Sou(l) Batuque_da musica negra ao regionalismo

Transcrição

Sou(l) Batuque_da musica negra ao regionalismo
XV Encontro de Iniciação à Pesquisa
Universidade de Fortaleza
19 e 20 de Outubro de 2009
SOU(L) BATUQUE: DA MÚSICA NEGRA AO REGIONALISMO
Palavras-chave: web Rádio Unifor; programa musical; Sou Batuque; música negra; regionalismo.
Resumo
A web rádio Unifor é um espaço para experimentação, estudo e pesquisa na área de rádio e mídia sonora. O
Sou Batuque, programa musical veiculado na Rádio Unifor, passou por uma transformação – de um
programa sobre música negra, passou a focar seu estudo/produção na música regional. O presente estudo
se propôs a analisar a mudança ocorrida no conceito desse programa, buscando entender os motivos; bem
como a identificar a necessidade de um programa regional em uma web rádio no Ceará. Para tanto, foi
realizado um estudo de caso sobre o Sou Batuque, partindo de quatro edições do programa escolhidas de
forma a atingir os objetivos aqui apresentados. Percebeu-se, assim, que o programa em questão não
apresentava uma identidade clara, tornando-se assim necessária uma mudança geral em seu perfil musical.
Introdução
A web rádio Unifor, que está disponível no espaço intranet do site da Universidade de Fortaleza – espaço de
acesso exclusivo para alunos e funcionários da instituição – apresenta programas produzidos por alunos dos
cursos de Jornalismo e Publicidade. Focando nas produções dos alunos de publicidade, têm-se três
programas musicais: Empório Brasil, dedicado à música popular brasileira; No Tom, que apresenta música
instrumental; e Soul Batuque, de música negra. O último, porém, passou por recentes mudanças no que diz
respeito ao estilo musical que apresenta, sendo, agora, ritmos regionais o novo foco de sua produção e Sou
Batuque seu novo nome.
O presente trabalho apresenta a seguinte problemática: por que transformar um programa sobre música
negra – Soul Batuque – em um programa sobre música regional – Sou Batuque? Partindo desse ponto,
objetiva-se analisar as mudanças ocorridas no conceito do programa em questão, buscando entender por
que isso aconteceu. Mais especificamente, busca-se identificar elementos que demonstrem a transformação
e consequente otimização ocorridas no Sou Batuque; analisar o novo conceito apresentado pelo programa;
bem como identificar a necessidade de um programa regional em uma web rádio no Ceará. Para Moreira e
Bianco (2001), a internet traz suas positivas particularidades:
Apontada por alguns como a FM do futuro, a internet introduz transformações que o rádio
tradicional jamais pode supor. Ela está, potencialmente, além da separação de classes por
status cultural que marcou, e de uma forma residual ainda marca, diferença entre o rádio
FM e AM.
Acredita-se que a mudança ocorrida pode ter otimizado a identidade do programa, visto que deve ter criado,
para este, um conceito mais claro e objetivo; e que a necessidade de fazer alterações no programa pode ter
sido resultado de uma certa dificuldade quanto à escolha de artistas que caracterizavam o perfil do Soul
Batuque. No que diz respeito à questão do regionalismo, pressupõe-se que a produção de um programa
regional pode ter surgido a partir da segurança proporcionada ao locutor pelo fato de falar sobre algo que
conhece.
Para a realização desse trabalho, será feito um estudo de caso sobre o programa Sou Batuque, mais
especificamente sobre a mudança ocorrida em seu conceito. Para tanto, realizar-se-á um acompanhamento
do processo de produção e veiculação do programa.
Metodologia
O desenvolvimento do presente trabalho se deu a partir de um estudo de caso sobre o programa Sou
Batuque veiculado na web Rádio Unifor. Para tanto, foram analisadas quatro edições, das quais uma é
pertencente ao conceito inicial do programa, quando este ainda era sobre música negra – Soul Batuque nº
84 - Especial Soul de tudo; enquanto as outras três fazem parte da nova identidade, que valoriza o
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regionalismo – Sou Batuque nº 95 - Mestre Salu; 98 - Loucas de Pedra Lilás; 101 - Mundo Livre S/A; e 110 Banda de Lata de Todas as Cores.
