Um mundo mais ético”, da Exame CEO

Transcrição

Um mundo mais ético”, da Exame CEO
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APRESENTAÇÃO
NÍGER, NA ÁFRICA
Grupo de mulheres e crianças cava o leito seco
de um rio em busca de água: países pobres sofrem
mais com o desvio de dinheiro de obras públicas
UM
DESAFIO
GLOBAL
A corrupção é um dos três principais
problemas em quase metade dos 148
países analisados em um estudo do
Fórum Econômico Mundial. O prejuízo
anual chega a 2,6 trilhões de dólares.
Essa “doença” atinge todos os países,
mas seus efeitos são mais perversos
na população de baixa renda
Aubrey Wade/Panos
ERNESTO YOSHIDA
10 | EXAME CEO | ABRIL 2014
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 11
N
APRESENTAÇÃO
12 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Gustavo Oliveira/Corbis/LatinStock
ãosãopoucos
os que comparam a corrupção a um tumor difícil de ser tratado. “A corrupção é o câncer do mundo moderno”, disse o líder tibetano Dalai Lama em janeiro deste ano, ao visitar a Índia. Assim como o câncer, a corrupção pode se alastrar de forma incontrolável. Pode até matar um Estado. O filósofo francês Montesquieu, criador da teoria de separação do
Estado em três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — como
forma de evitar os desmandos do governo, citou a corrupção como uma
das causas do colapso do Império Romano no século 5. “A grandeza do
Estado fez a grandeza das fortunas particulares”, escreveu Montesquieu
na obra Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e de
Sua Decadência, de 1734. “Os que não foram inicialmente corrompidos
por sua riqueza foram-no em seguida por sua pobreza. Com bens acima
de uma condição privada, era difícil ser bom cidadão.”
O custo de negligenciar essa doença é alto. O Fórum Econômico Mundial
estima que a corrupção seja responsável por perdas de 2,6 trilhões de dólares por ano, ou 5% do PIB global. Somente em suborno calcula-se que seja
pago 1 trilhão de dólares a cada ano. Embora comumente associada a países
pobres, a corrupção, como o câncer, é uma doença que não escolhe vítimas.
Em 71 dos 148 países pesquisados em um estudo do Fórum Econômico Mundial, a corrupção aparece como um dos três principais problemas que prejudicam o ambiente de negócios. Em média, segundo o estudo, a corrupção
representa um custo adicional de 10% para fazer negócios — nos países em
desenvolvimento, esse custo extra pode atingir 25%.
Além de afastar investidores e minar a competitividade de um país, a corrupção retarda o desenvolvimento ao desviar para contas particulares o
dinheiro que poderia ser aplicado em áreas essenciais, como infraestrutura,
educação e saúde. O Banco Mundial estima que de 20% a 40% dos recursos
destinados pelos países ricos aos países em desenvolvimento a título de doa­
ções ou empréstimos são apropriados por funcionários corruptos. As consequências aparecem de forma implacável na sociedade. Alguns estudos
PROTESTO PACÍFICO NO RIO DE JANEIRO
Manifestantes aglomeram-se perto da Câmara Municipal durante a onda de protestos de junho de 2013.
Medidas mais rigorosas contra a corrupção estavam entre as reivindicações do grupo
mostram que a taxa de mortalidade infantil em
países com alto nível de corrupção é quase 30%
maior do que em nações que mantêm a corrupção
sob controle. A proporção de crianças que abandonam a escola nos países mais corruptos é cinco
vezes maior do que nos países com baixo grau de
corrupção. No fim, quem mais sofre com a situação é a população pobre. O Banco Mundial estima
que a redução da corrupção a níveis civilizados
poderia elevar a renda per capita de um país até
quatro vezes no longo prazo.
A boa notícia é que, como vários tipos de câncer
que são curáveis e podem ser prevenidos com
bons hábitos e vigilância constante, a corrupção
também tem jeito. Alguns de nossos vizinhos rea­
lizaram avanços notáveis nos últimos anos. No
mais recente ranking de corrupção da organização
Transparência Internacional, o Uruguai aparece
em 19o lugar e o Chile em 22o lugar entre 177 países. O Brasil está em 72o lugar. Mas o Brasil dá
mostras de que quer deixar a incômoda posição.
A indignação da população que tomou as ruas
para protestar contra a farra no uso de dinheiro
público é um sinal dos novos tempos. A ação de
oportunistas e vândalos que se misturaram aos
manifestantes pacíficos não invalida os avanços.
Como declarou o americano Martin Luther King
em sua luta pelos direitos civis dos negros nos
anos 60, as maiores tragédias são causadas pela
apatia humana. “O que me assusta não são as ações
e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o
silêncio das pessoas boas”, disse King. Ao que parece, pessoas boas começaram a gritar.
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 13
DE
NEGÓCIOS
CONSCIÊNCIA
LIMPA
QUIOSQUE
DA L’ORÉAL EM BERLIM
A fabricante francesa de cosméticos enfrenta dilemas éticos
em sua investida em busca de novos mercados
14 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Andreas Rentz/Getty Images
O movimento pela ética vem ganhando força entre as
grandes corporações no mundo inteiro. Mas o que significa,
afinal, ser ético? Quais os riscos para quem não leva essa
questão a sério? E quais as vantagens de ser uma empresa
comprometida com a ética? MELINA COSTA
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 15
N
NEGÓCIOS
TRAGÉDIA EM
BANGLADESH
Escavadeira remove destroços de
prédio que desabou na capital
do país em 2013. O local
abrigava várias confecções
A MANHÃ
A declaração é parte do esforço da H&M para se apresentar como uma
empresa ética no setor de vestuário. Para evitar problemas de segurança
e o uso de mão de obra infantil, a companhia realizou mais de 2 500 auditorias nas fábricas de seus fornecedores no ano passado. Em sua iniciativa mais ambiciosa, a H&M começou a implantar um novo método
de remuneração em sua cadeia de produção para pagamento de salários
mais justos. Os trabalhadores têm sido incentivados a negociar seus aumentos por meio de comitês de representantes. O presidente da H&M,
Karl-Johan Persson, reuniu-se com os primeiros-ministros de Bangladesh
e do Camboja para discutir a necessidade de reajustes anuais de salários
nos dois países. Essa aparente inversão de papéis no mundo corporativo
— em que a empresa compradora tenta fortalecer o poder de barganha
da mão de obra de seus fornecedores — é um caso exemplar da dimensão
que o conceito de ética corporativa ganhou nos últimos anos.
16 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Munir Uz Zaman/AFP Photo
de
24 de abril do ano passado, um prédio com sérias falhas de
infraestrutura nos arredores de Daca, capital de Bangladesh,
desabou e deixou mais de 1 000 mortos. As vítimas atuavam
como trabalhadores terceirizados de algumas das maiores empresas de vestuário do mundo. O episódio expôs um lado perverso da indústria global da moda, questionada frequentemente pelo uso de mão de obra barata em países pobres. Em meio
à comoção causada pela tragédia, a sueca H&M, segunda no
ranking global de varejo de vestuário, decidiu se posicionar
publicamente. Mesmo sem ter envolvimento com o colapso em
Daca, a companhia foi a primeira a se comprometer com um
novo conjunto de regras para a segurança de trabalhadores em
Bangladesh — e foi seguida por mais de 100 marcas. “Nós temos
a responsabilidade, com outras companhias, de garantir a segurança das fábricas”, declarou a H&M em um comunicado.
“Na economia globalizada de hoje, não cabe mais questionar
se empresas como a H&M devem estar presentes em países em
desenvolvimento. A questão é como vamos fazê-lo.”
Entre as grandes multinacionais, é difícil encontrar uma que não tenha código de conduta,
canais para denúncias anônimas, metas de redução do impacto ambiental e de engajamento
com comunidades. Os mais céticos dirão que
essas medidas têm menos a ver com o altruísmo
e mais com a necessidade de proteção da imagem dessas companhias. De fato, a reputação
das empresas passou a ser considerada o fator
de risco com maior impacto nas estratégias de
negócios, segundo um estudo realizado no ano
passado pela consultoria Deloitte com 300 executivos de grandes empresas globais. Três anos
antes, esse fator era o terceiro de uma lista em
que constavam preocupações com a marca e
com a economia. “Percebemos que a reputação
passou a ser levada mais a sério”, diz Simon
Webley, diretor de pesquisa do Institute of Business Ethics, com sede em Londres. “Essa é,
provavelmente, uma reação contra a má reputação. Pense no que aconteceu com o setor financeiro.” A crise de imagem enfrentada pelos
bancos como resultado do colapso financeiro
global é apontada como um dos principais motivos por trás do interesse crescente das empresas por políticas de responsabilidade corporativa. Outro motivo é a exposição das companhias aos perigos das redes sociais. Como diz
Jennifer Evans, diretora de risco do banco australiano ANZ, citada no estudo da Deloitte: “Reputações construídas durante anos podem ser,
de uma hora para a outra, colocadas em xeque”.
Nesse cenário, o modo de operação de muitos
investidores começou a mudar. Hoje, há 34 trilhões de dólares em ativos sendo administrados
por signatários dos Princípios para Investimento
Responsável das Nações Unidas. Trata-se de um
montante quase três vezes superior ao de 2008,
quando estourou a crise imobiliária americana.
