TEMAS 10 – Democracia Supremo Tribunal Federal (STF)

Transcrição

TEMAS 10 – Democracia Supremo Tribunal Federal (STF)
TEMAS 10 – Democracia
Supremo Tribunal Federal
(STF)
Caso Cesare Battisti (2009 – 2011)
Caso da Lei de Anistia (2010)
Caso da “Lei da Ficha Limpa” (2012)
GUIA DE ESTUDOS
Diretores:
Bruno Fleury
Camila Ramos
Henrique Ratton
Leonardo Antonacci
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um
Estado democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar; o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL”.
Preâmbulo da Constituição da República Federativa do
Brasil, de 5 de outubro de 1988.
“Eu sou juíza e não justiceira!”
Ministra Carmem Lúcia, durante o julgamento do
processo EXT-1047, em julho de 2012.
Sumário
 I – Apresentações dos diretores;........................................................... 1
 II – Introdução do guia de estudos;....................................................... 3
 Título I: Do Supremo Tribunal Federal: ............................................... 5

Subtítulo I: Breves considerações históricas;............................. 5

Subtítulo II: Funcionamento da Corte; .......................................8

Subtítulo III: Competências da Corte. ........................................10
 Título II: Do Mérito: ............................................................................. 17

Subtítulo I: Do Caso Cesare Battisti (2009 – 2011): ................. 17
1) Do histórico da questão;
2) Das perspectivas jurídicas;
3) Do processo.

Subtítulo II: Do Caso da Lei de Anistia (2010): ...................... . 37
1) Do histórico da questão;
2) Das perspectivas jurídicas;
3) Do processo.

Subtítulo III: Do Caso da “Lei da Ficha Limpa” (2012): ............. 49
1) Do histórico da questão;
2) Das perspectivas jurídicas;
3) Do processo.
 Referências ................................................................................................. 65
Apresentações
Bruno Fleury:
Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais. Historicamente, nutriu muito interesse pela área do Direito Internacional e da Política
Internacional, no entanto o decurso da faculdade o fascinou pelo estudo jurídico, bem como
pelo trato com a ordem pátria. Apesar de ainda apreciar muito leituras acerca de diversas
áreas do conhecimento humano (como História, História Militar, Relações Internacionais,
Filosofia e Economia), o Direito tornou-se seu interesse hegemônico. Uma vez que o TEMAS
traz uma nascente tradição de comitês jurídicos e ele já conduziu um STF juntamente com sua
co-diretora, a escolha de comitê para o TEMAS 10 foi natural. Está à disposição dos
delegados e espera brindar o TEMAS com mais um dos habituais comitês de excelência.
Email: [email protected]
Camila Ramos:
Tem 19 anos, é aluna de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e o TEMAS
10 será sua décima participação em modelos e a terceira na simulação temática. O Direito é
algo que lhe interessa e envolve desde o berço e, não coincidentemente, o escolheu como
curso. O debate das controvérsias jurídicas é um dos seus principais campos de interesse e
identificação pessoal, bem como questões históricas, políticas, econômicas e tudo aquilo que
envolve e interfere a dinâmica social do homem. O STF, como comitê, está presente em sua
vida desde 2010 quando teve sua primeira experiência como delegada no modelo secundarista
SiEM, em São Paulo. Além disso, o STF foi sua primeira participação temática. Por terem
sido experiências interessantes e desafiadoras, desenvolveu um interesse particular tanto pelo
órgão real quanto por simulá-lo. Por isso, convida e incentiva a todos aqueles interessados a
1
participarem desse comitê, bem como do TEMAS, pois, para ela, esse é sem dúvida um
modelo especial, que promove continuamente seu engrandecimento pessoal e acadêmico.
Email: [email protected]
Henrique Ratton:
É graduando em Direito pela Faculdade de Minas Gerais. Desde sempre teve paixão
pelos debates seja em qual área for. Traz consigo verdadeira admiração pelo STF, pois ele
traduz toda a elegância da fala e do argumento, afinal, soma a tradição da república com o
poder de inovação em decisões paradigmáticas. No campo do Direito, possui profundo
interesse pelas áreas do Direito Constitucional e Internacional, não obstante o seu fascínio
pelo Direito Penal. A oportunidade de auxiliar um comitê jurídico no TEMAS foi recebida
com grande entusiasmo, sobretudo após as repercussões do julgamento da AP-470, cuja rotina
acompanhou de perto. Sempre pronto para discussões, espera que do contato com os
delegados surjam diversos diálogos engrandecedores. Pretende também completar a equipe do
TEMAS com entusiasmo e empenho para que esta edição, assim como as outras, seja
memorável.
Email: [email protected]
Leonardo Antonacci:
É estudante de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Começou a
participar de modelos ainda no ensino médio. Teve a oportunidade de fundar e organizar, por
dois anos seguidos, a simulação interna de seu colégio. Ali, também, foi vice-presidente do
grêmio estudantil, onde iniciou seus interesses em política e direito e que perduram até hoje.
Somado a isso, apresenta interesses em economia, história e filosofia. Participa da política
partidária e pode agregar habilidades e interesses. Espera utilizar todas essas experiências para
o fortalecimento do TEMAS 10 e do comitê STF.
2
Introdução
O interesse e a satisfação dos delegados é o que move uma boa Mesa Diretora. Assim,
a disposição de cada pessoa que “comprou a ideia” desse comitê, diferenciado em muitos
aspectos, é um grande combustível para os redatores deste guia. À guisa desse interesse, bem
como das peculiaridades dessa iniciativa de simulação, um material igualmente diferente foi
elaborado. Seus parâmetros são fruto das convicções pessoais dos diretores, que creem na
autonomia e no esforço de aprendizagem como forças motrizes do conhecimento.
Pautado por esses valores, este não é como os guias regulares que se vê na maioria dos
modelos. Ele objetiva cumprir o mandado de sua rubrica: guiar os estudos, mas nunca exaurilos. Este material deve ser considerado um mero vestíbulo propedêutico nas matérias
pertinentes ao comitê, uma vez que se faz necessário dar enfoques a temas tão vastos. Além
disso, conta-se com a possibilidade da participação de delegados que não vêm da área do
Direito e seria inconcebível deixá-los órfãos de um subsídio mínimo de estudos. Entretanto,
não se pode esperar um artigo científico preocupado com todas as regras da ABNT e que
objetive passar por todas as nuances dos assuntos sobre os quais se debruça.
Em suma é necessário entender qual é o papel deste guia: fornecer algumas noções
conceituais básicas, fornecer muitas fontes de ampliação das pesquisas (por isso há um bom
número de referências no texto) e, acima de tudo, problematizar e levantar questões. Uma vez
que uma corte tem a conclusão de seus trabalhos em um processo deliberativo, nada mais
justo do que estimular a liberdade de convencimento com a reflexão. Com efeito, nos aspectos
pertinents, este guia trará os principais questionamentos concernentes às ações e indicará um
substrato inicial para respondê-los. Contudo, o processo só é concluído com a proatividade do
delegado, que deve se empenhar em buscar as próprias respostas para formular uma opinião
fundamentada.
Para não se alongar em demasia, dois assuntos foram propositalmente omitidos e serão
tomados como de compreensão básica presumida: (I) a hermenêutica jurídica, pois foi
considerada campo de estudo muito zetético e vasto, de modo que seria de pouca utilidade
abordá-la aqui. Espera-se que os delegados busquem se informar sobre a interpretação das
normas, principalmente em seu ramo constitucional e suas modalidades. (II) o controle de
constitucionalidade, que aparece mencionado diversas vezes, como não poderia deixar de ser.
3
Seja nas ações como o habeas corpus e o Recurso Extraordinário, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ou ainda em
termos como “controle abstrato” e “controle incidental” essa temática é fio condutor das
atividades de uma corte constitucional. Ademais, há infindável número de trabalhos sobre a
matéria, que podem ser buscados, de sorte que tratá-la da forma merecida seria desnecessário.
Há alguns breves esclarecimentos no item que trata das competências do Tribunal, mas o
aprofundamento nesse tema é uma das primeiras recomendações que se faz aos delegados.
Porém, não há motivo para preocupação, uma vez que todos os bons manuais de
Direito Constitucional perpassam ambas as matérias. Indicam-se aqueles que nortearam a
redação do guia, cujos autores são Kildare Gonçalves, Gilmar Mendes/Inocêncio
Coelho/Paulo Gustavo Branco, Uadi Bulos, Bernardo Gonçalves, José Afonso da Silva e
Paulo Bonavides, todos devidamente citados na bibliografia. Além disso, há ótimos artigos
que podem ser encontrados na internet.
Com isso não se abraça apenas os estudantes que já chegam com muita experiência e
conhecimento. Ao contrário, tem-se aqui uma iniciativa que objetiva estimular que todos
agreguem novos fatos a seu arcabouço jurídico, social e de vida. Dessa forma, não se espera
um comitê formalista, que se atenha apenas às minúcias do direito, mas sim delegados que
compreendam a relevância material do poder que terão em mãos. O exercício de simular só
tem sentido quando o aluno se coloca no lugar de outrem, com todas as responsabilidades e
consequências de seus atos. Esse fenômeno encontra manifestação ímpar na mais alta corte do
país, que toma decisões de grande concretude e tem potencial de interferir drasticamente –
para bem ou para mal – nos rumos da democracia brasileira. Cabe lembrar que o guia não será
um emaranhado de palavras complicadas que só turvará ainda mais o complexo mundo do
direito. É do interesse de todos que a comunicação seja a mais fluida possível, por isso o texto
é enxuto e objetivo em conteúdo e forma. Não por ausência de recursos, mas para realizar
seus objetivos de ser “apenas” norteador da pesquisa.
Por último, deve-se dizer que a equipe do comitê optou não por combater, mas sim
abraçar a ideia de que este seria um material forjado a quatro mãos. Por isso, no guia de regras
se assume que cada diretor possui uma especialização funcional. Com efeito, este guia foi
elaborado para poder ser lido e entendido como um todo. Porém, pari passu, pode ainda ser
compreendido como um conjunto de quatro artigos, que, em homenagem à peculiaridade de
seus temas, receberam estruturação diferenciada quando pormenorizados.
4
Durante toda essa epopeia, os delegados não estarão sozinhos. Contarão com os mais
interessados diretores, que não hesitarão em ajudá-los em sua preparação e durante o evento.
Seja por email, facebook (grupo do comitê ou inbox dos diretores) ou telefone, estarão às
ordens, não para poupar os delegados de seus trabalhos, mas para contribuir com o
crescimento de seus Ministros e com a verdadeira oportunidade que é o TEMAS!
Título I: Do Supremo Tribunal Federal
Subtítulo I: Breves considerações históricas:
Na década de 1530, por ordem do rei D. João III, sob o comando de Martim Afonso de
Sousa, deu-se início, no Brasil, um processo de colonização e povoamento que se pretendia
mais eficiente dos que os adotados até então, de sorte que a terras da colônia foram divididas
nas chamadas capitanias hereditárias. A tentativa de iniciar a exploração colonial por meio da
iniciativa privada obviamente não logrou êxito, pois a escassez quase completa de recursos
fez com que alguns donatários não arriscassem seus bens nessa empreitada e os que o fizeram,
em sua larga maioria, perderam muito – alguns até a própria vida1.
Com efeito, passaram-se muitos anos de tentativas de organização da exploração da
colônia por parte da metrópole portuguesa até que fosse possível instalar, no Brasil, um
aparato administrativo que pudesse operar e tentar cumprir suas competências. Apenas em
1609, por alvará do rei D. Felipe III, foi fundada, em Salvador, a Relação do Brasil, primeiro
órgão judicante da colônia, incipiente forma de instância superior do Poder Judiciário.
Observa-se que uma estrutura tida como indispensável hodiernamente demorou mais de
setenta anos para ser instalada no Brasil, ineficiência administrativa que cobraria seu preço ao
longo da história do futuro país independente que o Brasil viria a ser.
Em homenagem à brevidade, cabe apenas relatar que no Período Colonial, em 1763, a
Relação do Brasil foi transferida para o Rio de Janeiro com o nome de Relação do Rio de
1
KOSHIBA, Luiz. PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto da história ocidental. 8ª
edição. São Paulo: Ed. Atual, 2003. P. 44-45;
5
Janeiro e, em 1808, quando da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, o Tribunal
passou a ser chamado de Casa de Suplicação do Brasil.
Com a Independência veio a Constituição Imperial de 1824, primeira Lei Suprema do
Brasil. Em seu art. 163 estava disposto:
Na Capital do Império, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais
Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de Supremo Tribunal
de Justiça, composto de Juízes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades;
e serão condecorados com o título de Conselho. Na primeira organização poderão
ser empregados neste Tribunal os Ministros daqueles que se houverem de abolir.
O Supremo Tribunal de Justiça, integrado por 17 juízes, foi instalado em 9 de janeiro
de 1829, na Casa do Ilustríssimo Senado da Câmara, tendo subsistido até 27 de fevereiro de
1891. Suas funções se limitavam a julgar alguns recursos específicos, bem como autoridades
com prerrogativa de foro.
O coup d’etat que deu origem à República, também ensejou os moldes atuais de nossa
Suprema Corte, o que fica evidente na Constituição de 1891, primeiro aparato normativo a
trazer a denominação Supremo Tribunal Federal para a mais alta corte do país, que seria a
última instância recursal do Poder Judiciário e órgão responsável pelo controle constitucional
do ordenamento jurídico. A influência da doutrina jurídico-política norte-americana não ficou
apenas no nome do país – Estados Unidos do Brasil –, mas sim avançou nas concepções de
corte suprema e na organização do Poder Judiciário. Até uma Emenda Constitucional de
1926, é de destaque o papel legado ao habeas corpus, principalmente pela atuação de Rui
Barbosa, que pregava que o remédio constitucional deveria dedicar-se à proteção de todos os
direitos fundamentais previstos na Lei Maior. A chamada “Doutrina do habeas corpus”
recebeu severas críticas do Ministro Pedro Lenza, mas foi adotada em julgados polêmicos do
Supremo, como a decretação da inconstitucionalidade do Código Penal da Marinha. Os atritos
com o Executivo, ainda no início da judicatura da nova suprema corte levaram à supracitada
emenda, que determinou que a referida ação constitucional se prestava apenas à proteção da
liberdade ambulatorial, como defendia Lenza. A Constituinte aventou a possibilidade de
conferir ao Supremo o poder de controle abstrato, mas a ideia não prosperou.
A Carta de 1934 também não apresentou ações de controle abstrato no rol de
competências do Supremo, mas trouxe uma interessante inovação. Entendeu-se que decisões
6
de inconstitucionalidade do STF poderiam ter efeitos erga omnes, contudo, pelo seu efeito nas
espécies normativas vigentes, o Senado foi eleito como órgão responsável pela “suspensão de
execução” das leis taxadas com esse vício. O instituto que constava do antigo art. 90, IV,
encontra par no art. 52, X da Constituição da República. A Constituinte de 1934 viu ser
apresentado projeto de criação de uma corte constitucional nos moldes austríacos idealizados
por Kelsen. Contudo, a influência do pensamento estadunidense em matéria de jurisdição
constitucional era muito forte e o projeto também não foi positivado.
A Constituição de 1937, apelidada de “Polaca”, estendeu seu autoritarismo também ao
Pretório Excelso, uma vez que o Presidente da República tomou para si o poder de nomear o
Presidente da Casa, bem como foi criada a faculdade de o Parlamento Nacional suspender
decisões de inconstitucionalidade do STF. Essa competência foi exercida principalmente pelo
próprio titular do Poder Executivo da União, por meio de decretos-lei. Esses atos foram
justificados com a noção de que a jurisdição seria “antidemocrática” e potencialmente
ofensiva aos interesses do povo.
Em 1946, uma nova Lei Maior consagrou um regime democrático. Contudo, não
houve grandes alterações no que tange o STF até o Estado Novo. O controle incidental foi
mantido nos mesmos moldes e a suspensão de execução pelo Senado ainda era a única forma
de emprestar eficácia erga omnes às decisões de inconstitucionalidade. Inovação que merece
relevo foi a criação de uma espécie de ação direta, em que o Procurador Geral da República
(doravante, em todo o guia, PGR) podia arguir violação a princípio constitucional sensível –
constantes do art. 7º da Carta Política – e requisitar ao Supremo que determinasse
representação interventiva. A ADI Interventiva foi positivada no art. 34, VII da Constituição
de 1988 e segue o mesmo espírito de sua “ancestral”. Outra curiosidade interessante é o fato
de que essa Constituição instituiu a composição do Tribunal Pleno com onze Ministros,
número igual ao atual, segundo a disciplina do art. 101 – CR/88.
O Regime Civil-Militar instaurado com o Golpe de 1964 foi marco de ingerências por
parte do Executivo no Judiciário. Diversos atentados à autonomia dos Poderes foram
perpetrados, mas nenhum tão gravoso como o Ato Institucional número 5, que alterou
drasticamente a ordem constitucional vigente. Além de suspender as garantias constitucionais,
suspendeu as garantias da magistratura e afastou três Ministros, por meio de aposentadoria
compulsória.
7
A “Constituição Cidadã” de 5 de outubro de 1988 foi verdadeira “solução
compromisso”. Sua disciplina para o Supremo será analisada conjuntamente com o
Regimento Interno (RISTF pelo restante do guia) nas duas próximas seções.
