Pensando a educação Kaingang (formato , tamanho
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Pensando a educação Kaingang (formato , tamanho
expediente Apresentação Simone Valdete dos Santos Prefácio Maria Aparecida Bergamaschi e Rodrigo Allegretti Venzon Da estrela ao arado, do arado à estrela: tensões e consensos em PROEJA Caetana Juracy Rezende Silva I PARTE V?NH KANHR‹N - ANDILA N?VYGS‹NH IN˘CIO S‹ INH R‹NHR‹J TO V? S? HAN V? Introdução KANHG˘G AG GA K‹M? V?NH KANHR‹N JAF‹ T? T?GN? K‹ Quando não havia escolas nas Terras Indígenas Kaingang V?NH KANHR‹NR‹N F‹ T? ?G GA KI K‹GE A chegada das escolas nas Terras Indígenas Kaingang G?R KANHR‹NR‹N F‹ T? KANHG˘G AG G?R KANHR‹NR‹N K‹M? TO VENH R˘ O ingresso dos monitores bilíngues nas Escolas Kaingang KANHG˘G KAR AG T? JAGN? MRÉ J?GJ? F‹N Revolta dos Povos Indígenas KANHG˘G AG TO V?NHR˘ A busca pelo reconhecimento de seus direitos na nova Constituição CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL V?S‹ KANHG˘G AG G?R KANHR‹NR‹N A aprendizagem da criança kaingang V?NH KANHR‹N F‹ K‹KI G?R KANHR‹NR‹N O ensino ministrado dentro das escolas indígenas: o nascer de um novo tempo ?RI LEI T›G ?G JAGFY R˘N K‹ N? As novas leis favorecem e respaldam as lutas kaingang na educação bilíngue ?G P‹'I AG TŁG AG NÉN HAN KE T? KINKRA N?T?NH KE N? Diálogos internos em busca de autonomia Conclusão II PARTE EDUCAÇ‹O DE JOVENS E ADULTOS: SUBS¸DIOS PARA CONSTRUÇ‹O DE CURSO DE TÉCNICAS AGR¸COLAS KAINGANG MARIA IN¯S DE FREITAS Resumo / Abstract Introdução A economia kaingang: breve histórico As concepções de trabalho e reciprocidade Relatos de experiências do SPI: "O Panelão" O contexto atual As experiências de desenvolvimento de projetos sustentáveis em terras indígenas e a agricultura orgânica Experiências de produção agrícola sustentável Relatos de experiência e depoimentos de indígenas que viveram e vivem da agricultura Considerações finais: o sentido coletivo da terra, na perspectiva kaingang Referências 6 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG III PARTE ?G V? KI K‹MÉN S?NV? HAN - AS ARTES DA PALAVRA NO KAINGANG M˘RCIA GOJT?N NASCIMENTO Resumo / Abstract Introdução: A arte da palavra kaingang Um breve histórico da escrita da língua kaingang Relato de uma experiência produtiva G?r jyvãn - Aconselhamento para crianças Jyvãn - Aconselhamento em cerimônias de casamento Tipos de Narrativa - Gufã Pépo mré jãtã Ti si kãme Jé (Cantos de animais) Ritos para proteger o espírito da criança Rituais fúnebres Considerações finais Referências ANEXOS As Autoras: Breve Histórico Povos indígenas e o direito à educação no Brasil Lucia Fernanda Jófej Educação Escolar Indígena: Legislação Resumida 7 APRESENTAÇ‹O Simone Valdete dos Santos1 Tania Beatriz Iwaszko Marques2 Os sete volumes que compõe esta coleção dão visibilidade à produção científica da Especialização PROEJA do Rio Grande do Sul, especialmente de sua segunda edição ocorrida nos anos de 2007 a 2009 em quatro cidades do Estado, sendo duas turmas de alunos em Porto Alegre, duas turmas em São Vicente do Sul, duas turmas em Santa Maria e uma turma em Bento Gonçalves. Cada turma iniciou com 50 alunos, sendo constituída por professores e técnico-administrativos das redes públicas federal, estadual e municipal, dos quais 256 concluíram, apresentando seus trabalhos de conclusão de curso em sessão pública, em presença do professor orientador ou da professora orientadora, de outros professores e de colegas do curso. A execução da especialização pressupõe o ideal de execução do PROEJA médio e fundamental, sendo este ideal em rede, de forma articulada, pois planejar Educação Profissional de forma integrada à Educação de Jovens e Adultos em um país como o nosso, com uma dívida social histórica de cerca de 1 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora Geral da Especialização PROEJA/RS. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do PROEJA. Email: [email protected] 2 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora da Especialização PROEJA Porto Alegre/RS. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do PROEJA. E-mail: [email protected] CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL 10% de analfabetos absolutos, com a herança do trabalho escravo, é um desafio que remonta esforço do sistema público de educação como um todo. Neste sentido, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diante do seu papel de instituição formadora, promoveu o curso, sob a coordenação geral das professoras Simone Valdete dos Santos e Tania Beatriz Iwaszko Marques, junto do então Centro Federal de Educação Profissional Tecnológica de Bento Gonçalves, hoje campus do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, na turma de Bento Gonçalves sob a coordenação local da professora Fernanda Zorzi; junto ao Centro Federal de São Vicente do Sul, atual campus do Instituto Federal Farroupilha sob a coordenação local do professor Adriano Saquet; e do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria vinculado à Universidade Federal de Santa Maria sob a coordenação local da professora Juraci Diniz. Esta especialização, acontecendo de forma integrada com docentes da UFRGS e destas instituições nos encargos de coordenação, docência e orientação, possibilitou um olhar reflexivo para dentro das turmas de PROEJA médio das instituições, pois nos CEFETs, agora IFs, existem turmas de PROEJA, bem como para dentro da universidade na articulação do grupo de pesquisa CAPES / PROEJA, o qual atendendo um edital da CAPES tem a UFRGS como instituição líder, junto a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e professores pesquisadores dos atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul: Instituto Federal Rio Grande do Sul, Instituto Federal Farroupilha e Instituto Federal Sul Rio-Grandense. O trabalho articulado da especialização reverbera em convênios entre as instituições, a conclusão de mestrados e doutorados junto aos Programas de Pós-Graduação integrantes do grupo de pesquisa CAPES/PROEJA, tendo o PROEJA na centralidade da produção científica, nas inúmeras turmas do PROEJA FIC (Formação Inicial e Continuada) do Rio Grande do Sul, promovidas pelas instituições federais parceiras da especialização, especialmente Bento Gonçalves (parceira desde a primeira edição da especialização), São Vicente do Sul (parceira na segunda edição), Júlio de Castilhos e Alegrete (parceiras da terceira edição, a qual está em curso). 10 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Os cursos de formação continuada do PROEJA, ocorridos em caráter de extensão, junto ao então CEFET de Bento Gonçalves, o qual teve turmas em Bento Gonçalves e na Escola Técnica Estadual Parobé em Porto Alegre; em São Vicente do Sul; duas turmas de Alegrete e uma turma da então Escola Técnica da UFRGS, atual campus Porto Alegre do Instituto Federal Rio Grande do Sul, também tiveram interface com a especialização, seja na sua concepção, seja através dos professores envolvidos. Tal esforço em formação de professores e técnico-administrativos para atuar no PROEJA não tem sido em vão, o convênio da SETEC / MEC com o governo do Estado „Brasil Profissionalizado‰ prevê turmas do PROEJA médio na rede estadual e os convênios dos Institutos Federais junto a diversas prefeituras do Rio Grande do Sul vislumbram turmas de PROEJA fundamental, bem como o envolvimento de professoras/educadoras kaingang desde a segunda edição da especialização e de integrantes do sistema prisional na reflexão de um PROEJA para pessoas privadas de liberdade, em conflito com a lei, vislumbrando um PROEJA „à margem‰. Os artigos da coleção aqui apresentados passaram por um processo de seleção que envolveu aspectos como a originalidade, a aplicabilidade em termos de possibilidade de inovação, a relevância temática, social e teórica. Posteriormente os artigos foram organizados em sete volumes, contribuindo para o entendimento deste novo campo epistemológico que é o PROEJA. O primeiro volume „Memoriais Formativos de Professores‰, organizado por Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques, dá visibilidade à produção curricular da especialização. Estes trabalhos têm sido feitos em todas as edições do curso, proporcionando, desde o primeiro módulo da especialização, „um olhar para dentro de si, um olhar sobre si‰ dos professores e técnico-administrativos. Os textos selecionados pertencem à primeira e à segunda edição do curso, sendo possível entender um pouco sobre quem é este que constitui ou que vai constituir o PROEJA. Além dos treze memoriais de alunos, o caderno apresenta um texto inédito do professor Dr. Nilton Bueno Fischer, orientador de trabalhos de conclusão de curso e colaborador da especialização, com as reflexões sobre e desde as classes 11 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL populares, e da professora Simone Valdete dos Santos, que contextualiza o espaço da memória na formação dos professores. Os demais volumes da coleção apresentam artigos escritos pelos alunos em colaboração com seus orientadores de Trabalhos de Conclusão. O volume II, organizado por Juçara Benvenuti, Rafael Arenhaldt, Tania Beatriz Iwaszko Marques e Simone Valdete dos Santos, traz quinze trabalhos das turmas de Porto Alegre; o Volume III, organizado por Sita Mara Lopes Sant´Anna e Pedro Chaves da Rocha traz oito artigos das turmas de São Vicente do Sul; o volume IV, organizado por Carina Fior Postingher Balzan, Daniela Brun Menegotto e Fernanda Zorzi traz sete artigos da turma de Bento Gonçalves e, o volume V, organizado por Adriana Zamberlan e Viviane Campanhola Bortoluzzi apresenta seis trabalhos de Conclusão de Curso das turmas de Santa Maria. O PROEJA à Margem, constante no volume VI, organizado pela professora Carmem Craidy apresenta quatro trabalhos relacionados ao Sistema Prisional, com pessoas privadas ou não de liberdade, e experiências educativas com pessoas dependentes químicas. E, finalmente, o volume VII, organizado pela professora Maria Aparecida Bergamaschi e pelo professor Rodrigo Allegretti Venzon, traz os trabalhos de conclusão de curso de nossas alunas/professoras/educadoras kaingang. Esse volume contribui na perspectiva de concretização do PROEJA Kaingang no Rio Grande do Sul, visando subsidiar a implementação da Educação Básica específica e diferenciada, via profissionalização em nível médio de jovens e adultos kaingang com ênfase em educação, saúde e sustentabilidade econômica/ambiental. O volume é concebido tendo uma tiragem maior, para distribuição junto às escolas kaingang nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. O objetivo da publicação bilíngue, em kaingang e português, desse material reflexivo é contribuir com o registro escrito da construção de uma pedagogia escolar kaingang, que vem sendo formulada há quatro décadas por educadores desse povo indígena, servindo como subsídio didático para a formação dos docentes indígenas e, também, como valorização dos saberes educativos ensinados por lideranças tradicionais kaingang ao seu povo por incontáveis gerações. 12 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A revisão e formatação dos originais dos volumes I, II, III, IV V e VI foram realizadas por Juçara Benvenuti, professora do Colégio de Aplicação/UFRGS e do Curso de Especialização PROEJA. Quanto ao volume VII, para preservar as características da escrita kaingang, foi feito apenas o trabalho de formatação. A equipe constituída por Juçara Benvenuti, Rafael Arenhaldt, Tania Beatriz Iwaszko Marques, Simone Valdete dos Santos e Mauro Augusto Burkert Del Pino é responsável pela organização geral, revisão e execução destes sete livros. O projeto gráfico conta com a Universidade Federal de Pelotas, sob a coordenação do professor Mauro Augusto Burkert Del Pino, professor da Especialização desde sua primeira edição e integrante do grupo de pesquisa CAPES/PROEJA. Esta coleção é um esforço coletivo de profissionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Pelotas, dos Institutos Federais Rio Grande do Sul, Farroupilha e Sul Rio-Grandense que acreditam no PROEJA como política pública de inclusão, materializando o trabalho daqueles que estão e daqueles que neste momento nos iluminam em outra materialidade como os queridos Nilton Bueno Fischer, nosso professor do curso e nossa querida Mary Ignez Pires, como carinhosamente a chamávamos nossa „supersecretária acadêmica‰. A coordenação deseja uma boa leitura e espera que seja esta mais uma ferramenta teórica para compreensão e permanência das pessoas das classes populares nas escolas públicas e estatais do Brasil. 13 PREF˘CIO Maria Aparecida Bergamaschi1 Rodrigo Allegretti Venzon2 O livro „Pensando a Educação Kaingang‰ contém os trabalhos de conclusão de três educadoras kaingang que realizaram o Curso de Especialização em Educação Profissional Integrada à Educação Básica, na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Representa o esforço destas intelectuais kaingang em refletir acerca da escola, das práticas tradicionais de educação e de suas experiências enquanto educadoras. Esses estudos traduzem o pensamento indígena sobre vários aspectos da Educação, em diálogo com estudantes e professores não indígenas envolvidos no curso de Especialização. A presença das estudantes indígenas motivou um importante diálogo intercultural, carregado de surpresas, encantamentos e aprendizagens recíprocas. Também inaugurou a participação indígena nos cursos de pós-graduação lato senso da UFRGS. A produção científica destas alunas encaminha a possibilidade para pensar nas especificidades do PROEJA Indígena, contemplando os conhecimenDoutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra a Comissão de Ingresso e Permanência do estudante indígena na UFRGS e trabalha com Educação Indígena no ensino, pesquisa e extensão. E-mail: [email protected] 2 Mestrando em Antropologia. Professor da rede estadual. Integra algumas ONGs que trabalham com Educação Indígena. E-mail: [email protected] 1 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL tos, os saberes e a organização social destes povos. Visa subsidiar a efetivação de uma pedagogia kaingang que tenha por referência os modos próprios de aprendizagem destes povos. A primeira parte, de autoria de Andila Nĩvygsãnh Inácio, é um estudo bilíngue com texto mais extenso em língua kaingang, a língua materna da autora, e resumos com as principais ideias em língua portuguesa. Este estudo tem como título o conceito pedagógico kaingang vẽnh kanhrãn, que pode ser traduzido pelo termo aprender. Afirma a autora na Introdução: „É preocupada com os professores indígenas que faço este trabalho porque, se eles quiserem ser bons professores kaingang, eles terão que ouvir os nossos ÂvelhosÊ! Pois é neles que está a essência da escola diferenciada. São, pois, a base para um Projeto Político-Pedagógico‰. Em „Quando não havia escolas nas Terras Indígenas Kaingang‰, Andila descreve a aprendizagem tradicional das crianças: „Então, a criança kaingang vai crescendo e passa a querer imitar os adultos nos seus afazeres. E, um dia, também vai querer ajudar nas atividades, naquilo que é possível realizar dentro de suas limitações. Assim, vai sendo auxiliada e incentivada. O que estará fazendo não sairá perfeito, porém todos continuam incentivando e dizendo que está bom, bonito, até que um dia ela realmente faz bonito!‰. Nas demais seções do seu trabalho, a autora historia a formação e a luta dos professores kaingang e a apropriação da educação escolar por esse povo, a tornando indígena. Conclui que „enquanto educadora kaingang almejo que a nossa escola venha a efetivamente concretizar o previsto na legislação atual que a abrange, de maneira que tenha o perfil formador do jovem kaingang, apto a enfrentar a vida e seus desafios não somente com dignidade, mas com orgulho de ser kaingang.‰ O trabalho conta com a contribuição de estudos relativos à legislação da educação indígena resumida, bem como a reflexão sobre os Povos Indígenas e o direito à educação formulado por Lúcia Fernanda Jófej, mestre em Direito e filha da autora. Esta parte consta no anexo do livro e é uma importante referência para as escolas indígenas. 16 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A segunda parte, de autoria de Maria Inês de Freitas, oferece subsídios para construção de cursos de técnicas agrícolas kaingang na perspectiva da educação de jovens e adultos. Traz relatos de experiências de atividades agrícolas entre os indígenas mais idosos, pessoas com longa trajetória de trabalho e autossustentação social e ambiental, residentes nas terras indígenas Ligeiro e Carreteiro. Trata de estabelecer correlações, tendo os conhecimentos tradicionais de produção como base inicial para reflexão, com os conhecimentos relacionados às novas tecnologias. A abordagem valoriza a cultura kaingang, estando interligada à busca da autonomia econômica para as comunidades. Conforme a autora, „o aprendizado dos jovens indígenas kaingang se dá no decorrer do processo de seu crescimento onde, gradativamente, através do diálogo, da demonstração, da experimentação, da observação, da execução e de outras formas de relação interpessoais, esses jovens vão assumindo responsabilidades com o trabalho, com seu próprio aprendizado e com o seu núcleo familiar‰. Afirma ainda que „as comunidades indígenas, historicamente, têm tradição em preservar o meio ambiente. Destinam especial atenção à preservação das espécies silvestres, matas e rios. A agricultura praticada nas terras indígenas é de subsistência, o que se identifica com a agricultura familiar. Dedicam-se a produção de soja, milho, feijão, batata-doce, mandioca, hortaliças, cana de açúcar e à criação de animais (bovinos, suínos e aves). Há a preocupação com a fertilidade do solo, onde as comunidades desenvolvem a rotação de cultura e o plantio consorciado, com dois tipos ou mais de cultura‰. Conclui a autora que „nossa relação com a terra é uma construção recíproca de vida, interligada por uma espécie de cordão umbilical, como aquele que é enterrado assim que nascemos; e crescemos em contato direto com a terra. ¤ medida que aprendemos a trabalhar na terra, aprendemos também que dela podemos prover nosso sustento. Tudo que se planta colhe... a terra é o legado natural, e é dela que podemos retirar os produtos necessários para ter vida em abundância„. 17 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL A terceira parte deste livro, de autoria de Márcia Gojtẽn Nascimento é uma introdução ao estudo e documentação da língua kaingang, mais especificamente as Artes da Palavra, dentro da tradição oral. Analisa os diferentes gêneros de discurso dentro da língua kaingang como os diferentes tipos de narrativas, cantos e rezas. Busca mostrar as especificidades do uso elaborado da língua, as complexidades da oralidade que estão por trás do seu aparente uso comum. Com esse trabalho introdutório sobre as Artes da Palavra no kaingang, pode-se ter uma noção do grande leque de saberes, conhecimentos, das formas de elaboração da palavra que existem na tradição oral kaingang. Com isso, podemos perceber as especificidades da língua, que a tornam mais rica, mais valorizada. Este trabalho é imprescindível à construção de uma pedagogia da educação escolar kaingang referenciada nos métodos próprios de aprendizagem. Apesar de estarem preconizados no texto da Constituição Federal de 1988 como auxiliares ao uso das línguas indígenas, a utilização desses métodos ainda está distante das práticas cotidianas da maior parte das escolas indígenas, em que pese o grande esforço de muitos professores kaingang, entre eles a autora, em revitalizar a educação tradicional kaingang na interface com a educação escolar indígena. A obra como um todo, constitui uma literatura pedagógica com possibilidades de contribuir para a reflexão dos professores sobre suas práticas educativas, constituindo um importante subsídio para a formação inicial e continuada de professores indígenas. Também se constitui numa importante leitura para a formação de professores não-indígenas, na perspectiva de que conheçam e respeitem as culturas indígenas locais. Ressaltamos que os escritos aqui apresentados, embora parte deles registrados na língua portuguesa, mantém um estilo próprio de elaboração que revelam uma lógica específica da língua e da cultura Kaingang. Evitamos a padronização, a fim de respeitar um modo próprio e singular de expressão escrita, que também faz parte de um modo próprio de ser e estar no mundo. 18 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Esses textos, ao circularem nas escolas indígenas e não-indígenas, bem como em outros espaços acadêmicos, poderão suscitar outras leituras e outros encontros para além do PROEJA. 19 DA ESTRELA AO ARADO, DO ARADO ¤ ESTRELA: TENS›ES E CONSENSOS EM PROEJA Caetana Juracy Rezende Silva1 Durante o processo de implementação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)2, e, em especial, no atual momento em que o país se prepara para a escolha de novos representantes nos poderes Executivo e Legislativo estaduais e federal, duas questões interligadas se encontram presentes no contínuo das discussões: a garantia de prosseguimento de ações consideradas estruturantes para o desenvolvimento do PROEJA e as possibilidades de sua transição ou não de um projeto que representa a lógica política de um governo em seu tempo de existência para um, assumido como sistêmico ou estrutural, aprovado e legitimado em uma nova esfera pública ou uma nova espacialidade pública capaz de redirecionar as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado (Minguelli, 2005, p. 46) capaz de propagá-lo como expressão da vontade geral. 1 Mestre em Música. Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação. Coordenadora-Geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnlógica DPEPT/SETEC/MEC. 2 Instituído pelo Decreto nº 5.840, de 13/07/2006. Para aprofundamento no histórico da constituição do PROEJA consultar Moura e Henrique, 2007 e Moll, 2010. CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL As duas questões apresentadas se afetam mutuamente. Se a continuidade das ações é necessária para a consolidação da proposta, esta consolidação exige a constante avaliação das ações em andamento e eventuais correções de rumos. No entanto, é possível pensar na realização das ações sem que, necessariamente, mantenha-se o espírito da proposta. Desconectadas da lógica política, das concepções, dos princípios e dos fundamentos que norteiam hoje o PROEJA, estas ações tornam-se atos isolados, desfigurados, podendo inclusive navegar por rotas opostas àquelas para as quais foram pensadas. Tal fado figurase no horizonte da acomodação dos atores/autores da educação de jovens e adultos e da educação profissional, viabilizando táticas de manipulação característica da conciliação política enquanto estratégia histórica de dominação das elites brasileiras (Araújo, 2006, p. 209) e de outros mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes (Saviani, 1992, p. 41). Conforme observado por Araújo, é a mobilização daqueles comprometidos com os anseios dos trabalhadores que pode neutralizar a acomodação (2006, p. 210). A trajetória de formulação e desenvolvimento do PROEJA está inscrita nos processos de desacomodação – construção – inovação – consolidação – descontrução, não necessariamente nessa ordem, em ondas de tensionamento e consensualização. Santos (2010) analisando a normatização do PROEJA, via decreto, ressalta que a proposta é imposta para as instituições federais de educação profissional e tecnológica em um momento em que essas instituições tendem a direcionar suas ofertas de ensino para o nível superior, não havendo uma disposição para o envolvimento com o nível médio. Ao mesmo tempo ressalta o perfil tradicional de grande parte dessas instituições e o caráter inédito dos públicos da EJA nessas instituições marcadas por rigorosos exames de seleção, meritocráticos. Moura e Henrique (2007), sobre as origens do PROEJA e os ajustes ocorridos durante o processo de implementação, lembram de que as poucas instituições da rede federal que ofereciam EJA, à época, o faziam sem integração com a educação profissional e que mesmo a oferta de cursos técnicos integrados 22 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG com o ensino médio para adolescentes ainda era incipiente, sendo que, em muitas dessas instituições, não havia sequer corpo docente suficiente em razão da separação entre ensino médio e técnico, afirmada nas políticas anteriores, cujo marco foi o Decreto nÀ 2.208/97. Discriminando vários problemas de forma e conteúdo em relação à primeira proposta formulada e instituída pelo governo, os autores destacam que nenhuma rede de ensino reunia as condições necessárias para o desenvolvimento dessa inovação educacional e que não havia a proposição de nenhuma estratégia para a superação desse quadro. Tais análises são reveladoras da complexidade da implementação de uma proposta em que os atores que deverão desenvolvê-la não se sentem partícipes de sua formulação. Embora fique evidente que os equívocos iniciais no método de formulação e de condução da proposição geraram enganos em seu teor, em nenhum dos relatos consultados foi apresentada alguma crítica de mérito, mesmo à proposta original constante na Portaria MEC nÀ 2.080, de 13/06/2005 e, logo em seguida, no Decreto nÀ 5.478, de 24/06/2005. Boa parte dos autores nota que as intenções explicitadas mantinham e mantém coerência com as políticas públicas para a educação profissional e tecnológica do atual governo. A integração da educação profissional com a educação básica e o comprometimento com a redução das desigualdades sociais estão presentes entre os princípios e pressupostos enunciados no documento Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica, publicado pela SEMTEC/MEC em dezembro de 2003. Já na introdução afirma: torna-se imperioso explorar os espaços possíveis estabelecidos pela LDB, tentando progressivamente incorporar a formação profissional e tecnológica à educação básica para atender as demandas não apenas do trabalho, mas da própria sociedade contemporânea (p. 11). Ao tratar das linhas estratégicas, no item 8.9, há menções explícitas à necessidade de articulação da educação profissional com a EJA. Na proposição para o desenvolvimento de ações, lê-se: Implementar medidas que valorizem a educação de jovens e adultos no mesmo patamar da educação profissional e tecnológica, propondo, inclusive, matrículas conjuntas como mecanismo de inclusão social (p. 63). 