- Colégio Equipe de Juiz de Fora-MG

Transcrição

- Colégio Equipe de Juiz de Fora-MG
Sagarana
(João Guimarães Rosa)
Em 1953, tornou-se chefe da divisão de Orçamento
do Itamarati. Em 1956, publicou Corpo de baile, coletânea de novelas. No mesmo ano, consagrou sua
carreira literária com a publicação de sua obra-prima: Grande sertão: veredas.
Em 1958, foi promovido a ministro de primeira
classe (diplomata). Em 1962, assumiu a chefia do
Serviço de Demarcação de Fronteiras. No mesmo ano,
publicou Primeiras estórias. Em 1963, foi eleito para
a Academia Brasileira de Letras, mas só resolveu tomar posse quatro anos depois. Escolheu para a posse
a data do aniversário de seu antecessor, João Neves
da Fontoura, no dia 16 de novembro. O discurso de
posse foi premonitório, causando espanto em todos
que o conheciam. Faleceu três dias depois.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1. BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA
João Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de junho de
1908, em Cordisburgo, pequena cidade situada entre Curvelo e Sete Lagoas, Minas Gerais. Foi menino nessa região de gado vacum, de onde saiu aos dez anos para estudar
no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Não era um
menino comum, pois gostava de botânica, zoologia e literatura, e lera seu primeiro livro em francês aos seis anos.
Por causa de sua figura circunspecta e estranhíssima, ganhara no colégio o apelido de “boi sonso”.
Uma vez terminado o colégio, ingressou na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Os anos dedicados ao curso e, depois, ao exercício da medicina
em Itaguara, município de Itaúna, não lhe tiraram o
gosto pela literatura. Já, naquela época, fora premiado várias vezes por seus contos no concurso promovido pela revista O Cruzeiro. Mas eram textos que
ainda não definiam seu estilo e sua linguagem.
Serviu como médico voluntário, em 1932, e depois como concursado. Em 1936, foi premiado pelo
livro de poemas Magma no concurso da Academia
Brasileira de Letras. Em 1937, concorreu com o livro
Contos ao prêmio Humberto de Campos, obra que se
transformaria mais tarde em Sagarana.
Sua paixão por vários idiomas levou-o a prestar
exame para o Itamarati em 1934. Em 1938, foi nomeado cônsul-adjunto em Hamburgo. Chegou a ser internado em Baden-Baden como preso de guerra, tendo
sido trocado por diplomatas alemães. Em 1946, foi
nomeado chefe de gabinete do ministro João Neves da
Fontoura. No mesmo ano, estreou com a publicação
de Sagarana, obra que lhe rendeu vários prêmios importantes da literatura brasileira. Em 1952, viajou pelo
sertão de Minas Gerais com um grupo de vaqueiros. O
chefe da comitiva era Manuel Nardes, o Manuelzão,
vaqueiro conhecido e respeitado nos “ermos das geraes”, a quem coube introduzir Guimarães Rosa nos mistérios e vivências das passagens sertanejas. Manuelzão
transformou-se depois no personagem central da novela Uma história de amor, que faz parte do livro Corpo de baile (atualmente, Manuelzão e Miguilim).
OBRAS DE GUIMARÃES ROSA
JÁ PUBLICADAS:
Sagarana (1946); Com o vaqueiro Mariano
(1947); Corpo de baile (1956) — obra posteriormente desmembrada em três livros: Manuelzão e Miguilim (l964), No Urubuquaquá, no Pinhém (1965),
Noites do sertão (1965); Grande sertão: veredas
(1956); Primeiras estórias (1962); Tutaméia (Terceiras estórias) (1967); Estas estórias (1969); Ave, palavra (1970) e Magma (1997).
2. INTRODUÇÃO
Publicado pela primeira vez em 1946, o livro de
contos Sagarana constitui a primeira obra-prima da
produção roseana, introdutória da mágica prosa literária atingida pelo autor. São nove contos ou novelas,
que descortinam o universo da linguagem regional
de Guimarães Rosa e recriam, na ficção, a vida de
personagens saídos do interior das Gerais. A grandeza dessas produções narrativas não se deve apenas ao
cenário, ou à linguagem, mas à riqueza da experiência humana traduzida em personagens que parecem,
em certos momentos, vencer suas fraquezas humanas para fazer parte da galeria dos mitos e heróis do
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sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fôra tão bom,
como outro não existiu e nem pode haver igual.
sertão. Dentro desse mundo regional, a paisagem integra-se ao homem, delirando junto com ele (Sarapalha), servindo de itinerário sensorial à sua cegueira
(São Marcos), servindo de caminho e descaminhos
(Duelo), mostrando seus avisos e perigos (O burrinho pedrês), bem como instrumentalizam, através do
trabalho, a possibilidade de ascensão ao plano do divino (A hora e vez de Augusto Matraga). O processo
“mimético” (imitativo) atinge a perfeição meticulosa, recriando detalhes insignificantes da natureza no
sentido de capacitar a universalização, ou seja, de inventar uma outra natureza além do espaço natural e
emprestar ao cenário das Gerais características universalizantes.
Não são esquecidos os valores espirituais do matuto mineiro, que se igualam e traduzem os valores
comuns aos homens de qualquer espaço ou tempo,
consagrando a “travessia” humana pelo viver. As crendices deixam, assim, seu espaço restrito para tocarem a intuição universal de uma fé que ultrapassa todas
as fronteiras, colocando os sentimentos religiosos
como elos de uma cadeia universal e metafísica, igualando os homens por força interior e circundando o
pensamento roseano de que o “destino inexorável”
nasce das atitudes humanas e da força diária empregada na sua condução.
A linguagem regional alia-se ao sentimento do
mais puro poético para criar efeitos inusitados. O casamento entre o regional e o erudito surpreende o leitor, entre maravilhado e chocado diante do sortilégio
verbal que, ora prende, ora espanta, criando dificuldades de entendimento para muitos.
Cabe ressaltar que o título da obra é mais um neologismo roseano. A palavra Sagarana vem de saga (narrativa épica) e do sufixo rana, que em tupi significa “à
maneira de”. Assim, pode-se dizer que as nove narrativas são contadas à maneira de epopéias, projetando
feitos heróicos, míticos e maravilhosos, associando o
regional a uma dimensão de interesse universal.
O burrinho Sete-de-Ouros está decrépito e aposentado na fazenda da Tampa. Ele já teve outros nomes: Brinquinho, Rolete, Chico-Chato e Capricho;
conforme o gosto de cada dono. Conhecera muitos
lugares, tendo vivido outras tantas aventuras. Em certa
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ocasião aparecera com uma cobra jararacuçu pendurada no focinho como uma tromba. Escapara da
morte por sorte. Em cima dele morrera, em certa ocasião, um tropeiro do Indaiá, baleado pelas costas.
Chegou a ser roubado por ciganos. Agora descansava
sua velhice na fazenda do major Saulo.
Nesse dia, estava a lamber um resto de sal perto
da varanda da casa-grande e acabou sendo escolhido
para acompanhar um grupo de vaqueiros para levar
uma boiada ao povoado. Ninguém se lembraria dele,
se alguns cavalos não fugissem na noite anterior por
causa de uma tempestade.
O primeiro engano seu nesse dia. O equívoco que
decide o destino e ajeita o caminho à grandeza dos
homens e dos burros. Porque: “quem é visto é lembrado”. (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 8.)
Os vaqueiros deixam a fazenda. Por ordem do
major Saulo, Manico vai montado no burrinho e é
ridicularizado por todos. Francolim alertara o patrão
de que havia uma briga entre Badu e Silvino, por causa
de uma moça que desprezou o Silvino, trocando-o
pelo Badu. A vingança seria cumprida no decurso da
viagem.
