sobre moluscos e tentáculos - Rede de Estudos do Trabalho
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SOBRE MOLUSCOS E TENTÁCULOS: O PROJETO DE PODER DO CONFEF SOBRE O CORPO DISCENTE Bruno Gawryszewski1 Gabriel Rodrigues Daumas Marques2 INTRODUÇÃO Os moluscos constituem um grande filo de animais invertebrados, marinhos (água doce) ou terrestres. Uma das classes de moluscos são os cefalópodes e os mais conhecidos são as lulas e os polvos. Uma de suas mais marcantes características é a presença de dez tentáculos, dos quais dois se destacam. Esses tentáculos têm como principal função a captura de alimentos para sua sobrevivência. Tal alegoria é empregada para expor a condição que o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) implementa para levar adiante seu projeto poder em diferentes segmentos do campo da Educação Física. No caso específico desse trabalho, focalizaremos o segmento discente. A discussão de aspectos referentes à Educação Física brasileira na última década nos exige o resgate sobre o processo de regulamentação profissional, relacionado ao reordenamento do mundo do trabalho para atendimento das necessidades do capital. O aprofundamento das ações neoliberais durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso apresenta, através da Lei 9649/98, a Reforma Administrativa de Estado. Citamos essa Lei por conta de seu artigo 58, que possibilita uma nova configuração de atuação para os conselhos profissionais, sendo permitida a execução em caráter privado dos serviços de fiscalização profissional (BRASIL, 1998). Na área, o setor conservador soube tirar proveito da situação ao redor para organizar o Movimento Nacional Pela Regulamentação do Profissional de Educação Física, atuando desde 1995 junto a parlamentares para alcançar seus objetivos através da legalidade, fato concretizado em 1º de setembro de 1998, quando a Lei 9696/98 é promulgada. Com esta, criam-se os Conselhos Federal e Regionais de Educação Física—Sistema CONFEF- 1 Professor de Educação Física. Mestrando em Educação/UFRJ. Endereço: Escola Nacional de Circo. Praça da Bandeira, n. 4. Rio de Janeiro/RJ. CEP: 20270-150. E-mail; [email protected] 2 Professor de Educação Física, Licenciando em Pedagogia/UFRJ. E-mail: [email protected] 1 CREFs—assim como o termo profissional de Educação Física inicia sua busca pela hegemonia. Embora exista a tentativa do Conselho em identificar essa Lei enquanto uma conquista dos trabalhadores, afirmamos contundentemente o inverso ao entender o sistema CONFEF/CREFs enquanto estrutura avançada do capitalismo (NOZAKI, 2004) e já expusemos em outra oportunidade que houve e ainda há resistência e contrariedade, inclusive organizadas e protagonizadas pelo Movimento Estudantil de Educação Física, pelo Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física e por trabalhadores através de sindicatos para enfrentar política, ideológica e juridicamente as ações e defesas elaboradas pelo corporativismo, que visam fragmentar os trabalhadores enquanto classe (GAWRYSZEWSKI & MARQUES, 2006). Nozaki (2004) contribui ao explicar que, mesmo com a exclusividade—via força de lei—dos trabalhadores de Educação Física atuarem no mercado das atividades físicas ou das práticas corporais como um todo, as relações de poder dos donos do capital seguem persistindo. Concordamos com Penna (2006) que o quadro relatado acima contribui para a precarização e a flexibilização do trabalho e reforça o quadro de desemprego e subemprego no país. Para ratificar a regulamentação profissional da Educação Física como retrocesso para a classe trabalhadora, visto que será necessário atacar outros trabalhadores—com formações diferenciadas—nas áreas da Dança, Artes Marciais, Yoga, Capoeira, Lutas etc. para defender os “nossos” nichos de mercado: Regulamentar uma profissão com o pretexto de reservar um mercado para determinada categoria profissional é, portanto, coadunar com a precarização do trabalho, tentando abocanhar uma melhor fatia do trabalho precário. (...)a defesa da regulamentação da profissão está intimamente ligada à ética neoliberal, ou seja, a do individualismo, dando por vencedora a tese da exclusão. A defesa da regulamentação da profissão de Educação Física esteve todo tempo apoiada