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Análise Transacional:
uma contribuição à construção do protagonismo policial
Autora: Rosa Maria Gross de Almeida
Temas: Direitos Humanos e Segurança Pública, Psicologia.
O importante não é se algo já está feito, mas que temos infinitas
possibilidades de escolha. Nossas escolhas nos levam a experiências que nos
fazem compreender que não somos as criaturas pequenas que parecemos ser.
Somos expressões interdimensionais da vida, espelhos do espírito.
Bach, 1988
INTRODUÇÃO
A grave crise por que passa nossa sociedade e que se expressa, especialmente,
na forma de violência de todas as ordens, exige das instituições policiais
permanente atualização, tanto do ponto de vista técnico quanto no que se refere
aos profissionais que a integram.
A compreensão do fenômeno violência em sua complexidade é condição para o
seu enfrentamento eficiente e eficaz, nos termos preconizados pelo Plano
Nacional de Segurança.
A sociedade, de maneira geral, desconhece seu papel na produção desta
violência da qual se ressente e termina por jogar sobre os ombros dos
profissionais de Segurança Pública a responsabilidade por erradica-la.
Quando não adequadamente preparados, do ponto de vista técnico quanto do
ponto de vista psicológico, estes profissionais correm o risco de assumirem para si
esta responsabilidade, o que resulta em ações inadequadas que, além de
completamente ineficazes para o atingimento deste objetivo, colocam à população
e, principalmente os próprios profissionais em grandes e desnecessários riscos.
Assim sendo, mais do que nunca faz-se necessário cuidado especial com a
capacitação permanente e com o psiquismo destes policiais, cuidadores que são
pouco cuidados.
É neste sentido que se inscrevem as ações de capacitação continuada da
Secretaria Nacional de Segurança Pública, voltadas para lideranças
multiplicadoras de uma cultura de direitos humanos e cidadania aplicada à
intervenção humana e técnica eficiente e eficaz do operadores diretos de
segurança pública, nos marcos da democracia brasileira.
Estas ações destinam-se a lideranças da Polícia Militar, da Polícia Civil e dos
Bombeiros Militares e tem como objetivo contribuir para a formação de uma
cultura nacional de direitos e deveres humanos, de solidariedade ativa e paz,
mobilizando o protagonismo cidadão dos operadores diretos de segurança,
agregando qualificação humana e técnica à sua intervenção específica como
atores sociais e autoridades públicas. Isto é alcançado por trabalharem conteúdos
que atendam a estes dois aspectos da formação destes profissionais,
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proporcionando-lhes cuidado na forma de informação qualificada e produzindo
efeitos importantes em suas vidas pessoais como em sua atuação profissional.
Neste artigo, serão abordados conteúdos de psicologia a partir da Análise
Transacional, linha teórica que vem sendo já utilizada em seminários ligados à
Segurança Pública e que vem mostrando bons resultados de aplicabilidade,
especialmente por sua linguagem acessível. Estes conteúdos buscam contribuir
de forma simples e profunda, trazendo elementos que possibilitem aos
profissionais compreender melhor a si mesmos e aos seus relacionamentos,
pessoais e profissionais.
Em sua vida em sociedade, em sua família, junto aos amigos, em seu trabalho, o
ser humano interage permanentemente e assume posturas de agente dos
processos ou de seu mero espectador. Com isto, decide fazer parte daqueles que
fazem, ou daqueles que sofrem as ações, sujeito ou objeto de sua própria
existência, consciente de seu papel de cidadão e cidadã ou dele alienado, passivo
e desempoderado.
A consciência daquilo que acontece consigo e à sua volta possibilita-lhe escolher
entre ser o personagem principal de seu “drama” e seu produtor, com poder para
mudar a ação e o diálogo ou, ser seu mero espectador, passivo ante seu
desenrolar, vítima impotente de um roteiro previamente escrito.
Olhar estas questões desde suas raízes significa olhar para estes
indivíduos, recompor suas trajetórias neste desviar-se de si mesmos, para assim
poder contribuir a que retomem a autoria e direção da própria vida.
Como se dá o desenvolvimento, a constituição da personalidade?
Como chega a ser quem hoje é?
Como já foi dito, as ferramentas a serem utilizadas para isto virão da Análise
Transacional, um sistema de psicologia individual e social criada na década de
1950 pelo Psiquiatra canadense Eric Berne (1910-1970) resultado, segundo ele,
de experiências clínicas, posteriormente corroboradas pela literatura,
especialmente pelos estudos neurológicos de Penfield e Federn.
Esta teoria ocupa-se do indivíduo e de suas interações no grupo e o faz com
profundidade e simplicidade, o que possibilita àqueles que a ela têm acesso,
produzir transformações em suas vidas:“A auto-avaliação neste sistema (...) torna
relativamente fácil, para quem a pratica, detectar e controlar elementos arcaicos
ou prejudiciais em suas próprias respostas.” (BERNE. 1985. p.22)
Berne denominou-a Análise Transacional porque estuda os intercâmbios de
estímulos e respostas, isto é, as transações entre os indivíduos.
Aplica-se a diversas áreas de atuação profissional: Área Clínica, Área
Educacional, Área Organizacional e Outras.
Esta teoria convida o indivíduo a olhar para a parte que lhe cabe nas diversas
situações em que está inserido, o que resulta em maior responsabilidade por sua
vida e por seus relacionamentos. Traz-lha a consciência de não ter poder algum
de transformar ao outro, mas de ter todo o poder de transformar a si mesmo.
A Análise Transacional é também uma filosofia, construída a partir da certeza que
Berne tinha de que todos os seres humanos têm um núcleo básico estimável, com
a força e o desejo de auto-crescimento e realização e podem trabalhar em
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cooperação e mutualidade, a partir de um contrato, fazendo suas próprias
escolhas e exercendo sua autonomia com responsabilidade.
Desta confiança resultam três premissas básicas sobre as quais constituiu sua
teoria:

As pessoas nascem com igual capacidade (estrutura fisiológica básica)
para desenvolver consciência, espontaneidade e intimidade, potenciais básicos do
ser humano, consigo e com os outros. Consciência quer dizer possibilidade de
estar consciente do que sente, de onde está e do momento que está vivendo.
Espontaneidade refere-se a ter opção, liberdade de escolher suas ações e de
expressar sentimentos e pensamentos. Intimidade significa a possibilidade de
viver relações onde haja reciprocidade na expressão das emoções, sem
exploração e livre de jogos.

Para que uma relação promova o indivíduo, é necessário que seja
estabelecida sobre bases igualitárias, onde as pessoas envolvidas tenham igual
responsabilidade sobre o que acontece.

Seres humanos trazem em si a possibilidade de evolução e mudança.
Esta teoria se constitui a partir da forma como está estruturada a personalidade
(análise estrutural), como esta estrutura se expressa (análise descritiva), como se
relaciona com outros (análise transacional), a partir de que motivações e
necessidades (reconhecimento e motivação), expressando que emoções
(emoções autênticas e disfarces), a partir de que visão de mundo (posição
existencial) e de que jogos (jogos psicológicos), para chegar a que desfecho de
vida (script de vida).
A partir destes itens, com os aportes trazidos por este conhecimento, serão
analisadas situações e aspectos diretamente relacionados ao fazer policial. Pelas
características da AT, o Curso 101 protege e nutre a Criança destes profissionais,
ao mesmo tempo que traz informações para o seu Adulto, descontaminando-o de
conteúdos parentais que possam estar sendo nocivos, aumentando seu leque de
opções. Com isto, amplia-se sua consciência e a condição de cuidar melhor de si,
de sua vida profissional e pessoal.
A TEORIA DA AT:
“O interesse básico da Análise Transacional é o estudo dos estados de ego, que
são sistemas coerentes de pensamento e sentimento manifestados por padrões
de comportamento correspondentes.” (BERNE, p. 25. 1988) Os estados do ego
se apresentam de três formas: Pai, Adulto, Criança e juntos constituem a estrutura
da personalidade e são as unidades de construção da AT.
Pai, Adulto e Criança, quando referidos como estados do ego, estão escritos com
letras maiúsculas, o que os difere dos mesmos termos quando usados em
referência a pessoas.
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ANÁLISE ESTRUTURAL:
A análise estrutural consiste na identificação e análise dos estados do ego,
através da separação de padrões de sentimento e comportamento que a cada um
correspondam.
Eric Berne assim diagramou a estrutura da personalidade:
Normas, Valores, Regras de
Conduta, Modelos
A
Razão, Lógica, Conhecimento,
Informação
Bagagem Genética, Emoções,
Intuição
O estado do ego Criança é o componente biológico da personalidade. Nele está a
bagagem genética do indivíduo somada às experiências da infância. Representa o
conceito sentido de vida e é o primeiro estado do ego a existir. Na personalidade
total, é a grande fonte potencial de energia, espontaneidade, intuição, prazer,
criatividade e capacidade de experimentar emoções.
