clínica de espécies pecuárias
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CLÍNICA DE ESPÉCIES PECUÁRIAS Relatório Final de Estágio Licenciatura em Medicina Veterinária RUI FILIPE MARTINS SOUSA UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO VILA REAL, 2007 Júri de Apreciação Presidente: 1º Vogal: 2º Vogal: Classificação: Data: / / ii “As doutrinas apresentadas no presente trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor.” iii O Aluno, __________________________________ (Rui Sousa) O Orientador, __________________________________ (Dr. João Vidal) O Coordenador, __________________________________ (Prof. Dr. João Simões) iv Ao meu pai v AGRADECIMENTOS Ao Dr. João Vidal, por todos os ensinamentos transmitidos, pela sua atitude e postura na vida sempre correctas, que se tornaram num exemplo para mim. Ao Prof. Dr. João Simões, por ter aceitado coordenar este estágio, pela sua disponibilidade, ajuda e liberdade que proporcionou no desenvolvimento deste relatório. Ao Dr. José Henriques, pela sua boa disposição e simpatia. Ao Darcy, pelo companheirismo. Ao André, Cuni, Requicha, e Sara pela grande amizade e pelos bons momentos que passamos juntos. Ao Maritos, pela pessoa que é e por tudo aquilo que me ensinou. Será sempre uma referência na minha vida. À Nala, por estar sempre presente e por todo o apoio que me deu. Nunca te esquecerei. À minha família, porque são as pessoas que mais adoro. Ao meu Pai, que está sempre comigo. E por fim… a todos os que de alguma forma me ajudaram ao longo do meu percurso pessoal e profissional. A todos o meu Muito Obrigado vi Lista de siglas e abreviaturas % – Percentagem UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro AASM – Associação Agrícola de São Miguel Km – Quilómetro Km2 – Quilómetro quadrado m - Metro mm – Milímetro kg - Quilograma g – Grama DAE – Deslocamento do abomaso à esquerda DAD – Deslocamento do abomaso à direita ºC – Graus centígrados IBR – Rinotraqueite Infecciosa Bovina BVD – Diarreia Vírica Bovina LBE – Leucose Bovina Enzoótica BSE – Encefalopatia Espongiforme Bovina PIs – Permanentemente Infectados TGI – Tracto Gastrointestinal HEB – Hematúria Enzoótica Bovina FSH – Hormona Folículo-Estimulante mg – Miligrama TCM – Teste Californiano de Mamites BVP – Papiloma Vírus Bovino QIB – Queratoconjuntivite Infecciosa Bovina S.D.A.S.M. – Serviços de Desenvolvimento Agrário de São Miguel GnRH – Hormona libertadora de Gonadotropina hCG – Gonadotropina Coriónica Humana LH – Hormona Luteinizante AGV – Ácidos Gordos Voláteis vii ÍNDICE 1- INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1 2- A ILHA DE SÃO MIGUEL: A BOVINICULTURA LEITEIRA ............................... 2 2.1- Caracterização da ilha ........................................................................................... 2 2.1.1- Caracterização geográfica .............................................................................. 2 2.1.2- Caracterização do solo, pastagens e emparcelamento .................................... 3 2.1.3- Caracterização do clima ................................................................................. 5 2.1.4 – Caracterização sócio – económica ................................................................ 6 2.2 – O efectivo pecuário .............................................................................................. 7 2.2.1 – Caracterização das explorações pecuárias .................................................... 7 2.2.2 - Maneio ........................................................................................................... 8 2.2.2.1 – Maneio do parto e dos recém – nascidos ............................................... 8 2.2.2.2 – Maneio das novilhas .............................................................................. 9 2.2.2.3 – Maneio reprodutivo ............................................................................. 10 2.2.2.4 – Maneio das vacas secas ....................................................................... 11 2.2.2.5 – Maneio das vacas em lactação ............................................................. 12 2.2.2.6 – Ordenha ............................................................................................... 12 2.2.3 – Estado sanitário do efectivo ........................................................................ 13 a) Brucelose .................................................................................................... 14 b) Leucose Bovina Enzoótica (LBE) .............................................................. 15 c) Tuberculose ................................................................................................ 16 d) Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) ............................................... 17 e) Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (IBR) ...................................................... 17 f) Diarreia Vírica Bovina (BVD) .................................................................... 18 g) Eczema Facial (Fotossensibilidade) ........................................................... 18 h) Hematúria Enzoótica Bovina (HEB) .......................................................... 19 i) Paratuberculose ........................................................................................... 19 j) Fasciolose .................................................................................................... 20 Breve comentário ao Plano Global de Sanidade ............................................ 21 Leptospirose ................................................................................................... 22 2.3 – Associação Agrícola de São Miguel .................................................................. 23 2.3.1 – Serviços médico veterinários ...................................................................... 23 2.3.2 – Serviço de inseminação e transferência de embriões ................................. 24 2.3.3 – Outros serviços e produtos ......................................................................... 25 2.4 – Futuro da lavoura nos Açores ............................................................................ 26 3- CASUÍSTICA: DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO ......................................................... 28 3.1- Introdução ........................................................................................................... 28 3.2.1 - PELE, CASCOS E GLOBO OCULAR ...................................................... 30 3.2.1.1 - Papilomatose ........................................................................................ 30 3.2.1.4 – Queratoconjuntivite infecciosa bovina (QIB) ..................................... 34 3.2.2 - SISTEMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO ................................................... 36 3.2.2.1 - Parésia pós-parto por compressão dos nervos periféricos .................... 36 3.2.3 - APARELHO DIGESTIVO ......................................................................... 38 3.2.3.1 - Diarreias em jovens .............................................................................. 38 3.2.3.2 - Deslocamento de abomaso ................................................................... 41 3.2.4 - APARELHO RESPIRATÓRIO .................................................................. 42 3.2.4.1 - Pneumonia em vitelos .......................................................................... 42 3.2.5 – APARELHO CARDIOVASCULAR ......................................................... 44 3.2.5.1 – Flebite .................................................................................................. 44 viii 3.2.6 –GLÂNDULA MAMÁRIA .......................................................................... 45 3.2.6.1 – Mamites ............................................................................................... 45 3.2.6.2 – Obstrução/hiperqueratose do canal do teto .......................................... 47 3.2.7 – APARELHO UROGENITAL .................................................................... 48 3.2.7.2 – Hematúria Enzoótica Bovina (HEB) ................................................... 50 3.2.7.3 – Inactividade ovárica/Quistos ováricos ................................................. 51 3.2.8 – DESIQUILÍBRIOS METABÓLICOS ....................................................... 52 3.2.8.1 – Hipocalcemia ....................................................................................... 52 3.2.8.2 - Acetonémia........................................................................................... 54 3.2.9 – OUTROS .................................................................................................... 56 3.2.9.1 – Fotossensibilidade ............................................................................... 56 3.2.9.1.1 – Phitomicotoxicose (Eczema facial) .............................................. 57 3.2.9.1.2 – Intoxicação por Lantana camara ................................................... 58 3.2.9.1.3 – Intoxicação crónica por nitratos ................................................... 58 3.2.9.2 - Ataque por cães .................................................................................... 60 ix ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Localização do arquipélago dos Açores. ......................................................... 2 Figura 2 – Mapa da ilha de São Miguel............................................................................ 3 Figura 3 – Vista geral sobre as pastagens. ........................................................................ 4 Figura 4 – Novilhas criadas em regime de pastoreio exclusivo. ...................................... 9 Figura 5 – Sistema móvel de ordenha mecânica. ........................................................... 13 Figura 6 – Papiloma cutâneo. ......................................................................................... 31 Figura 7 – Artrite séptica distal. ..................................................................................... 33 Figura 8 – Carcinoma da 3ª pálpebra.............................................................................. 33 Figura 9 – Queratoconjuntivite infecciosa bovina. ......................................................... 35 Figura 10 – Aspecto da diarreia provocada por E.coli. .................................................. 39 Figura 11 – Vitelo com diarreia. ..................................................................................... 40 Figura 12 – Morte de um vitelo após pneumonia. .......................................................... 43 Figura 13 – Vaca com retenção placentária.................................................................... 50 Figura 14 – Fluidoterapia a um animal com hipocalcemia. ........................................... 54 Figura 15 – Fotossensibilização. .................................................................................... 56 Figura 16 – Lantana camara. ......................................................................................... 58 Figura 17 – Teste difenilamina positivo. ........................................................................ 59 INDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Percentagem de casos por Aparelho/Sistema. ............................................. 28 Gráfico 2 – Números de casos por Aparelho/Sistema. ................................................... 29 Gráfico 3 – Afecções observadas na pele, cascos e globo ocular................................... 30 Gráfico 4 – Afecções observadas no Sistema Músculo-esquelético. ............................. 36 Gráfico 5 – Afecções observadas no Sistema Digestivo. ............................................... 38 Gráfico 6 – Afecções observadas no Aparelho Respiratório. ......................................... 42 Gráfico 7 – Afecções observadas no Aparelho Cardiovascular. .................................... 44 Gráfico 8 – Afecções observadas no Aparelho Mamário. .............................................. 45 Gráfico 9 – Afecções observadas no Aparelho Urogenital. ........................................... 48 Gráfico 10 – Afecções observadas com origem em desequilíbrios metabólicos. .......... 52 Gráfico 11 – Afecções de várias origens. ....................................................................... 56 x 1- INTRODUÇÃO O presente relatório refere-se ao estágio curricular da licenciatura em Medicina Veterinária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), cuja parte prática foi realizada em São Miguel (Açores) no período compreendido entre 2 de Outubro de 2006 e 2 de Fevereiro de 2007. O orientador de estágio foi o Dr. João Vidal, médico veterinário responsável pelos serviços veterinários da Associação Agrícola de São Miguel (AASM), cuja área de trabalho abarca toda a bacia leiteira de Ponta Delgada, sendo o serviço feito em regime ambulatório. A escolha do estágio na área clínica dos bovinos leiteiros, em São Miguel, deveuse ao facto de eu ser natural da ilha, convivendo desde cedo com a produção agropecuária e, também, pelo facto da bovinicultura desempenhar (ainda) um papel económico e social importante na região. Os principais objectivos deste estágio foram a sedimentação dos conhecimentos teórico-práticos adquiridos ao longo do curso e uma melhor integração na actividade profissional através do contacto com a realidade do trabalho, permitindo assim novas perspectivas sobre a abordagem clínica dos efectivos bovinos leiteiros e uma melhor preparação para o futuro. Tentámos expressar ao longo do texto, para além da vertente técnico-científica, a realidade vivida e sentida pelos produtores, associações, veterinários e outros interlocutores da fileira produtiva de leite. Pelos motivos acima referidos, optámos durante a descrição da casuística proceder à discussão das patologias mais representativas ou daquelas que pelas suas particularidades nos mereceram destaque. 