Procedimentos europeus transfronteiriços

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Procedimentos europeus transfronteiriços
Caso prático relativo a “Pactos
atributivosde jurisdiçãoe medidas
cautelares e provisórias”
Procedimentos europeus
transfronteiriços
Project
“Using EU Civil Justice Instruments: Development of training
materials and organisation of test seminars“
(Agreement No. JUST/2013/JCIV/AG/4686)
This publication has been produced with the financial support of the Civil Justice Programme of
the European Union. The contents of this publication are the sole responsibility of ERA and can in
no way be taken to reflect the views of the European Commission .
Tópico 2 Procedimentos europeus transfronteiriços
Caso prático relativo a “Pactos atributivos de jurisdição e medidas cautelares e provisórias”
1
Caso prático
Hulley GmbH é uma empresa que tem a sua atividade comercial na Alemanha. Em 2006,
celebrou um contrato de longa duração com a Vivos SARL, uma empresa que tem a sua
atividade comercial em França. Nos termos do acordo, a Vivos ficou encarregue de
fornecer à Hulley válvulas de indução especiais, que a Hulley utiliza na fabricação de
motores diesel vendidos a empresas de extração de petróleo em todo o mundo. A Vivos
vinculou-se igualmente em não fornecer as suas válvulas de indução de gama alta a
outras empresas na Alemanha, em contrapartida de a Hulley comprar em cada ano um
número mínimo desses produtos de gama alta.
Em junho de 2014, a Vivos informa a Hulley que deseja modificar os termos do acordo
acima referido, de forma a poder vender as suas válvulas de gama alta a outras empresas
na Alemanha. A Vivos argumenta que pretende aumentar a sua quota de mercado na
Alemanha e que consequentemente necessita vendê-las a outros clientes. A Vivos
acrescenta que a mudança não é contrária ao contrato, pois já tinha informado a Hulley,
por correio eletrónico em fevereiro de 2014, da sua intenção de angariar novos clientes
na Alemanha, correio electrónico ao qual a Hulley não respondeu. Segundo a Vivos, é
possível deduzir-se desse contacto que as partes tinham concordado desistir do
compromisso de exclusividade inicialmente assumido pela Vivos.
A Hulley fica irritada e alega que aquela mudança constitui uma violação substancial do
contrato. A Hulley acrescenta que se opõe frontalmente à proposta de mudança durante
uma reunião entre as partes em maio de 2014. A Hulley possui uma nota interna que
resume as discussões tidas durante aquela reunião. Essa nota, no entanto, nunca foi
comunicada à Vivos.
A Hulley pretendia apresentar em tribunal um pedido de injunção que obrigasse a Vivos a
abster-se de fornecer válvulas de indução de gama alta a qualquer outra empresa na
Alemanha, pelo menos nos seis meses seguintes. A Hulley preparou igualmente um
pedido de indemnização para aquilo que na sua argumentação constitui um
incumprimento substancial do contrato com a Vivos. A Hulley irá pedir uma indemnização
substancial por esse incumprimento.
1
Elaborado pelo Prof. Patrick Wautelet, da Universidade de Liège.
O Seminário está integrado num programa de formação mais vasto organizado com o apoio financeiro do Programa Justiça Civil da União Europeia.
Esta publicação foi produzida com o apoio financeiro do Programa Justiça Civil da União Europeia. O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade do CEJ/ERA e não reflete a posição da Comissão Europeia.
1
O contrato inclui uma disposição que atribui a competência aos tribunais franceses para
todos os litígios. A escolha do tribunal diz o seguinte: "Todos os litígios serão
exclusivamente dirimidos pelos tribunais de Lyon, França. Os processos devem ser
conduzidos exclusivamente na língua francesa e devem ser exclusivamente regidos pelo
direito francês".
Secção I: Uma primeira investigação do caso pelo tribunal
Suponha que é um tribunal alemão de primeira instância . A Hulley apresenta um pedido
de providência cautelar (requerendo que a Vivos fique proibida de fornecer as válvulas de
gama alta a qualquer outro concorrente na Alemanha) e um pedido de apreciação quanto
ao mérito da causa (pedindo uma indemnização pelo alegado incumprimento do
contrato).
Pergunta 1
Depois de receber o mandado de execução, a Vivos respondeu, enviando-lhe uma curta
mensagem. Na mensagem, a Vivos indica que "Este caso não é da sua competência", sem
mais detalhes ou explicações. Como é que deve determinar se tem competência para
apreciar este caso?
1.
Primeira abordagem: identificar quais as regras aplicáveis
A primeira questão que deve ser abordada refere-se à identificação das normas aplicáveis. Cada
Estado-Membro dispõe das suas próprias regras de competência para os casos transfronteiriços
em matéria civil e comercial2. A par dessas regras, a União Europeia adotou vários Regulamentos
que incluem regras unificadas de competência.
Em matéria civil e comercial, o principal instrumento é o Regulamento de Bruxelas Ia3.
2
Por exemplo na Holanda, essas regras podem ser encontradas nos artigos 1 a 14 do Código de Processo Civil (“Wetboek van
Burgerlijke Rechtsvordering”). Nota para a pessoa responsável da formação: pode querer adaptar esta nota de rodapé e fazer
uma referência às regras de competência internacional aplicáveis no seu Estado-Membro aos processos civis e comerciais.
3
Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência
judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) JO, 20 de dezembro de 2012,
L-351/1.
O Seminário está integrado num programa de formação mais vasto organizado com o apoio financeiro do Programa Justiça Civil da União Europeia.
Esta publicação foi produzida com o apoio financeiro do Programa Justiça Civil da União Europeia. O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade do CEJ/ERA e não reflete a posição da Comissão Europeia.
2
O Regulamento Bruxelas Ia foi adotado em dezembro de 2012. Aplica-se a partir de
10 de janeiro de 2015. Este Regulamento substitui o Regulamento Bruxelas I
(Regulamento n.º 44/2001), que por sua vez substituiu a Convenção de Bruxelas de 27
de setembro de 1968. Todas essas versões prévias continuam, no entanto, a ter a sua
utilidade, já que a prática judiciária e, em particular, a jurisprudência do TJE
permanece
em
grande
medida
aplicável
relativamente
à
interpretação
do
Regulamento Bruxelas Ia.
Como parte integrante do Direito Europeu, o Regulamento Bruxelas Ia prevalece sobre as disposições de direito interno que regulam a matéria da competência internacional. Daí que não pode
ser feita qualquer referência às regras nacionais de competência quando se examina se os tribunais de um Estado-Membro têm competência sobre um caso transfronteiriço.
2.
Verificar se o Regulamento Bruxelas Ia pode ser aplicado
Cada Regulamento europeu tem um âmbito de aplicação específico numa determinada área da
justiça. Como primeiro passo para solução de um caso, é importante verificar se um determinado
Regulamento se aplica adequadamente a um determinado litígio.
A aplicação do Regulamento Bruxelas Ia exige que esse litígio possua uma dimensão transfron-
teiriça. Isto foi confirmado pelo Tribunal de Justiça4. Não existe uma definição precisa deste requisito. O Tribunal de Justiça esclareceu que a dimensão transfronteiriça de um caso pode resultar do envolvimento no litígio de vários Estados-Membros, porque as partes estão domiciliadas
nesses Estados ou porque o âmbito de aplicação dos processos está ligado a esses Estados. Pode igualmente resultar do envolvimento no litígio de um Estado-Membro e de um não EstadoMembro. No presente caso, o litígio apresenta uma dimensão transfronteiriça já que ambas as
partes estão domiciliadas em Estados-Membros diferentes.
O âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas Ia ainda é determinado por três questões preliminares, a saber:
(i)
se os factos se enquadram no âmbito de aplicação material do Regulamento (secção 2.1
infra);
(ii)
4
se os factos se enquadram no âmbito de aplicação geográfica do Regulamento (secção
Ver e.g. ECJ case C-281/02, Owusu, [2005] ECR I-1383, para. 25.
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2.2 infra);
(iii)
se os factos se enquadram no âmbito de aplicação temporal do Regulamento (secção 2.3
infra).
2.1
Âmbito de aplicação material
Com base no Artigo 1.º, o Regulamento aplica-se em matéria civil e comercial.
Alguns litígios, no entanto, estão excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do
Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»). O Regulamento não se aplica: ao estado e à capacidade jurídica das pessoas singulares ou aos regimes
de bens do casamento ou de relações que, de acordo com a lei que lhes é aplicável, produzem
efeitos comparáveis ao casamento; às falências, concordatas e processos análogos; à segurança
social; à arbitragem; às obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco,
casamento ou afinidade; aos testamentos e sucessões, incluindo as obrigações de alimentos resultantes do óbito.
Todas estas exclusões devem ser abordadas detalhadamente porque são relativamente difíceis de
aplicar e exigem uma determinação precisa. É necessário assegurar-se de que se compreende
bem os limites de cada exclusão. No que concerne à insolvência, por exemplo, nem todos litígios
decorrentes ou relacionados com uma situação de insolvência estão excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento. Tal só ocorre no caso de o litígio decorrer diretamente de uma situação
de insolvência ou estar estreitamente ligado ao processo de insolvência5.
5
Ver caso 133/78, Gourdain v Nadler, at para. 4.
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4
O significado exato da expressão «matéria civil e comercial» é difícil de
determinar. De acordo com o Tribunal de Justiça, devemos ter em conta o âmbito
de aplicação do litígio e a natureza da relação estabelecida entre as partes, a fim
de apreciar se um caso diz respeito a uma matéria civil ou comercial. Pode inferirse a partir desta jurisprudência que matéria civil e comercial pode contrapor-se a
matérias em que uma entidade pública esteja envolvida num litígio. Segundo o
Tribunal, embora certas ações entre uma entidade pública e uma pessoa de
direito privado possam ser abrangidas no âmbito do Regulamento, a situação é
distinta quando a entidade pública atua ao abrigo dos seus poderes públicos. Em
qualquer caso, o conceito de «matéria civil e comercial» deve ser considerado
como um conceito independente que deve ser interpretado em referência não à
lei interna dos Estados-Membros, mas aos objetivos e regime do Regulamento.
No presente caso, o Regulamento é aplicável. O contrato entre a Hulley e a Vivos parece abranger, de facto, uma relação comercial, porque é um contrato de fornecimento de bens que a Hulley utilizará para posterior fabricação. Não se enquadra em qualquer das matérias excluídas. Por
isso, o caso enquadra-se perfeitamente no âmbito de aplicação material do Regulamento.
2.2
Âmbito de aplicação geográfica
Para que o Regulamento Bruxelas Ia se aplique, o caso deve ter uma ligação clara à União Europeia. O Considerando (13) do Preâmbulo indica a esse respeito que "deverá haver uma ligação
entre os processos a que o presente Regulamento se aplica e o território dos Estados-Membros".
Em geral, este é o caso quando o requerido está domiciliado num Estado-Membro. Isto resulta
dos Artigos 4.º a 6.º do Regulamento. De acordo com o Considerando (13), "devem, portanto,
aplicar-se, em princípio, as regras comuns em matéria de competência sempre que o requerido
esteja domiciliado num Estado-Membro".
O conceito de "domicílio" encontra-se regulado nos Artigos 62.º e 63.º do Regulamento. O domicílio da pessoa coletiva é no lugar em que tiver a sua sede social, a sua administração central
ou o seu estabelecimento principal.
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Por conseguinte, o Regulamento pode aplicar-se a uma empresa ou uma pessoa domiciliada fora
da União Europeia.
No presente caso, tanto a Hulley como a Vivos estão instaladas e celebram negócios nos Estados-Membros. Não há razão para supor que não estejam domiciliadas nesses Estados-Membros.
Note que existem subtilezas e exceções à regra que o Regulamento se aplica, em
princípio, quando o requerido reside no território de um Estado-Membro. É o caso,
por exemplo, da competência exclusiva pelos Estados-Membros. O artigo 24.º do
Regulamento é claro ao estatuir que este se aplica "independentemente do domicílio
das partes". Da mesma forma, as disposições do Regulamento relativas a contratos
de consumo e de trabalho podem aplicar-se a situações em que o requerido está
domiciliado fora da UE (ver Artigo 18.º(1) e 21.º(2) do Regulamento). Outra exceção
encontra-se no artigo 25.º, relativo ao acordo exclusivo de eleição do foro
competente, e que será tratada infra (secção II - questão 1).
2.3
Âmbito de aplicação temporal
Nos termos do Artigo 81.º, o Regulamento aplica-se a partir de 10 de janeiro de 2015. O Artigo
66.º indica que o Regulamento só se aplica às ações judiciais intentadas nessa data ou após essa
data.
Às ações judiciais instauradas antes dessa data continua a aplicar-se o Regulamento Bruxelas I. O
facto de o Regulamento Bruxelas entrar em vigor durante a pendência das ações judiciais não
determina a aplicabilidade direta do Regulamento a tais ações.
Os factos do caso não indicam quando o pedido será apresentado. Como o Regulamento Bruxelas Ia irá substituir o Regulamento Bruxelas I, partimos do pressuposto de que o caso foi iniciado
em 11 de janeiro de 2015. Por conseguinte, o caso enquadra-se igualmente no âmbito de aplicação temporal do novo Regulamento.
3.
O papel do tribunal nos termos do Regulamento Bruxelas Ia: verificação da compe-
tência
Neste caso, o requerido informou o tribunal que "este caso não é da sua competência", sem
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fornecer qualquer pormenor adicional. Os participantes devem examinar qual é o impacto desta
observação na obrigação de o tribunal verificar a sua competência.
Nos termos das regras processuais nacionais, um tribunal pode ter de verificar a sua competência ex officio em todos os casos. Quando o litígio se enquadra no âmbito do Regulamento Bruxelas Ia, a questão de saber se o tribunal deve verificar oficiosamente a sua competência ou se,
pelo contrário, devem as partes suscitar a questão da competência é regulada nos Artigos 27.º e
28.º. De acordo com essas disposições, um tribunal só deve verificar oficiosamente a sua competência se:
o litígio for respeitante a uma das matérias para as quais o Artigo 24.º preveja competência
–
exclusiva, desde que o pedido tenha "a título principal" relação com uma dessas matérias (Artigo
27.º);
o requerido não comparecer em juízo, desde que esteja domiciliado num Estado-Membro
–
(Artigo 28.º).
No presente caso, parece não haver qualquer razão para aplicar a regra de competência exclusiva
contida no Artigo 24.º. Os participantes devem também refletir sobre a questão de saber se este
é um caso de incumprimento, previsto nos termos do Artigo 28.º. A Vivos enviou uma pequena
nota que levantava a questão da competência do tribunal. Coloca-se a questão de saber se o
tribunal deve considerar que o requerido não compareceu, nestas circunstâncias, perante o tribunal.
Não devem ser efetuadas quaisquer referências às regras nacionais de processo civil do tribunal
onde o pedido é proposto, a fim de determinar se o requerido compareceu. O conceito de requerido que não comparece em juízo previsto no Artigo 28.º deve ser interpretado tendo presente o Artigo 19.º do Regulamento de Citação e Notificação de Atos6. O Artigo 19.º impõe
também a obrigação ao tribunal onde o pedido é proposto quando o "requerido não tiver comparecido". O Artigo 28.º do Regulamento Bruxelas Ia faz, de facto, uma referência ao Artigo 19.º
do Regulamento de Citação e Notificação. Ambas as regras destinam-se a proteger requeridos
domiciliados nos Estados-Membros.
