As razões de um tombamento

Transcrição

As razões de um tombamento
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q\lero - eu souo meu ~jeseJo. Como qual9uer ~rn de
nos: so.mos o que des~JlIlpo.S~,agora,. aquI, hOJe, lIo..
prcsent~. Mas. se descJamos;' S~~lO~ o.n~ss~ futuro:,
'sOl.noS,o.que quercmosvltll
se.r~E}~ta nos dlstmguedos
anlmals:S0l110S cap~I~~s deçparo.f~turoc
-não. ~pellas,
de. esperar por ele. Es~rg~sCjO de .Y1t a sere 8mRlS bela',
cr!aça~ dalHllurcw: 1\l11a1I~vorc.ul11a pcdra,.um ~nlmal
nao sao capaz~,; ele. d,'s~Jar s~r· o, qu~ nua sao, de'
transformar cm :110 o ;ql1ec,me~a!)OlencliL ..
A~sill1, lI1i"l1a Id"i]I1d:](!.~,se faz daql\l:v 'lu,;. sou e
daqui!-l qlle ,kx,!() \('1', .1\1:;,sbz-sc t;\I11!1cl;1daquilo qUI'
]:! f~!\: suu qUl.'111lul ,-- L,z~s(: du meu pas:ioJ:.',
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T<.'mpo':l alr~·l:-'. Ui1) jornal d~ b:!irro quis cont:lf ~lU~~
~(,~iS Ieil\)n~:; ~\" minhas
origells. a minhi! !lif~iiiCj~, Fui
pai.kiro.
LiUrii.jil::i milito pno. muii;l ~~:i!e Cl'meu ü p:w
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1111:11:.\5m~ll~. 'O jOl'l!{d Illt'
Ú
masto.dontes que me torturavam, havia um que tudo'~~viaja,
você diz lá no estrangeiro que aqui no Brasil existe
procurava justificar co.m argumentos burocráticos. En- .~)ortura ... "
quanto me dava choques elétricos no pau de arata, .onde : -::: O carrasco nilo. percebia que cle estava fazendo. justa.
eu' estava nu, pendurado de' cabeça para bliixo, dizia "::~n1elile isso: estava me torturando.. A situação era tão
assim: - .:
' ... , ....
"irreal, funambulesca,
que eu ri. Ele, quando me viu
-: Vo.cê vai me dcséulpar, viu?, mas eu estou tortu·
:rindo., primeiro não. pôde acreditar - ninguém ri penrando. você po.rque está no meu ho.rário..viu? Não tcnha
(I·.:rado num pall,dc'~raral
-, dcpois se indignou.e
nada cOntra você, nlia. Até admiru muito as suas peças:
íii,~rtOll a manivda aumenlando
a carga elétrica. E
niio vi n.enhuma. mas gosto de todas, .viu? Aqui a gente
pergunto li por que eu cstilva rindo. Respondi que a sua
faz o que mandam a gente fazer. viu? Agora, viu?,' o
aç:io presentcjustincal'a
as minhas afi!'in~(;0c, passadas:
mundo d;Í tantas volta" pa(1o: até S\'r quc um dia vocés
no Brasil. se lOrlllr:~v:;. melÓdica c cruclmcli,te. (' a prOl'a
fiquem por cima
viu?
l'(:í" castlill;dad~,
nh:lI horário ...
p;Jdarin
viu'!,
ell tortllr~i
"iu? Ai nc:>sc caso,
v()cê, sim. mas [oi
\'o~é porque
torturei
Esse t:ra um do:. débeis
do r.1CU pai. na Penha; ondc e~ i'orncavu pão. e tirou a.
minha fofo. QUilndo' ~u'.tl1c· vi.,diantc do forno onde·
·havia passado UIIS bons 10, 'anOs da minha vida. uma
bela parte dessa vida voltou ti tona na minha memória
- recordar é viver, dizia a cançlio.: recordei, revivi, vivi;
·.·Mas ne]1l ~ó de all\enaS lembranças panificadoras .504
eu feito, As 'vezes me lembro que fui guerrilheiro, 00
pensava que era. Isso também faz parte de mim. É meu
passada, fui. sou. Ho.je penso que foi um erro.·. Erro. de
gente honr,ada. corno eu', decente ..
