DANDEKAR, Sarala

Transcrição

DANDEKAR, Sarala
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1
DANDEKAR, Sarala. “Dança esculpida em pedra:
uma investigação da apresentação contemporânea
da dança Odissi”. York University. Toronto,
Ontário. Abril-1998.
CAPÍTULO III
“De Maya a Moksha O nascimento de Maya” *
estória do nascimento de
Krishna está ligada ao
nascimento de uma das
figuras
femininas
mais
importantes do Hinduismo, Maya,
a incorporação da ilusão. Os pais
terrenos de Krishna, Vasudev e
Devaki, estavam impressionados
com o primo tirano de Devaki –
Kansa. Durante o encarceramento
deles, Kansa é advertido de que
ele morrerá pelas mãos do oitavo
filho do casal. Para não correr
riscos, Kansa dispõe guardas na
prisão para que lhe informem
toda vez que um filho de Devaki
nascer.
Depois
de
cada
nascimento, o rei entra na cela da
prisão e mata o bebê antes
mesmo que ele complete poucos
dias de vida.
Quando é chega a época da
oitava criança nascer, ocorre uma
tempestade assustadora. Em meio
à escuridão e à tempestade
selvagem, Krishna nasce. O pai
terreno de Krishna, Vasudev,
brada que quando o bebê nascer
os grilhões que prendem suas
pernas cairão no chão e a porta
será aberta. Em transe, Vasudev
pega o bebê em seus braços e
caminha até ultrapassar os
guardas que estão dormindo
profundamente. Ao viajarem na
noite tempestuosa até a casa de
Yashoda, pai e filho estão
protegidos da tempestade pela
serpente de Vishnu, o Sonhador
Cósmico, que os abriga. Yashoda,
a mãe adotiva de Krishna, está em
um sono profundo depois do
nascimento de sua menina.
Vasudev troca, então, os bebês e
carrega a pequena menina de
volta à prisão para o quarto onde
sua
esposa
ainda
estava
dormindo.
Tão logo ele retorna, a porta
se fecha e os grilhões se prendem
novamente em suas pernas. Os
guardas, ouvem o choro do bebê e
comunicam ao rei o nascimento
do oitavo filho de Devaki. Kansas
corre para a cela e pega a
pequena menina pelos tornozelos,
balança-a sobre sua cabeça e a
atira contra uma pedra. Ao invés
de cair morta no chão, a menina
transforma-se em uma mulher de
beleza indescritível e flutua no ar,
preenchendo todo o espaço da
sala com o som sua gargalhada.
Deixando o rei assustado, ela
anuncia que sua tentativa de
matar o oitavo filho de Devaki e
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Vasudev foi em vão. A criança
está a caminho, viva e salva.
“Ademais”,
ela afirma, “você
tentou me destruir, mas eu sou
Maya, nasci neste momento no
mundo e a ilusão não pode
morrer”.
O nascimento de Maya
introduz uma nova dinâmica para
os acontecimentos mundiais pelo
fato de introduzir o elemento da
decepção sensorial. Quando Maya
declara sua presença, ela invoca
uma nova era na qual as coisas
não
podem
mais
serem
consideradas como aquilo que
elas parecem ser. De acordo com
Joseph Campbell (1974:52), Maya
possui três qualidades. A primeira
propriedade da ilusão é sua
qualidade de ocultar, que serve
para esconder o que é real. A
segunda é o poder de projetar
impressões ilusórias. Por meio
dessa segunda qualidade de
projeção, Kansa supõe que o bebê
deitado próximo a Devaki é sua
oitava criança.
Finalmente, Maya possui o
poder da revelação. Campbell liga
este final, o poder revelador, à
função da arte e do ritual, nos
quais
se
pretende
tornar
conhecido o que é desconhecido.
Maya, na forma de artifício guia
para a revelação.
O estágio moderno da dança
Odissi é um exercício na natureza
reveladora
de
Maya.
Uma
performance completa de Odissi é
conduzida com uma estrutura
ritual e apresentada como uma
dança sagrada e devocional. A
impressão
dada
por
uma
performance de Odissi é aquela de
que a proteção da clausura das
2
paredes dos templos tem sido
abolida
e
o
espectador
é
privilegiado ao testemunhar uma
bela forma de devoção, íntima e
privada.
Esta
impressão
é
orquestrada e coreografada com o
máximo precisão com relação à
música e aos próprios passos da
dança.
Para Richard Schechner “o
comportamento restaurado”, é
uma livre recriação literal do
passado.
“O
comportamento
restaurado
oferece
ambos
indivíduo e coletivo a chance de
tornarem-se novamente o que eles
uma vez foram – ou mesmo...
tornarem-se novamente... o que
eles desejam ter sido” (1985:38).
O papel de Maya na recriação, no
palco ritual, é revelar o espírito
integral do Odissi através de uma
tradição inventada que nunca
tinha existido antes deste século.
Num lado, a performance como
ritual mantém contato entre a
forma e suas origens espirituais
enquanto acomoda a realidade
prática
de
sua
encarnação
contemporânea. Por outro lado, o
ato ritual como um guia para
ambos dançarino e público, guia a
consciência em direção a um
estado de transcendência e rasa
que é freqüentemente esquecido
no dia-a-dia do domínio profano.