Isso significa que, numa tentativa de mitigar riscos, cada vez mais administradores de fundos
têm analisado o comportamento das empresas
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 17
NEGÓCIOS
Mike Blake/Reuters
além de seus números operacionais e financeiros.
O canadense Ethical Funds, que administra o
equivalente a 12,6 bilhões de reais, é um dos líderes em investimento socialmente responsável.
Apesar de manter uma fatia minoritária em grandes companhias, o fundo costuma interagir com
diretores e CEOs, de modo a apontar conflitos e
sugerir mudanças. Recentemente, o Ethical
Funds conseguiu alterar a política de remuneração de um dos maiores bancos do mundo, o Royal
Bank of Canada. Agora o banco inclui variáveis
como satisfação dos clientes no cálculo dos salários e decidiu usar um novo método que leva em
conta a remuneração de funcionários médios
para definir a de executivos. As novas políticas
não acabam com os excessos no alto escalão, mas
representam avanços. “Nosso maior desafio é
lidar com a expectativa de que investimos em
empresas perfeitas. Obviamente, isso não existe”,
diz Bob Walker, vice-presidente do Ethical
Funds. “O que fazemos é identificar aquelas que
respondem às nossas expectativas em relação a
responsabilidade ambiental e governança e interagir com elas para melhorar essa performance.”
HÁ 34 TRILHÕES
DE DÓLARES NO
MUNDO GERIDOS
PELOS PRINCÍPIOS
DE INVESTIMENTOS
RESPONSÁVEIS
A perfeição pode não ser alcançável, mas o
comportamento ético tornou-se um mantra
entre as companhias. Em geral, a ética corporativa é entendida como a promoção da responsabilidade nos âmbitos social, ambiental e
financeiro e da sustentabilidade na relação
com clientes, fornecedores, acionistas e comunidades. Mas esse conceito amplo esclarece
pouco. Na prática, é a postura diante de desafios nas mais diversas áreas que define a imagem de uma empresa. Há oito anos, o Instituto
Ethisphere, de Nova York, divulga a lista de
companhias “mais éticas do mundo”. Entre os
critérios analisados estão a reputação, a capa18 | EXAME CEO | ABRIL 2014
BARISTAS
FAZEM
CAFÉ EM
LOJA DA
STARBUCKS
A rede americana
de cafeterias figura
há oito anos entre as
empresas mais éticas
do mundo, de acordo
com o ranking do
Instituto Ethisphere,
de Nova York
cidade de liderança e de inovação das empresas, seus modelos de governança e de responsabilidade corporativa, sua cultura e a qualidade dos programas de ética e compliance
(área que disciplina os padrões internos de
conduta). Centenas de documentos são analisados e uma investigação independente é feita
para checar o histórico dessas companhias na
Justiça e na imprensa. “Lidamos com empresas
multibilionárias que mantêm operações em
centenas de países. Inevitavelmente, todas têm
alguma questão sendo discutida em algum tribunal de alguma localidade”, diz Stefan Linssen, editor-chefe do Ethisphere. “Tentamos
identificar se isso é sistemático ou um caso
isolado e analisar como a empresa reagiu.”
A fabricante francesa de cosméticos L’Oréal
figurou cinco vezes na lista das empresas mais
éticas do mundo do Ethisphere. Para qualquer
aspecto da operação que se olhe, parece haver
uma política de estímulo à ética. Alguns exemplos: até 2020, 100% da matéria-prima renovável da L’Oréal deverá ter origem em fontes sustentáveis; e todos os anos há um dia da ética
para o presidente Jean Paul Agon responder a
perguntas de funcionários sobre o tema. Mas
mesmo as empresas mais preparadas não estão
isentas de dilemas éticos. Desde 1989, a L’Oréal
não testa seus produtos em animais e passou a
investir na pesquisa de métodos alternativos,
como o uso de pele artificial. O problema é que
na China, um dos mercados de cosméticos que
mais crescem no mundo, o teste em animais é
obrigatório. O próprio governo chinês realiza
os testes — não a L’Oréal diretamente. De todo
modo, a companhia francesa decidiu deixar sua
marca de apelo sustentável Body Shop fora do
mercado chinês, mas entrou no país com marcas como L’Oréal Paris e Maybelline.
O que é ético nesse caso? É sustentar o princípio de não crueldade contra os animais que a
L’Oréal adota há mais de 20 anos? Ou o imporABRIL 2014 | EXAME CEO | 19
NEGÓCIOS
tante é assegurar a participação no mercado
chinês, o que pode ter um impacto brutal no
futuro da companhia? “Acredito que ninguém
esteja sugerindo que deixemos nossa operação
na China e demitamos 4 000 funcionários. Nosso departamento de pesquisa e inovação está
trabalhando com as autoridades chinesas para
dividir nosso conhecimento a respeito de outros
métodos”, afirma Emmanuel Lulin, diretor de
ética da L’Oréal. “Se as corporações atuassem
apenas em países com as melhores práticas de
negócios ou sem problemas com direitos humanos e corrupção, provavelmente faríamos negócios em poucos países do mundo.”
20 | EXAME CEO | ABRIL 2014
SE AS EMPRESAS
EVITASSEM
OS PAÍSES COM
PROBLEMAS DE
ÉTICA, FARIAM
POUCOS NEGÓCIOS
LINHA DE PRODUÇÃO
DE
COCA-COLA
A fabricante de bebidas anunciou em 2013
uma política de tolerância zero com fornecedores
de açúcar envolvidos em denúncias de apropriação
de terras de comunidades indígenas e rurais
Marcelo Correa
Atuação responsável
Não há consenso sobre de que modo as empresas devem reagir em situações como a enfrentada pela L’Oréal. Mas se há algo que as fabricantes de bens de consumo aprenderam é que
se esquivar das discussões sobre ética pode
trazer sérios danos às marcas. Essa é a maior
lição deixada pela Nike depois de sua experiência nos anos 90. Inicialmente, a fabricante de
material esportivo tentou se desvincular do envolvimento em casos de uso de trabalho infantil
por seus fornecedores. Sob pressão da opinião
pública, voltou atrás, admitiu sua responsabilidade e tornou-se pioneira em políticas de responsabilidade corporativa. A Coca-Cola é outro
exemplo da nova postura adotada por muitas
empresas. No fim de 2013, ela anunciou uma
política de tolerância zero com a apropriação de
terras por seus fornecedores depois de denúncias da Oxfam, ONG que combate a pobreza no
mundo. Em seu relatório sobre a cadeia do açúcar, a Oxfam revelou casos de comunidades indígenas e rurais expulsas de suas terras para dar
lugar a usineiros que se tornaram fornecedores
de grandes empresas. A Coca-Cola comprometeu-se a avaliar seus fornecedores de forma independente, revelar informações sobre sua cadeia e aderir ao princípio de Consentimento
Livre, Prévio e Informado (acordo internacional
que prevê a participação de comunidades nas
decisões sobre as terras que ocupam).
A ideia de que o comportamento pouco ético
causa estragos parece consolidada entre as empresas. O que ainda não está claro é o outro
lado da moeda: quais as vantagens de ser uma
empresa reconhecidamente ética? Não há uma
resposta fácil. A consultoria Mercer analisou
36 artigos acadêmicos sobre o assunto nos últimos seis anos. Em suma, 20 deles mostraram
evidências de uma relação positiva entre fatores
de governança corporativa, social e ambiental
e o desempenho financeiro de companhias ou
portfólios de investimento; 13 mostraram relações neutras; e três mostraram relações negativas. De forma mais pragmática, as empresas
costumam citar dois benefícios de suas políticas
de promoção da ética: a estabilidade nas relações com parceiros e a habilidade de atrair talentos. “Construímos relações de confiança com
nossos fornecedores, o que é importante para
garantir café de alta qualidade para nossos consumidores”, diz Kelly Goodejohn, diretora de
fornecimento da rede de cafeterias Starbucks,
que figurou em todas as oito edições do ranking
anual do Ethisphere. “Para crescer, precisamos
de profissionais de alta qualidade, e nossos valores são a principal forma de atrair talentos.”
É mais fácil entender esse raciocínio quando
aplicado à Starbucks, uma empresa que colocou a ética no centro da estratégia de marketing
e, com isso, consegue cobrar 6,80 reais por um
café expresso com leite. Mas esses argumentos
são menos óbvios no caso de companhias sem
contato direto com consumidores. A indiana
Wipro, uma das maiores do mundo em serviços
de tecnologia da informação, tem um dos mais
elogiados programas de responsabilidade socioambiental. O esforço é proporcional aos
desafios da Índia, onde muitas de suas unidades estão instaladas — mas o problema é que
isso não garante uma vantagem competitiva.
Afinal, não é fácil cobrar mais por um serviço
de TI altamente ético, por exemplo. Em casos
como esse, apesar de algum benefício na atração de parceiros e talentos, a escolha pela ética
ultrapassa a lógica dos negócios. “No fim das
contas, as pessoas precisam tomar decisões
sobre o que é o certo a fazer”, diz Anurag Behar,
diretor de sustentabilidade da Wipro. “É assim
que escolhemos ser do jeito que somos.”
