atrás de uma porta, os olhos
ainda fixos na lareira.
Alguns pedaços de pedra, madeira e sujeira misturada com neve
caíram no chão, e, em seguida, um homem troncudo trajando
vermelho, com barba e cabelos muito brancos. Sua queda foi seguida
por um saco de lixo aparentemente lotado, e um gorro vermelho sujo
de terra.
Levantou-se, limpando seu gorro e pondo-o de volta na cabeça. Tirou
uma caixa do saco de lixo, e, pela embalagem, Peter a identificou como
um carrinho de controle remoto. O menino fez menção em sair detrás
da porta, mas percebeu que o bom velinho não havia percebido sua
presença, então preferiu permanecer escondido. O homem da
chaminé colocou a caixa debaixo da árvore de natal e depois agarrou
firmemente o saco com a mão esquerda.
Olhou para a bandeja com comida e ergueu a sobrancelha, mas não
comeu. Virou-se para a janela, e depois, para o corredor, para ver se
havia despertado a atenção de alguém, quando percebeu Peter
escondido. Piscou um olho para ele, com um sorriso travesso, e esticou
sua manga esquerda, revelando seu pulso, onde estava um aparelho
estranho, parecido com um grande e esquisito relógio de pulso.
Digitou alguma coisa nele com a mão direita, que estava livre, e então
desapareceu.
Peter foi correndo até a caixa, extremamente feliz, porém assustado,
com o que havia acontecido.
O Papai Noel apareceu no telhado de uma outra casa, em uma cidade
diferente. Correu os olhos até a chaminé, e caminhou calmamente até
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a mesma.
- O que que há, velinho? - Perguntou uma voz inesperada.
O homem de vermelho virou-se e viu, surpreso, uma caixa azul e uma
figura apoiada na mesma.
O homem da caixa azul aproximou-se, estendendo um aparelho
semelhante a uma varinha eletrônica que brilhava na ponta, e apontou
para o pulso do outro.
- Andei monitorando seu sinal nas suas últimas viagens. Aparelhinho
perigoso, esse daí. Manipulador de vórtex. Bem inteligente. Ah,
falando em inteligência, acho que devo me apresentar. Eu sou o
Doutor. - Disse o homem da varinha eletrônica, apertando a mão do
Papai Noel e sorrindo. - E você não é o Papai Noel.
- Olha... - Murmurou o "Não-Papai-Noel" - Você está equivoc- Desembucha. - Disse o Doutor. - Vamos lá. Eu conheço um Papai Noel
de verdade quando encontro um, e ele definitivamente não usa
manipuladores de vórtex. E você, meu amigo - Falou, apontando
novamente para ele sua varinha eletrônica, e olhando algumas partes
dela com atenção, como se estivesse procurando leituras definitivamente não é humano.
O monólogo do Doutor foi quebrado por um barulho aparentemente
vindo do nada - DING!
- A-ha! - Gritou o Doutor, com vitória em sua voz. Tirou um aparelho
estranho, que parecia uma mistura de várias quinquilharias
eletrônicas, de dentro do casaco. - Você é um Zygon!
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Abaixou a antena do aparelho e observou, com satisfação, o Zygon
retornar à sua forma original.
- Eu sabia que esse aparelho ainda me seria útil novamente um dia. Proclamou o Doutor. - Fiz ele há algumas regenerações atrás... ah, sim,
eu me lembro. O cabelo era meio vergonhoso, gel demais. Mas eu
realmente sabia botar a inteligência em prática. Pra ser sincero, eu
devia ter pensado em utilizar essa geringonça quando encontrei Robin
Hood há algum tempo atrás. Longa história. Agora, você... o que está
fazendo disfarçado de Papai Noel na véspera de Natal?
- Não está me reconhecendo, Doutor? - Perguntou o Zygon.
- Desculpe... não. - Admitiu este. - Pra ser sincero, acho vocês, Zygons,
meio parecidos demais uns com os outros. Mas nada comparado aos
Sontarans. No caso deles, isso chega a ser assustador.
- Sou um dos Zygons que veio para a Terra há alguns séculos atrás, na
Inglaterra. Ficamos congelados nos quadros por um tempo, e
terminamos fazendo um acordo com a organização terráquea
conhecida como UNIT.
- Ah, lembrei! - Disse o Doutor. - Rapaz, você foi longe, hein?
- Sim. - Concordou o Zygon. - Todos nós assumimos identidades civis
após aquele dia. Eu aprendi mais sobre a cultura humana. O mito do
Papai Noel cresceu na minha mente, e acabei ficando com pena dessas
milhares de crianças humanas, que crescem iludidas ano após ano,
para ter sua fantasia quebrada quando crescem. Então decidi tomar
uma providência. Roubei o manipulador de vórtex do QG da UNIT e
utilizei-o para roubar algumas lojas de brinquedo. Tomei a aparência
69
de um Papai Noel de shopping e comecei o trabalho.
- Sério? - Indagou o Doutor.
- Sério. - Replicou o Zygon.
- Sabe, eu estava prestes a iniciar um discurso sobre o verdadeiro
significado do natal e a interferência alienígena na Terra, mas o que
você está fazendo é realmente nobre, apesar de tudo. Acho que meu
talento para discursos ficou para trás, junto com meu gosto por
gravatas borboleta.
- Ótimo. - Murmurou o Zygon. - Agora... posso continuar.
- Desculpa, Dave, mas não posso deixar você fazer isso. - Declarou o
Doutor.
- Dave? - Perguntou o Zygon, confuso. - Eu não me chamo Dave.
- Não se preocupe com isso, foi só uma piadinha. Me escute, Zygon
Dave, o que você está fazendo é extremamente perigoso, além de
ilegal segundo a constituição desse país, que, apesar de ser meio
diferente da Proclamação das Sombras, tem seus pontos justos. Falou o Doutor, pondo as mãos nos ombros do Zygon. - Se alguém te
pegar invadindo casas alheias, eles vão ligar para a polícia. Se a polícia
descobrir que você não é um terráqueo, eles te mandam para o
Governo. E acredite, você não quer saber o que o governo terráqueo
faz com aliens. Uma dica.
Então, figurativamente, o Doutor passou um dedo indicador pela
garganta.
70
- Então, por mais nobre que você seja, caso queira ajudar alguém no
natal, procure algo menos inusitado, por favor. Comportamento como
esse pode causar problemas, e eu não gosto de resolver problemas no
natal.
O Doutor então caminhou de volta para sua caixa azul, apenas para
sair dela um segundo depois e retornar para o Zygon, pegando de seu
pulso o manipulador de vórtex e o saco de lixo do chão.
- Ah, e me permita devolver isso, sim?
Então, voltou para a caixa.
- Como eu vou descer daqui? - Perguntou o Zygon.
- A sua pele é maleável como borracha. A queda não vai doer muito. Disse o Doutor, de dentro da caixa.
- Ora, Doutor, vamos. Me deixe distribuir esses presentes. Você não
tem sentimentos?
Ele voltou para a porta, e olhou para o Zygon antes de proferir sua
última frase:
- Tenho. Mas escolho aplicar-los de maneira mais sutil.
Então, fechou a porta e, alguns segundos depois, a caixa desapareceu.
O Zygon desceu com um pulo, e sua queda foi amortecida tanto por
sua textura maleável, como constatado pelo Doutor, quando pela
neve. Andou até a janela e deu uma olhada na sala daquela casa,
inicialmente triste em saber que não conseguira completar sua tarefa,
71
quando percebeu uma coisa estranha dentro da casa. A caixa azul do
Doutor estava estacionada ao lado da árvore de natal, que guardava
um presente sob ela. A caixa desapareceu, e o Zygon deu um sorriso,
seus dentes afiados não acostumados com essa expressão facial.
Ele precisava voltar para o QG da UNIT, onde retomaria a forma de sua
identidade civil. Seria bem difícil chegar até lá despercebido, mas ele
daria um jeito. Os Zygons, como dizem, sempre serão Zygons.
72
O que um dia estava
aceso, agora viu a
escuridão
Por Jonathan Holdorf
73
Morte. A única razão para todos estarem vivos. Em meio à tempestade
sempre existe o final, o tão sonhado raiar o sol. Quando a luz ilumina
um ambiente, em algum momento se apagará. E então? Qual será o
resultado disso? Quando o fim chega, como decifrar o que é bom e o
que é ruim? Existem teorias em livros escondidos de que, cada vela que
se apaga, é o fim de uma vida. Especialistas já procuraram saber o
resultado do fenômeno. Muitos afirmam que não há saída, que cada
alma tem a sua própria vela guardada. A pergunta é: quando a chama
se tornará escuridão?
**
Em algum planeta
Aquele homem peculiar tinha um nome tão esquisito quanto o seu
rosto, que dava a impressão de ser retirado de um conto de fadas de
terror - chamava-se Tempestade. O seu jeito severo, seu olhar
penetrante e a sua falta de sentimentos faziam qualquer pessoa
tremer na sua presença, apesar de nunca se permitir interagir com
criaturas inferiores à sua capacidade. Vestia um casaco longo e preto,
seus cabelos perfeitos esvoaçavam ao vento da noite chuvosa em
algum planeta distante; tinha os óculos na ponta do nariz - óculos que
brilhavam de forma majestosa enquanto verificava as velas
penduradas nas árvores da floresta.
- Este é um pedaço de equipamento completamente inútil. Não sinto
falta da minha antiga vida, mas como gostaria de ter a minha chave de
fenda sônica novamente. - atirou os óculos no chão e pisou em cima.
- Ótimo! Agora não consigo enxergar direito.
74
Suas tentativas frustradas de descobrir a origem das velas o deixavam
cada vez mais curioso. E ele odiava não saber o que estava
acontecendo. Voltou correndo para a cabine de polícia enterrada em
meio ao barro e sentou-se, refletindo.
O interior era tão sombrio quanto a personalidade daquele homem
chamado Tempestade.
- Velas. Velas! Velas, velas, velas! O que significam? O que estas velas
têm de tão diferente das outras? Ou será que são diferentes? - Ficou
parado por muito tempo com a mão no queixo perfeito. - Atenção! quebrou o silêncio.
Uma pequena bola vermelha flutuou pelo interior da nave com cara
de biblioteca. Transformou a sua pequena forma esférica em um
humanoide minúsculo.
- Robô chegou! Robô ajuda! Feliz Natal! - dizia sua voz metálica.
- “Feliz Natal”. Sim, tanto faz. Velas. O que significam as velas? questionou, desdenhando a alegria do pequeno robô.
- Velas podem ou são usadas em… diversas ocasiões. Uma delas é o
Natal.
- Você me frustra. Você me irrita. Por que eu continuo mantendo-o por
perto? - Tempestade levantou-se abruptamente e foi até o console no
centro da sua nave.
- Porque você, segundo os meus dados, não tem mais ninguém para
75
lhe fazer companhia.
Tempestade não se deixou levar pela opinião do mini-robô humanoide
e ligou os motores da TARDIS.
***
Em uma casa.
Era um momento belo para a família comemorar o Natal, por dois
motivos: era Natal e toda a família estava reunida para tal ocasião definitivamente não teria um dia melhor que esse. Havia um vovô
engraçado, que usava uma touca de Papai Noel; uma garota simpática,
que não queria pensar em outra coisa a não ser ler o seu livro; e um
garoto irritante que não pode ser mencionado. Todos, até mesmo o
garoto irritante que não pode ser mencionado, estavam enfeitando a
casa para as festividades de final de ano.
- Há velas nesta casa? - gritou o velhinho.
- Por que o senhor vai usar velas, vovô? - a garota largou o livro e
resolveu ajudá-lo.
- Bem, não há velas no Natal? - ele ficou pensativo.
- Acho que não há problema em tornar isso uma tradição, não é? Nyad, a garota, foi procurar algumas velas.
Ela logo voltou saltitando e distribuindo algumas belas velas vermelhas
para todas as pessoas da casa, até mesmo as que não estavam na sala
naquele momento.
76
- Vamos fazer cada um apagar a sua quando o momento chegar. Que
tal? - perguntou.
- Acho melhor: vamos deixar que cada vela se apague, e então
compramos um presente especial para a última que ficar acesa. - disse
o velhinho.
- Perfeito!
A noite de Natal estava chegando, todas as pessoas preparadas para
saborear os infinitos alimentos em cima da mesa. Cada um segurando
a sua vela com calma e sem deixar que apagasse.
Um vento gelado passou pela janela da casa, tudo ficou escuro. Apenas
a luz amarelada do fogo continuava a iluminar o ambiente.
- Justo agora? - algum tio chato gritou lá ao fundo.
E a primeira vela perdeu o seu brilho. Era logo ali, na sala, e em seguida
um barulho de algo pesado caindo alarmou a todos. Então a luz voltou.
O velhinho com touca de Papai Noel estava morto, sua vela apagada,
e nela escrito: o que um dia estava aceso, agora viu a escuridão.
***
Tempestade vasculhava os seus livros como um maníaco, o robozinho
tentava alertá-lo de alguns desenvolvimentos sobre a galáxia, mas ele
não prestava atenção.
77
- Apenas me diga se algum acontecimento sobre velas já apareceu em
alguma cidade ou planeta ou qualquer lugar do universo. Isto é
importante! Se não, cale a boca!
O robozinho parou por um momento, guardou suas pernas e braços e
voltou a ser apenas uma bola vermelha brilhante que flutuava em uma
nave. Alguns segundos depois iluminou o que poderiam ser os seus
olhos.
- Tempestade! Senhor! Algo aconteceu, sim! E não foi apenas um
algo… foram muitos algos. Parece-me que tem a ver com o Natal…
- Eu. Não. Aguento. Mais. Ouvir. Sobre. O. Natal! Por favor, diga algo
útil ou vou jogá-lo em um buraco negro. - o homem demonstrava-se
completamente irritado. Todos os seus livros estavam jogados no
chão. Não tinha qualquer senso de organização.
- Silêncio! Deixe-me terminar! Vários casos de pessoas morrendo ao
segurar velas que logo se apagaram estão sendo transmitidos para
todos os campos de comunicação do universo. O Primeiro Batalhão
Galáctico já está se encaminhando para determinados locais, mas acho
que deveríamos investigar também. Inclusive, temos a informação de
que a Terra é o local que você ficou responsável para ajudar. Isso será
um problema? - o robozinho enfraqueceu a voz ao fazer a pergunta.
- Ah, ótimo! Sempre sou eu com os humanos. Pensei que tivesse
deixado isso para trás. Mas, vamos lá! Velas que matam pessoas são
sempre interessantes. - correu, mexeu nos botões do console e a
TARDIS começou a se desmaterializar.
Terra. Em algum ano no futuro que parecia no passado.
78
Quem saiu primeiro da TARDIS foi o robozinho humanoide que parecia
um enfeite de Natal. Logo atrás dele o homem misterioso chamado
Tempestade vinha caminhando e esvoaçando o seu casaco preto,
como se fosse alguma capa de super herói.
Havia uma casa em cima de uma montanha, ao lado de uma árvore,
muito perto de um celeiro iluminado por centenas de velas
penduradas nas paredes. Logo acima vários carros voadores passavam
tocando músicas natalinas. O céu estava projetando uma Aurora
Boreal vermelha e verde, o que nada mais era do que um holograma
para comemorar as festividades de final de ano dos terráqueos.
- Eu acho que chegamos. - disse a bolinha de Natal que era um
robozinho.
- Quantas mortes até agora? - perguntou o homem chamado
Tempestade.
- Não há mais espaço na minha tela. Neste lugar todas as pessoas da
família morreram. Informações dão conta de que em todas as velas
estava escrito o que um dia estava aceso, agora viu a escuridão.
- Há alguma razão para isto estar acontecendo?
O robozinho ficou quieto por um momento.
- Bem, definitivamente alguma forma de ataque alienígena...
desconheço a sua localização.
- Espere. Faça uma busca um pouco mais específica. Vamos até o
79
celeiro. - Tempestade foi correndo até o casarão de madeira. Abriu as
portas. Então não foi preciso procurar localização alguma.
Era uma espécie de nave. Nela, diversas velas estavam espalhadas,
como se cobrissem as paredes. No centro, um fogo eterno queimava
até o céu. Pequenas criaturas de gelatinosas falavam um idioma
impossível de decifrar, se você não fosse um Senhor do Tempo com
uma TARDIS.
- Quem são vocês?
- Você, você que era o Doutor, há muito perdido. Há muito viu a sua
escuridão, não é? Mas sempre volta. Sempre, sempre volta. Ah, o
Senhor do Tempo… - a criaturinha se aproximava de Tempestade.
- Cale a boca! Não tenho tempo. O que são vocês, o que fazem aqui? perguntou colocando a mão no bolso para procurar a sua chave de
fenda sônica. Sentia falta dela.
- Nós estamos aqui muito antes do tempo, antes de qualquer pessoa
pensar em existir, antes mesmo do universo ser universo. Imaginou o
impossível? Nós trazemos luz e a removemos… quantas vezes a chama
se apagou e você nem percebeu porque estava ocupado pensando em
outras coisas? Quantas vezes, em um piscar de olhos, alguém perto de
você viu a escuridão e nunca mais voltou? Nós somos aqueles que
trazem o fim. Nós agimos quando precisamos e destruímos quando
entendemos ser necessário.
- Certo, então, vocês são os donos da vida e da morte? - o homem
chamado Tempestade caminhava em círculos, observando a
criaturinha.
80
- Não há como nos impedir. Sempre estaremos perto para levar
alguém. Quando a luz se apaga… pronto! É a sua vez.
Tudo ao redor de Tempestade e o robozinho sumiu. O celeiro se
transformou em uma nave e subiu ao mais distante da galáxia.
Tempestade também deixou de se importar, sabia que não havia nada
o que fazer - decidira que não mexeria mais com as criações do
universo.
- Você vai deixar que tudo continue como está? - o robozinho agora
estava com as suas perninhas novamente.
- Sim.
- Certo. Podemos comemorar o Natal, agora?
O homem chamado Tempestade caminhou lentamente até os degraus
da sua TARDIS, pegou o robozinho e o transformou novamente em
uma bolinha vermelha. Em um quarto escuro havia apenas uma vela.
Ela acendeu logo quando pressionou o botão na parede. Um pinheiro
muito verde estava no centro do local. Em cada galho havia fotos de
pessoas que há muito estavam perdidas.
Pendurou o robozinho no topo e desligou as luzes.
- Quem sabe um dia…
E foi embora ver o universo.
81
Handles twist
Otávio Renault
82
A Tardis está girando e girando pelo espaço em alta velocidade, raios
de luzes passam pelos dois lados da nave, enquanto duas naves daleks
perseguem a cabine no espaço. Dentro da Tardis da décima primeira
encarnação, Doutor está mexendo em todos os controles da nave na
sua velha forma desajeitada e estranha. Um raio de luz atinge a Tardis
em cheio fazendo-a capotar de um lado pro outro. Doutor se segura
no painel e imediatamente o telefone da Tardis começa a tocar.
- Porque, por quê?
Enquanto a Tardis balança de um lado pro outro Doutor abre a porta
e atende ao telefone que está na parte de fora da nave.
- Alo, estou em um momento extremamente turbulento nesse
momento. O que planeta Terra? Eu chegarei aí no futuro. Ou no
passado.
Doutor desliga o telefone, outro tiro atinge a Tardis fazendo doutor
voa para dentro da cabine e cai no chão.
- Esse está sendo um dos dias mais difíceis desde quando separei uma
briga entre Stephen Hawking e Einstein. - Doutor se levanta arruma
seu terno e ajeita a gravata-borboleta – Handles, está tudo pronto?
A velha cabeça destruída de Cyberman responde - Doutor sinto dizer,
mas pode haver problemas em seu plano de fuga dos Daleks. Fora isso
está tudo pronto.
- AGORA, HANDLES! - ao mesmo instante as naves Daleks param de
persegui-lo e voam na imensidão do espaço.
83
- Foi uma grande ideia sabotar os sistemas dos daleks fazendo-os
verem a Tardis escondido em um escudo, senhor. Mas devo alertar
que seu erro foi ter aparecido na sala de comando deles e ter
anunciado sua presença dentro da nave dalek.
- Eles precisavam saber o que devem ou não fazer de errado.
- Eles são daleks. Faz parte de sua natureza.
- Você não pode criticar um doutor por se preocupar com seus
pacientes. Isso também faz parte de minha natureza.
Uma grande faísca sai do painel da Tardis. -Handles?
- Creio que há sérios problemas com os sistemas internos do painel da
nave. -Doutor começar a desmontar a carcaça do painel, tira a chave
de fenda sônica do bolso e começa a analisar por dentro.
- Isso vai demorar um pouco Handles.
- Há uma atualização de festividades para hoje Doutor. Feliz Natal.
- Hoje é natal? Isso me lembra do dia em que nos conhecemos.
"Sabe Handles, apesar de eu ter lhe comprado no mercado
maldovarium aquela não foi à primeira vez que nós encontramos.
Talvez você não se recorde bem por ter se tornado um Cyberman
tempos depois. Foi Bem antes de você se tornar o Cyberman que é
hoje. Eu estava em um Natal de passagem pela Terra mais uma vez. E
como deveria de ser, havia algo estranho e perigoso no coração de
84
Londres naquele Natal".
Doutor está preso em uma velha cela suja e escura durante a época da
depressão em Londres, olhando para a janela vendo brilhantes feixes
de luz roxos caírem dos céus. - Qual o ponto disso tudo? Raios roxos
caem dos céus e reduzem as pessoas a apenas suas vestimentas, Isso
não é assassinato. É algo diferente. É algo mais interessante. - Doutor
percebe que junto a ele em sua cela está um garoto de roupas velhas
rasgadas e boina que se encontra em posição fetal chorando sem
parar.
Doutor retira seu jaleco, se aproxima do triste garoto, se abaixa e
coloca o jaleco sob os ombros do pequeno garoto - O que acontece
garotinho? Há algo acontecendo com você hoje?
- Eu e meus amigos estávamos com muita fome e pegamos algumas
comidas do mercado. Meus amigos conseguiram escapar, mas eu... Doutor se levanta em um pulo.
- Levante garoto!
- Por quê?
- Fome! Você está com fome? - Pergunta Doutor gesticulando com
suas mãos.
- Não.
- Exato. Você roubou, comeu e está aí. Vivo! Porque continua a chorar
então? - O garoto se levanta. - É isso aí garoto força! Agora vamos sair
daqui.
85
- Você não liga de eu ter roubado as pessoas naquele mercado? - diz o
pequeno garoto enquanto enxuga as lágrimas do rosto com sua mão.
- Eu já roubei algumas coisas no meu caminho também. Mas você não
roubou.
- Não?
- O que você fez garoto eu chamo de sobreviver. - o garoto sorri para
o Doutor. -Agora venha comigo, nós vamos fugir dessa cela salvar essa
cidade e te levar de volta para seus pais. O que acha pequeno?
- Quem é você moço?
- Eu sou o Doutor, um senhor do tempo que tem mais de 2000 anos.
Ou um pouco menos. Já perdi a conta. - Doutor tira do bolso a chave
de fenda sônica e começa a analisar todo o lugar.
- Você veio de um conto de fadas?
- Pode-se dizer que hoje eu sou um Peter Pan resgatando um garoto
perdido. - Doutor aponta a chave de fenda sônica para frente, a Tardis
se materializa na frente dos dois. Doutor pega o garoto pelo braço e o
puxa para dentro da Tardis.
- Ela é maior... - o garoto começa a olhar por todos os lados da grande
Tardis.
- Sim maior por dentro eu sei. É o que todos dizem. Sente na poltrona
garoto. Você tem nome não é? Todos têm nomes com exceções de
algumas raças todos possuem nomes.
86
- Oliver. - o garoto continua a olhar admirado por todos os lados da
nave.
- Não fique tão impressionado você ainda não viu as maravilhas que
ela faz por você. - Doutor pega um martelo do chão e bate no painel,
o painel solta faíscas e a Tardis começa a tremer.
Doutor pega no braço de Oliver e se segura no painel. Do lado de fora
a Tardis desaparece dentro da cela e reaparece no mesmo segundo
acima das nuvens da cidade que estão estranhamente roxas com
faíscas elétricas envolta delas.
- Aqui está. Esse deve ser um bom lugar pra começarmos.
- Começar o que?
- O que mais seria? A caçada ao tesouro. E nome de nosso tesouro são
respostas. - A Tardis permanece pairando sob as nuvens girando. Primeira pergunta: o que você viu de estranho e incomum em Londres
agora?
-Nuvens roxas? - pergunta Oliver.
- Na verdade nuvens e raios roxos. Raios descendo de nuvens roxas.
Mas muito bem pensado vamos analisar a natureza dessas nuvens e
descobrir a origem do problema. - Doutor começa a mexer no
computador. - Vou rastrear o sinal de origem que provocou essas
nuvens roxas. Eureka!
- O que foi? -pergunta Oliver. - Você encontrou alguma coisa?
87
- Agora vamos descer Oliver. Se segura! - Doutor puxa duas alavancas
da Tardis. - Geronimo!
A Tardis começa a cair em alta velocidade, ela passa por todas as
nuvens e pássaros no ar e se aproxima de uma movimentada rua de
Londres, Doutor puxa outra alavanca. Tardis para de cair e começa a
levitar há poucos segundo de se espatifar no chão de Londres.
- Desculpe eu puxei a alavanca errada. - Doutor bate novamente com
um martelo no painel.
Doutor e Oliver saem da Tardis e encontram uma rua agitada de
Londres com um movimento forte de pessoas indo e vindo
- As festividades de Natal como de costume ocupando as pessoas em
todo dia, fazendo-os caminhar atrás de presentes e preparativos para
o grande dia. Fique de olhos atentos, se perceber ou ouvir algo de
estranho.
- Eu grito pelo seu nome?
- Eu ia dizer para correr, mas isso também pode funcionar.
- O computador da tardis diz ter visto um sinal da reação química das
nuvens por esse bairro, em alguns desses estabelecimentos deve estar
escondido algo ou alguém que foi o responsável por causar esse caos
nos céus de Londres.
Luzes roxas começam a cair das nuvens do céu em vários lugares pela
rua.
- Corra Oliver!
88
Doutor e Oliver correm enquanto pessoas são atingidas pelos raios e
somem deixando apenas suas roupas. Enquanto eles desviam dos
raios, ouve-se um estrondoso trovão e percebe-se que as nuvens
começam a se expandir e a ganhar um tom de roxo mais escuro.
As luzes param de cair atacando as pessoas, Diversas pessoas estão
paradas em choque com o acontecimento.
Doutor fica costas as costas com Oliver e tira do bolso sua chave de
fenda sônica e começa a analisar as roupas deixadas no chão.
- O que é tudo isso Doutor?
- Muito bem vamos brincar de ciência então. Algo daqui da terra está
criando uma poderosa nuvem que enviam raio de luz que
desaparecem com as pessoas deixando apenas suas vestimentas. Há
duas possibilidades transmate ou laser.Morte ou aprisionamento. Um
pouco pesado pro Natal. - Doutor recebe uma transmissão em sua
chave de fenda sônica. - Bem a tempo.