Para aqueles que se interessarem pelo aprofundamento nas leituras acerca da história
do STF, aconselha-se a leitura das três fontes bibliográficas de maior importância na redação
deste ponto, elencadas em hierarquia de utilização:

Jurisdição Constitucional, de Gilmar Mendes. P. 24 a 402;

Curso de Direito Constitucional, de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo
Gustavo Branco. P. 980 a 990;

O Supremo Tribunal Federal, de Oscar Corrêa. P 70 e ss;

Link
da
página
do
STF:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfHist
orico.
Subtítulo II: Funcionamento da Corte:
O artigo 92, §§ 1º e 2º3 da CR/88 determinam que o STF tem sede na Capital Federal,
bem como jurisdição em todo o território nacional. No art. 101, a Constituição começa a
tratar especificamente sobre o Supremo e disciplina o processo de escolha dos Ministros:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos
dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de
idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do
Senado Federal4.
É interessante ressaltar que para ser Ministro da Suprema Corte Brasileira não é
necessário que a pessoa seja magistrada ou mesmo bacharel em Direito.
2
As páginas tem como referência a edição citada na bibliografia;
3
Com redação dada pela EC – 45/2004, conhecida como “Reforma do Judiciário”;
4
Constituição da República disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm;
8
A Constituição ainda reconhece ao Tribunal iniciativa exclusiva em projeto de lei
sobre o Estatuto da Magistratura, que regulamenta o ofício judicante no país.
As determinações constitucionais abstratas são complementadas pelo RISTF5, que teve
força de lei garantida pela Constituição de 1967. Contudo, a EC – 7/77 obrigou revisão
completa do antigo regimento. O resultado é o dispositivo atual, que data de 1980. A Carta de
1988 não autorizou o Supremo a editar normas regimentais sobre processo6 e decisão. No
entanto, até que lei seja editada sobre essas matérias, o regimento deve aplicar-se segundo
entendimento majoritário na Corte. As demais questões mantêm a previsão regimental.
O RISTF tem importância fundamental na condução dos trabalhos da Corte: ele trata
das competências do Presidente (inclusive com menção a sua atuação no Conselho Nacional
de Justiça – art. 103-B, I – CR/88), das Turmas (art. 4, §4º e art. 66 do RISTF, e.g.), de
quórum (oito dos onze Ministros), de número de votos que compõem maioria (seis votos) e da
exclusão de Ministros em caso de impedimento ou suspeição (art. 277 – RISTF). Vale notar
que desde 1985, o Supremo consolidou entendimento no sentido da inadmissibilidade de
exclusão de Ministros em ações de controle abstrato.
O regimento é muito extenso e trata de diversos formalismos que não são o foco do
comitê. Nos momentos em que ele se fizer importante o guia lhe dará algum destaque.
Aconselha-se, no entanto, que os delegados o tenham a mão, pois sua consulta no decorrer
dos processos pode ser valiosa7.
Finalmente, cabe tratar de um tema relevante para o STF e para o comitê. O Supremo
não delibera apenas com base em questões de tecnicismos jurídicos e exegéticos. Seus
Ministros também se amparam em questões de fato, na concretude da realidade sociopolítica e
econômica para emitir suas sentenças. Sua Excelência, o Eminente Ministro Gilmar Mendes
cunhou o termo prognoses para se referir a esses elementos que embasam as decisões do
5
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Maio_2013_versao_eletronica.pdf;
6
Historicamente o processo no Supremo foi regulamentado pelo Código de Processo Civil em paralelo com o
RISTF. Contudo, a nova ordem constitucional criou dilemas processuais complexos. Exemplo de grande valia
foi a polêmica acerca dos embargos infringentes na Ação Penal 470, em setembro de 2013. O Plenário dividiu-se
acerca da aplicação do Regimento ou da Lei Número 8.038/90. Uma vez que o foco dos debates deve ser a
matéria e não o processo civil em si (salvo em algumas preliminares de mérito), espera-se que as questões
processuais tenham relevância menor no comitê, para otimizar a fluência e profundidade das discussões;
7
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Maio_2013_versao_eletronica.pdf
9
Tribunal8. Para tanto, o STF conta com os chamados amici curiae, termo em latim – plural de
amicus curiae – que pode ser traduzido literalmente como “amigos da corte”. Esse termo
designa pessoas que vão falar na tribuna do Plenário ou das Turmas ou enviam parecer escrito
e têm a função de representar instituições relevantes para o processo ou mesmo de fornecer
informações técnicas, caso o conhecimento dos Ministros seja insuficiente9. Um amicus
curiae costuma ser um advogado, seja de pessoa ou instituição. Caberia ao Ministro Relator
despacho irrecorrível para que amici curiae sejam arrolados. No entanto, assim como no caso
da Presidência, esse poder de convocação será transferido à Mesa Diretora da simulação.
Cabe ainda ressaltar que exemplo de previsão da convocação de “amigos da corte” são
disciplinados pela lei nº. 9868/99, em seu art. 7º, §2º, no tocante a ADIs e ADCs.
Subtítulo III: Competências da Corte:
Cabe abrir essa seção com um esclarecimento sobre o desenvolvimento de seu texto.
Como bem já adiantou a Introdução do guia, não será esmiuçada a teoria do controle de
constitucionalidade. Apesar de ser matéria que, comumente, se encontra ao final dos cursos de
direito do Brasil, não seria pertinente a um guia que se objetiva simples aventar tudo o que há
sobre a matéria. Assim, será dada notícia, apenas para que termos que já tenham sido usados
ou que ainda o serão possam ter compreensão facilitada. Além disso, o estudo de cada um dos
casos que serão discutidos pelo comitê trará considerações sobre o tipo da ação ajuizada, o
que também ajudará nos estudos do tema. Entender o controle de constitucionalidade é
fundamental para se entender a atividade do Supremo, portanto, mais uma vez, aconselha-se
que esse seja um dos primeiros pontos de aprofundamento dos estudos.
Adentrando as competências do STF, a doutrina divide-as em basicamente duas
espécies: a competência recursal (art. 102, II e III – CR/1988) e a originária (art. 102, I –
CR/1988). A questão é tão simples como os nomes fazem parecer: na primeira, o Tribunal
recebe recurso (ordinário ou extraordinário) de decisão de uma instância inferior e faz papel
de nível superior do Poder Judiciário; na segunda, trata-se de ações que podem ser ajuizadas
8
NARANJO, Leonardo. VARGAS, Henrique Mendes de. CERIZZE, Mariana. TEMAS 8 Minorias 2012;
Supremo Tribunal Federal: União Estável Homoafetiva e Direitos Fundamentais das Minorias;
9
Audiências públicas realizadas pelo STF também podem ter a função de agregar conhecimento técnico e de
fazer ouvir a visão da sociedade civil sobre uma ação;
10
diretamente na Suprema Corte, como as ações de controle abstrato, remédios constitucionais
com polos passivo e ativo específicos, extradições e ações penais com réus detentores de
prerrogativa de foro, e.g.
Comparativamente a suas antecessoras, a Constituição de 1988 expandiu largamente o
rol de competências do STF. Principalmente as competências originárias, uma vez que trouxe
previsão para ações diretas controle, como a ADI, ADC (Ação Direta de Constitucionalidade)
e ADPF, bem como algumas inovações, como o controle das omissões legislativas no
Mandado de Injunção e a possibilidade de obtenção de informações pessoais que o Estado
detenha, por meio do habeas data. Em lugar de analisar cada competência, convém deixar a
Lei das Leis falar por si:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual
e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os
membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da
República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de
Estado, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os
do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de
Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o
disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de
Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas
anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da
República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal
de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo
Tribunal Federal;
e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado,
o Distrito Federal ou o Território;
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal,
ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do "exequatur" às cartas
rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu
Presidente; (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
11
i) o "habeas-corpus", quando o coator ou o paciente for tribunal, autoridade ou
funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo
Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única
instância;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o
paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à
jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma
jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
22, de 1999)
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões;
m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a
delegação de atribuições para a prática de atos processuais;
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente
interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem
estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;
o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer
tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for
atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do
Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio
Supremo Tribunal Federal;
r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do
Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - julgar, em recurso ordinário:
a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado de
injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a
decisão;
b) o crime político;
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
Parágrafo único. A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente
desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta
Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da
lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)
§ 2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal,
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos
do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído em § 1º pela Emenda
Constitucional nº 3, de 17/03/93)
12
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral
das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o
Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
Cada uma das supracitadas ações tem disciplina, legislação e doutrina próprias.
Contudo, como já foi dito, as ações pertinentes ao comitê serão tratadas em cada caso
específico, com conceituação, histórico e pontos de importância para os debates. Mais uma
vez aconselha-se algum aprofundamento neste item (os cinco tipos de ação que serão
apregoadas), para que os delegados tenham noção (jurídica e não só fática) do que estão
julgando e de seus efeitos no ordenamento pátrio.
Entre as mudanças feitas pelo Constituinte Originário, merece destaque a aproximação
do modelo austríaco de corte constitucional, por meio de ações diretas de controle
concentrado com efeitos erga omnes (art. 102, §2º - CR/1988). A ADI e a ADC encontram-se
previstas no art. 102, I, a – CR/1988 e, apesar de possuírem lei que as discipline (Lei número
9.868/1999), também constam do art. 103 da Carta Política:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória
de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV
a
Mesa
V - o Governador de Estado;
de
Assembléia
Legislativa;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
13
§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de
inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal
Federal.
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em
trinta dias.
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese,
de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União,
que defenderá o ato ou texto impugnado.
A ADPF encontra-se nos mesmos moldes, prevista no art. 102, §1º da Constituição e
disciplinada na Lei número 9882/1999.
Todas essas ações foram verdadeiro avanço no papel dúplice do STF como mais alta
instância do Poder Judiciário e Corte Constitucional. O controle concentrado ou abstrato se
define a partir de um órgão com competência exclusiva para decidir sobre a
constitucionalidade de um dispositivo normativo ou ato do poder público e emprestar efeito
vinculante a seu veredito, em toda a sua jurisdição. No caso da Carta de 1988, tem-se o
Supremo, e para as Constituições Estaduais, os Tribunais de Justiça de cada Estado-membro
da Federação e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A autorizada doutrina do Professor
Canotilho (2009) postula que não há lide entre dois polos nos processos de controle abstrato,
mas sim um verdadeiro esforço das partes e da Corte para proteger a Constituição.
Pari passu, tem-se o controle difuso ou incidental de constitucionalidade, aquele
historicamente exercido pela Suprema Corte por meio de recursos extraordinários (RE). A
mesma atribuição foi legada à Corte pelo art. 102, III, a, b, c – CR/88. Contudo, os efeitos da
decisão do Plenário ou das duas Turmas possui efeitos inter partes e não erga omnes, como
na via concentrada. Assim, apenas as partes da lide são vinculadas pela sentença, bem como a
inconstitucionalidade só se verifica nos limites do pedido. Por essa razão, foi mantido o
instituto da suspensão da execução, de modo que o Senado Federal ainda pode ungir com a
oponibilidade contra todas as decisões do Supremo em sede de RE (art. 52, X – CR/1988).
Vale salientar que todas as instâncias da Justiça Brasileira, por meio de seus órgãos
competentes, têm poder para proferir esse juízo de fiscalização constitucional (daí o caráter
difuso do controle), mas no caso dos TJs, deve-se recorrer às Assembleias Legislativas e não
ao Senado, para se proceder com a suspensão. Recorrer ao Poder Legislativo ainda é a única
forma de ser retirar formalmente uma lei do ordenamento jurídico. Em outras palavras, as
14
decisões fruto do controle abstrato ou incidental10 não revogam a norma declarada
inconstitucional, apenas afastam sua aplicação.
Estudo da mais alta qualidade é realizado pelo professor Kildare Gonçalves em seu
manual (2009) página 361 à 588 da edição citada na bibliografia.
Precedentes como a Denúncia número 103/1951, Rel. Min. Luiz Galotti e a
Reclamação número 2138/DF, julgada em 2003 sob a relatoria do Min. Carlos Velloso,
asseveram a existência de competências implícitas do Tribunal, mesmo em um sistema de
constituição analítica, como o Brasileiro. Mais uma vez, relembrar o magistério de Gomes
Canotilho (2002) se faz mister. O ilustre professor português mostra que a força normativa
constitucional é incompatível com a adoção de competências não explícitas para um tribunal.
A essa regra geral, coloca duas exceções que são complementares às competências
positivadas: o aprofundamento necessário da competência (por exemplo, o tribunal que decide
é competente para deliberar acerca de forma da decisão) e o preenchimento de lacunas por
meio de raciocínio analógico. Nessa seara, tem-se como exemplos a competência do Supremo
para julgar mandado de segurança contra ato de Comissão Parlamentar de Inquérito, bem
como para julgar habeas corpus contra a Interpol em face de mandado de prisão emitido por
magistrado estrangeiro.
Outros dois assuntos que merecem ser trazidos à baila também foram adventos da EC45/2004, a “Reforma do Judiciário”. Primeiramente, tem-se a súmula vinculante (SV para este
guia), prevista no art. 103-A da Carta Magna e regulamentada pela Lei número 11.417/2006:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em
lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de
2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou
entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
10
É importante ressaltar que o juízo de constitucionalidade pode se fundar em aspectos materiais (o conteúdo do
dispositivo normativo ou o ato do Poder Público) e formais (o processo de elaboração da norma ou formalidades
que são requisitos do ato). Em ambos os casos, mantêm-se o âmbito dos efeitos do tipo de controle em questão;
15
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou
cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação
direta de inconstitucionalidade.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou
que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,
julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial
reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da
súmula, conforme o caso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Desde os tempos de Casa de Suplicação, o STF edita súmulas como forma de
consolidação densificada de sua jurisprudência. No entanto, a ideia de um precedente
vinculante (o binding precedent do sistema de Common Law) só foi normatizada em 2004. A
criação do instituto da súmula vinculante tinha como fim tornar mais célere a tramitação de
processos na morosa justiça brasileira e, para evitar o prolongamento da lide com infindáveis
recursos, deu poder para o Supremo editar normas obrigatórias gerais. Segundo o Min. Gilmar
Mendes (2009), o fito material desse instrumento é sanar controvérsias atinentes à validade,
eficácia e interpretação de normas ante a Constituição. Assim garante-se uniformização na
jurisprudência de todo o país em alguns casos mais “cinzentos” e consequente aumento da
segurança jurídica.
A edição de SVs possui requisitos constitucionais: a aprovação de dois terços dos
Ministros (para edição, revisão ou cancelamento) e a fundamentação em reiteradas decisões
da Corte. Veda-se assim a súmula que deite raízes em julgados isolados. É necessária a
convergência de precedentes que sejam fruto de debates maturados no Plenário ou nas
Turmas. Além disso, o próprio Supremo Tribunal vincula-se ao entendimento contido na
súmula vinculante e dele só pode se afastar mediante ato formal que expresse a revogação
daquele entendimento e, consequentemente, do dispositivo.
Trata-se de instituto que foi e é alvo das mais diversas críticas doutrinárias, uma vez
que confere a um órgão judicante o poder de editar aparato equivalente a uma lei. Argumentase que em sistemas de tradição romanistas a tripartição dos Poderes erige-se a partir de um
órgão criador do direito e outro aplicador. Os questionamentos são contundentes e impõem ao
tribunal tato ao tratar dessa temática.
Em segundo, tem-se a repercussão geral, previsto no art. 102, §3º – CR/1988:
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral
das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o
16
Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
Esse instituto é verdadeiro filtro para que o Tribunal selecione as ações cujo recurso
extraordinário (portanto, trata-se de tópico relevante para o controle incidental) é admissível e
assim limite-se a julgar os casos de maior relevância e que influenciarão nos julgamentos de
outras ações na Justiça. Sua regulamentação processual encontra-se na Lei número
11.418/2006, que foi acompanhada por mudanças regimentais em 2007.
Como mostra o supracitado parágrafo, o requerente deve demonstrar à Corte Excelsa
que seu pedido merece atenção como controvérsia constitucional por tratar de “questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa”, nos termo do art. 543-A, §1º, adicionados ao Código de
Processo Civil pela lei que pormenoriza a repercussão geral. Tem-se repercussão geral
presumida se a temática foi reconhecida antes, bem como se o recurso impugna decisão
contrária a súmula ou jurisprudência dominante no STF.
A decisão de inadmissibilidade do recurso extraordinário se dá com o voto de oito
Ministros e é irrecorrível. Quando o Tribunal negar repercussão geral a um processo, todos os
recursos que tratem de matéria idêntica devem ser indeferidos liminarmente. Resta claro que,
apesar das dificuldades de se balizar critérios precisos para a admissibilidade, esse instituto
auxilia na redução do número de processos que chegam ao Pretório Excelso.
TÍTULO II: Do Mérito
Subtítulo I: Do caso Cesare Battisti:
1.
Do histórico da questão:
Os anos entre 1968 e 1980, conhecidos como “Anos de Chumbo”, foram, para a
República Italiana, um período de muita instabilidade e fragilidade política, decorrentes dos
não superados estragos causados pela Segunda Guerra Mundial às estruturas sociais, políticas
17
e econômicas italianas. Esse abalo era perceptível, pois, nesse período, os governos italianos
não conseguiam se estabelecer por muito tempo, alternavam-se com uma constância típica de
um quadro de crise institucional, além de serem marcados por fortes traços de autoritarismo
(GOYOS, 2009, p.1).
Desse cenário decorreu o surgimento de grupos revolucionários de extrema esquerda e
extrema direita pelo país. O confronto interno de ideologias era mais acirrado devido ao
confronto ideológico pelo qual o mundo passava: a chamada Guerra Fria. Com o
aparecimento e expansão desses grupos, o governo italiano tornou-se ainda mais rígido e
controlador, de modo a suspender muitas das liberdades constitucionais, bem como tornar as
forças policiais mais efetivas e repressivas.
