Carla Costa Dias Programa de Pós-graduação em Artes
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Carla Costa Dias Programa de Pós-graduação em Artes
Carla Costa Dias Programa de Pós-graduação em Artes Visuais Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Pedro Calmon, 550 – Cidade Universitária Tel. 055-21-3938-1997 [email protected] La tradición reinventada y sus formas artísticas Jongo, patrimônio, memoria, espetáculo, cultura afro-brasileira, favela A discussão em torno da idéia de tradição permeia os estudos sobre patrimônio cultural. Ela fixa sua atenção em um aspecto da cultura, "os valores tradicionais", cujo resgate e conservação considera fundamentais, frente à aceleração crescente da globalização e o desenvolvimento dos meios de comunicação. O termo "tradicional" em contraponto ao moderno, marca a existência de tempos distintos. O reinventado jongo da comunidade da Serrinha se distanciou ao longo do tempo do jongo de outras localidades, especialmente daquelas mais rurais existentes no Rio de Janeiro, localizadas nos municípios de Valença, Barra do Pirai, Pinheiral e Parati. Este trabalho traz alguns apontamentos a respeito da reinventada tradição artístico-cultural afro-brasileira do jongo na comunidade da Serrinha, situada no bairro de Madureira, zona norte do Rio de Janeiro1. O grupo Jongo da Serrinha é uma referência da cultura carioca tradicional e seu trabalho artístico fez o ritmo ser conhecido por todo país. O grupo atua a partir de 1 O trabalho foi realizado a partir da inserção da autora enquanto coordenadora do Projeto de Extensão Universitária ‘Preservando e Construindo a Memória do Jongo da Serrinha’. As atividades de campo estão baseadas no registro da memória da comunidade por meio de entrevistas com célebres moradores da Serrinha; a organização dos registros documentais já existentes da vida da comunidade, principalmente aqueles relacionados ao jongo e ao samba; a colaboração com a construção de um Centro de Memória na comunidade; a realização de oficinas educativas que trazem temas como memória, cultura, identidade, dentre outras. diversas parcerias, pesquisando e criando produtos culturais (livros, filmes, espetáculos, discos, exposições) para divulgar o jongo e assim fortalecer a comunidade reunida em torno desta manifestação cultural, a família Jongueira. O grupo também atua na formação de crianças e jovens, como forma de inserção social, no espaço sede do grupo, a Escola de Jongo, onde são ministradas aulas de canto, percussão e dança. Em Outubro 2013 o grupo lançou seu segundo CD: Vida ao Jongo. Dedicado a tia Maria do Jongo em seus 92 anos, o repertório conta com pontos de jongo tirados do seu “caderninho” onde ela anota suas memórias. Em maio de 2014, o grupo se apresentou, com apoio da prefeitura, em praças da cidade do Rio de Janeiro com um novo espetáculo, desenvolvido para encenação publica. A partir da parceria estabelecida com o grupo no projeto de Extensão universitária, pretendemos neste trabalho apresentar e discutir as novas formas de encenação de uma expressão cultural tradicional no contexto urbano contemporâneo. Os discursos, conflitos e sonoridades invocadas nos modos de praticar e transmitir o Jongo, patrimônio reconhecido e assumido. O Jongo da Serrinha, de Madureira, do Rio de Janeiro O Morro da Serrinha, fundado por volta de 1900, aos pés da grande fazenda de Lourenço Madureira, que posteriormente veio a dar o nome ao bairro, foi sendo povoado por migrantes da área rural é uma destas favelas centenárias da cidade do Rio e o único núcleo tradicional de jongo da cidade. O jongo praticado por grupos na região sudeste do Brasil, tem sua origem nas fazendas de café da região do Vale do Paraíba. Alguns pesquisadores falam dos versos, nem sempre associados a dança, cantados pelos negros escravizados, africanos ou descendentes, provenientes da região do Congo-Angola, vinculados ao tronco linguístico Banto. Com a decadência do ciclo cafeeiro, muitos trabalhadores recém-libertos, migraram para a então capital do país, o Rio de Janeiro. O jongo praticado no contexto rural de trabalho coletivo, onde a sociabilidade é conduzida por laços que precisam ser criados no meio da dureza do trabalho e como afirmação de uma identidade roubada e