Ouve se outro forte trovão e as nuvens se expandem e escurecem cada
vez mais tapando qualquer sinal do sol em toda Londres.
- Conhece o caminho pra alfaiataria garoto? - Oliver acena com a
cabeça. Doutor e Oliver correm até a alfaiataria.
-E agora? - ouve-se outro estrondoso trovão.
Doutor aponta sua chave de fenda sônica para o lugar, que se
transforma em um gigantesco cubo cinza escuro que parece ser feito
de um metal pesado. - Vê Oliver, é uma camuflagem. Uma belíssima
camuflagem fazendo esse Cubo se camuflar como uma alfaiataria em
89
Londres - Doutor começa a andar envolta do Cubo e analisar ele. Achei! Venha aqui garoto!
Oliver se aproxima de Doutor e a frente deles em um dos lados do cubo
se encontra um painel eletrônico. - Deve ser a porta de entrada. Doutor aponta a chave de fenda sônica para o pequeno painel e os
dois desaparecem no ar e reaparecem dentro do cubo. - Uma porta
que funciona através de teleporte. Brilhante!
Dentro do cubo se vê um infinito corredor repleto de câmaras de
vidros cheia de liquido roxo. Dentro dessas câmaras pessoas
totalmente enfaixadas com fios conectados em suas nucas e uma
máscara de ar em seus rostos.
-Elas morreram Doutor?
- Eu espero que não. Seria um pouco frustrante após tudo isso
chegarmos aqui e descobrirmos que estão todos mortos. Espere! Eu
reconheço a arquitetura desse lugar. Ele veio de uma antiga raça
chamada Noelaus, uma antiga sociedade que sempre esteve disposta
a ajudar civilizações. Existem teorias no universo que dizem que boa
parte dos costumes natalinos veio da forma como a cultura deles se
portava. Mas isso não faz sentido, além de ser contra os ideais eles, a
raça está completamente extinta há milênios.
- E está. - Uma voz é ouvida por todos os lados do cubo.
-Quem fala? - pergunta Doutor olhando para todos os lados do Cubo,
as luzes do Cubo se ligam revelando uma iluminação verde formada
por diversos monitores nos dois lados do Cubo.
90
- A raça esteve extinta, mas uma inteligência artificial sobreviveu. Eu
estou aqui para salvar todas as raças. Eu sou SAM.
- SAM! Sistema auto reparador móvel. É isso não é?
- O que é SAM Doutor? - pergunta o garoto assustado olhando para os
monitores.
- SAM foi um avançado projeto de inteligência artificial da raça
Noelaus, seu último ato para ajudar os seres do universo. Eu achei que
estivesse destruído junto com o planeta deles. Mas está aqui vivo e se
mantendo fazendo experimentos com humanos. E isso Oliver está
muito longe de ser bom.
- Eu fui criado para ser um sistema operacional de inteligência artificial
capaz de sobreviver por conta própria pelo Universo. Eu fui criado
unicamente para ajudar todo o Universo. Mas só há uma maneira de
ajudar.
- Ah, por favor, se cale um pouco! Você se corrompeu não é, milênios
e milênios mergulhado no vasto universo deve ter destruído a maior
parte de seu sistema não é? Sem alguém para guiar suas diretrizes
você se tornou isso.
- A única maneira de ajudar os seres do universo é através de
avançados experimentos onde irei tornar essas pessoas boas. Era nisso
que meus criadores queriam mas meus métodos são mais práticos. Se
eu tivesse feito isso há muito tempo atrás a raça jamais teria sido
extinta.
- Você não pode fazer isso! É natal! Pessoas podem morrer nesses
91
experimentos, ninguém deveria morrer ou sofrer no natal! Você
precisa entender! Trata-se de fé, e bom espírito não disso tudo que
você criou! Você está deturpando todo o trabalho da raça que o criou!
- Após muitos anos vagando entre guerra e destruições no universo eu
caí na Terra, onde permaneci camuflando descobrindo a melhor
maneira de cumprir minha função primária. Os poucos sobreviventes
serão pessoas melhores ao fim. Esse será o primeiro de muitos
planetas que ajudarei.
- Não se eu puder evitar. - Doutor aponta a chave de fenda sônica para
trás e a Tardis se materializa dentro do Cubo. Doutor e Oliver correm
para dentro da Tardis.
Doutor puxa as alavancas do painel, a Tardis desaparece do Cubo e
reaparece acima das nuvens roxas.
- Elas estão aumentando Doutor. O que você vai fazer? - pergunta
Oliver segurando no painel.
- Ele não percebeu, mas no momento em que conversávamos eu inseri
um poderoso vírus na estrutura do cubo, e irei aciona-lo agora!
Faísca começam a sair por todos os lados de fora do Cubo. O
computador do lado dentro do Cubo começa a desligar um monitor
por vez. As nuvens roxas começam a diminuir de tamanho.
- Eu não só destruí o sistema Oliver. Troquei o comando das nuvens
para meu comando. E agora revertendo os processos executados,
todas as pessoas retornarão para onde estavam antes de serem
levadas. - Doutor puxa uma alavanca.
92
Diversas luzes saem da pequena nuvem e atinge vários pontos da
cidade.
- Eu tentei ajudá-lo. Mas ele já estava perdido há muito tempo. Agora
vou deixá-lo em casa garoto.
Doutor pousa bem ao lado de um grande orfanato e abre a porta para
Oliver.
- Eu vou te ver de novo Doutor?
- Pode apostar que sim. Em algum lugar entre o passado e o futuro.
- Doutor, as pessoas são más mesmo como o SAM falou?
Doutor põe a mão na cabeça de Oliver.
- Nem todo mundo é. SAM ficou muito tempo perdido e se corrompeu
após anos e anos. Isso gerou aquele ponto de vista perturbado dele.
Sabe Oliver, coisas ruins e boas acontecem com todos nós. E cabe a
nós a nos mantermos fiéis ás nossas ideologias. Fé, esperança e
compaixão são coisas boas para se ter dentro de nós. Ás vezes
podemos ser pisados por pessoas de má vontade, mas isso não deve
mudar como você se sente ao fazer o bem.
- O pequeno garoto abraça o Doutor. - Feliz Natal Doutor.
- Feliz Natal Oliver.
"E foi assim que nos conhecemos, em um natal na era vitoriana de
Londres combatendo um poderoso computador alienígena."
93
- Isso foi há muito tempo Handles. Eu não poderia imaginar que
tempos depois você seria transformado em Cyberman.Com certeza
você não deve se recordar de mim e desses tempos.
- Informação errada Doutor. Informação errada. - Doutor para de
mexer no painel e se vira para Handles.
- Como? Doutor pega a cabeça pela alça e olha bem nos olhos de
Cyberman.
- Eu me lembro. Não de tudo. Mas lembro de você. Você fez daquele
um natal especial para mim. - Doutor sorri e volta a mexer no painel
da Tardis.
- Feliz Natal Handles.
94
Jedkiah e
Todos os natais que
conheço
Por Ravi Aynore
95
I
Jed está na porta de uma loja de doces. É manhã e faz frio na
pequena cidade de Rio dos Lírios, mas é assim que Jed a prefere. Ele
distribui biscoitos em forma de bonecos de neve para crianças
carentes que vivem correndo pelas ruas da cidade.
-Bom dia, Senhor Jed. – disse Ands.
-Oh, não me chame de senhor, Garotinha. Só Jed está de
bom tamanho. – disse Jed gentilmente.
-Só se você não me chamar de garotinha.
-Tudo bem. Muito justo! Aqui está seu biscoito.
-Obrigado, Senhor Je... Jed! Obrigado, Jed. – disse Ands
encabulada.
-De nada, Andreia. Agora vai brincar com os outros garotos.
Diga pra eles que os biscoitos de hoje acabaram, mas que
amanhã de manhã cedinho estarei fazendo mais. Podem
fazer fila na porta da loja.
-Feliz Natal, Jed. – disse Ands alegremente.
96
-Feliz Natal, Garotinha!
Jed vê a garotinha colocando o biscoito em um dos bolsos do casaco
grosso e correndo em direção aos amigos que brincam de atirar
bexigas de agua uns nos outros. Jed entra na loja e se esbarra com
Alfredo, dono da confeitaria.
-Brincar de balões de agua nesse frio? Não sei se uma ideia
maluca ou brilhante. Crianças... Não é mesmo, Sr. Alfredo. –
disse Jed.
-Você continua gastando material da loja com esses
pirralhos. Todo ano é a mesma coisa. – disse Alfred.
-Por mim seria todo dia, Alfredo. As crianças gostam do meu
biscoito e eu gosto delas.
-Isso faz de você a única pessoa que se importa com essas
pragas. – disse Alfred.
-
Além disso eu pago pelos produtos que uso pra fazer os
biscoitos.
-Eu não me importo com o que você faz ou deixa de fazer,
fedelho. Eu só não quero este bando de porrinhas aqui
quando minha loja estiver aberta.
-Eles nunca estão. – disse Jed.
97
-Não! E é por isso que ainda tolero essa sua pratica estupida
de gastar seu dinheiro e tempo com essa pequenas e
barulhentas abominações... Mas chega de sermão, Jed. Hora
de começar a trabalhar. Vá por a mão na massa...
Literalmente! – disse Alfredo irritado.
-Uma piada, Senhor Alfredo? O espirito natalino parece ter
grudado em você enquanto você dormia. – disse Jed rindo
pelos cantos da boca.
-Não fale bobagens, fedelho. Não há espirito de natal por
aqui. Não mais! Agora vá, vá por a mão na massa! – ordenou
Alfred.
Jed caminha para a cozinha da confeitaria com um sorriso animado
no rosto, mas ao mesmo tempo pensativo. Ele caminha lentamente
-Não sei o que deu no Sr. Alfredo. Há uns anos tem ficado
cada vez mais ranzinza em tempo de natal. Ninguém nunca
conseguiu explicar. No primeiro ano que vim trabalhar aqui,
ele mesmo fazia questão de acordar cedo para fazer os
biscoitos das crianças, agora nem a loja ele enfeita mais. Alf
Doceiria e Doces costumava ser a loja mais enfeitada de toda
a rua, hoje é só mais uma loja mal iluminada. Rio dos Lírios
mudou bastante, não é mais o lugar onde vim morar há 4
anos atrás. – pensou Jed.
-JED! Um dos seus macacos está aqui. Venha o tirar daqui
antes que loja abra, ou eu... Eu não sei o que sou capaz de
fazer. - Alfredo grita de fora da cozinha assustando Jed.
98
-Macacos?
Jed correu para a frente da loja de doces e lá estava a garotinha Ands
com o rosto grudado no vidro gelado da loja, para tentar ver se havia
alguém lá dentro.
-Andreia... Eu te avisei... Sem mais biscoitos por hoje! – disse
Jed.
-Não é isso, Senhor Jed. Eu esqueci, me desculpe. Eu
esqueci! – disse Ands cabisbaixa.
-Calma, garotinha. Calma! Esqueceu do que?
-O presente! Eu esqueci de te entregar. Me desculpe.
-Ora, que bobagem. Não tem problema. Do você esta
falando? Que presente é esse? – disse Jed curioso.
-Todo ano o Senhor nos faz biscoitos e nos dar algum tipo de
presente na noite de natal.
-É claro que sim. E vocês não fazem ideia da surpresa que
tenho guardada para vocês esse ano, mas o presente eu só
vou dar na noite de natal. Nada de espiadinhas pela janela da
loja. O Senhor Alfredo não gosta, você sabe como ele fica.
99
-Não, seu bobo. O SEU presente. O presente que eu fiz pra
você!
-Você me fez um presente?
-Sim! Eu mesma fiz! Pra vocês dois.
-O Senhor Alfredo ganha presente também?
-Não, Senhor Jed. Ele não... Ele é mal! – disse Ands
ressabiada.
-Ora... Ele não é mau, garotinha, ele só tem tido um ano
difícil.
-
Todo ano pra ele é difícil!!
Os dois riem. Jed faz um sinal com as mãos para que Ands não fale
muito mais alto que isso. Ela fica séria, mas os dois riem outra vez. A
garotinha puxa de um dos bolsos do casaco grosso um embrulho de
jornal amassado e o entrega para Jed.
-O que é isso? – perguntou Jed.
-Seu presente, Senhor Jed. Digo... Jed!
100
-Obrigado, garotinha, mas não precisava. Ainda faltam duas
semanas para o natal, você pode guarda-lo até que a gente
se encontre no natal mesmo e ai trocamos os presentes. –
disse Jed rindo.
-Não, não, Senhor Jed. Algo me diz que o senhor irá precisar
dele antes mesmo que o natal chegue aqui. Tenho que ir.
Jed tentou falar qualquer coisa, mas antes que pudesse a garotinha
saiu correndo e um balão de agua gelada estourou bem próximo ao
seu sapato. Outros garotos passaram correndo em frente a loja de
doces segurando mais balões de agua.
-Foi mal, Seu Jed! – gritaram os garotos.
-E ai, Jeddêê! – gritaram outros garotos mais alto.
-Oi, Seu Jed! Valeu pelos biscoitos!
Jed acenou para os garotos e sua cara de intriga se transformou em
um leve sorriso.
-O que deu na garotinha? Ela nunca agiu assim antes. Me dar
um presente? Assim? Do nada? Bom, ela disse que fez ela
mesmo. Que gracinha! Ela embrulhou em um pedaço de
jornal. Crianças... O que ela quis dizer com você vai precisar
antes do natal??
Jed abriu o embrulho de jornal e se encantou com o presente da
101
menininha. Deixou o jornal cair no chão. A garotinha havia te feito
duas correntinhas coloridas e em cada uma tinha uma pequena
pedra brilhante. Uma delas brilhava uma luz azul bem fraca e outra
uma luz rosa.
-Olha só! Não é que a garotinha tem talento? Muito bonito
mesmo o presente. Eu adorei! GAROTINHA, MUITO
OBRIGADO.
-Cale a boca! Ninguém quer lhe escutar gritando, rapaz.
Como se essas crianças idiotas não fossem o suficiente...
Agora entre para trabalhar... E limpe esse lixo do chão que eu
não quero ninguém falando que eu contrato porcos pra
trabalhar na minha loja. –disse Alfredo muito irritado.
-Tudo bem, Senhor Alfredo.
Jed pegou o jornal amassado do chão e o olhou. No jornal havia uma
noticia.
Noticia no Jornal:
“Parte de antigo relógio usado nas grandes guerras achada em
escombros será exposta no museu de Rio dos Lírios neste natal.”
Jed arregalou os olhos e perdeu a respiração por quatro ou cinco
importantes segundos. Entrou na loja ainda sem conseguir respirar
direito.
102
II
Jed está em seu apartamento pequeno, mas relativamente
confortável, que fica encima da loja do Senhor Alfredo. Ele parece
agoniado e anda de um lado para o outro sem parar. Tonto é um
robô branco, sem braços ou pernas, com formatos humanoides e
arredondados. Jed e Tonto conversam.
-Não pode ser! Não é possível? No Jornal diz escombros.
Como assim escombros? Eu o joguei no mar! – disse Jed.
-É um Half-Watch de alta precisão, não é algo que você possa
prever, Mestre! – disse Tonto.
-Por favor, não me chame assim. – disse Jed.
-Senhor... Você não está vendo o que está acontecendo aqui?
É uma oportunidade para se começar outra vez. – retrucou
Tonto.
-Não há motivos para se começar outra vez, Tonto. Uma vez
na vida eu quero terminar algo da maneira correta, sem
fugas, sem complicações, aqui! Eu amo esse lugar. Olhe só
para esse lugar... Até o seu sistema funciona melhor aqui. Eu
não entendo! Como esse relógio pode ter reaparecido assim,
do nada?
103
-Senhor... o Senhor não disse que uma garotinha te deu o
jornal? Talvez ela sabia alguma coisa. – lembrou Tonto.
-Como ela poderia saber algo sobre um Half-Watch de alta
precisão, Tonto? Como? Ela é só uma garotinha! Ele quer que
eu saiba que ele está aqui. Ele quer que eu o recupere! Mas
eu não vou. Hã hã! Não há nada que esse relógio possa fazer
para que eu o queira de volta. – disse Jed
-Half-Watch, Senhor.
-Que seja, Tonto. Que seja...
-Só quero que o senhor entenda o que está em jogo aqui,
Senhor. Não é qualquer coisa que você está negando, é algo
poderoso.
-E daí? Não é como se ele tivesse qualquer poder sem
ninguém para manipula-lo. Em um museu, dentro de uma
caixa de vidro o Doutor é só um relógio qualquer.
-Mas ele quer que o senhor o recupere, Mestre. E ele fez o
possível para conseguir chamar sua atenção.
-
Primeiro, seu robô idiota... Pare de me chamar assim. Eu não
sou seu dono, eu não sou seu mestre, nós somos amigos!
Você sabe o que eu penso sobre isso. Segundo:... Você está
certo! Se eu vi o jornal, mais alguém que conhece a
importância do half-watch pode tê-lo visto também.
104
-E todos sabemos o quão arriscado é deixar esse artefato em
um lugar sem a segurança apropriada. Ele pode cair em mão
erradas.
-Ou pior... Não podemos confiar em ninguém da agencia do
tempo.
-Senhor...
-O que?
-Não podemos confiar em ninguém!
-Nem mesmo em pequenas garotinhas... Não, Tonto! Eu me
recuso a pensar dessa maneira. Eu conheço a Andreia há três
anos e ela nunca me deu qualquer motivo para acreditar que
ela tenha qualquer coisa a ver com isso.
-Eu estou com você nessa, Senhor. Mas nunca se pode ser
cuidadoso o suficiente. Eu tomei a liberdade de vasculhar sua
memória de maneira delicada para ver se achava qualquer
coisa suspeita sobre a garotinha, mas nada encontrei. Ela é
como os outros garotos.
-Viu? Ela é inocente! Foi apenas mais uma coincidência
graças a conexão que temos com o half-watch de alta
precisão. Você está certo, Tonto, não podemos deixar o
Doutor em um museu, ele seria alvo fácil.
105
-E o que vamos fazer, Senhor?
-Temos outra alternativa? Não! Então vamos rouba-lo.
Jed é um robô programado para respeitar os humanos acima de
tudo, obedecer e auxiliar, mas lhe foi implantado um chip de
personalidade no qual, as vezes, ele não consegue manter o controle.
Tonto deixou escapar uma risada robótica e estranha através dos
teus alto falantes. Isso deixou o deixou o Jed um pouco confuso.
-Roubar, Senhor? Você e eu? Devo lembra-lo que não tenho
membros inferiores ou superiores, Senhor? Que fora meus
auxílios com algumas outras coisas eu não passo de um peso
pra evitar que a porta da sua casa bata com um vento forte
qualquer? – disse Tonto meio risonho.
-Quem estava falando de você, seu robô idiota? – disse Jed
rindo. Nós dois formamos um bom time, é claro, mas não
seriamos capazes de roubar um museu sozinhos. Precisamos
de ajuda profissional.
-E quem o senhor conhece que nos ajudaria a roubar um
banco, Senhor? – disse Tonto em um tom sarcástico.
Jed lançou um olhar esperto para Tonto e deu um sorrisinho sacana
de canto de boca. Tonto não tinha expressões faciais, também não
tinha olho, mas enxergava tudo com seus sensores delicados, que
abrangiam quase que toda a cidade de Rio dos Lírios. Para Tonto era
106
muito fácil saber o que estava acontecendo do outro lado da cidade,
ou ali mesmo, no quarto de Jed, quando seu amigo tinha qualquer
ideia mirabolante.
-Ohhh... – exclamou tonto.
-Sim! Eu sabia que um dia seria útil.
-Procurando, Senhor.
O robô abaixou a cabeça por um tempo, como que precisasse se
concentrar. Jed esfregava as mãos ansioso.
-Acho que vou precisar de autorização, senhor?
-O que? Mas você não acabou de fazer um escaneamento da
minha linha do tempo pra ver se havia algo de suspeito com
a Andreia, Tonto?
-É algo que já tínhamos feito antes, Senhor. Fazemos com
todas as crianças para saber se está tudo bem com elas, mas
isso está muito no passado.
-Uns cinco ou seis anos atrás, talvez sete. Não será tão difícil.
-Não mesmo, Senhor. Mas precisarei da autorização ou meus
sistemas não conseguirão fazer uma busca delicada por ela
em sua timeline.
107
-Ah, então você se lembra dela? – indagou Jed.
-Eu me lembro de tudo, Senhor. Mas não com os detalhes
que precisamos. Por favor... Vou iniciar o protocolo de
autorização.
-Ok, vai.
-Odeio essa parte. Me faz lembrar o quanto eu sei de mim
mesmo. Não é muito. – pensou Jed.
-Iniciando protocolo de autorização. Protocolo de autorização
iniciado. Por favor diga, digite, esfregue, grite, cuspa, rosne,
cabeceei, manipule, insira, pisque ou assopre o seu nome. –
disse tonto com uma voz robótica estridente.
-Desconhecido! – disse Jed.
-Por favor diga, digite, esfregue, grite, cuspa, rosne, cabeceei,
manipule, insira, pisque ou assopre sua raça.
Jed vai até o robô e esfrega sua mão na cabeça dele.
-Raça: Não Categorizada. – disse Tonto.
Jed solta um suspiro de tedio e desanimo.
108
-Por favor diga, digite, esfregue, grite, cuspa, rosne, cabeceei,
manipule, insira, pisque ou assopre sua região de origem. –
insistiu Tonto.
-Desconhecida!
-Por favor diga, digite, esfregue, grite, cuspa, rosne, cabeceei,
manipule, insira, pisque ou assopre sua localização atual. –
insistiu mais uma vez.
-Localização atual: Rio dos Lírios. Não Importante. Planeta
Terra. Não Importante. Última vez que chequei era galáxia
36, também não importante.
-Localização atual: Não relevante.
-Tanto faz. Foi o que quis dizer.
-Por favor diga, digite, esfregue, grite, cuspa, rosne, cabeceei,
manipule, insira, pisque ou assopre seu número de registro e
sua sentença.
-Carimbado universalmente como código *0111406*,
permitindo a IA 86686 um escaneamento delicado de minhas
memorias em qualquer tempo.
109
-Duração do contrato de permissão da IA 86686 para
escaneamento completo e delicado das memorias do
carimbo universal *0111406* em qualquer tempo
conhecido?
-Infinito!
-Opção invalida. Por favor diga, digite, esfregue, grite, cuspa,
rosne, cabeceei, manipule, insira, pisque ou assopre uma
duração de contrato de permissão da IA 86686 para
escaneamento completo e delicado das memorias do
carimbo universal *0111406* em qualquer tempo conhecido
entre 1 minuto e 3 meses.
-Três meses!
-Entendi. Você disse: Três meses. Contrato de permissão da
IA 86686 para escaneamento completo e delicado das
memorias do carimbo universal *0111406* em qualquer
tempo conhecido é de: Três meses. Zero dias. Zero horas.
Zero minutos. Zero segundos. Deseja avaliar nosso
atendimento pra que...
-Nãooooo! Tonto, vai logo com isso, cara. Eu odeio essa sua
voz robótica.
-Pronto! Vou começar o escaneamento, Senhor. – disse tonto
de volta com a voz normal.
-Por favor, não demore.
110
-Keenex. Sexo: Feminino. 27 Anos. Solteira. Atualmente
desempregada. Foragida. Está localizada na cidade de São J.
J. Há 1.237 quilômetros daqui. Vocês se encontraram há 6
anos, 127 dias e 19 horas em um bar em Ed Brum Street, em
Gloria. Ela pediu uma cerveja de tomate e você fez questão
de pagar por que não achava que cerveja de tomates
existiam.
-Mas existiam e eram extremamente caras.
-Ela tinha a quantia para comprar exatamente 668 cervejas
de tomate, 12 de abobora, 2 de cervada e um pacote de
gulosinhas.
-Como você sabe disso?
-O senhor ainda possuía o half-watch e vocês conversaram
por exatamente 4 horas e...
-Tonto, ela me passou um telefone. Ela me disse que roubava
bancos e me passou um telefone. Em um papel de
guardanapo. Qual era o número.
-22357998128143 !
-Ótimo! – vibrou Jed.
111
-Senhor?
-Que?
-Ela é procurada!
-Policia normal?
-Sim!
-Ótimo! Significa que ela ainda faz o que faz! Ligue pra ela,
faça parecer importante! Eu preciso encontrar com ela o
mais rápido possível. Reserve um avião pra ela se for preciso.
Faça o que for necessário para que ela venha ao nosso
encontro, faça ela confiar em você. Só temos uma chance,
Tonto. Não estrague isso! Eu preciso ir trabalhar. Faça isso...
Pra amanhã se der, mas não aqui. Marque em algum lugar
calmo fora da cidade, que venda cerveja de tomate. Tonto,
eu confio em você pra fazer isso dar certo.
-Já está feito, Senhor. O encontro está marcado para amanhã
às nove horas no Irish Pub, à 74 quilômetros fora da cidade.
-Perfeito! Você é o melhor, Tonto. Agora eu tenho que
descer antes que o Sr. Alfredo suba aqui e eu tenha que
explicar pra ele um gordo robô branco segurando a minha
porta pra ela não bater. Tchau!
112
-Senhor...
-O que é, Tonto?
-Eu não sou gordo, Senhor.
Jed riu e saiu pela porta.
-Eu fui projetado assim. Não foi uma escolha minha. Eu não
sou gordo.
O robô colocou uma música pra tocar no volume mínimo em seus
altos falantes e abaixou a cabeça outra vez. Dessa vez ele parecia
descansar.
113
III
Jed está em um bar. Um lugar sem muita luz ou gente. Ele veste
roupas demais e parece nervoso. Há algo branco e redondo em seu
ouvido, mas quase não dá pra notar. Ele usa um chapéu grande e
estanho para cobrir seu rosto e no pescoço as correntinhas que
ganhou da garotinha Andreia. Por causa do frio, Jed decidiu também
usar um enorme cachecol colorido, mesmo que ele o achasse
ridículo.
-Tem certeza que é aqui, Tonto? Ela já deveria estar aqui,
não?
Jed e Tonto se comunicam através do aparelho que Jed carrega em
seu ouvido.
-Ela não está! – disse tonto sussurrando.
-Isso eu notei, Tonto.
-O que fazemos agora, Senhor?
-Você pode escancear o local? Ver se ela esteve, ou vai estar
aqui? Eu não quero ficar esperando caso ela não apareça.
-Senhor... Eu vou precisar de uma autorização pra isso.
114
-Serio? Não é possível!
-Eu só estava brincando, Senhor. O escaneamento já foi feito.
Devo dizer que não obtive resultados conclusivos, Senhor.
Desde que não estou nem um pouco próximo da localidade.
-Mas e esse pedaço de você que estou usando? Ele tem
sensores também, não tem?