23 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Entre as temáticas abordadas nas oficinas preparatórias para o Seminário Nacional Ensino Médio: Construção Política, ocorrido em maio de 2003, de qual se originaram os textos que compõem a coletânea Ensino Médio: Ciência, Cultura e Trabalho (Frigotto e Ciavatta, 2004), o texto de Paiva3 é representativo da preocupação com a necessidade de se pensar propostas curriculares para o ensino médio a partir dos sujeitos jovens e adultos, com o que a proposta do PROEJA manteve coerência pela opção de integração com essa etapa da educação básica, embora de início ainda não estivesse explícito sob quais pressupostos. As intenções expressas já na primeira proposta também coadunam com a orientação política de inclusão social tida como princípio para a formulação do Plano Plurianual 2004-2007 do Governo Federal, denominado Brasil para Todos. Igualmente, aliavam-se ao previsto pelo Decreto nÀ 5.154/2004 quanto à necessidade de que a formação profissional estivesse em constante articulação com as estratégias de educação de jovens e adultos, promovendo, simultaneamente, a qualificação profissional e elevação do nível de escolaridade do trabalhador brasileiro, conforme observado na Exposição de Motivos que acompanhou, em 2005, a proposta de decreto encaminhada à Casa Civil da Presidência da República. Apesar da coerência entre as intenções da proposta e as orientações políticas do governo, o teor da Portaria nÀ 2.080 e, posteriormente, do Decreto nÀ 5.478/20054 apresentava inconsistência em relação à realidade concreta das instituições de ensino, conforme apresentado nos relatos de Santos, Moura e Henrique, anteriormente citados, além da incongruência do estabelecimento de cargas horárias máximas. Embora o processo decisório para o desenvolvimento da proposta inicial tenha envolvido representantes do conselho de dirigentes dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica, além de dirigentes da A Professora Jane Paiva enfoca a discussão sobre a concepção curricular do ensino médio para jovens e adultos a partir de sua experiência, em especial, na formação continuada de professores da rede pública estadual da Bahia. 4 As autarquias federais de educação profissional e tecnológica tinham sua organização normatizada pelo Decreto nº 5.224/2004. A Portaria enquanto instrumento regulamentador, hierarquicamente inferior, não poderia contrariar a autonomia dessas autarquias no que diz respeito à sua organização pedagógica, determinando percentuais iniciais e de ampliação da oferta. 3 24 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC/MEC e da Secretaria Executiva, ele apresenta características como a restrição das forças políticas representativas a um grupo muito pequeno, ausência de avaliação das condições dos ambientes externo e interno e a ausência de negociações para o alcance de consensos pelo fato de ter se estabelecido em um curto período de tempo5, inviabilizando o planejamento necessário à complexidade da proposta, mesmo quando considerada apenas como um programa pontual. Inicialmente o Programa recebeu duras críticas, encontrando forte resistência à sua implementação. Sua real formulação enquanto proposta política teve início poucos meses após a publicação do Decreto nÀ 5.478/2005, uma vez que o estabelecido inicialmente caracteriza-se mais como uma idéia ou um marco, considerando que uma política educacional se constitui para além dos dispositivos legais que a normatizam, englobando outras ações governamentais como as de planejamento, financiamento, difusão e acompanhamento, bem como relações intra e interorganizações. Moll6 ao discorrer sobre as estratégias para a formulação do PROEJA destaca que por meio do Decreto nÀ 5.478, de 24 de junho de 2005, o PROEJA constitui-se como marco para construção de uma política pública de aproximação entre escolarização e profissionalização e de ampliação do acesso e da permanência de jovens e adultos na educação básica. Para tanto foi empreendida uma dinâmica de debates com atores sociais, universidades, conselhos de representantes da rede federal de educação profissional e tecnológica e dos Ministérios da Educação e do Trabalho, de modo a qualificar o PROEJA como campo conceitual e como prática educativa e a constituir uma esfera para a proposição dessa política (2010, p. 132). A reunião entre representantes do conselho de dirigentes e a Secretaria Executiva do MEC, quando surgiu a idéia de se trabalhar alguma proposta que aliasse a EJA às ofertas de educação profissional no âmbito das instituições da rede federal, ocorreu no início do mês de junho de 2005, menos de dez dias antes do anúncio da Portaria, e a transformação de seu teor em Decreto ocorreu onze dias após a publicação desta. 6 A professora Jaqueline Moll esteve à frente desse processo do último trimestre de 2005 a meados de 2007, inicialmente como Coordenadora-Geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica e posteriormente como Diretora do Departamento de Políticas e Articulação Institucional da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação. 5 25 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Antecedeu a fase de produção conceitual a realização de oficinas pedagógicas de capacitação para a formulação e desenvolvimento de currículos integrados de educação profissional técnica com ensino médio, modalidade regular e educação de jovens e adultos. O relatório da reunião para a planificação dessas oficinas, ocorrida em 17/06/2005, organizada pelo Departamento de Desenvolvimento de Programas Especiais da SETEC/MEC, aponta para a realização de 17 oficinas, no período de agosto a novembro de 2005, cada uma com carga horária de 16h (2 dias) e um número médio de 25 participantes. Ainda segundo o relatório, o convite e o material de divulgação deveriam explicitar os objetivos do Ministério em relação à realização das oficinas e deixar claro que existe espaço para divergências e debates em relação à legislação. Demonstra também a intenção de inverter a concepção de imposição a favor da construção de uma perspectiva de adesão mostrando as possibilidades de adaptação às realidades locais. Esses eventos – originalmente organizados em três momentos: primeiro um debate sobre a educação de jovens e adultos a partir da apresentação de experiências; segundo a apresentação dos eixos estruturantes de um currículo integrado; e terceiro a elaboração de ensaios curriculares – com o nome de Oficinas Pedagógicas de Capacitação para Gestores Acadêmicos ocorreram entre 29 de setembro e 29 de novembro daquele ano. Realizaram-se encontros em: Goiânia/GO, Porto Alegre/RS, Manaus/AM, Florianópolis/SC, Belém/PA, Belo Horizonte/MG (2), Fortaleza/CE, Recife/PE, Teresina/PI, Rio de Janeiro/RJ, Vitória/ES, Salvador/BA, Curitiba/PR e João Pessoa/PB. No primeiro dia havia uma abertura oficial com a apresentação feita, em geral, por um dirigente, Diretor ou Coordenador-Geral da SETEC/MEC, seguida de debate sobre o Programa. O momento seguinte consistia na apresentação de dois ou três relatos de experiências institucionais com a educação de jovens e adultos e debate sobre essas vivências. No segundo dia havia a apresentação de um especialista em EJA e o relato de um aluno ou ex-aluno da EJA seguido de debate. O último turno era dedicado à reflexão em grupos sobre concepções, sujeitos e currículo da EJA, considerando possibilidades e entraves para o PROEJA. Na prática, os encontros foram menos eficazes para a capacitação e muito mais para o estabelecimento de um diagnóstico mais preciso das ameaças e oportunidades. O PROEJA conduz à integração das heranças da EJA com as 26 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG heranças da educação profissional, tanto as boas quanto as indesejáveis. Nesse diagnóstico fizeram-se presentes antigas e novas questões: falta de financiamento e deficiências de infra-estrutura; docentes sem capacitação; quase ausência de discussão sobre a EJA na rede federal; dificuldades na elaboração de currículos integrados; antagonismos entre docentes da formação geral com os da formação profissional no interior das instituições; resistência de professores e gestores; não existência de uma política de assistência estudantil etc. A lógica adotada para o planejamento e reformulação do PROEJA foi a da ampliação do debate com a participação representativa de distintos setores interessados, principalmente por meio da constituição de grupos de trabalho plurais. Foram estabelecidos como eixos da ação: o financiamento da implantação; a elaboração de referenciais conceituais; a formação dos profissionais envolvidos na oferta; a reformulação do ato normativo instituinte do Programa; o fomento à pesquisa e à constituição de redes de colaboração acadêmica. Em 2006, inicia-se a descentralização de recursos para investimento em infra-estrutura englobando a compra de equipamentos e reformas com a finalidade de estabelecer condições para abertura das novas turmas. Atualmente, a questão da melhoria da infraestrutura tem sido tratada no âmbito de políticas mais gerais para a qualificação da oferta de educação profissional e tecnológica, no Programa Brasil Profissionalizado, voltado para as redes estaduais, com ênfase na implantação e ampliação da oferta de cursos técnicos integrados com o ensino médio regular ou EJA, e na expansão da rede federal. Também em 2006, são financiadas as primeiras turmas dos cursos de pós-graduação lato sensu (Especialização PROEJA), constituindo-se uma rede de formação de profissionais (docentes, gestores e técnicos) para atuar no Programa, ancorada em pólos coordenados por Centros Federais de Educação Tecnológica7 e universidades federais; além de publicado o Documento Base Com exceção dos Centros Federais de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, todos os demais transformaram-se, pela Lei 11.892/2008, em Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia. Para aprofundamento sobre o tema conferir Silva, Caetana Juracy Rezende (org.). Institutos Federais, Lei 11.892, de 29/12/2008: Comentários e reflexões. Natal: IFRN, 2009. 7 27 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL PROEJA, voltado para o ensino médio-técnico. Ainda nesse ano é promulgado o Decreto nÀ 5.840/2006, revogando o anterior e estabelecendo o atual formato do Programa e lançado o Edital PROEJA-CAPES/SETEC nÀ 03/2006 para a seleção de projetos de pesquisa no âmbito do Programa de Apoio ao Ensino e a Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos. Em 2007, nove projetos de núcleos de pesquisa8 são selecionados no âmbito do Edital PROEJA-CAPES/SETEC nÀ 03/2006, com financiamento de bolsas de mestrado e doutorado; são publicados os Documentos Base PROEJA FIC-Ensino Fundamental e Educação Profissional Integrada à Educação Escolar Indígena; ocorrendo a ampliação dos cursos de Especialização PROEJA e abertura de Chamada Pública para a seleção de projetos de cursos de formação continuada de docentes, com carga-horária entre 120 e 240 horas. As instituições de ensino componentes dos pólos dos cursos de Especialização PROEJA possuem liberdade para formular as propostas de acordo com sua realidade, tendo como referência o documento Capacitação de Profissionais do Ensino Público para Atuar na Educação Profissional Integrada com a Educação Básica na Modalidade EJA: Propostas gerais para elaboração de projetos pedagógicos de cursos de especialização. Esse documento teve sua primeira versão elaborada por um Grupo de Trabalho em março de 2006, sendo revisto após a publicação do Decreto nÀ 5.840/2006 e novamente, em 2008. Em sua justificativa afirma-se: Por ser esse um campo peculiar de conhecimento, o PROEJA exige que se implante uma política específica para a formação de professores para nele atuar, uma vez que há carência significativa no magistério superior de uma sólida formação continuada de professores para atuar nessa esfera. Entende-se que a formação docente é uma das maneiras fundamentais para se mergulhar no Inicialmente os nove núcleos incorporavam 29 instituições, sendo que a UFMG participa de dois projetos: 17 universidades: UFCE, UEMG, UFMG, UFV, UFG, UCG, UNB, UFRGS, UFPEL, UNISINOS, UFBA, UFMA, UTFPR, UFPR, UNIOESTE, UFES, UENF, um Centro Federal de Educação Tecnológica: CEFET/MG , 9 Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia: IFC, IFPA, IF Norte de Minas Gerais, IFG, IF Farroupilha, IF Sul Rio-Grandense, IFRS, IFES, IF Fluminense, um Centro Estadual – CEETEPS/SP e a Faculdade SENAC/SP. 8 28 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG universo das questões que compõem a realidade desse público, de investigar seus modos de aprender de forma geral, tendo em vista compreender e favorecer lógicas e processos de sua aprendizagem no ambiente escolar. O documento, em sua última versão, propõe que a organização dos cursos se oriente a partir dos eixos: I) Concepções e princípios da educação profissional e da educação básica na modalidade EJA; II) Gestão democrática e economia solidária; III) Políticas e legislação educacional; IV) Concepções curriculares na educação profissional e na educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos; V) Didáticas na educação profissional e na educação de jovens e adultos. As primeiras turmas receberam fortes críticas dos cursistas. Seus depoimentos registram críticas ao fato dos professores dedicarem-se mais às questões da EJA demonstrando pouco envolvimento com as questões da educação profissional; cursos muito teóricos com uma carga excessiva de leituras9; o hermetismo da linguagem dos textos e de alguns professores. A periodicidade e a duração dos encontros também foi um problema relatado pelos docentes que não tiveram suas cargas-horárias reduzidas durante o período de realização do curso, sendo que precisavam repor, em sua escola, as aulas que necessitassem faltar. Uma questão levantada por professores estaduais e municipais foi a falta de perspectiva de vir a atuar em um curso PROEJA, uma vez que não havia previsão de implantação nas escolas de sua região. Contudo a Especialização PROEJA têm produzido um valioso material para a análise de sua implementação. Afora a constatação de que tais cursos têm baixíssima atratividade para os docentes da rede federal, atendendo em sua grande maioria a profissionais das redes públicas estaduais e municipais, É importante registrar que uma boa parte dos professores cursistas, principalmente os das redes municipais, tinham em sua formação inicial, Licenciatura ou Pedagogia, sua única formação, não tendo passado por qualquer tipo de curso de capacitação ou aperfeiçoamento. Sobre os hábitos de leitura, ilustra o ocorrido em uma aula inaugural em um dos pólos na região Norte, quando ao serem questionados sobre quantos liam ao menos um livro por mês, qualquer tipo de livro, esses profissionais confessaram que liam um ou dois livros por ano, variando de livros técnicos a romances psicografados. Costumavam folhear revistas e jornais, mas pulavam reportagens mais longas. 9 29 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL apontando algumas pistas sobre os perfis desses professores, um levantamento a partir dos títulos e resumos dos artigos publicados mostra uma gradual passagem das preocupações próprias da EJA em direção a temáticas características desse novo campo. Sua articulação com os projetos de pesquisa frutos do convênio entre CAPES e SETEC/MEC e com as coordenações de curso e gestores, ainda que tal articulação não ocorra em todos os pólos e nem com o mesmo nível de entrosamento naqueles onde ocorre, é fundamental para o desenvolvimento de posturas e práticas que possibilitem às comunidades se apropriarem e ressignificarem o PROEJA, tendo em conta seus referenciais locais na construção da identidade de seus cursos e projetos pedagógicos. Ao mesmo tempo, a constituição dos núcleos de pesquisa tem possibilitado o que Franzoi e Machado (2010) chamam de análise da política em movimento. Ainda em 2007, inicia-se o Projeto de Inserção Contributiva que tem se configurado como uma interessante forma de monitoramento e, ao mesmo tempo, fonte de inspiração para novas formulações. Organizado pela equipe técnica que atuava no PROEJA, na SETEC/MEC, à época, duas Pedagogas (Técnicas em Assuntos Educacionais) e uma Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, com a colaboração de coordenadores de pólo da Especialização PROEJA e pesquisadores vinculados aos projetos PROEJA CAPES/SETEC, a proposição nasceu do monitoramento dos dados de matrícula e evasão nos cursos das instituições federais. O Projeto tem como objetivo refletir junto com essas instituições sobre as causas de evasão, problemas gerais na organização pedagógica e nos projetos de curso, buscando auxiliá-las na estruturação de planos e estratégias que permitam a superação do quadro encontrado. As visitas têm, no mínimo, quatro momentos: conversa com os gestores da instituição; conversa com os docentes e técnicos administrativos, conversa com os estudantes e planejamento conjunto. Participam do planejamento representantes de cada um dos seguimentos escolhidos por seus pares durante o encontro inicial. Faz parte da visita, a verificação da aplicação de recursos para custeio de equipamentos, reformas, assistência ao educando, entre outras despesas para a qual a instituição tenha recebido recurso extraordinário da SETEC/MEC. As visitas são, em geral, realizadas em dupla: alguém da equipe técnica da SETEC/MEC e um coordenador de pólo ou professor da Especialização PROEJA responsáveis 30 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG pela mediação das conversas e coordenação do planejamento. No planejamento são elencadas prioridades, estratégias de trabalho, cronograma de ações e os responsáveis por sua realização. As ações são divididas entre aquelas que se encontram no âmbito das responsabilidades do Ministério, as de competência da instituição de ensino e aquelas que competem aos estudantes. Em 2007, foram realizadas 21 visitas de assessoramento a instituições com taxas de evasão superior a 30%. Em 2008, somente três visitas. O reduzido quadro de pessoal da Coordenação responsável pela gestão nacional do PROEJA e o aumento no volume de trabalho de rotina interna (análise de projetos, emissão de Pareceres e Notas Técnicas, encaminhamento de correspondências e comunicados oficiais, análise de prestação de contas, atendimento ao público, organização e coordenação das reuniões de grupos de trabalho, alimentação do sistema de informações do MEC, entre outras atribuições) têm dificultado a continuidade do Projeto. Em 2008, dando continuidade às ações de formação foram realizados novos investimentos em 27 pólos de Especialização PROEJA, com cerca de 3,4 profissionais em formação; e em 45 projetos aprovados na segunda chamada pública para cursos de formação continuada. Nesse mesmo ano, como resultado do Projeto de Inserção Contributiva, teve início a ação de Assistência ao Educando PROEJA. Trata-se de uma forma de apoio às instituições federais para o desenvolvimento de ações que favoreçam a permanência, a aprendizagem e a conclusão com êxito desses estudantes. Essa é a única das ações do Programa destinada exclusivamente às instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Enquanto as redes estaduais podem contar com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, com a previsão de recursos de manutenção calculados pelo quantitativo de estudantes matriculados na educação de jovens e adultos integrada com a educação profissional técnica de nível médio, com avaliação no processo, as instituições da rede federal não possuem em seu orçamento ordinário recursos específicos para despesas como a alimentação e o transporte desses estudantes. Os recursos da ação de Assistência ao Educando podem ser empregados para suprir necessidades básicas desses 31 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL estudantes, como: alimentação, transporte, alojamento, atendimento médico, psicológico, odontológico, social, pedagógico e outras despesas e serviços que auxiliem a permanência e a aprendizagem. As instituições possuem autonomia na forma de empregar esse recurso, devendo, por intermédio de seu Conselho Superior, regulamentar os critérios para sua utilização. Apesar de ser considerada a ação de impacto mais imediato quanto à permanência dos estudantes, o repasse desse recurso às instituições federais não tem sido um processo completamente tranquilo. Os problemas de comunicação entre a Secretaria e as instituições e a falta de diálogo entre gestores e estudantes têm causado estranhamentos no processo. Embora possa ser concedido diretamente na forma de assistência financeira ao estudante, esse recurso não pode ser caracterizado como pagamento de bolsa. Ao contrário do que ocorre com o CNPq10, por exemplo, não há no orçamento da União a previsão de despesa com bolsas para a educação profissional e tecnológica. É necessária uma lei que crie essa natureza de despesa. Quando repassado como assistência financeira ao estudante no âmbito da Ação Orçamentária Assistência ao Educando da Educação Profissional e Tecnológica, tal repasse se constitui como ação de assistência social. A SETEC/MEC utiliza como fórmula de cálculo para as descentralizações de crédito orçamentário o número de matrículas – somando todas as matrículas de cursos PROEJA, independentemente se de nível médio ou fundamental11 – multiplicada por R$100,00 (cem reais), multiplicada pelo número de meses letivos12. Por causa da fórmula de cálculo, várias instituições compreenderam que deveriam obrigatoriamente pagar aos estudantes Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O Decreto nº 5.840/2006 prevê três possibilidades de articulação dos cursos da Educação Profissional e Tecnológica com a Educação de Jovens e Adultos e seis formas de organização (art. 1º, §§ 1º e 2º): i) cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio organizados nas formas concomitante ou integrada com o Ensino Médio na Modalidade EJA; ii) cursos de Formação Inicial e Continuada articulados com o Ensino Médio EJA; ou iii) cursos de Formação Inicial e Continuada articulados ou Ensino Fundamental EJA. Nos dois últimos casos os cursos podem ser ofertados em uma única instituição de ensino, com matrícula única, ou em caráter de cooperação entre instituições de ensino distintas, com dupla matrícula, porém, com projeto pedagógico único. 12 Para os cálculos, considera-se no máximo dez meses letivos por ano. Se a turma começa após o início do ano letivo são considerados os meses restantes. 