1 2- A ILHA DE SÃO MIGUEL: A BOVINICULTURA LEITEIRA 2.1- Caracterização da ilha 2.1.1- Caracterização geográfica Os Açores são uma região ultraperiférica portuguesa, situada no Oceano Atlântico (Hemisfério Norte), distando cerca de 1500 quilómetros (km) do continente Europeu e aproximadamente 3900 km do continente Norte-americano (Figura 1). Figura 1 – Localização do arquipélago dos Açores. A ilha de São Miguel é a maior das nove ilhas do arquipélago, apresentando uma superfície de 746,82 km² (Figura 2), com 90 km de comprimento, 15 km de largura máxima e 8 km de largura mínima. 37 2 Figura 2 – Mapa da ilha de São Miguel. Tal como as restantes ilhas do grupo Oriental e Central, São Miguel encontra-se sobre a intersecção da falha Açores – Gibraltar com o rifte médio do Atlântico, sendo uma ilha de origem vulcânica resultante da acumulação de materiais de erupções ocasionadas pelo movimento das placas continentais Africana, Americana e EuroAsiática ocorridas ao longo dos tempos. 5 A ilha é composta por dois maciços vulcânicos separados por uma cordilheira central de baixa altitude, resultando assim uma paisagem com declives acentuados, o que por vezes dificulta o acesso às explorações e o trabalho agrícola. 2.1.2- Caracterização do solo, pastagens e emparcelamento O facto de São Miguel ser uma ilha de origem vulcânica recente, leva a que os solos sejam constituídos por camadas de rocha consolidada (os tipos de rocha predominantes são os basaltos alcalinos e oceânicos resultantes da solidificação das lavas, intercaladas entre formações piroclásticas) e sejam inclinados, o que origina o aparecimento de uma elevada proporção de solos não aráveis. São solos ricos em húmus de pouca profundidade e de espessura variável. O pH é geralmente baixo, com um valor médio de 6, acentuando-se a acidez nas zonas de maior altitude. Em geral, os terrenos agrícolas de São Miguel são classificados como ligeiros, com uma textura franco – arenosa a franco – argilosa e capacidade de campo média. 3 Como noutras regiões vulcânicas, os solos são muito ricos em potássio (embora boa parte esteja numa forma não utilizável pelas plantas) e muito deficitários em fósforo, cálcio e, em menor escala, em magnésio. Em termos de microelementos, estudos indicam falhas em selénio (das mais problemáticas), zinco, cobre, cobalto e iodo. O excesso de ferro que existe pode interferir na absorção de cobre e zinco.5 Paisagisticamente pode-se dividir a ilha em três zonas. A zona costeira é o estrato mais quente, apresenta baixa altitude e é ocupada essencialmente pelo Homem. A zona intermédia é onde é praticada a maior parte da agricultura, marcada pela pastagem e muita humanização (caminhos agrícolas, abastecimento de água e electricidade, …). A zona central é onde a acção do Homem é menos marcada e a bovinicultura é mais extensiva. Cerca de 90 % da superfície agrícola útil de São Miguel é ocupada por pastagens e devido às características climáticas da região (Figura 3), o crescimento da erva é contínuo ao longo do ano, havendo geralmente períodos de carência nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro nas zonas altas e nos meses de Julho e Agosto nas zonas baixas. Figura 3 – Vista geral sobre as pastagens. Cerca de 90 % dos pastos são compostos por azevém regional (especialmente resistente às puccinias – fungo vermelho que destrói as folhas), havendo também trevo branco de variedade australiana (Trofolium repens), havendo pouca quantidade de poa. 8 As pastagens são suplementadas com adubos compostos uma vez por ano na altura da 4 sementeira (na Primavera em pastagens de altitude e no Outono nas pastagens de baixa altitude), seguidas de adubações com azoto (azoto nítrico) após cada corte de erva. Apesar de haver um grande número de pastagens destinadas à pecuária, tem-se verificado um acréscimo da área destinada à cultura de milho forrageiro para a produção de silagem que vai servir de complemento alimentar do gado bovino. A superfície média ocupada por exploração é de 8 hectares, divididos em média por 4 blocos. (Dados dos Serviços de Desenvolvimento Agrário de São Miguel SDASM). Apesar de estes valores médios serem muito generalistas, pode-se através deles verificar-se uma importante característica da pecuária micaelense, que é o da divisão da exploração por vários blocos, chegando alguns a encontrar-se em partes distintas da ilha. Assim, pastagens de pequena dimensão e a dispersão das propriedades são características estruturais que pesam negativamente no desenvolvimento tanto da pecuária como das culturas agrícolas, já que dificulta a mecanização e o transporte, aumentando os custos de produção. Porém, a tendência dos últimos anos é para um emparcelamento progressivo, apesar de lento. 2.1.3- Caracterização do clima O arquipélago dos Açores é caracterizado por um clima temperado húmido. Isto acontece devido ao anticiclone subtropical do Atlântico Norte (com a sua movimentação constante), à influência variável das massas de ar tropical marítimo e polar, à passagem da corrente marítima quente do golfo do México e a relevo muito forte das ilhas. 38 Assim, o clima açoriano é caracterizado por temperaturas amenas, elevada humidade relativa do ar, céu geralmente encoberto mas com fraca nebulosidade e uma pluviosidade regularmente distribuída ao longo do ano, embora o período entre Setembro e Março seja um período predominantemente chuvoso. Isto acontece porque durante estes meses, o anticiclone dos Açores encontra-se mais a Sul e com menor intensidade, havendo uma passagem frequente de perturbações depressionárias associadas á frente polar. Nos restantes meses, a influência do anticiclone é maior e há menos períodos de chuva. 38 A precipitação anual é superior a 3000 milímetros (mm) nas zonas altas e menor que 1000 mm no litoral. E como a precipitação é relativamente constante ao longo do 5 ano e devido à elevada humidade do ar, não é necessário o uso de sistemas de rega nos terrenos. Em São Miguel, a temperatura média anual (1961-1990) variou entre 9 graus centígrados (ºC) no Pico da Vara (o ponto mais alto da ilha com 1105metros (m)) e 17 ºC junto á orla costeira. No Inverno e nos mesmos pontos (Pico da Vara e orla costeira), a média da temperatura mínima foi de 4 ºC e 11 ºC respectivamente, enquanto que no Verão a média das temperaturas máximas foi de13 ºC e 23 ºC. 38 São portanto temperaturas moderadas, não havendo uma grande amplitude térmica ao longo do ano. A variação da humidade relativa é quase directamente proporcional á variação da temperatura d ar e ronda em média os 75 %, oscilando normalmente entre os 65 % e os 90 %. 38 Com o aumento da altitude, há uma diminuição dos valores de temperatura e um aumento da humidade relativa, dando origem á formação quase permanente de nuvens a partir dos 900 m de altitude. Assim, e principalmente devido à altitude, é curioso verificar que pode estar a chover num ponto da ilha e estar céu limpo noutro. 2.1.4 – Caracterização sócio – económica A ilha de São Miguel está administrativamente dividida nos concelhos de Ponta Delgada, Lagoa, Vila Franca do Campo, Povoação, Nordeste e Ribeira Grande, que compreendem 128 freguesias onde habitam num total de 131 609 pessoas. A taxa de analfabetismo em 2001 era de 9,4 %. 39 Uma das principais actividades económicas da ilha é a pecuária (e maioritariamente a produção leiteira), mas nos últimos anos a economia regional tem crescido sobretudo devido ao sector terciário – 73 %. A contribuição do sector secundário é de 17 % e a do sector primário fica-se pelos 10 %. 39 Assim, o turismo continua em franca ascensão e tem sido uma actividade na qual o governo regional tem apostado para o desenvolvimento da região, nomeadamente com incentivos ao turismo de habitação, ao agro-turismo e ao turismo rural. Em 2004, da totalidade da população activa na região, cerca de 12,1 % estava empregada no sector primário 39 mas este número parece no entanto estar a descer progressivamente, porque as dificuldades sentidas no sector tem vindo a aumentar visivelmente todos os anos, nomeadamente com o aumento dos custos de produção e 6 como o preço do leite não acompanha esta subida, os rendimentos obtidos são cada vez menores. A agricultura ocupa 81 % do sector primário, 84 % da qual corresponde á pecuária, com a maioria desta dedicada á bovinicultura. A idade média do agricultor açoriano é de 55anos, sendo o nível de alfabetização baixo (em média a 4ª classe) (dados dos SDASM). Os Açores possuem 102 000 vacas leiteiras, correspondendo a 31,5 % do total do país, e destas, 58 % encontram-se em São Miguel. Assim, a Região é ainda responsável por 25 % da produção leiteira nacional, sendo a quota leiteira atribuída aos produtores de leite açorianos durante a campanha dos anos de 2005/2006 de 507 000 000 quilos (kg), acrescida de 23 000 000 kg correspondente ao auto consumo, perfazendo um total de 530 000 000 kg. Até Novembro de 2006, já tinha sido entregues nas fábricas de lacticínios 469 995 900 kg de leite. 40 A carne de bovino é também a mais abatida dos Açores, com um registo de 7504 toneladas até Novembro de 2006 40 (cerca de 8 % do total nacional). 2.2 – O efectivo pecuário 2.2.1 – Caracterização das explorações pecuárias O número de animais existentes numa exploração é variado. Num total de 1711 produtores inscritos no POSEIMA (programa de acções especificas para fazer face à insularidade das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira), o número de vacas inscritos por produtor varia entre 1 e 350 animais, sendo a média de vacas leiteiras por exploração de 24 animais. O tipo de exploração pode ser geralmente considerado de semi – extensivo. A raça Frísia é a predominante, havendo actualmente um pequeno nicho de produtores a apostar, em pequena escala, na incorporação da raça Jersey nas suas manadas porque são animais que se adaptam melhor a pastagens altas e inclinadas devido ao seu baixo peso e estatura, necessitando por isso de uma menor quantidade de alimentos. Por vezes é usado para cruzar com vacas com bacias muito estreitas, já que as crias são pequenas. 7 Relativamente às dimensões das explorações, estas são maioritariamente pequenas, fragmentadas e dispersas, sendo a superfície agrícola, utilizada por exploração, de 8 hectares em média. (dados dos SDASM). Os diferentes blocos podem ser utilizados para a produção de erva/milho e posterior silagem, ou então para pastoreio dos animais, geralmente do tipo rotacional em faixas, utilizando-se fio eléctrico para a delimitação das mesmas. Assim, e com excepção das maiores, cada exploração possui diversas parcelas, e essa falta de emparcelamento, além de ser um grande entrave a uma eficiente mecanização e modernização (por exemplo, na construção de salas de ordenha fixas), é também um factor que contribui para aumentar os custos de produção (principalmente com despesas de transporte). Além disso, é um factor negativo para o bem-estar animal, se tivermos em consideração que, periodicamente, os animais são mudados de pastagem, podendo originar, entre outros, problemas podais. Actualmente, observa-se uma tendência crescente para o emparcelamento, através da aquisição de terrenos adjacentes, incentivada por subsídios do governo específicos para o efeito. 2.2.2 - Maneio 2.2.2.1 – Maneio do parto e dos recém – nascidos Os produtores estão geralmente atentos à aproximação do parto das suas vacas, tentando estar presentes na altura do mesmo. Estas parem no pasto, junto com as vacas em lactação. No entanto, acontece ainda com alguma frequência que o vitelo seja puxado com alguma violência, não dando o devido tempo ao animal para fazer a dilatação uterina adequada e com consequências nefastas não só para a vaca mas também para o recém – nascido (lacerações uterinas, fracturas dos metacarpos, …). Embora algumas explorações não estejam indemnes de brucelose, os trabalhadores raramente tomam os cuidados necessários para se protegerem contra uma eventual infecção. Os vitelos são separados da mãe á nascença ou ao segundo dia, para que mamem o colostro directamente, mas existem alguns casos em que este não é fornecido aos vitelos. Por esta razão, os viteleiros que compram os jovens machos aos produtores para 8 recria de engorda, apenas aceitam vitelos com um mínimo de 6dias de idade e sem nenhuma patologia aparente. As vitelas recém – nascidas ficam normalmente na exploração para futura substituição das vacas velhas e são criadas até ao desmame (que ocorre por volta dos 2 meses) em grupo no estábulo ou em pastagens, onde ficam presos por correntes. A sua alimentação consiste principalmente em leite rejeitado da ordenha, leite em pó, pastoreio directo, acesso a erva de rolo (silagem ou fenossilagem) e por vezes concentrado. Infelizmente são raros os produtores que optam pela vacinação dos seus animais, principalmente contra Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (IBR) e Diarreia Viral Bovina (BVD) e um dos erros mais comuns nas explorações é a não separação dos vitelos doentes dos saudáveis, fazendo assim com que as infecções se espalhem rapidamente. Também é frequente, principalmente em vitelos com diarreia, não haver água suficiente à disposição. 2.2.2.2 – Maneio das novilhas A criação de novilhas após o desmame é geralmente feita em regime extensivo (Figura 4). Os pastos reservados às novilhas são normalmente os de maior altitude, maior inclinação e mais expostos a condições climáticas adversas, onde não é prático manter as vacas em produção. Este sistema de pastagem pode seguir o método de “estaca” (onde os animais são presos por correntes) ou então as novilhas são deixadas em liberdade numa faixa de erva delimitada por uma cerca eléctrica, que vai avançando à medida que o pasto vai escasseando. Figura 4 – Novilhas criadas em regime de pastoreio exclusivo. 9 A alimentação consiste apenas na erva da pastagem, não havendo normalmente qualquer outro suplemento alimentar (forragens ou alimentos compostos). As novilhas ficam nestas pastagens até ao período peri – parto, altura que vão para o grupo das vacas em produção para se habituarem à máquina/sala de ordenha. 