Várias histórias são contadas no transcorrer da
viagem, sempre relacionadas com o cotidiano dos
boiadeiros. Narra-se, por exemplo, a história do menino Vadico e seu Zebu, o Calundu, cuja amizade era
grande entre eles. Sem se saber por que, o touro mata
o menino subitamente, morrendo misteriosamente na
mesma noite. Conta-se também o caso de um fogoso
touro que colocou uma onça para correr.
Silvino atiça um touro contra Badu, mas este consegue sobreviver. Francolim, a pedido do patrão, troca de montaria com Manico, mas pede de volta sua
montaria na entrada do povoado para não ficar feio
como capataz de major Saulo.
A boiada chega ao povoado. Major Saulo resolve
pernoitar por lá, e passa o comando a Francolim, pedindo a este que ficasse de olho em Silvino. Os vaqueiros
ficam na cidade bebendo. Badu fica completamente
3. ANÁLISE E RESUMO
DOS CONTOS
O BURRINHO PEDRÊS
Era um burrinho pedrês1, miúdo e resignado, vindo de
Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no
1
Salpicado de preto e branco na cor.
Guimarães Rosa grafa jararacussu: réptil ofídio, crotalídeo (Bothrops jararacussu), comum nas regiões baixas e alagadiças desde o
litoral Sul e Leste até a região Centro Oeste do Brasil, de dorso amarelo-escuro com largas manchas laterais levemente unidas ou
confluentes; comprimento: até 2,20 m.
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2
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ROSA, João Guimarães. Sagarana. 12. ed.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970. p. 3.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
embriagado. Sai mais tarde que os outros, sobrando para
ele o burrinho. Voltam em fila indiana, trazendo uma
garrafa de cachaça como suplemento.
No caminho, Manico conta um caso ocorrido com
ele e o major em Goiás: trouxeram de longe um menino negro, que chorou a viagem toda pedindo para
voltar, terminando por sumir junto com toda a boiada
enfurecida. Na ocasião morreram vaqueiros. Silvino
vai tramando a morte de Badu, que vem mais atrás,
arriado de bêbado no lombo do animal.
Os vaqueiros se assustam com a enchente do córrego da Fome. O pássaro joão-corta-pau anuncia o
perigo. Manico e Juca temem a enchente. Todos acabam entrando nas águas. O burrinho segue firme e
heróico, trazendo no lombo Badu. As águas enfurecidas acabam derrubando cavalos e cavaleiros, conduzindo todos para a morte. Apenas o burrinho pedrês
consegue transpor as águas, deixando-se boiar na correnteza forte. Francolim salva-se, agarrando a cauda
do burrinho, que atinge o outro lado em segurança. O
burrinho escoiceia o intruso e segue para a casa com
Badu no lombo. Francolim e Badu foram os únicos
sobreviventes daquela noite em que oito vaqueiros
morreram.
O burrinho, tendo cumprido a sua missão, procura um resto de milho no cocho e um lugar para dormir, acomodando-se entre a vaca mocha e a vaca
malhada.
O conto é iniciado por uma epígrafe (E ao meu
macho rosado? carregado de algodão / perguntei: pra
donde ia? / Pra rodar no mutirão), que alude simbolicamente à carga dos homens, referência ao mundo da
necessidade e à forma de ajuda mútua no meio rural.
Em outros termos: submissão ao império do destino.
O conto dá-nos mostra clara do pensamento roseano
de que cada ser tem seu momento de grandeza, ou
melhor, sua hora e vez. Assim, o primeiro conto parece fechar-se com o último (A hora e vez de Augusto
Matraga), mostrando a temática de que um instante
pode fazer valer por toda uma vida.
Outro aspecto de destaque é o comportamento do
burrinho pedrês, que se mostra contemplativo, estóico, indiferente às paixões humanas, impassível e sereno. Ele procura fugir de confusões, mantendo-se
sábio e paciente diante do mundo dos homens e suas
paixões. Essa sabedoria parece ser resultado da velhice.
A aproximação dos bois com os homens é, sem
dúvida, um caso de zoomorfismo: “Saudade em boi,
eu acho que ainda dói mais do que na gente”. (ROSA,
João Guimarães. Op. cit., p. 58.) Os bois parecem
completar os vaqueiros: “Sem a boiada, seriam como
almas sem corpo”. (ROSA, João Guimarães. Op. cit.,
p. 51.)
Cabe ressaltar a presença de micronarrativas de
encaixe no eixo da estória principal e o fato de o conto apresentar-se como uma fábula, já que humaniza o
animal, dá-lhe atitudes humanas. Outros recursos
empregados são: linguagem expressiva e poética, adjetivação excessiva, metáforas originais, aliterações,
arcaísmos e comparações.
TRAÇOS BIOGRÁFICOS DE LALINO
SALÃTHIEL OU A VOLTA DO MARIDO
PRÓDIGO
Lalino Salãthiel (Laio) trabalha numa mineração
nas proximidades de Belo Horizonte. É um homem
de bem com a vida, meio irresponsável, mas com
grande poder de persuasão. Laio chega sempre atrasado ao serviço e embroma o chefe, seu Marra, com
estórias. Tem sempre o que dizer, inventa peças que
assistiu no rio de Janeiro, onde, aliás, nunca esteve.
Fala de seu sonho de possuir terras no rio do Peixe e
plantar árvores com enxertos. Generoso, um companheiro de serviço de Laio, diz que ele vê passarinho
verde toda-a-hora, fazendo-se de bobo para viver.
Laio é casado com Maria Rita (Ritinha), por quem
demonstra muita ternura. Um dia Laio percebe que sua
vida foi talhada para a aventura no Rio. Reúne seiscentos mil-réis com a venda do carroção, do burrinho
e das apólices do Estado, pede mais dois contos emprestados ao espanhol Ramiro e parte para o Rio, sem
despedir-se da mulher. O espanhol empresta uma parte do dinheiro, porque já estava de olho na mulher de
Laio, e consegue que este prometa que vai embora para
sempre. Acaba dando-lhe um conto em cédulas de cem.
Laio parte, mas pede a seu Miranda que diga à
mulher que vai sair por esse mundo, que ele não presta e ela não perde, podendo fazer o que entender.
Três meses depois, Ritinha vai morar com Ramiro. Passam-se seis meses sem notícias de Laio, que
está no Rio, vivendo na dissipação com mulheres. Laio
acaba repudiando a vida que leva e resolve regressar.
Não mostra desespero ao ver que a mulher está vivendo com Ramiro. Continua alegre e descontraído,
como se nada tivesse acontecido. Por intermédio de
seu amigo Oscar, consegue emprego com o pai do
rapaz, o major Anacleto, ganhando logo a simpatia
do irmão do major, Laudônio. Trabalha como cabo
eleitoral para o major, estando sempre em companhia
de um guarda-costas, o Estêvão.
Sentindo saudade da mulher, pede a Oscar que
converse com Ritinha. Oscar acaba se aproveitando
para dar uma “cantada” em Ritinha, mas é rechaçado
por ela, que confessa amar Laio. Oscar conta ao rapaz que Ritinha não quer mais saber dele.
A campanha corre quente, cheia de intrigas, das
quais Laio sempre sai ileso.
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SARAPALHA
“Tapera de arraial. Ali, na beira do rio Pará, deixaram largado um povoado inteiro: casas, sobradinho, capela; três vendinhas, o chalé e o cemitério…”
(ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 119.)
Ribeiro e Argemiro viviam numa fazenda, no vau
da Sarapalha, perto do arraialzinho, na beira do rio
Pará, lugar cheio de mato e que ficou deserto por causa
da malária. Eram cuidados por uma negra velha, Ceição (Conceição), condenados a morrer aos poucos por
causa da doença. O único prazer que lhes resta é a
tremedeira trazida pela doença. O cenário é tão desolador quanto a vidinha e o vocabulário dos dois.