Foi esse contexto que surgiu o Proletariado Armado pelo Comunismo (PAC), por
volta de 1976, como um grupo revolucionário de extrema esquerda, formado por dissidentes
das Brigadas Vermelhas. Seu objetivo consistia na substituição do regime em que se
encontrava a Itália, pelo regime socialista, de modo a combater a manutenção do governo
italiano nos moldes em que estava (JUNIOR, 2010, p.2-3). Para tanto, o PAC escolheu como
método a luta armada, uma decisão muito comum à época em países que sofriam momentos
políticos conturbados, em que liberdades eram duramente cerceadas (LUNGARZO, 2011,
p.1-2).
A seguir, far-se-á uma breve cronologia dos fatos concernentes ao caso da Extradição
nº1085 que envolveram Cesare Battisti, narrados pelo advogado Luiz Roberto Barroso
durante sua sustentação oral no julgamento da referida extradição11.
Em 1977, o jovem Cesare Battisti aderiu ao PAC, bem como a suas práticas de furtos,
assaltos para angariar fundos para o movimento e confrontos armados, muito embora,
segundo declarações de Battisti. ele jamais fez parte de práticas que envolvessem violências
extremas contra pessoas.
Em 1979, Cesare foi preso em Milão como parte da investigação do assassinato de um
joalheiro, Pierluigi Torregiani, em fevereiro do mesmo ano, atribuído ao PAC. Esse ourives
era também conhecido por fazer parte de uma espécie de “esquadrão da morte” que executava
pequenos ladrões, mendigos e militantes de esquerda (LUNGARZO, 2011, p.2-3). Contudo,
11
Sustentação
Oral
de
Luiz
Roberto
Barroso.
Disponível
em:
http://www.youtube.com/watch?v=ALaRB5OaUlk&list=PL34C2360FC271DBF7&index=8 . Acesso 21 de
novembro de 2013;
18
em 1981, quando de seu julgamento, Cesare Battisti, foi condenado a 12 anos e 10 meses por
participação em grupo armado (PAC) e ocultação de armas, sem nenhuma referência ao
assassinato do joalheiro.
A audiência aconteceu no dia 27 de maio de 1981, no Tribunal do Júri de Milão.
Foram julgados 23 membros do PAC, embora alguns estivessem foragidos. Os acusados pelo
homicídio foram: Sebastiano Marsala, Pietro Mutti, Gabrieli Grimaldi e Sante Fatone. Battisti
não estava entre os acusados pelo referido crime, de forma que, contra ele, havia acusações de
participação em grupo armado, ocultação de armas, tentativa de subversão do sistema político
e econômico, recrutamento de ativistas, consumação de roubos e furtos e declaração de
identidade falsa12.
Battisti, todavia, fugiu da prisão em Roma e se refugiou na França. Logo em seguida,
em 1982, fugiu novamente, dessa vez para o México.
Em 1985, o então Presidente francês François Mitterand anunciou que se
comprometeria a não extraditar ex-ativistas de extrema esquerda italianos, desde que esses
rompessem com seu passado. Diante disso, em 1990, Battisti que já havia se declarado exmembro do PAC desde 1978, regressou à França e lá se tornou autor de romances policiais.
Em 1993, a Corte de Apelações de Milão julgou Battisti sem sua presença e o
condenou à prisão perpétua por quatro homicídios agravados, supostamente por ele
praticados, entre os anos de 1978 e 1979, contra um guarda carcereiro, um agente de polícia,
um militante de extrema direita e o joalheiro de Milão13. Essa condenação foi fruto do
testemunho de Pietro Mutti, ex-membro do PAC, que, em 1982, ganhou o benefício da
delação premiada14 por citar os nomes de seus companheiros que teriam participado do
crime. Porém, Cesare jamais assumiu a autoria desses homicídios, além de afirmar
constantemente que sofria perseguição política.
12
Sentença do Tribunal de Apelação de Milão, 1981. Disponível em:
https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxsdW5nYXJiYXR0aXN0aX
xneDo0YWU0YzRhN2JkMDg3YmRm. Acesso: 21 novembro de 2013;
13
Sentença do Tribunal de Apelação de Milão, 1988. Disponível em:
https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxsdW5nYXJiYXR0aXN0aX
xneDo0YjJmMzYxYzZhMjczZGM0. Acesso: 21 de novembro de 2013;
14
Segundo Adalberto Aranha e José Queiroz Telles Camargo (1999), a delação premiada é o instituto jurídico
em que uma afirmação é feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, pela qual, além
de confessar a autoria de um fato, igualmente atribui a um terceiro a participação na atividade criminosa. A
justiça entende isso como uma forma de colaboração e, por isso, beneficia o réu que a fizer;
19
Em 2001, o ex-ativista requereu o pedido de naturalização francesa, confirmado em
julho de 2003 que foi anulado logo em seguida, em 2004. Nesse mesmo ano, após inúmeros
pedidos de extradição, Battisti, a pedido da Justiça Italiana, foi detido em Paris, entretanto,
logo em seguida, foi libertado e mantido em vigilância pelo governo francês.
Em junho de 2004, a Justiça francesa se posicionou favorável à extradição de Cesare
Battisti, que recorreu da decisão. Contudo, a partir de agosto, por não mais cumprir a
exigência do sistema de vigilância judicial francesa de se apresentar regularmente à polícia,
Battisti tornou-se clandestino, o que fez com que justiça francesa confirmasse definitivamente
a extradição do ex-ativista italiano.
Em março de 2007, Cesare Battisti foi detido na praia de Copacabana, Rio de Janeiro,
Brasil e, posteriormente, transferido para Brasília. No ano seguinte, seu pedido de concessão
de status de refugiado foi negado pelo Comitê Nacional para Refugiados – CONARE. Diante
disso, seus advogados recorreram ao Ministro da Justiça à época, Tarso Genro, para que esse
concedesse o pretendido status a Battisti, de modo a garantir-lhe o direito de viver e trabalhar
em liberdade no Brasil.
Em janeiro de 2009, o Ministro da Justiça, sob as justificativas de temor de
perseguição no país de origem, contrariou a decisão do CONARE e concedeu o status de
refugiado a Cesare Battisti.
2.
Da perspectiva jurídica:
2.1
Conceito de extradição
O atual cenário mundial é marcado pela globalização, isto é, um intenso e
generalizado fluxo de informações, serviços, produtos e pessoas por todos os países. Como
consequência dessa aproximação internacional, surgiu a necessidade de estabelecimento de
vínculos entre os países, a fim de criar mecanismos de cooperação recíproca em todos os
âmbitos. É nesse cenário que o instituto da extradição tornou-se relevante, pois se por um lado
houve a positiva facilitação do trânsito de pessoas, serviços, informações e produtos entre os
países, por outro lado a evasão de criminosos, também, tornou-se mais comum. Por isso,
mecanismos de cooperação jurídica internacional, como a extradição, buscam a convergência
de esforços interestatais para o combate à prática criminosa e à impunidade.
20
Segundo o clássico internacionalista brasileiro, Hidelbrando Accioly,
extradição é o ato mediante o qual um Estado entrega a outro indivíduo acusado de
haver cometido crime de certa gravidade ou que já se ache condenado por aquele,
após haver-se certificado de que os direitos humanos do extraditando sejam
garantidos (ACCIOLY, 1956, p.422)
.
Em outras palavras, mas em convergência com essa conceituação, o celebrado jurista José
Francisco Rezek versa que extradição é a
entrega, por um Estado a outro, a pedido deste, de pessoa que em seu território deva
responder a processo penal ou cumprir pena (...). A extradição pressupõe sempre um
processo penal: ela não serve para a recuperação forçada do devedor relapso ou do
chefe de família que emigra para desertar dos seus deveres de sustento da prole
(REZEK,2002, p.189).
Em síntese, extradição é um instituto jurídico de cooperação internacional, pelo qual
um país entrega a outro um indivíduo, lá condenado ou acusado de um crime, para que possa
ser punido ou julgado na devida forma, com respeito aos direitos humanos.
A extradição é fundamentada por meio de um tratado celebrado entre os países
envolvidos, em que estabelecem um conjunto de requisitos bilaterais para os seus
procedimentos. Em caso de inexistência desse acordo formal, o pedido de extradição poderá
ser concedido a partir de uma promessa de reciprocidade de tratamento para casos
semelhantes, entres os dois Estados envolvidos, via nota diplomática15. Além disso, o direito
extradicional é amparado por dois princípios: o Princípio da Identidade e o Princípio da
Especialidade. Neemias Carvalho Miranda explica:
Identidade significa que o fato motivador do pedido extradicional seja considerado
crime tanto no país requerente como no requerido, sendo por isso também como
princípio da dupla incriminação. Não se exige, entretanto, a mesma descrição legal
do fato, ou seja, idêntica tipicidade, nem o mesmo apenamento. Tão-somente que
aquele fato esteja capitulado no ordenamento dos dois países. [...]
O princípio da especialidade é uma exigência de que, uma vez entregue o indivíduo
solicitado, só poderá ser ele apenado por aqueles crimes que instituíram o pedido de
extradição. [...] É um corolário do princípio da reserva legal que informa o direito
15
Manual de Extradição do Ministério da Justiça. Brasília, 2012;
21
penal: a lei que institui o crime e a pena só é aplicada a fatos posteriores; a sua
aplicação depende de um processo legal específico (MIRANDA, 2010, p.17-18).
Ao lado da extradição, existem ainda outros mecanismos em que um governo promove
a saída compulsória de estrangeiro de seu país, como a expulsão e a deportação. Como explica
Rezek,
a deportação é uma forma de exclusão, do território nacional, daquele estrangeiro
que aqui se encontre após uma entrada irregular – geralmente clandestina, ou cuja
estada tenha-se tornado irregular – quase sempre por excesso de prazo, ou por
exercício de trabalho remunerado, no caso de turista. Cuida-se de exclusão por
iniciativa das autoridades locais, sem envolvimento da cúpula do governo: no Brasil,
agentes policiais federais tem a competência para promover a deportação de
estrangeiros, quando entendam que não é o caso de regularizar sua documentação. A
medida não é exatamente punitiva, nem deixa sequelas. O deportado pode retornar
ao país desde o momento em que se tenha provido de documentação regular para o
ingresso (REZEK, 2002, p.187).
A previsão legal no Brasil para a deportação encontra-se entre os Art.57 e Art.64 da Lei
6.815/80, o conhecido Estatuto do Estrangeiro.
A expulsão, por sua vez, disposta entre os Art.65 e Art.75 do Estatuto do Estrangeiro,
também é uma forma de exclusão do estrangeiro de um país por meio de iniciativa de
autoridades locais, sem destinação pré-determinada. Contudo, as causas de expulsão são mais
graves, bem como suas consequências, pois ao expulso, em princípio, não será mais permitido
retornar ao país que o expulsou. A expulsão é aplicada ao estrangeiro considerado nocivo ou
indesejado ao país, devido ao seu comportamento. Diferentemente da deportação, a expulsão
envolve a cúpula do governo, pois
pressupõe um inquérito que tem curso no âmbito do Ministério da Justiça, e ao
longo do qual se assegura ao estrangeiro o direito de defesa. Ao presidente da
República incumbe decidir, afinal, sobre a expulsão, e materializá-la por meio de
decreto (REZEK,2002, p.188).
Francisco Guimarães, ex-Corregedor-Geral da União, resume a diferença entre os três
institutos – extradição, expulsão e deportação – da seguinte forma:
enquanto a deportação se dirige às hipóteses de entrada e ou estada irregular, a
expulsão se volta contra o estrangeiro nocivo ou indesejável ao convívio social,
sendo a extradição a forma processual admitida, de colaboração internacional, para
fazer com que o um infrator da lei penal, refugiado em um país, se apresente ao
juízo competente de outro país onde o crime foi cometido (GUIMARÃES,2002,
p.77).
22
Cabe ainda diferenciar a extradição da transferência de pessoas condenadas. Segundo
o Manual de Extradição do Ministério da Justiça (2012, p.20), a Transferência de Pessoas
Condenadas diz respeito a uma prática que visa à reintegração de pessoas condenadas ao meio
social de que são originárias, na medida em que possibilita o cumprimento, junto a seus
familiares e compatriotas, do restante da pena aplicada pelo Poder Judiciário do país do qual
não é nacional. Ao passo que na extradição a pessoa é reclamada por um país para que possa
responder a processo ou para execução de pena.
2.2
Extradição no Brasil
A extradição no direito brasileiro é separada em duas espécies: a ativa e a passiva. A
primeira é aquela requerida pelo Brasil a outro Estado, quando um indivíduo que lá se
encontra praticou crime no Brasil. A passiva, por sua vez, é aquela em que os demais Estados
requerem ao Brasil extraditar um indivíduo que aqui se encontra, pois praticou crime no
Estado requerente (FERNANDES, 2011, p.501). Dentro dessas espécies há, ainda, duas
classificações: a executória e a instrutória. A classificação executória diz respeito àquela
extradição pedida para o cumprimento de pena pelo indivíduo requisitado, ao passo que a
instrutória se destina a fins de instrução processual, isto é, julgamento (MIRANDA, 2010, p.
16).
A Constituição Federal incumbiu-se de prever hipóteses restritivas à extradição
passiva, como a impossibilidade de extraditar brasileiro nato. Essas hipóteses estão dispostas
no Art.5º, LI e LII:
Art5º
LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião
(BRASIL, 1988).
Posto isso, percebe-se que a Constituição brasileira estipula, basicamente, duas regras
para a concessão de extradição. A primeira regra refere-se aos brasileiros: não poderão ser
extraditados. Para os brasileiros natos, essa regra é absoluta, de forma a não admitir exceção.
Em relação aos brasileiros naturalizados, no entanto, essa regra é relativa, de modo que se
23
admite duas exceções: (a) a exceção em relação à espécie do crime, isto é, só se extraditará
brasileiro naturalizado, quando comprovada a sua participação em tráfico ilícito de
entorpecentes e; (b) exceção em relação ao momento da prática do crime, isto é, quando em
caso de crime comum, o brasileiro naturalizado só poderá ser extraditado, se o crime tiver
sido praticado anteriormente a sua naturalização (MORAES, 2005, p.82-83). A segunda regra
trata dos estrangeiros: diversamente dos brasileiros, a exceção refere-se às hipóteses em que o
estrangeiro não poderá ser extraditado: em caso de crime político ou de opinião.
Existem, ainda, outros dispositivos infraconstitucionais que pormenorizam os
requisitos formais para a extradição, quais sejam: o Estatuto do Estrangeiro - Lei 6.815/80,
Lei Federal 6.964/81 e o Regimento Interno do STF em seus artigos 207 a 214. De forma
resumida, Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p. 504-507) reúne os seguintes requisitos
formais como os principais, segundo a doutrina majoritária:
1º) Deve haver entre Brasil e o Estado estrangeiro um tratado internacional ou
promessa de reciprocidade de tratamento em relação ao Brasil.
2º) A competência para o julgamento do indivíduo estrangeiro tem que ser exclusiva
da justiça estrangeira do país requerente.
3º) Deve haver de título penal condenatório no país ou no mandado de prisão
emanado de juiz ou autoridade competente no país estrangeiro.
4º) Deve haver dupla tipicidade (o ato pelo qual o indivíduo foi condenado deve ser
crime tanto no país estrangeiro quanto no Brasil). Se for crime no Estado requerente
da extradição e apenas contravenção penal no Brasil, ou mesmos fato atípico, não
será possível a concessão da extradição.16
5º) Não pode haver prescrição da pretensão punitiva ou executória, seja na
legislação do país estrangeiro, seja na legislação brasileira.
6º) Não sujeição do extraditando a julgamento por tribunal ou juízo de exceção (que
não esteja previamente positivado na legislação ou Constituição do país). Incluímos,
também, a necessidade da observância dos parâmetros do devido processo legal e do
respeito aos direitos humanos.
7º) A infração atribuída ao extraditando não pode ter caráter político, visto que o
Brasil não concede extradição por crime político.
8º) Não prever a legislação brasileira ao crime pena igual ou inferior a um ano.
Além dos supracitados requisitos formais, há, ainda, compromissos mediante os quais
o Estado requerente deve assumir oficialmente com o Brasil para que a extradição seja
16
Em relação a esse requisito cabe exemplo, como a EXT nº 1135, 2009. Nessa o STF indeferiu unanimemente o
pedido da Justiça Alemã, pois requeriam a extradição de Timur Turhan, condenado à dois anos de reclusão por
extorsão grave. Contudo, à época do cometimento do crime, Turhan era menor de 18 anos, logo inimputável pela
legislação penal brasileira;
24
concedida. São eles: a) não processar ou prender o extraditando por fatos anteriores ao
pedido, (b) efetuar a detração penal, isto é, levar em consideração o tempo em que o
extraditando ficou preso no Brasil, de forma a subtrai-lo da pena que ainda tem a cumprir no
país requerente, (c) comutar a pena de morte e a prisão perpétua em pena máxima de 30 anos,
(d) não agravar a pena do extraditando por fundamentação política e, por fim, (e) não
conceder a chamada “reextraditação”, isto é, entregar o extraditando a outro país, sem prévia
autorização da justiça brasileira.
Os requisitos formais acima apontados são o núcleo central de análise do Supremo
Tribunal Federal, de forma que, uma vez preenchidos, o deferimento da extradição se impõe,
salvo nos casos de vedação constitucional.