2.2.2.3 – Maneio reprodutivo São poucos os produtores que inseminam as suas novilhas, sendo estas normalmente cobertas por um touro enquanto estão no pasto. Isto acontece porque as novilhas estão em grupo, em pastagens diferentes do das vacas em produção, não sendo devidamente acompanhadas para a detecção dos cios. Desta forma é usado o touro de exploração. No entanto, é comum as novilhas serem cobertas pelo touro numa altura em que estas não apresentam as condições corporais adequadas, originando muitas vezes distócias por desproporções materno-fetais, com problemas na fertilidade futura do animal. Nas novilhas em que se procede à inseminação, esta ocorre entre os 15 e os 24 meses de idade. Nas vacas em lactação, há um número cada vez maior de produtores a apostar na inseminação artificial, representando a AASM um papel importante nesta área. O período entre o parto e a primeira inseminação é de cerca de 60 dias mas para as vacas altas produtoras, aconselha-se a sua inseminação 75 dias após o parto, porque nestes animais, os níveis de prolactina circulantes são maiores, havendo consequentemente uma menor quantidade de estrogéneos e, portanto, a fertilidade é menor. Assim, devido ao potencial produtivo dos animais, o intervalo entre partos é actualmente superior a um ano. Quando os animais apresentam dificuldades em ficar gestantes, os produtores recorrem à cobrição natural. Em alguns casos, já se procede à transferência de embriões, serviço também disponível na AASM. No entanto, uma das grandes falhas do maneio reprodutivo é a ausência de registos. Assim, o médico veterinário é muitas vezes chamado para fazer diagnósticos de gestação e estimar a sua duração para o proprietário saber quando proceder à secagem do animal. Por vezes, também é necessário determinar a idade fetal aproximada quando os animais estão doentes, com o objectivo de escolher a terapeutica 10 adequada ao seu tratamento de forma a não prejudicar o desenvolvimento do feto. A falta de registos leva também a dificuldades na detenção de problemas de fertilidade e a gastos supérfluos em inseminação. 2.2.2.4 – Maneio das vacas secas As vacas secas são separadas das vacas em lactação e confinadas a uma menor área de pasto. A sua alimentação deve ser pobre em energia durante os 2/3 do período seco evitando-se por isso o fornecimento de silagem e farinha de milho, polpa de beterraba e outros alimentos muito energéticos, porque pode ocasionar uma condição corporal excessiva que leva à mobilização dos ácidos gordos livres originando o complexo cetose-lipidose hepática. Então é fornecido essencialmente erva do pasto, silagem de erva e por vezes algum concentrado. O período de secagem varia entre os 45 a 60 dias, mas a ausência de registos faz com que a determinação deste período não seja muito rigorosa. Uma vaca com mais de quatro lactações, com condição corporal excessiva ou com história de hipocalcemia, deve ter um período de secagem que varia entre os 40 a 45 dias enquanto que uma novilha da 1ª lactação ou uma vaca adulta com baixa condição corporal deve ter um período seco alongado. Cerca de 10 dias antes do parto, os animais começam a ser levados à máquina de ordenha, pelo menos uma vez por dia, para assim se habituarem á máquina e à nova dieta. A condição corporal nem sempre é determinada, bem como os devidos ajustes na dieta do animal, fazendo com que alguns cheguem à altura do parto demasiado gordos ou magros. De referir, ainda, que muitos tratadores deixam de ordenhar após a aplicação de uma bisnaga de secagem contendo antibiótico, mas outros passam a tirar o leite de dois em dois dias, o que é mais prejudicial porque permite o desenvolvimento de agentes bacterianos patogénicos e originando mamite. Nenhuma ordenha deve ser realizada após a aplicação destas bisnagas de forma a promover uma boa distribuição e absorção do antibiótico na glândula mamária. 11 2.2.2.5 – Maneio das vacas em lactação A generalidade das explorações mantém as vacas em lactação nas suas melhores pastagens (mais planas e de baixa ou média altitude), em pastoreio directo e delimitadas em faixas por fios eléctricos. Nas explorações em que os animais estão sempre no pasto e aí são ordenhados, a alimentação consiste em erva verde suplementada com concentrado no momento da ordenha. Em alturas de escassez de erva no pasto, os animais alimentam-se predominantemente de feno ou silagem de erva e/ou milho. Nas explorações com sala de ordenha (mais intensivas), apesar dos animais estarem no pasto quase todo o dia, a alimentação é geralmente composta por uma mistura de selagem de milho e de erva, entre outros, fornecidos em comedouros, complementados com concentrado na altura da ordenha. O abastecimento de água é feito através de autotanques colocados na pastagem. A suplementação mineral e vitamínica não são prática corrente, embora exista em alguns casos. O selénio e vitamina E têm sido aplicados sistematicamente em algumas explorações na altura da secagem, para a prevenção de problemas reprodutivos, visto que os solos açorianos, têm, entre outras, carências em selénio. 2.2.2.6 – Ordenha A ordenha é realizada duas vezes por dia. Existem algumas dezenas de explorações que possuem salas de ordenha fixas, com sistemas de tanque de refrigeração do leite, mas, na maioria das explorações, os animais são ordenhados no meio do campo, com recurso a sistemas móveis (Figura 5). Nestes casos, as máquinas de ordenha não são mudadas de sítio com frequência, o que faz com que se acumule grande quantidade de lama junto das mesmas, prejudicando a limpeza dos úberes, aumentando o número de casos de mamite e prejudicando a higiene da ordenha. Para evitar isso, algumas explorações têm a máquina de ordenha fixa num piso de cimento, facilitando a limpeza da área. Relativamente aos hábitos de higiene na ordenha, as pessoas estão conscientes da necessidade de verificar a existência de mamite e de limpar os tetos, embora muitas vezes de forma incorrecta. Assim, apesar de a maioria dos produtores mergulharem os tetos numa solução desinfectante após a ordenha, os tetos são, não raro, lavados com a 12 mesma esponja para todas as vacas, o úbere e tetos não são secos e os primeiros jactos para a avaliação usual do leite são feitos para dentro da mão, que é passada directamente de teto para teto. Figura 5 – Sistema móvel de ordenha mecânica. Muitos problemas de higiene na ordenha decorrem do facto de esta ser feita no pasto (não raro, sem água corrente), mas outras advêm da falta de informação ou da vontade de alterar velhos hábitos, tornando a rentabilidade do produtor menor. 2.2.3 – Estado sanitário do efectivo A sanidade animal na Região é da responsabilidade dos Serviços de Sanidade Animal e Higiene Pública Veterinária, tutelados pela Direcção Regional de Desenvolvimento Agrário. Os únicos programas de controlo e erradicação implementados oficialmente são o Plano de Erradicação da Brucelose e o Plano de Erradicação da Leucose Bovina, levados a cabo pelos Serviços de Desenvolvimento Agrário, havendo também um Programa de Vigilância da Encefalopatia Espongiforme Bovina e um Programa de Vigilância e Controlo das Tuberculose. Mas em meados do 2º trimestre de 2006, foi apresentado pela Secretaria Regional da Agricultura a proposta de um Plano Global de Sanidade Animal porque ao longo dos últimos anos foram identificados nos Açores diversos problemas sanitários que condicionam não só a rentabilidade das explorações como a qualidade dos produtos de origem animal produzidos. Assim tem-se vindo a 13 efectuar um grande esforço para combater e eliminar determinadas doenças nos bovinos, com a finalidade que os Açores sejam considerados uma Região de excelente estatuto sanitário. Este plano engloba não só os Planos de Erradicação, Vigilância e Controlo já a decorrer, mas também pretende combater outras doenças da produção. O principal objectivo é a promoção e a melhoria da Saúde Publica e a rentabilidade das explorações. Este plano é extensível a todas as ilhas, sendo desenvolvido de acordo com as especificidades das doenças e problemas consistentes de cada ilha. a) Brucelose O Plano de erradicação da Brucelose para os Açores no ano 2007 é o que consta do plano já em vigor. Actualmente, na Região, as ilhas oficialmente indemnes de brucelose são a Graciosa, Pico, Flores e Corvo. As ilhas praticamente sem brucelose são as de Santa Maria e Faial (99,8% das explorações oficialmente indemnes), sendo as Ilhas de São Miguel, Terceira e São Jorge as ilhas onde se aplica a vacina RB51 (específica no combate à brucelose). O programa de combate à brucelose iniciou-se há mais de duas décadas, com a utilização da vacina B19, utilizando-se posteriormente a M45/20 e a partir de 2003 a vacinação passou a ser efectuada com uma estirpe viva atenuada, a RB51, que confere uma maior protecção que as vacinas anteriores e permite a diferenciação entre animais vacinados e não vacinados (os anticorpos induzidos pela vacina não são reactivos nos testes serológicos). Em São Miguel, o número de manadas em sequestro, em Maio de 2006, era de 126 num universo de 2154. (Dados dos Serviços de Desenvolvimento Agrário de São Miguel - SDASM) A brucelose é a principal causa de aborto em bovinos nos países que não possuem um programa de controlo 15 sendo principalmente causada pela Brucella abortus, que é uma bactéria intracelular facultativa que habita sobretudo os nódulos linfáticos, a glândula mamária, as membranas fetais e o feto. Devido à localização intracelular da bactéria, não existe tratamento. 15,25 A via de infecção é geralmente a oral, mas existe também a via cutânea, a conjuntiva e a contaminação do úbere durante a ordenha. Um dos principais sintomas é 14 o aborto no último terço da gestação que ocorre devido a uma necrose da placenta e a endotoxémia. Vacas idosas podem infectar-se mas não abortam. 25 Retenção placentária e metrites são sequelas frequentes do aborto. As vacas infectadas são a fonte da maioria das infecções através das descargas uterinas, da placenta e do feto abortado. A B. abortus pode permanecer no ambiente durante 100 dias no Inverno e 30 dias no Verão, 15 mas devido à elevada humidade que se verifica nos Açores, a bactéria fica por muito mais tempo no ambiente. Assim, a existência de pastagens com declives acentuados e o movimento dos animais de uma pastagem infectada para outra não infectada e por vezes com o cruzamento e contacto com animais de outras explorações torna fácil a disseminação da doença. A existência de falsos positivos e falsos negativos (principalmente estes) também constituem um obstáculo ao programa de erradicação da brucelose. Assim, o programa adopta determinadas medidas como o controlo serológico (teste Rosa Bengala e Fixação do Complemento) e o teste do “Milk Ring” para a identificação dos animais positivos e consequente abate. A exigência do programa levou a que se tenha optado pela vacinação de todo o efectivo, quando a vacina só deveria ser aplicada a animais não gestantes, ocorrendo inúmeros abortos que não foram contemplados nas indemnizações concebidas pelo Estado, o que acarretou graves prejuízos para os produtores. A razão pela qual os abortos ocorrem nunca foi consensual e o facto deles ocorreram não significa que tenham sido provocados directamente pela vacinação, mas podem ter sido despontados por ela. A importância da erradicação da brucelose prende-se também pelo facto de esta ser uma zoonose (através do consumo de leite não pasteurizado e manuseamento do feto abortado que provoca recaídas frequentes mesmo após o tratamento. b) Leucose Bovina Enzoótica (LBE) A Região apresenta ao nível desta doença o melhor estatuto sanitário nacional, verificando-se casos positivos apenas na ilha de São Miguel, mas com a percentagem a diminuir nos últimos anos, de 0,33 % em 2002 para os 0,01 % em 2006, encontrando-se neste momento 4 manadas em sequestro. O Plano de Erradicação da Leucose proposto é igual ao que se encontra já em vigor. 15 A LBE é uma doença causada por um vírus da família Retroviridae, não sendo no entanto uma zoonose. A susceptibilidade à infecção está associada à predisposição genética do animal, sendo uma infecção persistente na maioria dos casos, ocorrendo linfocitólise em 30 % (proliferação crónica dos linfócitos B) e menos de 5 % dos animais desenvolvem linfossarcoma. 17 A transmissão ocorre através de sangue contaminado e o animal apresenta hiperplasia dos nódulos linfáticos, inapetência, perda de peso entre outros. Não existe tratamento e o diagnóstico é feito através de testes serológicos ou histopatologia. 3,17 A pesquisa serológica com abate dos animais positivos é uma das principais medidas que o programa tem. c) Tuberculose Na Região nunca foi diagnosticado nenhum caso de tuberculose. Em 2004 iniciouse um Plano de Vigilância e Controlo da Tuberculose, com a duração de 4 anos e com a realização de 25 % das tuberculinizações exigidas por lei. O objectivo deste plano é o de, no final deste período, obter o estatuto de “Região Oficialmente Indemne de Tuberculose”. O Mycobacterium bovis é o agente mais comum da tuberculose nos ruminantes, sendo esta doença uma zoonose causada principalmente pelo consumo de leite não pasteurizado proveniente de animais infectados. 16 Entre os animais, a via de transmissão mais importante é a oral, sendo os sintomas apresentados não específicos e por vezes ausentes. As lesões verificam-se sobretudo nos nódulos linfáticos brônquicos, mediastínicos e mesentéricos, podendo ocorrer a sua calcificação. 32 O Plano engloba a realização regular de testes de diagnóstico (intradermotuberculinizações a 25 % dos animais) com abate dos animais positivos e um controlo das lesões nos Matadouros. 16 d) Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) Os Açores foram o único território de Portugal que nunca esteve sujeito ao embargo a que o país foi submetido desde 1998 sendo-lhe, por essa via, atribuído o estatuto mais elevado da União Europeia em relação a esta doença. De Maio de 2005 a Abril de 2006 foram analisados 23106 troncos cerebrais de bovinos, no âmbito do Plano de Vigilância da BSE, sendo todos negativos. A BSE é uma doença neurodegenerativa progressiva e fatal, com um período de incubação longo e pensa-se que causado por um prião (PrPSc) que se acumula no sistema nervoso central, apresentando o animal alterações comportamentais, ataxia, perda de peso, deficits proprioceptivos, podendo chegar a coma. Os animais infectam-se através da ingestão de refeições feitas com carcaças contaminadas. Os humanos também se infectam comendo carne infectada, sendo uma zoonose grave (doença de CreutzfeldJakob). 