No presente caso, a questão de saber se a Vivos compareceu em juízo não tem relevância prática: ou se considera que ao enviar a nota ao tribunal alemão a Vivos compareceu (neste caso, o
6
Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à
notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos), JO,
10 de dezembro de 2007, L-324/79.
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artigo 28.º não se aplica, mas o tribunal deve atender à nota e verificar a sua competência, que a
Vivos pôs em causa), ou se entende que a Vivos não compareceu e o artigo 28.º exige que o
tribunal verifique a sua competência.
Não existe uma definição pacificamente aceite sobre a obrigatoriedade de um
tribunal verificar ex officio a sua competência no âmbito dos Regulamentos da UE
que regulam questões transfronteiriças. Em alguns Regulamentos, o tribunal tem
uma obrigação restrita de verificar a sua competência por iniciativa própria - este é
o caso do Regulamento Bruxelas Ia. Outros Regulamentos impõem uma obrigação
geral que exige aos tribunais dos Estados-Membros verificar a sua competência em
todos os casos – é o caso do Regulamento Bruxelas IIa (Artigo 17.º do
Regulamento 2201/2003), do Regulamento em Matéria Sucessória (Artigo 15.º do
Regulamento 650/2012) e do Regulamento das Obrigações Alimentares (artigo 10.º
do Regulamento n.º 4/2009).
Secção II: Pacto atributivo de jurisdição
Para esta secção, deve proceder com base na suposição de que a Vivos contestou
apropriada-mente a competência do tribunal de primeira instância alemão.
Pergunta 1
A cláusula de eleição do foro competente incluída no contrato entre a Vivos e a Hulley é
válida e executável?
1.
Introdução
As duas empresas envolvidas no litígio estão estabelecidas em Estados-Membros diferentes. Coloca-se a questão se o tribunal alemão ao qual foi apresentado o litígio tem competência para
julgar o caso. Visto que o contrato entre as partes inclui uma cláusula de eleição do foro, deve
em primeiro lugar verificar-se se esse acordo de eleição do foro é relevante e se, por via dele,
determina qual o tribunal competente.
No presente caso, levanta-se uma dificuldade adicional pelo facto de a Hulley pretender em pri-
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meiro lugar uma medida cautelar (ou seja, uma injunção que proíba a Vivos de fornecer os seus
concorrentes). Assim, deve estudar-se a interação entre as regras de competência para conhecer
o mérito da causa e a regra específica de competência relativa à medida provisória e cautelar
(Artigo 35.º).
O Regulamento Bruxelas Ia oferece duas possibilidades quanto à competência judiciária relativamente a pedidos de medidas provisórias ou cautelares: de facto, tais pedidos podem ser apresentados num tribunal com competência para apreciar o mérito da causa. No caso van Uden, o
Tribunal de Justiça assinalou que o tribunal com competência para apreciar o mérito da causa de
um caso, em conformidade com as disposições do Regulamento, também tem competência para
ordenar qualquer medida provisória ou cautelar que possa revelar-se necessária7. O pedido de
medidas deste tipo pode igualmente ser apresentado num tribunal com competência específica
para tais medidas, nos termos da disposição específica relativa a esta medida, ou seja, o Artigo
35.º. O Artigo 35.º do Regulamento acrescenta outra regra de competência que visa especificamente pedidos de medidas provisórias ou cautelares. Essa regra permite a um tribunal ordenar
medidas provisórias ou cautelares, mesmo que não tenha competência para conhecer o mérito
da causa8.
A distinção entre as duas hipóteses é importante, já que os requisitos que devem ser observados
para a atribuição de competência são diferentes nas duas situações: se o tribunal tem competência para conhecer o mérito da causa, tem igualmente competência para ordenar medidas provisórias ou cautelares "sem que essa competência seja sujeita a quaisquer outras condições"9. Se,
por outro lado, o tribunal só tem competência nos termos do Artigo 35.º, devem ser cumpridos
requisitos adicionais.
Com vista a determinar, no presente caso, se os tribunais alemães têm competência para conhecer o mérito da causa, deve analisar-se, em primeiro lugar, a cláusula relativa à escolha do tribunal: se o acordo de eleição do foro é válido e executável, este concede competência exclusiva
sobre o mérito da causa aos tribunais franceses (Artigo 25.º). Assim, os tribunais alemães não
têm possibilidade de reivindicar a competência para conhecer o mérito da causa (utilizando ou o
Artigo 7.º(1) do Regulamento ou o Artigo 4.º do Regulamento, já que estas disposições são ex7
van Uden Maritime Line v Firma Deco-Line, caso C-391/95, para. 19; ver igualmente Mietz v Internship Yachting Sneek BV, caso C-
99/96, para. 40-41.
8
van Uden Maritime Line v Firma Deco-Line, caso C-391/95, para. 20.
9
van Uden Maritime Line v Firma Deco-Line, caso C-391/95, para. 22.
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cluídas com eleição do foro). Portanto, a única possibilidade de aos tribunais da Alemanha ser
atribuída competência sobre o pedido de medida provisória é através ao Artigo 35.º.
Se, por outro lado, o acordo de eleição do foro não é válido ou não é executável, os tribunais
alemães têm competência relativamente ao mérito da causa com recurso ao Artigo 7.º(1). Por
conseguinte, o exame deve ser, em primeiro lugar, relativo à validade e à aplicabilidade do acordo de eleição do foro.
2.
Princípio: os acordos exclusivos de eleição de foro competente devem ter plena efi-
cácia
O contrato entre a Hulley e a Vivos inclui a escolha dos tribunais franceses. A questão que se
levanta é de saber se esta eleição do foro é válida e executável e se pode ser relevante para os
vários processos que a Hulley gostaria de instaurar, ou seja, um pedido de medidas provisórias e
cautelares e um pedido sobre o mérito da causa.
O Regulamento Bruxelas Ia permite às partes escolher o tribunal que tem competência para julgar o litígio. Essa liberdade está reconhecida e regulamentada no Artigo 25.º.
A liberdade de escolha do tribunal não é limitada a questões contratuais, ainda que, na prática,
seja utilizada com mais frequência quando as partes estão vinculadas por um contrato. Pode
igualmente ser exercida quando as partes estejam envolvidas num litígio relativo a um delito
transfronteiriço.
Em princípio, o Regulamento só se aplica se uma das partes estiver domiciliada num EstadoMembro (Artigos 4.º a 6.º). No entanto, o Artigo 25.º possui um âmbito de aplicação mais vasto.
Com efeito, pode ser aplicado “independentemente do seu domicílio”. O domicílio das partes não
é relevante quando se analisa a aplicabilidade do Artigo 25.º. Isto é uma modificação do anterior
Regulamento: nos termos do Artigo 23.º do Regulamento Bruxelas I, a disposição relativa aos
acordos de eleição do foro só era aplicável se pelo menos uma das partes (requerido ou requerente) estivesse domiciliada num Estado-Membro. No presente caso, é evidente que o Artigo 25.º
se aplica já que ambas as partes estão estabelecidas em Estados-Membros.
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Para que os acordos de eleição do foro sejam válidos e aplicáveis nos termos do Regulamento,
devem ser cumpridos vários requisitos. Vamos agora verificar se esses requisitos estão cumpridos
no presente caso.