10 11 32 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG R$100,00/mês sequer cogitando outras formas de assistência, assumindo mesmo que essa foi uma imposição do Ministério. Outras decidiram por essa forma de assistência por entender que seria a mais fácil para a instituição, outras entenderam que seria o jeito mais prático para os estudantes, outras ainda compreenderam que já possuíam serviços sociais adequados ao atendimento desses educandos e que a assistência financeira direta seria a melhor forma de complementar suas ações. Poucas dialogaram com os estudantes sobre quais seriam, de acordo com as necessidades deles, os critérios mais adequados para utilização desses recursos. Uma das críticas resultantes desses estranhamentos é a de que os estudantes só frequentavam os cursos por causa da bolsa. Segundo relatos, alguns estudantes chamam, jocosamente, a assistência de salário. Essas situações acendem um sinal de alerta sobre o como esses educandos se percebem e percebem a escola e o governo nesse processo. Demonstram também a falta de clareza na comunicação entre esses três coletivos. A exigência da SETEC/MEC de que seja informado o Cadastro de Pessoa Física (CPF) do estudante, não aceitando o de familiares, também tem causado tensionamentos no desenvolvimento dessa ação. Várias instituições, em especial aquelas localizadas em regiões onde não há posto de cadastramento da Receita Federal, têm descrito as dificuldades de os alunos fazerem esse cadastro. Relatos de estudantes, gestores e docentes demonstram que essa exigência tem sido considerada um mero ato burocrático da SETEC/MEC. Por sua vez a Secretaria considera que sem essa informação não há como saber se aquela é uma matrícula de um estudante real ou de um „estudante fantasma‰. Com o funcionamento do Sistema de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC)13, em 2010, a SETEC/MEC passou a considerar somente as matrículas de estudantes devidamente cadastrados no 13 O SISTEC é um programa do governo federal que visa a dar validade nacional aos diplomas e formar um banco de dados sobre os cursos técnicos. Todas as instituições de educação profissional que possuem cursos técnicos precisam cadastrar as suas turmas de cursos técnicos e de cursos de formação inicial e continuada/ qualificação profissional. O sistema passou a funcionar em 2009, somente para cadastramento das turmas iniciadas nesse ano. No início de 2010, o sistema foi aberto para as instituições da rede federal cadastrarem todas as turmas de PROEJA, técnico ou FIC/qualificação profissional, que estivessem em andamento, incluindo as que tiveram início nos anos de 2006, 2007 e 2008. 33 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL sistema. O SISTEC deverá ser liberado para as instituições da rede federal cadastrarem todas as suas turmas e cursos, tanto da educação básica como da educação superior. A tendência é que o cálculo da matriz orçamentária dessas instituições passe a considerar as matrículas registradas no sistema. Se assim ocorrer, os repasses extraordinários para as ações de assistência serão substituídos por um aumento no orçamento ordinário das instituições considerando um valor de ponderação maior para as matrículas em cursos PROEJA. Outra linha de ação desenvolvida é o fomento à publicação de material didático. A dificuldade apontada pelas instituições é falta de possibilidade de gratificar os professores que se dedicam à elaboração do material uma vez que, conforme observado anteriormente, não há previsão de pagamento de bolsas para a educação profissional e tecnológica. Dessa forma, o financiamento possível restringe-se exclusivamente às despesas com a publicação. Os Diálogos PROEJA, iniciados no final de 2008, surgiram da reflexão a partir dos cursos de Especialização PROEJA14 e do Projeto de Inserção Contributiva. São eventos dedicados à troca de experiências e à reflexão sobre a prática, envolvendo estudantes, docentes, técnicos administrativos, gestores de escolas públicas que possuem cursos PROEJA e pesquisadores. Os Diálogos trazem relatos reveladores da condição de existência desses cursos em suas redes e instituições de ensino. Neles têm-se desvelado, com franqueza incomum, os tensionamentos, os desafios e as contradições do próprio PROEJA, extrapolando-o e alcançando problemas estruturais de exclusão sistêmica, revelando a dificuldade de as escolas lidarem com a diversidade da sociedade de que deveriam fazer parte, mas da qual têm se apartado. Três ações são ainda novas demais para pressentirmos seus resultados: a implantação de cursos PROEJA FIC com ensino fundamental, em um modelo de cooperação entre instituições federais e redes municipais de ensino; a implantação de cursos PROEJA em estabelecimentos penais, também no No mínimo uma vez por ano ocorre uma reunião de avaliação da Especialização PROEJA da qual participam todos os coordenadores de pólo. Esses encontros alternam períodos de avaliação e planejamento com períodos de reflexão sobre concepções e práticas, buscando-se a constituição de um espaço de formação continuada dos coordenadores. 14 34 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG modelo de cooperação, mas ainda mais problematizada pela inclusão das Secretarias Estaduais de Educação e Segurança Pública ou órgão responsável pela administração penitenciária estadual; e a vinculação com a proposta da Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada (Rede Certific). O Ofício Circular nÀ 40/2009 GAB/SETEC/MEC, em ação conjunta entre a SETEC e a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (SECAD), teve como objetivo: apoiar, por intermédio das instituições da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica, a implantação de cursos de formação inicial e continuada integrados com o ensino fundamental na modalidade da educação de jovens e adultos: 1) Nos municípios brasileiros. 2) Nos estabelecimentos penais. (08/04/2009). Este documento propõe uma nova formatação para os projetos a serem apoiados, inaugurando nas duas Secretarias envolvidas uma metodologia de implantação de políticas em que as dimensões da formação continuada dos profissionais, da produção de material didático, da pesquisa de acompanhamento da implantação e da oferta dos cursos PROEJA em si são tratadas de forma integrada em um mesmo projeto. A cooperação obrigatória entre redes de ensino e diferentes órgãos públicos envolvidos na proposta da oferta nos estabelecimentos penais também se configurou como uma inovação. Mais recentemente, o Ofício Circular nÀ 54/2010 GAB/SETEC/MEC, de 1À /04/2010, também de em trabalho conjunto das duas Secretarias, articula a oferta de Programas Interinstitucionais de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada (Programas Certific) com os cursos PROEJA seguindo a metodologia proposta no Ofício Circular nÀ 40/2009 GAB/SETEC/MEC. As novidades propostas nos Programas Certific concentram-se principalmente na responsabilização da instituição pelo prosseguimento de estudos daqueles estudantes que não alcançarem a certificação no processo de avaliação para o reconhecimento de saberes; o estabelecimento de um processo dinâmico de constante atualização dos 35 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Programas, mas sem a perda da validade do certificado, tendo como estratégia a produção de conhecimento em rede, pelo compartilhamento de conteúdos, na mais pura lógica wiki15. Retomando o rumo da prosa: a continuidade das ações e a consolidação da proposta do PROEJA enquanto uma alternativa política e pedagógica viável depende da adesão individual e coletiva a este projeto educacional. Tal adesão necessita ser manifesta a partir da mobilização social em sua defesa, da participação dos diversos atores/autores forçando a ampliação e democratização dos espaços decisórios, incluindo a vigília constante para a superação dos desafios de mobilização; da representatividade que induz à participação tutelada, ao personalismo, ao clientelismo e à desmobilização e apatia. O revigorar das forças daqueles que se encontram comprometidos com este projeto e que buscam para ele a autoridade do reconhecimento e da manifestação social, em termos de sua legitimação por meio do convencimento ético, é essencial frente à oferta reduzida de turmas, aos altos índices de evasão e à forma marginal como o PROEJA é tratado em boa parte das instituições de ensino, em especial, nas federais. Em paralelo, os atuais investimentos apontam para uma ampliação considerável nas matrículas nas redes estaduais. Apesar do argumento de que se trata de mais um projeto imposto por decreto, a trajetória traçada em seu desenvolvimento tem colocado em seus pontos referenciais várias ações que objetivam principalmente a escuta apurada, a promoção do diálogo e da participação. Recorremos à reflexão apresentada por Araújo (2006) ao analisar as críticas apresentadas ao Decreto nÀ 5.154/2004. Ainda que a implantação de uma proposta via decreto possa tipificar um processo vertical de tomada de decisões, no qual não está garantida, pela sua natureza, a ampla participação dos interessados, mesmo que de forma representativa tal como se espera das leis por sua tramitação no Congresso Nacional, ela não precisa se caracterizar necessariamente como uma ação anti- O termo Wiki significa “muito rápido”, em uma linguagem havaiana. Pelo sim, pelo não, de fato é uma referência às formas de escrita e educação coletiva utilizada emblematicamente pela Wikipédia, sendo também o nome de um software colaborativo que permite esse tipo de edição. 15 36 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG democrática, podendo ressignificar-se pela ampliação das possibilidades de participação cidadã. Por outro lado, a modificação da LDB, incluindo, no §3À do art 37, a preferencial articulação da educação de jovens e adultos com a educação profissional; o financiamento previsto no FUNDEB, a inclusão entre os objetivos dos Institutos Federais ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para concluintes do ensino fundamental e para o público jovem e adulto (Lei 11.892/2008. Art. 7À, inciso I) podem ser considerados avanços, mesmo que tímidos, em termos de estruturação do arcabouço legal. Para o PROEJA, a legitimidade vislumbrada, pressuposto para a passagem pretendida, vincula-se diretamente à capacidade de construir consensos, na mobilização e na participação de cidadãos/ãs autônomos/as, construindo-se no fluir entre a utopia e o concreto, da estrela ao arado, do arado à estrela. Referências ARAÐJO, Ronaldo Marcos de Lima. A regulação da educação profissional do governo Lula: conciliação de interesses ou espaço para mobilização? In: GEMAQUE, Rosana Maria Oliveira e LIMA, Rosângela Novaes. Políticas Públicas Educacionais: O Governo Lula em questão. Belém: CEJUP, 2006. 191-213. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica. Brasília, dez. 2003. __________ Ministério da Educação. Portaria nÀ 2.080, de 13 de junho de 2005. Dispõe sobre as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos – EJA no âmbito da rede federal de educação tecnológica. Brasília, DF: 2005b. __________ Decreto nÀ 5.478, de 24 de junho de 2005. Institui no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Brasília, DF: 2005a. 37 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL __________ Decreto nÀ 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Brasília, DF: 2006. __________ Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica. Relatório da reunião sobre planificação de oficinas pedagógicas de capacitação para a formulação e desenvolvimento de currículos integrados. Brasília, DF: DDPE/SETEC/MEC, jun. 2005. Mimeo. __________ Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica. Síntese dos resultados dos trabalhos realizados nas Oficinas Pedagógicas de Capacitação para Gestores Acadêmicos promovidos pela SETEC / MEC, no período de 29 de setembro a 29 de novembro de 2005. Brasília, DF: SETEC/MEC, dez. 2005. Mimeo. FILHO, Domingos Leite Lima. O PROEJA em construção: enfrentando desafios políticos e pedagógicos. In: Educação e Realidade: EJA e Educação Profissional, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Faculdade de Educação, v. 35, n. 1, pp. 109-127, jan/abr 2010. FRANZOI, Naira Lisboa e MACHADO, Maria Margarida. Trajetórias de educação e de trabalho na vida de jovens e adultos. 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Formas estas que não aprenderam em escolas ou universidades, mais voltando as nossas próprias raízes e assoprando as cinzas sob as quais se conservam na memória de nossos anciãos! Abstract The present work of course conclusion was thought to serve as an alert for kaingang teachers who have been fighting for the insertion of a formal school whose knowledge basis is the transmission of essential values of kaingang culture using its own ways of knowledge reproduction. These teachers have not learned those ways neither in school nor in universities. They have just turned to their own roots blowing the ashes under which they are preserved in our elders memory! 1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: [email protected] CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL S‹ INH R‹NHR‹J TO VĨ SĨ HAN VẼ2 Ẽg tỹ kanhgág, pi kejẽn ti rãnhrãj to jykrén kỹ nén'ũ rán sór tĩ. Hã kỹ sóg ũri tag to inh rãnhrãj han sór mũ, mũn kejẽn ẽg tỹ kanhgág ũ tóg tag to vẽnh kanhrãn sór mũ, kỹ tag tóg sir ti jo rán kỹ sa ja nĩnh mũ sir. Kỹ ẽg pi ũri ẽg kófa ag mỹ: Mỹ vẽsỹ ẽg ga kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn fã tũ tĩg nĩn kã, hẽ re nãg nĩ, ke sór tĩ, ag tỹ ẽg mỹ tón jé, ẽg tỹ kinhra nỹtĩn jé. Hã kỹ sóg to vẽnh kanhrãn mág han sór mũ, kỹ sóg ránrán mũ sir, rán kỹ sa jé. Kar kỹ, ẽg kanhrãnrãn jafã ag, ẽn ag to jykrén kỹ sóg inh rãnhrãj tag han mũ, ag tỹ, gĩr kanhrãnrãn há han sór kỹ ag tóg, vẽsỹ ũ tỹ gĩr kanhrãnrãn jafã ẽn ag to nén ũ kinhra nỹtĩnh ke nỹtĩ, ag mỹ, hẽ ren kỹ, gĩr kanhrãnrãn jafã nĩgtĩ, ag tỹ ũri, vẽnh kanhrãnrãn jafã kãmĩ tag nón jykrén kỹ to Projeto PolíticoPedagógico ke tĩ ẽn han jé sir. Ũri gĩr kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág ag pi ẽg kófa ag jẽmẽ sór tĩ, kanhró ẽg tóg nỹtĩ ke ag tóg tĩ, mỹr ẽg vẽnh kanhrãnrãn jãfã mĩ vẽnh kanhrãnrãn já, vẽ ke ag mũ. Ũ ag tóg faculdade mré hã kãn kã nỹtĩ, hã kã ag tóg ge, ke mũ. Hãra ẽg pi ẽg tỹ kanhgág tỹ nén ũ to kanhró, tỹ fóg ag vẽnh kanhrãn fã kãtá venh mũ, ag pi to ne kinhra nỹtĩ fóg ag, ẽg kanhgág kófa ag hã tóg to nén kar kinhra nỹtĩ, ag jẽmẽ kỹ ã tóg to kanhrãn mũ sir, kanhgág nén ũ kinhra to. Kófa ag kanhró tóg fóg ag tỹ faculdade ke tĩ ẽn kãfór nĩ, ag tỹ ũri nén ũ kinhrãg ja pi jé, vẽsỹ há kanhgág ag to vẽnh kanhrãn kãmũ vẽ. Prỹg nĩkrén javãnh kãmĩ ag tóg nén kar tag ki kanhrãn ja nĩ. Introdução Nós, kaingang, não nos preocupamos em registrar por escrito nossas experiências de trabalho. Por isso, hoje, pretendo fazer isso: relatar minha 2 O texto principal desta primeira parte foi escrito pela autora no idioma kaingang e os títulos são colocados com letras maiúsculas. Na sequência, há uma tradução livre para o português, também elaborado pela autora, cujos títulos estão grafados com letras minúsculas. 44 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG experiência profissional enquanto educadora bilíngue pertencente ao Povo Indígena Kaingang. Quem sabe, algum dia, alguém possa querer se aprofundar neste assunto e, então, encontrará este breve registro. Nós nunca perguntamos para os nossos „velhos‰ como era quando não havia escolas nas Comunidades Indígenas, como se conduzia o aprendizado das crianças, onde, como e quem a fazia. Então registrarei tudo. É preocupada com os professores indígenas que faço este trabalho porque, se eles quiserem ser bons professores kaingang, eles terão que ouvir os nossos „velhos‰! Pois é neles que está a essência da escola diferenciada. São, pois, a base para um Projeto Político-Pedagógico. O professor kaingang precisa resgatar e valorizar as formas tradicionais kaingang de repassar os conhecimentos para os jovens, porque essas formas não são meros métodos em fase de experimentação, mas sim metodologias aplicadas, avaliadas e aperfeiçoadas através dos tempos. Saberes estes não disponíveis em nenhuma universidade, mas, apenas, na memória dos nossos velhos, adormecida e anestesiada pelo sofrimento da discriminação e do preconceito de uma sociedade que não soube reconhecê-los. KANHG˘G AG GA K‹MĨ VẼNH KANHR‹N JAF‹ TŨ TĨGNĨ K‹ Vẽsã ẽg tỹ kanhgág kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn fã tũ tĩg nĩ kã, vẽnh kar tóg gĩr jóg jagtãn tĩ, gĩr kanhrãn jé. Fóg ag pi ẽg tỹ kanhgág rike nỹtĩ, Fóg tóg ti pir mỹ ti kósin to vẽsãn tĩ, ti kanhrãn jé. Hã kỹ tóg vẽnh kanhrãn fã to ti kósin fẽg tĩ sir, ũ tỹ gĩr kanhrãn fã fag ti mré ti kósin kanhrãn jé. Jãvo ẽg tóg jag mré ẽg gĩr kanhrãn fã ja nĩgtĩ, gĩr tỹ kanhgág pi jóg pir nĩgtĩ, ti mur kỹ ti panh, régre ag tóg tỹ gĩr ẽn panh nỹtĩ gé sir, hãra gĩr ẽn tóg ti vĩ há ve kỹ tóg ag to inh panh sĩ ag, kenh mũ sir, ti titio ag to, Kỹ gĩr panh ve fag tóg tỹ gĩr mỹnh sĩ nỹtĩnh mũ gé. Kỹ gĩr mỹnh fi régre ag tóg tỹ panh sĩ nỹtĩ gé sir, fi régre fag tóg tỹ gĩr mỹnh sĩ nỹtĩ gé. Kỹ vẽnh kar tag tóg sir gĩr ẽn kirĩr mũ jag mré, ti mỹ nén ũ to ge kenh mũ, ti kanhrãn mũ, ti tỹ nén kar kinhrãg ge ẽn ki. Kar kỹ 45 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL ti kanhkã kar tóg ti kirĩr mũ gé. Vẽnh kar tag tỹ, gĩr ẽn tỹ nén han vẽnhmỹ, vég tũ nĩn kỹ ẽg jamã ki ke kar tóg ti kirĩr nỹtĩ gé ver, ti mỹ ge tũg ra ken jé. Ti kaga kỹ, vẽnh kar tóg ti to kanẽ jur mũ sir, ti panh mré. Kỹ kanhgág jamã kãmĩ, gĩr pi ti pir mỹ tĩnh mũ gé, ũ tóg ti mãg tĩ, ti jẽ'ỹn jé, tỹ ti kósin jẽ jé sir, ti krẽ pẽ rike. Ũ tỹ ti mãg mũ ẽn kanhkã ag, tóg tỹ gĩr ẽn kanhkã pẽ nỹtĩ gé sir. Kỹ kejẽn gĩr ẽn tóg pãnhmog jẽnh mũ sir. Kỹ tóg ũn sanh ag tã nén ũ han vég mũ, kã tóg han sór mũ gé, kỹ ũn ti kirĩr nỹtĩ ẽn ag kã'ũ tóg, ti mỹ ge kenh mũ sir, ti kanhrãn jé. Ti tỹ nén han sór mũ, tỹ ũ tóg ti mỹ: ge vẽ kenh mũ, ũn sanh ag nén ũ han ẽn, ve kỹ tóg rike han sór tĩ, kỹ tóg han kãnãn tĩ, ti tỹ ũn han ve ti, kã hãra vẽnh kar tóg ti mỹ: Sĩnvĩ ti nĩ, há pẽ ti nĩ, ke tĩ, kã tóg kejẽn han há han tĩ sir. kã tóg ti mog kar mỹr, nén kar han kinhra jẽnh mũ sir. Ũ pi hãra ti kanhrãn jé ti mỹ: Kuri, kuri, kenh mũ. Komẽr hã tóg vẽnh kanhrãn mũ, ti tỹ ti mog kã, nén kar han ke ẽn to. Ti tỹ sĩ jẽn kỹ tóg, nén'ũ sĩ han kinhrãg mũ, hãra ti mog mãn sĩ han kỹ tóg, ti tỹ kinhra ẽn kãfór sĩ han mũ sir. Ge tĩ ki tóg kejẽn nén'ũ kar kinhrãg mũ sir. Kỹ ti tỹ nén kar han kinhra nĩn kỹ tóg ẽn pãte han há han ẽn, to jykrén mũ sir, kỹ tóg han mãn kenh mũ, ti tỹ han kỹ tóg, ti tỹ ẽgno tá han ja ẽn sĩnvĩ kãfór han mũ sir. Ti tỹ nén kar han kinhrãg ja tag ti, ti tỹ ũn sanh ag han han ve kỹ, ag kóm han ge tĩ ki, ti tỹ ag kóm kinhrãg ja vẽ, ũn sanh tỹ, gĩr tỹ nén'ũ han ve, kỹ tóg ti mỹ: tỹ gem nĩ, ke tĩ. Vẽnh kar tóg jagnẽ mré gĩr kanhrãnrãn tĩ, kanhgág ga kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn fã tũ, tĩg nĩn kã. Quando não havia escolas nas Terras Indígenas Kaingang Quando não havia escolas nas comunidades indígenas kaingang, todos se preocupavam com o aprendizado das crianças, com o ensinar. Tudo era comunitário. A educação não-indígena não acontece dessa forma. Cada um é 46 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG responsável pela educação dos seus filhos, cada um trabalha para garantir a educação para os seus filhos e, desta maneira, pode contar com ajuda dos professores e direção de uma escola, para ajudá-lo neste processo. Nós, kaingang, não agimos desta forma! A criança kaingang, quando nasce, já recebe uma família enorme. Até porque, culturalmente, os irmãos e irmãs de seus pais também são chamados de seus pais e mães, serão chamados de „paizinho‰ e „mãezinha‰. Assim, todas essas pessoas e seus familiares se tornam responsáveis pela educação da criança kaingang. Ou melhor, responsáveis não só pela educação, mas também em dar carinho, amor e atenção. Além de todas essas pessoas envolvidas no processo, a criança ainda conta com o apoio de toda uma liderança e de toda uma comunidade indígena, que está preocupada com esta criança em todos os sentidos. Por isso, numa comunidade kaingang, não encontramos crianças abandonadas, por causa desse núcleo familiar mais abrangente. Porque sempre há alguém que assume a responsabilidade com a criança, mesmo na condição do pai biológico não estar presente, o processo, acima mencionado, tem sua continuidade. Então, a criança kaingang vai crescendo e passa a querer imitar os adultos nos seus afazeres. E, um dia, também vai querer ajudar nas atividades, naquilo que é possível realizar dentro de suas limitações. Assim, vai sendo auxiliada e incentivada. O que estará fazendo não sairá perfeito, porém todos continuam incentivando e dizendo que está bom, bonito, até que um dia ela realmente faz bonito! E é dessa forma, que a criança kaingang vai despertando para fazer as coisas, vai aprendendo tudo o que precisa aprender para ser um adulto útil à sua comunidade kaingang. Todo esse processo é conduzido levando em consideração seu despertar para as atividades, seu tempo de aprendizagem e aptidões, sem nenhuma imposição. A partir desse momento, a criança só vai aperfeiçoar tudo aquilo que aprendeu. VẼNH KANHR‹NR‹N F‹ TỸ ẼG GA KI K‹GE Ũri tóg ver ge nã, ẽg gĩr kanhrãnrãn ti, hãra ũri tóg ẽg jamã kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn fã tĩ, hamẽ. Kanhgág kãsir kanhrãnrãn jé, fóg ag krẽ kanhrãnrãn ẽn rike. Kỹ vẽsỹ, sỹ sĩ jẽg nĩ kã, gĩr kanhrãnrãn tĩ fag tóg, tỹ 47 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL fóg kar ja nỹtĩg nĩ. Kã ag tóg ẽg tỹ ẽg vĩ tó kamẽg tĩ, fóg vĩ tó ra, ke ag tóg mũ. Hãra ẽg pi kã fóg vĩ tó há já nãtĩg nĩ, kỹ ag tóg sir ẽg to jũgjũ tĩ, nén ũ han to ag tóg ẽg fẽg tĩ, ag mỹ kajãm jé, ẽg tỹ ag vĩ jẽmẽ tũg ja nĩn kỹ, fóg vĩ tó ra ke kỹ, kỹ gĩr tóg sir vẽsãnsãn tĩ, tó kinhrãg jé. Ke tũ nĩ kã ũn kinhrãg tũ nĩ ẽn tóg sir, vẽnh kanhrãn jafã ki kutẽ tĩ, ne kinhrãg mẽ. Kã hẽri ken kã gĩr ti vẽnhrán kinhrãg, ti kanhrãn jafã tỹ ti vĩ ki kagtĩg ra. Mré ti tỹ ti kanhrãn tĩ vĩ ki kagtĩg ra ke gé. Kỹ kanhgág krẽ tỹ kanhrãnrãn tũ nĩn kỹ, fóg ag tóg sir kanhgág to, vẽnhkagtĩg ke mũ sir, pi ẽg rike nỹtĩ, ke ag tóg mũ sir, fóg ag. Pi vẽnh kanhrãn jé krĩ nỹtĩ, gente pi jé, ke ag tóg mũ. Pi kẽnhmég nỹtĩ gé, miso rike, ke ag tóg mũ, ẽg to. Ẽg tỹ nén ũ to kanhró ẽn pi ag mỹ, tỹ ne nỹ sir. Ag hã tóg, ag pir mã kanhró nỹtĩ, ag krĩn ki. Kỹ kejẽn fóg ag ne jagnẽ mã, kỹ ẽg ne kanhgág ag hã kã'ũ, kanhrãnrãn tũ nĩ. kỹ ẽg tóg ag vĩ rán mũ ke gé, kỹ ag tóg sir ẽg mã ag kanhkã ag kanhrãnrãn mũ sir, ag vĩ ki ag tóg ag mã fóg vĩ to ge kenh mũ sir. Kar kỹ ẽg tóg ti ke han mũ sir, ke ag tóg mũ, fóg ag. kã ag tóg ẽmã mĩ kanhgág tỹ kanhrãnrãn sĩ han han ja ẽn ag jãvãnh mũ sir, ẽmã ũ ra ag rĩg mũ sir, tá ag kanhrãnrãn jé, kanhgág ẽn ag. Ag tỹ kar vẽnh kanhrãn jafã kãmĩ gĩr kanhrãnrãn jé. Prỹg régre ki ag tóg kanhgág ẽn ag kanhrãnrãn mũ sir, gĩr mỹ ge ke jé, ẽg vĩ ki. Kar kỹ governo tóg kanhgág ẽn ag mỹ ag rãnhrãj kajãm mũ, ag tỹ gĩr kanhrãnrãn jé sir, kanhgág ag jamãn mĩ, Estado tỹ Paraná ke tĩ tá, kar kỹ Santa Catarina ke tĩ ẽn ke gé, kar kỹ Rio grande do Sul ti ke gé. A chegada das escolas nas Terras Indígenas Kaingang Em meados do século XX, o aprendizado kaingang continuava acontecendo como antigamente, com uma ressalva: escolas foram inseridas em nossas terras indígenas, escolas nas quais os professores eram todos não-indígenas. 