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 21
BRASIL
A
LEI QUE
Obra em São Paulo
Sob a nova legislação, as
investigações sobre a máfia dos
fiscais da prefeitura seriam mais
ágeis; e as penas, mais duras
E
QUER MUDAR
O PAÍS
Germano Lüders
Uma nova legislação coloca o Brasil
no mesmo nível de países desenvolvidos
no que diz respeito a regras para combater
a corrupção. Mas o país ainda precisa fazer
sua lição de casa para que essa promessa
se torne realidade GUILHERME MANECHINI
22 | EXAME CEO | ABRIL 2014
stima-se
que o Brasil perca todos os anos até 2,3%
de seu PIB por causa
do elevado nível de
corrupção. É mais que
o dobro do que é contabilizado pela União
Europeia, onde a perda gira em torno de 1% do
PIB. Não à toa, o ranking de percepção da corrupção elaborado pela organização não governamental Transparência Internacional coloca o
Brasil na 72a colocação entre 177 países analisados. Há dois meses, no entanto, o Brasil deu um
passo importante para virar esse jogo ao ingressar no grupo de países que contam com legislação
específica para casos de corrupção transnacional,
aquela que ultrapassa as fronteiras de uma nação.
A entrada em vigor da Lei no 12.846, de 2013, era
uma demanda antiga de tratados internacionais
dos quais o Brasil é signatário. Mas mais importante do que punir as empresas nacionais que
atuam em outros países é o fato de que a nova
lei ampliará significativamente o combate à corrupção no Brasil — um avanço regulatório que,
na teoria, permitirá ao país reduzir o enorme
custo da corrupção e, de quebra, atrair mais investimentos estrangeiros.
A corrupção, como se sabe, está longe de ser
um fenômeno novo no mundo. Há mais de 700
anos, o escritor italiano Dante Alighieri já colocava os subornadores entre os seres mais desprezíveis do Inferno, uma das partes mais marcantes de sua obra Divina Comédia. Entretanto,
foi só na década de 90, após a Guerra Fria, que a
luta contra a corrupção ganhou relevância. Nessa época, grandes organismos multilaterais, como o Banco Mundial, a Organização das Nações
Unidas (ONU) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),
aderiram à causa do combate à corrupção. Um
bom exemplo dessa transição é o Banco Mundial. Somente em 1996, mais de meio século após
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 23
David Coleman
BRASIL
sua fundação, a instituição começou a tratar publicamente do tema. Foi quando o economista
James Wolfensohn, então presidente do Banco
Mundial, classificou a corrupção como um câncer que impõe um grande fardo, sobretudo aos
países em desenvolvimento. Nos quatro anos
seguintes, a OCDE e a ONU firmaram convenções para combater a corrupção transnacional.
Além da corrupção em outros países, a expectativa em torno da Lei no 12.846 se deve aos impactos que ela poderá trazer ao ambiente de negócios. “O Brasil ainda é considerado um país de
alto risco quando o assunto é corrupção. Por isso,
a aplicação da nova lei será fundamental para a
imagem do país no exterior”, diz Stephen Chipman, presidente da consultoria americana Grant
Thornton. Até então, o poder das autoridades
brasileiras para punir uma empresa era limitado
e exigia uma quantidade de provas e evidências
praticamente impossível de ser obtida sem a colaboração dos próprios envolvidos. Agora, uma
vez que se comprove que a empresa foi benefi-
Foi só no fim dos anos
90 que o Banco Mundial
alertou, pela primeira
vez, para os prejuízos
causados pela corrupção
ciada pela corrupção, será mais fácil aplicar sanções civis e administrativas, que podem significar
multas de até 20% da receita bruta do ano anterior e levar até mesmo à dissolução da companhia.
Outra novidade da lei é o conceito de responsabilidade objetiva. Isso significa que uma companhia pode ser considerada culpada por não
ter evitado um pagamento de propina, mesmo
que tenha mecanismos de controle nos parâmetros recomendados pelo governo. A responsabilidade também recai sobre empresas coligadas, controladas e consorciadas, além de
parceiros comerciais. Diante desse risco, especialistas alegam que a lei não incentiva as empresas a denunciar um funcionário corrupto.
“Em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, um bom programa de controle de
riscos isentaria a empresa de culpa”, diz Heloi24 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Sede da
Justiça
americana
Desde o fim dos
anos 70, os Estados
Unidos contam
com uma legislação
para punir empresas
envolvidas em
corrupção fora
de seu território
sa Estellita, professora de direito da Fundação
Getulio Vargas e sócia do escritório Alonso
Leite Groch + Heloisa Estellita Advogados, de
São Paulo. A advogada, porém, não tem dúvidas
sobre qual recomendação dar a seus clientes.
“Se não quiser ter problema com essa lei anticorrupção, é muito mais barato se adequar.”
Os Estados Unidos têm sido o grande incentivador da luta contra a corrupção. Em 1997, o
país resolveu intensificar o cumprimento de
uma legislação criada na esteira do escândalo
de Watergate, no fim dos anos 70, e passou a
pressionar outros países a ter o mesmo comprometimento com a causa. A lógica era simples.
Sem a adesão de outras potências, as mais prejudicadas seriam as próprias multinacionais
americanas. Aprovadas as convenções internacionais, o passo seguinte foi aplicar a legislação.
Acordos e multas
O cerco da Justiça americana contra multinacionais envolvidas em casos de corrupção apertou
a partir de 2007 e foi percebido em diversos paí­
ses, inclusive no Brasil. Os valores de acordos e
multas já se aproximam dos 5 bilhões de dólares.
O maior deles, de 800 milhões de dólares, foi firmado pela alemã Siemens, em 2008. Fora o acordo com as autoridades americanas, a S
­ iemens já
informou ter gastado mais de 1 bilhão de dólares
para mudar sua estrutura nos mais de 100 paí­
ses onde atua. No Brasil, a mudança resultou,
entre outras ações, em um acordo de leniência
firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por formação de cartel
entre empresas do setor metroferroviário para
a venda de trens e sistemas para o governo do
estado de São Paulo. O caso mais recente envol-
vendo uma empresa com capital estrangeiro é a
máfia dos fiscais da prefeitura de São Paulo. A
construtora Brookfield, cujo principal acionista
é um fundo de investimento canadense, admitiu
o pagamento de mais de 4 milhões de reais em
propinas para fiscais da capital paulista. O Canadá, que conta com legislação contra corrupção de
suas empresas no exterior, enviou uma equipe
de investigadores para se inteirar das investigações. Entre as empresas brasileiras, o caso mais
emblemático é a fabricante de aviões Embraer.
Desde 2011, a empresa é investigada por violar
a lei anticorrupção americana em mais de um
país. A investigação corre em sigilo de Justiça e
conta com a colaboração de autoridades brasileiras. Enquanto o processo não é concluído, a
empresa seguirá obrigada a comunicar que está
sob investigação nos Estados Unidos.
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 25
Alan Marques/Folhapress
BRASIL
“SÓ FALTA A
PRESIDENTE
ASSINAR”
Jorge Hage, ministrochefe da ControladoriaGeral da União
Germano Lüders
EXAME CEO O que a lei anticorrupção
representa para o Brasil?
JORGE HAGE Trata-se da primeira iniciativa do governo brasileiro para criar um
instrumento capaz de alcançar a pessoa jurídica como agente corruptor. Isso é algo que
o país só teve de forma muito limitada na lei
de licitações e na lei de improbidade administrativa. Na primeira, é difícil alcançar o
patrimônio da empresa. Na lei de improbidade, é preciso antes comprovar a responsabilidade do agente público, para só então
chegar à empresa como terceira beneficiada.
Apesar de já ter entrado em vigor, a Lei no
12.846 ainda precisa ser regulamentada pelos
governos federal, estaduais e municipais. A regulamentação é primordial para que a nova lei
anticorrupção seja bem-sucedida. Inspirada em
leis estrangeiras, como a americana FCPA e a
britânica UK Bribery Act, a lei brasileira conta
com atenuantes de penas conforme o comprometimento da empresa em evitar a corrupção.
Para isso, a companhia deve mostrar como funcionam seus mecanismos de controle e colaborar
com a investigação — no jargão de advogados,
trata-se de ter um bom programa de compliance.
Para implementá-lo, porém, muitas empresas
estão aguardando a regulamentação para saber
quais critérios serão considerados pelas autoridades na hora de julgar um caso. A ansiedade
26 | EXAME CEO | ABRIL 2014
das empresas se justifica pelo investimento necessário para se adequar à nova legislação. Em
uma empresa de grande porte, por exemplo, um
programa de compliance com canal de denúncia, treinamento de funcionários, elaboração de
código de ética e auditoria em contratos e fornecedores pode custar mais de meio milhão de
reais. Além disso, a regulamentação também é
fundamental para que as empresas interessadas
em firmar um acordo de leniência denunciem
um caso de corrupção. “Seria uma forma de dar
maior transparência e previsibilidade para as
empresas”, diz Ana Paula Martinez, advogada
do escritório paulista Levy & Salomão. Ou seja,
a promessa de mudar o ambiente de negócios
do país já poderia estar em um passo mais acelerado para se tornar realidade.
Embraer
na mira
A fabricante de
aeronaves é a
principal empresa
brasileira sob
investigação de
autoridades
americanas por
causa de
corrupção de
funcionários
públicos
estrangeiros
O senhor acha que as empresas não
temiam as legislações antigas?