-Sim, Senhor, mas não o suficiente para fazer um
escaneamento delicado no espaço e tempo, Senhor. A
propósito, cuidado com ele. É uma de minhas orelhas, e eu
costumo gostar bastante dessa ai.
-Pode deixar, Tonto. Não é a primeira vez que fazemos isso.
Quando foi que não retornei sem uma de suas partes?
-Uma única vez, Senhor. Só uma vez, e você esqueceu dos
meus braços e pernas.
-Mentiras! Seu robô idiota. Eu te achei desse jeito, Tonto.
Você sabe disso!
-É isso que o senhor vive me dizendo, Senhor.
-Não é como se eu estivesse ment...
115
-Senhor...
-Que?
-Eu a encontrei! Ela está do lado de fora do bar, Senhor. Em
um beco, duas ou três ruas antes. Ela já está lá a 83 minutos,
senhor. Ela viu o senhor entrar e parece estar esperando.
Senhor... Ela está armada.
-Ela não confia em mim. Quer fazer as coisas do jeito dela. Eu
vou sair! Se ela avançar com intenção de ataque você sabe o
que fazer.
-Um pulso eletro magnético com essa proximidade irá te
machucar bastante, Senhor.
-Ela pode me machucar bem mais, Tonto. Você sabe o que
está em jogo aqui. Eu tenho que me arriscar.
-Eu estou pronto, Senhor.
-Eu não...
Mesmo não estando pronto, Jed saiu do bar e caminhou
solitariamente pelas ruas frias da cidade vizinha a Rio dos Lírios. Ele
ouviu algo se movendo lentamente atrás dele. Algo o agarraou pelo
casaco na altura o pescoço e o puxou para trás. Ele sentiu uma leve
pontada nas costas.
116
-Quem te enviou aqui? Não, não responda. Não se de o trabalho de
mentir. Eu estou cansada de bancar a bacana. Eu já disse: Ou vocês
me deixam em paz ou aqueles que vierem me procurar não vão mais
voltar. – disse Keenex.
-Senhor... É ela! E ela está com uma Tesk Faca pronta para te
perfurar. Um simples corte dessa arma e o senhor não parará
de sangrar nunca. Devo agir, Senhor?
-Não! Não... Espere! Eu não sei do que você está falando. –
disse Jed calmamente.
-Ah, claro que não sabe do que eu estou falando. Ninguém
nunca sabe! Eu vou te cortar lentamente até que você,
misteriosamente, recupere a memória. – disse Keenex.
-Tá ai uma coisa que nunca tentamos, Senhor. Talvez isso te
ajude a te lembrar do seu passado mais distante. – disse
Tonto.
-Tonto!!!! Me ajude. – disse Jed.
-Tonto? Você me ofende e depois pede ajuda? Ahrg... Eu já
estou cansada de você. Você se quer foi divertido como os
outros seis que a agencia mandou. – disse Keenex.
117
-A.A.V.P. A agencia vem caçando ela desde que ela sumiu
com parte do equipamento que usava para roubar bancos.
Ela trabalhava para a A.A.V.P há três anos atrás. Usava um
nome falso... Lyla Sakamoto. Eles nunca a conheceram como
Keenex. Eles são perigosos, mas ela nunca se quer feriu
nenhum dos agentes que a A.A.V.P mandou para captura-la.
Senhor... Ela apresenta medo e insegurança em sua voz.
-Keenex. Esse é seu nome. Escute... Eu sei que você está
assustada, mas eu não sou da agencia. Você precisa acreditar
em mim. – disse Jed.
-Assim disse todos os outros antes de morrerem. – disse
Keenex impaciente.
-Eu também sei que você nunca feriu nenhum agente que
veio atrás de você. Escute...
-Todos os agentes da A.A.V.P são marcados, Senhor. Todos
eles possuem a mesma marca para identificação dos seus. –
disse Tonto.
-Deve ter alguma maneira, Keenex. Alguma maneira de te
provar que não sou da agencia. – disse Jed.
A garota apenas afastou um pouco a Tesk Faca das costas de Jed,
mas ele ainda podia senti-la bem perto. Com uma das mãos a garota
cutucou o centro das costas de Jed e não achou o que procurava. Ela
soltou o casaco de Jed, que imediatamente cambaleou para frente e
se virou para encarar a garota. Keenex fez algo com a faca que
segurava nas mãos e a transformou em uma pistola.
118
-Ohhh... Esse foi um bom truque! Tesk Faca 15050. Cortesia
da A.A.V.P. – observou Tonto.
-Escute... Eu não sou quem você pensa que que sou. Você
viu...
-Nem todos da agencia possuem a mesma marca. – disse
Keenex.
-Só a Madre Superiora possui uma marca diferente, Senhor.
-Você sabe que eu não sou quem você diz. Você me
conhece... Sabe que eu não sou da agencia. – indagou Jed.
Jed tirar o chapéu que escondia seu rosto.
-Quem é você? Como sabe meu nome? Como conseguiu o meu
número? E o que você quer? – perguntou Keenex.
-Meu nome é Jedikiah! Você me deu o seu número anos
atrás em um bar em Ed Brum Street, na cidade de Gloria.
Você disse que se algum dia eu precisasse de ajuda pra
roubar qualquer coisa... Eu podia te ligar. Nós tomamos
cerveja de tomate, eu paguei!
-Você mente! Não minta pra mim! – pediu Keenex.
119
-Tecnologia A.A.V.P., Senhor. Ela pode sentir que você está
mentindo, mas ela não sabe em relação ao que...
-Você pode sentir que estou mentindo, não é?
Keenex, aparentemente nervosa, acenou positivamente com a
cabeça. Suas mãos tremiam e ela parecia atordoada e fraca.
-Olhe... Meu nome não é Jedikiah! Digo, é... Mas esse não é o
nome que me deram quando eu nasci. Esse foi o nome que
escolhi. Eu mesmo me dei esse nome! Essa foi a única
mentira que contei.
-E daí que você não esteja mentindo... Eu não posso confiar
em você. Eu... – disse Keenex.
-Senhor... Ela está ficando fraca demais. Algo não está certo.
Eu acredito que ela vá desmai...
Antes que Tonto pudesse terminar a frase, Jed viu o corpo de Keenex
amolecer e se atirar em direção ao chão. Ele correu em direção a
garota e a agarrou antes que ela atingisse o solo.
-Tonto, ache um lugar onde a gente possa se hospedar. Perto
e tranquilo.
120
-Novo Palácio, Senhor. Terceiro prédio a sua esquerda.
Jed pegou a garota nos braços e caminhou até a pousada.
121
IV
Keenex está sentada em um sofá tomando alguma coisa. Ela e Jed
conversam.
-Como você sabia que eu estava mentindo sobre meu nome
e não sabia que eu estava falando a verdade sobre ser da
agencia?
-Os capangas da agencia são treinados para enganar a
tecnologia que detecta mentiras. Uma vez que soube que
você não era da agencia eu resolvi usa-la, mas ela requer
muito do meu corpo e eu não estou nos meus melhores dias.
-Por isso desmaiou?
-Sim. Eu acho que tenho que te agradecer por ter me trazido
aqui. Há agentes por todos os lados. Vulnerável daquele jeito
eu não poderia me defender. Teria sido meu fim. Eu te devo
uma.
-Não fiz por isso. Qualquer um teria feito o que fiz. Não
poderia ter te deixado lá jogada, sozinha.
-Você pensa o melhor das pessoas. Isso ainda vai acabar te
matando. O que é isso?
122
-Cerveja de tomate. Eu imaginei que você iria gostar, mas se
eu ainda não tiver se sentindo bem...
-Não, dá logo isso pra cá. Tem coisas que simplesmente são
irrecusáveis.
Os dois riem e Jed entrega para Keenex uma garrafa de cerveja
gelada.
-Então, me fala mais sobre esse relógio. O que ele tem de tão
importante? - disse Keenex
-Ele pertenceu a minha família. É a única coisa que sobrou
deles.
-Você sabe que eu sei que você está mentindo, certo?
-Eu...
-
Olhe, Kiah. Posso te chamar de Kiah? - perguntou Keenex.
Acho Jedikiah um nome tão grande.
-Eu prefiro Jed.
123
-Então, Kiah. Eu já disse que vou te ajuda. Vou roubar o tal
relógio pra você, mas eu não gosto de ser enganada, então...
Seja sincero comigo, por favor.
-Ok. Érr... Ele pertenceu a mim, o relógio. Eu não o quero de
volta, mas eu tenho medo que ele possa cair em mãos
erradas.
-Um relógio de 700 anos pertenceu a você?
-Sim, mas não faz tanto tempo assim. É bem mais recente
que isso.
-E o que há de tão especial nesse relógio? Pelo que vi é só
metade de um relógio velho. E se você escolheu seu próprio
nome, por que não escolher algo mais agradável? Credo! Se
eu tivesse escolho o MEU nome ele não seria nada parecido
com uma marca de lenços. Eu não tive essa sorte.
Jed fica em silencio com medo de responder. Não quer contar outra
mentira e afastar Keenex. Ela é sua melhor chance de recuperar o
relógio.
-Eu quero saber. Não sobre o seu nome. – disse Keenex. - Eu
não ligo pro seu nome, eu mesmo tive um monte deles, mas
sobre o relógio. Eu quero saber a verdade. Eu não vou
arriscar minha liberdade e vida por algo que eu não faço ideia
de qual seja a importância.
124
-Eu acredito que esse relógio tenha algum tipo de
superpoder. Que ele seja capaz de fazer coisas incríveis.
-Como algo sobrenatural?
-Algo como tecnologia assustadoramente avançada.
Keenex solta uma gargalhada inconveniente, mas logo depois
percebe que Jed continuava sério. Ela para de rir.
-Você realmente acredita nisso, não é? - questionou Keenex.
- Tudo bem, eu vou recuperar esse relógio pra você, mas... O
que há pra mim nisso tudo?
-Quanto você quer? Eu posso te pagar bem?
-Em dinheiro? – disse Keenex rindo. - Pra que eu quero
dinheiro? Eu não posso viver com luxo, eu tenho que passar
meus dias e noites me escondendo, brigando pela minha
existência. Em que o dinheiro me auxiliaria se eu não posso
comprar praticamente nada sem mostrar as caras? Já tentou
comprar um pão enquanto é perseguido pela A.A.V.P? Eles
têm olhos em todos os lugares. Putos! Além disso, há sempre
alguém disposto a pagar mais por mercadoria roubada do
que aqueles que as quiseram roubar. Eu não quero seu
dinheiro.
125
-O que você quer? Diga... Qualquer coisa... Uma vez que eu
tiver o relógio em minha posse eu posso lhe dar tudo. Tudo
que você quiser.
-Kiah, Kiah, Kiah... – disse Keenex rindo novamente. - Você
acredita que o relógio tem poderes magico... OK! Mas eu não
posso me segurar em sua crença. Cada doido com a sua
mania, certo, Kiah? A minha mania é não ir na onda de um
doido qualquer sem ao menos uma segurança. Eu quero algo
solido, algo pelo qual valha a pena se arriscar. Algo... Não
sei... Pessoal!
-Se eu te der algo agora, quem me garante que você irá
mesmo roubar o relógio? Quem me garante que você me
entregará o relógio depois que rouba-lo?
-Eu podia ter te matado e não matei. Você podia ter
pensando em milhões de outras maneiras de roubar esse
relógio, mas não pensou. Você confia em mim, eu não sei o
motivo, mas confia. É por isso que sabe que se me der o que
eu quero, você terá o que quer.
Jed parou e pensou um pouco.
-Tonto? Eu posso confiar nela?
-Eu não vejo outo jeito, Senhor.
126
-Quem é tonto, afinal?
-Um amigo. Ele irá nos ajudar.
Jed mostra para Keenex o comunicador preso em seu ouvido.
- Huuum... Inteligente! Tecnologia... bom, nós vamos precisar.
-Mas e então... O que você quer? – disse Jed.
-Bom... Antes de irmos eu quero isso ai. – disse Keenex
apontando para o peito de Jed, em direção às duas
correntinhas que a garotinha Andreia havia lhe dado. - E eu
quero a azul. Não é minha cor favorita, mas eu não suporto
rosa. Acho que rosa combina mais com você!
-Isso? Mas isso não tem valor algum.
-Pra você tem! Eu preciso saber se você está falando sério
sobre isso tudo. Depois que roubarmos o relógio eu te
devolvo do colar, mas só se você estiver certo sobre ele...
Sobre o relógio. Se ele puder mesmo fazer tudo isso que você
imagina que ele pode fazer. Ele poderia limpar meu nome
com a A.A.V.P?
-Sim!
127
-Então é isso! O colar agora e se o relógio for mesmo magico,
meu nome limpo e um pouco de dinheiro pelo seu querido
colar de volta. Me parece uma troca justa.
-Eu não te darei o colar.
-Então eu não te darei o relógio. – disse Keenex. - Agora que
sei de sua importância, vou rouba-lo de qualquer maneira. E
vende-lo pra alguém que possa me dar proteção em troca.
-Você não o faria.
-Kiah, você não entende, não é? Eu não tenho nada a perder.
Essa sua fantasia sobre esse relógio é a coisa que mais
chegou perto da minha liberdade definitiva. Eu tenho que
tentar, independentemente de você. Não é mesmo, Tonto?
-Ela pode estar certa, Senhor. – disse Tonto na escuta. - É
melhor confiarmos nela do que deixarmos que o relógio caia
nas mãos de algum Agente do Tempo. Você sabe o quão
corrupto eles podem ser. E além disso, você pode recuperar o
colar que a garotinha te deu depois que limpar o nome de
Keenex. Me parece bem logico, Senhor.
-O que ele disse?
-Você pensou em tudo, não foi?
128
-É o que eu faço! É o que me faz ser tão boa!
Jed tira o colar com a pedra que brilha azul e deu para Keenex, que
imediatamente o colocou no pescoço.
-Feliz Natal! – disse Jed num tom irônico.
-Oh, eu odeio o natal! – disse Keenex. - Veja só esse lugar.
Costuma ser todo enfeitado de luzes piscando, mas agora é
só uma pousada normal outra vez. Bem mais aconchegante,
não acha.
Keenex analisa o colar em seu pescoço.
-Agora nós somos como melhor amigos. Vamos fazer isso, Kiah.
Vamos assaltar um museu!
-Quando?
-Como assim “quando”? Na noite de Natal, é claro!
V
129
Jed e Keenex então em um quarto de hotel. Dessa vez o quarto está
bem mais claro e enfeitado com coisas de natal. Há até uma arvore
no canto perto de uma lareira, que queima madeira de verdade
deixando o clima do quarto bem mais aconchegante. Keenex está
analisando alguma coisa na mesa. Jed entra no quarto acarregando
mais papeis. Keenex se veste toda de preto, a única coisa colorida em
sua roupa é o colar que ainda está envolta do seu pescoço.
-Nós temos um problema! – disse Keenex.
-O que?
-Fora esses enfeites ridículos de natal... Não consigo achar
uma maneira segura de sairmos do museu sem disparar o
alarme.
-Estaremos com o relógio?
-
Sim, mas não conseguiremos sair com ele, gênio. – disse
Keenex.- Se os alarmes dispararem enquanto ainda
estivermos lá dentro, o museu entrará em completo modo se
segurança, não conseguiremos sair de maneira alguma.
-Se eu tiver com o Doutor em minhas mãos, sairemos antes
mesmo que os soem os alarmes.
-Quem?
130
-O relógio. Antes, quando eu ainda o usava, eu o chamava de
Doutor. Nunca soube por que. Era uma mania estupida.
-Sim, estupida! Você é esquisito, Kiah. Eu não vou negar
isso... Mas nomear um objeto... Sério? Eu estou começando a
repensar esse roubo, talvez sua sanidade mental não seja
100% confiável.
-Não brinque com isso.
-Ok, mas o que vamos fazer em relação aos alarmes? Você
trouxe as outras plantas que te pedi?
-Sim! E eu já falei: Não se preocupe, uma vez que eu tiver o
relógio em mãos...
-Pare por ai! Escute aqui, seu maluco. – indagou Keenex. Você acredita nessa baboseira de relógio magico, ok, mas eu
não! Então eu preciso de um plano de fuga solido, sem
contar com a sua fé em um objeto qualquer. Sem um plano
de fuga real eu não vou entrar naquele museu!
-Ok! Não precisa se alterar. O tonto cuidará dos alarmes pra
que eles não disparem até que a gente saia do museu.
-Onde ele está?
-Não poderá vir.
131
-O que? Você é maluco? Eu te expliquei um milhão de vezes
e fui bem clara quando disse que nós precisamos de alguém
do lado de fora para nos guiar.
-Tenha calma. Ele ainda nos ajudará. Só não fará isso daqui.
Ele tem um lugar melhor, com mais visibilidade.
Jed entrega para Keenex um pedaço de metal branco e arredondado,
igual ao que ele tem no ouvido.
-Põe isso no ouvido. Você vai poder ouvi-lo e falar com ele
também.
Keenex coloca o aparelho no ouvido.
-Por falar em lugar melhor, não tinha nada menos claro e
chamativo que essa espelunca aqui não? Esse clima natalino
está me deixando enjoada.
-Eu selecionei o lugar mais perto e com melhor acesso ao
telhado do museu, assim como a senhora solicitou, Senhora.disse Tonto no aparelho no ouvido de Keenex.
-Ele sempre fala assim?
-Nem sempre! Mas acredite, dos jeitos que ele tem de falar,
esse é o mais agradável.
-E o mais eficiente também. – completou tonto.
-Que seja... Tonto, depois que você deligar os alarmes,
quanto tempo nos temos para que o alarme reserva dispare.
-6 minutos e 56 segundos.
-Não 7?
132
-Tenho razões para crer que o relógio do alarme reserva do
museu esteja desconfigurado. Seus segundos passam
levemente mais rápido. Para ser mais preciso...
-Você não precisa se gabar da sua matemática. Não sei por
que te chamam de Tonto, já que obviamente você é o mais
inteligente do grupo.
-O nome Tonto me foi dado pelo Mestre Jed pelos números
da minha patente 86686, que correspondem as letras...
-Muitos detalhes desnecessários nessa conversa. Coisas que
não precisam ser esclarecidas agora. – disse Jed impaciente.
-Mestre? – disse Keenex.
-Ele perdeu uma aposta! - disse Jed rindo sem graça.
-Ok, 7 minutos para sair do mus...
-6 minutos e 56 segundos, Senhora.
-6 minutos e 56 segundos para sair do museu. – disse
Keenex. - Qual a saída mais próxima? A janela da direita, eu
aposto. Você pode colocar os explosivos nela enquanto eu
retiro o relógio da capsula protetora.
-Nem pensar. Nós já falamos sobre isso. Eu sou o único que
pode tocar no relógio.
133
-Explosivos iriam disparar o alarme reserva pelo barulho e
impacto, Senhora
-Você não pode desativar os alarmes reserva, Tonto? – disse
Jed.
-Não! Esse são manuais, ele não teria acesso aos seus
sistemas
-Eu gosto dessa garota, Senhor. Ela está certa! O alarme
reserva é tecnologia aboleta, eu não teria acesso a eles a não
ser que fosse manualmente.
-Essa sua regra idiota que que só você pode tocar no relógio
está arruinando o meu plano.
-Ninguém toca no relógio a não ser eu. Essa foi uma das
minhas principais condições.
-Está quase na hora, Senhores. O museu fechará em 38
minutos.
-Eu achei que você já tinha o plano todo em mente, Keenex.
-Eu tenho! – disse Keenex. - Mas eles mudam o esquema de
segurança a cada 24 horas. O esquema mais recente
prejudicou meu plano de retirada. O resto continua intacto.
Nós entramos pelo telhado, e descemos pela coluna principal
134
do museu. O relógio estará no segundo hall de entrada, é
onde colocam as peças em exposições especiais. Seus amigos
desligara o sistema de câmeras e de sensores de movimento.
Isso nos dará exatos 50 segundos para correr até o ponto
cego mais perto do relógio, que é esta coluna aqui. Tonto,
então, desliga todo o sistema de segurança do museu e nós
temos 7 minu... 6 minutos e 56 segundos para chegar até o
relógio. Enquanto você serra o vidro da capsula protetora, eu
desarmo o sistema que segura o relógio em uma fibra de aço.
Temos que ser rápidos! Você retira o relógio rapidamente,
mas com cuidado pra não esbarrar em nada, e eu posiciono
as almofadas de impacto. As grades cairão! Mas nada irá
acontecer. Ainda temos quatro ou três minutos para sair do
museu antes que o alarme dispare. Faremos como eu disse,
mas sem explosivo! A janela da direita. Corremos em direção
a ela e quebramos o vidro com a mesma tecnologia que você
serrou a capsula de vidro para pegar o relógio. O museu
entrará em modo de segurança total, se a gente conseguir
escapar estamos bem, não há como nos pegar, mas se não
sairmos antes do alarme reserva disparar estamos presos no
museu até que cheguem as autoridades, e ai, estamos
perdidos! Eu não sei o que vai acontecer com você, mas a
A.A.V.P tem agentes na polícia. Se a gente fizer qualquer
coisa errada, será meu fim!
-Então a gente não faz. – disse Jed
-Vocês precisarão correr uma distância de 98 metros, em
uma velocidade aproximada de 14 km/h. – observou Tonto. E a typo serra precisará está aquecida para que o impacto
dos corpos de vocês quebre o vidro com segurança. A queda
entre a janela e o chão é de menos de 2 metros, então é
135
melhor que vocês quebrem o vidro com seus ombros do que
com os pés. É possível, e não é complicado, mas a velocidade
de vocês precisa está constante, se um de vocês hesitar,
mesmo que por um milésimo de segundo, o vidro não
quebrará!
-Esse cara é uma máquina?
-A cabeça dele funciona como uma quando se trata de
números.
-Como ele sabe que usaríamos uma typo serra.
-É a ferramenta ideal para se serrar vidros usados para
proteger peças de museu. E levando em consideração seu
passado com a A.A.V.P, calculei que você teria acesso a tal
ferramenta.
-Ele sabe demais. Nós deveríamos mata-lo depois disso!
-Você é minha convidada a tentar, Senhora. Eu não sou assim
tão fácil de exterminar.
-Você me subestima, garoto.
-Eu não sou um garo...
-Por mais que seja feliz saber que vocês estão se dando super
bem, eu tenho que lembrar que já está quase na hora... –
interrompeu Jed. -Ah, e que ninguém vai matar ninguém.
136
-Se preparem, saímos em dez minutos! Eu preciso fazer uns
últimos reparos. Kiah. Se livre de tudo isso, não podemos
deixar nenhuma prova no hotel. Não voltaremos aqui.
-Pode deixar.
Keenex foi para o banheiro e deixou Jed sozinho no quarto. Jed se
aproximou da arvore de natal e a admirou.
-Senhor...
-O que?
-O comunicador dela está desativado.
-Ótimo. Você consegue ler alguma coisa nela?
-Sim, Senhor, mas não muito. Elas mantem seu corpo e mente
muito fechados. E eu não posso fazer qualquer escaneamento
mais delicado sem a permissão dela.
-Algum intensão de me deixar pra trás?
-Não, Senhor. Todos os objetivos e pensamentos dela
parecem bastante objetivos e claros, sem dualidade. Se ela
tivesse dois planos diferentes daria para notar enquanto ela
explicava passo a passo o seu plano.
-Mesmo com o treinamento dela?
-Ninguém é tão bom assim, Senhor.
-Então podemos confiar nela?
-Não vejo outra alternativa, Senhor. Ela é a únicas pessoas
que tem a mente e os meios para invadir aquele museu. Se
algo der errado, eu usarei um pulso eletro magnético em seu
comunicador. Te dará tempo suficiente para pegar o relógio e
sair. Ela estará desacordada.
137
-Agora que já temos o plano e as ferramentas, eu podia fazer
isso sozinho.
-Sem querer ofender, Senhor, mas é muito arriscado. Você
não conseguiria roubar o relógio sozinho a tempo.
-Você tem razão, mas eu não sei... – disse Jed. - Algo me diz
que tem alguma coisa errada. Bom, deve ser só insegurança
mesmo. Eu não acredito que estou fazendo isso. Não
acredito que vou ter ele em minhas mãos outras vez. Depois
de tudo que fiz para me livrar dele. Depois de tudo que ele
me fez...
-É importante lembrar das coisas boas que o half-watch te
proporcionou, Mestre. Não se concentre apenas na única vez
que ele te deixou na mão. No que você perdeu...
-O que ele me fez perder, foi maior que todas as coisas que
ele me fez ganhar. Eu nunca o perdoarei por isso. Ele voltará
para minhas mãos, mas eu não vou usá-lo. Não vou usá-lo
nunca mais! Eu voltarei a minha vida pacata em Rio dos
Lírios, fazendo biscoitos em forma de boneco de neve, e o
Doutor e todas as fantásticas aventuras que vivemos juntos,
serão apenas mais uma lembrança vaga do meu passado, até
cair no completo esquecimento como o resto do meu
passado mais antigo.
-Como quiser, Mestre. Mas há ainda uma coisa que não
entendo.
-O que, Tonto?
-Uma vez que estiver com o relógio em suas mãos, por que
não usá-lo para sair do museu em segurança? Por que se
arriscar tanto?
138
- Eu não quero que ela o veja em ação. Eu não quero que ela
saiba do que ele é capaz. Eu prefiro que ela continue
achando que sou um lunático, do que vê-la se transformar
em um ser extremamente ganancioso, como acontece com
todos uma vez que que conhecem o poder do relógio.
- Como quiser...
- Como estão as crianças? – perguntou Jed com carinho.
-Bem, Senhor. Todos eles receberam os patins de gelo que o
Senhor encomendou.
- Bom... E o Sr. Alfredo?
- Bebendo, como em todo natal. Ele também recebeu a
vitrola que o Senhor encomendou, mas não pareceu tão
animado quanto as crianças.
- Eu gostaria de saber o que aconteceu com ele? Por que um
coração tão amargurado?
- Não há como decifrar todos os motivos pelos quais os
humanos são movidos, Senhor. Nós tentamos de tudo nos
últimos três anos. Ele simplesmente não é mais feliz.
- Como o Higor reagiu aos patins?
- Eu gravei tudo, Senhor. Gostaria que eu tocasse para o
senhor ver com seus próprios olhos?
- Sim, por favor.
Um raio azul saiu do comunicador que estava preso ao ouvido e Jed e
iluminou umas das bolas vermelhas de natal presa na arvore. Na bola
vermelha Jed pode ver as crianças que adoravam recebendo
presente de suas próprias mãos.
Uau! Patins de gelo! Obrigado, Senhor Jed! Você é o melhor! Radical,
139
cara! Olha só, o Senhor Jed me deu patins de gelo! - disse Higor (Nas
imagens na bola de natal).
- Olhe só pra eles. – disse Jed sorrindo. - Todos esses sorrisos
lindos e de verdade.
