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Rio de Janeiro, 2016
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Intellector. -- Rio de Janeiro: CENEGRI: Centro de Estudos em Geopolítica e
Relações Internacionais, 2016.
151 p.
Ano VIII – Nº 24 publicação semestral
ISSN 1808-0529
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Ano XI
Volume XII
Nº 24
Janeiro/Junho 2016
Rio de Janeiro
ISSN 1807-1260
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O Estado Africano: da dominação colonial à “Liberdade Política” sob
domínio econômico
Beatriz Maria Soares Pontes 1
Resumo
O presente trabalho discute o processo de descolonização da África sob forma pacífica e violenta,
analisa os movimentos rumo à independência africana e efetua uma longa reflexão sobre o Estado
africano contemporâneo no que se refere às classes sociais, etnias, condições econômicas e
processos políticos envolvendo a questão da apropriação e da prebenda que emergem na estrutura
do atual Estado africano. Finaliza ressaltando as condições não muito propícias da África nesta
transição para o século XXI.
Palavras-chave: Nação-Estado, Colonialismo, Movimentos Nacionais de Resistência, Guerra Civil,
Estado Africano.
Abstract
This paper discusses the process of decolonization of Africa under a peaceful and violent manner,
it analyzes the moves towards African independence and makes a long reflection on the
contemporary African State regarding social classes, ethnic groups, economical conditions and
political processes involving the issue of appropriation and tipping that emerges in the structure
of the current African State. It concludes pointing out the conditions not very propitious of Africa
in this transition to the 21st century.
Keywords: Nation-State, Colonialism, National Resistance Movements, Civil War, African State.
Professora Titular do Departamento de Geografia da UFRN. E-mail: [email protected].
Recebido para Publicação em 22/02/2016. Aprovado para publicação em 04/04/2016.
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Introdução
N
o que concerne ao processo da formação da nação, na África, Smith (1983) destaca alguns
fatores internos e exógenos que moldaram, decisivamente, as transformações na África, a
partir do último quartel do século XIX: a imposição de regimes coloniais, o tráfico de
escravos e a influência cristã, a exploração econômica por comerciantes e financistas ocidentais,
além da rápida urbanização. A primeira consequência desses fatores internos e exógenos foi o
estabelecimento de um Estado colonial, cujas características básicas eram:

“Fronteiras geográficas artificiais que não respeitaram os grupamentos étnicos e
sociais pré-existentes;

Um aparelho executivo e burocrático que separou Estado e sociedade;

Uma ideologia educacional que reivindicou a superioridade dos valores europeus e
legitimou a anexação e retenção das colônias” (SMITH, 1983, p. 18-19).
Segundo Firmino (2006) essa análise do estabelecimento dos territórios coloniais repousava em
um processo que envolvia um elemento de artificialidade: as unidades políticas e culturais précoloniais foram ignoradas a tal ponto que se juntaram ou se separaram grupos étnicos em
territórios diferentes, somente, na base dos interesses das potências coloniais. Como resultado, o
Estado colonial administrava unidades territoriais que eram cultural e linguisticamente diversas.
Como demonstrou Firmino (2006) em um estudo clássico sobre a política e a práxis coloniais, os
territórios coloniais são sociedades plurais em que uma superestrutura comercial e administrativa
ocidental é imposta aos grupos de nativos que são involuntariamente integrados na mesma
unidade política.
“Apesar destes grupos de nativos estarem sob o domínio da mesma potência colonial e de
participarem do mesmo ambiente econômico, misturaram-se, mas não se combinaram, ou seja,
cada grupo social tendo herdado as divisões administrativas coloniais tornando-se uma
comunidade política baseada em vários tipos de diversidade segmentária” (DAS GUPTA, 1971, p.
9).
Nesses Estados africanos, a integração nacional vista como solidariedade mútua entre os membros
de uma coletividade e reforçada pelo que os antropólogos se referem como sentimentos
primordiais ou tradições comuns estava e está a um nível mínimo.
Os movimentos nacionalistas na África foram promovidos e, ao mesmo tempo, constrangidos pelas
características do Estado colonial, com uma origem colonial e capitalista. Tais movimentos trazem
em si, o estigma do fracasso e do erro (BERNAL, 1995). O nacionalismo moçambicano, por
exemplo, refletiu, copiou e propôs aplicar o mesmo modelo de nação que presidiu à formação das
modernas nações europeias, isto é, um modelo estabelecido no princípio básico da unidade étnica,
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linguística, cultural e territorial. Essa unidade define um povo entendido como sinônimo de Nação,
à qual modernamente se associou a uma entidade política administrativa e legislativa, designada
por Estado (OLIVEIRA, 2001). Essa Nação é “artificial” porque inventa e impõe uma falsa unidade
e uma falsa coesão nacional étnica, cultural, linguística e territorial, sem tempo de maturação e
completa interiorização e assimilação. O caráter artificial que é inventado quanto à Nação remetese à questão do sonho, podendo dizer-se que o Nacionalismo Africano inventou nações, com as
quais sonhou (OLIVEIRA, 2001).
Os movimentos nacionalistas, na África, foram constrangidos pelas características do Estado
colonial.
Os fazedores europeus do Estado foram bem sucedidos ao imporem o aspecto territorial do
Estado ocidental ao mapa demográfico e político africano e, daí puderam desenhar fronteiras
exatas, não só sobre a racionalidade política e econômica, mas também, sobre a identidade
psíquica e visão cultural das novas elites” (SMITH,1983, p. 50).
Consequentemente, quando os nacionalistas africanos advogaram a independência nacional, não
pensaram em mudar as fronteiras territoriais da colônia, mas, pretenderam retirar o Estado
territorial-burocrático das mãos das potências coloniais, utilizando o legado dessas para os seus
próprios propósitos. Como resultado desse panorama, os nacionalistas africanos vieram a projetar
a construção de uma nação em intenção, que juntaria diferentes culturas étnicas africanas em
identidades nacionais distintas, tais como nação ganesa, nigeriana, senegalesa, tanzaniana ou
moçambicana (ROTBERG, 1967).
“A representação de uma África única, cujo caráter do Estado teria sido violado pela intervenção
europeia, foi depois perpetuada pelas ideologias das independências africanas nos anos cinquenta
e sessenta, do século XX, que prepararam a descolonização: para além da influência ideal exercida
pelo movimento pan-africanista, os dirigentes nacionalistas dos países africanos que tinham de
construir consensos em territórios definidos por limites impostos pelo colonialismo, habitados
por populações que, muitas vezes, só tinham em comum a experiência colonial, conceberam
ideologias unificantes que negavam as diferenças em nome de uma unidade nacional, em primeiro
lugar e, africana em segundo, que tinha como função negar a própria dominação colonial. Em
outras palavras, a África foi inventada uma segunda vez pelos próprios africanos, com ideologias
como a negritude de Senghor, a ujamaa (palavras Swahili) que traduz a nação de um socialismo
fundado na comunidade aldeã, ideologia de desenvolvimento do primeiro presidente da Tanzânia,
Julius Nyerere, a autenticidade de Mobutu e o humanismo de Kaunda, que tinham em comum
uma representação da natureza do homem e das sociedades africanas extrapolados do seu
contexto histórico e político” (MAGAIA, 2010, p. 29).
Estas ideologias, que queriam fundar um processo de unificação nacional e africano, tornaram-se,
a partir do momento em que foram enunciadas, em instrumentos do poder político, sendo
entendidas pelas populações como tal.
“As ideologias pretensamente fundadas em tradições africanas genuínas se transformaram
rapidamente em instrumentos de demonização, sob o rótulo de tribalismo e de qualquer
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pluralismo cultural que se expressasse através da reivindicação do reconhecimento da sua própria
identidade” (MAGAIA, 2010, p. 30).
“Para a compreensão dos dilemas da Nação-Estado pós-colonial é necessário considerar a interrelação entre o aparelho de Estado e a sociedade civil. Embora as sociedades africanas estejam
divididas em etnias (para alguns autores, também em classes), a elite ou intelligentsia assume um
papel proeminente nos assuntos do Estado pós-colonial.
Assim, a intelligentsia africana tornou-se um estrato politicamente estratégico, porque ela
comanda, sozinha, as instituições supremas do Estado pós-colonial, de que é a principal criadora e
beneficiária” (SMITH apud FIRMINO, 2006, p. 28).
Depreende-se que o sonho dos nacionalistas africanos quanto à independência política
desenvolveu-se a partir da ideia da construção social, não apenas de novas Nações africanas, mas
também, de Nações caracterizadas por sociedades ideais, perfeitas, prósperas, justas e felizes. Esse
modelo que recuperou as utopias políticas, de que a Utopia de Thomas More constituiu-se como
referência, bem como as utopias míticas de Homero e de Hesídoto “pretendia combater e
substituir as vivências das populações sob o jugo colonial, marcadas pela pobreza, miséria,
exploração, discriminação, desigualdade e infelicidade” (OLIVEIRA, 2001, p. 4).
Entretanto, estudos recentes sobre a realidade do Estado pós-colonial, na África subsaariana, têm
indicado que o desenvolvimento das Nações-Estado foi minado por diversos fatores. A força do
argumento baseia-se no fato de que “os Estados africanos não foram capazes de ultrapassar os
constrangimentos impostos pelo pluralismo cultural, pela escassez de recursos e dependência em
relação às potências externas” (HUGHES, 1981, p. 45). É por isso que alguns cientistas políticos
colocam em causa a validade do conceito Nação-Estado ou novas nações, no que diz respeito aos
países africanos, preferindo no seu lugar, designações como Estado-Nação, Estados-fracos ou
Estados-clientes (FIRMINO, 2006).
“Apesar de se reconhecer que o pluralismo cultural não constitui em si um problema para o
processo de construção da Nação-Estado, muitos estudiosos defendem que: quando associado a
um acesso diferenciado aos recursos nacionais, rivalidades históricas ou diferentes sistemas de
valores entre os grupos subnacionais, o pluralismo cultural pressiona o Estado e dificulta a
emergência da identidade comum” (FIRMINO, 2006, p. 28).
Portanto, a natureza plural de muitos países africanos é um obstáculo à formação da Nação-Estado
e tem levado a hostilidades regionais e/ou étnicas em alguns países, tais como: República
Democrática do Congo, Nigéria, Sudão, Ruanda, Eritreia e Burundi (HUGHES, 1981). Ainda de
acordo com Hughes (1981) o impacto de uma sociedade plural na formação de uma Nação-Estado
é agravado pelas limitações territoriais ligadas à extensão, configuração geográfica, distinção da
população e disponibilidade de recursos. Em conformidade com Firmino (2006), as limitações
territoriais têm efeitos sobre o aumento das receitas e a promoção do crescimento econômico, o
que pode levar a dependência de países ou organizações estrangeiras. Além disso, a escassez de
recursos afeta a distribuição de bens de valor e exacerba a concorrência pela sua obtenção.
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Os efeitos das rupturas, associados ao pluralismo cultural e às limitações territoriais foram
combatidos politicamente por líderes nacionais carismáticos (Nyerere, na Tanzania;Sekou-Touré,
na Guine-Konacri), regimes de partido popular único (TANU, depois Chama ChaMapinduzi, na
Tanzânia) ou ideologias nacionalistas coletivistas (Ujamaa, na Tanzânia;Nyauou Haramber, no
Quênia; Autenticidade, na República Democrática do Congo e Humanismo, em Zâmbia). Outras
manobras pensadas foram: a “aritmética étnica”, pela qual a liderança política e o investimento
público são distribuídos na proporção da importância dos grupos étnicos e a “democracia
consorciada”, pela qual os conflitos étnicos são reduzidos através de um consenso entre as elites
(FIRMINO, 2006). Entretanto, em geral, o desenvolvimento nacional e econômico não é logrado e,
ao invés disso, “a África tem testemunhado situações de Estados personalistas e patrimonialistas,
onde a lealdade se baseia na reciprocidade de serviços entre os dirigentes e os clientes” (JACKSON;
ROSBERG, 1982, p. 29).
Na verdade, os sistemas políticos que emergiram na África independente, orientaram-se para
sistemas de regime personalizado, mutilando as instituições políticas que poderiam,
democraticamente, harmonizar os interesses em disputa (FIRMINO, 2006). Além disso, “criou-se
um sistema de compadrio e clientelismo, através do qual a aliança entre dirigentes e homens
fortes ou entre as massas e o dirigente, forma a base de um sistema político de direção
personalizada” (FALLERS, 1974, p. 29). Assim, “o compadrio funciona segundo circuitos de família,
de clã, de aldeia, de chefatura e de região, estimulando o uso de entidade” (JACKSON; ROSBERG,
1982, p.29).
Nos contextos africanos, desenvolveu-se nos anos de 1980, do século passado, toda uma literatura
que Hyden (2000) chamou de teoria da crise do Estado. Com efeito, depois do período pósindependência, no qual o Estado era instado a desempenhar um papel de motor do
desenvolvimento, assistiu-se à emergência de sinais da crise do Estado, na África, não só do ponto
de vista da regulação política, como também, no que se refere à formulação e implementação de
políticas públicas.
Tais concepções são vistas em estudos de autores como Hyden (2000), sobre a Tanzânia, Migdal,
sobre as relações Estado/sociedade, nos países do Sul ou ainda emRothchild e Chazan, sobre as
relações Estado/sociedade em contextos africanos. Esta ideia é retomada nas análises de Olowu e
Wunsch ou ainda de Chabal e Dalloz, que falam da instrumentalização da desordem pelas elites
africanas.
Um dos traços mais visíveis da crise do Estado na África, particularmente, nos anos de 1980,
repousa nos mecanismos do seu funcionamento, levando mesmo alguns autores a qualificá-lo de
neo-patrimonialismo, para sublinhar a ausência de distinção entre o público e o privado, como
denominador comum de um conjunto de práticas, a saber: “a corrupção, quer ela seja puramente
econômica ou ligada a uma troca social, ou ainda, o clientelismo, o nepotismo, o tribalismo e o
prebendalismo” (MÉDARD, 1991, p. 323).
O conceito de neo-patrimonialismo pretende descrever um sistema político estruturado, ao redor
da pessoa do príncipe, tendendo a reproduzir um modelo de dominação personalizado, orientado
para a proteção da elite no poder e que procura limitar, ao máximo, o acesso da periferia aos
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recursos retidos no centro. O jogo dessa elite consiste em assegurar o monopólio da representação
e a controlar, em seu proveito, o processo de modernização econômica (BADIE; HERMET, 2001).
Segundo Forquilha (2008), no que diz respeito ao caso específico dos estudos africanos, Médard
(1991) foi, sem dúvida, um dos autores que mais se notabilizou no uso do conceito de neopatrimonialismo, para analisar os fenômenos associados aos processos de institucionalização do
Estado, na África. Apesar das críticas feitas ao conceito por autores como R. Theobald, R. Joseph e
B. Badie, considera-se que“o tipo ideal do patrimonialismo tem a vantagem de permitir assumir
diversas práticas (o nepotismo, o clanismo, o tribalismo, o regionalismo, o clientelismo, a
patronagem, o prebendalismo, a corrupção, a predação, o faccionalismo, etc.) as quais, têm uma
base comum na confusão entre o público e o privado” (MÉDARD, 1991, p. 74).
Autores como Roque (2007), apontam que na África, o desafio não consiste tanto no
aperfeiçoamento das instituições, mas na sua mudança, de forma a atuarem como agentes
fundamentais para a transformação estrutural e democrática dos sistemas político, social e
econômico. A celeridade da transformação eficaz das infraestruturas institucionais para a
sustentabilidade do desenvolvimento humano e econômico, a longo prazo, exige uma
programação visionária que resolva as causas da pobreza e exclusão social, propiciando uma
mudança de atitude dos cidadãos e do Estado perante o trabalho, a honestidade, a solidariedade e
a justiça social (NGUIRAZE, 2013).
1 . O processo da independência e os Estados Africanos
Houve uma conjugação de forças, internas e externas ao continente, que levou à formação dos
novos Estados africanos. Essas forças agiram integradas, principalmente, a partir do final da
Segunda Guerra Mundial, em torno dos movimentos organizados contra a ordem colonialista e
com a bandeira desfraldada do nacionalismo.
Era o início da luta dos condenados da terra em um processo de dimensões internacionais que não
se reduzia à África. Quase todas as nações afro-asiáticas viveram, a partir dos anos cinquenta, a
conquista das independências políticas por meio das mais variadas estratégias, desde a via
pacífica da negociação até a violência da guerra civil.
Era também, a revolta dos colonizados que haviam vivido as mudanças dos seus padrões materiais
por meio do trabalho forçado, da proletarização dos seus camponeses e do racismo como prática
social. A exploração do homem pelo homem, por meio da expropriação econômica e da destruição
da memória coletiva de um passado que deveria ser negado em função dos paradigmas
metropolitanos, começou a ser fortemente combatida pelos intelectuais colonizados e
cristalizados nos movimentos e nos partidos de libertação nacional.
Os movimentos expandiram suas propostas já no final da década de cinquenta e início da de
sessenta (do século XX) em torno de lideranças carismáticas como as de Senghor, N’krumah,
Nyerere, Kenyatta, Boigny e Lumumba. Articuladas em torno de movimentos sólidos e
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progressistas como a Frente de Libertação Nacional (Argélia) e o Movimento Nacional Congolês
(República Democrática do Congo), de organizações reformistas como a União Africana do Quênia
e a União Africana de Tanganica, ou de partidos organizados como o United Gold Coast Convention
(fundado em 1947 e liderado por N’krumah), as reivindicações nacionalistas começaram a tomar
fôlego não só na inteligência intelectual e pequeno-burguesa, mas na sociedade como um todo.
O apelo nacionalista dos movimentos, perfeitamente compreensível em termos de repulsa ao
colonialismo, foi uma bandeira de dupla face no processo de descolonização.
Por um lado, foi o herdeiro legítimo de dois tipos de movimentos que o antecederam: os de
resistência à conquista colonial desde o século XIX, como as lutas de Samori, contra os franceses
do Níger (1881-1890), as resistências argelina e sudanesa, as guerras axantis contra os ingleses, as
guerras zulus contra o trabalho forçado na África Australe os de renovação islâmica, que, com um
caráter religioso, procuravam enfrentar os dogmas da colonização do norte da África.
Portanto, ao assimilar temas abrangentes como liberdade, igualdade, fraternidade, soberania
popular e parlamentarismo, o nacionalismo pregado pelos movimentos de libertação ficou
prisioneiro do ideário burguês e ocidentalizante dos seus colonizadores.
Foi nesse sentido que, apesar de um movimento de ideias de renovação política, da radicalização
de muitos movimentos de libertação e da própria crise hegemônica das metrópoles europeias
provocada pela Segunda Guerra Mundial, o processo de luta anticolonial ficou atrelado à
intermediação e à tutela da administração colonial, que tentou, na maioria dos casos, uma
transição pacífica do poder a minorias locais, brancas ou negras, que estivessem dispostas a não
alterar estruturalmente as sociedades africanas.
Por isso, a independência das colônias francesas ocorreu sob a égide da Lei-Quadro de 23 de junho
de 1957, que estimulou a introdução de uma descentralização administrativa nas colônias, por
meio da ampliação do voto pelo sufrágio universal e da africanização dos administradores
coloniais. Essa estratégia contribuiu para a destruição de associações combativas, como as
federações da África Ocidental Francesa e da África Equatorial Francesa e para a balcanização dos
movimentos dessa região. A consequência natural desse processo foi o surgimento de Estados sem
poderes reais e em permanente competição entre si, como o caso do Senegal, com Senghor em
relação à Costa do Marfim, com Boigny.
2. O Surgimento dos Novos Estados
Em 1960 (século XX), com o advento do princípio da cooperação, liderada por De Gaulle e com o
endosso popular da V República, que em setembro de 1958 criou a Comunidade Francesa, foi
oficialmente proclamada a independência de uma série de colônias: Camarões, Togo, Senegal, Mali,
Costa do Marfim, Benin, Alto Volta, Níger, República CentroAfricana, Congo-Brazzaville, Gabão,
Chade, Madagascar e Mauritânia. Dois anos antes, em 1958, emergiu a Guiné (Konakri) como
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Estado independente e chefiado por SekouTouré. Na África do Norte, outros dois Estados de
colonização francesa antecederam os demais no processo da independência. A Tunísia proclamou
unilateralmente sua autonomia em 1954 e, em 1956, a França reconheceu o novo status. No
Marrocos, a descolonização foi mais complexa: o sultão Bem Yussef liderou uma posição
nacionalista e popular contra o colonialismo. Foi levado ao trono em 1953, mas só em 1959 foi
realmente reconhecida a independência final do Marrocos.
Ainda na África Ocidental, em meio a descolonização de países de expressão francesa, destacou-se
um novo Estado, que apresentou um processo pacífico de transição para a independência: Gana, a
qual logrou a sua liberdade em 1957, sendo o primeiro país da África Negra ou África subsaariana
a obter formalmente essa nova situação. Liderada por N’krumah, a libertação ocorreu em meio a
uma nítida diversidade de características: fronteiras absolutamente artificiais, quatro
nacionalidades com diferenças culturais e sociais acentuadas, várias burguesias concorrentes e
um setor da sociedade em forte processo de proletarização. Articulado em torno do Partido da
Convenção do Povo, fundado em 1949 e, herdeiro do United Gold Coast Convention, N’krumah
conseguiu liderar um forte movimento nacionalista com significativa relevância popular.
Ainda na África Ocidental, a Nigéria formada por nove grupos nacionais e onde se falam mais de
duzentas línguas e dialetos, enfrentou o mesmo problema, comum a quase todas as
independências africanas: as fronteiras reais dos grupos nacionais e religiosos não correspondiam
às fronteiras formais e legais forjadas pelo colonialismo inglês. Ao norte estavam os Haussa, Fulani
e Kamuri; os Ibo e os Ioruba, a oeste. O caráter regional das reivindicações nacionalistas gerou um
limite nítido do movimento como um todo e facilitou a liderança da pequena burguesia do sul.
Mas, em 1960, depois de uma relativa unidade conjuntural, a Nigéria logrou sua independência
política.
Na África Oriental, onde predominou a colonização inglesa (exceção feita aTanganica, antigo
território alemão, mas sob a tutela posterior da Inglaterra), três países chamaram a atenção pelas
semelhanças observadas no processo emancipatório. São os Estados que os ingleses pretenderam,
em um primeiro momento da descolonização, integrar sob a forma de uma espécie de federação:
Tanganica (hoje Tanzânia), Quênia e Uganda.
O projeto federativo foi malogrado pela própria dinâmica do processo de independência. Em
primeiro lugar, os fazendeiros brancos do Quênia não aceitaram a união com um “peso morto” que
era a Tanzânia. Em segundo, a tradição monárquica e tribal de Uganda não suportaria uma
estrutura federativa que pudesse violar os poderes constituídos. Em terceiro, a tentativa britânica
de integrar a Tanzânia a um sistema econômico mais ativo na região, por meio da cultura de
amendoim e da construção da infraestrutura básica para o escoamento rápido dos produtos,
fracassou pela concorrência da produção queniana.
Diante desse contexto, a dissolução passou a ser a opção mais conveniente aos movimentos
emancipacionistas. A Tanzânia teve a liderança carismática de Nyerere, que soube articular a
complicada representação dos brancos com africanos e hindus na constituição do novo Estado.
Ademais, inspirado na tradição de Ghandi e Nehru, defendeu a forma não-violenta de luta pela
libertação. Finalmente, buscou construir um Estado com características novas, implementando um
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projeto nacionalista modernoque ensaiou uma via africana própria ao socialismo. Em 1961, o país
tornou-se independente,ingressando na Commonwealth. Em 1964, foi assinada a união com
Zanzibar e o nome Tanganica foi substituído por Tanzânia.
O Quênia apresentava uma situação especial no processo emancipatório da África Oriental: tendo
sido uma espécie de colônia de povoamento, possuía uma elite branca local (em torno de sessenta
mil, em 1950) que usou todos os artifícios para impedir, em um primeiro momento, o processo de
independência e, posteriormente, garantir sua hegemonia no controle do aparelho estatal. Havia
um abismo social muito grande entre esses fazendeiros do planalto, que possuíam 25% das terras
cultiváveis e a população camponesa africana, que vivia na miséria.
O processo de independência foi liderado por Kenyatta que promoveua autonomia política, em
1963.
Em Uganda, a relação das grandes companhias coloniais algodoeiras instaladas pelos ingleses com
as autoridades tradicionais e quase monárquicas, levou a uma política típica do indirectrule, com
evidente consequência para o processo de descolonização. A liderança e o controle do movimento
nacionalista estiveram sempre nas mãos dessa pequena burguesia, de raízes tradicionais
africanas, que servia de intermediária à exploração capitalista. Foi dentro desse conteúdo
classista, que surgiu o Congresso do Povo de Uganda, sob a liderança de Milton Obote, levando o
país à independência, em 1962. Apesar de seu caráter explicitamente pequeno-burguês, este
grupo social que passou a controlar o Estado nascente não teve nenhum pudor em construir um
falso discurso socialista, em uma realidade material que permaneceu marcada por uma produção
nitidamente assalariada, para a exportação, sem uma mínima alteração das relações sociais, tão
desiguais entre os controladores da produção de café/algodão e os trabalhadores (LINHARES,
1981, p.91).
Milton Obote foi derrubado em 1971, por um general que ficou conhecido internacionalmente
pelos seus dotes autoritários e repressivos: Idi Amin.
3. Transição e Violência: República Democrática do Congo, Argélia e África
Portuguesa
Uma outra vertente das lutas pela independência na África e que gerou uma estrutura de Estado
diferenciada dos casos anteriores, foi aquela marcada pela violência e pela guerra civil. Três casos
clássicos ocorreram na África: A República Democrática do Congo, na África Negra, a Argélia, no
norte do continente e a África de expressão portuguesa, com um processo tardio de transição.
A República Democrática do Congo, ex-Congo Belga, recebeu apressadamente sua independência
política formal das autoridades coloniais belgas, em 1960, depois de sangrentos motins em
Leopoldville, em janeiro de 1959. Nem os belgas, nem os nacionalistas congoleses estavam
preparados para essa independência, chamada pelos belgas de pari congolais (aposta congolesa).
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Foi uma aposta precisamente porque a Bélgica, como país colonial, não havia logrado recursos
para transformar-se em uma potência neocolonial.
A debilidade da Bélgica como potência colonial significou sua nulidade como potência neocolonial.
Enquanto os britânicos e franceses estavam estimulando a formação de uma pequena burguesia
local, como classe de apoio às suas ações desde o período entre-guerras, a Bélgica descansava em
seu trono falacioso de potência colonial. É por esse motivo que o nacionalismo congolês foi tão
atrofiado como o próprio colonialismo belga. Isso, entretanto, não impediu uma guerra civil
violenta, que tomou os primeiros anos da década de sessenta (século XX).
Em maio de 1960, foram realizadas as primeiras eleições, com a vitória da tese unitarista sobre os
federalistas (que desejavam fortes poderes provinciais sob um poder federal fraco). Foi a vitória
do MouvementNationalCongolais (MNC), de Lumumba, que, formado de maneira superficial, em
1958, para apresentar um memorando às autoridades belgas sobre as medidas de descolonização,
rapidamente descobriu que não estava preparado para controlar o sistema estatal, pois não
possuía uma base social nem a capacidade organizativa de quadros componentes para assumir o
poder. Foi por isso que as companhias financeiras monopólicas belgas, como a Union
MinièreduHaut-Katanga, a Unilever, a Forminière e a SocietéGénérale de Belgique não tiveram, no
primeiro momento, nenhum problema em apoiar Lumumba. O ex-Congo Belga independente e
dirigido por uma classe dominante local, débil e muito dependente do capital financeiro belga, era
uma solução política à crise de poder.Esse foi o interregno de Lumumba no poder, que, inspirado
de certo modo em teorização socialista com cores africanas, não conseguiu suportar os
movimentos separatistas e federalistas, como os do Katanga (liderado por Tshombe) e do Kasai
(liderado por Kalondji).
Portanto, instalou-se a guerra civil e o caos econômico com a paralisação de toda a
produção e a intervenção de tropas belgas e das Nações Unidas. Lumumba foi preso e assassinado
em Katanga. O poder passou a ser exercido por Mobutu que permaneceu controlando o país com
um forte apoio dos capitais internacionais.
No centro do assassinato de Lumumbaestava a própria incapacidade do “Movimento Nacional
Congolês” em controlar as lutas de classe do Congo contra as estratégias do capital financeiro
belga, os colonos de Katanga e seus colaboradores africanos, as rivalidades entre as potências
imperialistas pela repartição do território e os interesses da política dos Estados Unidos para a
África.
A ascensão de Mobutu ao poder esteve intrinsecamente ligada a uma estratégia neocolonial na
República Democrática do Congo. Diante do fracasso das potências imperialistas em compor um
Estado controlado por elites locais civis, o caminho foi buscar o estrato social organizado, capaz de
impor pela força, o projeto neocolonial: os militares, por meio do ArméeNationalCongolais. Foi
precisamente a partir da sua criação que Mobutu pôde utilizar os instrumentos coercitivos do
Estado para impor um regime político personalista e que se utilizou momentaneamente de um
discurso populista demagógico, sem atender, de fato, às pressões das forças sociais populares.
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A Argélia, país do norte da África e de uma longa trajetória de história muçulmana (durante a
descolonização a predominância da comunidade islâmica era de 80% sobre o total da população),
reagiu violentamente tanto à sua conquista pela França, no século XIX, quanto ao processo
emancipatório, que começou em 1954 e terminou em 1962, com os acordos de Evian.
A luta argelina pela libertação teve raízes profundas nas condições miseráveis em que viviam os
colonizados da região, sem acesso às melhores terras para o cultivo e condenados a um estado de
pobreza. Além disso, a tradição muçulmana e a força das ideias do nacionalismo egípcio
penetraram de forma revolucionária entre os intelectuais e líderes tradicionais da região.
Ao mesmo tempo, o processo argelino teve uma repercussão de peso nos destinos da metrópole
colonizadora, a França. A emergência da V República, com o novo governo de De Gaulle, esteve
diretamente relacionada ao conflito. A opinião pública francesa ficou dividida, até os últimos
momentos da guerra, entre a continuação do jugo colonial e uma saída digna para a ex-metrópole.
Entretanto, a característica central do processo de luta foi a arregimentação dos setores
subalternos por parte da elite local tradicional em torno da Frente de Libertação Nacional (FLN).
Foi um movimento político e militar absolutamente eficaz em seu princípio de emancipação e
pôde, no bojo da luta, criar as bases para o novo Estado. A rebelião iniciou-se em 1954, com
atentados que se alastraram por todo o território. O comunicado da FLN era claro com relação ao
sentido que teria a guerra anticolonial: era uma luta revolucionária pela liquidação total do
sistema colonial e pela independência nacional para restaurar o Estado argelino.
Teve início, então, uma das mais sangrentas guerras de libertação do século XX. A repressão
francesa esteve sempre presente e as negociações políticas tinham o limite claro das primeiras
declarações do então Ministro do Interior, François Mitterrand, que insistia em dizer: “a Argélia é
a França e a França não se negocia”.
A estratégia da FLN foi interna, por meio da luta armada e internacional, nos foros como as Nações
Unidas, com bases de outros países árabes do norte da África, como o Egito e, em conferências
como a de Bandung.
O desenvolvimento da guerra levou a experiências traumáticas, como nos meses de janeiro a
setembro de 1957, quando a FLN teve um desfalque significativo na Batalha de Argel e acelerou o
desenvolvimento de organizações paramilitares violentíssimas, como a dos paraquedistas
franceses que se recusavam a aceitar as próprias negociações políticas de Paris.
Foi nesse contexto,que foi gerada a crise da IV República e a emergência da negociação e da
possibilidade de autodeterminação: era a volta de De Gaulle e dos seus referenda à população
francesa.
A guerra chegou ao fim com mais de um milhão de mortos e o país destruído. Os acordos de Evian
foram assinados em 18 de março de 1962, e os seis milhões de argelinos declararam-se favoráveis
à independência no plebiscito, de 1º de julho de 1962. A FLN consolidou-se como partido único e
BenBella, líder importante da luta, uniu-se a Boumedienne, outro militante que havia atuado a
partir do Marrocos, o qual assumiu a presidência do país e transformou-se no símbolo da luta
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anticolonialista. Em 1965, Boumedienne com um discurso em torno da revolução socialista no
paísconsolidou a revolução, dando um forte impulso ao caráter comunal e regional da produção e
da organização política. Com sua morte, foi sucedido por Chadli, que deu continuidade ao projeto
modernizante de Boumedienne, sendo criticado pela concentração de poderes em torno de uma
burguesia estatizante.
Finalmente, um último processo violento de formação de novos Estados no continente foi o da
África de colonização portuguesa: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
Os movimentos de libertação desses países distinguiram-se claramente dos demais por dois
aspectos centrais. Por um lado, obtiveram a emancipação em um processo de descolonização
posterior à grande leva de independências das décadas de cinquenta e sessenta. Por outro, foram
mais além em suas demandas por uma revolução que de fato alterasse as estruturas neocoloniais:
o importante não era só expulsar o colonizador, mas reconstruir a sociedade em bases socialistas.
Tratava-se de um processo de luta sangrenta e com um nível de violência que foi consequência
natural dos métodos arcaicos de atuação da ditadura salazarista. Portugal, que viveu a ditadura de
Salazar desde a década de 1930, vendo a sua continuidade com Marcelo Caetano, a partir de 1968,
era um país pobre, dependente de suas colônias e, já se havia acostumado à recriação permanente
do seu império colonial desde o século XVI. Foram os portugueses, os introdutores da prática do
indirectrule e da compulsão das sociedades africanas ao trabalho migratório, nas minas da África
do Sul e da Rodésia. Tudo isso era feito dentro de um princípio ideológico, quase messiânico,
segundo o qual estavam exercendo uma missão civilizatória na África.
Ao lado dessa mitificação justificadora do projeto colonial, Portugal exerceu um nítido papel de
intermediação das grandes companhias capitalistas na região austral da África. A partir da
reordenação da economia mundial do pós-guerra, essas companhias puderam monopolizar
matérias-primas e atividades de infraestrutura, como transporte e portos. A apropriação das
riquezas naturais e a utilização das condições locais favoráveis à obtenção de altos lucros
permitiram, também, a mais brutal exploração das populações negras. O nível de exploração
mudava, em um leque de variantes, do uso de certos trabalhos especializados de elites locais
tradicionais, até a proletarização de parte da força de trabalho.
Foi nesse quadro de relações especiais entre o Estado português e as companhias transnacionais
que os movimentos de libertação nacional começaram sua ação. Organizado na década de
cinquenta e dirigido por intelectuais que puderam estudar em Lisboa, o processo de crítica ao
colonialismo teve como foco inicial, o Centro de Estudos Africanos. Reunia os principais futuros
líderes dos movimentos da descolonização de Angola, Moçambique e Guiné Bissau: Agostinho
Neto, Mário de Andrade e Amílcar Cabral. Funcionando na clandestinidade, as ações do nascente
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foram significativas na década de cinquenta,
ao impedirem a expansão da vigilância da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e ao
convocarem o povo angolano à tarefa de arrasar o imperialismo, o colonialismo português e a
construção de Angola como país independente. O programa era, desde o início, de inspiração
marxista e revolucionária. Em Angola surgiram outros movimentos com projetos separatistas, de
bases tribais e pró-capitalistas: a FNLA, de Holden Roberto e a UNITA, de Jonas Savimbi.
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A revolta armada e os ataques guerrilheiros começaram na década de 1960 ea repressão foi
sempre violenta. No início da década de 1970, com o aumento da presença de efetivos portugueses
nas colônias, havia 140 mil homens mobilizados contra os movimentos de libertação.
Em Moçambique, a liderança do processo coube à Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO); e na Guiné-Bissau, ao PAIGC, de Amílcar Cabral. A guerra desenrolou-se em toda a
década de 1960 com pressões de países vizinhos e da OTAN e com protestos da opinião pública
internacional, na ONU.
Mas, só com o Movimento das Forças Armadas, em abril de 1974 e a evidente crise do sistema
político português, foi possível proclamar finalmente a independência desses países colonizados
por quase quinhentos anos. Os anos que se seguiram foram de divisões internas e negociações
internacionais, típicos de um período de reorganização das forças hegemônicas e de problemas de
implementação das mudanças pleiteadas em economias arrasadas pela guerra. Essa é uma das
crises que ainda persistem em cada um desses países.
4. Os fundamentos do Estado Africano contemporâneo
Da segunda metade do século XIX até o processo de descolonização no século XX, é possível
identificar três processos de mediação entre os colonizadores europeus e as sociedades africanas,
os quais puderam ocorrer ao mesmo tempo em regiões distintas ou na mesma região:

Os colonizadores europeus trataram de obrigar as sociedades africanas a uma colaboração
necessária e a abertura delas ao intercâmbio imperialista;

As metrópoles assumiram o controle político direto por meio de mecanismos repressivos,
utilizando colaboradores locais que se encarregaram de observar, se suas políticas eram
realizadas;

As forças favoráveis à ruptura do esquema colaboracionista foram mais fortes e
beneficiaram os africanos que, por meio de uma história de resistência ao projeto imperialista,
conseguiram construir movimentos de independência que culminaram na descolonização e na
formação de Estados africanos dirigidos pelas elites locais.
Tais formas atenderam, em parte, ao mosaico complexo dos diferentes processos de penetração e
exploração capitalista na África. Ajudaram, também, a avaliar as diferenças entre a política
colonial britânica, que penetrava menos nas estruturas locais, a francesa, que procurou alterar
mais profundamente a vida das comunidades camponesas, por meio de um controle político direto
e, outras variantes como o caso clássico do sistema colonial português, o caso da Bélgica e a
colonização efêmera da Alemanha.
Apesar dessas variações, em linhas gerais, o continente foi invadido em sua totalidade por relações
de produção avançadas e alheias à sua realidade econômica, política e cultural, provocando
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mudanças básicas na estrutura produtiva e espiritual de suas sociedades. Vale assinalar que o fato
de a África ter sido objeto de uma dominação capitalista, não impediu o reconhecimento de que
continuaram a existir, ao longo de todo o século XX, setores não-capitalistas, mesmo no interior de
regiões que foram rapidamente convertidas em produtoras de matérias-primas para exportação.
Para abordar a articulação de setores altamente capitalizados na colonização africana, por meio de
uso sistemático de técnicas e da racionalidade moderna, com setores tradicionais cujas unidades
produtivas familiares ocupavam a maior parte do seu tempo de trabalho, na produção de
subsistência, é preciso partir, de imediato, para a perspectiva de choque na produtividade. Houve
uma tendência evidente, que se prolongou até hoje, de submissão e perda de autonomia do setor
não-capitalizado em relação ao setor dinâmico capitalista.
Tratava-se, ao mesmo tempo, de um claro fenômeno de super exploração, uma vez que a
tendência, na maioria das vezes forçada, da conversão dos cultivos tradicionais em novos cultivos
para a exportação obrigava os camponeses a uma combinação da jornada de trabalho entre
produção para exportação e produção para a subsistência.
É um processo absolutamente negativo, o qual marcou a evolução da produção agrícola africana
durante todo o período colonial.
Sem dúvida alguma, o grande setor espoliado pelo processo colonial foi o dos camponeses
africanos que finalizavam sua participação no processo produtivo com uma dupla exploração:
exploravam a si mesmos em razão de sua situação retardatária de proprietários dos meios de
produção, não totalmente integrados e, ao mesmo tempo, eram explorados pelas leis da economia
do mercado capitalista.
Um aspecto importante relacionado à natureza de inversão de capital metropolitano na
agricultura africana foi a manifesta tendência do sistema capitalista em manter setores não
totalmente integrados a esse tipo de produção, como forma de forçá-los a reproduzir sua força de
trabalho e sobreviver na condição de reserva de mão de obra.
Na análise da penetração do capitalismo e sua articulação na África, também não se pode deixar de
lado a questão eminentemente econômica da delimitação precisa da inversão de capital. Em uma
delimitação histórica, pode-se visualizar pelo menos quatro períodos da ocupação efetiva da
África pelas potências coloniais.
O primeiro período, vem desde a formação do sistema imperialista e da penetração intensiva, a
partir da ocupação colonial, até a crise econômica de 1930, quando os mecanismos concentraramse na exportação de capitais e na delimitação das principais áreas de inversão possíveis, do
continente. O segundo período, abarca desde os fins da crise de 1930 até a Segunda Guerra
Mundial. Nesse período vale observar os efeitos de retração da inversão na crise e a recuperação
dessa inversão, principalmente com aplicações na área mineira, como evidencia a presença inglesa
na África Austral. O terceiro período está delimitado entre o final da Segunda Guerra e as
independências africanas nos anos de 1960 que teve como características centrais, a
oligopolização das inversões e seu deslocamento geográfico pelo crescimento substancial da
participação dos Estados Unidos no financiamento da exploração africana. O quarto e último
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período,procede das independências aos dias atuais e tem relação, sobretudo, com a questão da
permanência dos mesmos capitais investidos nos períodos anteriores, agora com disfarce de
economias independentes.
Ainda quanto à inversão capitalista, também vale ressaltar cinco processos importantes no
movimento do capital da Europa para a África: a origem do capital tendo em vista os interesses e
as regiões metropolitanas em sua função específica no marco da economia mundial; o destino
desse capital e seu lugar específico na produção local africana; a integração do capital; a
transferência de valor e a própria circulação.
A expropriação das terras, a extração da mão de obra por meios distintos, o trabalho migratório, a
preservação da produção doméstica, a criação de reservas de mão de obra, a grande produção
para a exportação, o estabelecimento de “plantations” e estâncias, a possibilidade da apropriação
privada das terras, por parte dos camponeses locais, tudo isso produziu distintas relações de
classe, com interesses diversos.
5. O Estado Africano e as questões econômicas
O surgimento do capitalismo informacional/global no último quarto do século XX, coincidiu com o
colapso das economias africanas, a desintegração de muitos dos seus Estados e a dissolução da
maioria de suas sociedades. Como consequência, fome, epidemias, violência, guerras civis,
massacres, êxodo em massa e caos social e político constituíram, no final do milênio, traços
característicos da terra que assistiu ao nascimento do fóssil Lucy, talvez o ancestral comum da
humanidade. Sustenta-se a ideia de que a causalidade social e estrutural está vinculada a essa
coincidência histórica. Tentar-se-á demonstrar a seguir, a complexa interação entre economia,
tecnologia, sociedade e política, no desenvolvimento de um processo que nega a condição de
humanidade ao povo africano, bem como a todos nós, em nosso ser mais profundo.
Na década de 80, do século passado, houve um ingresso maciço de empréstimos externos (a
maioria proveniente de governos e instituições internacionais ou avalizados por essas
instituições) para salvar economias africanas do colapso. Em consequência, a África se tornou a
região mais endividada do mundo. Em termos de porcentagem do PNB, a dívida externa total
saltou de 30,6%, em 1980 para 78,7%, em 1994; e como porcentagem do valor das exportações,
aumentou de 97%, em 1980 para 324%, em 1990.
Cientes da impossibilidade de a África saldar essa dívida, os credores do governo e as instituições
internacionais valeram-se dessa dependência financeira para impor políticas de ajuste sobre os
países africanos, exigindo subserviência em troca do perdão parcial da dívida ou de sua
renegociação.
Identificou-se, também, que o investimento estrangeiro direto na África tem sofrido quedas
regulares tanto em termos relativos como absolutos nos anos de 1980 e início da década de 1990,
representando, em 1992, apenas 6% do total do investimento estrangeiro direto (IED) nos países
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em desenvolvimento. Embora a África absorvesse 4% do IED industrial líquido do Reino Unido,
em meados dos anos 70 (do século XX), essa porcentagem caiu para 0,5%, em 1986.
As razões para essa verdadeira marginalização da África, na economia global, são objeto de
intensos debates entre especialistas, bem como entre líderes políticos. São sugeridasexplicações
com causas múltiplas, com base nos resultados de pesquisas realizadas entremuitos executivos
estrangeiros que trabalhavam na África Oriental. Tal explicação pode ser sintetizada em três
principais fatores: meio institucional pouco confiável; falta de infraestrutura de produção e
comunicações, bem como de capital humano e políticas econômicas incorretas, que prejudicam os
investimentos e as exportações por causa de empresas locais favorecidas por suas boas relações
com a burocracia estatal. De maneira geral, investir na África é uma empresa altamente arriscada,
capaz de desencorajar até mesmo os mais ousados capitalistas. Sem condições de competir na
nova economia global, a maioria dos países africanos possui mercados internos de pequeno porte,
que não constituem base para a acumulação de capital endógeno.
Entretanto, nem toda a África está à margem das redes globais. Recursos de alto valor, tais como
petróleo, ouro, diamantes e metais, continuam a ser exportados, contribuindo para um
crescimento econômico substancial em Botsuana e gerando lucros consideráveis para outros
países, como a Nigéria. O problema reside na utilização dos recursos gerados, bem como do auxílio
internacional recebido pelos governos africanos. A classe burocrática de muitos países africanos,
reduzida, porém atuante, consome grande volume de bens importados caros, inclusive produtos
alimentícios do Ocidente e roupas da moda internacional. Os fluxos de capital dos países africanos
para contas pessoais e lucrativos investimentos internacionais em todo o mundo, para benefício
exclusivo de alguns indivíduos ricos, evidenciam acumulação substancial de capital privado que
não é reinvestido no país onde a riqueza foi gerada. Portanto, há uma integração seletiva de
pequenos segmentos de capital africano, mercados afluentes e lucrativas exportações nas redes
globais de capital, bens e serviços, enquanto a maior parte da economia e a esmagadora maioria
da população são abandonadas à própria sorte, no limite entre a pura subsistência e os saques
violentos.
Além disso, embora dificilmente as empresas africanas possam competir na economia global, os
vínculos a essa economia penetraram profundamente nos setores tradicionais da África. Assim, a
agricultura de subsistência e a produção de alimentos para os mercados locais mergulharam em
uma enorme crise na maioria dos países, em consequência da transição para uma agricultura
orientada à exportação e culturas especializadas bastante lucrativas, em um esforço desesperado
de venda aos mercados internacionais. Por isso, o que globalmente é considerado marginal, ainda
se faz essencial na África, contribuindo, na verdade, para desorganizar as formas econômicas
tradicionais. Nesse sentido, a África não está alheia à economia global. Em vez disso, encontra-se
desarticulada por sua incorporação fragmentada à economia global por meio das relações
seletivas, tais como quantidade limitada de exportações, apropriação especulativa de recursos de
alto valor, transferências de numerário para o exterior e consumo parasitário de bens importados.
O efeito desse processo de “desinvestimento” em todo o continente africano, logo no momento
histórico em que a revolução da tecnologia da informação vem transformando partes do mundo,
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tem sido a desvinculação das empresas e mão de obra africanas dos mecanismos da nova
economia que caracteriza a maior parte do globo, na atualidade, conectando simultaneamente as
elites do continente às redes globais de riqueza, poder, informação e comunicações.
6. Estado, predação e apropriação
No que tange à presente questão, o ponto mais crítico seria a capacidade institucional dos países
africanos em mobilizar suas poupanças e, essa capacidade vem sendo gravemente comprometida
desde meados dos anos 70, do século passado, em consequência do uso inadequado do capital
pelo “Estado-vampiro”, isto é, um Estado totalmente transformado em patrimônio pelas elites
políticas, em benefício dessas elites. Sob uma perspectiva diferente, acredita-se que a crise da
sociedade na África decorre de muitos reveses e conflitos, todavia, a raiz do problema é diferente.
Basicamente, trata-se de uma crise institucional. E de que instituições? Assim, torna-se necessário
voltar a atenção para o nacionalismo que gerou as Nações-Estado da África,as quais tinham
acabado de adquirir sua independência, após o período colonial, para o nacionalismo que se
tornou estatismo-nação.