em pressupostos corporativistas profissionais que atacam outros trabalhadores, ao invés de investir contra os detentores do capital, neste caso, os grandes proprietários do mundo das atividades físicas. (Nozaki, 2004, p. 171-172). OBJETIVOS E METODOLOGIA 2 O trabalho tem como objetivo identificar e discutir as estreitas ligações existentes entre a formação de estruturas estudantis corporativas e a consolidação do ideário da regulamentação profissional da Educação Física a partir de sua inserção na formação dos futuros profissionais. A metodologia empregada para a consecução do trabalho, além da revisão bibliográfica acerca da regulamentação profissional em Educação Física, teve como base empírica as revistas corporativas do Conselho Federal de Educação Física, do Conselho Regional da 1a Região (RJ/ES) e das entidades estudantis, Confederação dos Estudantes de Educação Física do Brasil (CEEF-Br) e do CREFinho. Uma breve discussão sobre trabalho, educação, educação física e profissão Saviani (2007), ao defender o trabalho e a educação como atividades especificamente humanas, explicita suas argumentações a fim de demonstrar os fundamentos ontológico-históricos tendo como ponto de partida uma relação de identidade entre trabalho e educação, visto que a existência humana não é garantida através de uma dádiva natural, mas através da produção dos próprios homens. Durante o intercâmbio com a natureza e com outros homens, a produção e a formação caminham conjuntamente, configurando o processo educativo. Conforme Enguita (1989), o processo preparatório para integração às relações sociais de produção sempre existiu, sendo este processo efetuado tanto pela própria produção quanto, com freqüência, por alguma outra instituição. Por conta do desenvolvimento da produção, a divisão do trabalho proveniente da apropriação privada das terras fragmenta a sociedade entre uma minoria detentora dos meios de produção e uma maioria não-proprietária, que passa a ser explorada pela primeira. Com essa distinção, dá-se início à institucionalização da educação, que possibilita o aprofundamento da separação entre trabalho e educação (SAVIANI, 2007). É importante situarmos o terreno sobre o qual analisamos a realidade de subsunção do trabalho ao capital, que utiliza a educação institucionalizada não apenas para fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de 3 valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas. (Mészáros, 2005, p. 35) Para corroborar com o processo industrial em expansão, era-se exigido um novo tipo de trabalhador, usando meios como fome, internamento ou força para dobrar os adultos; e modelando a infância desde o princípio para atender às necessidades da nova ordem capitalista (ENGUITA, 1989). Hoje, na área da Educação Física, as defesas do empreendedorismo profissional e da culpabilização do indivíduo sem relacionar ao mundo do trabalho com crescente exército de reserva; e a criação de tentáculos e aparatos estruturais para naturalizar esse quadro já nas faculdades são importantes mecanismos e ferramentas para a classe dominante impor as suas necessidades de manutenção do status quo. Enquanto apresentamos a defesa de que a Educação Física se consubstancia a partir da intervenção e da práxis pedagógicas, nas últimas décadas de efervescente implementação de ações e medidas sob o ideário neoliberal, temos acompanhado o crescimento das atividades físicas realizadas em estabelecimentos privados, implicando numa migração da venda da força de trabalho dos professores nesses espaços. Essa caracterização é questionada por Gawryszewski (2006), já que para os defensores da reserva de mercado é importante justificar a Educação Física enquanto uma profissão para não permitir que qualquer pseudo-profissional atue nos espaços que passam a vigorar enquanto propriedade privada dos profissionais de Educação Física a partir da promulgação da Lei 9696/98 (Steinhilber, 1999). No que concerne às conseqüências empreendidas sobre o sistema educacional, Oliveira (2004) analisa o contexto de reformas educacionais para adequação aos conceitos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência e de que maneira a padronização e a massificação de processos administrativos e pedagógicos se