Eric Berne percebeu, através da observação de seus pacientes, que esta criança
permanece incorporada à personalidade dos indivíduos “crescidos” e que sua
atuação pode ser percebida através da expressão de sentimentos e pensamentos
bem como de ações, muito semelhantes aos sentimentos, pensamentos e ações
vivenciados na fase inicial de suas vidas.
Suas observações levaram-no ainda a perceber que não somente esta criança,
mas também mensagens passadas por seus cuidadores, por aqueles que dela se
ocuparam, continuavam tendo lugar em sua personalidade, como que
armazenadas na forma de gravações, constituindo o estado do ego PAI.
O estado do ego Pai, então, forma-se a partir de conteúdos introduzidos de fora e
que se constituem de tradições, preceitos e modelos de conduta recebidos. Não
possui autonomia e sua ação é imitativa. É o conceito aprendido de vida e
manifesta-se através de sentimentos, pensamentos e comportamentos que são
reproduções de sentimentos, pensamentos e comportamentos das figuras
parentais.
1
O estado do ego Adulto é um processador analítico e objetivo de informações
internas e externas, que utiliza as experiências passadas e responde às
demandas do aqui e agora de forma lógica e adequada. Trata-se do conceito
pensado de vida.
“Quando no estado de ego Adulto, a pessoa está em pleno contato com o que
está ocorrendo, duplamente, dentro e fora de seu organismo, de modo compatível
com seu estágio atual de desenvolvimento”. (ERSKINE. 1997. p.110)
Os seres humanos, para um desempenho profissional ético e capacitado como
para organizarem suas vidas pessoais, não podem prescindir desta “consciência
Adulto” de si mesmos e da realidade.
“A tese então é que, em qualquer momento, todo indivíduo presente a uma
reunião social estará exibindo um estado do ego do tipo Pai, Adulto ou Criança, e
que as pessoas podem mudar, com variados graus de rapidez e presteza de um
estado para outro.” (BERNE.1974.p.26)
Os três estados do ego são atuantes em nossa personalidade total.
Quando uma pessoa busca conhecer mais de perto aquele ou aquela que é, olhar
para sua história lhe traz dados importantes: lembrar da criança que foi, de como
esta criança se sentia frente ao mundo, os dramas, os sofrimentos, as alegrias por
que passou. É esta a criança que permanece dentro dela, fazendo parte de sua
personalidade. Ao pensar sobre os pais ou substitutos que teve, da mesma forma
poderá ter uma boa noção de como está constituído seu estado do ego Pai e, com
estas informações, irá já compreender muito do que ocorre consigo.
Esta compreensão, que resulta do defrontar-se com sua história e com
sentimentos que permanecem guardados dentro de si, promove uma ampliação
de consciência e aumenta o leque de opões que a pessoa tem de agir em sua
vida, liberando-a para construir relações mais próximas e verdadeiras, consigo
mesma e com os outros.
Sem disto ter consciência, corre o risco de estar atuando, na vida pessoal como
na vida profissional, a partir de conteúdos ligados à criança que foi e\ou aos pais
que teve resultando em ações inadequadas, com diferentes graus de
consequências.
Na profissão policial, estas consequências podem ser particularmente
desastrosas, tanto para o profissional quanto para a sociedade. Exemplo disto foi
o corajoso relato feito por um policial em um curso de capacitação que, diante de
seus colegas, relatou as descobertas que havia feito sobre si e sobre sua atuação
profissional:
“ Hoje compreendi porquê, a cada vez que sou chamado para atender a uma
ocorrência envolvendo um marido embriagado espancando mulher e filhos, sinto
dentro de mim uma raiva muito grande e vontade de eu mesmo espancar este
homem. Meu pai morreu quando eu tinha oito anos e, as lembranças que tenho
dele, são de vê-lo chegando em casa bêbado e batendo na minha mãe. Eu não
me dava conta da dor e da raiva que ainda guardo comigo. Eu era muito pequeno
e não conseguia defender minha mãe. Então, ficava num canto chorando de medo
e de raiva por não poder fazer nada.”
Este policial, ao ver-se em situações semelhantes àquelas vividas por sua
Criança, experimentava os mesmos sentimentos lá do passado, e isto interferia no
juízo que o Adulto deste profissional deveria fazer naquele momento. Além disto,
seu impulso era de resolver a situação, o desconforto que sentia, batendo. Esta
1
era a conduta que via seu pai usar e este foi o modelo incorporado ao seu estado
do ego Pai.
A consciência destes conteúdos internos, somada à capacitação profissional,
podem resultar em ações que, embora levando em conta a existência do
sofrimento, permitam ao profissional agir adequada e eficazmente, isto é, não
como um menino com medo e com raiva e tampouco como um pai agressor e sim
como o profissional que é, como o Adulto preparado para enfrentar de forma
técnica estas e outra situações. Sem ter esta consciência, termina por deixar-se
arrastar por estes conteúdos arcaicos, carregados de emoções.
ANÁLISE DESCRITIVA DA PERSONALIDADE
A análise descritiva ocupa-se da análise do funcionamento dos estados do ego,
isto é, como se apresentam, como se manifestam em sua atuação externa.
Os estados do ego, como resultam de experiências e de pessoas reais, também
assim se manifestam:
As crianças, dentro de seu meio familiar, utilizam-se de estratégias de adaptação
a este meio. Em alguns casos, trata-se de verdadeiras estratégias de
sobrevivência.
Estas estratégias resultam da percepção que esta criança tem daquilo que
precisará ser e fazer para ser aceita e para que este meio atenda às suas
necessidades.
É, então, adaptada aos critérios e ditames das figuras parentais gravados no EDE
Pai e
seu estado do ego Criança se manifestará a partir do tipo de estratégia usada:
Criança Adaptada Submissa: Aquela que, em seu processo de adaptação,
necessitou abrir mão de sua vontade, fazendo a vontade de outro. Manifesta-se
como alguém sem vontade própria, confusa, desvalorizada, dependente,
queixosa.
Criança Adaptada Rebelde: Também abriu mão de sua vontade por que, sua
estratégia, consiste em fazer o contrário do que o outro quer. Manifesta-se
desafiante, hostil e opositora.
Criança Livre, também chamada Criança Natural, aquela que, para ser aceita,
não precisou abrir mão de si mesma e de sua vontade, o que não significa que,
quando criança, também não tenha precisado adaptar-se à realidade. Manifesta
espontaneidade, intuição, desinibição, expressividade, sexualidade, curiosidade,
criatividade e expressa emoções autênticas.
O estado do ego Pai, tal como os pais reais, também se expressa de diferentes
formas que são descritas na análise transacional como Pai Crítico e Pai Nutritivo,
contendo as seguintes características:
Pai Crítico: exigente, crítico, punitivo, preconceituoso, faz julgamentos; inflexível;
super-protetor; dá limites inadequados que geram culpa e medo.
Pai Nutritivo: dá apoio ao crescimento, proteção, consolo, permissão para viver e
desfrutar, educação; é interessado, tranquilizador, dá limites adequados que
convidam ao crescimento e à autonomia; é caloroso.
1
O estado do ego Adulto não se subdivide, mas pode manifestar-se com maior ou
menor grau de informação, tanto do que acontece dentro de si quanto do que
acontece na realidade.
A observação destes estados do ego se dá a partir da observação de cinco sinais:
 As Palavras;
 O Tom de voz;
 A expressão facial;
 Os gestos dos membros;
 A postura corporal.
PC
PN
A
CAS
CAR
CL
Determinadas profissões, por suas características, tendem a ressaltar a
manifestação de algum ou alguns estados do ego mais do que outros.
Entre os policiais, a manifestação do estado do ego Pai Crítico é reforçada dentro
da profissão e estimulada pela sociedade quando, por exemplo, demonstra querer
que o policial “dê um corretivo” em alguém. Esta é uma forma equivocada de
perceber esta profissão e resulta em ações que não correspondem ao papel dos
policiais no Estado Democrático de Direito.
1
PATOLOGIAS ESTRUTURAIS:
“ A patologia estrutural ocupa-se das anomalias da estrutura psíquica, sendo as
duas mais comuns a exclusão e a contaminação.” (BERNE, p.41. 1985)
Contaminação:
Por vezes, os limites do estado do ego Adulto se rompem, e ele é “invadido” por
informações vindas do estado do ego Pai ou do estado do ego Criança ou de
ambos, informações estas que o Adulto reconhece como reais e verdadeiras.
Contaminação do Adulto pelo Pai: Quando o estado do ego Pai “invade” as
fronteiras do estado do ego Adulto, esta contaminação se manifesta na forma de
preconceitos.
Contaminação do Adulto pela Criança: Quando o estado do ego Criança “invade”
as fronteiras do estado do ego Adulto, esta contaminação se manifesta através de
ilusões.
Dupla contaminação: Quando os limites do estado do ego Adulto são “invadidos”
pelo estado do ego Pai e pelo estado do ego Criança. Isto é manifestado, ao
mesmo tempo, por preconceitos e por ilusões.
Quando ocorre contaminação do estado do ego Adulto, seu juízo de realidade fica
prejudicado e sua capacidade de argumentação estará a serviço dos preconceitos
e/ou ilusões.