O procedimento da extradição passiva possui dois âmbitos: o administrativo e o
judicial, divididos em três fases. A primeira fase está no escopo administrativo e ocorre
quando, por meio de nota diplomática, o Estado requerente envia ao Presidente da República
o pedido de extradição. Uma vez recebido o pedido, a Presidência o encaminha para o
Supremo Tribunal Federal, órgão responsável por se pronunciar sobre a legalidade 17 do
pedido. Nesse momento, o processo adentra a esfera judicial e alcança a segunda fase.
Durante a fase judicial, o extraditando deverá ser mantido em prisão preventiva para a
extradição até o julgamento final do Supremo18. Nessa fase, em princípio, cabe ao STF
somente uma fiscalização concernente aos requisitos citados anteriormente e às vedações
constitucionais. Portanto, a Corte não rejulgará o extraditando, isto é, o chamado sistema de
contenciosidade limitada. Salienta-se, contudo, que, para contemplar a análise formal, é
indispensável abordar aspectos materiais: o mérito da ação, a questão da dupla tipicidade, de
ser ou não crime político ou de opinião e se houve ou não a prescrição do crime, como já
consolidado pelo STF no julgamento da Extradição nº 703-3 em que decidiu:
no sistema belga – ao qual é filiada a lei extradicional brasileira, não afetada pelo
Tratado com a Itália – o papel da autoridade judiciária do Estado requerido se limita
a um juízo de legalidade extrínseca do pedido, sem penetrar no exame do mérito
sobre a procedência, à luz das provas, da acusação formulada no Estado requerente
contra extraditando: a rara e eventual deliberação acerca da substância da imputação
17
Lei 6.815/80: Art.83 – Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do
Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão;
18
Lei 6.815/80: Art.81 – O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que
ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal; Art.84, Parágrafo
Único – A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade
vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue;
25
faz-se na estrita necessidade de decisão de questões como a dúplice incriminação, da
qualificação política do crime ou de prescrição, sempre, porém, a partir da versão
dos fatos escolhidos, no Estado requerente, conforme a peça de acusação ou a
decisão judicial que suportar o pedido (STF – Pleno – Extradição nº 703-3 – Rel.
Min. Sepúlveda Pertence. Fev. 1998).
Finda essa análise, o Supremo pronuncia-se favorável ou contrário à extradição,
quando atendidos os requisitos ou quando não o são, respectivamente. Na hipótese de
improcedência do pedido, o procedimento extradicional se encerra, isto é, está
definitivamente decidido que não ocorrerá a extradição, de modo que não se retorna ao
Presidente para decidir sobre ele. Todavia, caso se decida pela procedência do pedido, iniciase a terceira e última fase, que acontece no seio administrativo.
Na terceira fase, é encaminhada a decisão do Plenário para o Presidente da República
que decretará ou não a extradição. Essa questão, isto é, a decretação ou não, pelo presidente,
da extradição tem sido constantemente debatida no mundo jurídico, pois a corrente majoritária
dos juristas entende que a extradição é um direito inerente à soberania e, por isso, fica a cargo
do Presidente da República deliberar, em última instância, sobre ela. Logo, caso o Supremo
decida pela procedência do pedido, o chefe do executivo não estaria vinculado a essa decisão.
Entretanto, há uma corrente minoritária da doutrina internacional e constitucional que defende
a necessária vinculação do Presidente à decisão do STF, uma vez que a legislação brasileira
prevê que o Pretório Excelso é órgão competente para analisar, jurídico-formalmente, o
pedido extradicional.
A seguir, uma síntese esquemática do procedimento da extradição:
FIGURA 1 – Síntese
esquemática
do
procedimento da extradição
no direito brasileiro.
26
2.3
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República
Italiana
Como já abordado neste guia, um dos requisitos para a concessão de extradição é a
existência de um tratado acerca da temática extradicional entre o Estado requerente e o Estado
requerido, ou ao menos uma promessa de reciprocidade19.
No caso alvo de análise deste guia, a Extradição nº 1.085, em que o Estado requerente
é a Itália e o requerido o Brasil, observa-se a existência de um acordo formal celebrado entre
as partes em 17 de outubro de 1989. Nesse tratado, Brasil e Itália se comprometeram a
colaborar reciprocamente em matéria de extradição, como consta em seu artigo I:
Artigo I
Cada uma das partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as
normas e condições estabelecidas no presente tratado, as pessoas que se encontrem
em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais da parte
requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena
restritiva de liberdade pessoal.
Em seus artigos II e III são expostas as hipóteses em que se autoriza e se recusa a extradição
entre as partes, respectivamente:
Artigo II
Casos que autorizam a Extradição
1. Será concedida a extradição por fatos que, segundo a lei de ambas as partes,
constituírem crimes puníveis com uma pena privativa de liberdade pessoal cuja
duração máxima prevista for superior a um ano, ou mais grave.
2. Ademais, se a extradição for solicitada para execução de uma pena, será
necessário que o período da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses.
3. Quando o pedido de extradição referir-se a mais de um crime e algum ou alguns
deles não atenderem às condições previstas no primeiro parágrafo, a extradição, se
concedida por um crime que preencha tais condições, poderá ser estendida também
para os demais. Ademais, quando a extradição for solicitada para a execução de
penas privativas de liberdade pessoal e aplicada por crimes diversos, será concedida
se o total de penas ainda por cumprir for superior a 9 meses.
4. Em matéria de taxas, impostos, alfândega e câmbio, a extradição não poderá ser
negada pelo fato da lei da parte requerida não prever o mesmo tipo de tributo ou
obrigação, ou não contemplar a mesma disciplina em matéria fiscal, alfandegária ou
cambial que a lei da parte requerente.
Artigo III
19
Lei 6.815/80: Art.76 – A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em
tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade;
27
Casos de recusa da Extradição
1. A Extradição não será concedida:
a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo
penal, ou já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da parte requerida;
b) se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das partes, houver
ocorrido prescrição do crime ou da pena;
c) se o fato pelo qual é pedida tiver sido objeto de anistia na parte requerida, e
estiver sob a jurisdição penal desta;
d) se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um
tribunal de exceção na parte requerente;
e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político;
f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada
será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião,
sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua
situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados;
g) se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da parte requerida, crime
exclusivamente militar. Para fins deste tratado, consideram-se exclusivamente
militares os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituam crimes
de direito comum. 20
Ao ler os supracitados artigos, nota-se que o tratado em questão não traz cláusulas
substancialmente inovadoras no tocante a hipóteses de autorização da extradição; pelo
contrário, reforça os requisitos já dispostos na legislação brasileira como os da dupla
tipicidade, a exceção do crime político, entre outros. Ressalta-se, contudo, a alínea f do Artigo
III, que prevê a hipótese de recusa de extradição quando o Estado requerido possuir “razões
ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e
discriminação”. Essa possibilidade, por sua vez, não está disposta no ordenamento brasileiro,
embora seja presumível dados princípios constitucionais democráticos brasileiros. Dessa
maneira, torna-se uma peculiaridade do procedimento extradicional ítalo-brasileiro.
2.4
Crime Político
Como já exposto neste guia, a legislação brasileira e o Tratado de Extradição entre
Brasil e Itália elencam como uma das hipóteses de não concessão de extradição quando o
crime pelo qual o extraditando foi acusado ou condenado possuir natureza política. A
conceituação de crime político é, per se, um debate a parte, isso, pois não existe um consenso
quanto à sua delimitação, tampouco no Brasil, legislação que defina o que é ou não infração
política.
20
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. Disponível em
http://www.conjur.com.br/dl/tratado-extradicao-brasil-italia.pdf . Acesso: 29 de novembro de 2013;
28
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, quando se trata da conceituação de crime político
a doutrina apresenta três teorias: a objetiva, a subjetiva e a mista.
De acordo com a primeira, o que importa é a natureza do bem jurídico (v.g.,
organização político-jurídica do Estado). Para a teoria subjetiva, o decisivo é o fim
perseguido pelo autor, qualquer que seja a natureza dos bens lesados [v.g., quando o
autor do crime, por motivação política, atinge um objeto de natureza privada, como
na hipótese de um assalto a banco com objetivo de arrecadar fundos para um grupo,
associação política opositora – colchete dos autores do guia]. A teoria mista –
combinação das anteriores – requer que tanto o bem jurídico atacado como o
objetivo do agente sejam de caráter político [v.g., quando o autor, por motivação
política, atinge também uma organização político-jurídica do Estado] – colchetes
dos autores do guia. (BITENCOURT, 2012, p.238)
Desses entendimentos iniciais decorrem duas novas classificações conceituais: crime
político puro e crime político relativo ou complexo. Como coloca Neemias Carvalho Miranda,
o conceito de crime político puro é o que segue:
o indivíduo que, agindo sem violência, exterioriza ideias e pratica atos tendentes a
abolir, destruir, desfazer no todo ou em parte, a estrutura político-jurídica do Estado,
a forma de governo, o regime político, depor e destruir autoridades, desmembrar o
território do Estado ou afetar a sua soberania, incluindo-se entre aqueles atos a
traição e a espionagem (MIRANDA,2010, p.54-55).
Portanto, o crime político puro é aquele que possui a motivação política e objeto atingido
também possui natureza política, isto é, os elementos subjetivos e objetivos são de ordem
política, e sua prática não envolve violência.
O chamado crime político complexo ou relativo, por sua vez, é aquele em que se unem
elementos de um crime comum, como a violência, com elementos do crime político puro, com
a motivação política. Nas palavras de Neemias Carvalho Miranda
[...]os crimes políticos complexos são os que lesionam ao mesmo tempo a ordem
política e o direito comum como a vida e o patrimônio. Quando um indivíduo
pratica um crime comum visando a alcançar um resultado político, ele terá praticado
um crime político complexo (MIRANDA, 2010, p.56).
Todavia, como já dito, não existe na legislação brasileira um apontamento conceitual
do que seria um crime político. Apenas consta no Art.77, §2º, lei 6.815, a exclusividade de
competência do Supremo Tribunal Federal para definir qual é a natureza da infração, isto é,
29
cabe somente ao Pretório Excelso dizer se trata de crime comum ou político21. Dessa maneira,
o conceito de crime político é algo que tem sido construído jurisprudencialmente.
A Jurisprudência do STF, até 2008, demonstrou-se pacífica quanto ao entendimento de
que o crime político disposto na Constituição e no Estatuto do Estrangeiro não se limita ao
crime político puro, de modo que é admissível o crime político complexo, isto é, a associação
de crimes políticos puros a crimes comuns. A partir da admissibilidade da junção de crimes
comuns a crimes políticos puros, a Corte consagrou que só seria considerado crime político
complexo aquele em que houvesse prevalência da motivação política, o chamado Princípio da
Preponderância e; ausência violência extremada, conhecido como Princípio da Atrocidade dos
Meios. Sobre isso sintetizou o Ministro Ricardo Lewandowski, durante o julgamento da
Extradição nº 885, em 2004:
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal vem fazendo uma clara distinção entre
crimes políticos típicos, identificáveis ictu oculi, praticados, verbi gratia, contra a
integridade territorial de um país, a pessoa de seus governantes, a soberania
nacional, o regime representativo e democrático ou o estado de Direito, e crimes
políticos relativos, que a doutrina estrangeira chama de hard cases, com relação aos
quais, para caracterizá-los ou descartá-los, cumpre fazer uma abordagem caso a caso
(case by case approach). Essa abordagem, na jurisprudência, deve guiar-se por dois
critérios, a saber: (i) o da preponderância e (ii) o da atrocidade dos meios (STFPleno – Extradição nº 855 – CHILE. Rel. Ministro Celso de Mello. Ago. 2004).
Cabe ressaltar que essa construção jurisprudencial não é isolada ou totalmente inovadora, pois
o Princípio da Preponderância nada mais é do que um desdobramento do disposto no Art.77,
§1º na Lei 6.815:
Art.77
§1º A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir,
principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao
delito político, constituir o fato principal.
Portanto, evidencia-se a não existência de um modelo pronto e hermético de aplicação
do conceito de crime político no direito extradicional, de forma que se torna necessária a
avalição do caso concreto, a fim de balizar o contexto fático, histórico e político com a
21
Lei 6.815/80: Art. 77, §2º - Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da
infração;
30
conduta do agente, para assim deliberar sobre o caráter da infração, é como explica o Ministro
Cezar Peluso:
(...) toca a esta Corte sopesar, caso a caso, o contexto fático, histórico, político e
social em que tenha sido praticada a conduta delituosa imputada ao extraditando,
para daí apurar o fato de caráter preponderante no crime complexo (STF – Pleno –
Extradição nº 1085 – ITÁLIA. Rel. Ministro Cezar Peluso. Dez. 2009).
2.5
Refúgio
Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), refúgio é um instituto
jurídico-político internacional que tem por objetivo a proteção de qualquer cidadão
estrangeiro que se encontre ameaçado por motivos religiosos, raciais, de opiniões políticas,
nacionalidade ou em virtude de graves violações aos direitos humanos em seu país de origem.
Sua regulamentação no Direito Internacional se encontra na Convenção de Genebra sobre o
Estatuto do Refugiado, de 1951.
Cabe, aqui, breve diferenciação do refúgio de asilo político. Asilo político, segundo
José Francisco Rezek é o
acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não
necessariamente, em seu próprio país patrial – por causa de dissidência política, ou
por crimes que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra de
direito penal comum (REZEK,2002, p.207).
O Secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, sintetiza a diferença
entre asilo político e refúgio da seguinte forma:
A principal diferença entre os institutos jurídicos do asilo e do refúgio reside no fato
de que o primeiro constitui exercício de um ato soberano do Estado, sendo decisão
política cujo cumprimento não se sujeita a nenhum organismo internacional. Já o
segundo, sendo uma instituição convencional de caráter universal, aplica-se de
maneira apolítica, visando a proteção de pessoas com fundado temor de perseguição.
Uma diferença prática que se pode perceber é que o asilo normalmente é empregado
em casos de perseguição política individualizada. Já o refúgio vem sendo aplicado a
casos em que a necessidade de proteção atinge a um número elevado de pessoas,
onde a perseguição tem aspecto mais generalizado (BARRETO, 2009, p.3).
31
Na legislação brasileira, o refúgio está regulamentado pela Lei 9.474/97, o Estatuto
dos Refugiados, que em seu artigo 1º conceitua refugiado:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência
habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias
descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar
seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Define ainda, no mesmo dispositivo legal, que será da competência do CONARE a análise e
deliberação de pedidos de concessão do refúgio:
Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967
e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:
I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição
de refugiado;
II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento
das autoridades competentes, da condição de refugiado;
III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado;
IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e
apoio jurídico aos refugiados;
V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.
A decisão do CONARE, segundo a Art. 26 da presente lei, deverá ser notificada e
devidamente fundamentada. Destaca-se, entretanto, que em caso de negativa da concessão do
refúgio, pode o solicitante buscar o Ministério da Justiça em sede recursal, em que caberá ao
Ministro de Estado da Justiça analisar e decidir sobre o pedido. Esse recurso está
regulamentado no Capítulo V da Lei 9474/96:
CAPÍTULO V
Do Recurso
Art. 29. No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação
ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo
de quinze dias, contados do recebimento da notificação.
Art. 30. Durante a avaliação do recurso, será permitido ao solicitante de refúgio e
aos seus familiares permanecer no território nacional, sendo observado o disposto
nos §§ 1º e 2º do art. 21 desta Lei.
32
Art. 31. A decisão do Ministro de Estado da Justiça não será passível de recurso,
devendo ser notificada ao CONARE, para ciência do solicitante, e ao Departamento
de Polícia Federal, para as providências devidas.
Art. 32. No caso de recusa definitiva de refúgio, ficará o solicitante sujeito à
legislação de estrangeiros, não devendo ocorrer sua transferência para o seu país de
nacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanecerem as circunstâncias
que põem em risco sua vida, integridade física e liberdade, salvo nas situações
determinadas nos incisos III e IV do art. 3º desta Lei.
O refúgio e a extradição possuem uma relação próxima no direito brasileiro. O Art.33
do Estatuto dos Refugiados versa:
Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de
qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de
refúgio.
Desse artigo, depreende-se que, uma vez concedido status de refugiado a um indivíduo, esse
não poderá sofrer processo de extradição, caso os fatos pelos quais o refúgio foi concedido
convirjam com os fatos pelos quais se pleiteia sua extradição. Nesse sentido, decidiu o STF na
Extradição nº 493:
De acordo com o art. 33, da L. 9474/97, o reconhecimento administrativo da
condição de refugiado, enquanto dure, é elisivo, por definição, da extradição que
tenha implicações com os motivos do seu deferimento. (STF – Pleno – Extradição nº
493 – ARGENTINA. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Out. 1989)
Entretanto, a partir da Extradição nº 1008-5, conhecida como Caso Medina, houve
uma proposta de mudança jurisprudencial no Supremo, encabeçada pelo então Ministro
Relator Gilmar Mendes, no sentido de se passar a entender que o processo de extradição deve
ser apreciado pelo STF, independentemente da concessão de refúgio pelo Estado brasileiro.
Isso porque, de acordo com Mendes, é atribuição constitucional exclusiva do Supremo a
apreciação legal de processo de extradição, assim como a definição de crime político, de
forma que uma decisão administrativa, seja ela tomada pelo CONARE ou Ministro da Justiça,
não poderia obsta-lo.
33
2.6
Breves questionamentos acerca do caso Battisti
A Extradição nº 1085 trata do pedido do governo italiano ao brasileiro da entrega de
Cesare Battisti à justiça italiana, para que lá cumpra a pena à qual foi condenado pelo
assassinato de quatro pessoas.