O palco ritual
Mircea Eliade identifica um
espaço central na religião como “a
zona proeminente do sagrado, a
zona da realidade absoluta”
(1959:169). O centro, no ritual, é
ambos uma metáfora espiritual e
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uma realidade física. Como o
espaço mais potente do sagrado, o
centro contém a capacidade de
transformação: é um caminho de
passagem entre o mundo físico e
mundano e o mundo metafísico
do
sagrado.
O
Odissi
foi
originalmente
praticado
pelas
maharis no ponto mais central do
complexo do templo, dentro das
câmaras sagradas de Jagannath
(Devi, 1962).
Agora, o palco tem se
tornado um centro para a
performance do ritual de Odissi
contemporâneo e, assim, seu
veículo para a transformação. Os
novos templos para a dança têm
técnicos de iluminação e de som,
palco com laterais que permitem
elaborar entradas e saídas, uma
cortina que abre e fecha o ritual,
programas escritos que guiam o
público durante a performance, e
um camarim. Porém, os gurus de
Odissi têm reconstruído a forma
de modo que se mantenha uma
conexão espiritual para o centro
do espaço original, o qual é
invocado no coração da dança
ritual.
Para significar o domínio
sagrado
do
tempo-espaço
mitológico,
um
murti
de
Jagannath preside no palco com
uma oferenda de frutas, flores e
incenso colocado em frente à
deidade. O murti é usual e
ritualmente
ornamentado
e
colocado no palco com uma
cerimônia
de
puja
que
a
acompanha. Uma vez que a
deidade está presidindo o palco,
ninguém mais pode pisá-lo sem
tirar os sapatos como sinal de
3
respeito. O palco torna-se, então,
sagrado.
A deidade é colocada na
frente e à esquerda de quem está
no palco, estando também mais
próxima do público. Esta posição
foi escolhida pelo respeito ao
princípio
Hindu
do
darsan.
Darsan é a forma de comunicação
entre o humano e o divino
conduzido através da visão. Ver e
ser visto (estar na linha de visão
de um murti) é a maior forma de
contato. Ver a representação física
da energia divina é permitir que o
público receba a prece enviada
pelo dançarino. Ser visto pelo
Murti é ser agraciado com benção
divina. Por isso, olhar para o
Senhor Jagannath e estar dentro
do domínio de seus enormes olhos
é comunicar-se diretamente com
Deus.
Quando
o
Odissi
foi
originalmente apresentado, ele era
direcionado e observado apenas
por aqueles olhos divinos.
Hoje, mantendo-se com as
origens
da
tradição
seria
inaceitável para um dançarino
dançar com suas costas para o
murti, já que o dançarino está,
teoricamente, recriando a tradição
mahari da dança para Deus.
Assim, o dançarino coloca sua
oferenda de flores em frente ao
murti no Mangala Charan (a
invocação tradicional da dança),
ele se curva e se move para o
centro do palco com seus olhos e
corpo encarando a deidade. A
colocação do murti de frente no
canto do palco assegura que
poucos movimentos coreográficos
podem inadvertidamente colocar o
dançarino de costas para o Deus.
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Seria igualmente inaceitável
posicionar o murti com sua face
para o dançarino, com suas
costas parra o público. Porém, o
dançarino estaria apto para
apresentar-se diretamente para a
deidade, com o público sentando
atrás do murti, ser-lhe-ia negado
o privilégio do darsan, sendo
efetivamente
excluído
da
performance ritual. No culto
tradicional,
Jagannath
é
percebido como a incorporação da
manifestação
de
todas
as
deidades
e
assim,
todos,
independentemente da fé, são
abençoados por sua presença.
Não podemos simultaneamente
reconhecer
o
público
como
observadores participantes no
ritual da dança e excluí-lo do
darsan. Ou se deixa inteiramente
o “véu protetor” do ritual ou o
mantém em segredo.
Colocando o murti no lado
esquerdo do palco, o público é
imediatamente ligado à mística
original do tempo-espaço do
Odissi. Há, porém, uma estranha
ressonância na colocação do murti
no palco. O público, crédulo ou
não,
recebe
o
darsan
de
Jagannath,
que
os
está
encarando. Este é um privilégio
que poucos terão quando se
fizerem a peregrinação para Puri
na esperança de entrar no
templo.1 Enquanto isso, o público
1
Apesar de, tradicionalmente, Jagannath ser
cultuado por pessoas de qualquer fé religiosa,
após uma longa história de invasões repetidas da
região de Oriya e a degradação do templo de
Jagannath em Puri, as portas permanecem
fechadas para todos os não-Hindus. Esta política é
feita rigorosamente, e os pundits (sacerdotes)
4
no
teatro
está
olhando
o
dançarino, que preenche o palco
com a energia apresentada, e
muito
naturalmente,
parece
representar o centro do ritual de
dança. O dançarino, treinado em
uma recriação da tradição da
dança mahari para enviar sua
dança
como
prece
para
Jagannath,
paradoxalmente,
encara o público, dançando para
ele. Raramente o público está
consciente
da
estranha
ressonância do passado e das
tradições presentes sendo ambos
elevado e sutilmente ironizados.
O repertório
“Há uma década atrás, o
Odissi era um longo item apenas,
no qual todos os itens atuais
estavam misturados para construir
o clímax. Por conveniência, porém,
este item foi desmembrado e,
assim, um número de itens foi
criado
para
constituir
um
repertório”
(D.N.
Patnaik
1971:100).