Resultados e Discussão
A web rádio Unifor é um projeto acadêmico de experimentação que tem seu espaço dividido entre os cursos
de Jornalismo e Publicidade e Propaganda. Os programas veiculados na Rádio Unifor são produzidos por
alunos da Universidade de Fortaleza. Os três programas musicais (Empório Brasil, No Tom e Sou Batuque)
são de responsabilidade de alunos do curso de Publicidade e Propaganda. Para fazer parte dessa equipe, o
estudante precisa ter cursado ou estar cursando a disciplina Produção Publicitária em Rádio.
A Rádio Unifor é coordenada pela professora Ms. Alessandra Oliveira, que acompanha e orienta todos os
trabalhos desenvolvidos. A proposta é que, a cada semana, seja veiculada uma nova edição de cada um
dos programas. O Sou Batuque vai ao ar todas as sextas-feiras. A escolha do conteúdo do programa e todo
o processo de produção são realizados por alunos estagiários. Estes produzem os roteiros, levando em
conta a linguagem, os artistas e obedecendo as características específicas do perfil de cada programa; em
seguida, o conteúdo produzido transforma-se em um roteiro impresso que será gravado nos estúdios de
rádio da universidade pelos próprios estagiários. Também é responsabilidade da equipe a escolha de efeitos
sonoros e músicas para o programa. O roteiro é elaborado de forma que o técnico de áudio, responsável
pela edição do programa, possa realizar seu trabalho da melhor forma possível. Finalizada a edição de
áudio, os próprios alunos colocam o programa no ar. Todas as produções veiculadas ficam disponíveis no
site da web rádio (Rádio Unifor).
Outra atividade atribuída aos alunos estagiários é entrar em contato e tentar viabilizar a participação de
artistas no programa, seja presencialmente no estúdio de gravação ou por meio de entrevista por telefone,
por exemplo. O Sou Batuque já contou com as duas formas de participação.
Quando tudo era Soul
O Programa, quando ainda era Soul Batuque, apresentava como proposta agregar os mais diversos ritmos
batucados variantes da música negra; passando por jazz, blues, rap, hip hop, reggae, até ritmos regionais
como coco e maracatu, por exemplo. Percebe-se, assim, uma não formação de uma identidade clara para o
programa, uma vez que, apesar de possuírem raiz comum – a música negra –, os inúmeros ritmos
apresentados parecem distantes e sem ligação alguma.
O Soul Batuque de nº 84 exemplifica com riqueza de detalhes o que foi dito anteriormente. Partindo da ideia
de que o ouvinte não sabia o motivo pelo qual o programa se chamava Soul Batuque, as locutoras
resolveram explicar, apresentando os ritmos que faziam parte do programa, nomeando esta edição como
Especial Soul de Tudo. As próprias apresentadoras se referiram ao programa em questão como algo
confuso, dizendo “Preparamos uma bagunça só da boa pra hoje” (Programa Soul Batuque, nº 84) e,
posteriormente, anunciando as músicas/ritmos que tocariam – maracatu, funk e reggae – complementando
com “E daqui a pouco a gente volta pra explicar de onde esses ritmos nada a ver fazem parte do mesmo
estilo musical” (idem). Percebe-se que o programa parece exigir uma explicação sobre si para que, dessa
forma, o ouvinte entenda sobre o que aquele trata. Algo que necessita ser explicado, provavelmente, não
apresenta clareza suficiente.
A partir da leitura do roteiro, outros problemas foram percebidos na edição nº 84. O programa foi dividido em
três blocos de falas corridas, divididos por spots, com músicas somente no final de cada um. Apesar do
diálogo constante entre as duas locutoras, a conversa entre ambas foi bastante longa até que houvesse uma
pausa para músicas. Essa formatação tornou o programa cansativo para o ouvinte. Como afirma José
Ignacio López Vigil (2003):
No rádio, frases curtas. Sejam faladas, sejam escritas, sempre curtas. Quantas palavras
por frase? Alguns autores dizem que um bom limite são 20 palavras de ponto a ponto. E
até menos. Mais de duas linhas seguidas, sem rematar com um ponto, já parece suspeito.