Portanto, o governo predatório que caracteriza a maioria dos Estados africanos resulta de um
processo de individualização das classes dominantes, isto é, os membros dessas classes tendem a
ser mercenários, pois sua permanência nas posições de privilégio e poder está à mercê dos
caprichos de um líder absoluto. Essa situaçãoaplica-se a regimes ditatoriais sangrentos, como o de
Mobutu,na República Democrática do Congo e o do “Imperador” Bokassa, na República CentroAfricana, além das pseudodemocracias benevolentescomo o regime de Boigny, na Costa do
Marfim. Na verdade, não se esperavaque os Estados do período pós-colonial de todos os matizes
ideológicos pudessem ser corruptos, vorazes, insuficientes e instáveis, como quase sempre foram
e são, atualmente.
A penúria africana é o resultado de uma longa trajetória histórica dominada pela política praticada
pelas elites com nenhuma outra estratégia senão ceifar as riquezas provenientes de seus países e,
também, das relações internacionais desses países. Há, sem dúvida, uma apropriação privada de
recursos, valendo-se de posições de autoridade no Estado.
Analisando-se
o
contextonigeriano,
pode-se
distinguir
uma
diferença
entre
prebendalização(doação de propinas e gorjetas, como pagamento de um favor ou de um privilégio
adquirido) e predação. A prebendalização, em essência, não difere da patronagem política e da
corrupção sistemática no governo, praticada na maioria dos países do mundo. Assim, só no final
dos anos 80 e início dos 90 (do século XX), na Nigéria, sob o governo de Babangida, que a política
de predação passou a predominar. Portanto, parece plausível, com base em informações sobre
outros países, que essa transição para o regime predatório somente ocorreu em um estágio mais
avançado da crise africana, iniciando-se em épocas diferentes, dependendo da realidade de cada
país. Esta argumentação contrapõe-se à reconstrução histórica, segundo a qual há uma
continuidade do processo de pilhagem da África por suas próprias elites políticas desde o período
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pré-colonial. Comparado à prebendalização, o regime predatório é caracterizado pela
concentração de poder na cúpula do governo e pela personalização das redes de delegação desse
poder. O regime se impõe mediante o uso de impiedosa repressão, “comissões” aos funcionários
do governo, bem como corrupção e suborno generalizados, que se tornam o meio de vida da
administração pública. Esse padrão de comportamento leva à erosão das instituições políticas
enquanto sistemas estáveis, substituídos por círculos bem amarrados de lealdades pessoais e
étnicas: o Estado inteiro transforma-se em um meio informal, enquanto o poder e as redes são
personalizados. Embora possa ser rebatida a ideia de que a predação já era a regra nos tempos
pré-coloniais ou nos primeiros estágios do nacionalismo africano após a independência, o que
realmente importa para compreender os atuais processos de exclusão social é que o modelo
predatório e, não apenas, a prebendalização parecem caracterizar a maioria dos Estados africanos
da década de 90 (do século XX), à exceção da África do Sul e alguns poucos exemplos possíveis.
Desse exercício de poder predatório que caracteriza a maioria dos Estados africanos, resultam
duas grandes consequências: a) sejam quais forem os recursos, de fontes externas ou internas, que
cheguem a essas economias dominadas pelo Estado, são tratados de acordo com a lógica da
acumulação pessoal de riqueza, amplamente desvinculada da economia do país. O que parece
inconcebível do ponto de vista do desenvolvimento econômico e da estabilidade política do país é
absolutamente aceito como compreensível sob a perspectiva de seus governantes e b) o acesso ao
poder do Estado equivale ao acesso à riqueza, como também, às fontes de futuras riquezas.
Deve-se ressaltar que esta apropriação dos recursos do Estado, em proveito próprio ou
particular,envolve a maior parte dos Estadosafricanos, evidenciando-se como um problema difícil
de ser debelado a curto e médio prazos.
7. Etnia, globalização da economia e formação do Estado Africano
A terrível situação em que, hoje, se encontra a África é atribuída, principalmente na mídia, à
hostilidade entre as etnias. De fato, na década de 1990, os conflitos étnicos explodiram por todo o
continente, provocando em alguns casos, massacres e genocídios. Etnia é um elemento muito
importante, tanto na África, como em qualquer outro lugar do mundo. Contudo, as relações entre
etnia, sociedade, Estado e economia são complexas demais para serem restritas a conflitos
“tribais”. É justamente essa complexa rede de relações e sua transformação durante as duas
últimas décadas do século XX que subjazem a raiz do Estado predatório.
Embora seja um importante fator, as diferenças étnicas colocadas em evidência no atual cenário
político africano são mais construídas pela política, do que arraigadas à cultura. Partindo de
perspectivas teóricas bastante distintas, os pensadores convergem para a seguinte conclusão:a
maioria das situações em que a estruturação da arena política parece estar enunciada em termos
étnicos, está relacionada a identidades que não existiam há um século ou até então não eram tão
claramente definidas. Os colonizadores atribuíram seus próprios conceitos a paisagens humanas
indistintas nos territórios que haviam ocupado, idealizando identidades específicas, construídas
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em sua imaginação como um modelo de Nação-Estado, de importância reduzida. Com suas origens
jacobinas e provincianas, os administradores franceses tinham um conceito reconhecidamente
territorial de Estado, enquanto o domínio indireto britânico, por sua vez, seguiu uma vertente bem
mais culturalista. À parte essas nuanças, foi com base nessas linhas que o regime colonial se
estruturou e se propôs a ordenar a realidade. Para atingir seus objetivos, esse regime usou de
coerção, por meio de uma política autoritária de colonização forçada, controle sobre os
movimentos migratórios e definições mais ou menos artificiais de características étnicas em
certidões de nascimento e cédulas de identidade. Mas a atual força criadora da consciência étnica
vem muito mais da apropriação dessa consciência pelos habitantes locais, circunscrevendo a
alocação dos recursos do Estado (BAYART, 1989).
Há estudiosos que amparam a classificação étnica dos territórios subjugados na lógica
ideologicamente preconceituosa, político-burocrática das administrações coloniais.Os europeus
partiram do pressuposto de que os africanos viviam em “tribos” – um termo de significado
impreciso – e de que a “lealdade tribal” era o único e primitivo elemento que compunha a política
africana. O governo colonial tomava suas decisões com base nessa premissa, dividindo os
africanos em tribos, mesmo quando essas tribos tinham de ser inventadas. Mas, as aparências
enganavam. O que se desenvolveu rapidamente não foi a política do clientelismo. O tribalismo
partira do pressuposto de que cada tribo defendia um interesse comum, representado por portavozes comuns, e de que havia, portanto, a possibilidade de uma “unidade tribal” conquistada
através de acordo entre os “representantes tribais”. Mas o clientelismo – no estilo “Tammany Hall”
– por pouco não provocou uma luta encarniçada pelos espólios do poder político (DAVIDSON,
1978).
Nas ocasiões em que surgiam dificuldades na distribuição de recursos em razão de maior escassez
no país e da ganância das elites, optava-se por beneficiar as etnias mais bem representadas
perante o Estado juridicamente instituído e/ou aquelas que, com base em seu maior contingente e
poderio militar, chegavam ao poder. A etnia transformou-se na principal via de acesso ao controle
estatal sobre os recursos. Porém, era o Estado e suas elites que criavam e recriavam a identidade e
lealdade étnicas e, não o contrário. Na África, quase nunca a etnia está dissociada da política,
contudo, ao mesmo tempo, não fornece a matéria-prima básica para seu desenvolvimento. No
âmbito do Estado contemporâneo, a etnia existe, principalmente, como um agente acumulativo,
tanto de riqueza, como de poder político. Portanto, o tribalismo é percebido como uma força
política em si próprio, como um canal pelo qual se expressa a disputa pela aquisição de riqueza,
poder e status (BAYART, 1989).
À guisa de exemplificação, pode-se salientar que após décadas de exclusão política mútua e
sucessivos massacres, organizados sobretudo em torno de questões étnicas, seria absurdo negar a
existência de identidades tutsi e hutu(Ruanda), a ponto de se afirmar que um governo da maioria,
sob um regime político democrático, parece totalmente fora de questão. Essa situação abriu o
caminho para uma impiedosa guerra civil entre tutsis e hutus comsérias consequências políticas.
Contudo, o que essa experiência dramática parece revelar é que o agravamento das diferenças
étnicas e a cristalização da etnia em termos de status social e poder político são processos que
tiveram suas origens na dinâmica histórica da base social do Estado, assumindo, em um primeiro
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momento, caráter colonial e, mais tarde, de Nação-Estado independente. Demonstra também, a
incapacidade de elites políticas constituídas com base na etnia, de transcender a definição herdada
do passado, visto que se valeram da bandeira étnica para arrebatar o poder do Estado ou resistir a
ele. Com essa postura, inviabilizaram a existência de um Estado plural e democrático, pois
cidadania e etnia são princípios antagônicos de legitimidade política, na África. Como se não
bastasse, a lembrança do extermínio, avivada pela repetição atroz dos piores pesadelos de ambos
os lados, demarcou com sangue, as fronteiras étnicas do poder como forma de violência. Desde
então, a etnia tomou de assalto a política após ter sido moldada e fortalecida pela política do
Estado. É essa interação complexa entre etnia e Estado, sob a lógica estatal, que se deve ter em
mente para compreender a política africana e, além dela, a tragédia do continente.
Contudo, se o Estado for fundamentado na etnia, será parcamente nacionalizado. Uma das
principais características que justificam o surgimento de um Estado desenvolvimentista na região
do Pacífico asiático, bem como, com menos sucesso, na América Latina e, não na África é a
fraqueza da nação naNação-Estado africana. Não que o nacionalismo tenha estado ausente do
cenário africano, pois, afinal, os movimentos nacionalistas foram a força motriz da conquista da
independência e, no final dos anos 50 e início dos 60 (do século XX), uma aguerrida estirpe de
líderes nacionalistas (SekouTouré,N’krumah, Kenyatta, Lumumba) abalou o mundo, inspirando a
promessa da renascença africana. Não obstante, receberam do colonialismo uma minguada
herança
nacional,
uma
vez
que,
de
modo
geral,
o
quebra-cabeças
cultural/étnico/histórico/geográfico/econômico do mapa político do continente confinou o
nacionalismo africano à elite de boa formação educacional do Estado moderno/juridicamente
constituído e à diminuta classe empresarial urbana.
Uma análise do problema da África pressupõe uma investigação do processo, amplamente
relacionado ao nacionalismo, que cristalizou a divisão das centenas e centenas de povos e culturas
da África em muitas Nações-Estado, em que cada uma delas reivindica a soberania sobre os
demais e, em que todos se encontram em uma situação de grande dificuldade (DAVIDSON, 1978).
A ausência de uma base nacional para essas novas Nações-Estado africanas, base esta que em
outras regiões normalmente se constituiu a partir de características geográficas, históricas e
culturais compartilhadas, é uma diferença fundamental entre a África e a Ásia do Pacífico, com
exceção da Indonésia, nos rumos distintos tomados em seus processos de desenvolvimento. É
verdade que outros dois fatores (alto índice de alfabetização e nível educacional relativamente
elevado no leste da Ásia e apoio geopolítico dos EUA, além da abertura de seu mercado aos países
asiáticos) também foram importantes para facilitar uma estratégia bem-sucedida de
desenvolvimento para a região do Pacífico asiático, voltada ao exterior. Contudo, a África
implantou programas de educação primária em larga escala em um ritmo bastante acelerado, ao
menos nos centros urbanos, com o consórcio da França e da Grã-Bretanha que as auxiliou
permitindo-lhe o acesso aos mercados das ex-metrópoles. A diferença crucial reside na capacidade
de os países da região do Pacífico asiático mobilizarem suas nações, sob um regime autoritário, em
torno de uma meta desenvolvimentista fundamentada em uma sólida identidade nacional/cultural
e na política de sobrevivência. A base social bastante enfraquecida do projeto nacionalista
debilitou consideravelmente os Estados africanos, tanto em relação à diversidade de seus grupos
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étnicos como ao jogo de influências sobre a África, disputado pelos Estados estrangeiros no
contexto da Guerra Fria.
Nas três primeiras décadas de sua independência, a África foi objeto de sucessivas intervenções de
tropas estrangeiras e assessores militares das potências do Ocidente (especialmente França,
Bélgica, Portugal e África do Sul “branca”, mas também EUA, Reino Unido, Israel e Espanha), bem
como da ex-União Soviética, Cuba e Líbia, transformando boa parte da África em um verdadeiro
campo de batalha. A divisão de facções políticas, Estados e regiões em diferentes alinhamentos
geopolíticos contribuiu para a desestabilização e militarização dos Estados africanos e a imposição
de um ônus insustentável representado por enormes gastos com a defesa, deixando como legado
um enorme arsenal de armamentos, a maior parte em mãos pouco confiáveis. A breve história das
Nações-Estado africanas, construída sobre um terreno movediço, comprometeu o papel das
nações e do nacionalismo enquanto base de legitimidade e importante fator de desenvolvimento.
Deve-se acrescentar ainda, outro elemento à equação da crise contemporânea da África. Trata-se
da relação entre a política étnica da Nação-Estado enfraquecida, de um lado, e a economia da
África dos últimos decênios, de outro. Sem que se faça referência a tal relação, torna-se fácil
incorrer em afirmações quase racistas sobre a natureza perversa inata da política africana. Não há
como compreender a crise da África, inclusive o papel desempenhado pelo Estado, sem mencionar
a história econômica. Devido a uma série de razões, como o baixo nível de desenvolvimento das
forças produtivas e a predominância do sistema de produção caseiro até o final do colonialismo, o
ritmo da assimilação original da África no sistema capitalista mundial, aliado ao extremo atraso
das economias pré-coloniais do continente e às limitações impostas pela política colonial que se
seguiu, impossibilitou a maior parte da região de ingressar no importante processo de transição
para a acumulação autossustentávelde capital após a independência (LEYS, 1994).
Considerações finais
Em termos históricos, na década de 60 (do século XX), a África não começou bem. Nos anos 70,
com a crise da reestruturação do capitalismo, o modelo de desenvolvimento do continente entrou
em colapso, sendo necessária, no final da década, uma saída alternativa para a crise por parte dos
credores externos e instituições internacionais. Já nos anos 80 (do século passado), o ônus da
dívida e os programas de ajuste estrutural, impostos como condição para a concessão de
empréstimos internacionais, desarticularam as economias, empobreceram as sociedades e
desestabilizaram os Estados. Isso resultou, na década de 90 (século XX), na incorporação ao
capitalismo global de alguns setores produtivos de porte bastante reduzido, como também, na
dissociação da maioria da população e territórios africanos, da economia global. Quais foram as
razões dessa sequência de acontecimentos? Nos anos 60 (século XX), o desenvolvimento de
políticas voltadas à exportação de produtos agrícolas e industrialização sob regime de autarquia
contribuíram para destruir a economia agrícola local e boa parte da base de subsistência da
população. Os mercados internos eram muito pequenos para sustentar um processo de
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industrialização em larga escala. As trocas comerciais internacionais eram ainda dominadas por
interesses neocoloniais. Nos anos 70 (século XX), o atraso tecnológico, a ineficiência
administrativa e os resquícios de restrições que remetem ao período colonial (por exemplo, a zona
franca na ex-África francesa) inviabilizaram a concorrência nos mercados internacionais,
enquanto a deterioração das relações comerciais criava dificuldades cada vez maiores para a
importação de produtos, justamente nos setores produtivos mais modernos, os quais precisavam
de novas tecnologias e importação de alimentos para a população. O endividamento sem nenhum
tipo de critério ou controle (a maior parte dos empréstimos era utilizada em gastos crescentes
com defesa, “elefantes brancos” industriais e consumo desenfreados, por exemplo, a construção de
Yamassouko, a capital dos sonhos de Boigny em sua aldeia nativa) resultou na falência da maior
parte da África. Programas de ajuste estrutural, recomendados/impostos pelo Fundo Monetário
Internacional e pelo Banco Mundial agravaram as condições sociais, fracassando, ao mesmo
tempo, no intento de dinamizar as economias do continente. Os programas concentraram-se na
redução do quadro do funcionalismo e no estímulo às exportações de commodities primárias. Em
termos gerais, este último objetivo foi uma causa perdida no meio tecnológico e econômico,
atualmente. Em termos específicos, uma proposição alheia à realidade diante do protecionismo
praticado pelos países da Comunidade Europeia com relação a produtos agrícolas. Embora
tenham surgido verdadeiras ilhas de eficiência econômica em alguns países, com algumas
empresas africanas de grande porte e competitividade (por exemplo, a Ashanti Goldfields, de
Gana), recursos materiais e humanos foram desperdiçados e, conforme anteriormente
documentado, a economia africana como um todo encontra-se em situação difícil, até hoje.
A redução substancial de recursos decorrente da crise econômica e das políticas de ajuste dos
anos 80 (século XX), afetou drasticamente a dinâmica política das Nações-Estado, desenvolvida
com base na capacidade de distribuição da riqueza e poder por parte das elites do Estado às suas
respectivas clientelas, em geral definidas em função de etnia ou território e, ao mesmo tempo,
reservando o bastante para elas. Foram três as principais consequências dessa redução:

Uma vez que a ajuda internacional e os empréstimos externos tornaram-se uma das
principais fontes de renda, os Estados engajaram-se na economia da esmola, gerando um interesse
direto nas catástrofes humanas que atrairiam atenção internacional e constituiriam fonte de
doação de recursos. Essa estratégia foi muito importante no momento em que o fim da Guerra Fria
secou a fonte de recursos financeiros e militares destinados pelas potências estrangeiras aos seus
Estados vassalos, na África;

À medida que os recursos do setor produtivo formal e mais moderno da economia se
tornaram escassos, líderes políticos, oficiais das forças armadas, burocratas e empresários locais,
sem distinção, passaram a atuar no comércio ilegal, em larga escala, incluindojoint ventures com
diversos parceiros da economia do crime;

Diante da redução do volume de recursos e aumento das necessidades da população, era
preciso optar entre diferentes clientelas, normalmente em favor dos grupos étnicos ou regionais mais
confiáveis (isto é, os mais próximos às facções dominantes da elite). Algumas facções, perdendo
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poder estatal, lançavam mão de intrigas políticas ou do uso da força militar, para obter seu
quinhão ou simplesmente apropriar-se de todo o mecanismo de controle político sobre os
recursos disponíveis. Na luta pelo poder, buscavam o apoio dos grupos étnicos ou regionais que
haviam sido excluídos pelo Estado, da partilha dos recursos.
À medida que proliferavam as facções e se fragmentavam os exércitos nacionais, ficava cada vez
mais difícil estabelecer a distinção entre banditismo e violenta oposição política. Como as filiações
étnicas e regionais tornavam-se as únicas fontes identificáveis de participação e lealdade,
disseminou-se a violência na população em geral, de modo que vizinhos, colegas de trabalho e
compatriotas, de repente, viram-se, primeiro, como pessoas lutando pela sobrevivência e, por fim,
como potenciais assassinos ou vítimas. A desintegração institucional, violência generalizada e a
guerra civil contribuíram para desorganizar ainda mais a economia, desencadeando processos
migratórios em massa, de populações que tentavam escapar em direção a uma segurança incerta.
Além disso, as pessoas também sentiram, na própria pele, a versão reduzida da economia da
esmola, visto que sua condição de refugiados poderia, com sorte, garantir-lhes a sobrevivência sob
as diversas bandeiras da ONU, de diferentes governos e de ONG’s. Assim, por volta de meados da
década de 90 e início do século XXI, não só a África estava cada vez mais à margem da economia
global/informacional, mas também com a maioria das suas Nações-Estado em processo de
desintegração com seu povo completamente desorientado e acossado, obrigado a reagrupar-se em
comunidades de sobrevivência, sob as mais diversas rotulações.
Pelo exposto, após o estudo feito sobre o Estado africano chega-se à conclusão de que em
virtude do processo da colonização africana e dos grandes problemas envolvendo a
heterogeneidade das comunidades tribais e os conflitos entre elas existentes, o Estado africano
contemporâneo é frágil, carente de uma adequada e moderna estrutura administrativa,
desarticulado sob a ótica econômica, geralmente desestruturado politicamente, distante dos
modernos sistemas técnicos informacionais, envolvido frequentemente com violentas guerras
civis e apresentando enormes dificuldades quanto à sua inserção na economia de mercado
contemporânea e globalizada. Ainda que se note um processo de modernização dos países da
África do Norte, bem como da África do Sul, quando se volve aatenção para a África subsaariana
depara-se com uma realidade de miséria e atraso. Registra-se, também, que os países do
capitalismo avançado não parecem inclinados a colaborar com a ascensão da África no que
concerne à economia, bem como sua inserção, de forma ampliada, no comércio exterior.
No momento histórico que se vivencia, não parece que hajam grandes alternativas de saída
para os Estados africanos mais pobres e vislumbra-se um futuro sombrio para aquele continente.
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Relações internacionais vistas de um sofá:
o Couchsurfing e sua aproximação cultural no mundo e no Cone Sul*
Érico Vanzan Fasolo1
Resumo
Este artigo apresenta uma perspectiva das relações internacionais que não vê somente o Estado como
agente importante no sistema mundo, agregando as redes, a cultura e o indivíduo nos processos de
fluxos de informação e das dinâmicas transnacionais. Enfoca no Couchsurfing, rede social de
hospedagem solidária, bem como sua importância para o desenvolvimento das relações entre
cidadãos de diferentes culturas e da compreensão destas para as relações internacionais. Ainda, será
traçado um perfil da rede no Cone Sul em diversos aspectos voltados para as relações internacionais,
por meio de um trabalho de campo realizado na região.
Palavras-chave: Couchsurfing, Cultura, Interculturalidade, Redes de Inovação, Cone Sul.
Abstract
The present paper introduces an international relations perspective that doesn’t consider only the
State as an important agent in the world system, embracing networks, culture and the individual in
the processes of flow of information and transnational dynamics. It focuses on Couchsurfing, a hosting
social network, as well as its importance to the development of interpersonal relations among citizens
of different cultures and their comprehension to the international relations. Furthermore, it will be
drawn a network’s profile in the Southern Cone in various aspects related to international relations,
through a field work conducted in the region.
Keywords: Couchsurfing, Culture, Interculturalism, Innovation Networks, Southern Cone.
Mestrando em Gestão Cultural pela Universitat Internacional de Catalunya/UIC. Assistente de Pesquisa na área de
educação, cultura e desenvolvimento da DEC Camp – Barcelona.
Recebido para Publicação em 27/02/2016. Aprovado para publicação em 04/04/2016.
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INTRODUÇÃO
P
or muitos anos os estudos internacionais possuíram a tendência de basearem-se na ideia dos
Estados como únicos agentes de atuação dentro do plano global. Desde a Paz de
Westfália(tratado que inaugurou o sistema internacional moderno e consagrou noções e
princípios de soberania estatal e de Estados-nações) até os dias atuais, tal tendência é visivelmente
seguida. Apesar da inegável atuação e influência que possuem os países como instituições de poder
dentro de uma fronteira, diversas dinâmicas e relações importantes dão-se fora da esfera estatal
(HARVEY, 2013).
Com este artigo, partindo como base da corrente funcionalista de relações internacionais através da
teoria nacionalista do tcheco Karl Deutsch, busca-se um princípio menos cru e não estadocêntrico das
relações internacionais, considerando o indivíduo como sujeito no plano global, o qual vem
gradativamente destacando-se. Será seguido o raciocínio de que as relações internacionais são
também influenciadas por outros elementos e que fatos significantes não podem ser compreendidos
observando apenas a dinâmica estatal, ocorrendo fora dela (HARVEY, 2013). Também serão
destacados, embora por vezes subjetivamente, elementos como a antropologia, a cultura, a sociologia
e as relações pessoais, analisando o ser humano como parte fundamental do sistema, indo então de
encontro ao que foi legitimado pelos cânones ocidentais nos primeiros discursos sobre o sistema
internacional.
Este artigo aborda o debate da cultura para as relações internacionais através de fundamentação
teórica, de maneira a mostrar a importância dos estudos culturais como fator determinante para o
andamento das relações transnacionais. Um dos fatores que expõe a relevância da compreensão
cultural dentro dos estudos internacionalistas é o constante processo de transformação que vem
sofrendo o planeta no decorrer das últimas décadas. É necessária uma readaptação das comunidades
e das pessoas à convivência com a produção de componentes que têm origem em outros locais
(RIBEIRO, 2008). Por isso a importância dos estudos culturais para a abrangência e maior
entendimento de como funcionam as inúmeras sociedades pertencentes ao globo.
O intuito é demonstrar, através do Couchsurfing (principal objeto de estudo deste artigo, podendo ser
abreviado pela sigla CS), como a integração cultural é importante para se pensar em relações
internacionais no século XXI.António Pinto Ribeiro, estudioso português sobre teorias das culturas e
programador cultural, ressalta a interculturalidade como elemento chave do processo atual que vive o
mundo, deixando claro que há já uma história de choques e diálogos culturais. Para ele, a
“interculturalidade já existe há muito tempo, com épocas de maior abertura ou violência” (RIBEIRO,
2008).
Ainda, pontua exatamente a relação individual entre dois elementos de distintas culturas como
possibilidade de diálogo, fator que é fundamental ao Couchsurfing e possibilitado por este. Para
Ribeiro, a importância da interculturalidade dentro do sistema internacional é incluída como fator de
união de diversas estâncias do sistema, não resolvendo os confrontos entre culturas, povos e regiões,
podendo apenas estabelecer pontes entre campos distintos, como a economia, a política, entre outros
(RIBEIRO, 2008).
A partir disso, deixa-se claro que a cultura possui um papel fundamental dentro das relações
internacionais e está intimamente ligada a fatores políticos, econômicos, sociais, ambientais, entre
outros componentes da agenda internacional. Em razão disso, é preciso negociar, criar um diálogo
intercultural.
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No decorrer deste texto, perceber-se-á como o Couchsurfing proporciona o maior diálogo e
entendimento entre indivíduos de diferentes nacionalidades, sendo assim um elemento integrador de
culturas ao possibilitar o contato entre elas. Além disso, oportuniza o estabelecimento de relações
mais humanas entre elementos com distintas perspectivas, de acordo com as influências geopolíticas
que recebem por pertencerem a certa nação.
Como fator de delimitação do objeto de estudo, foi feito um recorte aos países do Cone Sul (neste
trabalho, foram considerados Argentina, sul do Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) através da realização
de uma pesquisa de campo que engloba em sua maioria fatores referentes ao Couchsurfing, a
importância e influência deste nas relações entre pessoas de diferentes nacionalidades, além de
questões sobre a semelhança cultural nos países do Cone Sul para o estabelecimento de um panorama
mais específico em relação à rede e à região a ser estudada dentro dela.
DINÂMICAS INTERNACIONAIS E O COUCHSURFING
Buscando como base uma extensão transnacional da visão apresentada no trabalho de um dos
principais teóricos da corrente funcionalista de relações internacionais, a obra do tcheco Karl Deutsch
serve como ponto de partida, uma vez que em Nationalism and Social Communication é um dos
primeiros estudos a teorizar o papel da comunicação para a integração nacional e internacional. Em
sua obra, afirma que a comunicação entre indivíduos é essencial e releva a importância desta para
além do domínio político de um Estado (DEUTSCH, 1966).
Apesar de pensar seu trabalho em prol da cooperação internacional entre países (em que a paz é
preferível à guerra), abarca uma visão antropológica da cultura como elemento de integração para
determinado povo, sendo representada como um princípio de coerência para uma comunidade. Leva
em consideração componentes socioculturais e suas maneiras de expressar suas interações e
instituições para dentro das relações internacionais além da atuação estatal. Utiliza como argumento
que as nações são fortemente ligadas pelas suas estruturas comunicativas de interação social
(DEUTSCH, 1966).
Dentro da contagem de tempo da história humana o cenário social, político, cultural e econômico
passou a sofrer significativas transformações, principalmente a partir do final do século XX com uma
revolução informacional através da tecnologia, que passou a alterar a velocidade e a base da
sociedade. É a partir do desenvolvimento de tecnologias de informação que o mundo vem se tornando
cada vez mais interdependente e apresentando novas formas de relação entre os diversos ramos da
geopolítica global.
Os processos de globalização trouxeram um forte impacto à sociedade, surgindo uma sociedade civil
capaz de se articular através do estabelecimento de redes que funcionam pela tecnologia. Tais
processos geram discussões acerca do desempenho da coletividade civil na renegociação do acordo
implicitamente consagrado entre o Estado e os múltiplos âmbitos da nação (YÚDICE, 2006).
De forma exponencial crescem as redes de interação através de computadores e da internet,
instituindo inovações nas vias de comunicação e criando novos moldes para a maneira de viver de
muitas pessoas. Surgem redes globais de intercâmbio que conectam conhecimento, cultura e
informação tanto a nível pessoal quanto a nível estatal, criando um fluxo contínuo de conhecimento
(CASTELLS, 1999). Estas redes “não são apenas uma nova forma de organização social, mas se
tornaram um traço-chave na morfologia social” (CASTELLS, 2003).
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Redimensiona-se a importância das redes sociais no mundo na medida em que estas vão
representando “um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de
valores e interesses compartilhados” (MARTELETO, 2001). Com a expansão das redes, traz-se um
novo paradigma em que a quebra de fronteiras é fundamental para o estabelecimento das próprias
redes, uma vez que quanto mais amarradas se tornam, maior seu grau de compartilhamento.
Utilizando a tecnologia informacional de forma aliada à busca do restabelecimento das relações
humanas, nasce como uma resposta e alternativa a certos padrões do sistema atual o Couchsurfing,
criado em 2003 pelos fundadores Casey Fenton, Daniel Hoffer, Sebastian Le Tuan e Leonardo Bassani
da Silveira, com sede em San Francisco, nos Estados Unidos. A comunidade surge com a finalidade de
conectar viajantes através de uma rede global de pessoas com objetivos de apenas compartilhar
conhecimentos de maneira significativa e profunda, fazendo da viagem uma experiência
verdadeiramente social. Surge, portanto, como uma rede de hospedagem solidária (COUCHSURFING,
2014).
Atualmente o Couchsurfing é uma comunidade global de cerca de sete milhões de pessoas que abrem
as portas de seus mundos e suas vidas em mais de cem mil cidades (COUCHSURFING, 2014). A
comunidade funciona como uma rede social em que os membros possuem um perfil com
características pessoais para estabelecer uma possível afinidade antes do primeiro contato frente a
frente, além de um sistema de referências que podem ser positivas, neutras ou negativas de acordo
com a experiência que cada um teve, criando assim maior confiança antes de um membro receber ou
ser hospedado na casa de outro.
O sistema de referências é muito importante para a manutenção dessa maneira de viajar, pois elas são
o depoimento de que os membros se conhecem e como um ou outro é como host, como surfer ou
puramente como amigo. Descrevem-se as experiências convividas entre os integrantes, e quando uma
experiência é negativa (o que pode acontecer por diversos motivos), é posta uma referência negativa
no perfil de tal pessoa. As referências, sendo elas positivas, neutras ou negativas, não podem ser
alteradas por nenhuma pessoa além do membro que as produz (ROCHA, 2012).
De acordo com o material publicado pela própria comunidade, seu objetivo principal é de um mundo
em que se possam explorar e criar conexões significativas com as pessoas e lugares que encontram
através das culturas, vendo a diversidade com curiosidade, apreciação e respeito (COUCHSURFING,
2014).
Possui ainda cinco valores principais: compartilhar a própria vida através do espírito de
generosidade; criar conexões aceitando a ajuda de “estranhos” e aumentando a fé uns nos outros;
oferecer gentileza incorporada ao respeito, tolerância e valorização das diferenças; ficar curioso com o
desejo de aprender uns com os outros se tornando melhores cidadãos globais viajando; e deixar as
coisas melhores do que foram encontradas, uma vez que outro objetivo é a construção de um mundo
melhor e melhorar as vidas uns dos outros (COUCHSURFING, 2014).
Um dos pontos positivos da rede é o de maior compreensão de como funciona certo lugar. Um
membro do Couchsurfing, ao chegar a determinada cidade que não a sua (seja ela fora do seu país ou
não), pode não saber nada sobre ela, ou saber o que leu através de guias turísticos, internet ou
algumas recomendações distantes. A partir do contato e da relação que for desenvolver com seu host,
saberá muito mais sobre referências de lugares que provavelmente não estão em guias turísticos,
como restaurantes, bares, museus, entre outros espaços que geralmente só são conhecidos por locais.
É interessante também notar que se conhece determinada cidade a partir da perspectiva de quem
hospeda, de como o host vive aquele lugar, o que certamente pode diferenciar as experiências dentro
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de uma mesma cidade. A nível acadêmico, estabelece-se uma conexão entre diversas áreas, como por
exemplo as relações internacionais, a antropologia e as demais ciências sociais.
Há ainda, no âmbito do Couchsurfing, a possibilidade de realização de meetingsdentro de uma cidade.
Tais encontros servem como uma maneira de, além de conhecer novas pessoas, realizar um processo
de reconhecimento da própria cidade em que se vive, descobrindo-se lugares novos fora do que por
vezes se torna a rotina de alguém. É um processo de reviver a cidade e dar oportunidade para renovar
relações, sem esquecer das antigas. A cidade deixa de ser algo estático dentro da rotina de cada um e
passa a enriquecer o dia-a-dia das pessoas. Existem também os meetings internacionais, que possuem
as vantagens dos locais em menor grau, mas ao mesmo tempo potencializam outros tipos de
experiências que podem ser proporcionadas pelo Couchsurfing ao unir vários membros em prol de
um mesmo encontro.
A portuguesa Judite Rocha, membro da Tane Timor – Associação Amparar Timor e do Couchsurfing,
em seu livro O Planeta num Sofá – Uma viagem ao mundo do Couchsurfing, reúne alguns depoimentos
de membros de várias partes do mundo. Estes demonstram claramente o espírito da rede através das
expressões de cada um.
Definem a comunidade como uma casa em cada país, com a ideia de compartilhar sempre presente,
além da descoberta de partes inexploradas de cada cidade. Demonstram como com a rede é vivida
uma experiência humana completamente diferente, com a oportunidade de estar com pessoas de
culturas distintas e de perceber como os seres humanos podem ser simples, sensíveis e amigáveis, não
importando credos, diferenças, nacionalidades, idiomas ou religiões. Em outras palavras, como podem
ser simplesmente mais humanos (ROCHA, 2012).
Tais depoimentos ainda relatam a excelência do conceito do Couchsurfing de compartilhar para criar
um mundo aberto e sem barreiras. A comunidade surge para revolucionar a maneira de viajar
(também porque atualmente a hospedagem é um fator limitante que impede muitas pessoas de
viajarem) e de se relacionar com o mundo, pois as pessoas deixam de ser turistas e tornam-se
viageiros, podendo conhecer lugares de maneira mais intensa que o turismo comercial e conseguindo
exercer sua cidadania como ser humano em qualquer parte do mundo, criando assim conexões e
compreensão entre povos que poderiam ser distantes (ROCHA, 2012).
As teorias culturais inseridas no Couchsurfing
O conjunto de valores expressados pela rede faz com que seus membros tenham experiências ímpares
de troca, e ao longo de cada experiência surgem aspectos que de certa forma destoam das limitações
físicas do Estado, como a identidade nacional e cultural. Cada indivíduo certamente possui hábitos,
pensamentos e perspectivas de acordo com suas vivências dentro do espaço e do país em que se
localiza, mas ao mesmo tempo demonstra o desejo de abrir seus horizontes ao diferente, agregando
elementos de fora ao seu aprendizado e crescimento pessoal (CAMPIGOTO, 2008).
A noção espacial do Estado passa a um segundo plano (embora nunca seja deixada de lado como
determinadora das formas de pensar e agir de cada um) e entram em voga noções como a de
cosmopolitismo e a de que o igual e o diferente pertencem a uma mesma substância (CAMPIGOTO,
2008).
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O cosmopolitismo aparece como um dos valores mais antigos estimados e característicos do
conhecimento intelectual e religioso ocidental, difundindo noções mais abertas de liberdade,
tolerância, melhoria e democracia. Caminha junto com o humanismo universal, vendo os outros povos
como iguais e não como figuras inferiores, considerando o amor pela humanidade maior do que o
nacionalismo (LIPOVETSKY; SERROY, 2008). É interessante perceber através dos relatos das
pesquisas de campo, como o amor ou somente a empatia pelo próximo é algo que movimenta os
membros do Couchsurfing, servindo como uma das forças motrizes da comunidade.
A ideia de cosmopolistismo está presente na rede da mesma maneira que foi fator fundamental para o
desenvolvimento da obra filosófica de Immanuel Kant, que apesar de ter nascido, vivido e morrido em
Könisberg (atual Kaliningrado), pôde discorrer de maneira tão clara sobre a experiência cosmopolita e
seus principais pontos devido ao grande contato que tinha com viajantes em sua terra natal. Kant
define, em sua obra, a importância da abertura da hospitalidade para com o estrangeiro e a
preocupação com o bom tratamento de todos os cidadãos para o convívio em paz de todos os povos
(KANT, 1784).
A experiência de Kant é um exemplo claro de que o homem há séculos possui interesse pelo diferente,
assim como de que isso se torna fator fundamental para o bom convívio entre povos de distintas
origens. Ao conhecer e principalmente aceitar o que é diverso, as possibilidades de intercâmbio de
conhecimento se fortalecem e as de conflitos diminuem. Um membro da rede se identifica com a
alteridade longínqua pelas mais diversas razões e torna-se o outro, mas uma espécie de outro mais
vasto, uma vez que é um sentimento em conjunto (APPADURAI, 2009). Como a rede proporciona de
maneira fácil a oportunidade de exercer o cosmopolitismo (ou de adquirir noções mais cosmopolitas),
pois seus membros podem viajar sem sair de casa e apreciar a beleza da diversidade, seu valor para as
relações internacionais entre pessoas (que estão presentes nos mais diversos setores de um país)
cresce de maneira positiva.
Pincelando a discussão internacionalista do cosmopolitismo atual, pode-se citar David Held, que em
sua obra Cosmopolitanism: Ideals and realities elenca três principais elementos: individualismo
igualitário, em que os indivíduos são unidades finais de preocupação moral; reconhecimento
recíproco de valor moral igual entre pessoas; e raciocínio imparcial referente a deliberações públicas
e argumentação para considerações finais (HELD, 2010). Os três elementos podem ser implicitamente
verificados dentro dos valores do Couchsurfing,
A partir de valores cosmopolitas, a abertura do homem como sujeito social faz com que se desenvolva
outro tipo de cultura pessoal mais desprendida do que é vivenciado apenas localmente, uma cultura
que mescla elementos distintos de acordo com as influências recebidas e proporcionadas pela rede. A
valorização e compreensão da heterogeneidade cultural são características presentes nos ideais da
rede, sendo uns dos principais elementos de interesse entre seus participantes.
O conceito de diversidade cultural é bem definido pelo teórico indiano pós-colonialista Homi Bhabha,
em O local da cultura, onde é reconhecida a partir de costumes culturais que são origem a noções de
uma cultura da humanidade. Pode também surgir como um sistema de intercâmbio cultural que dá
espaço a noções de multiculturalismo, fugindo da ilusão de uma identidade coletiva única sem
influências exteriores (BHABHA, 1998).
A heterogeneidade cultural aliada aos fluxos proporcionados pela globalização atual impede que as
culturas permaneçam limitadas numa esfera física e geográfica demarcada (APPADURAI, 2004) e
acabem transbordando fronteiras. O conceito de hibridismo cultural caminha junto com o
Couchsurfing, partindo do pressuposto de que nenhuma cultura é uma ilha independente e que
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atualmente as tradições culturais estão em contato com tradições alternativas, salvo casos específicos
de isolamento (BURKE, 2003).
Deixando a cultura de ser insular, os hábitos e as ideias passam a se desterritorializar e a ocuparem
um espaço indefinido no globo. “Esses entre-lugares fornecem o terreno para a elaboração de
estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e
postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade”
(BHABHA, 1998).
Geralmente quando se fala em hibridismo cultural é uma questão mais abrangente da cultura que é
vendida ou daquela que especificamente penetra num tipo de sociedade em geral, vista como um todo.
Ao ser abordada a perspectiva do Couchsurfing, tratam-se de indivíduos que recebem influências
particulares de acordo com a experiência que têm através do contato com outro membro da rede,
cada qual com suas vivências antropológicas. Bhabha, ao expor que a subjetivação da formação de
identidade cultural pode ser tanto coletiva quanto singular, traz de maneira mais clara a presença do
indivíduo para a discussão.
O palestino Edward Said defende em Cultura e Imperialismo o debate do hibridismo cultural através
do indivíduo ao afirmar que ainda se tem a concepção de que o indivíduo é definido pela nação, a qual
saca seu domínio de uma tradição aparentemente ininterrupta. Fugindo da noção de nação como fator
limitante,“todas as culturas estão mutuamente imbricadas; nenhuma é pura e única, todas são
híbridas, heterogêneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer monolitismo” (SAID, 2011).
Ainda no processo de relevância individual a partir do espaço em que se vive, o antropólogo indiano
Arjun Appadurai afirma que “a localidade é um lugar onde os processos de circulação, ou seja, as
alterações constantes acontecem de modo a produzir o cotidiano”, sendo exatamente dessa forma que
se dá a relação entre o global e o local estabelecida pelo Couchsurfing. Os sujeitos produzem o local ou
o cotidiano, e a localidade é produzida pelos sujeitos, tornando-se uma assimilação de informações
rotativas e globalizadas de pessoas que determinam a sua subjetividade junto com sua localidade. Os
elementos circulantes são enlaçados não apenas porque um cidadão se move fisicamente, mas porque
capta o que se move, ainda que esteja parado (APPADURAI, 2009).
Said de certa forma complementa o pensamento de Appadurai, pois critica a ideia de cultura que faz
com que alguém não só a mantenha em um pedestal, mas também acabe a separando do cotidiano e
da vivência local (SAID, 2011). É preciso vivê-la e compreendê-la, seja na própria cultura ou na de
outrem.
De maneira sucinta, o hibridismo cultural, bem como sua diferença subjetiva presente em cada
indivíduo, pode ser comparado à chipa guazú, torta típica paraguaia. Nela, os ingredientes são todos
misturados e batidos para serem postos a assar e, depois de pronta, torna-se uma torta com vários
elementos agregados. A chipa guazú é uma das cerca de 70 variedades identificadas de chipa (comida
originária dos guaranis), sendo que chipa deriva do termo tyra, que em guarani designa todo alimento
feito para acompanhar o “chá mate” e guazú significa “grande” (ASSIS, 2008). Assim, a torta retrata
como um indivíduo pode receber influências das mais diversas referências na constituição de seu
caráter cultural e ao mesmo tempo, sendo somente uma variedade desse tipo de comida, representa a
individualidade cultural de cada pessoa dentro de uma grande abrangência de semelhantes.
É recorrente, ao se discutir cultura no âmbito da globalização, a conveniência de criticar objetos e
marcas culturais vendidos por locais de hegemonia econômica e consequentemente cultural. É
inegável e evidente que estes invadem e destroem culturas locais, de maneira que desgastam a
identidade e soberania nacionais (YÚDICE, 2006). Entretanto, é preciso considerar que o enfoque do
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Couchsurfing, ao despertar o debate da cultura para as relações internacionais entre pessoas, convive
nesse meio, mas não trata diretamente desse tipo de cultura.
Está precisamente envolvido no contexto de globalização, comunicação e tecnologia, mas trata
especificamente de seres humanos, sejam eles provindos do berço do capitalismo, de comunidades
cooperativas, de descendência aborígene, de onde seja. O que une o Couchsurfing é o interesse pelo
ser humano, por uma história, uma vida em particular. As razões para que alguém se torne membro
podem ser as mais diversas possíveis, dizer que ao estar na rede uma pessoa é livre de preconceitos é
completamente impreciso, mas ser parte da comunidade já é um passo a querer conhecer o que não se
sabe para então poder formular qualquer visão sem cópias de modelos prontos e estereotipados.
Ao mesmo tempo em que não entra na discussão principal contra a hegemonia da cultura massificada,
o Couchsurfing articula-se como mecanismo de uma parcela da sociedade civil internacional com
certos valores em comum já citados anteriormente. A guinada para a sociedade civil nos usos das
inovações tecnológicas que permitem a globalização promoveu novas táticas progressistas que
idealizam o cultural como a área de negociação e de lutas (YÚDICE, 2006).
António Ribeiro explicita de maneira clara o papel da integração cultural para as relações
internacionais, afirmando que a negociação cultural baseia a interculturalidade e é
concomitantemente uma tática. Contudo, tem subjacente uma imagem política que acarreta na
construção e modificação das sociedades multiculturais, aprimorando conflitos e antagonismos que a
cultura por si só não resolve sozinha. Esta serve como plataforma de aproximação, como uma maneira
de negociar, mas não consegue sozinha resolver as grandes diferenças de interesses (RIBEIRO, 2010).
Não se pode mover a cultura para problemas específicos de outras esferas sociais, como a política, a
economia ou a religião. A interculturalidade não possui uma obrigação de assimilação, mas como ideia
política auxilia no desenvolvimento da democracia, gerando um dever de conhecimento do outro com
quem se está em contato, da sua história, da sua língua, gastronomia e das suas formas religiosas
(RIBEIRO, 2010).
No meio da interação entre culturas dentro de uma mesma sociedade o conflito pode surgir, mas
conforme afirma Bhabha, “a cultura só emerge como um problema, ou uma problemática, no ponto em
que há uma perda de significado na contestação e articulação da vida cotidiana entre classes, gêneros,
raças, nações” (BHABHA, 1998). Isso significa que as relações entre indivíduos que possam causar
choques culturais devem ser pensadas mutuamente a partir do significado daquilo para o outro, da
maneira como é expressa sua identidade.Quando há incompreensão recíproca geram-se vários tipos
de violência, mas se há o entendimento de que cada um é múltiplo na sua identidade, nessa
pluralidade é permitida a negociação cultural e o diálogo se faz imaginável por meio de pontes
diversas (RIBEIRO, 2010).
O antropólogo argentino Néstor García Canclini também vê a cultura transbordando as barreiras
nacionais e desenvolvendo a interculturalidade. As mudanças globalizantes conduzem a uma nova
conceituação da cultura para que esta seja vista através de um horizonte mais extenso, pois uma vez
os estudos culturais eram voltados ao que ocorria dentro da nação. A cultura deixa de ser vista como
propriedade de indivíduos ou de grupos e acaba se tornando um processo de transformação contínua
(CANCLINI, 2001).
Assim, a conexão entre as relações internacionais e a antropologia cultural torna-se decisiva. Os
estudos internacionais e comunicacionais colocam em questão o transnacionalismo e tudo que
transborda as fronteiras do Estado, ao passo que a antropologia possui as ferramentas necessárias
para pensar os problemas de alteridade e estudar as diferenças culturais (CANCLINI, 2001). Levando
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do âmbito micro e individual da experiência de cada um para uma parcela da sociedade civil
internacional que possui valores de tolerância e abertura ao diverso, enriquecem-se as relações entre
pessoas de diferentes nacionalidades ou até mesmo de uma só. A rede, ao ter por objetivo o ser
humano (e a partir daí tudo que dele deriva), leva consigo influências para todos os setores da
sociedade em que estejam presentes seus membros, mesmo que de maneira subjetiva.
Com efeito, cria-se um grande sentimento de pertencimento ao mesmo mundo, de poder ser mais
humano e solidário com o outro. Tal solidariedade nasce no Couchsurfing como a capacidade pessoal
de compartilhar seu mundo com o outro e muito mais de oferecer um lugar para dormir, é sobre
tornar-se uma parte da vida de outra pessoa e vice-versa.
