Fevereiro 2009 - Museu da Lourinhã

Transcrição

Fevereiro 2009 - Museu da Lourinhã
Número 13
Ano 2009
Mês Fevereiro
Museu da Lourinhã
Editorial
Celebrou-se no dia 12 de Fevereiro o segundo centenário do
nascimento de Charles Darwin. O espaço deste editorial não
permite tratar com a dignidade que merece o homem e a obra,
bem como o contributo que para ela deu o estudo dos fósseis.
Por isso, sem querer deixar de assinalar a efeméride, remetemos para melhor ocasião essa homenagem.
Continuamos a secção “Perguntas com Resposta”, façam-nos chegar as vossas
questões. Aproveitamos para lembrar que as opiniões expressas pelos autores
são as deles, e não reflectem necessariamente as do Boletim ou do GEAL.
O Boletim sai um pouco tarde ... aproveitámos para vos trazer novas do
Miragaia longicollum, mais uma espécie única que o nosso Museu alberga. São,
ao todo, cinco, o que constituirá para todos justo motivo de orgulho!
Continuando na paleontologia, está a decorrer a 6º edição do Concurso
Internacional de Ilustração de Dinossauros, que tantas e tão belas obras tem
proporcionado ao Museu. Relembramos nesta edição a sua origem e resultados.
Os nossos voluntários, bem hajam, continuam a dar um precioso contributo ao
Museu, desta vez trazemo-vos o testemunho duma jovem Geóloga. Jovens: já
pensaram nas férias de Verão?
Fernando Nogal
Neste número
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Mensagem do Editor
Notícias da Associação
Serviços do Museu
Palavras Cruzadas
Artigos
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Perguntas com Resposta
Outeiro do seixo – Uma estação do Paleolítico Inferior e Médio
Testemunho pessoal – Voluntariado no Museu
Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros
Museu da Lourinhã apresenta um novo dinossauro
Dez Centos de Excelência (+1) na Paleontologia de Vertebrados
Capa: Uma montagem feita de recortes de algumas das obras submetidas às
anteriores edições do CIID – Concurso Internacional de Ilustração de
Dinossauros. As obras estão expostas no Museu da Lourinhã e podem ser
vistas on-line. Mais informação no artigo da página 4.
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Boletim N.º 13
Fevereiro 2009
Museu da Lourinhã
Notícias
•
Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros
Encontra-se na sua sexta edição o Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros.
O regulamento pode ser obtido seguindo a ligação na página inicial do sítio Internet do
Museu ou, directamente, em:
http://www.museulourinha.org/CIID.htm
•
Museu da Lourinhã participa num projecto internacional de investigação potencialmente
financiado pela FCT
O Museu da Lourinhã, funcionando como Unidade de Investigação Adicional, faz parte do rol das instituições
entre as quais se contam a prestigiada Smithsonian Institution e a Universidade de Calgary, Canadá,
participantes num projecto paleontológico de âmbito internacional. O projecto, que estudará o extenso espólio
de embriões, ninhos e ovos da Lourinhã, é candidato ao apoio da Fundação de Ciências e Tecnologia, e aguarda
agora o escrutínio do seu painel de avaliadores.
O projecto será liderado por Octávio Mateus (Investigador Principal) e foi também escrito/concebido com o
auxílio de Ricardo Araújo e Rui Castanhinha. Dentro de alguns meses a decisão de financiamento será divulgada
publicamente. O Museu da Lourinhã poderá participar ainda noutro projecto incidindo na Paleontologia de
Angola, no seguimento das investigação em curso naquele país.
•
GEAL celebra acordo com a Casa Pia de Lisboa
O GEAL celebrou um acordo de cooperação e acção conjunta com a Casa Pia de Lisboa. Esta dispõe de várias
instalações físicas e equipamentos que poderão ser úteis em vários projectos do GEAL, e este, por sua vez,
pode proporcionar apoio em domínios extra-lectivos, por exemplo acolhendo alunos em equipas de trabalho no
âmbito das nossas actividades.
Perguntas com resposta!
Tal como prometido, retomamos aqui as respostas às perguntas
sobre os fósseis. No número anterior do Boletim publicámos a
resposta à pergunta “Já sei que têm muitos milhões de anos, mas
quanto tempo demora a fazer um fóssil?” Hoje, os paleontólogos
Rui Castanhinha e Ricardo Araújo satisfazem-nos a curiosidade
sobre dois outros temas com ela relacionados,
Comecemos pela pergunta “Quanto tempo decorre até se poder
considerar uma planta ou animal como fóssil?”