'
SOil!egalisla e nunca Rceitei a ditadura.
c a gente pCH baixo,
não vai c~quecl'r'que
mc:nwls
C'st~lV(: nu
que me c~stirJ\'3J1i.
Havia outros, de todos os tipos, raç~se pedigrees. O
chefe da equipe. po.r excmplo., não sabia par que estava
eu ali, pois a equipe que torturava nlio era a mesma que
seqüestrava. Eram especializadas: cada um sabia fazer
as suas artes. Uns construinm puus-de-arara, .autros
pagavam 11 divida externa - to.dos malleomunados
co.ntra uma s6 vítima: o 1'0.1'0brasileiro,
Fo.i então que, quando a dar era por demais intensa,
eu pretendi eriar uma pausa no tarmento, e perguntei:
"Vocês querem que eu confesse o. quê?" Eu queria uma
Se a combati.
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Cí:l eu alI, naquele
Pí,lUCOS
:;'llt]
lllOI:H~nIJ,
mOI11r.:'ntoslj..."l~k'id~l.
1\1::s, como
\'OÇ~ C U:i: ~inisla.
~ado. ~estruírall1
Impasslvel a Imaglllaçao -
parque eu CJ.OS
Eh:. num dos
é conhecido.
pen·
você ...
:ilC d;: \'Cl Cr~1
qtlando aparece na lekl-'i<io, estou torlurilnÔo você.
sim. mas com todo. () respeito ...
Esse episódio da minha vida é parte dc nÚ1. Eu
gostaria de voliar àquela cela - onde meu único. comp.llnheiro era um rato. pequcno camundongo, niais assustado do que eu -, gostaria de revcr aqueles instruo
mentos de tortura, precário.s, mas eficazes. Gostaria de
rever o meu passado, ressenti-Ia. rcviver. Mas a edifício,
onde episódios como esse aconteceram. fai destruido.
Em seu lugar, em São Paulo, construíram um supermer-
pausa. e estava dec~dido a jamais confessar o que quer
como }amalS confessell -,
pendur:lúo.
em ~u;l'l'ida\ pensou,
intcilsam~nl(\
~ ~tc:d'Oll ..:n;icurd(lihi():
--. Você tt.'m :'(t?~n.,
lu ê~10lJ {orlur:indo
que fosse -
j
.
a :nemória,
E. sem ~ memória.
Janeiro to.rturava presos po.llticos, na Tijucn, foi lombada pOr projeto. de lei, vetado. pelo prefeito. Tínhamos
que ~errubar o veto. Essa Casa guarda lembranças de
centenas dc homens e de mulheres, guarda muitas histórias. guarda a História.
:
Pedi àqueles que nlío pensam eo.mo eu. qué não. são
do. meu Partido.. principalmente aqueles que pensam a
contrário do que p,n.,o, apelei e pedi: permitam qUe eu
cxista,
Tahn n'1o partilhemos as mesmas id;'I:Js, n;io rei'Sê'
mo, (1, mc,mo:; pensamcntos, por isso mesmo, p('di por
mim. pOi n(\s, c t~mb~l1i por ck:,: r;lr~~ (.jl~L'con~;llu~ss~n!
s~lldu qt:~Jjl Si!U seria pr:,,'cist) que rôs~..';;~;)S fi(\~ ql!('jJ
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que
permanecer de pi~. Niio destruall1'3 casa da Tijuca. l1JV
destruam nosso passado: não me destru'im. VOlem nÚo
ao veto do preicilo. Peímitam que essa partc de mim. de
cada um de nós, sobrcviva. permitam que eu viva. [ êU
Ihes direi "muito obrigado",
.