Até então, as multas previstas para casos de
corrupção eram absolutamente ridículas. A
empresa que pratica corrupção se compraz
em pagá-las. São penas contratuais que não
têm nenhum poder dissuasório. A nova lei
prevê multas de até 20% do faturamento
bruto do ano anterior ou de até 60 milhões
de reais. Mais do que aplicar essas multas, o
que interessa é o poder inibitório delas.
As multas não são o grande avanço da lei?
Acho que teremos avanços também na regulamentação, principalmente nos atenuantes
das penas. Posso adiantar alguns. Serão levados em conta fatores como o grau da lesão
do crime de corrupção, o risco que ele representava, a situação econômica das empresas
envolvidas, a cooperação delas nas investigações, a existência de bons mecanismos de
MINUTA DO DECRETO
QUE REGULAMENTA A
NOVA LEI ESTÁ PRONTA
controle... Até mesmo a transparência das
doações políticas será um critério.
Falta transparência nas doações
de campanha feitas por empresas?
Em outros países, talvez não seja um problema. Mas, aqui, a influência do poder econômico nas eleições seguramente é uma questão séria. Enquanto não se faz uma reforma
constitucional, é preciso ao menos garantir
a transparência das doações antes das eleições. Hoje, isso só ocorre após as eleições.
Especialistas têm criticado o poder que a lei
dá a autoridades municipais e estaduais.
O senhor acha que elas estão capacitadas?
Também temos essa preocupação, sobretudo no que se refere às prefeituras. Metade
dos municípios brasileiros não tem mais de
10 000 habitantes, o que dá uma dimensão
do desafio da qualificação. Mas não podemos
interferir, apenas oferecer assistência a eles.
A regulamentação é uma maneira de
orientar essas prefeituras. Quando ela
deverá ser publicada?
A minuta do decreto está pronta. Já foi bastante discutida e agora está na Casa Civil.
Isso significa que depende apenas da assinatura da presidente Dilma Rousseff.
Por que a demora?
Não sei lhe responder, a não ser pela sobrecarga de atividades da presidente, que tem
tido seguidos compromissos internacionais.
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 27
REPUTAÇÃO
COMO
LIMPAR
Turbina
eólica da
Siemens
A multinacional alemã
criou uma tropa
de elite mundial de
compliance para
ajudar na investigação
de qualquer
caso suspeito
A BARRA
Depois de ter seu nome envolvido em um escândalo de
corrupção, as empresas precisam encarar os fatos e agir para
recuperar a confiança do mercado e do público interno. A pior
estratégia é manter o silêncio e fingir que nada aconteceu
N
LUCAS ROSSI e RENAN FRANÇA
28 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Divulgação
o dia 15 de julho
de 2013, o tema
das conversas nos corredores entre os 8 000 funcionários da filial no Brasil da multinacional alemã Siemens
era um só: as notícias na imprensa a respeito de um
suposto envolvimento da empresa num cartel. Após
três anos de investigação interna, a Siemens tinha levado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) documentos que denunciavam a existência
de um esquema — do qual fazia parte — em licitações
para a compra de equipamentos ferroviários e para a
construção e a manutenção de linhas de metrô e de
trem em São Paulo e no Distrito Federal. Ao entregar a
papelada, a empresa obteve a garantia de que, se o cartel
fosse comprovado e condenado, ela e seus executivos
teriam mais chance de se livrar das punições. Naquela
segunda-feira, porém, os funcionários não ouviram ne-
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 29
Divulgação
REPUTAÇÃO
Fábrica de
trens da
Alstom
De acordo com uma pesquisa,
sete em cada dez brasileiros
deixaram de comprar produtos
ou serviços de empresas
envolvidas em irregularidades
Investigada por
suspeita de
pagamento de
propinas em
São Paulo, a
empresa francesa
preferiu adotar
o silêncio
nhuma declaração oficial dos executivos sobre o
assunto. O silêncio seguiu por um mês — durante
a qual não faltaram especulações na imprensa
e na hora do cafezinho. Como havia assinado
um acordo de confidencialidade com o Cade, a
Siemens era obrigada a manter sigilo total. Do
contrário, toda a investigação seria paralisada. A
multinacional só foi autorizada a falar um mês
depois. E, ainda assim, com restrições. Ela continuou impedida de contar qual projeto estava
sendo investigado e quem eram os envolvidos.
Só no dia 16 de agosto, Paulo ­Stark, presidente
da subsidiária brasileira, pôde, enfim, enviar um
comunicado explicando o que havia acontecido. Desde então, o assunto virou tema de uma
newsletter semanal sobre as investigações. “Nesse período ficamos algemados, mas, assim que
tivemos chance, adotamos a transparência para
manter a confiança dos funcionários”, diz Wag30 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Unidos, 40% da clientela não entrou mais em
determinadas lojas após alguma decepção. Já na
Inglaterra, metade dos consumidores passou a
evitar empresas nas quais deixou de confiar.
Para companhias que se relacionam com outras
empresas ou mesmo outros governos, some-se a
isso o prejuízo bem palpável. A Siemens exemplifica bem esse tipo de perda: está impedida de
participar de licitações públicas para obras no
Brasil e de fechar contratos com governos pelo
país. Em 2013, também foi suspensa de licitações
na Europa por 18 meses por causa de irregularidades descobertas e teve de pagar 13,5 milhões
de euros para instituições europeias dedicadas a
projetos de combate à corrupção. Isso sem falar
na perda de imagem com os investidores. Logo
que o primeiro caso veio a público, as ações da
Siemens caíram cerca de 20%. Nos últimos anos,
a empresa conseguiu se recuperar e tem crescido
acima de dois dígitos.
Menos visível mas igualmente complexo é conter o estrago na reputação entre os próprios funcionários. No auge da apuração, é comum os in-
ner Giovanini, diretor de compliance da Siemens
para a América do Sul.
O episódio demonstra como pode ser doloroso
conviver à sombra de um escândalo público. O
pesadelo, no caso da Siemens, começou em 2007.
Naquele ano, uma investigação global desvendou
um esquema de pagamento de propinas por parte dos executivos da Siemens em pelo menos dez
países de 1999 a 2006 — e rendeu multas superiores a 2 bilhões de dólares. Na época, a companhia demitiu 250 executivos do alto escalão,
entre eles Adilson Primo, presidente da subsidiária brasileira até 2011, e pagou 800 milhões de
dólares num acordo com as autoridades americanas para que a averiguação fosse encerrada.
Segundo o relatório anual do Instituto Americano de Gestão de Crise publicado em 2013, o
crime de colarinho-branco foi o principal motivo de crises em grandes empresas, com 16% dos
casos — à frente, por exemplo, de ocorrências
de má gestão e acidentes de trabalho, com 15%
e 11%, respectivamente. “Um escândalo de corrupção é o pior tipo de crise para uma empresa,
pois afeta por muitos anos a reputação em geral”, afirma Paulo Sabbag, especialista em resiliência empresarial e professor da Fundação
Getulio Vargas de São Paulo. “Pela complexidade das investigações, o problema se arrasta e o
dano à imagem é muito difícil de apagar.”
Para empresas que vendem produtos ou serviços para o cidadão comum, o efeito desse tipo de golpe costuma se traduzir em perda de
fidelidade. De acordo com um levantamento da
consultoria americana Cone, sete em cada dez
brasileiros afirmam ter deixado de consumir
produtos e serviços de empresas no ano passado
depois de descobrir algum tipo de comportamento condenável por parte delas. Nos Estados
vestigadores entrarem na empresa para analisar
documentos, apreender computadores, fazer
entrevistas. Nesse contexto, os executivos começam a desviar para o processo de investigação os
esforços que seriam do negócio. “Cria-se uma
situação de insegurança muito grande dentro da
empresa, porque ninguém sabe o tamanho da
multa, quais serão as consequências e se alguém
será demitido”, diz José Francisco Compagno,
sócio da área de investigação de fraudes e suporte a litígios da consultoria EY. Para reduzir esse
impacto e evitar o surgimento de problemas semelhantes no futuro, a Siemens montou uma
tropa de elite de compliance. O departamento
tem 500 pessoas ao redor do mundo — só no Brasil, são dez funcionários dedicados à área e 35
empregados de outros setores que fazem parte
da força-tarefa. “Eles trabalham em outras áreas
e são como soldados que estão sempre atentos a
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 31
REPUTAÇÃO
qualquer questão suspeita. Também ajudam em
investigações e dão apoio a quem tem dúvidas
sobre as regras”, diz Giovanini. Uma das armas
mais fortes da empresa, que resultou em várias
investigações, é o canal de denúncia. No Brasil,
cerca de 70% das denúncias não são feitas anonimamente — os funcionários contam tudo o que
sabem ao vivo. “Isso mostra como eles estão engajados em melhorar os processos”, diz.
Ações como a da Siemens ajudam a limpar a
barra da empresa com os funcionários, com os
fornecedores e com o mercado. Além disso, essa
estrutura pode ajudar a diminuir a pena da empresa. Vale ver o caso da multinacional de engenharia canadense SNC-Lavalin, que tem mais de
30 000 funcionários nos 100 países onde atua,
Michel Emond/Corbis/LatinStock
sobre esses eventos”, diz Diogo Moretti, diretor
jurídico e de compliance da SNC-Lavalin para a
América Latina. “Não podemos colocar a cabeça
debaixo da terra e negar que existem fatos.”