Tome nota ainda que a UE assinou a Convenção de Haia relativa a Pactos de
Jurisdição de 30 de junho de 2005. Essa Convenção poderá em breve entrar em
vigor. Essa Convenção estabelece normas relativas à validade e aos efeitos dos
acordos de eleição do foro. Exige que os tribunais dos Estados Contratantes
apliquem esses acordos: os tribunais que não foram escolhidos pelas partes são
obrigados a suspender ou não aceitar processos (Artigo 6.º), que os tribunais eleitos
pelas partes são obrigados a apreciar (Artigo 5.º). A Convenção também exige que
os Estados Contratantes apliquem as decisões estrangeiras proferidas por um
tribunal ao qual tenha sido dada competência exclusiva pelas partes. Entre EstadosMembros da UE, o Regulamento Bruxelas Ia continuará a aplicar-se e não será
substituído pela Convenção da Haia. Só será exigida a um tribunal de um EstadoMembro a aplicação da Convenção se uma das partes do caso residir num Estado
Contratante que não é um Estado-Membro da UE (Artigo 26.º(6)(a)) ou se a questão
disser respeito ao reconhecimento ou execução de uma decisão que procede de um
tribunal de um Estado Contratante que não é um Estado-Membro da UE (Artigo
26.º(6)(b)).
2.1
Aplicabilidade da cláusula relativa à eleição do foro competente
Nos termos do Regulamento Bruxelas Ia, os acordos exclusivos de eleição do foro competente
podem ser celebrados para todos os litígios que se enquadram no Regulamento. O Regulamento, no entanto, faz uma exceção para certos tipos de litígios.
Os acordos de eleição do foro não podem, por exemplo, derrogar a competência exclusiva concedida pelo Artigo 24.º (Artigo 22.º do Regulamento Bruxelas I). Se um tribunal é escolhido e
tem a sua competência atribuída pelo acordo de eleição do foro, deve, no entanto, declarar-se
oficiosamente incompetente se tomar conhecimento que o litígio em questão se enquadra numa
das cinco categorias de competência exclusiva previstas no Artigo 24.º (Artigo 22.º do Regulamento Bruxelas I).
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Os acordos de eleição do foro competente contidos em certos tipos de contratos, tais como
contratos individuais de trabalho, contratos de consumo e contratos de seguro, estão igualmente
sujeitos a limitações significativas. Podem não ser válidos exceto se forem celebrados pelas partes após o surgimento do litígio ou noutras circunstâncias específicas10.
Nenhuma destas limitações parece estar presente no caso em apreço. Por isso, o acordo de eleição do foro competente é, prima facie, executável.
2.2
Validade formal dos acordos de eleição do foro competente
Para que os acordos de eleição do foro competente sejam válidos, devem respeitar certos requisitos formais. Estes requisitos encontram-se especificados no Artigo 25.º do Regulamento Bruxelas Ia. Não podem ser aplicados os requisitos formais decorrentes da lei interna dos EstadosMembros.
Em suma, um acordo exclusivo de eleição do foro competente é válido nos termos do artigo 25.º
se:
–
for celebrado por escrito. O acordo de eleição do foro competente pode ser inclu-
ído num contrato individual assinado pelas duas partes. Pode igualmente ser incluído nas
cláusulas contratuais gerais de uma das partes. Neste último caso, uma referência expressa às condições gerais deve ser incluída no contrato assinado pelas partes ou nos documentos trocados entre elas. Aplicam-se regras especiais quando o contrato é celebrado
com referência a propostas ou documentos anteriores. O acordo de eleição do foro pode
ser igualmente válido se constar num documento da autoria de uma das partes, que foi
comunicado à outra parte, mesmo se esta última não tenha reagido, desde que as partes
tenham celebrado negócios no passado utilizando o mesmo modelo. Ao analisar se as
partes celebraram de facto um acordo por escrito, pode ser tida em conta qualquer forma de comunicação por meios eletrónicos, como o correio eletrónico.
–
for concluído sob uma forma reconhecida pelas práticas que as partes estabelece-
ram entre elas. Isto exige que as partes tenham celebrado negócios em conjunto, repeti-
10
Ver Artigo 19.º do Regulamento Bruxelas Ia para contratos de consumo e Artigo 23.º do Regulamento Bruxelas I para litígios
laborais.
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damente, no passado, utilizando o mesmo modelo para a conclusão do seu acordo.
–
for concluído, em termos de comércio internacional, numa forma conforme à utili-
zação que as partes têm ou devem ter conhecimento e que é amplamente conhecida e
regularmente respeitada pelas partes em contratos do mesmo tipo ligados a um comércio específico.
No presente caso, podemos supor com sensatez que o contrato de fornecimento de longo prazo
entre a Vivos e a Hulley foi concluído por escrito tal como contido no contrato assinado por
ambas as partes. Assim, o acordo de eleição do foro competente cumpre os requisitos formais
do Artigo 25.º. Não há necessidade de considerar outros requisitos. Basta que o acordo de eleição do foro seja válido nos termos de uma das hipóteses contempladas no Artigo 25.º.
O acordo de escolha do foro pode igualmente ser examinado quanto à sua validade substantiva.
Nos termos do Artigo 25.º do Regulamento Bruxelas Ia, isto deve ser efetuado exclusivamente à
luz da lei interna do Estado-Membro cujos tribunais foram escolhidos pelas partes. Isto inclui
uma referência às regras de conflitos de leis desse Estado-Membro. Por conseguinte, no presente
caso, deve ser aplicada a lei francesa. Não parece existir, no caso presente, qualquer fundamento
para duvidar da validade substancial da eleição do foro nos termos da legislação francesa.
3.
Execução dos acordos de eleição do foro competente
A partir do momento em que a eleição do tribunal é válida e aplicável, deve em princípio ser
cumprida. Par tal, a competência deve ser atribuída ao tribunal designado pelas partes. Se uma
parte inicia a ação judicial em tribunal distinto do tribunal escolhido, o tribunal escolhido não é
obrigado, no entanto, por iniciativa própria a verificar a sua competência. Este deve aguardar até
que uma das partes conteste a sua competência. Nesse caso, deve verificar a sua competência.
Se o requerido não exceciona a incompetência, o tribunal deve concluir que tem competência,
mesmo tendo as partes escolhido outro tribunal. O facto de o requerido não contestar a competência do tribunal significa que essa parte aceitou a competência do tribunal onde é intentada a
ação (Artigo 26.º).
No entanto, como já foi explicado, o Regulamento Bruxelas Ia torna possível pedir uma medida
provisória e cautelar não apenas a um tribunal com competência para conhecer o mérito da causa, mas igualmente a um tribunal com competência específica nos termos do Artigo 35.º. É pois
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necessário examinar qual é o impacto do acordo de eleição do foro no âmbito do Artigo 35.º.
Pergunta 2
Qual é o efeito da cláusula de eleição do tribunal quanto à possibilidade de a Hulley pedir
uma medida provisória?
1.
Elaboração do conceito de acordo de eleição do foro na generalidade
Supondo que o acordo de eleição do foro competente é válido e aplicável, resta analisar uma
última questão, ou seja, se o acordo também se aplica quando o requerente pede uma medida
provisória e cautelar. À primeira vista, isto pode parecer uma pergunta bastante teórica. Pode, no
entanto, ter um impacto prático significativo.
O acordo de eleição do foro competente pode ter dois tipos de consequências: em primeiro
lugar atribui competência ao tribunal escolhido (chamado efeito de 'prorrogação'); em segundo
lugar pode igualmente ter como efeito a exclusão da competência de todos os outros tribunais
(chamado efeito de «derrogação»).
Olhando para o efeito de prorrogação, podemos questionar se as partes no contrato de fornecimento de longo prazo decidiram atribuir a competência ao tribunal francês, não só para dirimir
um litígio sobre o mérito da causa, mas igualmente para ordenar medidas provisórias ou cautelares.