18,29 As medidas de combatem consistem na análise dos troncos cerebrais de todos os bovinos com mais de 30meses abatidos nos matadouros para consumo, bovinos com mais de 24meses nos abates sanitários e nos animais mortos. A técnica utilizada é a E.L.I.S.A. Está proibido o fabrico e administração de farinha de carne e osso e de farinha de peixe em rações para ruminantes, havendo também um controlo das importações dos produtos agrícolas, entre outras medidas. e) Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (IBR) A IBR, tal como a BVD, encontra-se disseminada um pouco por toda a ilha, não havendo registos oficiais da sua prevalência. A maior parte dos proprietários não conhece a doença nem compreende o seu método de propagação, mantendo, com muita probabilidade, animais Persistentemente Infectados (PIs) visivelmente subdesenvolvidos e repetidamente doentes no seio das manadas. O número de explorações que vacinam os seus animais contra estas doenças não é conhecido mas é seguramente bastante reduzido. O Herpesvírus Bovino tipo 1 está associado a várias afecções em bovinos, sendo responsável por diferentes síndromes: Rinotraqueíte Infecciosa Bovina, Vulvovaginite Pustular Infecciosa e Balanopostite Pustular Infecciosa. A transmissão ocorre principalmente por via aérea ou através de sémen contaminado. Na IBR o animal 17 apresenta rinite, conjuntivite, inflamação e necrose do palato mole, podendo ocorrer infecções secundárias. 18,32 Desde de 1986 que nos Açores se faz o diagnóstico laboratorial da doença por solicitação do agricultor ou por suspeita clínica do médico veterinário. Para o controlo desta afecção nas manadas está proposto o rastreio através da análise de amostras de leite, um controlo serológico, aquando do rastreio da brucelose na exploração, e uma vacinação dos efectivos de 6 em 6 meses com uma vacina marcada, entre outras medidas. f) Diarreia Vírica Bovina (BVD) A BVD pertence a um complexo de doenças associadas à infecção por um Pestivírus, principalmente do biótipo não citopatogénico. A prevalência da infecção é elevada, sendo os animais PIs os principais responsáveis pela manutenção do vírus na exploração (estes animais libertam grandes quantidades de vírus durante a sua vida através de descargas nasais, saliva, sémen, fezes, urina, lágrimas e leite), sendo os animais jovens e não vacinados os mais susceptíveis. 11,17 Este vírus provoca frequentemente abortos mas se a infecção da mãe ocorrer entre o 40º e o 120º dia de gestação, o feto adquire imunotolerância, tornando-se portador para toda a vida. Estima-se que 70 a 90 % das infecções por BVD ocorrem sem a demonstração de sinais clínicos, sendo a forma aguda da doença rara em animais com mais de 2 anos de idade. Mas podem aparecer lesões orais (úlceras) e diarreias e, como a BVD causa imunossupressão, torna os animais, principalmente os mais jovens, susceptíveis a infecções bacterianas secundárias. 11,17 Desde 1996 que se faz a pesquisa serológica da doença também por solicitação do agricultor ou por suspeita do médico veterinário. Neste Plano prevê-se o rastreio global através de análises do leite e o controlo serológico nas explorações suspeitas através da colheita de sangue juntamente com o da brucelose. g) Eczema Facial (Fotossensibilidade) Em 1999, através do contributo de estudos desenvolvidos pelos Serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Florestas, o problema da fotossensibilidade nos 18 bovinos dos Açores foi pela primeira vez associado ao fungo Phitomyces chartarum. Os esporos deste fungo produzem uma micotoxina, a esporidesmina, que afecta o fígado dos animais, provoca abortos, diminui a produção de leite e causa a fotossensibilidade. A fotossensibilidade encontra-se essencialmente sobre o dorso, nas áreas despigmentadas. O aspecto varia desde uma alopécia incompleta acompanhada de forte hiperémia com formação de crostas, até grandes formações espiculadas de hiperqueratose. A fotossensibilidade ocorre porque há uma deficiente excreção hepática do produto de degradação da clorofila pelas bactérias do tracto gastrointestinal (TGI), a filoeritrina, que conserva propriedades fotossensíveis. O período crítico é no final do Verão/início do Outono, onde as temperaturas estão acima dos 16 ºC e a humidade relativa do ar acima dos 90 %. As medidas englobam uma análise às pastagens para a quantificação dos esporos presentes e a administração de zinco de forma a evitar que a toxina afecte o fígado. h) Hematúria Enzoótica Bovina (HEB) Uma das causas da HEB é o consumo continuado do “feto comum”, o Pteridium aquilinum, que se encontra disseminado nas pastagens açorianas. Este feto contém um glicósido, o ptaquilósido, que pode ter propriedades mutagénicas depressoras da medula óssea, originando anemia aplásica em ruminantes e deficiência em tiamina nos monogástricos. A exposição prolongada ao feto origina a hematúria, que se deve à presença de tumores na bexiga. Para os produtores é necessário haver um aconselhamento relativamente à utilização de um herbicida específico contra o feto, a utilização de cercas e o corte e remoção dos fetos. i) Paratuberculose A paratuberculose é uma enterite crónica contagiosa dos ruminantes, causada pelo Mycobacterium avium paratuberculosis. 19 A transmissão horizontal ocorre essencialmente por ingestão de alimentos contaminados com fezes de animais infectados, mas também pode ocorrer por ingestão do colostro ou leite de vacas infectadas. A transmissão vertical também é possível. O período de incubação é longo e como tal foram descritos 4 estádios de evolução da paratuberculose em bovinos: 16 1- Infecção sem sinais clínicos 2- Doença subclínica. Maioria dos animais é negativa aos testes serológicos. Alguns casos de mamite e infertilidade. 3- Doença clínica (após os dois anos de idade). Devido à enterite crónica granulomatosa, o intestino vai perdendo a capacidade de absorção dos nutrientes, ocorrendo perda de peso gradual apesar do apetite estar normal, diarreia (muitas vezes após o parto), temperatura normal e diminuição da produção de leite. 4- Doença clínica avançada. Animal emaciado e desidratado, pode ocorrer edema intermandibular devido a hipoproteinémia, diarreia crónica que não responde à terapia. O isolamento de M. paratuberculosis em algumas pessoas com a doença de Crohn levou à investigação de uma possível ligação entre este microrganismo e a doença nos humanos. Nos Açores, esta doença tem apresentado alguma prevalência em explorações de gado bravo na ilha Terceira. Assim, irá proceder-se à vacinação dos efectivos, à pesquisa serológica de todos os animais de raça brava com mais de 2 anos (a cada 6 meses) com abate dos positivos, separação dos animais com diarreia após o parto até despiste serológico laboratorial e uma sensibilização dos produtores para a doença. j) Fasciolose É uma doença causada por um parasita tremátode, a Fasciola hepática, que tem como hospedeiro intermediário um molusco gastrópode (Lymnea truncatula) que vive em terrenos alagados ou próximos de pequenos cursos de água. Há uma maior prevalência desta doença na zona do Nordeste, na ilha de São Miguel. A Fasciola hepática afecta o fígado e as vias biliares dos ruminantes, podendo levar à morte súbita nos ovinos. Os bovinos desenvolvem uma doença crónica com perda de peso, diminuição da produção leiteira, edema intermandibular, anemia, entre outros sintomas. 20 As medidas incluem a desparasitação dos animais, controlo nos matadouros das lesões e realização de exames coprológicos aos animais. Nota: Em São Miguel, são 7 as doenças prioritárias a combater. Brucelose, LBE, Tuberculose, IBR/BVD, Eczema Facial e HEB. Breve comentário ao Plano Global de Sanidade Foi solicitado à AASM uma apreciação acerca do Plano Global de Sanidade a aplicar na Região, tendo sido sugerido algumas alterações em determinados pontos: Brucelose: Devido ao número de falsos positivos e negativos relativamente elevado do teste do “Milk-Ring”, os serviços de desenvolvimento agrário devem criar as estruturas necessárias para a realização de um teste serológico de 6 em 6 meses independentemente do estatuto sanitário de cada uma. Quanto à revacinação das manadas reactoras, devem-se efectuar apenas em animais jovens não gestantes, devido ao elevado número de abortos verificados anteriormente em vacas e novilhas gestantes. IBR: O isolamento dos animais portadores não é uma medida viável visto que a percentagem de animais infectados é elevada e em algumas explorações se iria isolar mais de 50% do efectivo. O fundamental é vacinar todas as manadas durante 8-10 anos consecutivos. BVD: Todos os animais PIs identificados devem ser obrigatoriamente abatidos. HEB: As medidas preconizadas estão muito centralizadas no feto comum e sendo esta uma doença multifactorial, as medidas de combate devem passar por combater todas as plantas tóxicas susceptíveis de serem consumidas pelos bovinos e aconselhar os agricultores para o maneio adequado dos fertilizantes para se evitar as intoxicações agudas e crónicas pelos nitratos. Paratuberculose: São inúmeros os casos de enterites crónicas provocados pela paratuberculose nas explorações leiteiras, nomeadamente em São Miguel. Assim, as medidas de combate a adoptar devem ser idênticas àquelas que se pretende para o gado bravo da Terceira. - Provavelmente é prematuro criar o cartão sanitário no imediato, visto que existe ainda uma inconstância no estatuto sanitário das explorações. 21 - Não é boa prática denunciar à sociedade os agricultores com explorações positivas às doenças, porque nem sempre são os únicos responsáveis ou culpados e a perda de subsídios só se deve verificar caso seja provado que o agricultor agiu de má fé na execução do programa. - Para além das considerações enumeradas, o restante do programa global é bastante satisfatório, aguardando-se a capacidade técnica e monetária da secretaria da agricultura para o implementar. Leptospirose A leptospirose não está incluída no Plano Global de Sanidade porque esta patologia tem um projecto próprio denominado “Epidemiologia e Controlo da Leptospirose nos Açores”. Nos dias 24 e 25 de Novembro de 2006 foi realizado em Ponta Delgada um seminário sobre a leptospirose nos Açores, onde foi apresentado diversos dados sobre esta zoonose na Região. Actualmente, os Açores são a região do País com a mais alta incidência de leptospirose. No período de 1993-2003 foram registados 180 casos de leptospirose em humanos, de onde 68 casos foram no período entre 2001-2003. De salientar que 40 % dos casos foram registados na ilha Terceira e 45 % em São Miguel, havendo uma percentagem de mortes de 8,5 %. Assim, através deste estudo retrospectivo, verificou-se que a média anual era de 11 novos casos por cada 100 000 habitantes, bem distante da média nacional que foi de 1,7 por cada 100 000. A população adulta masculina entre os 25-44 anos foi a mais afectada, sendo o período de maior incidência entre Outubro e Janeiro, que são os meses onde se verifica maior pluviosidade e humidade. A maior parte das pessoas infectadas tinha algum tipo de relação com o trabalho agrícola, onde as condições de pobreza e exposição aos vectores são maiores. Diagnósticos serológicos confirmaram que 85,5 % dos casos de leptospirose foram causados pela Leptospira interrogans, serogrupo Icterohaemorrhagiae e Ballum. Entre o período de 2004-2006 foram confirmados 109 casos, sendo a incidência média anual de 20,6 casos em São Miguel e 12,7 casos na Terceira por cada 100 000 habitantes. Resta saber se a doença está realmente a aumentar ou se são os serviços de saúde que estão cada vez mais atentos a esta zoonose. Relativamente à leptospirose bovina, num total de 1471 animais testados, 27,1 % (400 animais) apresentavam títulos específicos de Leptospira, de onde 18,3 % (271 22 animais) pertenciam ao serovar Saxkoebing. Assim, a leptospirose bovina tem essencialmente uma importância (doença crónica), onde pode ocorrer abortos a partir do 6º mês de gestação, nascimentos prematuros e infertilidade. Na leptospirose canina, em 400 animais testados divididos em 3grupos (127 vacinados, 157 não vacinados e 116 de estatuto desconhecido) os resultados positivos foram de 22 %, 16 % e 18 %, respectivamente, sendo pelo menos 80 % das infecções da responsabilidade do serogrupo Icterohaemorrhagiae, o que mostra que os cães são também uma fonte muito importante de transmissão da doença. Contudo, são 3 espécies de roedores selváticos que existem em grande abundância nos Açores que ao considerados os principais reservatórios de Leptospira: Mus musculus, Rattus norvegicus e Rattus rattus. Para reduzir o impacto desta zoonose, é necessária uma melhor articulação entre os diferentes serviços de saúde (humanos e veterinários) e a implementação de campanhas de informação para a população sobre os modos de transmissão da doença e a sua prevenção. 2.3 – Associação Agrícola de São Miguel A Associação Agrícola de São Miguel é a maior e mais importante associação agrícola dos Açores. Fundada em 1975, conta actualmente com cerca de 3000 associados, representando assim a maior parte dos produtores de leite da ilha. Além da AASM, a Associação Jovens Agricultores Micaelenses é a outra associação em São Miguel que também presta serviços de veterinária e de inseminação aos seus associados. Além destas duas associações, há apenas uma clínica privada que presta serviços veterinários e inseminação em bovinos, nesta ilha. Espalhados pela ilha existem várias cooperativas agrícolas que vendem diversos produtos para a pecuária. 