Na atuação dos profissionais da área da Segurança Pública, preconceitos
(“vagabundos”, referindo-se aos integrantes do Movimento Sem Terra, ou
“pervertidos” referindo-se aos homossexuais, por exemplo) ou ilusões (“polícia é
um mal necessário” referindo-se à si mesmo e a sua profissão) podem mudar
sensivelmente a forma deste profissional atuar, quando diante dos integrantes do
MST, ou ao fazer o policiamento de uma parada Gay ou, ainda, em sua relação
com a sociedade.
1
1
P
P
P
A
A
A
C
C
Contaminação do Adulto pelo Pai
Dupla Contaminação
C
Contaminação do Adulto pela Criança
Exclusão:
Consiste no emprego de um ou de dois estados do ego, impedindo a
manifestação dos demais. Pode dar-se de forma rígida e constante ou por
determinado tempo ou circunstância.
1
Pai constante: Aqui estão excluídos a Criança e, portanto, suas características, e
o Adulto. O comportamento é rígido, inflexível, estereotipado, autoritário e
desumano.
P
A
C
1
Adulto constante: O Adulto excluindo os estados do ego Pai e Criança, sua ação
é fria e calculista, não levando em conta valores e sentimentos.
P
A
C
Criança constante: A Criança constante se manifesta na drogadição, no
comportamento anti-social, na ausência de limites, na ação criminosa sem
qualquer planejamento.
P
A
C
1
Pai e Adulto constantes: Pai e Adulto excluindo a Criança, costuma ser resultado
de situações na vida da criança que o obrigaram a crescer precocemente e deixar
de lado a infância. Embora pessoas via de regra muito admiradas por sua retidão,
força de vontade e capacidade de trabalho, falta-lhes alegria de viver, de desfrutar,
inclusive daquilo que alcançaram com sua força e determinação.
P
A
C
1
Pai e Criança constantes: Estas são pessoas, muitas vezes, denominadas “falso
moralistas”, pois seu comportamento transita entre a extrema rigidez de valores do
estado do ego Pai e os desejos da Criança, sem a presença do Adulto para
administrar tal situação. Sem dúvida não é uma forma confortável de sentir.
P
A
C
2
Adulto e Criança constantes: Nesta personalidade, a capacidade do Adulto está
associada à sedução da Criança, a serviço dos desejos desta última. Como o Pai
está excluído, estes desejos não encontram o limite dos valores e, muitas, vezes,
buscarão ser alcançados mesmo que através de ações criminosas.
P
A
C
ANÁLISE DAS TRANSAÇÕES:
“Uma transação consiste em um único estímulo e uma única resposta, verbal ou
não-verbal, e é a unidade da ação social. É chamada de transação por que cada
uma das partes ganha algo dela e é por esta razão que as pessoas se engajam.”
(BERNE. 1988.p.32)
Na comunicação dos seres humanos, os diferentes estados do ego resultam em
transações que, como bem salientou Eric Berne envolvem sempre, no mínimo,
seis estados do ego.
Esta comunicação ocorre na forma de estímulos e respostas e a análise
transacional ocupa-se de diagnosticar quais os estados do ego estão aí
envolvidos, isto é, de qual estado do ego partiu o estímulo e qual estado do ego a
ele respondeu.
2
“Uma vez que os estados de ego diferem entre si como as pessoas reais, é
importante saber qual estado de ego está ativado em cada pessoa quando algo
acontece entre elas.” (BERNE. 1988. p.27)
A diagramação das sucessões de estímulos e respostas nas transações, permite
sua classificação e, a partir desta, a compreensão do que está ocorrendo
efetivamente na comunicação.
Classificação das transações:
Transações Complementares
As transações complementares, também chamadas paralelas, são transações
que envolvem apenas dois estados do ego. Nelas, a resposta sempre virá do
estado do ego que recebeu o estímulo e por isto, ao ser diagramada, mostrará
setas sempre paralelas. Estas transações propiciam a que a comunicação alcance
seus objetivos, terminando neste ponto ou continuando indefinidamente.
(E) “Alguém me ajude!”
(R) “ Acalme-se, senhora, o que aconteceu?.”
P
P
R
A
A
E
C
C
(E) Por favor, seus documentos.
(R) Aqui estão.
2
P
P
E
A
A
R
C
C
2
Transações Cruzadas
Já nas transações cruzadas, os vetores se cruzam pois, o estímulo está dirigido
a um estado do ego e a resposta vem de um outro estado do ego. Este tipo de
transação leva a uma interrupção na comunicação sem que os objetivos sejam
atingidos e a problemas nas relações enter-pessoais.
(E) “Seus documentos, por favor.”
(R) “Que foi que eu fiz?”
P
P
E
A
A
R
C
C
2
(E) “Estou tão preocupado com os exames que o médico me pediu.”
(R) “Para isto tens um plano de saúde.”
P
P
A
R
A
E
C
C
2
(E) “Exijo que você olhe para mim enquanto falo!”
(R) “ Estou vendo que a sra. está muito nervosa. Quer um
calmante?”
P
A
C
E
P
R
A
C
2
Transações Ulteriores
Estas são transações que contém dois níveis, um nível social, aparente, e outro
nível psicológico, oculto e será este o nível em que se dará a comunicação.
(ES): “Eu vou te conduzir à Delegacia e tu não vais tentar fugir.”
(EP): (“Se você tentar fugir vamos poder lhe perseguir e “brincar” de
polícia e bandido”)
(R) “Pois eu vou fugir.”
P
P
ES
A
A
EP
C
C
RS
2
(ES): Faremos o plantão juntos, Mari
(EP): (Vamos ficar sozinhos hoje, Mari)
(EP): Sim, temos mesmo muito trabalho.
(ES): (Pensei que você nunca ias me pedir isto)
P P P
P
ES
A
A
RS
EP
C
C
RP
A profissão policial, consciente ou inconscientemente, está ligada aos papéis
paterno/maternos pois, os pais, foram os primeiros a fazerem “papel de polícia” na
vida dos filhos e, na sociedade, cabe ao policial fazer com que os limites sejam
respeitados.
Isto pode resultar em uma tendência de atuação neste estado do ego, como já
salientado, com suas consequências.
Isto não significa que, em muitos momentos, e a partir de uma avaliação do
Adulto, o profissional não inclua em sua ação características inerentes ao estado
do ego Pai como proteção, acolhida, conforto, como, por exemplo, no atendimento
a uma vítima assustada, precisando cuidados.
Refletir e dar-se conta do tipo de respostas que vem obtendo nas transações em
que se envolve, pode fornecer dados importantes sobre os estímulos emitidos, isto
é, de qual estado do ego estes estímulos partem.
2
Estímulos que se originam no estado do ego Adulto,“convidam” o outro a que
responda também com seu Adulto, enquanto os estímulos originados a partir do
estado do ego Pai podem provocar respostas vindas da Criança, trazendo
dificuldades e problemas à atuação do profissional.
RECONHECIMENTO E MOTIVAÇÃO
Eric Berne, com base em pesquisas realizadas por Spitz, entre outros e a partir de
suas próprias observações clínicas, percebeu que os bebês humanos, da mesma
forma que necessitam do alimento para sua sobrevivência, necessitam também de
contato físico, de carinho e, sem isto se depauperam e morrem. Este contato físico
significa estimulação e quer dizer que sua existência é reconhecida: “...a palavra
“estímulo” pode ser usada para caracterizar qualquer relacionamento, isto é,
qualquer ato que implique no reconhecimento da presença de outra pessoa”
(BERNE. 1995. p.19)
A medida em que as crianças crescem, esta necessidade de contato físico pode
ser substituída, pelo menos em parte, pelo estímulo verbal. A necessidade de
reconhecimento, entretanto, permanece vital aos seres humanos e esta é, talvez,
sua grande fonte de motiva-ação.
Na linguagem da Análise Transacional, a unidade de reconhecimento é chamada
carícia e pode ser tanto positiva (um elogio pelo trabalho feito, por exemplo)
quanto negativa (uma agressão verbal ou física, por exemplo).
As Instituições Policiais, em geral, não se ocupam de demonstrar reconhecimento
positivo pelo trabalho desenvolvido por seus profissionais. Com isto, perdem a
oportunidade de contribuir fortemente para a saúde emocional e física destes
profissionais e para o fortalecimento das ações positivas. Estas mesmas
Instituições, entretanto, distribuem grandes quantidades de reconhecimento
negativo, têm facilidade em descobrir defeitos e mal feitos, apressando-se em
penalizá-los.
Com isto apenas reforçam estes defeitos e mal feitos pois, onde somente há
disponibilidade de reconhecimento negativo, obtê-lo será a meta já que o que os
seres humanos não suportam é a ausência de reconhecimento.
ESTRUTURAÇÃO DO TEMPO SOCIAL
Outra necessidade humana, tão importante quanto à necessidade de estímulo,
consiste em estruturar suas horas de vigília e é para atender a esta necessidade
que as pessoas programam seu tempo.