Mas há empresas que decidem seguir o caminho contrário. É o caso da francesa Alstom, que
adotou o silêncio desde o início das investigações
brasileiras, em 2008. Segundo documentos enviados ao Ministério da Justiça do Brasil pelo
Ministério Público da Suíça, de 1998 a 2003,
23 milhões de reais teriam sido pagos pela Alstom em propinas a integrantes do governo de
São Paulo. Até o início de março, a Alstom negou
as acusações e manteve a postura de esperar o
processo correr na Justiça — procurada, a empresa não quis comentar como tem lidado inter-
inclusive no Brasil. Acusada de corrupção no
projeto de construção de uma ponte em Bangladesh, a empresa está impedida por dez anos de
participar de licitações em projetos financiados
pelo Banco Mundial. Desde o ano passado, sua
área de compliance está sendo estruturada. Começou com a contratação de Andreas Pohlmann,
executivo responsável pelo projeto da área da
Siemens. Além das ações típicas, como revisão
do código de ética e imposição de regras mais
claras, agora tudo o que é feito em relação a compliance e processos é divulgado em um portal,
aberto a qualquer um que queira ver. “A transparência é a melhor medida, porque traz segurança
para quem interage conosco — até porque é do
conhecimento de todos que existem denúncias
32 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Protesto
contra a
SNC-Lavalin
A multinacional
canadense de
engenharia, que atua
em 100 países, é
acusada de
pagar suborno
para ganhar uma
concorrência de obra
em Bangladesh
namente com as acusações. “Quando uma empresa é acusada, manter o silêncio é a pior escolha possível. Não comentar as acusações prejudica ainda mais a imagem de uma companhia”,
afirma Clarke Caywood, especialista na área de
relações públicas e professor da Universidade
Northwestern, nos Estados Unidos. Como esses
escândalos raramente se restringem a um país,
a reputação é afetada globalmente, o que torna
tudo mais complexo. Não há saída fácil. Ou a
empresa aceita que terá de conviver com a crise
por um bom tempo, tenta lidar com tudo da melhor maneira possível e passa a fazer negócios
de uma forma diferente, ou ela adota uma atitude reativa. O problema é que, se for verdade, a
mancha na reputação será ainda pior.
É possível harmonizar os interesses
das empresas e dos consumidores,
mas isso exige transparência
34 | EXAME CEO | ABRIL 2014
divulgação
ENTREVISTA
A QUATRO
MÃOS
Um dos mais conhecidos — e polêmicos — especialistas
em ética do mundo, o filósofo australiano Peter Singer,
professor da Universidade de Princeton, diz que a construção
de um ambiente de negócios que seja pautado pela ética
depende tanto das empresas quanto dos consumidores.
“Cada um precisa fazer a sua parte”, afirma
MELINA COSTA
australiano
Peter Singer, de 67 anos, professor de bioética na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos,
é um dos filósofos mais controversos da atualidade. Seu livro Libertação
Animal, publicado no Brasil em 2004, tornou-se uma bíblia para os
ativistas dos direitos dos animais. Nele, Singer compara a exploração
de animais à de seres humanos e defende o vegetarianismo como a única dieta ética. Mais recentemente, ele passou a estudar a globalização e a
defender modelos de governança que levem em conta todo o planeta — e não
apenas os interesses de cada país isoladamente. Do ponto de vista ético, segundo o filósofo, há apenas “um planeta”, “uma atmosfera”, “uma economia”. Na entrevista a seguir para EXAME CEO, Singer analisa os dilemas éticos do mundo corporativo e aponta os dois requisitos que considera fundamentais para assegurar a ética nos
negócios: consumidores bem informados e empresas transparentes.
EXAME CEO Nos últimos tempos, as discussões em torno das relações entre ética e negócios vêm ganhando crescente relevância. Esses
dois conceitos são realmente compatíveis? É
possível fazer negócios de forma ética?
PETER SINGER Certamente, os negócios podem ser éticos. Afinal, não há nada antiético em
um modelo de negócios que tenha por objetivo
produzir e distribuir mercadorias. E o capitalismo, pela nossa experiência, é a melhor forma de
produzir e distribuir mercadorias. Houve várias
tentativas de substituí-lo, mas foram menos efi-
cientes e produtivas. Então, os negócios podem
ser éticos, sim. A pergunta é se eles estão sendo
conduzidos de uma forma ética ou se a busca de
benefícios individuais está acima de todo o resto.
Esse é o grande perigo para os negócios.
Em essência, um negócio deve gerar lucro. Em
busca desse objetivo, as empresas nem sempre
agem conforme os interesses dos consumidores. Como conciliar essas duas instâncias?
É possível haver harmonia entre os valores dos
consumidores e os das empresas, mas isso exige
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 35
ENTREVISTA
consumidores bem informados e um alto nível
de transparência. Muitas pessoas que estão trabalhando para assegurar a ética nos negócios
se dedicam exatamente a isso. Por um lado, os
consumidores precisam se conscientizar de
questões como as condições dos trabalhadores
em uma empresa e o impacto ambiental causado por ela. Por outro, as empresas devem ser
transparentes em relação a seu impacto global e
ao modo como tratam os animais, por exemplo.
Todas essas são questões éticas. Se as empresas
forem razoavelmente transparentes, teremos
práticas de negócios mais éticas.
divulgação
O senhor acha que as empresas estão genuinamente preocupadas em ser éticas?
Acredito que sim. Um exemplo recente é a apro-
Como saber se a ética corporativa não é apenas uma jogada de marketing, um discurso
vazio das grandes empresas?
Temos visto sinais reais de mudança em diversas
áreas. Eu mesmo estive envolvido em questões
como o tratamento de animais e vi mudanças
reais das corporações por pressão dos consumidores. A rede McDonald’s é um exemplo. Ela
convidou Temple Grandin para inspecionar os
abatedouros de onde obtém sua carne (Temple
Grandin é uma autista americana que obteve
o título de Ph.D. em zootenica e se tornou uma
das principais ativis­tas do mundo em defesa do
bem-estar animal nas fazendas). Claro que precisamos continuar e ex­pan­dir essas iniciativas,
mas há evidências de que as empresas têm feito
a diferença. Também é preciso perceber que os
priação de terras por empresas que produzem
açúcar para grandes companhias de alimentos,
como a Coca-Cola. A organização Oxfam (que
atua no combate à pobreza no mundo) tem divulgado relatórios mostrando que pequenos agricultores estão sendo expulsos de suas terras, e a
Coca-Cola anunciou uma política de tolerância
zero em relação a essas práticas. Mesmo não sendo dona das empresas de açúcar — ela apenas
compra matéria-prima dessas companhias —, a
Coca-Cola decidiu tornar-se responsável. Esse é
um caso recente de uma companhia que adotou
um novo modelo de ética devido à conduta de
seus fornecedores (leia mais sobre o caso envolvendo a Coca-Cola na pág. 18).
36 | EXAME CEO | ABRIL 2014
líderes nas corporações são pessoas como você e
eu. Eles querem se sentir bem com seu trabalho,
e não apenas aumentar os lucros. Eles também
querem pensar: “Não destruí o meio ambiente”,
“Não expulsei pessoas de suas terras”, “Não tratei
animais de forma cruel”. A maioria das pessoas
no mundo corporativo é decente, com valores decentes. Se encontrarmos uma forma de permitir
que elas sobrevivam em um ambiente competitivo, isso será bom para a ética corporativa.
E por que esse movimento pela ética ganha
força exatamente agora?
O contexto atual é de maior reconhecimento das
ramificações globais dos negócios e das corpora-
ções. Isso tem a ver com o desenvolvimento da internet, que facilita a difusão de informações pelo
mundo e cria uma comunidade global mais forte.
Pessoas do mundo todo podem se juntar facilmente em campanhas em torno de certos temas.
Acredito que tem a ver, também, com o aumento
do percentual de população com boa educação.
É a combinação entre maior consciência global
e mais educação que tem feito os consumidores
se tornarem mais conscientes.
Em seu livro One World: The Ethics of Globalization (“Um só mundo: a ética da globalização”, numa tradução livre), o senhor argumenta que não há mais fronteiras nacionais
para a ética. Como a globalização mudou a responsabilidade das empresas e dos executivos?
Temos corporações com cadeias de fornecimento
e fábricas no mundo todo. Os impactos ambientais são globais. Sabemos que gases emitidos em
qualquer lugar do globo impactam o clima do planeta. Tudo isso tem feito as pessoas expandirem
suas preocupações para além de seu país. Essa
visão também se estende para arranjos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio. A realidade nos fez perceber que temos
de ser cidadãos globais. Não podemos construir
fortalezas ao redor de nosso país. Somos todos
afetados pelo que acontece no mundo.
A ascensão de países emergentes pode mudar
as regras do que se considera ético?
Certamente. Tem sido interessante ver a ascensão do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia,
Não podemos erguer
fortalezas ao redor de
nossos países. Somos
todos afetados pelo que
acontece no mundo
ENTREVISTA
eu não diria que a crise financeira foi resultado
exclusivamente do colapso da ética. Quando
essas transgressões vieram à tona, o problema
já estava lá. A bolha foi causada pela confiança nesses investimentos, que, claramente, não
eram tão seguros como se apregoava.