transformada. O jongo que era uma forma de comunicação dos escravizados entre si na esquematização de fugas, na narrativa do cotidiano e no contato com a ancestralidade, quase desaparece na migração para os centros urbanos. Famílias vieram a ocupar aquela região que se encontrava afastadas do centro da cidade do Rio de Janeiro, devido às modificações urbanas que obrigaram a população moradora das favelas e cortiços das áreas centrais a procurar abrigo nos subúrbios cariocas. A Serrinha, diferentemente de como é hoje, ainda preservava parte original da Mata Atlântica. A população inicial era constituída de pessoas que precisavam de um local para morar, que apesar das dificuldades de infraestrutura, encontraram lá um refúgio para suas famílias. A ida desse contingente populacional para as periferias fez com que seus costumes também se reunissem nesses locais. Esse movimento fez da Serrinha um espaço sincrético assim como as manifestações que ali se desenvolveram. Apesar dos novos contornos, após uma série de influências e a própria mudança do contexto histórico, As festas, os cultos e a tradição que permanece viva, pode-se dizer que encontrou nas periferias o seu reduto, que não deixa ser esquecido por se tratar da história de seus moradores. Dessa forma, reviver a memória do jongo, também é reviver a trajetória de uma coletividade. Na ocupação dos morros cariocas, o jongo, considerado como o ritmo “pai do samba”, perdeu espaço nos agrupamentos urbanos e quase foi extinto durante o século passado. No bairro de Madureira, precisamente na Serrinha, nasceu a Escola de Samba Império Serrano, fundada em 1947. Desta forma, a comunidade carrega a particularidade de ser a casa de dois importantes ritmos e, inevitavelmente, de várias personalidades jongueiras e sambistas. “Aqui na Serrinha tinha jongo na casa do Seu Nascimento. O jongo já era na nossa época naquela velharada. No nosso tempo o jongo era na casa, da Dona Líbia, ali embaixo. Na Dona Marta. Na Dona Florinda. Aqui no alto do Morro, no seu Nascimento. O Seu Nascimento era o sogo do Hélio. O Hélio é casado com a Líbia. Ele tinha um terreiro de barro que ele fazia uma loucura assim, a gente sentada e ninguém dançava jongo... o jongo pra gente. Entenderam? Não era igual o jongo deles. Eles se benziam, tinha aquele negócio de copo d’agua com vela, fazia aquelas coisas toda, aqueles velhos antigos. E ninguém dançava jongo de roupa branca nada, nem sem camisa. De terno, de saia bonitona, bem rodada. Mas sempre com uma calça por baixo. E elas... as mulheres bonitas, com um laçarote bonito. Ninguém dançava jongo meio pelado não. Como eu vi agora um retrato de sutiã e roupa fina. Mas não tinha jongo certo. Que ela que tinha que abrir o jongo na casa de todo mundo com um negócio de ladainha”. (Tia Ira, entrevista 2012) Assim Tia Ira, nascida na Serrinha em 1937 e fundadora do Império do Futuro, primeira escola de samba mirim, relembra os tempos passados, onde o jongo era praticado nos quintais. Na história do jongo da Serrinha, Mestre Darcy 2 é um nome de extrema importância. Ele ficou conhecido por levar as rodas de jongo até as universidades na década de 1980/90. Segundo ela, foi em 1982 que Darcy e sua mãe, vovó Maria Joana, mãe de Santo conhecida na região, que começam a fazer o Jongo. Darcy era musico e fez o jongo para Clara Nunes, cantora conhecida com vários discos gravados, quando esta esteve na Serrinha, em visita a Mae de Santo. Este pode ter sido o “motivo” e o “incentivo”, para que Darcy, com apoio de sua mãe, formasse o grupo artístico. Este foi o primeiro passo para divulgar o jongo fora do contexto dos quintais, dos velhos, da Serrinha. Darcy e sua mãe começaram a ensinar jongo as crianças, o que antes não se fazia. O ritmo, segundo relatam antigos moradores da Serrinha, era restrito aos “cabeças brancas”3, sendo, portanto, uma dança restrita aos mais velhos. Com a entrada dos jovens no jongo o conhecimento de suas raízes são transmitidas tal 2 Darcy Monteiro, o Mestre Darcy do Jongo, nasceu em 1932 no Morro da Serrinha, em Madureira, filho de Vovó Maria Joanna e Pedro Monteiro. Ingressou na carreira de músico aos 16 anos, acompanhando diversos músicos de destaque na Rádio Nacional e no Cassino da Urca nas décadas de 40 e 50, além de ter integrado a turnê brasileira do jazzista Dizzy Gillespie. Fundou o Jongo da Serrinha, no final da década de 90, inovando ao criar arranjos para o jongo com cordas, coro com diversas vozes e introduzindo crianças nas rodas, até então permitida apenas para os mais velhos. 