Se definirmos fóssil como sendo qualquer vestígio natural de
origem biológica preservado em rocha, sedimento ou gelo, então
temos algo que pode levar desde alguns minutos até centenas de
milhões de anos a formar-se.
No primeiro caso temos o exemplo de um animal que fica
aprisionado numa tempestade de neve ou areia, ou na lava de um
vulcão e, no segundo, temos o exemplo típico da esmagadora
maioria dos dinossauros Jurássicos que encontramos na Lourinhã.
Sendo um processo contínuo, iniciado com a morte e soterramento, até à formação do substrato geológico, é impossível
dizer quanto tempo demoram a formar-se os fósseis. É como
Fevereiro 2009
Foto: Casca de ovo de dinossauro do Museu Britânico de
História Natural (Londres).
perguntar quando tempo demora a formar-se um monte de areia,
se partirmos de uma superfície plana e diariamente acrescentarmos um grão de areia: a partir de que momento podemos dizer
que temos um monte? Não há qualquer fronteira nítida.
Boletim N.º 13
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Museu da Lourinhã
A resposta não é fácil e existe, até, uma ciência dedicada exclusivamente ao estudo dos processos de fossilização: A Tafonomia (do
grego tafós, enterramento, sepultura e nómos, lei).
Quanto aos fósseis que encontramos na Lourinhã, seguramente
que não sofreram fortes alterações geológicas desde o Jurássico
(150 milhões de anos atrás). Caso contrário não teriam sido preservados da forma como foram. O seu soterramento e preservação devem ter sido rápidos, possivelmente apenas dias ou semanas.
No entanto, nada disto quer dizer que a gradual substituição dos
químicos iniciais por minerais mais perenes, o processo de fossilização, tenha sido rápido. Provavelmente demorou vários milhões
de anos até se obterem as características que hoje podemos
observar sempre que escavamos um dinossauro.
Assim sendo temos, no sentido mais lato de fóssil, um espectro
temporal muito amplo quanto ao que dura a fossilização de um
(ou o vestígio de um) organismo. No sentido mais restrito, se
pensarmos nos dinossauros descobertos na Lourinhã, estamos a
falar de vários milhões de anos.
Para contornar esta questão alguns paleontólogos erigiram uma
barreira arbitrária aos 10.000 anos, que é a fronteira do
Holocénico e, além disso, coincide com o aparecimento do Homo
sapiens e uma glaciação.
Ou seja, a partir do momento em que o Homem começou a ter
impacto substancial na alteração do meio ambiente (sim! porque
não foi só a partir da Revolução Industrial, já há 10.000 anos
eventos de extinção tem sido atribuídos à caça feita pelos homens;
por exemplo, a extinção das megafaunas Norte-Americana e
Australiana).
Mas repare-se que esta definição não é inerente ao fóssil em si,
mas sim a uma realidade que lhe é paralela e, de certo modo,
independente: é uma definição antropocêntrica, em vez de ser
relativa ao fóssil em si. Isto é, que raio tem o aparecimento do
Homem a ver com o estado de fossilização de um mamute,
suponhamos? Não me parece correcto!
Outro tema interessante é sabermos como podemos afirmar que
esses mesmos animais viveram há milhões e não há milhares de
anos, mas isso é outra história …
Repare-se ainda que podemos encontrar vestígios com 8.000 anos
muito mais diageneticamente alterados que vestígios com 14.000
anos (chama-se diagénese ao conjunto de processos de
transformação dos sedimentos em rochas, nos quais se podem
incluir os sedimentos orgânicos que darão origem aos fósseis).
Nota: No estado Norte-americano do Oregon existe uma
localidade chamada Fóssil. Este deve ser, sem dúvida, o “fóssil”
mais curioso do mundo e seguramente que não demorou milhões
de anos a formar-se. „ Rui Castanhinha
Portanto, a questão do Homem e dos 10.000 anos parece passar
um pouco ao lado deste assunto. Isto leva-nos a crer que a nossa
definição tem de ser intrínseca aos próprios vestígios e tem de
abranger estas situações limite.
E, por último, a resposta à questão “O que é, realmente, um
Parece-me então que uma boa definição seria: "todos os vestígios
somáticos de organismos afectados por um qualquer processo
diagenético".
fóssil?”.
Começo por dizer que assumo desde já a minha "douta
ignorância" e, talvez, em de esta ser uma “pergunta a quem sabe”
seja, isso sim, a quem sabe mais um bocadinho ou a quem pensou
um bocadito mais sobre um determinado assunto.