O Odissi é ambos uma
reconstrução e uma reinvenção de
uma tradição da dança. Como
documentado por D.N. Patnaik,
houve um período durante a
evolução moderna da forma da
dança na qual o repertório foi
alterado
“por
conveniência”.
Desmembrando um longo item de
dança em várias partes distintas,
cada uma com uma característica
reservam o direito de questionar a identidade de
qualquer um sobre chão do templo.
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coreográfica, sentimento e papel
no esquema da performance
inteira, é um passo maior no novo
design da arquitetura do ritual. As
danças têm sido divididas em
categorias,
delineadas
por
entradas e saídas coreografadas e
colocadas em uma seqüência fixa
dentro de uma performance
ritual.
Porém, o número de itens e
conteúdos
pode
variar
de
performance para performance,
há uma seqüência que deve ser
seguida para uma apresentação
tradicional
de
Odissi.
Toda
performance tradicional começa
com
um
item
denominado
Mangala Charan, uma invocação
em três partes. Mangalacharan
começa com uma entrada na qual
o dançarino caminha devagar da
lateral para o palco em uma
posição devocional; suas mãos
estão
colocadas
juntas
e
posicionadas em frente do peito,
carregando uma oferenda de
pétalas
de
flores
ou,
simplesmente, trazendo palma
com palma em frente do peito em
prece.
A
primeira
seção
do
Mangala Charan é devotada ao
Senhor Jagannath. O dançarino
coloca as flores em frente do murti
e entoa a prece ”Jagannatha
swami
nayana
patagami
bhavatume”: “Oh! Senhor do
Universo, por favor torne-se
visível para mim”. No entanto, o
dançarino já pode ter feito
privadamente
a
prece
para
Jagannath atrás das cortinas do
palco. Este verso de prece, sloka,
é o primeiro ato apresentado no
foco de luz do dançarino. Assim, a
5
apresentação de Odissi, iniciada
com uma prece coreografada,
relembra o público que a essência
do ritual da dança não está
direcionada para ele, mas para
Deus. A prece leva a atenção do
público para as origens sagradas
e para a proposta da dança-ritual.
A coreografia nesta seção é
orientada inteiramente para a
deidade. E, depois dessa breve
prece, o dançarino permanece
com a face diretamente para o
murti até o final da apresentação
quando ele se curvará para
Jagannath, para os músicos e
para o público.
Após completar a prece, o
dançarino caminha para o centro
do palco, mantendo suas mãos
palma a palma em frente do peito
e continuando com a encarar a
deidade. Estes oito a dezesseis
passos
servem
como
uma
transição entre o primeiro e
segundo
pranam
(saudação
devocional). Um dançarino e
professor
comenta
que
a
caminhada
e
os
steps
transicionais em Mangala Charan
“devem ser executados com o
máximo de delicadeza. , Não
podemos dançar com força sobre o
chão sem antes pedirmos as
bênçãos e a clemência da mãe
terra.” Quando o dançarino chega
ao centro do palco, há uma
mudança rítmica indicando a
introdução
para
o
segundo
pranam no qual o dançarino
encara o público e apresenta uma
reverência estilizada dedicada á
mãe-terra.
Depois de completar os dois
pranams, para Jagannath e para
a mãe-terra, o dançarino começa
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a segunda sessão do Mangala
Charan. A segunda seção da
dança é feita na forma de versos
de prece em Sânscrito – sloka –
dedicado a uma dos deuses do
panteão Hindu. Usualmente, o
dançarino faz uma prece para
Ganesh, que abençoa o início de
todo o esforço e remove todos os
obstáculos. Há itens invocatórios
coreografados para Saraswati,
Shiva, Shakti-Devi, Vishnu e
outros deuses Hindus. A duas
primeiras seções do Mangala
Charan, devotada para glorificar
os deuses, são geralmente lentas
e cheias de graça, incorporando
poses esculturais.
A terceira seção do Mangala
Charan tem um tempo acelerado
com
uma
coreografia
mais
vigorosa. A energia do dançarino
preenche uma vasta área do palco
e o trabalho de pés torna-se mais
variado e complexo. A dança é
concluída
com
um
triconda
pranam, uma série de três
saudações
coreografadas
e
distribuídas em quatro partes e
divididas por pausas de duas
batidas cada uma delas. As
saudações estão inseridas numa
forma rítmica repetida em três
tempos. Esta forma, chamada
tihaye, é uma ferramenta de
composição tradicional usada
para sinalizar o término da seção
ou da dança. Na primeira
saudação, o dançarino coloca
suas mãos, palma com palma,
sobre sua cabeça para louvar a
Deus. Na segunda, coloca suas
mãos em sua testa para indicar
seu amor e respeito ao seu guru.
Finalmente, com um giro, que
quebra
ambos
os
focos
6
devocionais e estabelece o espaço
do palco ao seu redor, o
dançarino abre seus olhos e
coloca suas palmas em seu peito,
reconhecendo e cumprimentando
o público. Assim, se encerra o
Mangala Charan, os espectadores
são formalmente reconhecidos
dentro de uma coreografia e
incluída
como
participantesobservadores no ritual.
O
Mangala
Charan
é
seguido de um item denominado
Batu Nrittya, uma parte de dança
pura composta inteiramente de
movimentos abstratos. O Batu,
também conhecido como Batuka
Bhairav, é dedicado a um dos
muitos aspectos do Senhor Shiva.