Como já narrado, Battisti era membro de um grupo ativista italiano na década de 1970,
que, em meio aos chamados “Anos de Chumbo”, aderiu à luta armada em prol da implantação
do modelo socialista na Itália. Entre os anos de 1979 e 1981, foi preso e condenado por
participação em grupo armado e ocultação de armas. Todavia, alguns anos após sua primeira
condenação, enquanto se encontrava foragido, foi novamente julgado e condenado à prisão
perpétua pelo assassinato de quatros pessoas, ocorridos no período durante o qual participou
do Proletariados Armados pelo Comunismo – PAC. Após passar por uma série de fugas,
Cesare Battisti foi detido, por fim, no Rio de Janeiro, em 2007. Teve seu pedido de concessão
de status de refugiado negado pelo CONARE, contudo o conseguiu junto ao Ministro da
Justiça à época, Tarso Genro.
Diante desses fatos, é inevitável que diversos debates se abram sobre o processo da
Extradição nº 1085, advindo do pedido de extradição da República Italiana ao Brasil. Debates
esses que não se restringem a uma pura observação formal da letra da lei, pois trata-se de um
caso mais complexo do que a mera observação de critérios técnico-formais.
O primeiro questionamento seria sobre a natureza das infrações supostamente
cometidas por Battisti, pois são atribuídas a um grupo de ativistas de extrema esquerda, o
Proletariados Armados pelo Comunismo, existente na Itália durante a década de 1970, isto é,
nos “Anos de Chumbo”. Em face disso, poder-se-ia atribuir caráter político aos delitos, dado o
contexto em que ocorreram. Contudo, a discussão torna-se mais densa, na medida em que o
objeto material atingido, isto é, as vítimas dos homicídios, à primeira vista, não parecem ter
nexo direto com a temática política.
Outro questionamento refere-se ao possível desrespeito aos direitos fundamentais de
ordem processual que Cesare Battisti sofreu em seu julgamento, uma vez que foi condenado a
prisão perpétua na sua ausência, à revelia. Isso pode significar cerceamento ao seu direito à
ampla defesa. Ressalta-se, no entanto, que segundo o Tratado de Extradição entre a República
34
Federativa do Brasil e a República Italiana a mera condenação à revelia não é suficiente para
a recusa de extradição22.
Como decorrência da reflexão anterior, levanta-se a seguinte indagação: poderia
Battisti estar sofrendo perseguição política? Pois em seu primeiro julgamento, em 1981,
Cesare Battisti foi condenado por participação em grupo armado e ocultação de armas,
mesmo após fazer parte da investigação da morte do joalheiro de Milão. Entretanto, alguns
anos depois, após o testemunho de outro ex-membro do PAC, Pietro Mutti, que recebeu o
benefício da delação premiada, Battisti, por meio de uma condenação em que não esteve
presente, tornou-se não somente responsável pela morte do joalheiro, como também por
outras três mortes. Isso poderia levar à insinuação de uma perseguição política por ele ter
participado de um grupo ativista de extrema esquerda, PAC, no final da década de 1970. E,
segundo o Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República
Italiana, perseguição política é uma hipótese de recusa da extradição23.
Por fim, levanta-se o questionamento em relação ao sobrestamento da ação de
extradição devido à concessão do status de refugiado à Battisti, em janeiro de 2009, por Tarso
Genro. Isso, pois, segundo a Lei 9.474/97, a concessão de refúgio obsta qualquer processo de
extradição, desde que os fatos de ambos coincidam. Esse foi o caso de Cesare. Todavia, podese retomar a tese defendida pelo Ministro Gilmar Mendes em extradições anteriores. e que a
concessão do status de refugiado, medida administrativa, não implica o impedimento do
julgamento de uma extradição, medida judicial.
Essas foram algumas das ponderações relevantes à Extradição 1.085. Tendo em vista
que nessa seção pretendeu-se levantar alguns dos importantes questionamentos de maneira
relacionada com os conceitos anteriormente apresentados, frisa-se que não foi realizada uma
enumeração exaustiva de todos os pontos relevantes ao caso Battisti. Portanto, cabe ao
delegado usar o conteúdo apresentado como norte para seu estudo.
22
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana: Artigo V – A Extradição
tampouco será concedida: a) se, pelo fato qual for solicitada, a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser
submetida a um procedimento que não assegure os direitos mínimos de defesa. A circunstância de que a
condenação tenha ocorrido à revelia não constitui, por si só, motivo para recusa de extradição. [Grifo dos
autores do guia];
23
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana: Artigo III – 1. A
Extradição não será concedida: f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa
reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo,
nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por
um dos elementos antes mencionados;
35
3.
Do processo:
O Supremo Tribunal Federal recebeu o pedido de Extradição nº 1085, bem como
acolheu o Mandado de Segurança 27.875 e decidiu por julgá-los conjuntamente, de modo que
o Mando de Segurança foi tratado como preliminar da Extradição, pois a discussão de seu
mérito influi diretamente no julgamento da extradição. Afinal, se não concedida a segurança,
isto é, considerado legal o ato do Ministro da Justiça, abre-se a discussão sobre o
impedimento ou não do julgamento da extradição em face do status de refugiado do
extraditando.
a) Extradição nº 1.085
A ação de extradição em espécie já foi tratada no tópico “1. Extradição no Brasil”.
No caso em análise, trata-se de Extradição Passiva e Executória, de número 1.085.
Figurando como Estado requerente está a República Italiana, a República Federativa do Brasil
como Estado requerido e; como extraditando Cesare Battisti.
O pedido de extradição foi protocolado no Supremo Tribunal Federal em 04 de maio
de 2007. Pede-se a entrega de Cesare Battisti, ex-ativista italiano, foragido da justiça italiana e
condenado à prisão perpétua pelo cometimento de quatro assassinatos. A República Italiana
fundamenta seu pedido no Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a
República Italiana, por meio do qual, ambos se comprometeram a “desenvolver cooperação
na área judiciária em matéria de extradição” 24.
b) Mandado de Segurança 27.875
Segundo Bernardo Gonçalves Fernandes, mandado de segurança é
uma ação constitucional que visa proteger direito líquido e certo lesionado ou
ameaçado de lesão, não amparado por habeas corpus ou habeas data, em virtude de
ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições públicas. (FERNANDES, 2011, p.355).
24
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana;
36
Regulamentado pela Lei 12.016/09, o mandado de segurança possui como requisitos o
ato comissivo ou omissivo de autoridade pública ou agente público no exercício das
atribuições públicas; a ilegalidade ou abuso de poder; lesão ou ameaça de lesão ao direito
líquido e certo. (Para maiores detalhamentos sobre o Mandado de Segurança, aconselha-se a
leitura de FERNANDES, 2011).
O mandado de segurança em questão, de número 27.875, foi interposto pela República
Italiana, em fevereiro de 2009, a fim de questionar o status de refugiado concedido a Cesare
Battisti pelo Ministro Tarso Genro, uma vez que a impetrante encontrava-se temerosa com os
possíveis prejuízos que essa concessão causaria ao processo extradicional.
Em seu pedido liminar requer que sejam suspensos os efeitos do ato do Ministro da
Justiça, uma vez que isso poderia prejudicar o processo de extradição. Pede ainda o
pronunciamento do Ministro da Justiça, do extraditando e do Procurador-Geral da República
sobre o mandado impetrado. Por fim, quanto ao mérito, requer que se
conceda o mandado de segurança, a final, para declarar-se insubsistente ou anular-se
a decisão com que a autoridade coatora, contra legem e contra constitutionem (bem
como contra a Convenção de 1951 e a Declaração Universal dos Direitos do
Homem), concedeu a condição de refugiado a Cesare Battisti, nos termos da
fundamentação retro expendida. (mandado de segurança interposto pela República
Italiana. Bulhões & Jaccud Advocacia S/S, 2009).
Subtítulo II: Do Caso da Lei de Anistia (2010):
1.
Do histórico da questão:
O coup d’État de 1º de abril de 1964 inaugurou um período de exceção em que
direitos e garantias fundamentais foram aos poucos sendo anulados. Os governos militares
que se sucederam ao golpe, progressivamente, centralizaram o poder na condução da nação. O
ápice da supressão de direitos aconteceu com a promulgação do Ato Institucional nº 5 em
1968. Esse decreto terminou por abolir todas as liberdades individuais, inclusive suspendeu o
direito ao habeas corpus. Nesse diapasão, a tortura era praticada deliberadamente e
37
manifestantes políticos eram presos em massa. Muitos foram os que jamais saíram das cadeias
e tampouco tiveram seus corpos enterrados.
Outro fato histórico que merece especial atenção é o conjunto de leis outorgado pelo
então Presidente da República Ernesto Geisel, em 1977, que ficou conhecido como Pacote de
Abril. Dentre as muitas medidas contidas nesse conjunto, uma merece destaque devido a sua
pertinência com a matéria tratada: a criação de senadores biônicos. Um terço dos senadores
passou, a partir dessa decisão, a ser nomeado pelo Presidente. Isso foi reflexo do temor por
parte do governo da perda de poder durante a abertura política.
Com o agravamento da crise econômica e a subsequente crise política, o governo
Geisel iniciou o processo de abertura política, que pretendia ser lento e gradual. Nas palavras
de Ronaldo Costa Couto (1999), “Ernesto Geisel governou com a abertura em uma das mãos
e com o AI-5 na outra. A flor e o chicote” 25. Nesse contexto surgiram os Comitês Brasileiros
de Anistia que atuaram politicamente por meio de manifestações, cartazes, comícios, entre
outros artifícios, mesmo sob o regime de exceção ainda em vigor26.
Em 1978, realizou-se o 1ª Congresso Nacional de Anistia, em que surgiu o lema
“anistia ampla, geral e irrestrita”. Diante da pressão popular, o presidente João Figueiredo
encaminhou o projeto da Lei de Anistia ao Congresso. O projeto inicial era tão fraco, no
sentido de não atender às demandas sociais, que recebeu, no Congresso, 305 emendas. Após
nove horas de debate e votação, sob um clima de tensão, ele foi aprovado por 206 votos a
favor, e 201 contra27.
2.
Da perspectiva jurídica:
2.1
Conceito de Anistia
A punição para um crime é a consequência imputada pela realização de ato típico,
ilícito e culpável. Entretanto há certas situações em que o Estado abre mão do seu ius
puniendi e deixa de aplicar a sanção prevista. São as chamadas formas de extinção de
25
COUTO, Ronaldo Costa. O golpe de 1968,
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1412200809.htm;
26
27
Folha
de
São
Paulo.
Disponível
em:
Mais informações em: http://www.abcdeluta.org.br/materia.asp?id_CON=89;
Mais informações disponíveis em: http://jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=9833;
38
punibilidade. A ação não se extingue, apenas não há, por parte do Estado, o exercício do seu
direito de punir. A anistia é uma das formas de extinção da punibilidade.28
A palavra vem do grego amnestía, que significa esquecimento. Na lição de Bitencourt
(2012, p.865): “A anistia (...) é o esquecimento jurídico e tem por objeto fatos (e não pessoas)
definidos como crimes”. Destarte, há a criação de uma ficção jurídica, como se as condutas
nunca tivessem existido. Via de regra, é aplicada a crimes políticos em situações em que o
Estado tem por objetivo apaziguar paixões coletivas perturbadoras da ordem.
Ela não é novidade no Brasil. No início do século XX, Rui Barbosa já dissertava sobre
esse instituto, ao pedir anistia para os que foram punidos pelo então Presidente Floriano
Peixoto pela Revolta da Vacina. O célebre jurista asseverou:
O perdão, sim, pela sua natureza, pressupõe o arrependimento do criminoso, o
abandono das armas de luta. A anistia, pelo contrário, é um ato político pelo qual se
faz esquecer o delito cometido contra a ordem, o atentado contra as leis e as
instituições nacionais. (...)
A anistia, que é o olvido, a extinção, o cancelamento do passado criminal, não se
retrata. Concedida, é irretirável, como é irrenunciável. Quem a recebeu, não a pode
enjeitar, como quem a liberalizou, não a pode subtrair. É definitiva, perpétua,
irreformável. Passou da esfera dos fatos alteráveis pelo arbítrio humano para a dos
resultados soberanos e imutáveis, que ultimam uma série de relações liquidadas, e
abrem uma cadeia de relações novas. De todos os direitos adquiridos este seria, por
assim dizer, o tipo supremo, a expressão perfeita, a fórmula ideal: seria, por
excelência, o direito adquirido. Ninguém concebe que se desanistie amanhã o
indivíduo anistiado ontem. Não há poder, que possa reconsiderar a anistia, desde que
o poder competente uma vez a fez lei (BARBOSA) 29.
Ela é responsável por extinguir todos os efeitos penais, inclusive o pressuposto de
reincidência30. Subsidiariamente, ela extingue o processo judicial que porventura tenha se
iniciado, bem como impede a sua instauração. Entretanto, a obrigação de indenizar, que é do
campo civil, permanece. Há, ainda, a anistia tributária e previdenciária.
28
29
Código Penal – art. 107;
BARBOSA,
Rui.
Obras
Completas
de
Rui
Barbosa
http://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/; Acesso: 21 de novembro de 2013;
Disponível
em:
30
De acordo com o Código Penal em vigor, ocorre reincidência quando um crime for cometido pelo mesmo
agente posteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Esse é chamado pressuposto de
reincidência, isto é, o critério necessário para que haja o enquadramento da situação de reincidência. A seu turno,
a anistia desfaz essa situação ao criar uma ficção jurídica que não considera crime a conduta que outrora se
enquadrava na situação ilícita. Logo a conduta criminosa não pode ser considerada na dosimetria de pena para
crimes posteriormente cometidos;
39
A concessão da anistia é de competência exclusiva do Congresso Nacional, de acordo
com o art. 48, inciso VIII, da Constituição da República em vigor. Ela é feita por meio de lei
específica e abrange uma coletividade, por se direcionar a um fato; é um perdão geral. Aquele
que recebe anistia não pode recusá-la. Além disso, seus efeitos são irrevogáveis.
2.2
Graça e Indulto
De acordo com Damásio de Jesus (2013, p. 606), as principais diferenças da anistia
para a graça e o indulto são as seguintes:
- A anistia, em regra, atinge crimes políticos; a graça e o indulto, crimes comuns.
-A anistia é concedida pelo Congresso Nacional, a graça e o indulto são
competências exclusivas do Presidente da República.
- A anistia pode ser concedida antes da sentença, já a graça e o indulto pressupõem o
trânsito em julgado da sentença condenatória.
- A anistia é a mais ampla de todas e atinge uma coletividade. O indulto por sua vez
atinge certos grupos de pessoas. Já a graça é de concessão individual.
2.3
Anistia no Brasil
Em 1979, foi promulgada a lei de número 6.683, que preceituava, em seu artigo 1º:
É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro
de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes,
crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores
da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos
Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e
representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares.
Resta claro que a anistia concedida pela lei brasileira no presente caso é bastante
ampla e abarca uma grande quantidade de pessoas que participaram direta ou indiretamente da
luta contra o regime ditatorial brasileiro. Todavia, a interpretação da lei traz consigo um grave
problema: a possibilidade de anistia aos torturadores do regime. Essa possibilidade é cerne do
questionamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (doravante ADPF)
de número 153.
40
Desde sua aprovação, considera-se que a Lei de Anistia concedeu também anistia aos
torturados do regime. Isso, pois, o parágrafo primeiro da referida lei permitiu esse
entendimento:
“§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer
natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.”
Esse é, pois, o objeto de controvérsia constitucional requerido na petição inicial do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (doravante OAB):
A interpretação, segundo a qual a norma questionada concedeu anistia a vários
agentes público responsáveis, entre outras violências, pela prática de homicídio,
desaparecimento forçado, tortura e abusos sexuais contra opositores políticos viola
frontalmente diversos preceitos fundamentais da Constituição, conforme será
demonstrado abaixo.
A dita petição inicial apresentada pela OAB elencou uma série de princípios que
supostamente foram violados pela interpretação por ela questionada. O primeiro princípio
questionado é o da isonomia em matéria de segurança. O princípio da isonomia, ou da
igualdade, pode ser resumido na clássica frase: “todos são iguais perante a lei”. Ele está
compreendido no caput do artigo 5º da Lei Maior brasileira em vigor desde 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes (...)
De modo resumido, questiona-se a violação da isonomia relacionada à segurança. O
princípio da legalidade, conexo ao da isonomia, em segurança aduz que: “Não há crime sem
lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. A partir desse princípio, o
arguente traça uma linha argumentativa em que pelo fato de a anistia se referir a crimes
objetivamente definidos em lei, e não a pessoas, ela viola o princípio supracitado ao ampliar a
anistia a “classes absolutamente indefinidas de crimes”. Ao estender a anistia a “crimes de
qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”
(opt. cit), o arguente defende, portanto, que a Lei violou o princípio da segurança jurídica,
uma vez que anistia crimes que sequer constam em lei. O pensamento ainda progride ao
41
argumentar que caberá, então, ao Judiciário definir e classificar os crimes em lugar do
legislador. Dessa forma, ocorre a violação do princípio da isonomia, pois nos dizeres da
petição inicial (ADPF-153: Petição Inicial, p. 18):
Em suma, ao admitir-se a interpretação questionada da Lei nº 6683, de 1979, nem
todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal. Há os que
praticaram crimes políticos, necessariamente definidos em lei, e foram processados e
condenados. Mas há, também, os que cometeram delitos, cuja classificação e
reconhecimento não foram feitos pelo legislador, e sim deixados à discrição do
Poder Judiciário, conforme a orientação política de cada magistrado.
Em síntese, essa é a pedra clave do primeiro argumento contra a interpretação da lei.
Cabe aqui ao ministro, refletir se o parágrafo primeiro inaugura, ou não, uma classe de crimes
não definidos previamente em lei.