-Esse foi o melhor presente de todos, Senhor Jed. Eu desejo que todo
dia fosse natal e que a gente sempre pudesse patinar juntos. O
senhor vem, não vem, Senhor Jed? – disse Ann (Nas imagens da bola
de natal).
-Mas é claro que vou! Vão na frente que já eu estarei lá. – disse Jed.
-E a Andreia, Tonto? Ela gostou?
-Eu estou confuso em relação a essa, Senhor? Ela não
pareceu muito animada.
-Não entendi. Como assim? Toque o vídeo pra mim, por
favor.
-E esse é pra você, Ands. Aqui está! Eu mesmo os pintei, da
cor dos colares que você me deu.
-Ah, obrigado, Senhor, mas... Quando o Senhor Jed estará de volta?
-Como assim, garotinha? Eu estou aqui.
A garota ficou olhando para os olhos do Jed fixamente. Por um
momento o Jed que estava no quarto de hotel, vendo tudo pela bola
140
de enfeite de natal vermelha, achou que ela estava o vendo. Isso fez
com que ele tivesse um arrepio pelo corpo inteiro.
-Tudo bem! Obrigado, Senhor Jed. Feliz Natal! – disse Ands.
-O que aconteceu? Eu não entendi. O que deu nela? Ela percebeu o
holograma que me substituía? – perguntou Jed.
-Impossível, Senhor. O holograma usado tinha o melhor e
mais sofisticado filtro de percepção. Ninguém poderia notar
mesmo que tentasse bastante. – disse Tonto convincente.
-É... Tudo bem! Eu gostaria de estar lá de verdade. – disse Jed
um pouco triste. - Patinando com os garotos. Eu não entendo
por que tudo tinha que acontecer hoje. Logo hoje! O natal é
minha data favorita desde que... Desde que tudo aconteceu.
E é o único dia em que eu esqueço completamente de tudo e
apenas me divirto. Eu sou livre no natal... Eu era. Maldito
half-watch de alta precisão. Ele está fazendo outra vez. Está
tirando de mim as coisas que mais amo.
Jed acaricia o enfeita de natal onde está sendo projetada a imagem
da garotinha Andreia sorrindo e lhe desejando feliz natal. Uma
lagrima escorre em seu rosto. Keenex sai do banheiro e diz:
-Vamos?
-Sim. Vamos acabar logo com isso.
Jed enxuga a lagrima em seu rosto e joga os papeis que estavam
141
encima da mesa no fogo da lareira.
142
VI
Keenex e Jed chegaram no teto do museu sem serem notados.
-Você disse que não haveriam patrulhas nas ruas. – disse Jed.
-Eu disse que não haveriam MUITAS patrulhas nas ruas.
-Essa foi por pouco.
-Por isso que eu disse que precisaríamos de uma pessoa do
lado de fora para nos guiar. Bom trabalho, Tonto.
-Isso fica feliz em ser útil.
-Agora ele já está de onda com minha cara.
-Ele não é um robô, ok? Eu não sei de onde você tirou isso. –
disse Jed.
-Os sensores de movimento do teto do museu estão
temporariamente inativos. – avisou Tonto. - Não há
problema! Vocês podem se mover tranquilamente até o local
marcado.
Os dois se movem discretamente até a janela mais próxima.
143
-É pedi pra ser roubado, não é? – disse Keenex. -Um lugar
assim com tantas janelas no teto... Só pode ser brincadeira.
Pra que elas servem afinal?
-Você está brincando comigo? Você já visitou esse lugar de
manhã? É lindo! Toda obra de arte, cada peça nesse museu,
fica imensamente mais bonita quando iluminada pela luz
natural do dia.
Keenex faz cara de que não está nem ai para toda aquela informação.
-Lá está! É ele! Eu nem acredito que nos encontramos de
novo, Doutor.
-Justo como previa. Tudo vai sair como planejamos.
-Vocês, já podem começar a serrar os vidros das janelas. –
avisou Tonto. - Os sensores de movimentos estarão deligados
em três minutos.
-Tome, use o laser. Eu vou segurá-la. Essa janela deve ser
mais grossa que o vidro da capsula, nos levaremos mais
tempo aqui.
-Ela pode ser pesada.
-Não se preocupe. Eu posso suportar o peso dela.
144
Enquanto Jed usa uma serra laser para serrar o vidro da janela de
teto, Keenex prepara as cordas para sua decida e segura o vidro com
uma espécie de ventosa preta.
-Eu não entendi o motivo pelo qual não poderíamos ter feito isso
antes ou depois.
-Tá de onda com a minha cara?
-Não! Por que noite de Natal? É o meu feriado favorito.
-O que você vê no Natal mesmo? É tudo tão igual a qualquer
outra coisa. Eu não tenho paciência.
-É magico!
-Sei, sei. Assim como o seu Doutor?
-Não. Completamente diferente! Natal me dá esperanças, o
Doutor... Bom, o relógio não me traz tão boas lembranças
assim
-O que aconteceu entre você e esse relógio estupido? Olha,
nada pessoal, mas é por causa de pessoas como você que
estamos fazendo isso hoje e não outro dia.
-Como assim?
145
-Todo mundo em suas casas, com suas famílias. Não há
ninguém nas ruas, ou nas lojas ou nos museus. A noite de
Natal é o melhor momento pra roubar coisas. E nós não
temos outra coisa pra fazer. Eu, você e o Tonto. Sem família,
sem trabalho, sem essa frescura de natal. Veja o que estamos
fazendo! Você não gosta? Não sente essa coisa louca que
corre por suas veias, essa emoção? Isso é melhor que
qualquer espirito de natal.
-Eu estou fazendo isso pelo relógio. Eu nunca trocaria um
natal por isso se não fossem as circunstâncias.
-Circunstancias? Deixe-me te dizer uma coisa, meu pequeno
Jedikiah. Você já trocou seu natal por isso aqui. Veja só o que
estamos fazendo. Você está serrando o vidro de uma janela
de teto de um museu, e eu estou garantindo que a gente
invada esse museu com segurança e precisão.
-Todos os sensores prontos para serem desligados. Vocês já
podem se posicionar. – lembrou Tonto.
-Agora sim, a melhor parte do Natal!
Keenex amarra as cordas em um aparelho enrolado em sua cintura e
faz o mesmo em Jed. Os dois passam pela janela com vidro serrado e
se posicionam.
-Agora se lembre-se: 50 segundos para chegar ao chão e correr
146
até aquela coluna ali até que o sistema volte ao ar. – disse
Keenex. - Não se preocupe com as cordas, as deixe presa no seu
corpo. Uma vez que chegarmos na coluna nós as tiramos. Elas
são muito finas parar serem detectadas pelo sensor de
movimento.
-Tudo pronto! A partir de agora não poderei mais vê-los, não
há como meus sensores atingirem o museu sem interagir com
o sistema de alarmes, algo pode acontecer... – disse Tonto.
Keenex lança um olhar desconfiado para Jed.
-Ele não é um robô! –disse Jed.
- Os comunicadores continuarão on-line. Não os retirem por
nada, ou não poderei mais ajudar vocês. Prontos? –
perguntou Tonto.
-Pronto? – perguntou Keenex.
-Não! – disse Jed
-Sistemas fora do ar por 48, 48, 47...
-Alabaaaaaaama! – exclamou Keenex.
Keenex e Jed caem numa velocidade absurda, mas antes de
147
chegarem ao chão as cordas diminuem a velocidade. Os dois fixam os
pés no chão e saem correndo para a pilastra marcada, onde estaria o
ponto cego das câmeras do museu. Ao chegarem lá, os dois
encostam imóveis na coluna. Jed tirou os cabos da corda amarrados
na cintura.
-3,2,1. Sistemas ativos outra vez. – alertou Tonto. - Não se movam!
Vou preparar o desligamento geral de todo o sistema de segurança
do museu. Isso pode levar um tempo.
-Funcionou!
-Mas é claro que funcionou. – disse Keenex animada. - Você
está sentindo isso? Esse pulo em seu coração? Esse é o
verdadeiro natal!
-Ok, você estava certa. É um pouco emocionante sim.
-Eu te falei. Essa é a festa de verdade. Bem aqui, agora!
-
-
-Que diabos é Alabama?
Ei, cada doido com sua mania, lembra? Você do nome aos
seus objetos e pede pros seus amigos de chamarem de
mestre na frente das garotas para impressionar e eu grito o
que eu quiser na hora em que eu quiser. Ok?
Eu não pedi pra ele me chamar de mestre pra te impressio...
148
-
Todo o sistema de segurança do museu será desligado,
inclusive a iluminação. Vocês só terão as luzes de emergência
para guia-los, então precisam prestar muita atenção para
onde estão indo. Desligando sistemas em 3, 2... Boa sorte...
1!
Todas as luzes se apagaram e imediatamente as luzes de emergência
se acenderam. Keenex correu e escorregou para a perto da base do
totem que exibia o relógio. Jed ligou a serra laser e correu em direção
a capsula de vidro que o protegia. Ele olhou para o relógio que era
cobreado e parecia bastante velho e machucado. O Half-Watch era
metade de um relógio de bolso comum, havia uma proteção nele,
com buracos em meia lua que te faziam enxergar os números que
haviam por dentro. Ele também tinha uma corda longa e dourada
que parecia intacta, brilhava como se fosse nova. Jed por segundos
ficou parado olhando o relógio, e, por algum motivo o relógio parecia
o olhar de volta.
-
O que você está fazendo? – pergunta Keenex, com urgência Comece a serrar, seu idiota!
Jed começou a serrar o vidro que derretia rapidamente ao toque da
serra a laser.
-
Quase lá.
Perfeito! Aqui já foi, falta só colocar as almofadas.
Eu já posso alcança-lo.
Ainda não, só um instante.
Já posso puxa-la. Quando você quiser...
Pronto. Agora!
149
Jed enfiou a mão na capsula de vidro derretido e pegou o relógio, o
apertou fortemente com a mão e o puxou para fora. Keenex rolou
pro lado exatamente na hora em que quatro grades de metal caiam
sob o totem. As almofadas evitaram que os contatos das barras com
o chão fizessem qualquer barulho.
-
Perfeito. Vamos sair daqui!
Jed se virou e se preparou pra correr em direção da janela à sua
direita com a serra a laser ligada em sua mão, mas antes que pudesse
começar a correr ele ouviu um “click”. Ele se virou pra saber o que
tinha acontecido e se viu na mira da pistola Tesk Faca 15050 de
Keenex.
-
Você é louca? O que você está fazendo? Você trouxe uma
arma? Eu disse nada de armas. Eu disse: NADA. DE. ARMAS.
-
Ei, silencio! Nada. De. Barulho. Não queremos disparar o
alarme reserva, queremos? Não há qualquer necessidade de
nos dois ficarmos presos aqui.
-
Keenex, o que você está fazendo? Nós temos que sair daqui
agora.
-
-
Oh, nós vamos sair daqui. Vamos sim! Mas nós fomos rápidos
demais, não fomos? Formamos uma boa dupla, mas veja só...
Ainda nos resta tempo antes de dos alarmes acionarem.
Não muito. O alarme pode disparar a qualquer momento.
150
-
Pois é, mas é ai que tá. Eu não vou sair daqui até você me dar
esse relógio.
-
O que? Você tá maluca? Eu não vou te dar coisa nenhuma. Só
eu pego no relógio, esse foi o combinado.
-
Você não está enxergando o obvio aqui. Sou eu que estou te
apontando uma arma. Eu não estou pedindo, Jedikiah, eu
estou te dizendo para me dar esse relógio agora.
-
Não! – grita Jed.
-
Então vá embora! Você não disse que pode. “Uma vez que eu
tive que o relógio nas mãos nos saímos de lá antes que o
soem o alarme” ? Cadê, me mostre o que o seu Doutor pode
fazer.
-
Eu não vou sair daqui sem você, Keenex.
-
Foi o que pensei. Você é um louco! Maluco! Tudo isso por um
relógio comum. Tudo isso por um simples objeto ordinário
assim como você. Eu não posso correr o risco de te deixar
sair com esse relógio e continuar com minha vida miserável.
Ele vale algo e eu quero trocar esse valor em liberdade, nem
que seja a ultima coisa que eu tente.
-
Keenex, eu juro. Assim que sairmos daqui eu posso dar um
jeito nisso, mas nós precisamos correr.
-
Do jeito que eu vejo, pequeno Kiah. Você só sai daqui se eu e
você corremos em direção aquela janela em... Deixe eu ver...
2 minutos? Então esse é todo tempo que temos, e a única
151
maneira de você me fazer correr em direção aquela janela
com você é se você me der esse maldito relógio. Me dê o
relógio, Jedikiah e nos dois sairemos daqui. Me dê o relógio!
-
E se eu me recusar?
-
Eu sou a única que ainda estou amarrada a cordas. Eu
consigo subir de volta até aquela janela no teto na mesma
velocidade em que descemos.
-
Então, Jed... O que vai ser. Saímos os dois daqui? Ou saio só
eu? Um minuto!
-
Eu não vou te dar o relógio, Keenex.
-
Então eu acho que vou ter que toma-lo de você. Seu tempo
acabou, Jedikiah!
Keenex pressionou o gatilho da arma apontada para Jed.
-
-
O que você vai fazer, sua maluca? Atirar e mim? – pergunta
Jed a garota.
Se eu tiver que atirar... Mas eu realmente não quero. Não
temos mais tempo. Me dê o relógio ou nós dois ficaremos
presos aqui.
NÃO! E me desculpe por isso.
Pelo o que?
Tonto... Agora!!
Senhor...
O que? Faça, Tonto. Use o pulso eletro magnéticos.
152
-
-
-
Me desculpe, Senhor, mas a garota não está usando o
dispositivo de comunicação.
Oh! Aquela coisinha ali? Issshh... Me desculpe, mas estava
incomodando meus ouvidos. – diz Keenex.
Ela quebrou, senhor? Um dos meus ouvidos... Ela quebrou?
Sim, Tonto. Está destruído!
Senhor... Use o relógio. Saia dai agora! A algo de errado com
o alarme reserva, ele já devia ter disparado. Eu não posso
escanear o local sem correr o risco de acionar todo o sistema
de segurança. Ela deve ter feito algo, Senhor. Saia dai. Saia
já!
Você não achou que eu ia aceitar um dos seus presentinhos
sem desconfiar dele, achou? Vamos, Jed, acabe logo com
isso, me dê o maldito relógio!
NÃÃÃÃÃO!!!!!
Um policial apareceu por trás dos dois em meio a imensidão escuras
dos corredores do museu. Ele sacou sua arma e apontou em direção
a Keenex.
-
Temos intrusos no salão de artes. Disparem o alarme!
Um alarme ensurdecedor disparou e imediatamente todas as janelas
e saídas do museu foram lacradas por portas de metal. Luzes forte se
acenderam.
-
Moça, jogue a sua arma no chão e a chute para cá. Faça isso
e ninguém sairá ferido.
Viu só o que você fez, seu maluco? Agora nós dois estamos
perdidos -reclama Keenex
153
-
Há mais dois policiais indo para o salão central do museu,
Senhor. Ambos armados.
Você disse que não haveria ninguém no museu, que todos
estariam em casa com suas famílias, Keenex.
Aparentemente nem todos são tão tontos quanto você.
Ela tá falando de mim, Senhor?
Largue sua arma, Keenex, eu ainda posso te ajudar! – diz Jed.
Sinto muito, Kiah. É tarde demais pra nós dois.
Moça, ponha sua arma no chão e a chute para cá. Faça isso
agora ou vou ter que agir.
Outros policiais vieram armados de outros corredores do museu.
-
Vocês estão cercados! Ponham as armas e o Relógio no chão
e se deitem com as mãos entrelaçadas na cabeça.
Agora seria um bom momento pra usar o half-watch de alta
precisão, Senhor, e sair dai enquanto há tempo.
Keenex, por favor. Largue a sua arma. Eu ainda posso te
ajudar. Ainda há tempo.
Me desculpe, Jed. Eu não queria... Eu não posso deixar que
eles me peguem...
Keenex lentamente se vira pro um dos policiais ainda com a arma
apontada para frente.
-
Keenex, não!
Eu sinto muito, Jed. Eu sinto muito. Eu estraguei seu natal!
Lágrimas borram a maquiagem do rosto de Keenex. Ela treme
compulsivamente.
154
-
Moça, abaixe sua arma AGORA ou eu serei obrigado a agir.
Feliz Natal, Tonto. Feliz Natal, Jedikiah.
Keenex pressiona o gatilho da arma apontada para o policial. O
policial não hesita e puxa o gatilho de sua arma de uma vez. A arma
dispara.
-
Keenex, NÃÃÃÃÃÃÃOOO!!
Jed sai correndo em direção a Keenex que lentamente abaixa sua
arma e se prepara para ser baleada. Jed a alcança antes da bala e a
aperta fortemente. Os dois somem sem deixar rastros no meio do
museu.
155
VII
Keenex e Jed reaparecem em uma rua deserta e pouco iluminada.
Ele segura seus joelhos e vomita. Ela está jogada no chão segurando
a barriga.
-
Keenex, você está bem? Você está bem?
A garota abre os olhos e se levanta assustada, observando o lugar ao
seu redor.
O que? O que aconteceu? Onde estamos? Estamos... Mortos?
-
O que deu em você, sua maluca? Nós tínhamos um plano! O
que foi que aconteceu com você?
Keenex ainda atordoada apalpa seu corpo a procura por algum
ferimento.
-
O que aconteceu? Eu estava em um museu... Eu estava
prestes a...
A se matar, sua idiota! O que deu em você?
E ai você... Você...
É! Você me fez usar isso aqui! Coisa que eu prometi que
nunca mais iria usar.
156
Jed mostra para Keenix o Half-Watch de alta precisão. Diferente do
que vira no museu, o relógio agora estava completamente
restaurado. Brilhava um dourado forte, como se tivesse acabado de
ser construído.
-
Você... Você me salvou? O relógio...
Os dois ficam calados por um tempo.
-
Ele funciona!
É! Funciona!
Ele realmente funciona! Onde... Onde estamos?
Ed Brum Street, Gloria! O relógio nos trouxe aqui, no mesmo
lugar em que nos conhecemos. Provavelmente no mesmo dia
em que nos conhecemos também!
-
Nop! Ainda é Natal, Senhor. Mesmo dia, mesma hora.
Obrigado, Tonto.
Está tudo bem, Senhor?
Sim, aparentemente sim. Pegamos o relógio e sobrevivemos.
Está tudo bem!
Como viemos parar aqui?
É isso que ele faz, o relógio. Ele pode viajar no espaço e no
tempo. Qualquer lugar, qualquer data. Você pode usar o seu
detector de mentiras se quiser. Eu não estou mentindo.
Eu... Eu não me sinto bem.
-
-
Keenex se desequilibra e se apoia em um hidrante. A garota abaixa a
cabeça e começa a vomitar. Jed vai até ela e segura seu cabelo.
157
-
-
É o relógio! Sua primeira viagem, é assim mesmo. Demora
até que você se acostume. Ele nunca faz qualquer viagem
segura, sabe? Ele perdeu a sua outra metade, nunca mais foi
o mesmo. Ele pode viajar com uma precisão esplendida, mas
nunca fará uma viagem segura, por que se sente
incompleto... Assim como eu. Foi por isso que você voltou,
não foi, Doutor? Você acha que nós nos completamos, é
isso? Como você se sentiu viajando outra vez comigo depois
de tanto tempo? Se sentiu completo? Você quer saber como
eu me senti? Eu me senti como um fracassado, como um
perdedor, como uma falha... Você não me completa! Nada
que você possa fazer vai me fazer completo outra vez. Eu te
odeio! Odeio por você ter voltado. Odeio por não poder te
ignorar...
O que você está dizendo?
Nada! Devaneio meu. Coisas do passado. Como você se
sente?
Culpada!
Keenex sentiu uma enorme dor no braço e se contorceu.
-
Ahhhr!! – geme Keenex.
O que foi? O que teve em seu braço?
Nada! Não foi nada. Acho que o desloquei ou algo assim. Já
estou me sentindo melhor. Me ajude a levantar.
Você tem certeza que não se feriu?
Sim, eu tenho! Você me salvou. Por que você fez isso? Por
que me salvou? Eu estava com uma arma apontada pra você.
É difícil entender as razões que movem os humanos. Eu não
podia te deixar morrer. Simplesmente não podia.
E agora? O que vai fazer comigo? Vai me entregar a policia?
158
-
-
-
Eu deveria, mas somos culpados do mesmo crime. Você tinha
um plano “B” em relação a mim, eu tinha um plano “B”
contra você.
Eu nunca atiraria em você, Jed. Eu estava desesperada! Você
podia ser um louco com toda essa historia de relógio
mágico... Eu vi uma oportunidade e decidi correr atrás dela.
Você vai me deixar livre? Digo, vai me deixar escapar? Você
fica com o relógio e eu volto a me esconder? Parece bom.
Parece justo!
Eu te fiz uma promessa, não fiz? Você me dava o que eu
queria e eu te dava o que você precisava?
Você não precisa... Sério, você já fez demais por mim e eu
trai sua confiança.
Ainda assim... Promessa é promessa. Só um instante.
Jed se afasta um pouco de Keenex e coloca a corrente do relógio em
seu pescoço. Ele segura o relógio firmemente em uma das mãos e o
aperta. Jed sorrir e desaparece em um estalo. E reaparecer um
segundo depois.
-
-
Pronto!
Pronto? Como assim? Suas roupas...
É... As viagens nunca são seguras, coisa acontecem no
caminho. Eu posso trocar se você quiser.
Não, eu gosto.
Tudo bem, então. Keenex, agora você é uma garota livre!
Todos os seus dados foram apagados do sistema da A.A.V.P e
da policia tradicional. Para eles, é como se você nunca tivesse
existido.
Espere... Como assim?
159
-
-
-
-
-
Eu viajei de voltar no tempo. Fui até os laboratórios da
A.A.V.P onde eles marcam seu agente, exatamente no dia
que você estava para ser marcada. Eu descobrir que as
marcas são também rastreadores. Uma precaução no caso de
desertores como você. Por isso os agentes da A.A.V.P
continuavam a te achar tão facilmente. Dai e viajei para o
futuro e roubei um vírus de sistema. Voltei pro dia em que
você foi marcada e implantei o vírus no seus rastreador.
Quando você desertou e fugiu, eles acionaram seu rastreador
e... “Puff”! Todos os seus dados e histórico foram apagados
dos arquivos de toda A.A.V.P..
Simples assim?
Simples assim! Ei... Seu cabelo!
O que tem meu cabelo? – pergunta Keenex.
Esta curto e... Colorido.
Sério?
Sim!
Eu sempre tive cabelo curto. Quando saí da A.A.V.P eu tive
que deixa-lo crescer pra não ser reconhecida facilmente pelo
sistema que eles dominam nas ruas.
Eu acho que em algum momento do passado você decidiu
corta-lo, então.
Mas toda essa coisa que aconteceu, não teria acontecido se
todo meu passado mudasse. Não é assim que funciona? Você
muda algo do passado e todo o seu futuro muda?
É o relógio outra vez... Nada que envolva sua participação
pode ser alterado. Sua presença é poderosa demais. Todo e
qualquer evento que tenha acontecido graças ao Doutor se
tornam um ponto fixo no tempo e não pode ser
transformado. Infelizmente!
Esse relógio é fantástico!
É... Ele é meio fantástico.
160
-
-
Então ele viaja no espaço e tempo? Tipo... Você pode voltar
no tempo e ir para qualquer lugar.
Qualquer dia, hora, lugar, planeta, galáxia...
Isso é real?
Sim! Desculpe se você não pode usar mais o seu detector de
mentiras, isso teve que ser desativado também. Então você
nunca vai saber se estou falando a verdade ou se é você que
está ficando louca.
Imagine quantos bancos, quantos museus nós podemos
roubar com esse relógio.
Pois é. Então... Isso nunca vai acontecer.
Oh, pequeno Kiah. Já aconteceu!
Os dois riem.
-
-
Obrigado, Jed, por ter salvado minha vida e por ter me dado
minha vida de volta. Ai...
O braço ainda?
É, mas não é nada. Só um inchaço, logo passa. Ai, meu deus!
O que foi?
Eu esqueci! Tonto, Tonto... Me desculpa, cara. Eu não queria
quebrar seu equipamento! Me desculpa, cara. Você é o
melhor técnico em TUDO que uma ladra pode ter! Sério, me
desculpa, por tudo.
Você quebrou um dos meus ouvidos. Eu nunca vou te
perdoar.
Ele disse que está tudo bem!
Então... Ele não é um...
Não é um robô! Não! Você já sabe demais. Tá bom por aqui.
Ok... Bom, acho que você vai querer isso de volta não é?
Keenex tira o colar do pescoço e o entrega para Jed.
161
-
Quer saber? Por que você não fica com ele por mais um
pouco? Fica bem em você.
Sério? Eu achei que tinha um valor especial pra você.
Agora ele tem mais ainda. E além disso, é natal! Feliz natal,
Keen.
Feliz Natal, Kiah!
Jed mais uma vez apertou o relógio com uma das mãos e sorriu. Jed
desapareceu na frente de Keenex mais uma vez. A garota, ainda um
pouco fraca e com a mão na barriga, se recompôs e começou a
andar. Antes que pudesse dar dois passos para frente, Jed
reapareceu atrás dela.
-
Pensando melhor... Lembra quando você me perguntou
sobre o natal, e por que eu o adorava tanto?
A garota só riu.
-
Eu tinha essa amiga e juntos, com a ajuda do Doutor aqui,
nós viajamos por todo espaço e tempo. E nós conhecemos
todos os tipos de natal, de todos os planetas, tempos e
lugares. É por isso que eu gosto tanto dessa data, por que eu
conheço todas as maneiras como elas são comemoradas e
em nenhum lugar que visitamos ela é triste. Em todos os
lugares que fomos o Natal é algo magico que reúne as
pessoas de todas as formas. Por isso sou encantado por ele.
Eu não posso prometer que o espirito natalino vá mudar sua
opinião completamente, mas a gente pode tentar, o que
acha? Uma coisa eu prometo com toda certeza...
162
-
O que?
Diversão!
Keenex colocou a mão no ombro inchado e sorriu.
-
Por que não?
Jed lhe estendeu a mão e ela a agarrou. Ele apertou o relógio
pendurado no peito e os dois sumiram, deixando a Ed Brum Street,
em Gloria, completamente vazia.
163
Jedkiah e
A Garota, o Porteiro e
o Doutor
por Ravi Aynore
164
VIII
A Maior Arvore do Mundo
Jed e Keenex apareceram em uma imensidão branca e gelada. Ele caiu
no chão e levou as mãos à cabeça como se sentisse uma forte dor. Ela
apareceu há alguns metros dele com a mão segurando seu ombro.
Keenex parecia enjoada, como se fosse vomitar.
-
-
Oh, você está bem? – perguntou Jed.
Estou! Estou... – respondeu Keenex
Você vai se acostumar. São as viagens. Elas causam isso no
comecinho, mas logo, logo você se acostuma com tudo isso e
os enjoos vão parar.