2.3.1 – Serviços médico veterinários A assistência médico veterinária funciona com a divisão da ilha em 6 áreas que são distribuídas por 8 veterinários, de forma a prestar um serviço de 24horas/dia, 7dias 23 por semana. Em cada dia há um veterinário responsável pelo atendimento aos sócios da zona que lhe foi atribuída. Os serviços são recebidos, por telefone, na AASM e reencaminhados ao veterinário responsável pela área correspondente via rádio. Cada veterinário tem, em média, 8 consultas por dia. Numa assistência médico veterinária, o associado tem apenas de pagar os fármacos e os materiais utilizados na consulta (seringas, agulhas, fios de sutura…) 2.3.2 – Serviço de inseminação e transferência de embriões A AASM disponibiliza um serviço de inseminação aos seus associados há mais de 18 anos, promovendo assim um significativo melhoramento genético das manadas na ilha. O recurso à inseminação tem-se tornado cada vez mais frequente. Enquanto que em 1995 tinham sido utilizados 19 000 doses de sémen, em 2006 foram vendidos 26 175 doses. Para tal, existe uma equipa de 9 inseminadores e a ilha é também dividida em 6 zonas. Os inseminadores, ao receberem uma chamada de manhã, aparecem à tarde na exploração e vice-versa, porque a ovulação ocorre cerca de 20 horas após o do cio. Um dos grandes responsáveis pelo melhoramento genético dos animais tem sido o Dr. João Vidal, que é o responsável pela importação de sémen e organização dos catálogos de genética da AASM. Nestes catálogos, encontram-se descritos as características melhoradores de vários touros que estão disponíveis nesse ano, bem como os respectivos preços para assim o agricultor poder escolher o sémen mais adequado a aplicar em cada uma das suas vacas. Tem sido uma das preocupações da AASM ter disponível para os seus associados, além de sémen dos mais reputados touros do mundo a um preço acessível, ter também sémen de touros provenientes de linhagens distintas de anos anteriores para evitar os efeitos da consanguinidade, conceito muitas vezes difícil de explicar ao produtor. Durante as nossas visitas, era comum que houvesse um aconselhamento de emparelhamento genético aos produtores acerca do sémen ideal para usar na manada ou em determinadas vacas, porque por vezes os produtores não sabem interpretar o catálogo de sémen de forma correcta e nem sempre fazem as melhores escolhas (por exemplo, inseminar touros com dificuldade de parto média em novilhas ou usar touros da mesma linhagem genética da vaca, …). 24 Para evitar tais problemas, a AASM dispõe agora de um programa de emparelhamento que permite ao produtor saber qual o sémen de touro adequado para determinada vaca. É um serviço gratuito que permite corrigir os principais defeitos morfológicos das vacas, aumentar a sua longevidade e produtividade, poupar custos com o melhoramento genético e eliminar a consanguinidade. No entanto, ainda é frequente o uso de touros próprios para a cobrição das vacas que não ficam gestantes ao primeiro serviço de inseminação e das novilhas. Está também disponível aos produtores, há cerca de 10 anos, o serviço de transferência de embriões. Nesta técnica, o primeiro passo é provocar, através da aplicação de hormonas específicas como a hormona folículo-estimulante (FSH), uma superovulação numa vaca considerada de elite. Esta, em vez de ovular apenas um óvulo, que seria o natural, ovula vários. A aplicação hormonal é feita 8 a 12 dias após o cio e durante 4 dias seguidos. No 3º dia aplica-se uma prostaglandina F2α para induzir o cio que ocorre 2 dias depois. O passo seguinte é inseminar a vaca e 7 dias depois faz-se uma lavagem uterina para recolher os óvulos já fertilizados. Em laboratório, os embriões viáveis são identificados e separados. Daí podem ser congelados ou transferidos imediatamente para o útero de uma vaca receptora. Esta deve estar com ciclo éstrico sincronizado com o da vaca dadora. Esta técnica permite aumentar o número de animais em que se incide a melhoria genética num menor intervalo de tempo. 2.3.3 – Outros serviços e produtos a) Alimentos compostos para animais (Rações): A AASM possui a fábrica de rações Santana, que apresenta um volume de negócios a rondar os 60% do mercado. Nesta fábrica são produzidos 3 tipos de alimentos concentrados para bovinos de leite: a Super (para animais de alta produção), a Especial e a Normal. São usados como ingredientes cereais como o milho geneticamente modificado e a cevada, bagaço e outros produtos azotados de origem vegetal, subprodutos provenientes do fabrico do açúcar, glúten e substâncias minerais. b) Contraste leiteiro: O contraste leiteiro é feito desde 1996, havendo neste momento 12 profissionais a trabalhar no campo. Durante o ano de 2006, o contraste foi realizado em 230 explorações havendo cerca de 10 000 animais em contraste. 25 Através do contraste leiteiro, o produtor poderá saber a quantidade e a qualidade (composição em proteína e gordura) do leite produzido por cada uma das suas vacas, permitindo assim uma melhor gestão da exploração e a determinação do seu status genético. c) Contabilidade: A AASM é responsável por mais de 1000 contabilidades de explorações agropecuárias. d) Gabinete de projectos e apoio ao rendimento: A AASM é responsável pela elaboração de projectos de investimento a abrigo do PRODESA, de candidaturas à reserva nacional de quotas leiteiras, de projectos de reforma antecipadas, entre outros. e) Apoio à qualidade do leite: Existência de um laboratório de contagem de células somáticas. f) Outros serviços: Apoio jurídico; Seguro agrícola; Venda e assistência de máquinas agrícolas; Desconto em combustíveis; Venda de medicamentos veterinários, fertilizantes, adubos, herbicidas; Gabinete no matadouro industrial de São Miguel – para apoio aos seus associados A AASM encontrava-se, no ano 2006, na lista das 30 maiores empresas dos Açores, o que é indicativo da sua importância a nível regional. 2.4 – Futuro da lavoura nos Açores O sistema de quotas actualmente em vigor, está previsto acabar até 2014-2015, altura em que termina o quadro comunitário de apoio. No entanto, devido à grande procura de leite a nível mundial que se verifica actualmente, é mesmo possível o desmantelamento das quotas até antes de 2014-2015, tornando-se assim um mercado livre, com o consequente aumento de produção de leite, já que cada produtor pode produzir o que quiser. Os Açores, devido à sua dimensão, vão passar por dificuldades e será impossível competir com outros países em termos quantitativos. A solução passa por apostar na 26 qualidade do leite, já que o facto de os animais serem criados ao ar livre, o clima húmido e uma alimentação feita nas pastagens faz com que o leite produzido tenha características específicas (por exemplo, o leite dos Açores é naturalmente rico em ómega 3). Assim, para melhorar a qualidade do leite nos Açores é necessário continuar a apostar na marca Açores (desenvolver, promover, proteger e exportar a marca), melhorar a genética, a alimentação e o maneio dos animais, haver uma melhoria das infra-estruturas agrícolas que passa pela construção de caminhos agrícolas, um abastecimento de água e luz às explorações e principalmente por um emparcelamento progressivo dos terrenos. Necessariamente irá ocorrer uma diminuição do número de produtores (as explorações pequenas e/ou com problemas sanitários irão acabar) sendo importante que ocorra um resgate leiteiro que facilite a saída da produção, mas mantendo o número de animais na Região, haverá cada vez mais explorações maiores e mais competitivas. Contudo, com o aumento anual dos custos de produção (rações, adubos, gasóleo, …) é vital que haja aumento do preço do leite para compensar os custos, situação que não se verifica já que nos últimos anos o preço do leite se manteve devido ao monopólio que se verifica no sector leiteiro, não havendo concorrência, ficando o produtor com cada vez menos rendimento. 27 3- CASUÍSTICA: DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO 3.1- Introdução Durante o período de estágio em que se acompanhou a clínica de campo foram observados 846 casos, não se contabilizando as consultas de acompanhamento, sendo as consultas realizadas principalmente nas freguesias de Relva, Covoada, Arrifes, Fajã Cima, Fajã Baixo, S. Pedro, S. José, S. Roque, Livramento, S. Vicente Ferreira, Ferrais Luz, Pico Pedra e Rabo de Peixe. Apresenta-se em seguida a distribuição dos casos clínicos pelos principais aparelhos/sistemas implicados. Sempre que foi possível tentou-se identificar e contabilizar todas as afecções concomitantes para que fosse possível posteriormente estudar a sua presença (Gráficos 1 e 2). Percentagem de casos por Aparelho/Sistema afectado Pele, faneras e globo ocular 1% 9% Musculo-esquelético 2% 13% 7% 22% Digestivo Respiratório Cardiovascular Mamário 24% 16% 1% 5% Urogenital Nervoso Metabólicos Outros Gráfico 2 – Percentagem de casos por Aparelho/Sistema. O exercício clínico foi realizado essencialmente com base no exame clínico dos animais, na anamnese, análise do meio ambiente, conhecimento da patologia típica da zona e experiência do clínico, recorrendo-se quando necessário a exames 28 complementares simples como o teste californiano de mamites (TCM) ou tiras reactivas para a glucose e corpos cetónicos na urina. No entanto, devido à impossibilidade de recorrer sistematicamente a exames complementares, nem sempre foi possível determinar o diagnóstico definitivo (etiológico), pelo que nesses casos o diagnóstico é presuntivo, mesmo que se encontrem referidos pela sua causa etiológica. Número de casos por Aparelho/Sistema 21 Outros 80 Metabólicos 6 Nervoso 189 Urogenital 135 Mamário 7 Cardiovascular 40 Respiratório 199 Digestivo 61 Musculo-esquelético 108 Pele, faneras e globo ocular 0 50 100 150 200 250 Gráfico 3 – Números de casos por Aparelho/Sistema. Posteriormente, iremos analisar de forma mais cuidada as categorias e as doenças com a casuística mais representativa e de maior relevância no panorama local. 29 3.2 - PATOLOGIAS 3.2.1 - PELE, CASCOS E GLOBO OCULAR Pele, cascos e globo ocular Traumatismo do globo ocular 2 Moraxella bovis/QCS 26 Úlcera da cornea 12 6 Neoplasia da 3ª pálpebra e estruturas adjacentes Tumor ocular 1 Artrite séptica distal/Higroma do carpo 18 Erosão do talão 1 Panarício 1 Úlcera da sola 3 7 Desgaste das unhas Piolhos 1 Dermatofitose 1 Alopécia (falta de minerais) 1 Abcesso/Hematoma das zonas de sutura 4 Abcesso/Hematoma sub-cutâneo 12 3 Fotossensibilização (Phitomyces) Laceração traumática 6 Papilomatose 3 0 5 10 15 20 25 30 Gráfico 4 – Afecções observadas na pele, cascos e globo ocular. 3.2.1.1 - Papilomatose Os papilomas são geralmente classificados como tumores cutâneos benignos provocados por um vírus da família Papovaviridae. 30 Nos bovinos, distinguem-se cinco subgrupos de Papilomavirus. Os subtipos BVP1 e BVP2 induzem a fibropapiloma, onde há uma resposta epitelial e fibroblástica no desenvolvimento do tumor cutâneo, e o BVP3, 4 e 5 induzem apenas a alterações epiteliais 29 Assim: - BVP1: fibropapiloma localizado no teto. Pénis ou vulva dos jovens adultos / adultos; - BVP2: fibropapiloma localizado na cabeça, pescoço de animais entre 4-18 meses; - BVP3: papiloma cutâneo nos adultos (Figura 6) - BVP4: papiloma localizado na língua, orofaringe, esófago e rúmen dos jovens adultos; - BVP5: papiloma localizado no teto e úbere dos adultos. A transmissão natural ocorre através do contacto com objectos que causem lesões na pele. Na maioria dos casos, ocorre regressão espontânea entre 4-8 semanas após o aparecimento dos primeiros tumores, mas ocasionalmente a doença pode persistir por longos períodos de tempo. 29 A vacinação do rebanho feita a partir de um tecido tumoral de um animal da exploração é o mais indicado. Em algumas situações foi feita a excisão cirúrgica e hemoterapia. Figura 6 – Papiloma cutâneo. 31 3.2.1.2 - Claudicações As claudicações, principalmente de origem podal, são um problema importante na exploração de bovinos leiteiros, sendo uma das causas mais comuns para o refugo dos animais. Um animal com dificuldade em movimentar-se alimenta-se menos, devido à dificuldade em competir com os outros nos comedouro, pela relutância em andar grandes distâncias na pastagem para encontrar a melhor erva e pela dificuldade do animal manter-se em estação. Consequentemente, a produção leiteira baixa e atraso provocado pelas dores não só diminui a produção leiteira, como afecta a eficiência do sistema imunitário, fazendo com que estes animais sejam muito afectados por patologias secundárias. As movimentações entre pastos e o facto de os caminhos estarem muitas vezes cobertos de cascalho vulcânico são factores de agressão importantes, e as unhas raramente apresentam sobrecrescimento, tendo normalmente uma boa conformação. Não sendo necessário o aparo regular das unhas, o seu maneio é frequentemente descuidado e a falta de verificação periódica do estado das unhas provoca o agravamento de situações que à partida seriam fáceis de resolver, o que compromete muitas vezes a sua recuperação. Os problemas mais comuns, na realidade local, são: As dermatites interdigitais, devido à maceração constante do espaço interdigital pela terra, detritos e humidade. Perfurações várias do espaço interdigital, unha ou talão, normalmente por cascalhos vulcânicos (piroclastos) dos caminhos agrícolas ou das proximidades da máquina de ordenha. Estes cascalhos naturais constituem o interior da maior parte dos montes do centro da ilha, estando revestidos por uma fina camada de terra com pouco mais de um metro. O problema destes piroclastos deve-se à sua textura recortada e extremamente abrasiva. É também frequente as artrites sépticas interfalângicas distais (Figura 7) A sua origem é incerta dado que na maioria dos casos não se observa qualquer lesão exterior, sendo o inchaço e a claudicação muitas vezes os únicos sinais. Supõe-se, no entanto, que qualquer das lesões perfurantes acima descritas pode resultar em migração de agentes bacterianos para o espaço articular, permanecendo aí após a resolução da lesão exterior. 32 Figura 7 – Artrite séptica distal. 3.2.1.3 – Carcinoma da 3ª pálpebra O carcinoma da 3ª pálpebra (Figura 8) é um tumor que se verifica com alguma frequência nas explorações em São Miguel porque as condições em que se encontram os animais são muito propícias à ocorrência desta patologia. Os animais estão permanentemente no exterior, expostos à luz solar, ao vento e às variações climáticas, sendo estes considerados factores predisponentes. Figura 8 – Carcinoma da 3ª pálpebra. Numa fase inicial, a maioria dos casos começa com uma pequena formação neoplásica isolada no bordo da membrana nictitante, que quando extraída nesta fase resulta quase sempre em cura completa. No entanto, muitos produtores não estão 33 atentos a esta pequena formação e muitas vezes o veterinário é chamado a intervir quando já há o envolvimento de outras estruturas, sendo necessário retirar o globo ocular, já que estes tumores crescem rapidamente e mostram algum carácter invasivo, metastizando para os nódulos linfáticos locais. 22 3.2.1.4 – Queratoconjuntivite infecciosa bovina (QIB) É a patologia mais frequente a nível ocular juntamente com o carcinoma das células escamosas. 