Os países emergentes
trazem o potencial de
mudança. Eles podem
ser a voz dos pobres
Índia, China e África do Sul). Isso tem reduzido a
hegemonia dos poderes tradicionais, basicamente os Estados Unidos, com alguma influência da
União Europeia e do Japão. Agora temos esse
grupo de crescente influência que traz o potencial de mudança. Eles podem, particularmente,
ser a voz dos pobres. É uma pergunta interessante: como esses países vão usar seu poder global?
Eles vão usá-lo apenas para benefício próprio ou
vão falar pelos pobres em geral? Temos iniciativas em direções diferentes. Alguns países se
preocupam com as mudanças climáticas, outros
defendem que o direito a se desenvolver vem
antes. Com relação às condições dos trabalhadores, alguns apontam que salários mais altos
enfraqueceriam as exportações de países que
dependem de mão de obra barata. Mas esses
trabalhadores, obviamente, precisam ter salários
que permitam uma vida decente. Essa é uma importante pergunta ética, mas precisamos esperar
para ver o que vai acontecer.
Muitos argumentam que a crise financeira global é uma crise da ética. O senhor concorda?
Acho que houve transgressões éticas específicas. As investigações das operações americanas
dos bancos Goldman Sachs e JP Morgan Chase
mostram que eles sabiam o suficiente sobre os
produtos que estavam vendendo e que deveriam ter chamado a atenção para isso, que eles
estavam vendendo produtos para atender aos
seus interesses, e não aos de seus clientes. Mas
38 | EXAME CEO | ABRIL 2014
O professor de filosofia política Michael Sandel, da Universidade Harvard, afirma que cada vez mais aspectos de nossa vida têm sido
guiados pela lógica do mercado. Para ele, há
poucas coisas que o dinheiro não pode comprar. O senhor concorda?
Não concordo com Michael Sandel e já debatemos a respeito disso algumas vezes. Na verdade,
algumas barreiras que estão sendo colocadas ao
mercado são danosas. Um exemplo é a questão
de um mercado para órgãos humanos, particularmente rins. A venda desses órgãos é banida
internacionalmente. Mas há um grande mercado ilegal, o mercado negro internacional, e não
parece ser possível suprimi-lo completamente.
Quando as pessoas estão morrendo, elas fazem
o possível para conseguir um rim e, se os doadores são pobres e você oferece dinheiro suficiente, eles vendem o próprio rim. É um exemplo de
situação em que é melhor ter um mercado regulado do que tentar suprimi-lo.
Esse argumento é usado normalmente em
relação às drogas, especialmente a maconha.
É outro caso em que as tentativas de suprimir
o comércio falharam. Temos um mercado ilegal
e grandes lucros das organizações criminosas.
Não há meios de assegurar a pureza dos produtos vendidos e temos mais casos de overdose de
heroína por causa disso. Devemos nos preparar
para experimentar. Nos Estados Unidos, os estados do Colorado e de Washington começaram
a experimentar a venda legal de maconha, mas
a situação de drogas como heroína também é
trágica. Deveríamos experimentar não com um
mercado livre, mas com um mercado regulado,
para que o assunto seja tratado às claras.
Então o senhor é a favor de um mercado legal
para órgãos humanos e para drogas?
Deixe-me colocar da seguinte forma: temos situações desastrosas com o mercado negro em
ambos os casos. É sensato promover algumas
experiências em algumas regiões ou em alguns
países para ver o que acontece quando se permite um mercado regulado. Isso pode levar a um
resultado muito melhor e, se esse não for o caso,
poderemos dizer que tentamos e que não existe
uma alternativa ao mercado negro.
NEGÓCIOS GLOBAIS
BERGEN, CIDADE
NA
NORUEGA
Estudos apontam uma correlação
entre o alto grau de confiança das
pessoas e o baixo nível de corrupção
Rumo à
Escandinávia
Os países nórdicos alcançaram um grau de integridade e confiança difícil de
ser replicado. Mas um bom começo é a tolerância zero contra a corrupção
Raga Jose Fuste/Glowimages
JOÃO WERNER GRANDO, de Aarhus, Dinamarca
66 | EXAME CEO | ABRIL 2014
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 67
NEGÓCIOS GLOBAIS
penho dos escandinavos tem a ver com o fato de
eles serem ricos e bem-educados parece óbvio.
Mas como explicar o fato de terem deixado para
trás vizinhos mais ricos e poderosos, como a
Alemanha e o Reino Unido? Afinal, o que há de
especial nas águas gélidas do mar do Norte?
Historiadores e cientistas políticos apontam
para duas direções: história e cultura. A líder do
ranking da Transparência Internacional dominava há 500 anos tudo o que é hoje conhecido como
Escandinávia e foi o berço desse fenômeno. Os
reis da Dinamarca usaram o combate à corrupção
para manter sua legitimidade diante de um povo
que, graças à Reforma Protestante, aprendeu a ler
e a escrever cedo. A primeira grande mudança
ocorreu no fim dos anos 1600, quando as estruturas do reino se abalaram com a perda do território da Suécia. O rei Frederico 3o aproveitou
para se livrar dos nobres que ameaçavam sua
soberania e instituiu regras para a contratação de
funcionários públicos, estabelecendo as bases
para um sistema de seleção por meritocracia.
CARRINHOS DE BEBÊ
NA
DINAMARCA
Cena comum no país, o hábito de deixar crianças
aguardando fora das lojas levou à prisão de uma
mulher que tentou fazer o mesmo em Nova York
A
A DINAMARCA
LIDEROU EM 2013
O RANKING DE
NAÇÕES MENOS
CORRUPTAS
mineira
Fernanda
Gláucia Pinto chegou à Dinamarca há quase
11 anos. Fez sua graduação e seu mestrado no
país, arranjou um bom emprego e foi casada
com um dinamarquês (depois se separou). Diz
que não pensa em ir embora tão cedo, mas ainda não se acostumou com algumas coisas. Em
uma sexta-feira no fim de fevereiro, enquanto
almoçava em sua sala na Universidade de
Aarhus, onde é professora de estudos brasileiros,
ela apresentou suas queixas. “De-zes-se-te horas
de sol”, disse, desenhando o número no ar com
o dedo indicador. “Foi o que tivemos no mês
passado inteiro.” Mas o clima não é o exemplo
que Fernanda mais gosta de citar para falar sobre
a vida em Aarhus, cidade de 315 000 habitantes,
a segunda maior do país. Há dois anos, ao voltar
para casa à noite após uma viagem, ela foi direto
68 | EXAME CEO | ABRIL 2014
ao quarto para descansar. Minutos depois, ouviu
alguém arrombar a porta. Ficou paralisada. Em
poucos segundos relembrou as piores histórias
de violência que costumava ouvir da tia, escrivã
de polícia em Cataguases, sua cidade natal no
interior de Minas Gerais. Não demorou para o
ladrão perceber que havia gente em casa e fugir
para nunca mais ser visto. Mas a essa altura Fernanda já gritava ao telefone, pedindo socorro à
polícia. A viatura chegou em seguida, para acalmá-la. “Eles disseram que o ladrão só entrou
porque pensou que a casa estava vazia.” O larápio
provavelmente não carregava uma arma. Dias
depois, o boletim da polícia no jornal local resumiu o caso da seguinte maneira: “Mulher, 33
anos, assusta ladrão que tentou invadir sua casa”.
Como se vê, a Dinamarca e seus vizinhos na
Escandinávia não são civilizações livres de todo
o mal, como muitos imaginam. Problemas como
violência e outras mazelas do Terceiro Mundo
existem, mas, assim como o sol, numa intensidade muito, mas muito menor. Uma das maiores
evidências disso é a percepção sobre corrupção
nesses lugares — uma medida que indica as
chances de uma tentativa de suborno ou favorecimento ilícito dar certo no país. Ao longo dos
últimos anos, os escandinavos se firmaram no
topo da lista das nações menos corruptas do
mundo, conforme pesquisa publicada anualmente pela organização Transparência Internacional. Em 2013, a Dinamarca encabeçou a lista
pela terceira vez em cinco anos, seguida pelos
vizinhos Finlândia, Suécia e Noruega — a Nova
Zelândia chegou empatada em primeiro lugar e
a Islândia, o menor dos escandinavos, ficou em
12o (o Brasil ficou em 72o lugar). Que o desem-
A segunda transformação veio no início dos
anos 1800. A Dinamarca pagava o preço de ter
apoiado o derrotado Napoleão Bonaparte e, dessa vez, teve de entregar as terras da Noruega.
Uma crise econômica tomou conta do reino, e os
casos de corrupção se multiplicaram. Para piorar,
ideias liberais e democráticas ameaçavam o poder e o pescoço do rei. A saída foi iniciar uma
campanha de tolerância zero na administração
real, com comitivas para auditar as repartições
no interior e um novo código penal com punições
mais duras contra a corrupção. “Desde então, o
número de casos de corrupção nunca mais se
elevou”, diz Mette Frisk Jensen, professora de
história na Universidade de Aarhus. “As premissas de integridade se tornaram fortes desde essa
época e em grande parte isso explica por que
permanecem sólidas até hoje.”