É uma rigoroso aspecto orientado
da técnica e é descrito por alguns
estudiosos como “o item mais
difícil no repertório de Odissi”
(D.N. Patnaik 1971:104). Entre os
dançarinos
e
gurus,
é
freqüentemente
usada
uma
measuring stick com a qual se
julga a habilidade técnica do
estudante e sua resistência.
O Batu começa com uma
seção
representando
quatro
instrumentos
musicais:
uma
veena (instrumento de corda),
uma flauta, um tambor e
pequenos
sinos
de
mãos
denominados manjeera ou gini.
Estes
instrumentos
estão
representados nas esculturas que
decoram o lado de fora do templo
de Konark em Orissà e as poses
têm inspirado a seqüência de
movimentos na primeira seção da
dança. Nesta primeira fase da
coreografia,
o
dançarino
apresenta-se,
“carregando
os
instrumentos,
por
isso
os
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movimentos dos braços nesta
primeira seção são limitados.
Talvez pelo fato de contrastar a
relativa simplicidade da parte de
cima do corpo, a coreografia para
o trabalho de pés tem envolvido
maior
elaboração
e
uma
seqüência
mais
rápida
dos
passos. De acordo com Jeanes
(1982:103), entre 1960 e 1980, a
coreografia para o Batu aumentou
em tempo e em complexidade”.
Na primeira seqüência o
dançarino está “tocando” uma
veena, cruzando o corpo, com a
mão esquerda nos traços e a mão
direita mostrando a base do
instrumento.
Nesta
seção
o
dançarino executa o trabalho de
pés com movimentos lentos e
curvados do torso, juntamente
com a inclinação da cabeça,
característica
da
forma.
Similarmente, na seção com a
flauta, a ênfase é dada na força do
trabalho de pés, torso
e
inclinação da cabeça. Na seção
com o tambor, é dada uma
introdução sutil e delicada com
movimentos dos punhos e a
mímica das mãos a bater no
instrumento, seguindo o ritmo do
trabalho dos pés. Neste minuto o
isolamento dos pulsos expande-se
e o movimento dos braços
executam
as
poses
dos
dançarinos em parhva mandala
assimétrico (uma pose na qual um
braço circula sobre a cabeça e o
outro cruza o corpo para bater na
face oposta do tambor). Os
movimentos dos braços e dos
pulsos criam um caminho circular
e
espiralado,
formas
semicirculares que representam
um toque estilizado dos sinos de
7
mão em cima, em baixo, à direita
e à esquerda do corpo. Como é
característica no Odissi, mesmo
em movimentos cheios de fluidez,
os braços nunca estão totalmente
estendidos.
Os
movimentos
circulares estão profundamente
enraizados no Odissi, ângulos
suaves nos cotovelos e nos pulsos.
A segunda seção do Batu é
introduzida por uma mudança
musical intensa, envolvendo uma
transição em frases rítmicas e a
introdução da voz do cantor. Em
muitas composições de Odissi, o
vocalista
introduz um tema
melódico antes da entrada do
dançarino ou inicia cantando
imediatamente após a entrada
dele. No Batu Nrttya, o vocalista
não entra na orquestração até que
a segunda seção comece. A seção
vocal do Batu não é usual, não
apenas na sua introdução tardia,
mas também na sua forma
melódica. O cantor repete a
mesma linha de sílabas usando a
mesma melodia simples dentro do
resto da dança. Na parte que
envolve a dança pura, as ondas
da música vocal atravessam
várias
variações
melódicas
formais (denominadas swaras e
antaras),
assim
como
as
elaborações improvisadas que são
iniciadas pelo cantor. De fato, o
Batu é uma dança singular no
repertório
formal
das
apresentações nas quais essa
forma não é encontrada. A
repetição, sem variação, desta
linha melódica interposta com
seções de seqüência rítmica pura
dadas pelo pakavaj cria um
sensação de recitação como
oposição
ao
cantar.
A
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simplicidade da repetição vocal
desenvolve um grande poder, uma
atmosfera solene que invoca as
raízes devocionais da dança.2
A segunda seção do Batu
guia metaforicamente o público,
das estátuas decorativas do lado
de fora das paredes dos templos
para o interior do santuário, onde
o dançarino, incorporando “A
Dançarina”
prepara-se
para
dançar no templo. Esteticamente,
a dançarina adorna seu cabelo
com flores, olha-se em um
espelho de mão, e sorri com
timidez de prazer para a imagem
refletida. Esta representação do
adorno ritual do corpo em
preparação para a dança é uma
vaga lembrança ao público do
processo
de
preparação
e
vestimenta no camarim. Uma fase
não vista, um processo misterioso
de transformação. O Batu é
concluído com uma aceleração em
tempo e numa rápida seqüência
de trabalho de pés, concluindo em
um tihaye que representa uma
forma típica usada para concluir
um pedaço da dança. Neste
último pedaço do tihaye, o
dançarino pára, em uma pose
escultural, e estende suas mãos
na direção do público, oferecendo
a dança do seu coração. Deste
momento de tranqüilidade o
dançarino sai devagar encarando
o público.
2
Essa melodia também é encontrada em um item
de Odissi chamado Sthayi. Sthayi e Batu estão
aparentemente relacionados, porém, o Batu é
considerado como sendo derivado da tradição
gotipua e Sthayi é da tradição mahari. Partes da
música e ukutals (formas rítmicas) são
encontradas em ambas as danças, porém, a
coreografia é diferente.