Há mais de duas horas que estão ali assentados, em
silêncio, como sempre. Porque, faz muito tempo, entra ano
e sai ano, é toda manhã assim. A preta vem com os gravetos
e a lenha. Os dois se sentam no cocho, Primo Argemiro da
banda do rio, Primo Ribeiro do lado do Mato. A preta acende o foguinho. O cachorro corre, muitas vezes, até lá na
tranqueira, depois se chega também cá para perto.
Estremecem, amarelas, as flores da aroeira. Há um
frêmito nos caules rosados da erva-de-sapo. A erva-deanum crispa as folhas, longas, como folhas de mangueira.
Trepidam, sacudindo as suas estrelinhas alaranjadas, os
ramos da vassourinha. Tirita a mamona, de folhas peludas.
— Mas, meu Deus, como isto é bonito! Que lugar bonito p’ra gente deitar no chão e se acabar!…
É o mato, todo enfeitado, tremendo também com a sezão.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 122.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 139-140.
A conversa entre os primos é sempre de desalento, de tristeza, na espera da cura da doença ou mesmo
da morte. Ribeiro tem ar de defunto, parecendo a todo
instante que vai morrer. Ele pede que o Argemiro
mande enterrá-lo no povoado, mandando chamar padre. Conta ao primo Argemiro o que traz de amargo
no coração, foi abandonado pela mulher, Luísa. Sonhara com ela, cujo nome nunca mais foi pronuncia-
O conto é uma pequena obra-prima dentro da coletânea Sagarana, quase um poema no qual homem e
natureza vão se corroendo por fora, por causa da
maleita, e no íntimo, os homens, por causa da lembrança da amada traidora. É o poema dos vencidos
da vida, desolados interiormente como a epígrafe lembra bem: Não cantes fora da hora… / Coitado de quem
namora. A necessidade de expiação da culpa leva
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do, depois de sua partida. Afirma que Argemiro é
como um irmão para ele:
“Se duvidar, nem um filho era capaz de ser tão
companheiro, tão meu amigo, nesses anos todos…”
(ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 128.)
À medida que Ribeiro narra suas dores, Argemiro
recorda a mulher do primo. Ele gostava de Luísa. Ribeiro sonhara com a mulher no dia do casamento e
tivera a impressão de que ia morrer. Argemiro pede
que não fale da morte, mas acaba prometendo não
deixar que enterrassem o primo no arraial. Ribeiro
fala que não tem raiva da mulher, mas que queria matar
o homem com quem ela fugiu. Argemiro manda Ribeiro levantar os braços, porque está botando sangue
pelo nariz. Ribeiro não tivera coragem de ir atrás da
mulher, porque teve vergonha dos outros, já que não
teria coragem de matar a mulher. Ribeiro pega de tremer, por causa da maleita. Recusa o remédio, porque
quer morrer.
Argemiro amou em segredo, em silêncio, a mulher de Ribeiro e resolve agora desabafar seu amor
proibido. Nunca faltara com o respeito à mulher do
primo, guardara em silêncio seus sentimentos.
“— Eu… eu também gostei dela, Primo… Mas
respeitei sempre… respeitei o senhor… sua casa…
Nós somos parentes… Espera, primo! Não foi minha
culpa, foi má-sorte minha…” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 136.)
Argemiro confessa que veio morar com eles por
causa de Luísa, mas ficou por causa do primo, quando ela foi embora, por ficar querendo um bem enorme a ele. Ribeiro recebe a confissão como se fosse
uma traição, como se Argemiro fosse uma cobra, expulsando-o da tapera. Nem aceita os argumentos de
Argemiro, que parte com sua moléstia.
O conto se encerra com um delírio de Ribeiro por
causa da maleita:
Ritinha deixa o espanhol e pede proteção ao major, que a recebe, mas quase muda de idéia ao saber
que Laio anda com a gente da oposição. Laio esclarece tudo: andava com o filho do inimigo político para
levá-lo para o mau caminho. A culpa de um caso de
desonra recai sobre o filho do inimigo, que foge para
não se casar com a moça. A família atingida passa
para o lado do major Anacleto. Depois disso, Laio
acaba conseguindo levar o secretário do governo para
a casa do major, quando estava de passagem pela região.
O major vence as eleições. Maria Rita e Laio reconciliam-se. O major Anacleto manda seus capangas expulsarem os espanhóis das terras, depois de
descobrir que estrangeiro não pode votar.
A estrutura da novela apresenta marcação teatral,
dividida em nove partes. O tema central é a alegria de
viver. A política é tratada com ironia no texto. A epígrafe traduz o comportamento de Lalino, que foi “ao
inferno, mas não entrou”, ou seja, esteve na desregrada vida carioca, mas não se deixou contaminar.
Lalino tipifica o herói pícaro (anti-herói), é apenas
um indivíduo que goza a vida; com seu jeito malandro de resolver as coisas, simboliza o ânimo de viver.
prestígio nenhum…” (ROSA, João Guimarães. Op.
cit., p. 165.)
Veio o médico, veio o padre. Cassiano confessouse e comungou. Depois deu o seu dinheiro para o Vinte-e-Um. “Aí, tomou uma cara feliz, falou na mãe,
apertou nos dedos a medalhinha de Nossa Senhora
das Dores, morreu e foi para o Céu.” (ROSA, João
Guimarães. Op. cit., p. 165.)
Turíbio ficou sabendo da morte por uma carta da
mulher, que o chamava de volta para o lar. Regressou.
No caminho encontrou “um cavalinho ou égua,
magro, pampa e apeguirado3 […] com um camarada
meio-quilo de gente em cima.” Turíbio achou graça
da figura do capiau. Muito alegre, Turíbio puxa prosa, aconselhando o outro a ir para São Paulo ganhar
dinheiro. Vinte-e-Um responde:
“— Qual, seu Turíbio Todo… Com perdão da palavra, mas este mundo é um monte de estrume! Não
vale a pena a gente ficar alegre… Não vale a pena,
não.” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 170.)
Sempre rindo, Turíbio Todo manda o outro cuidar
da saúde, para não ficar com idéias ruins. Turíbio estremece ao ouvir a palavra do outro firme e crescida:
“— Seu Turíbio! Se apeie e reza, que agora eu vou
lhe matar!” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 170.)
Vinte-e-Um invoca o nome de Cassiano Gomes,
afirmando que jurara cumprir a vingança. Turíbio tenta
subornar o capiau, mas Vinte-e-Um dá-lhe dois tiros
de garrucha, arrebentando-lhe a cara.
O conto é uma espécie de alegoria do destino, pois
a vingança será cumprida de maneira indireta. Caracterizado pela ação contínua e pelo suspense do
confronto entre dois homens, o clímax do conto dáse pelo crescimento de um “capiauzinho” insignificante. Como o burrinho do primeiro conto, o Timpim
Vinte-e-Um teve seu momento de grandeza. A epígrafe mostra bem a temática da estória, o gimnoto
(peixe pequeno de água doce cuja abertura anal fica
abaixo da boca e cuja nadadeira anal vai até a cauda)
é o Timpim Vinte-e-Um.
O Duelo procura representar a eterna luta entre o
Bem e o Mal (maniqueísmo). Turíbio simboliza o mal,
enquanto Cassiano, o bem. Entretanto, a pouca distância entre o certo e o errado não justifica claramente a posição dos protagonistas. Ambos agem de
maneira inadequada durante a narrativa.
Argemiro à desgraça, confessando um amor proibido.