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 69
NEGÓCIOS GLOBAIS
Rob Watkins/Alamy/Glowimages
danças não incrementais, no estilo Big Bang”,
escreveu Rothstein em um artigo. “Praticamente todas as maiores instituições políticas, sociais
e econômicas foram transformadas durante um
período curto de tempo.”
Se o sistema não é simples de ser replicado,
tampouco é infalível. A OCDE, clube dos países
ricos, avalia como os governos fiscalizam a corrupção em suas empresas que investem no exterior. Segundo a organização, os escandinavos, em
sua maioria, se comportam tão mal quanto os
outros europeus quando o assunto é corrupção
fora dos limites de seu território. “Não é isso que
esperamos de países que avançaram tanto no
controle da corrupção internamente”, diz
Patrick­Moulette, chefe da divisão anticorrupção
da OCDE. Em 2012, a organização exigiu que os
controles sobre a corrupção internacional fossem
revistos na Suécia — em dez anos, o país julgou
apenas uma empresa acusada de corrupção, apesar de várias outras denúncias terem ocorrido no
“SE VOCÊ CONFIA NO
SEU PARCEIRO DE
NEGÓCIOS, PODERÁ
REDUZIR OS GASTOS
COM ADVOGADOS”
FESTIVAL
VIKING NA FINLÂNDIA
Não se torna um país menos corrupto da noite para o dia: a honestidade é uma
característica que foi forjada entre os povos nórdicos ao longo dos séculos
Histórias semelhantes se repetiram nos vizinhos escandinavos, e tão importante quanto as
leis e os castigos foi a forma como isso se traduziu
na cultura. Para o cientista social dinamarquês
Gert Tinggaard Svendsen, uma característica
resume o fenômeno: confiança. Em suas pesquisas, Svendsen mostra uma forte relação entre a
baixa corrupção em um país e o nível de confiança de seus cidadãos. A Dinamarca, mais uma vez,
é campeã no assunto, liderando o ranking de
confiança feito pelo instituto World Values Survey, seguida pelos vizinhos escandinavos. Em seu
livro Confiança, lançado em 2011, Svendsen cita
exemplos de como isso se manifesta na prática.
Um deles é o hábito dos dinamarqueses de deixar
os carrinhos de bebê estacionados na calçada
enquanto almoçam ou jantam. Com um detalhe:
os bebês ficam no carrinho, “para respirar ar puro”. (Ficou célebre a história de uma dinamar70 | EXAME CEO | ABRIL 2014
quesa que tentou fazer o mesmo em Nova York
e acabou presa nos anos 90.) Mas, para Svendsen,
o maior símbolo das vantagens dessa alta dose de
confiança são as vejbod, caixas com legumes e
frutas que os agricultores colocam na beira da
estrada para vender seus produtos — sem a presença de um vendedor. O preço está escrito e
cabe ao comprador escolher o produto, deixar o
dinheiro e pegar o troco por si mesmo. Difícil de
acreditar? Sim, especialmente no Brasil, que ficou em último lugar entre os 86 países do ranking
de confiança. “A confiança se transforma em uma
grande vantagem competitiva sobre outros países”, afirma Svendsen. “Se você pode confiar na
pessoa com quem faz negócios, não precisa gastar tanto com advogados.”
Apesar dos benefícios óbvios, um desempenho
como o dos escandinavos ainda é exceção. Dos
os 177 países analisados no ranking da Transpa-
rência Internacional, apenas 53 atingem metade
dos requisitos de integridade. Ou seja, para dois
terços do mundo, a regra que vale é ser corrupto. Coordenadora da organização na Europa, a
italiana Valentina Rigamonti avalia por que o
fenômeno dos escandinavos não se repete no
restante do continente. “Pouco adiantam as leis
se elas não são executadas de forma apropriada”,
diz. O que parece ter feito a diferença para os
nórdicos foi um ataque rápido e eficiente ao problema, ou, como definiu o sueco Bo Rothstein,
chefe do Instituto de Qualidade em Governança
da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, uma
ação no estilo Big Bang. Até 1800, segundo ele,
a administração pública da Suécia era caótica e
corrupta. As coisas começaram a mudar quando,
em um intervalo de 50 anos, o governo aprovou
dezenas de leis para combater a corrupção. “Foi
claramente um período caracterizado por mu-
período. A Finlândia, terceiro país menos corrupto do mundo, absolveu em janeiro uma estatal da área de defesa em um processo sobre pagamento de suborno na Eslovênia. “As sociedades
escandinavas são o que a civilização humana
produziu de melhor”, diz Alina Mungiu-Pippidi,
diretora do Centro Europeu de Pesquisa sobre
Anticorrupção, em Berlim, na Alemanha. “Mas,
quando investem na África subsaariana, são forçadas a se comportar sob as normas locais.”
A maior desonra para os escandinavos, no entanto, ocorreu em seus domínios. A Islândia, uma
ilha com 320 000 habitantes, quebrou após a crise de 2008 por achar que podia especular feito
gente grande no mercado financeiro internacional. Em uma população tão pequena, a característica escandinava da confiança acabou corrompida, dando origem a redes de contatos de pessoas que indicavam umas às outras para cargos e
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 71
Enigma Images/Alamy/Glowimages
NEGÓCIOS GLOBAIS
SEDE
DO PARLAMENTO NA SUÉCIA
Até 1800, a administração pública era caótica, mas o país começou a mudar
depois de sofrer um choque de medidas anticorrupção
faziam vista grossa diante de uma escalada de
especulação financeira. Por alguns anos todos
ganharam dinheiro, e a Transparência Internacional chegou a colocar o país como número 1 na
lista dos menos corruptos em 2006. Quando a
bolha imobiliária americana estourou e o crédito
no mundo secou, os bancos islandeses quebraram, e os esquemas de nepotismo e favorecimentos ilícitos vieram à tona. “A Islândia tinha todas
as instituições que fazem parte de um estado
moderno”, diz Robert Wade, professor na London School of Economics. “Mas seu governo e
sua elite dos negócios se afastaram do modelo
escandinavo, aspirando ser a nova Dubai.”
O que nos resta aprender com os escandinavos?
As teorias recentes indicam que o fato de uma
sociedade ser ou não corrupta depende basicamente da impressão que uma pessoa tem sobre
a honestidade das outras. Se ano após ano o vizinho se beneficia de um esquema para não pagar
multas de trânsito, que incentivos a outra pessoa
terá para não agir da mesma maneira? Mas, se o
vizinho é pego e punido pelo crime, as chances
de outros tentarem um esquema parecido diminuem. Migrar da primeira para a segunda situação parece ser a saída para o problema. “Pouco
72 | EXAME CEO | ABRIL 2014
adianta apenas copiar as leis dos países que conseguiram reduzir a corrupção”, diz o carioca
Filipe Campante, professor de políticas públicas
na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
“O mais importante é aprender como eles conseguiram demonstrar que a corrupção não seria
mais tolerada, e assim iniciar um ciclo de honestidade.” O cientista político americano Francis
Fukuyama deu o título de Chegando à Dinamarca a um dos capítulos de seu livro mais recente,
As Origens da Ordem Política. Famoso por ter
anunciado o “fim da história” com o triunfo do
capitalismo ocidental sobre o comunismo soviético no início dos anos 90, Fukuyama escreve que
a Dinamarca nos dias de hoje é uma espécie de
lugar “mítico”: estável, democrático, próspero e
com níveis de corrupção extremamente baixos.
“Todo mundo gostaria de entender como transformar a Somália, o Haiti, a Nigéria, o Iraque ou
o Afeganistão na Dinamarca”, escreve Fukuyama.
Um dos problemas, segundo o autor, é que o esforço foi tão grande e o processo tão demorado
que os próprios dinamarqueses não sabem explicar como chegaram até aqui. O caminho rumo ao
padrão escandinavo de sociedade é certamente
longo e árduo. Mas parece valer a pena.
D
ENTREVISTA
O americano
Michael Hershman,
da consultoria
Fairfax: excessiva
pressão nos
funcionários para
que fechem
negócios
Juan Manuel Herrera/OAS
ericanotempos
em tempos, o ameMichael Hershman, um dos mais reconhecidos
‘‘O BRASIL
VIROU A PÁGINA’’
Para Michael Hershman, um dos maiores especialistas do mundo em
governança e transparência, essa é a mensagem que o país passou com o
julgamento do mensalão e a edição da Lei Anticorrupção MARIANA SEGALA
74 | EXAME CEO | ABRIL 2014
especialistas do mundo em governança e transparência,
é chamado às pressas para ajudar empresas e governos
a sair dos atoleiros de corrupção em que se enfiam. Seu
currículo inclui cargos espinhosos, como o de consultor
independente da diretoria da multinacional alemã Siemens,
que em 2008 pagou a maior multa já cobrada de uma empresa por
envolvimento no suborno de funcionários públicos para ter contratos com governos.