A rede percebida pelos seus membros no Cone Sul
Para obter resultados mais satisfatórios quanto à visão que os membros do Couchsurfing possuem da
rede inserida no contexto das relações internacionais e de trocas culturais, foi realizado um trabalho
de campo utilizando os países do Cone Sul como recorte. Este se deu através de hospedagem por meio
da rede em várias cidades desses países (exceto Chile), utilizando-se técnicas para coletas de dados
através de observação participante e entrevistas semiabertas, além da utilização do próprio
Couchsurfing para a difusão de entrevistas online (sendo aí incluído o Chile), buscando atingir o maior
número possível de membros na região.
Antes de abordar os resultados da pesquisa, é preciso considerar o número de couchsurfers ativos na
região delimitada: o Brasil possui por volta de 50.000 membros, a Argentina ao redor de 20.000, o
Chile cerca de 10.000, o Uruguai aproximadamente 2.000 membros e o Paraguai cerca de 500.
Entretanto, tais dados são uma estimativa arredondada (COUCHSURFING, 2014) e devem ser levados
em conta alguns fatores característicos da pesquisa e da rede.
No tocante ao Brasil, foi considerada de forma mais expressa apenas a região sul do país (parte que
melhor se encaixa na concepção de Cone Sul), sendo assim a incidência de membros menor do que
50.000. Em relação aos couchsurfers ativos na rede, as estatísticas geralmente são falhas: para explicar
melhor, pode ser usada como exemplo a cidade de Pelotas, que possui 474 membros registrados
(COUCHSURFING, 2014). Deste número, calcula-se que apenas cerca de 20 são ativos na comunidade
(seja hospedando, viajando ou participando de encontros), o que faz com que o número oficial deles
seja de certa forma enganoso. Essa tendência pode ser percebida em todo o Cone Sul.
Foram entrevistadas cerca de 150 pessoas acerca do tema, das quais poucas não participavam do
Couchsurfing. Primeiramente serão abarcados pontos que tracem melhor um perfil dos membros da
rede, para posteriormente serem abordadas as questões específicas da pesquisa. Quando perguntados
sobre o interesse pessoal dentro da comunidade, o fato de abrir horizontes e conhecer novas pessoas,
culturas, idiomas e lugares foi uma resposta presente em praticamente todas as entrevistas. Além
disso, a vontade de mostrar o lugar onde vivem, explicar a cultura local, compartilhar momentos de
diversão e estabelecer vínculos de amizade com outras pessoas fora do círculo social a que estão
acostumadas também foi bastante recorrente. A facilidade de hospedagem grátis também foi levada
em conta, mas como um adicional a tudo isso e nunca como fator principal.
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As nacionalidades dos entrevistados podem ser observadas a partir do Gráfico I, que mostra um
retrato em menor escala das estatísticas oficiais do número de membros. O Gráfico II retrata a faixa
etária dos entrevistados, demonstrando o perfil relativamente jovem da rede na região estudada, já
que mais de três quartos dos couchsurfers possui entre 21 e 35 anos.
GRÁFICO I: PAÍS DE
ORIGEM
Brasil
Argentina
Chile
Uruguai
Paraguai
Outros
GRÁFICO II: FAIXA ETÁRIA
18-20
5%
7%
7%
11%
6%
21-25
26-30
43%
6% 5%
18%
33%
31-35
36-40
27%
32%
40+
O nível de renda (expresso em dólares estadunidenses) dos participantes demonstra, através do
Gráfico III, que a rede é mais utilizada por pessoas de classe média e classe média alta (é preciso
considerar que muitos dos membros são estudantes), uma vez que aproximadamente dois terços dos
entrevistados possuem uma renda mensal de mais de U$500,00.
Ao serem perguntados quanto à declaração de alguma ideologia política, como se pode ver no Gráfico
IV, mais da metade (61%) respondeu que não declara nenhuma. 16% se declararam de esquerda, 6%
de centro-esquerda, 6% de direita e 5% como anarquistas. Outras poucas ideologias foram declaradas
além das demonstradas no gráfico, sendo encaixadas dentro das disponíveis de acordo com a
aproximação de ideias políticas.
GRÁFICO IV: IDEOLOGIA
POLÍTICA
GRÁFICO III: FAIXA DE
RENDA
U$0-500
U$500-1000
U$1000-1500
U$1500-2000
U$2000-2500
U$3000+
Não informaram
23%
12%
21%
11%
7%
7% 19%
Não declaram
Esquerda
5
Centro-Esquerda
Centro
Direita
Centro-Direita
6%
6%
Anarquista
[PORCEN
TAGEM]
36
4
[PORCEN
TAGEM]
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Para ter uma noção de quão ativos são os membros que responderam ao questionário, o Gráfico V
demonstra o número de experiências com o Couchsurfing que os entrevistados tiveram e o Gráfico VI
retrata a maneira como estes participam da comunidade. Mais de três quartos dos entrevistados já
tiveram acima de 10 experiências com a rede, significando que já estão bem familiarizados com ela. O
mesmo se dá na maneira de participação, mais da metade já usufruiu dos três principais mecanismos
do Couchsurfing.
GRÁFICO V: Nº DE
EXPERIÊNCIAS COM CS
0-5
6-10
11-15
16-20
21-25
25+
GRÁFICO VI: COMO
PARTICIPAM DO CS
Não participam
10% 10%
Hosts, surfers e meetings
Somente hosts
11%
Somente surfers
Hosts e surfers
6%
Somente meetings
57%
Não responderam
13%
11%
55%
9%
6%
6%
Buscando entender a importância do Couchsurfing para as relações internacionais, os entrevistados
foram questionados se pensavam que a rede contribuía para o estabelecimento e aproximação das
relações internacionais entre pessoas, ao que o Gráfico VII se refere. É visível que seus membros
percebem a comunidade como um instrumento de aproximação internacional, somente 1% não viu
qualquer possibilidade de relação entre os dois temas.
GRÁFICO VII: CONTRIBUIÇÃO DO CS PARA A
APROXIMAÇÃO DAS RI
Sim
4%
15%
Sim, mas não muito
Não
80%
Não, mas pode ser possível
Também foi perguntado como os membros pensavam que o Couchsurfing poderia influenciar as
relações internacionais, de maneira que entraram em fusão vários elementos nas respostas: a rede
surge no mundo globalizado como uma nova maneira de viajar sem sair de casa, através de um
intercâmbio cultural e de troca de informações, abrindo-se mais espaço para diálogo e confiança. O
fator que ficou mais evidente nas respostas foi a possibilidade que a comunidade dá, ao aproximarem-
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se pessoas de culturas distintas, de se desfazerem os estereótipos e romperem-se preconceitos
criados em relação a outras nacionalidades, seja pela mídia, seja por verdades já convencionadas na
mentalidade de determinada população. Conforme definiu metaforicamente um dos couchsurfers
entrevistados, “a rede serve como uma lupa para ler melhor certas ideias pré-formadas e nelas
encontrar erros de ortografia”.
É uma forma de desmistificar o que um pensa sobre o outro, percebendo através da convivência que
uma pessoa possui seus próprios valores, crenças, costumes, culinária e forma de viver e que estes, ao
diferirem-se dos de outra, não são elemento de separação, mas sim de cooperação e união. Mais além
de poder ou não viajar, o Couchsurfing, por ser uma rede de interação social, foi percebido como uma
porta de entrada e abertura da mente a outros universos e outros olhares, surgindo o tema da
solidariedade para com o outro, principalmente num contexto globalizado em que as relações
humanas podem estar decaindo por questões tecnológicas ou pela insegurança que há ao aproximarse do desconhecido.
Ainda, surgiu nas respostas como uma maneira de romper com o dogma do Estado-nação, pois através
de relações mais reais ampliadas com o uso dessa ferramenta se percebe a diversidade cultural que
existe dentro de um próprio país, a qual passa muitas vezes longe da cultura “oficial” representativa e
estereotipada, por vezes incentivada pelo próprio Estado. É interessante notar como isso vai ao
encontro de um dos elementos (que embasou a construção da pesquisa) na teoria internacionalista de
Deutsch e dos estudos pós-coloniais de Said sobre o pertencimento da cultura.
O ponto da viagem em si também foi levantado, servindo o Couchsurfing como uma maneira de
incentivo ao conhecimento de regiões pouco experimentadas como destino de viagem num país, por
parte de nacionais ou estrangeiros. A rede ameniza as barreiras do idioma e do dinheiro, permitindose conhecer os lugares de caráter mais absorvente que o turismo visando o mercado.
Sendo o objeto percebido como uma maneira de incentivo à tolerância e respeito a alteridades,
aproximação cultural e de se desfazerem preconceitos e estereótipos, foi posto em questão se a
aproximação cultural era um elemento central como facilitador para boas relações internacionais. O
Gráfico VIII retrata a resposta mais expressiva da pesquisa, ao que 92% respondem que sim, somados
a 5% que não acham que é um elemento central, mas veem certa importância nisso.
Outro elemento da pesquisa foi o questionamento sobre se o desenvolvimento de tecnologias como a
do Couchsurfing contribui para a integração da sociedade civil internacional, ao que surgiu o
levantamento da dúvida se todos teriam de condições participar da rede, uma vez que esta possui
certos valores que certamente não são partilhados por todas as pessoas.
Nem todos estão dispostos a abrirem suas casas a desconhecidos e dedicar-lhes algum tempo, por
mais confiável que a rede seja. O Gráfico IX mostra que 96% veem a comunidade como uma
contribuição para a integração da sociedade civil internacional, sendo que desse número 17% não a
consideram essencial nesse enquadramento. Apenas 3% não a veem como um apoio para esse tipo de
conexão.
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GRÁFICO VIII:
APROXIMAÇÃO CULTURAL
E RI
Sim
GRÁFICO IX: CS E A
SOCIEDADE CIVIL
INTERNACIONAL
5%
3%
Sim
Sim, mas não tanto
17%
Sim, mas não é essencial
Não
Não
Não, mas é importante
92%
79%
Não, mas é um benefício
Partindo para a delimitação geográfica do objeto de pesquisa, primeiramente para traçar um perfil da
região como um todo foi levado em conta se os entrevistados consideravam que existem uma
identidade e cultura similares nos países do Cone Sul. As respostas levam a um resultado menos
expressivo do que os anteriores, mas ainda assim dão um quadro claro, como demonstra o Gráfico X.
79% consideraram existente tal similaridade cultural e mesmo nas respostas negativas (que formam
um número relativamente significativo de 21%), foi admitido que há algumas semelhanças e nenhum
dos entrevistados respondeu que não.
Um aspecto interessante que surgiu na pesquisa foi em relação à experiência que os couchsurfers
entrevistados já tiveram com outros membros da rede provindos do Cone Sul. Conforme o Gráfico XI
mostra, mais da metade dos entrevistados teve menos de dez experiências com algum membro dessa
região. Ao serem perguntados o porquê disso, algumas respostas foram mais recorrentes, como o fato
de os cidadãos de países do Cone Sul não viajarem tanto quanto os de outros lugares do mundo.
Ainda, em muitas respostas a razão foi os entrevistados não terem viajado tanto pela região e terem
viajado mais pela Europa, o que levanta certos questionamentos quanto ao incentivo ou interesse das
pessoas de conhecerem os países vizinhos aos seus, que possuem realidades muito mais parecidas do
que as de países localizados em outros continentes. Conhece-se pouco da riqueza cultural presente
nos países do Cone Sul dentro da própria região, elementos como a música, gastronomia e até mesmo
a língua são por vezes deixados de lado em favor de uma cultura de fora.
GRÁFICO XI: EXPERIÊNCIA
COM MEMBROS DO CONE
SUL
GRÁFICO X: IDENTIDADE E
CULTURA SIMILARES NO
CONE SUL
Sim
21%
Sim, mas não muito
Não
0
49%
1-5
6-10
14%
5%
17%
13%
30%
11-15
Não, mas há semelhanças
39
16-20
20+
15%
36%
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Outro ponto interessante é o imaginário que resulta das influências externas hegemônicas (e aí sim se
pode falar de maneira mais clara sobre uma cultura massificada e vendida como marca por parte de
países com maior balanço no plano internacional), gerando maior interesse pelo norte global.
Entretanto, a casualidade também foi frequente nas respostas, principalmente pelo fato do
Couchsurfing não ser tão bem conhecido no Cone Sul quanto em outras partes do mundo. Também é
necessário ressaltar que 32% já tiveram mais de 10 experiências com membros da região.
A última pergunta da pesquisa abordou a experiência com o Couchsurfing como uma tendência a
favorecer ações mais cooperativas, considerando também que seus membros estão presentes nos
mais diversos setores dos países onde vivem e se a partir disso suas ações poderiam contribuir
subjetivamente para o Estado, ao que retrata o Gráfico XII.A opinião geral dos entrevistados se
demonstrou bem clara, 71% enxergaram essa conexão completamente, 10% não a considerou como
possibilidade de influenciar o Estado e apenas 2% não viram qualquer tipo de relação.
GRÁFICO XII: CS COMO TENDÊNCIA A AÇÕES MAIS
COOPERATIVAS
Sim
5%
12%
Sim, mas sem influências ao país
10%
Sim, mas não muito
71%
Não
Não, mas pode acontecer
Surgiram nas respostas possibilidades de longo prazo como uma boa maneira de cooperar, além de
entrar outra vez o tema da solidariedade, no sentido de que não custa muito a alguém oferecer um
espaço para que outra pessoa possa dormir e nesse ato ambos terem experiências enriquecedoras. A
própria devolução dentro do sistema sem ser para a mesma pessoa, recebendo a outras e
compartilhando outros momentos sem esperar algo em troca é tida como valorosa.A rede aparece
como um incentivo a realizar outras ações do tipo, além do fato de, como definiu uma entrevistada,
“saber que se está chegando em um lugar onde há outra pessoa que quer lhe mostrar como vive e lhe
convidar a sua casa ser uma sensação muito prazerosa”. Geralmente quando se entra no Couchsurfing
é com uma filosofia de compartilhar, pois o espírito de cooperar e buscar um mundo melhor já faz
parte da comunidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É incontestável o papel e a importância do Estado como principal agente no campo das relações
internacionais e assim continuará sendo por um longo período de tempo. Entretanto, também é cada
vez mais inegável a presença e o valor de outros elementos dentro do plano global que devem ser
considerados quando se pensa em relações internacionais. A revolução tecnológica e informacional
que vem constantemente sofrendo o mundo globalizado pode ser considerada uma das principais
causas desse transbordamento de atores que uma vez só estiveram em voga dentro das fronteiras das
nações.
A partir deste artigo é possível perceber a dimensão da cultura em conjunto com o grande fluxo de
informações correntes no mundo atual, fazendo com que os estudos culturais tornem-se
transnacionais e cada vez mais involucrados uns aos outros. O Couchsurfing entra como uma
importante ferramenta dentre várias que surgem em razão dessas mudanças nas últimas décadas,
aliando diversas características de um tipo de sociedade civil internacional.
Com o uso de fontes primárias, secundárias e de uma pesquisa de campo de abordagem
complementar entre quantitativa e qualitativa, buscou-se mostrar o efeito dessa comunidade no
contexto contemporâneo em que diversos costumes estão sempre em contato. Manifestou-se a
contribuição da rede para as relações entre cidadãos de diferentes nacionalidades através do trabalho
de campo e outros parâmetros e características de seus membros. Pôde-se também ter um panorama
da rede no Cone Sul, a partir de características culturais semelhantes e do interesse por aprofundar-se
no conhecimento da região.
Além disso, procurou-se mostrar através de fundamentação teórica a importância de compreender o
diferente e conviver com ele, com a possibilidade de serem agregados novos elementos construtivos
nos processos de formação de identidade individual e coletiva. Através do Couchsurfing cria-se uma
rede híbrida e cosmopolita com valores mais humanos, indo de encontro à selvageria com que muitas
vezes ocorrem as relações humanas por meio do sistema atual. O diálogo do local com o global é
possibilitado pela rede de maneira clara e por meio do próprio ser humano.Este é de valores mais
tolerantes e solidários, com visões de mundo que buscam se livrar de estereótipos e fugir de modelos
prontos que são reproduzidos referentes ao que não está presente no dia-a-dia.
Por fim, pode-se concluir que o Couchsurfing é uma rede social inovadora, que contribui para a
integração da sociedade civil internacional por meio de um primeiro contato proporcionado pela
tecnologia. Traz a solidariedade como sentimento de pertencimento coletivo ao mesmo mundo e a
busca pelo melhoramento dos lugares por onde se passa, com a filosofia de deixar as coisas melhores
do que quando foram encontradas e com o compartilhamento de momentos, ideias e conhecimentos.
A comunidade parte de experiências micro com possibilidades de desenvolverem-se num nível macro,
somando ao sistema global o papel do indivíduo como sujeito inserto nas relações internacionais.
*Artigo científico apresentado à Universidade Federal de Pelotas como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais – alterado após pesquisas mais profundas
para o Mestrado em Gestão Cultural pela Universitat Internacional de Catalunya.
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MERCOSUR and the ACN in Comparative Perspective: Is There a PostWestphalian Model in the South American Integration Processes?*
Gills Vilar Lopes1
Abstract
Once South America is considered a relatively peaceful region, does it dispense with postWestphalian mechanisms - such as the regional blocs - that inhibit conflicts in the region? In order
to respond such problem, MERCOSUR and ACN are selected because of its political, military,
interstate relations produce certain identifiable patterns over space and time. In terms of
methodology, it’s qualitatively adopted the Emil Kirchner and James Sperling’ models of state
structures, which one are directed to overcome the problems of regional security governance. It is
alto selected Olivier Dabène’s comparative method on South American blocs, as a political and
historical contribution, as well as the Oscar Medeiros Filho’s geopolitical view about this region. It
is concluded that the MERCOSUR can be considered a “Westphalian regional bloc,” and that the
ACN, although has post-Westphalian model features, also carries other Westphalian that exceed
those.
Keywords: International Relations, South America, International Security, Strategic Studies,
Defense.
Resumo
Tendo em vista que a América do Sul é considerada uma região relativamente pacífica, ela
dispensaria mecanismos pós-vestfalianos — tais como os blocos regionais — inibidores de
conflitos na região? Para responder a tal problema, escolhem-se o MERCOSUL e a CAN devido a
suas relações políticas, militares e interestatais, que produzem certos padrões identificáveis no
tempo e no espaço. Em termos de metodologia, adotou-se qualitativamente o modelo de
estruturas estatais, de Emil Kirchner e James Sperling, o qual é direcionado para a superação dos
problemas de governança de segurança regional. Seleciona-se também o método comparativo de
Olivier Dabène sobre blocos regionais sul-americanos, bem como o a visão geopolítica de Oscar
Medeiros Filhos sobre a região. Conclui-se que o MERCOSUL pode ser considerado um "bloco
regional vestfaliano" e que a CAN, embora tenha características do modelo pós-vestfaliano,
também traz outras características vestfalianas que os excede em muito.
Palavras-chave: Relações Internacionais, América do Sul, Segurança Internacional, Estudos
Estratégicos, Defesa.
Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista Pró-Estratégia (CAPES e
SAE). Pesquisador Voluntário do Instituto Pandiá Calógeras do Ministério da Defesa (IPC-MD).
* This work is a translated version of: Lopes, Gills. “O que dizem os processos de integração sul-americanos sobre a
cooperação em matéria de cooperação em defesa regional: comparando MERCOUL e CA,” In: Encontro Nacional da
Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ENABED). Anais do VII ENABED. Belém: Federal University of Pará, 2013.
Last accessed in 24 Oct. 2015, http://www.abedef.org/download/download?ID_DOWNLOAD=76.
Recebido para Publicação em 24/02/2016. Aprovado para publicação em 04/04/2016.
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1 Introduction
S
outh America adopts two main Manichean bias when studying security and defense. The first
one is related to interstate threats, whose region is predominantly considered to be one of
few international conflicts(MEDEIROS FILHO, 2010, p. 12) as well as relatively
pacific(BRAZIL, 2012), even though – as highlighted by Mares(2008, p. 2-11), Alsina Júnior(2008,
p. 241), Barry Buzan e Ole Wæver (2003, p. 304-339) – latent historic disputes still subsist, such as
pending territorial issues regarding the Falklands, Essequibo, amongst others. The second bias
refers to a deeper inner core, the countries of this region find extremely difficult to tackle the socalled “asymmetric threats” - such as drug trafficking and bio-piracy. Thus, the most logical action
is to encourage inter-block cooperation through post-Westphalian mechanisms in order to inhibit
conflict development. Although apparently, that is not what the region shows.
Such dichotomy creates at least three dilemmas to these countries: (i) the modernization of the
armed forces in light of the asymmetric threats(COVARRUBIAS, 1999, p. 3), which leads to an
ontological division between public security and national defense – a fact much feared by scholars
on matters of defense(ASSOCIAÇÃO…, [201-]); (ii) the prioritization of a consolidated democracy –
at both national and regional levels –, wherein the proper attention to national defense does not
occur, especially in times of (overall) peace; and (iii) the promotion of the cooperation in matters
of regional security, amidst diverse national security cultures.
Therefore, in considering (a) the possibilities of complex inferences and (b) the defense matters as
a intervenient variable, it is possible to ponder that the South American scenario is rather relevant
to such analytical work and this challenge is what motivated this study. More specifically, the
Southern Common Market (MERCOSUR) and the Andean Community of Nations (ACN) have been
selected due to the fact that the political and military relations between its member States result
in certain identifiable prototypes through time and space, which allows their categorization in a
given behavioral pattern.
Models of government structures engendered by Emil Kirchner and James Sperling were chosen
as an analysis framework. These models are oriented to overcome the problems of regional
security and global governance. The former is the object of this chapter, where countries are
analyzed with regards to its categorical adaptations between Westphalian and post-Westphalian,
which are further analyzed in the next chapter. In order to attain the objectives proposed, it is
believed that a foreign model has neither analytical efficacy nor academic pragmatism, given that
it is oblivious to the South American idiosyncrasies, and particularly the two regional blocks on
screen (refer, for instance, to professor Héctor Luis Saint Pierre´s critics in the last pages). For this
reason, the following were selected: the comparative perspective of Olivier Dabène on Latin
American regional blocks, for historical and political contribution; and the geopolitical
examination of this region by Oscar Medeiros Filho.
The choice for the post-Westphalia model to figure in the subtitle of this paper is explained by the
fact that (i) much of the literature about the processes of Latin American regional integration
(RIP) assign to that region a non-pessimistic conduction of multilateral cooperation through
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regional block – specially in the MERCOSUR, and (ii) it is a rather peaceful subcontinent (DABÈNE,
2009, p. 7). The hypothesis to be tested in this study aims to answer if such understanding –
based, thus, on a post-Westphalia model – is applicable to the South American region, in spite of
the role of the MERCOSUR and ACN.
2 The Westphalian and Post-Westphalian Models
Kirchner and Sperling (2010, xvi-xviii) propose a framework that aims to explain how the culture
of national security impacts in the regional security governance. For this purpose, they use four
intervening variables to know how the State: (i) understands the external environment; (ii) uses
its diplomatic tools: if coercively or persuasively; (iii) expresses its pattern of interaction: if
unilateral, bilateral or multilateral; and (iv) makes institutional choices. In this line of reasoning,
the issue of security governance is analyzed under four areas or categories: (a) prevention: preconflict interventions; (b) assurance: post-conflict interventions; (c) protection: internal security;
and (d) compellence: military intervention (SPERLING, 2010, p.1).
Depending on how the culture of national security of a given country is driven, and taking into
account the variables and the above categories, it is possible, according to Kirchner and Sperling,
to frame it in a Westphalian and post-Westphalian model. This study extrapolates the original
scope proposed by such a model on the assumption that national security cultures may reflect the
formation or not of a regional culture, even minimally institutionalized, if analyzed together and if
their boundaries and history are respected.
Roughly speaking, the core of Kirchner and Sperling´s analysis tool regress to concepts
engendered from the so-called “Peace of Westphalia”a set of international treaties signed in 1648
ending various European wars, creating an international system – European – of nation states. In
other words, after 1648, only a few countries – at that time, dynastic monarchies – which had very
similar war wingspans (principle of “power balance”) become the main international actors
capable of destabilizing the international order (KISSINGER, 1994, p. 21). One of the key points in
this context is the notion that war, from that moment on, becomes a legitimate instrument no
longer in the name of God and /or the Pope, but in their own aspirations and country´s actions
(Raison d´État). Hence, today, the “[…] persistence of the Westphalian state elsewhere better
explains the continuing force of anarchy and the persistence of the balance of power, concerts and
impermanent alliances as regulators of interstate conflict”(SPERLING, 2010, p. 2).
It is also worth noting that this attempt to categorize the State based on the features behind the
engineered system from 1648 is also adopted by other authors. Buzan and Wæver, for instance,
mold three ideal types that aim to designate the State spectrum between weak and strong, namely:
pre-modern, modern and post-modern(BUZAN; WÆVER, 2003, p. 22). Besides, this is also the
engineering behind the concept of regional security complexes (RSC) of the Copenhagen School.
Although the RSC are more detailed in the works of Buzan and Wæver (2003, p. 60-89) and of
Medeiros Filho (2010, p. 52-58), it´s worth emphasizing that its typologies (conflict formation,
security regime and security community) allow a correlation to be made between Westphalian
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and post-Westphalian models in regards to a greater or minor propensity to conflict by South
American countries. To Buzan and Wæver, the regional security sub-complexes of the Southern
Cone and of the Andes occupy different positions with regards to propensity to conflict, i.e. there
are distinct conflict resolution and cooperation policies/institutions/cultures (BUZAN; WÆVER,
2003, p. 340). According to them, the Southern Cone is a sub-region that is transmigrating from a
security regime to a security community. In the Andean region of South America, the combat of
narcotrafficking – with the aid from the United States of America (USA), maintain alive the latent
and traditional question regarding border security (FRANÇA, 2011, p. 71) by inserting the ACN
countries in the “conflict formation” typology, i.e. they are more inclined towards conflict(BUZAN;
WÆVER, 2003, p. 340). The latter Copenhagen typology also seems to be more prone to
Westphalian-typed countries.
Thus, according to Sperling, Westphalian States have the following characteristics: are indisposed
to cooperating and to security governance; have a strong sense of belonging to the territory; are
highly preoccupied with protecting its autonomy and independence; and separate domestic from
foreign politics. Following this same line of reasoning, Buzan and Wæver remind that until little
after the Second World War, these were the characteristics of modern States that predominated in
the international relations: truly robust and centralizing governments who looked to control their
societies; independent and auto-sufficient attitude; untouchable sovereignty; geographical
boundaries that visibly delimited their cultures, economy and policies; strong tendency towards
securitize in threats that are inside/outside its territories(BUZAN; WÆVER, 2003, p. 22-23).
Therefore, in comparative terms, the modern model of State used by these two authors resembles
the Westphalian under study.
The post-Westphalian model, on the other hand, seems to move towards a more neoliberal
institutionalist view of the international relations. In this model, the State adopts three main
characteristics that differ from that of the Westphalian: (i) reduction in its capacity and desire to
be the portal between internal and external flows of people, goods and ideas; (ii) voluntary
acceptance of the interstate governance and of the lack of autonomy, in order to maximize the
benefits of welfare of these cross-border flows and to meet the challenges and common threats to
national welfare; and (iii) the international law qualifies both the sovereignty of a government, by
legitimizing or not its prerogatives against its own people, as that of the international or
supranational bodies (SPERLING, 2010, p. 2-3).
As previously seen, this post-Westphalian hypothesis denies the main assumptions of (Neo)Realist
theory of International Relations (RI), especially those who discourse in favor of a single and
homogeneous international society comprised of unitary States – the Waltzian “billiard balls”.
Hence, specifically under this point of view, Sperling seems to adopt a rather consistent line of
reasoning of that of other authors, like Hurrell (2007, p. 3-4), who, in a similar effort, seeks to
identify the first analytical framework with which to deliberate about the international order
through the idea of a pluralist and limited society of sovereign States. Just as Sperling, Hurrel – a
successor of the tradition of the English School of International Relations – uses a certain number
of central institutions to compose his framework, namely: the international law, the power
balance, the great powers, the diplomacy and, it could not have been any different, the war. In
contrast, similarly to Hurrel, Sperling targets a great deal of his analysis to the indispensable role
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of the civil society as a variable to be considered by policy makers. In this sense, outputs initiated
within the State, with the help of the physical barrier dilution and revolution set forth by
information technologies and communication (TIC), can take gigantic proportions in another –
especially if this a State of the Post-Westphalian model. Thus, it is more probable that PostWestphalian States are more willing to substitute their particular goals on national security
matters for wider and more collective goals – as is the case of the European Union (SPERLING,
2010, p. 4). The post-Westphalian model also corroborates with the post-modern model of Buzan
and Wæver, especially with regards to the voluntary cession of its borders, thus, leaning towards
greater multilateral cooperation in order to overcome the challenges emerged from it.
3 MERCOSUR AND ACN in Comparative Perspective: Is There a PostWestphalian Model in the Regional Integration Processes (RIP) of South
America?
The French Olivier Dabène define RIP as a historical process of increasing levels of interaction
between political units – sub-national, national or transnational – marked by actors who share
common ideas, set goals and define orchestrated means to reaching them; and that, once attained,
help to build a region (DABÈNE, 2009, p. 10). From this assertion derive three corollaries: (i) the
process can include a diversity of actors, levels and agendas; (ii) the process can derive from
something strategically planned or may arise from an unintentional social interaction; and (iii) the
process can create formal institutions to sustain it. All three derivations are taken into
consideration in this analysis, since: (I) the perception of actors (public in general and military
specifically) and the materialization of the agendas (of national security) of the South American
RIP are indispensable to trace a comparative panorama of the MERCOSUR and of the ACN; (ii) the
modus operandi from which the RIP in question resulted help to identify their main turning points;
and (iii) the formalization of these two RIP, per se, can indicate certain behavior by the armed
forces or related to the national security matter.
Under the debate on supra, this section of the text is devoted to a closer examination of the two
selected objects for analysis: the ACN and MERCOSUR. There is no intention in bringing legal
frameworks or deeper data on both, but in demonstrating the reason behind the choice, through
the opportunities and challenges for national and regional security issues they cover.
The sub-regional integration process of the Andes is one of the oldest of Latin America, which
dates back to the first meetings in the mid 1960´s in the core of what is known as the first wave of
regionalization. Upon the military interventions of some member States of the Andean Pact – like
Peru and Chile – in the 1970´s, this RIP enters in abandonment, given that the barracks at the time
prefer to turn to national affairs, and especially not to engage in sharing collective or
supranational concerns (it is interesting to note that, from the point of view of the history of
south-American politics and of the Cold War conjecture, the main operational representatives of
the area of defense – the military – do not even consider the usage of the Andean RIP to foment
cultures of sub-regional security; on the contrary, they turn ever more to their own concerns).
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In the late 1980´s and early 1990´s, taking into account (i) the re-democratization of the
subcontinent and (ii) the need to oppose to the Initiative for the Americas – biased by the Bush
(father) government which had a strong economic focus, the new national leaderships seek to
regain control of the Andean RIP (DABÈNE, 2009, p. 92). However, the Andean Pact becomes the
Andean Community only in 1996. As reminded by Dabène, the ACN possesses an institutional
contribution rather complete and numerous. Currently it is comprised of the following member
States: Bolivia, Colombia, Ecuador and Peru (COMUNIDAD…, [201-]). Chile dismembers from the
ACN in 1977 as a result of what has been previously mentioned and Venezuela retracts in 2000, in
retaliation to the agreement signed between USA, Colombia and Peru, therefore looking to gain in
MERCOSUR a new regional support (DABÈNE, 2009, p. 211). Hence, Dabène agrees with the
hypothesis of McCall Smith relatively to the fact that the more encouraged its members are to
deepen the RIP, the more legalized the process is (DABÈNE, 2009, p. 87). In this sense, we can see
that the ACN´s legal support is one of the strongest within the regional blocs of the entire
American continent and the strongest in South America in particular, although it can not provide
itself an institutionalized apparatus with supranational powers (DABÈNE, 2009, p. 93). In other
words, the administrative logic of ACN seems to follow a Westphalian model of governance,
although there are well advanced regional initiatives for social development and cooperative
programs in healthcare – typical of post-Westphalian States.
The agreements that formalize MERCOSUR are one of those which inaugurate the second wave of
regional integration in the early 1990s. This period, as reminded by Dabène, is also notoriously
marked by civil movements against globalization, despite unpopular acceptance of the so-called
Washington Consensus, a series of macroeconomic policies of neoliberal character by the "Bretton
Woods Institutions" (World Bank and International Monetary Fund). The two "founding fathers"
of MERCOSUR sought a RIP that were totally different from the Andean, with regard to the
administrative inflexibility, i.e., with few institutions – the institutional modesty spoken by Dabène
– and a basic bureaucracy. It can be said that MERCOSUR’s institutional arrangements favor Brazil:
it has a possibility of enviable core within the block, possessing enough power to overcome almost
any vote, thus, increasing the asymmetry in the Southern Cone. Dabène points out that the low
level of legalism linked to the intergovernmental approach prevails (there is a stronger linkage to
a realistic aspect than a liberal one) to the detriment of a supranational, where the key decisions
are taken by consensus between the Presidents of the respective States members. This kind of
institutional architecture makes "integration from below" an unattainable task – that is, that
decision-making processes start from the society and up to the government official – so that there
is some loss of credibility by regional policy makers, accentuating ever more the known
"integration from above"(DABÈNE, 2009, p. 96-98). In view of (i) the temporary detachment of
Paraguay due to the impeachment of former President Fernando Lugo, in June 2012, and (ii) the
subsequent acceptance of the application for membership of Venezuela to the bloc as a memberPlenum(DABÈNE, 2009, p. 96-98), major inferences are not made as to the Bolivarian State within
a block because their aspirations and actions were not fully backed by the MERCOSUR’s
guidelines. The pacifist tradition of Brazilian foreign policy (PEB) (LAFER, 2004, passim) virtually
sets the tone of the perceptions of government threats to the block in the pre stage Venezuela.
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As for defense matters under the two regional blocks now in question, there hardly exist forums
or policies that generate or facilitate regional security culture or even to promote prevention or
ex-ante analysis in this area; what are seen, in fact, are the documents related to ex-post specific
problems, but which often do not pass through the sieve and / or military counsel, but through the
political and / or administrative field. Perhaps a criticism that can be made to this assertion comes
from the data made available by Dabène about the decisions taken by the two blocks: of its 707
decisions taken between 1969-2008, the ACN has allocated 34% of them to the policy area
(institutions, foreign affairs, human rights and security), and 45% to trade; as for MERCOSUR, of
its 526 decisions between 1991 and 2007, half of them were for the policy area (idem) (DABÈNE,
2009, p. 122-127).
Nevertheless, if one looks closely to the numbers it is possible to perceive that in the case of
MERCOSUR, for instance, the decisions strictly related to security issues – which can include
defense issues – add up to only 16, that is 3% of the total(DABÈNE, 2009, p. 126); In the case of
ACN it is even more confusing, as “security” is a subcategory in of the wide area of “politics”,
however, on the other hand, there is another subcategory in “social” that entails “anti-drug policy”
(less than 5% of the general total)(DABÈNE, 2009, p. 123). Even when seeking to separate matters
of defense from those of security, specifically to the Andean region, not only this separation does
not exist as it is embedded in the national security culture of countries such as Colombia. This
reflects two facts: the first is related to the precision of the information obtained in the source, in
the sense that the subcategories should be better detailed quantitatively; and the second is the
negligence applied to issues of national/regional security in both the organizations in analysis. As
well remembered by the professor of International Relations of the Federal University of Sergipe
(UFS), Tereza Cristina França: “The characteristics of the conflicts are linked to the societies”, thus
“the range of the conflict can grow or remain static, can move out of a State or it can also penetrate
it”(FRANÇA, 2011, p. 70). Based on this logic, the conflicts can be analyzed/categorized in
accordance to the following operation range: local-national-international-transnational-global.
Scheme 1 demonstrates what the professor proposed. Recalling the attention to ACN, it is an area
with a history of conflicts whose operation range vary from local to transnational and it is not by
chance that Dabène himself acknowledges that “security is a complex issue” in that
region(DABÈNE, 2009, p. 185).
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Scheme 1. Operation range of conflicts, according to França(2011, p. 70).
The analysis now turns to a specific analysis on the South American geopolitics, taking the
arguments of the professor in International Relations and Geography at the Brazilian Military
Academy of Agulhas Negras (AMAN), Oscar Medeiros Filho, as input. This section aims to highlight
(i) the different national security cultures that Member States of MERCOSUR and the ACN have
and (ii) the absence of regional security culture – or its institutional equivalent – by MERCOSUR
and ACN. This thesis seeks support especially with regards to (a) the multiple nature of the actors
that threaten the sovereignty of the countries concerned, (b) the operation range of South
American conflicts and (c) the pending historical territorial disputes among some of its member
States for which already resulted in more sensitive conflicts. It is understood, therefore, that only
through the geopolitics of the region and the conflict analysis would it be possible to achieve
success in obtaining an answer to corroborate or not the main question raised by this research.
The first understanding about the conflict is its political output characteristic, which is well
documented in the methodology applied by the Heidelberg Institute for International Conflict
Research (HIIK) on intra and inter-state conflicts. According to HIIK, the political conflict arises
from the positional difference in relation to relevant values of a given society – conflict items –
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between a minimum of two forceful and directly involved actors. Such difference emerge from
observable and interconnected conflict measures that permeates regulations, thus, threatening or
prospecting to threaten core State functions and the international order (HEIDELBERG…, 2012).
In that sense, five levels of intensity can be assessed from the above mentioned definition: latent
conflict, manifest conflict, crises, severe crises and war (the HIIK has modified the categories in the
last few years in order to mold it to their methodologies). Map 1 shows the incidence of violent
conflicts worldwide in 2011, whose color variation corresponds to the intensity of the conflict: the
darker the color, the higher the intensity.
Map 1 – Violent conflicts at a national level in 2011, according to Heidelberg… (2012, adapted)
Source: http://hiik.de/en/downloads/data/maps_2011/WORLD_NATIONAL.jpg.
From map 1 it is possible to note that a great part of the South Cone does not show violent
conflicts, whilst the Andean regions shows a darker color. Hence, according to HIIK, the table
below shows the most important conflicts in 2011 in South America involving member States of
both regional blocks herein analyzed.
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Table 1. Interstate Conflicts in South America (2011)
Member States
Conflict Items
Intensity
Block(s)
Argentina and United
Kingdom
Territory and resources
(Falklands)
1 (latent conflict)
MERCOSUR
Bolivia and Chile
Territory and resources
(sea access)
1 (latent conflict)
ACN
Colombia and Ecuador
International Power
1 (latent conflict)
ACN
Colombia and
Venezuela**
Ideology and international
power
1 (latent conflict)
ACN
Colombia and Nicaragua
Territory and resources
(maritime border)
1 (latent conflict)
ACN
Peru and Chile
Territory and resources
(borders)
1 (latent conflict)
ACN
Venezuela ** and USA
Venezuela ** and
Colombia
Ideology and International 2 (manifest conflict)
Power
ACN
Territory and resources
(Archipelago of Los Monjes)
ACN
1 (latent conflict)
Source: HIIK, Conflict Barometer, 52-53 (adapted).
Notes: * As reminded by França (2011, p. 74), throughout other years, the Falkland War occupied all levels of
intensity.
** Although Venezuela had retracted from ACN in 2006, it is still in the list on the block, given that its ideological and
territorial turmoil with Colombia begin respectively in 2004 and 1871, and with the USA in 2001.
As evidenced, seven out of eight conflicts in 2011 have the participation of at least one
member State from the ACN and only one has at least one member-Plenum from MERCOSUR
involved. It is worth emphasizing that the violent conflicts of higher intensities (from 3 to 5, in the
scale set forth by HIIK) were not in the table, since they had been analyzed only at a sub-national
level, that is, with fulcrum in episodes whose conflict items revolve around issues mainly related
to drug trafficking and internal movements, such as secession and the agrarian reform. If they had
been added to Table 1, the ACN would have had many more citations, above all because of the
prolonged conflict between Colombia and the Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC).
The data shown above confirm the "theory of the arcs" (better explained next) of the professor of
International Relations from the State University Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), Héctor
Saint-Pierre.
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Medeiros Filho notes that the RIP – those shown with higher frequency in the agendas of
post-Westphalian States – give a new face to South American geopolitics, especially to the extreme
north (Andes) and south (South Cone) of that region. In his point of view, this type of policy is a
clear overcoming of the classic realist paradigm – frequent in Westphalian models – in the
subcontinent. The role of RIP towards the geopolitics of South America is configured as an
independent variable, whose manipulation can explain how policy and national security cultures
take shape, both in the Southern Cone representative (MERCOSUR), as in the Andes (ACN). As an
aid to his analytical endeavor, he resorts to a typology created by Saint-Pierre, in which he divided
the subcontinent into two regions, thus forming two streak-shaped arcs: the "Arc of Stability" and
"Arc of Instability" (MEDEIROS FILHO, 2010, p. 65). These two types match, precisely with the
above analysis (as mentioned earlier): the first arc permeates all MERCOSUR’s countries without
areas of potential armed conflict; and the second arc defines the areas – the Amazon and Andes –
where conflict is more likely to occur.
Map 2 – Arcs of “stability” and of “instability” in South America
Source: Saint-Pierre apud Medeiros Filho, 2012, p. 65.
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Map 2 can be interpreted in many ways. One of these ways is the graphic culmination of
interstate conflict history, especially among the countries of the Andean region. It seems that the
States of that region searched for many decades for a way to solve the conflicts through the use of
force. The hemispheric mechanisms are shown to be practically ineffective, especially when the
intensity of the conflict reaches higher rates. The chief example of this is taken from the Falklands
War in 1982, when the Organization of American States (OAS | OEA) did nothing and the South
American territory was the stage for the landing of extra-continental troops.
The final analysis of Medeiros Filho about the levels of “geopolitical integration” in South
America is that which “seems to obey an increasing gradation line between the Atlantic slope
(greater level of integration / stability) and the Pacific slope (compromised integration and
regional instability) (MEDEIROS FILHO, 2010, p. 65). Thus, according to his reasoning, it is
possible to conclude that what he calls a South American "geopolitical integration" is nothing
more than the finding that the sub-regional blocks can´t overcome the interstate conflicts between
members in a strategic and abridged manner. An example of that is the war between Peru and
Ecuador in 1995, when it practically balks the Andean RIP (DABÈNE, 2009, p. 93). Table 2
summarizes the main arguments from the authors mentioned in this section on the conflicting
aspects between ACN and MERCOSUR.
Table 2 – Theoretical approaches utilized to compare MERCOSUR and ACN
AUTHOR(S) / ARGUMENTS
Barry Buzan e Ole Wæver /
Typology of the RSC
Tereza Cristina França /
Conflict range
Oscar Medeiros Filho /
Level of “geopolitical
integration”
Héctor Saint-Pierre /
Topology with respect to conflict
propensity
MERCOSUR
Between regime and
security community
ACN
Conflict formation
Local-national-international-transnational
Greater level of
integration/stability
Compromised
integration and
regional instability
Stability Arc
Instability Arc
Source: Own compilation.
Ultimately, countries often enter into conflict due to lack of communication between themselves
or minimally institutionalized means that solidify mutual trust – first step in the unfolding of a
regional security culture. This seems to be the case both for MERCOSUR as for ACN.
From this perspective, there is no regional security governance (in this case, sub-regional and
attached to a RIP), as proposed by Kirchner and Sperling, precisely because there is also no
significant theoretical and/or empirical support on four areas of such governance (listed in the
primary section of the paper). On the other hand, there are two reasons that can guide the
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comprehension of such void. The first of them relates to initial and current powers of the two RIP
discussed here. MERCOSUR, for example, was devised to be like its own nomenclature suggests, a
common market, that is, a zone of primarily economic privileges among its members, although
today it constitutes an imperfect customs union (KUME; PIANI, 2005). ACN, in turn, selects the
social concerns as your home flag; a proof of this is the creation of the active Andean Health
Organization (ORAS)( DABÈNE, 2009, p. 181). But behind these justifications lie two other
counter-arguments for each of the two blocks, for which the issue of defense is a liaison. The first
is on MERCOSUR and the certification of what the neo-functionalist Ernst B. Haas coined as spillover; and the second is on ACN, dating back to the aforementioned concept of RIP, provided by
Dabène.
Before engaging on the idea engendered by Haas, it is important to safeguard (which is linked to a
warning made by Saint-Pierre) the use of concepts and other explanatory mechanisms developed
specifically for the process of European integration, which due to its effectiveness with
explanation and inference, is also widely used by the national literature to make comparisons
between RIP:
To pretend to import the successful European case to South America could result in a comedy.
It is an academic obligation to study that process, however, if one turns it into a paradigm, that
reflects the unawareness of the severity of the history throughout time and space. Although (i)
Europeans were not yet able to reach the point of desired integration, and (ii) differences on
domestic commercial and economic interests become apparent each time they have to
deliberate over a foreign conflict, it is their economical and political integration process that
may someday allow the EU to follow a common security and defense policy. [translated by
author] (SAINT-PIERRE, 2009, p. 18).
Having the above warning in mind, the discussion on the concept of spill-over – whose unborn
child is the post-World War II period and whose defense is linked to the view that in order to
provide security and development to Europe (torn at the time) it was imperative for an
integration between their States to occur – can be continued. The way in which such integration
would be embraced is a major point of discussion between integrationist politicians and
academics of that time. Hass is among those who support a deep and gradual European RIP and
justify it on the assumption that (i) regional integration in the continent was inevitable and that
such should be left to supranational bodies who would centralize decisions on strategic sectors –
such as the production of coal and steel, raw materials that fueled the war industry of World War
II – for the maintenance of European peace, and (ii) the integration in an industry would
necessarily lead to technical pressures in other sectors. It is in the latter that rests the idea of a
spill-over effect – in the national literature on RIP, the term is kept intact in its mother language
(English); in other cases, it is usually translated as “overflow" or "contamination". In the words of
Marcelo de Almeida Medeiros – Professor on Political Science at the Federal University of
Pernambuco (UFPE) – “this mechanism constitutes the saliens punctum of neo-functionalism,
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which inspired by the functionalism, prescribes a method of cooperation that is not coercive”
(MEDEIROS, 2010, p. 284, free translation). The primary concerns of the Brazilian and Argentine
governments can be attributed to such a tool.
By the late 1970's and early 1980´s, in the absence of communication channels and mutual
cooperation of institutions between the two countries, their nuclear projects would arise in both
the defensive-offensive aspirations originated by the security dilemma. The worsening of their
relations, still under the shadow of the "Iron Curtain", their Presidents sought to strengthen
mutual confidence by electing the economic sector as one that would cement the first layer in the
RIP of the Southern Cone. The idea that national security sector pressures caused economic output
can be a variation of the effect formulated by Haas. Medeiros’s concepts on the original meaning of
the spill-over, still asserts that such a mechanism is “a vector of further pollution [...] that debuts in
a specific industry, and gradually spreads to adjacent and interdependent sectors”, thus favoring
"the development and consolidation of supra-nationality” (MEDEIROS, 2010, p. 284). As
aforementioned, MERCOSUR does not follow the supranational logic, but the intergovernmental
one, which may explain – to some extent – the fact that national security issues had not been
"contaminated" by the economic sector, since in the intergovernmental approach the State
members of a regional or international body do not abdicate part of their sovereignty –
supranational principle – due to the fear of losing power. Therefore, a regional security culture
remained only in pre-MERCOSUR’s ideas, pinpointed as an "imperfect spill-over effect" given that
the initial objectives have been achieved (trust and mutual cooperation between the two countries,
ruling out any kind of enmity). However, it did not result in the original and informal overflow /
contamination (regional security), but remained in the first sector (economy), by moving to other
sectors in varying degrees (such as culture and education).