3 Expressão extraída de uma entrevista realizada em outubro de 2012 com Tia Ira, importante figura da comunidade da Serrinha. como nas tradições orais da África, onde os griots4 são preparados para serem narradores da história e da memória coletiva a fim de que essas sejam transmitidas para as novas gerações. Legitimado por meio de laços de parentesco a ‘casta de griot’, existente no continente africano, na comunidade da Serrinha fazse a partir do paralelo com os laços que unem os moradores em torno de um objetivo comum: a preservação do Jongo na Serrinha. Grande visionário, Mestre Darcy também foi quem transformou a sonoridade do ritmo ao inserir inventivamente o instrumento de corda no jongo. A medida que a prática deixa de ser algo isolado no tempo-espaço com uma finalidade préestabelecida, a incorporação de influências que antes não eram presentes, passam a fazer parte como desdobramento do original ritmo. Caxambu, candongueiro e angoma-puita se misturam ao som do violão, bandolim e cavaquinho, a percussão também incrementa as vozes que emitem os pontos cheios de metáforas e magias da tradição jongueira. Sendo assim, não é absurdo dizer que o jongo dos ancestrais tem hoje status de arte. O jongo da Serrinha a que se assiste hoje é ancestral e religioso e, não contraditoriamente, artístico, lúdico e educativo. A própria inserção das crianças na roda de jongo certamente é um dos elementos que levam em consideração essas transformações do tradicional ritmo afro-brasileiro. O grupo se apresentava em casas noturnas e Darcy, professor de musica, começou a frequentar as Universidades para tocar seu tambor e divulgar o jongo entre os estudantes. Nesse movimento atraiu um estudante de jornalismo (Marcos André), que se juntou ao grupo, que passou a ser chamado Jongo da Serrinha. A mudança na formação do grupo gerou mudanças na musicalidade e vice-versa. Em 2001, o Grupo artístico que antes se apresentava com Mestre Darcy, por influencia de Marcos Andre e Dyonne Boy, estudantes de jornalismo que passam a frequentar e fazer parte do grupo, decide por se tornar “pessoa jurídica” através do registro como ONG (organização não governamental), um modelo de produção cultural possível para a atuação desses grupos. 4 Citação extraída do seguinte endereço eletrônico: http://blogdoacra.blogspot.com.br/2009/08/ogriot-doudou-coumba-rose-visita-o.html. Acesso no dia 24 de novembro de 2012. A ONG Centro Cultural Jongo da Serrinha (CCJS) tem como objetivo “fortalecer essa manifestação da cultura local, o jongo 5 . Dyonne Boy, fundadora e atual diretora da ONG, fala da criação traçando um vinculo com praticas cotidianas envolvendo os personagens envolvidos nessa genealogia. “nossa ONG na Serrinha seria antes uma continuidade das ações já desenvolvidas por Vovó Maria Joanna, Mestre Darcy e Tia Maria por mais de quarenta anos na comunidade. Com seu terreiro Tenda Espírita Cabana de Xangô, Vovó prestava informalmente serviços de assistência social, como alias é típico dos terreiros de candomblé e umbanda. Já Mestre Darcy, ganhou notoriedade em toda a cidade contando histórias sobre o jongo e a Serrinha e ensinado uma legião de músicos seus toques, ritmos, e sua dança e seu canto. Tia Maria, que hoje é a presidente da ONG, promovia em seu quintal festas e reuniões, sempre com muitas crianças, o que ajudava a manter a coesão dos laços em torno do jongo”. (Boy, Dyonne. 