Dispute boards - Sion Advogados

Transcrição

Dispute boards - Sion Advogados
contratos
Dispute boards:
a redução do risco de judicialização
de conflitos com subcontratados
O Brasil vive o momento da infraestrutura. Se quisermos crescer, e continuarmos
a nos manter na ‘crista da onda’ desenvolvimentista tão alardeada no que concerne
aos membros dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia e China, e África do Sul)
necessitaremos, cada vez mais, de investimentos na área de infraestrutura, um dos
principais gargalos de desenvolvimento do país, senão o maior.
A
Alexandre Sion é advogado, com formação em
Direito e Administração
de Empresas, mestre
em Direito Internacional
Comercial (L.LM) pela
Universidade da Califórnia (EUA). É especialista
em Direito Constitucional; pós-graduado
em Direito Civil e Processual Civil (FGV) e
sócio fundador da Sion Advogados.
Giovanni Peluci Paiva é
advogado, graduado pela
Faculdade de Direito
PUC-Minas. É pós-graduado em Direito
Civil; foi defensor público estadual no estado
da Bahia e professor da
disciplina Gestão de Contratos.
Mariana de Souza Galan
é advogada, graduada pela Faculdade de
Direito da PUC-Minas.
É pós-graduada em
Direito Ambiental pelo
Centro de Atualização
em Direito e Universidade Gama Filho e em
Direito Processual pelo IEC-PUC-Minas.
78
TN Petróleo 94
modernização de nossa infraestrutura logística se impõe, em
meio à crescente necessidade de modernização no setor, em face
de uma demanda que só aumenta.
E os investimentos em infraestrutura demandam a celebração
de contratos de vulto considerável, haja vista o porte dos investimentos
necessários para a construção de portos, aeroportos, ferrovias, estradas,
entre outros. A esses contratos segue-se a necessidade de subcontratação
de parceiros, com vistas a manter os altos graus de profissionalização e
especialização exigidos para a execução de determinados serviços e fornecimentos para a execução integral das obras de infraestrutura.
Assim é que surgem os subcontratos, ou seja, contratos firmados com terceiros com a finalidade de tornar viável e concreta a execução, neste particular, das obras de infraestrutura tão necessárias ao nosso desenvolvimento.
É de se destacar que tais ‘subcontratos’ inauguram uma relação contratual dentro de outra relação contratual – o contrato principal cujo resultado será a obra de infraestrutura pretendida –, estabelecendo uma rede de
interferências de tal magnitude que qualquer atraso ou não cumprimento
em um deles, por mais simples que seja, termina por prejudicar todo o andamento da obra principal.
Por óbvio, quanto mais subcontratos houver, maior o risco de eventos impactantes nos cronogramas das obras, haja vista que, se em caso de um único atraso no fornecimento de insumos necessários à execução do objeto do
contrato principal já se verificará impacto no cronograma, o que dizer se forem verificados atrasos ou não cumprimentos de mais de um subcontratado?
Ademais, sempre é possível a ocorrência de conflitos entre um subcontratado e o contratante, conflitos que podem se referir a condições
de cumprimento do subcontrato, valores, reajustes etc. E conflitos,
como é sabido, sempre podem desaguar no Poder Judiciário, implicando atrasos ainda maiores.
Com o intuito de minimizar os danos que possam decorrer de tais
atrasos, originados de conflitos e/ou atrasos e/ou não cumprimentos,
torna-se necessário estruturar os subcontratos com mecanismos se não
de prevenção, de redução dos riscos.
Assim, para evitar o acionamento das instâncias arbitrais (comuns a
contratos de grande vulto), bem assim evitar que os conflitos desaguem
em nosso moroso sistema judiciário, vem sendo pensada e aplicada – de
forma tímida – uma nova forma de solução dos conflitos que eventualmente se instalem durante a execução dos subcontratos vinculados a um
contrato que objetive a execução de obras de infraestrutura: as dispute boards.
As dispute boards seriam instâncias autônomas concebidas no bojo do próprio subcontrato com a finalidade precípua de mediação dos conflitos eventualmente
surgidos, antes de serem os citados conflitos levados à
apreciação da instância arbitral ou judicial.
Pautada no princípio da autonomia da vontade das
partes, a aplicação do método dos dispute boards vem
se destacando como uma alternativa viável de solução
de controvérsias no âmbito dos contratos, especialmente no que se refere ao setor de infraestrutura, haja vista
a natureza, vulto e importância dos contratos firmados
para regular a execução das obras de infraestrutura e
dos subcontratos deles decorrentes.