22,24 A patologia pode afectar um ou os dois olhos, tem uma distribuição mundial e uma maior prevalência nos meses de Verão e Outono, devido ao aumento de vectores. Os animais jovens são os mais susceptíveis, mas podem ser atingidos em qualquer idade. 10,22 A QIB é provocada principalmente por Moraxella bovis (estirpe hemolítica) embora outros vírus como o Herpesvírus bovino 1 (IBR) possam estar associados. 26 Os factores de virulência são constituídos por β-hemolisina, pilli, leucotoxina e proteases. A pilli Q permite a adesão da bactéria à córnea e o estabelecimento da infecção pela incapacidade de remoção do organismo pelo contínuo fluxo de secreções oculares e a acção mecânica de pestanejar. A β-hemolisina possui acção citotóxica e produz lesão corneal. 10,22 A Musca autumnalis é o vector preferencial porque se alimenta nas zonas perioculares, permanecendo infectada por períodos superiores a três dias. A doença é transmitida por contacto directo, aerossóis e fómites. 22 Os sinais clínicos envolvem edema da conjuntiva acompanhado de secreção aquosa abundante, blefarospasmos e fotofobia. Nos dias seguintes, verifica-se uma opacidade da córnea, as úlceras tornam-se maiores e mais profundas, a descarga ocular apresenta-se mucopurulenta e sinais de uveíte secundária a queratite podem ser observados. (Figura 9) 10,22,24 O facto de os animais estarem em pastoreio permanente, à mercê das condições atmosférica, onde o ambiente seco e poeirento, o stress dos transportes, a luz solar directa e os agentes irritantes como pólen e ervas podem ser factores predisponentes e/ou agravantes da infecção, será certamente uma razão pela qual são tão atingidos por esta infecção. 34 As condições de maneio dos vitelos nos primeiros dias de vida, onde são mantidos juntos em estabulação ou no pasto, podem propiciar um rápido alastramento desta condição nos jovens, onde a doença é geralmente mais grave, com aprofundamento da úlcera no estroma e eventual perfuração da córnea. A QIB é uma doença autolimitante, onde a recuperação ocorre sem tratamento, embora a terapêutica reduza a incidência de cicatriz nos olhos. 22 O tratamento utilizado durante o estágio foi a oxitetraciclina sub-conjuntival. Por vezes, era usado a terapia parenteral (IM). Figura 9 – Queratoconjuntivite infecciosa bovina. 35 3.2.2 - SISTEMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO Sistema Musculo-esquelético 1 Micoplasma (suspeita) 5 Astenia 2 Tendinite 9 Miosite 3 Abcessos em membros 1 Parésia pós-parto por miosite 12 Parésia pós-parto por compressão dos nervos periféricos 1 Traumatismo/Fractura de costelas 6 Traumatismo/Fractura do membro 2 Traumatismo/Fractura da coluna vertebral 3 Luxação de articulações 4 Luxação/Fractura coxofemural 5 Artrose 7 Artrite membro/Poliartrite 0 2 4 6 8 10 12 14 Gráfico 5 – Afecções observadas no Sistema Músculo-esquelético. 3.2.2.1 - Parésia pós-parto por compressão dos nervos periféricos A maioria das doenças nos nervos periféricos dos ruminantes tem origem traumática mas lesões neoplásicas e inflamatórias são por vezes observadas. A descrição do parto e o tamanho do vitelo são informações que devem ser obtidas em situações de animais em decúbito no pós-parto. Uma má apresentação, posição e postura, bem como uma desproporção feto-pélvica podem traumatizar os nervos devido à compressão e inflamação dos tecidos moles da cavidade pélvica. A lesão dos nervos periféricos, particularmente após um parto distócico, pode ser o responsável directo pelo decúbito das vacas, mas algumas das lesões nos nervos ocorrem secundariamente após uma lesão extensiva dos músculos e tecidos moles por decúbito prolongado do animal. 36 Geralmente os animais afectados não se conseguem levantar, mas comem, bebem, urinam e defecam normalmente, fazendo grande esforço em se levantar especialmente com os membros anteriores. É importante que um animal em decúbito prolongado seja colocado num local amplo, macio, limpo e seco. Deve-se mudar o animal de lado sempre que possível de 6 em 6 horas aproximadamente, acompanhado de sessões de massagem nos membros posteriores de modo a promover uma boa circulação. Deve-se fazer uma terapia física encorajando o animal a suportar o seu peso e, se possível, estimula-lo a andar. 6 A profilaxia passa essencialmente pela escolha de touros com elevada facilidade de parto, prestar assistência durante o parto de modo a evitar a compressão prolongada dos nervos e as vacas não devem parir gordas nem estarem em superfícies escorregadias. 37 3.2.3 - APARELHO DIGESTIVO Sistema Digestivo 5 4 Diarreia em caprinos Timpanismo gasoso 2 1 2 Dilataçao cecal Còlicas abdominais Actinobacilose 16 Corpo estranho 10 Indigestão simples/Inespecifica 3 Ùlcera do abomaso 13 Deslocamento do abomaso á esquerda 6 5 Deslocamento do abomaso á direita Indigestão láctea 1 1 2 Acidose ruminal (excesso de milho) Coprostase Obstrução intestinal 10 Diarreia crónica em jovens 55 Diarreia aguda em jovens 27 25 Diarreia crónica em adultos (alguns possivelmente paratuberculose) Diarreia aguda em adultos 9 Sub-nutrição 2 Úlceras na lingua 0 10 20 30 40 50 60 Gráfico 6 – Afecções observadas no Sistema Digestivo. 3.2.3.1 - Diarreias em jovens A diarreia é o sintoma mais comum que se verifica em animais de poucos dias a um mês de idade, sendo na maioria dos casos resultante de enterites bacterianas ou virais. A sua incidência é generalizada a todas as explorações, variando na intensidade de acordo com as condições de higiene e maneio de cada exploração. 38 Podem ser de natureza alimentar ou de origem infecciosa, onde a Escherichia coli, os Rotavírus e os Coronavírus são os principais responsáveis pelas diarreias que ocorrem durante o primeiro mês de vida dos vitelos e que geralmente funcionam em associação. A colibacilose foi a principal suspeita de causa de enterite. De acordo com o agente patogénico implicado, as diarreias apresentam determinadas características: 33 E. coli – Há a produção de toxinas pela bactéria que favorecem um aumento da secreção intestinal, um maior fluxo de água e electrólitos para o intestino e consequentemente ocorre diarreia e desidratação. São mais frequentes nos vitelos até aos 10dias de idade e caracterizam-se por emissões frequentes e abundantes de fezes líquidas, de cor amarela clara e por vezes brancas (Figura 10). Se ocorre septicemia, o vitelo deixa de mamar, fica prostrado e muito desidratado, podendo atingir o estado de coma e morrer. Figura 10 – Aspecto da diarreia provocada por E.coli. Coronavírus e Rotavírus – Ocorre destruição da camada superficial da mucosa intestinal, que deixa de absorver os alimentos, conduzindo à diarreia e desidratação. Surgem normalmente entre os 5 e 15 dias de vida e caracterizam-se por dor abdominal, temperatura baixa, fezes líquidas ou pastosas de cor esverdeada com bastante muco e por vezes alguns traços de sangue (Figura 11). A infecção por estes três agentes em simultâneo é frequente, conduzindo normalmente a um desfecho fatal. 33 39 A partir do mês de idade, os animais começam a ingerir erva em grande quantidade, que muitas vezes é demasiado jovem e com teor em fibra muito baixo e quando a transição alimentar é repentina, resulta em diarreias de origem alimentar frequentemente complicadas por organismos comensais. As diarreias verificam-se ao longo de todo o ano mas nos Açores são mais comuns nos meses entre Dezembro e Maio. As baixas temperaturas e maior humidade deste período, aliado a problemas de maneio onde os vitelos muitas vezes não bebem o colostro na quantidade adequada e são criados em grupo, geralmente em pastagens ao ar livre e muito contaminadas numa altura de grande fragilidade imunitária, contribuem para o aumento desta doença neste período. 33 As consequências económicas das diarreias neonatais numa exploração são elevadas devido aos custos com veterinários e medicamentos, aos atrasos no crescimento dos animais infectados, ao risco de disseminação das infecções aos animais saudáveis e à elevada taxa de mortalidade que pode ocorrer num surto de diarreia. O controlo da diarreia em vitelos passa por adoptar medidas de higiene e maneio adequados e pela utilização de vacinas específicas nas vacas que previnam a infecção contra os agentes mais frequentes de cada região. Figura 11 – Vitelo com diarreia. 40 3.2.3.2 - Deslocamento de abomaso Deslocamento do abomaso à esquerda (DAE) Nesta doença, o abomaso é deslocado da sua posição normal no chão da cavidade abdominal para o lado esquerdo do abdómen entre o rúmen e a parede abdominal esquerda. Os deslocamentos ocorrem devido à posição relativamente livre do abomaso na cavidade abdominal, estando apenas suspenso pelo grande e pequeno omento, grande mobilidade dos 2/3 caudais do abomaso, e porque há uma acumulação de gás com a consequente dilatação do fundo e corpo do abomaso. Ocorre principalmente em animais de peito profundo e em vacas leiteiras de alta produção. O risco de ocorrência aumenta com a idade e 90% dos casos ocorrem 6 semanas após o parto. 19 A sua etiologia é multifactorial, sendo um pré-requesito para o desenvolvimento do DAE a hipomotilidade e a distensão gasosa do abomaso. Assim, são factores de risco: 11,19 - Influência da alimentação, onde a diminuição de ingestão de matéria seca provoca a redução do volume ruminal e a ingestão de uma dieta rica em hidratos de carbono e com níveis inadequados de fibra aumenta a formação de gás abomasal. - Mudança de disposição dos órgãos abdominais no período peri-parto, onde o abomaso é empurrado cranialmente. - As sobrecargas e alterações metabólicas como cetose e hipocalcemia, stress e doenças concorrentes também diminuem a ingestão de alimento no peri-parto e a tonicidade do abomaso. - Factores genéticos relacionados com a profundidade corporal e a produção leiteira. Com o DAE, há o emagrecimento do animal e pode haver complicações como úlceras e ruptura abomasal e degenerescência hepática. A produção leiteira diminui durante a doença e no pós-operatório. A cirurgia é o tratamento de eleição, com 90 % de eficácia. Nos Açores, os Invernos rigorosos com muita chuva associado ao pastoreio dos animais, torna a erva das pastagens menos abundante e consequentemente há diminuição do consumo sendo necessário suplementar a alimentação dos animais com concentrado, aumentando o risco de deslocamento de abomaso. 41 Deslocamento do abomaso à direita (DAD) A proporção entre DAD e DAE é de 1:10 e ocorre quando há uma dilatação abomasal (gás e líquido) e deslocamento entre o intestino e parede abdominal direita com eventual torção pela ligação omasal-abomasal. A etiologia é semelhante à de DAE e os sinais clínicos são geralmente de evolução rápida. Ocorre emagrecimento, toxemia e alterações hidroelectrolíticas, sendo a cirurgia mais arriscada e o prognóstico mais reservado. 3.2.4 - APARELHO RESPIRATÓRIO Aparelho Respiratório Rotura da traqueia 1 Edema pulmonar 1 Sinusite 1 Estenose da laringe 4 10 Pneumonia em adultos Pneumonia em vitelos 22 1 Pneumonia por aspiração 0 5 10 15 20 25 Gráfico 7 – Afecções observadas no Aparelho Respiratório. 3.2.4.1 - Pneumonia em vitelos As pneumonias e broncopneumonias são dos problemas que mais afectam os vitelos nos primeiros 2 meses de vida, sendo, a seguir às diarreias, a principal causa de mortalidade em vitelos. (Figura 12) Têm uma etiologia multifactorial, podendo ser causadas por vírus, bactérias, fungos, parasitas e agentes físico-químicos. A grande maioria dos agentes infecciosos é adquirida pelo neonato após o nascimento, a partir da flora respiratória da mãe, do ambiente ou pelo contacto com outros vitelos infectados. 9 42 Os principais agentes virais implicados são Parainfluenza-3, adenovirus, vírus respiratório sincicial bovino, reovírus, rinovírus, coronavírus e herpesvírus bovino-1 (IBR), havendo geralmente infecção bacteriana secundária. 9 Em animais saudáveis, a exposição aos agentes infecciosos não é geralmente suficiente para causar doença e, regra geral, estão presentes factores de stress que diminuem as defesas dos animais. Os vitelos são mantidos ao ar livre, em campo aberto e muito expostos ao tempo frio, húmido e ventoso ou estão em cubículos de madeira com grande concentração de animais e inadequada circulação de ar, o que associado à deficiência de imunidade passiva (colostro), faz com que haja um grande número de animais infectados. Para o controlo e prevenção das pneumonias é necessário que o local de parto e as instalações dos vitelos sejam limpas e individuais, fornecer colostro aos vitelos nas primeiras horas de vida porque assim aumenta em muito a taxa de sobrevivência dos animais, fornecer uma alimentação de qualidade e controlar as situações de stress. 9 A vacinação dos vitelos e das mães contra esta afecção não é uma pratica comum, apesar da vacina ser relativamente barata e os tratamentos para a pneumonia serem consideravelmente mais caros, alem de se verificar um atraso no crescimento dos animais infectados. Figura 12 – Morte de um vitelo após pneumonia. 43 3.2.5 – APARELHO CARDIOVASCULAR Aparelho Cardiovascular Obstrução linfática 1 Colisepticémia 2 Insuficiencia/Arritmia cardiaca 1 Onfaloflebite 1 Flebite 2 0 0,5 1 1,5 2 2,5 Gráfico 8 – Afecções observadas no Aparelho Cardiovascular. 3.2.5.1 – Flebite A flebite é uma inflamação de uma veia, não sendo uma situação grave quando a inflamação se localiza numa veia superficial, pois o fluxo sanguíneo pode ser alterado significativamente. Contudo quando uma veia grande é acometida (veia mamária) a flebite é potencialmente mais perigosa porque o risco de trombos é maior. 41 A flebite superficial implica uma reacção inflamatória aguda, que faz com que o trombo adira firmemente às paredes da veia, havendo dor localizada, inchaço, eritema, sendo quente e doloroso ao toque. 41 As causas mais comuns são a onfaloflebite e flebite provocada por injecção de substâncias irritantes ou o uso prolongado de cateter. Os casos verificados ocorreram por uma administração incorrecta de cálcio. De um modo geral, a flebite desaparece por si só. 44 3.2.6 – GLÂNDULA MAMÁRIA Aparelho Mamário Hiperdistensão/rotura do ligamento suspensor do úbere 2 Amputação de tetos supranumerários 2 Laceração traumática do teto 6 Obstrução do canal do teto/fibrose do canal do teto 5 2 Novilhas com mamite 8 Mamite no periodo de secagem 17 Mamite crónica/Secagem do teto 80 Mamite clinica 7 Mamite sub-clinica 1 Ferida no úbere Edema do úbere 2 Hemogalactea 3 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Gráfico 9 – Afecções observadas no Aparelho Mamário. 