Isto é uma questão de interpretação ou de construção do acordo de eleição do foro competente.
Tais acordos são, de facto, em primeiro lugar, contratos e podem, portanto, ser interpretados
como outros contratos. No caso de acordo de eleição do foro, a questão está em saber se as
partes entenderam que o tribunal escolhido também deve ter competência nos litígios relativos a
medidas provisórias ou cautelares, ou se a sua intenção era atribuir competência aos tribunais
franceses apenas em relação ao mérito da causa.
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De acordo com o Tribunal de Justiça, tal interpretação deve ser feita pelo tribunal
competente. O Tribunal considerou que, de facto, cabe aos tribunais nacionais
resolver as questões de interpretação do âmbito dos acordos de eleição do foro, para
determinar quais os litígios que se enquadram nesse âmbito (Powell Duffryn plc v.
Petereit, caso C-214/89, par 30). Nesta base, o Tribunal de Justiça decidiu que cabe ao
tribunal nacional determinar se o acordo de eleição do foro invocado perante ele, que
refere "qualquer litígio relativo à interpretação, desempenho ou “outros aspectos" do
contrato", também abrange litígios relativos à validade do contrato (Francesco
Benincasa v Dentalkit Srl, caso C-269/95, par- 31).
Não é claro nos termos de que lei deve ser conduzido este processo de construção do acordo
de eleição do foro competente. O Artigo 25.º(5) do Regulamento prevê que os pactos atributivos
de jurisdição que fazem parte de um contrato "são tratados como acordo independente dos
outros termos do contrato". No entanto, esta disposição não dá indicações precisas sobre o processo de construção da cláusula de eleição do foro.
A interpretação da escolha do tribunal foca-se em primeiro lugar no enunciado utilizado pelas
partes. É muito comum nos acordos de eleição do foro incluir, pelo menos, uma certa especificação do seu âmbito, ou seja, a identificação de litígios que são cobertos pela eleição. Tornou-se
largamente aceite a esse propósito elaborar acordos de eleição do foro com referência a "todos
litígios decorrentes ou em relação com" um contrato.
É muito menos comum nos acordos atributivos de jurisdição incluir qualquer indicação sobre a
natureza dos litígios abrangidos, ou seja, se são apenas cobertos os litígios substantivos ou
igualmente os pedidos de medidas provisórias. Só em raras ocasiões se vê um acordo de eleição
do foro que menciona especificamente pedidos de medidas provisórias enquadrarem o seu âmbito.
2.
Construção do acordo de eleição do foro competente: formulário de pedido de me-
dida provisória ou cautelar?
No caso presente, o acordo de eleição do foro competente refere-se a "todos os litígios", sem
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qualquer outra indicação. O pedido sobre o mérito da causa enquadra-se diretamente nos quatro pontos deste acordo de eleição do foro. Se o pedido sobre o mérito da causa não se enquadrasse no acordo de eleição do foro seria inútil. É mais difícil, no entanto, determinar se as partes têm igualmente a intenção de atribuir aos tribunais franceses competência para os pedidos
de medidas provisórias.
Por um lado, pode argumentar-se que a frase genérica utilizada no acordo entre a Hulley e a
Vivos não se destinava a cobrir os pedidos de medidas provisórias. Se as partes tivessem desejado cobrir esses pedidos, podiam tê-lo dito explicitamente. Além disso, a cláusula do acordo de
eleição do foro fica substancialmente aquém de uma norma muito mais abrangente, que é amplamente utilizada na prática dos contratos transfronteiriços. Tornou-se habitual, para descrever o
âmbito de eleição do foro, referir "todos os litígios decorrentes ou relacionados com o presente
acordo". Assim pode muito bem ter acontecido que as partes não entenderam alargar o âmbito
do acordo de eleição do foro a processos relativos a medidas provisórias.
Por outro lado, também se pode argumentar que o texto do acordo de eleição do foro não permite que seja feita uma distinção entre os pedidos sobre o mérito da causa e os pedidos de
medidas provisórias. Outro argumento fundamental é assumir que as partes envolvidas numa
relação comercial pretenderem que todos os seus litígios sejam resolvidos por um único e mesmo tribunal (presunção a favor de uma "solução One Stop Shopping"), o que favorece a aplicação do acordo de eleição do foro mesmo para pedidos de medidas cautelares.
Ainda não existe qualquer orientação do TJE sobre esta questão. A prática corrente dos tribunais
dos Estados-Membros parece ser, na ausência de enunciado em contrário, que os acordos de
eleição do foro formulados em termos gerais podem ser construídos como igualmente extensivos a pedidos de medidas cautelares ou provisórias11. Por outras palavras, os tribunais aceitam
que, na ausência de indicações em contrário no acordo de eleição do foro, a escolha dos tribunais de um Estado-Membro atribui competência a esses tribunais tanto para medidas sobre o
mérito da causa como para medidas provisórias e cautelares.
De igual forma, a Convenção de Haia relativa a Pactos de Jurisdição de 2005 não resolve esta
questão. O seu artigo 7.º prevê, de facto, que as medidas provisórias não são regidas pela Con-
11
See e.g. CA Orléans, 7 Nov. 2012, Revue critique de droit international privé, 2003, 326, com comentários por Ancel. Ver
igualmente as referências mencionadas in Magnus/Mankowski, 2ª ed., Artigo 23º, núm. 152.
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venção. Como consequência, a Convenção "não requer nem exclui a atribuição, recusa ou revogação de medidas cautelares" por um tribunal e "não importa se uma das partes pode ou não
pedir ou o tribunal atribuir, conceder, recusar ou revogar tais medidas".
Assim, no presente caso, pode concluir-se que:
–
é absolutamente certo que qualquer pedido sobre o mérito da causa deve ser apresenta-
do em França, tal como exigido pelo acordo de eleição do foro competente.
–
é razoável presumir que os tribunais franceses cuja competência é atribuída pelas partes
pode igualmente, nesta base, apreciar um pedido de medidas provisórias e cautelares.
Pergunta 3
Pode o acordo de eleição do tribunal impedir a Hulley de requer medidas provisórias e
cautelares perante um tribunal alemão?
Na secção anterior, ficou claro que a Hulley pode pedir medidas provisórias ou cautelares nos
tribunais escolhidos pelas partes, ou seja, nos tribunais franceses. Resta agora examinar se a Hulley pode igualmente utilizar a possibilidade prevista no Artigo 35.º do Regulamento e requerer
medidas a um tribunal na Alemanha.
A questão é, mais precisamente, se a cláusula de eleição do foro competente não só exclui a
possibilidade para tribunais de outros Estados-Membros examinarem o mérito da causa, mas se
exclui igualmente a possibilidade de outros tribunais competentes nos termos do Artigo 35.º
ordenarem medidas provisórias ou cautelares. Se tal fosse o caso, o efeito de derrogação do
acordo de eleição do foro não só cobriria a competência sobre o mérito da causa de todos os
outros tribunais além do tribunal escolhido, mas estender-se-ia igualmente à competência de
outros tribunais decretarem medidas provisórias.
Isto é, de novo, em primeiro lugar, uma questão de construção adequada do acordo de eleição
do foro: dado o enunciado do acordo, será que se pode aceitar que ao atribuir competência aos
tribunais de um Estado-Membro, as partes entenderam excluir que seja apresentado em qualquer outro tribunal um pedido de medida provisória?
Na prática, é muito raro as partes especificarem no seu acordo de escolha do foro que o seu
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efeito derrogatório se estende igualmente a medidas provisórias. Assim, devemos considerar
outros elementos para tentar averiguar a intenção das partes.