The second counter-argument is that original ideas (formally signed) for the creation of both
regional blocks are not concerned with national security is attributed to ACN. It is doubly linked to
the concept of regional integration formulated by Dabène, and also to the environment in which
the Andean Pact functions. As Dabène mentioned, RIP is a historical process. In other words, it is
necessarily a dynamic process that must adapt or respond alone to nationally or internationally
imposed constraints in order to overcome it in a well-articulated manner. Now, even though the
process of regional integration has not been conceptualized under the tutelage of one of the
superpowers at the time – the USA and the Soviet Union – it is important not lose sight of (i) the
fact that the American continent was actually a direct zone of influence from the Yankees, (ii) the
fact that Cuba – greatest exponent of American political and strategic renouncement in the
Americas – is a few miles away from Colombia, for example. Even though the initial aspirations
have turned to the social aspect of the member States, it was soon after Augusto Pinochet went to
power in Chile a few years after the signing of the Pact – on the grounds that the Andean country
was heading for a socialism of the communist type –, that the logic of national security impeded
any regional aspiration. A realist bias based on the fact that international affairs should be
managed strictly in terms of high politics is not what is supported here; however, to neglect it
completely can be a vital error depending on the surrounding environment.
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Table 3 – MERCOSUR AND ACN in comparative perspective
Level
MERCOSUR
ACN
Intra-block power asymmetry
Medium/high
low
Legalism
medium
high
Institutional complexity
low
high
Bureaucracy
low
high
Agenda amplitude
high
high
Type of integration/ civil
“from above” /
“from above” /
society involvement
low
low
Inter governmentalism Inter governmentalism
Type of Governance
(realist)
(liberal)
Regional security culture
low
low
Source: Own compilation.
Because this study is not within the normative scope but rather the investigative one, it is
unnecessary to make any kind of recommendations, given that most of them would be towards
what the Council of South American Defense (CSD | CDS) - under the auspices of the Union of
South American Nations (USAN |UNASUL) - is already unfolding: the closing of all loopholes by
acting on the sensitive and complex area of sub-regional security. The CSD is not arranged in the
same manner as the North Atlantic Treaty Organization (NATO), which is a military alliance. It can
not even be embedded in the much desired European Defense Community, rejected in 1954; it can,
however, be considered a response to the lack of initiatives on the part of the South American RIP
on defense and regional security. It's in its consonance that Saint-Pierre (2009, p. 18) asserts the
importance of CSD, decreeing the failure of other international bodies in the Americas.
4 Conclusion
In accordance to what was briefly mentioned in this study so far, it appears that at least in the last
quarter, the history and politics show that there is a significant link between RIP and peacebuilding (Dabène, 2009, p. 7). Unlike the European Union, whose leitmotiv to promote their
integration was security and who were still under the debris left by the Second World War, South
America seems to wander and defend various causes in favor of their RIP. The latter does not
represent failure a priori, but can mean that there is an institutional immobilization a posteriori, as
already explained in the third section of the text.
This study goes beyond the application of the concepts formulated by Kirchner and Sperling as its
aim is to understand whether or not there exists regional security cultures in MERCOSUR and ACN.
However, this study did not find significant subsidies to affirm the existence of a purely postWestphalian model in the processes of South American regional integration, even though
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processes aiming to overcome on some level certain challenges posed by the Westphalian model
are shown. Furthermore, out the two blocks, MERCOSUR can be considered as a "Westphalian
regional block" and the ACN, although it has some typical credentials of the post-Westphalian
model, it also has others of Westphalian nature – identified in Tables 2 and 3 – which far outweigh
the former.
Certainly, the creation of the CSD arises to fill most of the voids that MERCOSUR and ACN have left
regarding cooperation on defense issues with essential elements that would accredit both RIP as
post-Westphalian on matters of regional security culture.
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Geopolítica del desarrollo: La cooperación china en América Latina
Heike Pintor Pirzkall 1
Resumen
Aunque la Unión Europea y Estados Unidos han sido donantes estratégicos en la región durante
décadas y muy especialmente durante la Guerra Fría, hoy sus intereses geopolíticos han cambiado
y América Latina ha dejado de ser prioritaria. Ante esta situación y aprovechando la retracción
económica de los donantes tradicionales, China ha tomado el relevo, convirtiéndose en socio clave
del desarrollo latinoamericano. Este artículo analizará los cambios que se han producido en las
formas de cooperar y las nuevas estructuras alternativas que se están creando en el ámbito de la
cooperación al desarrollo, en las que intervienen varios socios en una relación horizontal cuasi
triangular, y dónde China está jugando un papel importante en una nueva configuración
geopolítica del desarrollo.
Palabras clave: América Latina, China, Geopolítica del Desarrollo, Cooperación al Desarrollo,
Cooperación Sur-Sur, Cooperación Triangular.
Abstract
Although the European Union and United States have been strategic donors in the region for
decades and especially during the Cold War, today their geopolitical interests have changed and
Latin America is no longer a key area of influence. Under these circumstances, China is filling the
existing vacuum, becoming a key partner for the Latin American Development. This article will
analyze the new alternative structures that are being created in the field of development
cooperation, which involves horizontal partnerships and triangular cooperation forms, where
China is playing an important role in a new geopolitical configuration of development.
Keywords: China, Latin America, Geopolitical Configuration of Development, Horizontal
Partnerships, Triangular Cooperation.
1Doctora
en Relaciones Internacionales por la Universidad Europea de Madrid y Máster en Administración Pública por
la Universidad de Liverpool, Inglaterra. Actualmente, Profesora del Departamento de Relaciones Internacionales de la
Universidad Pontificia Comillas, Madrid, España.
Recebido em 08/09/2015. Aprovado para publicação 25/02/2016.
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1. China: un nuevo “donante-inversor” en América Latina
D
urante siglos, los galeones españoles navegaban entre Acapulco y Manila, transportando
productos asiáticos y americanos haciendo de puente entre ambas regiones. En el siglo XIX,
decenas de miles de chinos llegaron a las costas americanas para trabajar en la
construcción de canales y ferrocarriles, plantaciones de azúcar y minas de guano y salitre
(Moreno, 2014). En el siglo XX arribaron inmigrantes para la construcción del ferrocarril, hoy la
cooperación entre ambas regiones se basa especialmente en el intercambio comercial,
agropecuario, minero pero también en la cooperación tecnológica, académica y cultural con un
fuerte incremento en los últimos años.
Los primeros contactos entre China y América Latina fueron de carácter político y se sitúan en la
década de los sesenta, época de fuertes tensiones ideológicas en plena Guerra Fría. América Latina
se encontraba bajo la subordinación de Estados Unidos y China estaba centrada en sí misma en
plena revolución cultural y aislada del mundo. Cabe denotar que a pesar de su aislacionismo el
gobierno chino apoyó movimientos revolucionarios de corte comunista en el Tercer Mundo cómo
fue el caso de Cuba (1960), que restableció relaciones diplomáticas con China a principio de los
años sesenta y eso le valió una serie de préstamos importantes sin intereses además de acuerdos
comerciales preferenciales (CEPAL, 2008), a diferencia otros países del continente
latinoamericano que viraron mayoritariamente hacia el norte. Cómo contraposición el resto de
América Latina abrazó el programa Alianza para el Progreso durante los años 1961 a 1970. Se
proyectó una inversión de unos 20.000 millones de dólares, en su mayoría de agencias de
cooperación americanas y agencias financieras multilaterales como el Banco Interamericano de
Desarrollo el Fondo Monetario Internacional y el Banco Mundial y el sector privado, canalizados a
través de la Fundación Panamericana de Desarrollo (Agudelo, 1966). El objetivo principal de la
Alianza para el Progreso era mejorar la productividad agrícola e industrial, modernizar las
telecomunicaciones y mejorar la calidad de vida de las personas mejorando infraestructuras cómo
hospitales, colegios, alcantarillado…etc. Realmente este proyecto fue creado por el presidente
Kennedy como instrumento de contención contra el avance del Comunismo en la región y cómo
propaganda para contrarrestar el éxito de la revolución cubana.
El proceso de reformas iniciadas en 1978 con Deng Xiaoping sólo era posible con una apertura al
exterior. Esta nueva “economía socialista de mercado” provocó profundas transformaciones
internas y un nuevo posicionamiento de China en el mundo (Cesarín y Moneta, 2005). Por tanto y
en consonancia con su política exterior aperturista, en la década de los setenta China restableció
relaciones diplomáticas con algunos países latinoamericanos como Chile (1970) o Perú (1971),
dotando con ayuda humanitaria y asistencia financiera al Istmo Centroamericano devastado por
innumerables catástrofes naturales (Oficina de Información del Consejo de Estado Chino, 2011).
Es obvio que durante la Guerra Fría, China apoyaría a países de su esfera de influencia, cómo fue el
caso de las primeras ayudas en los años cincuenta a Corea y Vietnam en plena efervescencia
bipolar. Cinco años más tarde la ayuda se extendió a otros países socialistas, especialmente a
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países del continente africano, en muchos casos colonias recientemente independizadas. En los
años sesenta, en pleno proceso de descolonización, el gobierno chino centró la cooperación al
desarrollo principalmente en ayuda financiera y asistencia técnica y a finales de los setenta China
buscó nuevas formas de cooperación mucho más flexibles y tiende a una mayor diversificación,
además se centra especialmente en los países menos adelantados y empieza a realizar estudios
sobre el impacto de la ayuda en estos países, racionalizando y mejorando la gestión de los
recursos (Oficina de Información del Consejo de Estado Chino, 2011).
En la década de los ochenta, será especialmente importante la transformación económica en la
propia China y su apertura al comercio internacional. Prueba de ello es su incorporación a
organizaciones internacionales como el Fondo Monetario Internacional (FMI), el Banco Asiático de
Desarrollo o la Organización Mundial del Comercio. Las relaciones comerciales se convertirán
desde este momento en el eje central de las relaciones de China - América Latina, con un interés
recíproco por ambas partes. La cooperación china se gestionará y supervisará desde el Ministerio
de Finanzas con la aprobación del Consejo de Estado y el Congreso. Se inicia con una reorientación
de las políticas de cooperación y una mayor apertura hacia el exterior por parte de China. Para
América Latina este cambio permitió un mayor involucramiento de China en proyectos de
capacitación tecnológica en el sector agrícola, energético y sanitario principalmente que fueron
complementándose con ayudas de carácter humanitario con equipos de asistencia médica y
aportaciones al Banco Interamericano de Desarrollo, la Comunidad Andina y la OEA entre otros
(Centro de Prensa CEPAL 2014).Los mayores cambios surgen a raíz del despegue económico de
China en la década de los noventa y el enorme desarrollo que el país experimenta. En 1993 el
Gobierno Chino crea un Fondo de Ayuda Externa para las Joint Ventures (acuerdo comercial de
inversión conjunta a lo largo plazo entre dos o más empresas) y proyectos de desarrollo (Cesarín
yMoneta, 2005). En el año 2000 se constituye el Foro de Cooperación China-África (FOCAC), que
se convirtió en una importante plataforma de dialogo entre China y los países africanos
confirmándose como un efectivo mecanismo de cooperación. El cambio más importante en este
período en relación a la cooperación al desarrollo es el tema de los plazos, ya que se pasa de
ayudas generalmente a corto plazo a nuevos proyectos a plazos más largos, que implica una mayor
corresponsabilidad por parte de China y los receptores (Oficina de Información del Consejo de
Estado Chino, 2011).Desde el 2004 los recursos financieros de China para la ayuda externa se
incrementaron rápidamente, además China participó más en conferencias internacionales y
regionales reforzando su imagen exterior.
En el 2010 y después de importantes cambios tanto a nivel político como económico, el Gobierno
Chino organizó la Conferencia Nacional sobre Ayuda Externa para definirlos nuevos objetivos de
la cooperación al desarrollo. En la actualidad las relaciones entre China y muchos países
latinoamericanos han dado un giro inesperado muy positivo. Por un lado China tiene acceso
directo a los recursos naturales de la región, que necesita para su propio desarrollo, y América
Latina consigue un socio y prestamista. Desgraciadamente el incremento y aceleración de los
flujos comerciales entre China y los países emergentes latinoamericanos está causando también
un impacto muy negativo en el medio ambiente y en la comunidades locales cercanas a las minas y
zonas de explotación (Watts, 2013), además en muchos casos no se ha integrado en esta ecuación,
el concepto de desarrollo sostenible con unas consecuencias devastadoras para el futuro, si no se
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toman medidas al respecto. Además de las inversiones en América Latina, China también ha
aportado recursos para un mayor desarrollo de la región por medio de proyectos conjuntos. China
consiguió en el año 2011, el 30% del acervo mundial de reservas oficiales internacionales, casi la
mitad de todas las reservas de las economías emergentes y en desarrollo. Esto ha sido posible
debido a los importantes superávits comerciales y en cuenta corriente que China ha ido
registrando en los últimos años (CEPAL, 2012). El modelo chino ha ido adaptándose a los cambios
impuestos por la globalización “maridando” el capitalismo con el comunismo de forma peculiar.
Esto le permite ampliar sus horizontes y buscar un nuevo posicionamiento a nivel mundial, una
vez que ha finalizado el mundo bipolar. En relación a América Latina, el inicio del nuevo milenio
impulsó las relaciones entre ambas regiones como nunca antes se había visto, ya que también para
América Latina las cosas habían cambiado en buena medida.
Después de haber estado durante décadas a la sombra de los Estados Unidos. Hoy América Latina
se ha convertido en un importante socio económico y aliado político para muchos países. Después
de los estragos producidos por la deuda externa y los ajustes impuestos por el Fondo Monetario
Internacional en la denominada década perdida, América Latina goza hoy de economías más
flexibles y renovadas. Tanto es así, que las economías latinoamericanas como la economía china
han afrontado con muy buenos resultados la crisis económica actual, mucho mejor que las
potencias europeas y definitivamente mejor que Estados Unidos. El declive económico europeo y
la falta de interés de Estados Unidos por la región, ha creado un vacío que ha sido aprovechado de
forma muy oportuna por China, especialmente en las relaciones comerciales.
En 1990, el 60 por ciento del comercio de América Latina fue con los Estados Unidos y sólo el 10
por ciento fue a Asia, hoy sólo el 40 por ciento del comercio es con los Estados Unidos y el 20 por
ciento es con Asia. Lograr estos crecientes niveles de interlocución con China, son un importante
contrapeso a la influencia de los Estados Unidos en la región (BID), las cifras lo corroboran
claramente. En el gráfico a continuación (figura 1) puede observarse el incremento de la
participación china y de otros países de Asia-Pacífico en el comercio con América Latina y el
Caribe, indicando las exportaciones e importaciones totales de cada país.
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Figura 1. Comisión Económica para América Latina y el Caribe, CEPAL (2011).
Los países asiáticos no cooperan con todo el continente sino que están concentrando sus
inversiones principalmente en los países emergentes. China es hoy el mayor socio comercial de
Brasil y Chile, y el segundo de Argentina, México, Perú y Venezuela. Habiendo firmado
recientemente tratados de libre comercio con Chile, Perú y Costa Rica, los cuales han promovido
aún más el desarrollo de las relaciones comerciales y económicas con estos países. Por el
contrario, el resto de Centroamérica y el Caribe mantienen un mayor vínculo con Estados Unidos
por cercanía geográfica y causas históricas (Gratitus, 2013).La reciente firma de tratados
comerciales como el Tratado de Libre Comercio de América del Norte (TLCAN) o North American
Free TradeAgreement(NAFTA) y el Tratado de Libre Comercio (TLC) o Central America Free
TradeAgreement (CAFTA) los vincula aún más a Norte América.
Cómo hemos mencionado antes, las inversiones y cooperación china están focalizadas sólo en
países muy específicos, no existiendo una estratégica global para todo el continente, sino
estrategias individuales de inversión directa en recursos naturales con países “mineros” del cono
sur y México. Esto se debe a que estos países tienen enormes reservas de minerales y petróleo
indispensables para el motor de la economía china. América Latina es la segunda región del
mundo con mayores reservas petrolíferas, tiene reservas de litio, plata, cobre, estaño, y enormes
reservas de agua y madera de sus bosques tropicales. Además es necesario tener en cuenta, que
América Latina se ha convertido en una región aún más atractiva desde que se intensificaron los
conflictos en Oriente Medio y África, dónde la extracción de los recursos no sólo es dificultosa sino
está siendo muy arriesgada a causa de los fuertes enfrentamientos entre los gobiernos y las
guerrillas sobre el control de los recursos. Entre 2005 y 2010, los bancos estatales chinos
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prestaron 75 000 millones de dólares a la región, más que los préstamos del Banco Mundial, el
Banco Interamericano de Desarrollo y el Banco de Exportaciones e Importaciones de los Estados
Unidos juntos (BID, 2014), lo que indica claramente la importancia de la región y confirma la
política expansionista china. En el gráfico a continuación (figura 2) puede verse cómo las
inversiones directas al continente latinoamericano fueron de un 13% a finales del 2011, las de
mayor cuantía fuera de Asia (71,4%). A pesar de la cercanía geográfica las inversiones chinas en
Oceanía no alcanzaron el 3%, datos similares observamos en relación a Estados Unidos (3.2%) o
África (3.8%) (ECLAC, 2012).
Figura 2.EconomicCommissionforLatinAmerica and the Caribbean (ECLAC), Ministerio de Comercio de China (2012).
Con la llegada del nuevo milenio, China refuerza aún más los lazos con América Latina,
especialmente con Brasil, creando de una serie de Foros de Cooperación Económica Comercial. El
primero tuvo lugar en el 2004 y le siguieron otros en el 2005, 2007 y 2010. La “XII Cumbre de
Cooperación Económica Asia-Pacífico” (APEC) se vio reforzada con la visita del presidente chino
Hu Jintao a Brasil, Chile, Cuba y Argentina, evento de características históricas ya que no se
producía una visita desde 1981. Antonio Prado, Secretario Ejecutivo Adjunto de la Comisión
Económica para América Latina y el Caribe en el Primer Foro de Ministros de Agricultura ChinaAmérica Latina y el Caribe finalizado el 9 de junio 2013 en Beijing, destacó que existen
“complementariedades” entre China y América Latina en el tema agrícola por lo que se realizarán
actividades conjuntas en este sector y en los sectores de investigación y promoción comercial
(CEPAL, 2012).
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2. Nuevas formas de cooperación y el papel de China en América Latina hoy
Lo que está claro, es que los viejos modelos de cooperación bilateral se han quedado obsoletos. La
integración regional en América Latina ha potenciado nuevas formas de cooperación mucho más
beneficiosas, eficaces y justas (Pintor, 2013). La cooperación sur-sur2y la cooperación triangular
son definitivamente la nueva apuesta de la mayoría de países latinoamericanos, que quieren ser
copartícipes trabajando en una alianza con sus nuevos “socios” y no con los donantes tradicionales
del pasado. Este tipo de cambios en la cooperación al desarrollo claramente han sido posibles
gracias a los importantes cambios a nivel integrativo (Haldenwang, 2005) que se han producido
en los últimos años. En la actualidad, hablar de integración internacional o integración regional, se
refiere a un proceso que tiene lugar entre dos o más Estados en una escala geográficamente
limitada y en un plano inferior al de la integración global. La integración regional constituye un
esfuerzo o movimiento convergente realizado por parte de los Estados, tendente a la obtención de
objetivos comunes, mediante la armonización o unificación no sólo de políticas económicas y
financieras, de regímenes monetarios, sino también de políticas socio-culturales y legislativas.
Este logro no es posible si la asociación carece de sentido o de finalidad así como de unos objetivos
claramente definidos tanto a nivel político como económico (IBEROASIA, 2013). Por ejemplo, en el
sistema de las Naciones Unidas, Brasil y China representan actualmente la mayor fuente de
financiación de la cooperación Sur-Sur (ILO, 2012).
En el caso latinoamericano la integración regional es una realidad visible, con unos beneficios
claros. Las iniciativas de la integración regional en la última década se han basado casi
exclusivamente en dos planteamientos. Uno político (unión aduanera) y otro comercial (zona de
libre comercio). Para el primer modelo fue determinante la iniciativa estadounidense de un Área
de Libre Comercio de las Américas (ALCA). El segundo enfoque está representado por el Mercosur,
con Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay como países miembros. En la segunda mitad de los años
noventa hay que resaltar también dos grandes iniciativas de integración infraestructural: el Plan
Puebla-Panamá (PPP), para Centroamérica, y la Iniciativa para la Integración de la Infraestructura
Regional Suramericana (IRSA), para el Cono Sur (Haldenwang2005). Esta integración también es
visible en una serie de acciones conjuntas como por ejemplo el Foro de intercambios Think Tanks,
dónde América Latina ha creado una estrategia conjunta para coordinar así de forma más eficaz
los intercambios sociales culturales y económicos con China alejándose de las relaciones
bilaterales clásicas. También se han realizado propuestas para crear un encuentro con Jefes de
Estado africanos y China además de una mejor logística y coordinación entre embajadas
latinoamericanas en Asia. El director de la división de comercio internacional de la Comisión
2
La Cooperación Sur-Sur (CSS) está basada en relaciones directas y horizontales entre países que enfrentan problemas
comunes y que tienen como propósito superar, a partir de esfuerzos conjuntos, los desafíos del desarrollo. La Cooperación
Sur-Sur promueve el desarrollo pleno de nuestros países, a través de mecanismos como: el intercambio comercial, el
intercambio de experiencias exitosas, y la inclusión. La CSS y Triangular, y en consecuencia los proyectos que en esta
materia se instrumentan en América Latina y el Caribe se caracterizan por sus principios básicos de solidaridad,
complementariedad, igualdad, no condicionalidad y respeto de la soberanía. (SELA, 2012).
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Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), Osvaldo Reyes, manifestó la necesidad de
“aprender a pensar juntos” y construir una plataforma de diálogo para desarrollar las relaciones
con China y dar respuesta a la gestión del país asiático (Observatorio Iberoamericano Asia-Pacífico
2010). En 2009 China anunció, junto con Argentina y Brasil, que los bancos centrales de estos dos
países establecerían un mecanismo de canje de monedas. China ha propuesto el establecimiento
de un fondo de cooperación sino-latinoamericana y las instituciones financieras chinas que han
contribuido con un fondo inicial de 5.000 millones de dólares. El Banco de Desarrollo de China ha
tomado la iniciativa al crear préstamos especiales valorados en 10.000 millones de dólares para
promover la cooperación en la construcción de infraestructuras en América Latina (Observatorio
Iberoamericano Asia-Pacífico 2010). Además de Brasil y Argentina, los países más beneficiados
son Chile, Venezuela, Ecuador y México.
En relación a la cooperación con Brasil en el 2011, China firmó un acuerdo (Plan de Acción
Conjunta 2010-2014) en el cual se establecieron las bases para la construcción de un laboratorio
de investigación agrícola y la se potenció la cooperación científica en general. En el 2012 se
iniciaron las obras para la construcción del laboratorio que centrará sus investigaciones en temas
relacionados con la ganadería, veterinaria agro-ecología y temas medioambientales (Observatorio
Iberoamericano Asia-Pacífico 2010). Brasil también se ha visto beneficiada por acuerdos
energéticos de transmisión de información tecnológica para un proyecto de generación
hidroeléctrica que producirá electricidad para regiones alejadas del país y aumentará la capacidad
eléctrica para suministrar a las grandes ciudades brasileñas ayudando a desarrollar aún más sus
industrias e infraestructuras. En la visita del presidente chino Hu Jintao a Brasil también se
firmaron importantes acuerdos económicos y de defensa, creando una asociación bilateral
estratégica entre ambos países. El potencial comercial existente entre ambos países es inmenso,
especialmente en el sector energético y minero. Ambos países quieren promover proyectos de
cooperación conjunta tanto de empresas brasileñas en China, como chinas en Brasil para el
suministro de petróleo y para el desarrollo de nuevas fuentes energéticas renovables como son los
biocombustibles, la biomasa o la energía solar o eólica. Para China es esencial el tema de la
explotación de los minerales, y por tanto se ha comprometido a invertir en la mejora de las
infraestructuras mineras de Brasil para agilizar la explotación y procesamiento de los recursos
naturales en la zona. A continuación en la Figura 3 podemos observar la periodicidad de los viajes
de autoridades chinas a países latinoamericanos. Entre los más favorecidos además de Brasil nos
encontramos con Argentina, Uruguay, Venezuela, México, Costa Rica y Cuba.
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Figura 3. Sitio Oficial del Gobierno de China, (2013).
Otro país de la región que se ha visto favorecido por el acercamiento e interés del gobierno chino,
ha sido Chile. Ambos países firmaron un Plan de Acción conjunto con una duración de tres años
especialmente en materia relacionada con nuevas tecnologías (ingeniería antisísmica y red de
monitorización de terremotos), energías alternativas e impacto medioambiental. Cabe resaltar el
interés de China, de utilizar a Chile, gracias a su posición geoestratégica en la plataforma regional
para desarrollar las relaciones con ASEAN y APEC buscando una gran alianza del Pacífico. Se tiene
previsto crear un Comité Binacional Permanente el próximo año con una duración de 5 años para
reforzar la acción conjunta bilateral y el Acuerdo de Inversiones del Tratado de Libre Comercio.
En el área específica de la cooperación al desarrollo, China ha dado a 13 países de América Latina,
lo que indica su interés por ampliar su radio de influencia. La financiación ha sido a cargo del
Banco de Desarrollo de China, con la firma de unos acuerdos por valor de 60.000 millones de
dólares. La mayoría de los proyectos se han centrado especialmente en el desarrollo de
infraestructuras, cooperación científica, temas energéticos y explotación minera y suman más de
60. (Observatorio Iberoamericano Asia-Pacífico, 2010). El incremento de los proyectos de
cooperación en América Latina por parte de China no tiene nada de altruismo sino todo lo
contrario, son una estrategia para ampliar sus relaciones comerciales y el interés específico de
explotar los vastos recursos naturales de la región, imprescindibles para su propio desarrollo
económico. Parece que los objetivos de la cooperación al desarrollo de China en América Latina
claramente son un instrumento clave de su política exterior con el fin de afianzar fuentes seguras,
abundantes y estables de materias primas, recursos naturales, alimentos y recursos energéticos
que contribuyan a mantener el ritmo de crecimiento y el proceso de industrialización y desarrollo
económico chino. Ampliando sus relaciones bilaterales con muchos países latinoamericanos de
renta media conseguirá ampliar nuevos mercados para incrementar los volúmenes de exportación
e importación de bienes y servicios. China ya alcanzó a la Unión Europea como origen de las
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importaciones latinoamericanas, y hacia mediados de esta década podría superarla también como
destino de sus exportaciones (CEPAL, 2012). Con Perú por ejemplo, la cooperación China se inicia
en el año 1988 con la firma del Acuerdo Básico de Cooperación Científica y Tecnológica entre
ambos gobiernos y se halla orientada a favorecer el desarrollo económico, científico y tecnológico.
En el tema de ciencia y tecnología, existe un Convenio de Intercambio y Cooperación Académica
desde 2005 entre el CONCYTEC y la Academia de Ciencias de China para el intercambio académico
de expertos y programas de becas para estudios de maestrías y doctorados (Ministerio de Asuntos
Exteriores de Perú, 2012).
Desde una perspectiva geopolítica, China quiere consolidar su posición como alternativa a los
Estados Unidos, aunque no desea jugar el papel hegemónico en la región. Su interés en la región es
clara, ya que sabe que sí no potencia sus relaciones con América Latina puede ser excluida ya que
en la actualidad existe una amplia red de acuerdos bilaterales, regionales, triangulares o
subregionales tanto con Estados Unidos como con la Unión Europea. En relación a cuestiones
diplomáticas, a China le preocupa la situación con Taiwán y busca aliados y un mayor
reconocimiento en este punto. Su objetivo principal es aislar al máximo al gobierno taiwanés y
ganar posiciones en foros multilaterales (González Peña, 2012) por medio del diálogo con
diferentes agentes. Para América Latina las relaciones con China han sido muy fructíferas. Han
conseguido obtener importantes inversiones directas en sectores estratégicos y créditos (Watts,
2013) a muy bajo interés para desarrollar sus infraestructuras, transportes y minería. Las buenas
relaciones con el gigante asiático, garantizarán el acceso de productos latinoamericanos al
mercado chino y también a otros países de la región. En este sentido se ha creado la Alianza TransPacífico (TPP), también conocida como el Acuerdo Estratégico Trans-Pacífico de Asociación
Económica (CEPAL, 2008), que es un acuerdo multilateral de libre comercio que incluye la
reducción de barreras arancelarias y no-arancelarias para facilitar e incrementar el comercio y la
inversión entre ambas regiones. Se formó originalmente por Chile, Brunei, Nueva Zelanda y
Singapur en 2006. Ahora, cinco países están negociando su adhesión en el grupo: Australia,
Malasia, Perú, Estados Unidos y Vietnam, y otros países, incluyendo México, Canadá y Japón, están
considerando hacerlo.
3. Conclusiones
No cabe duda que China está sobrepasando a la Unión Europea como socio inversor y donante más
importante de América Latina. Obviamente la mayor presencia la tiene China pero no hay que
olvidar las inversiones y la cooperación al desarrollo de otros países asiáticos como Corea o Japón
en décadas anteriores, aunque su impacto fue menor. El incremento del comercio con Asia ha
reducido claramente la vulnerabilidad de América Latina y el Caribe a la desaceleración
económica, que tanto han afectado a Estados Unidos y Europa, reduciendo importantes vínculos
de dependencia del pasado y creando nuevas formas de asociación comercial e importantes
procesos de integración regional que refuerzan aún más su estabilidad económica y política actual.
El nuevo posicionamiento geopolítico de estos gigantes económicos hacia el centro, está
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reconfigurando el mundo y está permitiendo la reinserción de América Latina en un contexto
global. A pesar de estos enormes avances, aún existen fragmentaciones y grandes diferencias
económicas y sociales entre países latinoamericanos.
Existe una clara división entre el Cono Sur, una región más independiente y más integrada, y
América del Norte más dependiente y cercana a los regidos de Estados Unidos. Es importante que
América Latina utilice esta nueva posición, las crecientes relaciones con China y el crecimiento
económico de los últimos años para invertir más en sí misma, reduciendo las desigualdades y
potenciando un desarrollo más sostenible. A pesar de las diferencias internas, parece que el
continente latinoamericano ha sabido aprovechar la oportunidad para reconstruirse hacia fuera y
reforzarse por dentro, creando importantes alianzas interregionales y transpacíficas que
convertirá a América Latina en un nuevo referente en el futuro.
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A Influência Chinesa nos Processos de Integração na América Latina
Jonas Teixeira Marinho1
Resumo
A presença da China na América Latina intensificou-se no século XXI e traz consequências para a
integração regional. Este artigo visa a analisar os impactos da influência chinesa no subcontinente. Para
tanto, foram utilizados dados de documentos oficiais e revisão da produção bibliográfica existente.
Conclui-se que a influência chinesa pode ser benéfica, desde que os países da região negociem de forma
conjunta e em posição de igualdade.
Palavras-chave: China, América Latina, Integração, Influência.
Abstract
Chinese presence in Latin America has been intensified in the 21st century and has consequences to
regional integration. This article aims at analyzing the impacts of Chinese influence in the subcontinent.
In order to do so, data from official documents and a review of existing scholar production were used.
The conclusion is that Chinese influence may be positive, as long as the countries from the region
negotiate conjointly and in an egalitarian stance.
Keywords: China, Latin America, Integration, Influence.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduando em Direito e Relações Internacionais
pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pesquisador do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI) da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR).
Recebido para Publicação em 13/03/2016. Aprovado para publicação em 04/04/2016.
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1 INTRODUÇÃO
A América Latina foi caracterizada, durante vários períodos ao longo de sua história, como região
subordinada aos interesses estadunidenses. De fato, desde a propagação da Doutrina Monroe, os
Estados Unidos consideravam o hemisfério americano sua área de influência natural e obstavam
quaisquer tentativas de intervenção europeia em solo americano. Desde essa época, o país exerceu
formidável influência nos processos políticos da região, inclusive por meio de apoio a golpes
militares nas décadas de 1960 e de 1970.
Até o final do século XX, a influência estadunidense não encontrava forte concorrência, exceto no
caso isolado de Cuba, que tinha parceria com a União Soviética. Nos anos iniciais do século XXI,
contudo, a ascensão da China e sua busca por novas fontes de recursos minerais e agrícolas
impõem um desafio à hegemonia americana. Ao apresentar-se como um país do Sul global, a China
visa a aproximar-se dos países da região e a obter benefícios comerciais. Para os países do
subcontinente, entretanto, não há como afirmar com segurança que a China será um ator mais
cooperativo do que os Estados Unidos.
Os processos de integração na América Latina estão sendo impactados pela presença da China. É
mister, destarte, analisar os benefícios e os problemas advindos da crescente influência chinesa na
região. Para tanto, deve-se compreender a ascensão chinesa e sua perspectiva de ordem mundial,
bem como seu interesse na América Latina. Ademais, cumpre analisar as interferências da China
na América Central e na América do Sul. Por fim, deve-se considerar os avanços recentes no grupo
BRICS e o impacto desse agrupamento na região.
2 A ASCENSÃO DA CHINA E SEU INTERESSE NO HEMISFÉRIO AMERICANO: UMA
PERSPECTIVA GEOPOLÍTICA
A concepção chinesa de ordem mundial mantém elementos da tradição histórica, apesar de
inserida na modernidade. Na China, não se adotou a concepção westfaliana de sistema de Estados
igualmente soberanos regidos pelo Direito Internacional. Ao revés, foi concebido o sistema de
Estados tributários, em que o Império Chinês era considerado superior e os demais soberanos lhe
deviam respeito. De acordo com Henry Kissinger,
“O objetivo do sistema de Estados tributários era estimular uma postura de deferência, não
extrair benefícios econômicos ou dominar sociedades estrangeiras por meios militares.”2
2
KISSINGER, Henry. Ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015, p. 216.
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A China, destarte, não esteve inserida nas dinâmicas das relações internacionais ocidentais até o
século XIX. Em 1842, o país abriu-se ao comércio internacional por imposição britânica, após
haver sofrido ataques navais. Pouco tempo depois, o país instituiu um “Bairro das legações” para
abrigar representantes diplomáticos3.
Sob o governo de Chiang Kai-shek e já uma república, a China busca assumir uma posição na
ordem westfaliana. Houve dificuldades, devido a constantes guerras com o Japão na década de
1930 e à Segunda Guerra Mundial. Vários grupos disputavam o poder internamente. Com o final
da conflagração mundial, ascendem ao poder os comunistas, liderados por Mao Zedong. O
mandatário apregoava a destruição da cultura confuciana e a construção de uma China unida,
forte e de um comunismo com características chinesas. Para atingir seus objetivos, o líder chinês
lançou o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural. O primeiro representou um retumbante
fracasso e a segunda acentuou rivalidades internas, por estimular perseguições políticas.
Nesse contexto caótico, Deng Xiaoping trabalhou para reformar o modelo econômico nacional e
incrementar as trocas comerciais da China com o exterior. Para tanto, assinou tratados e inseriu a
China em organismos internacionais. A partir desse governo, da década de 1970, o país asiático
começou a crescer a taxas vigorosas e a participar ativamente da sociedade internacional. Esse
processo foi acentuado, na contemporaneidade, por Hu Jintao e por Xi Jinping, que buscam tornar
o país asiático cada vez mais competitivo, inclusive por meio de ações de combate à corrupção4.
A abertura chinesa ao comércio internacional e os baixos custos da produção na China atraíram
várias empresas multinacionais ao país, que adotou o modelo de plataforma de exportação para
estimular seu crescimento econômico. Como consequência, a China detém valores expressivos em
suas reservas internacionais e altas taxas de crescimento do PIB, apesar da recente
desaceleração5.
A pujança econômica traduziu-se em maior presença política em várias regiões do mundo, de
modo a assegurar o suprimento de recursos primários e energéticos. Na África, os investimentos
chineses estão sendo importantes para o desenvolvimento da infraestrutura de vários países. Há,
porém, descontentamentos locais, motivados pela ideia de que a China não é nada além de outra
potência imperialista que chega para pilhar os recursos locais6.
No final da década de 2000, a China volta suas atenções para a América Latina. As preocupações
dos Estados Unidos com a Guerra ao Terror após os atentados de 11 de setembro de 2001
tornaram a política externa daquele país orientada para a Eurásia, o que ocasionou uma menor
KISSINGER, Henry. Op. Cit., p. 220.
KISSINGER, Henry. Op. Cit., p. 229.
5 Disponível em: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-chines-cresce-7-4-o-menor-crescimento-em-24anos. Acesso em 11.02.2016.
6 RIBEIRO, Valeria Lopes. A expansã o chinesa na Á frica: o desafio do crescimento e a nova face do imperialismo
econô mico. OIKOS, Rio de Janeiro: Volume 9, n. 2, 2010, ISSN 1808-0235, pgs 13-35.
3
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preocupação com o subcontinente latino-americano. Aproveitando essa ausência dos Estados
Unidos, a China lançou, em 2008, as diretrizes oficiais da sua relação com os Estados da região7.
A guinada chinesa em direção à América Latina está relacionada à vasta disponibilidade de
recursos naturais na região e às riquezas minerais, necessárias ao funcionamento da indústria do
país asiático. Ademais, as ambições chinesas coadunam-se com duas teorias geopolíticas clássicas
e uma mais recente. Nos próximos parágrafos, cabe analisá-las e observar sua adequação ao
projeto chinês.
A teoria do poder naval de Mahan advoga que a nação que controlar os mares controlará o
planeta, já que as rotas marítimas seriam responsáveis pela circulação da maioria do comércio
internacional8. Com efeito, a China busca expandir sua presença naval por meio da construção do
Canal da Nicarágua, que será objeto de análise a posteriori.
A teoria de pan-regiões de Haushofer também aplica-se ao interesse chinês. Segundo a tese de
Karl Haushofer, o mundo seria dividido em quatro blocos que representariam áreas de influência
de determinados países9. Ora, o continente americano seria a área natural dos Estados Unidos.
Com seu afastamento, a China poderia ocupar seu lugar e exercer influência sobre uma área
significativa do planeta.
Uma das teorias geopolíticas mais recentes, da geógrafa Bertha Becker, versa sobre o heartland
ecológico e também pode ser aplicada aos interesses da China. A geógrafa adaptou o conceito
clássico de Mackinder, que versava sobre o controle do Heartland (terras na Eurásia) como a
chave do poder mundial, para o século XXI. A Amazônia seria o heartland ecológico, por
concentrar enorme biodiversidade e recursos naturais, além de estar situada em um ponto
estratégico na América do Sul10. A China tem escassez de recursos naturais e estaria interessada
na facilidade de obter acesso a riquezas amazônicas. Evidência indireta desse argumento seria a
ferrovia transcontinental, que ligaria portos no Peru a cidades brasileiras, passando pela
Amazônia.
Motivos não faltam para o interesse chinês pela América Latina. A capacidade de influenciar a
região é considerada importante para a obtenção do status de potência global. Ademais, os
recursos do subcontinente são fundamentais para a economia chinesa. Os países da região, por sua
vez, devem avaliar se a parceria com a China é tão vantajosa para eles quanto é para o país
asiático. A presença chinesa é real e deve ser compreendida em todos os seus ângulos. Para tanto,
analisar-se-á como a China exerce sua influência nos processos de integração regional do
subcontinente.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. O Brasil e a América do Sul: relações regionais e globais. Rio de Janeiro: Alta Books,
2015, p. 230.
8 VESENTINI, José William. Novas geopolíticas. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2015, p. 17.
9 VESENTINI, José William. Op. Cit.. p. 21.
10 BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, p. 33.
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3 A IIRSA E AS POSSIBILIDADES DA COOPERAÇÃO CHINESA
A Cúpula de Brasília, realizada em 2000, contou com a presença de todos os Chefes de Estado da
América do Sul11 e pautou-se pela necessidade de integração física do subcontinente. Nessa
cúpula, fica instituída a IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana), que tem por objetivo facilitar investimentos na melhoria da infraestrutura da América
do Sul. Esse projeto surge no momento em que a política externa norte-americana prioriza outras
regiões do globo.
O Plano Colômbia, contemporâneo da IIRSA, constitui uma reação estadunidense para tentar
conter o ímpeto autonomista da região. Amparados pela lógica de Guerra ao Terror, os Estados
Unidos apostam na militarização no combate ao narcotráfico e instalam bases estratégicas no
território colombiano. O plano, contudo, não consegue conter o desenvolvimento da integração
regional.
A IIRSA, ademais da integração física, visa a estimular maior complementaridade entre as
economias da região em setores importantes, em especial commodities. A iniciativa orienta-se por
três pilares de integração: infraestrutura de transportes, energia e comunicações12. Adota uma
perspectiva pragmática, ao compreender os desafios e oportunidades do subcontinente.
Além do financiamento estatal para seus projetos, a IIRSA também busca parcerias com empresas
privadas13. Os recursos são aplicados em projetos específicos, apresentados à iniciativa, que
envolvam, no mínimo, dois países sul-americanos.
Para haver maior organização desses projetos, há sua distribuição em Eixos de Integração e
Desenvolvimento (EID) e em Projetos Setoriais de Integração (PSI). Os eixos da IIRSA são "faixas
multinacionais de território nas quais se concentram espaços naturais, assentamentos humanos,
zonas produtivas e fluxos comerciais"14. São eles: Eixo Andino, Eixo Andino do Sul, Eixo de
Capricórnio, Eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná, Eixo do Amazonas, Eixo do Escudo Guianês, Eixo
do Sul, Eixo Interoceânico central, Eixo Mercosul- Chile e Eixo Peru- Brasil-Bolívia. Os Projetos
Setoriais de Integração, por sua vez, buscam "identificar os obstáculos de tipos normativo e
institucional que impedem o desenvolvimento da infraestrutura básica na região e propor ações
que permitam superar-los”15.
A IIRSA permitiu significativos avanços na integração regional, com vários projetos concluídos que
aproximaram as populações dos países da América do Sul e facilitaram o comércio internacional,
por meio da redução de custos para a realização de negócios em outro país da região. Deve-se
salientar que, além da perspectiva multilateral, os projetos da IIRSA também podem ter caráter
bilateral ou trilateral.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. Cit., p. 59.
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13 PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. Cit., p. 65.
14 Disponível em: http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=68. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
15 Disponível em: http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=36. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
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A integração do subcontinente avançou significativamente na primeira década do século XXI.
Ademais da IIRSA, houve o lançamento da UNASUL em 200716. Sucedâneo da Comunidade Sulamericana de Nações (CASA), a UNASUL prevê, desde a sua constituição (tratado constitutivo de
2008), uma integração política. O objetivo fundamental é a construção de um espaço de
integração e união em diversas áreas para eliminar desigualdades, assimetrias e conseguir a
participação popular no movimento integracionista17. Como um dos objetivos específicos, há a
previsão expressa de melhora na infraestrutura, respeitando a ideia de desenvolvimento
sustentável.
A UNASUL estrutura-se em órgãos de Chefes de Estado e de Ministros das Relações Exteriores e
em conselhos setoriais. Entre esses conselhos, está o COSIPLAN (Conselho Sul-americano de
Infraestrutura e Planejamento), que incorporou a carteira da IIRSA em 2011. Os projetos daquela
iniciativa, portanto, estão atualmente sob a responsabilidade do referido conselho.
A compreensão do histórico da integração física da América do Sul é fundamental para a
compreensão de alguns entraves e das possibilidades de investimentos chineses no subcontinente.
Quaisquer projetos a serem executados não podem ser realizados à revelia das estruturas
institucionais presentes no processo de integração.
Nesse contexto, a visita do Primeiro-Ministro chinês, Li Keqiang, à região, em maio de 2015, foi a
oportunidade para a realização de um compromisso para estudo de viabilidade da proposta de
construção da Ferrovia Transcontinental. Referida ferrovia ligaria o porto de Açu, no Rio de
Janeiro, ao litoral peruano18. A conexão entre os oceanos Atlântico e Pacífico facilitaria o
transporte de commodities agrícolas (notadamente a soja) e minerais para a China, cujos bancos
se dispuseram a auxiliar financeiramente o investimento.
O teor do documento está disponível in verbis:
Os dois Líderes enfatizaram a importância da cooperação ferroviária para o
desenvolvimento de estudos referentes à construção de uma rede de infraestrutura
sustentável e integrada na América do Sul e saudaram o início das atividades do Grupo de
Trabalho Trilateral Brasil-China-Peru para estudos básicos de viabilidade da Ferrovia
Transcontinental (conexão bioceânica Brasil-Peru). A Parte brasileira acolheu
positivamente a manifestação de interesse da Parte chinesa em participar das licitações em
projetos no Brasil, em especial daqueles referentes à Ferrovia Transcontinental.19
PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. Cit., p. 76.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7667.htm. Acesso em 12 de
fevereiro de 2016.
18 Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150518_ferrovia_transoceanica_ construcao
_lgb. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
19 Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9694: declaracaoconjunta-e-plano-de-acao-conjunta-visita-do-primeiro-ministro-do-conselho-de-estado-da-republica-popular-dachina-li-keqiang-brasilia-19-de-maio-de-2015&catid=42&lang=pt-BR&Itemid=280. Acesso em 12 de fevereiro de
2016.
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O projeto entraria no Eixo Interoceânico Central da IIRSA e seria importante para uma melhor
integração da rede de transportes entre Brasil e Peru. Ocorre que haveria significativos impactos
ambientais e interferência em comunidades indígenas, dado que a ferrovia passaria por partes da
Amazônia brasileira e da peruana.
Alguns opositores ao projeto argumentam, também, que o custo é deveras elevado e há obstáculos
geográficos significativos a serem contornados, como a Cordilheira dos Andes. Ademais, o governo
boliviano opõe-se à ferrovia, por entender que os trilhos deveriam passar por seu território, o que
reduziria os custos de implementação e favoreceria o desenvolvimento daquele país20. O Peru não
concorda com a proposta boliviana e defende que o projeto deva ser apenas trilateral, com o Brasil
e a China.
Apesar das dificuldades de implementação da supramencionada ferrovia, deve-se considerar as
facilidades que os exportadores brasileiros terão para atingir o mercado asiático e a redução de
custo no transporte das mercadorias, o que as torna mais competitivas.
Ao analisar todas as desvantagens e benefícios da Ferrovia Transcontinental, os países envolvidos
devem sopesar também os fatores geopolíticos e as implicações de estarem dentro da esfera de
influência chinesa.
4 CELAC- CHINA: UMA PARCERIA EM ANDAMENTO
A CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) foi criada em 2010 na Cúpula
da Unidade, que congregou a Cúpula do Grupo do Rio e da II CALC (Cúpula da América Latina e do
Caribe)21. Oriunda da união dessas duas iniciativas, que visavam a promover a concertação
política e a estabilidade na América Latina e no Caribe, a CELAC reúne todos os 33 países da
região.
O Grupo do Rio objetivava a estabilização da América Central, por meio de sua estabilização e
pacificação, e tinha o Brasil como um de seus principais articuladores. A CALC, proposta brasileira,
encetava os anseios de cooperação em todo o espaço latino-americano. A CELAC absorve
influências de ambos os processos e é um foro com duas bases: concertação política e cooperação
para o desenvolvimento.
Por ser mais recente, a CELAC apresenta um baixo grau de institucionalização. Ela "funciona com
base em reuniões políticas, reuniões ministeriais especializadas e grupos de trabalho setoriais"22.
Essa característica não é necessariamente um ônus, haja vista a maior celeridade no processo
ALBUQUERQUE, Ana Carolina Cavalcanti de. Uma curva na estrada de ferro: problemas de fronteiras da América do
Sul levados à Corte Internacional de Justiça. Revista Sapientia, São Paulo: Volume 24, jul.-ago.2015, ISSN 2446-8827,
pgs 12-17.
21
Disponível em: .http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=689&catid=
145&Itemid=434&lang=pt-BR. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
22
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=689&catid=
145&Itemid=434&lang=pt-BR. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
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decisório e na adoção de declarações conjuntas. O foro tem emitido opiniões relevantes sobre
importantes e controversos temas da agenda internacional e regional, como a questão das
Malvinas, o bloqueio a Cuba e o desarmamento nuclear.