8
O item que tradicionalmente
segue o Batu advém de um grupo
de coreografias chamadas de
Pallavis.
Pallavi
significa
elaboração
e
a
coreografia,
geralmente, é construída a partir
de movimentos rítmicos dos olhos,
pescoço, torso e mãos para
seqüências completas da dança.
Enquanto existe uma coreografia
fixa para o
Batu,
existem
numerosos pallavis compostos
para uma grande variedade de
ragas. Um professor descreve os
pallavis como “dança melódica
pura, elas nos relembram o
entrelaçamento de uma parreira,
visto no complexo e suave trabalho
de pés do Odissi”. Pallavis são
uma performance. É aceitável
também apresentar um pallavi no
lugar do Batu, neste caso o pallavi
é seguido de uma abhinaya.
A beleza de um pallavi
aumenta, significativamente, com
a maturidade do performer. Um
dançarino em Bombay, conhecido
por sua habilidade em transmitir
sentimento e emoção, expõe seu
approach quando apresenta um
pallavi:
“Cada
movimento
deveria
transmitir algo mais do que
simplesmente a técnica física.
Quando o dançarino um giro
ela gosta tanto disso e coloca
tudo dentro dele para que o
público perceba a elevação
espiritual e participe desse
deleite. Um pallavi não é
somente dança pura, ele tem
movimento interno da alma.
Isto é importante, por exemplo,
Saver
Pallavi
mostra
o
amanhecer como se ele fosse
feminino
e
estivesse
se
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adornando. Já que é cedo de
manhã, os primeiros passos
deveriam ser feitos como se
você fosse o próprio amanhecer
e quando você percebe isso
dentro você e depois transmite
isso externamente, o público
sente um deleite também. A
diferença nos pallavis é o
sentimento e ele é conectado á
música. Não são movimentos
abstratos mas sim movimentos
que vocês está apresentando.”
A ampla variedade das
coreografias dos pallavis provém
de uma seqüência expressiva e de
graciosidade,
em
movimentos
delicados, como no Saveri; para a
força da virtuosa coreografia do
Kirvani. Os pallavis desafiam a
habilidade do dançarino para
interpretar
e
representar
o
movimento
técnico
em
um
caminho que é ao mesmo tempo
de prazer estético e cheio de
significado.
Pallavis são seguidos por
uma abhinaya. As abhinayas
estão tradicionalmente ligadas à
performance do Gita Govinda no
templo de Jagannath em Puri.
Muitas das mais complicadas
abhinayas tratam de trechos da
obra de Jayadev, porém alguns
itens têm tratado de trabalhos de
outros poetas Oriya, notadamente
Kavisurya Baladev Rath, Gopal
Krishna Patnaik, Banamali and
Upendra
Bhanja
(Kothari,
1990:72).
Abhinayas
narram
estórias usando uma estilizada
linguagem cantada que combina
hastas (formas das mãos) e
expressões
faciais
igualmente
estilizadas. As abhinayas são
profunda
e
culturalmente
9
codificadas,
assim
como
as
estórias representadas e o método
de expressão, elas vêm das
tradições indianas clássicas. As
estórias são retiradas da mitologia
Hindu ou do folclore regional. As
posições simbólicas das mãos, as
expressões
faciais
e
os
movimentos estão classificados
em textos tradicionais sobre a
dança e o drama, tais como o
Natya Sastra, Abhinaya Darpana
e Abhinaya Chandrika.
Ao contrário do Mangala
Charan, que segue uma seqüência
prescrita
de
componentes
necessários, ou os pallavis, que
seguem as estruturas musicais do
raga, as abhinayas não seguem
um conjunto musical ou uma
estrutura coreográfica. A poesia
da estória torna-se a estrutura da
abhinaya.
Alguns
dos
mais
proficientes
dançarinos
improvisam coreografias no palco,
elaborando cada linha da poesia e
interpretando
cada
estado
emocional de acordo com a
inspiração
deles
naquele
momento.
Idealmente,
os
sentimentos e as emoções da
abhinaya, que influenciam o rasa
da
performance,
serão
comunicados
ao
público
e
compartilhados por ele.
O
item
conclusivo
da
performance é o Moksha. Na
filosofia Hindu o atman, a
essência espiritual em cada ser
vivo, pode ser liberta do eterno
ciclo de reencarnações apenas
quando a pessoa atinge um nível
de conhecimento que a guia para
a libertação do mundo material.
Esta última liberação, do plano
material para o estado de
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iluminação de liberdade completa
e, retornando à essência divina da
qual todos nós descendemos, é
um
estado
conhecido
em
Sânscrito como moksha. Não há
palavras cantadas durante este
item, apenas a voz do guru
recitando
o
ukutal
(sílabas
rítmicas) e o acompanhamento do
pakavaj e de outros instrumentos.
O raga é fixado em Bhairav, que
evoca um solene, profundo e lento
tom. O item final no ritual de
dança
culmina
em
uma
combinação de intensa exortação
física e de prece. Uma combinação
de
treino
disciplinado,
concentração
e
de
bhakti
(devoção) guia o dançarino, e
idealmente o público também,
para um estado de moksha.
Aharya: ornamento do corpo
Horas antes da cortina se
abrir, o dançarino inicia sua
própria transformação, do seu
dia-a-dia para o seu papel como
performer.