propõem a elevar o atendimento à população sem aumentar os investimentos. Nessas circunstâncias, as relações de trabalho sofrem modificações que precarizam o trabalho docente, sendo materializadas através de arrochos salariais, inadequação ou ausência de planos de cargos e salários, perda de garantias trabalhistas etc. 4 Por conta de sua identidade com a classe opressora, os teóricos comprometidos com os conselhos profissionais da Educação Física ignoram os aspectos conjunturais e, de maneira cômoda, buscam corroborar para submeter todo o processo de formação às demandas mercadológicas, que visam à lucratividade das empresas e potencializam a extração de mais-valia. Para auxiliar na concretização do processo de profissionalização, discorrem acerca do curso superior de Educação Física, que deve proporcionar, “de forma articulada com os segmentos do mercado de trabalho, o desenvolvimento de competências e demais condições necessárias ao profissional” (Nascimento, 2002, p. 31), ao passo que apresenta como meta para a harmonização curricular a “adequação e delimitação das diferentes perspectivas e orientações existentes num mercado de trabalho em constante mutação” (ibid, p. 32). O presidente do Conselho Federal de Educação Física pragmatiza suas conclusões e recomendações em sua dissertação a fim de apresentar dados para confirmar a hipótese advinda do senso comum de que, mensalmente, os egressos dos cursos de formação de Educação Física trabalham um maior número de horas na área não-formal, além desta oferecer maiores remunerações para as atividades desenvolvidas. O mesmo autor entende que a “área não-formal abarca a não-pertencente à escola formal, ou seja, são as atividades físicas, em academias, clubes, associações, condomínios, hotéis e, inclusive escola, desde que elas sejam dinamizadas, fora da grade curricular” (Steinhilber, 1999, p. 6-7, grifos nossos). Todo o eixo da construção científica é orientado para a defesa da existência de dois cursos de formação em Educação Física, sob a argumentação elaborada a partir dos dados obtidos pelos questionários preenchidos por 306 profissionais de Educação Física formados entre os anos de 1986 e 1997 no Estado do Rio de Janeiro. Entre 2002 e 2004, a Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, através da emissão de pareceres e documentos, sob a égide da Reforma do Ensino Superior paulatinamente implementada pelos governos neoliberais de FHC e Lula, pautou discussões entre as cúpulas que culminassem com a terceira reformulação curricular da Educação Física, materializada em 5 de abril de 2004, quando é publicada a Resolução 07/2004 e oficializada a fragmentação da formação entre graduação em Educação Física e Licenciatura Plena em Educação Física (BRASIL, 2004). 5 Tal como no processo atropelado em que foi regulamentada a profissão, os vencedores escrevem a história escamoteando os conflitos e as resistências daqueles que se propõem a construir um novo modelo de sociedade e, conseqüentemente, um novo modelo de educação. O Movimento Estudantil de Educação Física, através de sua entidade representativa—Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física, criada em 1992— protagonizou importantes momentos nas disputas divergentes acerca dos rumos de nossa formação, ocupando o prédio do Conselho Nacional de Educação em 30 de julho de 2004 para exigir a revogação das Diretrizes Curriculares Nacionais e defender a Licenciatura Ampliada e a Regulamentação do Trabalho, bandeiras construídas historicamente nos Encontros Nacionais de Estudantes de Educação Física (ALVES, 2005). Os autores deste trabalho também possuem histórico de participação no Movimento Estudantil de Educação Física e há de se constatar o importante espaço de formação propiciado pela organização dos estudantes em Centros e Diretórios Acadêmicos. A categoria estudantil, em diversos momentos da história, esteve à frente de importantes processos de luta em defesa da Educação Pública e ao lado da classe trabalhadora contra as arbitrariedades do sistema capitalista. O potencial de mobilização que a juventude possui é, na atual conjuntura do cenário brasileiro, alvo de ataques pelos gestores do capital. Enquanto a nível geral a União Nacional dos Estudantes—que