A natureza projeta a desolação dos personagens, identificando-se com o homem. O tremor de Argemiro projeta-se na natureza, que parece tremer junto com ele.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
DUELO
“Turíbio Todo era seleiro de profissão, tinha pêlos
compridos nas narinas e chorava sem fazer caretas.
Era papudo, vingativo e mau. Mas, no começo desta
estória, ele estava com a razão.” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 141.) Naquele dia tinha saído para
pescar, mas voltara para casa desconsolado. Tinha
avisado que não vinha dormir em casa, pernoitaria
em casa do primo Lucrécio, no Decamão. Mudou de
idéia sem avisar a esposa, Silivana. Acabou flagrando a mulher, que tinha olhos grandes, de cabra tonta,
em pleno adultério com Cassiano Gomes. Não foi
visto pelos amantes. De início, Turíbio Todo nada fez,
“foi cozinhar o seu ódio branco em panela de água
fria”. (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 143.)
Turíbio sabia que Cassiano Gomes era homem
perigoso no manejo de armas. No outro dia, voltou
para casa. Tratou bem a mulher. Mandou pôr ferraduras novas no cavalo. Limpou as armas e proveu a
capanga. Falou numa caçada de pacas.
Dormiu mais cedo que de costume. Na quinta-feira de manhã foi tocaiar a casa de Cassiano Gomes.
Viu-o à janela, de costas para a rua, e baleou o outro
bem na nuca. Correu para casa onde o cavalo o esperava na estaca e pronto para fugir.
Turíbio, entretanto, acertara Levindo Gomes, o
irmão de Cassiano Gomes. Com medo de Cassiano,
fugiu para longe, sempre seguido de perto por Cassiano. A perseguição durou meses, espalhando-se entre as pessoas, pois todos estavam a par do duelo.
Cassiano se desesperou na infatigável luta, com
seu coração começando a dar problemas. Turíbio sabia da doença do perseguidor e esperava que seu coração acabasse pifando. Turíbio acabou indo para São
Paulo.
Cassiano partiu novamente em busca do fugitivo,
mas sua doença piorou quando chegou ao arraial do
Mosquito, onde ficou deitado e desesperado, querendo arranjar um pistoleiro para cumprir sua vingança.
Cassiano tornou-se amigo de um Timpim chamado
Vinte-e-Um, que teve três filhos. O primeiro morreu de
ano, outro nasceu morto e o sobrevivente estava doente.
Cassiano deu dinheiro para o capiauzinho buscar médico para o menino. Vinte-e-Um ficou agradecido:
“— Deus há de lhe dar o pago, seu Cassiano Gomes! Eu sim que não posso por causa que não tenho
3
MINHA GENTE
O personagem-narrador é um rapaz culto que resolve passar uns tempos na fazenda de seu tio, Emílio, num lugar chamado Tucanos. Ao descer do trem
Pequeno.
5
encontra-se com José Malvino, empregado da fazenda, que o fora buscar, e com Santana, inspetor escolar. O narrador gosta de jogar xadrez com Santana,
um tipo curioso. Sua conversa com Santana é marcada por termos culturais, principalmente literários,
carregada de citações de Homero. Os três seguem
juntos, até que Santana deixa-os para visitar um arraial, depois outros. Os dois seguem e chegam à fazenda. O rapaz é bem recebido pelo tio e pela prima,
Maria Irma, sua antiga namorada.
Tio Emílio vê-se às voltas com a política local,
por causa da proximidade das eleições. O narrador só
tem olhos para prima, que procura sempre se esquivar dele.
O narrador fica conhecendo Bento Porfírio, pescador tagarela, que é casado, mas continua apaixonado por sua prima de-Lourdes, esposa de Alexandre
(Xandão). Bento Porfírio acaba sendo morto por Alexandre durante uma pescaria. O narrador presencia o
crime. Conta tudo ao tio, que protege o assassino para
não perder mais um voto.
Um rapaz chamado Ramiro visita Maria Irma. O
narrador sente ciúmes da prima, que se defende dizendo que Ramiro é noivo de Armanda, sua amiga. O
narrador termina confessando seu amor pela prima.
Maria Irma não acreditava na palavras do primo. Aproveitou para elogiar Armanda, que viria até a fazenda
para ser apresentada ao rapaz. Desgostoso, o narrador parte da fazenda, indo passar uns tempos com tio
Ludovico, em Três Barras.
Algum tempo depois, o narrador recebe duas cartas. Numa delas, o tio convida-o para comemorar a
vitória de seu partido nas eleições. A outra era de
Santana que o convida para terminar a partida de xadrez interrompida quando de sua chegada na fazenda
do tio.
O narrador volta à fazenda de tio Emílio. Lá, é
apresentado a Armanda (moça bonita, rica e educada
com parente no Rio). Maria Irma deixa-os a sós.
“Nossas mãos se encontraram, de repente, e eu
senti que ela também estremeceu.” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 222.) O narrador casa-se com
Armanda. Maria Irma, com Ramiro da fazenda da
Brejaúba, no Todo-Fim-É-Bom.
A epígrafe conduz ao papel desempenhado por Maria Irma na estória. A moça representa a feiticeira responsável pelo encontro do narrador com Armanda
(“Maria é feiticeira, / ela passa sem molhar”). Minha
Gente é uma novela sentimental, narrada em primeira
pessoa e ambientada no meio rural, cujas descrições trazem lembranças de passagens de Viagens na minha terra, de Almeida Garrett. A novela traduz com fidelidade
os hábitos e costumes do povo mineiro do interior e as
lições sobre o viver sertanejo. Seu tema central é a pre-
destinação presidindo a vida do homem. Mais uma vez
Guimarães Rosa apega-se à visão do destino humano
como conseqüência de forças superiores à razão.
SÃO MARCOS
E eu abusava, todos os domingos, porque, para ir
domingar no mato da Três Águas, o melhor atalho renteava
o terreirinho de frente da cafua do Mangolô, de quem eu
zombava já por prática. Com isso eu me crescia, mais
mandando, e o preto até que se ria, acho que achando
mesmo graça em mim.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 225.
Izé ia para seu passeio na mata, aonde não ia para
caçar, apesar de levar espingarda, mas gostava de apreciar a natureza, os bichos e insetos. No caminho, encontra a casa do feiticeiro Mangolô e zomba do preto:
— Ó Mangolô!
— Senhús’Cristo, Sinhô!
— Pensei que você era uma cabiúna de queimada…
— Isso é graça de Sinhô…
— … Com um balaio de rama de mocó, por cima!…
— Ixe!
— Você deve conhecer os mandamentos do negro…
Não sabe? “Primeiro: todo negro é cachaceiro…”
— Oi, oi!…
— “Segundo: todo negro é vagadundo”.
— Virgem!
— “Terceiro: todo negro é feiticeiro…”.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 229.
João Mangolô ficou irritado e entrou, batendo a
porta. José riu e seguiu seu caminho. Encontrou-se
com Aurísio Manquitola, a quem disse algumas palavras da reza de São Marcos: “Em nome de São Marcos e de São Manços, e do Anjo-Mau, seu e meu
companheiro…” (ROSA, João Guimarães. Op. cit.,
p. 232.) Aurísio pulou para a beira da estrada, bem
para longe dele, fez o sinal da cruz e gritou que parasse e não brincasse com aquelas coisas. Contou-lhe
alguns casos sobre a reza. Despediram-se.
José aproveitou os grandes colmos dos bambus
para escrever a lápis, debaixo de uma quadra gravada
a canivete, um rol de reis leoninos, assírio-caldaicos:
“Sargon / Assarhaddon / Assurbanipal / Teglattphalasar, Salmanassar / Nabonide, Nabopalassar, Nabuco-
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e não
acreditava em feiticeiros.” (ROSA, João Guimarães.
Op. cit., p. 224.)