Felizmenle, a Càmara dos Vereadores do Rio çc
Janeiro, no. dia 23 de murro. permitiu que eu dissesse
"muito obrigada" a 24 vereadores. A antiga casa de PM
ficarâ de pé, transformada em cenlro cultural. Tortura
nunca mais'
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C Opld~
", ", .orf.,I"'I',,,,,.~:I;·
"
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e~:':~'~~!)I{~'
.'~' '--./('--:'~---.----.----F,·~J:.~"~-'{;\~<?t'{-1;I'~}~~~".\
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..~~":;·;1:~.~1'f'::L::~,-)d".
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""'Combati a,. subversiio. •. SU,~,\'ersi\'os ·foral'll ..aqueks
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: ~ubverteráni ':tllct' C dc~~ubararil 'u~; j-cgimiplê'óámenté~
\iiiocerpntédalávâmos
línguas (lifcrentes. Mas;' p'ara'~ '.'-; {cln o passado,"«(futuro
riãõ'-exl
f~:f'\'fi"'':f'"''''''
(, C:·;,;
legal. Foram eles os qúe iniciaram a onda de seqüestros, ~ ganhar lenjj,o, perguntei: "Querem que eu confesse:o.
'. comlÇ~nimais, ruminando o prescntc";'éomu.':i.lCasm:m,,]
1<,:.,;
o~ '.I,lla.I~.esl'J;çO;q~e;.u' Izcsse.- e ~on-=ss? q~I~,
de invasões' dc lar.cs _ ensinaram' suas técnicas aos,. !~q~ê?".'
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São paUlO, porque foi destrulda a memória'~as"~ii?'c!t~~
? JUI~'\~~
malreitorL'S, que hOje proliferam. Eu,. ~or ellel!lplo, nun-:~
~dlllo~sauro
nno soube responder de nnedlalo. Nao.·
dadespass~das,
1I1 presos for~m cr~c1mente trucldaâo.s~,
, '.'::
,~dl.'\ IS~O" n.l? /uÇ?;,~I~I~h~lll~ ~.sforço
~:..D~~Cgtl~lh.l.fdZ(:.ele eont.lque 1l.:O,:X~stq. Jmna.ls conse.
Órfl}i preso: fui seqüestrado pela pohcla pauhstana. Eu, '-;.sabl.a .porque
me torturava ... llpen.as ~stava no seu
no ~randlru.
Num belo dommgs a,tardc.,voltaram
os.;
'j'
,~;~!11~~~
,~l.Js~.lr ~~I~ n~lH~~~),?esp,er~ebldo,ou. me torn~rque
apenas defendia a lei. A lei violada.'
.':
hor~no. Leu um· papel que lhe .havla sido d~do p~Ia
horrores ,da dltadllra ......•
,.:
",.
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.o:n:I~I\el: I oele :Ile 1:,lIcl.er :lI11e.•lç,~~or o.que v~~ ?Izcr. ;' ..
Fui., P,~~~o.,c.• como tO?~S, tort~do
.. Mas, como
~'equlpe dos seqíi~s~radores e a ~fI1nel.ra acusaçao.d~~la:
Na Camarado,s#yeread?res
fiz.~m ~pclo aos meus
::llas qlklll olh,11 na m111h:1dlreç,1O sempre ,\~ra um ", acontece nas grandestraged13s
shaliespeananas,
as ce'''Boal, quando viaja ao estrangeIro, difama o BraSIl! colegas que, cornoeo, fabrlcaril hO'Jc leiS; como 'o.Tífcllj';·
: :lomem. Um hOI11~1Jl~n.c cx~ste, um homcm que e.,
nas mais dolorosas se justapõem, às vezes, a eenas de:
"Difamo co.mo?" - p~rguntei, nu, pendurado. Lendo. o.
fabriquei o pão. Apelei para que permitissem que eu
E.u sou.Mus o que e ser! Sou o. que fuço, sou o. que
ridlcula farsa. Foi o que eomigo aconteceu. Entre os sete ;:qbrutllmontes respo.nçleu: "Difama. po.rque, quando. você
conli,nuasse existindo. A casa onde a PM do Rio de
-
que !iz com
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'.~';...;1~~t}.".'(~~~V;~~~~?;if~~;,;e:
'~1.J·fl(
·;l~r·.:."-~~fl1·.~·.;!.7~K''I.·
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