Berne classificou seis formas de estruturação do tempo, quais sejam:
Isolamento: Aqui, as pessoas não se comunicam umas com as outras, cada uma
dentro de seu próprio mundo, o que pode ocorrer em situações várias tais como
um ônibus, uma fila de Banco ou um grupo de pesquisadores em um laboratório.
Rituais: Se constituem de séries de transações complementares, altamente
estilizadas e programadas exteriormente seja pelas religiões, pelas tradições,
pelos costumes...
2
Atividades: O trabalho exercido. Em geral, as transações são Adulto-Adulto e
giram em torno da própria atividade.
Passatempos: Os tempos transcorridos com transações complementares menos
comprometidas, mais divertidas, em torno de assuntos mutuamente aceitos, como
costuma acontecer entre “vizinhos de banco” durante uma viagem, salas de
espera, festas e reuniões de amigos e tem por objetivo preencher um intervalo de
tempo.
Jogos: Jogos psicológicos se constituem de séries de transações ulteriores com
um “truque” e um desfecho definido e previsível.
Intimidade: Relacionamentos livres de jogos e sem exploração. Significa a
possibilidade de viver relações onde haja reciprocidade na expressão das
emoções, sem exploração e livre de jogos.
Uma estruturação equilibrada do tempo social deve levar em conta as
necessidades humanas e seu atendimento.
Policiais, em sua maioria, estruturam seu tempo quase que exclusivamente em
torno da profissão. Isto resulta em prejuízos às suas vidas pessoais e em grandes
dificuldades em enfrentar a aposentadoria/reserva. Estas são situações graves de
vida, entre outras e pedem mudanças na forma como estes profissionais vem
estruturando seu tempo.
ANÁLISE DOS JOGOS
Berne definiu os Jogos Psicológicos como “Uma série de transações ulteriores
com uma isca, uma fraqueza, uma mudança e uma confusão, levando ao
desfecho.” (Berne, 1988. p.35)
Os jogos “fazem parte da estrutura básica da dinâmica emocional de toda
família...” e é aí, nesta família que, desde a mais tenra idade, uma criança aprende
os jogos que irá utilizar na vida para satisfazer suas necessidades.
Entretanto, é ilusória a possibilidade de que as genuínas necessidades dos seres
humanos possam ser satisfeitas através de Jogos Psicológicos.
Embora o nome, “jogos”, com Jogos Psicológicos ninguém se diverte. Ao
contrário. Através deles, reforçam-se crenças a respeito de si, dos outros e do
mundo e evita-se intimidade.
Berne descreveu os Jogos Psicológicos a partir da seguinte fórmula:
Isca + Fraqueza= Resposta... Mudança (surpresa) --- Desfecho Final
Isca: parte ulterior, oculta e não consciente. Implica numa desqualificação de
alguma parte da realidade.
Fraqueza: desqualificação e vulnerabilidade do interlocutor, incapacidade de
resistir ao estímulo.
Resposta: completa a transação iniciada com a isca e também contém
desqualificação.
Mudança: mudança de Estado de Ego, causando surpresa no outro
Desfecho Final: reforço das injunções e crenças a respeito de si mesmo e do
outro, acompanhado de emoção de disfarce.
3
Alguns exemplos de Jogos:
“ Te peguei, desgraçado!”
“Defeito”
“Briguem entre vocês”
“Tribunal”
“Se não fosse por você”
“ Pobrezinho de mim”
“ Estúpido”
“Eu só queria ajudar”
“Sim...mas”
“Olha o que me fizestes fazer”
“Como você é maravilhoso”
“Violentada”
Graus dos Jogos:
Jogos de 1o grau – “... socialmente aceitáveis no círculo do jogador.”
Jogos de 2o grau – “...não chegam a causar danos irremediáveis ou permanentes,
mas os jogadores preferem oculta-los de terceiros.”
Jogos de 3o grau – “...tem caráter definitivo, e terminam numa sala de operações,
num tribunal ou no necrotério.”
Opções para sair de Jogos Psicológicos:
•
•
•
•
Ignorar o Jogo Psicológico;
Mudar o assunto;
Expor o Jogo Psicológico;
Jogar o Jogo Psicológico, com consciência, possibilitando um outro
desfecho.
3
O TRIÂNGULO DRAMÁTICO
O Triângulo Dramático é uma forma de diagramar os jogos psicológicos criada por
Stephen Karpman e que mostra as possibilidades de mudanças de papéis em um
jogo psicológico a partir de três papéis:
Perseguidor, Salvador e Vítima. Estes são papéis assumidos dentro do Jogo
Psicológico, quando os jogadores se movimentam dentro do triângulo trocando de
papéis e não devem ser confundidos com perseguidores, salvadores e vítimas
reais (assassino perseguindo uma vítima e o policial que a salva, por exemplo)
PERSEGUIDOR: Pai Crítico: exigente, crítico, punitivo, preconceituoso, faz
julgamentos; inflexível.
SALVADOR: Pai Crítico: superprotetor.
VÍTIMA:
Criança Adaptada Submissa, sem vontade própria, confusa,
desvalorizada,
dependente, queixosa.
P
S
V
3
EMOÇÕES AUTÊNTICAS E DISFARCES:
Os seres humanos, ao nascer, trazem consigo a condição de sentir emoções em
resposta a determinados estímulos, isto é, nascem fisiologicamente equipados
para isto e esta condição está diretamente ligada à preservação da espécie.
Assim, são capazes de experimentar alegria ante a satisfação de uma
necessidade, o alcance de uma meta, a realização de um sonho; de experimentar
afeto como resultado do contato íntimo e real com outra pessoa; de experimentar
tristeza pelas perdas de pessoas, de objetos, de ideais; de experimentar medo
ante uma ameaça a sua vida e de experimentar raiva quando invadido em seu
espaço físico ou psicológico.
Entretanto, se nascem preparados para sentir estas emoções, não nascem
sabendo seus nomes e tampouco a forma adequada de expressá-las. Isto seria
tarefa para ser ensinada às crianças pequenas proporcionando-lhes, com isto,
condição de educar suas emoções, além de lhes ser assegurado que nada há de
errado em sentir o que sente, que é OK sentir o que sente.
Muitas vezes, porem, os pais, os professores, aqueles enfim que se ocupam das
crianças, não só não sabem eles próprios o que sentem como também não foram
ensinados a conhecer e a lidar com suas emoções. Assim, terminam por ignorar
algumas delas enquanto super-dimensionam outras. A muitos, por exemplo, foi
ensinado que sentir raiva é uma coisa feia, que merece castigo e o mesmo
terminam repetindo aos filhos. Em outros casos, meninos quando expressam
medo, não só não recebem proteção como resposta, como são chamados de
“maricas” e humilhados. Mas, os mesmos meninos, se chegam da escola
rasgados porque, num acesso de raiva brigaram com o colega, são elogiados e
estimulados neste comportamento. Podemos imaginar que este menino, com a
continuidade de situações como esta será um homem que encobrirá seus medos
sob comportamentos violentos (aliás, o violento é uma pessoa com medo). Mesmo
emoções consideradas “positivas” como a alegria, por vezes são desestimuladas
na criança, por exemplo, quando uma criança cresce em uma casa onde há
alguém doente, e onde sistematicamente suas demonstrações da alegria são de
alguma maneira podadas, ou aquela criança que cresce junto a uma mãe ou a um
pai deprimido, a/ao qual ela jamais vê rir.
As profissões também têm seus tabus com relação à expressão de determinadas
emoções.
Na profissão policial a expressão de emoções como medo, tristeza e mesmo afeto
são recebidas com reticências, razão pela qual estes profissionais terminam por
não expressá-las, temendo críticas. Como não seja possível “deixar de sentir”,
estas emoções encontrarão formas de manifestação, especialmente através de
doenças físicas e emocionais.
O medo é uma emoção que, no meio policial, é sinônimo de covardia, de fraqueza.
Entretanto, se o medo é a emoção que os seres humanos estão preparados para
sentir ante ameaças a sua vida, como esperar que justamente aqueles que
enfrentam diariamente o perigo não o sintam?
Ter a consciência do medo dentro de si não impede o policial de agir como deve
agir.
O medo não é um inimigo. Ao contrário. É um “sinal vermelho” nas situações de
perigo. O perigo é não conectar com esta emoção, é bani-la de seu repertório de
3
emoções e deixar, com isto, de reconhecer o perigo e proteger-se. É preciso ter
medo daqueles que não têm medo, pois estes acabam por se constituir em um
perigo para si mesmos e para outros.
A expressão de cada emoção requer uma validação que lhe é própria. Assim, a
alegria e o afeto requerem ser compartilhados; a tristeza pede presença; o
medo, requer proteção e, a raiva, ser levada a sério.