Onde estamos?
Ah, sim. Não é maravilhoso? Tonto... Você pode nos mostrar
exatamente onde estamos? Tonto...?
Ele não está respondendo? – perguntou Keenex
165
-
-
-
-
-
-
Não. Devemos estar muito fora do seu alcance.
Temporariamente falando. Acho que vamos ter que descobrir
sozinhos.
Como assim, Kiah? Você disse que iria me levar para conhecer
alguns dos natais mais incríveis. Achei que você sabia para
onde estava indo.
Isto aqui é um Half-Watch de alta precisão, Keenex. Tenha
calam! Ele, supostamente, deve nos levar exatamente para o
lugar onde queremos ir, mas pra isso nós precisamos estar
seguros de nosso destino, ou as coisas se misturarão no
caminho.
Está me dizendo que estamos perdidos, é isso? Você e seu
relógio mágico nos trouxe à um lugar gelado no meio do nada?
– perguntou Keenex indignado.
Não! Só estou dizendo que AINDA não sei exatamente onde
estamos, mas não estamos perdidos. Não se preocupe. Vem,
me deixe te ajudar a levantar.
Ai! O chão... Ele está escorregadio.
Você não notou? Isso não é chão, Keenex... É gelo.
Keenex olhou pra baixo e percebeu que suas mãos estavam molhadas
e geladas. A garota olhou ao seu redor e viu que toda aquela imensidão
branca era, na verdade, uma enorme camada de gelo que cobria a
superfície. Sentiu frio e medo.]
-
Eu já sei onde estamos! – exclamou Jed, animado.
Onde? É bom estar certo ou eu te mato, idiota.
Estamos na terra! 400 milhões de anos depois de onde
estávamos! E esse natal é simplesmente sensacional, nós
apenas chegamos cedo demais.
- Do que você tá falando? - Keenex parou pra pensar, até que
começou a entender o que o Jed estava falando - É claro que estamos
166
na terra! Provavelmente no polo norte ou algo assim!
Jed
-
-
Não, não! Isto aqui costumava se a Índia no seu tempo. E
depois Tespis, Nova Tespis, Area 38, FRIglova, uma porrada de
outros nomes impronunciáveis e agora é Novo Center, onde
os novos humanos comemoram as antigas culturas, inclusive
o natal.
Novos humanos? O que aconteceu com a terra e com os
velhos humanos?
Spoilers. Vem, eu quero te mostrar algo.
Ispoque?
Vem, segura minha mão. – disse Jed, impaciente - Nós
chegamos alguns anos mais cedo. Me deixa concertar isso.
Keenex estendeu sua mão para Jed e os dois saíram andando
lentamente pelo gelo escorregadio por mais ou menos uns 15 metros.
-
-
Se não faz tanto tempo assim, deve ser aqui. É bem aqui,
Keenex, que a primeira arvore natural nasceu depois de tudo
que aconteceu com a terra. E, adivinha só..
O que?
É um pinheiro!
Você está me dizendo que não há arvores no futuro da terra?
– disse Jed, empolgado.
Claro que existem arvores! Ainda estamos na Terra afinal. A
natureza tem suas maneiras de se reconstruir. E o que eu vou
te mostrar agora é a maior prova disso. Escute bem... A maior.
Aqui deve ser um ponto perfeito pra você entender o que
quero te mostrar. Me dê sua mão outra vez. Agora, mais uns
400 ou 500 anos no futuro e... pop!
167
Jed mais uma vez calibra alguma coisa no half-watch de alta precisão
e o aperta contra o peito enquanto segura a mão de Keenex. Em um
piscar de olhos tudo muda. Há uma imensa arvore toda enfeitada com
luzes de natal em frente aos dois e existem milhares de pessoas ao
redor dela, todas cantando, dançando e patinando no gelo.
-
Bem vinda a Ecoo, Keenex, sua nova Terra. O ano é 10552
A.G.I, é Natal e essa é a maior pista de patinação no gelo do
todo o universo. Divirta-se!
Keenex mais uma vez olhou ao redor e viu pessoas de todas as raças,
cores, sexos, tamanhos e idades. Todas unidas e patinando felizes.
Algumas delas cantavam, outras dançavam e outras simplesmente
patinavam de mãos dadas. Keenex olhou para o chão e se viu calçando
uma espécie de patins de gelo.
-
-
Wow! Patins de gelo... Legal! Então é assim que se comemora
o natal no futuro?
Em um dele? – perguntou Jed, curioso - Sim, sim!
Esse é um dos seus natais incríveis que você queria me
mostrar?
Sim, não é fantástico?!?!
É bacana!
Bacana? Keenex!?!?! Você não está impressionada?
É legal, mas é só uma arvore gigante no meio do nada e
pessoas patinando. Parece um shopping ou sei lá. Não é nada
demais.
Olhe por esse lado: Não é só uma arvore! O planeta foi
dizimado graças a uma guerra que vocês humanos
começaram. Nada sobreviveu! Os poucos que batalhavam no
espaço, quando a guerra acabou, não tinham casa pra voltar.
168
A terra estava inabitável e tinha voltado para uma nova e
perversa era glacial. Por gerações e gerações a raça humana
sobreviveu como pode no espaço. Uma equipe de busca
pousou aqui uma vez, sem qualquer esperança, procurando
qualquer coisa que pudessem trocar por mais suprimentos
para sobreviver mais um ano ou dois no espaço. Eles acharam
isso: Essa arvore! Ela também estava lutando por
sobrevivência e pela preservação da sua espécie. A equipe
cuidou dela e em retorno ela os deu sementes que foram
plantadas em outras localidades no planeta. Cada nova
semente possibilitava a vinda de uma nova equipe para a
terra. Décadas depois, eles tinham arvores o suficiente para
fazer com que a terra pudesse ser, outra vez, seu lar! Essa
arvore foi o que os deu esperança e força para continuar.
-
Então eles construíram todo um planeta a partir de uma única
arvore? – perguntou Keenex, surpresa.
Foi tudo que eles precisaram!
E o que o natal tem a ver com isso tudo?
Sério? Eu preciso mesmo contar? – Jed riu.
Nãoooooo... Não pode ser! O dia em que eles pousaram aqui?
O dia em que acharam a arvore!
Ela passou um tempo calada, mas logo depois sorriu.
-
-
Ai está! Esse é o espirito natalino. As pessoas as vezes o
esquecem e os suprimem, mas ele nunca morre. Ele sempre
está ai, esperando o momento certo para voltar e nos
proporcionar os melhores sorrisos.
Ok, você ganhou essa! Não há como resistir à uma pista de
patins de gelo e à uma enorme arvore de natal. Mas eu não
estou tão impressionada como achei que ficaria. Eu achei que
169
-
você e o seu relógio idiota me levariam para conhecer um
lugar onde as pessoas tem duas cabeças ou algo assim, mas...
Já que estamos aqui, nós vamos patinar ou o que? Cansei de
sua aula de história chata.
Você se acha boa patinadora?
A melhor!
Keenex correu em direção à gigante arvore de natal e antes que
pudesse chegar muito perto dela, deu um salto e rodopiou no ar. Caiu
em pé no gelo, como se tivesse praticado aquele salto durante anos.
Deslizou de costas e deu língua para Jed.
-
Exibida!
170
IX
Saracozy
Keenex e Jed estam sentados em um pedaço de ferro velho que mais
parece uma nave destruída. Eles comem algo que se assemelha à um
sorvete.
-
-
Isso é tão bom! Sério, o que é? – pergunta Keenex
Pinha!
O que? Como assim? Não pode ser! Se fosse pinha eu saberia.
Não é porque você pode viajar pro futuro que te dá o direito
de me fazer de tonta.
O que quer que eu diga? É pinha! São frutos do pinheiro.
Logico que sua composição biológica mudou bastante devido
a todas as mudanças no planeta, mas ainda assim é pinha. Não
tem gosto de pinha, mas é.
171
-
-
-
-
-
-
E eu achando que você tinha me comprado um sorvete de
gosto qualquer. – disse Keenex.
Não, não... Esse é o principal alimento dos humanos hoje em
dia. Essas pinhas são chamadas de Ish Friskish, e são geladas
assim por que são frutos desse pinheiro aqui. Cada arvore, de
cada região do planeta, dá um fruto diferente com
composições e gostos diferentes.
Está me dizendo que em outro lugar do planeta há uma arvore
igual a essa que dá frutos com consistência de gostos
diferentes?
Sim. Há milhares de pinheiros diferentes espalhados por
Ecoos. Ish Jimushish, minha favorita, são frutos dos pinheiros
que nascem onde antes era o Japão. Elas têm um gosto de
banana com amora.
Humm! Isso me deu uma fome por algo mais suculento.
Ninguém come peru nesse natal?
Não!
Quando eu achei que não podia ficar mais sem graça.
Pode parar! Não é possível que você seja assim tão difícil de
agradar.
Ah, é legal, mas não é como se isso me fosse fazer amar o natal
de uma vez por todas. Eles podiam ao menos fazer uma
refeição mais... Sei lá... Mastigável!
Os animais aqui não são comestíveis. Nenhum animal
terrestre conseguiu sobreviver, então todos os animais aqui
são clones ou alguma criatura alienígena que foi trazida do
espaço depois da guerra. Elas não são muito apetitosas.
Clones? – perguntou Keenex.
Yep! Esse é o futuro! Há clones de todas as coisas por toda
parte.
Ela gostava de vir aqui, Kiah? Sua amiga?
Jed ficou pensativo de uma hora pra outra e parou de sorrir.
172
-
Você falou de uma amiga com quem você viajava para ver os...
-
Ela que me ensinou a patinar. É engraçado... Ela nunca gostou
tanto de lugares frios, mas fazia questão de reviver esse dia
mais de uma vez só pra que eu pudesse ficar realmente bom
em patinar. Ela era espetacular! Patinava tão bem quanto
você. Ish Friskish era sua fruta favorita. A gente costumava vir
aqui e comer Ish Friskish até o fim da noite. Ela adorava ajudar
os mais velhos com o recolhimento das pinhas para os mais
novos. Daí ela sempre roubava uma ou dias pra comer depois.
Sabe o que é estranho? Quando costumávamos vir aqui, para
as incansáveis aulas de patins, de alguma maneira me parecia
ter muito mais gente patinando.
Tá brincado?! Este lugar está lotado! Devem ter um milhão de
pessoas aqui.
Pareciam bilhões. Eu não sei, eu posso estar enganado.
O que aconteceu com vocês, afinal? Vocês acabaram ou algo
assim?
-
Jed fitou o infinito.
-
-
Eu sei de um natal que vai acabar com essa sua fome por algo
suculento. Saracozy! 50 mil mesas de 20 quilômetros de
cumprimento cada, com todo tipo de comida que você possa
imaginar. E todas feitas pelo melhor chefe da galáxia inteira.
Chefe que, por um acaso, tem mais de uma cabeça.
Demorou! Terra do futuro ou do passado?
Quem falou alguma coisa sobre Terra?
Jed agarrou a garota pelo braço e pressionou o relógio. Os dois
sumiram deixando Nova Center e o enorme pinheiro de natal para
173
trás. Reapareceram em frente à uma enorme porta dourada e
reluzente. Keenex caiu por cima do seu braço ferido e soltou um grito
de dor. Jed reapareceu saltitando em um pé só tentando se equilibrar.
Quando recuperou o equilíbrio correu para a garota que estava caída
no chão mármore frio.
-
Keenex!! Keenex, você está bem? Médico!! Eu preciso de um
médico aqui! Ruqhs. Ruqhs! Heterofuqhs d e preterlomber!
Eu não... Eu estou bem! Não preciso de um médico!
O que é isso? Isso é sangue?
Não é nada, já falei! Eu estou bem! Foi só um arranhão.
Heterofuqhs d e preterlomber!!! – gritou Jed, apreensivo.
O que você está fazendo? Para de latir!
Eu não estou latindo, eu estou pedindo por um médico.
Eu não preciso de médicos, ok? Eu estou bem!
Você tem certeza, Keen?
Sim! Agora sai de cima de mim! Foi só um arranhão, eu mesmo
posso fazer um curativo, se precisar... Não se preocupe, eu sei
me virar sozinha.
As portas douradas e gigantes se abriram. De lá saíram dois seres azuis
e com a pele coberta de escamas. Eles foram correndo em direção à
Keenex e Jed. Um deles portava uma enorme arma dourada.
-
Hur dor fuqhs! Hur dor fuqhs portrosokofuqhsordomor! –
disse o Saracoziano.
Cufuqhs
dor
fuqhs.
Derloriantortonian.
Defuqhs
hewterofuqhs. – respondeu o Jed.
Um dos Saracozianos apontou a arma para o rosto de Jed e Keenex
estirou as mãos para alcançar a sua Tesk Faca que estava presa ao seu
174
sinto, na parte traseira de sua calça. Jed notou a garota se mover.
-
Não faça isso, Keenex. Está tudo sob
Deretomazokotor Kufuqhs derpreterlomber!
controle.
Keenex continuou a observar Jed conversar de maneira estranha com
os dois seres azuis a sua frente. Ela não sabia o que fazer, mas se
manteve preparada para agir caso precisasse. Um dos Saracozianos
apontou o dedo indicador azul para Jed e começou a fazer barulhos
estranho. Parecia estar sorrindo. O outro, que segurava a arma, a
abaixou e também começou a fazer barulhos estranho. Jed apontou
para Keenex e começou a rir. Ele fez sinal para ela levantar.
-
Keen, venha cá. Eu quero lhe apresentar uns amigos!
O que?
Venha, se levante! Foi tudo um grande mal intendido. Tor
fuqhs bar da tur d preterlohetor.
Keenex levantou desconfiada e andou lentamente até Jed. Um dos
Saracozianos deu um frasco que continha um liquido azul para Jed.
-
-
Keenex, eu quero que você conheça um grande amigo meu.
Esse é Príncipe Shaqhur, segundo na linha de sucessão ao
trono de Saracozy!
Preterlomber heterofuqh d fuqs, Motherfuqhs D o sour. –
disse Shaghur, sorrindo.
O que? – perguntou Keenex.
Tome, beba isso. Vai fazer com que você o compreenda
melhor e vai dar um jeito nesse seu arranhão ai. – disse Jed,
oferecendo o frasco a Keenex.
175
-
Eu não vou beber nada.
Confie em mim, garota. Beba! Vai te fazer bem!
Keenex pegou o frasco com o liquido azul de uma das mãos de Jed e o
tomou ainda desconfiada. Todos a observavam. Ela sentiu um forte
impacto do cérebro e sua visão ficou turva. Keenex sentiu tudo girar
ao seu redor e logo depois foi recuperando a visão, até enxergar tudo
claramente outra fez.
-
É forte, mas faz milagres! – disse Shaghut - Olhe só pra ela,
amigo Jed, se quer derramou uma lágrima.
Ela não é como qualquer garota, Shaq.
Isso eu posso ver.
Shaqhur lançou um olhar galanteador para Keenex. A garota ficou
assustada com o quão penetrante eram seus olhos verdes.
-
-
Pode ter certeza que não. – respondeu Keenex.
Ohhh! Bem melhor agora! – disse Shaghur, aliviado - Eu não
suporto aquele barulho que vocês humanos fazem ao tentar
se comunicar.
O que está acontecendo? Vocês estão de brincadeira comigo!
Por que não estávamos a mesma língua desde o princípio?
Calma, Keenex. Não se pode falar assim com um príncipe aqui
em Saracozy.
Eu não ligo pra quem ele é. Eles estavam apontando uma arma
para nós.
Medidas de segurança apenas, Madame Keenex. Eu não havia
reconhecido o pequeno Jedhikia aqui. Faz um tempo, hein?
Sim faz, Shaq.
176
-
-
-
-
Por que vocês não estão mais latindo? – perguntou Keenex,
olhando pros dois.
O liquido que você bebeu, Keenex, é um neurotradutor
universal! Agora você já pode entender qualquer língua de
qualquer tempo e de qualquer lugar no espaço.
Qualquer língua categorizada. – continuo explicando Shaghur
- Algumas ainda não foram catalogadas pelos Monges
Decapitados, Madame Keenex, mas assim que forem você
receberá uma notificação com a nova atualização do
neurotradutor a ser instalada. É também um ótimo catalizador
de células mortas para seres humanos como você. Seus
ferimentos irão cicatrizar 20 vezes mais rápido que o normal.
Obrigada... Eu acho!
De forma alguma. Ficamos felizes em ajudar e estamos aqui
para servi-la, Minha Rainha!
Shaqhur...
O que foi? – perguntou Keenex.
Não diga nada, Keenex. – respondeu jed - Ele acabou de te
pedir em casamento. Qualquer coisa que você fale pode ser
considerada como um sim ou um não. Cuidado... Saracozianos
são um pouco traiçoeiros.
Se o argumento certo for usado. – disse Shaghur.
Desista, Shaq, ela está comigo!
Você não pode culpar um Saracuziano por tentar. – disse
Shaghur, rindo.
Eu passo, Vossa Majestade!
Como quiser, Minha Rainha. Então, velho amigo... O que te
traz de volta aos portões de Saracozy?
Tá brincando? O banquete!
Chegou na hora certa, então... Sejam bem vindos ao Banquete
Real de Saracozy em Homenagem à Ruffus Al. 20 mil mesas de
mais de 20 quilômetros de cumprimento cada, com as
melhores comidas da galáxia. Sintam-se a vontade! E eu os
177
-
espero para sentar ao meu lado na hora do brinde real. Não
aceito não como resposta.
Não sentaríamos em outro lugar, Majestade.
Aproveitem a festa então. Esse ano nós temos Dinamite
Pangaláctica.
Dinamite quem? – perguntou Keenex, curiosa.
Dinamite Pangaláctica, Madame Keenex. A melhor bebida de
todo o universo.
E a mais forte. – completou Jed.
Ei, eu tenho que provar isso.
Eu acho melhor não. – disse Jed.
Não me diga o que fazer, Senhor Jed.
Tudo bem, Tudo bem... Mas depois não diga que não avisei.
Eu tenho outros convidados para entreter, velho amigo. Nos
vemos no brinde? – perguntou Shaghur.
Sim, Shaq.
Perfeito. Bom te ver outra vez, Jed. Madama Keenex. – disse
Shaghur, fazendo uma referência.
Bom te ver também, Shaqhur.
Príncipe Shaqhur e Jed se abraçaram e tomaram caminhos diferente.
Jed e Keenex adentraram o infinito salão através dos portões dourados
de Saracozy. A garota ficou maravilhada com tanta beleza. Tudo era
dourado e brilhante. Havia milhares de pessoas bem vestidas e de
todas as cores e formas passeando pelo salão ou sentadas à uma das
20 mil longas mesas, comendo alguma coisa igualmente estranha.
-
Acho que começamos bem. – disse Keenex, animada.
Você ainda não viu nada.
Então é assim que é um outro planeta?
Sim. Te impressiona?
178
-
Não muito. Já foi à São Paulo? Parece um sábado à noite na
Avenida Paulista!
Um monstruoso alienígena com tentáculos no lugar dos lábios
apareceu de surpresa e colocou um copo na frente de Keenex.
-
-
-
Aqui está sua dinamite Pangaláctica, Mdma Keenex. – disse o
garçom.
O que?
Só pegue sua bebida, Keenex. – disse Jed - Os garçons aqui
podem ser um pouco inconvenientes.
Eu não entendi! Quem pediu essa bebida? Você acha que o
seu amigo pediu para mim?
Não, não. Você mesmo pediu. – explicou Jed - Os garçons aqui
são Oods, uma raça de alienígena selecionada para servir os
outros. Eles são excelentes telepatas e usam essa habilidade
para facilitar o serviço, assim nenhum convidado sai daqui
insatisfeito ou reclamando. Você não precisa pedir ou se
levantar para se servir de qualquer coisa, basta desejar que já
aparece um Odd com o que você desejou antes mesmo que
você possa decidir se quer mesmo ou não comer ou beber
aquilo.
Sua batida de Ish Jimushish, Senhor. – disse o garçom,
oferecendo outro copo a Jed.
Ah, muito obrigado, Garçom.
As suas ordens, Senhor Jedkiah.
Eu não sei o que é, mas está perto de Oods me deixa
extremamente desconfortável. – disse Keenex quando o
garçom saiu. - Bebida mais forte do universo, han?
Sim. Eu não aconselharia...
Eu vou ficar muito bêbada?
Bêbada? Não! Você vai ficar dolorida.
179
-
Não pode ser tão ruim assim.
Keenex virou de vez a bebida em seu copo e não sente nada. Segundo
depois é acometida por uma imensa dor no cérebro.
-
Meu deus, faça parar! É como se tivessem martelando meu
cérebro com uma bigorna. E por que eu sinto gosto de ouro?
Odeio dizer, mas... Eu te avisei.
***
Jed e Keenex estão sentados ao lado do príncipe Shaqhur na mesa
principal do salão. Todos comem, menos Keenex que parece um pouco
emburrada.
-
-
-
Melhor comida do universo e eu não posso se quer comer
direito por causa daquela bebida idiota. – disse Keenex,
emburrada.
Eu te...
Se você disser que me avisou mais uma vez, eu juro que vou
enfiar essa costela de porco nos seus olhos.
Isso não é um porco, Madame Keenex, isso são formigas
vulcânicas. – explicou Shaghur - Extraídas dos vulcões ativos
de Panasimoto!
Que seja, Vossa Alteza.
Aqui, prove isso. – ofereceu Jed - Isso deve amenizar a dor e
abrir seu apetite.
O que é isso? Aqui eu não como mais nada sem antes saber o
que é.
São anéis de saturno. Coma, tem gosto de bacon!
180
Keenex comeu um e fez cara de quem havia descoberto a melhor
comida de todo o banquete.
-
-
-
-
Essa é a melhor coisa que já comi na vida.
Eu fico feliz que você tenha gostado, Minha Rainha. Gostaria
de mais? – perguntou o príncipe.
Não responda isso! Shaqhur...
O que foi? – perguntou Keenex - Ele está fazendo outra vez,
não está? Me pedindo em casamento?
Sim.
Como é que vou saber? Você devia ser mais objetivo, cara.
Toda vez que ele te chamar de “Minha Rainha”, ele está
literalmente pedindo pra que você seja a rainha dele. –
explicou Jed - Qualquer resposta positiva que saia da sua boca
pode, e será, considerada como “Sim” para o casamento, que
deverá ser efetuado imediatamente após a resposta.
Isso é sério? – perguntou Keenex, olhando pro príncipe
assustada.
Eu receio que sim, Minha Rainha.
Não! Mas... Você é príncipe e tudo mais. Você tem dinheiro,
saúde e deve ser bonitão, eu acho... Eu realmente não sei. Por
que perder tempo comigo? Digo, você pode ter a mulher que
quiser.
Uma esposa humana iria cair bem a minha coleção. –
respondeu Shaghur, prontamente.
Ele não é solteiro, caso seja isso que você está pensando,
Keenex. Os Saracozianos não são bígamos como a maioria dos
humanos. Na verdade, Príncipe Shaqhur tem mais de 600
esposas.
700! Mais de 700! – retrucou Shaghur.
181
-
-
-
-
Viu? Os Saracozianos colecionam esposas para impressionar o
rei. O príncipe que tiver mais esposa tem mais chances de se
tornar o sucessor.
Uma esposa humana iria me ajudar a sair do segundo lugar,
Minha Rainha.
Primeiro: Não! Segundo: Você é um tarado! Mais de 700
esposas e ainda dando encima de mim? É muita falta do que
fazer! Vá arrumar tempo para satisfazer todas as suas esposas.
– respondeu Keenex, indignada.
Oh, todas elas estão bastante satisfeitas, Madame Keenex.
Outra característica dos Saracozianos que você não vai querer
saber enquanto come, Keen. – disse Jed.
Eu escolho confiar em você dessa vez.
Aqui estão sua outra porção de anéis de saturno, Mdma
Keenex. – disse o garçom, colocando um prato cheio na mesa.
Obrigado, Alfredo.
As suas ordens.
Alfredo? – perguntou Jed, curioso.
Que? Ele quase não sai da minha cola... Eu resolvi dar nome a
ele!
Seja minha rainha e eu te deixo encarregada de nomear todos
os meus Oods, Minha Rainha. – disse o príncipe rapidamente.
Posso pensar, Shaq?
Mas é claro, Madame Ke...
Não! Que coisa... Cara chato.
Keenex continuou comendo seus anéis de saturno e provando milhões
de outras coisas que o Alfredo Ood a trazia, enquanto todos assistiam
uma apresentação de dança alienígena com criaturas amareladas, com
peles que pareciam borrachas e que possuíam 2 cabeças e 14 braços.
182
-
HURRULL! Eu não sei como vocês fazem isso sem pernas,
Amarelinhos, mas vocês são demais!
-
Vejo que você voltou a viajar, amigo? – perguntou Shaghur Fico feliz de vê-lo se aventurando outra vez.
Só alguns natais, Shaq. Só para mostrar algumas coisas para
Keenex. – respondeu Jed, pensativo.
Vejo que você seguiu em frente.
Do que você está falando?
Eu soube do que aconteceu na Terra. Eu sinto muito! Madame
Júlia era muito querida pelo povo Saracoziano.
Eu também, Shaq... Mas não vamos falar sobre isso.
Eu só quero que saiba que estaremos aqui sempre o que
precisar. Você pode ficar o tempo que quiser. A Agencia do
Tempo não tem jurisdição em Saracozy.
Eles não me preocupam mais. Eu achei um bom lugar para
viver uma vida tranquila, sem muito com o que se preocupar.
Eu soube, eu soube... Ouvi dizer que você tinha se livrado
desta coisa velha.
O Doutor? – perguntou Jed.
Ainda o chama assim?
Força do habito! Eu me livrei dele, mas ele deu seu jeito e
entrou outra vez em minha vida. Se eu pudesse ao menos
destruí-lo...
Não seja tolo, meu amigo. Essa talvez seja a última peça
sobrevivente de uma antiga civilização importante. É algo para
se contemplar e não destruir. Se você quiser, eu posso dar
uma olhada pra você, ver se está tudo correto nos sistemas do
Doutor. Aqui em Saracozy nós temos tecnologia avançada,
Jedkiah, podemos descobrir muitas coisas sobre esse artefato
único. Podemos concerta-lo e você poderá viajar para o seu
passado mais antigo, descobrir coisas...
-
-
-
183
-
-
-
O passado está no passado, Shaqhur... E quem você está
querendo enganar? Não é de agora que você tenta me
persuadir a deixar o half-watch em suas mãos. Eu sei o que
você quer fazer com ele e eu te garanto, eu nunca vou deixar
que isso aconteça.
Assim você me ofende, velho amigo. Meu interesse no relógio
é pura curiosidade.
Amigos, amigos... Manipuladores de espaço e tempo à parte.
Kosvos Grodor! – bravou Shaghur
Kosvos Grodor! – respondeu Jed.
Arranque fora uma de suas cabeças. Pra que ele precisa de
duas, afinal?