48 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Aconteceu então um conflito linguístico. Os professores não-indígenas só falavam e entendiam o português, e por sua vez, os alunos kaingang só falavam e entendiam sua língua materna, o kaingang. Então as crianças kaingang foram proibidas de falar o kaingang dentro da sala-de-aula, e as que insistiam em falar sua língua eram castigadas e, por medo dos castigos, as crianças se esforçavam a aprender a língua portuguesa. Os que tinham mais dificuldades abandonavam a escola sem nada aprender e, pior de tudo, ficavam rotulados de burros, incapazes. A nossa sabedoria milenar foi ignorada pelos não-indígenas, pois, na visão dos mesmos, somente eles tinham conhecimento e sabedoria acumulada. Passadas muitas décadas, perceberam que não estava havendo êxito nesta escola, porque o ensino-aprendizagem era quase insignificante. Então pensaram em alternativas, e optaram por viabilizar a „formação‰ de alguns indígenas, para que pudessem fazer a „ponte‰ entre estes dois mundos: kaingang e não-indígena. Então, na década de 70, a Fundação Nacional do ¸ndio – FUNAI, em parceria com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB, selecionou alguns jovens de toda a região Sul do Brasil, região habitada tradicionalmente pelos Kaingang e, iniciou sua „formação‰ em regime de internato, no Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão – CTPCC. E, naquele centro, localizado na Terra Indígena Guarita, município de Tenente Portela, Rio Grande do Sul, promoveram a „formação‰ em nível de Ensino Fundamental, dos chamados „monitores bilíngues‰, no intuito de fomentar a transição da língua kaingang para a língua portuguesa. Por dois anos, estes estudantes se dedicaram à confecção e produção de material didático para o ensino da língua kaingang em sala de aula. Ao final desses dois anos, a primeira turma se formou, em 1972, e, logo em seguida, foram contratados pela FUNAI – Fundação Nacional do ¸ndio, e lotados em algumas Reservas Indígenas dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 49 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL GĨR KANHR‹NR‹N F‹ TỸ KANHG˘G AG GĨR KANHR‹NR‹N K‹MẼ TO VENH R˘ Kỹ gĩr kanhrãn tỹ kanhgág tóg vẽnh kanhrãn jafã ki ge mũ sir, gĩr kanhrãnrãn jé, hãra gĩr kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág e ag ne gĩr tũ nỹtĩ, mỹ ge ke jé, hãra ken jé tóg ẽn kã tỹ kanhgág nĩ kórég tãvĩ já nĩgtĩ, fóg ag mỹ ẽg tóg kórég tãvĩ já nỹtĩg nĩ, ag mỹ ẽg pi ne kinhra ja nỹtĩg nĩ gé. Kanhgág tỹ nén kinhra ẽn tóg fóg ag mỹ tỹ nén kórég ja nỹg nĩ. Hã kỹ vẽnh jóg tóg sir ti krẽ jagjẽgtãn kã fóg ag kanhró tãvĩ ẽn to ti kósin mỹ kinhrãg ra ke mũ gé kã. Ẽn ki vẽnh kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág ag tóg sir vẽnh jóg mré vẽmén mũ sir, kỹ ag tóg ag mỹ, fóg ag ẽg tỹ kanhgág tũg sór vẽ, ke mũ, pi ag mỹ, ẽg tỹ, ẽg krẽ mỹ ẽg tỹ nén'ũ to ge kej há tĩ, ke mũ. Ẽg krẽ tỹ ti tỹ kanhgág nỹtĩ to mỹ'ãg jé ke vẽ sir, ẽg vĩ tó mãn vãnh nỹtĩ jé, ẽg tỹ nén kinhra ẽn ki kagtĩg jé ke vẽ, kỹ ẽg tỹ kanhgág nỹtĩ tóg tũ nỹnh mũ sir. Mré nén ũ tỹ, tỹ ẽg tũ pẽ ẽn ti, ẽg tỹ tỹ kanhgág nỹtĩ kã, ẽn mré hã tóg tũ tĩnh mũ , mỹr ẽg pi sir tỹ kanhgág nỹtĩ. Kỹ ag tóg ẽg mré hej ke mũ, ẽg vĩ ki gĩr kanhrãnrãn jé sir. Hãra tag pi gĩr kanhrãn tĩ tỹ fóg ag mỹ há nỹ sir, kanhgág ag tỹ ag rãnhrãj jy ge mũ ẽn ti, kỹ fóg ag tóg sir jũgjũ mũ, gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag to. ‹jag pi ẽg kóm vẽnh kanhrãn mág han kỹ nỹtĩ, ke ag tóg mũ, fóg ag, kanhgág ag mỹ. Hãra fóg ag tỹ ke tũg mũ ra kanhgág ag ne ag rãnhrãj to vẽsãnsãn ja nĩ, kỹ gĩr tóg ag mỹ kanhrãnrãn ja nĩgtĩ, kỹ ag tóg gĩr kanhrãn tĩ tỹ fóg ag mỹ: Vera ke mũ, ẽg tỹ estudo sĩ ra gĩr tóg ẽg mỹ kanhrãnrãn mũ, ke ag tóg mũ sir fóg ag mỹ. Kỹ fóg ag tóg sir hunhun ke mũ ag rãnhrãj ve kỹ. Ẽn pãte gĩr tóg sir vẽnhránrán kinhrãg mũ ẽg vĩ ki, fóg vĩ to ag tóg, gĩr mỹ ge ke mũ gé. Kỹ gĩr ag tóg sir fóg vĩ kinhrãg mũ gé. Kỹ ag tóg sir jatunmỹ gĩr kanhrãn tĩ , fóg ag, mỹr ti tỹ fóg vĩ tó há jẽn nã sir, kỹ tóg gĩr kanhrãn tĩ tỹ fóg tỹ ti mré vĩ kinhra jẽ sir, hã kỹ tóg ti tỹ ti mỹ nén to ge ke mũ kinhrãg mũ sir. Kỹ ne kejẽn si tĩ sir, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag tỹ rãnhrãj nỹtĩ ti, ti hẽ nỹ sir prỹg tỹ 10 ke kãfór nỹ, ag tỹ gĩr kanhrãnrãn nỹtĩ ti, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag. Hãra gĩr kanhrãnrãn tĩ tag ag tóg kejẽn rũnjũ 50 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG mĩ jagnẽ ve kỹ ag rãnhrãj to vẽmén tĩ, pi ag mỹ há ja nãgtĩ, ag tỹ ag vĩ ki gĩr mỹ fóg vĩ to ge ke ti. Hã kỹ gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ fóg ag tóg ẽg krẽ mỹ nén vẽnhmỹ to ge ke mũ nĩ sir. Vẽnh sỹ fóg mũ nĩ kanhgág kãsir ti, tag pi ag mỹ há nã sir, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag mỹ. Kỹ ag tóg jagnẽ mỹ, ẽg hẽnỹ ne tỹ hẽrenh mũ, ke mũ. Ag tỹ nén ũ to jykrég mũ jo prỹg tóg mũ nỹ nĩ sir, kanhgág krẽ tỹ vẽnh sỹ fóg mũn jo. kỹ ag ne kejẽn jagnẽ mỹ kuri ẽg tỹ gĩr kanhrãnrãn mũ tag to associação han jé, mũn ẽg tóg tar nỹtĩnh mũ, nén'ũ tỹ hẽnri ke sór kỹ. Kỹ ag tóg ag, mỹ nén há tũ ẽn to ẽg pi han mãn ma, ke mũ sir, jagnẽ vẽnhmãn kỹ. Hãra ag han sór mũ pi ag mỹ há ja nã, fóg ag mỹ, lei vẽ hãra ke ag tóg mũ. ‹jag tỹ lei kato nén ũ han sór kỹ, ãjag rãnhrãj ki pa, ke ag tóg, mũ kanhgág ag mỹ, fóg ag. O ingresso dos monitores bilíngues nas Escolas Kaingang Os monitores bilíngues, ao começar suas atividades enquanto professores nas escolas kaingang, não tiveram uma boa aceitação em suas comunidades e não lhes foram dados alunos para que os ensinassem. Naquela época, o povo kaingang passava por um período, talvez o mais sério, de conflitos quanto à sua identidade, pois não queriam mais ser Âíndios‰. Tinham vergonha, pois aprenderam que „a sua língua não valia nada‰, seus conhecimentos também não, e por isso não queriam ser „índios‰. Queriam ser „brancos‰, não queriam mais que seus filhos aprendessem o kaingang e sim o português, supostamente uma língua superior. Então, os monitores começaram a fazer um trabalho de conscientização junto às famílias kaingang que pensavam dessa forma, alegando que as crianças precisavam passar por esta escola bilíngue de „transição‰, na qual primeiramente as mesmas seriam alfabetizadas em kaingang e posteriormente conduzidas ao domínio do português oral, de forma que facilitaria a continuidade de sua formação escolar junto a professores não-indígenas. Também houve, na época, um conflito entre os monitores bilíngues e professores não-indígenas, que alegavam que os primeiros não possuíam estudo 51 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL suficiente para trabalhar com classe de alfabetização. No entanto, embora constituísse uma afirmação verdadeira, o rendimento dos alunos junto aos professores não-indígenas era quase insignificante, ao contrário dos monitores bilíngues. Com eles, as crianças rapidamente eram alfabetizadas. A partir desse momento, o ensino regular se tornou viável nas escolas kaingang, porque começou finalmente a surtir os resultados esperados. Passados, aproximadamente, dez anos do início dos trabalhos dos monitores bilíngues, os mesmos passaram a se encontrar com certa regularidade em reuniões, chamadas pela FUNAI, para encaminhar sua formação e avaliação das atividades desenvolvidas em suas comunidades. Estes momentos eram também oportunamente usados pelos monitores bilíngues, em reuniões internas, promovidas fora das reuniões oficiais e à noite, para avaliar culturalmente os resultados desse processo para o Povo Kaingang. Após vinte anos do início do processo de alfabetização na língua kaingang, pelos monitores bilíngues, já não havia dúvidas pelos mesmos de que estavam a serviço da destruição cultural do seu povo, de que a escola era constituída nos padrões não-indígenas, visando aculturamento. A meta ideal era realmente fazer com que os indígenas abandonassem sua cultura em prol da cultura não-indígena, devendo ser absorvidos por esta e assim, deixassem de ser kaingang. Feito isso, o governo não precisaria se preocupar com a implementação de políticas específicas para povos indígenas, já que, na concepção dos não-indígenas, estes estariam assimilados. Tal situação provocou uma insatisfação geral e incontida entre os monitores bilíngues, por terem sido usados por tanto tempo num projeto que previa o seu desaparecimento enquanto povo. KANHG˘G KAR AG TỸ JAGNẼ MRÉ JŨGJŨ F‹N Hãra tóg kejẽn prỹg tỹ 20 to rã nĩ sir, ti tỹ ge nỹ ki, kanhgág ag tỹ rãnhrãj nỹtĩ ki, gĩr kanhrãnrãn fã kãmĩ. Hãra kejẽn ẽg mỹ há jé ẽg pã'i mág ag, governo mré, ag lei mág vóg sór mũ, ag tỹ ũn to: Constituição, ke tĩ ẽn hã vẽ. 52 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG kỹ tãmĩ kanhgág jamã kar mĩ tóg, ge kar ja nỹ gé, ẽg kóm. Nén kar mĩ tóg há tũ ja nỹ sir, ẽg tỹ nén to direito ẽn tóg tũ tĩ, hãra ag tóg ken jé, ẽg to: gente pi jé, ke ke mũ, kỹ ken jé, ẽg ag mỹ tỹ miso ra ẽg mỹ direito nỹtĩ sór mũ. Ge tĩn kỹ tóg, tãmĩ kanhgág kar ag tỹ mẽj vãnh tãvĩ tĩ sir, fóg ag tỹ kanhgág tỹ vẽnyn ti. Kỹ kanhgág kar ne jagnẽ mỹ: kuri ke kỹ, fóg ag tỹ lei vóg nỹtĩ ẽn tá junjun kỹ, tag tóg ẽg mỹ há tũ nỹ, ke mũ sir. Kanhgág ag tỹ vẽnyg ãjag tóg mũ, ke mũ sir. Kỹ vẽnh kar ẽn tóg vég mũ sir, televisão mĩ tóg ven mũ sir, kanhgág tỹ jũgjũ ẽn ti. Ẽn ki fóg ũ tóg kanhgág ag jagtãn mũ gé, ag mré jẽgjẽg mũ gé, fóg ũ ag kato, kanhgág ag mré. Vẽnhrá tag kã, tóg rán kã sa, ẽg tỹ gĩr kanhrãn fã kãmĩ ẽg vĩ ki, gĩr kanhrãn vén jé, kar hã tóg fóg vĩ kinhrãg mũ sir, kanhgág tỹ ti krẽ kanhrãn ẽn hã rike jé ẽg tóg mũ gé, ẽg tỹ g ĩr kanhrãn kỹ, Kanhgág tóg ti krẽ kanhrãn kinhra nĩ ke gé. Revolta dos Povos Indígenas O que os monitores kaingang não sabiam é que existia uma insatisfação nacional dos povos indígenas do país e que, aproveitando o movimento da Reforma Constitucional de 1988, alguns povos indígenas, organizados e com o apoio de algumas organizações não-governamentais, trouxeram para a plenária do Congresso Nacional as questões mais prementes dos povos indígenas do Brasil. Apareceram em plenária exigindo mudanças imediatas da política indigenista no que tange aos tratos com povos indígenas. Trouxeram à tona a maneira desrespeitosa com que os povos indígenas estavam sendo tratados pelo governo brasileiro. A repercussão foi tão grande que o governo brasileiro sentiuse na obrigação de rever a lei que legisla sobre os povos indígenas no país. KANHG˘G AG TO VẼNHR˘ Kỹ ẽg Governo tóg ẽg jamã mág tỹ Brasil, lei tỹ vẽnhmỹ ke sór mũ, nén ũ tóg kãmĩ ag mỹ há tũ nỹ há, pi ag ki há já nĩ sir. Hã kỹ ag tóg lei tãg to vẽmén nỹtĩ nĩ, ũn tãg han jé. Ẽn hã kã kanhgág ag tóg, ag mỹ: ‹jag lei tóg 53 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL ẽg to kóreg nỹ, ãjag ẽg tỹ vẽdyn vẽ mũ. Ẽg tỹ kẽgter kãn jé ke hẽnỹ, ke ag tóg mũ, governo mỹ. Ẽn ki vẽnh kar ẽn tóg sir vég mũ, kinhra nỹtĩ, governo tỹ kanhgág ag kirĩr kónãn nĩ ẽn ti. Kỹ país ũ ag tóg mẽg mũ gé sir, kỹ fóg e ag ne kanhgág ag jagjẽgtãn já nĩ, kanhgág ag mré governo mỹ: Kuri, kanhgág ag ãjag mỹ nén to vĩ mũ ẽn han ra ag mỹ, ke ag tóg mũ, fóg ũ ag, kanhgág ag jagfy. Tag hã tugnĩn ag tóg lei tag kãki ẽg direito ránrán mũ sir. Hã kỹ ũri, lei tóg ẽg jagfy nỹtĩ, ẽg hã ne, kuri, ke vãnh nỹtĩ, governo mỹ. Nén ũ e tãvĩ tóg ẽg to rán kỹ nỹtĩ, hãra sóg ãjag mỹ ẽg gĩr kanhrãnrãn tĩ to ránrán kỹ nỹtĩ ẽn hã to vẽmén sór mũ. Art. 210, kã tóg sa, IÀ e 2À tá tóg, Ensino Fundamental kãmĩ ẽg krẽ tóg ẽg vĩ ki vẽnh kanhrãn vén ge nĩ, kar kỹ tóg fóg vĩ ki kanhrãn mũ gé, ke tóg to sa. Kỹ ũri ẽg gĩr kanhrãn fã kãki ũ pi gĩr mỹ kanhgág vĩ tó tũg ra, ke mãn ma sir. Gĩr kanhrãn fã, tỹ ẽg jamã kãmĩ nỹtĩ tag tóg ũri kanhgág kófa ag kanhró ẽn tỹ rãmnhrãj mũ ha, gĩr mré, ag tỹ kinhra nỹtĩ jé, ag jãre ag kanhró ti. kỹ ag tỹ mogmog kỹ ag pi to mã'ãg mũ sir, ti tỹ kanhgág to, ti mỹ tóg tỹ ũn há nỹ, ti tỹ, tỹ kanhgág nĩ ti. Fóg ag pi ti kãfór nỹtĩ, ti mỹ. Kỹ ẽn kã, kanhgág ag to lei tóg tỹ'ũ ke ja nĩ sir. Hã kỹ kanhgág tóg ũri nén e to direito nỹtĩ. Vẽsỹ fóg ag hã tóg, ẽn tóg, hẽ ri ke mũn, kanhgág ag mỹ há nỹnh mũ, ke jafã nĩg tĩ vẽ. Jo ẽg tóg ũri, tag hã tóg ẽg mỹ há nỹ, jo tag pi ẽg mỹ há nỹ, ke jé tá krỹ nỹtĩ. Hãra lei tãg tag pãte, Governo tóg decreto 26 han sir, kurã tỹ 4, kysã tỹ fevereiro, prỹg tỹ 1991, kã tóg rán kỹ nĩ, Art. 1À kã tóg, Ministério da Educação mỹ governo tóg: kanhgág ag vẽnh kanhrãn kirĩr jé ã ke mũ, ag vẽnh kanhrãn kar ki, FUNAI jẽmẽ kỹ, ke tóg mũ Art. 2À ki tóg , Estado, kar município kãmĩ Secretaria de Educaçaõ ag tóg Art. 1À ki rán kỹ nĩ ẽn hynhan mũ, Secretaria Nacional de Educação jẽmẽ kỹ ke gé. Vãhã kanhgág ag direito tóg rán kỹ sa ha, fóg ag lei mág kãkã tóg sa ha, ũri tóg to ag mỹ kuri ke há nĩ ha vãhã, mỹr lei vẽ sir, ẽg tỹ justiça tá ag mré venh há tĩn kỹ tóg há nỹ ke gé. Ti pir mỹ tóg tag han mũ ũri kanhgág ti. 54 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG LDB ke tĩ ẽn to tóg sa gé, Ensino Fundamental, kãmĩ, kanhgág kãsir ag tỹ ẽg vĩ ki vẽnh kanhrãn ke ti. Artigos 78 mré 79, tá tóg: Estado tóg kanhgág ag mỹ, vẽnh kanhrãn fã mré, kãmĩ nén ũ ti, mré ag tóg to gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag kanhrãn ke nĩ ke gé, ag mỹ tỹ gem nĩ ken jé, gĩr mỹ ge ken jé, § 1 e 2. Nén kar jãvãnh mũ ẽn ti, gĩr kanhrãnrãn jé, ẽg kófa ag ẽg to nén ú kinhra ẽn mẽgmẽ kỹ ránrán jé ke gé, kar kỹ to gĩr kanhrãnrãn jé, nén kar tag ti Estado hã tóg ẽg mré vej ke nĩ. Hãra ag pi tag han mũ ha mẽ, ẽg tỹ kanhgág mỹ , RS ki. Kar kỹ Resolução 03 tóg nã gé, há tãvĩ ti nã ẽg tỹ ẽg vĩ ki gĩr kanhrãnrãn ge mũ tag mỹ . Ti Art. 4À inciso I e II, Ẽg hã tóg ẽg vẽnh kanhrãn fã tóg ge jẽj mũ ke jé ẽg ke mũ, ti to jykrén há han kỹ, Art. 5 inciso III, IV, kar V ti ke gé Ag pi ẽg vĩ, kar kỹ ẽg to ne kinhra nỹtĩ, hãra ag tóg, ẽg hã kanhrãn mũ vẽ, mỹr ẽg hã tỹ gĩr, kanhrãnrãn ge mỹr, ag tỹ ẽg jagtãn vẽ vẽ sir. Kurã tỹ 9 kã, kysã tỹ janeiro, prỹg tỹ 2001, kã ag tóg ẽg to Lei ũ han mãn já nĩ gé, hã vỹ Plano Nacional de Educação, ke tĩ, PNE, ke ag tóg tĩ gé, ti to, Lei 10.172 hã vẽ sir, ẽn hã ki tóg rán rán kãn kỹ nytĩ ag tỹ ẽg mỹ han ge ti, ag tỹ hẽren kỹ han ge mré hã tóg ránrán kỹ nỹtĩ. Ag tỹ kanhgág ag tỹ gĩr kanhrãnrãn tĩ ẽn ag mỹ curso han han ge mré hã tóg tá rán kỹ nỹtĩ, ag kanhrãn jé ag tỹ kar gĩr mré rãnhrãj jé. Kar kỹ ẽg rãnhrãj categoria rán jé ke gé, vẽnh kar tỹ kinhra nãtĩ jé, ẽg magistério indígena ti. Ẽn ki ẽg pi prỹg kar kã, ẽg rãnhrãj ke nón pétẽ mũ mãn mũ sir, concursado nỹtĩ jé ẽg tóg mũ sir, fóg ag kóm. Prỹg tỹ 10 fi ja ag tóg nĩ ag tỹ gĩr tỹ vãhã vẽnh kanhrãn fã to rã kỹ, ti mỹ ti vĩ tãvĩ ẽn ki ti kanhrãn jé, ẽg vĩ ki, prỹg tỹ 4 kãmĩ, ti mỹ pépé rágrá ti ke gé, kanhgág kófa ag nén ũ kinhra ẽn ti, ki tóg ránrán kỹ nỹtĩnh ke nĩ gé, ti tỹ ki vẽnh kanhrãn jé ke gé. Ẽg kófa ũ tỹ kejẽn ẽg rén kỹ, ti tỹ ẽg to nén kinhra ẽn tóg ti mré ẽg réj mũ gé, fóg ag, ag kanhró to vẽnhrá rike vẽ, ẽg mỹ. kỹ ũri prỹg régre hã tóg tũ nĩ ha ag mỹ, hãra ẽg pi ver tag vég mũ, 55 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Ũri kanhgág pi FUNAI mỹ kuri ke tĩ mãn ma sir, mỹr tóg tá krỹ nĩ ha sir lei tãg tag kãmĩ, ti pir mỹ ven jé. Ti pir mã tóg ti tỹ nén ũ nón tĩ jé tá krỹ nĩ sir, ũ mỹ inh mỹ ke mẽ. Ũri kanhgág ag tóg, tag tóg ẽg mỹ há nỹ, ke jé tá krỹ nỹtĩ gé. Lei vẽ mỹr, kỹ governo tóg tag fi han ge nĩ gé sir. Kỹ ũri ẽg vẽnh kanhrãnrãn to lei tóg tỹ ũ nỹ ha ke gé, vẽsỹ gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ fóg ag tóg ẽg mỹ: ãjag vĩ tó tũg nĩ, ke jafã nĩgtĩ, ũri ẽg tóg nirenhto nỹtĩ, ẽg tỹ ẽg vĩ ki gĩr mỹ ẽg tỹ kanhgág tỹ nén kinhra nĩnh ke ẽn ti, nén'ũ há ẽn ti, ẽg tỹ kanhgág mỹ to ge ken jé, kanhgág kófa ag gĩr mỹ nén há ẽn kãjatun tũg nĩ, ken jé. Ẽg kre han han kinhrãg jé ke gé, gĩr kanhrãnrãn fã kãki gĩr tóg kinhrãg ke mũ sir. Kỹ gĩr tóg kanhgág tỹ nén kinhra ẽn ki kanhrãn kỹ, ẽg tỹ kanhgág ne kanhró ja nỹ tĩ gé, kenh mũ sir, ti mỹ há tĩ jé tóg mũ sir, fóg ag kóm ẽg tóg kanhró ja nỹtĩ, ke jé tóg mũ sir, kỹ tóg ti mỹ há ja nã sir, ti tỹ kanhgág nĩ ti, ti fe mág tóg mũ sir, ti tỹ, tỹ sóg kanhgág nĩ ken jé. Fóg ag tỹ vẽsỹ ti mỹ ãjag pi ne kinhra nỹtĩ, ken kỹ ti fe tóg kaga tĩ vẽ, ũri fóg tỹ ti mỹ ge kỹ, pi ti fe ki gỹm kenh mũ, kinhra ti nĩ, kanhgág tỹ kanhró nĩ ti, fóg ag tóg ũri kanhgág ag jẽmẽ sór tĩ, ag kanhró ránrán jé. Kar kỹ fóg ag tóg ve kỹ to vẽnh kanhrãn tĩ ke gé, ẽn ki ag tóg kar ẽg kanhró vẽ ke tĩ, kanhgág ag kanhró péjug ag tóg tĩ, tag han tĩ ag tóg kanhgág kãmĩ e tãvĩ tĩ. A busca pelo reconhecimento de seus direitos na nova Constituição Os kaingang não sabiam, naquela época, que a insatisfação era geral entre os povos indígenas do Brasil em relação à política indigenista oficial então implementada, não somente quanto à assistência educacional que esses povos estavam recebendo, como também com relação à saúde, demarcação, insuficiência e redução das terras indígenas, aos projetos de subsistência, dentre outros, nos quais muitas vezes os indígenas foram utilizados como mão-de-obra barata. Enfim, houve um movimento nacional dos povos indígenas, com a colaboração de instituições de apoio à causa indígena, externando tal insatisfação, de repercussão nacional e internacional, que pressionou o governo 56 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG brasileiro a garantir os direitos dos povos indígenas na atual Constituição Federal (CF) do Brasil. Dentre garantias asseguradas aos povos indígenas na CF/88, especialmente no âmbito da Educação Escolar Indígena bilíngue, específica, diferenciada, de qualidade, citamos abaixo referências legais, que se aplicadas efetivamente, asseguram aos povos indígenas o direito a falar sua língua materna, cabendo ao estado brasileiro garantir sua educação. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XIV – populações indígenas; XXIV – diretrizes e bases da educação nacional; Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2.À O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. VẼS‹ KANHG˘G AG GĨR KANHR‹NR‹N Vẽsã kófa ag tóg, kutyg kỹ pĩ mág han tĩ, kỹ ag tóg gĩr kãsir mré, ũn sanh ag ke gé, pĩ ẽn pénĩn nĩgnĩ kỹ, ag mỹ ẽg tỹ kanhgág to vẽmén tĩ, fóg ag tỹ kanhgág ag tỹ rãnhrãnh ge kónãn ja ẽn mré hã ag tóg sir ag mỹ tó tĩ, ag tỹ ki kanhró nỹtĩ jé. Kar kỹ ag tóg ag mỹ gufã tó tĩ gé, ag kãjatun tũ nĩ jé, ke ag tóg tĩ, kófa ag. Kejẽn ãjag tóg ẽg rikén kófa nỹtĩnh mũ, hãra ẽg tóg sir tũ nĩnh mũ, ãjag mré, ẽn ki ãjag tóg, ãjag nón ke ag mỹ tónh ke mũ gé, ẽg tỹ ãjag mỹ nén kar tó ja tag ti, ke ag tóg mũ, kófa ag, gĩr mỹ. Kỹ gĩr ag tóg ag ki nén ũ jẽmẽg tĩ gé sir, ag tỹ nén ki kagtĩg ẽn to. Kỹ kófa ag tóg sir ag mỹ ge vẽ ke tĩ, ẽn ki ag tóg kanhrãnrãn tĩ ke gé, kófa ag mré. 57 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Kanhgág jamã kãki, gĩr tóg vẽnh kar tỹ nén han ẽn, ve kỹ han sór tĩ gé, ẽn ki ũn vég mũ tóg sir ti mỹ, ge vẽ, kenh mũ, ke ag tóg mũ, kófa ag. Kar kỹ ẽg pã'i ag tóg nỹtĩ gé. Nén ũ tỹ gĩr ki hẽn rike kỹ, ag tóg nón pétẽnh mũ gé sir, ũ tỹ gĩr tỹ rãnhrãnh ke kamẽg jé. Kanhgág ag jamã kãki ũ pi gĩr tỹ rãnh ke konãn ke mũ, kófa ag kegé. Vẽnh kar tóg gĩr mré kófa ag ki rĩr há han ke nĩ, ke tũ nĩ kỹ ẽmã ẽn ki vẽnh kar ẽn tóg ti to jũgjũnh mũ sir, ũ tỹ gĩr tỹ rãnh ke kónãn mũ ẽn to. Nén ũ kufy han to ag ti fẽg mũ sir, ti tỹ han ja ẽn kajãm jé. Kỹ pi pir ve nỹtĩ ũ tỹ gĩr ki rĩr tĩ ẽn ag, ne kórég tỹ ti ki ke tũ nĩ jé. Kanhgág tóg gĩr to há tãvĩ nỹtĩ, kỹ kanhgág jamã kãmĩ pi gĩr jóg tũ tĩ, mỹnh tũ ke gé, kỹ gĩr pi ẽmĩn fyr mĩ nũgnũr mũg tĩ, ũ tỹ ti venh ke tũ nĩn kỹ. Kusa mẽg tũ ti nĩ gé, mỹr ti tỹ mỹnh nĩ nã ha mẽ, panh ke gé. Kar kỹ ũ tỹ ti mãg mũ fag kanhkã kar ag tóg sir vãhã tỹ gĩr ẽn kanhkã pẽ nỹtĩ ha sir ke gé. Kanhgág ag tóg ag gĩr to há tãvĩ ja nỹtĩ, fóg ag tỹ ag krẽ kãsir kirĩr tũg mũn jo, fóg kãsir tóg ẽmĩn tỹ pó fyr mĩ nũgnũr tĩ, kusa jagy ra, ũ mỹ hẽn to jykrég tũ nĩ, hẽn rike kónãn ke tũ nĩ, ke vãnh ag tóg nỹtĩ, fóg ag. Kỹ gĩr ẽn mỹ kókĩnkĩr tũ, ke vãnh ag tóg nỹtĩ, fóg ag. Kỹ gĩr ag tóg sir ũ tỹ mĩ tĩ mũ mỹ: Inh mỹ nén ũ mĩm! Ke tĩ, sỹ nén ũ ko jé, ke tóg mũ, inh kókĩrĩ tóg tĩ. Ke tũ nĩ kỹ tóg: Inh mỹ kusa tóg tĩ, inh mỹ ã vẽnh pãgto nĩm ke tóg mũ, gĩr ti. Kỹ fóg tóg fe tũ nĩ ve nĩgtĩ, kanhgág ve kỹ. Ti krẽ tỹ ver ne nón tĩg kikagtĩg ra tóg gera véké fón tĩ, kỹ tóg vẽsỹrénh tĩ ki mog tĩ, ti mog tũ nĩ kỹ tóg ter tĩ, hãra ũ pi ti kri fỹ tĩ gé, ti ter kỹ. Mỹr ũ pi ti ki rĩr ke mũ vẽ, ha mẽ. Kórég tãvĩ tóg nỹ, fóg ag kãmĩ gĩr jóg tũ ti.Jãvo pi kanhgág kãmĩ ge nĩ, ũri gĩr, ag tóg , vaj kỹ kófa nỹtĩnh mũ, ẽg rikén, ke ag tóg tĩ, kófa ag. Ẽg tỹ ũri, gĩr kirĩr há han kỹ ag tóg, ag tỹ kejẽn kófa nỹtĩ kỹ, ũ to jũ tũ nỹtĩnh mũ, mỹr ũ pi ti vóg kónãn kỹ nĩ, ti sĩ jẽg nĩ kã, kỹ tóg vẽnh kato gĩr kar ki rĩr há han mũ gé sir, ti mog kỹ , tỹ ũn fe há nĩ jé, ke gé. 58 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A aprendizagem da criança kaingang A aprendizagem da criança kaingang é feita pelos nossos „velhos‰, na oralidade, à luz do fogo de chão, pela noite, acompanhados do olhar curioso das crianças kaingang. Dessa forma, se ouviam lendas que compunham a mitologia kaingang, a história dos seus antepassados e confrontos com povos não-indígenas no processo de colonização, também transmitindo saberes e valores do povo kaingang. Assim acontecendo sucessivamente, de geração em geração, para que esses conhecimentos se perpetuassem através dos tempos, pela oralidade. Na sociedade kaingang as crianças e os velhos são muito respeitados, porque ocupam posições muito distintas e importantes: enquanto um representa a sabedoria e experiência de vida, outro representa a perpetuação desses saberes. Diferente da sociedade não-indígena na qual muitas crianças desamparadas, abandonadas, dormem pelas ruas, passando fome e frio, sem ter um lar, nenhuma família para abrigá-los, da mesma forma encontramos velhos abandonados em asilos. Na sociedade kaingang, apesar das limitações financeiras, não encontramos crianças, nem velhos abandonados. VẼNH KANHR‹N F‹ K‹KI GĨR KANHR‹NR‹N Ũri ẽg kãki gĩr kanhrãn fã, kãmĩ, gĩr kanhrãnrãn tĩ e ag tóg, tỹ kanhgág nỹtĩ, hãra ver ẽg tóg piri nỹtĩ, ẽg vẽnh kanhrãn fã kar kri rũn jé, kanhgág jamã kar mĩ, pi pir nỹtĩ, kar kỹ gĩr pi pir ve nỹtĩ ke gé, kỹ fóg e ag tóg ver ẽg kãmĩ gĩr tỹ kanhgág kanhrãnrãn tĩ, gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag tỹ piri nỹtĩn tũgnĩn. Kórég há tĩg jé, fóg fag hã tóg ẽg gĩr kanhrãnrãn tĩ kãmĩ tỹ niretora nỹtĩ. Tag tugnĩn kanhgág ag pi ag rãnhrãj han há han tĩ gé sir, fag pi ver lei tỹ ẽg to rán kỹ nã ẽn kamẽg tĩ, kỹ fag tóg sir gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag mỹ tag hã han ra ke ke mũ, fóg ag vẽnh kanhrãn tĩ mĩ ke ẽn ge. Fóg kãsir ag tỹ nén to vẽnh kanhrãn mũn hã tỹ gĩr tỹ kanhgág kanhrãn gé, ke fag tóg mũ, vẽsỹ ke ẽn ge tãvĩ. Kỹ kanhgág ag tóg sir, ag tỹ fag kamẽg kỹ, han ge mũ sir. Mré gĩr kanhrãn fã tỹ kanhgág ag pi curso pẽ han han ja nỹtĩ, Jagnẽ mré gĩr mỹ nén 59 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL to ge kenh ke mũ ẽn, to jykrén kỹ ránrán kỹ jagnẽ kóm gég mũ jé, ti tỹ nén mré rãnhrãj ke kar ẽn ti. Kar kỹ ag tóg jagnẽ mré fóg ag tỹ ẽg tỹ ẽn ge kỹ ẽg hẽri kenh mũ ke tĩ, ke gé. Kỹ fóg ag tóg curso han han tĩ, gĩr mỹ ge ke jé, gĩr mỹ to ge ke jé, ag vẽnh rágrá, pi pir ve nỹtĩ. Kỹ tóg fóg kãsir ag kanhrãn há tãvĩ tĩ, fóg vĩ ki, kar nén ũ ti ke gé, to rá tỹ e nỹtĩn kỹ. Gĩr mỹ ge kej fã to vẽnhrá ẽn génh kỹ, gĩr mỹ vin kỹ, to ag mỹ ge vẽ. ken kỹ tóg ti mré han mũ sir, gĩr ti. Gĩr kanhrãn jé tóg mrãnh kej mũ sir, vẽnhrá ẽn to. Nén e tãvĩ kãgrá tóg mĩ nỹtĩ, gĩr tỹ vegven jé, ag tỹ nén ũ kinhra ẽn, ha mẽ. Jãvo kanhgág vĩ ki ẽg gĩr kãsir kanhrãnrãn jé pi to ne rá nĩ , vẽsỹ fóg ag kanhgág ag kanhrãnrãn mũ kã, fóg ũ fi tóg ẽg vĩn rán ja nĩgtĩ, ũ tỹ vãhã ẽg vĩ rán vẽ sir, fi jiji hã vỹ, Dra. Ursula Wiesemann, tỹ fi tóg lingüista já nĩ, kỹ fi tóg ẽg mỹ ge ke mũ sir, ẽg vĩ rán kinhrãg jé. Kỹ fi tóg sir rivro han han ja nĩgtĩ kanhgág vĩ ki, kãki kanhgág ag kãgrá tóg nỹtĩ ja nĩgtĩ, mré ẽg curso han ja tóg ẽg kanhrãn ja nĩgtĩ, ẽg tỹ rivro ẽn to, nén ũ ránrán mãm jé, rivro ẽn jagtãn jé, gĩr kanhrãn tỹ mrãnh ke jé. Kỹ ag tóg sir to nén ũ e tãvĩ han han ja nĩ, gĩr tỹ kanhnir nỹtĩ ki kanhrãn fã ẽn mré hã ag tóg han han ja nĩ sir. Hãra tóg jo ũri tũ tĩ ha, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag e ra, ũ pi ẽg vĩ to vẽnh kanhrãn ja nĩ, ẽg mỹ kãki gĩr kanhrãn fã kirĩr fã fag, fóg ag, kanhgág ag jagtãn kera, ag pir mỹ ag tóg mũ nĩ sir gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag. Kar kỹ tóg ge nỹ gé há mẽ, lei to tóg rán kỹ sa, ẽg estado ki governo tỹ gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag kanhrãnrãn ge ti, ti hã tóg tag vej ke nĩ ha mẽ. Kanhgág mỹ curso pẽ vẽ, ẽg vĩ ki1, hãra ag pi ẽg vĩ kinhra nỹtĩ, kỹ ag hẽren kỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág kanhrãn mũ, ag tỹ ẽg vĩ ki kagtĩg ra, hẽren kỹ kanhgág ag jagtãn mũ. Hãra ẽg tỹ ẽg governo mỹ, ẽg mỹ lei ẽn cumpri ké, ken kỹ tóg ẽg mỹ: Sỹ lei ẽn cumpri ken hã kỹ kanhgág ag tóg ãjag vẽnh kanhrãn fãn kãmĩ nỹtĩ nĩ, ke mũ, ẽg mỹ, hã kỹ ãjag tóg ãjag vĩ rán ke mũ ke tóg sir. 60 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Kỹ ge pi jé hãra, tag tãvĩ pi jé. Ti tỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág mỹ curso han vén mẽ rãnhrãj to ti fẽg kỹ ti pi gĩr kanhrãnrãn há han mũ, ti pi venh kanhrãn to nén ũ kinhra nĩ. Kar kỹ ẽg vĩ rán tãvĩ pi há nĩ, tavĩ pi jé. Vẽsỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag tóg ẽg vĩ rán kỹ, fóg ag jagtãn já nĩ ha mẽ, kanhgág kãsir ag mỹ ẽg vĩ ki fóg vĩ ki ag kanhan ja nĩgtĩ, kỹ kanhgág kãsir ag tóg vẽnh sỹ fóg han ja nĩ sir. Kar kỹ gĩr kanhrãn fã tỹ kanhgág tỹ estudo mág tũ nĩ kỹ ti hẽren kỹ gĩr kanhrãn há han mũ. Kar kỹ tóg ge nã ke gé há mẽ, kanhgág ag mỹ tóg sir há nỹ governo tỹ kanhgág tỹ estudo sĩ ra, ti tỹ, gĩr kanhrãnrãn to ti fẽg han kỹ, ti mỹ jẽnkamo tỹ kajãm nĩ ẽn ti, ha mẽ. Kỹ ẽn tóg sir, ti jẽnkamo ẽn to, fóg tỹ nén ũ há ẽn kygjãm mũ sir, fóg ag jẽn ko kinhrãg tóg mũ gé sir, kỹ tóg ti jẽnkamo ẽn kren jãvãnh nĩ ha sir, hãra ũn pir ag hã tóg fóg ag kãki vẽnh kanhrãn jafã jãvãnh kỹ vẽnh kanhrãnrãn tĩ, fóg ag kóm. Ẽn ki tóg ver há sĩ nỹ, ti tỹ kanhgág ag mỹ curso pẽ han tũ ra tóg gera fóg ag mré vẽnh kanhrãn ja nĩ. Jãvo ũn e ag tóg ag estudo sĩ ẽn hã jẽmẽn kỹ, jatu nỹtĩ nĩ sir. Kỹ jo gĩr kanhrãnrãn hẽre nãnh mũ jo, prosor estudo sĩ ẽn pi gĩr kanhrãnrãn há han mũ , ũn nén ki kagtĩg ti hẽren kỹ gĩr mỹ ti nén ki kagtĩg to ge kenh mũ. Kỹ tag tóg jagy nã inh mỹ, gĩr tỹ kanhrãnrãn há han tũ nĩ kã, kanhgág hẽre kã estudo mág nỹtĩnh mũ, kanhgág jagfy fóg ag mré vãmén