Determinar a intenção das partes, no entanto, não será suficiente para resolver esta questão. A
possibilidade de requerer medidas provisórias ou cautelares poderá ser muito importante em
muitos casos. O Artigo 35.º visa garantir a possibilidade de serem ordenadas medidas rápidas
em casos urgentes. Nesse sentido, essa possibilidade faz parte do direito de acesso aos tribunais,
que é garantido pelo Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Isto explica a
razão pela qual é geralmente aceite a existência de uma cláusula de escolha de um tribunal, válida e executável, que atribui competência aos tribunais de um Estado-Membro, não impede os
tribunais de outro Estado-Membro de deterem competência com base no Artigo 35.º12. Por outras palavras, o efeito derrogatório do acordo de jurisdição não se estende à possibilidade de
decretar medidas cautelares.
Mesmo que as partes tenham projetado o seu acordo de eleição do foro de forma muito ampla,
incluindo não só medidas sobre o mérito da causa mas igualmente medidas provisórias, pode-se
argumentar que isso não exclui a aplicabilidade do Artigo 35.º. Ainda não existe orientação sobre
esta questão por parte do Tribunal de Justiça. A jurisprudência dos tribunais nos EstadosMembros é limitada, mas parece indicar que, pelo menos em matéria de medidas de urgência
necessárias para salvaguardar bens ou pessoas, o acordo de eleição do foro não substitui o Artigo 35.º13.
No presente caso, é verdade que ambos os pedidos de medidas da Hulley (o pedido de medidas
provisórias e o pedido relativo ao mérito da causa) surgem claramente porque a Hulley e a Vivos
estão vinculadas por um contrato e que esse contrato inclui um acordo de eleição do foro. O
que, todavia, não impede a Hulley de pedir uma medida provisória na Alemanha, desde que os
tribunais alemães tenham competência nos termos do Artigo 35.º. A questão que permanece,
portanto, é se os tribunais alemães têm competência nos termos do Artigo 35.º do Regulamento
12
13
E.g. Magnus/Mankowski, 2ª ed., Artigo 23, nr. 152 e as referências a outras obras.
Ver, por exemplo CFI Roterdão, 07 de abril de 2009, JOR 2009/266, com comentários Bertrams (o tribunal considerou que
poderia exercer jurisdição para decretar medidas provisórias, mesmo se o contrato entre as partes chamava à resolução de litígios
pelos tribunais da Hungria, já que a possibilidade de decretar medidas provisórias era uma questão de política pública); O Tribunal
de Recurso de Versalhes (França), 18 de novembro de 2009, N.° 07/01777 (disponível no www.legifrance.gouv.fr) - em que o
tribunal considerou que uma opção válida para os tribunais suíços tornou impossível para os tribunais franceses decretar uma
medida provisória, porque a medida requerida não era uma medida urgente destinada a salvaguardar a segurança das pessoas ou
a conservação de bens.
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para apreciar esse pedido de medidas provisórias.
Secção III: Medidas provisórias e cautelares
Ao responder a esta pergunta, deve assumir que o acordo de eleição do foro competente incluído no contrato entre a Vivos e a Hulleys não restringe a aplicação do Artigo 35.º do Regulamento.
Pergunta 1
Pode o tribunal alemão considerar que o pedido de injunção da Hulley constitui um
pedido de medidas cautelares ou provisórias nos termos do Artigo 35.º? Para responder a
esta pergunta, considere, por favor, que a Vivos ainda não prospetou o mercado alemão e
não encontrou novos clientes para as suas válvulas de admissão de gama alta.
1.
Introdução
Depreende-se da resposta à Secção II que a Hulley não é obrigada a pedir medidas provisórias
aos tribunais franceses. Poderia, em vez disso, pedir essas medidas a outro tribunal, desde que o
tribunal tenha competência numa base distinta do acordo de eleição do foro. A solução preferida
pela Hulley seria muito provavelmente pedir tais medidas aos tribunais alemães, por estar estabelecida na Alemanha e por ter uma melhor compreensão da maneira como funcionam os tribunais na Alemanha.
Deve, portanto, examinar-se se os tribunais na Alemanha poderiam ter competência para tal pedido. O único fundamento possível de competência pode ser encontrado no Artigo 35.º do Regulamento. Essa regra permite que um tribunal decrete medidas provisórias ou cautelares, mesmo que não tenha competência para conhecer o mérito da causa14. Para que o Artigo 35.º tenha
aplicação devem ser cumpridos vários requisitos, que terão de ser analisados. O primeiro desses
requisitos refere-se à definição de medida cautelar e provisória.
2.
14
O que são medidas cautelares e provisórias?
van Uden Maritime Line v Firma Deco-Line, caso C-391/95, para. 20.
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O Artigo 35.º do Regulamento não define quais as medidas cautelares ou provisórias que podem
ser decretadas. A disposição só se refere às medidas provisórias que estão previstas na lei interna
do Estado do tribunal no qual o pedido é apresentado. Existe uma grande diversidade de medidas disponíveis nos ordenamentos jurídicos dos vários Estados-Membros.
Assim, o Tribunal de Justiça tentou estabelecer uma definição europeia das medidas que podem
ser qualificadas como cautelares ou provisórias.
De acordo com o Tribunal de Justiça, as medidas provisórias e cautelares são medidas "destinadas a preservar uma situação de facto ou de direito, de modo a salvaguardar direitos cujo reconhecimento é pedido ao tribunal com competência quanto ao mérito da causa"15. Num caso
mais recente, o Tribunal acrescentou que "A concessão desse tipo de medida requer especial
atenção por parte do tribunal em questão e um conhecimento detalhado das circunstâncias atuais em que as medidas solicitadas devem produzir efeito. Dependendo de cada caso e, em especial, das práticas comerciais, o tribunal deve ser capaz de colocar um limite temporal na sua decisão ou, no que respeita à natureza dos bens ou mercadorias sujeitos às medidas contempladas,
exigir garantias bancárias ou nomear um administrador de falência e, na generalidade, sujeitar a
sua autorização a todas as condições que garantam o carácter provisório ou cautelar da medida
decretada"16. A questão da natureza provisória das medidas solicitadas é especialmente significativa quando o requerente pede um pagamento intercalar. Nesse caso, o reembolso ao requerido
deve ser garantido para que as medidas sejam de carácter provisório, no sentido do Artigo 35.º.
Para que a medida seja provisória, deve, portanto, ser reversível se se vier a constatar que não
tinha fundamento após a decisão sobre o mérito da causa. O exame deve incidir sobre a finalidade e os efeitos das medidas solicitadas. Não é, porém, necessário que as medidas cautelares
sejam qualificadas de provisórias, se a parte que as requereu já tiver intentado uma ação judicial
sobre o mérito da causa. Cabe ao tribunal escolhido proferir a sua decisão condicionada a limitações que ele considera adequadas para garantir o carácter provisório da medida. Assim fazendo,
o tribunal deve equilibrar os interesses das duas partes e ter em conta as circunstâncias específicas do caso.
No caso presente, a Hulley requer uma injunção que ordene à Vivos o não fornecimento de cer15
Reichert v Dresdner Bank (No. 2), caso C-261/90, para. 34.
16
van Uden Maritime Line v Firma Deco-Line, caso C-391/95, para. 38.