Uma importante vertente da CELAC é seu relacionamento com outras regiões do mundo. Esse foro
herdou o mecanismo de cooperação da América Latina e Caribe com a União Europeia,
estabelecido em 1999. Destarte, busca aprofundar o diálogo com outros processos de integração e
com outras áreas do mundo.
Recente desenvolvimento nessa seara é a aproximação com a China. Durante a II Cúpula da CELAC,
ocorrida em Havana em janeiro de 2014, representantes do país asiático propuseram a realização
de um foro periódico conjunto entre as duas partes. Essa proposta foi aceita em junho de 2014,
por ocasião da Cúpula de Brasília de Líderes da China e de Países da América Latina e Caribe.
Em janeiro de 2015, ocorreu a primeira reunião do Foro CELAC-China, que tem por objetivo:
aprofundar a relação política, econômica e cultural entre os países da América Latina e do
Caribe e a China, além de constituir instância para que os países participantes dialoguem
sobre temas de interesse comum da agenda internacional23.
A partir desse encontro, nota-se um adensamento nas relações políticas entre a América Latina e o
Caribe e a China. A maior interação comercial, contudo, vem ocorrendo há algum tempo,
porquanto o fluxo de comércio entre os países da região e o Estado asiático cresceu
substancialmente nos últimos anos. De acordo com dados da CEPAL (Comissão Econômica para
América Latina e Caribe), o comércio bilateral cresceu 22 vezes entre 2000 e 201424.
É necessário, contudo, problematizar essa relação. A China exporta produtos de média e alta
intensidade tecnológica, enquanto os países da América Latina e do Caribe têm sua pauta
exportadora concentrada em primários. Ademais, a grande competitividade dos produtos
chineses, por sua moeda desvalorizada e baixos custos de produção, afeta as indústrias locais.
Ambas as partes, destarte, devem chegar a um acordo que seja mutuamente benéfico.
No que se refere a investimentos, a presença chinesa é mais discreta, conquanto esteja
aumentando em ritmo veloz nos últimos 5 anos. Em 2015, o presidente chinês Xi Jinping anunciou
que o país asiático investirá 250 bilhões de dólares na América Latina em 10 anos25. As inversões
serão positivas para o desenvolvimento da infraestrutura regional, mas possibilitam a
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6513:i-reuniaodos-ministros-das-relacoes-exteriores-do-foro-celac-china-pequim-8-e-9-de-janeiro-de-2015&catid=42
&lang=ptBR&Itemid=280. Acesso em 12 de fevereiro de 2016
24 Disponível em: https://nacoesunidas.org/cepal-comercio-entre-america-latina-e-china-se-multiplica-22-vezes-em14-anos/. Acesso em 12 de fevereiro de 2016
25 Disponível
em: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/china-investira-us-250-bi-na-america-latina-em-10anos. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
23
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manutenção e o fortalecimento da inserção marginal da região nas cadeias de comércio
internacional, porquanto estimulam a produção de commodities para exportação.
O projeto mais grandioso e controverso dos investimentos chineses é o Canal da Nicarágua.
Financiado por investidores chineses, o novo empreendimento seria uma alternativa ao Canal do
Panamá e mais uma rota de ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Ocorre que há questionamentos acerca dessa obra, que já encontra-se em andamento, pois traria
consideráveis impactos ambientais e prejudicaria a subsistência de comunidades ribeirinhas. Com
efeito, o lago Cocibolca, principal ponto turístico do país, seria prejudicado pelo canal. Ademais,
uma questão é bastante preocupante, pois a concessão da operação e dos direitos econômicos
sobre o Canal da Nicarágua foram atribuídos a uma empresa chinesa por cinquenta anos, com
direito à renovação por igual período26. Isso provocaria a relativização da soberania do país
centro-americano sobre seu próprio território, nos moldes do imperialismo clássico.
O Canal pode tornar-se o símbolo da presença chinesa na América Latina e definir o modo da
relação dos países da região com a potência asiática, seja de cooperação ou de subordinação.
Muitos pesquisadores discutem se a parceria da China com a América Latina seria benéfica para a
região. O ator asiático é fortemente competitivo e já causa reduções no comércio intra-regional, ao
deslocar os principais atores regionais, como o Brasil. Ademais, os investimentos chineses
estimulam a reprimarização da economia latino-americana. Por outro lado, as inversões chinesas
estimulam a competitividade da região ao melhorar a infraestrutura, e a aproximação com o país
asiático rende melhores condições de acesso ao maior mercado potencial do mundo.
Uma questão preocupante é o futuro da parceria. A desaceleração do crescimento chinês é
evidente. Em 2015, a China cresceu a um ritmo abaixo das últimas décadas, o que afetou
negativamente as exportações latino-americanas de commodities. Além disso, aumentam as
preocupações do impacto ambiental que a demanda chinesa por minérios causará. As ONGs
chinesas já buscam parcerias com suas correspondentes latino-americanas para monitorar o
impacto ambiental causado pela mineração na região27.
A CELAC precisa monitorar as atividades chinesas para que a região não sofra com intervenções
indevidas, mas necessita estar apta a negociar com a China para o progresso da América Latina e
do Caribe. As negociações devem ser realizadas em situação de equilíbrio e em função dos
interesses locais, com o fito de ser atingido o melhor resultado possível para ambas as partes.
Disponível
em:
http://redelatinamerica.cartacapital.com.br/o-canal-da-nicaragua-e-o-risco-de-um-novoimperialismo/. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
27 Disponível em:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/42927/china+replica+na+america+latina+modelo+que+excluiu+po
vos+africanos+do+proprio+desenvolvimento+dizem+especialistas.shtml Acesso em 12 de fevereiro de 2016
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5 BRICS E SEU IMPACTO PARA O SUBCONTINENTE
O impacto da China na América Latina também deve ser analisado sob a perspectiva de uma das
mais influentes coalizões de geometria variável da atualidade: o grupo BRICS. É fundamental,
destarte, compreender as origens e propostas do agrupamento.
Em 2001, o economista Jim O’Neill, do grupo Goldman Sachs, cunhou o termo BRIC (Brasil, Rússia,
Índia e China) para designar economias emergentes que teriam papel de relevo no século XXI.
Suas conclusões basearam-se em médias históricas de crescimento econômico, fatores
populacionais e recursos naturais dos citados países28.
Ao perceberem as potencialidades de suas nações, os ministros das Relações Exteriores dos países
do acrônimo decidiram reunir-se às margens da 61a. Reunião da Assembleia-Geral da ONU, em
2006. Nessa reunião, ficou acordado um novo encontro entre os ministros para o ano de 2008, em
Ecaterimburgo, em que seriam debatidos temas da agenda internacional de interesse comum
daqueles Estados.
Após o mencionado encontro, os países decidiram realizar cúpulas periódicas entre seus chefes de
Estado. A partir desse momento, o grupo torna-se um foro de concertação política e de cooperação
econômica entre seus membros, transcendendo seu significado original. Para fins deste trabalho,
ressaltar-se-ão as cúpulas mais importantes.
Na I Cúpula do BRIC (Ecaterimburgo 2009), foram discutidos temas econômico-financeiros, com
destaque para a crise de 2008 e a reforma das instituições multilaterais de Bretton Woods, como o
FMI e o Banco Mundial29. Os países entenderam que era chegado o momento de maior
participação das economias emergentes nos foros decisórios internacionais.
A III Cúpula (Sanya 2011) consolidou o ingresso da África do Sul ao agrupamento. Tendo em vista
o aumento de representatividade, a entrada do país africano fortalecia os pleitos do grupo, ao
dotá-los de maior legitimidade. Alguns analistas internacionais, incluindo o próprio Jim O’Neill,
questionaram o ingresso sul-africano, por entender que aquele país não reunia as características
comuns que estavam presentes nos demais membros do grupo30. Apesar dos protestos, o país foi
incorporado e é membro do agrupamento.
A VI Cúpula do BRICS (Fortaleza 2014) destacou-se pelo aumento da institucionalização da
coalizão, ao criar o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas
(ACR). O NBD visa a financiar projetos de desenvolvimento nos países do agrupamento e em
países de menor desenvolvimento relativo, sem as condicionalidades impostas pelo Banco
Mundial. O ACR, por sua vez, tem como objetivo evitar crises no Balanço de Pagamento dos países-
VISENTINI, Paulo Fagundes. As relações diplomáticas da Ásia: articulações regionais e afirmação mundial (uma
perspectiva brasileira). Belo Horizonte: Fino Traço, 2011, p. 250.
29
Disponível
em:
http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=36
72&catid=159&Itemid=436&lang=pt-BR. Acesso em 15 de fevereiro de 2016
30 VISENTINI, Paulo Fagundes. Op. cit., p. 255.
28
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membro. Para tanto, foi celebrado acordo entre os bancos centrais dos Estados do BRICS para
separar uma parte das reservas internacionais para serem disponibilizadas ao ACR.
A realização dessas cúpulas indica crescente coordenação entre os países do BRICS, inclusive em
outros foros multilaterais e envolvendo uma variada gama de assuntos, como meio-ambiente e
governança global. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil,
o BRICS tem expandido suas atividades em duas principais vertentes: (i) a coordenação em
reuniões e organismos internacionais; e (ii) a construção de uma agenda de cooperação
multissetorial entre seus membros31
Pode-se observar que o agrupamento é regido pelo objetivo comum de construção de uma ordem
global mais democrática e representativa dos interesses das nações emergentes.
O grupo, contudo, não é uma coalizão anti-hegemônica clássica. A China, notadamente, não tem
interesse em desafiar os Estados Unidos e as instituições internacionais vigentes, mas busca
participar mais ativamente da ordem mundial e reforçar laços para o caso de deterioração das
relações com a potência hegemônica32.
Cumpre, agora, avaliar o impacto desse agrupamento para a América Latina. A região teve sua
inserção internacional baseada na subordinação aos interesses das potências globais e como área
de influência dos Estados Unidos. Historicamente, é comum a dependência dos países do
subcontinente de recursos do FMI e do Banco Mundial.
Nessa seara, as recentes iniciativas adotadas na Cúpula de Fortaleza representam uma opção
menos onerosa de financiamento internacional para os Estados da região. Com efeito, as
condicionalidades de empréstimo do NBD são menos invasivas à soberania do que as das
instituições de Bretton Woods.
Há, todavia, repercussões negativas que devem ser ponderadas. O predomínio do capital chinês no
novo banco e no acordo contingente pode criar laços de dependência com o país asiático. De fato, a
China proporcionou 41% dos recursos financeiros para o ACR. Destarte, alguns analistas estão
receosos quanto à possibilidade dessas instituições se consolidarem como instrumentos de
concretização de interesses chineses33. Ademais, como os projetos a serem financiados pelo NBD
priorizam o desenvolvimento de infraestrutura de grande porte, é provável que haja certo impacto
local, regional e político, ainda que não haja condicionalidades políticas para o empréstimo34.
Disponível em: .http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3672&catid
=159&Itemid=436&lang=pt-BR. Acesso em 15 de fevereiro de 2016
32 HURRELL, Andrew et al. Os brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 142.
33 DORNELLAS, Camilla Coelho; FRANÇOZO, Helena Ribas. O novo banco de desenvolvimento do BRICS: princípios,
características e perspectivas. Disponível em: https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2014/11/05/o-novobanco-de-desenvolvimento-do-brics-principios-caracteristicas-e-perspectivas/. Acesso em 15 de fevereiro de 2016
34 ABDENUR, Adriana Erthal; FOLLY, Maiara. O novo banco de desenvolvimento e a institucionalização do BRICS. In:
BAUMANN, Renata et al. BRICS: estudos e documentos. Brasília : FUNAG, 2015, p. 107.
31
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Alguns autores argumentam também que as iniciativas do BRICS poderão prejudicar os processos
de integração regional, porquanto os países não estarão mais interessados em constituir um Banco
do Sul, exempli gratia. Além disso, a forte presença de capitais dos países BRICS na América Latina
poderá estimular a vinda de multinacionais desses Estados e dificultar a produção local35.
Não se deve, dessarte, adotar uma visão parcial do impacto do BRICS na América Latina. Os
projetos desse agrupamento ocasionam efeitos positivos e algumas adversidades. Cabe a cada
Estado latino-americano ponderar todos os fatores e a realidade de seu país ao optar envolver-se
com a coalizão. Toda negociação a ser realizada deve ter por parâmetro os interesses nacionais.
Desse modo, será atingido o melhor resultado, de acordo com um jogo de soma positiva.
6 CONCLUSÃO
A presença chinesa no subcontinente latino-americano é uma realidade consolidada. É inegável o
substancial aumento do fluxo de comércio e dos investimentos chineses na região no século XXI.
Ademais, a potência asiática quer consolidar a América Latina como sua área de influência.
Na África, a China atuou de modo similar a uma potência imperialista, fornecendo infraestrutura
para melhorar a logística do fornecimento de matérias-primas, sem estar preocupada com o
desenvolvimento local. As nações latino-americanas temem uma repetição do padrão no
subcontinente.
A presença da China, motivada por razões estratégicas, exerce influências nos processos de
integração regional em andamento. A UNASUL e a CELAC necessitam estar atentas às
movimentações do país asiático e precisam adotar estratégias concertadas, de modo a não
sofrerem a substituição de um ator hegemônico (Estados Unidos) por outro (China).
Os governantes da América Latina precisam definir as prioridades da região e evitar a
reprimarização das pautas exportadoras de seus países. Isso será realizado estabelecendo
condições para os investimentos chineses, como a transferência de tecnologia e a utilização de um
percentual mínimo de mão-de-obra local.
Essas medidas fortalecerão as posições latino-americanas no âmbito negocial e permitirão aos
países da região conseguir o máximo de proveito de uma parceria com a China. Ademais, o
interesse chinês oferece margem de manobra para negociações com os Estados Unidos, que
observam com preocupação o avanço da China no subcontinente.
Em suma, a presença chinesa na América Latina será deveras positiva, caso os países negociem em
posição concertada e considerando as necessidades de desenvolvimento autônomo da região. Caso
contrário, o subcontinente irá manter o padrão de inserção internacional subordinada aos
interesses de um ator hegemônico.
MANCILLA, Alfredo Serrano. Os BRICS a partir de uma perspectiva Latino-Americana. Disponível em:
http://revistaforum.com.br/digital/156/os-brics-latino-americano/. Acesso em 15 de fevereiro de 2016.
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A Política Externa Colombiana para o Conflito Armado: Algumas
Aproximações sobre seu Impacto na relação Brasil-Colômbia
Patrícia Nabuco Martuscelli1
Resumo
O único conflito armado interno no continente americano está acontecendo há mais de 50 anos na
Colômbia. Todas as partes envolvidas cometem violações de direitos humanos dentre elas o
recrutamento e uso de crianças soldado. Esse artigo estuda como a política externa colombiana lidou
com a questão do conflito armado e dos direitos humanos e como isso se traduziu em uma
“diplomacia do silêncio”. Esse trabalho, por meio de um estudo de casos, pretende analisar a política
externa colombiana considerando seus conceitos principais e seus desenvolvimentos, com foco a
partir dos anos 1980 e as relações bilaterais entre o Brasil e a Colômbia. O Brasil é o vizinho da
Colômbia com maior potencial econômico, populacional e territorial e tem como um dos princípios de
sua política externa a questão dos direitos humanos. O objetivo principal desse trabalho é analisar as
relações Brasil e Colômbia, considerando a questão do conflito armado. Conclui-se que a Colômbia
esteve mais voltada para os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil permaneceu afastado da
Colômbia.
Palavras-chavePolítica Externa Colombiana,Direitos Humanos, Conflito Armado, Colômbia, Brasil
Abstract:
The only internal armed conflict in the Americas is going on for over 50 years in Colombia. All
involved parties commit human rights violations including the recruitment and use of child soldiers.
This paper studies how the Colombian foreign policy has dealt with the issue of armed conflict and
human rights and how this was translated into a "diplomacy of silence". This case study intends to
analyze the Colombian foreign policy considering its main concepts and their development and the
bilateral relations between Brazil and Colombia. Brazil is Colombia’s neighbor with greater economic,
population and territorial potential and one of itsforeign policy’sprinciples is the defense of human
rights.Its main objective it to study the Brazil-Colombia relations, considering the question of the
armed conflict.This article concludes that Colombia has turned to the United States of America (USA)
and Brazil stayed away from Colombia.
Keywords: Colombian Foreign Policy, Human Rights, Armed Conflict, Colombia, Brazil
1Doutoranda
em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Bolsista CAPES. Mestre e Bacharel em Relações
Internacionais pela Universidade de Brasília.
Recebido para publicação em 07/03/2016. Aprovado para publicação em 04/04/2016.
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U
m conflito armado interno, como definido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV),
é uma confrontação armada prolongada que ocorre entre forças armadas governamentais e as
forças de um ou mais grupos armados ou entre tais grupos no território de um Estado. Essas
confrontações precisam atingir um nível mínimo de intensidade e as partes envolvidas no conflito
precisam mostrar algum tipo de organização (ICRC: 2008). Na situação que já dura mais de 50 anos na
Colômbia, é possível observar grupos organizados com certo controle de uma parte do território que
desafiam o Estado nacional colombiano. Ocorre assim um conflito armado interno no qual todas as
partes envolvidas (guerrilhas, paramilitares, grupos criminais pós-desmobilização e forças armadas)
cometem violações de direitos humanos, dentre elas o recrutamento de menores de 18 anos para
atuarem direta e indiretamente nas hostilidades, o que classifica o fenômeno do uso de crianças
soldado2. Dessa forma, a política externa colombiana teve que administrar ao longo do tempo o tema
do conflito armado juntamente com as respostas para os abusos de direitos humanos presentes em
seu território, ou seja, essas questões não estão dissociadas. Ao mesmo tempo, o país faz fronteira
direta com o Brasil, maior potência econômica da América do Sul e seu inclusive percebido como um
liderança regional em alguns temas. Nesse sentido, há que se estudar como o tema do conflito armado
permeou a relação entre esses dois países, que, apesar de posicionamentos antagônicos têm que
oferecer respostas ao conflito armado e a violações de direitos humanos.
A Colômbia é um país com grande desigualdade econômica, no qual 10% dos mais ricos concentram
46,1% de toda a renda nacional (BJØRKHAUG:2010, 5). Ao mesmo tempo, a disputa por terras é uma
das bases do conflito armado visto que nunca houve uma reforma agrária no país e as elites possuem
o controle das terras, assim como do poder político. O conflito armado teve seu início nos anos
1960.Em 1966, nasceram formalmente as FARC-EP (Fuerzas Armadas Revolucionarias de ColombiaEjércitodel Pueblo), fundadas por estudantes e profissionais que acolheram a teoria do foco armado
de Che Guevara. Sob a égide do Partido Comunista, a ideia era a de criar um grupo armado para caso a
democracia fosse ameaçada na Colômbia, como estava acontecendo em quase todos os países da
América do Sul com as ditaduras de direita. As FARC também defendiam a reforma agrária, o que
garantia o apoio da população rural predominantemente. O Ejército de Liberación Nacional (ELN)
surgiu em 1964, inspirado pela Revolução Cubana depois da viagem de seis estudantes colombianos à
ilha em 1959 (CENTRO NACIONAL DE MEMORIA HISTÓRICA:2013, 40-41).
A primeira onda de violência associada com o conflito armado interno aconteceu entre 1982 e
1995,com a expansão das guerrilhas e a formação de grupos paramilitares criados por fazendeiros
para se protegerem dos guerrilheiros. Esse momento foi de violência generalizada, financiada pelo
narcotráfico em meio a uma guerra patrocinada pelas elites regionais, os narcotraficantes e membros
da Força Pública3.Até esse ponto, a diplomacia colombiana adotou como estratégia tratar do conflito
armado como um problema interno que demandava uma solução doméstica, possível de ser resolvido
sem assistência de outros países ou atores internacionais, de modo que o conflito armado não era
inserido na agenda de política externa (CASTRO:2011, 92), pelo contrário, era omitido.
Apesar das discrepâncias na literatura, é possível afirmar que o conflito começou a se
internacionalizar no início dos anos 1980. Algumas explicações podem ser relacionadas a isso. A
Apesar de as forças armadas colombianas não recrutarem menores de 18 anos em suas filas, essas utilizam crianças
como informantes, o que qualifica o uso de crianças soldado de acordo com os Princípios de Paris sobre Crianças em
Conflitos Armados (2007).
3Ibidem, 36.
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principal delas é a emergência do narcotráfico como principal patrocinador do conflito, que antes era
financiado apenas com o apoio popular e por meio de extorsões e sequestros. Isso permitiu que o
governo colombiano criasse seu discurso de que o resto do mundo deveria auxiliar a resolver a
situação, visto que todos os países consumidores de cocaína seriam corresponsáveis por financiar o
narcotráfico.Dessa forma, o tema do narcotráfico torna-se central para a política externa colombiana,
sendo inclusive prioritário ao conflito armado em si e utilizado para silenciar as violações de direitos
humanos cometidas por todas as partes.
O Brasil compartilha cerca de 1.645 quilômetros de fronteiras com a Colômbia. Esses limites são
perenes (grande parte deles está coberta pela Floresta Amazônica),o que permite que grupos armados
colombianos recrutem brasileiros (incluindo crianças) em territórionacional para servirem como
guias, apoiadores do tráfico de armas e drogas e para o trabalho forçado na produção de cocaína.
Apesar de serem vizinhos, a Colômbia e o Brasil foram países que permaneceram distantes cujas
relações não foram prioritárias para nenhum dos lados. Isso é curioso especialmente porque o Brasil
insere a América do Sulem seu discurso de ação principalmente depois do governo de Fernando
Henrique Cardoso, o que é aprofundado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva com a criação da
União das Nações Sul Americanas (UNASUL).
O conflito interno na Colômbia apresenta-se como principal ameaça à segurança e à estabilidade
regionais, o que, nos últimos anos, provocoutensõesnas relações do país com o Equador e a Venezuela.
Além disso, estão em curso as Conversas de Havana iniciadas em 18 de outubro de 2012 em Oslo
(Noruega), que representam a real possibilidade de um acordo de paz entre o governo colombiano
encabeçado pelo atual presidente Juan Manuel Santos e as FARC, a maior guerrilha do país. Os
garantidores do processo de negociação são Cuba, Noruega, Venezuela e Chile. Organizações regionais
internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a UNASUL e o Grupo dos 24 (do
qual o Brasil é parte) assim como a Organização das Nações Unidas (ONU) apoiaram iniciativas de
menor nível (BAYER:2013, 67). A Agenda de Havana é composta por 5 pontos: o problema agrário da
Colômbia; o ingresso de membros da guerrilha na política; o comércio ilegal de drogas; a reparação
das vítimas do conflito e o desarmamento dos guerrilheiros; e os mecanismos institucionais de
acompanhamento. Interessante observar que os únicos países americanos que estão diretamente
envolvidosnesse processo são Venezuela, CubaeChile.
Faz-se necessário entender como a Colômbia tem usado o conflito armado em sua política externa e
como isso tem impactado suas relações com o Brasil. Dessa forma, pretende-se mostrar, com esse
estudo de caso exploratório, que a Colômbiateve sua política externa mais voltada para os Estados
Unidos da América (EUA) inserindo o tema do narcotráfico e do terrorismo como centrais em sua
agenda externa e que o Brasil permaneceu afastado da Colômbia. Ao mesmo tempo, a política externa
brasileira para a Colômbia foi mais reativa à ação colombiana do que propositiva, de modo que o
princípio de não intervenção permaneceu sobre o princípio da defesa de direitos humanos e sobre um
maior posicionamento frente ao conflito, o que era demandado tanto pelo governo colombiano quanto
pelos próprios guerrilheiros, especialmente depois da subida de Lula ao poder. É importante notar
que não existem estudos específicos relacionando diretamente o tema da política externa brasileira e
do conflito armado colombiano. Algumas aproximações iniciais são apresentadas nesse trabalho que
poderiam ser mais bem desenvolvidas em estudos posteriores inclusive com a consulta aos
documentos do Acervo do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da Cancillería colombiana.
Esse trabalho pretende analisar a política externa colombiana considerando seus conceitos principais
e seus desenvolvimentos, com foco a partir dos anos 1980 e as relações bilaterais entre o Brasil e a
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Colômbia. Para tal, além dessa introdução, a sua primeira parte estuda os principais eixos da política
externa colombiana, como eles se relacionam com o conflito armado e como eles foram mudando ao
longo dos diferentes governos. A segunda parte apresenta um estudo exploratório sobre a relação do
Brasil com a Colômbia envolvendo a questão do conflito armado e como o país se colocou frente à
crise vivida pelo vizinho. Por fim, são apresentadas algumas considerações finais que retomam
algumas ideias apresentadas ao longo do texto.
1.
A Política Externa Colombiana e o Conflito Armado Interno
A diplomacia colombiana está baseada nos pressupostos de que o país pertence ao Ocidente e com ele
compartilha valores fundamentais (como democracia, pluralismo, liberdade e busca pela paz). Ao
mesmo tempo, também é uma potência regional (média, especialmente depois dos anos 1960) em sua
região por causa de suas capacidades materiais e demográficas e de seus indicadores
socioeconômicos, inserida na periferia do sistema mundial (CARDONA; TOKATLIAN:1991, 7-6). A
diplomacia colombiana, desde o início do século XX, considerava necessário e preferível se associar
(ainda que de maneira subordinada) aos Estados Unidos da América (EUA) para conseguir se inserir
internacionalmente, buscando uma relação estreita, instintiva e familiar com a potência. Essa visão
ficou conhecida como “réspicepolum” que significa olhar para o norte4 (TOKATLIAN: 2000, 36). Essa
doutrina começou no governo de Marco Fidel Suarez (1918-1922) e foi predominante na condução da
diplomacia colombiana ao longo do século XX (SANTOS:2010, 68).
A outra tendência contrária seria assumir uma política dinâmica voltada para os países da América
Latina e do Terceiro Mundo, de modo a diminuir a dependência tradicional com os EUA e obter maior
diversificação diplomática, política e econômica com a afirmação de uma solidariedade Sul-Sul para
aumentar a atuaç~o colombiana no sistema internacional. Essa doutrina é conhecida como “réspice
similia”, que significa voltar-se aos semelhantes em nível de desenvolvimento (CARDONA;
TOKATLIAN: 1991, 5) (TOKATLIAN: 2000, 37). Essa tendência foi formulada pelo ministro das
relações exteriores no governo Carlos Lleras (1966-1970) e presidente entre 1974 e 1978,Alfonso
López Michelsen (SANTOS:2010, 69). Outros dois conceitos que tiveram menor expressão na política
externa, no início dos anos 1990, são os de “réspice varia etmutabilia” que seria focar no cenário global
diferenciado e em mudanças do que focar em um ou mais Estados especificamente e o de
“réspicemercatum” que seria voltar para o mercado e para as novas exigências da economia mundial
(TOKATLIAN: 2000, 39). Tais visões contribuíram mais para a diversificação de temas na agenda da
política exterior do que para uma reorientação da mesma.
Apesar de ser possível perceber, em alguns momentos, uma tendência à diversificação de parceiros, a
Colômbia nunca chegou a praticar um desalinhamento completo em relação aos EUA 5. O país teria
colocado os EUA como potência econômica e seus vizinhos como sócios comerciais, em detrimento de
focar em outras potências mundiais (QUINTERO: 2005, 2). De modo que, na opinião de Tickner (2007,
90), todas as interações do país com o restante do planeta são fortemente influenciadas por suas
relações com Washington. Essa inserç~o “racional” dependente da potência hegemônica decorre do
fato de que as elites dirigentes e pensantes do país têm a percepção de que manter laços de
4Ibidem,
5Ibidem,
p.4.
p.37.
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subordinação é mais adequado aos interesses do país do que desenvolver uma atuação autônoma
(PEDRAZA: 2012, 42).
A política externa colombiana considera a via individual como a mais adequada para sua inserção
internacional, assim como acredita que um vínculo mais próximo com o hegemon seja vantajoso; e ao
mesmo tempo desconfia dos governos da região ou dos que enfrentam os mesmos problemas. Ao
mesmo tempo, sua política externa ao longo do tempo contou com descontinuidades de políticas de
acordo com os governos6.Além disso, a diplomacia colombiana é considerada como um tema de
privilégio político e econômico da elite, o que implica em seu uso clientelista e em um descuido
sistemático com o Ministério das Relações Exteriores. Isso contribuía para a falta de planejamento e
coordenação entre as diferentes instâncias que participam das relações exteriores do país (TICKNER:
2007, 98). A diplomacia colombiana ainda tem empregado o direito como instrumento privilegiado de
política exterior, com foco em acordos e tratados (PEDRAZA: 2012, 41).
Desde os anos 1980, o narcotráfico tem sido o tema central das relações bilaterais, principalmente
com os EUA, o que fortalece sua associação dependente a esse país (TICKNER: 2007, 97).
Na História da Política Exterior Colombiana contemporânea, podem-se destacar dois momentos nos
quais o “réspicepolum” esteve em seu |pice: durante o governo de Andrés Pastrana e no de Álvaro
Uribe. A ponto de Tickner (2007) classificar que teria existido uma “intervenç~o por convite” na qual o
governo colombiano desenvolveu uma estratégia intensa para se associar com a potência, de modo a
atrair sua atenção para o conflito, com o objetivo principal de que ela atuasse na crise interna em
relação à guerra contra as drogas e as guerrilhas (TICKNER: 2007, 92). Mesmo durante a gestão de
Julio Cesar Turbay (1978-1982), o presidente já contava com o apoio político, material e militar da
administração de Ronald Reagan, além da assistência oficial da Europa para seu desenvolvimento.
Nesse momento, o país sofreu críticas quanto às violações de direitos humanos presentes no conflito
tanto dos EUA como da Europa Ocidental (TOKATLIAN: 1999,344).
Na seara dos direitos humanos, o fim da ditadura de Somoza na Nicarágua em julho de 1979, acabou
com o pretexto que o governo colombiano utilizava para desviar a atenção das violações de direitos
humanos que aconteciam em seu território (PEDRAZA:2012, 52), ou seja, o governo começou a sofrer
maior pressão internacional para tomar providências para lidar com esse tema e punir perpetradores
de graves violações de direitos humanos e do direito humanitário internacional.Mesmo assim, o
governo seguinte de BelisarioBetancourt (1982-1986), ao defender que o conflito era fruto de
condições internas que demandavam uma paz negociada com a guerrilha (TAWSE-SMITH: 2008, 290),
fez com que a comunidade internacional deixasse de focar na grave situação de violação de direitos
humanos que o país enfrentava (DUARTE GARCÍA: 2006, 2). Os EUA continuaram contribuindo com
maiores recursos para a empreitada presidencial contra o narcotráfico, fazendo vista grossa para a
situação dos direitos humanos. A Europa manteve seu apoio político e econômico (TOKATLIAN:1999,
347).
Em 1989, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas realizou uma
conferência sobre a situação na Colômbia. O fim das ditaduras no Cone Sul trouxe novamente a
atenção internacional para a violação de direitos existentes no país. Apesar de começar a exercer certa
pressão, não houve resultados positivos a favor dos direitos humanos nem durante o governo de
Virgilio Barco (1986-1990) e nem no de Cesar Gaviria (1990-1994) (DUARTE GARCÍA:2006, 3). No
final do governo de Gaviria, houve a renarcotização da agenda externa devido ao fato de que o famoso
6Ibidem,
39-40.
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traficante colombiano Pablo Escobar (líder do cartel de Medellín) tinha conseguido fugir da prisão. A
situação colombiana passou a ser vista com maior preocupação, com medo de que essa fosse repetida
em outros países da região. Também a comunidade internacional começou a questionar a verdadeira
vigência do Estado de Direito colombiano, mesmo este contando com o apoio dos EUA e da União
Europeia. A deterioração do conflito e dos direitos humanos fez com que as margens de manobra do
governo colombiano estivessem comprometidas (TOKATLIAN:1999, 352), especialmente porque esse
passou a ser visto como um “país problema” por Washington e por seus vizinhos (VEJA: 2005, 6).
Para Tawse-Smith (2008, 287), no governo de Ernesto Samper (1994-1998), teria havido uma
mudança de foco dirigida para os direitos humanos e para a humanização do conflito. De modo que
sua diplomacia, entre 1994 e 1995, estava mais ligada ao tema dos direitos humanos do que à
negociação com a guerrilha. O Congresso colombiano aprovou, nessa época, a ratificação do Protocolo
II da Convenção de Genebra (que aborda a proteção de civis em conflitos armados internos), incitou a
investigação de alguns massacres e aceitou a presença do Escritório do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na Colômbia (TOKATLIAN:1999, 353).
Durante o governo de Andrés Pastrana (1998-2002), a Colômbia, a partir de uma decisão clara e
explícita (GUZMÁN: 2007, 72), conseguiu transpassar a visão de que todo o país estava tomado pelo
narcotráfico e destruído pela guerra (TICKNER: 2007, 99), de que o Estado colombiano não tinha
capacidade de lidar com isso (quase como um Estado falido) sem auxílio internacional e que uma
intervenção mais direta (tanto para buscar a paz como no próprio conflito) era necessária para evitar
que este transbordasse para outros países e ameaçasse a segurança e a estabilidade regionais
(CASTRO: 2011, 93) (CARDONA: 2001, 63).
Essa visão ia ao encontro das preocupações e pretensões dos EUA. O aumento do consumo de drogas e
da violência no país associada ao comércio de narcóticos fez com que o governo estadunidense
decretasse as drogas como a “ameaça número um { segurança nacional” (CARDONA:2001, 55). Os EUA
entendiam que, para acabar com o narcotráfico, seria necessário reduzir a oferta, ou seja, agir nos
países produtores, o que era amplamente apoiado pela população americana(PASSOS:2012, 6). A
“Guerra {s Drogas” incluía fortalecer as instituições políticas da Bolívia, Colômbia e Peru; empoderar
as unidades policiais e militares para combaterem todo o seu percurso (desde o cultivo até as rotas de
lavagem de dinheiro) e oferecer apoio militar e policial direto para o desmantelamento dos cartéis
(VILLA; OSTOS:2005, 87).
Pastrana conseguiu atrair o interesse dos EUA ao colocar a Colômbia como país “problema” e ao fazer
uma relação direta entre a violência e as drogas (como grande ameaça à segurança nacional e
regional), especialmente considerando que os grupos armados (guerrilhas e paramilitares) eram
majoritariamente financiados por essa atividade ilícita (CARDONA:2001, 56). A “Diplomacia pela paz”,
desenvolvida pelo presidente Pastrana, formalizou a internacionalização do conflito armado, ao
designar papel fundamental para a comunidade internacional na solução do conflito (TICKNER: 2007,
100) (GUZMÁN: 2007, 80). Essa “diplomacia pela paz” consistia em manejar deliberadamente as
relações internacionais colombianas com o objetivo último de conseguir apoio externo para a guerra
interna (TOKATLIAN: 1999, 340). Apesar disso, Duarte García (2006, 6) defende que esse governo
estava mais a favor dos direitos humanos dos que os anteriores.
O termo narcoguerrilha foi cunhado nos anos 1980 e passou a ser utilizado de maneira sistemática
tanto pelos EUA quanto pelo governo colombiano a partir dos anos 1990 (PASSOS:2012, 7). Ao colocar
que grupos armados são narcoguerrilhas, deixa-se de reconhecer seu caráter de beligerante
impedindo que o direito internacional humanitário possa ser aplicado. Essa nomenclatura foi
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substituída no final do mandato de Pastrana e início do de Uribe pelo termo narcoterrorismo quando
as guerrilhas e os paramilitares entraram na lista de organizações terroristas do Departamento de
Estado dos EUA em 2001 (CASTRO: 2011, 94) (GUZMÁN: 2007, 81). Em 2002, a União Europeia
também colocou as FARC e a ELN em sua lista de organizações terroristas.
Em 1999, houve a formulaç~o do Plano Colômbia por parte do governo Pastrana como “um plano
econômico e social para a reestruturação do país [...] para a paz, a prosperidade e o fortalecimento do
Estado”(PASSOS: 2012, 8), de modo que 76% dos recursos seriam direcionados ao investimento social
e o restante ao combate do narcotr|fico. Os EUA conceberam o plano como “ummecanismo militar de
combate à produção e ao tráfico de drogas ilegais na Colômbia e em outros países da região
andina”(VILLA; OSTOS: 2005, 93-94). O Plano Colômbia (Primeira Fase: 2000-2006 e Segunda Fase:
2007-2013), aprovado pelo Congresso dos EUA com forte consenso entre Democratas e Republicanos
em 1999, se converteu em “uma estratégia social, econômica e, sobretudo, militar para combater o
narcotr|fico e osgrupos armados na Colômbia”(PASSOS: 2012, 8). Seus grandes temas eram processo
de paz e conflito; economia; estratégia antinarcóticos; Estado de Direito e promoção de democracia e
do desenvolvimento social (CARDONA: 2001, 58). Sua lógica última era a de que o combate ao
narcotráfico levaria ao fim do conflito colombiano (PASSOS:2012, 8). Esse Plano aprofundou o
interesse dos EUA na crise colombiana, o que levou ao aumento dos níveis de ingerência na luta contra
as drogas, dos recursos de ajuda, da intensidade das fumigações em áreas de cultivos ilícitos e dos
laços de aproximação militar entre os dois países (TICKNER:2007, 100).
Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 aos EUA e a Guerra ao Terror concebida pelo
governo George W. Bush levaram as ações contra as drogas empreendidas na Colômbia a serem
entendidas também no contexto da guerra ao terrorismo. De modo que o governo colombiano adotou
a normativa de narcoterrorismo para se referir à crise interna vivida pelo país(VILLA; OSTOS:2005,
99). O Plano Colômbia II (2007-2010) consagrou essa fusão, classificando os grupos armados
colombianos como ameaças terroristas (PASSOS: 2012, 12). Até o ano de 2011, os EUA tinham
investido mais de US$8,69 bilhões na Colômbia (BEITTEL:2011, 34-35apudCASTRO: 2011, 95).
Desses, 55% foram para as forças armadas, 27% para a política, 9% para projetos de desenvolvimento
alternativo, 3% para apoio aos deslocados por causa do conflito, 2% para a reforma judicial, 1% para a
proteção de direitos humanos e menos de 1% para a paz(VILLA; OSTOS: 2005, 94).
Durante seus dois mandatos, Álvaro Uribe (2002-2010) conseguiu obter o interesse dos EUA ao
inserir o conflito interno dentro da lógica do terrorismo, ou seja, a crise colombiana foi mostrada
como a maior ameaça terrorista no continente americano. O governo de Uribe definiu e executou uma
política de segurança que negava a existência de um conflito armado interno (e assim a natureza
política dos grupos guerrilheiros), classificando a situação como um cenário de atividades
narcoterroristas. Esse discurso internacional propiciou um maior nível de ingerência internacional,
principalmente dos EUA, caracterizando mais uma vez o fenômeno de “intervenç~o por convite”
(TICKNER: 2007, 102-103) (CASTRO: 2011, 95). A negação do conflito teve como objetivos, dentre
outros, justificar o desconhecimento da legislação e dos parâmetros éticos desenvolvidos pela
comunidade internacional para a condução das hostilidades; atenuar a responsabilidade dos atores
armados e do próprio governo de cumprir com as regulamentações, de responder pelas violações de
direitos humanos e de não reconhecer direitos e deveres dos grupos armados de serem classificados
como beligerantes frente ao direito humanitário internacional (RUIZ:2008, 43).
A inserção internacional do país ocorreu em torno dos temas do narcoterrorismo e da segurança
nacional (BUELVAS:2011, 2). Durante o governo Uribe, o conflito foi fortemente militarizado
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(PEDRAZA: 2012, 64). Sua aproximação militar para lidar com o conflito foi ao encontro da visão de
cruzada internacional contra o terrorismo de Bush, garantindo apoio dos EUA para as empreitadas do
presidente (BUELVAS:2011, 3). Uribe também acreditava que o terrorismo era o grande violador dos
direitos humanos, de modo que relacionava esse tema com o narcotráfico para justificar suas políticas
(DUARTE GARCÍA: 2006, 12).
Percebe-se que a internacionalização do conflito armado passou a ser uma política pública e um tema
central da agenda da política externa colombiana, especialmente porque, por meio dos binômios
drogas/insurgência e terrorismo/insurgência, o governo colombiano transformou um conflito que
pouco teria interesse para os EUA em uma prioridade na agenda desse país (GUZMÁN:2007, 83-86).
Ao mesmo tempo, não houve uma forma uniforme de tratar o conflito, pelo contrário muitas vezes ele
foi negado direta ou indiretamente pela diplomacia colombiana. Ao classificar os grupos armados
como terroristas ou narcotraficantes esquece-se de que o que está em acontecendo na Colômbia é um
conflito armado interno cujas regras estão inscritas no Direito Humanitário Internacional. Assim, a
atuação internacional do governo colombiano para o conflito armado pode ser resumida da seguinte
forma:
cuando el gobierno se encuentra en medio de un proceso de paz, explícita o
implícitamente reconoce a estos grupos como actores armados ilegales con
agendas políticas; sin embargo, cuando la estrategia predominante es a militar y
los diálogos de paz no son contemplados por el gobierno, terroristas y, más
frecuentemente, narcoterroristas, son los términos que el gobierno prefiere
usar para referirse a estos grupos en escenarios públicos. Al definir la guerrilla
como un movimiento terrorista en vez de combatientes, el gobierno remueve el
contenido social y político de la agenda de los insurgentes, debilita el principio
bajo el cual estos grupos luchan (en nombre de los sectores marginales de la
población) y, al contrario, presenta sus actividades como hostiles hacia la
misma población que pretende proteger y, en general, hacia todo el país. Esta
estrategia también contribuye a legitimar y justificar el uso de fuerza militar en
contra de estos grupos insurgentes y elimina casi en su totalidad las
posibilidades de una solución política al conflicto (GUZMÁN: 2007, 77-78)
Tal atitude converge para a construç~o de uma “diplomacia do silêncio” que contribui para
invisibilizar tanto o conflito armado interno quanto as violações de direitos decorrentes dele, dentre
elas o recrutamento e uso de crianças soldado. Quando grupos armados não estatais não são
considerados como partes do conflito, eles não são entendidos dentro dos tratados de Direito
Humanitário Internacional, que proíbem crimes de guerra e contra a humanidade. Sendo assim, a
proibição de recrutar menores de 15 anos presente nas Convenções e Protocolos de Genebra só é
aplicável em situações de conflito armado interno ou internacional. Uma realidade de atividades
terroristas não compreende esses quesitos. Isso é extremamente preocupante por não relacionar o
uso de crianças soldado como um crime de guerra cometido pelos atores armados em questão. Dessa
forma, o próprio governo contribui diplomaticamente para que esse tema seja invisibilizado e para
que seus perpetradores permaneçam impunes.
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A “diplomacia do silêncio” também se revela na maneira como a Colômbia vota na Organizaç~o das
Nações Unidas junto a grandes violadores de direitos humanos, em como emprega esforços para
mostrar que não viola sistematicamente os direitos humanos e que está trabalhando para acabar com
a tragédia humanitária (TOKATLIAN:2000, 42). Ou seja, o tema dos direitos humanos aparece na
agenda diplomática colombiana não como uma prioridade, mas como uma reação a provocações de
outros Estados, organizações internacionais e da sociedade civil e agências de cooperação. Além disso,
a Colômbia possui uma figura internacional de uma das democracias mais sólidas da América do Sul, o
que impede que muitas violações de direitos humanos sejam consideradas seriamente pelos órgãos
internacionais competentes (DUARTE GARCÍA:2006, 2).
Nessa lógica, os direitos humanos (e as crianças soldado) não foram um tema central da política
exterior colombiana que sempre buscou esconder tais questões. Na verdade, nem o conflito
propriamente dito o foi, tendo esse ficado apagado pelo narcotráfico ou pelo terrorismo. O tema dos
direitos humanos é tratado como de car|ter “interméstico” com pouca resson}ncia internacional por
meio de técnicas como a negação da existência de uma crise, a busca de distrações internacionais por
meio de manobras (focar em outras situações mais graves) e a formação de alianças internacionais
para evitar repercussões e condenações internacionais (DUARTE GARCÍA:2006, 3).
A política externa do atual presidente Juan Manual Santos (2010-2014) apresenta-se como
diferenciada ao reconhecer publicamente a existência de um conflito armado na Colômbia e não de
uma ameaça terrorista e instar os grupos armados a cumprirem o direito humanitário internacional
(CASTRO:2011, 110). Além disso, ele busca uma imagem mais amigável frente à América Latina, na
qual a Colômbia posiciona-se como receptora e provedora de cooperação internacional em temas
como crime organizado, contra insurgência e antinarcóticos7, e procura o restabelecimento e a
normalização das relações com a Venezuela e o Equador (BUELVAS: 2011, 2). As estratégias de Santos
envolvem uma diversificação temática e geográfica pautada no pragmatismo e no multilateralismo
(CEPIK; BRANCHER; GRANDA:2012, 19). Sua política externa pretende ser mais diversificada,
cooperativa e não confrontacional, de modo a posicionar a Colômbia como um ator político relevante
na América Latina e no Caribe (RAMIREZ: 2011, 80). Não se percebe muita ênfase no tema dos
direitos humanos, apesar de o governo ter aprovado, em 2011, uma lei que garante compensações
para as vítimas do conflito armado (conhecida como Lei de Vítimas e Restituição de Terras). O
problema dessa normativa é que ela não se aplica às pessoas que sofreram nas mãos de grupos pósdesmobilização que são classificados pelo governo como grupos criminais e não partes beligerantes
do conflito. A grande questão é que tais grupos estão diretamente ligados aos paramilitares que
teoricamente teriam se desmobilizado por completo entre 2003 e 2006.
A Corte Suprema também se recusou a aprovar o acordo militar com os EUA, assinado no governo
Uribe, que permitiria a este país utilizar bases militares em território colombiano por dez anos para
ações contra narcóticos e contra o terrorismo. Ao mesmo tempo, segundo Castro (2011, 103) uma das
explicações para esse giro na política externa colombiana seria o fato de os EUA terem demorado
consideravelmente para ratificarem o tratado de livre comércio com a Colômbia. A continuidade de
tais políticas assim como das conversas de paz com a guerrilha ocorre visto que Santos foi reeleito no
pleito eleitoral de 2014. Como mostrado, a política externa colombiana para o conflito armado, assim
como suas versões mais militaristas ou abertas à negociação dependeram dos presidentes que
estavam no poder e em como eles entendiam e se posicionavam frente à realidade internacional que
os cercava. Nenhum deles tratou ou evidenciou o tema dos direitos humanos, o que também se
7
Ibidem, p.108.
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percebe no âmbito interno com a falta de uma política pública clara e eficiente para esse tema,
caracterizando assim uma “diplomacia do silêncio” na Colômbia, o que contribui para que essa
situação seja invisibilizada na política internacional.
2.
As Relações Brasil-Colômbia e o tema do conflito armado: uma aproximação
distante
Os países vizinhos da Colômbia (Venezuela, Brasil, Panamá, Equador) aumentaram a segurança de
suas fronteiras com o início doPlano Colômbia, com medo de que os cultivos de coca, o tráfico de
drogas e as incursões dos guerrilheiros fossem deslocados para seus territórios. Esses também estão
lidando com o aumento nos fluxos de refugiados causados pelo conflito (VEJA: 2005, 8). As relações
com o Equador e a Venezuela se deterioraram durante o governo Uribe, contudo, essas foram
destensionadas no governo Santos. As relações entre a Colômbia e seus vizinhos possui, assim, caráter
interméstico, com problemas da agenda internacional sendo internacionalizados .Essas questões
“intermésticas”, que pautam essas relações, s~o “o plantio e o tr|fico de drogas, a atuaç~o de atores
armados, aquestão dos direitos humanos, os deslocamentos forçados, as possibilidades dedesastres
ecológicos, e a lavagem de dinheiro” (VILLA; OSTOS:2005, 108). Tais países não desejam se envolver
nesses problemas por não terem capacidades para tal, ou por não conseguirem realizar o cálculo de
quão benéfico isso seria para seus interesses8. Não está presente na agenda externa desses Estados a
situação dos direitos humanos na Colômbia e esses países realizam poucas ações que permitem
visibilizar esse tema no cenário internacional por falta de informações e recursos.