A análise do conceito de crime conexo se faz muito importante no caso e será
explanada mais abaixo. Cabe, também, estudo do conceito de crime político, para assim poder
se estabelecer a eventual conexão. Para isso sugere-se a pesquisa em jurisprudências do
Supremo Tribunal Federal sobre extradição, como a Ext. 700; Ext. 994.
Passa-se então ao questionamento de possível violação por parte do poder público do
preceito fundamental de não ocultar a verdade. O direito à verdade e à memória é
consagrado em todo Estado Democrático de Direito. Nos dizeres de Paulo Abrão31 a um dos
diretores deste comitê: “a memória e a verdade são as melhores armas humanas contra a
barbárie”.
A argumentação da inicial gira em torno do fato de que ao conceder anistia aos
torturadores, cuja participação do corpo estatal é evidente, a lei em debate suplantou o direito
do povo brasileiro de identificar aqueles que exerciam funções públicas e foram os algozes de
muitos cidadãos, já que as identidades desses torturadores ficariam ocultas.
A Carta de 1988 declara em seu artigo 5º, inciso XXXIII que:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.
31
Dedicatória escrita pelo autor em: ABRÃO, Paulo, GENRO, Tarso. Os direitos da transição e a democracia
no Brasil: estudos sobre Justiça de Transição e teoria da democracia.- 1ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012;
42
Com isso, o princípio da publicidade merece especial atenção no caso. Efetivado no
Estado Democrático de Direito, ele representa uma arma da própria população contra
qualquer irregularidade que possa vir a ser cometida por um ente estatal. Ele permite a
responsabilidade daqueles que se desvirtuaram no cumprimento de sua função pública.
Cabe ao delegado, analisar se a concessão de anistia aos torturados pode impedir que a
verdade seja contada. Resta como incitação ao pensamento que, se por um lado a ocultação
dos agentes do regime pode acontecer por meio da anistia e da impunidade, como argumenta
a petição inicial, por outro, não é só por meio da condenação que se conhecerá a verdade.
Muitos são os meios em que se podem obter fatos, como os documentos da época,
depoimentos de sobreviventes entre outros.
Consideram-se também desrespeitados os princípios democrático e republicano.
Esses princípios que supostamente estão em conflito com a lei estão presentes no primeiro
artigo da Lei Maior brasileira:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
A argumentação nesse caso é pautada na ideia democrática de que o povo é o
verdadeiro soberano, de modo que apenas o exercício do poder é feito pelos representantes; e
da república em que o “bem comum do povo está sempre acima de qualquer interesse
particular”. Destarte, o fato da Lei de Anistia ter sido aprovada em um Congresso autoritário,
que como visto acima detinha grande parcela de senadores biônicos, e não ter sido legitimada
pelo órgão legislativo oriundo de eleições livres pós-ditadura, por si só, segundo a inicial,
feriria a legitimidade democrática. Além disso, considera-se que em um regime republicano,
os governantes não têm o poder de anistiar aqueles que cometeram crimes sob as suas ordens,
isto é, considera-se uma autoanistia32. Importante frisar que ainda que a anistia seja
32
É possível encontrar diversas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que trabalham o tema
autoanistia na página 24 da petição inicial;
43
proveniente do Congresso Nacional, o chefe do Executivo pode sancionar ou vetar a lei que a
defina.
O ministro deve refletir acerca das condições em que a lei foi aprovada e se ela viola
ou não o sistema republicano democrático brasileiro. Para aguçar o raciocínio lógico, sugerese que ele pense acerca da estrutura da norma e seus métodos de aprovação, bem como nos
princípios essenciais do Estado Democrático de Direito.
Por
fim,
o
autor
da
inicial
considera que a dignidade da pessoa humana e do povo brasileiro são inegociáveis, de
sorte que a Lei questionada disporia acerca desses princípios de maneira equivocada. O
mesmo artigo descrito no tópico anterior é utilizado como argumento, de acordo com o seu
inciso III: “a dignidade da pessoa humana”. Considera-se que houve um acordo político para a
transição do regime militar para o Estado de Direito. Entretanto, as partes desse acordo,
segundo o arguente, não representavam os anseios de grande parcela da população que sofreu
as atrocidades do regime. A partir disso depreende-se que a transição para o Estado
Democrático de Direito foi feita por meio de uma barganha política em que as vítimas foram
usadas como pretexto para se garantir a efetiva transição e a impunidade dos torturadores. O
substrato argumentativo é baseado em Kant, cuja doutrina prega que o homem não pode ser
usado como meio, apenas como fim. Nesse espectro então, o princípio da dignidade humana,
foi, a priori, aviltado.
Além disso, é assinalado nesse ponto que a tortura figura na Constituição de 1988
como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Isso também ocorre na Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU. Assim, a lei em estudo não poderia ser incorporada
à Constituição Cidadã, isto é, recepcionada pelo atual ordenamento jurídico brasileiro.
Outro conceito interessante a ser trabalhado é o do ato jurídico perfeito. O parágrafo
primeiro do artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro considera como
perfeito, o ato jurídico “já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.
Nesse sentido, preenchidos todos os requisitos formais necessários à realização da plenitude
dos seus efeitos, um ato jurídico pode ser considerado perfeito, pois cumpriu todas as etapas
necessárias para entrar em vigor e gerou os seus efeitos aos seus destinatários. A classificação
de um ato jurídico como perfeito gera de pronto a irretroatividade de novas leis aos atos
anteriores. Há, entretanto, muitas opiniões diversas acerca do enquadramento desse conceito.
Savigny (1860) leciona que existem classes diferentes de normas:
44
A primeira, concernente à aquisição de direitos, estava submetida ao princípio da
irretroatividade, ou seja, à manutenção dos direitos adquiridos. A segunda classe de
normas, que agora serão tratadas, relacionam-se à existência de direitos, onde o
princípio da irretroatividade não se aplica. As normas sobre a existência de direitos
são, primeiramente, aquelas relativas ao contraste entre a existência ou não
existência de um instituto de direito: assim, as leis que extinguem completamente
uma instituição e, ainda, aquelas que, sem suprimir completamente um instituto
modificam essencialmente sua natureza, levam, desde então, no contraste, dois
modos de existência diferentes. Dizemos que todas essas leis não poderiam estar
submetidas ao princípio da manutenção dos direitos adquiridos (a irretroatividade);
pois, se assim fosse, as leis mais importantes dessa espécie perderiam todo o sentido
(SAVIGNY, 1860, p. 503-504).
É interessante questionar se uma recomendação de órgão internacional pode influir na
construção normativa nacional, levando-se em consideração a importância dos critérios para
incorporação de normas à Constituição e o peso das deliberações desse órgão. Ainda é
necessário considerar a legitimidade da criação de uma lei que viole um princípio
fundamental como a dignidade da pessoa humana. Para isso, deve-se também analisar se os
princípios abordados até o momento já estavam em vigor à época da promulgação da lei e se a
concessão da anistia configura um ato jurídico perfeito irretroativo ou se ele pode ser
modificado. Ademais, outro fato merece ser levado em conta: a Constituinte iniciada a 1º de
Fevereiro de 1987 foi convocada por meio da Emenda Constitucional nº 26 em 1985. Essa
mesma emenda previa em seu artigo 4º e subsequentes parágrafos, a concessão de anistia:
Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração
direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou
complementares.
§ 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou
conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis,
bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou
dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas
legais.
§ 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos
imputáveis previstos no "caput" deste artigo, praticados no período compreendido
entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. [...]
Cumpre ao ministro, então, fazer a análise minuciosa de todos esses pormenores e
chegar à conclusão se a Lei de Anistia pôde efetivamente ser recepcionada pela nova
Constituição.
2.4
Crimes Conexos
45
Não raras vezes, entre dois ou mais fatos de relevância penal, pode haver um liame,
uma ligação entre eles. Essa ligação pode ser tanto subjetiva, no campo das intenções, bem
como objetiva, no campo das circunstancias de fato. Em outras palavras, pode haver uma
conexão, estabelecendo um ponto de afinidade entre os fatos e/ou pessoas.
A doutrina processual penal classifica esses tipos de conexão em: material;
probatória; e intersubjetiva, que por sua vez se divide em: por simultaneidade, por concurso e
por reciprocidade. Para fins de praticidade, a característica que coincide com o caso é a da
reciprocidade. As palavras de Pacelli (2012) são suficientes para ilustrar tal classificação:
Por fim, a última modalidade de conexão do art. 76, I – “ou por várias pessoas,
umas contra as outras” parece identificar como ponto de afinidade entre os fatos
também a motivação de seu cometimento. (...) É o que a doutrina chama de conexão
intersubjetiva por reciprocidade.” (OLIVEIRA, 2012, p. 284).
Apesar de importante, a explicação doutrinária tem apenas o condão propedêutico da
matéria. As questões suscitadas acerca do crime conexo possuem outras características que
vão além da mera classificação.
2.4.1 O objeto de discussão
O primeiro conceito principal já foi discutido na seção acerca do caso Battisti. É o
conceito de crime político. Cabe, dessa maneira, analisar se há realmente a conexão entre os
crimes ditos políticos e os crimes comuns cometidos pelos agentes da ditadura. Seus atos não
são considerados políticos, pois a ideia de crime político envolve a intenção de se atingir a
ordem política vigente. Uma vez que esses agentes fazem parte dessa ordem, eles jamais
atentariam contra ela.
Afastada essa hipótese, faz-se importante analisar se ainda é possível estabelecer a
conexão entre os crimes políticos e comuns. Dessa forma, o ministro terá que pensar acerca de
algumas perguntas. São elas: há um liame entre as ações consideradas crimes políticos e os
crimes comuns cometidos por agentes do Estado? Os crimes cometidos por esses agentes
podem ser vistos como resposta aos outros crimes? Constitui a lei de Anistia situação sui
generis em que a vontade do legislador deve ser interpretada de forma constitutiva no tempo e
no espaço, isto é, pode proceder-se a análise da lei com os olhos voltados para o contexto em
que ela foi elaborada? Deve-se levar em conta a interpretação adotada tacitamente durante os
46
mais de 30 anos da lei, como forma de propugnar o contexto histórico de pacificação da
época, para o qual não somente a lei como essa leitura teriam sido necessárias?
3.
Do processo
a)
Arguição
de
Descumprimento
de
Preceito
Fundamental
Objeto e efeitos
Fruto de previsão constitucional do parágrafo primeiro do artigo 102 da Constituição
da República, a ADPF é regulada pela lei nº 9.882/99. Esse tipo de controle concentrado de
constitucionalidade33 pretende nas palavras da lei: “evitar ou reparar lesão a preceito
fundamental, resultante de ato do Poder Público”.
A dúvida pertinente à questão está relacionada ao caráter do preceito fundamental
constante na referida lei. A corrente majoritária, adotada inclusive pelo Supremo Tribunal
Federal, acredita que apesar da Constituição se configurar como uma norma fundamental, isto
é, ser fundamento de validade para as outras normas do ordenamento brasileiro, ainda existem
em seu conteúdo preceitos fundamentais que se diferenciam das demais normas. Os mais
notórios são os elencados pelo art. 5º da Carta, entretanto existem outros como o pacto
federativo constante do art. 1º. Dessa forma, são esses artigos considerados fundamentais
dentro de uma norma fundamental que são parâmetros para o eventual confronto com atos do
poder público, objetos da ADPF.
Importante ainda frisar o efeito pretendido por essa ação. Em caso de o ato ser
posterior à Constituição de 1988, ocorre a declaração de inconstitucionalidade desse ato. Se o
ato, porém for anterior à Carta de 1988, o STF limita-se tão somente a reconhecer a recepção
ou não desse ato normativo em face da normatividade constitucional superveniente. Uma
decisão de ADPF acarreta outros efeitos mais abrangentes uma vez que permite à Corte
Suprema estabelecer um modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental presente
na Constituição. Além disso, a decisão da ADPF possui efeito erga omnes e ex tunc. Neste
33
Para mais informações ver: MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle
Concentrado de Constitucionalidade. – 3ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2009;
47
ultimo efeito é importante frisar que a lei faculta ao Supremo a declaração de efeito ex nunc
de modo a preservar a segurança jurídica ou excepcional interesse social:
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de
arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela
declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou
de outro momento que venha a ser fixado (Lei nº 9.882/99).
Por fim, existem dois tipos de ADPF: autônoma e incidental. A primeira é aplicada
contra ato do Poder Público (administrativo ou judicial). A segunda é cabível contra ato
normativo (decretos, leis ordinárias e complementares, medidas provisórias, entre outros)
(FERNANDES, p.992-994, 2008).
Legitimidade
Podem propor uma ADPF os mesmos que podem propor uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade. São eles, segundo o art. 103 da Constituição da República:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Requisitos e Admissibilidade
O artigo 3º da lei nº 9.882 de 3 de dezembro de 1999 estabelece os requisitos básicos
da petição inicial de uma ADPF
Art. 3o A petição inicial deverá conter:
I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
II - a indicação do ato questionado;
III - a prova da violação do preceito fundamental;
48
IV - o pedido, com suas especificações;
V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante
sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Esses requisitos se apresentam de maneira autoexplicativa, por isso não haverá uma
pormenorização. Acaso queira-se aprofundar no tema, sugere-se a leitura de Mendes 2011.
Utilização subsidiária da ADPF (Princípio da Subsidiariedade)
O artigo 4º, §1º da Lei n. 9882/99, impõe que somente será admitida uma ADPF caso
não haja outro meio eficaz de sanar a lesividade. Uma análise imediata revela a literalidade do
que o artigo impõe, o que leva ao pensamento de que a ação somente poderia ser proposta
caso se houvesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito
judicial. Entretanto, a opinião do Ministro Gilmar Mendes pode servir como um guia na
resolução da rigidez da lei. Cabe ainda lembrar, que trata-se de uma opinião de Mendes, e que
o ministro pode plenamente discordar e aplicar a lei strictu sensu.
Afigura-se igualmente legítimo cogitar a utilização da arguição de descumprimento
nas controvérsias relacionadas com o princípio da legalidade (lei e regulamento),
uma vez que, assim como assente na jurisprudência, tal hipótese não pode ser
veiculada em sede de controle direto de constitucionalidade.
A própria aplicação do princípio da subsidiariedade está a indicar que arguição de
descumprimento há de ser aceita nos casos que envolvam a aplicação direta da
Constituição – alegação de contrariedade à Constituição decorrente de decisão
judicial ou controvérsia sobre interpretação adotada pelo Judiciário que não cuide de
simples aplicação de lei ou normativo infraconstitucional (MENDES, 2011, p.183).
Além disso, a suposta inépcia das partes que não entraram com pedidos em vias
ordinárias de forma a tentar uma condenação de um torturador, também pode ser explicada:
Ademais, a ausência de definição de controvérsia – ou a própria decisão prolatada
pelas instâncias judiciais – poderá ser a concretização da lesão a preceito
fundamental. Em um sistema dotado de órgão de cúpula que tem a missão de guarda
da Constituição, a multiplicidade ou a diversidade de soluções pode constituir-se,
por si só, em uma ameaça ao princípio constitucional da segurança jurídica e, por
conseguinte, em uma autêntica lesão a preceito fundamental (MENDES, 2011,
p.185).
ADPF-153
49
A APDF-153 tem como arguente o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, representado pelos advogados Fábio Konder Comparato e Rafael Barbosa de Castilho.
São arguidos o Presidente da República, representado pelo Advogado Geral da União, e o
Congresso Nacional. O processo teve início a partir do protocolo do Conselho Federal da
OAB em 21 de outubro de 2008.
Com base em todos os argumentos já expostos, o pedido pretendido pelo arguente
traduz-se na pretensão de uma nova interpretação da Lei nº 6683/79 (Lei de Anistia) à luz dos
princípios constitucionais vigentes a partir da Carta de 1988. Nesse sentido, entende-se que
não deve mais ser estendido o conceito de crime conexo aos atos praticados pelos militares no
poder. Eis a sua íntegra:
(...) a precedência do pedido de mérito, para que esse Colendo Tribunal dê à Lei nº
6683/79, uma interpretação conforme à Constituição, de modo a declarar, à luz
dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos
crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar
(1964/1985) [grifo dos autores do guia].
Subtítulo III: Do Caso da “Lei da Ficha Limpa” (2012):
1.
Do histórico da questão:
A Lei Complementar número 135 foi apresentada por iniciativa popular em 29 de
setembro de 2009, fruto de campanha de arrecadação de assinaturas encabeçada pelo
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e pelo juiz federal Marlon Reis.
Alcançadas 1,6 milhões de assinaturas, o projeto contou com forte apoio popular e das mídias
que exaltaram as suas qualidades e sua urgência no sistema eleitoral brasileiro, dando ainda
mais força para a campanha. Sem dúvidas, a intensa campanha e o próprio conteúdo da lei são
reflexos do descrédito de que padecia, e padece, a política brasileira, de modo a conceder ao
dispositivo alto valor político no sentido de atribuir maior moralidade aos cargos públicos e a
seus ocupantes, de modo a resgatar legitimidade e crédito dos políticos perante seus eleitores.
50
Com forte pressão e apoio dos parlamentares, o Senado Federal aprovou a lei34, que foi
sancionada em 4 de junho de 2010.
Como é típico de sua espécie, as leis complementares portam objetivo de regular com
maior especialidade certas matérias predeterminadas pelo Constituinte Originário, de forma a
respeitaras balizas estabelecidas por ele. E, assim, a Lei da Ficha Limpa, como instrui o artigo
14§9 da CR/88, estabelece casos de inelegibilidade a “fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato”.