outrora precisou atuar de maneira clandestina—apóia as políticas governamentais que implementam ataques à Educação Pública e realiza parcerias com a Rede Globo de Televisão; no nível específico da Educação Física, a criação dos CREFinhos e da Confederação de Estudantes de Educação Física do Brasil aparece para materializar a política do sistema CONFEF/CREFs entre os estudantes. Algumas semelhanças—que não são meras coincidências—entre essas estruturas que hoje possuem funcionalidade para o capital valem ser relatadas. Com o crescimento das matrículas do Ensino Superior nas instituições privadas, possibilitado pelo Programa Universidade Para Todos, bem como com a retomada de lutas que o Movimento Estudantil brasileiro travou com as ocupações de Reitoria em 2007, tanto a UNE quanto a CEEF-Br centralizam suas intervenções nas faculdades particulares. Enquanto a UNE aponta para a retomada do monopólio das carteirinhas de meia-entrada para garantir maior arrecadação 6 de recursos, a CEEF-Br, em parceria com o Conselho Regional de Educação Física 1 (RJ, ES) inaugura a carteirinha de identificação estudantil, através da qual os estagiários precisam recorrer à filiação, pois algumas instituições têm exigido o documento para efetuar a contratação. Analisamos agora o processo específico da materialização das estruturas estudantis de apoio ao Sistema CONFEF/CREFs. CREFinho e CEEF-Br: os tentáculos estudantis Com uma investida cada vez mais consolidada entre os trabalhadores da Educação Física e outras práticas corporais, a partir de 2003, o Sistema CONFEF/CREFs passa a investir também no meio estudantil. A investida parece ter dois motivos principais: primeiramente, naturalizar para legitimar a existência e a importância de um conselho profissional desde o tenro ingresso na universidade; segundo, contra-atacar o vértice mais sólido da luta contra a regulamentação, que é o movimento estudantil, organizado centralmente pela ExNEEF. Ao que tudo indica, o fomento para criação dessas organizações para-estudantis foi orquestrado de maneira descentralizada ao CONFEF (mas, é claro, com sua aprovação). A origem do CREFinho está no Rio de Janeiro, tendo sido divulgada pela revista do CREF-1, edição 8 (1º sem/03), apesar das reuniões terem se iniciado ainda em 20023. Naquela época, ainda chamado de Conselhinho, trazia que sua missão era “assessorar a Presidência do CREF-1 em assuntos ligados a estágio, além de acompanhar as ações do CREF-1 em relação ao mercado de trabalho” (CREF1, 2003, p.7). Na revista comemorativa dos cinco anos de existência do CONFEF (out/03), já fazia menção em caráter nacional dessa “ação pioneira” no Rio de Janeiro. O CREFinho mantém núcleos em diversas faculdades no Rio de Janeiro para realização de atividades e campanhas que, uma vez por mês, se reúnem para debater conjuntamente. No início, as reuniões ocorriam na sede do CREF-1 e sempre com a presença da Presidência. Em dezembro de 2006, foi inaugurada a sede no bairro da Tijuca. O CREFinho vem se dedicando especialmente a fortalecer os eventos promovidos pelo Conselho Regional e/ou Federal, como a campanha nacional de doação de sangue, 7 destacada pela edição 19 (mar/06) ou a participação nas comemorações do dia 1º de setembro. Tanto em 2005, como em 2006, ajudou a organizar debates, distribuição de materiais e brindes, aulões, corridas comemorativas, festas e o lançamento do bloco carnavalesco da Educação Física, no município de Cabo Frio (RJ) (CONFEF, 2006a; CONFEF, 2006b). Um fato pouco conhecido é que, em 2005, após a realização de um debate na UFRJ sobre a regulamentação que contou com a participação do integrante do MNCR, Hajime Nozaki e representantes do Sistema CONFEF/CREFs, o CREFinho local, no dia seguinte, faria uma distribuição de pirulitos com a marca “C”. Esta ação vazou para a militância do MNCR-RJ, que realizou intensa manifestação no dia escolhido e acabou desbaratando a tentativa de atuação do CREFinho. Na edição 18 (nov/05), a entidade atinge importante espaço de divulgação na revista, ao ocupar duas páginas e trazer ainda uma entrevista com integrante do CREFinho da UFRRJ. Naquele mesmo ano, mais precisamente em junho, há uma novidade impetrada pelo Sistema CONFEF/CREFs e seu apêndice, CREFinho: a Confederação de Estudantes de Educação Física do Brasil (CEEF-Br). Nascida em torno desse aparelho burocráticocorporativista, a CEEF-Br foi gerada para se contrapor à ExNEEF como instância organizativa no movimento estudantil de Educação Física. Apesar do nome ostentar o título “do Brasil”, suas ações e os membros participantes ainda se concentram em sua maioria esmagadora apenas no Rio de Janeiro. Na primeira diretoria, 9 dentre os 12 integrantes residiam no estado. A segunda diretoria, empossada em junho/2007, todos os 11 membros são fluminenses, o que ainda demonstra o quão incipiente é sua intervenção em terras tupiniquins. A CEEF-Br parece ainda viver uma falta de identidade, já que muitas vezes suas ações se misturam com as do CREFinho, inclusive na página da Internet (www.crefinho.org.br). Assim como seu oráculo, a Confederação também tem um canal de comunicação para divulgar suas ações e defender seus pontos de vista: o Discóbolo. Tem um projeto gráfico bastante despojado, reluzente em cores e uma linguagem jovem e coloquial. Sua periodicidade é semestral e até o momento presente da escrita deste artigo, estavam na quinta edição. Destacaremos brevemente algumas matérias. 3 Ver página www.crefinho.org.br 8 Na edição de estréia (out/2005), é abordado o curso de Tecnólogo em Recreação que a Universidade Estácio de Sá pretendia oferecer a partir de 2006. O texto mostra-se bastante crítico à novidade, contudo, sob os velhos argumentos da reserva de mercado. Defende que: o mercado dos profissionais de Educação Física sofrerá uma grande redução, visto que, em apenas 2 anos4, colocará profissionais no mercado. Desvantagem para nós, já que o curso de Educação Física dura 4 anos [...] O que a UNESA está oferecendo irá tomar vagas de vários profissionais [...] Precisamos lutar para que nossa profissão não morra e para preservar o nosso mercado de trabalho (CEEFBR, 2005, p.3). Sequer classificaremos essa defesa de econômico-corporativa nos termos de Gramsci, já que o intelectual italiano não deixava dúvidas quanto o irrestrito caráter da solidariedade a partir de uma unidade por grupo profissional, e não à prática de perseguição e denuncismo tão propagada pelos conselheiros. Sem dúvida, consideramos que os cursos de tecnólogos são problemáticos na medida em que oferecem um tipo especial de educação, não tão longa, nem tão densa quanto à graduação. Assim, questionamo-nos: a luta da CEEF-Br é contra os cursos de tecnólogo ou contra aqueles cursos que afetem diretamente o “mercado” da Educação Física? Mostrando que são correias de transmissão direta do CONFEF, trazem a defesa explícita da execrável prova de acesso à atuação profissional, a exemplo da pomposa OAB (CEEF-Br, 2006a). Este exame (tragicamente) acaba gerando uma política de emprego pelos conselhos profissionais. Apesar de falsear o nível de formação do aluno e das universidades, cria uma verdadeira indústria de cursinhos preparatórios e, ainda por cima, desautoriza uma significativa parcela dos professores graduados a trabalharem. De repente, é dessa forma que esperam combater o desemprego no campo da Educação Física. Em boletim informativo datado de setembro de 2006, a CEEF-Br faz coro aos seus representantes superiores e pede votos a candidatos “amigos da Educação Física”, tanto da base do governo, quanto da oposição. Tudo em nome do “Partido da EF”. As duas ações mais significativas da CEEF-Br até agora foram a sua participação no processo da Conferência Estadual dos Esportes, no Rio de Janeiro, e a criação de uma 4 Negrito do original. 9 carteirinha para estágios. No primeiro caso, o governo federal manifestou interesse em criar a figura do Agente de Esporte e Lazer. Seu papel nas políticas do Ministério do Esporte não estava claro, mas a informação produziu uma grita generalizada, em que o CREF-1 e seus aparelhos estudantis foram parte significativa da manifestação em que o CONFEF parece ter optado pela discrição, com vistas a futuras negociações. A CEEF-Br participou ativamente da Conferência Estadual realizada em Niterói e elegeu delegados para representarem o Rio de Janeiro em caráter nacional (CEEF-Br, 2006b). Desde a criação do antigo Conselhinho, o CREF-1 já manifestava sua intenção em interferir