Durante
o
desenvolvimento atrás do palco há
tanto uma transformação interna
da própria pessoa como uma
transformação externa do corpo,
iniciada através de um processo
elaborado de vestimenta. Este
processo pode levar cerca de duas
horas para estar completo. O
vestuário para um dançarino de
Odissi consiste de: um sari (longo
tecido amarrado para formar um
vestido), jóias de prata em
filigrana, guizos de bronze que são
presos
com
um
cordão
e
10
amarrados
ao
redor
dos
tornozelos, um enfeite de cabeça
em flores brancas que decoram o
cabelo, e uma aplicação de
maquiagem estilizada.
Ao contrário de muitas
outras tradições de dança teatral,
em uma performance solo, a
vestimenta não é usada para
significar
um
personagem
específico. É considerada parte da
proficiência do dançarino para
estar apto a mudar de um
personagem para o próximo
dentro de um item singular, da
mesma forma que é essencial para
um ator estar apto para mostrar
diferentes sentimentos em um
personagem. Assim, o dançarino
não faz uso de um visual “prop”
ou muda de vestuário para
demonstrar quando ele está
representando um homem ou
uma mulher, protagonista ou
antagonista.
A
caracterização
torna-se
clara
através
da
linguagem corporal do dançarino,
do uso dos movimentos, dos
gestos das mãos e da expressão
facial. Similarmente, deve estar
muito
claro
quando
uma
personagem muda para outro.
Assim, o performer de Odissi
veste-se a si mesmo para um
papel singular d “Dançarino” no
qual lhe é requerido usar
instrumentos puramente físicos
para representar personagens da
dança.
Ao contrário das tradições
gotipua,
os
performers
masculinos
de
Odissi
contemporâneo não se vestem
como dançarinas. Eles usam
apenas jóias em seus braços e
peito, e o mesmo cinto de prata
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usado pelas dançarinas, mas eles
não usam nenhum adorno em
suas cabeças ou em seu cabelo.
Ademais,
os dançarinos não
decoram suas mãos e pés com o
pigmento vermelho usado pelas
dançarinas. Os dançarinos usam
um dhoti, um espécie de vestuário
que consiste de calças folgadas e
decoradas, um leque com pregas
que caem da cintura. Alguns
dançarinos amarram o dhoti.
Geralmente, os homens dançam
com o peito descoberto, com um
pedaço fino de tecido cobrindo o
ombro direito, ou eles podem usar
um pedaço de túnica lisa.
A vestimenta de sari do
Odissi para dançarinas, trançado
no estilo sambalpuri, que é
típico de Orissa foi, originalmente,
amarrado de uma forma que
assegura
à
dançarina
mais
liberdade de movimentos do que o
sari amarrado para o uso diário.
Na
tradição
do
vestuário
contemporâneo, estes saris são
cortados e fabricados e bem
costurados na forma de uma
indumentária. O vestuário
é
montado em vários pedaços
costurados individualmente. A
metade de baixo do vestuário vem
em dois tipos para as dançarinas:
um tipo de leque pregueado que
se fixa do joelho à porção da
perna do costume e se abre na
forma de um semicírculo quando
a dançarina flexiona seus joelhos;
o outro tipo é uma espécie de
leque diagonal, ou estilo de dhoti,
que começa em pregas nos
tornozelos e uma das pernas e vai
até o lado oposto da cintura. O
último, tipo dhoti de vestuário é
similar ao costume masculino
11
para o palco, enquanto o primeiro
é
apropriado
apenas
para
dançarinas.
A parte de baixo do
costume, amarrada ao redor da
cintura é fabricada com um
material extra ao redor do quadril
para
acentuar
as
formas
arredondadas da dançarina e
aproximar-se mais das proporções
das esculturas dos templos. O
topo da porção das calças é
acinturado com maior ajuste e
descreve um semicírculo atrás,
dando ênfase na área ao redor do
quadril. A parte de cima do
costume consiste de uma blusa
ajusta e com uma peça pregueada
que cruza o busto da dançarina.
Da cintura para baixo o costume é
desenhado
para
parecer
exatamente com um sari, mas
garantindo grande mobilidade.
O
costume
costurado
desenvolveu-se
a
partir
de
desenhos mais elaborados a fim
de conseguir um efeito melhor do
que as dobras e amarrações do
sari. O costume que já está pronto
para vestir é eficiente em termos
de rapidez para a mudança de
indumentária. O costume é feito
de modo a causar o mínimo de
incômodo
aos
cabelos,
etc,
quando se está mudando a roupa.
Para a mudança de um
costume, apenas poucos artigos
de joalheria serão necessários ser
removidos e recolocados sobre a
nova indumentária. Ao longo dos
anos, o público tem vindo assistir
aos espetáculos para ver as
mudanças
nos
costumes
dramáticos durante o show.
Alguns dançarinos têm feito a
mudança de costumes para a
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apresentação até quatro vezes.
Porém,
os
mais
ortodoxos
acreditam que essa mudança
constante quebra o fluxo da
performance, além de desviar a
atenção do evento, criando um
sentimento de fashion show.
O make-up da dança Odissi
mudou muito nos últimos 50
anos. Antes, consistia de uma
pasta branca de madeira de
sândalo que decorava a testa e as
bochechas da dançarina com
desenhos de galhos entrelaçados.