Estas questões de definições são muitas vezes meros exercícios
académicos mas, sem dúvida que pensar sobre eles pode gerar
conclusões engraçadas. As definições são, como é claro, importantes mas restringem a um número finito de palavras aquilo que
é inefável: uma determinada realidade. Mas, por outro lado,
criam limites mais objectivos a um conceito abstracto. Neste caso
o conceito que queremos definir é: fóssil. É um conceito e não
uma realidade.
Passo a explicar: geralmente quando se pensa em fósseis
imaginam-se calhaus com a forma de osso, ou dentes muito
preservados, duros que nem pedra. Mas, não é nestes casos que
incide o problema da definição.
Sabemos que não é nos vestígios de organismos mineralizados (i.e.
transformados em pedra) que incide o nosso problema, mas sim
nos casos limite: será um mamute siberiano congelado um fóssil?
Será uma múmia egípcia um fóssil? Serão fósseis os vestígios
ósseos de cadáveres de elefantes no Serengueti? Não deixa de ser
difícil estabelecer uma fronteira clara.
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Somático, porque exclui os chamados trace fossils, mas também
pegadas e afins. De organismos e não orgânicos, porque a
evidência tem de ser directa, e isto exclui os coprólitos
(defecações fossilizadas), ou sinais orgânicos peculiares tais como
alterações dos níveis de isótopos estáveis de oxigénio – ao
contrário dos isótopos radioactivos, que se desintegram, há alguns
isótopos que não variam as suas concentrações ao longo do tempo.
Contudo, esta definição exclui, por exemplo os mamutes siberianos... porque eles estão simplesmente dessecados e congelados,
e não diageneticamente alterados. Pelo que, ao abrigo desta
definição, mamutes congelados não são fósseis.
Mas poderíamos tentar incluir também os mamutes, e
poderíamos alterar a nossa definição para algo do género: "todos
os vestígios somáticos de organismos cujo decaimento biológico
esteja inibido". Ou seja, não são permitidas alterações por
bactérias aos vestígios dos organismos. Mas isto é um bocado
estranho, porque então qual é a legitimidade que teríamos para
dizer que o mamute é fóssil mas o frango que temos no
congelador não é?
Apesar de ser mais exclusiva, a primeira definição parece ser a
mais adequada. „ Ricardo Araújo
Boletim N.º 13
Fevereiro 2009
Museu da Lourinhã
OUTEIRO DO SEIXO
UMA ESTAÇÃO DO PALEOLÍTICO INFERIOR E MÉDIO
RIBAMAR – LOURINHÃ
Introdução
Dedicatória
Breuil e Zbyszewski (1945) descreveram praias do Siciliano com a
presença de indústrias arcaicas ditas “lusitanianas” em Magoito
(90-95m), Açafora (70-80m), Azenhas do Mar (90-100m) e Cabo
Espichel (90-100m).
Desde as décadas de 80, 90, que tem sido debatida a problemática
do Paleolítico Inferior em Portugal, debate esse protagonizado
principalmente por Luís Raposo e João L. Cardoso, e sintetizado
na apresentação de um trabalho em conjunto destes arqueólogos,
nas I Jornadas do Quaternário da APEQ (2000).
Em 1987, Carlos Anunciação descobriu a estação do Outeiro do
Seixo, essencialmente do Paleolítico Inferior e Médio, com
artefactos sobre seixos rolados e lascas, tendo recolhido 72 peças
até 1992.
Localização
O Outeiro do Seixo fica localizado a Sul de Ribamar, no
concelho da Lourinhã, tendo como pontos de referência o moinho de vento e o marco geodésico. Encontra-se a uma cota de
100 a 109 metros e tem como coordenadas 39º 11’ 32” N e 9º 20’
26” W (Google Earth, 2008).
É constituído por um afloramento do Plio-Plistocénico, de areias
e cascalheiras que assentam directamente sobre terraços da unidade da Praia da Amoreira – Porto Novo, do Jurássico Superior.
(Manuppella et al., 1999).
Conhecemos Manuel Farinha dos Santos em 1980, quando foi
descoberta a gruta da Feteira. Nessa altura, aconselhou-nos
sobre o que deveríamos fazer para se tornar viável a
escavação de emergência desta gruta. A partir de então
sempre nos apoiou e incentivou a trabalhar e estudar,
tornando-se um grande amigo.
Foi Director do Curso de Arqueologia na Universidade
Autónoma de Lisboa, que frequentámos e, em Agosto de
1992 e seguintes, deu-nos a honra de ficar em nossa casa e
estudar connosco as peças já recolhidas do Outeiro do Seixo,
e outras que se encontram no Museu da Lourinhã.
O nosso agradecimento póstumo é uma homenagem e um
gesto de saudade. Bem-haja, Professor.