Keenex estava agora entretida com um duelo entre um gigante peludo
que fazia muitos ruídos e um extravagante alien de duas cabeças com
aparência humanoide que, curiosamente, parecia usar um
espremedor de laranja em uma de suas cabeças.
-
-
Está curtindo esse natal, Keen? – perguntou Jed.
Oi? Melhor! Natal! Ever! Olha só isso? Tem um cabeludo
lutando com um babaca sorridente com duas cabeças! Duas
cabeças... Era disso que eu estava falando! Essas coisas
alienígenas são simplesmente demais. E você ainda ganha seu
próprio alien! ALFREDO!! ME TRAGA MAIS MINE STARSHIPS E
DESSA VEZ COM MAIS ASSAS DE MARISOPA, POR FAVOR.
Eu sabia que você iria gostar.
Mas nem se anime. Você me trouxe pra um banquete
divertido, ok? Mas não há nada de natal aqui. Não há como
184
-
você me convencer que isso aqui é como toda aquela
baboseira brega que fazem lá na terra.
Você não entendeu ainda? Olhe ao seu redor... Todo o
universo pode estar aqui, comendo, rindo, duelando... Mas
eles estão fazendo isso juntos. Você, eu, Shaqhur ceando
como iguais. Esse é o espirito natalino, é isso que ele faz.
Keenex olhou ao redor e vê milhões de seres diferentes em
comunhão. Ao seu lado está Alfredo Ood segurando algo que parece
rosquinhas recheadas com assas de algum inseto gigante.
-
Aproximar as pessoas. Eu entendo, eu entendo... Só não é pra
mim, ok? Eu não sou esse tipo de sentimental. Eu só estou aqui
pela comida e pela diversão.
Keenex pega a cesta de comida da mão de Alfredo e o dá as costas.
Quando ela percebe que Jed não está mais olhando, ela se vira outra
vez pra Alfredo e coloca uma das mãos em seu ombro.
-
Ei, nada pessoal, ok? Você parece um cara legal e tal...
Obrigado, Alfredo Ood. Feliz Natal!
O Ood apenas pisca os olhos e acena positivamente com a cabeça.
Shaqhur levanta-se e um mecanismo dourado o suspende no ar. Ele
flutua até o meio do salão principal.
-
E agora, com a atenção todos, eu gostaria de fazer um brinde!
O Príncipe Shaqhur falou alto e sua voz ecoou por todo o salão para
185
que todos pudessem ouvir. Todos pararam de comer e sentaram-se
em silencio.
-
O que está acontecendo? – perguntou Keenex.
Toda a noite durante o Natal de Saracozy, um príncipe é
responsável por um brinde. A lenda diz que se um príncipe,
que conhece todos os problemas do seu reino, se mostra
positivo em seu brinde, esta positividade irá ecoar durante
todo ano nos corações de seus súditos e de todos que aqui
estão. Hoje é a vez do Príncipe Shaqhur fazer um brinde.
-
Hoje é um dia muito feliz e especial na minha existência e na
existência de todo Saracoziano. – começou Shaghur - Fazem
7 líberos...
Sete anos! – disse Jed, imitando o tom pomposo do príncipe.
... Que Saracozy saiu do mapa dos planetas em guerra contra
os Celestiais Vahalla Ponderis. E é com orgulho que no sétimo
ano consecutivo, sem que houvesse nenhuma interrupção
intraestelar, eu, Príncipe Shaqhur Vakour Maldovar Badar
Derpreterlomber, segundo na sucessão do trono de Saracozy,
Filho de Valmir Zoqhur e suas 9.352 esposas, ofereço para
vocês o símbolo de nossa esperança, nosso deus maior, nossa
força superior e nosso brilho, a Marmota Ruffus All.
-
Todos no salão batem palmas e gritam enquanto uma caixa dourada
desce do teto do salão central até a mesa principal no centro do
palácio. A caixa dourada se abre e lá há uma enorme marmota
dourada. O salão inteiro vai a baixo com as vibrações dos presentes.
186
-
Uma marmota? – pergunta Keenex.
Sim. – responde Jed.
Os dois tentam segurar o riso.
-
Nós temos Papai Noel, eles têm Ruffus Al, a marmota marota.
Você só pode estar brincando.
Não mesmo. A marmota é como se fosse um Deus por aqui.
-
Ruffus Al está em sua milésima sétima jornada. – continua o
príncipe - E começará mais uma nesse momento. Ela
percorrerá as galáxias e cosmos nos trazendo paz, alegria, e
acima de tudo, esperança! Ruffus Al retornará e nós,
Saracozianos, teremos a certeza de que nosso planeta, nosso
quadrante, nossa existência estará segura e completa por
mais um clico.
100 Anos. – diz Jed, imitando novamente a voz do príncipe.
Tá, tá. Cale a boca! – diz Keenex, rindo.
-
-
-
Ruffus então fará o maior sacrifício de todos para manter
nossa paz e plenitude.
Que? - pergunta Keenex, olhando intrigada para Jed.
A marmota percorre a galáxia inteira sem se quer parar. É
como um cometa. Dez anos depois ela retorna, esgotada. O rei
a recebe e a mata para que ela possa enfim descansar em paz.
Se a fé do povo for verdadeiramente forte, uma nova
marmota surgirá e quando estiver adulta, fará o mesmo ritual
que a outra antes dela.
Mas isso é crueldade!
187
-
-
Não, isso é fé! A marmota pertence ao povo, ela se sacrifica
para que seu povo possa viver com mais paz e prosperidade.
Ela não é obrigada a ir, ela escolhe ir. A escolha é dela!
Ruffus Al. Nós o saldamos e esperamos o vosso retorno. –
brava finalmente o príncipe.
A caixa é suspensa e a marmota sai voando em uma velocidade
absurda, deixando para trás apenas um rastro dourado.
-
-
-
-
É lindo! – exclama Keenex.
É? Lá na terra... Quantas vezes se viu uma estrala cadente, um
cometa, qualquer coisa que saia riscando o céu em uma
incrível velocidade.
Se as pessoas soubessem que aqueles cometa e estrelas
cadentes pudessem ser o Ruffus Al...
Ele, então, não teria que se sacrificar a cada dez anos para
provocar a fé do seu povo.
Triste! Queria poder fazer alguma coisa.
Você pode! Toda vez que olhar pro céu e ver um raio de luz
riscando a noite escura, lembre-se dela. Lembre-se da
Marmota marota.
Ruffus Al. – diz Keenex.
Acreditar no absurdo é a única coisa que torna o absurdo
possível.
Meus companheiros... – saúda Shaghur - Hoje nós tivemos o
menor número de mesas desde que o banquete em
homenagem ao Ruffus Al foi criado. Eu confesso: Minha fé foi
abalada, mas a prova de que não devemos temer, não
devemos negar a nossa fé... A prova de que toda crença é mais
forte que os fatos... Bateu na porta deste palácio esta noite.
Meu amigo, Jedkiah, que eu acreditei que nunca mais veria
188
nessa ou em outra vida, entrou nesse palácio me trazendo luz
e enchendo meu coração de esperança. É essa esperança que
vos passo. Enquanto houver um de nós acreditando, haverá
paz! Enquanto houver um de nós acreditando, haverá
prosperidade. Não haverá fome! Não haverá desespero! Não
haverá escuridão. Enquanto um de nós ainda estive
acreditando, sempre haverá luz! Kosvos Grodor!!!!
Todos no banquete também gritaram Kosvos Grodor junto com o seu
príncipe. Jed e Keenex também o fizeram.
-
Bem, acho que é melhor irmos? – diz Jed.
O que? Você não disse que esse banquete rola por uma
semana inteira ou algo assim?
Mais de um mês em tempo terrestre. – responde Jed.
Então... Acho que não seria de todo mal se a gente ficasse mais
um pouco e assistisse mais ou dois duelos.
Se você prefere...
Principe Shaqhur desceu de sua plataforma dourada e se juntou a Ked
e Keenex.
-
E então, minha rainha, o que achou do brinde à Ruffus Al? –
pergunta o príncipe, olhando para Keenex.
Foi fantástico!
Keenex não!!! – grita Jed.
Fez-se silencio durante eternos dois segundos, até que Keenex
percebesse o que acabara de fazer.
189
-
Soem as cornetas!! O seu príncipe realizará mais um
casamento.
- O que acabou de acontecer? Eu acabei de casar com um cara
azul? É isso mesmo?
- Eu temo que sim! – responde Jed.
- Você deve aprender, Jovem Jed. – diz Shaghur - Você tem que
vence-las pelo cansaço.
- Jed... Ah... faça alguma coisa. – pede Keenex, entrando em
pânico.
- Eu não posso. Eu realmente não posso. Ele te pediu em
casamento e você disse que achou a ideia fantástica. Não há
nada que eu possa fazer.
- Me tire daqui agora! – exclama a garota.
- Me desculpe, Keenex. Eu não posso!
- Jed, você está maluco? Eu não posso ficar aqui e me casar com
um alienígena. Eu não estou pronta pra isso ainda. Jed... Se
você não me tirar daqui eu juro que...
- Observem, Senhores. Sua nova princesa de Saracozy! – diz
Shaghur, apontando para Keenex.
- Eu juro, Jed... Eu juro que... Eu juro que dou mais uma nova
chance pro natal. Eu acredito em fadas se você quiser, mas me
tire daqui.
- Você fala sério? – pergunta Jed, ficando animado.
- Sim, sim. Apenas me tire daqui.
- Você dará mais uma chance para o natal? Prometa! Você tem
que prometer.
- Preparem as caldeiras. No banquete de hoje haverá
casamentos em homenagem a marmota! – disse o príncipe
animado.
Caldeira? Sim,sim, Jed! Tudo que você quiser. Eu prometo!
Apenas me tire daqui.
Jed esticou a mão para Keenex que correu para seus braços
190
rapidamente e o abraçou.
-
Desculpe, Shaq, mas eu tenho que ir nessa. Tchau! Não é
pessoal... Eu juro!
E desapareceu antes que Shaqhur pudesse falar qualquer coisa.
-
Maldito seja, Jedkiah!! Segunda esposa que você me rouba.
Isso já está virando um habito irritante.
X
Além
Jed reaparece quicando em um dos seus pés como sempre faz quando
chega de uma viagem. Keenex reaparece logo depois escorregando
com os dois pés, e usa seus braços abertos para se equilibrar melhor.
-
-
Nossa! Isso foi fantástico!
Keenex! Você está ok?
É claro que estou! Você não está vendo? Eu estou ficando
realmente muito boa nisso.
Mas seu braço... Ele está sangrando outra vez.
Que? Isso? Não... Isso é só uma mancha de antes. O liquido
que o Shaq me deu realmente cicatrizou meu arranhão em
dois tempos. Melhor marido!
Ótimo! Bom saber.
E então? Onde estamos?
Cidade do Natal!
191
-
Terra outra vez?
Não, não! Outro planeta completamente diferente. Esse lugar
foi construído somente para comemorar o natal. É como um
parque temático que só abre em dezembro, mas o melhor
disso tudo é que: Todo o planeta é feito de presentes!
Keenex olhou ao redor, como já estava acostumada a fazer nessas
loucas viagens com Jed, e sorriu. A cidade era extremamente colorida
e tudo nela lembrava embrulhos de presentes.
-
Jed...
O que?
Uma cidade feita de papel de presente? Sério? Isso é o melhor
que você pode fazer?
Como assim? Eu achei que você ia amar esse lugar.
Enquanto conversa, Jed pega alguns embrulhos de presentes no chão,
nas janelas das casas, nas paredes inteiras feitas de presentes e os
sacode perto do ouvido.
-
Tudo isso aqui são presentes. Torradeira, não! E é tudo de
graça. Huumm, Guarda-Chuva? Não! Você pode pegar o que
quiser e quantos quiser... Aaaaah, sim! Isso sim!
Jed abriu um dos embrulhos e de lá retirou um longo casaco preto e
vestiu.
-
O que achou? Eu costumava a ter um igualzinho a uns anos
atrás. – diz Jed, alisando o casaco.
192
-
-
Ficou bem em você, Jed, mas eu não quero uma
cidade/parque de diversões feita de presentes... Eu quero algo
mais... Sei lá... Incrível!
O que pode ser mais incrível do que passar a noite abrindo
infinitos embrulhos de presentes? Essa é uma das partes mais
legal de todo natal! O mais divertido é tentar adivinhar o que
tem nas caixas. Toma, essa é pra você.
Jed joga um embrulho de presente para Keenex.
-
Não abra ainda, tente adivinhar o que é primeiro. Você nunca
vai conseguir.
Eu não tenho paciência! – disse Keenex, sacudindo o pacote.
Você não é divertida!
A garota rasga o embrulho com pressa.
-
Luvas?
Para sua motocicleta!
Mas eu não tenho uma motocicleta!
Ao menos agora você tem a motivação certa para comprar
uma. Tome, tente esse.
Jed joga outro embrulho em direção a garota. Ela pega o pacote e se
ajoelha como se estivesse fraca. Mas se levanta rapidamente e rasga
o embrulho sem calma, como da outra vez.
-
Keenex?
Você devia ter dito que esse era mais pesado.
Desculpa. Foi mal!
193
-
-
Um colete! Você está me dando um novo guarda-roupas, é
isso? Se bem que... Ei, isso ficou muito bem em mim! – diz
Keenex, impressionada.
Eu sábia! Eu sempre fui o melhor em adivinhar o que há dentro
dos embrulhos. A Júlia errava todas! Ela nunca conseguia dizer
se...
Jed se cala de repente. Keenex percebe o quão distraído e feliz ele
estava até mencionar o nome da garota.
-
-
-
-
Ah, se ao menos eu pudesse achar alguma coisa sônica. Você
iria adorar uma ter uma chave de fenda sônica!
Pra que diabos eu iria querer uma chave de fenda, Kiah?
Você não faz ideia do que elas podem fazer. Hummm... Talvez
uma caneta sônica, ou um anel...
Jed, para! Já chega de presentes. Eu quero ir a outro lugar. –
excalam Keenex.
Que outro lugar?
Eu não sei. Algo diferente, algo novo... Pensa bem; Nós já
fomos ao futuro da terra onde havia uma enorme arvore de
natal. Ok, legal! Bacana! Depois nós fomos até Saracozy e eu
me casei com um príncipe azul. Massa! De boas.
E daí nós fomos pro natal espacial na Vegas espacial e
dançamos com um Sinatra espacial, que na verdade era um
polvo um tanto quanto atrevido.
E teve o natal no Reino Submarino de Termoplata onde eu
descobri que os golfinhos são as criaturas mais arrogantes e
pretenciosas de toda a galáxia.
Não esqueça do Balão Natal em Vênus! – exclama Jed.
Como poderia esquecer? Queda livre de um planeta a outro
foi a coisa mais incrível que já fiz na minha vida.
194
-
-
-
-
-
E agora, Cidade do Natal! Um planeta parque onde tudo é feito
de...
Tá, tá... Eu já entendi. Tudo é feito de presente de natal! E é
legal! Eu não estou dizendo que não gostei. Eu só estou
dizendo que essa devia ser nossa última parada, e que antes a
gente podia conhecer algum lugar juntos, algum lugar novo,
onde você nunca tenha ido.
O que você tem em mente? – pergunta jed, olhando Keenex.
Eu não sei. Eu não conheço o espaço como você. Algum lugar
fora de tudo que você conheça, algo além.
Bom... Talvez a gente pudesse...
O que? – continua a garota - Talvez a gente pudesse o que?
Existe uma lenda sobre um lugar onde todas as lendas nascem.
Estou ouvindo...
É bobagem, mas a lenda diz que esse lugar não se encontra em
nenhum lugar no tempo ou no espaço. Não à passado ou
futuro, não é perto e nem longe. É um lugar que está fora de
todos os outros lugares que existem. Dizem que é nesse
planeta misterioso que todas as lendas e historias começam.
Eles o chamam de Northenpoule.
Polo Norte? Você está de onda comigo, Jedkiah. – pergunta
Keenex.
Eu não disse Polo Norte, você que entendeu Polo Norte. O
lugar é tão secreto que cada pessoa do universo o enxerga de
um jeito diferente. Eu disse um nome, você entendeu outro
completamente diferente.
E como se chega em um lugar que não se sabe onde ou quando
fica?
Nós não precisamos de coordenadas para viajar, precisamos?
O Doutor pode nos deixar exatamente onde queremos ficar,
basta termos certeza para onde queremos ir.
E vai dar certo?
Eu realmente não sei. Nunca, sequer, tentei.
195
-
-
-
Vamos nessa. Vamos tentar! – diz Keenex, já se animando.
Agora?
É claro! Polo Norte, Jed! Ou qualquer outro nome que seja.
Mas eu realmente queria achar alguma coisa sônica para nós.
Você iria adorar e eu podia ajudar o Tonto. Fora isso, eu
sempre quis ter um anel sônico!
Na volta eu te ajudo a procurar. E eu vou achar esse tal anel
“sonic” que você tanto deseja, nem que eu tenha que rasgar
todos os embrulhos da cidade inteira.
Vai dar muito trabalho. Eu já te falei que todo esse planeta é
feito de...
Jed!
Ok. Ok. Northenpoule, então. Venha, fique em posição.
Keenex abraçou Jed por trás e encostou sua cabeça nas costas do
rapaz. Ela apertou os olhos e os braços como se esperasse receber
algum forte impacto. Eles descobriram em viagens anteriores que essa
era a posição mais agradável de viajar.
-
-
Veja... Se isso der errado nós poderemos fazer a mais
desagradável das viagens, e podemos nos separar, parando
em lugares diferente do tempo e espaço, mas não se
preocupe, eu te acharei. Por garantia tente não me soltar
durante a viagem e se acontece de a gente se separar, procure
algum lugar seguro pra ficar e espere por mim. Ok?
Ok!
Você tem certeza que quer fazer isso?
Sim! – respondeu Keenex animada.
No 3 então... Um, dois, três... - Keenex e Jed gritaram juntos ALABAMAAAA!!!!
196
XI
Segundo Adeus
Jed reapareceu no ar e em alta velocidade sendo arremessado em
direção a um chão branco de neve. Ele levantou-se e olhou para os
lados. Não conseguia ver Keenex. O half-watch de alta pressão estava
brilhando e a corrente no pescoço do rapaz começou a queima-lo. Ele
rapidamente a tirou e a jogou no chão.
-
Mas o que...? Keenex! KEENEX!
Aqui!
Ah... Você quase me matou de susto.
Eu já estou aqui faz alguns minutos. Cai não muito longe daqui.
Como...
Eu acho que chegamos em tempos diferentes, mas não tão
diferentes como você antecipou.
Acho que demos sorte.
197
-
O que aconteceu com o relógio?
A garota viu o relógio derreter a neve e se afundar nela. O relógio
apagou seu brilho e Jed o pegou na mão.
-
-
Eu não sei. Ele estava me queimando eu o joguei no chão. Ele
parece meio... Quebrado! – disse Jed, olhando o relógio.
Quebrado? Se o relógio está quebrado, como vamos sair
daqui?
Eu não sei, mas nós vamos dar um jeito. Ele não pode estar
quebrado. Ele nunca quebra! Ele deve estar apenas esgotado,
talvez tenhamos feito uma viagem longa demais. Vamos dar
um tempo. Talvez ele volte a funcionar normalmente em
alguns minutos.
Ok! - disse Keenex finalmente - E então, é aqui? Chegamos no
Polo Norte?
Eu não sei. O que você vê?
Como assim: “O que você vê”? O mesmo que você! Arvores e
neve. Muita neve! Mesmo não estando frio aqui. Estranho...
Certo! É exatamente só o que vejo também!
O que você esperava? – perguntou Keenex, sem entender o
que Jed queria dizer.
Se estamos mesmo e Northenpoule deveríamos estar vendo
coisas diferentes, não é? Eu acho!
Certo, certo... Então não estamos no Polo Norte? O relógio nos
trouxe a outro lugar.
Eu realmente não sei onde estamos.
Veja, um coelho!
Keenex... Não!
A garota não deu ouvidos a Jed e saiu correndo em direção ao coelho
que enterrava alguma coisa na neve embaixo de uma arvore.
198
-
-
-
Não toque nele! – gritou Jed.
Por que não? É só um coelho!
Isso não é um coelho, Keenex.
É claro que é um coelho! Olhe só pra ele. Eu conheço um
coelho quando vejo um.
Você está mesmo vendo um coelho nessa coisa ai?
Sim. Você não? Olha só pra ele. Não é fofo? É um coelho muito
fofo. Olhe o tamanho dessas orelhas, cara.
Então talvez nós estejamos mesmo em Northenpoule. Isso
não é um coelho, Keenex. Isso é um espirito! Aparentemente
um dos bons.
Espirito? – indagou Keenex.
Sim!
Como um fantasma, espirito? Esse coelho é uma assombração
pra você? É o que, são a orelhas, seu problema?
Que? Não, não... Não a forma humana para espíritos! –
explicou Jed - Esses espíritos são seres espaciais de uma raça
muito, realmente muito antiga. É pura tecnologia cósmica.
Muitos acreditam que os espíritos tenham sido extintos há
bilhões de milhões de anos, mas você achou um. Pelo que
dizem, os espíritos podem tomar qualquer forma,
dependendo de qual for a sua necessidade.
E esse aqui é um coelho?
Eu não vejo coelho. Eu vejo apenas um globo de luz branca.
Aparentemente a forma natural dos espíritos.
Sério? Que chato ser você.
O coelho pula da mão de Keenex de volta para a neve branca do chão.
Ele a olha intensamente e se curva, como se estivesse a
cumprimentando. Depois sai correndo para dentro da floresta escura.
199
-
Você viu isso? – disse Keenex, curiosa - Ele meio que me fez
uma reverência.
Eu não entendo muito sobre esses seres, mas me parece que
ele gostou de você.
Um clarão tomou os céus e tudo se iluminou com uma luz dourada.
-
O que é isso? Parece fogo!
Mais espíritos! – gritou Jed - Tome cuidado!
Keenex olhou pro céu e viu que o clarão vinha de milhões de velas que
flutuavam no céu.
-
Keenex, o que você vê?
Velas! Todos os tipos de vela queimando em uma chama
dourada. Você?
Mais globos de luz.
O que eles querem? – perguntou Keenex, assustada.
Acho que nos guiar, mas eu não tenho certeza. Nos guiar pra
onde? Vem, vamos. Vamos seguir as luzes e ver no que dar.
Ok.
Os dois começam a andar acompanhando a luz das velas que
brilhavam no céu. A floresta parecia mais escura e branca, mas as luzes
formavam uma pequena estrada no céu, fácil de ser guiada. Após cinco
ou sete minutos de caminhada Keenex se sente fraca e cambaleia.
Alguns passos depois a garota ficou zonza e desmaiou, caindo
rapidamente na neve fofa.
-
Keenex!
200
Jed vai até a garota e a tira da neve, virando sua cabeça para cima e
deixando-a mirando as luzes no céu. Ela parece muito pálida e seus
lábios estão um pouco roxos. Jed nota que há sangue ainda saindo do
ferimento em seu ombro. A garota também feriu um pouco a cabeça.
-
Keenex, você está bem? O seu arranhão no ombro... Ele não
cicatrizou! Como pode?
Me desculpe, Kiah. Eu só queria que você tivesse um natal
bacana, só isso. Era meu presente pra você.
Do que você está falando? – perguntou Jed, sem entender o
que a garota queria dizer.
...
Keenex descobre seu ombro do colete que Jed à dera. Ela revela um
corte aparentemente profundo que não para de derramar sangue.
-
-
-
-
-
No museu... Quando você me salvou de ser baleada... Você
pulou em mim, eu não estava preparada... Eu me cortei. Eu me
cortei, Jed. Desculpe, eu realmente não queria.
Do que você está falando? – disse Jed, apreensivo - Por que
você não me disse nada? A gente poderia ter ido em algum
hospital, sei lá. Algum lugar para parar o sangramento.
É uma Tesk Faca 15050... Este corte nunca parará de sangrar.
Uma vez que vi que tinha me cortado, eu já sabia o meu
destino.
Você é maluca? Você poderia ter me dito. Nós tínhamos todo
tempo e espaço para achar alguma maneira de te salvar, sua
idiota. Você não percebe o que você fez?
Eu sei o que fiz, Kiah. – disse Keenex, tentando tranquiliza-lo Eu sei tudo o que nós dois fizemos juntos. Eu não me
201
-
-
-
arrependo! Eu sabia que isso iria acontecer uma hora ou outra,
mas eu esperava viajar mais um pouco, conhecer outros
lugares... Mas acho que essa última viagem piorou um pouco
as coisas. Está acontecendo rápido demais!
Não! Não se atreva! Eu não vou deixar que um erro faça com
que isso se acabe aqui. Vem, vamos! Você ainda consegue
andar? Deve haver algo que ainda possamos fazer.
Quando seu amigo príncipe, meu marido, me deu o liquido
azul e disse que ia me curar, eu acreditei por um tempo que
eu tinha uma chance, mas no meio do jantar meu ombro
começou a sangrar outra vez. Seria tão fim de festa se
fossemos buscar ajuda no lugar de fazer o que fizemos.
Mas Keenex... Nós fizemos tanta coisa...
Sim, nós fizemos!
Nós pulamos de bunggejump para ajudar GobaTrolls a
construírem seu alto de Natal!
Melhores carinhas!
E fomos nadando até Termoplata porque perdemos o
submarino.
Eu odiei cada segundo disso ai.
Como você é idiota, garota! Você DEVIA ter me dito. Era o
mínimo que podia fazer.
E conhecer todos os hospitais do espaço e tempo? Eu acho que
não! Aposto que todos eles se parecem.
É, meio que sim, mas não é disso que estou falando.
Aqui, Jed. Me ajuda a sentar.
Jed ajuda Keenex a sentar e a encosta confortável no tronco de uma
arvore. A garota está mesmo muito debilitada. É como se todo o
sangue que perdera na jornada só fosse fazer efeito agora.
202
-
-
Isso não está acontecendo! Isso não pode estar acontecendo
comigo outra vez! – diz Jed, começando a ficar assustado.
É a Júlia, não é?
Que?
Eu ouvi você e o Shaqhur conversando. Ele disse que sentia
muito pelo que tinha acontecido. E você a mencionou na
Cidade do Natal também.
...
Olha, se você não quiser falar sobre isso, tudo be...
Sim. Júlia era o nome dela! – diz Jed, cedendo.
É um nome bonito.
Era uma garota bonita.
Era?
Ela morreu... Ela morreu em um acidente de carro lá na terra.
Ela... Ela foi atropelada. Você nunca para para pensar o quanto
essas coisas são banais. Atropelamento... Ela era minha
amiga! Nem a conhecia direito, na verdade. Trabalhava em
uma loja de doces que eu adorava frequentar. Ela fazia esses
biscoitos em forma de boneco de neve e os enfeitava com
jujubas. Uma vez ou outra eu aparecia para ajudar ela a cortar
a jujubas em pedacinhos pequenos para que ela pudesse fazer
os olhos, o nariz e a boca dos bonecos de neve. Eu sempre
ganhava o biscoito que dava errado. As vezes as jujubas elas
ficavam grandes demais ou a forma do biscoito deformava...