jé. Kanhgág tỹ fóg ag nĩgé mĩ mũ jé ke vẽ tag ti, vẽsỹ ke rike vẽ, pi fóg ag mỹ kanhgág tỹ ne kinhrãg há tĩg nĩ. Ẽg tỹ kar kỹ ne ki fóg ag jãvãnh mãn tũ nĩn jé sir. Ẽg tỹ ag mỹ inh mỹ ke mũ ẽn tóg ag mỹ há nỹ sir. Kỹ ũri lei tỹ ẽg jagfy jẽ ra tóg vẽsỹ ken hã rike ja nã ver. Hãra kanhgág ag pi vẽnh ver tag to jykrég mũ, fóg tỹ ẽg mỹ há han henỹ ke tóg tĩ, kanhgág ti. 61 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Hãra fóg tỹ kanhgág mỹ nén ũ han kỹ, tóg ti kanẽ nĩm ge nĩ sir, kanhgág ti, ti tỹ fóg tỹ ke sór tĩ ẽn kinhrãg jé, fóg tỹ kanhgág jatu tá ti tỹ rãnh ke tũ nĩ jé. O ensino ministrado dentro das escolas indígenas: o nascer de um novo tempo Hoje, nas nossas escolas, temos professores kaingang, embora não em número suficiente para atender a demanda. Por isso, ainda tem muitos professores não-indígenas em sala de aula. Isso se tornou um problema sério na concretização do ensino diferenciado nas escolas kaingang que, ainda como agravante tem, à frente das mesmas, diretores não-indígenas. Desta maneira, tais profissionais/diretores, embora atuantes em escolas indígenas, ainda permanecem „presos‰ às normas que regem as escolas não-indígenas, inviabilizando assim, a especificidade da escola indígena, garantida por lei para a criança kaingang. Atualmente, a carência de material didático apropriado para ministrar o ensino na língua kaingang também tem sido responsável pela falta de qualidade do ensino bilíngue. Tenho certeza que está havendo um equívoco na implementação do ensino diferenciado, que deve priorizar a abertura para se trabalhar a língua e a cultura, como forma de resgate, preservação e fortalecimento da mesma dentro da escola, e não para acontecer de qualquer jeito, sem responsabilidade. A Escola Indígena deve ser Bilíngue, Específica, Diferenciada e de QUALIDADE! O Estado precisa assumir a formação dos professores indígenas, em cursos específicos, ensino médio e superior, de maneira que estejam aptos a não só preparar o material didático-pedagógico que as escolas indígenas tanto necessitam, como efetivamente exercer o magistério indígena. ŨRI LEI T›G ẼG JAGFY R˘N K‹ NỸ Kỹ ũri ẽg pã'i tỹ kanhgág ag tóg governo mỹ: Kuri, kur ẽg mỹ gĩr kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág ag mỹ, curso pẽ han, ke jé há nỹtĩ sir, jagnẽ mré jẽgjẽg kỹ. 62 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Magistério ke tĩ ẽn ti, kar kỹ licenciatura ke tĩ ẽn ke gé, gĩr kanhrãnrãn tĩ kar ag curso tag han kỹ nỹtĩn kỹ hã tóg kanhró nỹtĩ sir, gĩr kanhrãnrãn jé, fóg ag kanhró ẽn ge. Ti tỹ gĩr mỹ nén to ge kej ke ẽn kinhra tóg nĩ sir, hẽren kỹ mỹ tỹ ge kej ke, ẽn kinhra tóg nĩ sir. Kỹ tóg, ti pir mỹ, ti vẽnh rágrá han jé tá krỹ nĩ, livro ti, cartilha ke tĩ ẽn ti. Ti pir mỹ tóg, ti tỹ aula nĩm ge ẽn to, jykrén kỹ ránrán kãn kỹ, kãki vẽnh kanhrãn fã ra ma tĩg mũ. kỹ gĩr tóg vãhã kanhrãnrãn há han mũ sir, ẽn ki, fóg ag pi ẽg to, vẽnh kagtĩg, ke mãn mũ sir, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag to. Vãhã ẽg tóg ag kóm kanhró nỹtĩ sir. Kejẽn ẽg tag tá junjun kỹ, kurã tag pãte kanhgág krẽ tóg, fóg ag krẽ kóm kanhrãnrãn há han han mũ sir, curso há han han jé ag ke mũ, medicina, odontologia, direito, agronomia, enfermagem, administração, licenciatura, hẽn ri ke mũn curso ũ ag kã'ũ ke gé. Kỹ ẽg pi sir fóg ag mỹ vẽnh kren mãn mũ, ag rike ẽg tóg nỹtĩ sir, ag kanhró rike. Kỹ ag pi ẽg to kanhir mãn mũ, vẽnh kato ẽg kamẽ ag tóg nỹtĩnh mũ há vãhã, ẽg tỹ rãnhrãnh ke kónãn jé ag tóg, ẽkrén mág han ke mũ sir. Fóg ag pi ẽg mỹ estudo sĩ ãjag tóg nỹtĩ ke mãn mũ sir. Ẽg pir mỹ ẽg tóg ẽg livro ránrán mũ sir, ẽg cultura to, ẽg vĩ ki, fóg tỹ ẽg mỹ han jãvãnh nỹtĩ mẽ. Kỹ livro tóg ẽg kãki gĩr kanhrãnrãn fã kri rũ tĩnh mũ sir, ẽg vĩ ki. Fóg ag livro tỹ ke ẽn ge. Kófa ag jẽmẽ kỹ ẽg história ránrán mũ sir, kanhgág ag to, vẽsỹ kanhgág ag kãme, gufã ag kãme ke gé. Governo ti ke gé, ti pi ti tỹ ẽg direito kri sãnsãn tĩ tag genh mũ sir, mỹr kanhgág ag vãhã ag direito komra ke kinhra nỹtĩ ha sir. Hã kỹ tóg governo mỹ kanhgág tỹ vẽnh kanhrãn vãnh tĩ sir, ti kato jẽg tũ nĩ jé, vaj kỹ. Kar kỹ kanhgág mỹ ti rãnhrãj kren tũ nĩ jé, Fóg e tãvĩ ag tóg ver ũri kanhgág mré rãnhrãj tĩ, kanhgág tỹ estudo sĩ nỹtĩ kỹ. Hãra ẽmã ũ mĩ kanhgág ũ ag tóg estuda ke ja nĩ, hãra fóg ag tóg gera kanhgág ag mré rãnhrãj 63 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL nỹtĩ, kanhgág aldeia mĩ, fóg ag tóg pã'i tỹ kanhgág ag mré vĩ sér ja nĩgtĩ, kỹ ag tóg sir kanhgág tỹ estuda ke mág ja ra, fóg ag hã fẽg han kã nĩ gé sir. Kỹ tag tóg inh mỹ jagy nỹ, mỹr ẽg tỹ kanhgág ti, ẽg mỹ tóg, ẽg krẽ tỹ vẽnh kanhrãn mág kỹ fóg ag kóm rãnhrãj há, vej há tĩg. Ag tỹ estudo mág nỹtĩn kỹ, kanhgág ag krẽ ti, ag hẽnỹ fóg ag ẽg mré rãnhrãj nỹtĩ tag rugan mĩ nỹtĩg mũ ke tĩ vẽ, hãra fóg ag hã nỹ kanhgág mré rãnhrãj nỹtĩ ver. Kỹ fóg ag pi kanhgág kinhra nỹtĩ, hãra hã tóg kanhgág mré rãnhrãj nỹtĩ, jãvo kanhgág krẽ tóg estuda ke mũra fóg hã kãra rãnhrãj jãvãj mũ tĩ, fóg ag jamã mág ra. Kỹ fag tóg kar tá ũ ve kỹ mén tĩ sir ke gé, vỹn ke mãn tũ nĩnh mũ sir, kanhgág jamã kãra, ke tũ nĩ kỹ, fi mén tỹ fi tỹ hẽnri ke vẽnhmỹ han kỹ fi tóg kejẽn mén tũ han kỹ jun mũ sir, fi krẽ tãvĩ mré, fi panh tỹ fi mré jẽg'ỹn jé sir, ẽn ki fi kanhkã kar tóg fi mré gĩr ẽn kirĩr mũ sir, hãra pi ti jóg kinhra nỹtĩnh mũ sir gĩr ẽn ti. Jãvo kanhgág ti, tá ti fóg ũ fi vej mũ gé, kỹ tóg fi tỹ prũg mũ gé sir, ti mỹnh fag ré kỹ tóg, fóg ag jamã tá nĩnh mũ sir, ti krẽ mré. Tá fóg rike nỹtĩnh mũ sir, kanhgág vĩ ki kagtĩg nỹtĩnh mũ, fóg vĩ tãvĩ hã kinhra nỹtĩnh mũ sir. Kar tag tavĩ pi jé ke gé, ũri ẽg krẽ tóg vẽnh kanhrãnrãn, fãn mũ, kỹ ẽg tỹ vẽnh nã mỹ fóg ag jamã mág mỹ ti krẽ krenkren kãn mũ ha, fóg ag tỹ ẽg mré rãnhrãj mũ jo. Kinhra ẽg nỹtĩ, ag tỹ ẽg mỹ ẽg ruga togvãnh kãn kỹ, gera ẽg krẽ ũ tóg fóg kãra rãnhrãj tĩg mũ vẽ gera, hãra ẽg tóg nén ũ to jykrén mũ vẽ ke gé, fóg ag jamã ra mũ tũ nĩ jé, ẽg ga hã kãmĩ rãnhrãj mũ jé sir, ẽg tỹ kanhgág ti. Ẽg ga tỹ rãnhrãj jé ẽg ke mũ vẽ, ẽkrãnkrãn kỹ ẽg krẽ jẽnjẽn jé. Nénũ'ũ han jé ẽg jagnẽ mré to jykrén mũ gé sir, ẽg ga jagtãn jé, ẽg krẽ tỹ to nénũ ven jé, ti krẽ mỹ.Ũri ẽg ga tóg ẽg mỹ kãsiri nỹtĩ ha, governo tóg ẽg ga tỹ kãsir ke ja nĩgtĩ, fóg ag mỹ kykym kỹ, ag mỹ ti vẽne ke ja nĩ, ẽkrãnkãn tĩ ag mỹ. Tag tugnĩn ũri ẽg ga tóg kãsiri nỹtĩ há, hã kỹ tóg ũri ẽg ki kénh mũ sir, ga ti. 64 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Hãra fóg ag ẽg ga pipin mũ jãvo, ẽg povo tóg vẽnh en ha tĩ mũ, hã kỹ ũri ẽg ga tóg ẽg ki kãsir tãvĩ nỹtĩ há sir. Hã kỹ ẽg krẽ tóg vẽnh kanhrãnrãn mág ge nỹtĩ, nénũ'ũ mré ke kinhrãg jé , ti kanhkã mỹ tagmĩ ken jé kar. Kỹ ẽg tỹ jagnẽ mré nénũ'ũ to ẽkrén kỹ ẽg krẽ pi fóg kãra mũ mãn mũ sir, ti tỹ estudo mág ra, ẽg gan hã kri nĩ kỹ tóg rãnhrãj ke ũ vej mũ sir. Rãnhrãj ẽn han tĩ ki tóg ti krẽ tỹ kynkar kỹ han ke mũ ẽn to jykrég tĩ gé sir. Ge ag tĩ gé, fóg ag. Kỹ tóg, fóg ag tỹ ẽg mỹ lei han ja to sa, ẽg tỹ kãki gĩr kanhrãn ge to rá ti, ge nỹ jé tóg ke nỹ ha mẽ: Gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág tavĩ tóg ẽg vẽnh kanhrãn fã kãmĩ rãnhrãj ke nỹtĩ, fóg pi jé. Kỹ tóg kanhgág vĩ tó kinhra nỹtĩnh mũ ke gé, gĩr mré. Ti vĩ ki tóg ti kanhrãn mũ , ky tóg kanhgág mỹ kanhrãn tỹ mrãnh kej mũ sir, gĩr tỹ kanhgág ti, mỹr ti vĩ pẽ vẽ, hã kỹ tóg kanhmar kanhrãn mũ sir. Kar kỹ fóg fag tỹ gĩr pépé ránrán nỹtĩ nĩ ke mũ ẽn fag, ha mẽ, ẽg kãki gĩr kanhrãnrãn fãn ki, kũputanor vóg ge mũ ẽn fag ke gé, ha mẽ, kanhgág tãvĩ tóg to nỹtĩnh ke nĩ gé, ẽg vẽnh kanhrãn fã jãnhkrig mũ nĩ ke mũ ẽn fag ke gé, ẽg krẽ mỹ vẽjẽn han ke mũ ẽn fag ke gé, ẽg gĩr kanhrãnrãn fã kãmĩ vẽnh rãnhrãj kar mĩ tóg tỹ kanhgág tãvĩ ruga nĩ. Hãra fóg fag ne ẽg mré ver kãmĩ mũ nĩ. Ẽg pã'i mág ag, ẽg pã'i tỹ kanhgág ag hã tóg fóg ag vĩ jẽmẽ kỹ ag hã vin han ge mũ, kejẽn fóg ag tóg ag mỹ ón kỹ ruga tag tóg tỹ fóg ag ruga nĩ ke tĩ, hẽnri ke kỹ fóg ag tóg ag nĩgé kã nén ũ sĩ nĩm tĩ ke gé, hã kỹ tag tóg ge nỹ. As novas leis favorecem e respaldam as lutas kaingang na educação bilíngue Antes da Constituição Federal de 1988, os professores bilíngues desejavam o ensino diferenciado, porque perceberam que aquela forma de educar, ministrada dentro das escolas indígenas, só estava servindo à desagregação cultural. Porém, não tinham nenhum respaldo legal para exigir isso. Muito diferente dos dias atuais, em que existe uma legislação própria que 65 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL garante essa escola indígena respeitosa, que tanto almejaram na época. Por outro lado, embora exista uma legislação que contemple os anseios dos professores indígenas daquela época, hoje o ensino nas escolas indígenas continua deixando muito a desejar porque „o ensino diferenciado é muito mais do que alfabetizar na língua materna, pois precisa estar alicerçado na forma tradicional de ensinar de cada povo indígena‰. ẼG P‹'I AG TŁG AG NÉN HAN KE TŨ KINKRA NỸTĨNH KE NĨ Vẽsỹ ẽg pã'i ag pi ge ja nỹtĩ, kanhgág hã jagfy ke há tãvĩ ja ag nỹtĩg nĩ, vẽsỹ ẽg pã'i ag. Jãvo ũri ẽg pã'i ũ ag tóg ag mỹ: ‹ mã sóg tag nĩm mũ, ke kỹ, sir ti tỹ pã'i nĩ kãjatu ke mũ ve nĩgtĩ. Ti tỹ pã'i nĩ ẽn to tóg jẽnkamo gỹjũ ke sór tĩ sir, hãra tag tóg kórég ja nã, ẽg tỹ kanhgág mỹ, vẽsỹ pã'i tóg kejẽn ti kanhkã ag vẽnhmãn kỹ ag mỹ: Inh ro tóg tĩ ha, kỹ vẽnh jãmĩ ũ fẽg, sỹ vẽnhkán tomẽ to, ke tĩ vẽ,ẽn ki ag ũ mỹ: Ti rikén ẽg kirĩr sĩ han ver, ke já nĩgtĩ. kỹ ẽn tóg ti krónh ke kỹ ũ mỹ tovãnh ge já nĩgtĩ. Hãra pi ũri ge tĩ ha, ẽg pã'i , tóg kutẽ tũg kỹ kanhgág mré rárá sór tĩ, kanhgág tỹ tóg ẽmã ũ tá vãvãm tĩ sir, ti to vĩn kỹ, ti tỹ kórég han tĩ ra tóg, ẽmẽ kã nỹtĩ nĩ, ke mũ. Tag hã tugnĩn fóg tóg ver ẽg gĩr kanhrãnrãn fã kãmĩ e tãvĩ nỹtĩ gé. Hãra pi fóg ag tỹ ẽg gĩr kanhrãn fã to lei han ja, to sa. Mré pi, tag tóg governo mỹ tag mỹ contrato nĩm ke já nĩ. kỹ ẽg pã'i ag kygnẽg mũra, governo tóg kygnẽg nĩ gé, ti tỹ ag mré, hej ke nĩ tag tugnĩn. Governo tóg kanhgág ag mỹ curso han han kar, ag mỹ concurso han han mũ gé. Kỹ ũn tĩg há han mũ ẽn tóg, banca ki jag nón nỹtĩg mũ sir, kar kỹ governo tóg vẽnh kanhrãn fã tỹ jãvãnh kỹ, jag nón ag tatĩn mũ sir ag rãnhrãj jé. Fagtã ũ tá tũ nĩn kỹ tóg banca ẽn ki, ve kỹ tóg, ũn ag jãkã jẽ ẽn mỹ, ti nomeação venh mũ sir, ti rãnhrãj jé. Ẽn ki, ti pi jẽnkã ror mĩ rã kã jẽ, prova han kỹ ti ruga ẽn tá nĩ nĩ, hã kã ti kurã tóg sir jun mũ, ti rãnhrãj jé. Ge tũ nĩn hã kỹ, fóg fag tóg kanhgág to vĩ ke mũ gé, vẽnhkagtĩg ra jẽnkã ror mĩ kãge kỹ rãnhrãj nỹtĩ ke fag tóg tĩ, estudo mág tũ ra, ke fag mũ. 66 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Hãra ẽg governo pi ẽg mỹ tag han ha ve nĩ, kanhgág kanhrãnrãn pi inh mỹ, inh rãnhrãj ũ jãkã jé, kỹ inh pi to kanẽ jur mũ, ke ja fi tóg nĩ ẽn governadora fi. Kuar mĩ estado ũ ag mĩ governo ag tóg jãvo kanhgág ag mré ag krẽ kanhrãnrãn tĩ ag estudo to kanẽ jur ja nĩgtĩ, kỹ tóg kanhgág ag gĩr kanhrãn nỹtĩ ẽn ag mỹ curso han han ja nĩ sir, kar kỹ tóg ag concurso han han ja nĩgtĩ ke gé, kar kỹ ag nomear ke ja nĩ sir, kanhgág ag tóg sir tỹ estado ki tỹ funcionário concursado nỹtĩ sir, ha mẽ. Kanhgág ag mỹ ag tóg curso de licenciatura vin ja nĩ, ke gé, universidade ke tĩ ẽn ag kã'ũ kãmĩ. Kanhkág ag sir, fóg ag kóm faculdade han han jé, fóg ag estudo rike nỹtĩ jé, mỹr hamẽ. Kanhgág ag kanhrãn sór ag nỹtĩ, ẽg to lei kamẽg kỹ, ag vẽnh kanhrãn mág kỹ nỹtĩn kỹ, kanhró nỹtĩ kỹ vẽsóki ag cultura to vẽnh ránrán kỹ vẽsóki rivro han han ti ke gé. Kar kỹ, tá gĩr kanhrãn tĩ ũ pi, tỹ fóg nĩ ha, kanhgág tãvĩ tóg, kanhgág kãsir kanhrãnrãn tĩ. Pi tá fóg nĩ há, ag hã tóg, ag tỹ gĩr kanhrãn ge ẽn kinhra nỹtĩ sir, fóg ag pi to ne kinhra nỹtĩ, ke ag tóg tĩ. Kar ag tóg ag jamã kãmĩ ensino médio vin mág ja nĩ ha jãvo, kỹ ag tóg ag krẽ kanhrãnrãn mág kar hã, fóg ag kãra ag krẽ mũn tĩ, ag mỹ ag tóg, fóg ag tóg ẽn ge nỹtĩ, ãjag mỹ ag tóg genh mũ, kỹ ãjag tóg vẽnh kato ag mỹ genh mũ sir , ke ag tóg mũ ag krẽ kãsir ag mỹ. Kỹ ag tỹ kejẽn fóg ag kãra ag estudo kãn mũ kỹ tóg, sir fóg ag kinhra nĩ sir, ag ti mỹ vĩnh ke kinhra tóg nĩ sir, kỹ tóg vẽnh kato fóg mỹ vĩ há nĩ gé, kanhgág sĩ ti. Ti pi fóg kãsir ag mỹ krónh kej mũ, mỹr tóg ti jamã tá kanhrãn há han kã, tá jun kỹ jẽ. Ẽn ki tóg ge ra ti estudo kãn mũ sir.Ti pi ti estudo kãn mẽ ti jamã ra vỹn kej mũ, ke gé, fóg ag kamég ke tũ tóg nĩ, kanhgág sĩ ti, ti krĩ fẽg kỹ tóg, ag mré féfén mũ, ti pi ti tỹ kanhgág nĩ to mã'ãg mũ ke gé. Jãvo ẽg estado ki, Rio Grande do Sul ki, kanhgág jamã kãmĩ pi, ensino médio tĩ, tũ tĩ, ũ tóg, ensino fundamental tá krỹ nỹtĩ, jãvo ũ ag tóg tá krỹ tũ nỹtĩ ver, hã kỹ kanhgág krẽ tóg sir kãsiri ra fóg kãra vẽnh kanhrãn mũ tĩ, 67 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL kỹ kanhgág tỹ ti kanhrãn mũ pi tempo han mũ, ti tỹ gĩr ẽn mỹ, fóg kãtá ã tóg ẽn kato tẽnh mũ, ken jé. ‹ mỹ ge jé ag tóg mũ, fóg ag, ken jé. kỹ fóg kãsir ag kanhgág sĩ mỹ vĩn kỹ tóg sir vỹn ke mãn ke tũ nĩ, vẽnh kanhrãn fã ẽn ra, pi estuda ke mãn mũ sir, gĩr ẽn tóg vẽnh kanhrãn mãn ke tũ nĩ sir, kaga jagy ti nỹ ẽg mỹ, ẽn tỹ kanhgág mỹ. Kanhgág krẽ e tóg gen kỹ, ti estudo tovãnh kỹ nỹtĩ. Tag tóg hãra fóg ag mỹ há nỹ gé, ẽg tỹ estudo tũ nỹtĩn kỹ ẽg pi ẽg direito jãvãnh kinhra nỹtĩ sir, kỹ tóg ag mỹ há tĩ sir, kanhgág krẽ tỹ estuda ke tũ nĩ ti. Tag tugnĩn ẽg pã'i tỹ kanhgág ag, kar kỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag, vẽnh panh ke gé, jagnẽ mré jẽgjẽg kỹ governo mỹ: kuri, ken hã tóg tũ nĩ ha. ‹jag tỹ ẽg mỹ lei han ja to tóg sa, ken hã tóg tũ nĩ, lei vẽ kỹ kuri, kur ẽg mỹ han, ke jé. Hãra ti tỹ ẽg mỹ ne vég tũ nĩ kỹ ẽg tóg Ministério Público ke tĩ ẽn mỹ: kuri ẽg mré vé ken hã tóg tũ nĩ sir. Ẽn ki tóg justiça tá ẽg mỹ han mũ sir, mỹr lei vẽ, ha mẽ. Ũri kanhgág tóg, ti tỹ fóg kato rã jé há nĩ ha, justiça tá, ti direito vẽ. Vẽsỹ FUNAI hã tóg ẽg jagfy, justiça ki rã tĩ vẽ, kanhgág pi tag han jé, tá krỹ nĩ vẽ. Hãra ũri sỹ lei tó nĩ tag hã tóg ẽg mỹ, direito tag nĩm mũ, ke gé. Jãvo ẽg tóg vẽsỹ tỹ gĩr rike ja nỹtĩ, ne ki direito tũ, fóg ag tóg ẽg jagfy nén'ũ to jykrég tĩ sir, tag hẽ nỹ kanhgág ag mỹ há nỹnh mũ, ke jafã ag nỹtĩ, fóg ag. Sỹ ãjag mỹ, fóg ag tóg ẽg jamã tỹ Brasil to lei mág vóg kỹ nén e tỹ' ũ ke ja nĩ, kỹ ag tóg kanhgág ag to lei tỹ pãgsĩ ke ja nĩ gé, Prỹg tỹ 1988, kã fóg ag tóg tag han ja nĩ. Ag vóg tũ ki, ne há pi ẽg to rán kỹ nĩ ja nĩ, kanhgág pi fóg krĩ rike nĩ, vẽnh kagtĩg ag tóg nỹtĩ, gĩr rike, ke ag tóg mũ fóg ag. Kỹ tag tugnĩn ẽg tóg ag kirĩr ke nỹtĩ, ag jagfy ẽg nén ũ han ke nỹtĩ, ẽg hã tóg ag mỹ nén há nã ẽn kinhra nỹtĩ, ke jafã ag tóg nỹtĩ, fóg ag. Tag tugnĩn ag tóg ẽg tỹ vẽdyn kã nỹtĩ. Ẽg tỹ nén to kej vãnh ẽn to ag tóg sir, vó, ãjag mỹ há tóg nã, ke tĩ. Ẽn ki ẽg tóg sir ẽmẽ kã nỹtĩg tĩ, ẽg mỹ há tũ ra. Diálogos internos em busca de autonomia Este item foi escrito especificamente para autoridades kaingang. 68 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Conclusão Em face da perspectiva histórica apresentada sobre a educação escolar indígena kaingang e considerando sua atualidade, enquanto educadora kaingang almejo que a nossa escola venha a efetivamente concretizar o previsto na legislação atual que a abrange, de maneira que tenha o perfil formador do jovem kaingang, apto a enfrentar a vida e seus desafios não somente com dignidade, mas com orgulho de ser kaingang. 69 II PARTE EDUCAÇ‹O DE JOVENS E ADULTOS: SUBS¸DIOS PARA CONSTRUÇ‹O DE CURSO DE TÉCNICAS AGR¸COLAS KAINGANG Maria Inês Freitas1 Resumo O presente trabalho aborda questões relacionadas à educação escolar indígena, com reflexões acerca do currículo para curso de técnicas agrícolas para os jovens e adultos indígenas kaingang do Rio Grande do Sul (PROEJA). Este texto traz relatos de experiências de atividades agrícolas entre os indígenas mais idosos, pessoas com longa trajetória de trabalho e autossustentação social e ambiental, residentes nas Terras indígenas Ligeiro e Carreteiro. Trata de estabelecer correlações, tendo os conhecimentos tradicionais de produção como base inicial para reflexão, com os conhecimentos relacionados às novas tecnologias. A abordagem valoriza a cultura kaingang, estando interligada à busca da autonomia econômica para as comunidades. Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: [email protected] 1 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Palavras-chave Kaingang – Instrução – Técnicas Agrícolas. Adult and Young Persons Instruction: Data for the Creation of a Course on Kaingang Agricultural Techniques Abstract The present work deals with questions related to indigenous scholar instruction with reflections about the curriculum for agricultural techniques course addressed to Kaingang adult and young persons in Rio Grande do Sul (PROEJA). This text shows reports of agricultural experience activities among the elderly natives, people with a long time of working and social and environmental self-maintenance living in Ligeiro and Carreteiro indian lands. Having the traditional knowledge on production as a basis for reflection the text sets up correlations with other knowledge related to the new technologies. This approach evaluates Kaingang culture once it is interrelated to the search for the community economical autonomy. Key-words Kaingang - Instruction - Agricultural Techniques. Introdução O presente trabalho aborda questões relacionadas à educação escolar indígena, com reflexões acerca do currículo para curso de técnicas agrícolas para os jovens e adultos indígenas kaingang do Rio Grande do Sul (PROEJA). Este texto traz relatos de experiências de atividades agrícolas entre os indígenas mais idosos, pessoas com longa trajetória de trabalho e autossustentação social e ambiental, residentes nas Terras Indígenas Ligeiro e Carreteiro. Trata de estabelecer correlações, tendo os conhecimentos tradicionais de produção como base inicial para reflexão, com os conhecimentos relacionados às novas 74 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG tecnologias. A abordagem valoriza a cultura kaingang, estando interligada à busca da autonomia econômica para as comunidades. No presente trabalho, traçamos uma linha de tempo, que inclui relatos de experiências das práticas desde o período Serviço de Proteção ao ¸ndio (SPI o chamado „panelão‰), abordando os ranços e prejuízos sociais provocado por uma atuação de opressão, exploração da mão-de-obra indígena e aproveitamento dos recursos naturais de dentro das terras indígenas em benefício de terceiros. Foram realizadas entrevistas, através de um questionário, sobre as práticas agrícolas desenvolvidas no passado e sobre as técnicas desenvolvidas atualmente. Também foi elaborada revisão bibliográfica a partir de textos teóricos que apresentam relatos de experiências de desenvolvimento de projetos sustentáveis em terras indígenas e agricultura orgânica. A partir das questões históricas do desenvolvimento econômico e das práticas tradicionais sustentáveis nas Terras Indígenas Carreteiro e Ligeiro, refletimos sobre atividades produtivas em terras indígenas. Partimos da realidade e do potencial de produção das duas terras já referidas, para refletir sobre as condições necessárias à construção de propostas alternativas de produção economicamente e ambientalmente sustentáveis. A economia kaingang: breve histórico Os Kaingang são, atualmente, o terceiro maior povo indígena no Brasil, cuja população total ultrapassa 30 mil pessoas. A população indígena kaingang no Rio Grande do Sul aproxima-se de 22 mil pessoas. No interior das Terras Indígenas deste povo funcionam 45 escolas que atendem a 4.500 alunos no Ensino Fundamental, oferecido, na maioria delas, incompleto. Ainda não temos, em nosso estado escolas de ensino médio em Terras Indígenas. Os jovens indígenas, para cursar o Ensino Médio, precisam se deslocar para escolas situadas na sede de municípios mais próximo das aldeias, onde há oferta dessa modalidade de ensino. Desse modo encontram muitas dificuldades para realizarem seus estudos. As principais dificuldades que enfrentam são: aquisição de material didático, transporte, discriminação racial entre colegas e, às vezes, 75 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL com professores e aproveitamento insatisfatório. Esse conjunto de situações desfavoráveis causa, frequentemente, o abandono dos estudos. As escolas em Terras Indígenas possuem proposta pedagógica diferenciada com ensino na língua indígena, kaingang ou guarani, no caso do Rio Grande do Sul. Cada escola tem sua relativa autonomia para construção do Projeto Político-Pedagógico, pois precisa atender às exigências do sistema estadual ou municipal de educação, em conformidade ao sistema ao qual está vinculada. O principal desafio das escolas indígenas é estabelecer o referencial conceitual do que é o específico e diferenciado e implementar práticas pedagógicas que evidenciem as questões culturais. Um dos pontos mais polêmicos é a questão da língua indígena, à qual é dado um espaço em média, nas escolas indígenas, de duas a três horas semanais, sendo o objetivo principal da escolarização, conforme o que consta na lei, aprender a ler e escrever em kaingang ou em guarani. Não só os conteúdos são trabalhados todos em português, mas na maioria das vezes obedecem às determinações curriculares e calendários estabelecidos pelo sistema de educação ao qual está ligado. A Terra Indígena Ligeiro possui uma população de 1.512 habitantes que ocupam uma área de 4.565 hectares. A base da economia das famílias indígenas é agricultura familiar, pecuária para consumo e artesanato para comercialização. A Terra Indígena Ligeiro foi a comunidade do estado do Rio Grande do Sul em que o SPI atuou por mais tempo, pois foi a última comunidade em que terminou o chamado „panelão‰. Na referida comunidade, há uma escola que atende a 475 alunos do 1À ano ao 9À do Ensino Fundamental. A Terra Indígena Carreteiro possui uma população de 193 habitantes que vivem em uma área de 602 hectares. Possui uma escola, que atende 36 alunos do 1À ao 5À ano do Ensino Fundamental. A atuação da escola produz interferências diretas na vida das comunidades. Daí a importância de serem trabalhadas questões específicas da realidade atual e cultural de cada povo. E, atualmente, a sustentabilidade das comunidades indígenas requer, da educação escolar, um espaço de relevância para análise da realidade. Reflexões sobre meios de produção são importantes para avaliar e construir propostas alternativas sustentáveis na atividade agrícola, que vai produzir alimentos e gerar qualidade de vida. 76 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG As comunidades indígenas têm tradição de estabelecer uma relação sustentável com a terra, que para nós é considerada como mãe. Então, estabelecemos uma relação de reciprocidade com a terra, na lógica de que mãe não se vende, não se maltrata, não se destrói... É dela que tiramos nosso sustento! É da mata nativa que tiramos nossos remédios; raízes folhas, cascas, cipós... Também os ẽgoro (verduras tradicionais), que só nascem e se desenvolvem onde houver as condições favoráveis, como mata e solos férteis. As mudanças no sistema de produção, as novas tecnologias e os altos custos na produção das monoculturas, têm remetido às comunidades indígenas a necessidade de resgatar sistemas antigos de produção, técnicas de armazenamento de sementes, controle natural de doenças e, principalmente, a diversificação de culturas. As concepções de trabalho e de reciprocidade As concepções de trabalho e de reciprocidade, para os kaingang, têm a função de satisfazer as necessidades sociais do grupo familiar, do coletivo, do individuo, da cultura... É uma ação harmoniosa do agente conhecedor intervindo na natureza. Por exemplo, o trabalho em mutirão, em sua funcionabilidade, reúne vários aspectos da cultura; a sociabilidade, solidariedade, produtividade, reciprocidade e principalmente aprendizado, onde os mais velhos educam os mais jovens. Quanto mais velho for o kaingang e mais experiência acumulada ele possui, o mesmo é mais respeitado pelos conhecimentos adquiridos na sua trajetória de vida. Na época da colheita, também é realizada a prática da partilha, onde são distribuídos os produtos colhidos em comum acordo, conforme a participação e contribuição dos integrantes da família no trabalho gerado em todo o processo de produção. Além disso, é comum a prática de doar, de quem tem bastante doar/ceder para quem não tem, principalmente no núcleo familiar. A concepção de bem estar individual está ligada ao bem estar coletivo, que depende de garantia de acesso à alimentação, saúde, educação, moradia, acesso à terra e a outros direitos sociais já conquistados. 