Essa forma é mostrada nas
sobrancelhas e nas bochechas em
muitas imagens de Krishna e de
Radha e também de Jagannath,
Subhudra e Balabhudra. Apesar
do fato de que a técnica
decorativa está ligada à arte
tradicional
da
região,
essa
tradição
foi
modificada
radicalmente em conformidade
com o padrão universal de beleza.
Há 45 anos atrás, uma das
dançarinas antigas de Odissi,
maquiada pelo guru próprio antes
de subir no palco, deixaria
qualquer
dançarina
hoje
revoltada.”Eu tinha bochechas com
linhas
retas
de
sândalo”
(Mohanty, 1981.) Hoje, não há
mais a pasta branca de madeira
de sândalo nas bochechas e na
testa, exceto como um contorno
delicado do círculo vermelho
(bindi) colocado no centro da testa
entre as sobrancelhas com pétalas
brancas. Este desenho tido na
maioria das dançarinas hoje é um
modelo inventado. Um dançarino
diz que o desenho do bindi das
maharis não era redondo: o bindi
era alongado como uma gota com
12
um ponto preto no fundo e na
forma de V suportando tudo.
O
resto
do
rosto
é
sombreado num make-up do
teatro contemporâneo modificado
no estilo para uma estética
moderna indiana. As dançarinas,
muitas vezes, clareiam a cor da
pele delas para parecerem mais
pálidas e, assim, mais bonitas
seguindo os modelos da Índia 3.
Os
olhos
das
dançarinas,
contornados
fortemente
com
Kadjal
(carvão
preto),
são
decorados de acordo com o
conceito estilizado dos “olhos de
peixe”
que
está
fortemente
enraizado na cultura indiana.
Poetas descrevem esse tipo de
olhos com muitos detalhes e,
segundo um dançarino o Natya
Sastra diz que os olhos devem ser
marcados em linhas pretas tão
finas como o rabo de um peixe. As
linhas escuras ao redor dos olhos
também servem para enfatizar os
movimentos rápidos e controlados
dos olhos como um detalhe
importante na forma da dança.
Olhando em fotos podemos
perceber
que aquelas flores
brancas que adornam os cabelos
das
dançarinas
hoje,
consideradas como uma parte
significativa
do
costume
do
Odissi,
estão
ausentes
nas
3
Para um olhar estrangeiro sobre a Índia, é
algumas vezes desconcertante ver uma mulher
bonita modificar a pele marrom e sem manchas e
saudável, transformando-a em um cinza
esbranquiçado para a platéia. Assim, da mesma
forma que as dançarinas ocidentais estão com a
ditadura do corpo ideal, na Índia existe a
preocupação nacional com a cor da pele.
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fotografias antigas das maharis e
dos gotipuas. As flores que
formam um alo, um semicírculo
na
cabeça
da
dançarina,
finalizando em um pico de flores
no topo são uma réplica da
arquitetura
dos
templos
de
Orissa. As flores também servem
para acentuar os movimentos
delicados
que
enfatizam
as
inclinações da cabeça e do queixo
nas posições assimétricas e nas
poses durante a dança. As
esculturas
de
dançarinas
encontradas em várias regiões de
Orissa parecem ter um enfeite de
cabeça.
Algumas
fotografias
antigas de algumas dançarinas de
Odissi mostram decorações de
cabeça semelhantes a uma coroa
feita de metal.
A joalheria é uma parte
muito importante do costume.
Hoje,
tanto
homens
como
mulheres usam jóias em filigrana,
típico da região. A dançarina usa
um enfeite de prata na cabeça e
brincos
semelhantes
como
aqueles que são usados nas
cerimônias de casamento. Pelo
fato
das
maharis
serem
simbolicamente
casadas
com
Deus, as jóias usadas na
performance são intencionalmente
evocativas
das
jóias
de
casamento. Ultimamente, as jóias
usadas
nas
apresentações
tornaram-se
mais
uniformes
devido ao marketing de sets de
jóias de Odissi em algumas das
maiores cidades da Índia. Foi
mencionado anteriormente que o
make-up e a colocação do costume
servem tanto para a decoração
como para evocação da beleza da
13
forma. O make-up dos olhos, com
sua forte delineação, chama a
atenção dos movimentos dos
olhos e da direção do olhar.
Adicionalmente, o desenho da
coroa em flores brancas evoca
tanto a silhueta da arquitetura
dos templos como acentua os
movimentos característicos da
cabeça.
A
dançarina
colore
também mãos e pé e dedos com
uma tintura vermelha derivada de
vegetais chamada alta.
Os desenhos geralmente são
mais simples do que as criações
pintadas à mão com henna para
cerimônias de casamento, mas a
prática nas duas situações mostra
a importância da ocasião. O
dançarino está pintando os dedos
pequenos e grandes com vermelho
e faz apenas uma linha nas mãos
e
nos
pés.
Geralmente,
o
dançarino faz um círculo simples,
uma flor ou um sol em cada
palma da mão e acima do pé.O
vermelho está servindo como
decoração, mas também está
acentuando as posições dos pés e
delineando claramente os vários
hastas (posições estilizadas das
mãos) que são usadas na forma
da dança para contar estórias ou
para
demonstrar
movimentos
abstratos. Como a pasta de
sândalo que foi substituída por
razões de conveniência, pelo lápis
das sobrancelhas, ou mesmo com
esmalte branco, a tinta vermelha
algumas vezes é substituída por
um marcador de texto vermelho
no camarim.
