courrier/courrier 04-05-07
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courrier/courrier 04-05-07
e ditorial Europa da Defesa: Portugal à defesa? H Á muitos anos que se multiplicam nos jornais artigos e comentários sobre o funcionamento das universidades privadas em Portugal. A generalização é sempre perigosa e injusta, até porque existem estabelecimentos que trabalham regularmente e com seriedade, incluindo alguns que funcionam melhor do que certas universidades e institutos públicos. Mas não foi preciso rebentar o caso Independente, nem sequer o mais distante caso Moderna para o país se aperceber de que o ensino superior estava muito bem enquanto negócio privado e menos bem sFernando Madrinha enquanto serviço público. Enquanto negócio estava, aliás, bem de mais, como se viu na Moderna e se percebeu na maioria das outras, onde durante vários anos correu dinheiro a rodos. Mas entre o «boom» e a decadência foi um passo — só até chegar ao ensino superior a crise demográfica que vinha do básico e do secundário. A partir do momento em que começaram a faltar alunos, acelerou-se a quebra de qualidade, já de si bastante baixa em muitos casos. O modo facilitador de funcionamento, o grau de exigência cada vez menor, a multiplicação de cursos inúteis e sem saída profissional, mas de produção barata — cursos autorizados por um Ministério que tem sido não menos facilitador, complacente e, portanto, co-responsável da situação a que se chegou — tudo isso contribuiu para deslustrar a imagem das universidades privadas. O caso Independente foi apenas a gota de água. Não só pelo que revelou do seu funcionamento atrabiliário, em termos científicos e administrativos, como pelo que ficou patente quanto às suspeitas e ao perfil dos titulares da empresa proprietária do estabelecimento. Ora, a qualidade do ensino superior privado não é uma preocupação exclusiva de Portugal. Eis o que diz Claudio Rama, especialista sul-americano em educação: «A mercantilização dos saberes põe em jogo a ética. Temos falsificação de títulos, estudantes que copiam trabalhos da Net, professores que inventam os seus currículos... A sociedade tem de manter a universidade como uma instituição de referência ética» (pág. 13). É este o desafio que se coloca aos governos e sobre ele reflectimos nesta edição. ANA GOMES Eurodeputada socialista e ex-dirigente do PS com Ferro Rodrigues, nasceu em Lisboa em 1954. Diplomata formada em Direito, foi consultora de Eanes em Belém e representou Portugal na ONU, Tóquio e Londres. Destacou-se na secção de interesses de Portugal na Indonésia (e tornou-se embaixadora), pela defesa do povo de Timor-Leste. ricano não ofende, aparentemente, a «soberania nacional»!...). Exemplos da confusão entre interesse nacional e fidelidade aliada: o alinhamento do Governo Barroso com a decisão de invadir o Iraque em 2003 e o Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, assimétrico nas vantagens e até no estatuto jurídíco. Em consequência deste reflexo, Lisboa surge relutante em alinhar com os parceiros europeus que, longe de quererem enfraquecer a NATO (aliança militar central), compreendem que uma Europa da Defesa só pode construir-se sob a égide da única organização política à escala continental: a UE. O zelo pró-americano, centrado na NATO, limita o investimento político, militar e financeiro de Lisboa naquela que tem sido a área mais dinâmica da construção europeia desde 2003: a Política Europeia de Segurança e Defesa. — Ideologia da «relação privilegiada com África» e da «vocação africana de Portugal» (imbuída de nostalgia colonial), funcionando como travão a um empenhamento mais europeísta. À conta dessa «relação privilegiada», Portugal absteve-se de participar na primeira operação militar europeia, a Operação Artémis no leste da R.D. do Congo em 2003 (para não ofender Angola...) Apesar de o actual Governo ter investido na participação em missões PESD (Bósnia e R.D. do Congo 2005/6), a verdade é que a Europa da Defesa continua a ser objectivo secundário para os decisores portugueses, depois da «soberania à la Vestefália», da aliança transatlântica e da relação com África. Na verdade, em todas estas áreas o aprofundamento do projecto europeu seria benéfico para Portugal: é na Europa que Portugal pode ancorar uma nova forma de soberania baseada na previsibilidade e institucionalização das relações entre nações (Espanha incluída); é através da construção da autonomia estratégica europeia que as relações com o aliado natural da Europa — os EUA — se tornarão mais simétricas e, por isso, mais proveitosas para ambos e para o mundo; e só uma Europa forte e coerente, representando mais do que a soma das ex-potências coloniais, pode fazer diferença em África. Para Portugal, a Europa da Defesa devia ser imperativo, vocação. A próxima presidência da