Esta zona está a uma cota inferior resultante de uma maior actividade agrícola e da abertura de novas estradas, quer a Sul quer a
Poente. Esta indústria, 72 peças do acervo do Museu e as agora
recolhidas, é, na sua grande maioria, composta por raspadeiras e
raspadores, sendo de realçar duplas raspadeiras; quatro peças
bifaciais (proto-bifaces); dez unifaces; vários núcleos e furadores,
sendo dois em sílex.
Encontrámos pela primeira vez vários percutores, cuja existência
até então se desconhecia.
Mantêm-se a supremacia da técnica Acheulense, existindo também no contexto lascas Clactonenses e rara indústria Mustierense,
pelo que reafirmamos a conclusão apresentada por M. F. S. de ser
uma estação do Acheulense Antigo e Médio.
A descoberta de três peças “in loco”, muito eolizadas, no estrato
do Plio-Plistocénico, exige uma futura escavação. O estudo cuidadoso desta estação poderá lançar novos dados sobre a presença
humana na Estremadura portuguesa. „ Isabel Mateus e Horácio
Mateus
Bibliografia
ƒ BREUIL, H. & ZBYSZEWSKI, G. (1945). Contribution à l'étude des
industries paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la Géologie du
Quaternaire. Les principaux gisements des plages quaternaires du littoral.
Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal. XXVI, (II). Direcção-Geral de
Minas e Serviços Geológicos. Lisboa.
ƒ MANUPPELLA G., ANTUNES, M. T., PAIS, J., RAMALHO, M. M. E
REY, J. (1999). Notícia Explicativa da Folha 30-A. Lourinhã. Carta Geológica de
Portugal. Departamento de Geologia do Instituto Geológico e Mineiro. Lisboa.
Estratigrafia do terraço.
Descrição
Em 2008, efectuámos novas prospecções e recolhemos novas
peças. Salientamos que, na parte Sul, existe uma maior percentagem de calhaus em quartzo, muitos deles com fracturas mecânicas,
sendo o resto em quartzito e somente um núcleo em sílex.
Fevereiro 2009
ƒ RAPOSO, L. e CARDOSO, J. L. (2000). A questão das primeiras
ocupações humanas do território português, no quadro europeu e circummediterrânico: História das investigações, situação actual, perspectivas futuras.
Estudos do Quaternário. Revista da Associação Portuguesa para o Estudo do
Quaternário. 3. 57-72.
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Museu da Lourinhã
Testemunho pessoal – Voluntariado no Museu
Contrariamente ao que as pessoas possam pensar, sendo até
estranho para mim, quando penso no que escrever sobre o meu
voluntariado no Museu da Lourinhã, as imagens que recordo são
bem diferentes daquelas associadas ao tradicional conceito de
dinossauro.
Como já disse, parti
para esta experiência a
acreditar que ela iria
contribuir para a minha
formação profissional,
mas tal não se verificou.
Em minha defesa, adianto já que o meu conhecimento sobre
dinossauros se resume a visualizações intensivas e repetitivas dos
diversos filmes “Vale Encantado” que passavam na televisão
quando era pequena, e relatos eloquentes de um colega de
faculdade e colaborador do Museu. Foi por intermédio dele que
tomei conhecimento das equipas de voluntariado.
Na verdade, o voluntariado no Museu contribuiu, isso sim, largamente, para a minha formação como pessoa. E isso foi mérito das
pessoas que conheci na Lourinhã.
Achei o convite muito estimulante. Acreditava que poderia
contribuir alguma coisa para a minha formação profissional…
Estudo Engenharia Geológica. Podem imaginar que o contributo
para a minha formação profissional foi quase nulo.
Sendo que, na maioria dos casos, um testemunho deve ser
positivo e encorajador, de modo a que outros partilhem as nossas
experiências, devem estar a pensar que o meu não está de todo a
tomar esse caminho. Mas tudo tem um objectivo.
Rapidamente me apercebi, provavelmente no fim do primeiro ou
segundo dia do meu voluntariado, que não é preciso perceber
nada de dinossauros, nem de qualquer área semelhante, para se
embarcar na aventura de ajudar quem percebe do assunto.
A verdade é que, quando me juntei ao grupo de voluntários, os
mesmos trabalhavam juntos há já quase um mês. Pensei, por
momentos, que iria mais atrapalhar do que ajudar. Mas a recepção
foi calorosa, esclarecedora, didáctica e encorajadora.
E o meu primeiro dia foi passado no campo!
Para alguém com experiência apenas televisiva, o contacto com
“aquilo” que me disseram ser um ninho com imensas formas
geométricas que me apresentaram como cascas, fez despertar em
mim diversas exclamações de admiração, e algum sentimento de
compreensão para com os profissionais desta temática.