Jed embargou a voz e não conseguiu conter o choro.
-
Eu sinto muito, Jed. Eu não queria... Você não precisa...
Não! Tudo bem! Eu preciso sim. Já faz um tempo agora e... Eu
preciso disso! Ela gostava de teatro! Nesse dia ela tirou a noite
de folga para assistir o ballet. Ela estava tão feliz, sorridente...
“ - Ballet é quando alguém esquece o corpo de vez e dança
203
-
com a alma.” Era o que ela costumava dizer. Ela estava
atravessando uma rua qualquer, sem qualquer movimento e...
Eu fui o único que a acompanhou até o hospital. Ela estava
desacordada todo o tempo. Na sala de espera, os médicos me
disseram que não havia nada a ser feito, que ela já tinha
partido antes mesmo de chegarmos ao hospital. Eu nem a
conhecia tanto assim... Eu só ajudava com as jujubas. Eu fiz
uma escolha! Eu tive que faze-la, mesmo sendo a escolha
errada. Eu peguei o relógio e voltei no tempo. Pouco antes do
acidente. Eu chamei a atenção dela antes dela atravessar a rua
e disse que a acompanharia no ballet. Ela olhou e sorriu pra
mim justamente na hora em que o carro passava. Eu não
poderia fazer isso, sabe? Sua mort... Aquele acidente era um
ponto fixo no tempo. Ele tinha que acontecer. Nós fomos ao
Ballet e ela adorou o espetáculo. Eu disse que a poderia levar
para todas as apresentações de ballet do mundo, do tempo,
do espaço e a assim o fiz. Levei ela pra assistir O Quebra Nozes
em Stockholm, o último espetáculo da terra antes da G.I.
G.I?
Grande Invasão! Ela ficou completamente maravilhada! Quis
assistir muito mais espetáculos de teatro e depois nós
conhecemos os halloweens, as primaveras e enfim os natais
de todos os lugares que poderíamos pensar. Viajamos por
muito, muito tempo juntos e nos amamos. Ela me via como o
mais bonito dos seres humanos e eu a via com a humana mais
bonita de todos os universos.
Jed fez uma pausa e levou o Half-Watch de alta precisão, que
carregava na mão fechada desde que o tirou do pescoço, ao peito.
-
Um dia ela quis voltar. Disse que estava com saudades da
família, dos amigos, das jujubas... Eu não tive escolha a não ser
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-
-
explicar pra ela o que fiz, e o que aconteceria se ela voltasse.
Ela... Ela não entendeu. Ela não entendeu! Me perguntou
quem eu pensava que era. “ - Você se acha Deus? É você quem
decide quem vive e quem morre?”. Ela disse que eu não
poderia ter feito aquilo, que eu não poderia salva-la. Que foi
errado o que fiz. Ela me chamou de “ - Desumano!”. Então ela
pegou o relógio e o apertou contra meu peito, assim.. Me disse
para leva-la de volta. “ - Se você realmente me ama...”, ela
disse. “ - Me leve de volta e não se atreva a interferir no meu
destino! Prometa!”. Eu prometi! Eu a levei de volta e eu a vi
sorrir pela última vez, e ser atropelada pelo mesmo carro, no
mesmo lugar. Eu a vi morrer pela segunda vez. Eu me vi vendo
ela morrer pela primeira vez. Depois desse dia eu decidi que
nunca mais iria viajar, que nunca mais iria usar esse estupido
relógio para nada! Então eu o joguei no mar, onde ninguém
jamais o iria achar. Onde ele não pudesse fazer mal a mais
ninguém! Mas olhe só pra mim. Olhe só onde estamos... Eu fiz
outra vez, Keenex. Eu sou responsável por mais uma mor...
Não foi sua culpa, Jed. – disse Keenex rapidamente - Não da
primeira vez, nem dessa. Nós já estávamos mortas quando
você nos acolheu e nos mostrou um outro lado do mundo, da
vida. Eu poderia ter morrido nas ruas de Glória sem qualquer
história , o universo, pra contar, mas você me trouxe aqui. Eu
vivi 200 vidas antes que pudesse morrer uma. Eu tenho
certeza que a Júlia pensava da mesma maneira. E foi por isso
aceitou se entregar no final, para honrar as coisas que já havia
vivido com você. Você não vê, Jed? Você não é responsável
pela nossa morte e sim pela vida extra, extraordinária vida
extra, que tivemos.
MAS EU DEVERIA TER FEITO ALGUMA COISA. A CULPA É
MINHA QUE EU NÃO FIZ NADA!! SE AO MENOS ESSA COISA
ESTUPIDA FUNCIONASSE!!
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-
Mas não funciona, não é mesmo? Séria ofensivo se
funcionasse! Ao final das contas é política do lugar que esse
tipo de tecnologia não tenha sua participação por aqui.
Uma voz ecoou através das luzes de velas que iluminavam uma parte
especifica da floresta.
-
-
-
O que... O que é isso?
Outro espirito!!
Oh, isso é um pouco rude, não é? Outro espirito... Como se eu
não tivesse uma presença diferenciada.
O que você, Keenex? – pergunta Jed.
É difícil dizer. Parece um fantasma. Não tem pernas e flutua.
Ele se move muito rápido. Um velho, magrela, com uma barba
branca e fina... Uma cartola? Sim, uma cartola! E o resto é
fumaça verde.
Viu? Bem melhor! E você, jovem, o que vê?
Eu vejo você como é. Um globo de luz branca!
Huuu... O que aconteceu com você? Por que tão pouca
imaginação? Ah, que tolo eu sou. Sequer me apresentei. Eu
sou... Eu sou... Huumm... Eu ainda não tenho um nome. Eu
preciso de um nome. Você! Não, você não. Lhe falta
imaginação. Você, garota! Do que posso ser chamado.
Não responda, Keenex. Nós não sabemos o que ele quer.
Ah, não seja desagradável. O que há com você? Vamos garota,
o primeiro nome que vier em sua cabeça.
Voz?! – responde Keenex.
Keenex... Não!
Que? – pergunta Keenex, sem entender.
Voz?! Pufff! E eu achando que havia um pouco de imaginação
em você. Pois bem, Senhora e Senhor... Eu sou Vox! Eu mudei
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-
um pouco para dar um tom mais dramático. Você não se
incomoda, não é mesmo?
Não! – grita Keenex.
Muito bem! E vocês são...? João e Maria quem?
Pessoas de passagem. – responde Jed - Não pretendemos ficar
muito.
É claro que não! Ninguém fica por muito tempo na terra dos
contos e sonhos. Mas isso eu já sabia, o que eu ainda não sei
são seus nomes.
Eu me chamo Keenex.
Keenex, pare de falar com ele!
Não é como se eu tivesse muito a perder, não é?
Oh... Pequena Keenex, o que aconteceu com você? Você
parece tão diferente.
Você a conhece? – pergunta Jed.
Claro! Eu a todos conheço.
Vox aponta um dos seus braços finos, onde segurava uma bengala
velha, para uma arvore de tronco largo próximo aos três. Imagens
aparecem projetadas no tronco cascudo da arvore, como se houvesse
ali uma televisão ou algo parecido. Nas imagens uma pequena garota
brincando com carros e motos de brinquedo.
-
-
Espera... Aquela sou eu! Aquela sou eu quando criança! – diz
Keenex, apontando pra imagem projetada - Como você fez
isso?
Ora, pequena Keenex. Daqui eu tudo vejo. Olhe só pra você
brincando com seus brinquedos de natal! Oh, que garotinha
linda e complicada você sempre foi. Sua mãe não fazia ideia,
mas um de nós escolheu seu nome. Keenex é como chamamos
os espíritos que tomam forma de Fênix por aqui. É algo tão
bonito, uma fênix. Você devia ver, de perto, o nascimento de
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-
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uma fênix, é algo fantástico... Ou seria a morte? Eu nunca
consigo dizer se ela está começando ou terminando. Bom, é
bonito do mesmo jeito!
Você deveria estar fazendo algum sentido? Porque eu não
estou entendendo absolutamente nada do que você está
falando.
Oh, mil perdões! Minha intenção não é confundi-la, mas veja
só.
Vox aponta para a arvore outra vez.
-
-
-
-
Pequena Keenex brincando, pequena Keenex brincando no ano
seguinte e mais pequena Fênix.. Posso te chamar de Fênix? Eu
acho tão mais pomposo.
Eu prefiro que me chame de...
Perfeito. Olhe lá. O que você vê?
Nada! – grita Keenex.
Humm. Nada? Estranho, não é? O que aconteceu com a
pequena Fênix? Onde está a pequena Fênix que não está mais
brincando com os seus carrinhos e joguinhos debaixo da arvore
de natal?
Talvez ela tenha crescido.
E perdido a fé, a esperança... Ou talvez ela tenha SE perdido.
Ou morrido! – diz Keenex, com mais força.
Oh, não! Ainda não! Você vê... Nenhuma luz se apagou ainda.
As luzes... Eu entendo agora. – diz Jed, compreendendo - Elas
não são espíritos, elas são pessoas! Seres que ainda acreditam,
pessoas que ainda tem fé. E você... Você não é um espirito
qualquer. Você é o porteiro!
Oh, Oh. Calma lá. Você perdeu a chance de me nomear. Não
comece a me distrair com outros nomes agora. E também não
comece a falar, que eu ainda não cheguei na sua vez, pirralho!
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-
Mas se você é mesmo o Porteiro, você pode nos ajudar. Você
pode salva-la!
Shhhhhh!!!
Jed sentiu um arrepio gelado pelo seu corpo, um embrulho no
estomago e não conseguiu mais falar.
-
-
Voltando, Madame Keenex. O que aconteceu com você?
Eu não sei! – responde Keenex, irritada - Você está falando do
natal? Eu não sei, eu não lembro.
Oh, não, não... Nós já passamos por isso. Eu quero saber o que
aconteceu com você. Por que tanto sangue, Fênix?
Eu me cortei! Eu me cortei feio com algo que não deveria estar
comigo, ok? Eu sinto muito, Jed. Você disse: sem armas!
Oh, eu vejo... Por que uma garotinha como você estaria
carregando um artefato alienígena tão perigoso? O que
aconteceu com os carrinhos e motinhas?
Alienígena? Não! – responde Keenex - Eu a roubei da A.A.V.P.
na terra!
Ah... Alienígena sim, pequena Fênix! Ao menos pra você. Este
artefato é tão alienígena quanto eu, quanto seu amigo aqui ou
quanto qualquer outra coisa nesse lugar. A única coisa
humana que há aqui é você e algumas das suas roupas
estupidas. Urg! Não a nada pior que um humano em roupas
estupidas.
Enquanto fala, Vox usa a bengala para pegar a Tesk Faca nas costas de
Keenex e manuseá-la.
-
Eu acho que vou ficar com isso. Posso considerar um presente
de Natal? Sim! Oh, pra mim? Não precisava!
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E fazendo um gesto com a mão e a Tesk Faca sumiu no ar.
-
-
-
-
Melhor assim. Agora estamos todos realmente seguros, não é?
Perfeito! Mas agora vamos a você, garotinho. Qual o seu
nome? Você já pode falar!
Porteiro, nós precisamos de ajuda! – começa Jed - Você não
vê que essa garota está morrendo? Nós precisamos leva-la a
um hospital urgentemente. Nos deixe entrar! Se isso aqui é
mesmo Northenpoule, você tem que nos deixar entrar.
Ho. Ho, ho, ho, ho!! NorthernPoule? De onde você tirar essas
coisas, hein garoto? Faz tempo que não escuto essa! Ho, ho
ho! Northernpoule! Seu. Nome?
Você só pode estar brincando. Você quer ser responsável pela
morte dessa garota? Você não vê que ela...
Ver? COMO EU POSSO VER SE SOU APENAS UM GLOBO DE
LUZ? EU. QUERO. SABER. SEU. NOME!
Vox, pela primeira vez, pareceu agressivo e ameaçador. Keenex
começou a sentir um frio intenso e abraçou seus próprios braços.
-
MEU NOME É JEDKIAH E, POR FAVOR, NÓS PRECISAMOS
AJUDA-LA!
Hum... Jedkiah... Mas esse sequer é o seu verdadeiro nome! Eu
te julguei mal, viajante. Eu achava que não tinhas imaginação,
mas vejo que a usou bastante na hora de escolher seu nome.
Huuu!! Quantas aventuras, Jedkiah! Quanta intensidade! Essa
culpa, essa raiva, esse amor... Tudo nessa intensidade pode
fazer qualquer homem ficar louco. Uau! Que vida linda você
teve, Jed. Veja você mesmo!
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Vox aponta para outra arvore, mas nenhuma imagem é projetada nela.
A arvore continua lá, parada, sem nada a mostrar.
-
-
Oh, você estava esperando muito por isso, não é? É uma pena
que todo seu tempo esteja bloqueado. Eu não posso te mostrar
nada além do que você lembra com detalhes. Fascinante! Um
passado tão sombrio, uma culpa... E você, inocente, sem saber
de onde ela vem.
Do que ele está falando, Jed? – pergunta Keenex, sem
entender.
Huu... Ela não sabe? A companheira não sabe? A outra
garotinha com quem você viaja... Ela sabia, não sabia?
Não! – excalama Jed - Ela não sabia de nada.
Do que ele está falando?
A questão é, Pequeno Jedkiah: Você sabe?
Não! Eu não sei.
Há um silencio. Vox flutua em frente a Jed, enquanto Keenex o encara.
-
Jed... – começa Keenex, apreensiva.
EU NÃO SEI! EU NÃO SEI, EU NUNCA SOUBE EU NUNCA
SABEREI! Eu não sei de onde venho. Eu não lembro de nada
sobre o meu passado, sobre minha família, ou sobre minha
infância. Eu não sei de nada que aconteceu comigo há 10 anos
atrás. Eu não sei quem sou! Eu tive que me dar um nome,
porque eu não fazia ideia de como me chamava! A primeira e
única coisa que lembro, é que acordei em uma praia,
segurando o half-watch em minhas mãos e sabendo o que ele
fazia e do que era capaz. E só! Eu não sei nada sobre mim. Não
nome, não idade, não de onde veio ou o que aconteceu
comigo em toda a minha vida. E esse espirito idiota está
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-
-
dizendo que sabe e que não pode me mostrar. VOCÊ SABE O
QUANTO EU PROCUREI POR ISSO? QUANTO DA MINHA VIDA
EU DEDIQUEI PARA ACHAR UMA RESPOSTA AO QUE
ACONTECEU COMIGO...
Eu sei. Eu consigo ver. Muito sofrimento, muita decepção e
solidão na vida do pequeno Jedkiah. Completamente perdido
e vagando atrás de algo que não faz ideia de como começar a
procurar.
Por que nunca usou o relógio para procurar respostas? –
pergunta Keenex.
Eu não posso interagir com meu passado mais antigo.
Acredite, eu tentei!
Pobre, Jedkiah. Um relógio e uma vida pela metade!
Por que você não nos mata logo? – questiona Jed, irritado Você se diverte com essa tortura?
Tortura, Jedkiah? Eu sequer comecei! Você me chama de
porteiro e me pede para entrara, mas você não notou que não
há portas aqui, e que você já estra dentro. A todo segundo me
aparece um ser igual a você por aqui; Vazio, achando que
encontrou sua terra prometida e que poderá realizar seus mais
profundos sonhos. Todos eles vêm e vão querendo coisas que
não podemos dar. E quando saem daqui sem o que vieram
buscar eles nos esquecem. Você sabe o que acontece com um
espirito sempre que é esquecido, Jedkiah? Eu vou te mostrar!
Vox bate sua bengala no chão e milhões de velas que iluminavam o
céu se apagam. Algumas arvores acedem projeções de imagens,
outras simplesmente desaparecem. Alguns pequenos espíritos em
forma de bichos assustados aparecem por trás das arvores que
restaram e mais de 80% da neve simplesmente sumiu.
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-
Lindo, não é? É isso que nos resta, Jedkiah! Essa é a verdadeira
tortura... Mas talvez não pra você. Me perdoe se toquei em
suas maiores feridas, mas eu precisava saber se vocês são
mesmo dignos de estarem aqui e de receberem o que vieram
buscar. Nós não podemos nos dar o luxo de deixar que vocês
saiam daqui sem antes fazer com que vocês continuem
acreditando. Nós não podemos mais correr o risco de sermos
esquecidos, mas a qualidade de pessoas que sempre aparecem
por aqui... Ho, ho, ho... O esquecimento às vezes parece menos
pior.
Alguns espíritos em forma de coelho e outros bichos menores se
amontoaram ao lado de Keenex.
-
Ela já está quase lá, garoto... E olhe pra mim... Eu não posso
fazer nada por ela porque ela não acredita que eu possa. Não
há imagens em sua arvore, não há mais luz em sua vela. Eu
não posso fazer nada! VOCÊ ACHA QUE EU ME DIVIRTO
VENDO UMA ALMA MORRER? NÃO! EU NÃO ME DIVERTIDO!!
E isso é tudo culpa de VOCÊS!!! Nós vivíamos aqui muito antes
de vocês. Os universos, as realidades, todo o tempo era nosso!
Vocês apareceram e começaram a fazer o que fazem de
melhor: corromper! Corroer! Destruir! Vocês corrompem tudo
até que eles se quebrem. Até que não reste mais brilho, mais
mágica, mais esperança. Vocês corrompem a fé com suas
atitudes parasitas e egoístas. Vocês só desejam por mais. Mais
pra vocês e não para todos. Vocês querem o fim da guerra,
mas consideram tudo que fazem uma batalha. Por isso
tivemos que nos esconder. Eles falaram que fomos extintos...
Eles não entenderam que nós só queríamos mostrar que a vida
seria bem menos interessante sem os espíritos por perto. Eles
não sentiram nossa falta, eles assinaram nosso atestado de
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extinção. E olhe só para nós... Ainda estamos aqui, Jedkiah!
Eles disseram que nós fomos extintos e aos poucos
esqueceram da gente. Eles sequer procuraram por nós. Esse
lugar era maior do que todo o cosmos, maior que o tempo em
si. Agora é do tamanho de qualquer planetinha construído por
vocês. Nós costumávamos ter o sol, depois só neve, e agora
nem isso. AQUELA, JEDKIAH, COSTUMAVA SER A MAIOR LUZ
DO UNIVERSO.
Vox mais uma vez bate sua bengala no chão e, um pouco longe dali,
aparece um pequeno globo de luz com quatro finos raios coloridos.
Jed olha ao seu redor e vê Keenex desacordada e com espíritos
deitados em seu colo. Olha pra algumas arvores e vê imagens de Rio
do Lírios completamente sem luzes de natal ou crianças brincando nas
ruas. Ele vê Sr. Alfredo jogado no chão, provavelmente morto. Em
outras arvores está Shaqhur jantando sozinho em uma única e enorme
mesa dourada, e não há presente na Cidade do Natal. A Marmota
Marota tenta voar e não consegue. Ele olha para sua frente e vê um
rosto cadavérico, com barba branca e fina, e uma cartola que toda vez
que balança deixam um rastro de luz verde.
-
AHHHHHH! – grita Jed.
Sim. Terrível!
Eu vejo! Eu vejo!
Esta foi a intenção de te mostrar, seu tolo.
Não! Você! Eu vejo você! Velho. Ranzinza. Cartola. Bengala
vermelha na mão! Eu vejo você, Voz! Eu vejo você!!!
Você me vê, Jedkiah? Como você me vê? Você está mentindo!
Não, não! A coisa toda. A cara de mal, os braços finos, os
dentes faltando. Eu até consigo sentir seu hálito!
Você consegue...??
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-
Sim, sim! É incrível! Você é incrível! Você... é coisa mais incrível
que já vi!
Algumas arvores brotaram e alguns espíritos que antes eram animais
pequenos agora se tornaram cavalos e alces. Vox fez uma cara de
surpresa.
-
-
-
-
Oh... Depois de todo esse tempo, ainda consigo ser
surpreendido. Você vê o que a garota viu? A mesma imagem.
A mesma forma! Jedkiah, eu posso te dar sua memória de
voltar. Considere um presente de natal! Você é coisa real,
você... Você me fez sentir outra vez. Isso não é comum, isso
não é possível. Eu, porteiro que sou, te permiti entrar, mas
agora, Jedkiah. Agora...Você pode ficar. Eu te darei as suas
memórias de volta como presente de natal. Faze sentido! Mas
eu tenho que receber algo em troca. Você se provou digno de
um presente, mas as regras dizem que tem que ser uma troca.
Eu te darei acesso a todas as suas memoria mais antigas, mas
você terá que abrir mão do seu relógio. Se você aceitar a
troca...
Feito! Feito, feito, feito, feito! Eu não quero mais essa coisa.
Você pode ficar com o Doutor e eu fico com minha memória
de volta!
Perfeitamente!
Enquanto a Keenex? Você pode cura-la? Digo... Como
presente de Natal? Ela te deu a faca, certo? Ela quer a vida
dela de volta, sem corte, sem sangue. Ela vai ficar bem! Você
pode cura-la!
Oh. Oh, oh, oh... Vamos devagar, Jovem. Eu receio que seja
tarde demais para a pequena Fênix, Jedkiah.
Mas você pegou a faca dela. É a troca de presentes! É a lei, é
a regra, não é?
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-
-
-
Sim, é, mas... O artefato alienígena nunca foi dela para dar.
Além do mais ela deixou de acreditar, Jovem Jedkiah. Ela nos
via, mas apenas como uma fantasia. Para ela, não fazia
diferença de éramos reais ou não. Ela aceitou a morte e a
abraçou.
Mas enquanto a mim? Eu ainda ganho meu presente, certo?
Eu te dou o relógio e ainda ganho o que eu pedir.
Sim, Pequeno Jedkiah. Você poderá acessar suas memorias
sobre qualquer passado seu a hora que você quiser.
Não! Eu quero ela! Eu quero ela de volta! Eu te dou o relógio
e você traz ela de volta. Esse é o acordo.
O que?
O relógio pela Keenex! Esse é o acordo!
Opa... Jedkiah, suas memorias jamais serão restauradas. Você
nunca saberá o que te aconteceu no passado. Nunca
conhecerá sua origem! Pense bem no que você está desejando.
Você mesmo disse, não foi? A gente sempre pede demais para
a gente e nunca pede demais para os outro! Então, eu não
ligo! Dane-se o meu passado, Vox! Eu quero ela! Eu quero
minha amiga de volta, aqui, comigo! Tome! Pegue o relógio e
a traga de volta agora. Eu não quero outro presente de Natal
a não ser Keenex aqui comigo.
Vox encara Jed com uma seriedade intensa. Tomou o relógio da sua
mão e o botou no bolso. Bateu a bengala no chão.
-
Feito!
Os espíritos ao lado de Keenex, que estava deitada no chão, quase sem
vida, brilharam tão forte que pareciam que iam explodir. Jed correu na
direção da garota, mas o clarão foi tão intenso que ele teve que parar
de correr para proteger os olhos. Quando o clarão passou, Jed pode
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ver Keneex em pé, com as mãos no bolso e sorrindo. Ele correu na
direção da garota e a abraçou.
-
-
-
Ahhhhh! Graças a Deus você está bem!
Pelo que eu ouvi... É graças a você. – diz Keenex, sorrindo.
Não seja boba. Isso não importa. O que importa é que você
está bem, não está? Inteira.
Inteirinha!
Prometa! Prometa que está bem e que não está mentindo!
Kiah, calma! Eu estou bem, ok? Eu prometo! Você não devia
ter sacrificado suas memorias por mim. Deve ser a quarta vez
que você me salva ou algo assim.. Mas eu agradeço, Jed. Muito
obrigado por me salvar... De novo! E então estávamos mesmo
no Polo Norte?
Sim! Polo Norte... Ho, ho, ho. Vocês inventam cada nome. Eu
peço desculpas pela maneira como os tratei mais cedo. Nem
tudo neste plano está ao meu alcance, mas... Sejam bem
vindos à ------, Terra dos espíritos, dos sonhos, dos contos e das
lendas. Eu sou O Porteiro e essa é uma terra sem portas. Vocês
já estavam dentro desde que puseram os pés nesse lugar.
Espere... Aquele ali é o Papai Noel? – pergunta Keenex, sem
entender.
Que? Não... Aquilo ali é só um globo de... Puta que o pariu! É
o Papai Noel!!!
O pequeno globo de luz havia se transformado em Papai Noel perante
aos olhos de Jed.
-
Eu não acredito no que vejo. Vox, o que significa isso?
O que? Eu não vejo nada. Tudo que vejo é só um globo de luz!
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Vox deu um pequeno sorriso e desapareceu e reapareceu do lado de
Papai Noel, que estava a poucos metros de distância de Jed e Keenex.
Os dois correram em direção ao bom velhinho. Vinte segundos depois
os dois já estavam ao lado dele, mas a luz do lugar estava muito fraca.
Papai Noel estava cadavérico e Vox aparentava estar bastante triste e
preocupado.
-
-
Por que vocês demoraram tanto? Quase não chegam a tempo.
Como assim? – pergunta Jed.
Anos se passaram. Décadas pra ser mais exato!
Não é possível. – diz Keenex, sem acreditar no que estava
ouvindo- Não levou nem dez segundos!
O tempo passa de forma diferente por aqui, garota Fênix. Os
15 segundos que vocês levaram para chegar até aqui, duraram
eternidades para nós. Eu sinto muito, é tarde demais!
O que está acontecendo?
Ele está morrendo! Tudo está morrendo! Olhe para a floresta.
– diz Jed, apontando.
Não está mais lá. Nem as velas, nem os espíritos.
É isso então? Ninguém mais acredita? Acabou?
Poucos ainda acreditam, mas não é o suficiente manter a
chama acesa.
Papai Noel virou o globo de luz outra vez, alguns fios de raios coloridos
dançavam dentro dele. Sua luz está bem mais fraca. Os raios coloridos
às vezes perdem a conexão entre eles mesmos e se quebram.
-
O que aconteceu? – pergunta Keenex.
Não há mais força para a mágica. As coisas voltam a ser o que
realmente são!
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Vox também se transforma em um globo de luz.
-
-
-
-
-
Vox, não!! – grita Keenex.
Eu sinto muito, Pequena Fênix!
Não... Nós sentimos muito, Porteiro. – diz Jed - Gostaríamos
de poder fazer alguma coisa.
Não há nada a ser feito!
Eu não entendo. – diz Keenex - Uma hora você tem o poder
de me trazer de volta dos mortos e segundos depois você não
tem mais nada. Nada para ajudar essa luz ficar mais forte.
O tempo passa de maneiras diferentes aqui, Keen. Aconteceu
com o seu ferimento. O tempo que a gente...