O narrador-personagem é José, chamado de Izé,
que faz pouco caso do feiticeiro João Mangolô. Izé
acredita em superstições, mas não aceita os feiticeiros. A estória se passa em Calango-Frito, um arraial
entregue a superstições.
Sá Nhá Rita Preta costumava dizer ao narrador,
Izé, de quem era cozinheira, que não abusasse da sua
falta de fé.
donosor / Belsazar / Sanekherib.” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 238.) No domingo seguinte, encontrou escrito embaixo: “Língua de turco rabatacho
dos infernos”, terminando por aceitar o desafio e escrever outra quadra. Izé respondeu. No outro domingo, o estranho respondeu, vencendo assim o desafio
ao esgotar o tema. Izé começou outra quadra com
outro assunto.
Izé sentiu sono e encostou-se numa árvore.
O conto é narrado em primeira pessoa e gira em
torno das superstições do sertão, colocando o incrédulo protagonista diante de um feitiço. A temática do
conto não gira, entretanto, apenas em torno da bruxaria, mas da magia das palavras, da exuberância da
natureza, da superstição e do castigo e, finalmente,
da valorização dos outros sentidos além da visão. A
pesquisa das possibilidades das palavras tem papel
preponderante para o autor. A epígrafe é uma cantiga
de espantar males.
E, pois, foi aí que a coisa se deu, e foi de repente: como
uma pancada preta, vertiginosa, mas batendo de grau em
grau — um ponto, um grão, um besouro, um anu, um urubu, um golpe de noite… E escureceu tudo. Izé pensou ser
eclipse total ou o fim do mundo, mas os pássaros cantavam e o vento soprava. E, pois, se todos continuavam trabalhando, bichinho nenhum tivera o seu susto. Portanto…
Estaria eu… Cego?… Assim de súbito, sem dor, sem causa, sem prévios sinais?…
CORPO FECHADO
Manuel Fulô, metido a valentão, mas militante de
covarde, conta casos de homens valentes do lugar para
o médico (narrador da estória). Fala de José Boi, Adejalma, Miligido, João do Quintiliano e de Targino, o
valentão do momento. O médico diverte-se com as
estórias, pagando cerveja para Manuel, que afirma
ser filho de Nhô Peixoto, maior negociante do local.
Na verdade, pertence à família Veiga, bando de trapaceiros fracassados. O médico fica encantado com
a figura patética de Manuel, típico capiau do lugar,
que diz ter aprendido a aplicar golpes com os ciganos
e que chegou mesmo a enganá-los numa negociata
com cavalos.
Manuel Fulô é inseparável de sua mula, a BeijaFlor, sábia e mansa. Essa mula era objeto da cobiça
de Toniquinho das Águas, dono de uma sela cobiçada por Manuel. Só que o negócio não passava da conversa, um querendo a mula para colocar a sela, outro,
a sela para colocar sobre a mula. Toniquinho era o
curandeiro do lugar, homem de sabidas mandingas
para “fechar corpo” (feitiço para impedir ferimentos
de faca ou bala).
Quando Manuel estava a falar dos dois anos que
passou entre os ciganos, entra o valentão Targino na
venda, querendo um particular com ele. Mas todo
mundo acaba ouvindo o particular.
“— Escuta, Mané Fulô: a coisa é que eu gostei da
das Dor e venho visitar sua noiva amanhã… Já mandei recado, avisando a ela… É um dia só, depois vocês podem se casar… Se você ficar quieto, não te
faço nada… Se não…” (ROSA, João Guimarães. Op.
cit., p. 280.)
Manuel treme nas pernas. O doutor ainda tenta
agir, mas era tudo inútil.
Manuel acaba dormindo na casa do médico e é
visitado pelo Toniquinho das Águas. Os dois conversam e Manuel sai dizendo que podem entregar a sua
Beija-Flor para o seu Toniquinho, que agora é dele.
Em troca, Toniquinho fecha o corpo de Manuel, que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 247-248.
Viu então que estava cego. Tentou acalmar-se, pensando que o melhor era esperar que o viessem buscar.
Passou toda a sua “atenção para os ouvidos”. Começou a distinguir os sons dos animais. “Tão claro e inteiro me falava o mundo, que, por um momento pensei
em poder sair dali, orientando-me pela escuta.” (ROSA,
João Guimarães. Op. cit., p. 250.) Mas nada aconteceu. A sensação de perigo fez com que tomasse a decisão de sair dali. Levantou-se e andou. Deixou-se guiar
pelos sons e pelo vento. Gritou, mas ninguém escutou.
Rezou. Guiou-se pelo instinto. Caiu, bateu com a testa
numa árvore. Izé guiou-se pelos cheiros. Percebeu que
o instinto o fizera tomar o pior caminho.
Izé entrou em desespero, porque não conseguia
seguir pelos sentidos que lhe restavam. Passou depois a rezar a reza brava de São Marcos, que sabia de
cor. Começou a correr. Parava, sentindo medo. Finalmente, chegou ao final do mato. Ouviu os porcos de
João Mangolô.
Sua fúria empurrou-o para a casa do negro e atacou-o, seguindo a sua voz, que pedia que não o matasse. Já o estava estrangulando, quando tudo clareou.
João Mangolô explicou:
— Não quis matar, não quis ofender… Amarrei só esta
tirinha de pano preto nas vistas do seu retrato, pra Sinhô
passar uns tempos sem poder enxergar… olho que deve
de ficar fechado, para não precisar de ver negro feio […]
Izé pareceu ter aprendido sua lição. Estendeu uma nota
de dez mil-réis, como uma bandeira branca.
— Olha, Mangolô: você viu que não arranja nada contra mim, porque eu tenho anjo bom, santo bom e rezabrava… Em todo o caso, mais serve não termos briga….
Guarda a pelega4 Pronto!
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 254.
4
Cédula de dinheiro.
7
pensamentos do menino misturam-se com a conversa dos bois.
enfrenta Targino com sua faquinha e acaba vencendo, para o espanto de toda cidade.
“Conheceu, diabo, o que é raça de Peixoto?!
Manuel Fulô fez festa um mês inteiro, e até adiou,
por via disso, o casamento, porque o padre teimou
que não matrimoniava gente bêbada.” (ROSA, João
Guimarães. Op. cit., p. 286.)
Manuel ficou sendo um valentão manso e decorativo, apenas para manter a tradição e a glória do local, depois que veio polícia para a Laginha.
O conto é marcado pelo pitoresco e pelo cômico.
Sua temática gira em torno da valentia, da picardia e
das superstições dos caipiras. Como em Burrinho
Pedrês e Duelo, há um crescimento do protagonista
no momento decisivo, entrando aqui um componente
sobrenatural.
Mhu! Hmoung! Boi… Bezerro-de-Homem…. Mas, eu
sou o boi Capitão? Não há nenhum boi capitão… Mas,
todos os bois. Não há bezerro-de-homem! Todos Tudo…
Tudo é enorme… Eu sou enorme! Sou grande e forte…
Mais do que seu Agenor Soronho! posso vingar meu pai…
Meu pai era bom. Ele está morto dentro do carro… Seu
Agenor Soronho é o diabo grande… bate em todos os
meninos do mundo…
Os bois perceberam que o homem corria perigo e
combinaram derrubá-lo, se Tiãozinho gritasse. Tiãozinho acabou gritando.
Agenor Soronho foi esmagado no pescoço pela
roda esquerda.
A epígrafe sugere a caminhada de bois e de homens. O conto alude à sabedoria dos animais que
cumprem a fábula da justiça e harmonia entre os seres do cosmos. A narrativa é aberta pela presença da
irara (cachorrinha-do-mato). O suspense é mantido,
entremeando na ação a conversa dos bois marcada
pela presença de onomatopéias, que se acabam confundindo com os devaneios do menino. Percebe-se,
ainda, a humanização dos animais (antropomorfismo) e a aproximação dos sentimentos humanos com
o mundo animal (zoomorfismo). Agenor Soronho
personifica o Mal.