(p. 70)
As frases percebidas no roteiro eram longas, porém, divididas entre as duas apresentadoras. Ainda assim, o
cansaço foi inevitável, uma vez que parecia que o diálogo não teria fim.
Vigil (2003) apresenta ainda duas formas textuais para o rádio: narrativa e discursiva, formas estas
perfeitamente aplicáveis ao presente estudo. Na primeira, fatos, acontecimentos, histórias são contados; na
segunda, ideias são expostas. A forma narrativa encanta o ouvinte; enquanto a discursiva, busca um
aprofundamento. Ambas têm um momento certo para serem utilizadas. No Especial Soul de Tudo,
percebeu-se a forma discursiva como imperante, visto que durante todo o programa, buscou-se explicar o
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significado de soul music. Tal fato se apresentou como outro ponto negativo para o programa, uma vez que
contribuiu para o cansaço do ouvinte.
A narrativa segue em frente, avança com o tempo, é cronológica. O discurso segue para
baixo, busca a profundidade, é lógico (algumas vezes tanto, que até sufoca). (VIGIL, 2003,
p. 78)
Partindo dos problemas anteriormente expostos, percebe-se ser necessária uma mudança no perfil musical
do programa.
Agora sim, Sou
Utilizando como demonstração das transformações ocorridas no conteúdo do programa Soul Batuque, serão
analisadas quatro (4) séries do programa. O primeiro, de nº 95, traz o artista Mestre Salustiano. Foi a partir
da produção desse programa que o Soul Batuque começou a traçar um perfil específico, passando a
valorizar a cultura nacional popular, através de uma linguagem regional. Essa linguagem pode ser verificada
na locução dos programas que apresenta expressões populares como: ôxe, porreta, por demais etc. Como
afirma Vigil (2003):
Se a maneira de escutar o rádio mudou, também deve mudar a maneira de falar pelo rádio.
Os locutores gritantes, vociferantes, caíram de moda. Aqui sim vale a redundância:
precisamos falar ao ouvido do ouvinte. Conviver com ele. Para tanto, precisamos utilizar
um tom coloquial, afetivo. (p. 33)
Porque um locutor não é um professor de gramática, mas um amigo que fala com seus
conterrâneos e como seus conterrâneos. (p.74)
Dessa forma, a aproximação com o ouvinte, que escuta e simpatiza com o regional, passou a ser maior.
Expressões da língua regional, assim como os diversos elementos que fazem parte desse cenário,
começaram a ser inseridos na composição dos roteiros do Sou Batuque. Vigil (2003) sintetiza:
A arte de falar pelo rádio consiste, precisamente, em usar palavras concretas, que
podem ser vistas, ser tocadas, que podem ser mordidas, que possuem peso e
medida. Palavras materiais. Palavras que pintam a realidade. (p.37)
O Soul Batuque utiliza também como ferramenta o humor como forma de se tornar mais próximo do ouvinte,
mais íntimo. O humor que diretamente condiz com a personalidade do povo brasileiro, especificamente,
reafirmando o “espírito moleque” atribuído aos cearenses. Já na dinâmica das músicas, estas são
executadas aleatoriamente, dialogando sempre com as informações transmitidas, no decorrer do programa.
Todos esses recursos foram utilizados para que o ouvinte se sentisse mais ainda atraído e recebesse com
clareza de detalhes a mensagem radiofônica emitida. Outra inovação proposta foi que alguns programas
trouxessem um conteúdo relevante, focando especificamente em aspectos sociais como, por exemplo, os
Direitos dos cidadãos. O primeiro programa, assim produzido, foi o de nº 98 com o grupo Loucas de Pedra
Lilás que defendia, por meio de seus trabalhos artísticos, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, na
sociedade. Foi feita uma entrevista por telefone com Adriana Pirro, uma das integrantes do grupo Loucas de
Pedra Lilás, diretamente de Recife.