2006). Neste período o grupo, sob a coordenação executiva de Marco Andre, encena um grande espetáculo musical em um grande teatro da cidade. Tia Maria como representante mais velha da comunidade, integrante do grupo desde os tempos de Darcy, sua sobrinha neta Lazir Sinval, Deli Monteiro sobrinha de Darcy e neta de Vovó Maria Joana, representa a linhagem da “nobreza” do Jongo (ainda hoje). Um grupo de músicos percussionistas e dançarinos ocupam um palco com figurino e sonoridade que situam o grupo no panorama artístico da cidade. A estratégia de Mestre Darcy para a preservação e transmissão do jongo foi muito criticada por vários segmentos. Além dos jongueiros da Serrinha e de outras localidades, Darcy vai sofrer duras criticas daqueles que “se apresentam como os verdadeiros guardiões de uma sensibilidade cultural particular das tradições africanas” (Simonard, 2005:75). Patrimônio nacional em processo 5 O grupo nesses anos de existência recebeu diversos prêmios, entre eles, o Itaú-Unicef e a Medalha de Ordem ao Mérito Cultural do Ministério da Cultura. O GCJS tem duas missões institucionais: educar e capacitar crianças e jovens e preservar o jongo como Patrimônio Imaterial. Como estratégia, desenvolve atividades de arte-educação e cria produtos artísticos. O processo de construção identitária é múltiplo, variado e bastante rico, especialmente em contextos de grandes metrópoles e no qual processos de patrimonialização tem um papel fundamental. Entretanto, muitas vezes ele tende a ser reduzido a algumas imagens que afirmam determinadas características e, por consequência, escondem outras, fazendo com que grupos inteiros sejam excluídos, parcial ou integralmente dessa construção. As ações visam registrar a memória da comunidade com o objetivo organizar os registros documentais da vida dessa comunidade, principalmente aqueles relacionados ao Jongo e ao Samba, guardados nas lembranças individuais, mas compondo um acervo de memória coletiva ao alcance do cidadão. Discutir as relações entre memória e cidadania é mais um ato de colocar a comunidade diante de ações acerca do patrimônio cultural e as responsabilidades que esses bens têm com o seu público. No Rio de Janeiro, o processo de marginalização espacial da grande parte da população também levou a uma marginalização das identidades dessas populações dentro do modelo que se construiu do ser carioca. Suas manifestações culturais e artísticas, formas de expressão foram durante muito tempo excluídas do ser / viver a cidade. Mais recentemente, a partir de demandas dessa mesma população, algumas políticas públicas têm procurado a valorização e inclusão dessas identidades, mas ainda há um grande percurso a ser seguido para o reconhecimento e exercício pleno da cidadania. Vivemos na última década um movimento de ampliação da noção de patrimônio e, como consequência, de renovação nas políticas públicas voltadas a essa área bastante expressivo. No Brasil, os anos 2000 começam com a criação do registro do patrimônio imaterial que permitiu o reconhecimento por parte do Estado de toda uma série de manifestações que antes não encontravam espaço nas limitações do instrumento de proteção mais expressivo até então, o tombamento. Uma vez que a referência cultural diz respeito a sujeitos para os quais essas referências façam sentidos, a necessidade de ouvi-los torna-se fundamental. Um aspecto importante da abordagem que se inicia com a ideia de referência cultural é que, para os inventários que se apoiam nela, o sujeito não deveria ser simplesmente o informante, mas também seu intérprete. Nesse sentido, a tarefa de seleção, valorização e promoção dos bens patrimonializáveis passaria por outros critérios que não aquele do olhar do técnico. Este se transformaria agora num mediador entre aquilo que a população reconhece como seu patrimônio e o Estado. Nesse sentido, funcionando de maneira mais eficaz como um catalizador de identidades, a incorporação da população em todo o processo promove também uma preservação mais eficaz, uma vez que, ao reconhecer de fato o bem como seu patrimônio e ver nele desenhados sua identidade e pertencimento, a própria população passa a ser um agente fundamental na preservação e, não mais, algo contra qual o patrimônio se deveria proteger. O jongo foi reconhecido em 2005 como patrimônio imaterial, inventariado pelo CNFCP/IPHAN6 junto de outros elementos relacionados às expressões de origem africana. Esse trabalho teve início em 2001, ancorado a uma metodologia de trabalho de campo antropológico e de pesquisa de fontes. Entre os envolvidos neste processo estiveram pesquisadores da área, antropólogos, lideranças comunitárias jongueiras, o Grupo Cultural Jongo da Serrinha, dentre outros. O inventário considerou uma relação de elementos que dialogassem entre algumas heranças da cultura de matriz africana e a cultura dos negros escravizados na