77 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Uma família kaingang que se preza não deixa seus filhos crescerem sem aprenderem a trabalhar! Esse aprendizado começa, para os jovens, a partir de 10 a 11 anos. Esses jovens são convidados a acompanhar os adultos nas tarefas diárias, onde devem desempenhar atividades que tenham capacidade e condição física para executar. O aprendizado dos jovens indígenas kaingang se dá no decorrer do processo de seu crescimento, e gradativamente, através do diálogo, da demonstração, da experimentação, da observação, da execução e de outras formas de relação interpessoais, esses jovens vão assumindo responsabilidades com o trabalho, com seu próprio aprendizado e com o seu núcleo familiar. Os ensinamentos e aprendizados se dão, passo a passo, nem tudo de uma vez, nem de uma vez por todas. Toda essa dinâmica está ligada às questões da organização social de cada comunidade indígena como, por exemplo: o casamento que estabelece as alianças entre kamẽ e kanhrukré, as relações de poder, os rituais, cantos, mitos e outras formas de manifestações culturais. A organização social está ligada aos valores culturais e à relação com o trabalho. O trabalho da lavoura é pesado, porém, quando executado em equipe, parece mais leve e mais divertido; não é encarado como penoso ou desgastante. Na dinâmica diária, se trabalha o necessário para produzir o suficiente para viver bem. A produção precisa ser suficiente para alimentar toda a família, garantir saúde, vestuário, moradia, educação; enfim, as condições necessárias para se obter conforto e bem-estar. O trabalho, seja na lavoura ou no artesanato, é de responsabilidade do grupo familiar que o produz e gera qualidade de vida para o grupo todo. Tudo o que se produz é partilhado entre os componentes da família envolvidos e com os beneficiários da produção que se envolvem, de uma forma ou de outra, no trabalho. Em texto que aborda a relação dos Kaingang com o trabalho (Silva, 2009), observamos que, na sua forma tradicional, o trabalho, não se baseia em uma carga horária diária. O trabalho está ligado à produção de alimentos e deve servir à vida da comunidade em família. Dessa forma, não há necessidade de sobrecarregar as pessoas de atividades, pois não se dá importância para o acúmulo de riquezas. Tanto para os Kaingang, como para a maioria das comunidades indígenas, a produção de alimentos está ligada aos direitos e obrigações culturais. As práticas dos rituais têm um sentido religioso ou festivo. 78 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Na caçada, bem como na retirada dos remédios, há uma preocupação com as consequências para si e para os beneficiários que vão usufruir desses trabalhos. Ressalto ainda a importância do artesanato a partir das reflexões de Damiana Bregalda e de Miriam de Fátima Chagas, na publicação Povos Indígenas na Bacia Hidrográfica do Rio Guaíba (Freitas, 2008), embasadas em uma série de estudos antropológicos que analisam os processos, as relações e significados que envolvem a prática do artesanato kaingang, desde a sua produção até a comercialização nos centros urbanos. As reflexões das autoras consideram que o artesanato é uma atividade contemporaneamente produtiva dos Kaingang, que permite atualizar uma série de relações sociais, culturais, cosmológicas, que auxilia no modelo de organização que procura dar sustentabilidade ao grupo familiar, valorizando a perspectiva da mobilidade espacial. O artesanato é uma atividade desenvolvida mais pelas mulheres e meninas, e auxiliado pelos homens. Para sua comercialização, são envolvidas as mulheres e crianças. Para os Kaingang, o trabalho é meio de vida, é sabedoria, é garantia de inserção no espaço sociocultural e é reconhecimento do pertencimento individual ao coletivo. Relatos de experiências do SPI2: „O Panelão‰ O Senhor Lourinaldo Valdereys Rodrigues Velloso, pernambucano, filho de um oficial do exército, atual chefe de posto da Terra Indígena Ligeiro, vivenciou atuações do SPI, quando ainda criança, onde veio morar com sua família, na década de 50, na referida T.I. Nesta época, havia duas serrarias e a criação de gado, a partir da qual era oferecido leite para a comunidade. As serrarias eram de propriedade particular, e retiravam, beneficiavam e vendiam madeira. Os recursos provindos do trabalho dos indígenas, na lavoura, criação de gado e exploração de madeira, a princípio, eram investidos na comunidade através de projetos. Porém, os indígenas não participavam das tomadas de decisão. Serviço de Proteção ao Índio - SPI, instituição criada em 1910 e que perdurou até 1967, substituída pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI. 2 79 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Segundo relatos do Sr. Lourinaldo, o SPI (Serviço de Proteção ao ¸ndio) foi criado, por volta de 1910, pelo oficial do exército Marechal Cândido Rondon. Em expedições pelas comunidades indígenas no Brasil, Rondon constatou que os indígenas eram desprotegidos e, em função disso, foi criado o Serviço de Proteção ao ¸ndio, ligado à esfera federal, e que desenvolvia atividades junto às comunidades indígenas. O Rio Grande do Sul era o único estado brasileiro em que havia comunidades indígenas sob responsabilidade estadual. As aldeias do Inhacorá, Carreteiro, Votouro, Serrinha e Ventarra estavam sob jurisdição do Estado através da Secretaria Estadual da Agricultura. O SPI encampou a luta pela devolução da questão indígena para a esfera federal. Os representantes estaduais, em negociações aceitavam a devolução do gerenciamento das aldeias que estavam sob sua jurisdição, na condição que parte das terras indígenas ficasse para o estado. Antes da transferência da questão indígena da esfera estadual para esfera federal, foi criada a reserva florestal de Nonoai. A T.I. Rio da Várzea era uma extensão da T.I. Nonoai e servia como refúgio dos indígenas quando havia algum tipo de conflito, era usada como território neutro. Segundo o indigenista Egidio Schwade, em relato realizado na conferência sobre Desafios Atuais da Educação Escolar Indígena, na Unicamp (Veiga e DÊAngelis, 2005), em 1967, ele e alguns companheiros, em visita a algumas comunidades indígenas do Rio Grande do Sul, tomaram conhecimento da angústia pela qual passavam os povos indígenas do Sul. Citou um exemplo do Votouro, onde lhe mostraram uma foto de índio apedrejado até a morte. Em Nonoai, visitaram os ranchos que abrigavam 1.200 indígenas encurralados, pois, aproximadamente três mil famílias de pequenos e grandes agricultores foram paulatinamente ocupando as terras indígenas demarcadas, com o aval do SPI. Segundo Egídio, essa situação lhe deixou muito chocado e lhe marcou profundamente. Esse grupo retornou decidido que precisava fazer alguma coisa. Então, fizeram um relatório divulgando e discutindo toda essa situação, e o entregaram aos jornais. Mobilizaram alguns meios de comunicação e trouxeram a televisão para a aldeia. E que o cacique considerado herói, o primeiro que enfrentou, naquela época, as câmeras de televisão denunciando a crueldade em que viviam os índios do Sul do Brasil, foi o cacique da Terra Indígena Votouro, o Sr. Juvêncio Paulo. A partir dessas 80 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG denúncias, na década de 1960, começou a decadência do SPI, com a instalação de uma comissão parlamentar para apurar essas irregularidades. A comissão parlamentar, criada a partir das denúncias, apurou irregularidades tais como: arrendamento de terra, exploração ilegal de madeira, invasão de colonos dentro das terras indígenas, trabalho escravo dos indígenas e outras violação de direitos indígenas. O Senhor Lourinaldo relata que existia o DGPI (Departamento Geral de Patrimônio Indígena) em todas as terras indígenas, e que esse departamento cuidava da exploração da madeira. Na ocasião em que era chefe da Terra Indígena Guarita, de 1973 a 1974, informa que, quando morria alguém da comunidade, as tábuas para fazer o caixão precisavam ser compradas. As apurações das irregularidades dos Serviços de Proteção aos ¸ndios Estadual e Federal, pela comissão parlamentar, apontaram para a responsabilidade da esfera federal, o que acarretou no fim do SPI e em 1967, na criação da FUNAI – Fundação Nacional do ¸ndio. Segundo depoimento dos indígenas que vivenciaram os trabalhos do SPI, estes afirmam que eram obrigados a trabalhar na lavoura: homens, mulheres (mesmo as que tivessem filhos pequenos), rapazes e moças. Os meninos e meninas começavam a participar das „turmas‰ a partir dos nove anos de idade. Quem estudava, trabalhava meio turno, e meio turno ia para a escola. O trabalho na lavoura era realizado de segunda a sexta-feira. A turma ficava acampada e não era permitido aos indígenas irem para casa durante a semana. As lideranças, orientadas pelos diretores do SPI, eram quem fazia a distribuição dos serviços. Se alguém faltasse ao trabalho, os responsáveis faziam uma relação com os nomes dos „faltosos‰, que eram chamados e levados para a cadeia. O Sr. Manuel Inácio, 70 anos, relata que tinha 12 anos quando começou trabalhar nas turmas. Na época, estudava em Getúlio Vargas meio turno, e trabalhava no outro. Porém, no período de preparo das lavouras, plantio ou colheita, eles eram obrigados a acampar, às vezes por até 30 dias, nas lavouras, sem poder voltar para casa ou ir para a escola. Segundo ele, ganhavam duas peças de roupas, duas vezes por ano, como retorno desse trabalho. A alimentação que os trabalhadores recebiam era sempre a mesma, feijão com farofa, que eram preparados em panelões, para aproximadamente 250 pessoas. 81 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Apenas ofereciam carne nas refeições nos dias de trabalhos em finais de semana. Estabeleciam horários para começar a trabalhar e, quando chegavam atrasados, assim que chegassem e começassem as atividades, os trabalhadores eram açoitados com varas de timbó. Afirma que plantavam de cinquenta a cem sacas de feijão e de milho com sacho. Produziam tudo com mão-de-obra braçal: milho, feijão, trigo, aveia, batata, mandioca, moranga e outros produtos, que eram armazenados assim que colhidos, e depois vendidos. Afirma que nunca viram „a cor do dinheiro‰ da venda dos produtos por eles produzidos. Dona Lúcia Inácio, esposa do Sr. Manuel Inácio, afirma que criou sua irmã mais nova acompanhando as „turmas‰ de trabalho, cuidando-a e levando para amamentar. Os dois afirmavam que esse trabalho era realmente trabalho escravo. Inclusive, antes de conceder a entrevista, me perguntaram, com ar de preocupação, se essa entrevista não serviria para „voltar o panelão!‰. É visível o temor dos indígenas, que vivenciaram a atuação do SPI, de que retorne aquela forma de trabalho. Imagem I: Fotografia aérea do Posto Indígena Ligeiro 82 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Contexto atual As comunidades indígenas kaingang, através do processo histórico colonizador e de desenvolvimento, foram conduzidas para um contexto de economia dependente baseada na agricultura familiar. Neste processo, houve perda considerável de sua autonomia econômica e, consequentemente, essas comunidades passaram a depender, cada vez mais, das políticas públicas. As roças familiares e o artesanato são atividades em que existe autonomia relativa, em termos de produção. As atividades agrícolas dependem de sementes e insumos que são obtidos através dos órgãos públicos, e o artesanato depende do mercado consumidor das cidades do entorno, onde os indígenas vendem seus balaios. No entanto, as matérias-primas utilizadas para o fabrico do artesanato estão cada vez mais difíceis de serem encontradas. Os artesãos precisam buscálas em locais cada vez mais distantes, principalmente a taquara. Nas Terras Indígenas existem as lavouras mecanizadas e de tração animal e as roças de coivara. Um número considerável de famílias continua a manter suas roças familiares no sistema da coivara, ou lavouras de preparo do solo com tração animal. Mas o grande atrativo são as lavouras mecanizadas, onde há demanda de maquinários e de insumos que são adquiridos no comércio. Em geral, as moradias estão localizadas nos centros das aldeias, para facilitar o acesso das crianças às escolas, ao atendimento de saúde, a água encanada e luz elétrica. A distância entre o local de moradia e o local da roça causa certa dificuldade no trabalho de preparo da roça. Pois, às vezes, os indígenas precisam percorrer quilômetros de distância para preparar a roça. Na maioria das vezes, as lavouras mecanizadas seguem um modelo de desenvolvimento que não atende as expectativas econômicas, ambientais e sociais. Pois, uma lavoura de monocultura convencional requer altos investimentos e, ao mesmo tempo, possui altos riscos como, por exemplo: estiagem, granizo, excesso de chuva principalmente na hora da colheita, degradação do solo, surgimento de pragas, e outros inconvenientes próprios da agricultura. Este contexto remete, cada vez mais, para a necessidade de repensar o modelo de produção e de criar alternativas que sejam economicamente sustentáveis. 83 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Imagem II: Terras Indígenas no Rio Grande do Sul em 2009 (www.funai.gov.br) 84 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Imagem III: Mapa da Terra Indígena Ligeiro 85 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Imagem IV: Mapa da Terra Indígena Carreteiro 86 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG As experiências de desenvolvimento de projetos sustentáveis em terras indígenas e a agricultura orgânica Experiências na perspectiva da agricultura orgânica têm sido desenvolvidas, em algumas Terras Indígenas, principalmente na região amazônica, através de projetos demonstrativos. Conforme análise de Renata Cursio Valente, no que se refere aos projetos sustentáveis desenvolvidos em terras indígenas e que receberam apoio da cooperação técnica da Alemanha, houve mudanças significativas em relação à concepção de desenvolvimento e à forma de promovê-lo. Durante os quarentas anos de cooperação técnica entre a Alemanha e o Brasil foram desenvolvidos 139 projetos destinados a comunidades carentes, entre as quais estariam incluídas as comunidades indígenas. Nos anos 1970, buscava-se o desenvolvimento técnico e tecnológico do campo. Já, nos anos 1980, houve uma revisão no sentido de conceber o desenvolvimento de acordo com a lógica regional e de uma abordagem mais integrada. Nos anos 90, os projetos apresentam as transformações propostas pelo conceito de desenvolvimento sustentável, no qual se promove a integração entre questões ambientais e preocupações sociais. A análise considera a participação dos beneficiários, ou seja, a gestão participativa, um instrumento ligado à eficácia dos resultados e ao alcance dos objetivos propostos pelo projeto. A participação efetiva dos beneficiários na implementação de um projeto e em seu controle social constituem formas de garantia de resultados eficazes e duradouros do trabalho proposto. Um projeto participativo, que envolve os beneficiários em todas as suas etapas, faz com que os mesmos sintam-se parte integrante do processo e estabelecem uma relação de pertencimento e de responsabilidade com as metas e resultados previstos. A autora também analisa, de maneira mais ampla, o avanço das propostas metodológicas, onde os projetos desenvolveriam uma forma de trabalho que pressupõe o associativismo e o cooperativismo. Além de enfatizar a descentralização da gestão (organização da autogestão), atribuindo maior responsabilidade das estruturas municipais e locais, esses projetos envolveriam questões relativas à participação da comunidade em todo o processo, com a perspectiva da sua emancipação. 87 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL A agricultura orgânica apresenta-se como alternativa mais viável de produção sustentável; pois é um sistema de produção que exclui o uso de fertilizantes sintéticos de alta solubilidade e agrotóxicos, reguladores de crescimento e aditivos para a alimentação animal ou de compostos sinteticamente produzidos. O manejo da produção orgânica, sempre que possível, baseia-se no uso de esterco de animais, rotação de culturas, adubação verde, compostagem e controle biológico de pragas e doenças. Busca manter a estrutura e produtividade do solo, trabalhando em harmonia com a natureza. Os fundamentos da agricultura orgânica, ou agroecológica, são estruturados a partir do manejo sustentável da unidade de produção com enfoque sistêmico, que privilegia a preservação ambiental, a agrobiodiversidade, os ciclos biológicos e qualidade de vida humana. O conceito de agricultura orgânica surge com o inglês sir Albert Howard, entre os anos de 1925 e 1930, que trabalhou e pesquisou durante muitos anos na ¸ndia. Este autor ressaltava a importância da utilização da matéria orgânica e da manutenção da vida biológica do solo. Segundo Eduardo Ehlers, debaixo do grande guarda-chuva que é o conceito de agricultura alternativa, insere-se a vertente da agricultura orgânica, E, debaixo deste mesmo guarda-chuva, estão as assim chamadas agriculturas natural, biodinâmica e biológica. No início dos anos 1930, os cientistas alertaram sobre os equívocos do modelo convencional de produção agrícola (uso de adubos químicos, alta mecanização das lavouras, entre outras práticas) e de que não seria este o modelo que garantiria o futuro das terras férteis. Após a 2… Guerra Mundial, os produtos químicos tornaram-se mais conhecidos, com o uso de agrotóxicos na agricultura convencional. Até a década de 1970, os defensores da agricultura sustentável eram ridicularizados. A partir dos anos 1960, começam a surgir indícios de que a agricultura convencional apresenta sérios problemas energéticos, econômicos, e de que a mesma causa crescentes danos ambientais. Deste período em diante, houve crescimento considerável de defensores da agricultura orgânica. O aumento da produção de produtos orgânicos, atualmente, ganhou espaço nas grandes redes de supermercados. Segundo informações disponíveis 88 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG nos portais do IBD - Instituto Biodinâmico3 e Planeta Orgânico4, o mercado de produtos alimentícios orgânicos cresce, em ritmo acelerado, em todo o planeta. Estimativas indicam que o comércio desse tipo de alimentos movimentou US$ 11 bilhões, em 1997, e cerca de 25 bilhões em 2001. Além da possibilidade de expansão no mercado, a produção orgânica preserva o meio ambiente. As comunidades indígenas, historicamente, têm tradição em preservar o meio ambiente. Destinam especial atenção à preservação das espécies silvestres, matas e rios. A agricultura praticada nas terras indígenas é de subsistência, o que se identifica com a agricultura familiar. Dedicam-se à produção de soja, milho, feijão, batata-doce, mandioca, hortaliças, cana de açúcar e à criação de animais (bovinos, suínos e aves). Há a preocupação com a fertilidade do solo, onde as comunidades desenvolvem a rotação de cultura e o plantio consorciado, com dois tipos ou mais de cultura. Experiências de produção agrícola sustentável A experiência que tenho como agricultora começou já na minha infância. Eu tinha de sete para oito anos de idade quando comecei acompanhar meus pais nas tarefas da lavoura. Nossas atividades de produção agrícola caracterizavam-se como agricultura familiar. Produzíamos praticamente todos os produtos necessários para a subsistência da família, tais como: arroz, feijão, trigo, banha, batata doce, mandioca, cana-de-açúcar, soja, milho, pepino, moranga, abóbora etc. Também criávamos suínos, frango caipira, gado para trabalhar na lavoura e gado leiteiro para o consumo. Todo o preparo da lavoura era feito com trabalho braçal. A terra era lavrada com tração animal. Não era usado adubo químico, nem veneno para controle de pragas ou inços. Havia sempre a preocupação com cobertura verde; especialmente no inverno, o solo não podia ficar a descoberto, pois assim o mesmo não enfraquecia e se resguardava da erosão. Também nos preocupávamos em fazer a rotação de culturas; não repetíamos o mesmo tipo de cultura na mesma área, por mais do que dois anos consecutivos. Havia o cuidado com as fases da lua para o plantio 3 4 http://www.novobr.com/ibd http://www.planetaorganico.com.br/ 89 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL e a colheita. A fase da lua nova era a menos aconselhável, tanto para plantio como para a colheita, pois, nessa fase da lua, a produção fica propícia a apresentar caruncho. A seleção das sementes era realizada no momento do plantio, de forma manual. Debulhávamos o milho à mão, aproveitávamos as sementes das partes do meio das espigas maiores. Logo após a colheita, já era separada a parte dos produtos que serviriam para sementes destinadas ao próximo plantio. A armazenagem das sementes era feita em tulhas ou sacas, depois de passar por um processo de secagem ao sol. A semente de feijão era guardada com um pouco de pó para evitar o caruncho. A semente de milho era guardada em espiga, sua seleção era feita na hora do plantio, onde era debulhada à mão e aproveitada a parte do meio da espiga. Não havia nenhuma preocupação em comprar sementes quando chegava a hora do plantio, pois já havíamos planejado todas as condições necessárias para um bom plantio e para uma boa produção. Os alimentos eram produzidos em quantidade e qualidade e, aqueles que chegavam até a mesa, eram resultantes do trabalho coletivo familiar. ¤ medida que eu crescia, também aumentavam minhas responsabilidades nas tarefas de casa e da lavoura. As experiências com o trabalho foram se aprimorando com o passar do tempo. E também os conhecimentos sobre as condições do solo, tipos de solo mais apropriados para determinados cultivos. Meus pais cultivavam por no máximo dois anos seguidos o mesmo tipo de cultura numa determinada extensão de terra e, na maioria das vezes, faziam o cultivo consorciado com dois ou mais tipos de culturas. Acompanhar todo o processo de produção desde preparo do solo, a época de plantio de cada cultura, os cuidados com a limpa e o controle de pragas, gera aprendizados com o domínio de conhecimentos sobre as formas mais adequadas de obter os melhores resultados de produção. Contribui ainda na gestão autônoma da economia, sem ficar refém de grandes empresas interessadas em monopólio do comércio das sementes. Minha mãe tinha a preocupação em não plantar variedades da mesma espécie que florescessem na mesma época em locais próximos. Dizia que „castiçava‰ e perdia a qualidade da semente, ou seja, a mesma deixava de ser pura. 90 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A economia, trabalho e produção funcionavam de forma harmoniosa, mesmo tendo em vista que era uma produção de baixa escala. O solo não apresentava erosão e acidez, pois os cultivos sempre produziam conforme as expectativas. As adubações eram feitas com as palhas dos produtos cultivados no ano anterior, azevém e outros tipos de cobertura de solo. O que provoca o desgaste do solo é deixá-lo a descoberto ou desprotegido. O aprendizado no trabalho e a valorização da terra estabelecem relações de valor e de conhecimento para garantir a produção de alimentos e qualidade de vida para as famílias indígenas agricultoras. Relatos de experiências e depoimentos de indígenas que viveram e que vivem da agricultura Senhora Eva Farias, 57 anos – Terra Indígena Ligeiro Relata que aprendeu a trabalhar na lavoura quando ainda era uma menina. Nesta época, seus pais guardavam sementes de um ano para o outro, pois não havia pragas e, portanto, não eram usados adubos ou venenos, nem mesmo para o controle de pragas ou de inços. Produziam milho, feijão, arroz, mandioca, trigo, moranga, cana-de-açúcar, batata-doce e criavam frangos, gado para o trabalho e suínos para o consumo. Os cuidados para não criar carunchos nos produtos (milho e feijão) se relacionam a observar as fases da lua nos períodos do plantio e da colheita. Tanto as atividades de plantio como as da colheita eram feitas nas fases da lua minguante ou cheia. Relata, com muita tristeza, as dificuldades enfrentadas para produzir alimentos quando tinha seus filhos pequenos, devido à forma de trabalho do SPI, pois seu esposo trabalhava de segunda a sexta-feira para o „panelão‰. Assim, restavam apenas os finais de semana para preparar a roça em que plantavam para o sustento da família. Segundo depoimento da indígena Eva Pinto Félix, do Acampamento Passo Grande do Rio Forquilha/RS, no tempo de seu pai, o preparo da terra para o plantio era feito de forma manual, com arado-de-boi e enxada. Roçavam as capoeiras e preparavam para o plantio. Os inços eram capinados e 91 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL amontoados para secar. Produziam trigo, feijão arroz, milho, soja, mandioca, batata-doce, pipoca e cana. A produção era utilizada para o sustento da família, pois havia pouca comercialização dos produtos. A semente, para o plantio do próximo ano, era separada e armazenada logo após a colheita. No caso do milho, eram escolhidas as espigas maiores e dependuradas no galpão, próximas ao