Considerando o discurso da diplomacia brasileira de proteção aos direitos humanos, seria de se
esperar que o Brasil adotasse uma posição mais crítica frente à realidade do conflito colombiano,
incluindo pressionar o governo para tomar ações concretas sobre a violação dos direitos humanos.
Essa seção se focará mais em um estudo exploratório das relações da Colômbia com o Brasil visto que
esse é o maior país da América do Sul em termos de economia, território, influência política e
população.
As relações entre o Brasil e a Colômbia são historicamente fracas por razões que vão desde a natureza
selvagem de suas fronteiras até a falta de confiança por parte da Colômbia com relação aos interesses
brasileiros. De modo que Villa e Ostos (2005) classificam essas interações como uma “indiferença
recíproca”. Apenas depois dos anos 2000, é que esses vizinhos distantes começaram a se aproximar
por causa dos problemas de segurança vividos na Colômbia e pelo interesse geopolítico do Brasil na
região (RAMÍREZ: 2009, 90).
A partir dos anos 1990, o Brasil começou a perceber a importância tanto comercial quanto estratégica
dos países andinos. Em relação à Colômbia, o Brasil, a partir desse momento, começou a recear um
eventual transbordamento do conflito e a perceber negativamente a influência dos EUA, por meio do
Plano Colômbia, suspeitando que isso pudesse levar à internacionalização da Amazônia 9.
O Brasil voltou-se para a América do Sul mais recentemente, principalmente nos anos 1990. Com a
Colômbia, há um histórico de interações comerciais escassas além do desconhecimento e da
8
Ibidem.
Ibidem, 94.
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desinformação sobre a origem, natureza e evolução do conflito armado (VAZ: 2006, 39). Durante os
anos 1960 a 1980, os países vizinhos não viam o conflito armado interno como uma ameaça
(CASTRO:2011, 92). O mesmo acontecia com o Brasil que sustentava que esse era um problema
interno da Colômbia que não deveria ter a ingerência de terceiras partes (VAZ: 2006, 41). O Brasil
também buscou manter-se longe do conflito por considerá-lo fácil de entrar e difícil de sair, fazendo
declarações genéricas a favor da paz e defendendo a posição de não intervenção em assuntos de
outros países. Contudo, o Brasil foi (e ainda é) diretamente impactado pela crise colombiana.
Brasileiros, inclusive crianças, foram recrutados pelas guerrilhas para desempenharem funções de
guias e trabalho nos cultivos de coca. A cocaína colombiana tem contribuído negativamente para o
aumento do narcotráfico, do crime e da violência nas cidades brasileiras. Essa ainda é exportada por
portos brasileiros para a Europa e para outras localidades. Por outro lado, organizações criminosas
brasileiras contribuem com o tráfico de armas para a Colômbia (ICG: 2003, 26) (URIGÜEN: 2005, 184).
Tanto Fernando Henrique Cardoso (FHC) como Andrés Pastrana não empreenderam muitos esforços
para desenvolver uma parceria. FHC ofereceu um leve apoio às intenções de Pastrana de negociar com
as guerrilhas e questionou a decisão do governo colombiano de não ter convidado o Brasil para fazer
parte da Comissão Internacional da Paz. A Colômbia sentiu falta da presença brasileira na “mesa de
doadores para o processo de paz”(RAMÍREZ:2009, 98). Pastrana não desejava o envolvimento nem do
Brasil, nem da ONU nesse momento. De modo que o Brasil continuou a oferecer apoio diplomático ao
processo de paz, a defender os princípios de soberania e de não intervenção nos assuntos da
Colômbia, a fortalecer sua capacidade de controlar as drogas em seu território e a se negar a
classificar os grupos armados tanto como terroristas quanto como beligerantes (ICG: 2003,22). Com
essa decisão, o país procurava evitar a escalada do conflito e reconhecia que os grupos em questão
não eram terroristas, mas que a situação na Colômbia era causada por injunções políticas de ordem
interna (TEIXEIRA JÚNIOR; NOBRE: 2010, 279). Também mantinha as portas abertas para que o
Brasil pudesse desempenhar o papel de facilitador em uma negociação futura (URIGÜEN: 2005, 179).
Além dessas, as iniciativas diplomáticas brasileiras para a Colômbia de tentar obter acordos bilaterais
e de cooperação técnica sobre agricultura, modernização da administração pública e meio ambiente se
mostraram fracassadas (ICG: 2003, 22).
Ainda que o governo Cardoso reconhecesse que o conflito era preocupante, o que merecia atenção e
troca de informações entre agências, esse não considerava seu efeito spill-over. Assim, em 2002, o
governo optou por uma postura diplomática distante para ver como a nova estratégia colombiana iria
se desenvolver em relação aos EUA10. No mesmo ano, em parceria com a Anistia Internacional, o Brasil
contribuiu com helicópteros e elementos logísticos para facilitar as liberações de reféns em uma
operação de troca humanitária de prisioneiros com as FARC. A formação do Plano Colômbia assim
como o aumento da ingerência dos EUA em território colombiano e o texto do tratado para o uso de
bases colombianas pelos EUA foram percebidos com desconfiança pelo Brasil e por outros países sulamericanos (CASTRO: 2011, 96).
O Brasil via a ação dos EUA como uma intromissão na região, uma estratégia militar funcional aos
interesses estadunidenses por oferecer uma justificativa para a presença militar norte-americana na
América do Sul (VAZ:2006, 45). O Brasil temia que o Plano Colômbia levasse atores armados a
adentrar no território brasileiro, que os cultivos ilegais erradicados na Colômbia se deslocassem para
o Brasil e que a fumigação das plantações de coca contaminasse os rios e as florestas da Amazônia. O
país acreditava que a via militar não iria resolver a crise e se recusou a autorizar que os EUA
10
Ibidem, 24.
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utilizassem instalações militares brasileiras para operar na Colômbia (BANDEIRA: 2008, 21)
(URIGÜEN: 2005, 178).
A chegada do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder fez com a Colômbia temesse que setores
oficiais brasileiros estabelecessem relações com as FARC e adotassem uma posição semelhante a da
Venezuela (que já reconhecia os grupos como beligerantes). Por outro lado, com o advento da Guerra
ao Terror, o Brasil passou a temer um eventual transbordamento do conflito e a internacionalização
da Amazônia (RAMÍREZ:2009, 96). Foram definidas três fontes de insegurança entre os dois países: “o
conflito armado na Colômbia e as interações estabelecidas com ele a partir do Brasil; os vínculos
irregulares em ambos os lados com o problema das drogas; e o crime transfronteiriço”11. No final de
seu mandato, Lula passou a perceber o conflito colombiano como um desafio para a capacidade
brasileira de administrar crises na América Latina e como o maior obstáculo à integração regional
(especialmente para a UNASUL), de modo que houve o aumento do interesse do país nesse tema. Em
2003, passou a fazer parte do G-24, grupo de países e organizações que se reuniram em Londres e em
Cartagena das Índias em 2004 para discutir a situação da Colômbia. Desses dois encontros, surgiram a
Declaração de Londres (2003) e a Declaração de Cartagena (2004) com recomendações para o
governo colombiano. O Brasil começou a cooperar com o presidente Álvaro Uribe compartilhando as
informações obtidas por meio do sistema de monitoramento por satélite da região Amazônia (SIVAM).
Em setembro de 2003, o Brasil se ofereceu para sediar conversas entre a ONU e as guerrilhas, o que
foi rejeitado pelo governo colombiano (SPRINGER: 2004, 18). Foi constituída ainda uma Comissão
Mista Antidrogas entre os dois países com mecanismos de cooperação e grupos de trabalhos
(RAMÍREZ: 2009, 99).
Apesar disso, as relações entre o Brasil e a Colômbia permaneceram distantes. O Brasil não se
comprometeu de fato com o conflito. Apesar de criticar a sua militarização, o país se manteve em
silêncio frente ao protagonismo dos EUA na temática (GRATIUS: 2007, 20-21). Durante todo o
governo Uribe, a UNASUL questionou a Colômbia constantemente (principalmente após a incursão
militar em terras equatorianas), o que levou o governo colombiano a se afastar da organização e a
deixar de participar de suas reuniões também pelas diferenças com o Equador (CASTRO: 2011, 98).
É interessante observar que a primeira visita oficial do presidente eleito Juan Manuel Santos foi para o
Brasil, em setembro de 2010, e não para os EUA como era de costume. Isso está inserido no giro de
política externa apresentado na seção anterior. Nessa ocasião, Santos e o presidente Lula firmaram
oito acordos de cooperação bilateral nas áreas de comércio, desenvolvimento fronteiriço, segurança e
defesa, cooperação acadêmica e científica, meio ambiente, bioenergia, nanotecnologia e aviação
militar (BUELVAS: 2011, 13). Ambos os presidentes definiram essa como a “Década da América
Latina” (CASTRO: 2011, 98). A Colômbia, com o apoio do Brasil, anunciou que começou as negociações
para ingressar como membro pleno do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A Colômbia também
afirmou que exerceria uma participação ativa e construtiva na UNASUL (BUELVAS: 2011, 7; 14). A
UNASUL se apresentou como uma possibilidade de recuperar e aumentar os vínculos com as nações
sul-americana nas áreas de infraestrutura, comércio, convergência, segurança e entendimento com os
vizinhos (RAMÍREZ: 2009, 106).
Além disso, a neutralidade brasileira e a ausência de uma tomada de posições mais forte a respeito da
situação na Colômbia fizeram com que David Flórez (2013), porta-voz do movimento Marcha
Patriótica, afirmasse que o governo brasileiro deveria ser mais proativo na defesa da paz e deveria
11
Ibidem, p.97.
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tomar partido. Criticou o acordo entre o governo brasileiro e o colombiano pelo qual a empresa
Embraer se tornou um importante fornecedor de aviões de treinamento e transporte para as forças
armadas colombianas. Pela lógica da Marcha Patriótica, esses aviões estariam sendo usados no
bombardeio de territórios colombianos, o que contribuiria para a militarização do conflito e para o
aumento da violação de direitos humanos.
Dessa forma, o Brasil poderia promover uma cooperação diferente com o governo colombiano que
visasse à paz e procurasse trabalhar para a proteção dos civis envolvidos no conflito armado,
principalmente considerando o discurso brasileiro de proteção dos direitos humanos. Uma ação
propositiva frente ao governo colombiano seria uma resposta para isso, especialmente porque a
política externa colombiana procurava um parceiro para tal. A internacionalização do conflito
colombiano motivada pela própria Colômbia ofereceu uma oportunidade para que a diplomacia
brasileira pudesse se posicionar promovendo uma alternativa à militarização proposta pelos EUA.
Isso não ocorreu. Como defende Gratius (2007, 23), “es una contradicción que Brasil quiera asumir un
papel de pacificador regional e ignore, al mismo tiempo, el conflicto colombiano y/o acepte el
protagonismo de EE.UU”. O distanciamento brasileiro do conflito colombiano serviu como uma
maneira de consentir com os interesses norte-americanos na regi~o. De modo que o Brasil “aceitou”
que os EUA assumissem a responsabilidade pela frágil situação na Colômbia, enquanto que o Brasil
ficou com a tarefa de prevenir conflitos nos outros países da região (GRATIUS:2007, 23) (BUELVAS:
2011, 12).
Dessa forma, sobre o conflito, o Brasil continua a defender uma saída negociada e o emprego da
mediação internacional respeitando o princípio de não intervenção e evitando a violação de direitos
humanos causada pela militarização (VILLA; OSTOS:2005, 106), sem propostas ou ações mais
concretas. O Brasil não trata da temática do uso de crianças soldado em sua política externa, o que se
traduz também em sua posição de não reconhecer os grupos armados não estatais como beligerantes.
Dessa forma, o governo brasileiro poderia exercer um importante papel de pressão para que o Estado
colombiano tomasse medidas efetivas para acabar com o recrutamento e uso direto e indireto de
crianças por grupos armados e pelas forças públicas, porém não o faz, o que contribui mais uma vez
para a construção do silêncio sobre essa prática recorrente que continua a ser empregada por todas as
partes do conflito. O discurso brasileiro de direitos humanos é muito mais utilizado de uma maneira
geral para legitimar e justificar algumas posições brasileiras no cenário internacional, mas não é
empreendido de fato em situações concretas que recebem pouca atenção da diplomacia brasileira,
como a Colômbia.
3.
Considerações finais
A política externa colombiana priorizou o narcotráfico e o terrorismo, em detrimento do próprio
conflito armado, que chegou até a ser negado pelo governo em alguns momentos. Ao mesmo tempo, os
governos colombianos foram administrando a pressão sofrida internacionalmente sobre o tema das
violações de direitos humanos, sem nunca inserir essa temática como central em sua agenda de
política externa. Ao mesmo tempo, a Colômbia se voltou para os Estados Unidos da América por
realizar um c|lculo “racional” de que uma inserç~o internacional dependente seria mais vantajosa do
que atitudes autônomas fracassadas. Os EUA eram os líderes regionais que estavam dispostos a pagar
os custos que a Colômbia apresentava e desejava. Esses se comprometeram com o conflito armado de
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acordo com suas lentes que convergiam com as expectativas colombianas e viam a militarização como
a saída necessária para a situação. Essa não acabou com o conflito armado e contribuiu para
invisibilizar as graves violações de direitos humanos praticadas por todas as partes do conflito.
Por outro lado, o Brasil manteve e ainda mantém relações distantes com a Colômbia. O conflito
colombiano não apareceu (e ainda não aparece) como uma prioridade na agenda regional, visto que
esse estava sendo administrado pelos EUA. O Brasil não apresentou alternativas concretas para a
resolução do conflito, mantendo sua posição de não intervenção e considerando a questão como de
caráter doméstico. Ainda que isso preocupasse o Brasil, tal situação não foi suficiente para que o país
adotasse uma postura mais ativa, propusesse soluções e planos concretos ao governo colombiano e
oferecesse um modelo alternativo ao de militarização, que respeitasse os princípios de soberania, de
não intervenção e de proteção aos direitos humanos (tão caros no discurso diplomático brasileiro). O
giro da política externa colombiana rumo à América Latina não significa um desalinhamento com os
EUA. Esse seria apenas um novo momento de aproximaçãoproposto pela diplomacia colombiana aos
seus vizinhos, dentre eles ao Brasil. Sendo assim, é até possível pensar que talvez as relações entre
Brasil e Colômbia se aproximem no futuro, mas quem deu o primeiro passo para tal foi a Colômbia
com ações como a primeira visita oficial do presidente Santos ao país. Ainda mais considerando que a
agenda de política externa da presidente Dilma encontra-se um pouco afastada da região e mais
focada em outras coalizões Sul-Sul como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Por fim, a diplomacia colombiana não esteve voltada para o Brasil. Seus interesses foram respondidos
pelos EUA. Já a diplomacia brasileira apenas reagiu às decisões e aos movimentos da política externa
colombiana, de modo a ocupar os espaços nos quais a liderança estadunidense não desejava alcançar.
Nestes, a Colômbia era um ponto fora da curva do qual a distância era a melhor resposta. A política
externa colombiana colocou o narcotráfico e o terrorismo como prioridades mantendo tanto as
características do conflito armado como as violações de direitos humanos decorrentes dele
desconhecidas no plano internacional. Isso também contribuiu para as reações brasileiras a esse tema.
Ao mesmo tempo, se fosse do interesse brasileiro, o Brasil poderia ter oferecido outro tipo de
cooperação para o governo colombiano e colocado esse país em maior destaque entre seus parceiros
econômicos e políticos na região. Isso não aconteceu, sendo assim, tanto a Colômbia quanto o Brasil
são responsáveis por um relacionamento distante e para o low profile da política externa brasileira em
relação ao conflito armado colombiano.
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1851- 1909: La influencia del Brasil en la delimitación de las
fronteras de la República Oriental del Uruguay
Nastasia Barceló Severgnini1
Resumen
El presente trabajo tiene como finalidad estudiar cuál fue el peso de la influencia de la República Federativa del Brasil
en la delimitación de los límites de la República Oriental del Uruguay. A modo de comprender el rol preponderante de
Brasil en la historia uruguaya, en la primera sección es descripto el período entre 1839 y 1951 cuándo tuvo lugar la
denominada “Guerra Grande”; conflicto de gran envergadura para la historia nacional del Uruguay y para las
relaciones con Brasil por la firma de cinco tratados tras el fin de la Guerra; (Alianza, Límites, Navegación, Comercio y
Extradición). Entre 1851 y el final de la “Guerra de la Triple Alianza”, parte de la historiografía uruguaya afirma que se
vivió en una especie de “protectorado virtual” de Brasil como consecuencia de la aplicación de los “desiguales”
tratados de 1851 entre ambas naciones, lo que a su vez derivó en intervenciones armadas de Brasil en Uruguay; en
1853 en respaldo a la resolución de Venancio Flores contra el Presidente constitucional Juan Francisco Giró y en un
segundo momento en apoyo a la “Revolución Florista” contra el Presidente Nacionalista Bernardo Berro que derivó
en el sitio a Montevideo y Paysandú. En esta misma dirección son destacados los factores tanto de índole económico
y financiero que hicieron posible el mantenimiento del “protectorado virtual” hasta finales de la guerra del Paraguay,
las causas de la sucesiva pérdida de influencia de Brasil hasta la revisión de los tratados de 1851 ya a inicios del S.XX
por el Barón de Rio Branco que culminó con la firma de un nuevo tratado de límites en 1909 en donde el Uruguay
recupera la navegabilidad del Río Yaguarón y la Laguna Merím.
Palabras claves: Tratados de 1851, Uruguay, Brasil, límites, Barón de Rio Branco.
Abstract
This paper aims to study what was the weight of the influence of the Federative Republic of Brazil in delineating the
limits of the Oriental Republic of Uruguay. A way to understand the important role of Brazil in Uruguayan history, in
the first section is described the period between 1839 and 1951 when the so-called "Great War" took place; major
conflict for the national history of Uruguay and Brazil for relations with the signing of five agreements after the end of
the war; (Alliance, Limits, Navigation, Commerce and Extradition). Between 1851 and the end of the "War of the
Triple Alliance," part of the Uruguayan historiography claims that he lived in a kind of "virtual protectorate" of Brazil
as a result of the implementation of the "unequal" treaties of 1851 between the two countries , which in turn led to
armed intervention of Brazil in Uruguay; in 1853 in support of the resolution Venancio Flores against the
constitutional President Juan Francisco Giró and a second time in support of the "Flower Revolution" against
President Nationalist Bernardo Berro that led to the site to Montevideo and Paysandu. In this direction are prominent
factors both economic and financial nature that made possible the maintenance of "virtual protectorate" until the end
of the war in Paraguay, the causes of the successive loss of influence of Brazil to the revision of the treaties of 1851
and the early twentieth century by the Baron of Rio Branco which culminated in the signing of a new border treaty in
1909 where the Uruguay River navigability recovers Yaguarón and Laguna Merin.
Keywords: Treaties, Boundaries, Brazil, Uruguay, Rio Branco.
Licenciada en Relaciones Internacionales e Integración por la Universidad Federal de la Integración Latinoamericana
(UNILA). Mestranda en Relaciones Internacionales por el Programa de Pos graduación San Tiago Dantas (UNESPUNICAMP-PUC-SP). Miembra del Núcleo de Estudios y Análisis Internacionales NEAI.
Recebido para Publicação em 08/03/2016. Aprovado para publicação em 04/04/2016.
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1. Los tratados de 1851 entre el Imperio de Brasil y el Estado Oriental del
Uruguay
E
l Uruguay nació a la vida independiente como un Estado reconocido por la comunidad
internacional tras realizarse la Convención Preliminar de Paz2 el 28 de agosto de 1828,
entre las Provincias Unidas del Río de la Plata y el Imperio de Brasil, y negociada con la
mediación de Inglaterra, en dónde quedo expresado de forma manifiesta que “las tropas
argentinas se retirarían a la margen derecha del Río de la Plata y del Uruguay y que las tropas
brasileñas lo harían para las fronteras del Imperio”
En el período que se extiende entre la primera constitución del Uruguay (1830) hasta la Guerra
del Paraguay (1865), la historia de las relaciones internacionales de Uruguay estuvo dominada por
la internacionalización de los conflictos interiores, en dos grandes dimensiones; en el ámbito
regional, mediante la interconexión constante entre fuerzas políticas de Uruguay, Argentina y
Brasil, claros ejemplos de dicha situación lo constituye la alianza de Rivera con la Revolución
Farroupilha, las relaciones de Oribe con el partido federal de Argentina, y las relaciones entre los
dirigentes del gobierno de la Defensa de Montevideo y el partido unitario bonaerense, y en el
contexto internacional, las intervenciones de países europeos directamente en la política interna
cuya máxima expresión se registró durante la Guerra Grande.
Clemente (2005) caracteriza a esa fase como formativa de la identidad del Uruguay como un actor
internacional que culmina con la Guerra del Paraguay o Guerra de la Triple Alianza, en la cual las
dimensiones descriptas anteriormente tienen una última aunque dramática manifestación: la
intervención militar de Brasil en respaldo de la toma de Paysandú (sitio a Paysandú) por Venancio
Flores, la intervención de la diplomacia británica contra el gobierno nacionalista de Berro, la
interferencia de la diplomacia argentina, y la incorporación de Uruguay en la Triple Alianza y en la
guerra contra el Paraguay (CLEMENTE, 2005)
La denominada posteriormente como “Guerra Grande”3 (1839-1851) culminó con la firma de
cinco tratados entre Uruguay y el Imperio de Brasil; Tratado de Alianza, Extradición, Navegación,
Comercio y de Límites.
2
En agosto de 1828 se reunieron delegados de los gobiernos de Brasil y las Provincias Unidas. No hubo delegados
orientales; en cambio sí participaron algunos diplomáticos ingleses. Discutieron acerca de cómo se realizaría la
declaración de independencia. Se resolvió que lo hicieran por igual el emperador de Brasil y el gobierno de las
Provincias Unidas. También se discutió si la independencia sería definitiva o temporaria. La propuesta fue que hubiera
una especie de período de prueba hasta 1835, en el que los vecinos podrían auxiliar al nuevo Estado si estallaba la
guerra civil. Por último, la Convención establecía que Brasil y las Provincias Unidas debían aprobar la Constitución del
nuevo Estado antes de que se ratificara.
3 Con el nombre de “La Guerra Grande“ se conoce históricamente el extenso conflicto ocurrido en los países del Río de
la Plata entre 1839 y 1851. Fue esencialmente una guerra civil, interna, en el cual estuvieron involucrados bandos
políticos opuestos de la Argentina y el Uruguay, pero también intervinieron Francia, Inglaterra, el Imperio del Brasil y
especialmente las fuerzas italianas comandadas por José Garibaldi. Los bandos fueron, por un lado, el partido de los
federales que encabezaba el Gobernador de Buenos Aires Juan Manuel de Rosas, del cual fue aliado el Presidente
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El Tratado de Alianza declaraba a Brasil garante del orden interno de Uruguay así como de su
constitución, con el derecho a intervenir en los asuntos internos para imponer la paz, también
estipulaba la asistencia militar y financiera del Imperio al gobierno de Uruguay. El Tratado de
Límites fijaba la frontera del norte de Uruguay en el río Cuareim con renuncia a los derechos
históricos sobre el territorio de Misiones cuyo límite norte había sido el río Ibicuy. Ya el Tratado
de Navegación declaraba la libertad de navegación del río Uruguay para el Imperio pero excluía a
Uruguay de la navegación de la Laguna Merím y del río Yaguarón. El de Comercio fijaba una serie
de exenciones arancelarias para las importaciones de origen brasileño así como mayores
facilidades para la exportación de ganado hacia Brasil. El Tratado de Extradición instituía el
derecho a deportar y arrestar en a esclavos fugitivos en el territorio uruguayo. El contenido de
estos tratados provocó muchísimas críticas que subrayaban el carácter desigual de los acuerdos y
la contradicción con algunos principios constitucionales del Uruguay, tales como el que declaraba
que todo hombre que llegara al territorio uruguayo era automáticamente libre.
Entre las críticas se señalaba que la exención para las exportaciones de ganado arruinaría la
industria saladeril del Uruguay en detrimento de la de Río Grande do Sul.
Sin embargo, las opiniones divergentes no impidieron la ratificación de los acuerdos que se
produjo en 1852 (PEREZ ANTÓN, 2007). Sobre el carácter injusto de los tratados de 1851 el Ex
Ministro de Relaciones Exteriores del Uruguay para el período 1990-1995, Dr. Hector Gros Espiell
señaló que:
El régimen era en verdad, monstruosamente injusto y humillante. Tan grande fue la oposición
oriental, que se cuestionó la ratificación del Tratado…Lo injusto de los tratados de 1851, y
sobre todo las condiciones en que se firmaron, hicieron que no sólo el gobierno oriental
buscase su modificación- aunque reconociendo casi siempre su existencia- sino, además, a que
en una ocasión se sostuviera y declarara su nulidad (GROS ESPIELL, 1997).
En este sentido, hubo varios intentos de rectificación de los injustos tratados por parte del
Uruguay, aunque no se obtuvieron buenos resultados hasta comenzado el siglo XX, mediante las
negociaciones entre ambas naciones que culminaron con la firma del Tratado Uruguayo-Brasileño
de 1909.
uruguayo Manuel Oribe encabezando el “partido blanco”; al mismo tiempo que sus rivales argentinos, el partido de los
unitarios encabezado por el Gral. Juan Lavalle, tuvieron como aliados a los “colorados” del Uruguay. Los motivos de la
guerra fueron varios. Había en la Argentina un gran enfrentamiento entre la concepción de los unitarios y aquella de
los federales, que ya venía del tiempo de la Junta de Mayo de 1810; y en el que en gran medida Artigas quedó inscripto
en la corriente federalista, habiendo llegado a ser líder de ella, al menos en cierta época. Pero el federalismo de la
época de Rosas era un concepto muy distinto del de la época de Artigas.
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En diciembre de 1864, con los navíos brasileños en el Río Uruguay, auxiliando en el sitio a la
ciudad de Paysandú4 por las tropas revolucionarias del General Venancio Flores auxiliadas por la
escuadra imperial y por una división brasileña, el entonces Presidente Atanasio Aguirre dictó un
decreto presidencial que declaraba “Rotos, nulos y cancelados los tratados del 12 de octubre de
1851 y sus modificaciones arrancadas violentamente la República por el Imperio del Brasil”.
El Uruguay estaba sumergido en una Guerra Civil que culminó con la paz del 20 de febrero de
1865 suscrita por José María de Silva Paranhos, Ministro del Brasil. De esta manera se consolidaba
el triunfo completo del General Flores erigido como “gobernador Provisorio por influencia
brasileña”. El nuevo contexto político interno del Uruguay acabo por desconsiderar el decreto de
Aguirre de 1864 que declaraba nulos los Tratados
de 1851 (GROS ESPIELL, 1997)
Vale la pena recordar que el primero de mayo de 1865 se firmó el Tratado de la Triple Alianza,
entre la Confederación Argentina, Uruguay y el Imperio de Brasil para luchar contra el Paraguay
en la guerra; hecho que vinculaba aún más la política oriental y aumentaba los lazos de
dependencia con el Imperio.
Parte de la historiografía suele destacar dos momentos en la historia de la conformación de los
límites entre Brasil y Uruguay, como ya fue destacado los Tratados de 1851 y su tardía
rectificación en 1909, sin embargo, hubo numerosas tentativas y negociaciones que constituyeron
un largo proceso de relaciones diplomáticas en torno a la modificación del Tratado de 1851, en
este sentido el Dr. Gros Espiell señala que:
Las misiones de Vázquez Sagastume de 1878 y Carlos María Ramírez de 1887, las gestiones de
Blas Vidal, de Manuel Herrero y Espinosa en 1890, y la de Carlos de Castro de 1895, terminaron
en tristes fracasos. El Brasil por lo demás, justo es reconocerlo, si bien no accedió a las
demandas orientales, nunca tuvo una posición hermética e inflexible. Por el contrario, desde
1844 ilustres juristas como Duarte de Ponte Rebeiro, señalaban que además de la libertad de
navegación para los uruguayos la línea divisoria debería continuar desde la desembocadura del
Yaguarón, por medio de la Laguna, hasta frente los nacimientos del Chuy, siguiendo las aguas
de éste hasta el Océano” (GROS ESPIELL, 1997).
No obstante, frente a los enormes desafíos que se suscitaron por más de cincuenta años desde que
se firmaron los Tratados, la joven diplomacia oriental no ceso en sus tentativas por negociar
condiciones más favorables y justas para el Uruguay.
La «Cruzada Libertadora» de Flores, constituye un antecedente inmediato de la Triple Alianza contra Paraguay. Una
posible alianza entre el gobierno de Montevideo y el de Asunción, que le suministrara a Paraguay una salida al mar a
través del Río Uruguay, hubiera complicado los planes expansionistas de Brasil. Por eso, la instalación en Montevideo
de un gobierno favorable al Imperio, era una condición casi imprescindible para consumar el genocidio paraguayo.
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2. La política de subordinación al Imperio: el “Protectorado Virtual”
De acuerdo a Clemente (2005) los años transcurridos entre la firma de los Tratados en 1851 y el
fin de la guerra de la Triple Alianza están marcados por la existencia de una especie de
protectorado virtual del Imperio sobre el Uruguay; caracterizado por la dependencia económica
del Estado uruguayo así como por las numerosas intervenciones de los diplomáticos de Brasil en
asuntos de orden interno del Uruguay como designaciones ministeriales y de cargos de confianza
dentro del Estado, subordinación de la política exterior, también hubo dos intervenciones
armadas (derecho cedido por el Tratado de Alianza); una en 1853 en respaldo de la revolución de
Flores contra el Presidente constitucional Juan Francisco Giró y la segunda también en apoyo a la
revolución Florista en contra del Presidente Bernardo Prudencia Berro, cuando se produjo el
bloqueo a Montevideo y a Paysandú en donde participó la marina de Brasil (CLEMENTE, 2007)
Los protagonistas, por así llamarlos, que dieron sustento al “Protectorado Virtual” del Imperio
sobre el Estado Oriental del Uruguay, estaban a las dos márgenes de las fronteras; destacándose el
Embajador “perpetuo” de Uruguay en Rio de Janeiro Andrés Lamas, el embajador en Montevideo
de José María do Amaral a quien las legaciones europeas describían como a un “Virrey”, y José
María da Silva Paranhos futuro Vizconde de Rio Branco (CLEMENTE, 2007) .
El famoso en la época Barón de Maúa tuvo gran responsabilidad en la manutención financiera del
protectorado, Maúa era un poderoso empresario del imperio que actuó como prestamista del
gobierno de la Defensa (con sede en Montevideo) durante la Guerra Grande; en sí el régimen de
protectorado fue posible gracias a los subsidios imperiales recibidos entre 1851 y 1854 y la
tolerancia que tenía Gran Bretaña con respecto al Brasil que era su principal socio comercial en la
región.
De esta manera, existen algunos intelectuales uruguayos de gran envergadura como el historiador
Pivel Devoto (1945) que destacan la existencia de algunos actores políticos al interior del Estado
Oriental que defendían la subordinación a Brasil y a ese régimen que posteriormente se denominó
“protectorado virtual”, son los casos de Venancio Flores y Melchor Pacheco y Obes – y dirigentes
partidistas como Manuel Herrera y Obes (Partido Colorado) y Jaime Estrázulas (Partido Blanco)
que esperaban modificar la correlación de fuerzas internas con la ayuda brasileña.
Pivel Devoto también destacó el preeminente papel que ocupó Andrés Lamas 5 quien en varios
documentos defendió la “alianza” con Brasil como el “único medio para asegurar la recuperación
económica y política de Uruguay en un camino de “orden y progreso” y para aislar a Uruguay de la
anarquía política argentina”.
De acuerdo al Dr. Héctor Gros Espiell, la labor diplomática de Andrés Lamas no puede ser comprendida y estudiada
sin tener en cuenta dos elementos. No fue un diplomático clásico o tradicional , un típico diplomático de carrera que a
través de toda la vida se ha dedicado a cumplir instrucciones y a actuar estrictamente en el marco de las órdenes
recibidas de su gobierno. Fue un diplomático, pero fue al mismo tiempo, un político y un historiador, que en función
de sus propias ideas y objetivos llevaba a cabo su gestión diplomática.
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Sin embargo, cabe destacar que la influencia brasilera fue matizada a mediados de los años
cincuenta, es decir que se pasó de una influencia directa como ya fue descripto a una intervención
indirecta. En este sentido, Clemente (2007) destaca;
En 1855 terminaron los subsidios imperiales y en 1856, por presión de Gran Bretaña y otras
potencias europeas, fueron retiradas las fuerzas de ocupación que habían participado en la
revolución florista. Una Comisión Brasileña estableció el balance consolidado de la deuda de
Uruguay en $ 60 millones y estos créditos pasaron a manos del Barón de Mauá quien quedó
convertido en un actor fundamental de la política uruguaya. En 1859 una nueva consolidación
se realizó bajo el control de Mauá y preveía la intervención militar de Brasil en caso de cesación
de pagos. El Banco de Mauá quedó convertido en un banco nacional con permiso de emisión
monetaria y fue el centro de un vasto emporio de actividades comerciales, industriales
(saladeros, astilleros, gas, dique seco) y agropecuarias (importación de ovinos). Con el respaldo
de Mauá, Andrés Lamas presentó un plan para la creación de una unión de libre comercio entre
Brasil y Uruguay, para enfrentar a Argentina, a quien Lamas consideraba un competidor
natural de Uruguay (CLEMENTE, 2007)
Las críticas a esa situación desde el Uruguay toman forma con la asunción a la Presidencia de
Atanasio Aguirre y la reacción “nacionalista” que mantuvo en su gobierno, reacción que tuvo su
mayor expresión mediante la emisión del decreto del 13 de diciembre de 1864 por el cual se
declaraban nulos los tratados de 1851, y a través de otro decreto, del 14 de diciembre del mismo
año se ordenaba extinguir por medio del fuego los tratados en la Plaza Independencia de
Montevideo y se disponía que seis batallones debían asistir al acto, que se produjo el 18 de
diciembre.
No obstante, con la caída de Aguirre y el triunfo de Flores, dichos decretos fueron anulados y
nuevamente entraron en total vigencia los tratados de 1851. En este contexto desfavorable para
los nacionalistas, Andrés Lamas era restituido a su posición de Embajador en Río. y por su vez
Uruguay acabó entrando en la Triple Alianza contra el Paraguay. Es de público conocimiento que
el Uruguay participó con poco entusiasmo en la guerra de la Triple Alianza. En el ámbito
doméstico la oposición a la guerra era muy fuerte en muchos medios influyentes de la sociedad
uruguaya, y el propio Presidente, quien había llegado al poder con el respaldo de Brasil, no
desplegó mayores esfuerzos.
La victoria sobre Paraguay trajo resultados nefastos para todos los beligerantes, sin embargo, no
produjo los mismos resultados para todos los aliados. Paradójicamente, el más perjudicado fue el
Imperio cuya situación financiera quedó seriamente comprometida por el costo que significó el
conflicto, y a su vez la imagen del emperador estaba igualmente dañada, y es así que Uruguay se
convirtió en un protectorado demasiado costoso para Brasil. En la misma línea el emporio
financiero de Mauá, que comprendía una combinación compleja de diferentes empresas, sufrió las
consecuencias de la debilidad económica de su patria de origen, colaborando así para el fin de un
período en la historia nacional del Uruguay, el fin de la supremacía brasilera en ese país (PEREZANTÓN, 2007)
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3. Por razón de justicia: el Tratado Uruguayo-Brasileño de 1909
Como destacaba anteriormente los sucesivos intentos y repetidos fracasos de negociación entre
Uruguay y Brasil no fueron impedimento para la diplomacia de ambos países. En Uruguay de
1907, iniciada la Presidencia de Claudio Williman, resolvió de acuerdo con el Ministro de
Relaciones Exteriores Jacobo Varela, confiar en el funcionario diplomático Carlos María de Pena la
difícil tarea de una exploración confidencial ante la Cancillería brasileña, para evaluar cuáles era
las posibilidades que existían de iniciar una nueva negociación. Proceso que conduciría al arreglo
de viejas pendencias entre ambas naciones, mediante la rectificación de los tratados de 1851.
En este sentido es que el Gros Espiell reconoce que hubiese sido imposible negociar sin la
presencia desde 1902 del destacado Barón de Río Branco, quien reconocía el tratamiento injusto
con el Uruguay, ya que constituía el único ejemplo en todos los casos de ríos o cursos de aguas
limítrofes de Brasil en que ese país se beneficiaba de un régimen que perjudicaba al otro estado
negándole la libertad de navegación.
Como destaca el Embajador uruguayo Alvaro Moerzinger; en 1902 pueden encontrarse algunos
indicios que señalan la el ánimo de Río Branco de promover una instancia en que la reclamación
uruguaya pudiera tener su concreción. Como señalara A. G. de Araujo Jorge en su obra
Introducción a las obras del Barón de Río Branco, era fundamental desconstruir antiguos e
injustificados preconceptos que poseía la opinión pública brasileña, la cual en 1895 se había
manifestado contraria a la propuesta uruguaya presentada por el Dr. Carlos de Castro, Enviado
Extraordinario y Ministro Plenipotenciario del Uruguay en Río de Janeiro, para la obtención de la
libertad de navegación. A la misión de Castro.
Ya en noviembre de 1907 el Dr. De Pena llegó a Río de Janeiro como enviado especial, allí realizó
una conferencia junto al Barón de Río Branco en el “Palacio do Catete”, en dónde pudo anunciar
que: “Los resultados de su misión eran satisfactorios”. En el informe redactado por el Dr. Pena a su
regreso a Montevideo, expresaba:
“ Que era imposible hacer una declaración plena y espontánea por parte de Brasil que
devuelva a la República Oriental su jurisdicción en aquellas aguas limítrofes que dejaría en ese
sentido y deseaba hacer la declaración en la oportunidad debida con el concurso de los
hombres políticos de su país y sin que pueda considerarse como compensación de cosa alguna;
que hablaría a sus amigos de cuya cooperación necesita especialmente al señor Pinheiro
Machcado; que todo esto obligaría a una rectificación de los límites que se trataba; pero él
deseaba hacer ante todo por parte de Brasil una declaración tan amplia como espontánea”
(NAHUM, 2013)
El informe continuaba haciendo referencia a las conversaciones posteriores que tuvo el Dr de
Pena con el Barón de Rio Branco, en donde el último volvió a ratificar lo que había sido dialogado
en el Palacio do Catete. Ya al final del encuentro, el Ministro de Relaciones Exteriores de Brasil
expresó lo siguiente: “Pido sobre esto la necesaria reserva y para la declaración debe esperarse a
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la oportunidad debida. Puede ser cuestión de algunos meses, si las cosas nuestras marchan bien;
pero para el éxito reitérole reserva” (NAHUM, 2013)
Las negociaciones se mantuvieron en reserva por unos cuantos meses hasta que el Ministro de
Brasil en Montevideo, el señor Da Cunha, confirmó al Ministro de Relaciones Exteriores del
Uruguay- Antonio Bachini, y al Presidente Claudio Williman, los propósitos del Barón de Río
Branco y los avances obtenidos internamente en Brasil para reconocer espontáneamente a la
República Oriental del Uruguay la jurisdicción de las aguas limítrofes que le correspondían
(NAHUM, 2013). Ya en 1908 fue entregada una primera versión del tratado elaborado por la
Cancillería brasileña, que fue re discutida y modificada; por ejemplo el artículo 4 que era el más
polémico en la versión original fue sustituido; originalmente estaba redactado de la siguiente
forma:
Desde la desembocadura del río Yaguarón subirá la frontera por el “Talweg” de ese río,
desviándose apenas lo bastante para que el Brasil conserve la isla de Diniz, y volviendo luego al
“Talweg”, continuará por éste hasta la altura el arroyo Lagoes en la margen izquierda. Desde
ese punto hacia arriba la línea divisoria seguirá la distancia media de las márgenes del
Yaguarón (NAHUM, 2013)
La Cancillería uruguaya presento varias objeciones al artículo número 4, no obstante, no hizo falta
mayores esfuerzos, ya que desde Brasil se anunció inmediatamente que el mismo sería sustituido
por un artículo redactado así: “Desde la desembocadura del río Yaguarón subirá la frontera por el
“Talweg” de ese río hasta la altura de la confluencia del arroyo Lagoes en la margen izquierda”, la
noticia fue comunicada por el Barón de Río Branco a la Legación uruguaya en Río de Janeiro. En
una carta el Barón de Río Branco expresaba que “Espero que esa modificación le será agradable.
Lo que puedo asegurar es que tuve gran satisfacción en quedar habilitado para formularla”
(NAHUM, 2013)Dichas negociaciones significaron un notable avance en las relaciones entre ambas
naciones, sin embargo no era suficientes a los ojos del Presidente del Uruguay Claudio Williman,
quien al reunirse con el Consejo de Ministros ratificó la necesidad de que sea eliminada la cláusula
que establecía que los buques de guerra brasileños podrían navegar por las aguas de los ríos
interiores del Uruguay que desembocasen en la Laguna Merim, este era el último obstáculo para la
aprobación final del tratado.
Las negociaciones fueron arduas para ambos países, pero sobre todo para el Uruguay, y hubiesen
sido peores sin la presencia y entusiasmo plasmados por el Barón de Río Branco; Tal es la
significación de su rol, el cual en diversos actos de reconocimiento ético Uruguay siempre señaló,
que en el mensaje del gobierno uruguayo al parlamento solicitando la aprobación del Tratado se
reconoce:
“el Excmo. Barón de Río Branco ha encarado y resuelto nuestras aspiraciones de todos los
tiempos con un criterio que supera por su amplitud y elevación a esos legítimos anhelos (...) la
Cancillería brasileña ha concedido al Uruguay mucho más de lo que nuestra diplomacia
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demandó en todas las épocas y ha aceptado mucho menos de lo que esa misma diplomacia
ofreció, como compensación en sus constantes gestiones” (MOERZINGER, 2010)
Por otra parte, se ha dicho en reiteradas ocasiones que el abandono por el Brasil en el Tratado de
1909 de la tesis de la “costa seca”, tenía una finalidad política contra Argentina. No obstante, como
argumentó Gros Espiell “ no se han encontrado evidencias diplomáticas que le den rastros de
veracidad a dicha información”. En su época, Brasil y el propio Barón de Río Branco negaron esa
afirmación con argumentos que no deben ponerse en duda. De igual manera es evidente que esa
actitud de Brasil, debilitaba la tesis argentina de la “costa seca” uruguaya en el Río de la Plata y
fortalecía la tesis oriental.
En aquellos años, la cuestión de límites con Argentina mantenía el criterio de costa seca uruguaya,
desacuerdo que acabó por debilitar las relaciones bilaterales y aumentó las tensiones, que solo
serían apaciguadas con la firma del Protocolo Ramírez-Sáenz Peña de 19106.
Ultimas reflexiones
Después de analizar los principales exponentes de la historiografía diplomática Uruguaya
concluyo que la revisión de un tratado de límites como el de 1851 constituye uno de los ejemplos
de más alta nobleza diplomática de Brasil hacia con la República Oriental del Uruguay,
constituyéndose en una muestra de lo mejor de la idea de solidaridad fraterna de los pueblos
americanos y un caso que debe ser promulgado como un precedente inolvidable, capaz de
promover en un futuro próximo soluciones de este tipo.
La actitud de Brasil de Brasil en 1909 y la renuncia de Rio Branco a la tesis de la “costa seca”
uruguaya, totalmente contraria a la postura del Canciller argentino Estanislao Zeballos; su viejo
oponente en el asunto de las Misiones, constituyó un claro apoyo a la posición uruguaya y el
prólogo indirecto al arreglo argentino-uruguayo de 1910, que por su vez fue el acuerdo antecesor
de los Tratados de 1961 y de 1973.
No cabe duda que los contemporáneos valoraron en su real significado al Tratado de 1909, en el
mismo año como homenaje al Barón de Río Branco al que el pueblo uruguayo honró con un
monumento en la ciudad de Montevideo, y un busto que se encuentra presente en la Instituto
Artigas del Servicio Exterior, edificio en dónde funciona la Escuela Diplomática del Uruguay.
En 1910, Gonzalo Ramírez y Sáenz Peña encontraron lugar a expresiones de ponderación para con los expertos que
hicieron posible el establecimiento del protocolo firmado por ambos hombres públicos que restablecía el status quo
de navegación del Río de la Plata
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Patrimônio Cultural e Fronteiras no MERCOSUL: processos de tombamento e
patrimonialização no município de Jaguarão no Estado do Rio Grande do Sul
Maria de Fátima B. Ribeiro1, Isabel P. Nogueira2 e Carlos José de A. Machado3
Resumo
Esse artigo tem como objetivo refletir sobre o patrimônio cultural do MERCOSUL, especificamente na
fronteira do Brasil com Uruguai. É analisando o debate das políticas patrimoniais a partir do
tombamento da cidade de Jaguarão, situada no Brasil, que faz fronteira com Rio Branco, situado no
Uruguai e também, da Ponte Mauá como patrimônio binacional que consideramos o reconhecimento
compartilhado como um fator emblemático no processo de integração regional e cultural. Da mesma
forma buscamos mostrar como essas questões valorizam elementos culturais de união entre povos.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural, MERCOSUL, Fronteira, Brasil, Uruguai.
Abstract
This article aims to reflect about the cultural heritage of MERCOSUR, specifically on the border
between Brazil and Uruguay. It analyzes the debate of heritage policies from the declaration of
historic landmark of the city of Jaguarão/Brazil, which makes border with Rio Branco/Uruguay and of
the Mauá Bridge as binational heritages considering its shared recognition as an emblematic factor in
the process of regional and cultural integration. Besides, it tries to show how these questions value
cultural elements such as the union among peoples.
Keywords: Cultural Heritage, MERCOSUR, Border, Brazil, Uruguay.
Doutora em História pela Unicamp. Professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL). [email protected].
2 Doutora pela Universidad Autónoma de Madrid. Bolsista Produtividade CNPq. [email protected]
3 Mestrando na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) em Memória Social e Patrimônio Cultural. [email protected]
Recebido em 03/02/2016. Aprovado em 27/03/2016.
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Considerações Iniciais
E
m 2011 ,o conjunto histórico e paisagístico da cidade de Jaguarão 4, no Rio Grande do Sul, foi
tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Trata-se do
tombamento com maior número de imóveis do Estado, com mais de 800 exemplares. É um
conjunto arquitetônico inteiro, um acervo com edificações coloniais, ecléticas, art-déco e modernistas,
uma herança cultural reveladora de uma identidade hibrida, “um sincretismo de influências
portuguesas e espanholas, que resultaram em um projeto urbanístico único” (IPHAN, 2010). São
reconhecidos os valores históricos e paisagísticos da cidade,onde se destaca seu estado de
preservação, chamando atenção para sua característica intercultural. Conforme material
disponibilizado pelo IPHAN,
espera-se que o reconhecimento de Jaguarão como Patrimônio Cultural brasileiro
contribua não apenas para explicar e reforçar laços existentes com nossos vizinhos, mas
também para a percepção de que o Brasil é formado por diferentes nuanças culturais
com múltiplas origens, que contribuem igualmente para sua formação.
O Brasil, que tem na diversidade cultural um dos seus maiores patrimônios, se tornou signatário da
convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, que contribuiu para o avanço das políticas de
proteção ao patrimônio cultural e natural. O tombamento do centro histórico e paisagístico de
Jaguarão está inserido no contexto atual, em que se reivindica um esforço da convivência com as
diferenças, na conjugação do local com o global.