região Sudeste. No conjunto desses elementos constam: a dança de roda, os tambores, os pontos cantados, os símbolos. O Ponto de Cultura Jongo da Serrinha foi criado com o objetivo de dar continuidade aos trabalhos de preservação do patrimônio histórico do jongo e assistência social desenvolvido há mais de 40 anos por Vovó Maria Joana Rezadeira e Mestre Darcy do Jongo. As ações do grupo tomaram, desde o principio, a direção de incluir jovens e crianças na roda do jongo, visando à preservação e a revitalização da memória dessa expressão cultural. Da mesma forma, Mestre Darcy buscou abrir o jongo para pessoas de fora da comunidade, fazendo apresentações, contando historias, propondo oficinas para jovens universitários. 6 Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Encenação em cena Em maio de 2014 o grupo promoveu uma serie de 5 shows em Praças publicas na cidade do Rio de Janeiro: Cinelândia, Praça Tiradentes, Largo da Prainha, Arpoador e Parque Madureira. O espetáculo, reunindo “tradição popular e elementos da cena contemporânea” é um espetáculo “livremente inspirado na cultura cigana”. Este espetáculo teve uma grande repercussão nas redes sociais, tendo inclusive sido questionado por lideranças ciganas que se sentiram, no primeiro momento, usurpadas. A concepção do espetáculo foi de Dyonne Boy, segundo ela, inspirada no “nomadismo” cigano e na devoção de uma das integrantes do grupo a Santa Sara, santa identificada com o povo cigano. Este espetáculo foi divulgado nas redes sociais e teve uma repercussão não planejada. No primeiro momento, o rápido volume de “curtidas” foi apontado como sinal de alcance, de acerto, de na polemica que se colocou a partir do mesmo, com referencia a tradição, herança, legitimidade, usurpação, entre outros. O primeiro a se manifestar, questionando o uso do termo que identifica um grupo social e étnico, os ciganos. “ O que se questiona aqui – sendo bem franco e direto – é a urdidura desta farsa pretensamente etnológica de forjar, deliberadamente um caráter de tradicionalidade para o ‘jongo do Darcy’(...) O Jongo do Darcy nunca foi, há muito não era mais desde os anos 70 ‘cultura tradicional’ no sentido em que os protocolos de tombamento e registro de bens imateriais preconizavam. Isto, enfatize-se, ser ‘folclore’ nunca foi, absolutamente a intenção de Darcy. Nunca fingirse de ‘jongo folclórico’ para obter vantagens do Estado. Jamais. O jongo ao ser inventariado e registrado como tradicional (...) nunca seria o recriado, este reinventado.” 7 Reinventado, recriado, forjado... o caráter de tradicionalidade. O grupo Jongo da Serrinha é “acusado” de reinventar uma tradição. Aceita-se agora a invenção de Darcy, mas transformar o feito do Mestre em uma tradição é “deliberadamente 7 Trecho retirado das postagens feitas pelo grupo para divulgação do espetáculo Jongo Cigano. Os comentários s na rede social motivados pelo espetáculo renderam longas discussões e vários ‘jongueiros’ se posicionaram. Autor Spirito Santo. golpismo”. A discussão sobre tradição x modernidade estrutura a critica. Não reconhece e o autor situa os sujeitos que hoje encenam o jongo como ‘oportunistas’. A discussão chegou o ter um tom agressivo na rede social, onde diferentes atores dialogam, uma critica contundente ao grupo, tanto pela “apropriação” de elementos da cultura cigana (ou seus estereótipos), como pela própria existência do grupo com sua encenação midiática. O registro do Jongo elaborado pelo IPHAN foi fundamental para a continuidade do grupo. A inclusão no dossiê de registro possibilita o acesso a recursos por meio dos editais elaborados no âmbito municipal, estadual, federal e pela iniciativa privada através das leis de incentivo fiscal voltadas para a produção cultural. Essas politicas, implementadas através de editais de patrocínio cultural, forjam, em algumas situações, produções “encomendadas” num formato que nem sempre pode ser elaborado no tempo do grupo. O tempo da produção não é uma dimensão considerada. De certa maneira o registro contribuiu para a profissionalização do grupo. Na medida em que o grupo conseguiu participar do processo de inventario realizado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), se inseriu e ocupou seu lugar na “tradição do jongo”, um lugar