Também, no campo, esse sentimento se tornou real. A excitação
sentida após uma resposta afirmativa às minhas incansáveis
perguntas de “Isto é alguma coisa?” ou “Isto é uma casca?”,
despertou em mim uma enorme sensação de dever cumprido, de
salvadora de património! Era, realmente, uma sensação diferente
de todas que já havia sentido.
Não estou a dizer que sou actualmente uma curiosa doentia de
dinossauros, mas, sem dúvida, tenho alguma curiosidade em
conhecer mais. E essa é uma das razões que me fará voltar ao
Museu da Lourinhã.
Mas há outras igualmente importantes.
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Entrei agora na parte cliché dos testemunhos. Mas acreditem que é
sem dúvida a parte mais importante deste meu pequeno texto e
também a parte mais difícil de escrever.
Como explicar a lembrança de pessoas que nos fazem sorrir, só de
pensar nelas? Como escrever a importância da força e alegria de
pessoas que, por determinados períodos, largam as suas casas e as
praias, tão apetecidas na época do Verão, para ajudar um Museu,
que na maioria das situações, não é da sua cidade, nem sequer do
seu país? Como explicar a importância de pessoas, que em apenas
15 dias, ganharam importância e cumplicidade nas nossas vidas?
Não sei como explicar ou descrever, mas encontrei no meu
voluntariado no Museu da Lourinhã algumas das pessoas mais
admiráveis que já conheci, e com quem rapidamente criei enorme
empatia e cumplicidade. Os bons amigos surgem onde menos se
espera. Alguns dos meus surgiram numa encosta de uma praia, a
escavar “casquinhas” de dinossauros.
Espero que acreditem nas minhas palavras. Afinal, fui sincera
quando falei do contributo para a minha formação profissional.
Adoptei, aqui, a mesma postura. Inclusivamente, acho que fui
incompleta na descrição humana do meu relato, mas decidi
conter-me para não ser “lamechas”.
Não quero convencer-vos a apaixonarem-se por dinossauros. Até
porque, se estão a ler este pequeno testemunho, seguramente
têm algum contacto com esta temática.
Quero sim, expressar o meu agradecimento às pessoas que me
proporcionaram esta experiência, que me deixou saudades e que
ainda hoje me faz sorrir
Quero também, com estas palavras soltas, sublinhar a ideia de
que cada um de nós tem “enterrado” em si enorme potencial para
ajudar o Museu da Lourinhã. Para isso basta voluntariar-se.
Prometo que vão encontrar milhões de anos de história, sensações
que nunca sentiram, diferentes imagens do conceito de
dinossauro, bons amigos… e a minha pessoa! Porque sem dúvida
vou querer voltar! „ Filipa Matias
Boletim N.º 13
Fevereiro 2009
Museu da Lourinhã
Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros
Desde o ano 2000 que o Museu da Lourinhã promove o
Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros (CIID) que
vai agora na sua 6ª edição. A ideia do Concurso surgiu da
necessidade de se obterem imagens de dinossauros, com boa
qualidade, que pudessem ser utilizadas como complemento e
apoio à exposição do Museu.
Inicialmente, o âmbito das ilustrações era restrito a dinossauros e
répteis Mesozóicos (estes existiram ao mesmo tempo que os
dinossauros) mas este ano o Júri decidiu alargar os temas, incluindo outros animais extintos tais como mamutes, trilobites ou
australopitecos. Neste momento decorre a fase de elaboração e
entrega dos trabalhos cujo prazo termina a 31 de Maio de 2009.
Cada autor pode concorrer com o número de trabalhos e a técnica
que quiser.
O Júri tem seis elementos e é composto pelo Prof. Dr. Telles
Antunes e Doutor Octávio Mateus, paleontólogos e ambos com
conhecimentos de ilustração científica; Nuno Farinha e Fernando
Correia, que são dois biólogos ilustradores, e José Projecto, que
já desenhou várias séries de selos de animais dos CTT, incluindo a
série das aves e dos dinossauros; e um técnico do Museu da
Lourinhã, Simão Mateus.
A quando do lançamento do primeiro CIID, em 2000, não existiam garantias de qualquer resultado positivo. Mas, à medida que os
trabalhos foram chegando, o Museu foi-se apercebendo que a
iniciativa não tinha sido em vão e a qualidade das ilustrações vencedoras confirmou o sucesso do Concurso.
Desde então que o balanço é fortemente positivo, tendo justificado a reedição do Concurso. Mas nem tudo é perfeito, não
tendo sido possível realizar o Concurso com periodicidade anual.
Reiniciou-se agora, após uma paragem de vários anos.