nos processos de estágio, responsabilidade do processo de formação universitária Após a promulgação da resolução 037/05, que dispunha sobre a regulamentação do estágio em Educação Física, no ano seguinte o tema volta à baila em uma nova resolução (045/06); desta vez, trazendo a nefasta novidade contida no artigo 11º: A participação na vivência profissional para efeito da fiscalização e controle, dependerá: § 1º - Obrigatoriamente da apresentação pelo acadêmico da carteira de estudante, do ano vigente, expedida pelo CREF-1 (CREF1, 2006, s/p). A medida é apresentada pela CEEF-Br (2007) como necessária para “acabar com falsos estagiários que tomam nosso espaço de atuação” (p.2). Além disso, argumentam que a carteira torna possível que os estudantes e a entidade possam intervir diretamente nos rumos da EF. Pretendem, através de uma falsa consciência e um sentimento de unidade, convencer os discentes de que se trata de uma ação de fortalecimento da “categoria”. Não pretendem meramente impor uma ilusão, mas a ideologia dominante pretende “comunicar a seus sujeitos uma versão da realidade social” (Eagleton, 1997, p.27). A inserção da lógica empresarial para manter subservientes à lógica capitalista os estudantes dá-se, portanto, através dessas duas facetas: a hegemonia dos currículos adequados à formação de força de trabalho obediente e polivalente e a cooptação desde cedo para gerir os interesses dos opressores e se beneficiar com as migalhas oferecidas. É preciso que entendamos e partamos das relações sociais de produção para identificar o posicionamento de classe que o setor discente atrelado ao sistema CONFEF/CREFs exerce, pois, de acordo com Marx & Engels (s/d) 10 A produção de idéias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao ‘comércio material dos homens’; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica etc. de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas idéias etc [...] parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas deste processo vital. [...] Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. (p. 9) Nesse sentido, não causa estranheza que o CREFinho e a CEEF-Br atuem sob orientação de uma lógica empresarial nos mesmos moldes de uma empresa privada, refletindo, em certa medida, as posições mercantis e privatistas do seu organizador, o Sistema CONFEF/CREFs. Destacam-se dois exemplos. Em 2007, por conta da realização da Maratona do Rio de Janeiro, o CREFinho exerceu o papel de recrutamento de voluntários ao evento, intermediando o contato entre a organização e os candidatos. O que poderia se constituir em uma mera divulgação de um evento, ganha ares de oportunidade de arregimento de novos associados, visto que, o “perfil” desejado dos candidatos/voluntários exigia como primeiro item ser filiado à CEEFBr. O outro exemplo a ser destacado diz respeito à concepção de movimento estudantil sustentada pelas entidades. Utilizando a página de relacionamentos Orkut como significativo veículo de comunicação com seu público-alvo, o discurso utilizado se ampara na imprecisa defesa da “conquista de reconhecimento e status profissional”, o que, desgraçadamente, acaba por reforçar um sentimento autocomiseração, procurando despertar a compaixão e a piedade da sociedade quanto à precária situação do trabalho para os professores e estudantes de Educação Física. A transformação desse sentimento colonizado poderia começar a ser revertido a partir de uma reflexão profunda sobre qual tipo de atuação se espera de uma entidade representativa. O caminho que tem sido levado adiante por tais entidades é o de matriz estritamente corporativa, operando sob uma lógica empresarial e privatista e mediando o contato direto com sua base por meio do condenável estilo clube de vantagens, oferecendo aos estudantes vários benefícios como descontos em academias, produtos diversos e locais para lazer. Além de não empreenderem a luta contra 11 aqueles que exploram e usurpam o trabalho dos discentes, desfrutam da exploração para um apoderamento de si próprio. Nutre-se um incrustado pensamento burguês que se depara com a barreira intransponível de fazer a apologia da ordem das coisas existentes, ou, pelo menos, a demonstração de sua imutabilidade. Desse modo, torna-se