O CULTO ÌBEJÌ NO BATUQUE DO RIO GRANDE DO SUL

Transcrição

O CULTO ÌBEJÌ NO BATUQUE DO RIO GRANDE DO SUL
O CULTO ÌBEJÌ NO BATUQUE DO RIO GRANDE DO SUL
Rudinei Borba
Pesquisador Independente e
Autodidata
Março / 2013
RESUMO
O propósito do nosso trabalho é estudarmos o culto dos ìbejì e sua sobrevivência
no Batuque do Rio Grande do Sul, traçando um paralelo com a religião tradicional
yorùbá para entendermos a origem do nosso culto e também a sua relação com o Òrìsà
Sàngó na diáspora afrodescendente.
PALAVRAS CHAVES: Ìbejì, Batuque, gêmeos, yorùbá, Òrìsà, Sàngó, Aganjú, àbíkú.
ABSTRACT
The purpose of our work is to study the cult of Ibeji Batuque and their survival
in the Rio Grande do Sul, drawing a parallel with the traditional Yoruba religion to
understand the origin of our worship and also its relationship with Orisa Sango African
descent in the diaspora.
KEYWORD: Ibeji, Batuque, twins, Yoruba Orisha, Shango, Aganjú, Abiku.
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
B’èjì b’èjì‘re
B’èjì b’èjì‘là
B’èjì b’èjì‘wó
Ìbà ìbejì’re.
Ter nascimento em dobro traz benções
Ter nascimento de gêmeos traz honras
Ter nascimento de gêmeos traz dinheiro
Eu saúdo os gêmeos que trazem benções.
2
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................................5
Os Gêmeos na Sociedade Yorùbá......................................................................................5
O Culto Ìbejì Através da Descendência de Sàngó e Aganjú.............................................8
As Estatuetas de Ìbejì na Tradição Yorùbá......................................................................10
Os Àbíkú..........................................................................................................................14
O Culto da Mesa de Ìbejì no Batuque.............................................................................16
Considerações Finais.......................................................................................................19
Referências Bibliográficas...............................................................................................21
3
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
SUMÁRIO DE IMAGENS
Imagem 1.........................................................................................................................23
Estatueta demonstrando a relação de Sàngó como pai e protetor dos gêmeos sagrados
artist: Duga (birth date unknown)
Imagem 2.........................................................................................................................24
Sacerdotisa de Sàngó em frente ao altar de sua família, este com diversas estatuetas de
Ìbejì devido o culto de geração após geração dos gêmeos em sua família, 1950.
Foto disponível (pg. 104) em: NEIMARK, Philip John. The Way Of The Orisa, Harper,
1993.
Imagem 3.........................................................................................................................25
Um grupo de mulheres yorùbá no festival de imagens ere ìbejì
Fotografia de William Fagg
Imagem 4.........................................................................................................................26
Mãe yorùbá segurando seus gêmeos
Foto tirada por Deborah Stokes (1980)
Imagem 5.........................................................................................................................27
Mãe yorùbá com estatuetas de seus gêmeos falecidos
Foto tirada por Deborah Stokes (1980)
Imagem 6.........................................................................................................................28
Filhote do macaco Colobus, nascido 20 de maio de 2011, no Zoológico de Saint Louis,
onde sai com sua mãe, de 23 anos de idade, durante o tempo de alimentação em 21 de
junho de 2011.
Fotografado por Stephanie S. Cordle do Post-Dispatch
4
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
INTRODUÇÃO
Nosso trabalho 1 tem o objetivo de demonstrar que o culto dos ìbejì ainda
permanece vivo dentro do nosso Batuque afro-gaúcho, onde seu ritual é conhecido
popularmente como “mesa de ìbejì”.
Para que possamos melhor entender o nosso estudo, dividiremos o trabalho em
algumas partes, das quais citamos:
• Os Gêmeos na Sociedade Yorùbá
• O Culto Ìbejì Através da Descendência de Sàngó e Aganjú
• As Estatuetas de Ìbejì na Tradição Yorùbá
• Os Àbíkú
• O Culto da Mesa de Ìbejì no Batuque
Após apresentarmos as nossas pesquisas, finalizaremos concluindo que o
Batuque conseguiu preservar, mesmo que resumidamente, o culto aos gêmeos sagrados.