EMOÇÕES AUTÊNTICAS
DISFARCES
Confusão
Inadequaçã
o
Vergonha
Depressão
RAIVA
MEDO
TRISTEZA
ALEGRIA
AMOR
Rancor
Ressentimento
Culpa
Vingança
CL
Angústia
Pânico
Solidão
Desespero
CA
POSIÇÕES EXISTENCIAIS
Muito cedo as crianças, a partir de sua relação especialmente com seus pais, vão
formando convicções a respeito de si mesmas e dos outros. À medida que estas
convicções se fortalecem, sobre elas se formam posições, conceitos básicos que
esta criança forma de si mesma, do mundo e de todas as pessoas que o habitam.
Estas posições podem ser:
ñOK/OK (-/+), que significa que “Eu não sou OK. As outras pessoas são OK”. É
clinicamente depressiva e é a posição de “afastar-se de...”
OK/ñOK (+/-), significando que “Eu sou OK. As outras pessoas não são OK. É
clinicamente paranóide e é a posição de “livrar-se de...”
ñOK/ñOK (-/-), cujo significado é que “Eu não sou OK. As outras pessoas também
não são OK”. É clinicamente niilista e é a posição de “não ir a lugar algum...”
OK/OK (++), que significa que “Eu sou OK (sempre). As outras pessoas são OK
(sempre). É clinicamente maníaca e é a posição de “voar com...”
3
OK/OK (+–/+-), significando que “Eu sou, por vezes OK e por vezes ñOK e as
outras pessoas são, por vezes OK e por vezes ñOK”. Esta é uma posição
existencial realista e é a que possibilita “seguir com...”
Embora possuam uma posição existencial básica, as pessoas podem, em
determinadas situações de vida, ou em diferentes áreas de sua vida, apresentar
outra ou outras posições existenciais. Entretanto, tomar consciência de qual foi a
posição existencial básica que sua Criança assumiu permite compreender muito
do que ocorre na vida daquele ou daquela que é hoje, tanto pessoal quanto
profissionalmente.
Para dar apenas um exemplo, um policial ou uma policial que tenha uma posição
existencial OK/ñOK provavelmente terá, com relação à sociedade e,
especialmente em relação aos cidadãos infratores uma postura arrogante de
quem se percebe como sendo superior. Não é necessário dizer da inadequação
desta postura e do perigo potencial inerente às características paranóides desta
posição.
ANÁLISE DO SCRIPT
Script é “Um plano de vida continuado, formado na primeira infância sob pressão
parental. É a força psicológica que impulsiona a pessoa em direção ao seu
destino, independente da luta contra ele ou da afirmação de que é sua livre e
própria vontade.”(BERNE. 1988. p.42)
Berne não tenciona, com isto, reduzir todo o comportamento humano e mesmo
toda uma vida a uma fórmula, a fórmula do Script. Entretanto, na maioria dos
casos, sem terem disto consciência, as pessoas estão, nas áreas mais
importantes de suas vidas, seguindo um plano traçado muito cedo e cujo final é
previsível.
“Toda pessoa possui um plano de vida pré-consciente ou script, através do qual
estrutura planos mais longos de tempo – meses, anos ou toda uma vida,
preenchendo-os com atividades, rituais, passatempos e jogos que levam adiante o
seu script, dando-lhe satisfação imediata comumente interrompida por períodos de
isolamento e, às vezes, episódios de intimidade.” (BERNE. 1988. p.36)
Scripts servem para responder às três perguntas existenciais básicas:
Quem sou eu? Quem são os outros? Sendo eu quem sou, como vou acabar
minha vida?
Para estas três perguntas a criança cedo tenta encontrar resposta e nisto consiste
a “...comédia ou tragédia de cada vida humana, (ter sido) planejada por um
garotinho de idade pré-escolar que tem um conhecimento muito limitado do mundo
e seus caminhos, e cujo coração está cheio de coisas que aí foram colocadas por
seus pais.” (BERNE. 1988. p.90)
São três as possibilidades de uma mudança de Script:
 um grande amor;
 um risco intenso e iminente de morte;
 uma boa psicoterapia.
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E mudança do Script significa assumir sua vida em suas próprias mãos e a partir
das escolhas de seu Adulto, com o que Berne denominou os “três Ps” - Potência,
Permissão e Proteção, em direção à autonomia que, como já mencionado,
significa o resgate dos três potenciais básicos dos seres humanos, consciência,
espontaneidade e intimidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Bach, Richard. Um. Rio de Janeiro; Ed. Record, 1988
___________ Fugindo do Ninho. Rio de Janeiro; Ed. Record, 2001
Berne, Eric. Os Jogos Da Vida. São Paulo; Ed. Nobel, 1995.
O Que Você Diz Depois De Dizer Olá . São Paulo; Ed. Nobel, 1988.
Análise Transacional Em Psicoterapia – São Paulo; Summus
Editorial, 1985.
Steiner, Claude. Os Papéis Que Vivemos Na Vida . Rio de Janeiro; Ed. Artenova.
1976.
Educação Emocional. Rio de Janeiro; Ed. Objetiva, 1998.
3
Polícia e Sociedade: uma visão psicológica
Autor: Jéferson Magalhães dos Santos
Temas: Direitos Humanos e Segurança Pública, Psicologia.
INTRODUÇÃO
Vivi minha infância na década de 60 (nasci em 1958) e minha juventude na
década de 70. Durante estes dois períodos, tive emoções diferentes sobre um
possível encontro com a polícia. No primeiro período eu, inspirado por meus pais,
adorava e confiava na polícia. Assistia todas as semanas o Vigilante Rodoviário e
sonhava com um encontro com ele e seu cão. No entanto, alguns anos após eu já
não tinha a mesma imagem da polícia. Na verdade não era só eu, parecia que
meus pais tinham medo e me proibiam de encontrar com eles. Nesta época,
encontrar uma “preto e branco”(cores utilizadas pela Polícia Civil de Porto Alegre
em suas viaturas) dava muito medo. Quando entrei na Universidade, percebi que
havia uma ditadura e que a polícia fazia parte dela. Lutei contra a ditadura e tive
ainda mais medo da polícia. Hoje em dia, como psicólogo e professor, percebo
este mesmo medo na juventude.
O que teria acontecido? Como a imagem que a sociedade tinha da polícia se
modificou? Como podemos retomar no imaginário da sociedade uma imagem
positiva da polícia? São estas perguntas que este ensaio pretende responder. A
relação Sociedade-Estado (a polícia é uma organização do Estado) também é
psicológica. O fenômeno da projeção de imagens psíquicas da sociedade para o
Estado e/ou suas organizações pode ser provado pela obra de Carl Gustav Jung.
Sua teoria dos arquétipos pode nos ajudar a explicar como aconteceu esta
mudança, principalmente a partir da década de 70, na relação entre a sociedade e
a polícia. Este ensaio também se baseia em vários anos de trabalho na formação
de policiais no Rio Grande do Sul e em vários estados do Brasil. Estas
experiências me permitiram uma aproximação e melhor conhecimento do
funcionamento das polícias civil e militar. Dedico este trabalho às centenas de
homens e mulheres, civis e militares, íntegros e honestos, côncios de sua
importância na proteção da sociedade.
O arquétipo do Herói e todas as suas facetas positivas e negativas parece ser o fio
condutor para a análise da relação sociedade-polícia. Todas as civilizações têm
seus heróis. Todos são fortes, corajosos, inteligentes e, fundamentalmente
humanos no sentido de não aceitar que o ser humano seja vilipendiado. O herói
luta para proteger a humanidade de tudo que possa atormentá-la. Como todo ser
humano, o herói tem seus momentos de hesitação e autoritarismo, porém no final
da estória retoma seu caminho original e derrota seus inimigos, preservando seu
povo.
Acredito que podemos relacionar este arquétipo com a trajetória da polícia no
Brasil, a partir da década de 60. Para isto partiremos da estória clássica do
principal herói da mitologia grega, Hércules, para então analisar o fenômeno de
audiência da TV brasileira, “O Vigilante Rodoviário”.
3
A sociedade é formada por grupos e estes por pessoas. No interior de cada
pessoa existem imagens primordiais que são consteladas positiva ou
negativamente de acordo com as relações. A partir disso, grupos e sociedade são
influenciados por estas imagens. Esta relação dialética entre indivíduo-grupo e
indivíduo-sociedade é a base de todo o comportamento humano e de todo o
comportamento dos grupos e instituições que compõe a sociedade.
A polícia já foi um dos grupos mais populares e confiáveis da sociedade brasileira!
Este trabalho busca contribuir para tornar possível este retorno. Um retorno que
não desconheça os avanços da técnica policial e do crime organizado. Todo o
herói trava uma luta contra um terrível inimigo. Hoje em dia não é diferente. E o
inimigo fica ainda mais terrível quando de alguma maneira colaboramos com ele,
cedemos aos seus encantos, tal qual o canto das sereias quase enfeitiçou
Odisseu e seus marinheiros no retorno a sua terra Ítaca após a Guerra de Tróia.
Porém, o herói grego da Odisséia de Homero não cede e passa ileso pelas
sereias. Assim deve ser a polícia.