Foi 1,6 bilhão de dólares de uma vez. Voltando no tempo, observa-se que Hershman
— um dos fundadores da organização Transparência Internacional — acumula vasta
quilometragem em atividades ainda mais duras. Nos anos 60, foi agente especial da
inteligência do Exército dos Estados Unidos na Europa em ações antiterroristas. Na
década seguinte, atuou como investigador no comitê do Senado americano que
apurou o caso Watergate, escândalo político que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. Hoje, ele é presidente da consultoria Fairfax, especializada em investigação de casos de corrupção em governos e empresas, e
membro do Grupo Internacional de Especialistas em Corrupção (Igec,
na sigla em inglês), mantido pela Interpol, organização internacional
de polícia criminal que atua em 190 países. Familiarizado com os
desdobramentos do caso do mensalão brasileiro, Hershman vê
com otimismo a mitigação de casos de corrupção no Brasil. “Não
apenas um crime de colarinho-branco foi julgado, mas também
pessoas muito influentes. É uma mensagem forte de que o Brasil
virou a página”, afirma. Nesta entrevista a EXAME CEO, ele
analisa os avanços no combate à corrupção no Brasil e no mundo.
EXAME CEO Especialistas afirmam que há
uma ligação estreita entre o grau de corrupção em um país e seu nível de crescimento.
Reduzir a corrupção leva uma economia a
crescer ou é o crescimento econômico que
ajuda a mitigar os casos de corrupção?
MICHAEL HERSHMAN A corrupção é um
claro desincentivo ao investimento, porque
ela afugenta potenciais investidores. Por essa
razão, conseguir reduzir o nível de corrupção
pode, sim, representar um grande estímulo
econômico para um país.
Em que medida a corrupção tem impacto sobre a competitividade de um país?
O impacto está nos custos. A corrupção eleva
os custos de operação, o que é particularmen-
A corrupção drena
recursos de áreas
relevantes, como saúde
e educação, e limita a
geração de empregos
ENTREVISTA
No Brasil, a corrupção é considerada um
problema crônico. O país perdeu posições no
último ranking de percepção de corrupção
divulgado pela Transparência Internacional
— é o 72o colocado entre 177. O que é possível
fazer para reverter um quadro desses?
Devo admitir que o Brasil sofreu por muitos
anos com uma imagem associada à corrupção. Mas estou bem impressionado com os
passos dados pelo país para combatê-la. Um
bom exemplo é o caso do mensalão, em que
houve uma investigação agressiva e acusações
sérias por má conduta. Além dessa situação
de aplicação da legislação, e talvez ainda mais
importante do que ela, houve recentemente a
promulgação da Lei Anticorrupção [que prevê a
punição de empresas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública]. Essas
são mensagens fortes não apenas para os cidadãos brasileiros mas também para o restante
do mundo de que o país está comprometido
em mudar para uma cultura mais transparente
e mais responsável de fazer negócios. No meu
julgamento, esses exemplos vão se refletir em
uma posição melhor do Brasil nos próximos
rankings de percepção da corrupção.
O mensalão foi algo novo no que diz respeito
ao tratamento de crimes de colarinho-branco
no Brasil. Que efeitos casos como esse podem
trazer para um país acostumado a conviver
com a corrupção no cotidiano?
Os efeitos são gigantescos. Internamente, casos desse tipo ajudam a restaurar a confiança
dos cidadãos no governo. Isso ocorre não apenas porque um crime de colarinho-branco foi
julgado, mas porque foram julgadas pessoas
muito influentes. E, para o exterior, o país
76 | EXAME CEO | ABRIL 2014
Lula Marques/Folhapress
te verdade quando ela está enraizada nos sistemas de compras governamentais. Ela drena
recursos de áreas relevantes, como saúde e
educação, e limita as oportunidades de emprego. As empresas que se propõem a ser íntegras
evitam os países que têm uma cultura de corrupção. Permitindo que ela sobreviva, um ­país
nega à sua população acesso a melhores produtos e serviços, porque as companhias que
os fornecem tendem a deixar esse país. A economia sofre, os empregos sofrem. Por outro
lado, as empresas que adotam práticas corruptas inevitavelmente repassam para seus preços
os custos com as propinas e com outros processos escusos. E, com isso, os cidadãos deixam de ter acesso a produtos e serviços pelo
justo valor de mercado.
manda uma mensagem de que virou a página,
de que não vai tolerar a disseminação irrestrita
da corrupção. É uma mudança e tanto.
O Brasil deverá
aparecer numa posição
melhor nos próximos
rankings mundiais de
percepção da corrupção
Que países estão fazendo um bom trabalho
ao lidar com esse problema?
Há vários países e regiões atacando a questão.
A Malásia é um deles, Hong Kong é outro. Mas
não quero fazer parecer que a corrupção é um
problema localizado, que se manifesta apenas
em certos lugares. Questões relacionadas à corrupção seguem existindo em todas as economias ocidentais. Temos nossos próprios problemas de corrupção nos Estados Unidos também,
estamos longe de ser um país livre disso. Mas o
que fazemos de bom por aqui é reforçar nossas
leis vigorosamente. Se um caso de corrupção é
revelado, também é julgado em toda a sua extensão. Outros governos, particularmente os
dos países da Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico [OCDE, clube
das nações ricas], estão editando leis cada vez
mais duras no combate à corrupção. Nunca vamos eliminá-la por completo, mas o futuro me
parece favorável à sua redução.
Sessão de
julgamento do
mensalão no
plenário do
Supremo Tribunal
Federal, em
Brasília: sinal
positivo de que
o país está
mudando
No mundo corporativo, empresas desmascaradas em casos de fraude ou suborno costumam alegar que são forçadas a entrar no
jogo se quiserem manter seus negócios. Em
sua opinião, elas são mesmo vítimas?
Não. Isso é uma desculpa. Ouvi essa história
muitas e muitas vezes de várias companhias
diferentes. A corrupção é um crime de duas
partes. Há um corruptor mas também um corrompido, que precisam se entender para que o
crime aconteça. Tome a multinacional alemã
Siemens como exemplo. A empresa se envolveu
em um dos maiores escândalos de corrupção
da história, se não o maior. A grande dúvida
ABRIL 2014 | EXAME CEO | 77
ENTREVISTA
depois que o caso foi esclarecido era qual seria o impacto, no balanço da Siemens, de finalmente operar de maneira transparente. O fato
é que não houve impacto. As mudanças não
afetaram adversamente as receitas e os lucros.
A Siemens tem conduzido seus novos negócios
de forma honesta em países com alto risco de
corrupção porque são demandados bons produtos e serviços por preços justos. O governo
desses países muitas vezes não consegue contratar fornecedores sem ter de lidar com companhias que insistem em trabalhar de forma
honesta. É difícil? Sim. Contratos serão perdidos? Serão. Em geral, no entanto, empresas
íntegras costumam ser mais respeitadas pelos
clientes. Nas bolsas de valores, suas ações têm
um desempenho melhor.
O senhor costuma ser chamado para socorrer empresas e governos afundados em corrupção. O caso da Siemens é só um exemplo.
Quais são os problemas mais comuns que o
senhor encontra nesses lugares?
É a ênfase excessiva no volume de vendas e no
tamanho dos lucros e muito pouca ênfase na
O senhor costuma defender os pactos de integridade como uma solução para ambientes em que a corrupção é recorrente. Como
eles podem ajudar?
Os pactos de integridade foram propostos pela
Transparência Internacional há alguns anos.
Nada mais são do que contratos firmados entre
os potenciais participantes de uma licitação e os órgãos governamentais
que a promovem. Por esses contratos, todos os signatários se
comprometem a cumprir a
lei, obedecer às regras do
processo e seguir certos
padrões de conduta.
Não oferecerão propina, mas denunciarão às autoridades se receberem
propostas desse
tipo durante o
processo, assegurarão que têm programas de conformidade no estado da
Depois de se envolver em escândalo, a
multinacional Siemens passou a operar de
forma transparente — e isso não trouxe
nenhum impacto negativo para seu balanço
integridade dos negócios. É colocar muita
pressão sobre os funcionários para que fechem
negócios, sem considerar se eles estão fazendo
isso de maneira transparente. O dinheiro é um
mal enorme nesse aspecto. Quando chego a
uma empresa para realizar uma reforma, a primeira coisa que preciso saber é se os diretores
estão propondo mudanças apenas porque precisam, porque estão sendo investigados ou se
é porque essa é a coisa certa a fazer no momento. Verifico se eles perceberam que o mundo
está mudando e que é importante trabalhar
pelo bem da comunidade. Trabalhar para reduzir a corrupção é trabalhar pela democracia
e pela redução da pobreza. As corporações têm
a responsabilidade social de adotar práticas
transparentes e, assim, de beneficiar as comunidades nas quais operam.
78 | EXAME CEO | ABRIL 2014
arte e abrirão seus balanços e registros para
auditoria no que se referir ao projeto licitado. Os
signatários dos pactos também precisam se comprometer a aceitar que haja um monitor externo
e independente acompanhando tanto o processo de licitação quanto o cumprimento das regras
por quem, ao final, for o vencedor da concorrência. E quem violar o que está previsto no contrato sofrerá penalidades civis e será impedido de
participar de novas licitações promovidas pelo
mesmo órgão. Esse instrumento está sendo usado em muitos países, como México, Índia, Malásia e Alemanha, com bons resultados. Os pactos não apenas levam os processos a acontecer
sem favoritismo como também estimulam que
os projetos sejam cumpridos no prazo e dentro
do orçamento, o que é bem pouco usual, por
exemplo, nas grandes obras de infraestrutura.

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