(...) atualmente quando falamos em informar para formar nos referimos, prioritariamente,
à formação da opinião pública. A influir, por meio do rádio, na opinião pública. A gerar e
estimular correntes de opinião favoráveis aos interesses das maiorias nacionais. (p.209)
Houve também outra edição do programa com um foco social: o Sou Batuque nº110. Nesta série, foi feita
uma entrevista com integrantes do projeto Banda de Lata de todas as cores, lembrando o Dia Mundial de
Combate ao Trabalho Infantil. A gravação foi externa; feita no estúdio da O.N.G Curumins.
Ainda na busca pela nova identidade, houve a criação de um quadro não fixo, buscando a interação com o
ouvinte. O quadro “Mandou, ouviu” que permite ao ouvinte pedir e escutar um artista que queira,
obedecendo ao perfil regional do programa. Assim foi o que ocorreu no Soul Batuque de nº 101, com o
pedido por um programa sobre a banda Mundo Livre S/A.Todas essas mudanças, no que diz respeito à
estrutura do programa, foram se tornando cada vez mais necessárias, para que assim pudesse existir uma
verdadeira transformação do antigo conceito do programa (música negra) para o conceito atual proposto e
utilizado (regionalismo). A palavra Soul utilizado inicialmente, já representa etimologicamente ritmos negros
e não-brasileiros. A mudança para o Sou do verbo “ser” tem como justificativa o sentido de “abrasileirar” e
trazer para um âmbito mais pessoal a idéia de ser um membro participante desse mundo regional
apresentado. Como sugere Araújo (2008):
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Ao perder o referencial de lar, podemos nos sentir desabitados, sem algo maior para nos
apoiar. Por mais doloroso que seja, é necessário desvelar as tramas de nosso contexto
porque contém nossa vida. Sentimos necessidade de pertencer a um grupo para nos sentir
acolhidos, mas também para nos sentir participantes da construção de uma história
singular e coletiva. (p.74)
Metaforicamente, o ouvinte é o batuque, é um representante da cultura popular. Este sujeito pode ser um
agente da preservação, da valorização ou mesmo de uma possível transformação desse regionalismo.
Segue abaixo a nova logomarca do programa Sou Batuque ressaltando na imagem a idéia de “raiz” com a
música regional popular, com o batuque (tambor) e com as cores rústicas e que melhor poderiam expressar
o conceito do programa.
Os programas da web Rádio Unifor, incluindo o Soul Batuque, serão colocados no portal virtual da
Universidade de Fortaleza, ainda no decorrer deste ano (2009), o que fará com que todo o layout seja
alterado. A logomarca abaixo será a nova identidade visual do programa aqui estudado.
Conclusão
Foi aprendido, com o trabalho aqui apresentado, a importância de se fazer um programa experimental
acadêmico, visando à valorização do regionalismo numa web Rádio. A busca por um novo perfil de
programa proporcionou o entendimento de que o sujeito necessita de uma segurança para emitir e receber
uma mensagem, seja esta radiofônica ou não.
Notou-se a necessidade de se compreender melhor o universo regional, assim como a o sujeito enquanto
agente cultural.
Referências
VIGIL, José Ignacio López. Manual Urgente para radialistas apaixonados. São Paulo: Paulinas, 2003.
MOREIRA, Sonia Virgínia; BIANCO, Nélia R.Del. Desafios do rádio no século XXI. São Paulo:
INTERCOM; Rio de Janeiro: UERJ, 2001.
ARAUJO, Alessandra Oliveira. Trajetórias Juvenis nas ondas da Rádio-escola. 2008. 191 f. Dissertação
(Mestrado em Educação brasileira) – Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Ceará, [2008].
Agradecimentos
Para realização do trabalho aqui apresentado, foi fundamental a colaboração da equipe que compõe a Rádio
Unifor, bem como a orientação da professora Ms. Alessandra Oliveira. Ficam aqui nossos sinceros
agradecimentos e o desejo de levar esse trabalho ainda além.
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