CONVERSA DE BOIS
O narrador reproduz, de forma enfeitada e aumentada a estória contada por um certo Manuel Timborna,
que jura que os animais falam, principalmente os bois.
A estória foi contada a Manuel Timborna por uma irara, chamada Risoleta, e que só contou em troca da liberdade ao cair nas mãos de Manuel Timborna.
A estória gira em torno de uma tragédia que ocorre com o carreiro Agenor Soronho que transporta o
corpo do pai de seu guia, o Tiãozinho. O corpo do
morto segue em cima do carro-de-bois sobre uma
carga de rapaduras. O menino chora por causa da situação vivida. Soronho mantinha um relacionamento
com a mãe do menino, já que o marido há muito vinha doente, entrevado. Agenor só aceitou levar o corpo para ser enterrado para aproveitar a carga de
rapaduras.
Os bois conversam durante o trajeto. São quatro
parelhas: Buscapé e Namorado, Capitão e Brabagato, Dansador e Brilhante, Realejo e Canindé. O boi
Brilhante conta o caso do boi Rodapião, que morreu
ao tentar buscar água em um lugar perigoso, dispondo-se sempre a enfrentar a comodidade imposta pelos homens e buscar o desconhecido. Tiãozinho segue
triste. Os bois continuam a conversar. Tiãozinho chora e sente raiva de seu Agenor Soronho, que não respeitava o pai entrevado, indo à sua casa ver a mãe.
“Tiãozinho olhou, assim meio torto. Teu pai já
morreu, tu não pode pôr vida nele outra vez… Por
que é que não foi seu Agenor Carreiro quem a morte
veio buscar?! Havia de ser tão bom!…” (ROSA, João
Guimarães. Op. cit., p. 308.)
No caminho encontram João Bala, com o carro de
boi acidentado no Morro do Sabão. Mas não podem
ajudar e prosseguem seu caminho. Agenor dorme na
cabeça do carro. Tiãozinho segue chorando ainda meio
dormindo. Agenor vai escorregando, enquanto os
A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
Augusto Esteves Matraga, ou Nhô Augusto, é um
homem valente e de má índole. Mora no arraial da
Virgem das Dores do Córrego do Murici. Bebe muito
e costuma judiar das pessoas. Certa vez, arrematou
num leilão a prostituta Tomázia, apelidada por ele de
Sariema, por cinquenta-mil-réis. Isto depois de espancar um capiauzinho. Levou a prenda, mas, depois
de ver sua magreza, desprezou-a: […] “Vá-se embora, frango d’água! Some daqui!” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 327.)
Dona Dinorá é mulher de Matraga. Por ela fica-se
sabendo dos repentes do marido, duro e doido e sem
detença, como um bicho grande do mato. Não se importava nem com a filha. Dona Dinorá manda chamá-lo por intermédio do Quim Recadeiro, mas o
marido não atende e manda o Quim levar a mulher e
a filha para o Morro Azul no outro dia.
Dona Dinorá tinha medo dele, caso contrário, fugiria com Ovídio Moura, que gostava muito dela.
Matraga, que fora criado pelo avô para padre, tornara-se um homem abrutalhado, mulherengo e cheio
de dívidas. Por causa disso, acaba sendo abandonado
pelos capangas, que não foram pagos, e passam para
o lado do major Consilva. A mulher também acaba
8
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 319.
fugindo com Ovídio Moura. Matraga foi até a fazenda do major Consilva; depois iria atrás da mulher.
Ao chegar à fazenda do major, foi recebido com
pancadaria pelos jagunços do inimigo, marcado com
ferro quente e surrado até quase a morte. Tomado por
morto, Matraga foi atirado do alto de um barranco.
Um casal de pretos velhos acaba salvando Augusto Matraga. Cuidam dele. Matraga sofre muito e delira. Chora feito menino desamparado. Os pretos
chamam um padre para confessar o moribundo, aqui
se dando a conversão de Nhô Augusto, que passou a
seguir os conselhos do padre.
morte do rapaz, a quem se afeiçoara. O chefe renovou o convite a Matraga, mas este recusou com seu
riso de capiau que passou a perna em alguém.
Nisso chegou um velho trazido pelos jagunços do
bando e que foi jogado aos pés de Joãozinho BemBem. O velho implorou pela família do matador Juruminho, justificando que não podiam pagar pelo mal
que o rapaz fizera. O velho evocou Jesus Cristo. Joãozinho Bem-Bem ficou intransigente, querendo ele
mesmo cumprir a vingança.
Matraga interferiu em favor do velho, mas Joãozinho Bem-Bem perguntou:
Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um
dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito a
passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito
pedaço bom de alegria… Cada um tem a sua hora e sua
vez: você há de ter a sua.
— Você está caçoando com a gente, mano velho?
— Estou não. Estou pedindo como amigo, mas a conversa é no sério, meu amigo, meu parente, seu Joãozinho
Bem-Bem.
Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto
por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem
assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo
Sussuarana era bronco excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto, que grita:
5
— Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança,
cambadas de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!…
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 339.
Mais alguns meses e Matraga está bom. Parte para
umas terrinhas distantes que possuía, levando consigo o casal de velhos. Caminham pela noite, escondendo-se dos capangas do major, até chegarem ao
povoado de Tombador.
Matraga trabalhava sem parar, da manhã à noite.
Aos domingos rezava o terço com os velhos. Evitava
festas, sanfonas e violas. Sempre repetia: “cada um
tem a sua hora e sua vez: você há de ter a sua”. O
tempo foi passando, e ele não fumava, não bebia, não
olhava para mulheres. Um dia passou pelo arraial o
Tião da Thereza, que lhe contou sobre a morte heróica de Quim Recadeiro na fazenda do major Consilva
e que a filha de Matraga tornara-se prostituta. Nhô
Augusto irritou-se, mas agarrou-se à fé: “Para o céu
eu vou, nem que seja a porrete”.
Chegou ao arraial, de passagem, seu Joãozinho
Bem-Bem com seu bando de jagunços. Todos foram
acolhidos por Nhô Augusto, que lhes deu pousada e
comida, tratando-os muito bem. Tornaram-se amigos.
Matraga foi convidado pelo chefe para entrar para o
bando, mas recusou o convite. No outro dia, partiram.
Com a chegada do verão e das aves de arribação,
Matraga resolveu também partir. Agradeceu o jumento
que lhe deram e se foi, sem saber para onde. Chegou
ao arraial do Rala-Coco, onde a população estava
agitada pela presença dos jagunços de seu Joãozinho
Bem-Bem. Matraga encheu-se de alegria pelo reencontro com o amigo.
O bando estava de partida, mas antes tinham que
ajustar contas com a família de um rapaz que fugira,
depois de matar Juruminho. Matraga lamentou a
5
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 367.
Iniciou-se o combate entre Matraga e o bando. Nhô
Augusto, possesso, gritava palavrões que há muito não
proferia. Matraga liquida quase todo o bando, sobrando apenas ele e seu Joãozinho para o duelo final:
— Se entregue, mano velho, que eu não quero lhe
matar…
— Joga a faca fora, dá viva a Deus, e corre, seu
Joãozinho Bem-Bem…
— Mano velho! Agora é que tu vai dizer: quantos palmos é que tem, do calcanhar ao cotovelo!…
— Se arrepende dos pecados, que senão vai sem
contrição, e vai direitinho para o inferno, meu parente seu
Joãozinho Bem-Bem!…
— Úi, estou morto…
A lâmina de Nhô Augusto talhara de baixo para cima, do
púbis à boca-do-estômago, e um mundo de cobras sangrentas saltou para o ar livre, enquanto seu Joãozinho Bem-Bem
caía ajoelhado, recolhendo os seus recheios nas mãos.