1 ARQUÉTIPO: CONCEITO E NATUREZA
O conceito de arquétipo é muito antigo.i Modernamente, este conceito tem
aparecido na pesquisa antropológica, mitológica e literária. Seus nomes variam de
“motivos” a “representações coletivas”.ii Na Psicologia, foi Carl Jung que usou
este termo pela primeira vez. Para ele, o ser humano tem uma predisposição inata
para criar fantasias. Estas imagens têm origem em estruturas universais típicas de
todo o ser humano. “(...) naturalmente não se trata de ideias hereditárias, e sim de
uma predisposição inata para a criação de fantasias paralelas, de estruturas
idênticas, universais da psique que mais tarde chamei de inconsciente coletivo.
Dei a estas estruturas o nome de arquétipos.”iii Todos nós nascemos com um
arcabouço de imagens que são típicas das experiências mais importantes da vida.
Nascimento, desenvolvimento, morte, pai, mãe, são alguns exemplos destas
experiências primordiais que todos teremos de passar. Estas imagens universais
são ativadas a partir da nossa atuação no mundo.
Na relação com as pessoas e organizações da sociedade, estas imagens podem
ser projetadas. Assim poderemos projetar a imagem que temos de pai numa outra
pessoa mais velha, poderemos projetar a nossa imagem de criança ou de velho
em um movimento social e/ou político, ou em pessoas que os constelem. Este
processo acontece durante toda a vida das pessoas e consiste num clarear
contínuo de como atuam estas imagens inconscientes provocando em nós
emoções e afetos às vezes incontroláveis. “Todos os conteúdos de nosso
inconsciente são constantemente projetados em nosso meio ambiente, e só na
medida em que reconhecemos certas peculiaridades de nossos objetos como
projeções, como imagenes [imagens], é que conseguimos diferenciá-los dos
atributos reais desses objetos.”iv
Na citação acima podemos entender por “objeto”, pessoas e/ou organizações.
Assim, O Estado ou algumas de suas organizações podem, em uma determinada
época e em determinadas condições, sofrer a projeção de alguma imagem
interior. “Todas as nossas relações humanas afundam em semelhantes projeções
e quem não tivesse uma ideia clara deste fato em sua esfera pessoal, bastar-lheia atentar para a psicologia da imprensa dos países beligerantes. Cun grano salis
3
vêem-se sempre as próprias faltas inconfessadas no adversário.”v Podemos ver
claramente aqui Jung considerar a “imprensa”, que é uma organização da
sociedade, como passível de projeções.
Na psiquê humana, os arquétipos se comportam como representações, imagens.
Estas imagens são carregadas de sentido e, portanto, podem gerar afetos e
emoções nas pessoas que as projetam. Estas emoções podem ser de caráter
positivo ou negativo dependendo da situação concreta, da relação que se
estabelece. Na esfera pessoal, por exemplo, uma criança poderá projetar o
aspecto negativo da Mãe (Mãe Terrível) em uma mãe adotiva ou professora um
tanto autoritária. Isto certamente irá dificultar o seu relacionamento com esta
pessoa. Na esfera grupal, quando acontecem grandes eventos de massa
esportivos, políticos ou culturais, pode acontecer que um grupo projete no outro as
suas imagens negativas. Quando isto acontece, poderemos estar diante de uma
possível catástrofe, inclusive com mortes de ambos os lados. A História do Futebol
e de suas torcidas organizadas está repleta de exemplos deste tipo. Até mesmo
povos podem receber projeções negativas. Os ciganos, judeus, índios e negros
são vítimas destas projeções por parte de brancos europeus há séculos. Os
arquétipos são completamente inconscientes, portanto autônomos. Não podemos
controlá-los.
Dentre os principais arquétipos estão: a Anima que é o feminino dentro do
homem, o Animus que é o masculino dentro da mulher, a Sombra que representa
tudo o que temos de negativo e desconhecemos em nós mesmos, o Si-mesmo
que é a essência e o centro da psiquê. Juntamente com estes arquétipos por
assim dizer fundamentais, aparecem outros não menos importantes, como o
Velho/a Sábio/a, a Criança e o Herói. Jung e seus discípulos dedicaram grande
parte de sua obra a descrevê-los. Aqui vamos descrever o arquétipo do Herói, ser
uma boa representação dos altos e baixos da Polícia em nossa sociedade.
O ARQUÉTIPO DO HERÓI
Todas as civilizações até hoje conhecidas tiveram seus heróis. Suas
características básicas são: a coragem, a força, a astúcia e a pertinácia. Estes
atributos pertencem ao mundo masculino. O herói utiliza estas qualidades em
grandes aventuras, onde luta com poderosos monstros e guerreiros incontáveis
para salvar seu povo ou sua amada das garras de vilões maléficos e poderosos.
Talvez o herói mais conhecido seja Hércules (Heracles). Desde os tempos da
Grécia Clássica até os dias de hoje, os grandes feitos deste herói são contados
em livros, peças de teatro e filmesvi. Dentre seus doze trabalhos estão tarefas
dificílimas, que todos tinham como impossíveis. Os mais significativos para o
nosso trabalho são: O encontro com a Hidra, a limpeza dos estábulos do rei
Augias e segurar o mundo por um tempo para Atlas. Vamos analisar melhor os
aspectos simbólicos destes feitos, fazendo analogias com os dias atuais e com a
Polícia. Além disto, analisaremos a postura geral do herói que lhe propiciou a
vitória sobre seus inimigos.
A Hidra de Lerna era uma gigantesca serpente de nove cabeças que se
regeneravam quando cortadas. Do ponto de vista simbólico, me parece que o
tráfico de drogas e de armas, se comporta como a Hidra. Suas cabeças, mesmo
3
quando cortadas (presas ou mortas) se regeneram, na figura de outro traficante
que surge ou do velho traficante que de dentro do presídio comanda as ações.
Toda a serpente é venenosa. A analogia de ver este número incontável de
pequenos, médios e grandes traficantes distribuindo este veneno chamado crac ,
cocaína e etc., é muito clara. A Hidra existe hoje e precisa ser combatida.
Hércules mostra grande inteligência quando cauteriza com fogo as feridas que
deixava ao cortar com sua espada as cabeças da Hidra, impedindo assim que elas
crescessem novamente. Aqui temos uma analogia com o que pode ser feito para
que se possa combater com eficácia o tráfico impedindo-o de crescer novamente.
O 6º trabalho de Hércules foi limpar os estábulos do Rei Augias que eram imundos
e mau-cheirosos há décadas. Neles estavam o esterco acumulado de três mil bois
durante 30 anos. O símbolo da sujeira e da imundície nos remete para a
corrupção. Ela suja a imagem de um país que tem milhares e às vezes milhões de
dólares desviados para o bem de uns poucos que se locupletam no poder. O
movimento italiano chamado “Mãos Limpas” que colocou na cadeia vários
corruptos segue este raciocínio. Os estábulos do poder devem ser limpos. O herói
desviou um rio e em um dia limpou os estábulos. Na vida real talvez não leve um
dia. Porém é necessário começar a limpeza. Neste sentido, temos visto que a
“limpeza” já começou. Nunca se tornou público tanta sujeira praticada pelos
partidos e pelos governantes. Na verdade esta sujeira é antiga, data de antes da
ditadura e foi agravada com ela. Talvez a diferença esteja em que hoje ela está
sendo averiguada e a Polícia Federal tem muito a ver com isso.
Para obter três pomos dourados de uma árvore que ficava nos jardins das ninfas,
Hércules, que não queria enfrentá-las, contou com a ajuda do gigante Átlas, pai
das mulheres encantadas. Átlas sustentava o mundo com sua imensa força como
castigo que lhe fora atribuído por Zeus. Se o largasse, todos morreriam. Hércules
faz um acordo com o gigante: ele o substitui por um tempo, enquanto Átlas pega
com suas filhas os frutos dourados. O acordo foi feito e tudo deu certo. Somente
Hércules com sua força poderia substituir Átlas por tempo suficiente. Este fato
mostra que o herói fazia pactos com seres de seu tempo. Assim também é
necessário que os heróis de hoje ajam com o apoio da sociedade.
Como todo o herói, Hércules tinha uma fraqueza. O Grande Aquiles, herói da
guerra de Tróia, tinha no seu famoso calcanhar sua fraqueza. Sanção, herói
bíblico, tinha nos grandes e compridos cabelos sua força. Hércules adorava as
mulheres. No final de sua estória, Hércules, casa com Dejanira, uma princesa.
Quando um centauro chamado Nesso tenta violentar sua amada ele se enfurece e
o fere de morte. Nesso, dizendo-se arrependido, dá a Dejanira uma túnica para
Hércules usar sob o pretexto de que com ela Hércules seria mais fiel. Na verdade,
a túnica continha um veneno divino e infalível que tomou conta imediatamente do
seu corpo, lhe causando feridas e dores insuportáveis. Para se livrar da agonia,
Hércules se atira na pira funerária que ele mesmo construíra. Por causa de seus
feitos, Zeus o traz para o Olimpo e lhe dá a condição divina (Hércules era filho de
Zeus com uma mortal).