Essa parte eu entendi, Jedkiah. Muito obrigado! O que eu não
entendo é o motivo dessa luz estar tão franca! Eu não entendo
como as pessoas da terra simplesmente pararam de acreditar
nas coisas.
Eles desejavam mais do que acreditavam! Não basta desejar.
A luz está assim porque eles estão acreditando pouco e eles
estão acreditando pouco porque a luz está assim. A regra é
sempre troca de presentes. Se não há troca... Todos sempre
desejam e desejam, mas não acreditam o suficiente. Quando
não recebem o que desejaram, esquecem. Por eles terem
esquecido é que outros não ganham o que desejaram. E segue
o looping infinito até que ninguém mais ganha, ninguém mais
acredita e todos esquecem. Isso não é só com o seu Natal. É
com todas as coisas que precisam de fé para existirem nesse
universo.
Todos se lembram de desejar muitas coisas, mas ninguém
deseja que ainda existem pessoas acreditando.
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-
-
-
-
-
É o meu desejo, então! – diz Keenex - Eu desejo que as
pessoas voltem a acreditar.
É tarde pra isso, Fênix.
Não, não é! Se nós conseguirmos alimentar a força dessa luz,
mais pessoas vão acreditar, certo? Mais pessoas, seres ou sei
lá... Elas vão ter fé. Certo?
Sim, as mais suscetíveis a esse tipo de coisa, sim. Mas não
existe força que possa dar mais poder ao globo. Mesmo que
todos nós, espíritos, nos juntassem, diferença nenhuma iria
fazer. Nós tentamos!
Com algumas pessoas acreditando, o globo ganha mais poder
para fazer mais pessoas acreditarem, não é isso? E o looping
infinito de troca volta a funcionar. Certo?
Keenex, nós já cobrimos essa parte. – diz Jed - Você está certa,
mas não há nada que a gente possa fazer.
Uma ova! Talvez você não possa fazer nada, Kiah, mas eu... Eu
não vou desistir tão fácil!
O que você tem em mente?
Vox, eu quero um presente, um último presente, ok? É natal,
poxa... Você vai me dar uma coisa e que vou te dar algo em
retorno. Algo grande, algo importante.
Uma última troca de presentes? É isso que me propõe, Jovem
Fênix? Bom... Nem que seja a última coisa que isso faça.
Eu quero mais poder nesse globo. – pede Keenex - Esse é mais
pedido! Eu quero esperança, eu quero mais pessoas em todo
universo sabendo que podem acreditar. E em troca eu te darei
o combustível pra isso: Eu mesma!
Você está maluca? Você morreria!
Eu sei... Eu sei! Mas é a coisa certa a se fazer.
Keenex, eu acabei de salvar sua vida pra que você pudesse
vive-la. Pra que você pudesse voltar pra casa e começar de
novo.
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-
-
Não, Jed. Você salvou minha vida pra que eu pudesse fazer
isso. Você que não percebeu.
Keenex, você morrerá!
Mas é justamente esse o ponto! Todo aquele papo louco sobre
a minha infância... Toda aquela história de que um dos
espíritos me deu esse nome. Você não percebeu? Eu sou a
fênix! Era meu destino tomar essa decisão. Era meu destino
estar aqui com você.
Isso é absurdo, Keenex.
Pensa bem, Jed. Por que eu? De tantos outros ladrões de
banco, de tantas outras maneiras de se roubar o relógio para
chegar até aqui. Por que eu? Você podia ter ido embora...
Você nem queria viajar mais, Jed. Você mesmo disse que tinha
prometido que não mais o faria. E ainda assim viajamos juntos,
pra lugares que só me convenceram a tomar essa decisão.
Desde o começo nós estamos trilhando esse caminho pra
chegar até aqui, até esse ponto. Esse é meu destino! Eu sou a
fênix! Eu morri e renasci, nova, completa e forte, justamente
porque o globo precisaria de mim assim. Eu sou o combustivo
perfeito para isso! Sim, eu vou morrer, mas eu vou existir para
sempre na mente de todos os series desse universo. Eu irei
morrer e irei renascer como esperança, e quando meu tempo
como esperança acabar eu morrerei e renascerei outra vez
como uma nova esperança. Minha existência será eterna, Jed.
Toda minha vida eu fui treinada para tomar essa decisão e ela
já está tomada. É possível, Vox?
Minha Fênix, você está nos dando seu bem mais precioso em
troca de um benefício universal. É possível!
Vai funcionar? - pergunta Keenex.
Mais do que qualquer coisa nesse e em qualquer outro mundo,
Madame,
Então minha decisão está tomada!
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-
-
Keenex... Eu não posso permitir isso. Eu não vou te perder
outra vez!
Não é sua decisão, Jed. A decisão é minha! Eu estou fazendo a
maior de todos os sacrifícios para que meu povo possa viver
melhor. Para que eles possam ter esperança, fé, paz... Eu não
quero viver em um mundo de globos de luz, eu que viver em
um mundo onde possa haver magia, onde exista Natal, velhos
ranzinzas com bengalas e cartolas... Eu quero viver no mundo
onde exista o Papai Noel. Então, eu estou me tornando esse
mundo e estou me doando para eles. Para o meu povo! Soa
familiar?
Keenex...
Jed não contem o desespero e começa a derramar lagrimas segurando
a mão de Keenex que está ajoelhada, bem próximo ao globo com raios
coloridos.
-
É Ok chorar, Jedkiah, mas não se esqueça; eu também estou
fazendo isso por você. – diz Keenex, olhando pro amigo - Me
desculpe se você teve que trocar seu passado pela minha vida,
mas é graças a isso que você terá esperanças de que um dia
poderá desvendar esse mistério. E por favor, por mim,
continue acreditando que esse dia chegará.
Keenex coloca a mão no pescoço e puxa o colar que Jed havia lhe
dado.
-
Eu acredito que isso seja seu. – diz Keenex, oferecendo o colar.
Não! Fiquei. É o seu presente de Natal!
Feliz Natal, Jed.
222
Keenex apenas olhou para o globo de luz que costumava a ser Vox e
sorriu. Vox, tentando com dificuldade, tomou forma do velho de barba
fina e cartola outra vez e a sorriu de volta. Keenex se desintegrou por
completo e sua matéria foi sugada para dentro do globo. O globo
começou a misturar as partículas de Keenex com os raios coloridos,
criando mais raios de outras cores. Um barulho de algo que parecia
uma centrifuga começou a crescer no local, e um enorme clarão de luz
branca se espalhou rapidamente cegando a todos ao redor. Jed cobriu
os olhos e não viu ou ouviu mais nada. Quando abriu os olhos estava
em uma floresta tropical onde tudo tinha cor e vida. Espíritos voavam
e caminhavam ao redor nas mais diversas e absurdas formas. Algo lhe
tocou no ombro.
-
Vox? Você está diferente. Está mais novo!
Gostou?
Ah, eu já estava começando a me acostumar com o velho
banguela.
Eu posso voltar a ser o velho banguela se você quiser.
Não, não. Você está bem assim.
Vem, eu quero te mostrar uma coisa! – diz Vox, puxando Jed
pelo braço.
Vox e Jed andaram um pouco pelo meio da floresta clara e colorida e
atravessaram algumas arvores que se mexiam tanto que pareciam
dançar.
-
Vê essa enorme redoma de vidro?
Se eu vejo? Não tem como não ver. Essa coisa é imensa. É
quase um planeta.
223
-
É milhões de vezes maior que muitos planetas, Garoto Jedkiah,
e é sua amiga! É ainda maior do que a última que tivemos. Eu
nunca vi uma coisa assim.
Jed não conseguiu falar e apenas sorriu.
-
Tem mais. Esse é o presente de natal dela pra você.
Vox passa um envelope azul para as mãos de Jed.
-
O que é?
É uma passagem!
Para onde?
Pra onde você acha que é?
Jed sabia para onde a passagem iria leva-lo, mas não queria admitir
que aquilo poderia estar acontecendo. Apenas acreditava.
-
Ela te pediu pra continuar acreditando. Essa é a maneira dela
te dizer que estava certa.
Então... Eu posso ver o meu passado?
Um momento muito especifico e revelador dele, sim. Ela sabia
que você queria muito isso, então...
Ela está trocando presentes!
A troca é um looping infinito. Você é um bom garoto, Jed, e
tem uma vida incrível. Boa sorte com ela.
Vox passa a mão na cabeça de Jed e sai andando e abanando sua
bengala nova. ]
224
-
Como eu faço pra usar essa coisa?
É um envelope, idiota. É só abrir!
Jed abre o envelope e um portal aparece na sua frente. Ele consegue
ver um corredor pouco iluminado, revestido de concreto e no final do
corredor alguma janela que deixa vazar uma luz azul esverdeada. Jed
respira fundo e dá o primeiro passo para dentro do portal. O portal se
fecha a suas costas.
XII
Projeto Jedkiah
Jed está em um corredor longo e mal iluminado. Algumas luzes não
funcionam, outras apenas piscam. A única luz forte que há, vem do
final de corredor através de um vidro que lembra um aquário gigante.
Ele anda rapidamente, com a respiração ofegante e ao se aproximar,
encara a enorme janela de vidro. Através do vidro, Jed vê uma enorme
quantidade de capsulas grandes que boiam em uma espécie de gel
azul iluminado. Dentro das capsulas estão corpos masculinos
desacordados. Jed aperta os olhos para tentar ver melhor e decifrar de
vez quem está naquelas capsulas. Ele se vê em uma delas,
desacordado e suspenso. Jed toma um susto e dá uns passos para trás.
Com a distância ele pode ver o quão era infinito o aquário de gel azul
e que haviam ali, bilhões de capsulas. Todas elas pareciam acomodar
o mesmo corpo, o dele! Jed olhou ao redor e pode ver uma inscrição
na parte de baixo do vidro. Ele se ajoelhou e leu.
225
-
“Projeto Jedkiah. A.A.V.P” Não pode ser!!!
Jed ouviu um barulho ao longe. Parecia que vinha do final do corredor,
mas estava ficando cada vez mais forte e constante. É como se algo
estivesse se aproximando rapidamente! Ele se levantou e fitou o
infinito corredor. Atrás de Jed, uma cabine telefônica azul começou a
se materializar. Ele se virou e a encarou. A cabine se materializou por
completo e a porta se abriu. De lá saiu um senhor alto e grisalho, com
sobrancelhas assombrosas. Esse senhor usava roupas pretas e um
casaco muito parecido com o que Jed estava usando.
-
-
-
É você! É você! Eu me lembro de você, eu não sei como, mas
eu me lembro! Eu nomeei meu relógio por sua causa. Você é
o Doutor!
E eu vejo que você guardou meu presente! – falou o Doctor,
apontando para o casaco preto que Jed usava. - E o relógio,
onde está?
Eu me livrei dele.
Bom... Bom...
O que está acontecendo? O que você está fazendo aqui?
Esse encontro estava a muito tempo agendado, e eu o esperei
muito tempo.
Eu não entendo.
O Doutor anda sem dar muita atenção a Jed e encarou o aquário de
capsulas. Jed o seguiu e fez o mesmo.
-
Como é grande a capacidade humana... Para fazer coisas tão
importante e tão estupidas.
Eu não entendo, Doutor. O que são essas pessoas em
capsulas?
226
-
-
Clones!
Clones de mim?
Clones de mim! Todos vocês são!
O que?
Clones! Essa coisa estupida que inventaram que copia
qualquer matéria sem nenhuma criatividade.
Você está dizendo que eu...
Você é um clone meu. – diz o Doctor - Sim, garoto. Um clone!
Um xexelento pedaço de cópia.
Então... Esse é meu passado? É por isso que não consigo
lembrar de nada? Por que não há nada para lembrar? Eu sou
um rato de laboratório?!
Não fale assim dos ratos. Ratos são criaturas extraordinárias.
Era aqui que eu estava antes de acordar naquela praia? Esse
sou eu?
Não, não esse! Quinta fileira, o sexto de cima pra baixo, lá no
fundo. Aquele é você! E não, você não saiu daqui direto para
a praia. Eu te coloquei lá.
Jed não sabia o que dizer.
-
Daqui a cinco anos todos esses corpos iram ser ativados pela
organização que os criou, a A.A.V.P. A empresa usa tecnologia
alienígena para replicar matéria mantendo só as
características que eles escolherem. Esses clones terão a
importante missão de estabilizar os rebeldes que não estarão
lutando na guerra. Milhares de pessoas inocentes morrerão e
metade do planeta será destruído. Eu tenho vindo aqui há
décadas, com um plano para destruí-los antes que eles sejam
ativados, mas eu nunca pude. Não até compreende-los
melhor. Eu os segui em batalhas, e os vi queimarem cidades
227
-
-
-
-
inteiras com suas armas e ódio, mas eu nunca os compreendi.
Tanta raiva, tanta fúria, tanto ódio... Então você apareceu!
O que você quer dizer com isso?
Você era diferente, garoto. Você pensava antes de agir. Você
cumpria sua missão sem precisar matar. Eles disseram que
você teria sido uma falha no processo de clonagem. Você
copiou de mim a parte boa, a parte que ainda acreditava, que
ainda tinha esperanças. Não o ódio, não o soldado. Você
copiou de mim o lado humano. Eles iam te executar, mas eu
interferi. Eu te roubei e te larguei na praia com um dos meus
casacos pra que você pudesse lembrar de algo.
E o relógio?
Eu te disse o que fazia e te ensinei a usá-lo, na esperança de
que nós dois pudéssemos nos encontrar aqui algum dia. –
explica o Doctor - Mas eu bloqueei suas memorias com medo
de que seu passado de destruição o atormentasse. O que fiz
impediu que você tivesse acesso a coisas importantes como:
Como chegar aqui, em primeiro lugar. Foi estupidez, mas tive
que fazer.
Eu... Eu era uma máquina de destruição? Eu não lembro de
nada!
Você era muito pior que isso!
Você disse que tinha um plano pra destruir esse lugar. Por que
nunca o fez? Por que nunca impediu que acontecesse?
Eu não pude! Eu tinha que saber se você poderia viver uma
vida normal e se havia outros como você.
E?
Você foi o único que deu defeito, o único que consegui salvar!
Isso significa que daqui a cinco anos os SEUS clones vão
acordar e destruir metade do planeta? Assim como eles
fizeram da última vez?
Não dessa vez! – responde o Doctor - Dessa vez eu vim para
executar o plano de maneira definitiva. E esse plano consiste
228
em te fazer explodir esse lugar e leva-lo pra casa ou explodir
esse lugar e você juntos. Não poderia ser minha decisão.
O Doutor joga uma espécie de detonador para Jed, que o pega com as
mãos.
-
-
Tem que ser sua decisão, garoto. E te devolverei as memórias
do tempo em que você era controlado pela A.A.V.P e você
decidirá o que fazer com esse lugar. Não pode ser minha
decisão. Nunca foi minha.
Faça o que tiver que fazer, Doutor. Eu não tenho mais nada a
perder.
O Doutor se aproxima de Jed e o toca na cabeça com as duas mãos.
Jed sente um impacto rapidamente. Todas as suas memorias voltam
como um turbilhão, e ele pode ver fogo, guerra, destruição e sangue
por todo lado. Atrás de tudo isso, Jed se vê imponente e poderoso.
Atrás de Jed está a sombra do Doutor com um olhar macabro no rosto.
Jed, sem pensar, aperta o botão do detonador. Há uma enorme
explosão e o chão treme. O doutor corre para a TARDIS e abre a porta.
-
Vamos, nós não temos o tempo todo. Esse lugar será
destruído em segundos.
Jed não se meche.
-
Vamos, Garoto. Não é hora de bancar o corajoso.
Há outra explosão e tudo treme novamente, dessa vez mais forte. As
paredes começam a rachar e o teto começa a ceder.
229
-
-
-
Do que adianta? Se eu morrer aqui, dentro daquela capsula,
eu não existirei no futuro. Você nunca teria me salvado eu
nunca teria chegado aqui. É um paradoxo.
Não venha me dizer como você acha que o universo funciona.
Eu vi coisas que nenhum universo entenderia. Eu posso salvalo, garoto. Vamos!
Todas aquelas coisas horríveis, todo aquele ódio...
Você não é como eles. – diz o Doctor - Você precisa entender
isso, garoto. Você pode começar outra vez, você pode se
tornar o que quiser. Ninguém está preso ao seu passado,
menino. Venha comigo e eu te prometo... Eu te prometo que
as coisas serão diferentes.
O Doutor estra na TARDIS e estica a mão para fora.
-
Eu... Eu estou com medo!
Bom! Bom! Isso é bom, garoto. Você está com medo e é isso
que os diferencia deles: O medo! Você não é como eles,
acredite em mim. Acredite...
Jed ouve a voz de Keenex sussurrar em seu ouvido. Ele lembra do que
ela disse pouco antes de morrer.
Por favor, Jed, por mim... Acredite!
Jed abre os olhos e encara o doutor. Ele sente um forte impulso de
motivação que vem direto do seu coração. Jed segura a mão do Doutor
com força, que o puxa para dentro da TARDIS. A cabine telefônica se
desmaterializa enquanto todo o lugar se desmancha em pedaços e
explosões. Jed, que caiu no chão da TARDIS se levanta e contempla o
230
espaço.
-
-
-
-
Tecnologia dos Senhores do Tempo, não é? Maior por dentro!
Você conhece os seus aliens! – diz o Doctor, animado.
Isso é uma TARDIS? Eu nunca vi uma, só ouvia falar.
Sim. Minha TARDIS! A última que sobrou. Cortesia de uma
falha na segurança em Galiffrey. Muito, muito tempo atrás. E
por falar em Senhores do Tempo, como está aquela coisa
velha e louca?
Quem? De quem você está falando?
Como de que estou falando? Do Porteiro, oras. Você não o
encontrou?
O Porteiro era um Senhor do Tempo? – pergunta Jed, sem
acreditar - Eu achei que o Senhor era o último de sua espécie.
Era? Ele ainda é! Aquele velho idiota. Sempre inventando algo
novo. A última vez que conversamos ele estava delirando
alguma bobagem sobre como era possível doar sua mente
para os espíritos. Velho louco! E eu também já achei que era o
último dos Senhores do Tempo, mas os tempos mudaram,
garoto. Os tempos mudaram... E então? Como você se chama?
Aposto que escolheu um nome legal pra você mesmo. Jhon?
Matt? Tom? Sylvester?
Jedkiah!
Oh... Pobre coitado! Não se pode vencer todas, certo? E
então... Uma TARDIS! Todo o espaço e tempo, toda estrela
que já aconteceu ou acontecerá... Pra onde você quer ir?
Casa!
Eu já estava esperando por essa e é bom que eu já coleto algo
importante no caminho.
Coleta...
Aqui estamos! Terra, Noite de Natal, Rio do Lírios. Eu adoro o
cheiro desse lugar na primavera.
231
O Doutor acompanha Jed até a porta da TARDIS e a abre para ele. Jed
sai o Doutor se escora em uma das portas fechadas.
-
-
-
Então... As leis do universo não se aplicam a mim? Mesmo
tendo sido destruído no passado eu posso existir no futuro?
Eu sei no que você está pensando, garoto... E não! Você não
pode salva-las! Você não é como qualquer ser deste universo,
Jedkiah. Você é um clone de um Senhor do Tempo, sua física
e biologia não foram ainda decifradas. Ninguém sabe o que
pode te afetar ou do que você é capaz.
E como você sabia que eu iria sobreviver ao paradoxo?
Eu não sabia. Eu tinha esperanças de que você iria sobreviver.
Era só o que me bastava.
Eu acho é que preciso dizer “Obrigado”, então.
Sim, mas da minha parte, garoto. Obrigado por me mostrar
que ainda há esperança por trás de todo ódio e guerra,
Jedkiah. As vezes a gente esquece. E obrigado por ter tomado
tanto cuidado dela para nós.
Do que você está falando?
DOUTOR!!!
A garotinha Andreia saiu correndo em direção TARDIS e abraçou o
Doutor.
-
Desculpa pelo abraço, Senhor Doutor. – diz Ands - Eu sei que
você não gosta, mas eu estava com saudades.
Tudo bem, Vossa Alteza, não foi nada.
Oi, Senhor Jed. Como passou o Natal?
232
Jed pareceu bastante confuso.
-
-
Espero que você tenha tido um natal maravilhoso. – diz Ands,
sorridente.
Menininha, eu... Você conhece esse homem? – pergunta Jed,
apontando pro Doctor.
Mas é claro, Senhor Jed. Ele é o Doutor. E ele está aqui para
me levar de volta pra casa, não é, Senhor Doutor?
A garotinha que você conhece como Andreia é, na verdade,
Rainha do Quadrante B do Sexto Universo. Ela é responsável
pela liderança de três galáxias inteiras. Vossa Alteza, precisou
de um lugar seguro pra ficar enquanto haviam problemas
políticos na região. Eu tive um palpite que se a trouxesse aqui
você cuidaria bem dela.
Obrigada, Senhor Jed.
A garotinha corre para os braços de Jed. Ele a abraça de volta ainda
um pouco confuso. Ela olha para o pescoço do rapaz onde está a
correntinha que ela mesmo te deu.
-
Ela gostou, Senhor?
O que?
Do presente que fiz pra ela... Ela gostou?
Jed então caiu em si.
-
Sim, sim, menininha. Ela adorou. Ela disse que o usará pra
sempre.
Que bom! Assim vocês podem conversar sempre que
quiserem.
Espere... O que? O que você disse?
233
-
Vocês podem conversar, Senhor Jed. As pedras no colar, são
pedras comunicadoras extraídas de um dos planetas no meu
reino. Vocês podem se falar, como se tivessem ao telefone,
qualquer dia, qualquer hora e em qualquer lugar.
Jed olha para o Doutor e ele o responde com um sorriso.
-
Qualquer hora e em qualquer lugar.
Os dois se cumprimentam silenciosamente enquanto Jed ainda abraça
a menininha.
-
Obrigado, Menininha. Esse foi um dos melhores presentes de
natal que já ganhei na minha vida inteira.
De nada, Senhor Jed, mas não é só isso.
A menina corre até o Doutor.
-
Você trouxe, Senhor Doutor?
Mas é claro, Vossa Alteza.
O Doutor tira de um dos bolsos um embrulho de presente de entrega
nas mãos da garotinha. Ela corre para Jed e o entrega o embrulho.
-
Feliz natal outra vez, Senhor Jed. Ah, eu adorei os patins,
obrigada!
Não a de que agradecer, menininha.
Jed abriu o embrulho e lá estava um relógio igual ao que possuía
234
antes, só que esse estava novo e inteiro.
-
Um Full-Watch de alta precisão. Manipulador de vórtice e
tempo. É uma das mais altas premiações na guarda do reino
de Vossa Alteza. Use com sabedoria, Jedkiah. Você é uma das
únicas pessoas que o possui. Nós temos que ir, Vossa Alteza,
seu povo a aguarda.
A garotinha entra na TARDIS e acena para Jed que não consegue tirar
os olhos do seu novo relógio.
-
Adeus, Senhor Jed. – diz a menina, acenando - Obrigado pelos
biscoitos, eles eram deliciosos! Venha nos visitar qualquer dia.
A gente pode andar de patins juntos. Até mais, Senhor Jed,
obrigada por tudo.
As portas da TARDIS se fecham e ela some.
235
III
O Último Feliz Natal
Jed está em casa conversando com Tonto.
-
Quem diria, Mestre. A garotinha uma rainha intergaláctica.
Como não percebemos isso?
Sua tecnologia deve ser muito boa, Senhor. Meus sensores
nada me indicaram.
Os dois passam um tempo em silencio.
-
Apenas ligue logo para ela.
Não é assim tão simples, Tonto. E se ela não responder?
Senhor, com todo o respeito... Respondendo ou não, você
precisa ligar!
Você está certo! Vamos ver como isso funciona.
Jed pegou a pedra rosa na correntinha colorida e a apertou contra o
peito, exatamente como fazia com o half-watch. Ele fechou os olhos.
236
-
-
Jedkiah, você nunca vai me deixar em paz, não é?
KEENEX? É VOCÊ MESMO? – grita Jed ao ouvir a voz da amiga
querida.
Quem mais seria, seu tonto?
Você está bem? Você está... viva?
Eu estou bem. Eu não poderia estar melhor. Quanto a estar
viva... Bem, é relativo. Eu estou viva, mas meu corpo não.
...
Não se atreva a chorar, seu idiota. Não fique tão sentimental
de uma hora pra outra.
Como...? Como você sabe?
Oh... Ho, ho, ho. Eu todo posso ver daqui, Kiah. Sua lagrimas,
seu novo amigo, seu novo relógio, seu estupido robô sem
braços e pernas.
Quem ela está chamando de estupido? – diz Tonto ao ouvir o
que Keenex diz.
Apesar de não gostar de que você tenha mentido pra mim
todo esse tempo sobre o Tonto ser um robô, mesmo comigo
desconfiando bastante. Eu devo uma a ele. Vamos dar um jeito
nisso.
Houve um barulho ensurdecedor e uma luz branca tomou conta do
corpo de Tonto. A luz foi crescendo até explodir em um clarão. Quando
a claridade diminuiu, Jed pode ver que Tonto estava em pé e que agora
tinha braços e pernas igualmente brancos e com formatos
arredondados.
-
Feliz natal, seu robô estupido. Tonto
Obrigado, Senhora Keenex.
237
Tonto continuou se mexendo em pé para ver quais eram os seus
limites das suas peças novas e Jed voltou a falar com Keenex.
-
-
-
-
Eu só vejo beleza, velho amigo. Eu tenho que te agradecer por
ter me trazido até aqui, mas eu não posso falar muito. Minha
consciência humana está se dissipando aos poucos. Eu não
terei muito tempo para continuar a falar contigo.
Mas, Keenex... Eu achei que poderíamos continuar nos
falando...
Nós estaremos sempre conectados e eu estarei por perto
sempre que precisar, mas não podemos nos prender a esses
comunicadores. Meu tempo é curto agora, Jedkiah. Já
estamos conversando há 13 anos. Tanta coisa bonita tem
acontecido.
Keen...
Olhe na janela. Há um outro presente pra você. Para
compensar todo esse tempo em que você passou sem ganhar
nenhum. É o meu último presente, Jed. Não vá se
acostumando. Feliz Natal!
O que é?
Vá olhar!
Jed se levantou da cama e foi olhar o que havia na janela. Lá estava
um anel grosso e cobreado, em sua ponta havia uma pedra roxa e
brilhante.
-
Um anel sônico! Você conseguiu, Keenex. Você me achou um
anel sônico. Muito obrigado. Keenex... Você ainda está ai?
Keenex?
Keenex não respondeu.
238
-
Ela se foi, Senhor? – pergunta o robô.
Não! Ela nunca irá!
Jed colocou o anel no dedo, colocou o full-watch no pescoço junto
com a corrente de carregava a pedra comunicadora e encarou o céu
pela janela. Ele olhou para tonto que dançava com seus braços novos
e sorriu.
-
Boa sorte, Mestre!
Jed segurou o relógio contra o peito e desapareceu.
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