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 368.
Matraga já estava muito ferido quando foi socorrido pelas pessoas do lugar. Matraga e Joãozinho BemBem ainda acabaram como amigos:
“— […] Quero acabar sendo amigos…
— Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem.
Mas, agora, se arrepende dos pecados, e morre logo
como um cristão, que é para a gente poder ir juntos…” (ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 369.)
As pessoas do lugar anunciaram a morte do chefe
dos jagunços e tentaram tripudiar sobre o cadáver.
Em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém.
9
Marcos, nos quais a narrativa se dá em primeira pessoa. No conto Corpo fechado, a narrativa é feita pelo
médico que acompanha a história de Manuel Fulô.
Nhô Augusto reagiu com energia, mandando que parassem e enterrassem o corpo direitinho e com respeito, porque era seu parente. As pessoas
comemoraram a chegada de Matraga ao povoado para
livrá-los do bando. A família do velho foi chamada
para agradecer ao santo.
Antes de morrer, Nhô Augusto reconheceu e foi
reconhecido por um parente, o João Lomba, e pediu
a este que pusesse bênção em sua filha e dissesse à
mulher que estava tudo em ordem.
“Depois morreu.” (ROSA, João Guimarães. Op.
cit., p. 379.)
A novela é uma verdadeira obra-prima, seja na composição dos traços psicológicos do protagonista, seja
no enredo marcado pela ação constante. Percebe-se a
composição do personagem a partir da contradição
permanente do homem barroco, uma vez que Matraga
abriga em seu corpo o anjo e o demônio. O processo
de conversão do protagonista é claramente mostrado
tanto pela ação quanto por suas mudanças de nome. A
ação final culmina o processo de redenção, com o crescimento de Matraga para cumprir o papel do bem diante do mal, dando a ele seu momento de glória.
Finalmente, Matraga teve a sua hora e a sua vez.
5. ESTILO DE ÉPOCA
6.ESTILO INDIVIDUAL
Guimarães Rosa é um escritor ímpar dentro de
nossa literatura, principalmente por causa dos recursos renovadores empregados em sua prosa regionalista, que dão vigor ao modernismo da terceira fase.
Renovou o conto e o romance por meio de uma linguagem criativa, fruto de suas constantes pesquisas
do mundo regional mineiro e de seu conhecimento
de vários idiomas. Recriou a língua literária através
do uso de expressões lingüísticas nascidas no meio
regional e colhidas por sua inventividade.
Ao refletir acerca do universal sob uma perspectiva
regional, acaba expressando uma multivisão metafísica da existência a partir do pitoresco. A crença no maniqueísmo de forma natural está presente em seus
textos, simbolizada através de personagens que, algumas vezes, trazem em si a expressão do duo: Augusto
Matraga, por exemplo. Assim, seus contos procuram
traduzir conceitos filosóficos e refletem sobre amplas
contemplações de uma mística cósmica manifesta de
forma um tanto mais evidente em algumas passagens.
A linguagem é, sem dúvida, o ponto mais alto das
conquistas roseanas. Sua linguagem ultrapassa o material da prosa para atingir a poesia mais pura.
Assim, vejamos alguns desses momentos e recursos poéticos:
4. ESTRUTURA DA OBRA
O livro Sagarana é uma coletânea de nove contos
e novelas. Todos os textos apresentam a tendência de
Guimarães Rosa à pesquisa permanente da linguagem regional, mantendo-se ligados ao instrumentalismo lingüístico. Todas as ações ocorrem, como pode
ser comprovado pelo cenário, no interior de Minas,
existindo farta nomeação de lugares e regiões. Essa
verossimilhança serve de primeiro elemento catalisador das narrativas. Mas há outras formas de agruparmos as narrativas.
Em todos os contos, é comum a presença de epígrafes (texto ou frase que serve de tema ou assunto),
cujo sentido se mostra totalmente integrado ao texto.
O uso de epígrafes de sentido regional ou folclórico
prende-se à intenção de desvendar o mundo regional
e os costumes do interior mineiro.
A) Tempo: O tempo das narrativas é marcado pela
indeterminação.
B) Espaço: O espaço da narrativa é Minas Gerais, mais especificamente o interior de Minas, destacando-se nomes de vilarejos, de povoados, de
fazendas de criação de gado. Apenas circunstancialmente são citados São Paulo e Goiás.
C) Foco narrativo: Os contos são narrados em
terceira pessoa, com exceção de Minha Gente e São
PRESENÇA DO LIRISMO
As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas
e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na
massa embolada, com atritos de couros, estralos de
guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado
junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão…
ROSA, João Guimarães. Op. cit., p. 23-24.
10
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Guimarães Rosa pertence à terceira fase do Modernismo brasileiro, ou seja, Neomodernismo, iniciado em 1945. Destaca-se como um dos mais
importantes escritores de toda a nossa literatura. Sua
obra Sagarana é um livro de contos inserido na tendência criada por Guimarães Rosa do regionalismo
universalizante, uma vez que sua leitura do mundo
regional se faz a partir de um prisma universal.
• Contos nos quais ocorre a humanização dos animais: O burrinho pedrês e Conversa de bois.
• Contos de feitiçaria: Minha gente, São Marcos
e Corpo fechado.
• Contos nos quais um instante parece valer por
toda uma vida: O burrinho pedrês e A hora e vez de
Augusto Matraga.
• Contos nos quais costumes dos capiaus servem de temática: A volta do marido pródigo e Minha gente.
• Contos onde está presente a idéia de travessia:
O burrinho pedrês, Duelo e A hora e vez de Augusto
Matraga.
• Contos nos quais a natureza parece algo vivo
(panteísmo): Sarapalha e São Marcos.
Cabe ainda ressaltar que o primeiro conto (O burrinho pedrês) e o último (A hora e vez de Augusto
Matraga) fecham-se num círculo temático.
A passagem reflete também o emprego de ritmo
poético, já que pode ser dividida em versos pentassílabos (redondilhos menores):
As / an / cas / ba / lan (çam),
5
e as / va / gas / de / dor (sos)
5
das/ va / cas / e / tou (ros),
5
ba / ten / do / com as / cau (das),
5
Ou em versos hendecassílabos (onze sílabas):
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As / an / cas / ba / lan / çam, / e as / va / gas / de / dor (sos)
11
das/ va / cas / e / tou / ros, / ba / ten / do / com as / cau (das)
11
• Emprego de aliterações: “Boi bem bravo, bate
baixo, bota baba, boi berrando… Dansa doido, dá
de duro, dá de dentro, dá direito… Vai, vem, volta,
vem na vara, vai varando…” (p. 24)
• Emprego de metáforas originais: Alta, sobre
a cordilheira de cacundas sinuosas oscilava a mastreação de chifres (p. 5); Silvino quer beber o sangue
de Badu. (p. 17)
Outros recursos empregados pelo autor são:
• Ruptura da linearidade narrativa por meio de
provérbios.
• Emprego de trocadilhos.
• Emprego de antíteses.
• Uso de onomatopéias e prosopopéias.
• Emprego de repetições binárias ou ternárias.
• Emprego de neologismos (o próprio título da
obra é bom exemplo).
• Presença de arcaísmos (manteúdo, alembrei,
amostro).
• Emprego da técnica de suspense.
• Presença de micronarrativas encaixadas na narrativa principal.