Se todos os homens têm limitações, as organizações (que são formadas por
homens) também têm. O que traiu Hércules foram seus sentimentos, portanto foi
ele mesmo. O que trai a polícia é ela mesma. São suas ações que atraem ou
afastam as pessoas. No caso das polícias, o sentimento de estar sempre sendo
injustiçada; ou pela lei, que as engessa, ou pelos governos (Estaduais e Federais)
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que não as valorizam, ou pela sociedade que não as entende, as afasta de todas
estas esferas. O destino final de Hércules foi ser envenenado por sua esposa sem
que os dois soubessem. A polícia não pode se deixar envenenar por ela mesma.
Os diversos grupos que formam as forças policiais devem buscar perceber a
importância da democracia e da liberdade longe de questões ideológicas como
direita e esquerda, não se deixando envenenar por visões arcaicas, tais como:
“Direitos Humanos somente para os marginais”. Isto já não se dá desta forma em
grande parte das organizações! Não acreditamos mais na máxima marxista,
segundo a qual a polícia é um aparelho que apenas está lá para proteger o Estado
e os poderosos do proletariado revolucionário. Quando um Estado é discricionário
e autoritário, a polícia pode assumir este papel, e efetivamente foi assim durante a
Ditadura Vargas e a Ditadura Militar. Porém, numa Democracia, a polícia pode
assumir outros papéis, e ao exercer o papel repressivo (cada vez mais necessário
no mundo de hoje), pode agir com firmeza e civilidade. O Estado plenamente
democrático pode reduzir esta tendência negativa a um ponto onde a polícia seja
percebida como necessária à garantia dos direitos e não como antagonista à
sociedade e às pessoas. Do mesmo modo que, do ponto de vista individual, temos
de aprender a conhecer e conviver com algumas de nossas limitações (o que não
significa deixar-se dominar por elas) a polícia necessitará ver a si mesma para
não repetir erros do passado.
Ao longo de toda a sua vida e, principalmente em seus doze trabalhos, Hércules
mostra uma postura com a qual podemos estabelecer relações com a polícia nos
nossos dias. A primeira delas já aparece em seu primeiro trabalho quando ele
mata o terrível Leão de Niméia, fera assassina que possuía uma pele invulnerável.
Após matá-lo, Hércules se apodera de sua pele protetora, tornando-se assim mais
poderoso. Esta passagem nos mostra que o herói não desprezava a tecnologia. A
lança, o arco e flecha, a clava e outras armas, além da couraça protetora foram
usadas pelo herói em suas aventuras. Para a época, esta tecnologia era a mais
desenvolvida que havia. Porém, nos momentos cruciais, ele usa sua força física e
interior para vencer os obstáculos. Do mesmo modo, a polícia deve usar toda a
tecnologia disponível (letal, não letal e de proteção), porém esta tecnologia não
pode substituir a formação humana e moral do policial. Esta formação é sua força
nos momentos cruciais.
Outra postura importante é a perseverança do herói para conseguir o seu intento.
Esta postura aparece em seu quarto trabalho quando, para capturar viva a corça
divina chamada Cerinita, ele a persegue ininterruptamente durante um ano até
cansá-la e, assim, capturá-la. A perseverança no caminho da lei e da justiça, a
perseverança no sentido de uma formação integrada e humana, a perseverança
no sentido de colocar na prática o Plano Nacional de Segurança. A perseverança
em continuar no caminho, quando às vezes companheiros próximos capitulam.
Esta perseverança leva a vitória.
Esperamos ter mostrado como a teoria dos arquétipos e, particularmente, o
arquétipo do herói pode ajudar na construção de um referencial que pense a
polícia de uma maneira mais integral e verdadeira e que contribua para a
construção de organizações tecnicamente capacitadas e moralmente evoluídas.
Uma polícia que realmente proteja a sociedade. Uma polícia que use de toda a
tecnologia disponível, e acima de tudo, de uma formação humana e moral que lhe
capacitem a vencer os terríveis “monstros” que encontram pela frente
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3 O VIGILANTE RODOVIÁRIO: UM HERÓI BRASILEIRO
O Brasil teve e tem muitos heróis. Alguns forjados, outros efêmeros, porém grande
parte viveu com dignidade seus destinos. Muitos têm relação com o exército e
com a guerra, alguns são religiosos e uns poucos são negros e índios.
Modernamente os heróis são artistas, atletas, corredores, lutadores, em geral
feitos pela mídia. Muito poucos policiais, com exceção honrosa para alguns
bombeiros em momento de tragédia, aparecem como heróis nas páginas dos
jornais. Porém, houve uma época na qual a polícia gozava de grande aceitação
popular: o início da década de 60. A prova disto foi o grande sucesso feito por uma
série policial exibida pela TV Tupi de 1961 a 1962: O Vigilante Rodoviário. O
policial Carlos e seu fiel amigo Lobo encantaram, principalmente as crianças. Nos
38 episódios da série, o policial Carlos que aparecia em seu Sinca Chambord ou
em sua Harley Davidson ajudava as pessoas e prendia bandidos pela estradas de
São Paulo.
A década de 60 inicia democrática e termina ditatorial. A constituição de 1946, até
então a mais democrática que o país já tivera, reorganizou o Estado após a
ditadura Vargas. Vivíamos um momento de liberdade para os padrões da época.
Até mesmo o partido comunista teve um raro momento de legalidade que não
durou muito. As eleições eram diretas em todos os níveis. A aliança PTB-PSD,
que elegera Vargas em 1950 e JK em 1955 começa a mostrar sinais de cansaço.
A UDN, até então oposição, consegue eleger Jânio Quadros em 1960, tendo como
vice João Goulart do PTB. A renúncia de Jânio em 1961 vai abrir a crise políticoinstitucional que redundaria no golpe militar em abril de 1964. Desde então até o
final da ditadura em 1985 vamos assistir a um processo de repressão à sociedade
como jamais visto. Para isto foi utilizada a polícia. As prisões arbitrárias e a tortura,
tão bem relatadas pelo livro Brasil Nunca Mais editado pela Arquidiocese de São
Paulo, marcaram a polícia de tal maneira, que por onde passavam os policiais
provocavam medo e silêncio na população. Foi no contexto anterior ao golpe,
portanto de Democracia que devemos situar o grande sucesso do Vigilante
Rodoviário. O Brasil vivia as consequências (positivas e negativas) do boom
desenvolvimentista iniciado por JK. A face urbana e as estradas modernas do
início dos anos 60 foram retratados com eficácia pelos episódios da série.
O esquema narrativo era basicamente o mesmo em todos os episódios: havia um
crime qualquer (roubo, assalto, chantagem, fuga da prisão, falsificação de dinheiro
ou de remédios etc.), a descoberta do crime, a perseguição dos criminosos, a luta
e prisão dos culpados. Este esquema, embora simples, mostra com clareza que
nesta época os criminosos não ficavam impunes e que a sociedade poderia
confiar na polícia, pois esta realmente tentaria desvendar o crime e prender os
culpados. Em seu site oficial, o cineasta Ary Fernandes, criador do Vigilante
Rodoviário, diz o seguinte: “(...) contudo, com o passar dos anos descobri o que
para mim era a realização de um sonho concretizado, [que] para muitos jovens
das décadas de 60 e 70 [a série] serviu como modelo de moral e princípios; um
exemplo positivo a ser seguido.” Mais adiante ele afirma: “Na realidade nunca
havia me dado conta de quanto participei na formação desses jovens senhores e
senhoras, dando um bom exemplo de conduta por eles assimilados como um
padrão a ser seguido.” vii
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Em termos psicológicos podemos afirmar que uma geração de jovens e crianças
projetaram no policial Carlos e seu cão Lobo a imagem arquetípica do herói. Por
isso é que o personagem se tornou tão popular a ponto de servir de modelo de
conduta. Na verdade, a não impunidade e o desejo de ajudar a sociedade contra
seus detratores passaram a ser valores assimilados por esta geração. A polícia,
para eles não era uma organização para se ter medo. Ao contrário, era uma
organização para ser prestigiada e apoiada. Prova disto são a inúmeras aparições
públicas do personagem em eventos reais da polícia e dos governos da época.
Até bem pouco tempo estas aparições ainda aconteciam. Ficção e realidade se
misturaram na vida do ator Carlos Miranda, o que mostra a intervenção do
inconsciente através das imagens arquetípicas.
Atualmente grande parte da sociedade brasileira, principalmente os jovens vêm
com desconfiança a atuação da polícia. Sua presença lhes provoca medo o que
lhes impede de colaborar para a solução de crimes. Porém vivemos numa época
em que não podemos prescindir da polícia. A violência urbana, o tráfico de drogas
e de armas, as quadrilhas organizadas, às vezes internacionalmente, desafiam a
ordem social todos os dias. Os jornais estão cheios de exemplos disso. Os
terríveis acontecimentos em São Paulo corroboram com estas afirmações. A
sociedade brasileira necessita urgentemente modificar esta imagem. Para isto a
história do Vigilante Rodoviário pode contribuir, no sentido de mostrar à sociedade
que a imagem da polícia nem sempre foi assim, o que significa dizer que a polícia
também nem sempre foi assim. Devemos aos “anos de chumbo” o ressurgir de
uma imagem negativa das organizações policiais nas pessoas.