3.2.6.1 – Mamites A mamite é a doença dos bovinos leiteiros com maior prevalência. Para além dos prejuízos económicos que acarreta, levanta problemas de saúde pública quer pela possível transmissão ao Homem de alguns dos seus agentes etiológicos, quer pelos transtornos que pode causar a ingestão de leite e seus derivados com resíduos de antibióticos e produtos de metabolismo de alguns agentes microbianos.1 O clínico é chamado a intervir quase sempre em mamites clínicas, pois não é prática comum o uso de TCM (teste californiano de mamites) nas explorações. As inflamações subclínicas são uma das principais causas de perda de produção de leite, além de aumentarem a probabilidade dos casos clínicos. Daí a importância do seu diagnóstico por métodos indirectos (contagens celulares, onde o número de leucócitos libertados no leite é proporcional ao número de agentes patogénicos) ou por técnicas laboratoriais (culturas microbiológicas). 20 45 Nas mamites clínicas, os sinais clínicos como cor, densidade e aspecto geral do leite, bem como volume, consistência e forma úbere permitem, com uma certa margem de erro, identificar o principal grupo de agentes implicados na mamite. As infecções mamárias na vaca são talvez, o melhor exemplo de infecções multifactoriais. De facto, as causas de mamites são múltiplas e a qualidade de ordenha, a higiene no maneio e o microbismo ambiental vão condicionar o seu aparecimento. Durante o período em que decorreu o estágio (Outono-Inverno), a maior parte das mamites encontradas foram suspeita de ou provocadas por Streptococcus spp. (S. uberis e S. agalactiae, …), Staphylococcus aureus e E. coli. Segundo se apurou da patologia regional, as mamites provocadas por Corynebacterium pyogenes sofrem um pico considerável no Verão, sendo conhecidas por “mamite de Verão”. S. aureus: a maioria das infecções causadas por S.aureus evolui sob a forma clínica que são normalmente, suaves ou moderadas. 31 As alterações nas secreções mamárias começam com a presença de coágulos e flocos. A principal fonte de infecção é o leite secretado por vacas adultas com os quartos infectados mas o equipamento de ordenha contaminado e as mãos dos ordenhadores também são fontes comuns de transmissão, por isso, a higiene na ordenha tem uma importância primordial, especialmente quando sabemos que os microrganismos parasitam no meio. 20,31 S. agalactiae: este é um habitante obrigatório da glândula mamária, não invade os tecidos e é susceptível à terapêutica. Há a formação de “rolhões” de fibrina que bloqueiam os ductos e impedem a drenagem daquela área da glândula, a resposta inflamatória causa necrose do tecido e há a substituição deste por tecido fibroso, resultando numa diminuição da produção de leite. 20,31 S. uberis: é o agente causal mais frequente de mamite durante o período de secagem, raramente originam mamites clínicas e as infecções permanecem subclínicas durante longos períodos de tempo que na ausência de tratamento causa grandes perdas na produção leiteira. A principal fonte de infecção deste microrganismo é o ambiente. 10 E. coli: a fonte primária de infecção são as fezes dos bovinos, embora a multiplicação secundária das bactérias nas camas seja muitas vezes um factor importante. 10 As 46 mamites são geralmente clínicas, despoletam uma resposta inflamatória muito elevada e seu período de duração é curto. O facto de ocorrerem muitas mamites no período de Inverno pode justificar-se porque durante este período as vacas encontram-se sempre no mesmo local, o que embora torne o maneio mais fácil e com menos deslocações, aumenta a sujidade e a lama na zona da máquina de ordenha e a propensão para o aparecimento de mamites ambientais. Alguns dos erros mais frequentemente encontrados na ordenha foram: - Lavagem dos tetos com a mesma esponja para todas as vacas; - Primeiros jactos para avaliação visual do leite são feitos para o chão; - A ordem estabelecida para a ordenha das vacas nem sempre é a melhor, porque embora a ordenha das vacas com leite mamítico ou com antibióticos seja feita para um recipiente à parte, é por vezes intercalada com a de vacas saudáveis, ocasionando assim a propagação de infecções e o aparecimento de resistências aos antibióticos; - Animais vão para a lama após a ordenha apesar de desinfectarem o teto. Em alguns casos assistidos, o proprietário já tinha medicado o animal, surgindo posteriormente resistências aos antibióticos usados, ou formando uma mamite crónica de muito difícil tratamento. As mamites crónicas passam por períodos de latência, mais ou menos longos, com acessos esporádicos de mamite clínica. 3.2.6.2 – Obstrução/hiperqueratose do canal do teto É um problema quase exclusivo da ordenha mecânica, onde factores como o excesso de vácuo no equipamento ordenha, a retirada da tetina sem a interrupção do vácuo, a tetina em más condições e a sobre ordenha, de um modo geral, aumentam a incidência de hiperqueratose, o que dificulta o fecho do canal do teto e nas vacas lactantes, este canal é a primeira e mais importante linha de defesa, particularmente porque a superfície exterior está exposta a muitas bactérias ambientais e com a hiperqueratose há uma maior incidência de mamites porque um esfíncter nestas condições deixa de coaptar correctamente. Dai a importância deste problema que é, muitas vezes, erradamente ignorado. 47 Esta patologia ocorre com alguma frequência, embora só tenham sido registados os casos mais graves, que resultaram em mamites clínicas. Contudo, este é um problema difícil de eliminar principalmente em manadas de grandes dimensões, onde existem animais com produção e velocidade de ordenha muito diferentes. 3.2.7 – APARELHO UROGENITAL Aparelho Urogenital 9 Brucelose (suspeita) Diagnóstico de gestação Hidropsia das membranas fetais 1 Fetotomia 1 3 Distócia resolvida por cesariana 6 Distócia resolvida por manobras 5 Indução do parto 4 Parto 10 Aborto 51 Retenção placentária 3 Torção uterina 23 Endometrite/Metrite Metrorragia 1 Rotura uterina 1 Prolapso uterino 1 22 Quistos ováricos/Degenerescencia ovárica 14 Inactividade ovárica/Ovários pequenos 13 Laceração vaginal/Laceração da cervix 11 Vaginite/Cervite 2 Tumores da vulva 3 Indução do estro Freemartinismo 1 Schistosoma reflexus 1 3 Tumor da bexiga/Hematúria 0 10 20 30 40 50 60 Gráfico 10 – Afecções observadas no Aparelho Urogenital. 48 3.2.7.1 – Retenção placentária Nas vacas, as membranas fetais são eliminadas fisiologicamente até 12 horas após o parto ou aborto. O decréscimo da população de células epiteliais carunculares e a apoptose participam activamente no processo normal de maturação e posterior libertação da placenta. A retenção parcial ou total das membranas fetais, por um período mais prolongado, deve ser considerado como patológico. 2 (Figura 13) Uma retenção placentária resulta quase sempre em putrefacção da placenta inútero, com consequente metrite. Mesmo não evoluindo para septicemia, que põe em causa a vida do animal, uma metrite exige sempre gastos em tratamento, diminuindo assim a taxa de fertilidade. A retenção placentária raramente se trata de um processo primário, sendo na maioria dos casos causadas por distúrbios dos mecanismos de deslocamento os placentomas. 2 A sua incidência aumenta com: idade, número de partos da vaca, nascimento prematuro, indução do parto, aborto, distócia, fetotomia, prolapso uterino, hipocalcemia, partos gemelares e placentite. 2,25 Outros factores que aumentam a incidência de retenção placentária são as alterações nutricionais e as carências em selénio, vitamina E e vitamina A. Os Açores, por se tratar de uma região jovem do ponto de vista geológico e com origem vulcânica, apresenta solos muito deficitários em selénio. O selénio é um mineral essencial a diversas funções orgânicas, agindo intimamente ligado com a vitamina E de uma forma sinérgica para proteger as células e os tecidos da oxidação. Muitas vezes, a deficiência deste mineral manifesta-se em atrasos nos crescimento e distrofia muscular nutricional nos bovinos jovens (conhecido como doença do músculo branco), mas outra consequência e aquela que proporções mais alarmantes atingem a região é a retenção placentária. 35 Através de um estudo realizado pelo Dr. Vidal nos últimos dois anos em duas explorações, verificou-se que a carência em selénio era a principal causa da elevada taxa de retenção planetária. Uma exploração apresentava taxas de aproximadamente 70% e outra de 40%. A todas as vacas foram administradas 42 miligrama (mg) de selénio e 3,75 g de vitamina E, na altura da secagem. Como resultado, verificou-se um decréscimo para valores abaixo dos 10% das vacas que fizeram retenções placentárias. Assim aconselha-se aos produtores a utilização de selénio injectável aquando da secagem, de forma a reduzir este problema. 49 Figura 13 – Vaca com retenção placentária. 3.2.7.2 – Hematúria Enzoótica Bovina (HEB) A HEB é uma doença de evolução crónica e de origem tóxica, sendo caracterizada pelo desenvolvimento de lesões inflamatórias e neoplásicas na parede da bexiga e clinicamente por hematúria intermitente e morte por anemia. Bovinos a partir de 1ano de idade podem ser afectados mas a doença ocorre principalmente em animais com mais de 4anos de idade. 13 Embora a HEB tenha uma etiologia multifactorial, o feto vulgar denominado Pteridium aquilinum é apontado como o principal agente etiológico. Este feto encontrase disseminado pelas pastagens da ilha e as condições climáticas, temperaturas moderadas, a elevada pluviosidade, natureza dos solos e algumas práticas de maneio favorecem o crescimento e disseminação desta planta infestante. O principal constituinte carcinogénico deste feto é o ptaquilósido. 13 A idade dos animais, a duração do período de ingestão, as adubações com nitratos/nitritos e as suplementações vitamínicas e minerais são factores que influenciam a forma, localização e incidência das lesões neoplásicas induzidas pelo consumo dos fetos. A intoxicação aguda provoca necrose do epitélio intestinal e aplasia medular, geralmente com consequências fatais. A intoxicação crónica provoca hematúria devido à ocorrência de tumores de bexiga. Em 2006, foram registados no matadouro industrial de São Miguel 2035 50 animais com tumores de bexiga, sendo a principal causa de rejeição total das carcaças de bovinos. No exame post-mortem, a carcaça apresenta-se pálida e emaciada, a bexiga contém coágulos de sangue e a presença de hemangiomas na submucosa é característico de HEB. São contra-indicados quaisquer tentativas de tratamento e os animais afectados devem ser abatidos. Os custos para o produtor estão relacionados com a morte dos animais, com a diminuição dos índices reprodutivos (abortos, infertilidade, malformações), redução da produtividade nos animais sobreviventes e custos com o controlo das plantas tóxicas. 13 Devido à sua importância, a HEB está incluída no Plano Global de Sanidade, sendo uma das doenças prioritárias a combater em São Miguel. 3.2.7.3 – Inactividade ovárica/Quistos ováricos Uma dieta deficiente em energia é a principal causa de inactividade ovárica, onde a vaca está em anestro prolongado, com os ovários de consistência aumentada e tamanho semelhante a um feijão. Os quistos ováricos aparentam, pela quantidade de casos encontrados, ter grande importância na fertilidade das manadas. São considerados quistos ováricos os folículos que atingem um diâmetro mínimo de 17 mm e que persistem por mais de 6 dias na ausência de um corpo lúteo, havendo uma alteração funcional do padrão da actividade ovárica. 27 Podem ser estruturas simples ou múltiplas, sendo a condição poliquística muito frequente. A ciclicidade pode voltar ao normal após a regressão do quisto, mas o mais comum é que os quistos em regressão sejam substituídos por novos quistos. Estruturalmente, os quistos foliculares apresentam paredes finas, enquanto que os quistos luteínicos apresentam paredes mais espessas e suficientemente luteinizados para serem identificadas ecograficamente. 27 Os animais com quistos ováricos podem exibir ninfomania, anestro (mais frequente) ou uma combinação errática de estro com anestro. Os factores de risco associados à ocorrência de quistos ováricos são: a hereditariedade, nutrição do animal, stress puerperal, a produção de leite, a idade e número de lactações do animal. 51 Aceita-se que esta condição tem uma etiologia multifactorial, em que uma série de factores climáticos, ambientais e hereditários são responsáveis pela presença de doença. O tratamento de quistos ováricos com preparações hormonais é considerado o tratamento ideal, sendo frequentemente tratados com sucesso através da hormona libertadora de gonadotropina (GnRH), gonadotropina coriónica humana (hCG) ou hormona luteinizante (LH). 12 3.2.8 – DESIQUILÍBRIOS METABÓLICOS Desequilíbrios Metabólicos Toxémia de gestação 1 Acetonémia (forma nervosa) 2 17 Acetonémia (forma digestiva) Hipocalcémia sub-clinica 9 Hipocalcémia pós-parto 48 3 Hipocalcémia peri-parto 0 10 20 30 40 50 60 Gráfico 11 – Afecções observadas com origem em desequilíbrios metabólicos. 3.2.8.1 – Hipocalcemia Hipocalcemia é uma doença metabólica que ocorre principalmente nas vacas adultas entre os 5 e 9 anos de idade nas primeiras 48 horas após o parto, podendo ocorrer algumas semanas antes ou depois do parto. 21 É uma doença não febril, onde ocorre colapso circulatório, paresia generalizada e diminuição da consciência. 27 Está normalmente associado ao início da produção leiteira porque no momento do parto e início da secreção láctea, passam quantidades apreciáveis de cálcio do sangue para o colostro. Uma vaca produzindo 10 kg de colostro, perde cerca de 23g de cálcio, o que é cerca de 9 vezes a quantidade de cálcio presente em todo o “pool” plasmático do 52 animal. 