OS GÊMEOS NA SOCIEDADE YORÙBÁ
Na sociedade yorùbá os gêmeos são chamados de Ìbejì 2 , estes considerados
sagrados atualmente nessa cultura. O percentual do nascimento de gêmeos na etnia
yorùbá é o mais alto do mundo, com uma média de um para cada vinte e dois
nascimentos, comparado à média mundial de um por cada oitenta.
Este número elevado de nascimentos de gêmeos nos deixa interessados em
pesquisar sobre esse assunto, uma vez que o culto está muito presente no nosso
Batuque.
1.
Dedicamos este trabalho a todos os irmãos religiosos do Batuque Afro-Sul que são ou foram
gêmeos. Em especial a meu afilhado religioso, o Sr. Olívio A. Silva que é iniciado em Sàngó Aganjú
D’ìbejì.
2.
Literalmente traduzido como: Ìbí: nascimento + èjì= dois, querendo dizer “nascimento duplo”
(gêmeos).
5
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Encontramos importante texto na web 3 registrando a cidade de Igbo-Ora na
Nigéria, sendo a capital mundial dos gêmeos, como segue:
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Ao ler o texto, achamos curioso um percentual tão elevado de nascimentos
duplos numa única cidade, nos parecendo ser um fenômeno que não é encontrado nessas
proporções em outras localidades e culturas espalhadas pelo mundo.
Stoll & Stoll (1980, pg. 47) informa a importância dos ìbejì na sociedade
yorùbá, relatando:
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Através da fala dos autores, entendemos que o Batuque preservou a crença nos
ìbejì, estando estes relacionados à fartura, prosperidade, alegria, etc. Pensamos que o
fato do yorùbá atribuir o nascimento de gêmeos a esses aspectos positivos é devido sua
3.
Disponível INTERNET, ver in:
<https://mctfr.psych.umn.edu/aboutus/newsletters/2011%202Winter%20Newsletter.pdf>
6
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
crença na descendência, onde ter numerosos filhos faria com que tivessem grandes
alegrias, pois os mesmos poderiam ajudar seus pais nas plantações, colheitas, etc.
Acreditamos também que a crença yorùbá na prosperidade dos ìbejì esteja
atribuída ao número de descendentes familiares que poderiam ter, pois para essa cultura,
um filho é motivo de grande alegria, e nascendo dois ao mesmo tempo, seria como se a
felicidade estivesse vinda em dobro.
O pensamento yorùbá dos ìbejì estarem ligados as qualidades positivas que
mencionamos, teve seu início no reinado de Àjàká durante o velho império de Òyó.
Johnson (1960, pg. 25) registra esse acontecimento nos dando o direcionamento
necessário para esse entendimento, quando diz:
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Através do relato do autor, percebemos que foi no reinado de Dàda Àjàká que
provavelmente teve o fim aos sacrifícios dos ìbejì, devido ao mesmo ter tido também
gêmeos como filhos.
Entendemos que anterior ao governo de Àjàká, os gêmeos eram vistos como uma
abominação da natureza, onde as pessoas acreditavam que os mesmos poderiam ter sido
concebidos por pais diferentes.
Stoll & Stoll (1980, pg. 54) também informa o mesmo que Johnson, quando
relata os sacrifícios de gêmeos naquela época remota:
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Entendemos que assim como Johnson, Stoll & Stoll também informam que os
sacrifícios tiveram fim durante o reinado de Àjàká, mas pensamos que esta mesma visão
dos autores seja devido à informação apresentado primeiro por Johnson, e que mais
tarde Stoll & Stoll usaram para escrever seu livro.
Abriremos novo subtítulo para analisarmos a ligação dos gêmeos na genética
familiar de Àjàká, estando presente também na família de Sàngó, afinal, ambos eram
irmãos.