fogo-de-chão. O feijão era armazenado em sacas, onde colocavam umas folhas „de taquara‰, para não carunchar. As sementes que seriam reservadas para o próximo plantio eram separadas e armazenadas em local seco, ainda na hora da colheita. O Senhor Gomercindo Domingues Nunes 62 anos, e sua esposa Loreni dos Santos, 57 anos, são residentes na Terra Indígena Carreteiro Relatam que, já quando crianças, aprenderam a trabalhar na agricultura. Seus pais produziam milho das seguintes espécies; cateto, dente de cachorro, milho vidro, milho palha roxa, caiano, milho branco, milho-pipoca, e outros. Também produziam feijão preto das variedades chumbinho e cavalo, feijão-decorda, feijão vermelho, feijão carioca, feijão-me-acode, e outras variedades. Produziam ainda arroz, trigo, mandioca, batata-doce, abóbora, moranga, pepino, hortaliças, mel, melado etc. Criavam gado, suínos e aves para o consumo. O preparo da lavoura era feito manualmente e não eram usados venenos para o controle de inços ou pragas, pois faziam manejo e controle natural das pragas e inços. As sementes eram guardadas de um ano para o outro. Quando chegava época do plantio, era feito o preparo da terra e escolhiam a melhor fase da lua para plantar que, segundo eles, as mais indicadas são as fases cheia e crescente. As lavouras produziam o suficiente para o sustento das famílias. Os produtos eram comercializados quando produziam em abundância e também eram distribuídos entre os vizinhos. A maior parte dos alimentos consumidos pelo grupo familiar era produzida na própria área indígena. Afirmaram que eles realizavam a troca de sementes entre os vizinhos, para não correrem o risco das sementes enfraquecerem, ou de se perder a qualidade das mesmas. Também havia preocupação, na hora da colheita, quanto às fases da lua, pois nunca colhiam na lua nova, para não carunchar o 92 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG produto. As fases da lua mais apropriadas para plantio são a minguante e a cheia. O armazenamento sempre era realizado em local arejado e seco, para garantir a qualidade das sementes. Não faziam hortas, pois as hortaliças eram produzidas na roça, nos locais onde o solo estava mais adubado pelas palhas dos produtos produzidos anteriormente. Atualmente, essa família produz milho e feijão de diversas espécies (as já citadas), trigo, soja, cana-de-açúcar, mel, leite para comercialização, aveia, moranga, abóbora, hortaliças, banha, ervas medicinais. Criam suínos, frangos e gado para o consumo. Seu Gomercindo referiu-se que, hoje, os jovens não querem mais comer os ẽgoro [verduras do mato], fuva, kumĩ, fỹnh, krunữn etc. A posse de seu Gomercindo está muito bem estruturada, podendo servir como exemplo, para produzir e garantir qualidade de vida de seu núcleo familiar. O trabalho é desenvolvido entre os membros da família. As senhoras Jandira Daniel da Silva, 50 anos, e sua mãe, Fermina Inácio Daniel, 77 anos Nas entrevistas afirmaram que são naturais da Terra Indígena Carreteiro, e que sempre trabalharam na agricultura. Em seus relatos de experiências como agricultoras, informam que sempre produziram o suficiente para o sustento da família. Produziam sem o uso de agrotóxicos, tanto para controle dos inços como para o controle das pragas. Relata que sempre produziram todos os alimentos de uso da família, tais como feijão, milho, arroz, trigo, mel, cana-de-açúcar, aveia, abóbora, banha, moranga, mandioca, batata-doce, lenha, leite. Considerações finais: o sentido coletivo da terra, na perspectiva kaingang Minha idéia, ao fazer esta reflexão das questões históricas, é trazer uma contribuição teórica para que, a partir da análise da realidade, a educação kaingang possa contribuir com a construção da autonomia econômica, com a valorização da cultura e com a ocupação sustentável do espaço territorial. 93 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Segundo considerações trazidas pelo texto „Relação com a terra e relação com o trabalho‰, inserido na publicação Kanhgág Ag Venh Kógan Kar Ag Venhgrén: Pintura e Dança Kaingang (Silva, 2009, p. 58-59), o povo kaingang atribui à terra um valor fundamental, pois é nela que são desenvolvidas todas as práticas socioculturais e linguísticas. Desta forma, a função da terra não é produzir riquezas; a terra é um espaço de produção física e cultural. Antigamente, não existiam limites territoriais para os povos indígenas. Os grupos indígenas circulavam nos territórios a fim de aproveitar os recursos naturais disponíveis no meio ambiente. As decisões de ocupação territorial eram tomadas a partir das necessidades materiais e socioculturais de cada comunidade. Com a colonização, o modelo de ocupação territorial europeu exerceu pressão e interferência, provocando mudanças no modelo de produção e de ocupação territorial kaingang, que passou a adotar o modelo de propriedade particular e priorizar o cultivo de monoculturas. Essa prática enfraqueceu o solo, além de ter acarretado o desequilíbrio do ecossistema. O atual contexto de ocupação territorial kaingang requer mudanças no que diz respeito ao modelo de produção. Pois, para garantir a produção de alimentos em quantidade e com qualidade, é necessário o cultivo de diferentes variedades de sementes, privilegiando sempre as sementes tradicionais. Segundo a antropóloga Juracilda Veiga, em seu texto sobre o sentido coletivo da terra, os indígenas não conheciam a propriedade privada da terra. Tradicionalmente, para os kaingang, a terra é de ocupação coletiva. No que se refere ao acesso a terra, as relações de parentesco cumpriam um papel decisivo, organizando a forma do trabalho e da apropriação dos produtos dele originados. Os kaingang estavam e continuam divididos em grupos aliados de irmãos e cunhados, sob chefia de um determinado pãÊi (liderança). A terra era ocupada por esse grupo e, quando houvesse conflito irreconciliável, os rebelados, liderados por outro chefe, procuravam um lugar mais afastado, dentro da área conhecida, para instalarem sua aldeia. Os grupos políticos kaingang estavam estabelecidos em determinadas áreas compreendidas por uma aldeia fixa, e por vários acampamentos, que as famílias extensas costumavam percorrer durante o ano. O cultivo da terra e a repartição dos recursos obtidos com o plantio, a caça, a pesca e a coleta, eram regrados pelas relações sociais 94 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG derivadas do parentesco, de modo que não se conheciam nem o aproveitamento individual da terra, nem a apropriação individual de seus produtos. A apropriação da terra é coletiva, mas cada família cultivava uma determinada área de terra, comum, que é posse sua enquanto deseje cultivar, e que pode ser cedida para alguém da mesma família plantar, em caso de mudança para outra aldeia. No caso de uma área de terra abandonada por um antigo dono, a posse da terra era reconhecida como „roça velha‰ de quem a cultivava. Nossa relação com a terra é uma construção recíproca de vida, interligada por uma espécie de cordão umbilical, como aquele que é enterrado assim que nascemos. Também crescemos em contato direto com a terra. ¤ medida que aprendemos a trabalhar na terra, aprendemos também que dela podemos prover nosso sustento. Tudo que se planta colhe, pois a terra é o legado natural, e é dela que podemos retirar os produtos necessários para termos vida em abundância. Ainda segundo a antropóloga Juracilda Veiga, os Kaingang mantêm, com seu território, vínculos místicos e cosmológicos. Por esse motivo, uma terra não é igual à outra, e nem mesmo lhes interessaria uma troca por terra que fosse superior em valor de mercado. A terra que o Kaingang deseja é a sua terra, à qual ele está ligado desde o nascimento e a qual compreende seu destino após a morte. Assim, pode-se dizer, que os Kaingang pertencem à terra onde nascem e onde têm seus umbigos enterrados: essa terra é sua pátria por direito de nascimento. O ordenamento jurídico brasileiro garante, às comunidades indígenas, a posse coletiva sobre as terras que tradicionalmente ocupam. No entanto, atualmente, é possível observar que há, nas comunidades indígenas, imensas áreas com plantações extensivas cuja produção ou renda não reverte ao conjunto da comunidade. Observa-se ainda, cada vez mais, a procura dos indígenas por trabalho assalariado, fora das aldeias, e, consequentemente, estes vão abandonando as atividades nas lavouras familiares. Esse contexto requer atenção e preocupação que nos remetem para espaços de constantes reflexões e tomada de decisão quanto ao modelo atual da posse da terra e quanto aos sistemas de produção. Pois, estas reflexões nos possibilitarão a tomada de decisões conscientes, para repensar e organizar a 95 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL posse da terra, construindo alternativas sustentáveis de produção para as famílias indígenas, melhorando assim a qualidade de vida, e fortalecendo a autonomia econômica. Referências FREITAS, Ana Elisa de Castro e. (Org.) Povos Indígenas na Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Núcleo de Políticas Públicas para os Povos Indígenas. Coordenação de Direitos Humanos. Secretaria Municipal de direitos Humanos e Segurança Urbana. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre, 2008. SILVA, André Luis Freitas da; et al (Org.) Kanhgág Ag Venh Kógan Kar Ag Venhgrén: Pintura e Dança Kaingang. 1. ed. Santo ˜ngelo - RS: FURI - Santo ˜ngelo, 2009. v. 1, 132p. VEIGA, Juracilda; DÊANGELIS, Vilmar R. (orgs.). Escola indígena, identidade ética e autonomia. Campinas, SP: Associação de Leitura do Brasil; Instituto de Estudo e Linguagem/UNICAMP, 2003. VEIGA, Juracilda; DÊANGELIS, Vilmar R. (orgs.) Encontro Sobre Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas. Campinas, UNICAMP, 2005. 96 III PARTE ẼG VĨ KI K‹MÉN SĨNVĨ HAN AS ARTES DA PALAVRA NO KAINGANG Márcia GojtẼn Nascimento1 Resumo A presente monografia é uma introdução ao estudo e documentação da língua kaingang, mais especificamente as Artes da Palavra, dentro da tradição oral. Analisa os diferentes gêneros de discurso dentro da língua kaingang como, por exemplo, os diferentes tipos de narrativas, cantos, rezas etc.; e busca mostrar as especificidades do uso elaborado da língua, as complexidades da oralidade que estão por trás do aparente uso comum da língua. Palavras-chave Kaingang – linguagem – tradição oral. Abstract The present monograph is an introduction to kaingang language study and documentation more specifically on The Art of the Word within oral 1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: [email protected] CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL tradition. It analyses the different sorts of discussion in kaingang language as, for instance, the different kinds of narratives, chants, prayers etc., and intends to show the specificities of the elaborated use of the language and the complexities of speech which is behind the apparent common use of language. Key-words Kaingang – language - oral tradition. Introdução: A Arte da Palavra no Kaingang A língua kaingang pertence à família linguística Jê e apresenta cinco dialetos já detectados e descritos por alguns linguistas2. Esses dialetos são distribuídos por uma população de quase 30 mil kaingang que habitam a região sul do país e parte do estado de São Paulo. Os kaingang sozinhos representam cerca de 45% de toda a população dos povos de língua jê, e estão entre os 5 povos indígenas mais populosos do Brasil. (DÊAngelis, 2002). A língua kaingang é considerada umas das línguas indígenas com maior número de falantes no Brasil. Um dado que é um tanto tranquilizador para os kaingang, que já viram seu idioma num estágio de crise muito preocupante, inclusive num passado não tão distante. Porém, segundo os mais recentes estudos e discussões sobre a sobrevivência das línguas minoritárias, em cenário global, quase a totalidade das línguas indígenas faladas no Brasil são consideradas „línguas em perigo de extinção‰. Segundo Franchetto (2004), na verdade, qualquer língua minoritária em uma situação de dominação colonial deveria ser considerada „em perigo (de extinção)‰ ou „comprometida‰. Mesmo A linguísta Ursula Wiesemann (1967; 1978) foi responsável pelo estudo da gramática kaingang e pela implantação da escrita dessa língua, classificando-a em cinco dialetos: (1) de São Paulo (SP), entre os rios Tietê e Paranapanema; (2) do Paraná (PR), entre os rios Paranapanema e Iguaçu; (3) Dialeto Central (C), entre os rios Iguaçu e Uruguai, Estado de Santa Catarina; (4) Dialeto Sudoeste (SO), ao sul do rio Uruguai e a oeste do rio Passo Fundo, Estado do Rio Grande do Sul; e (5) o Dialeto Sudeste (SE), ao sul do rio Uruguai e leste do rio Passo Fundo. (disponível em www.socioambiental.org). 2 100 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG as línguas ainda aparentemente seguras podem mostrar sinais de crise, que podem, com o tempo, resultar em extinção linguística (e cultural). Essas previsões se tornam mais preocupantes quando nos deparamos com um histórico bastante devastador desde os primeiros contatos com a sociedade envolvente, de políticas educacionais de enfraquecimento das línguas e culturas indígenas. A partir da década de 1970, o movimento indígena tem conseguido mudar conceitos e os direcionamentos dessas políticas. Mas, na prática e em muitos estados, as antigas políticas de transição linguística ainda estão em pleno vigor, sobrepondo-se aos direitos conquistados na legislação. Nesse sentido, o intuito é de poder estar contribuindo de alguma forma para a revitalização dessas línguas. Com este trabalho pretendemos, a princípio, socializar algumas experiências que julgamos muito válidas, em especial aos professores indígenas, tanto nas aulas com seus alunos como em sua tarefa de pesquisadores. Consideramos que em um „construir educação‰, como é o caso da educação escolar kaingang, a mesma deve estar alicerçada no estudo de sua cultura, sua história e língua, em interface com os conhecimentos da sociedade envolvente, tendo então como base o estudo e a pesquisa. Todavia, não temos percebido grandes avanços nas políticas educacionais/linguísticas com essa perspectiva (a salvo as iniciativas isoladas de organizações independentes). Sentimos, então, a necessidade de despertar uma reflexão mais crítica em torno da importância da pesquisa e documentação de línguas e culturas indígenas. Posteriormente, entraremos então no tema propriamente dito, que é uma introdução „As Artes da Palavra‰, fazendo uma relação com a literatura. Esse termo é utilizado, no presente estudo, parafraseando Franchetto (2003). Nos capítulos que seguem, será feita uma exemplificação das construções textuais elaborados na oralidade da língua kaingang, como, por exemplo, os diferentes tipos de narrativas, cantos, rezas etc. Vamos também fazer um breve estudo e análise das construções gramaticais que venham a caracterizar os diferentes tipos de textos, como termos específicos da língua kaingang que por ventura possamos detectar estarem classificando esses textos. Do material de pesquisa aqui analisado, a maior parte foi coletada em campo e o restante constitui de material publicado (como cd de áudio). 101 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Um Breve Histórico da Escrita da Língua Kaingang No final da década de 1950, a línguísta Ursula Wiessemann deu início ao estudo da ortografia e gramática da língua kaingang, sendo a responsável pela implantação da escrita dessa língua e, posteriormente pela implantação do Ensino Bilíngue em todas as escolas Kaingang a partir da década de 1970. O Ensino Bilíngue, inicialmente, não tinha outra finalidade a não ser o de facilitar e acelerar o processo de aprendizagem da língua portuguesa, pelas crianças indígenas, introduzindo primeiro a língua kaingang nas primeiras duas séries e, logo que se dessem por alfabetizados, era substituída pela língua portuguesa. Essa política de educação caracterizou-se como uma estratégia de políticas para o abandono da língua materna. Como é claramente colocado por DÊAngelis: As pressões sobre a sociedade kaingang não foram, porém, apenas aquelas da discriminação, mas também configuram-se em políticas sistemáticas para que os índios deixassem de falar a língua materna. Curiosamente, a escola primária, presentes em diversas comunidades kaingang pelo menos desde a década de 30, e amplamente generalizada nas décadas de 50 e 60, tornou-se efetivamente eficiente como instrumento de pressão contra a manutenção da língua indígena quando passou a ser bilíngue, nos anos 70. (DÊAngelis, 2002). Para garantir o sucesso do ensino bilíngue, em 1970 deu-se início a formação dos primeiros monitores bilíngues3 em nível de 1À grau. Os próprios indígenas estavam sendo qualificados para servirem de instrumento direto no processo de integração e abandono da língua4. Iniciativa do SIL (Summer Institute of Linguistics) através da concretização do projeto denominado Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão, Terra Indígena Guarita, no município de Tenente Portela –RS. 4 Sobre essa experiência, o ensino bilíngue, Andila Inácio Belfort, aluna da primeira turma de formação de professores bilíngues diz: “Entendemos hoje que a criação do projeto de formação de professores indígenas tinha o objetivo de abreviar a alfabetização bem como o período de transição da língua kaingang para o português das crianças indígenas, com isso a FUNAI apressaria a integração e a IECLB, a evangelização do povo kaingang”. (Citado em Belfort, 2005). 3 102 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A realidade do ensino, enfim, da Educação Escolar indígena, é bem diferente na atualidade. São bem presentes as iniciativas e o anseio para tornar o ensino especifico e diferenciado bem concreto nas escolas das comunidades, e reverter a função devastadora que a princípio o ensino bilíngue exercia. Sem dúvida, são muito relevantes as iniciativas de professores indígenas que buscam por si próprios, condições para efetivar projetos de fortalecimento e revitalização lingüística e cultural, ultrapassando dessa maneira as „limitações‰ e deficiências que o sistema educacional ainda carrega. Da mesma forma, ressaltamos a importância das iniciativas bem sucedidas de instituições e organizações independentes, que inclusive são bem raras aqui na região Sul. Contudo, o que temos de concreto hoje, se torna muito pequeno diante da gravidade da situação que se apresenta. As sequelas e consequências são muitas. É preciso que se dê de fato o devido respeito à diversidade cultural e linguística do país. Tratar com a devida importância de patrimônios da humanidade que se perdem sem possibilidade de resgate. A avaliação dos linguistas em relação à sobrevivência das línguas minoritárias é muito preocupante. De acordo com Franchetto (2004), mesmo em casos de extrema urgência, em que há um sério risco de perda ou até mesmo já houve extinção, não há ações direcionadas. Em um nível geral, no Brasil, não há nenhum programa consistente e monitorado para a revitalização linguística, onde ela ainda é possível; nem qualquer tipo de acompanhamento e análise das experiências espontâneas que podem estar ocorrendo. No caso da língua kaingang, os „sinais de perigo‰ estão bem visíveis em vários aspectos. Apesar de ter um bom número de falantes, a língua kaingang vem perdendo espaços importantes para a língua portuguesa. As gerações mais jovens, filhos de casamentos com fóg tendem a falar somente o português. O cotidiano tradicional familiar, pode-se dizer assim, também vem se transformando. Como por exemplo, as visitas noturnas entre as famílias que propiciavam às crianças ouvirem as narrativas, já ocorrem de maneira raríssima. Escolas têm optado por ministrar a alfabetização (de crianças que têm o kaingang como língua materna) na língua portuguesa, por falta de recursos eficientes para o ensino da língua kaingang. E ainda temos nas escolas uma clientela que chega cada vez mais „exigente‰, por serem de uma geração que 103 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL convive e se utilizam das praticidades que tecnologias modernas proporcionam e que a escola não consegue acompanhar. Da mesma forma, encontramos muitas dificuldades no desenvolvimento da literatura escrita da língua e no estudo de sua gramática. Por mais que os professores kaingang, que ministram o ensino bilíngue, tenham formação superior, eles não possuem formação específica sobre a gramática da língua, trazendo somente o conhecimento linguístico obtido no ensino fundamental. A salvo aqueles professores que se formaram em curso de magistério específico (e alguns em curso superior), e que tiveram uma formação mais direcionada. Diante disso, abrem-se lacunas nesse amplo território da tradição oral das línguas indígenas. Alguns gêneros continuam em evidência, e outros vão ficando guardados nas memórias dos mais velhos, como as narrativas sagradas, mitos e lendas. É preciso então que se pense em estratégias para trazê-las de volta aos ouvidos dos mais jovens, para que se encantem com este mundo onde o real e a magia seguem entrelaçados. Relato de uma experiência produtiva Em 2007, preparamos na Escola Estadual Indígena Pẽró Ga (na comunidade da Aldeia Bananeiras – Terra Indígena Nonoai, município de Gramado dos Loureiros – RS), uma programação para os alunos da 4… série, já que os mesmos estavam se despedindo da escola e indo para outra escola não indígena fora da aldeia. Achamos que deveríamos fazer alguma coisa diferente e ao mesmo tempo algo que soasse importante para essa nova fase da vida deles, uma vez que sair da aldeia para estudar ainda é uma dificuldade bem presente para os adolescentes dessa comunidade. Preparamos então uma „Noite Cultural‰. Convidamos o senhor Jorge Garcia para passar a noite com a gente na escola e conversar com as crianças. O senhor Jorge Garcia é uns dos últimos kujá (pajé) que temos na região, é da metade kamẽ (rá téj) e é descendente de Kaingang com Guarani. É fluente nas duas línguas indígenas e também no português. A sua trajetória de vida e de sua família é marcada pela participação ativa na história de luta na 104 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG região onde cresceu. Dedica-se, atualmente, a repassar os conhecimentos adquiridos em sua experiência de vida às gerações mais jovens. Apesar de existirem ainda alguns kujás, dificilmente se vê a realização de um ritual devido a vários motivos, como influência religiosa, a preferência da população pela medicina convencional, e assim por diante. Para a programação da noite, pedimos que ele, após sua fala, cozinhasse algumas ervas para que as crianças pudessem ver e experimentar, já que nunca haviam visto um kujá realizando um ritual. Ficamos um pouco apreensivos sobre qual seria a reação dos alunos diante do ritual do cozimento das ervas e purificação, pois a maioria das crianças e seus familiares frequentam igrejas evangélicas onde, muitas vezes, existe choque de conceitos e crenças. Preparamos um ambiente típico das noites kaingang: fogo de chão, pri (espécie de esteira de folhas de coqueiro) para as crianças se sentarem ou deitarem. Enquanto o ẽmĩ (bolo) assava na cinza para ser servido mais tarde, o Sr. Jorge começou sua apresentação. Tão logo iniciou a programação, nos surpreendemos ao ver todos receberem essa experiência de maneira absolutamente normal, caracterizada pela ansiedade e satisfação de viver, de se apropriar de algo que sempre fora seu. E o modo como foi apreciado pelos adultos. Foi um momento de reencontro mesmo. Para as crianças, foi mágico receberem, do próprio kujá, as pinturas dos clãs. Vimos o ambiente escolar transformar-se num espaço de vivência cultural. Foi uma palestra com muita qualidade, com uma programação bem diversificada: começando pelo aconselhamento, seguido de cantos, ritual do banho com remédios, momento das narrativas e, depois, o jantar. Foram cinco horas sem intervalo, e, mesmo assim, as crianças não dispersaram a atenção em nenhum momento. Tudo isso se deve ao talento nato do palestrante. Ou quem sabe a uma identificação guardada na memória ancestral de cada participante? Gĩr jyvãn – Aconselhamento para crianças A seguir, temos transcritos trechos da fala do seu Jorge Garcia, no qual, conforme a análise detecta ser, esse discurso, uma variante da Narrativa Kaingang, ao que chamamos de „Jyvãn‰ (aconselhamento). 