A primeira década do século XXI trouxe novos elementos para a pauta dos debates das políticas
culturais e patrimoniais. Durante muito tempo as práticas patrimoniais estiveram atreladas a ideias
de identidades nacionais, mas atualmente as políticas culturais são pautadas no conceito de Cidadania
Cultural. Fazem parte desses avanços as políticas patrimoniais e seu “entrelaçamento com as demais
políticas sociais e de desenvolvimento” (ALMEIDA: 2010, 12), em que questões de convivência e
tolerância passam a serem valorizadas. A cidade de Jaguarão possui uma acentuada marca fronteiriça
que desde suas raízes aprendeu a conviver com o outro, em contato com o diferente.
Esse argumento e revelador da transformação dos conceitos de avaliação com relação ao patrimônio
tombado, indo ao encontro de uma nova valoração em que a interculturalidade aparece como
elemento chave de diálogo. António Pinto Ribeiro (2011: 39), estudioso português sobre teorias da
cultura, aponta “para que se possa ir mais além quando as tradições ou as narrativas de um país
possam ser problematizadas a partir de fora das fronteiras geográficas”.
Reconhecer as diferentes nuanças culturais com a presença de múltiplas origens é reconhecer que a
cultura não é homogênea, e sim atravessada por contradições e conflitos; no caso da fronteira, é o
reconhecimento da tolerância no convívio com as diferenças. Contribuiu positivamente, nos
argumentos do dossiê de tombamento, sua heterogeneidade presente nos usos e costumes, nas
4Com
cerca de 30 mil habitantes, mas que, somados aos da cidade gêmea uruguaia de Rio Branco, alcança 45 mil pessoas,
que, poderíamos dizer, habitam um mesmo local geográfico: o entorno do Rio Jaguarão, em meio a uma "linha imaginária"
que chamamos de Fronteira.
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formas de organização cotidiana, nos traçados das ruas, no conjunto de sua preservada arquitetura, na
imponente Ponte Mauá, trabalho humano e natureza. Tais características, conjugadas, foram
fundamentais na alegação do processo (IPHAN, 2010).
Os argumentos utilizados foram a partir de um enfoque ampliado que não se limitou apenas a avaliar
o histórico da cidade e sim contextualizá-lo nos processos de formação política e social do sul do
Brasil e das relações com os outros países platinos, com destaque para o Uruguai, com o qual Jaguarão
faz divisa, mas também com a Argentina e o Paraguai.
É interessante no dossiê o reconhecimento da influência platina em um sistema cultural distanciado
da capital e manifestado nas mais diferentes formas de organização cotidiana.
Desta forma, o tombamento de Jaguarão como patrimônio nacional, ao mesmo
tempo em que reconhece a extensão dos processos econômicos e sociais do
Brasil, que chegaram até as fronteiras mais distantes, é também o
reconhecimento de um sistema cultural distanciado da “capital” e da “corte”,
que a despeito das disputas políticas, se desenvolveu entre a população dos dois
lados da fronteira, que se reconhece verdadeiramente como irmãos. Essa
influência platina faz com que a cultura local tenha, por vezes, mais
semelhanças com outros países da América do Sul como o Uruguai, o Paraguai e
a Argentina, do que com os elementos tradicionalmente reconhecidos como
referenciais para a “cultura brasileira”. E nesse contexto, Jaguarão representará
um capítulo pouco conhecido e menos ainda apropriado pela história brasileira
quando contada a partir dos bens reconhecidos atualmente como patrimônio
(IPHAN, 2010).
Não é por acaso que, na literatura, as narrativas, por exemplo, de Aldyr Schlee, premiado escritor
jaguarense, se identificam mais com os escritores uruguaios e alguns argentinos dos que com os
regionalistas brasileiros. Sua literatura é de inclusão, aberta para com a cultura do outro, é dialética,
revelando uma identidade fronteiriça, um pensamento fronteiriço, com espaço para diferenças.
Identidade que traz marcas das memórias construídas no local com forte influência de uma cultura
platina. O intelectual Arjun Appadurai (2009) chama nossa atenção para a relação, que deve ser
observada mais atentamente, que se estabelece entre a localidade e a subjetividade, “sobre a produção
da localidade e a estrutura dos afetos”.
Outro elemento que chama a atenção no dossiê, é que a proposta se torna referência para outros
tombamentos no estado do Rio Grande do Sul, “aumentando a representatividade do patrimônio
cultural gaúcho no conjunto dos bens protegidos no Brasil, e reconhecendo a importância desse
estado para a formação da nação brasileira” (IPHAN, 2010).
A Ponte Mauá, na sequência do Centro Histórico e Paisagístico, é outro tombamento nessa
direção em que característica hibridização da cultura é valorizada.
Esse é um patrimônio binacional tombado de maneira compartilhada, em que foram
considerados critérios para o reconhecimento do Patrimônio Cultural do MERCOSUL:
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qualquer bem cultural, material e imaterial, que manifeste os valores que
estejam associados a processos históricos vinculados aos movimentos de
autodeterminação ou expressão comum da região perante o mundo; expresse
os esforços de união entre os países da região; esteja diretamente relacionado a
referências culturais compartilhadas por mais de um país da região; e possa
oferecer, no presente ou no futuro, fator de promoção para a integração dos
países (IPHAN, 2011).
A formação do Conjunto Histórico e Paisagístico de Jaguarão faz parte da história, em que muito cedo
vive um processo de integração. Em 1802,uma cidade surgia, consolidava-se um espaço de acordo
com linguagem diplomática do território nacional, garantindo definição da fronteira. Com forte
presença militar desde sua formação, produto da política colonial expansionista portuguesa, que tinha
como objetivo estabelecer limites com o império espanhol. Das “fortificações” da época, restou a
presença das ruínas da antiga Enfermaria Militar.
A antiga Enfermaria Militar “opera como um monumento", evocando a formação da cidade de
Jaguarão a partir do acampamento militar,5 que envolveu disputas e batalhas entre as duas nações
(portuguesa e espanhola), a Guarda do Cerrito em 1802, como marco de início do povoado, em que
agrupamentos de soldados foram postos estrategicamente com a finalidade e de uma definição da
fronteira.6 Uma fronteira nada pacífica. Desde a sua formação, a cidade de Jaguarão tem a fronteira
como elemento político definidor e o Pampa em sua totalidade natural e cultural, como características
importantes na sua formação histórica e paisagística.
Mais tarde, Jaguarão foi palco da Revolução Farroupilha, movimento este de cunho separatista, sendo
a primeira cidade a aderir ao governo republicano, em 20 de setembro de 1836. Finalizada a guerra, a
cidade começa a se reorganizar após dez anos de paralisação de suas atividades, o que deixou
arruinadas as casas, os campos e as charqueadas (MARTINS: 2001).
A cidade foi se desenvolvendo a partir do comércio e do contrabando com o Uruguai, e a partir da
segunda metade do século XIX começa a ser edificado o casario que até hoje ostenta sua imponência.
Para sua construção foram utilizados milhares de braços negros escravizados, comum nesta área de
charqueadas. A memória da trajetória da presença negra, que chegou a ser mais de 50% da população
em 1845, começou a ser valorizada a partir do movimento voltado às políticas públicas em relação aos
grupos “minoritários”, e consolidando-se com o Tombamento Estadual do Clube 24 de Agosto, em
2012.
O Clube 24 de Agosto foi criado em 1918 por um grupo de trabalhadores negros, com o fim de
construir um espaço social, mediante bailes, desfiles e outras atividades. No Brasil, os clubes se
transformaram em importantes espaços de sociabilidade e resistência (RICARDO, 2010). O
tombamento do Clube em 2012 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE)
5Conforme
os registros, o município nasceu num tempo de intensas batalhas por conquista de terras, onde a coroa
portuguesa e a espanhola disputavam como um “jogo de xadrez as terras entre os rios Piratini e Jaguarão entre os anos de
1789 e 1801” (FRANCO, 1980).
6 Acampamento militar comandado pelo tenente-coronel Manoel Marques de Souza, fundado às margens do rio Jaguarão
com a intenção de reconquistar o território e atender aos interesses da Coroa Portuguesa. De acordo com o Tratado de
Santo Ildefonso, de 1777, o município de Jaguarão estava sob o domínio da Coroa Espanhola. É em 1821 que o rei de
Portugal D. João VI anexa a Cisplatina ao território português.
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não se deveu a suas características arquitetônicas7, mas ao seu valor histórico. A referência,
experiência de um grupo que é valorada no processo de tombamento, é a memória social do grupo. “O
estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da
história, em relação aos quais a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento” (LE
GOFF: 1996).
Os tombamentos do Centro Histórico e Paisagístico, da Ponte Binacional Mauá, do Clube 24 de Agosto
e a Refuncionalização da Enfermaria Militar, fazem parte de um momento importante nos debates das
políticas culturais e patrimoniais. O reconhecimento da Ponte Mauá, que une as cidades gêmeas de
Jaguarão/Brasil e Río Branco/Uruguai é um importante passo para a valorização do Patrimônio
localizado na fronteira Brasil/Uruguai. Segundo Castriota (2009: 11), “entramos no século XXI com o
patrimônio ocupando um papel central na reflexão não só sobre a cultura, mas também nas
abordagens que hoje se fazem do presente e do futuro das cidades, do planejamento urbano e do
próprio meio ambiente”.
Com relação ao Patrimônio edificado do lado brasileiro, temos o Centro Histórico Tombado pelo
IPHAN e o primeiro bem tombado de forma Binacional, que foi a Ponte Internacional Mauá. Para se
chegar a este momento, em que estão prestes a começar as obras do "Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) das Cidades Históricas", num total de 11 espaços, houve um longo caminho para o
reconhecimento e valorização desse patrimônio.
Políticas Patrimoniais no Brasil
No Brasil, a primeira norma jurídica que dispõe, objetivamente, sobre este tema, colocando o interesse
público pela proteção do patrimônio cultural brasileiro, foi o Decreto-lei nº 25, de 1937. Houve
algumas leis que, basicamente, o completaram. As políticas de preservação e memória se
diferenciaram pela velocidade, de acordo com a conjuntura. A Constituição Federal de 1988 vem
trazer de forma bem clara esta questão no nosso atual ordenamento jurídico. Podemos observar ao
longo de seu texto alguns princípios apresentados na Carta de Amsterdã, que reforçam aqueles que
lapidaram a Carta Europeia do Patrimônio Arquitetônico, de 1975. Os artigos 215 e 216 na CF vão
consagrar dois princípios basilares: da Cidadania Cultural (o Estado garantirá a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e difusão das manifestações culturais) e da Diversidade Cultural (reconhece-se, assim, a
pluralidade étnico-cultural de nossa formação histórica).
Também a partir dos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL: 2000), as temáticas da
identidade, da pluralidade e da diversidade étnica e cultural vão ganhar espaço nos currículos
escolares, reconhecendo-se, assim, a pluralidade étnico-cultural de nossa formação histórica.
Observamos também que a questão do patrimônio vem com força renovada já a partir dos anos 70,
quando se avolumavam as pressões trazidas pela industrialização e pelo desenvolvimento acelerados.
Destaca-se o Programa de Cidades Históricas (PCH), criado em 1975, que vem propor a reinserção de
bens imóveis nas cidades como "elementos dinâmicos, e não mais estáticos, como eram tratados”
(CASTRIOTA: 2009, 101).
7“Trata-se
de um prédio de esquina construído em alvenaria, com arquitetura singela e fachada simples, apresentando
elementos decorativos geométricos e platibanda escalonada” (IPHAE, s/d).
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No entanto, percebe-se uma dificuldade de articulação entre as políticas públicas da União com os
municípios, com exceção de algumas regiões, como por exemplo, algumas cidades do nordeste, região
de Ouro Preto e Rio de Janeiro. Em muitos municípios até foram adotadas políticas próprias, que se
aproximavam da ideia de Conservação Integrada, apontada por Castriota.
Em relação à necessidade de trabalhar os princípios da Conservação Integrada, diversos municípios,
desde a década de 80, desenvolveram projetos que, em certa medida, se aproximaram deste viés, mas
a nível nacional é apenas em 1995 que o Governo Federal retoma sua ação nessa perspectiva, quando
o Ministério da Cultura (MINC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) iniciam
negociações para viabilizar um programa dessa natureza. Em 2000 dá-se início efetivo ao Programa,
que recebeu o nome de Monumenta. Em 2003 ganham uma perspectiva diferente, estimulando a
contrapartida de estados e municípios e aumentando a sustentabilidade e capacidade de replicação.
Buscou-se reaproximar o Programa do IPHAN, que havia sido relativamente afastado.
Outro pesquisador, Llorenç Prats (2005: 20), também chama a atenção para um trabalho neste
sentido. Para ele, a análise do patrimônio deve levar em conta dois vieses: pensar no sentido de
valorar (caráter instrumental) e pensar no sentido de gestão patrimonial em conjunto (diretrizes).
Observemos que as linhas de trabalho do Monumenta buscam ampliar a discussão destas políticas,
onde a partir de 2005 passam a abranger também a Capacitação Profissional, a Educação Patrimonial,
apoio operacional, eventos culturais, promoção turística e publicações. Após uma longa discussão
dentro do governo, uma articulação bem sucedida do IPHAN resultou no lançamento do Programa de
Aceleração do Crescimento - PAC Cidades Históricas, que, em certa medida, vai suceder o Programa
Monumenta (CASTRIOTA: 2009, 107).
A abrangência do PAC Cidades Históricas é bem superior à do Monumenta, sendo voltado inicialmente
para todos os municípios com sítios ou conjuntos urbanos tombados ou em processo de tombamento
pelo IPHAN. Este Plano, que segue diretrizes preconizadas pelo IPHAN, se enquadra na perspectiva da
Conservação Integrada.
Em 2009, com o lançamento do PAC Cidades Históricas, abriu-se um leque bem maior para
desenvolver e provocar políticas que discutam os usos do passado, e suas perspectivas para a
comunidade nos dias de hoje. A conservação de bens materiais ou imateriais, por si só, não parece
algo tão sólido se não estiver junto à preocupação com os usos, gestão e utilização pelas populações
contemporâneas, que vão, evidentemente, observá-las com um novo olhar.
As políticas de memória e patrimônio, quase indissociáveis, precisam estar interligadas com outras
políticas públicas, em especial as da educação, para garantir sua abrangência, pluralidade e
manutenção.
O processo da patrimonialização em Jaguarão
As primeiras discussões em relação às políticas públicas para o patrimônio remetem ao início dos
anos1980, conturbado período político-econômico, em que se viviam os últimos anos da ditadura
militar. Não se pode dizer o mesmo com relação ao debate das políticas patrimoniais. A discussão
deste tema no Brasil toma volume na década de 70, sob influência dos debates sobre o Patrimônio
oriundos da Europa, sobretudo em função do Ano Europeu do Patrimônio em 1975. Foram elencados
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alguns princípios da Conservação Integrada, que servirão de pilares para muitas políticas de memória
em vários países, incluindo o Brasil.
Nesse contexto, os debates fomentados pela sociedade civil em Jaguarão foram gestados e projetos
levaram adiante ações que resultaram no levantamento arquitetônico dos prédios da cidade, na forma
de inventário, com vistas à preservação do patrimônio. O projeto considerado “pioneiro”, denominado
Jaguar, englobou diversas ações além do inventário, como a utilização de espaços culturais como o
Teatro Esperança e a valorização das ruínas da Enfermaria Militar.
Uma das estratégias que faziam parte do Projeto Jaguar foi envolver a comunidade nas reivindicações
em defesa do patrimônio da cidade, em “vigílias” realizadas na Enfermaria Militar, como consta na
publicação do Jornal Zero Hora em 23 de fevereiro de 1984, na matéria “Vigília para salvar a velha
enfermaria”:
Visando despertar a comunidade Jaguarense para o valor histórico e cultural da
ruína da Enfermaria com a meta de transformá-la em Monumento Histórico
Municipal, criando na área que a circunda um “Parque Verde” conforme consta
na carta de intenções do Projeto Jaguar será realizada nesta sexta-feira no alto
do Cerro da Pólvora uma vigília com a presença de músicos da região.
Quem explica como será a vigília é Jorge Arismende Garcia, estudante de
arquitetura, que junto com Valdo Nunes, outro estudante da mesma área foi o
idealizador do Projeto Jaguar. “A vigília inicia às 20horas e vai até o amanhecer
e é aberta ao público em geral, pois um dos objetivos do Projeto Jaguar é fazer
com que um número cada vez maior de pessoas se interesse e participe do
movimento que visa preservar a memória cultural da cidade”.
A primeira vigília ocorreu em 83 no mesmo Cerro da Pólvora e começa a se
formar o embrião do que é hoje o Projeto Jaguar. Esta segunda vigília é marcada
pela presença de cerca de 25 grupos e intérpretes da região, com participação
ainda confirmada do grupo chileno Vertientes, que está em excursão pelo
Estado e se interessou pelo motivo da vigília. Uma boa atração promete ser a
vigília, que além de oferecer horas de lazer gratuitas é um bom momento para
se discutir o passado histórico e cultural de Jaguarão e do Estado.
Em setembro de 1983, a Universidade Federal de Pelotas - UFPEL e a Prefeitura Municipal de Jaguarão
firmaram um convênio para “o desenvolvimento de um programa de cooperação técnico-culturalcientifica e de extensão”. O objetivo era a recuperação das ruínas da Enfermaria Militar, realizando um
levantamento histórico e fotográfico, para análise e diagnóstico de estudo de viabilidade.8
Pelas informações contidas nos documentos da prefeitura, a primeira ação referente à preservação do
patrimônio cultural de Jaguarão é o Projeto Jaguar, de 1982. Posteriormente, como vimos, é firmado
convênio entre Prefeitura e UFPEL. A partir desse momento podemos falar em políticas públicas para
o Patrimônio Histórico Cultural de Jaguarão, e a partir de então começa a aparecer nos Planos
Diretores subsequentes.
8
Jornal da UFPEL, 1987, p. 15.
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É importante entender que este processo se insere num contexto maior, numa discussão nacional e
mundial. A partir do Ano Europeu do Patrimônio (1975) este tema passou a fazer parte da agenda
política em praticamente todos os continentes. No Brasil, as Universidades tiveram um papel
importante, e entre estas, encontram-se inicialmente a Ritter dos Reis, de Porto Alegre, e a
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), onde estudavam os acadêmicos jaguarenses nos cursos de
arquitetura, que idealizaram o Projeto Jaguar.
O acervo arquitetônico da cidade já vinha chamando a atenção do corpo docente daquela
universidade, destacando-se o trabalho da Professora Ana Lúcia Costa de Oliveira, resultando no
chamado Projeto Jaguar. Após a primeira eleição pós-ditadura (1985), o prefeito eleito, entusiasmado
com a movimentação deste projeto, institucionaliza algumas atividades e começa a organizar a
revitalização das Ruínas da Enfermaria.
Em 3 de outubro de 1986, é iniciado o processo de tombamento da antiga Enfermaria Militar de
Jaguarão. O encaminhamento foi feito em conjunto pelo Projeto Jaguar, NEAB, FAU/UFPEL e a
Prefeitura Municipal de Jaguarão,recebendo parecer técnico favorável,em reconhecimento do seu
valor histórico e paisagístico, “não restam dúvidas quanto a sua validade em ser considerado bem
cultural de interesse público” (Portaria n.08/90, do órgão estadual).
O Parque Municipal da Enfermaria foi construído com apoio de professores e estudantes da Faculdade
de Arquitetura, que, dentre outras ações, desenharam brinquedos que ficariam no local, assim como
uma praça em frente ao imóvel foi incorporada para execução do parque, mais tarde denominado
como Fernando Correa Ribas, em homenagem póstuma ao Prefeito que liderou esta iniciativa
(RIBEIRO; MELO: 2011, 288).
Para a preservação das ruínas, foram importantes as ações desenvolvidas no Projeto Jaguar como, por
exemplo: um convênio entre Prefeitura e UFPEL (1987), que leva ao surgimento posterior do
Programa de Revitalização Integrada de Jaguarão (PRIJ), em1991. Ainda em 1987, foi fundada a
Sociedade Independente Cultural (SIC), com forte influência deste movimento e que vai protagonizar
algumas atividades importantes na área cultural, e servir de base para a equipe da gestão de Cultura
em 2009.
De acordo com o livro “Programa de Revitalização Integrada de Jaguarão”, de Oliveira e Seibt (2005), o
trabalho desenvolvido era uma proposta de preservação integrada entre poder público, comunidade e
iniciativa privada.9O Programa de Revitalização Integrada de Jaguarão é fruto do convênio entre a
Universidade Federal de Pelotas e a Prefeitura Municipal de Jaguarão, chamado de “Revitalização e
Preservação Paisagístico Cultural de Jaguarão” sob o n. 01/91/UFPEL/PM. Os princípios norteadores
do documento foram cinco itens do Manifesto de Amsterdam relativos à Conservação Integrada,
juntamente com os dez itens da Carta de Veneza, e as recomendações constantes na Carta de Porto
Alegre. O programa reflete ideias difundidas na época,como, por exemplo: “que as cidades precisam de
cuidados permanentes, como organismos vivos”. E mais: “Um Programa de Revitalização precisa
abranger a memória” (OLIVEIRA; SEIBT: 2005, 11). Não podemos deixar de mencionar que, nos anos
80 do século passado, o debate em torno da memória revisitada foi colocado no centro das atenções
dos pesquisadores e na década de 90 questões da identidade (D’ALESSIO: 1998).
9O
Programa determina uma série de instrumentos urbanísticos e detalha critérios de análise do acervo arquitetônico,
baseado no cadastramento do Inventário do Patrimônio Arquitetônico da cidade de Jaguarão (IPACJ) para orientação das
obras de conservação e intervenção nas Zonas de Preservação, concedendo ainda níveis de isenções tributárias conforme
características dos imóveis.
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Em 1980 um novo órgão era criado: SPHAN/ Pró-Memória, coordenado por Aloísio Magalhães, que via
a cultura como objeto de ação política. Nesse período passa a fazer parte dos conceitos de bens
culturais o fazer-se dos indivíduos. Essa nova perspectiva influenciou os trabalhos desenvolvidos no
projeto de revitalização de Jaguarão. Um projeto de revitalização pressupõe de um planejamento com
inserção da comunidade.
Ainda em 1990, a cidade tem quatro prédios tombados pelo IPHAE: o Teatro Esperança, as Ruínas da
Enfermaria Militar, a Igreja Divino Espírito Santo e a Casa de Cultura. O Teatro encontrava-se em
precárias condições de deterioração e em 1998, nos seus 100 anos,foi municipalizado.
Os Fóruns foram espaços importantes de debates e parcerias. Em abril de 2009 organizaram-se o
Fórum de Patrimônio Histórico e Cultural, o Seminário Internacional do Bioma Pampa, e a parceria
entre IPHAN e Prefeitura Municipal para o Centro de Interpretação do Pampa (CIP) nas antigas ruínas
militares.
Refuncionalização da Enfermaria Militar
A fim de sintetizarmos melhor, buscaremos tratar de forma mais particular a revitalização das Ruínas
da Enfermaria, dentro das políticas públicas desenvolvidas.
A Enfermaria Militar é um espaço carregado de lembranças, sentimentos e singularidades e, ao mesmo
tempo, de tensão. O local traz a marca de uma história de batalhas, conflitos, portanto uma memória
de luta. Construída na parte mais elevada da cidade, a enfermaria oferece uma ampla visão de toda a
região, o Rio Jaguarão e a Ponte Mauá, que liga o Brasil ao Uruguai. Observa-se à distância o outro
lado, a fronteira com todos os seus significados. No passado, nada pacífica e, no presente, modelo para
o mundo de integração e convivência.
É paisagem da memória, com valor histórico, arquitetônico e paisagístico. É a origem da cidade que as
ruínas evocam coma presença militar, batalhas e disputas, tratados na “formação da fronteira” do país
e do Estado do Rio Grande do Sul. Traz também muitas histórias, como, por exemplo, das construções
de obras, da engenharia em nosso país, com descrições detalhadas, presentes nos relatórios de obras.
Também evoca a história da medicina e suas práticas.O trabalho da escavação arqueológica revelou a
descoberta de uma lixeira hospitalar. Enfim, seria interessante uma “escavação arqueológica” do
“monumento”, pois são muitos mundos que se entrecruzam nesse espaço fronteiriço entre Brasil e
Uruguai, com diferentes discursos e narrativas. Nesse sentido, concordamos com as reflexões de
LeGoff (1996), que afirma: “O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder”.
São séculos de histórias, de lendas e de mitos que permeiam o imaginário dos habitantes da região
fronteiriça Brasil/Uruguai, que ainda continuam vivos, sendo narradas de geração para geração,
presentes nas mais diferentes formas de organização cotidiana. A paisagem é portadora de memória,
de lendas, mitos, como a história que segue:
Contam que, por volta de 1965, uma mulher foi até o quartel pedir ao General a
autorização para a retirada de algumas madeiras que estavam caídas no local,
correspondente à ala de isolamento. O General autorizou tal pedido (algumas
pessoas comentam que ela era amante dele). Após verem a mulher retirando as
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telhas, os moradores do entorno também retiraram materiais construtivos,
inclusive de caminhão. De acordo com os informantes foram retirados telhas,
madeiras, ferros, ladrilhos, peças do banheiro, portas etc. Rapidamente, do
prédio foi feito ruína (VERGARA; ZORZI; PEIXOTO: 2012, 255).
Se o prédio foi feito ruínas em apenas uma noite,quando da construção em 1845 os moradores, de
maneira inversa à depredação de 1965, contribuíram para a obra do “forte”, que de acordo com
documentação estava sendo construído no Cerro da Pólvora, com o oferecimento de materiais para a
obra, como tijolos e madeiras, conforme consta em uma cópia de um ofício de 1845.
Existe uma dúvida com relação ao prédio da antiga enfermaria: seria este um forte? Essa construção
estaria relacionada às manifestações de Caxias com relação a uma possível guerra na Bacia do Prata,
quando findou a Revolução Farroupilha em que foram preparadas várias guarnições fronteiriças
(CUNHA: 2012, 127). Conforme correspondências do major Alexandre Manoel Albino de Carvalho,
Deputado do Quartel e Mestre General, ao conde de Caxias, em 11 de julho de 1845, o forte começava a
ser construído no Cerro da Pólvora (id.). Sérgio da Costa Franco (2001:.71) também se refere ao
projeto, afirmando que este não se concretizou servindo como curiosidade para ilustrar a história do
Cerro da Pólvora.
O IPHAN, com orientação da historiadora Beatriz Muniz Freire, realiza um trabalho de transcrição de
documentos sobre a Fortificação localizada no Município de Jaguarão, que começara a ser construído
na metade da década de 1840. A delimitação da Pesquisa é 1845/1848. A escolha desse recorte se
deve ao fato de não terem encontrado mais documentos sobre a construção, até o ano de 1860.
O início das obras do prédio em estilo neoclássico da Enfermaria Militar é de 1880, e em 1883ela é
concluída. Há ampliação em 1915, com a criação de espaços em função da capela e necrotério. Ainda
estava em funcionamento no início dos anos 50, e o ano de 1966 marcou o fim do funcionamento.10
Com o passar do tempo, foi palco dos mais diferentes usos, revelador dos conflitos e tensões, como
também de redes de solidariedades.
Existe uma relação de pertencimento dos moradores com esse bem cultural, uma memória
compartilhada, um sentimento manifestado em diferentes épocas: nas vigílias em 1983, 1984 e em
2009 no “abraço da enfermaria”. O “Abraço na Enfermaria em defesa do Centro de Interpretação do
Pampa” destinou-se a pressionar a Câmara Municipal para que fosse permitida a contratação do
projeto arquitetônico e a concepção museográfica e museológica pela Prefeitura de Jaguarão, e que
mais tarde o seu detalhamento fosse custeado pela UNIPAMPA. Novamente a parceria com uma
universidade foi fundamental. O recurso disponível para a execução do projeto foi anunciado na
própria cidade pelo Presidente do IPHAN, Dr. Luiz Fernando Almeida.
Nesse momento, carregado de tensões, os gestores da Prefeitura e os que estavam envolvidos no
processo temiam perder o projeto para outro município da região; houve resistências por parte de
alguns com relação ao projeto e novamente a comunidade foi importante nas ações desenvolvidas na
10Sabemos
que, além das constantes batalhas travadas nesse espaço, houve ainda duas grandes epidemias de cólera: a
primeira em 1855, “trazida por via fluvial ceifou 200 vidas. Dois terços da população refugiaram-se no interior.” E em
1867, durante a Guerra da Tríplice Aliança em que morreram “79 jaguarenses, também responsável por milhares de baixas
entre as tropas de ambos os lados durante a guerra” (CUNHA: 2012, 270).
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busca de preservação dos bens culturais da cidade. A comunidade se apropriou dos debates e o
projeto passou a ser assunto em rodas de conversas, e-mails, jornais, rádio, assembleias, escolas,
fóruns de debates, chamadas de solidariedade. Merece destaque o convite feito à população para
comparecer a um ato púbico na enfermaria, o “grande abraço”. A mensagem circulou, na época, em
diferentes meios de comunicação local. Vejamos um fragmento do texto:
O abraço representa uma ação de reapropriação da comunidade com a sua história, com o
uso do espaço público. Nada é mais revolucionário que o abraço! É nesse contexto que
pedimos ajuda de todas as pessoas sensíveis ao projeto e comprometidas com o
desenvolvimento turístico e cultural na nossa região, do nosso Pampa. Repassem o
chamado para o abraço e vamos juntos mobilizar o maior número de pessoas possíveis.11
O abraço rememora as vigílias dos anos 80 em que a comunidade se reuniu para defender o seu
patrimônio do abandono e esquecimento. O abraço representava essa reapropriação do espaço
público pelos moradores, um “gesto revolucionário”, provocador de mudanças. Afinal toda revolução é
transformadora! Era a oportunidade de romper com a imagem negativa da cidade do “Já teve”, uma
visão pessimista impregnada na população devido aos anos de estagnação econômica e para isso era
necessário sensibilizar os vereadores, que tinham o poder na Câmara de vetar a remessa proposta.12
O projeto apontava para essa possibilidade de mudança e para isso a população se mobilizou. O
convite feito à comunidade comparava o abraço a um gesto revolucionário, buscando referência em
uma memória de luta. Afinal, Jaguarão é conhecida como Cidade Heroica, pelos seus feitos no passado.
Se ruínas remetem a representações que evocam o passado, queda de uma civilização, a comunidade
de Jaguarão invertia essa relação e transformavam as ruínas da Enfermaria em representação do
futuro.
Assim como a população abraçou a Enfermaria, o mesmo aconteceu com a Universidade Federal do
Pampa, e talvez não tenha sido por acaso que no discurso do dia 20 de janeiro de 2010, ao assinar o
convênio com a Prefeitura Municipal e a empresa Brasil Arquitetura, visando o desenvolvimento do
projeto arquitetônico e da concepção museológica e museográfica, para a criação do Centro de
Interpretação do Pampa, a reitora Maria Beatriz Lucese refere ao projeto como um projeto de futuro:
“Ao abraçaras ruínas da Enfermaria Militar, como a população de Jaguarão já o fez, assume o
desenvolvimento do projeto do Centro de Interpretação do Pampa”.13
A Enfermaria, que já foi hospital militar, escola e também prisão política no período da ditadura,
começava em 2009 a ser projetado para se tornar um local da memória, um espaço para narrar as
diferentes linguagens da fronteira trazendo o universo do Pampa, com toda sua diversidade, Pampa
que é brasileiro, uruguaio e argentino. (RIBEIRO; MELO: 2011, 289)
11Mensagem
da vereadora Thiara Gimenez, enviada para os diferentes meios de comunicação em Jaguarão, 04 de agosto de
2009.
12Tramitava na Câmara Municipal um projeto que autorizava a abertura de crédito especial no valor de R$ 100.000, que
visava atender a contratação de serviços de terceiros para a execução de projeto técnico. Este recurso estava previsto no
orçamento da gestão anterior, uma rubrica especifica para as ruínas da enfermaria.
13O projeto arquitetônico consiste na estabilização das ruínas da antiga Enfermaria Militar (1880), situada no Cerro da
Pólvora, o ponto mais elevado da cidade de Jaguarão, com a construção de novos pisos, paredes e tetos,
predominantemente em vidro e concreto.
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O projeto envolveu a Prefeitura Municipal, a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e o IPHAN,
ficando a cargo da Brasil Arquitetura, empresa do Estado de São Paulo, coordenada pelos arquitetos
Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci. Contou com a criação e concepção museográfica de Isa Ferraz e
Marcelo Macca, entre cujos trabalhos estão o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo e o Museu do
Pão em Ilópolis no Rio Grande do Sul (RIBEIRO; MELO: 2011, 288).
O projeto arquitetônico buscou, dentro do possível, preservar o aspecto de ruína, sobretudo na parte
frontal, a qual estava mais bem erguida, complementando com outras intervenções para dar vida ao
complexo Centro de Interpretação do Pampa. De acordo com o projeto, a ideia é de um espaço vivo em
que os visitantes possam vivenciar as mais diferentes experiências: sonoras, sensitivas, imagéticas. Ele
terá eixos para contar e recontar a história do Pampa: Paisagem natural do Pampa; Antiguidade da
ocupação da região; Mestiçagem; Fronteira e a construção de uma identidade. A proposta é trabalhar
com elementos que remetem ao Pampa, como se constituem e como este é representado. A
singularidade física e humana do que se chama Pampa é o tema central desse centro de interpretação
(RIBEIRO; MELO: 201 289).
Questionamentos e criticas também foram feitas ao projeto, como o que segue:
o projeto de restauração de um bem não pode desconhecer os significados que lhe são
associados pelos diversos setores sociais que com ele convivem e não pode desconsiderar as
expectativas destes setores na funcionalização do bem a ser reciclado, restaurado. A
observação dos usos presentes leva a propor ruma reformulação de paradigmas em termos
de restauração: porque não restaurarem as pichações e grafites, por que não incluírem os
registros dos usos da fase de abandono, por que não, mais importante ainda, pensarem
estratégias que evitem a total ruptura com os usos do prédio pelos setores subalternos
durante seu abandono? (VERGARA; ZORZI; PEIXOTO: 2012, 263).
Em 2015 encontrava-se consolidado 60% da obra do Centro de Interpretação do Pampa (CIP),
segundo o historiador da Unipampa Alexandre Villas Boas.14 Porém, mais do que isto, foi estabelecida
outra parceria, desta vez com a Unipampa, onde se responsabilizará pela Gestão do Centro de
Interpretação do Pampa, bem como pelos procedimentos futuros para sua revitalização.
Esta ideia já vinha sendo amadurecida, partindo de uma premissa básica: as Administrações
Municipais têm uma rotina de mudanças mais rápidas, onde muitos projetos não gozam de
continuidade por falta de vontade e sintonia política entre uma gestão e outra. Já as universidades,
apesar de possibilidades de mudanças políticas no governo central, gozam de uma estabilidade muito
maior. Isto garantiria que o CIP seguisse seus passos independentes do “humor” das gestões do
município. Sem contar o próprio custo de manutenção, que seria quase impossível para um município
com pouco mais de 30 mil habitantes.
Com a mudança da Gestão municipal em 2009, a Secretaria de Cultura e Turismo é desmembrada do
Desenvolvimento Econômico, e o grupo que assumiu esta pasta tinha influência direta do Projeto
Jaguar e da SIC. A nova gestão procurou juntar alguns quadros ligados ao movimento cultural,
associados ao conhecimento técnico em algumas áreas. Isto, associado à vontade de colocar em
prática políticas públicas que dessem conta desta riqueza patrimonial que a cidade possuía, levou o
município a dialogar mais diretamente com o IPHAN. O contexto local, nacional e internacional foi
14Historiador
da Universidade Federal do Pampa.
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favorável para a consolidação de políticas públicas para o Patrimônio Cultural, dando sequência a uma
nova fase deste processo que vinha caminhando lentamente desde 1980.
Foi importante o processo de Assembleias que nortearam os debates sobre o Orçamento do
município, já a partir de 2009, onde as questões ligadas ao Patrimônio Arquitetônico da cidade eram
sempre levantadas, principalmente em relação àqueles locais que se encontravam em abandono ou já
em ruínas.
A restauração do Teatro Esperança ocorreu neste período, e em 2011 o tombamento nacional do
Centro Histórico de Jaguarão, o tombamento Binacional da Ponte Internacional Mauá (2012) e, ainda
em 2013, 11 projetos foram aprovados pelo PAC Cidades Históricas, que totalizarão 40 milhões de
reais. Com os debates com grupos que não tinham maior visibilidade, como os ligados à religiosidade
afro-brasileira, também se desenvolveu atividades relacionadas às festas de Iemanjá e São Jorge, que
eram tradicionais, mas pareciam invisíveis para muitos jaguarenses. Como fator importante para a
conservação dos prédios hoje tombados nacionalmente, é o fato de eles encontrarem-se habitados por
moradores, muitos ligados às residências há várias gerações.
Conclusões
Há de se levar em conta que as instabilidades políticas das gestões podem atrapalhar o processo de
revitalização. Por isso, tão importante quanto às ações públicas positivas, é o trabalho dos ativistas
que militam em ações não governamentais. O fortalecimento de entidades culturais, dos Pontos de
Cultura, entre outros, poderá ser que vai garantir a continuidade ou não de programas deste porte.
Um exemplo é o PAC Cidades Históricas. Uma vez entregue à população um bem, como, por exemplo,
o Teatro Esperança, reinaugurado em 13 de novembro de 2015 após um período de restauro, não é
garantia de que o mesmo se manterá aberto à comunidade. A garantia de sua continuidade passará
pelo debate da gestão e uso deste bem. O envolvimento organizado da comunidade é fundamental
para que estas políticas dêem certo.
Este processo de discussão patrimonial em Jaguarão, que começou a tomar fôlego no início da década
de 80, e que veio lenta e gradualmente se construindo nas duas décadas posteriores, teve uma
efetividade maior quando se partiu para um pensar e uma prática governamental e não
governamental que implicou a busca de participação de vários grupos envolvidos com o tema, e a
vontade, incomum em gestões, de colocar a cultura como tópico principal em suas políticas públicas.
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As transições em Cuba e as Forças Armadas Revolucionárias
(FAR): a emergência de um ator político e econômico
Marcos Antonio da Silva1
Resumo
O presente trabalho discute o papel das Forças Armadas Revolucionárias Cubanas (FAR), desde
a emergência do processo revolucionário até os dias atuais. Para tanto, procura demonstrar
que, apesar de seguir um padrão característico dos países latino-americanos de presença dos
militares na política, é possível observar certa especificidade. Tal especificidade refere-se ao
perfil popular de tal força e, principalmente, ao papel histórico recente que a relaciona aos
anseios nacionais e revolucionários e, principalmente, a atuação recente em que se destaca
uma atuação empresarial que contribuiu para a recuperação econômica do país e sua
reinserção internacional. Desta forma, as FAR tornaram-se um ator fundamental nos
desdobramentos políticos do país.
Palavras-Chaves: Cuba, FAR, Recuperação Econômica.
Abstract
This paper discusses the role of the Cuban Revolutionary Armed Forces (FAR), since the
emergence of the revolutionary process to the present day. To this end, it seeks to demonstrate
that, despite following a characteristic pattern of Latin American military presence in politics,
it is possible to observe certain specificity. Such specificity refers to the popular profile of such
force, and especially the recent historical role that relates to national aspirations and
revolutionary, and especially in the recent performance that highlights a business activity that
contributed to the country's economic recovery and their international reintegration. Thus, the
FAR have become a key player in the political developments of the country.
Keywords: Cuba, FAR, Economic Recovery.
Professor de Ciência Política do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Doutor em Integração da América Latina (PROLAM/USP) e membro do Laboratório Interdisciplinar de Estudos
sobre América Latina (LIAL/UFGD).
Recebido para publicação em 21/02/2016. Aceito para publicação em 30/03/2016.
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Introdução2
N
a história da América Latina, os militares tiveram uma presença constante, com maior
ou menor intensidade, desde o processo de independência. No século XIX, tal presença
determinou certa militarização da política, em determinados países, de acordo com o
desenvolvimento das lutas e dos processos de independência, geralmente associadas a
ascensão de caudilhos, embora estes nem sempre fossem militares (BETHELL, 2001). No
século XX, a presença dos militares se manteve e, em muitos casos, foi impulsionada pelo
contexto internacional (guerra fria) e a aplicação das doutrinas de segurança nacional, típicas
da segunda metade do século mencionado (ROUQUIÉ, 1984, 1991; FICO, 2001).
Em Cuba, a presença militar também se fez presente ao longo de sua história. A independência,
embora tardia, manteve tal presença, acentuada pela tutela americana. Desde o início do
século, mas de forma mais acentuada, nos anos 30 com a figura destacada de F. Batista que não
demoraria a instaurar um governo autoritário. Tal governo enfrentou a oposição de inúmeros
grupos, entre eles, um grupo liderado por Fidel Castro que, após o ataque fracassado ao quartel
de Moncada, sofrerá a prisão e exílio para retomar a luta em 1956 e iniciar uma luta de
guerrilhas que conduziria tais lideranças ao poder (SADER, 2001).
Após a vitória da Revolução Cubana (1959), o exército do país passou por um processo de
reestruturação, em grande medida comandado por figuras como Che Guevara, Camilo
Cienfuegos e Raul Castro que lhe confiaram um perfil popular e revolucionário. Desta forma, tal
organização passou a atuar conforme os objetivos, internos e externos, da liderança
revolucionária. Apesar de uma atuação condicionada pelo contexto da guerra-fria (e a
necessária ajuda soviética) o exército cubano atuou treinando organizações revolucionárias ou
agindo diretamente em importantes conflitos na América Latina (Nicarágua e Granada, entre
outros) e na África (Angola e Moçambique, entre outros), tendo um papel importante nos
processos revolucionários dos continentes mencionados, nos processos de descolonização e na
derrota da expansão do regime do Apartheid sul-africano. Desta forma, como apontam
inúmeros estudiosos, tornou-se uma das forças mais bem treinadas e profissionais da região.
No entanto, desde a derrocada do bloco soviético, Cuba enfrentou uma grave crise econômica
(o Período Especial em tempos de paz) e o papel das forças armadas cubanas modificou-se,
adaptando ao processo de reestruturação econômica e militar do país, adquirindo um novo
perfil, como este trabalho procura demonstrar. Sendo assim, as Forças Armadas
Revolucionárias Cubanas (FAR) adquiriram um novo papel, como resultado da estratégia
cubana aos novos (e desafiantes) tempos: internamente, as FAR tornaram-se fundamental para
a produção de alimentos e outros recursos necessários para sua própria sobrevivência e,
principalmente, na gestão de um amplo conglomerado de empresas ligadas ao turismo e outros
setores dinâmicos que se tornou uma das principais fontes de recursos do país, contribuindo
para a recuperação econômica da ilha; bem como pela ascensão de lideranças militares em
cargos importantes da administração pública do país. Externamente, houve um repatriamento
O presente texto é parte da apresentação denominada “As Forças Armadas Revolucionárias Cubanas (FAR) e o
mundo pós guerra-fria: um caso excepcional?” no VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADOS AMERICANOS (SIEA)
realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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das inúmeras tropas, o envolvimento direto nos conflitos foi substituído por uma postura de
mediação e pela assessoria pontual a governos mais próximos.
Desta forma, inicia-se um processo de transição econômica no país, que se estende até hoje,
impulsionada inicialmente pela necessidade de recuperação econômica e posteriormente pela
“atualização do modelo”, como proclama sua liderança, já sob Raul Castro que tem adotado
uma série de medidas para impulsionar a economia do país. Além disto, ocorre, com a saída de
Fidel Castro do poder, o início de uma transição política, sui generis, caracterizada pela
transferência de poder as novas gerações e uma redefinição das instituições políticas e da
relação entre Estado e sociedade civil (ALZUGARAY TRETO, 2007; GOTT, 2006; MESA-LAGO,
2012). Em ambas, as FAR vem desempenhando um papel fundamental.
Sendo assim, o presente trabalho procura analisar a inserção das FAR em tais mudanças e
discutir o papel contemporâneo das FAR, considerando as implicações políticas e econômicas
de sua atuação. Para tanto está estruturado da seguinte forma. A primeira seção realiza um
balanço da atuação das FAR, desde a vitória revolucionária até o início dos anos 90. Em
seguida, discute os impactos e as mudanças contemporâneas, procurando analisar os aspectos
mencionados acima. Finalmente, desenvolve algumas conclusões, que podem servir como base
para novos trabalhos, demonstrando uma mudança de papel diante dos novos desafios que o
país enfrenta.
As Forças Armadas Revolucionárias Cubanas (FAR): defesa e promoção da
Revolução
Desde o início, o governo cubano procurou formular uma política interna e externa que
pudesse defender os seus interesses. Em relação à primeira, tratava-se de implementar um
conjunto de transformações, em direção ao socialismo, que exigia a criação de novas práticas e
instituições consonantes aos objetivos almejados. Desta forma, desenvolveu-se um processo de
reestruturação das Forças Armadas, tendo como referência o Exército Rebelde, que adquiriram
um perfil popular e revolucionário. Sendo assim, as FAR passaram a ter como objetivo
fundamental a defesa da Revolução (e suas conquistas) e, pouco a pouco, uma presença
internacional intensa. Deve-se destacar que as FAR caberiam à defesa e a ação militar,
enquanto que ao Ministério do Interior coube a atuação em inteligência.
No que se refere à política externa, sua compreensão é resultado da análise de dois eixos
fundamentais: de um lado, era fruto da dinâmica entre revolução e política formal; de outro, da
dinâmica entre isolamento e integração.
Neste sentido, deve-se destacar, principalmente nos anos 60 e 70, o compromisso da liderança
cubana em apoiar ou fomentar revoluções para a emergência de regimes favoráveis à sua causa
e para diminuir a pressão do governo norte-americano sobre a revolução cubana. Esta postura,
mesmo que às vezes tenha se constituído numa política informal e de organismos não estatais
(o serviço secreto, organizações de solidariedade, entre outros), foi executada pelas lideranças
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que procuraram influenciar a onda revolucionária que atingiu a América Latina,
destacadamente, mas também a África ao longo do período3.
Tratava-se de projetar o exemplo e as possibilidades de mudanças profundas na estrutura
socioeconômica que Cuba implementava e, no limite, construir uma rede que pudesse, na
versão oficial, combater o imperialismo americano nestas regiões. Tal ação foi predominante
nos primeiros anos da revolução e sua oficialização encontra-se nas declarações de Havana e
na constituição da OSPAAL (Organização de Solidariedade dos Povos da Ásia, África e América
Latina) e da OLAS (Organização de Latino-Americana de Solidariedade) (SADER, 2001).
A principal prioridade desta política externa era o desenvolvimento de recursos econômicos,
políticos e ideológicos, que pudessem garantir a sobrevivência da revolução e do regime. Para
isto, o país desenvolveu uma política global e ativista. Isto significa dizer que formalmente o
país procurou ampliar seus laços diplomáticos e se inserir em organismos multilaterais,
procurando tornar-se um ator global, apesar dos limites impostos pela sua condição de uma
ilha caribenha, pelas dificuldades econômicas e pelo conflito com uma superpotência e a
relação dependente com a outra. Tal revolução possuía uma marca terceiro-mundista, que
poderia angariar apoio pois, como afirma Gleijeses:
Los lideres cubanos estaban convencidos de que su pais tenia una empatia especial
con el Tercero Mundo- más allá de las fronteras de América Latina- y un papel
especial que desempeñar en su nombre. Los soviéticos y sus aliados de Europa
oriental eran blancos y, desde una perspectiva tercermundista, ricos; los chinos
padecían del orgullo de gran potencia y no podian adaptarse a las culturas africanas
y latinoamericanas. En cambio, Cuba era mestiza, pobre, estaba amenazada por un
enemigo poderoso y culturalmente era latinoamericana y africana. Por tanto, era un
híbrido especial: un país socialista con una sensibilidad tercermundista (GLEIJESES,
2003, p. 113).