Como já colocado no capítulo anterior, as imagens arquetípicas possuem faces
de luz e de sombra. A Ditadura e o modo como utilizou a polícia (apoiada e
treinada por agentes dos EUA), foi a responsável pelo surgimento desta imagem
negativa do herói que Robert Moore e Douglas Gillette chamam de O Valentão
Exibicionista :” O menino (ou o homem) dominado pelo valentão quer
impressionar os outros. Suas estratégias destinam-se a proclamar sua
superioridade e o seu direito de dominar as pessoas que o cercam. Reivindica o
centro do palco para si como um direito inato. E se desafiam essas exigências de
status especial, vejam só o que ele apronta! Ataca com palavras ofensivas e
muitas vezes com agressão física as pessoas que questionam o que elas ‘farejam’
como uma presunção de sua parte.”viii Esta descrição elaborada para a psicologia
do indivíduo, muito bem se adapta a postura adotada pelos meios de repressão
durante a Ditadura militar. A atuação da repressão durante este período vai ativar
na sociedade este aspecto negativo da imagem do herói que perdura até hoje.
A Guerra Fria acabou, e com ela as Ditaduras da América Latina tornaram-se
Democracias. Somente um meio ambiente positivo, pode constelar imagens
positivas. Portanto, as organizações do Estado, e dentre elas a polícia, somente
poderão provocar cenas positivas no imaginário popular dentro dos limites da
Democracia. O Estado de Direito e o respeito à Lei são os únicos instrumentos
capazes de aproximar novamente a polícia da sociedade.
A sociedade não se espanta quando a polícia utiliza a força no momento certo, na
proporção certa e nas pessoas certas. A sociedade se espanta quando a polícia
de maneira discricionária e às vezes truculenta trata pessoas comuns e honestas
como se fossem coisas. Na Democracia o limite da polícia é claro: o respeito à lei.
Na ditadura perdem-se os limites. Os mesmos atributos do herói (coragem, força,
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etc.) podem ser utilizados para manter o Estado de Direito, ou para manter a
impunidade e o desrespeito aos direitos das pessoas. É necessário que a polícia
seja formada da base à cúpula com a convicção de que uma de suas grandes
funções é ajudar a manter a Democracia e o Estado de Direito que em nosso país
ainda tem a idade de uma criança.
No site do criador do Vigilante Rodoviário, Ary Fernandes, está disponibilizada a
letra da música que abria cada episódio. Esta letra, simples e popular, pode nos
ajudar a construir alguns critérios bem concretos de aproximação positiva da
polícia e a sociedade:
“Vigilante!... Rodoviário!...
De noite ou de dia,
firme no volante,
vai pela rodovia,
bravo vigilante.
Guardando toda a estrada,
forte e confiante
é nosso camarada,
bravo vigilante.
O seu olhar amigo,
é um farol que avisa o perigo,
audaz e temerário
prá agir a cada instante,
da estrada é o Vigilante
Vigilante!... Rodoviário!...”
É importante notar que quem fala na letra da música não é o Vigilante Rodoviário,
mas a sociedade. Quando a letra diz que o Vigilante é “nosso camarada” fica
evidenciada uma visão positiva de quem esta falando. E o pronome pessoal
“nosso”, indica a pluralidade de quem fala. A maioria das características e
atributos da figura do herói, discutidas neste ensaio, estão contempladas na
música: “bravo”, “forte”, “confiante”, “audaz”. Quem fala através da letra, acredita
ser o Vigilante Rodoviário um verdadeiro herói!
Na última estrofe da letra, podemos ler que o Vigilante tem a função de proteção
da sociedade contra os perigos que o lado escuro da vida traz. E para nos avisar
deste perigo, o vigilante tem a luz de “seu olhar amigo”. E neste caso: situação de
perigo para a sociedade, ele pode e deve estar preparado para “agir a cada
instante”.
As crianças que cantavam esta música não poderiam formar uma imagem
negativa da polícia. A série não faria o sucesso que fez se as pessoas não
tivessem dentro de si uma boa imagem da polícia. Esta imagem foi construída
pela ralação que a sociedade teve com a polícia de sua época, uma época de
Democracia. Uma Democracia frágil e fraca que não resistiu ao vendaval da
Guerra Fria, porém uma Democracia.
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A sociedade brasileira teve, tem e ainda terá muitos heróis. Esperemos que a
figura do Vigilante Rodoviário ainda possa ajudar a sociedade e especialmente as
crianças e adolescentes a perceberem o valor das forças de segurança pública
para a manutenção da vida em Democracia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“E ninguém põe vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho
os arrebentará e perder-se-á juntamente com os odres; mas para
vinho novo, odres novos” Jesus Cristo (Mar 2, 22)
Já faz mais de vinte anos que um novo paradigma está sendo construído em
termos da relação Direitos Humanos (entidades) e Segurança Pública
(corporações). Este paradigma foi gestado na prática às vezes diuturna de
agentes de Direitos Humanos que insistiram em romper com o denuncismo de um
lado e o judicialismo de outro. Houve uma época em que denunciar as violações
(de policiais ou não) era fundamental. Porém temos de avançar, isto é, denunciar
quando necessário, mas anunciar o que está funcionando, o que está dando certo.
Mostrar para a sociedade que existem iniciativas dentro de todas as corporações
policiais que são democráticas e/ou educativas. Neste momento o anúncio da
relação sociedade e Segurança Pública é tão ou mais importante do que a
denúncia. É importante também que entrem no rol das denúncias situações em
que agentes policiais têm seus direitos violados. Por todos os lugares por onde
passamos ouvimos que “os Direitos Humanos só protegem os bandidos. Onde
ficam os nossos direitos?” Muitas vezes a frase colocada acima é verdadeira.
Temos de assumir este erro estratégico que foi embasado numa teoria autoritária
da transformação social que via a polícia como única e exclusivamente defensora
das classes dominantes.
É importante também notar que este novo paradigma procura superar uma visão
exclusivamente jurídica, documental da relação Direitos Humanos e Polícia. Os
documentos são importantes. Devemos conhecê-los e estudá-los; porém, no diaa-dia do trabalho policial, é necessário que se imprima uma nova conduta ética, o
que ultrapassa os documentos formais e entra diretamente no campo da prática
policial versus a prática da contravenção. É necessário que a autoestima do
policial esteja elevada, que a valorização financeira e humana seja colocada em
prática pelo Poder Público, que os instrumentos e técnicas utilizadas sejam
realmente eficazes e modernos. Os Direitos Humanos são praticados ou não no
dia-a-dia da vida, e isso não está nos textos e documentos por melhores que eles
sejam.
Para que este novo paradigma possa ter sucesso na sua caminhada de
implementação, não basta apenas que nós, agentes de Direitos Humanos,
façamos a nossa autocrítica. É necessário também que as corporações policiais
nos aceitem como companheiros nesta caminhada de fortalecer a Democracia e a
defesa da sociedade. O mesmo preconceito que tivemos com a polícia, a polícia
tem conosco! A frase do Evangelho de São Marcos pronunciada por Jesus Cristo
que coloquei como epígrafe desta conclusão quer expressar que estas novas
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ideias, este “vinho novo” tem de encontrar corporações dispostas a atuar junto
(“odres novos”).
Todos temos de vencer nossos preconceitos para que possamos construir uma
sociedade mais justa e mais segura. A sociedade já teve uma relação bem mais
harmoniosa com a polícia. É tarefa nossa, agentes de Direitos Humanos e
corporações policiais, retornar a uma relação saudável de confiança e respeito
mútuos dentro dos limites da lei e do Estado de Direito. É para isto que estamos
trabalhando.
Temos certeza que ao longo destes anos angariamos muitos adeptos deste novo
paradigma dentro e fora das corporações policiais e das entidades que atuam em
Direitos Humanos. Esperamos continuar este trabalho e aprofundá-lo cada vez
mais. O crime, a contravenção, a corrupção não podem ficar impunes. A
sociedade exige mais segurança. É nosso dever trabalhar sempre mais para que
vivamos numa sociedade democrática e segura, onde as pessoas confiem em
seus heróis e estes façam tudo façam para honrar esta confiança.
Referências Bibliográficas:
conf. Jung, Carl Gustav, Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo
i
1
ii
Jung, pg. 33
Jung, Car Gustav – Símbolos da Transformação
Petrópolis – 1989 pg. 145
4
Jung, Carl Gustav – A Natureza da Psique
Petrópolis - 1986 § 507.
5
Op cit § 507
6
conf. Mattiuzzi, Alexandre A. – Mitologia ao Alcance de Todos
Nova Alexandria – São Paulo - 2000.
7
Conf. www.aryfernandes.viabol.uol.com.br
8
Moore, Robert – Gillette, Douiglas – Rei, Guerreiro Mago e Amante
Editora Campus – Rio de Janeiro – 1993 , pg. 37
Petrópolis, 1976, pg. 16
iii
iv
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