O CULTO ÌBEJÌ ATRAVÉS DA DESCENDÊNCIA DE SÀNGÓ E AGANJÚ
Ainda estudando o texto de Johnson (1960, pg. 25), notamos que sendo Aganjú o
filho e sucessor do trono de Àjàká, poderia este ter tido um irmão gêmeo? Se tivéssemos
relatos confiáveis dessa informação, entenderíamos porque o culto ìbejì dentro do
Batuque está associado ao Òrìsà Aganjú, onde este é chamado de Aganjú dìbejì4.
O relato do autor também nos traz uma forte evidência que talvez um dos
gêmeos que foi escondido, juntamente com sua mãe, no “local secreto do palácio”,
poderia ser Òrìsà Aganjú.
Corroborando esse nosso pensamento, Wolff (2011, pg. 16) informa este local
com nome do nosso Òrìsà em questão:
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Através a tradução apresentada por Wolff, surge uma grande possibilidade do
“local secreto do palácio” ter ganhado o nome de Aganjú, devido este ter sido vitorioso
quando ainda criança, sobrevivendo através deste local secreto. Trabalhamos com a
hipótese de Àjàká, seu pai, ter nomeado este esconderijo durante o seu reinado,
nomeando o local com o nome de seu filho, este que teria escapado da morte quando
criança.
Sàngó também está intimamente ligado aos ìbejì através de sua descendência,
onde encontramos importante texto 5 relatando sua ligação com os gêmeos sagrados,
onde diz:
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Entendemos que mesmo Sàngó não ter tido filhos gêmeos durante sua vida,
ainda assim este seria o representante dos ìbejì, pois como relata o texto, seu
descendente teria ganhado essa dádiva de nascimentos duplos, sendo agraciado do òrun
pelo mesmo.
Outro texto6 nos fornece agora o nome deste descendente de Sàngó, como segue:
5.
Disponível na INTERNET, ver in:
<http://www.uiowa.edu/~africart/Ibeji%20for%20web/List%20of%20research%20papers.html>
6.
Escrito pelo atual Aláàfin de Òyó, disponível na INTERNET, ver in: <http://www.alaafinoyo.org/main/the-oyo-empire/history/the-history-of-present-day-oyo-city>
9
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Através da fala do atual Aláààfin de Òyó, obtivemos o nome do rei e pai dos
muitos filhos gêmeos, fazendo com que pesquisássemos outras fontes de informação.
Encontramos o relato de Johnson (1960, pg. 152-158) registrando o reinado de
Oluaso, onde podemos resumir que o mesmo estaria bem próximo ainda de seu
ancestral Sàngó. Entendemos através da fala do autor que após o reinado de Sàngó, teria
Dàda Àjàká7 retornado ao trono, onde este último foi sucedido mais tarde por seu filho
Aganjú.
Johnson relata que após a morte de Aganjú, seu neto Kori assume o trono logo
que ganha maior idade e Oluaso lhe sucederia assim que acabasse seu reinado. Através
da informação de Johnson, pensamos que o culto ìbejì estaria associado a toda família
ancestral de Sàngó e talvez este relato explicasse a relação destes Òrìsà com os ìbejì no
nosso culto do Batuque.
AS ESTATUETAS DE ÌBEJÌ NA TRADIÇÃO YORÙBÁ
As estatuetas de ìbejì são figuras simbólicas, não sendo figuras de crianças, pois
sempre são de adultos, mas com tamanho menor. Existe uma grande variedade de
modelos de ìbejí que dependem da tribo ou família a que pertenceram os pais dos
gêmeos, identificados pelas marcas tribais e o tipo de penteado. As marcas e os
penteados demonstram certas características típicas das regiões, como de Abeokuta,
Kwara, Osogbo, Òyó e Ibadan, entre outros.
7.
Conhecido também pelos Yorùbá como Àjùwòn.
10
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Para explicar melhor as estatuetas dos ìbejì, elegemos um texto8 apresentado por
Buckles & Trentin no seminário sobre gêmeos yorùbá da Universidade de Iowa 9 ,
relatando precisamente o estudo das estatuetas, como segue:
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Original disponível na INTERNET, ver in:
<http://www.uiowa.edu/~africart/Ibeji%20for%20web/List%20of%20research%20papers.html>
9.