A Câmara de Comércio Internacional (CCI) define
os dispute boards como espécies de “comitês compostos de um ou três membros, normalmente estabelecidos
quando do início de um contrato, para auxiliar as partes contratantes na resolução de quaisquer conflitos que
possam surgir durante a sua execução” (tradução livre).
A CCI aponta três tipos de dispute boards passíveis de constituição sob suas regras: 1) dispute review boards (DRBs); 2) dispute adjudication boards
(DAB) e 3) combined dispute boards (CDBs).
A DRB emitirá uma recomendação às partes que a
poderão cumprir em até 30 dias, ou simplesmente formalizar sua não concordância por meio de uma notificação.
Caso não haja nenhuma notificação por escrito contrária
à recomendação, esta se tornará vinculante e obrigatória.
A DAB gerará uma decisão de cunho obrigatório,
que deverá ser cumprida pelas partes, prevendo-se a
possibilidade de as partes manifestarem sua insatisfação com a decisão.
A CDBs é uma combinação das espécies anteriores.
Em geral é emitida uma recomendação, contudo, caso
uma das partes solicite uma decisão e a outra parte não
se oponha, haverá a imposição de caráter vinculante à
recomendação emitida.
A escolha dos membros que irão compor a dispute
board é feita pelas partes antes do conflito, de maneira
que seus membros sejam imparciais ao longo da execução do contrato, pois acompanham desde o início a
execução do contrato e podem visualizar de forma bem
mais isenta e clara a origem e as razões do conflito. Os
membros do dispute board deverão sempre estar atualizados sobre os fatos relevantes da obra, por meio de
relatórios, reuniões, visitas ao local das obras, resultando em decisões ou recomendações mais adequadas ao
desenvolvimento do projeto.
Como se vê, a ideia das dispute boards mostra seu
valor ao permitir a autocomposição dos conflitos pelas
partes, evitando o incremento dos prejuízos já verificados em razão do conflito, na medida em que pode,
em tese, evitar que o conflito vá se resolver em instâncias externas ao contrato e por pessoas que, muitas das
vezes, não têm a possibilidade de compreender as circunstâncias fáticas de um descumprimento ou atraso,
tampouco de suas consequências.
Há que se registrar, ademais, que os dispute boards ainda não são comuns nos contratos de infraestrutura no Brasil, talvez em razão do desconhecimento acerca da possibilidade de sua constituição
e mesmo por força da cultura de litigiosidade a que
estamos habituados.
Outro aspecto refere-se às decisões emitidas pelos disputes boards, que em regra, não são exequíveis
como titulo executivo, como o laudo arbitral emitido
ao se utilizar a arbitragem como método de solução de
controvérsias. Contudo, apesar de não serem, em regra, títulos executivos extrajudiciais, poderão constituir
provas concretas e suficientes ao ajuizamento da ação
judicial cabível ou mesmo para a instrução da instância
arbitral, caso tenha sido essa a opção no contrato.
Em que pese a regra seja a não constituição de título executivo extrajudicial, é possível que ao documento originado pelo método das dispute boards seja atribuída tal eficácia. É de ver que, estabelecendo-se, na
eventual recomendação da dispute board constituída,
obrigações certas, líquidas e exigíveis e sendo a recomendação assinada pelas partes e duas testemunhas,
haverá a constituição do necessário título executivo
extrajudicial, nos termos do inciso II do artigo 585, do
Código de Processo Civil.
Assim, a implementação das dispute boards deve
ser avaliada com interesse no que toca a contratos de
infraestrutura, de longa, média ou curta duração, por
força da complexidade da relação contratual, dos elevados valores estabelecidos e da interdependência das
obrigações subcontratadas.
É de se notar que a opção pelas dispute boards pode
permitir a solução de conflitos durante a execução dos
contratos de maneira mais célere e adequada às necessidades do projeto, diminuindo os valores gastos com a
arbitragem ou com a opção pela via judicial, compensando-se o custo de sua aplicação com a possibilidade
de não ter que arcar com os custos da opção por outras
vias de resolução.
Ademais, apesar do franco desconhecimento de
tais métodos de solução de conflitos intracontratuais
pelos advogados brasileiros, com algumas raras exceções, impõe-se, ao menos, a necessidade de pensar as dispute boards, na medida em que inúmeras
instituições as exigem, destacando, neste universo,
o Banco Mundial, que exige a existência de previsão
da dispute board nos contratos dos empreendimentos
de infraestrutura que irá financiar.
É hora de avançarmos na busca de soluções de
conflitos dentro dos próprios contratos, evitando-se a
perda de sinergia e o atraso na execução de contratos cujos resultados possuem impacto fundamental
no nosso desenvolvimento.
TN Petróleo 94
79