insolúvel ao pensamento corporativo-burguês dessas entidades dar um passo adiante, no sentido de forjar uma consciência de classe para si. No pensamento de Lukács, [...] a consciência de classe da burguesia, mesmo no caso de poder refletir, com a maior clareza possível, todos os problemas de organização dessa dominação, da revolução capitalista e de sua penetração no conjunto da produção, deve obscurecer-se necessariamente a partir do instante em que surgem, no interior da experiência burguesa, problemas cujas soluções se encontram para além do capitalismo (p.7). CONCLUSÕES A primeira década de existência de um conselho profissional para a Educação Física está se consolidando por meio da velha fórmula coerção mais persuasão. Se, por um lado, o Sistema CONFEF/CREFs não se absteve de utilizar o aparato jurídico-legal a seu favor, decerto que sua parcial hegemonia, mesmo que combalida e sem total respaldo, também foi fruto de um trabalho de convencimento junto aos diversos segmentos que compõem o impreciso campo da Educação Física. Os estudantes, longe de serem ingênuos, ainda se encontram imersos num mundo novo com descobertas a fazer. As disciplinas curriculares, as palestras e eventos acadêmicos, os cursos extracurriculares, o movimento estudantil... são algumas das dimensões possíveis e desejáveis que os discentes vivenciem (ou deveriam vivenciar) durante sua formação. Possivelmente mais receptivos às novidades que pululam a todo o momento na sociedade, certamente se constituem em alvo a ser conquistado pelas forças políticas que pretendem consolidar e exercer sua visão de mundo. Nesse sentido, é que não nos surpreendem os embates entre o Movimento Estudantil de Educação Física/Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física e o CREFinho/CEEF-Br. Enquanto o MEEF vem ao longo de sua existência pautando e problematizando as questões acerca da Educação Física dentro de um olhar amplo, que 12 procure enxergar na totalidade social a categoria central que norteia seus debates, o CREFinho/CEEF-Br exerce funções estritamente corporativistas, seguindo a obediência de sua estrutura centralizadora. O trabalho evidenciou dois aspectos relevantes: o projeto de poder do Sistema CONFEF/CREFs, que, na tentativa de construir sua própria legitimidade para falar em nome dessa categoria profissional, fomenta entidades estudantis, que tem como missão principal, a de naturalizar desde cedo o ideário da regulamentação profissional; intimamente relacionando-se com o primeiro aspecto, os limites dessas entidades como instâncias representativas dos estudantes, na medida em que, em última instância, respondem à sua real base de sustentação: os conselheiros. Sob inspiração lukacsiana, argumentamos que na sociedade capitalista, as relações sociais transformam-se em 'coisificação', dificultando ou impedindo que se forje uma consciência de classe enquanto um sentido de construção histórica, levada adiante pelos homens. Por vivermos sob o modo de produção capitalista e nos posicionarmos ao lado dos interesses da classe trabalhadora, cabe-nos combater o conjunto das práticas mantenedoras do sistema assim como os seus operadores, a fim de acumularmos forças para a construção do projeto histórico socialista. REFERÊNCIAS ALVES, Melina. Diretrizes Curriculares Nacionais: um olhar através da vivência no Movimento Estudantil de Educação Física. Monografia (Licenciatura em Educação Física). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. BRASIL. Lei n. 9649/98, de 27 de maio de 1998. Dispõe sobre a organização da Presidência República e dos Ministérios, e dá outras providências. Disponível em: http://www.lei.adv.br/9649-98.htm, acesso em 8 nov. 2007. ______. CNE/CES. Resolução n GH GH PDUoR GH ,QVWLWXL DV 'LUHWUL]HV Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena. CEEF-Br. Protesto contra o curso de Tecnólogo em Recreação que a UNESA irá oferecer. 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Inserção mercadológica dos egressos das instituições de ensino superior de Educação Física do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Ciência da Motricidade Humana). Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, 1999. 15
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