Disponível na INTERNET, ver in: <http://www.uiowa.edu/>
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Ao ler o texto, podemos ter uma melhor noção de como são esculpidas as
estatuetas dos ìbejì dependendo da região. Pensamos que o fato de serem diferentes por
localidade é devido ao estilo da família para qual será confeccionada a estatueta do
irmão morto. O Batuque Gaúcho foi uma das poucas religiões afrodescendentes a
preservar cultuar as estatuetas dos ìbejì.
Courlander (1973, pg. 72) nos faz entender o motivo dos yorùbá confeccionarem
estatuetas, informando:
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bàbáláwo transferir a alma daquele que morreu para escultura, o mesmo estaria fazendo
também com que um “possível” àbíkú não ficasse causando tristeza para família que
perdera o filho, onde abordaremos este assunto com maiores detalhes no nosso último
subtítulo.
Estas estatuetas deverão ser carregadas pela mãe do filho que morreu durante
toda sua vida. Encontramos este relato, conforme segue:
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Perani & Smith (1998, pg. 147) escrevem que “[...] após a morte de um gêmeo,
a mãe encomenda uma estatueta antes, para proporcionar um local de descanso para à
alma gêmea falecida [...]”. Os autores dizem acreditar que “[...] a alma do morto
poderá buscar vingança, trazendo infelicidades para o outro gêmeo, ou toda a família
[...]”.
13
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Chappel (1974, pg. 250-265) informa que o bàbáláwo “[...] é capaz de expulsar
os espíritos malignos que podem ameaçar os gêmeos recém-nascidos. [...]”.
Tendo as informações que precisávamos para o entendimento da importância e a
necessidade das estatuetas yorùbá no nosso culto, podemos agora analisar a ligação dos
“espíritos malignos” relatados por Chappel, sendo eles os àbíkú.
OS ÀBÍKÚ
Dentro da nossa diáspora afrodescendente, o Batuque, a palavra àbíkú não é
muito conhecida, mas acreditamos ela estar muito presente no culto, não apenas na
nossa religião, como em todas as partes do mundo. Àbíkú é literalmente traduzido para
nosso idioma como “Aquele que nasce para morrer”. São todas as mortes prematuras
das crianças que vem nesse mundo, causando tristeza e desgraça para família da qual
escolhem nascerem. A morte prematura é tida em toda parte do mundo, onde cada
religião ou cultura local tem sua maneira de ver este problema.
Verger (1983, pg. 01) explica melhor a sociedade Egbé òrun dos àbíkú,
informando:
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Entendemos que esta sociedade àbíkú serve para causar tristeza no âmbito
familiar, repetindo nascimentos e causando a morte prematura. Pensamos que estes são
diferentes dos ìbejì, mas estão intimamente ligados no culto.
O escritor Omotobàtálá 10 (informação pessoal) nos relara essa relação ìbejì e
àbíkú, como segue:
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Omotobàtálá nos faz entender que a maneira de se combater um àbíkú é através
dos ìbejì, onde pensamos ser evidente, uma vez que os nascimentos duplos, dos ìbejì,
lutariam contra aqueles que nasceriam para morrer, os àbíkú. Mesmo tendo semelhanças
10. Aworìsà e escritor Obalufon: Osvaldo Omotobàtálá que efetuou pesquisas mais em territórios da
Rep. Pop. do Benin, explicando o culto Yoùbá Nàgó em diversos de seus livros editados pela editora
Lulu. O mesmo tem atualmente seu sacerdote localizado na Rep. Pop. do Benin.
15
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
nestes dois grupos, eles são opostos em sua força. Por um lado os ìbejì simbolizariam a
fartura e a prosperidade, do outro lado os àbíkú seriam aqueles que causariam tragédia e
tristeza para todo o âmbito familiar.