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tos bens aos concorrentes por um determinado período de tempo. Importa analisar se tal medida pode ser qualificada de protetiva na aceção do Artigo 35.º. Deve prestar-se atenção para as
possíveis consequências destas medidas. Como a Vivos ainda não encontrou novos clientes na
Alemanha, que seriam os concorrentes da Hulley dispostos a comprar as suas válvulas de indução de gama alta, uma injunção não iria interferir com os contratos já celebrados pela Vivos. Em
vez disso, o seu efeito seria impedir a Vivos de angariar novos clientes. O que é menos intrusivo
para a possibilidade de a Vivos celebrar negócios do que a injunção que possa afetar contratos
com novos clientes. Além disso, como a Hulley pediu uma injunção por seis meses, tal apenas
atrasaria a possibilidade de a Vivos encontrar novos clientes na Alemanha para suas válvulas de
indução de gama alta.
Resta, no entanto, a possibilidade de a injunção, mesmo limitada no tempo, poder afetar o volume de negócios da Vivos. Além de uma limitação temporal dos efeitos da injunção, o tribunal
pode igualmente sujeitar a sua injunção ao pagamento pela Hulley de uma garantia bancária ou
de um depósito. Isto garantirá que qualquer prejuízo sofrido pela Vivos possa ser compensado,
se se constatar mais tarde que o pedido da Hulley quanto ao mérito da causa não é procedente.
O valor deve ser determinado tendo em conta o valor dos bens em causa e os possíveis danos
que a Vivos possa sofrer.
Pergunta 2
Pode o tribunal alemão entender que existe uma conexão suficiente entre os litígios para
despoletar a aplicação do artigo 35.º?
Para resolver essa questão, é favor considerar que o contrato entre a Vivos e a Hulley exige que
todas as válvulas de indução sejam entregues pela Vivos nas suas instalações em França e que as
partes executaram o contrato nesses termos durante os anos anteriores. De referir que a Vivos
entendeu criar um estabelecimento na Alemanha que prestaria serviços a todos os novos clientes
do mercado de gama alta neste país.
1.
Introdução
Contrariamente às outras disposições do Regulamento, o Artigo 35.º não inclui qualquer indicaO Seminário está integrado num programa de formação mais vasto organizado com o apoio financeiro do Programa Justiça Civil da União Europeia.
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ção precisa que deva ser utilizada para determinar qual o tribunal com competência. Em vez disso, o Artigo 35.º é uma disposição permissiva: indica que as medidas provisórias e cautelares
"podem" ser solicitadas pelos tribunais dos Estados-Membros.
Parece que o Artigo 35.º deixa assim às partes uma liberdade total para escolher o tribunal que
vai apreciar um pedido de medidas provisórias.
Essa liberdade foi qualificada, no entanto, pelo Tribunal de Justiça. O Tribunal tem tentado limitar
o risco de que os tribunais chamados a decidir com base no Artigo 35.º violem a competência
atribuída a outros tribunais. Para tal, o Tribunal de Justiça sujeitou a utilização do Artigo 35.º a
uma série de qualificações.
2.
A exigência do "elo de conexão"
A principal exigência é que deve existir um "elo de conexão real" entre o tribunal chamado a
decidir e o âmbito de aplicação material das medidas requeridas17. Continua a ser uma questão
controversa saber se esse requisito exclui medidas com efeitos transfronteiriços.
O que se entende por um "elo de conexão" deve ser determinado caso a caso.
A avaliação do elo de conexão depende dos efeitos da medida provisória requerida. Pode acontecer que a medida provisória seja decretada em relação a bens. Será o caso quando a medida
impõe à parte não deslocar nenhum bem, tal como sucede com as medidas de congelamento de
bens. Nesse caso, assume-se que a medida não pode ser decretada quando os bens relevantes
estão todos localizados sob outra jurisdição. Só existirá um elo de conexão se os bens estiverem
maioritariamente localizados no território do Estado-Membro. A utilização desta avaliação pode
revelar-se delicada quando a medida visa bens financeiros sem qualquer presença física. Pode
igualmente ser difícil de aplicar se em termos das regras processuais do tribunal, a medida não
vise diretamente os bens, mas sim a pessoa que detém esses bens (medida „in personam' e não
„in rem').
A avaliação do elo de conexão é mais difícil se a medida provisória não tem como objetivo dire-
17
van Uden Maritime Line v Firma Deco-Line, caso C-391/95, para. 40.
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to bens, mas sim uma pessoa, que é intimada a praticar ou abster-se de praticar uma determinada ação (tal como dissipar os seus bens). Pode suceder que a localização da pessoa em questão
permita atribuir a competência ao tribunal. No entanto, os seus bens podem estar localizados em
vários outros Estados-Membros.
No presente caso, as medidas provisórias solicitadas referem-se à entrega de produtos por uma
empresa francesa a empresas alemãs. A Hulley requer especificamente ao tribunal para ordenar à
Vivos a não entrega de alguns bens a empresas alemãs. À primeira vista, pode argumentar-se
que é pouco provável que a medida solicitada possua uma conexão real com os tribunais alemães. Sendo a decisão cumprida, esta tem, na realidade, de ser executada em França, onde a
Vivos está a operar e onde deve abster-se de fornecer os concorrentes da Hulley.
É verdade que a Vivos teve a intenção de instalar um estabelecimento na Alemanha a partir do
qual podia servir a totalidade dos seus novos clientes de gama alta na Alemanha. Se esse estabelecimento já estivesse operacional, teria sido possível argumentar que a proibição solicitada
apresentava uma conexão significativa com a Alemanha, por ter sido cumprida onde o estabelecimento estava localizado. Na ausência de um estabelecimento, a injunção liminar terá de ser
cumprida em França. Por conseguinte, o elo de conexão real está ausente.
A situação seria distinta se a Vivos já tivesse celebrado contratos com concorrentes da Hulley e
esses acordos determinassem entregas a ser efetuadas pela Vivos nas instalações dos concorrentes da Hulley na Alemanha. Nesse caso, pode admitir-se que a medida provisória solicitada pela
Hulley não apresentava um elo significativo com a Alemanha. Tal permitiria à Hulley solicitar uma
medida provisória num tribunal na Alemanha, já que a decisão do tribunal só necessitaria de ser
aplicada na Alemanha.
3.
Variante: o elo de conexão reavaliado
Suponha que o acordo entre a Hulley e a Vivos não diz respeito ao fabrico e ao fornecimento de
válvulas de indução, mas é relativa à prestação de serviços, ou seja, à assistência no local com o
desenvolvimento de um software-CMR especialmente concebido.
Esta variação do cenário de base não tem qualquer impacto na questão relacionada com os
acordos de eleição do foro. Pode, no entanto, ter um impacto nas medidas provisórias e, mais
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especificamente, na aplicação do Artigo 35.º.
Como já foi explicado, a possibilidade de um tribunal decretar medidas cautelares nos termos do
Artigo 35.º exige a demonstração da existência de um elo de conexão real. Esse elo foi considerado pouco provável no caso de fornecimento de válvulas de gama alta. Se a Vivos iniciou uma
prestação de serviços, a solução no entanto pode ser distinta.
É facto que a injunção a ser emitida pelos tribunais da Alemanha continua direcionada para a
Vivos, uma empresa sediada em França. Esta afetará, no entanto, a prestação de serviços e não o
fornecimento de bens.
É necessário referir os termos do contrato para saber o local onde a Vivos foi chamada a prestar
os serviços. O contrato exige à Vivos o fornecimento de assistência no local com o desenvolvimento de um software especialmente concebido. Isto parece exigir que funcionários da Vivos
sejam colocados na Alemanha, nas instalações da Hulley, para a execução desse trabalho. Se tal
for o caso, a decisão pedida ao tribunal terá de ser executada na Alemanha. É possível que reuniões importantes entre as partes (por exemplo, revisão dos resultados intercalares, etc.) tenham
lugar em França, nas instalações da Vivos. A execução do contrato, no entanto, terá lugar na
Alemanha. Existe, por conseguinte, uma conexão substancial entre os tribunais alemães e o âmbito de aplicação da medida provisória requerida. Os tribunais alemães podem, por conseguinte,
exercer a sua competência nos termos do Artigo 35.º.