Outro aspecto que merece ser ressaltado é o emprego de pontuação excessiva, principalmente vírgulas, ampliando as pausas para aproximar a linguagem
escrita da linguagem falada (oralidade), conferindo
um ritmo poético à linguagem.
8.BIBLIOGRAFIA
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grande sertão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1977.
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Rosa e Borges. São Paulo: Ática, 1978. (Ensaios.)
GALVÃO, Walnice Nogueira. As formas do falso. São
Paulo: Perspectiva, 1972.
GARBUGLIO, José Carlos. O mundo movente de
Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1972.
HANSEN, João Adolfo. O o — A ficção da literatura em Grande sertão: veredas. São Paulo: Hedra,
2000.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães
Rosa. 2. ed. São Paulo: FAPESP/EDUSP, 2001.
MIKETEN, Antonio Roberval. Travessia de grande
sertão: veredas. 2. ed. Brasília: Thesaurus, 1982. (Série Literariedade)
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976. (Coleção Debates; Crítica).
ROSA, João Guimarães. Sagarana. 12. ed. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1970.
ROSENFIELD, Kathrin H. Os descaminhos do demo:
tradição e ruptura em Grande sertão: veredas. Rio
de Janeiro: Imago, São Paulo: Edusp, 1993.
SANTOS, Wendel. A construção do romance em
Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1996.
SPERBER, Suzi Frankl. Caos e cosmos. São Paulo:
Duas Cidades, Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1976.
7. PROBLEMÁTICA E
PRINCIPAIS TEMAS
Os contos podem ser separados de acordo com
certas temáticas centrais ou ações:
• Contos nos quais ocorre o crescimento das personagens: O burrinho pedrês, Duelo, Corpo fechado
e A hora e vez de Augusto Matraga.
11
a)
b)
c)
d)
e)
Estremecem, amarelas, as flores da aroeira. Há um
frêmito nos caules rosados da erva-de-sapo. A erva-de-anum
crispa as folhas, longas, como folhas de mangueira. Trepidam, sacudindo as suas estrelinhas alaranjadas, os ramos
da vassourinha. Tirita a mamona, de folhas peludas.
— Mas, meu Deus, como isto é bonito! Que lugar bonito p’ra gente deitar no chão e se acabar!...
É o mato, todo enfeitado, tremendo também com a sezão.
Sobre João Guimarães Rosa, não é correto afirmar:
Sua obra recria a língua literária a partir da linguagem
do homem sertanejo.
O emprego de neologismos e elementos da poesia dá a
seus textos uma musicalidade incomum na prosa.
Suas personagens são escravas do meio regional por
causa das circunstâncias e do destino.
Criou o regionalismo universalizante a partir de uma
leitura universal do mundo regional mineiro.
Seus textos refletem a permanente luta entre o bem e o
mal no sertão das gerais, mas refletem uma visão mística mais profunda e uma perspectiva psicológica mais
universal.
ROSA, João Guimarães. Op. cit. p. 139-140.
O trecho transcrito faz parte de um conto que procura refletir na natureza os males da sezão (maleita). Qual o título
do conto? O que leva um dos protagonistas à constatação
da beleza do lugar no final do conto?
1. c. As personagens de Guimarães Rosa não são escravas do
meio regional, porque sua psicologia e sua condição existencial refletem perspectivas universais.
2. a) Sim, porque procura adequar-se à linguagem coloquial do
interlocutor Augusto Matraga.
b) A frase de sentido equivalente é: “Deus mede a espora pela
rédea, e não tira o estribo do pé de arrependido nenhum…”
3. O conto “O burrinho pedrês” deixa clara a humanização do
animal. O burrinho pedrês é humanizado porque é capaz de
pensar e evita o perigo representado para o cavaleiro Badu na
travessia de um córrego tomado pela enchente. Sua visão de
mundo também é humanizada, porque parece influenciada
pelo estoicismo, doutrina fundada por Zenão de Cício (335264 a.C.), e que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a estirpação das paixões e a aceitação resignada
do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o
único apto a experimentar a verdadeira felicidade. Em “Conversa de bois”, Guimarães Rosa cria uma fábula moderna.
Os animais são capazes de falar e pensar com clareza e participam da narração e do destino do protagonista Tiãozinho.
4. Os contos são O burrinho pedrês e A hora e vez de Augusto
Matraga. No primeiro conto, o velho burrinho é levado a acompanhar uma boiada e conduzir seu cavaleiro por um momento
do destino. No final do conto, ele salva dois vaqueiros, Badu e
Francolim. No segundo, Matraga transforma-se de um homem
mau em um indivíduo bondoso e solidário. O protagonista luta
contra um bando de jagunços chefiado por Seu Joãozinho BemBem para salvar a vida de um velho e de toda a sua família e
tem seu momento de glória e redenção.
5. O conto critica o desrespeito às crenças alheias. Izé é um homem descrente que zomba de um feiticeiro ou macumbeiro chamado João Mangalô. Certo dia, Izé fica cego no meio da mata e
deixa-se conduzir pelos demais sentidos para voltar até a casa
do feiticeiro e ameaçar matá-lo caso não volte a enxergar. Depois desse dia, Izé passa a respeitar as superstições dos outros.
6. Turíbio Todo resolve vingar a traição da mulher com Cassiano
Gomes, mas acaba matando o irmão do perigoso militar, Levindo Gomes. A partir daí, Turíbio foge todo o tempo de Cassiano Gomes, que está sempre próximo do assassino do irmão,
mas nunca se encontram. Cassiano acaba morrendo num pequeno povoado onde ajudou a salvar o filho de um timpim
chamado Vinte-e-Um. A vingança é cumprida pelo agradecido Vinte-e-Um quando Turíbio está voltando para casa.
7. O título do conto é Sarapalha. O protagonista que constata a
beleza do lugar é Ribeiro, que acaba de expulsar de seu sítio
o seu primo Argemiro, porque este confessou que amara em
silêncio a mulher do primo antes de ela fugir com outro homem. Ribeiro sente-se sozinho e percebe a aproximação da
tremedeira causada pela maleita.
(Fuvest-SP) No conto A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, o protagonista é um homem rude
e cruel, que sofre violenta surra de capangas inimigos e é
abandonado como morto, num brejo.
Recolhido por um casal de matutos, Matraga passa por um
lento e doloroso processo de recuperação, em meio ao qual
recebe a visita de um padre, com quem estabelece o seguinte diálogo:
— Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta
ruindade que fiz, e tendo nas costas tanto pecado mortal?
— Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e
não tira o estribo do pé de arrependido nenhum… […] Sua
vida foi entortada no verde, mas não fique triste, de modo
nenhum, porque a tristeza é aboio de chamar demônio, e
o Reino do Céu, que é o que vale, ninguém tira de sua
algibeira, desde que você esteja com a graça de Deus,
que ele não regateia a nenhum coração contrito.
a) A linguagem figurada amplamente empregada pelo
padre é adequada ao seu interlocutor? Justifique sua
resposta.
b) Transcreva uma frase do texto que tenha sentido equivalente ao da frase “não regateia a nenhum coração
contrito”.
A humanização dos animais e a aproximação com a
fábula estão presentes em alguns contos de Sagarana. Comprove a afirmação com os títulos dos contos e explique de
que maneira confirmam a posição do autor.
Em determinados contos de Sagarana, a temática central pode ser resumida por um momento que vale por toda
uma existência. Cite os títulos dos contos e explique a situação central que comprova a temática.
A presença da feitiçaria e das crendices populares torna o conto São Marcos uma verdadeira obra-prima da integração de linguagem e cenário dentro de Sagarana. Que
tipo de crítica fica patente no conto? Que experiência vivenciada pelo protagonista muda sua maneira de pensar?
No conto Duelo a vingança se cumpre de maneira indireta. Explique essa afirmação a partir do enredo do conto.
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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