Corroborando o relato de Omotobàtálá, Ulrich (1980 pg. 02) informa a relação
dos gêmeos com os macacos Colobus11, como segue:
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Através dos materiais apresentados, tivemos o entendimento necessário para que
possamos passar para a próxima parte do nosso trabalho, onde iremos analisar como
àbíkú e ìbejì estão relacionados com a nossa chamada “mesa de ìbejì” no Batuque.
O CULTO DA MESA DE ÌBEJÌ NO BATUQUE
Dentro dos rituais do Batuque do Rio Grande do Sul, temos a mesa de ìbejì, a
qual sempre é feita com seis, doze ou vinte e quatro crianças. Estes números simbolizam
que este ritual está vinculado ao Òrìsà Aganjú, este cultuado como um caminho12 de
11. O nome "colobus" é derivado da palavra "mutilado", porque ao contrário de outros macacos, o
Colobus não tem os polegares. Sua pele contrasta fortemente com o longo manto branco, com
bigodes e barbas brancas ao redor do rosto e da cauda espessa. Para saber mais, disponível na
INTERNET, ver in: <http://www.awf.org/content/wildlife/detail/colobusmonkey>
12. Para saber mais sobre o assunto, ver: A Descendência do Òrìsà e sua Sobrevivência na Iniciação no
Batuque do RS, São Paulo, 2012 in, Internet, Revista Olorun, n. 11, Novembro de 2012,
<http://www.olorun.com.br>
16
O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Sàngó, convertido em ìbejì, sendo conhecido na nossa diáspora como Sàngó Aganjú
D’ìbejì.
A mesa de ìbejì consiste em uma toalha ou esteira de palha da costa disposta no
chão, onde são servidas ritualisticamente as crianças com até sete anos de idade e
também aquelas que ainda não nasceram, mas que já possuem vida no ventre de suas
mães, estas em período gestacional. Na mesa é servida a canja 13 feita com aves
sacrificadas anteriormente para os ìbejì, e em seguida as comidas que as crianças mais
gostam de comer, ou seja, doces, bolos, frutas, balas, pirulitos, em fim, todo tipo de
guloseimas. Durante a refeição em conjunto das crianças, estas não podem levantar da
mesa sem que tenha outra criança para ocupar o lugar daquela que vir a sair.
Nunca tivemos a explicação certa deste ritual, despertando em nós a vontade de
entendimento do mesmo e nos levando as pesquisas apresentadas. No Batuque o culto
da mesa de ìbejì é conhecido apenas como um ritual para atrair fartura e prosperidade,
sendo realizado ao final dos rituais de feitura dos Òrìsà.
Verger (1983, pg. 158) descreve um ritual tradicional para àbíkú em conjunto
com ìbejì, realizado em Porto Novo. O relato de Verger faz com pensamos que nossa
mesa de ìbejì no Batuque ainda não teve um estudo mais aprofundado de seu
significado, mas que podemos através do relato entender melhor, como segue:
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Sàngó, que para nós seria o mais correto.
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
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Através da fala de Verger, percebemos que o Batuque conseguiu preservar o
culto dos ìbejì e o Candomblé acabou por não herdar esta prática ritualística, mas
sabendo de sua importância, apenas fez o sincretismo religioso dos gêmeos, cultuando
os mesmos como “Cosme e Damião” que eram muito presentes na sua cultura
Nordestina local, não vindo a resgatar mais tarde o culto original dos ìbejì.
Entendemos também que o fato do Batuque colocar crianças sentadas ao redor
da mesa, não serve apenas para homenagear ìbejì, pois ao ler Verger entendemos que
dentre algumas dessas crianças possa vir a existir uma que poderá ser um àbíkú, e que
por sua vez, sendo agradadas com comidas, guloseimas, brinquedos, brincadeiras,
poderão pensar que este mundo é mais interessante e alegre para se viver, em vez de
retornar a sociedade àbíkú do òrun.
Acreditamos que nesse momento os Òrìsà ìbejì assumiriam o papel de combate
a essas energias negativas que vivem junto aos Ajogun do lado esquerdo do cosmo,
combatendo os mesmos e sendo o oposto a esses àbíkú.