O CIID tem impacto nas comunidades da especialidade e na
imprensa portuguesa, o que vem demonstrar que o sucesso obtido
é tanto nacional como mundial.
A capa deste número do Boletim é uma colagem de pequenos
excertos de algumas das obras concorrentes. No sítio do Museu
na Internet, em http://ww.museulourinha.org pode ver algumas
destas obras seleccionando na barra de topo “Exposições” e, em
seguida, na barra lateral, “Concurso de Ilustração”.
O Regulamento está disponível seleccionado a imagem do
Concurso na página inicial do Museu, ou directamente em
http://www.museulourinha.org/CIID.htm
“Qualidade Técnica e Rigor Científico” são os critérios de avaliação. Em caso de empate é dada preferência a espécies portuguesas. „ Simão Mateus
Museu da Lourinhã apresenta um novo dinossauro que
desafia a visão tradicional dos estegossauros
Após um pormenorizado estudo, investigadores do Museu da
Lourinhã concluíram estar perante um novo género e nova
espécie de dinossauro do Jurássico, que baptizaram com o nome
de Miragaia longicollum. O estudo foi publicado na conceituada
revista Proceedings of the Royal Society de Londres, Reino Unido.
o mesmo número o mais alto entre todos os dinossauros nãoavianos.
O alongamento do pescoço ocorreu por dois processos
evolutivos: pela adição de mais vértebras do pescoço e pela
cervicalização, isto é, a transformação de vértebras do dorso em
pescoço.
Os dinossauros estegossauros são normalmente identificados pelas
suas placas no dorso, espinhos na cauda, membros pequenos e
pescoço curto. Contudo, um novo estegossauro com 150 milhões
de anos, descoberto perto da Lourinhã, surpreendeu os
paleontólogos do Museu da Lourinhã, Universidade Nova de
Lisboa e Universidade de Cambridge pelo seu pescoço comprido.
O Doutor Octávio Mateus, paleontólogo investigador do Museu
da Lourinhã e da Universidade Nova de Lisboa, e o autor
principal do estudo, referiu que "O aumento no comprimento do
pescoço deste dinossauro demonstra a flexibilidade evolutiva dos
dinossauros e sua capacidade de se adaptar às mudanças".
Ainda que o pescoço de cerca de metro e meio do Miragaia
longicollum possa parecer pequeno quando comparado com o dos
gigantes saurópodes, as 17 vértebras cervicais representam mais
cinco do que as do Stegosaurus e mais dez do que a girafa – sendo
Mas o que levou este estegossauro a evoluir para um pescoço
comprido? Os paleontólogos levantam duas hipóteses: a
competição com outros dinossauros levou a explorar áreas de
alimentação menos usadas por outros herbívoros, ou a selecção
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Boletim N.º 13
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Museu da Lourinhã
sexual, em que os indivíduos de pescoço maior seriam mais
facilmente seleccionados pelos parceiros.
O nome Miragaia longicollum tem duplo significado: se, por um
lado, Miragaia é a povoação perto da Lourinhã onde foi
descoberto, também significa "bela Gaia" (deusa da Terra), de
pescoço longo.
Neste estudo identificaram-se não só uma nova espécie e género,
mas também um novo grupo (equivalente a uma sub-família) de
dinossauros: os Dacentrurinae.
O estudo baseia-se na parte da frente de um esqueleto e inclui o
único craniano de um estegossauro conhecido, na Europa, que
está em exposição no Museu da Lourinhã.
Artigo científico: Mateus, O., Maidment, S.C.R., and N.A.
Christiansen. 2009. A new long-necked ‘sauropod-mimic’ stegosaur and
the evolution of the plated dinosaurs. Proceedings of the Royal
Society B, first online. DOI 10.1098/rspb.2008.1909.
Disponível em:
http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/early/2009/02
/21/rspb.2008.1909.full.pdf+html
Dez Centros de Excelência (+1) na Paleontologia de
Vertebrados
No que concerne ao estudo da Paleontologia de Vertebrados existem alguns centros de investigação à volta do mundo que são
determinantes e extremamente influentes. Muitos deles estão nos Estados Unidos, se bem que também na Inglaterra e Alemanha se
produza muita e boa informação científica. Nas economias emergentes, ao ritmo do crescimento económico, também existe um forte
potencial de desenvolvimento científico. Nomeadamente a China, o Brasil e a África do Sul (um de cada continente) têm dado provas
de qualidade com os seus investigadores publicando nas melhores revistas.
Escolhi 10 universidades ou instituições que, na minha opinião, tem desenvolvido trabalho cuja influência ultrapassa os anos recentes e
creio que perdurará nas próximas décadas. Como em qualquer escolha pessoal, corro o risco de omitir grandes instituições que,
também elas, têm contribuído para o progresso da paleontologia de vertebrados.