A Lei Complementar 135 trouxe alterações na antiga Lei das Inelegibilidades, a Lei
Complementar número 64, que podem ser assim resumidas: a) aumento e uniformização dos
prazos de inelegibilidade, que antes variavam entre três e cinco anos, passaram todos para oito
anos; b) criação de novas causas de inelegibilidade em observância às balizas da probidade
administrativa e da vida pregressa dos candidatos; c) esclarecimento das controvérsias da
inelegibilidade decorrentes da rejeição de contas públicas, para afirmar que os chefes do
Poder Executivo, quando ordenadores de despesas, seriam julgados diretamente pelos
tribunais de contas, e não apenas pelas câmaras/assembleias; d) a dispensa da necessidade de
trânsito em julgado para as condenações eleitorais, por atos de improbidade ou criminais que
possam causar inelegibilidade.
Antes mesmo de ser sancionada e publicada, a Lei da Ficha Limpa causou
controvérsias judiciais no tocante à sua aplicação na eleição de 2010. Instado, o TSE
respondeu a duas consultas dizendo que a LC 135 seria sim aplicável na eleição daquele ano.
Na consulta n°114709 afirmou que “incidência da nova lei a casos pretéritos não diz respeito
à retroatividade de norma eleitoral, mas, sim, à sua aplicação aos pedidos de registro de
candidatura futuros, posteriores à entrada em vigor”, conforme voto do ministro Arnaldo
Versiani, que prevaleceu no plenário. Mesmo diante da controvérsia, o primeiro processo
envolvendo essa lei só chegou ao Supremo às vésperas da data do escrutínio. Tratava-se de
recurso interposto pelo candidato Joaquim Roriz, que teve candidatura recusada pelo TSE. O
STF encontrava-se deficitário de um ministro, uma vez que o excelentíssimo Ministro Eros
Grau havia se aposentado e o sucessor não havia sido indicado. Após duas longas sessões de
debates, o plenário ficou em impasse e terminou empatado, sem proclamar resultado final35.
34
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/senado-aprova-ficha-limpa;
35
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ficha-limpa-aniversario-com-pendencia-judicial;
51
Passadas as eleições e após a chegada de mais um ministro, o Pretório Excelso se
debruçou mais uma vez sobre a questão da aplicabilidade de 2010 e resolveu que a Lei da
Ficha Limpa não poderia ser aplicada naquele ano (RE 633.703). Somente depois disso
desembarcaram no STF três ações envolvendo a constitucionalidade da LC 135: Ação Direta
de Constitucionalidade 29, ADC 30 e ADI 4578, sob relatoria do Ministro Luiz Fux. Os
aspectos processuais e jurídicos discutidos nessas ações serão trabalhados nos próximos dois
itens deste guia.
2. Da Perspectiva Jurídica:
2.1 Inelegibilidade:
As inelegibilidades no direito brasileiro são tratadas, principalmente, por duas fontes:
o artigo 14 da Constituição e a LC 64, chamada Lei de Inelegibilidades. O artigo 14 da CR, ao
tratar dos direitos políticos, indica como inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. A saber,
são inalistáveis os estrangeiros e os conscritos, durante o exercício militar. Por ordenação
lógica, também são inelegíveis os que não cumprem com requisitos de elegibilidade36como o
gozo de direitos políticos, a filiação partidária e a idade mínima relativa a cada cargo. Já a Lei
de Inelegibilidades aparece como um complemento, a mando do §9° do art. 14, especificando
e criando novas hipóteses de inelegibilidade a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a
normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico.
Dito isso, é mister entendermos a inelegibilidade por si própria, seu conceito, sua
natureza jurídica e suas categorias aqui relevantes. O conceito de inelegibilidade seria:
(...) A inelegibilidade importa no impedimento temporário da capacidade eleitoral
passiva do cidadão, que consiste na restrição de ser votado, não atingindo, portanto,
os demais direitos políticos, como, por exemplo, votar e participar de partidos
políticos.
(...)
(TSE- Agravo Regimental nº 4.598. Rel. Min. Fernando Neves. Jun. 2004)
36
No caso de requisitos de elegibilidade (cujo descumprimento ensejariam a inelegibilidade nata, que será
discutida logo abaixo) a prova de seu cumprimento é feita de forma negativa pela Justiça Eleitoral. Por seu turno,
na inelegibilidade em si, própria ou cominada, tem-se a necessidade de prova positiva pelo candidato de que ele
não se enquadra em nenhum dos casos. Assim, apesar de ter-se a mesma consequência lógica, há peculiaridades
procedimentais em cada uma das situações;
52
A elegibilidade, isto é, a capacidade eleitoral passiva, é parte integrante dos direitos
políticos e, como posto pelo trecho do acórdão acima, a inelegibilidade não interfere nas
demais esferas dos direitos políticos, de sorte que o inelegível pode até mesmo filiar-se a um
partido político e votar (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 25.074. Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros. Set. 2005).
O conceito em questão não é alvo de disputas doutrinárias, uma vez que apresenta o
mesmo núcleo em manuais de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral. Da mesma forma,
as múltiplas classificações não são, em sua maioria, objeto de discussão, apesar de se fazerem
mais ou menos presentes ao gosto do autor. O eleitoralista Marcos Ramayana apresenta em
seu manual de Direito Eleitoral as classificações de Inelegibilidades: constitucionais,
infraconstitucionais (decerto que aqui se encontram as da LC 135), absolutas, relativas,
nacionais, estaduais, municipais, reflexas, inatas e cominadas. Fica a critério do delegado o
estudo das classificações, porque este guia se aprofundará somente nas duas últimas (inatas e
cominadas), visto que as consequências dessas classificações importam divergências quanto a
natureza jurídica das inelegibilidades.
(a)Inelegibilidade inata é aquela causada pela ausência de condições de elegibilidade,
dispostas no artigo 14, §3° da Constituição. Como preleciona professor Kildare Gonçalves
“ocorrem
independentemente
da
prática
de
qualquer
conduta
por
parte
do
cidadão”(CARVALHO, 2009). Faz-se presente quando “há uma descrição normativa que se
molda a um fato jurídico, forcejando a consequência de um impedimento”(AGRA, 2011,
p.29-52).Aqui se encontra discordância doutrinária, uma vez que se equipara as condições de
elegibilidade às de inelegibilidades. Para maiores aprofundamentos nesta discordância, veja as
lições de Adriano Soares da Costa, no livro Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual
Eleitoral (1998).Há proposição doutrinária que afirma que esta classificação se trata de
inelegibilidade imprópria, posto que, na verdade, ocorre uma incompatibilidade para a
elegibilidade, e não de uma inelegibilidade em si (CUNHA, 2012, p. 65-79).
(b) Inelegibilidade cominada “é a sanção imposta pelo ordenamento jurídico em
virtude da prática de algum ato ilícito eleitoral” (COSTA, 1998, p.153). Esse conceito é assim
apresentado, via de regra, pacificamente na doutrina, mas são seus acessórios ou
desdobramentos que geram discordâncias.
A questão ganha volume para divergências quando se enfrenta o problema da natureza
jurídica das inelegibilidades relacionada às classificações acima expostas. A interpretação das
53
inelegibilidades fica a cargo de duas correntes doutrinárias, que as preveem como sanção
jurídica, ou como critério jurídico-político para que se declare a elegibilidade. Cada uma
dessas correntes causa implicações nos julgamentos tratados (ADC 29 e 30 e ADI 4578),
principalmente no tocante à irretroatividade.
A corrente que identifica o caráter sancionatório das inelegibilidades expõe que a
norma jurídica entrelaça um substrato fático a uma consequência normativa, de forma que
essa consequência não existe por uma causalidade natural, mas por uma imputação normativa.
A sanção, portanto, seria uma reprimenda atestada pela desaprovação da conduta realizada.
Assim, inelegibilidades seriam apenas aquelas decorrentes de ilícitos, isto é, as
cominadas. As decorrentes de fatos lícitos,
e.g. caso dos analfabetos, seriam
incompatibilidades e portariam da mesma nomenclatura apenas por imperativo jurídicopositivo(CUNHA, 2012, p.69). Portanto, para os doutrinadores desta corrente, a incidência da
Lei da Ficha Limpa só poderia incidir em casos ulteriores de sua edição dada imposição de
nova sanção. Isso, tendo em vista o respeito ao princípio da irretroatividade legal. Essa
corrente encontra alguma correspondência na jurisprudência, vide exemplo:
a moderna doutrina do direito eleitoral vem apregoando que as inelegibilidades se
classificam, quanto à origem, em inelegibilidades inatas e inelegibilidades sanção ou
cominada. As primeiras ocorrem independentemente da prática de qualquer conduta
por parte do cidadão ou de terceiros em seu benefício e a segunda decorre da prática
de alguma conduta ilícita praticada pelo candidato. Nesse sentido são as lições de
Adriano Soares da Costa (in:Instituições de Direito Eleitoral, 8ª ed., Rio de
Janeiro, júris lúmen, 2009, pg 149); José Jairo Gomes (in: Direito Eleitoral. 4ª ed.
Belo Horizonte, delrey, 2010, pg 144/145); e Edson Resende Castro (in: Teoria e
Prática do Direito Eleitoral, 5ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2010, pg 132/135)
(TRE-MA – Registro de Candidatura nº 3398-21.210.6.10.0000. Rel. Juiz Magno
Linhares. Jul. 2010)
(...) A decretação de inelegibilidade constitui sanção prevista no art. 22, XIV, da LC nº 64/90, sendo
perfeitamente cabível quando a causa de pedir reside na prática de abuso do poder político, não ficando
caracterizado, in casu, o julgamento extra petita (...)(TSE - Recurso Especial Eleitoral n° 35.980. Rel. Min.
Marcelo Ribeiro. Mar. 2010).
Cabe, ainda, ressaltar que a concepção sancionatória de inelegibilidades em muito se
parece com a ideia de pena e, por isso, se faz necessário confrontá-las. Como já dito, essa
acepção expressa inelegibilidade como uma consequência jurídica com objetivo de reprimir a
conduta apresentada. Entretanto, a jurisprudência tem reiterado que inelegibilidade não
54
constitui pena e, pari passu, disseram as petições iniciais das ADC 29 e 30. Algumas ementas
que materializam esse posicionamento:
CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. CONTAS DO
ADMINISTRADOR PÚBLICO: REJEIÇÃO. Lei Complementar n. 64, de 1990, art.
1., I, g. I. - Inclusão em lista para remessa ao órgão da Justiça Eleitoral do nome do
administrador público que teve suas contas rejeitadas pelo T.C.U., além de lhe ser
aplicada a pena de multa. Inocorrência de dupla punição, dado que a inclusão do
nome do administrador público na lista não configura punição. II. - Inelegibilidade
não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei de inelegibilidade,
Lei Compl. n. 64/90, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência.
(STF –PLENO – Mandato de Segurança nº 22087.Rel. Min. Carlos Velloso.
Mar.1996); [Grifo dos autores do guia].
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010.
DEPUTADO
ESTADUAL.
CONDENAÇÃO
POR
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA PROFERIDA POR ÓRGÃO COLEGIADO. ART. 1º, I, l, DA
LC
Nº
64/90,
COM
REDAÇÃO
DA
LC
Nº
135/2010.
CONSTITUCIONALIDADE.INELEGIBILIDADE
NÃO
CONSTITUI
PENA.[...].2. A inelegibilidade não constitui pena, mas sim requisito a ser aferido
pela Justiça Eleitoral no momento do pedido de registro de candidatura. Precedente.
Como consequência de tal premissa, não se aplicam à inelegibilidade os princípios
constitucionais atinentes à eficácia da lei penal no tempo, tampouco ocorre
antecipação da sanção de suspensão dos direitos políticos, prevista para a
condenação com trânsito em julgado pela prática de ato de improbidade
administrativa
(TSE – Agravo Regimental nº499541. Rel. Min. Aldir Guimarães. Out.2010.) [Grifo
dos autores do guia].
Outro viés doutrinário é trazido pelo Juiz Marlon Reis, um dos criadores da Lei da
Ficha Limpa, em seu livro Ficha Limpa: Lei complementar n° 135 de 4 de junho de 2010
interpretada por juristas e responsáveis pela iniciativa popular.
Para o magistrado,
“inelegibilidade é um critério jurídico-político objetivo (abstrato) previsto em lei para definir
o perfil esperado dos exercentes de mandato eletivo.” (REIS, 2010, p.31). Os adeptos dessa
tese argumentam que a inelegibilidade não pode consistir em sanção, visto que existem
inelegibilidades que não dependem de nenhuma conduta por parte do agente. Dessa forma, a
inelegibilidade é uma maneira de se proteger a coletividade contra abusos e desequilíbrios no
sistema eleitoral, de modo a garantir sua moralidade e legitimidade. Em contraponto à
corrente anterior, a defendida por Marlon Reis não vê obstáculo para a aplicação da LC 135
para fatos anteriores a sua edição. Há também acórdãos nesse sentido. Como exemplo, temse:
(...) Ao contrário do que afirmado no voto condutor, a norma ínsita na LC n
64/1990, não tem caráter de norma penal, e sim, se reveste de norma de caráter de
proteção à coletividade. Ela não retroage para punir, mas sim busca colocar ao seu
jugo os desmandos e malbaratações de bens e erário públicocometidos por
55
administradores. Não tem o caráter de apená-los por tais, já que na esfera
competente e própria é que responderão pelos mesmos; mas sim, resguardar o
interesse público de ser, novamente submetido ao comando daquele que demonstrou
anteriormente não ser a melhor indicação para o exercício do cargo(TSE – Consulta
nº 1147-09.2010.6.00.0000. Rel. Ministro Arnaldo Versiani. Out. 2010).
2.1.1 Inelegibilidade e os princípios constitucionais:
Feitas essas explanações acerca da inelegibilidade de per se, seu conceito e natureza
jurídica, tratar-se-á da inelegibilidade integrada dentro de um sistema principiológicoconstitucional, a fim de analisar a compatibilidade da LC 135 com a Constituição, isto é, sua
constitucionalidade. Como já dito na introdução deste guia, não haverá aqui um exame
exaustivo e contemplador de todas as nuances dos temas, mas um sintético olhar sobre o que é
essencial e que possa nortear os estudos.
Posto isso, parte-se para o exame da (a) irretroatividade no Direito Brasileiro. A
aplicação da lei no tempo é um dos temas mais controversos no estudo do Direito atualmente,
já que de um lado há uma ideia central de segurança jurídica que é uma das expressões
máximas do Estado de Direito e de outro, a possibilidade e necessidade de mudança (João
Batista Machado apud MENDES, 2009). Conceitua-se retroatividade como a qualidade de
certas leis que, promulgadas, exercem eficácia mesmo a respeito dos atos passados,
regulando-os e submetendo-os a seu regime (SILVA, p. 1231, 2013). Com maior rigor técnico
tem-se a conceituação de José Eduardo Cardozo, atual ministro da Justiça:
Poderíamos assim dizer que retroativa é toda norma legal que valorativamente
invade e altera o período de tempo anterior ao início da sua própria vigência, seja
por descrever na sua hipótese, isoladamente ou não, elemento fático realizado no
passado, seja por definir preceito que implique modificação jurídica da realidade
pretérita (CARDOZO, 1995, p. 276).
Ao recorrer-se ao ordenamento jurídico pátrio, encontram-se três normas de relevância
sobre irretroatividade: os incisos XL e XXXVI do artigo 5° da CR e o artigo 6° da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei 4657/42. Por didática, será tratado o
inciso XL, separadamente, e o restante reunido.
No campo do Direito Penal, a Constituição é categórica ao preceituar que a lei só
retroagirá em benefício do réu, como se lê no inciso XL do Art.5º. Frisa-se, ainda, que o
inciso se dirige única e especificamente à lei penal. Os princípios da Legalidade e da
56
Irretroatividade da lei penal são, portanto, consagrados e a retroatividade da lei benéfica é a
exceção.
Os demais dispositivos concernentes à temática da retroatividade são, in verbis:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada; Artigo 5°, XXXVI, CR/88.
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Decreto-lei 4657/42.
Ao contrário do que se possa pensar de antemão, a Constituição não é taxativa quanto
a irretroatividade da lei (Celso Ribeiro Bastos apud CARDOZO, 1995). A Magna Carta não
veda expressamente a retroatividade das leis. Impede apenas que as lei novas apliquem-se a
determinados atos passados (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada)
(CARVALHO, 2009, p.810). Nesse mesmo sentido, Cardozo:
O respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, como se
pode deduzir pelo que já disse acima, não apresenta em si mesmo uma
incompatibilidade com a retroatividade ou mesmo com a ação retroativa admitida
como princípio (1995).
Da mesma forma acontece com o artigo supracitado da Lei de Introdução ao Direito
Brasileiro, pois se exige respeito aos três “elementos-barreira” à ação da lei, mas sem taxar ou
impedir a retroação dela.
Em sentido oposto, a Professora Mariá Brochado(2012, p.166) preleciona que o
(...) princípio que rege a dimensão temporal da eficácia no Direito brasileiro é o da
irretroatividade das leis. [...] A lei só prejudicaria tais situações se retroagisse, e
retroagir significa estender a eficácia da lei nova às circunstancias jurídicas
consolidadas sob a égide de lei anterior.
Em outras palavras, o princípio da irretroatividade vale, justamente, porque se retroagisse,
atingiria os “elementos-barreira” e isso sim a Constituição veda. Portanto, mesmo a
57
Constituição não sendo explícita, o princípio da irretroatividade é que reina em nosso
ordenamento. Assim também pensa o STF, como exposto na súmula 65437.