Podemos agora entender porque se colocam sempre uma mulher que esteja
grávida junto às crianças na mesa de ìbejì no nosso Batuque, pois teria o significado de
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
fazer com que essa criança, no ventre da mãe, venha ao mundo com saúde e não tenha
uma morte prematura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Novamente enfatizamos que o nosso Batuque do Rio Grande do Sul conseguiu
herdar e preservar através dos tempos a ritualística dos ìbejì, esta não herdada e
praticada no Candomblé Baiano.
Na posse dos materiais estudados e apresentados neste nosso trabalho,
entendemos a importância dos gêmeos para sociedade yorùbá, bem como, o seu culto
dentro da descendência de Dàda, Sàngó e Aganjú.
Tivemos a oportunidade de estudarmos minuciosamente as estatuetas de ìbejì,
estas também preservadas nos rituais Afro-Sul. Entendemos também o porquê as
mesmas são esculpidas diferentes umas das outras, pois são confeccionadas de acordo
com as características da família ou localidade em questão.
Ao final percebemos que o culto àbíkú, mesmo que não conhecido em sua
totalidade, está presente dentro do Batuque, sendo estes agradados e homenageados
através da mesa de ìbejì para que não retornem a sua sociedade no òrun, permanecendo
aqui no àiyé, onde acreditamos ser o melhor lugar para viverem.
Lendo o trabalho de Verger, “A Sociedade Egbé Òrun dos Àbíkú, as Crianças
Nascem para Morrer Várias Vezes”, notamos que o Batuque realmente é pouco
estudado e pesquisado, pois nos transpareceu que nem mesmo o autor sabia da
existência do nosso culto da “mesa de ìbejì”, quando comparou o ritual que presenciou
em Porto Novo apenas com as entidades Cosme e Damião, estes que serviram como
sincretismo religioso dos ìbejì no Brasil.
Temos a esperança que um dia nosso Batuque possa ter uma melhor notoriedade,
pois quer nos parecer que o mesmo possa ser até desconhecido por autores tradicionais
yorùbá, quando estes citam apenas o Candomblé no Brasil como uma única religião
afrodescendente. Nosso papel é tentar mostrar quanto nossa religião teve uma herança
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
cultural muito rica e que merece ser mais bem estudada. Quem sabe não chegou a hora
de ambas as culturas, Batuque e Candomblé, realinharem e quem sabe, criarem uma
aliança forte e sólida?
Àse!
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
IMAGENS
Imagem 1- Estatueta demonstrando a relação de Sàngó como pai e protetor dos gêmeos
sagrados
artist: Duga (birth date unknown)
Yoruba peoples
Nigeria
1900-1950
Accession Number: 1989.736
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Imagem 2- Sacerdotisa de Sàngó em frente ao altar de sua família, este com diversas
estatuetas de Ìbejì devido o culto de geração após geração dos gêmeos em sua família,
1950.
Foto disponível (pg. 104) em: NEIMARK, Philip John. The Way Of The Orisa, Harper,
1993.
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Imagem 3- Um grupo de mulheres yorùbá no festival de imagens ere ìbejì
Do livro: Ibeji - O Culto Yorùbá dos gêmeos
Fotografia de William Fagg
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Imagem 4- Mãe yorùbá segurando seus gêmeos
Do livro: Ibeji - O Culto Yorùbá dos gêmeos
Norte de Òyó
Foto tirada por Deborah Stokes (1980)
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Imagem 5- Mãe yorùbá com estatuetas de seus gêmeos falecidos
Selia Alaka, cidade de Ikoyi, Ogbomoso.
Do livro: Ibeji - O Culto Yorùbá dos gêmeos
Foto tirada por Deborah Stokes (1980)
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O Culto Ìbejì no Batuque do Rio Grande do Sul - Rudinei Borba
Imagem 6- Filhote do macaco Colobus, nascido 20 de maio de 2011, no Zoológico de
Saint Louis, onde sai com sua mãe, de 23 anos de idade, durante o tempo de
alimentação em 21 de junho de 2011.
Fotografado por Stephanie S. Cordle do Post-Dispatch
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