Os documentos básicos para compreensão de tal política são: a I e a II Declaração de Havana,
que retrata em grande medida a atuação da política externa cubana nos anos 60; e os
documentos referentes ao período da institucionalização em que se destaca a Constituição de
76 e as resoluções referentes à política internacional do I e II Congresso do PCC.
Condizente com o contexto de radicalização do período, a I Declaração de Havana foi uma
resposta à condenação da interferência de outras potências (leia-se URSS) nas questões
americanas4, tendo como consequência o desenvolvimento de um clima favorável para que os
Como observa Hobsbawn: “Nenhuma revolução poderia ter sido mais bem projetada para atrair a esquerda do
hemisfério ocidental e dos países desenvolvidos, no fim de uma década de conservadorismo global; ou para dar à
estratégia da guerrilha melhor publicidade. A revolução cubana era tudo: romance, heroísmo nas montanhas, exlíderes estudantis com a desprendida generosidade de sua juventude- os mais velhos mal tinham passado dos
trinta-, um povo exultante, num paraíso turístico tropical pulsando com os ritmos da rumba. E o que era mais:
podia ser saudada por toda a esquerda revolucionária” (HOBSBAWN, 1995, p. 427).
4 O único país que votou contra foi o México. A delegação cubana se retirou antes da votação e em sua despedida
Roa afirmou: “La razón fundamental que nos mueve a ello es que, no obstante, todas las declaraciones y
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EUA pudessem adotar medidas de embargo econômico e comercial contra o país na VII
Reunião de Consulta dos ministros de Relações Exteriores, realizada na Costa Rica em 1960,
agudizando o conflito no interior do sistema americano e contribuindo para a posterior
expulsão de Cuba da entidade. A resposta do governo cubano foi a I Declaração de Havana em
que Fidel Castro critica o documento e os seus signatários, rechaçando que o apoio soviético e
chinês pudesse por em perigo a paz e a segurança no Hemisfério. Neste sentido, Fidel afirmava
que “el único culpable de que esta revolución esté teniendo lugar en Cuba es el imperialismo
yankee” (Citado por BANDEIRA, 1998, p. 243). Em seguida, adotando o tom plebiscitário de
muitas decisões daquele período, o líder cubano assinala em oitos breves capítulos as críticas à
decisão da OEA, propondo as novas posturas da política cubana, interna e externa, e solicita a
aprovação dos presentes5. Sendo assim, a tal declaração procurava criticar e denunciar a
interferência norte-americana no continente, apontando que tal ação, além de favorecer certos
setores criava as condições para os problemas econômicos e sociais que os países viviam e,
finalmente, procurava demonstrar a atitude firme, e radical, da atuação cubana em prol de
mudanças nesta estrutura afirmando que “aqui está hoy Cuba para ratificar, ante América
Latina y ante el mundo, como un compromisso histórico, su lema irrenunciable: Patria o
Muerte!!” (GARCIA LUIZ, 2000, p.52). Desta forma, o documento assinala, como aponta
Bandeira (1998, p. 244), o aumento do compromisso da URSS com os rumos da revolução,
inserida no conflito Leste-Oeste, mas acima de tudo, a sua radicalização e a intensificação do
apoio a movimentos revolucionários, apelando para os povos da América Latina contra os seus
governantes e contrapondo ao “hipócrita pan-americanismo” o latinoamericanismo de José
Martí e Benito Juárez.
A II Declaração de Havana surgiu na esteira da expulsão de Cuba da OEA, em 1962, lançada
num ato público que contou com a participação de milhares de cubanos e de várias
personalidades de outros países6 (GARCIA LUIZ, 2000; BANDEIRA, 1998). Neste texto, delineiase de forma explícita o princípio básico que orientou a política externa do país nesta década.
Trata-se de um apelo exaltado, vigoroso e radical à revolução, em que Fidel Castro afirma que
“El deber de todo revolucionário és hacer la revolución. Se sabe que en América Latina y em el
mundo la revolución vencerá, pero no es própio de revolucionários sentarse em la puerta de su
casa para ver pasar el cadáver del imperialismo” (GARCIA LUIZ, 2000, p.91). O documento
também fornecia os elementos que possibilitaram a estratégia vitoriosa adotada pela revolução
cubana e incitava a revolução armada; em suma, tratava-se de declarar o apoio inequívoco, e
para alguns, voluntarista, do governo cubano com os projetos de ruptura revolucionária no
continente, fornecendo quando possível apoio material, distanciando-se da postura de uma
postulaciones que aqui se han hecho, en el sentido de que Cuba podia tener em el seno de la OEA, a la cual
pertenece, protección y apoyo contra las agresiones de otro Estado americano, las denuncias presentadas por mi
delegación no han tenido aqui eco, resonancia ni acogida alguna. Conmigo se va mi pueblo, y con el todos los
pueblos de América Latina!” (GARCIA LUIZ, 2000, p. 47).
5 Tal declaração foi promulgada na Praça da Revolução num ato com mais de um milhão de pessoas e finalizava da
seguinte forma: “la asemblea general nacional del pueblo de Cuba resuelve: que esta Declaración sea conocida con
el nombre de “Declaración de la Habana” (GARCIA, 2000, p. 52).
6 Entre eles, pela importância que tiveram na onda revolucionária posterior ou na condução de governos
simpáticos a causa cubana, pode-se destacar a presença de Lázaro Cárdenas, Salvador Allende, Francisco Julião e
Viviam Trias (BANDEIRA, 1998, p. 373).
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parte da esquerda do continente, o que acabou contribuindo para o reforço da aura
revolucionária do país, com seus atrativos e limites7.
A Declaração de Política Internacional do I Congresso do PCC8 e a Constituição de Cuba de 1976
afirmaram os princípios que, retomando as raízes históricas do internacionalismo cubano,
demonstraram a consolidação e a institucionalização do processo socialista. Dentre os aspectos
que nos fornecem uma visão dos princípios da política externa cubana o artigo 12 da
Constituição é fundamental, pois aponta:
Artículo 12. La República de Cuba hace suyos los princípios del internacionalismo
proletário y de la solidaridad combativa de los pueblos, y a- condena al
imperialismo, promotor y sósten de todas las manifestaciones fascitas, colonialistas,
neocolonialistas y racistas (...); b- condena la intervención imperialista, directa o
indirecta, en los assuntos internos o externos de cualquier Estado (...); c- reconoce la
legitimidad de las guerras de liberación nacional, así como la resistência armada a la
agresión y a la conquista, y considera su derecho y su deber internacionalista
ayudar al agredido y a los pueblos que luchan por liberación; (...) e- trabaja por la
paz digna y duradera, asentada en el respecto a la independencia y soberania de los
pueblos y al derecho de éstos a la autodeterminación; (...) g- aspira a integrasrse
con los países de América Latina y del Caribe, liberados de dominaciones
externas y opresiones internas, en una gran comunidad de pueblos hermanos por la
tradición histórica y la lucha común contra el imperialismo (...) de progreso nacional
y social; i- mantiene relaciones amistosas con los países que, teniendo su régimen
político, social y econômico diferente, respetan su soberania, observan las
normas de convivência entre los Estados y adoptan uma actitud recíproca con
nuestro país; j- determina sua afiliación a organismos internacionales y su
participación en conferencias y reuniones de este caráter, teniendo en cuenta
los intereses de la paz y el socialismo, de la liberación de los pueblos,
(...)”(CONSTITUICIÓN DE LA REPÚBLICA de CUBA, 1976; citado por PCUS, 1982, p
37-39).
Neste documento, percebe-se claramente a condenação do imperialismo e das intervenções em
diferentes partes do mundo ao reafirmar uma série de princípios que deveriam orientar a
política externa do país: a afirmação dos princípios do internacionalismo proletário e socialista,
No caso brasileiro tal apoio significou treinamento, armas, recursos materiais e projetos de instalação de
guerrilhas. Apesar de pouco estudado este fenômeno, duas análises se destacam: a de Denise Rollemberg, baseado
na história oral e documental, publicado com o nome: “O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento
guerrilheiro”, Ed. Mauad, 2001; e o clássico de Jacob Gorender sobre o período “Combate nas Trevas”, Ed. Ática,
1987.
8 Entre outras coisas, e reafirmando o que destacaremos a seguir, o documento aponta que: “El internacionalimo
proletário constituye la esencia y el punto de partida de la política internacional del Partido Comunista de Cuba”; e
destaca os princípios que orientam tal postura reproduzindo o que foi consolidado na Constituição do país: apoio
as lutas de libertação nacional, unidade com os países socialistas, combate ao imperialismo, coexistência pacífica,
relações com países independente do regime, respeito as normas do Direito internacional, entre outros.
(PLATAFORMA PROGRAMÁTICA DEL PARTIDO COMUNISTA DE CUBA. POLÍTICA INTERNACIONAL. Citado por
PCUS, 1982, p 33-35).
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que orientaram o apoio do país aos movimentos guerrilheiros ou a governos de inspiração
socialista; da coexistência pacífica, mesmo com regimes diferentes, afirmando que ao país
interessava a manutenção da paz e a solução negociada dos conflitos; do direito à
independência, ou seja, de autodeterminação dos povos, reconhecendo e reafirmando o apoio
aos povos que promoviam lutas de Libertação Nacional; a solidariedade com os países
socialistas e o aprofundamento da integração com eles.
A execução de tal política só foi possível com o apoio soviético em múltiplas dimensões que, no
entanto, apesar de garantir a sobrevivência e a consolidação do socialismo cubana acabará
gerando uma grave dependência, que se revelou prejudicial em longo prazo.
Os aspectos fundamentais da ajuda soviética referiam-se ao apoio econômico e militar. Além da
proteção frente aos EUA, tal apoio converteu o país numa das principais potências militares da
América Latina, considerando a qualidade do equipamento, o treinamento e a capacidade de
intervenção em conflitos múltiplos e de diferentes naturezas (guerras convencionais,
operações especiais, guerra de guerrilhas, etc). Como aponta Dominguez (1998), não havia na
região forças armadas capazes de igualar a habilidade, a experiência e a complexidade técnica
do exército revolucionário cubano e de suas forças aéreas. Isto só foi possível porque a
proteção soviética se realizava através do fornecimento gratuito, ou a preços baixos, de armas
soviéticas, o que possibilitou a modernização e o desenvolvimento de equipamentos
disponíveis, atingindo seu auge no início dos anos 80.
Tal cooperação foi aprimorada quando o governo cubano decidiu atender ao pedido de ajuda
do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), na guerra civil que se instalou no país
em 1975-1976, enviando cerca de 40 mil soldados e tornando vitoriosa a causa deste
movimento9. Também em outros países africanos ocorreu a presença de forças cubanas. A
consequência disto é que as vitórias cubanas não poderiam ser possíveis sem o apoio soviético,
da mesma forma que as vitórias e a ampliação da influência soviética no continente não seriam
possíveis sem as forças cubanas.
Mesmo assim, o governo cubano forjou uma política externa com relativa autonomia que,
algumas vezes, se confrontava relativamente com os interesses soviéticos. Cuba apoiou
vigorosamente os movimentos revolucionários em muitos países latino-americanos e na África.
Prestou ajuda material aos revolucionários na maioria dos países centro-americanos e andinos,
aos que lutaram contra o império português na África e também a governos revolucionários
amigos como o do Congo, da Argélia e do Vietnã do Norte (SADER, 2001).
Em janeiro de 1966, Cuba foi anfitriã de uma Conferência Tricontinental, a partir da qual se
fundaram a Organização para a Solidariedade com os Povos de África, Ásia e América Latina
(OSPAAL) e a Organização de Solidariedade Latino-americana (OLAS). Com base em Havana e
pessoal cubano, ambas prestaram apoio a movimentos revolucionários e se fundamentavam na
crítica a grupos que não recorriam à luta armada para alcançar a vitória revolucionária, como
os partidos comunistas, mesmo que estes seguissem a orientação de Moscou.
Para uma análise da importância e das motivações da presença cubana em Angola sob a ótica da liderança
cubana ver, entre outros, a declaração de Fidel Castro “Angola conto y contara con nuestra ayuda en su marcha
hacia el socialismo” e “Nuestra política no puede ser jamas la de promover conflictos entre los pueblos de África” e
de Juan Almeida Bosque “Cuba reitera su respaldo decidido al derecho de Namíbia de ser independiente” (citado
por PCUS, 1982, p. 209-255).
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O apoio cubano, ao longo do período, se desenvolveu em dois planos distintos: o militar e o
civil. No primeiro, estavam as ações de colaboração e ajuda militar de apoio a movimentos
nacionalistas ou socialistas. Segundo López-Segrera (1988), a presença militar cubana foi
sempre posterior a esforços para a solução negociada dos conflitos, sua participação era fruto
de um pedido formal e aprovação dos governos dos países em questão e o país jamais
representou uma ameaça aos vizinhos dos países em que suas tropas atuavam. Neste sentido,
também Bandeira (1998) destaca que o envolvimento em Angola ocorreu a pedido de
Agostinho Neto, dirigente do MPLA e se iniciou com o treinamento de rebeldes, ainda nos anos
6010; assim como no caso da Etiópia e Moçambique. Da mesma forma, este autor ressalta que
“de qualquer forma, Cuba desempenhou, na África, um papel construtivo, inclusive
favorecendo soluções diplomáticas para algumas questões, entre as quais o conflito entre
Angola e o Zaire11, e os casos da Rodésia (Zimbábue) e Namíbia” (BANDEIRA, 1998, p. 599).
Além do campo militar, a ajuda cubana também esteve relacionada ao trabalho civil. Por um
lado, o país acolheu inúmeros estudantes dos países africanos – segundo López-Segrera
(1988), cerca de 15 mil africanos realizaram seus estudos no país nas mais diversas áreas; por
outro lado, o país enviou para o trabalho civil em áreas como saúde, educação, construção civil,
agricultura e transportes inúmeros técnicos para atuarem e incentivarem o desenvolvimento
dos países africanos12.
Dois outros aspectos chamam a atenção na presença cubana na África. A enorme quantidade de
pessoas que participaram destas missões, civis ou militares, que, apesar da incerteza em
relação a números, é apontada em cerca de 250 mil cubanos por López-Segrera (1988) e em
cerca de 110 mil por Bandeira (1998). Independente do número exato, os dois ressaltam uma
participação considerável13. O segundo aspecto refere-se aos benefícios gerados por tais ações.
Mesmo sendo resultado dos princípios adotados pelo governo cubano e coerentes com os
princípios ideológicos da revolução, segundo Bandeira (1998), em 1977, no auge do
envolvimento cubano, geraram divisas no valor de U$ 100 milhões, representando cerca de 6%
do valor das commodities exportadas para os países do Ocidente14.
Existem diversas explicações para o envolvimento cubano na África. Como aponta Gleijeses, há
interpretações que assinalam que tais ações foram motivadas pelo desejo pessoal de Fidel
Castro de afirmação de seu papel de líder do terceiro mundo, mas este certamente não foi o
fator determinante. Os dois fatores fundamentais foram a autodefesa e o idealismo. Depois de
procurar um modus vivendi com os EUA, a liderança cubana chegou a uma conclusão muito
A ligação com o MPLA e Agostinho Neto começou em 1965 quando Ernesto Guevara teve um encontro com o
dirigente angolano e outros líderes do movimento. Porém se reduziu no início dos anos 70 devido às dificuldades
de envio de material e homens e ao desenvolvimento próprio da luta pela independência do país. Com a instalação
da Guerra Civil, em 1975, foi solicitado novamente o apoio cubano e o país se envolveu profundamente no conflito
angolano (GLEIJESES, 2003, p. 106).
11 Para uma análise da participação cubana no processo de pacificação entre os dois países ver o livro La paz de
Cuito Cuanavale – documentos de un processo, de Blanca Zabala, Havana, 1989.
12 Para um relato destas ações e as atividades desenvolvidas ver, além dos autores já citados, o livro “Cubanos na
África”, de Neiva Moreira e Beatriz Bissio, Ed.Global, 1979.
13 Raul Castro, aponta para cerca de 400 mil cubanos que vivenciaram o trabalho solidário, militar ou civil, com
outros países. Deve-se considerar que também incorpora os cubanos que atuaram na América Latina, em
diferentes períodos.
14 Segundo Bandeira (1998), apenas um contrato com a Líbia era de cerca de U$ 25 milhões e havia outro similar
com Angola no mesmo período.
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clara: para se proteger dos EUA, a melhor defesa seria contra atacar, porém através dos
espaços gerados no Terceiro Mundo. Neste sentido, podemos observar que:
...Castro consideraba que la supervivencia de la revolución dependia “del
surgimiento de otras Cubas”, pues pensaba que EUA se veria obligado en ultima
instancia a aceptar a Cuba cuando tuviera que hacer frente simultaneamente a
vários otros gobiernos revolucionários. Y cuando Che Guevara fue a África en
deciembre de 1964, los analistas de inteligência de EUA, recalcaron este elemento
de autodefensa (GLEIJESES, 2003, p. 109).
O segundo fator foi o idealismo que condicionou a política externa cubana neste período, ou
seja, o sentido de missão revolucionária, personificado no internacionalismo proletário. Na
África os riscos eram menores, não provocavam diretamente os EUA e o país não atuava contra
governos legais, como na América Latina, pois o país contribuía para movimentos contra o
regime colonial ou governos pré-estabelecidos. Desta forma, podia continuar desenvolvendo a
estratégia de promoção da revolução, sem maiores danos. Tal postura, muitas vezes, entrou em
confronto com a realpolitik, no sentido de que podia gerar tensões com os aliados soviéticos,
aumentar a ruptura com os EUA e criar novos inimigos, além de significar um importante
aporte de recursos de que o país tanto necessitava (GLEIJESES, 2003, p. 114-116)15.
O reconhecimento explícito do papel desempenhado por Cuba, além do seu caráter construtivo,
como já assinalamos, nos conflitos africanos pode ser percebido pela declaração de Nelson
Mandela que, visitando o país como presidente da África do Sul, afirmou
Venimos aqui con el sentimiento de la gran deuda que hemos contraído con el
pueblo de Cuba; qué otro país tiene una história de mayor altruísmo que la que
Cuba puso de manifiesto en sus relaciones com África? (citado por GLEIJESES, 2003,
p. 119)
A mais importante das ações de apoio em matéria de política exterior na América Latina
ocorreu na colaboração dada, a partir de 1977, aos sandinistas na Nicarágua. Milhares de civis
e militares foram enviados para dar apoio à consolidação da primeira revolução que se
registrava na América Latina, depois da Revolução Cubana (DOMINGUEZ, 1998; SADER, 2001;
Como aponta o autor, citando duas fontes bem distintas. Para os russos, “tal como lo dijo un alto funcionário
soviético- Anatoly Dobrynin, ex-embaixador soviético - en sus memórias, los cubanos enviaron sus tropas por
iniciativa própria y sin consultarnos”; afirmação esta que é reafirmada por Henry Kissinger, que em suas
memórias declara que “no podiamos imaginar que actuara en forma tan provocadora tan lejos de su país a no ser
que Moscú lo presionara a pagarle el apoyo militar y econômico. Las pruebas hoy disponibles indicam que fue lo
opuesto” (GLEIJESES, 2003, p. 113-114). Do mesmo modo, Sulzc afirma que: “Contrariamente a crença
generalizada, foi ideia de Fidel Castro- e não dos russos – o engajamento de tropas cubanas na guerra civil em
Angola, de forma totalmente aberta” (SZULC, 1987, p. 752).
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BANDEIRA, 1998)16. Também em Granada, vários cubanos trabalhavam para o governo
quando as tropas americanas invadiram o país, em outubro de 1983, e apesar de em grande
medida serem reservistas e estarem mal armados, enfrentaram-nas até serem derrotados.
Tal política, porém, provocou conflitos, ainda que temporários, nas relações cubano-soviéticas.
Além do conflito provocado pelo papel dos partidos comunistas próximos de Moscou no apoio
(ou não) da luta armada; líderes cubanos, especialmente Guevara enquanto ministro criticaram
a URSS por seu comportamento de superpotência e a precária ajuda que prestava à revolução
cubana e outros movimentos. Mesmo assim, deve-se destacar que a relação com a URSS era o
elemento central que tornava possível o desenvolvimento das prioridades do país, e
consolidaria o papel das Forças Armadas cubanas que, no início dos anos 90, eram
extremamente profissionais e com experiência internacional de combate que poucas forças na
região possuíam.
Cuba e as FAR diante do mundo novo: a reorientação de papéis e atuação
política e econômica
O fim do bloco soviético, e particularmente da URSS, atingiu profundamente Cuba, devido aos
intensos laços que foram gestados entre o país e a comunidade socialista desde a Revolução
Cubana em 1959. Tais laços profundos haviam determinados grande parte da organização
econômica, política, militar e social do país (AYERBE, 2004; SADER, 2001; BANDEIRA, 1998; LE
RIVEREND, 1990; COGGIOLA, 1998).
O rompimento, involuntário e inesperado, trouxe um duplo impacto de grande magnitude. No
plano interno, conduziu o país a sua mais grave crise econômica e social, desde o advento da
Revolução e, talvez, de toda a sua história. Tal crise, no entanto, apenas revelava outro desafio.
No plano internacional, o rompimento das relações comerciais e diplomáticas com antigos
aliados conduziu o país a, certo, isolamento econômico e político no cenário internacional que,
de imediato, obrigava sua liderança a reformular todo o sistema de relações internacionais
(econômicas e políticas) seja para solucionar os efeitos da crise interna seja para a reinserção
numa nova ordem que, em grande medida, mostrava-se adversa aos ideais revolucionários que
a ilha caribenha procurava representar e estimular.
Entre 1990 e 1993, Cuba perdeu de maneira abrupta e intensa 85% do mercado que havia
acompanhado o país durante as três décadas anteriores, assim como suas principais fontes de
crédito, de assessoria técnica e de intercâmbio tecnológico, o que provocou fortes
desequilíbrios na balança de pagamentos, retrocesso econômico e aumento do desemprego e
subemprego, entre outras consequências. Ainda a nação perdia o abrigo que significava, desde
o ponto de vista político, a ordem bipolar e se encontrava mais exposta à situação de
unipolaridade política-militar que se criava com a queda do socialismo (ALMENDRA, 1998;
MESA-LAGO, 1998).
Como aponta Szulc: “Os cubanos haviam treinados os sandinistas em campos militares de Pinar del Río e na Ilha
da Juventude, e foi Fidel quem tomou para si, em 1978, a incumbência de unir facções rivais entre os rebeldes
nicaragüenses. “Se não houver união entre vocês, Cuba não fornecerá armas para o ano de sua ofensiva final”,
disse-lhes numa reunião em Havana” (SZULC, 1987, p. 763).
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Para superar este duplo desafio, a liderança cubana teve que promover ações que visassem à
sobrevivência econômica e a reconstrução dos laços internacionais. No primeiro caso, tratavase de reconstruir as bases econômicas do país, com a adoção de medidas que pudessem
garantir o desenvolvimento das atividades econômicas e a retomada dos padrões anteriores,
que foram artificialmente impulsionados pela ajuda soviética. Em relação ao segundo aspecto,
tratava-se de reconstruir os laços políticos e econômicos, desenvolver uma política externa que
atendesse aos interesses (e necessidades) nacionais. Nos dois casos, as FAR tiveram um papel
fundamental, como apontaremos a seguir, contribuindo tanto para a recuperação econômica e
a reinserção internacional do país.
Além disto, tais mudanças impactaram a atuação das FAR, externa e internamente. No primeiro
caso, ocorre uma diminuição de sua capacidade bélica com a interrupção de fornecimento de
material militar, reduzindo substancialmente seu arsenal e a capacidade de intervenção em
conflitos regionais ao redor do planeta, como demonstra Moloeznik (2013)17; isto conduziu ao
repatriamento das tropas do país e a modificação do perfil de intervenção cubana que,
inclusive por outras razões, passa a se orientar pela negociação e moderação. como
apontaremos adiante.
No que se refere a atuação interna, as FAR participam ativamente das transições cubana
(econômica e política), tornando-se um ator fundamental para o futuro da ilha caribenha, pois
como afirma González Mederos:
“Las FAR, como gran conglomerado militar – económico – político, será una pieza
clave en el futuro de Cuba. La institución nace luego de la derrota del ejército
constitucional de Fulgencio Batista. La exitosa transformación del Ejército Rebelde
en las Fuerzas Armadas Revolucionarias, bajo el mando del Raúl Castro, fue una
clara garantía para la posibilidad de instaurar un nuevo régimen político en Cuba,
más allá del aparato institucional de la segunda república (1933-1958). Los mismos
criterios de rigor y de milimétrica organización que utilizó Raúl Castro para
desplegar, en una amplísima región, el Segundo Frente Oriental, fueron utilizados
luego para dar consistencia a la institución castrense revolucionaria”. (GONZÁLEZ
MEDEROS, 2013, p. 1).
Tal processo se desenvolve da seguinte forma. Entre 1989 e 1991, o país repatriou as tropas
que combatiam no exterior e que, segundo Raul Castro, conduziram um total aproximado de
300 mil cubanos em lutas na África, principalmente, Ásia e América Latina ao longo dos anos
70 e 80, representando cerca de 25% da população18. Em setembro de 1989, foi completado o
Segundo MOLOEZNIK (2013) alguns indicadores ilustram esta diminuição do poder bélico: em 1992 Cuba
possuia um efetivo de 175 mil militares e 135 mil reservistas, em 2012 eram 49 mil e 39 mil, respectivamente;
ainda, possuia 2 submarinos classe Foxtrot e 16 dragaminas, entre outras embarcações, em 2012 eram 0
submarinos e 2 dragaminas; finalmente, o país possuía 80 MIGs 21, 70 MIGs 23 e 6 MIGs 29 que diminuiram para
0 MIGs 21, 28 MIGs 23 e 7 MIGs 29 em 2012.
18 Segundo Dominguez (1998), Cuba havia atuado, civil ou militarmente, nos seguintes países: Chile, Peru, Panamá,
Nicarágua, Jamaica, Guianas, Granada, Suriname, Argélia, Líbia, Etiópia, Uganda, Tanzânia, Seichelhes, Zâmbia,
Gana, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Zimbábue, Congo, Nigéria, Benin, Burkina Fasso, Madagascar,
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processo de retirada da Etiópia; em março de 1990, ocorreu a volta dos militares da Nicarágua;
em maio de 1991, retornaram as tropas de Angola; e entre 1990 e 1991 retornaram tropas e
assessores militares cubanos de vários outros países.
Em 1992, o país anunciou que havia deixado de desenvolver apoio militar a movimentos
revolucionários que buscavam derrubar governos em outros países, recolhendo, quase que
totalmente, suas tropas no exterior devido a dificuldades de financiamento e aos empecilhos
que isto poderia gerar na necessidade de aproximação com outras nações e a comunidade
internacional. Além disto, o país deixou de receber armamento gratuito da Rússia, diminuindo a
frequência e o alcance de seus exercícios militares.
Tal postura, também contribuiu para que Cuba adquirisse um papel relevante em certos temas.
Teve um papel útil e importante nos processos de pacificação da América Central, primeiro em
El Salvador, em 1992, e depois na Guatemala, em 1996. Também apoiou o processo de
pacificação na Colômbia durante o governo de Andrés Pastrana. Já em janeiro de 2002, o país
sediou uma Cúpula de Paz em que participaram os representantes do Exército de Libertação
Nacional (ELN), do governo colombiano e da sociedade civil para acelerar as negociações para
encerrar o conflito armado no país. Segundo Dominguez (2003), Cuba não foi apenas a anfitriã,
mas sim a promotora desta negociação, como tem procurado envolver as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (FARC)19.
Entre 1989 e 1995, o total de gastos militares e de segurança interna foi cortado em cerca de
45%, diminuindo seu efetivo a aproximadamente 65 mil homens. Para facilitar esta redução, e
compensar as reduzidas pensões, o governo incentivou o emprego de ex-oficiais em
companhias semiprivadas, principalmente na rede hoteleira (DOMINGUEZ, 2004)20.
Apesar disto, as FAR tornaram um ator relevante. Isto ocorre pela desmilitarização da atuação
externa do país, com o retorno, já assinalado, das tropas cubanas estacionadas na África e na
América Latina, e a afirmação de uma política pacífica e construtiva em relação aos conflitos
em que o país participou em décadas anteriores. Os motivos de tal retirada são de ordem
política. Desenvolver uma imagem pacífica e não belicista e gerar um novo tipo de
relacionamento diplomático, em que se destacam as questões sociais, como também de ordem
econômica, e a dificuldade de sustentar um contingente relativamente elevado de soldados em
regiões distantes, gerava um custo elevado que não podia mais contar com o apoio soviético
(DOMINGUEZ, 1998).
Desta forma, o exército cubano, o mais experiente e qualificado da América Latina, se incorpora
aos novos objetivos da política externa do país e também assume um maior compromisso nos
assuntos internos do país, principalmente na execução de serviços básicos e na oferta de mão
de obra qualificada e confiável no desenvolvimento econômico do país, com o deslocamento de
militares para funções políticas e econômicas neste período de recuperação. Isto porque,
devido ao colapso soviético, a nova Lei de Defesa Nacional de 1994 determinou que a
corporação deveria suprir suas próprias necessidades. Sendo assim, as FAR passaram a
produzir quase que a totalidade dos alimentos que necessitam, inclusive com a entrega de
Burindí, Guiné Equatorial, Guiné, Guiné Bissao, Cabo Verde, Serra Leoa, Máli, Iêmen do Sul, Síria, Iraque, Vietnam,
Laos y Camboja.
19 Atualmente (2014), as negociações de paz entre as FARC e o governo colombiano se realizam em Havana.
20 Em 1994, ocorreu um processo de reforma das forças armadas cubanas redefinindo seu papel internamente.
Desta forma, as FAR passaram a atuar intensamente no processo de reformas do país. No ano de 2005, o exército
cubano controlava 322 empresas, algumas entre as maiores e mais rentáveis do país, sendo responsável por 20%
dos assalariados e 89% das exportações da ilha (CAROIT, 2006).
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excedentes, ocupando desta forma, terras ociosas e contribuindo para que a importação de
alimentos, que compõe grande parte da pauta de exportações do país, não aumentasse.
Tal atuação reforçou a importância das FAR como ator político fundamental nos
processos políticos e econômicos que o país enfrenta nesta primeira década do século XXI.
Desta forma, como reconhece Alzugaray:
“Por seu lado, as Forças Armadas Revolucionários (FAR) e a sua importante
instituição irmã, o Ministério do Interior, constituem a mais eficaz e prestigiadas
das instituições criadas pela liderança histórica do país. A sua origem popular, a sua
constante vinculação aos problemas da população, a sua contribuição histórica para
a defesa do país e a libertação de outros povos, e o seu pragmatismo econômico
demonstrado pela introdução do aperfeiçoamento empresarial nas suas indústrias,
fazem-na gozar de uma confiança significativa em amplos setores da sociedade. As
altas patentes militares acumulam uma tradição de heroísmo, pragmatismo,
solvência e profissionalismo pouco usuais na América Latina e Caraíbas”
(ALZUGARAY TRETO, 2007, pg. 93).
Desta forma, as FAR têm atuado em duas frentes internas fundamentais, como ator
político e econômico.
No primeiro caso, considerando o apoio militar desenvolvido por Cuba a inúmeras lutas de
libertação nacional ou ao desenvolvimento da revolução em diversos cantos do planeta, os
militares cubanos membros da FAR possuem um expressivo peso na política interna e
desempenham papéis importantes no desenvolvimento da política externa do país. Já há algum
tempo, Dominguez (2004) apontava que a maioria dos oficias militares cubanos eram
membros do PCC, dois eram membros-chave do Conselho de Ministros (Raul Castro e Abelardo
Colomé) e representavam, em 1997, 17% do Comitê Central do PCC. Desde então, e com a
ascensão de Raúl Castro, tal presença e atuação política tem se intensificando. Desta forma, a
participação política dos militares cubanos foi impulsionada, tanto que, em 2009, Habel
informava que:
“Mientras que se esperaba la promoción de Carlos Lage como número dos, es
Machado Ventura quien, bajo la sorpresa general, fue elegido vicepresidente del
Consejo de Estado en el 2008, lo que –en caso de incapacidad de Raúl Castro– le
convierte en su sucesor oficial según la Constitución cubana. Esta decisión
imprevista anunciaba la exclusión de Carlos Lage. Esta alianza entre la alta
nomenclatura del PCC y los militares «históricos» forma hoy el núcleo duro de la
dirección del país. (...) Hay seis militares sobre veintitrés en la Oficina Política. Los
comandantes y los generales representan el 26% del Consejo de Estado. Además de
la promoción de varios militares durante la remodelación ministerial de marzo del
2009, el coronel Armando Emilio Pérez, uno de los responsables Del
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«perfeccionamiento de las empresas», fue nombrado en abril como viceministro de
Economía” (HABEL, 2009, p. 97-98).
Tal processo se consolidou com a realização do VI Congresso do Partido Comunista de Cuba,
em abril de 2011, pois como afirma Gonzáles Mederos:
“De los 15 miembros del Buró Político elegidos en el VI Congreso del PCC, 10 fueron
militares. Con la muerte del general Julio Casas Regueiro ahora son nueve. Dos
tercios del máximo órgano de poder del país corresponde a personas vinculadas a
las FAR, incluyendo a cuatro de sus generales más importantes, a quienes
corresponderá, dentro de muy poco tiempo, tomar decisiones cruciales sobre el
destino de Cuba: Leopoldo Cintra Frías (ministro de las FAR y una leyenda viva de
las guerras africanas); Abelardo Colomé Ibarra (ministro del Interior, quien alcanzó
los grados de comandante, con apenas 20 años, en el Segundo Frente Oriental);
Álvaro López Miera (viceministro primero de las FAR, jefe de su Estado Mayor, muy
cercano y querido por Raúl Castro, pues siendo casi un niño se incorporó a las filas
del Segundo Frente), y Ramón Espinosa Martín (viceministro de las FAR, muy
respetado por la organización, casi de relojería suiza, que supo imprimirle al
Ejército Oriental, bajo su mando durante muchos años)” (GONZÁLES MEDEROS,
2013, p. 2).
Desta forma, torna-se evidente a importância política das FAR como ator político fundamental
no contexto contemporâneo cubano, tanto pela presença nas principais instituições políticas do
país, como pela direção intelectual que os militares parecem exercer. Também sua
homogeneidade e solidez, a experiência e o papel desempenhado pelos militares na atuação em
missões internacionalistas, em que se destacaram na promoção dos ideais revolucionários, são
elementos importantes que conferem as FAR tal importância.
No entanto, a principal atuação das FAR refere-se a sua atuação econômica e a contribuição na
reconstrução econômica do país. Os militares cubanos, considerando os desafios dos anos 90,
procuraram, além de produzirem os meios necessários a sua sobrevivência, se inserir nos
diversos setores da economia cubana, desde fazendas exportadoras de cítricos até no setor de
turismo. Desta forma, como aponta Caroit (2006):
Hoje as FAR controlam 322 empresas cubanas, que empregam 20% dos
assalariados da ilha e são responsáveis por 89% das exportações. Instalado na sede
do Ministério das Forças Armadas, O GAESA (Grupo de Administración Empresarial
S. A.) agrupa empresas controladas pelos militares - tais como Gaviota (turismo e
transportes), Cubanacan (turismo), Almacenes Universal (zonas francas) ou Sasa
(autopeças). Outras empresas importantes, tais como a Habanos (charutos) e a
Cimex, holding cujo faturamento passa de 800 milhões de euros, também se situam
na esfera militar. Esses empreendimentos são administrados por uma nova geração
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de oficiais, formados em escolas de administração europeias (CAROIT, 2006, p.
A15).
Desta forma, os militares cubanos emergiram como gestores competentes que contribuíram
para o processo de retomada econômica do país, atuando num setor fundamental, o turismo, e
áreas que se destacam pela relevância que possuem na economia cubana. Tal experiência tem
sido aproveitada por Raúl Castro que, contanto com os militares cubanos, tem promovido uma
série de reformas para promover o desenvolvimento econômico do país através do processo
denominado de “atualização do modelo”. Trata-se de um conjunto de reformas cujo objetivo é a
tentativa de conciliar as conquistas revolucionárias com a necessidade de aprimoramento
econômico num contexto globalizado.
Sendo assim, podemos constatar que, no que se refere as FAR, vem ocorrendo uma modificação
de seu perfil que, sem deixar de ocupar-se com a defesa do país e dos ideais revolucionários
com ênfase no nacionalismo, passaram a atuar em setores que estão diretamente ligados ao
processo de reinserção e recuperação econômica de Cuba, o que reforça sua importância
política, seja no cenário doméstico, seja no desenvolvimento da política externa do país21.
Desta forma, as FAR emergiram como uma força política e econômica fundamental para o
futuro do país e a compreensão de sua atuação pode nos dar, em grande medida, uma visão
adequada sobre os destinos de Cuba e de sua revolução.
Conclusão
A presença dos militares na política é uma constante na história latino-americana. No caso
cubano, tal presença também se fez presente e, após a vitória revolucionária, adquiriu novos
contornos.
A excepcionalidade cubana pode ser destacada pelo perfil popular e revolucionário de tais
forças, reconstruídas nos anos 60 com base nas prioridades e nos processos de transformação
do país. Desta forma, as FAR passaram a atuar na defesa do país e na política de promoção de
revolução em outros lugares, destacadamente na África e América Latina. Desta forma, entre os
anos 60 e 80, o apoio soviético propiciou a profissionalização e apoio material envolvimento
em diversos conflitos que as tornaram uma das forças mais preparadas, experientes e
organizadas da região. Além disto, a contribuição no processo socialista do país contrastava
com os golpes promovidos pelos militares latino-americanos no período mencionado.
Com o fim do bloco soviético e os desafios que isto impôs a Revolução Cubana, em termos de
crise econômica e questionamento político, as FAR passaram por um processo de
transformação e adquiriram um papel fundamental na Cuba contemporânea. Tal processo
atingiu profundamente os militares cubanos provocando, por um lado, a diminuição de sua
Certamente isto influencia qualquer cenário de transição no país, devido à importância que as FAR adquiriram
ao longo da década.
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capacidade bélica e o repatriamento de tropas mas, por outro, impulsionou sua atuação no
cenário doméstico e sua ascensão como ator político e econômico nos destinos do país.
Neste novo cenário, as FAR passaram a atuar no âmbito interno, contribuindo para a
recuperação econômica do país, atuando na produção dos recursos necessários (produção de
alimentos e peças de reposição básica) á sua manutenção e, principalmente, como força
empresarial que atua, com profissionalismo, em setores econômicos fundamentais, como o
turismo, dirigindo inúmeras empresas a ele relacionadas, possibilitando a recuperação,
embora lenta, da economia cubana.
Além disto, emergiram como ator político fundamental no processo de transição cubana, com a
ocupação das principais instituições políticas do país e a participação nos debates sobre a
atualização do modelo cubano. Em suma, as FAR são, hoje, uma das instituições mais
importantes do país e sua atuação política e economicamente parece determinante para o
futuro da Revolução Cubana.
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The Cartographic State: Maps, Territory and the Origins of
Sovereignty1
Wagner Martins dos Santos 2
P
or que os mapas atuais do mundo são preenchidos por Estados uniformes e separados por
limites linearmente definidos? E como essa divisão afeta os interesses dos entes soberanos?
Partindo dessas perguntas, Jordan Branch (2014) analisa a importância da cartografia no
desenvolvimento do Estado moderno. Analise esta, considerada pelo autor, como negligenciada
por muitos teóricos. Baseado em evidências a partir da análise histórica da cartografia, em
especial as mudanças ocorridas nos tratados de paz e práticas políticas, o livro mapeia como o
início da ‘era moderna’ alterou dramaticamente as ideias e práticas na relação entre governo e
seus súditos. Mas, sobretudo, o autor quer entender como o mapeamento e desenvolvimento de
territórios em fronteiras delimitadas molda a nossa compreensão da política internacional hoje.
Branch (2014) explica que os mapas em si não afetam o comportamento dos entes estatais, mas
seus interesses e preferências se moldam de acordo com a percepção da dimensão em torno do
que está sendo governando. No atual sistema internacional, todas as unidades políticas são
Estados soberanos definidos por fronteiras e que reivindicam o monopólio exclusivo do uso da
força. Essa é a base para o sistema legal internacional e como os Estados barganham uns com os
outros.
O período pós-napoleônico é considerado pelo autor como crucial para marcar a completa
soberania estatal através da definição cartográfica de seu território. O período marcou a
importância de se utilizar mapas para se definir o Estado territorial tal como o concebemos hoje. E
essa mudança impactou nas ideias e práticas estatais. Em outras palavras, Branch (2014) quer
mostrar que os mapas são necessários, mas não são suficientes para a emergência do sistema de
soberania internacional. Mapear um território passou a significar a ferramenta por excelência
para fomentar as negociações entre os Estados soberanos, mas eles sozinhos não asseguram como
ocorrerá o relacionamento entre eles. As ações políticas e seus interesses foram definidos juntos
com a divisão cartográfica em um processo de coconstituição.
Esse argumento é fortemente amparado nos pressupostos teóricos construtivistas das Relações
Internacionais (RI). Construtivistas argumentam que as crenças e práticas são cruciais para dar
significado às coisas materiais. A operação dos fatores materiais é construída e operada pelos
significados atribuídos ao mundo físico, ou seja, há uma correlação de significados entre a
realidade material e as crenças e valores de uma comunidade política. No caso da cartografia, ela
BRANCH, Jordan. The cartographic state: maps, territory and the origins of sovereignty. Cambridge, Cambridge
University Press, 2014.
2 Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, no Programa de Pós-graduação em Relações
Internacionais. Recebido em 22/10/2015. Aprovado para publicação em 22/02/2016
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foi crucial para revelar essa relação entre divisão territorial, representando a concretude material,
e os interesses e preferências, representados pelas ideias e valores. Isso nos leva a crer que as
mudanças nas técnicas de mapeamento forneceram profundas transformações na emergência da
autoridade política sobre um determinado território.
Essa análise histórica feita pelo autor, mostrando como a evolução cartográfica afetou e afeta a
percepção e ação dos atores é analisada em oito capítulos. No primeiro capítulo, o autor nos
apresenta como, no período medieval, era concebida a ideia de mapeamento de um determinado
território. Sem as técnicas atuais, os reis mapeavam suas terras até onde eles possuíam pleno
domínio. Outra técnica seria mapear seus animais, a quantidade de cada um, e onde quer que
houvesse animal pertencente a ele, lá estaria representado o seu reino e, consequentemente, seu
território. O capítulo mostra como ocorreu a revolução cartográfica e como o Estado moderno,
sobretudo a partir do séc. XIX modificou essa percepção.
No segundo capítulo, Branch (2014) aborda as mudanças sistêmicas do sistema internacional e
usa essa análise para delinear como o advento da era moderna estruturou as políticas europeias.
Em particular, ideias fundamentais sobre a autoridade política - quem tem o direito de governar e
sobre que tipo de domínio - estruturam a identidade e a organização dos atores políticos,
moldando seus resultados tais como a natureza e a causa dos conflitos. Na Idade Média, as
estruturas políticas eram definidas por uma variedade de autoridades (como títulos da nobreza,
por exemplo), tanto territoriais quanto não-territoriais. E o resultado disto foi uma estrutura
política com sobreposição de reivindicações de autoridade e hierarquia entre os atores, afinal não
havia uma divisão clara das relações internas e externas dos limites territoriais. Apenas no início
do séc. XX que a desordem política medieval cedeu para a exclusividade territorial por uma
hierarquia política delimitada por fronteiras. Analisando o Tratado de Paz de Vestfália, o autor
mostra como foi exatamente compreendido o surgimento dos Estados soberanos.
O capítulo três examina o desenvolvimento de novas ferramentas cartográficas na Europa a partir
do séc. XV em diante e a influência das questões sociais que foram incorporadas ao longo desse
processo. Mapas, na Idade Média europeia eram raros, e foram elaborados sem a definição
geométrica do mapeamento moderno. Imagens cartográficas medievais enfatizavam mais a
singularidade dos locais do que a extensão espacial. No séc. XV, no entanto, com o avanço das
inovações, essa característica foi aos poucos sendo eliminada. Os mapas passaram a se assemelhar
com os atuais, refletindo uma visão de espaço como uma extensão geométrica. E a partir dessa
divisão, o mundo passou a ter um outro olhar sobre a importância da linguagem visual e os limites
de atuação dos Estados para com os demais territórios delimitados.
O quarto capítulo faz uma ligação entre o avanço tecnológico e as transformações sociais,
revelando a importância já discutida da correlação entre realidade material e as crenças e valores
de um povo. Com o avanço da cartografia, os mapas passaram a ser cada vez mais usados e
criados, sobretudo para delimitar as áreas que ainda não eram soberanamente definidas. A
autoridade territorial deixou de ser definida por reivindicações sobre lugares específicos e passou
a ser aquela que havia sido definida pela divisão feita através do mapeamento. Esse fato passou a
permitir que os Estados deixassem de requerer determinado território por possuir bens
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INTELLECTOR
Ano XI
Volume XII
Nº 24
Janeiro/Junho 2016
Rio de Janeiro
ISSN 1807-1260
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particulares e passou a ser reivindicado por estar espacialmente delimitado.
Ampliando as fronteiras para além do continente europeu, o capítulo cinco destaca o processo
colonial, segundo o qual todo o mapeamento desenvolvido em séculos anteriores foi utilizado pela
primeira vez nas Américas e, posteriormente, nas demais regiões do globo. Essa expansão
europeia exigiu um conjunto de ideias e ferramentas para a expansão. As técnicas desenvolvidas e
que foram capazes de delimitar espacialmente os territórios, permitiram que os governantes
aclamassem territórios mesmo sem qualquer conhecimento do que havia lá. O fato de ter sido
mapeado e aclamado de ‘seu’ era critério suficiente para a reinvindicação do que ainda seria
descoberto.
O capítulo sexto amplia essa análise, abarcando um suporte empírico para a relação entre
mapeamento territorial e transformação política. Sobretudo o autor analisa o início dos grandes
acordos de paz europeus modernos. Metas de negociação e a própria prática dos atores era
definida pela reivindicação territorial nos limites cartograficamente definidos. A partir do séc.
XVIII em diante, o mapeamento e a relação com os demais Estados se deslocou profundamente,
acarretando relações complexas de autoridade. E essa relação evidencia a correlação entre ideias e
valores de uma comunidade política e como ela se molda de acordo com a realidade física,
material que se apresenta a ela.
O capítulo sete ilustra, através do caso da França como a evolução cartográfica afetou a percepção
política desde o período medieval até o pós-revolução francesa. Ideias políticas e objetos materiais
foram influenciados nessa transformação, acarretando novas afirmações de autoridade e controle
territorial. As novas formas de mapeamento permitiram a França delimitar com a precisão até
então inexistente. E essa nova capacidade moldou as ações da França para com os demais ao
firmar sua legitimidade sobre um território delimitado.
Por fim, o capítulo oitavo aplica todo o conhecimento teórico a partir da análise histórica
construída para tentar entender como se relaciona com a política internacional hoje. Ao utilizar as
implicações do avanço tecnológico cartográfico e sua relação com as ideias e práticas políticas
contemporâneas, Branch (2014) entende que há uma nova transformação na cartografia desde o
início do período moderno no séc. XIX, tornando este fenômeno ainda mais interessante em sua
capacidade de modificar a percepção dos Estados. Ao focar na intersecção entre autoridade
política e o avanço tecnológico, o autor entende que há uma nova reformulação nesse processo,
gerando novas formas de percepção soberana que tendem a desafiar e modificar os interesses e
preferências dos entes estatais para consigo mesmo e com os demais.
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