University of Bristol
http://palaeo.gly.bris.ac.uk/
O seu departamento, encabeçado por Mike
Benton, tem desenvolvido trabalho nas mais
diversas áreas da paleontologia de vertebrados desde a morfologia
funcional e biomecânica, até grandes questões como os eventos de
extinção em massa e diversidade.
Também têm um grupo que lidera a construção das chamadas
‘supertrees’, que estabelecem as relações de ’parentesco’ entre
grupos de animais. Tal requer vastos recursos informáticos, dada
a quantidade de informação processada.
The Natural History Museum
http://www.nhm.ac.uk/
As suas magníficas e lendárias instalações fazem jus à
qualidade da ciência que lá se produz. São fomentadores da revista Paleontologica Electronica que disponibiliza na
internet, gratuitamente, artigos científicos (http://palaeoelectronica.org/).
Têm um projecto colossal de inventariação de todos os
Tetrápodes fósseis usando tecnologia SIG (sistemas de informação
geográfica).
Ohio State University
http://www.oucom.ohiou.edu/dbmswitmer/lab.htm
Encontra-se aqui o Witmer’s Lab que tem
desenvolvido um trabalho muito amplo de aplicações de extrema
importância, nomeadamente sobre a morfologia e anatomia dos
cérebros dos arcossauros (que incluem crocodilos, dinossauros e
pterossauros).
Este trabalho requer tecnologia de ponta, tal como tomografia de
alta resolução. É assim possível observar nos fósseis, entre outras,
as estruturas timpânicas, que tem sido o principal motivo de
estudo deste grupo. Também têm promovido expedições a África,
principalmente em Madagáscar.
University of Chicago
http://geosci.uchicago.edu/research/paleo_evo.sh
tml
Para além do lendário David Jablonski que, fazendo
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Museu da Lourinhã
uso da paleontologia, deu contributos fundamentais para a
compreensão da macroevolução, Paul Sereno, do mesmo
departamento, percorre o Níger, Marrocos e outros países para
recolher dinossauros.
Mas também é promovida investigação em tetrápodes primitivos
tentando-se simultaneamente compreender a aquisição de
caracteres morfológicos no decurso da evolução.
University of Alberta
http://www.biology.ualberta.ca/wilson
.hp/UALVP.html
O trabalho de investigação desta instituição tem sido potenciado
pelas inúmeras descobertas de vertebrados fósseis que se têm feito
na região. Phil Currie, que tem trabalhado principalmente com
dinossauros terópodes (carnívoros bípedes) é um dos nomes
sonantes que já passou pelo Laboratory of Vertebrate
Paleontology.
Michael Caldwell também tem desenvolvido um trabalho
fundamental na compreensão da origem de certos grupos dos
Squamata (tudo o que seja lagartos e serpentes), nomeadamente
no surgimento e evolução das serpentes e dos mosassauros
(répteis marinhos que existiram durante o período Cretácico). Os
seus recursos são impressionantes e incluem vários aparelhos de
tomografia de alta resolução e microscópios electrónicos com
tecnologia de ponta.
American Museum of Natural
History
muita tinta tem corrido nas principais revistas científicas nos
últimos tempos e o conhecimento produzido nesta área marcará,
sem dúvida, as próximas gerações de paleontólogos.
Institute of Vertebrate Paleontology
and Paleoanthropology
http://www.ivpp.ac.cn/cn/
Esta instituição científica provavelmente terá, ao
todo, mais do dobro dos paleontológos existentes em toda a
Ibéria. Só entre 1999 e 2005 foram publicados cerca de 45 artigos
nas revistas científicas Nature e Science, que têm um elevadíssimo
grau de exigência. A quantidade de material fossilífero de relevo
produzido na China é proporcional à dimensão do estatuto do
IVPP.
Montana State University e Museum
of the Rockies
http://www.museumoftherockies.org/
No Estado de Montana têm sido feitas inúmeras descobertas,
principalmente no Jurássico superior (e.g. Formação de Hell
Creek) e Cretácico superior (e.g. Formação de Cloverly). E
nestas formações geológicas não só viveram dinossauros mas
também – à sua sombra – pequenos mamíferos, lagartos, anfíbios,
etc... Jack Horner, o mais proeminente paleontólogo daquele
Estado, dedica-se essencialmente à evolução e ecologia dos
dinossauros. Mas os seus estudantes dedicam-se também a
aspectos mais vastos, incluindo microvertebrados e histologia.