agora legitimo, porque reconhecido institucionalmente. num mundo em que não cabe mais a vinculação a uma única identidade, sendo esta múltipla, variada e em constante processo de produção (HALL, 2006). A cidade é múltipla, assim como também devem ser seus múltiplos pertencimentos. A exclusão de grande parte da população desse processo de construção identitário, faz parte também do processo que os excluiu social e economicamente, tornando-os, durante muito tempo, invisíveis e/ou indesejáveis. O apagamento de sua memória, de suas manifestações culturais e de sua paisagem é, ao mesmo, reflexo e condicionante desse processo. A arte tem sido uma possibilidade de existência. Desde os anos 1980, quando Darcy Monteiro organizou a primeira formação do grupo artístico que o espaço tem sido ocupado e reinventado. O jongo cigano foi pensado como um produto, com inspiração “cigana”, ou na imagem fixada de forma estereotipada relativa a estas populações, na verdade a imagem é referida a uma estética mística, presente nos terreiros de Umbanda e objeto de culto. A consciência do papel, em que um novo mundo interioriza-se na consciência (e se projeta em repetições futuras), a inserção social e a legitimação fruto do processo de institucionalização incorporavam novos significados. Elaboram intensamente o seu lugar de herdeiras de uma tradição ancestral. As criticas foram lidas, registradas e geraram um questionamento por parte de alguns membros, sobre a forma que esta herança não esta sendo encenada. A busca por uma autenticidade relativa diz respeito as origens, a um lugar dado pela família. O jongo Vista Forte composto por Lazir Sinval conta uma historia, traz para cena personagens que habitaram a Serrinha e compõe esse panteão do jongo. Ao traze-los, a compositora constrói sua genealogia e legitima seu lugar nesta “tradição”. Desde modo, construir a genealogia é uma forma de se incluir num grande ramo, como fruto. Hoje, o "Centro Cultural Jongo da Serrinha" realiza atividades de ensino e exibição do jongo. O projeto tem como base pedagógica a cultura afro-brasileira e as tradições e memória da Serrinha. Oficinas de jongo, cultura popular, dança afro, canto, teatro, vídeo, fotografia, as oficinas com os griôs, estão permanentemente estimulando nos jovens a possibilidade da expressão e da identidade através da arte, buscando na dinâmica das manifestações populares uma resignificação de suas praticas. O jongo passa a ser mais que um importante ritual de culto a ancestralidade e de ligação com o transcendental, com a espiritualidade e com a religiosidade. Ele torna-se também um grande espetáculo da cultura de matriz afro-brasileira, e nesse movimento de espetacularização, enquanto manifestação cultural, é conquistado o seu espaço de pleito, luta e resistência artístico-cultural. Vista Forte (Lazir Sinval) Jongueiro Vai, Jongueiro Vem Jongueiro Está Aqui Agora Quem É Jongueiro Da Serrinha Finca Tenda E Está Aqui Agora... Angoma-Puita e Tambú Oi Saravá Meu Caxambú Introdução Que Eu Louvo Agora Digo Adeus Ao Cativeiro Firmo Ponto No Cruzeiro Salve Nossa Senhora Eu Vejo,Nêgo Véio Tirando Vinho Da Bananeira E Lá Mata E Plantando Cana E No Terreiro Eu Sinto O Cheiro Do Cachimbo De Vovó Maria Joana ... Entrar A Louvação Vovó Líbia, Veja Seu Antenor Óia Benzendo O Tambor O Candongueiro Tia Eva, Firma Toco, No Terreiro Pras Almas Do Cativeiro Aniceto Puxando Um Ponto Gungunando E Versando No Improviso Dona Florinda, Seu Gabriel Com Seu Chapéu E Djanira Esbanjando O Seu Sorriso ...Entrar A Louvação Eu Vejo Mestre Darcy Mestre Fuleiro Entrando No Terreiro, Sem Demora Vovó Tereza, Que Beleza Como Siruga Saia Até O Romper Da Aurora Zé Nascimento, Tia Eulália Com Suas Lindas Flores No Chão Do Terreiro Se Mano Elói Chegar Pra Frente Abre A Roda Minha Gente É Festa De Jongueiro Tia Eunice ,Bate Pauó E Olha A Sua Umbigada Não Me Engana Dona Marta Dançando Jongo, Em Seu Terreiro No Dia De Santana Ai Meu Zirimão, estendo A Mão Boto Os Meus Pés No Chão ...Entrar A Louvação Dái-me Licença A Serrinha É Um Quilombo E Pra Tia Maria Do Jongo Eu Peço À Benção ...Entrar A Louvação Referências Bibliográficas ABREU, Regina; CHAGAS, Mario (2003).Memoria e Patrimônio - ensaios contemporâneos. 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