União Europeia, pondo-nos a revisão do Tratado nas mãos, vai pôr-nos à prova. Continuaremos à defesa? [email protected] GENTE D’AMANHÃ ANNA LO MONICA MACOVEI Deputada atípica Ministra justiceira O dia 8 de Maio, em Belfast, esta mulher entra para a História. Vai instalar-se com os outros seis deputados da Aliança, único partido não confessional da província, entre os deputados unionistas e nacionalistas. Nativa de Hong Kong, Anna Lo tornou-se, a 7 de Março, na «primeira chinesa deputada da Irlanda do Norte e da Europa», escreve The Times de Londres. Após a juventude passada em Hong Kong, veio estudar para Londres, onde conheceu o futuro marido, natural de Belfast. O jovem casal decidiu instalar-se na capital norte-irlandesa, apesar dos «tumultos». «Adorei e detestei essa época. Sentia-me muitas vezes aterrorizada», contou recentemente ao Irish Times de Dublin. Além da violência que nessa altura minava a região, teve, a título pessoal, de enfrentar o racismo, de sofrer golpes e insultos na rua… Assistente social, Anna Lo vira-se para a comunidade chinesa, que tem cerca de oito mil membros. Hoje, dirige a associação de entreajuda chinesa. Apesar dos trinta e dois anos de presença na Irlanda do Norte, esta mãe de dois filhos sempre se recusou a tomar partido por um dos lados: «Sou taoista. Não sou cristã e por isso não me identifico com os laranjas [protestantes] nem com os verdes [católicos]». U representava um perigo. Por isso era necessário afastar-me». É nestes termos que a ex-ministra romena da Justiça, Monica Macovei, explica a sua exclusão do Governo nas colunas do diário holandês NRC Handelsblad. Símbolo da renhida luta anticorrupção que contribuiu decisivamente para a integração da Roménia na UE, esta advogada de 48 anos é especialmente admirada e apreciada em Bruxelas. Mas os inquéritos que realizava fizeram tremer os políticos e homens de negócios romenos. É o que explica que no passado dia 5 de Abril, esta feroz justiceira tenha sido substituída durante uma remodelação governamental. O seu único apoio político na Roménia vem do Presidente Traian Basescu, recentemente suspenso por uma coligação parlamentar improvável «por ter infringido a Constituição». A ministra pôs-se do seu lado, denunciando a corrupção e o carácter oligárquico da classe política romena. Muito popular no seu país, está a pensar abandoná-lo, noticia o diário romeno Jurnalul National. Podemos supor que, atendendo à infalível reputação de que goza nas instituições europeias, Monica Macovei não irá ter dificuldade em arranjar emprego no estrangeiro. N «E DR N O fim-de-semana passado, véspera da Cimeira UE-EUA, o German Marshall Fund e fundações associadas (como a Bertelsmann e a FLAD) patrocinaram o «Brussels Forum» para discussão intensa e informal das relações transatlânticas. Compareceram comissários e governantes europeus, o secretário-geral da NATO, congressistas republicanos e democratas, parlamentares e embaixadores europeus, responsáveis da Administração Bush, Richard Holbrooke e Robert Zoellick (conselheiros de Hillary Clinton e John McCain). A futura presidência portuguesa da UE podia ter estado (o MNE foi convidado) e constatado como mudam os ventos: os EUA concluem agora que precisam da Europa. De uma Europa forte e eficaz (logo, unida). E mais activa e capaz na segurança global. Ali foi circulado um interessante estudo sobre «Portugal e a PESD», por Laura Ferreira-Pereira (in «The South and ESDP», edição da F. Bertelsmann, Março 2007). A experiência diplomática, partidária e parlamentar leva-me a coincidir com a autora, quando diagnostica empenhamento a «meio gás» («half hearted»), «reservas mentais» e abordagem «esquizóide» às elites portuguesas quanto à dimensão de segurança e defesa da União Europeia. O persistente conservadorismo de políticos, diplomatas e altas patentes militares sobre o papel de Portugal no mundo assenta em três eixos: — Obsessão anacrónica com a «soberania nacional», em que o fantasma Espanha e a fobia do «federalismo» se cruzam para travar o investimento de Portugal em projectos inovadores de partilha de soberania no quadro europeu. Em vez de estar na guarda avançada da integração europeia — defendendo a abolição do veto em questões de política externa no Conselho da UE ou a comunitarização dos gastos em operações civis e/ou militares da PESD (o que, face às nossas crónicas dificuldades orçamentais, favoreceria a participação nacional) —, Portugal aparece acantonado num cepticismo defensivo e estéril: só avançamos quando à beira de ficar de lado, quando até o Reino Unido já avançou (como na negociação do Tratado de Maastricht, onde no início nos destacamos contra a mera noção de «defesa comum»). — Reflexo atlanticista pavloviano (a subserviência acrítica ao aliado ame- O negócio do saber DR c onvidado EDIÇÃO 109 * 04.05.07