21 O cálcio sanguíneo que se perde tem de ser reposto através de um aumento da absorção intestinal e reabsorção óssea de cálcio. O elevado número de casos verificados durante o estágio é devido ao baixo teor em cálcio dos solos locais, que raramente é corrigido convenientemente com a adubação, resultando assim forragens muito pobres neste macroelemento. A quantidade de concentrado ingerida pelos animais normalmente também não chega para colmatar esta carência. São considerados factores de risco a idade do animal, a alta produção de leite e o período seco. 21 Idade: O envelhecimento está associado a um abrandamento do metabolismo ósseo e a uma diminuição da eficiência da absorção intestinal de cálcio. As novilhas quase nunca desenvolvem febre vitelar porque se adaptam rapidamente às grandes exigências de cálcio para a lactação. Produção leiteira: A mudança de um estado fisiológico (gestação) a outro (lactação) no animal provoca, a nível do metabolismo do cálcio, uma brusca mudança, pois em lactação a quantidade de cálcio necessária para o organismo é muito superior ao da gestação e a excessiva perda de cálcio para o colostro ultrapassa a capacidade de absorção intestinal e de mobilização óssea. Período seco: dietas pobres em cálcio durante o período seco previnem a hipocalcemia através da actuação de mecanismos de reabsorção do cálcio ósseo e absorção intestinal. O excesso de cálcio neste período torna o organismo ineficaz de utilizar estes mecanismos de compensação na altura do parto. Sendo estes animais de alta produção, que têm exigências elevadas que dificilmente são cobertas, passam as primeiras semanas da sua vida produtiva em hipocalcemia subclínica, porque os mecanismos homeostáticos do cálcio podem não estar suficientemente adaptados. A hipocalcemia subclínica é muito importante porque inibe a motilidade ruminal, afectando o apetite e exacerbando o balanço energético negativo já existente no animal durante o primeiro mês de lactação. Porém, muitas recidivas ocorrem porque há uma diminuição dos níveis séricos de fósforo, havendo um desequilíbrio na relação cálcio: fósforo. 53 A prevenção e controlo passa por: - Dietas pobres em cálcio e fósforo durante o período seco; - Evitar que no início da lactação o animal fique sem comer porque a absorção intestinal de cálcio é a maior fonte de cálcio; - Evitar a excessiva condição corporal do animal e o stress na altura do parto; - A administração de vitamina D3 permite um aumento da absorção intestinal de cálcio. Muitos produtores já administram soluções de cálcio endovenosas (Figura 14) a seguir ao parto e alguns até administram vitamina D3 alguns dias antes, mas o número de chamadas por “vacas caídas de parto” é muito grande porque algumas vezes já foi administrado cálcio ao animal mas em quantidade insuficiente e muitas recidivas ocorrem devido a desequilíbrios metabólicos na relação cálcio: fósforo, sendo necessário fornecer fósforo por via oral aquando do tratamento de hipocalcemia. Figura 14 – Fluidoterapia a um animal com hipocalcemia. 3.2.8.2 - Acetonémia É uma alteração metabólica com origem num balanço energético negativo durante o início da lactação, onde há uma redução da glucose sanguínea e hepática e um aumento da mobilização de gordura, resultando numa elevação anormal da concentração de corpos cetónicos. 4 A cetose bovina é das doenças metabólicas mais comuns das vacas leiteiras de alta produção e a sua prevalência é elevada na maior parte dos países. A taxa de 54 ocorrência tem aumentado muito devido ao incremento no potencial de lactação das vacas leiteiras. 21 Ocorre mais frequentemente nas primeiras 6 semanas pós-parto, porque a ingestão de alimento não acompanha o rápido aumento das necessidades energéticas para a produção leiteira. 21 O pico de lactação ocorre aproximadamente às 4 semanas pós-parto, enquanto que o pico de ingestão de matéria seca só se verifica às 7-8 semanas. Assim, as vacas de alta produção apresentam um balanço energético negativo porque o fornecimento de glucose é inferior ao referido para a produção láctea, e o organismo tem de compensar mobilizando a gordura corporal e as reservas proteicas. 4 As vacas secas e as novilhas gestantes excessivamente gordas têm um grande risco de desenvolver cetose após o parto porque uma condição corporal em excesso, devido a um período seco muito longo ou a uma alimentação incorrecta, inibe a ingestão de alimentos, aumentando a mobilização das reservas corporais e a perda de peso no pós-parto. 4,21 A cetose clínica ocorre quando a exigência de glucose pela glândula mamária excede as reservas energéticas disponibilizadas pela dieta e mobilização da gordura, originando uma hipoglicemia. As necessidades diárias de glucose aumentam 30 % no fim da gestação e 75 % com o início da lactação. Apenas 10 % dessas necessidades está sob a forma de glucose, pois a energia é apresentada ao fígado na forma de ácidos gordos voláteis (AGV), sendo os principais o acetato, o propionato e o butirato. 4 A cetose manifesta-se clinicamente através de duas principais formas: a digestiva e a nervosa. 21 A forma digestiva é mais comum e os sinais prolongam-se por 2-4 dias e o peso corporal diminui muito rapidamente devido à diminuição do consumo de alimentos. Os episódios nervosos duram aproximadamente 1 a 2 horas e repetem-se em intervalos de 8-12 horas, durante as quais é frequente os animais traumatizarem-se fisicamente. 4,21 A sua alta incidência e os seus efeitos são uma das principais perdas económicas nas explorações leiteiras, devido aos custos de tratamento, à diminuição da produção leiteira, ao aumento da mortalidade e à redução da fertilidade. A profilaxia passa por uma alimentação e maneio correctos durante o fim da lactação para que o animal tenha uma boa condição corporal na altura do parto. Existem formulações orais à base de propilenoglicol, para aplicação pelos próprios produtores, que ajudam a combater este problema quando aplicados por rotina, mas são raros os casos de aplicação na prática local. 55 3.2.9 – OUTROS Outros Acidentes com meios de transporte 4 Clostridiose (possivel) 1 Ataques de cães 9 Hipertrofia ganglionar 2 Intoxicação cronica por nitratos 2 Intoxicação aguda por nitratos 1 Intoxicação por Lantana camara 2 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Gráfico 12 – Afecções de várias origens. 3.2.9.1 – Fotossensibilidade Existe fotossensibilidade quando uma substância fotodinâmica penetra na pele e é afectada pela luz ultravioleta suficiente para activar a inflamação ou para criar uma reacção fotoquímica que desprende energia, provocando a lesão subsequente da pele. (Figura 15) Nas vacas, as zonas das uniões muco-cutâneas e as partes de pêlo branco são os sítios mais frequentes da fotossensibilidade. 23 Figura 15 – Fotossensibilização. 56 A ingestão do fungo Phitomyces chartarum, de Lantana camara e uma intoxicação crónica de nitratos são factores que levam a fotossensibilidade ou “doença de pele”. Para a distinção da causa, é importante ter em conta a altura do ano, o número de animais afectados, a evolução da doença e o tipo de lesões. 3.2.9.1.1 – Phitomicotoxicose (Eczema facial) Todos os anos, com maior incidência no período compreendido entre Agosto e meados de Outubro, ocorrem diversos casos de fotossensibilização nas explorações pecuárias em São Miguel. Esta doença encontra-se disseminada nas regiões que possuem condições climatéricas propícias (temperaturas e humidade elevadas) ao desenvolvimento do fungo Phitomyces chartarum, que possui uma toxina denominada esporodesmina que provoca graves lesões hepáticas. O fígado lesado fica incapacitado de eliminar a filoeritrina, substância resultante da degradação da clorofila, que conserva propriedades fotossensíveis e que se vai acumular na circulação periférica, onde a incidência directa dos raios solares provoca lesões cutâneas. 36 O animal perde o apetite, apresenta fotofobia (procura as sombras), excitação, prurido e as áreas despigmentadas e glabras da pele apresentam hiperémia. Numa fase mais avançada, as zonas queimadas ficam escuras, com a pele ulcerada, desidratada e muito dura. As mucosas ficam ictéricas, há poliúria e o aborto ocorre frequentemente. Pode ocorrer a morte do animal. Dentro de uma mesma exploração, os casos de fotossensibilização verificam-se particularmente nas vacas secas e nas novilhas, dado que estas normalmente são separadas do grupo de produção e em muitos casos alimentados com erva das pastagens. O controlo passa por: 36 - Evitar aplicar fertilizantes azotados durante os meses de Agosto e Setembro porque uma pastagem azotada é potencialmente mais perigosa - Fornecer silagem a todos os animais durante o período crítico - Quando o problema for detectado, reduzir ao mínimo a dependência alimentar da pastagem problema. 57 - Todo o animal afectado deve ser isolado num local sombrio - Proteger os animais de uma eventual contaminação através da administração de zinco nos períodos de maior susceptibilidade, porque o zinco actua ligando-se à toxina do fungo formando quelatos, impedindo assim que provoque lesões no ficado. 3.2.9.1.2 – Intoxicação por Lantana camara A Lantana camara (Figura 16) está presente durante todo o ano nas pastagens, mas uma das épocas de desenvolvimento exuberante é a Primavera. É uma doença de evolução rápida que afecta mesmo os animais mais saudáveis. A intoxicação por L. camara provoca uma destruição hepática grave, causando colestase intra-hepática com consequente icterícia (mucosas ficam muito ictéricas) e as fezes apresentam-se duras e muito escuras. Há fotofobia e a pele fica hiperémica e engrossada. O animal deixa de comer e beber devido à dor que tem ao mastigar e engolir (porque as mucosas ficam muito danificadas), a depressão e desidratação são graves, há estase ruminal e pode ocorrer cegueira. A morte do animal é frequente. Impedir o acesso dos animais à planta é a medida mais eficaz. Figura 16 – Lantana camara. 3.2.9.1.3 – Intoxicação crónica por nitratos Trata-se de um problema típico do Outono, altura em que a erva está muito jovem e com elevados níveis de azoto. Ocorre em qualquer tipo de pastagem, mas com maior 58 incidência nas pastagens provenientes de terras onde se cultivou milho ou beterraba, uma vez que estas terras são normalmente fertilizadas com grandes quantidades de azoto. A evolução dos sintomas varia com os níveis de toxicidade das plantas e com a quantidade de alimento contaminado ingerido. Quando uma grande quantidade de erva com elevado teor em nitratos é ingerido, ocorre a intoxicação aguda, onde as bactérias do rúmen reduzem os nitratos em nitritos, que uma vez absorvidos e em circulação oxidam o ião ferro existente na hemoglobina, transformando-o em metahemoglobina, sucedendo-se uma situação de anóxia e muitas vezes a morte do animal. 14,37 Porém, quando as pastagens não estão muito contaminadas, pode ocorrer a intoxicação crónica que afecta principalmente os animais com doença hepática preexistente, que os torna mais sensíveis ao nitrito, ocorrendo a fotossensibilização. O teste da difenilamina parece ser o mais indicado para solos, forragens e vegetais, sendo este um teste qualitativo que em caso de positividade indica uma exposição aos nitratos que pode levar a uma possível intoxicação. Este teste baseia-se no princípio de que os aniões nitrato/nitrito em meio ácido (ácido sulfúrico) oxidam a difenilamida, da qual resulta uma cor azul intensa. (Figura 17) Se 10segundos após a aplicação da solução se notar o aparecimento da cor azul, estamos na presença de um teor em nitrato superior a 1-2%, passível de causar intoxicações. 7 Este problema pode ser evitado através da utilização de formulações azotadas de libertação controlada ou azoto amoniacal e amidrico com inibidor de nitrificaçao. Figura 17 – Teste difenilamina positivo. 59 3.2.9.2 - Ataque por cães Este é um problema em crescimento e com forte impacto numa região que tem, na sua maioria dos casos, todos os animais em pastoreio. Quase todos os produtores têm, preso à máquina de ordenha móvel, um cão cuja função é manter as vacas afastadas da máquina durante o dia, quando não está a ser feita a ordenha. Por vezes, estes cães tornam-se errantes e na altura do Verão, há muitos animais que são abandonados nas pastagens pela população. Estando o Canil Municipal superlotado, as recolhas dos animais já praticamente não se fazem e não existe qualquer programa de controlo deste problema. Assim, como as matilhas de cães têm vindo a aumentar, estes atacam os animais em pastoreio, estando as vacas paralisadas devido ao parto e os vitelos nos primeiros meses de vida particularmente vulneráveis. A construção de um novo Canil Municipal e um programa de recolha e controlo dos animais é absolutamente necessário. A educação e sensibilização da população em geral para o abandono dos animais também devem ser feita. 60 4- CONCLUSÃO O estágio é uma etapa muito importante no percurso académico de um estudante porque facilita a transição entre o mundo universitário e o mundo do trabalho, sendo o início daquilo que deverá ser uma aprendizagem contínua e um aperfeiçoamento permanente por parte do médico veterinário. Através da aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos ao longo de cinco anos, o estágio transmite novos conhecimentos e cimenta os já existentes. Relativamente à exploração de bovinos de aptidão leiteira em São Miguel, há ainda muito a fazer para melhorar a produção, nomeadamente no que diz respeito ao maneio e profilaxia, porque na produção pecuária há que minimizar os gastos e os custos com o diagnóstico e com o tratamento devem ser considerados. Assim, a clínica de espécies de pecuárias irá passar essencialmente pela prevenção, deixando-se para trás a clássica medicina curativa. O médico veterinário desempenha um papel fundamental no meio rural porque, para além da actividade clínica que pratica, tem um papel importante na transmissão de conhecimentos sobre medidas profiláticas e regras de maneio alimentar e higiosanitárias, nunca esquecendo a vertente social. Creio ter adquirido princípios e perspectivas que irão ser importantes na minha vida profissional e pessoal, e num mundo cada vez mais competitivo e economicista, valores como a amizade e honestidade devem estar sempre presentes em nós. 61 5- BIBLIOGRAFIA 1- ANDRADE, V.A. (1984). Controlo de Mamites: 1-16. Escola Superior Agrária – Instituto Politécnico de Castelo Branco. Castelo Branco. 2- BIRGEL, E.H; GRUNERT, E. (1984). Purpério Patológico. Em: Obstetrícia Veterinária. 2ªed. Sulina, Barcelona, pp. 131-305. 3- CARLSON, G.P. (2002). 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