Universität Bonn
http://paleo.amnh.org/
http://www.sauropod-dinosaurs.uni-bonn.de/
O AMNH, como é geralmente conhecido, é uma instituição com
uma longa e vasta influência nos meandros da paleontologia de
vertebrados, tendo sido a casa de um dos mais míticos caçadores
de dinossauros, Barnum Brown. O seu legado é hoje carregado
aos ombros de, também eles grandes, paleontólogos como Mark
Norrell, John Flynn e Michael Novaceck. Eles têm desenvolvido
expedições em Madagáscar e Mongólia, por exemplo.
Este grupo de investigação interdisciplinar tem o
propósito pouco ambicioso de: “saber tudo sobre saurópodes”.
Neste grupo se inclui por exemplo Martin Sander, especialista em
histologia (estudo dos tecidos, que na paleontologia se resumem
geralmente aos ossos).
Museu da Lourinhã
http://www.museulourinha.org/
University of California, Berkeley
http://www.ucmp.berkeley.edu/people/padian/
home.php
É aqui que Kevin Padian e o seu laboratório têm
desvendado os segredos sobre a origem dos dinossauros,
incidindo sobretudo numa época que se pensa ter sido fulcral: a
fronteira entre o Triásico e o Jurássico. Mas Padian e os seus
estudantes também estão preocupados com grandes problemas da
evolução, como a origem do voo nas aves. Só sobre este tópico
O Museu inspira-se nas instituições acima, e noutras, no seu
contributo para a construção deste conhecimento. É óbvio que
ainda está longe de ter a excelência dos centros de investigação
acima citados mas, à sua escala, tem tido um impacto
extremamente positivo no mundo da paleontologia. Por enquanto
não tem aparelhos de tomografia sofisticados nem laboratórios
com equipas de dez preparadores, mas tem, isso sim, a ambição
de um dia lá poder chegar!
„ Ricardo Araújo
O Museu da Lourinhã disponibiliza os seguintes Serviços:
•
•
Visitas guiadas e palestras
Paleontologia:
o Preparação de fósseis
o Elaboração de moldes
o Venda de réplicas
Fevereiro 2009
•
•
Boletim N.º 13
Conservação e restauro de peças
Workshops:
o Conservação e restauro
o Réplicas
o Preparação de fósseis
9
Museu da Lourinhã
PALAVRAS CRUZADAS
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2
3
4
5
6
7
8
9 10
1
2
Decididamente este Boletim não quer
seguir o padrão habitual. …
Não resistimos a propor-vos um
desafio, não muito difícil, mas
também não demasiado fácil, que nos
chegou pela pena de
3
4
5
6
7
Isabel Mateus e Horácio Mateus
8
Digam-nos se gostaram
9
10
10
Horizontais
Verticais
1. Etnografia: objecto do tanoeiro; Religião: têm os crentes.
2. Biologia: animal que sobrevoa Paimogo; Geologia:
componente do granito.
3. Literatura: inspiradora de Camões nos Lusíadas; Pescas: os
pescadores são mestres em fazer.
4. Tauromaquia: grito dos aficionados; Botânica: servem para
atear o lume.
5. Geografia: Vila de Portugal; Política: existe no teclado
Magalhães.
6. Arte: exímio; Paleontologia: têm os escavadores mas não os
terópodes.
7. Onomástica: diminutivo de um nome de menina; Desporto:
metade de um golo.
8. Gastronomia: petisco nos Frutos do Mar; Arqueologia:
arqueólogo que não sabe não pode escrever.
9. Paleontologia: existe em saurópode; idem; idem; Tradições:
diz-se nos Círios.
10. História local: nome de animal da Vila; Etnografia: corta o
tosquiador.
1.
2.
3.
Etnografia: profissão.
Gastronomia: aproveitam-se do trabalho dos outros.
Instituições: obrigatório visitar; Comunicação Social: muda
para a …
4. Cultura: dama de companhia; Dinossauros: o que pode
acontecer à concretização do Parque Jurássico; Etnologia
Rural: inicial de profissão.
5. Trocadilhos: não é lá!; Autarquias: Pagou a Junta de
Freguesia e o Museu foi…
6. Religião: Nossa Senhora d….; Etnografia: o alfaiate trabalha
com…; O princípio do burro.
7. Órgão Sociais: O Hernâni não se levanta só de tarde!;
Música: nota;
8. Arqueologia: Classificam-se com as tipológicas; Culinária: o
melhor de Miragaia sem ser o Presidente.
9. Acústica: a nossa voz ….; Instituições: sigla
10. Etnografia: serve para as castanhas; Lendas: Disse a vaca
no Lourim.
Boletim N.º 13
Fevereiro 2009