O resultado de todos esses
desenvolvimentos nos ornamentos
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de
Odissi
é
um
costume
relativamente uniforme e que é
identificado
somente
com a
tradição da dança clássica Odissi.
É importante pensar que essa
uniformidade foi desenvolvida em
um período específico de tempo.
Quando colocamos uma fotografia
dos anos 80 ao lado de uma de
uma
dançarina
de
1940,
percebemos uma diferença forte
na aparência, porém, com todas
essas mudanças, inovações e
substituições
que
foram
incorporadas no processo de
colocação do costume a rotina da
transformação da própria pessoa
na figura do dançarino permanece
à parte inalterado e o ápice do
ritual da dança. Cada dançarino é
encorajado par desenvolver uma
rotina pessoal que vai iniciar um
processo de transformação tanto
físico
como
mental.
A
transformação física no camarim
é
parte
do
processo
de
transformação de conhecimento
treinado na classe para o
sentimento e a sensação da
performance, como também da
concentração
interior
para
desenvolver uma técnica e depois
emanar isso para o público como
algo infinitamente mais profundo
do que a própria técnica.
Uma dançarina de Odissi
que mora e apresenta na América
do Norte fala eloqüentemente
sobre
o
processo
de
transformação da ahariya:
“Eu fico muita quieta quando eu estou
me preparando para a apresentação,
diferentemente
do
que
ocorre
normalmente. Acontece uma transição
14
que muda o meu ser diário para um
natiki (dançarino). E sou uma pessoa
diferente e qualquer um pode perceber
isso... No camarim eu faço meus
cabelos, meu rosto e os olhos, penso
sobre cada olhar, cada expressão
quando eu estou pintando a linha
longa e preta do contorno dos olhos chamado o rabo do peixe. Os lábios
são muito importantes e expressivos e
essas coisas devem ser realçadas.
Colocando o costume é o mesmo que
entrar em um outro corpo. Colocando
os
meus
gungurus
é
muito
emocionante algumas vezes para
mim, porque eu queria que meu guru
os colocasse para mim... Entretanto,
aqui nós estamos todos sozinhos, mas
na Índia é muito importante e
tradicional para o guru preparar você,
aqui você não tem isso. Mas, o que me
faz sentir como uma verdadeira
dançarina de Odissi no camarim é
quando coloco as jóias. As jóias do
templo fazem com que eu me sinta
transformada em uma mahari ou uma
devadasi. Em seguida eu faço um
pranam para minha mãe e para a foto
do meu guru antes de me apresentar
no palco.”
Muitos dos dançarinos têm
descrito a transformação do
camarim para a platéia como
comparável ao entrar em um
outro mundo e nesse mundo a
identidade do dançarino e as
qualidades elevadas do devoto da
dança
se
misturam.
Um
dançarino
descreve
os
sentimentos assim: “quando você
está ouvindo a música você
começa a ficar nervoso com a
tensão de oferecer a sua dança
para Deus.” Um outro artista
sênior relatou: “quando eu estou
na palco eu sou eu, mas eu
também sou uma outra coisa que é
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devoção pura.” Os sentimentos de
amor e de devoção descritos pelos
dançarinos fazem ecoam na
descrição de uma mahari ao
descrever as suas experiências
dançando no templo: “a dedicação
a Jagannath implicou a abdicação
completa do corpo (deha), mente
(mana), e o sopro da vida (prana)
e, assim, tudo isso se transformou
em
uma
fonte
de
deleite”
·Teoricamente, finalizando o ritual
de uma apresentação de Odissi, o
dançarino completa o processo de
transformação que começou no
nível
físico
no
camarim.
Começando ao colocar a roupa,
fazendo o make-up e colocando as
jóias até o item final da dança.
Em tudo existe uma continuidade
do
processo
e
um
aprofundamento da intensidade.
Os
movimentos
físicos
de
embelezamento do corpo como
também os movimentos da dança
guiam
a
concentração
do
dançarino para o ritual da
apresentação. Assim, o conceito
do moksha é muito poderoso, ao
imaginarmos que a energia da
dança, misturada com o espírito
do dançarino guia tanto o próprio
dançarino como a platéia para um
patamar superior.O item da dança
invoca beleza numa dinâmica que
pode inspirar a liberdade máxima
da mente e do espírito, podendo
levar a uma verdade maior. Os
elementos
jocosos
(jogo)
representados em algumas das
abhinayas, o brilho e o luxo dos
costumes e das jóias são no
finalmente
acobertado
pela
realidade evidenciada no moksha.
O moksha representa a
dinâmica da forma meditativa. De
15
todas as energias devocionais, a
meditativa é a mais profunda e
tranqüila.
Ela
preenche
o
universo,
representando
equilíbrio, serenidade e plenitude.
Para apresentar o moksha deve
haver uma transcendência da
identidade pessoal do ego. Essa
transformação interna elimina as
fronteiras entre o ego e o próprio
ritual que ainda permanece como
uma barreira de comunicação
entre o dançarino e a platéia. O
momento final do ritual de Odissi
representa um momento de
plenitude infinita, de união entre
a platéia, o dançarino e o divino,
antes que o encanto se quebre.
*
Texto traduzido por ANDRADE, Rita de Cássia
S. e GUTTLER, Rainer Aloys S.

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