A Carta Maior acrescenta ainda mais dificuldades ao debate do Direito Intertemporal,
haja vista que ela cita, mas não define os institutos de direito adquirido, coisa julgada e ato
jurídico perfeito. Fica a cargo do legislador infraconstitucional dar conteúdo a esses
elementos, bem como o fez na LINDB. Esse diploma legal traz em seu Art. 6° §§1° a 3° as
conceituações de ato jurídico perfeito, direitos adquiridos e coisa julgada, respectivamente.
Para os fins das ações tratadas aqui, focar-se-á na coisa julgada (§3°) e no direito adquirido
(§2°).
A dita lei coloca coisa julgada como a decisão judicial de que já não cabe mais
recurso, seja porque houve preclusão ou porque esgotaram-se as instâncias recursais, de forma
a não haver maiores discordâncias quanto a esse conceito. O questionamento que aparece no
tema da Lei da Ficha Limpa é se o aumento das hipóteses de inelegibilidade e o aumento do
tempo inelegível de um condenado altera a coisa julgada. Todos os questionamentos e
controvérsias tratados até o momento devem fazer-se presentes nos debates do julgamento.
Nos termos da LINDB, “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular,
ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo préfixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Apesar dessa
conceituação jurídico-positiva, a doutrina não se apresenta pacífica e existem inúmeras
conceituações, estrangeiras e brasileiras.
Entre os brasileiros, Pontes Miranda (In CARVALHO, 2009, p.811)versa sobre direito
adquirido, definindo-o como “o direito irradiado de fato jurídico, quando a lei não o concebeu
como atingível pela lei nova”. Já Clovis Beviláqua pensa que “os direitos adquiridos, que as
leis devem respeitar, são vantagens individuais, ainda que ligadas ao exercício de funções
públicas”.
A discussão toma outro rumo quando o italiano Gabba acrescenta que tão somente
direitos de caráter patrimonial poderiam ser entendidos como adquiridos:
37
“A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da CF, não é invocável pela entidade estatal
que a tenha editado.” Súmula 654. [Grifo dos autores do guia];
58
adquirido é todo direito que resultante de um fato capaz de produzi-lo segundo a lei
em vigor ao tempo em que este fato se verificou; embora a ocasião de fazê-lo valer
se não haja apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo direito;
direito este que, de conformidade com a lei sob a qual aquele fato foi prejudicado,
passou, imediatamente, a pertencer a patrimônio de quem o adquiriu (In
CARVALHO, 2009, p.811).
Cada corrente doutrinária apresenta argumentos favoráveis e críticas, de modo a não
haver um viés definitivo e hegemônico. Este guia não optará por uma e fica a cargo dos
delegados a busca e o aprofundamento no tema. Sugere-se o livro Da Irretroatividade da Lei,
já aqui citado, em especial seu capítulo III em que o autor arrola uma lista de doutrinadores e
seus pensamentos sobre retroatividade da lei e direito adquirido.
De forma mais pacífica, os autores diferenciam direito adquirido de expectativa de
direito, que é verificada quando há esperança de se gozar de um direito em virtude de um fato
passado ou de estado atual das coisas, embora ele ainda não tenha se constituído. Varia de
autor para autor a graduação valorativa da proteção dessa esperança. Blondeau, por exemplo,
diz que deve haver proteção da esperança, mas a ideia não deve ser levada aos extremos, de
modo que a utilidade social pode justificar a destruição de certas esperanças. Entretanto, no
ordenamento pátrio, o que se protege é o direito adquirido e não o direito em potência: não se
pode falar em direito adquirido de adquirir direito (CARVALHO, 2009, p.811). Se for
aplicado esse entendimento às ações em questão, surge o questionamento se haveria uma
expectativa legítima de um pré-candidato condenado a se candidatar nas próximas eleições até
o advento da LC 135, quando perde essa possibilidade seja por criação de novas hipóteses,
seja por extensão do prazo.
Ao analisar a relação entre elegibilidade e direito adquirido, torna-se mister
acrescentar a informação do momento em que ela se constitui. Para tanto, observa-se a
jurisprudência e percebe-se que o momento de aferição das condições de elegibilidade e sua
constituição ocorre no registro de candidatura:
Registro. Inelegibilidade. Rejeição de contas. - A jurisprudência deste Tribunal é
firme, no sentido de que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade
são aferidas no momento do pedido de registro [...](TSE – Agravo em Recurso
Especial nº 33.038. Rel. Min. Arnaldo Versiani.Nov. 2008) [Grifo dos autores do
guia].
(...) Registro de candidatura. Deputada estadual. Rejeição de contas (art. 1 o, I, g, da
LC no 64/90). Indeferimento (...) 5. As causas de inelegibilidade devem ser
verificadas no momento do requerimento do registro, conforme remansosa
jurisprudência do TSE (...)(TSE – Ação Rescisória nº 258. Rel. Min. Marcelo
Ribeiro. Nov. 2007.) [Grifo dos autores do guia].
59
Dessa forma, o direito de “se eleger”, da capacidade eleitoral passiva, só pode nascer
no momento em que se propõe formalmente o registro da candidatura. É nesse momento que a
Justiça Eleitoral avalia se o candidato porta todas as condições para a elegibilidade e, se não,
torna-o inelegível. Constituído esse direito, ele não pode ser desconstruído por fatos ocorridos
após o registro da candidatura. Assim ocorre, por exemplo, com sentenças criminais que
tiveram o acórdão publicado posteriormente ao registro da candidatura. Nesse sentido a
jurisprudência também é firme:
Agravo regimental. Recurso ordinário. Registro de candidatura. (...). Deputado
estadual. Inelegibilidade. Art. 1º, I, e, da Lei Complementar nº 64/90. Condenação
criminal. Publicação posterior ao pedido de registro. Causa superveniente que
acarreta inelegibilidade. Art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97. Não provimento. 1. A
inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei Complementar nº 64/90 com redação
conferida pela Lei Complementar nº 135/2010 somente pode incidir após a
publicação do acórdão condenatório. A existência jurídica do acórdão tem início
apenas com sua publicação, independentemente da data do julgamento e do
conhecimento das partes acerca do conteúdo da decisão colegiada (TSE PLENÁRIO - Agravo Regimental nº 68417. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. Out.
2010.). [Grifo dos autores do guia.]
O que pode ocorrer são casos de inelegibilidade superveniente nas quais as condições
que geraram-na haviam ocorrido em momento anterior ao registro. No sentido do aqui
exposto, o direito de elegibilidade só pode se “incorporar” ao indivíduo em momento
posterior ao registro da candidatura. Por conseguinte, também, só pode ser reclamado depois
disso, visto que antes se quer existia.
Outro princípio que permeia o julgamento das ADC 30 e 29 é o (b) princípio da nãoculpabilidade ou presunção de inocência, artigo 5°, LVII da CR. Tido, também, ao lado da
segurança jurídica, como um dos princípios basilares do Estado de Direito, como garantia
oponível ao Estado, a presunção de inocência força a condenação penal a estar condicionada à
atividade probatória, de forma que se inexistirem provas, não pode existir pena. A questão
nesse julgamento é a extensão da presunção de inocência ao Direito Eleitoral e, se for possível
essa extensão, qual seria sua aplicabilidade frente às hipóteses de inelegibilidade decorrentes
de sentenças penais. De certo que a presunção de inocência nasce da esfera penal, como fica
claro no inciso constitucional supramencionado (“ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”- grifo dos autores do guia) e pela origem
60
histórica do instituto adotado na Declaração de Direitos do Homem de 1789. Para alguns
autores, a extensão deste instituto para o Direito Eleitoral decorre da premissa de que
inelegibilidade é uma pena e, nesse sentido, não pode ser imputada sem o trânsito em julgado
da ação penal. Contudo, há parte da doutrina que defende que a presunção da inocência fica
restrita à esfera penal, porém enquanto não houver sentença definitiva, nenhuma consequência
jurídica pode advir do processo penal. Segundo esse entendimento, não se trata de aferir a
culpabilidade para se aplicar a pena da inelegibilidade. Trata-se de aferi-la para se aplicar a
sanção penal e, então, as repercussões da condenação. Portanto, não seria necessário
determinar a natureza jurídica da inelegibilidade.
Entretanto, pode-se concluir de forma diversa (por mais que se aceite a extensão do
princípio), quando se contrasta o princípio da presunção de inocência com o princípio da
moralidade da administração pública, no sentido de sopesar os dois princípios, coordenados
pelo princípio da razoabilidade (BARROSO, 209, p.333). Assim, como nenhum dos dois
princípios é absoluto, o caminho é adequá-los no caso em julgamento para atestar, ou não,
constitucionalidade às normas que criam hipóteses de inelegibilidade sem o trânsito em
julgado. Cabe aos delegados mais esse exercício de compreensão e raciocínio jurídico, na
tentativa de conciliar as normas relevantes.
3.
Do Processo:
a)
Ação Declaratória de Constitucionalidade
Na linha da doutrina de Kildare Gonçalves (2009) e Sylvio da Motta (2002), a Ação
Declaratória de Constitucionalidade é uma ação constitucional objetiva de controle
concentrado que tem por objetivo declarar a constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal, questionado na instância ordinária.
A Emenda Constitucional de n° 3/93 foi responsável por introduzir no Direito
Brasileiro a ADC. Essa emenda firmou a competência do STF para julgar a
constitucionalidade de leis federais, cuja decisão vincula demais órgãos do Executivo e
Judiciário. Posteriormente, em 2004, a EC-45 aumentou os entes legitimados a agir no
61
processo: igualou a ADC às Ações Diretas de Inconstitucionalidade, porém manteve o seu
objeto.
É a Lei n° 9868/99 que disciplina a ação, mais especificamente nos artigos 13 ao 21,
juntamente com o artigo 103 da Constituição. O diploma legal postula que são legitimados
para propor ADC:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
É de competência originária do STF o conhecimento e o julgamento dessa ação, posto
que tem-se controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, I, CR). Por se tratar de um
processo objetivo, inexistem, em sede de Ação Declaratória, partes, réus ou requeridos, por
mais que existam os requerentes. Nesse sentido, os processos podem ser instaurados sem
demonstração de interesses jurídicos específicos, de forma que os eventuais requerentes
atuam pelo interesse da segurança jurídica, mas não por interesses próprios (MENDES, 2012,
p.467).
A ADC deve ter por objeto lei ou ato normativo federal sobre o qual deve existir
relevante controvérsia judicial que deverá ser apontada pela petição inicial. Há de se
configurar, portanto, situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade (MENDES,
2012, p.484), que é tida sobre todas as leis. Isso pode ocorrer em caso de pronunciamentos
contraditórios da jurisdição ordinária sobre a constitucionalidade de determinada posição.
Entretanto – e isso é certo na jurisprudência do Pretório Excelso –uma controvérsia
doutrinária jamais será suficiente para a sustentação de uma ADC, por mais que a doutrina
embase as decisões judiciais (MENDES, 2012, p.485).
A petição inicial de Ação Declaratória de Constitucionalidade pode também trazer
pedido de medida cautelar, que consiste na determinação para que juízes e Tribunais
62
suspendam julgamentos que envolvam o diploma legal questionado, até que a ADC seja
julgada e decidia no STF.
Julgado o mérito da ADC, o Egrégio Tribunal deve se pronunciar pela maioria
absoluta de seus membros e a decisão prolatada é irrecorrível e goza de efeitos erga omnes. O
Tribunal, por maioria qualificada de membros, pode modular o alcance temporal da
inconstitucionalidade de forma que, a fim de garantir a segurança jurídica, restrinja os efeitos
daquela declaração, ou decida que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou
de outro momento que venha a ser fixado (Art. 27, Lei 9868/99). Entretanto, esta modulação
não ocorre em caso de decisão pela procedência da ADC quando os efeitos da
constitucionalidade do objeto serão ex tunc.
As ADC 29 e 30 (julgamento conjunto):
Primeiramente, a ADC 29. Proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS), legitimado
pelo VIII do artigo 103/CR, pede a constitucionalidade da aplicação da LC 135 de 2010 a
“atos e fatos jurídicos anteriores ao advento do referido diploma legal”, argumentando que
isso não causa qualquer prejuízo ao princípio da irretroatividade das leis e da segurança
jurídica. À folha 6, demonstra a controvérsia judicial, cumprindo o requisito formal para
admissão da Ação. Assim, expõe dois acórdãos (um de Sergipe e outro de Minas Gerais) que
decidem, de forma contrária, sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Enquanto o TRE/SE
entende que a aplicação a fatos anteriores constitui ofensa a irretroatividade da Lei, o
TRE/MG prolata que a LC 135 se aplica a condenações anteriores, sem maiores empecilhos.
Ainda nesse sentido, coloca o posicionamento do TSE na Consulta 1147-09, que se filia ao
mesmo entendimento do que o tribunal mineiro.
Mais à frente, a petição fundamenta o pedido de constitucionalidade, de modo a firmar
que inelegibilidade não constitui pena e, nesse sentido, a aplicação da LC para sentenças
anteriores a sua publicação não ofende o princípio da irretroatividade da lei penal. E que, em
caso de não aplicação, “não haveria qualquer sentido a consideração sobre a vida pregressa”,
do §9 do artigo 14/CR.
Por fim, pede a concessão de medida cautelar com eficácia erga omnes para suspensão
dos efeitos de todas as decisões judiciais que neguem aplicação da LC 135.
Na petição inicial da ADC 30, o Conselho Federal da OAB (também legitimado para
propositura, como já dito) pede pela declaração de constitucionalidade da aplicação da LC
135 em condenações proferidas antes de sua publicação e para que a lei seja aplicada já nas
63
eleições de 2010. Seguindo a preliminar formal de demonstrar a controvérsia judicial, o
proponente relata a mesma discussão entre o TRE/SE, TRE/MG e o TSE. Seguindo a mesma
linha argumentativa que da petição do PPS, a OAB mostra como que a aplicação da LC 135 a
fatos ocorridos antes de sua publicação não influi em ofensa a irretroatividade da Lei nem ao
princípio da proporcionalidade. Ademais, argumenta que, como inelegibilidade não é pena,
não se pode invocar a presunção de inocência. Prossegue no argumento de forma a abranger o
sopesamento de princípios entre a presunção de inocência, a moralidade da administração
pública e os dispositivos da LC 135/10. Diferentemente do PPS, não solicita medida cautelar.
b) Ação Direita de Inconstitucionalidade:
Ação Direta de Inconstitucionalidade é uma ação judicial objetiva de possíveis
consequências legislativas, quando o Supremo pode vir a agir como legislador negativo.
Também disciplinada pela Lei 9869/99, a ADI tem por objeto leis ou atos normativos
federais e estaduais promulgados posteriormente à Constituição, posto que a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental será responsável por declarar a não recepção do
direito pré-constitucional (MENDES, 2012, p. 126-127). São legitimados para propor Ação
de Inconstitucionalidade os mesmos entes já observados no tópico sobre a ADC.
Em especial, há o caso das confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito
nacional. Como anota Gilmar Mendes (2012, p.104),
(...) a existência de diferentes organizações destinadas à representação de
determinadas profissões ou atividades, e a não existência de disciplina legal sobre o
assunto tornam indispensável que se examine, em cada caso, a legitimação dessas
diferentes organizações.
No caso das confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional, é
necessário que se avalie o conceito de “confederações sindicais” e “entidades de classe”, o seu
âmbito nacional e sua relação de pertinência temática com o objeto da ADI.
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade são de competência do STF, quando se
alega inconstitucionalidade frente à Constituição da República, ou de competência dos
Tribunais de Justiça quando a inconstitucionalidade é frente à Constituição estadual (FILHO,
2002, p.79).
64
Assim como na ADC, as medidas cautelares têm efeito de suspender processos em
curso que apliquem a lei objeto da ADI. As decisões em sede cautelar têm eficácia erga
omnes e, via de regra, ex nunc, a não ser por determinação expressa do tribunal para dar-lhe
efeitos retroativos (artigo 11, §1°, Lei 9868/99). Posteriormente, a decisão definitiva sobre o
objeto da ADI gozará de efeitos ex tunc, ou então o Tribunal pode restringir os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade a partir do trânsito em julgado ou outro momento que seja
fixado, conforme artigo 27 da Lei 9868.
A ADI 4578:
Sobre a Lei da Ficha Limpa recai a ADI 4578, proposta pela Confederação Nacional
das Profissões Liberais (CNPL). Au debut da petição, a CNPL trata de se apresentar como
portadora de legitimidade ativa para propor a ação, demonstrando outra situação em que foi
reconhecida como tanto e demonstrando a pertinência temática entre a norma impugnada e a
sua área de representação.
Ao alegar inconstitucionalidade no alínea “m” do artigo 2° da Lei Complementar 135,
a CNPL argumenta que o transbordo de sanções de entidades de classe para o âmbito eleitoral
é dar, para estas entidades, “competência em matéria eleitoral porquanto, de suas decisões,
pode decorrer a inelegibilidade de um cidadão”. Assim, pode até se “cogitar
inconstitucionalidade formal porquanto, da ação do fiscalizador profissional, emerge uma
sanção de caráter eleitoral. Se organismos têm poderes para disciplinar o campo eleitoral, são
o Executivo, Legislativo e o Judiciário”. Prossegue no argumento dizendo que não se pode
comparar o processo judicial com o processo administrativo tendo em vista o devido processo
legal e o direito de ampla defesa. Alega, também, falta de razoabilidade entre a interdição
para o exercício profissional e a inelegibilidade para cargos de representação pública. Ao final
da petição, pede por deferimento de medida cautelar que suspenda a eficácia de norma até o
final do julgamento.
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