Secção IV: Reconhecimento e execução
Pergunta 1
Suponha que um Tribunal na Alemanha decretou uma decisão provisória segundo a qual
a Vivos está proibida de vender válvulas de admissão de gama alta aos concorrentes da
Hulley nos próximos três meses. Para garantir que essa decisão será respeitada pela
Vivos, o tribunal providenciou que no caso de a execução adequada falhar, a Vivos será
condenada a uma multa de 5.000 € por cada venda, nos termos do § 888 do ZPO . Se a
Vivos não cumprir esta ordem, como é que a Hulley pode solicitar a execução da multa
diária?
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24
1.
Introdução
Esta é uma variação do cenário básico: o tribunal na Alemanha proferiu a decisão pedida pela
Hulley. A fim de garantir que a sua decisão será respeitada, submeteu igualmente a Vivos ao
pagamento de uma sanção pecuniária compulsória diária se falhar o cumprimento da ordem.
Surge a pergunta sobre o que pode a Hulley fazer se a Vivos não respeitar a decisão.
2.
Aplicação transfronteiriça de medidas provisórias e cautelares?
No sistema do Regulamento Bruxelas Ia, as medidas provisórias e cautelares não se destinam, em
princípio, a ser aplicadas noutro país. É, de facto, melhor requerer essas medidas junto de um
tribunal de um Estado-Membro no qual possam ter uma eficácia imediata.
No entanto, o Regulamento Bruxelas I não proíbe totalmente o reconhecimento transfronteiriço e
a execução das medidas provisórias e cautelares. As decisões que decretam essas medidas enquadram-se no conceito de «decisão» previsto no Artigo 32.º do Regulamento. A única reserva
diz respeito à situação em que foram concedidas medidas provisórias e cautelares ex parte, sem
que a parte contra a qual são dirigidas tenha sido chamada a comparecer em juízo. In Denilauler,
o Tribunal de Justiça decidiu que essas medidas concedidas ex parte não seriam reconhecidas18.
Somente as medidas concedidas com a possibilidade de o requerido comparecer em tribunal
poderiam beneficiar do reconhecimento e regime de execução do Regulamento.
Nos termos deste Regulamento, a decisão decretada pelo tribunal alemão contra a Vivos poderia
ser aplicada em França. Então, a questão que se coloca é como poderia a multa diária ser executada.
O Regulamento Bruxelas Ia trouxe mudanças substanciais à possibilidade de aplicação de medidas provisórias. De acordo com o Considerando (33), as medidas provisórias, incluindo medidas
cautelares, são decididas por um tribunal competente para conhecer do mérito da causa, sendo
garantida a sua livre circulação nos termos do Regulamento desde que o requerido tenha sido
notificado para comparecer. No entanto, as medidas provisórias e cautelares decretadas por um
tribunal de um Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa não
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ECJ, Denilauler, caso 125/79, at para. 18.
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beneficiam deste regime. O Considerando indica que "os seus efeitos deverão confinar-se, nos
termos do presente regulamento, ao território desse Estado-Membro".
Esta limitação aparece claramente no Artigo 42.º par. 2(b)(i) do Regulamento: esta disposição
estabelece que a decisão proferida num Estado-Membro que decrete medidas provisórias ou
cautelares só pode ser executada noutro Estado-Membro se for emitida uma certidão atestando
que o tribunal tinha competência para conhecer do mérito da causa. O Artigo 2.º(a) do Regulamento acrescenta que "Para efeitos do capítulo III, o termo «decisão» abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, decididas por um tribunal que, por força do presente
regulamento, é competente para conhecer do mérito da causa".
No presente caso, os tribunais alemães não tinham competência sobre o mérito da causa. Eles só
podiam ser competentes com base no artigo 35.º. Consequentemente, mesmo que as medidas
provisórias tenham sido decretadas após o tribunal ter ouvido o requerido, a decisão alemã não
é prima facie executável em França.
3. Aplicação transfronteiriça da sanção compulsória diária?
O Tribunal na Alemanha condenou em sanção compulsória diária para garantir que a sua decisão
é cumprida.
Se a Vivos não cumprir a decisão de imediato, surge a pergunta como é que a Hulley poderá
cobrar o montante. A Hulley será capaz de executar a sanção pecuniária compulsória diária sobre
ativos detidos pela Vivos e situados na Alemanha. Isto não exige a aplicação do Regulamento.
É mais questionável se a Hulley seria igualmente capaz de cobrar a sanção pecuniária compulsória diária em França. O Regulamento permite a execução transfronteiriça de sanções pecuniárias
compulsórias diárias. O Artigo 55.º inclui uma disposição que visa especificamente esse cenário.
Segundo essa disposição, uma decisão proferida num Estado-Membro que condene em sanção
pecuniária compulsória é executória noutro Estado-Membro desde que o montante do pagamento tenha sido "definitivamente fixado pelo tribunal de origem".
Mesmo não dando o Regulamento uma resposta explícita a esta questão, crê-se que, sendo a
execução transfronteiriça de medidas provisórias apenas possível com a decisão sobre o mérito
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da causa, esta regra aplica-se igualmente à execução transfronteiriça de sanções pecuniárias
compulsórias diárias que foram impostas juntamente com medidas provisórias.
No presente caso, o tribunal alemão não tem competência para se pronunciar sobre o mérito da
causa. Em conformidade, a sua decisão relativa a medidas provisórias e cautelares não beneficia
do regime de execução transfronteiriça. Isto deve igualmente estender-se às sanções pecuniárias
compulsórias diárias, que só foram decretadas para garantir a execução adequada das medidas
provisórias. O que significa que a Hulley não poderá utilizar o Regulamento para solicitar a execução de sanções pecuniárias compulsórias diárias em França.
Secção V: Outros pontos*
Suponha que, enquanto a Hulley recorria a medidas provisórias na Alemanha, a Vivos
requereu um pedido sobre o mérito da causa em França. Mais especificamente, a Vivos
requereu a um tribunal francês para declarar inteiramente adequada e justificada a sua
decisão de por termo ao compromisso de exclusividade e que, como tal, não podia ser
considerada um incumprimento do contrato.
Pergunta 1
Suponha que os tribunais franceses que apreciaram o pedido declarativo da Vivos têm
competência para apreciar o pedido nos termos do Artigo 25.º do Regulamento, mas que
tal apreciação ocorreu após a Hulley ter intentado uma ação na Alemanha. Pode o
tribunal francês proceder à apreciação do referido pedido declarativo?
*Nota para a pessoa responsável da formação: essas outras questões podem ser tratadas se o tempo permitir.
Isto exige um exame da aplicação do mecanismo de lis alibi pendens (Artigo 29.º do Regulamento) e, mais precisamente, a questão de saber se este mecanismo pode ser aplicado relativamente
a tribunais que apreciam processos concorrentes, sendo que um deles aprecia um pedido de
medida provisória, enquanto o outro tribunal analisa um pedido de decisão sobre o mérito da
causa.
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Pergunta 2
Suponha que o tribunal em França julgou procedente o pedido declarativo requerido pela
Vivos. Qual o efeito que terá sobre a injunção emitida pelo tribunal alemão proibindo a
Vivos de vender aos concorrentes da Hulley?
Isto exige um exame dos efeitos do reconhecimento na Alemanha da decisão judicial francesa:
pode uma decisão judicial sobre o mérito da causa ser reconhecida na Alemanha, apesar de um
tribunal alemão ter decretado uma medida provisória que vai noutra direção? Deve prestar-se
particular atenção ao Artigo 45.º par. 1 (c), do Regulamento.
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