105 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Com essas palavras deu início à sua palestra: Havé! Ũri sỹ ãjag vej kãtĩg ha. Kófa ti. Tỹ ija jag vovo nĩ ham. Tỹ ija ajag gufã si nĩ. Havé, inh kófa vera ha! Sỹ jag jẽÊỹn kãããn mỹr ser ham, inh kanhkã krã hã tỹ tỹ jag nỹtĩ ha. Kỹ tỹ inh mỹ ha tỹÊĩ tĩ isỹ jag kãkã jãn kỹ ha, sanh há hara. Sa jag mỹ vãmén jé, kỹ jẽmẽm nĩ, keja! Inh pi ajag mỹ ón! Sa kejãn nén ũ tón kỹ, ki hã sỹ vãmén. Inh pi kejẽn ũ mỹ un-ón ge nĩ. Hãra jag tỹ tỹ inh krẽ kãsir nỹtĩ, kỹ tỹ inh mỹ ha tỹvĩ tĩ. Kỹ ajag jykre ki vin nĩ, inh vãmer tỹ. Mỹ ke!? KejaÊ! kỹ tỹ sĩnvĩ tĩj. Ajag tỹ inh rikén vẽjẽÊỹn gen vẽ. Vera ha! Tỹ ẽg tỹ kanhgág nỹtĩ. Ẽg pi tỹ ũ nỹtĩ ham, tỹ jag kanhkã kar ẽg tỹ nỹtĩ. Ẽg jamré ag, ẽg kanhkã ag, kamẽ, kanhrukrẽ ke jé ẽg ne tóg ham. Kỹ tỹ sĩnvĩ tĩ, ẽg tỹ tag ki kanhrãn kỹ. Kỹ ajag jykre ki vin nĩ. Ajag nỹ, ajag jóg ki jãmãm nĩ. „Vovo tỹ ki há mỹʉ kem nĩ fag mỹ. Kỹ fag tỹ ajag mỹ tój. Vỹsỹ ẽg tũ vẽ hamã, kanhgág ag tỹ jag jãÊỹn fã vã. Hã ki ja tĩ nĩ ver. Hã ki ja sanh há nĩ. Ke jaÊ! Kỹ inh jãmãm nĩ. Inh pi fagnĩnh mỹ inh pi ajag, ajag mỹ vãmén ge nĩ ham. Inh mỹ sĩ hã ve kỹ ija ser ãjag kãkã jã kỹ, inh sanh há hãra ver ãjag mỹ vãmén jãn ha. (...) Ũn tỹ tỹ kanhgág tỹ, nãn mré ẽg tỹ sa nĩ ham. Nãn ga, ke jé ẽg ne tóg ham. Ti kikaró kaaar jag tỹ nỹ tĩ, jẽsĩ ag mré hẽ: fẽr, grun, ỹ... nén ũ karÊ kikaró ãg tỹ nỹ tĩ ham. Kar tỹ ẽg kikaró nĩ gé. Tin hãnrike ãn kikaró ãg tỹ nỹtĩ, jo fóg ag pi kikaró nỹ tĩ ham. Ti ne ẽg to fỹ ke nẽ ham. Ẽg to mryg jé tóg mũ gé. Hara ẽg tỹ kikarón ti tỹ ẽg mỹ nén ũ vãnhmỹ, ẽg mré vĩ rike tỹ nĩ gé. Havé tỹ ija kujá nĩ kỹ ja kikaró nĩ nén ũ tỹ hãnrikej ke ãn ti, hara ũ pi inh (kri) fig tĩ gé ham. (...) (...) ajag tỹ ajag jẽÊỹn kej ke vã ser ham. Ke jaÊ! Inh rikén. Mỹr, kãnhmar végtũ kej mỹÊ. ‹jag hã nỹ mĩ mũj mỹÊ. Kỹ inh vĩ jẽmẽm nĩ! 106 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG „Kófa nĩ vé ge ja nĩg‰, ke jaÊ! Kỹ han sór nĩ, ajag! Kỹ tỹ sĩnvĩ tĩj. Kanhgág vãfor kamãg nĩ. Ẽg pi hã ki fóg ag rikej ke ve nĩ ham. Tugnỹm kãn sỹ tĩ, tãmĩ. Hỹ! Kỹ inh vĩ tag jãmã há han nĩ ham. Ajag eskora ra mũ kỹ jag professora fag vĩ jẽmẽm nĩ gé, ajag nỹ riken vã gé. Kar estuda ke há han nĩ. (...) Jo inh pi kikaró nĩ ham, vé inh nĩ ajag... ihã kikaró nĩ, tag, ẽg ga kãmĩ ẽg kanhgág, ẽg tỹ jagnã to há, ẽg tỹ jagnã mré há, ẽg tỹ ẽg jamré, ẽg kanhkã, ẽg ve fag, ẽg má fag, ẽg nỹ... Tag hã kikaró inh nĩ ham. Haran pi mág nĩ gé ham, inh vẽnhrán kórég nĩn, ke mỹr inh(...).Kỹ vỹsãnsãn nĩ ãjag, tag nón. Tỹ ũ nĩÊ, tỹ ũ nĩÊ ke tỹ mũ hamã. Hara tỹ kejãn há kej mũ, ajag mỹ, ajag tỹ inh vĩ jẽmẽn kỹ. Jo jag tỹ jẽmẽg tũn kỹ, hãrej? Jo ija kãnhmar vén kej mỹÊ, inh pi ajag mré ge tĩj, mỹr isĩg gen hỹnỹÊ, ajag... ãmã ũ ra kegé. Kỹ inh pi vej ke mũ ham. Kỹ tỹ, vãsãnsãn nĩ. Jag tỹ tỹ gĩr tag tỹ inh mỹ sĩnvĩĩĩ tỹÊĩ nỹtĩ ham. Ne pi inh mỹ tag rike nĩ ha. Isỹ tãmĩ tĩg han, hara ja tag vég tũn ver, ajag tỹ kanhgág tỹÊĩ tỹ ki nĩn ha. Ke jaÊ! Kỹ tỹ inh mỹ sĩ tĩ, ẽg tỹ kanhgág tag ver. Tradução Hoje vim visitar vocês. Sou avô de vocês, sou a geração velha do tempo de vocês. Olhem! Olhem para a minha velhice. Eu presenciei o crescimento de todos vocês. Vocês são filhos da minha gente. Estou muito feliz por poder estar aqui hoje com vocês, com essa idade bem avançada que tenho hoje. Vou falar pra vocês, então me escutem. Não vou mentir para vocês. Sempre falo o que é correto. Não tenho motivos pra falar mentiras. Vocês são os meus filhinhos e por isso estou muito feliz. Então guardem em suas mentes o que contarei a vocês. Porque assim será bonito, belo... De agora em diante, assim como eu fiz, vocês cuidarão um do outro. 107 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Reparem, nós somos todos kaingang. Não somos diferentes um do outro. Lembrem, somos todos irmãos, parentes. Somos cunhados, irmãos. Devemos nos lembrar de kamẽ e kanhru. É bonito quando aprendemos isso (tudo está em seu devido lugar quando aprendemos isso). Portanto guardem em suas mentes. Perguntem a seus pais sobre o que o vovô está dizendo e eles comtarão a vocês. Isso são coisas nossas. Cuidar um do outro são coisas dos kaingang desde antigamente. E ainda vivo seguindo isso, até estar velho agora. (...) Todo o kaingang sabe que tem algo em comum com a mata, o ser espiritual da mata. Todos vocês o conhecem. Até os pássaros o conhecem. E ele também sabe de nós. Sabemos quando acontece algo, e os fóg já não percebem isso. Ele chora, se manifesta pra nós. E entendemos o que quer dizer. É como se falasse com a gente. Sou kujá e sei prever o que está para acontecer. Mas já não acreditam mais no que eu falo. Chegou o momento de vocês cuidarem uns aos outros, como eu fiz. Pois logo não me verão por aqui. Vocês é que ficarão por aqui. Então escutem e guardem o que estou dizendo a vocês. „Assim dizia o velho!‰ digam isso (e tentem seguir o que eu vos ensinei). E será bonito. Não permitam que o kaingang se perca. Nunca devemos tentar ser como os fóg, não há razão alguma para isso. Já observei em toda parte. Sim! Então ouçam bem o que estou dizendo a vocês. E, quando forem à escola, ouçam bem seus professores também, eles são como os seus pais e, estudem bem. Ao contrário de vocês, eu não tenho esse conhecimento. ¤s vezes, os fóg me chamam, mas não sei sobre a escrita. Eu só sei sobre ser kaingang em nossas terras, que é viver em harmonia um com o outro, cuidando dos irmãos, dos pais, dos cunhados, das sogras... . Só entendo sobre isto. Mas isto, às vezes não é suficiente (não é grande coisa), pois não sei escrever. Então se esforcem em busca dos estudos. ¤s vezes é complicado, mas tudo se ajeitará se vocês guardarem em suas mentes tudo que eu lhes disse. E, eu tombarei em breve. Não ficarei aqui com vocês pra sempre, pois já é tempo de eu ir, e não verei o que está para acontecer. Então sejam persistentes. Vocês, crianças, são muito lindas pra mim, não há nada igual pra mim. Andei muito e não encontrei nada igual a isto: um 108 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG lugar cheio só de kaingang. Por isso estou muito feliz por ainda sermos kaingang. Essa „fala‰ é um tipo de discurso específico dos chefes/lideranças, kujá, anciãos. É um gênero de discurso denominado jyvãn, traduzido por aconselhamento. A realização desse discurso, público, é restrita aos homens. É cultural a mulher kaingang ser mais preservada quanto à exposição pública, garantindo sua participação de maneira mais discreta. Quem realiza esse discurso são pessoas que obtém uma boa conduta na sociedade. São pessoas com prestígio social. Percebe-se uma relação entre velhice, experiência e sabedoria. Nesse texto encontramos expressões que parecem ser específicas desse gênero, jyvãn. Observe os exemplos: Mỹ ke ja! Inh vĩ tag tỹ ãjag jykre ki vin nĩ. (Guardem minhas palavras em suas mentes) Kỹ inh vĩ tag jẽmẽ há han nĩ. (Por isso, preste atenção em minhas palavras) Hamẽ! Jyvãn - Aconselhamento em cerimônias de casamento Temos aqui uma variante do gênero jyvãn/aconselhamento, visto anteriormente. Um pouco semelhante ao aconselhamento de crianças, este se dá nas cerimônias de casamento. Entre as metades clânicas, o casamento se dá entre pessoas de lados opostos e, o aconselhamento é feito pelos jóg (ancião pertencente à mesma metade de cada um) dos noivos. Neste caso, o noivo é de metade kamẽ e seu conselheiro, então, é um ancião também da mesma metade. 109 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Os trechos a seguir são de um aconselhamento realizado por Nízio Kẽrán, num casamento que aconteceu em maio de 2007, em Nonoai. O conselho foi para o noivo. Ũri... Inh kósin, Ũri ija ã mỹ, ã mỹ vãmén mỹ, hamã, inh kósin. Ũri... ẽg tỹ jagmré mỹsinsér kãn ham, ã tỹ, ã kakrã ti krã, ti kósin fi tỹ vãsusa tag tu, inh kósin, ham. Ũri ã tỹ, kósin fi tỹ ũri, ã mỹnh fi riken kỹ fi tỹ nĩj mũ gé. Ũri ã tỹ, ũ tỹ ã mỹ nén ũ han ge mũ fi vỹ tỹ ũri inh kósin fi nỹ, inh kósin. Ũri ã tỹ tỹ fi kafã nĩ, ã! (...) Ũri ã tỹ tỹ fi panh ri ke nĩ gé. Ke mũn kã ã tỹ ũri... fi jãÊỹn há han nĩ. ‹ kakrã mỹ fi jãÊỹn há han nĩ. ‹ má fi mỹ fi kósin fi jãÊỹn há han nĩ. Kỹ tỹ inh mỹ há tĩj, „inh kósin ne sỹ ti mỹ vĩ jãmã jan‰, ke jóg. Tradução Hoje, meu filho... Hoje, meu filho! Te direi algumas palavras. Hoje, juntos nos alegramos, pois você tornou a filha do seu sogro, parte sua. A partir de hoje, esta filha, será como sua mãe. 110 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A partir de hoje, esta, cuidará de você. E você será o parceiro dela. Hoje você será também, como um pai pra ela. (...) Assim, cuide bem dela. Cuide bem dela para o seu sogro e para sua sogra. E assim ficarei contente. „Meu filho ouviu e guardou as minhas palavras‰, assim direi, então. Nesse discurso, percebemos a poética através da repetição de versos, através dos ritmos e entonação. Tipos de Narrativa - Gufã Na língua kaingang existe a palavra kãmén, que pode ser traduzida por „contar, dar notícias, explicar‰. Kãmén vem da palavra kãme, que significa „história‰ (a ser contada). Por exemplo: „Pĩ Kãme‰ (História do Fogo). A palavra kãme é característica do gênero narrativo. Toda narrativa é finalizada com a presença dessa palavra, em frases como: „Hãvẽ ser, Pĩ Kãme ti‰ (esta é, então, a História do Fogo). Na cultura kaingang, conseguimos identificar, até então, três tipos de narrativas. Primeiro temos as denominadas gufã, que quer dizer ancestral. São narrativas que contam as origens, nos tempos ancestrais, e relatam fatos de tempos mais antigos. Dentro do gênero gufã, temos também as fábulas. Temos também as narrativas chamadas Ti si kãme, que são as histórias antigas e verdadeiras. Outro gênero, que corresponde às narrativas engraçadas – inventadas, mentiras –, é conhecido como vẽnh óÊ. Distinguimos um jeito específico de contar os gufã. Sempre há um ou mais interlocutores que, a cada episódio contado, responde(m) ao narrador. As narrativas que relatam tempos ancestrais geralmente iniciam-se com essa expressão: „Gufã vỹ nĩg tĩ!‰ (Havia um ancestral). Em seguida, o interlocutor 111 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL responde, falando „eʉ como se estivesse dizendo „sim, conte-me mais‰. Assim, se segue por toda a narrativa. Veja, a seguir, o trecho que fala dos primeiros contatos com os fóg (brancos). Gufã vỹ nĩg tĩ! EÊ Kỹ kófa tỹÊĩ fi ne tỹ kẽ nĩg tĩ. EÊ! Kỹ fi tỹ kajãr jẽÊỹn nĩg tĩ. Kajãr mag tỹ ge jã haÊ EÊ! Hara tỹ fi vĩ kikaró nĩg tĩ. Fi tỹ ti jãnãn kỹ tỹ fi mỹ tĩ tĩ, nén ũ nón. Kakanã, mỹg mág... Ti tỹ mỹg ve kỹ tỹ ser ve kónãn tĩ jé tóg, nón. Kãj sĩ... kãj sĩ hanja fi tỹ nĩg ti mỹ. kỹ fi tỹ ser ti nunh to sa ja nĩg. Kỹ ti ne tỹ tu kỹ tĩg tĩ. Hara fãn kỹ tỹ tũ kỹ(kã tĩg kỹ tỹ) fi mỹ jun. kỹ fi tỹ koj ser, kófa fi. EÊ! Tradução livre Havia um ancestral. Então havia ali, uma mulher bem velhinha. Ela criava um macaco. Um macaco grande. Ele entendia a fala dela. Quando mandado, ele obedecia, indo em busca das coisas. Frutas, mel... Quando encontrava uma abelha, saía atrás, e dava um jeito de melar. Ela havia feito um cestinho pra ele. E havia amarrado no pescoço dele. Então, ele vivia carregando aquilo. Enchia e trazia pra ela, sempre. E ela, então, comia. 112 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Os episódios vão ficando cada vez mais longos, acrescentando-se mais e mais acontecimentos, consecutivamente. A interferência do interlocutor parece separar cada episódio. Veja, a seguir, uma versão escrita da fábula Pépo mré Jãtã (O Sapo e o Corvo). Essa versão foi escrita pelo professor Volmar da Silva. Pépo mré jãtã Kỹ pépo mré jãtã ag tóg jagnẽ mré mũg tĩ. Hãra ag tóg vẽkyn kyn há ja nỹtĩ kỹ ag tóg jagnã mré majre mĩ vẽkyn kyn mũ tĩ . kỹ ag tóg jagnẽ kón ũ fag namora ke keti. Hãra pépo ti tũ fi tóg ta há janĩ javo jãtã ti tũ fi tóg kórég ja nĩ . kỹ jãtã vỹ pépo ti tu fi ki vẽÊ ĩg mũ. Hãra jãtã tóg ẽkrég tĩ ja n,ĩ pépo ti tũ fi tu. Kỹ jãtã tóg „inh hãn majre han kanhkã ta‰, kemũ. Mỹr pépo pi tã há nĩ ke tóg mũ . „kỹ sỹ ti tũ fi mré vĩj mũ‰, ke tóg, jãtã ti. Kỹ jãtã tóg pépo mỹ kurã tỹ ẽg ge kã ẽg tóg kanhkã tá majre nỹti ke mũ. Kỹ jãtã tóg „ã mỹ tĩg‰, kemũ. kỹ pépo tóg „tĩg ja mũ‰ kemũ . kỹ jãtã tóg pépo mỹ „ã mỹ hẽren kỹ tĩg‰ mũ kemũ . kỹ pépo tóg ti mỹ sỹ tĩg gen ve jé mũ kemũ‰. Kỹ jãtã tóg ti mỹ „sỹ ã pi tĩg mũ‰ kemũ hãra pépo tóg inh hã jãtã mỹ ge keja fã nĩg nĩ . Kỹ pépo tóg jãtã mỹ inh vĩ jẽmẽj ke ã tóg nĩ hãra kemũ .kỹ jãtã tóg „emẽ‰, kemũ .Kỹ pépo tóg jãtã mỹ „ã tĩ gen kỹ ã vẽkyn fã ty jãnkã ki tuvẽnh n‰ĩ kemũ „ã tỹ ã kur rĩnh tu mẽ tu‰, ke mũ .kỹ jãtã vỹ hej kemũ . Kỹ pépo tóg ver ti mỹ „ã tỹ kanhkã tá junkỹ ã vẽkyn fã tỹ jankã ki tuvẽnh kỹ kãra rãn nĩ ver‰, kemũ. Kỹ jãtã vỹ pépo vĩja han mũ ser kỹ pépo kãtĩg kỹ jãtã tỹ ti kur rĩnh mũ ju ti vẽkyn fã kãra rã mũ ser. Kỹ tóg ẽmẽ ka nĩg tĩ ser. kỹ jãtã vỹ kãtĩ kỹ ti vẽkyn fã vynky tĩ mũ ser kanhkã ra. Aqui, o professor adota um „estilo‰ diferente na sua narração. Apesar de estar escrevendo sua versão de uma das mais conhecidas fábulas no repertório das narrativas kaingang, ele adota um tempo de pretérito perfeito, o que é diferente nas narrativas orais das fábulas, onde encontramos expressões 113 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL que nos remetem ao pretérito imperfeito, usando termos que dão essa idéia. Uma análise desses termos é um tema muito interessante para outro momento. Ti si kãme Essas narrativas chamadas Ti si kãme relatam os fatos mais recentes. São as histórias „verdadeiras‰ do povo kaingang. Parecem mais um diálogo narrativo. O interlocutor interfere com parênteses de curta reflexão e, muitas vezes, acrescentando informações. A introdução já é feita com um fato marcante da história. Kỹ fi ne tỹ ser ag jo (...) fi tỹ ũ ag tỹ ag tỹ hãnrikej ken vé ser. Kỹ fi ne tỹ ser ag mỹ „katy tỹ tĩ, inh krã, mũnỹ!‰ ke tĩ ham. ‹pãn kã ne tỹ mũg tĩ ham, kanhgág ag jamã ũn ra ham. Ag kanhgág jũ ag kri rãg jé ham, tag ki ke ag, kanhgág pẽ ag. Hara fag ne tỹ ser goj... goj je tỹ kã sag tĩ, goj mag. Kỹ fag je tỹ ser, goj kafã ãn hã kã nĩ kỹ ser, fi ne tỹ ser pãvãnh nĩj ham. Tradução: Então, ela previu, para eles, qual seria a reação dos outros. E disse, para eles, „está calmo, vamos‰, (dizia). Andavam a pé, sim, para a outra aldeia. Para surpreender os índios selvagens. Sim. Os daqui faziam. Os kaingang. Então eles, num rio... Havia um rio, um rio grande. Na margem desse rio, ela (kujá) se punha a fazer suas previsões. Esta narrativa conta a história da guerra dos Kaingang com os Xokleng, por causa de território. 114 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Jé (Cantos de Animais) Contam as lendas que, no princípio, eram os animais que faziam a festa do Kiki. Que cada animal tinha o seu próprio canto e que, ao redor do fogo, tomavam da bebida e entoavam seus cantos. Pénkrig fi Jé (Canto da Formiga) foi registrado por Zílio Jagtyg Salvador; e Krág Jé (Canto da Queixada) e Łjor Jé (Canto da Anta) o foram por João Carlos Kasú Kanheró, no cd „Kanhgág Ag Vĩ Ỹmã Mág Ki‰ / Vozes Kaingang na Aldeia Grande. (Kasú et al, 2004/2005). Pénkrig fi Jé (Canto da Formiga) ‹ ne tetĩ nĩ / O que carregas? ‹ ne tetĩ nĩ / O que carregas? ‹ ne tetĩ nĩ / O que carregas? ‹ ne tetĩ nĩ /O que carregas? Isỹ ũ tẽtá fi / quando a mulher ãgtynyn jẽ ven kỹ / socando algo (no pilão), a vejo Ka ta inh mỹ há tĩ / feliz eu fico Ka ta inh mỹ há tĩ / feliz eu fico Isỹ ũ tẽtá fi jagtynỹn / quando, do socado da mulher mru ko tĩn kỹ / as migalhas como ta inh mỹ há tĩ / feliz eu fico ‹ ne tetĩ nĩ / o que carregas? 115 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL ‹ ne tetĩ nĩ / o que carregas? Krág Jé (Canto da Queixada) Pó gryngran, pó gryngran, pó gryngran (imitação do barulho das pedras) Kry gryg gryg, kry gryg gryg pó gryngran, pó gryngran kryg gryg gryg, kryg gryg gryg kryg gryg gryg, kryg gryg gryg mỹ hághá ra / alegrem-se mỹ hághá ra / alegrem-se kryg gryg gryg, kry gryg gyrg, kry gryg gyrg pó jugpó goj jur mĩ / pedras sobre as águas, saltadas jy kutã kỹ tỹ inh mỹ há / sobre elas cruzei e alegre estou Kỹ isỹ ũ / e alguém inh kanhkã / parente meu ag mré vã / com eles po... vãre kỹ / posar então mĩ takã tỹ inh mỹ / por isso, eu há tĩ hamã / alegre estou pó gryn gran, pó gryngran, pó gryngran kry gryg gryg, kry gryg gryg, kry gryg gryg... 116 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Łjor Jé (Canto da Anta) Łjor, ojor Antas, antas ójor, ójor antas, antas pãnónh, pãnónh montanhas, montanhas Tãpry, tãpry subir, subir Krág mág juvã, kri jã kỹ vyr queixadas, seu trilho peguei e fui Łjor, ójor... Łjor, ójor... Łjor, ójor... Gojor mĩ ku... kutã kỹ ó... óré nig ki Pelas curvas do rio, cru-cruzei Nig ki rã kỹ na lama funda, en-entrei Inh kan mỹ han, já hón tỹ inh (...) Isỹ, inh mỹ, sér ja mãn kỹ por ter sentido, prazer eu vou Isỹ jag mỹ, tỹj mũ, tỹj mũ pra vocês cantar, cantar Łjor, ójor... antas, antas... Nesses cantos infantis, vimos que as palavras são trabalhadas. São cantos que „brincam‰. Em algumas palavras, as sílabas são duplicadas e separadas, o que acontece no último canto: ku kutã, ó óré. Outras são repetidas: tỹj mũ, tỹj mũ. Neste pequeno trecho do Canto da Serpente, Pỹn Jé, notamos a presença de um tipo de rima. Observe abaixo. Isỹ nĩgrãg nĩ ra ijé nĩĩĩgrãg nĩ ra ijé 117 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL kukãm tĩ kỹ kri krỹ ké kri krỹ ké Ke jé inh vã vã. Sê ouvidos eu tivesse Ooouvidos eu tivesse Na direção eu seguiria e em cima cravaria Em cima cravaria Ritos para chamar e proteger o espírito da criança A prática desses ritos é muito rara atualmente. Somente os kaingang mais antigos é que ainda os realizam. Acredita-se que devemos proteger o espírito, para que não se desprenda do corpo. Temos a descrição de um olhar antropológico sobre isso. Segundo Veiga (2006), os Kaingang creem que o corpo (há) não tem vida sem o espírito. É o espírito que dá vida ao corpo. O espírito pode deixar o corpo durante o sonho e ir visitar outros lugares, inclusive o numbê, a aldeia dos mortos. Algumas doenças são explicadas como uma perda temporária do espírito que, se prolongado, leva à morte. Daí a necessidade da intervenção do kujá para restituir o espírito ao corpo. Especificamente sobre a proteção do espírito da criança, Veiga relata: Convivendo com os kaingang do Xapecó, nos anos 80, ouvi de Vicente Fókâe a explicação que o espírito da criança é muito irriquieto e que se assusta facilmente. Por esse motivo, se alguém necessita cruzar um rio ou uma água qualquer, com uma criança, esta pode se assustar e seu espírito ficar naquele lugar, o que faria com que a criança adoecesse. Assim, sempre que andam com uma criança e fazem uma parada em algum lugar, ou cruzam um riacho, antes de prosseguir, falam com ela: „Tag mĩ, ikóxid. Kunĩg‰ (Por aqui, meu filho. Venha!). (2006). 118 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Ouvi de Juraci o seguinte: Mũjé ha! Ker kãjã nĩ hã Tag mĩ kãtĩg nĩ Ker ãgno kã jã nĩ hã, inh kósin! Vamos agora! Não queira ficar por aqui Não pare aqui Venha por aqui Não fique pra trás, meu filho. Da mesma forma, quando as famílias se acampavam na beira das estradas nos „vãre‰, dormindo debaixo de árvores, também faziam esse ritual, por acreditar que o „tãn‰ (protetor, força) da árvore roubava o espírito das crianças. Kẽtajug! Ker inh kósin ki ẽvãnh hã, Inh kósin tỹ sá nỹ Kẽtajug! Ker inh kósin ki ẽvãnh hã, Inh kósin tỹ kórég nỹ. Soita! Não olhe para o meu filho, Meu filho é preto. 119 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Soita! Não olhe para o meu filho, Meu filho é feio. Ainda, ouvi de minha mãe, Kagmũ, o seguinte: „Quando eu era criança, minha mãe, quando passávamos perto de um cemitério à noite, ela me chamava também. Colocava-me caminhando na frente dela e então falava com meu irmão falecido: Ker ã regre fi ki ãvãnh hã Fi tỹ inh mỹ mog há han jé ‹ tỹ ser inh ré mỹr... Kur kãtĩg, inh kósin Ker tag mĩ vãfor tĩ nĩ hã Não olhe para sua irmã Para que ela cresça bem para mim Você já me deixou... Venha agora, filha! Não se perca por aqui Rituais Fúnebres Os rituais fúnebres são parecido com os ritos de proteção do espírito. Há quase um século, pesquisadores já observaram esse ritual. Veja nos registros Henrich Maniser. 120 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Muito cedo, ao despertar, começa a ressoar numa cabana qualquer um gemido ritual que perdura, frequentemente por muitas horas. O significado desse gemido é invariável, podendo ser traduzido pelas seguintes palavras: „Evoquemos a lembrança (ou, bem, „eu me lembro‰) de tal ou qual parente morto, em tal época‰ (às vezes, já decorreu um ano ou dois de sua morte!). Esse gemido, por sua vez, lembra aos outros índios o destino de seus parentes mortos e seus choros se fazem ouvir, simultaneamente, em diversas partes. Finalmente eles são interrompidos por uma ocupação qualquer (...). ¤ tardinha, ao crepúsculo, e também durante a sesta no ardente calor após o meio dia, os gemidos em lembrança dos mortos recomeçam. Mesmo no meio da noite acorda-se com os sons familiares de uma voz esganiçada que arrasta sempre a mesma nota lúgubre. O índio cobre sua cabeça com sua coberta enquanto emite esse gemido ritual. São, sobretudo, as mulheres que gemem; os homens, bem mais raramente (2006). Ainda hoje existem esses rituais, os choros e gemidos rituais, mesmo de uma forma mais discreta. É evidente a diferença de um velório kaingang e o velório de não-índio, e até mesmo os dos indianos (mestiços que vivem na comunidade, não falantes do kaingang), que já são mais „discretos‰ em suas lamentações. Num velório kaingang, é bem notável a presença de um ritual nos choros e lamentos. O que é diferente do choro de uma situação qualquer. Lembro-me do choro de minha mãe, quando faleceu minha avó, há alguns anos. Nas duas noites após o sepultamento, minha mãe nos acordou com seu choro, no meio da madrugada. Deveriam ser umas quatro ou cinco horas da manhã. Recordava os momentos felizes que passaram juntas, falava de como ela era alegre, das dificuldades que passaram juntas. Existem registros de cantos fúnebres em tempos mais antigos, que nos dias de hoje não encontramos mais devido à influência de outras crenças, como se pode ver nos registros de Telêmaco Borba: Passe com cuidado a ponte. Viva bem com os outros; assim como elles vivem bem, você também pode viver. Lá você há de ver muita 121 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL cousa que já vio aqui em minha terra, assim como o gavião. Teos parentes hão de vir te encontrar na ponte e te levarão com elles para a tua morada. (Cagma, iengvê, vê oanan eió nó, engó que tin in fimbré ixan na ióngóngue, iamá que nò ô caicá, kato nô ó eká maingvê) (1908). Ou ainda: Passe bem pela ponte do rio grande; chegando ao campo diga aos outros: Eu estou aqui. Coma bem as frutas do coma e vire as pedras que tem limo antes de passar. (Coma coma cô ondiê, ê ni moni tá, goyo-bangue tarê io can ien caindê rain tarê, vokang ien.) (1908). Considerações finais Com esse trabalho introdutório sobre as Artes da Palavra no kaingang, pode-se ter uma noção do grande leque de saberes, conhecimentos, das formas de elaboração da palavra que existem na tradição oral kaingang. Com isso, podemos perceber as especificidades da língua, que a tornam mais rica, mais valorizada. Com essa abordagem inicial, podemos dizer que existe uma variação muito complexa do gênero narrativo. Identificamos três principais grupos, mas que se subdividem entre eles. Relatos de noções de tempos distintos em que ainda não conseguimos ter definições precisas. Termos gramaticais em que parecem estar classificando esses gêneros narrativos. É evidente que ainda há muito a ser pesquisado e analisado. De todo modo, este trabalho, como já foi dito anteriormente, é um primeiro encaminhamento para a pesquisa e documentação da tradição oral kaingang. Referências BELFORT, Andila Inácio. A formação dos primeiros professores indígenas no Sul do Brasil. In Cadernos de Educação Escolar Indígena - 3À Grau Indígena. Barra do Bugre, MT: UNEMAT, v. 4, n. 1, 2005, pp. 09-20. 122 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Povos Indígenas & Educação. Porto Alegre, RS: Mediação, 2008. BORBA, Telêmaco Morocines. Actualidade Indígena. Curitiba, PR: Impressora Paranaense, 1908. DÊANGELIS, Wilmar da Rocha. Kaingang: questões de língua e identidade. Liames – Línguas Indígenas Americanas. Campinas, SP: IEL-Unicamp, 2002. DÊANGELIS, Wilmar da Rocha. Como nasce e por onde se desenvolve uma tradição escrita em sociedades de tradição oral? Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2007. FRANCHETTO, Bruna. As Artes da Palavra. In: Cadernos de Educação Escolar Indígena. Barra do Bugre, MT: UNEMAT. V.2, N.1 – 2003. FRANCHETTO, Bruna. Línguas indígenas e comprometimento lingüístico no Brasil: situação, necessidades e soluções. Cadernos de Educação Escolar Indígena, UNEMAT Barra dos Bugres, MT: v. 3, p. 9-26, 2004. KASÐ et al. Cd „Kanhgág Ag Vĩ Ỹmã Mág Ki‰ / Vozes Kaingang na Aldeia Grande. Porto Alegre, RS: Funproarte, 2004/2005. MAIA, Marcus. "O Mediativo em Karajá". In: Ludoviko Santos & Ismael Pontes (orgs.), Línguas Jê: Estudos Vários. Londrina, PR: Ed. UEL, 2002, ISBN 85-7216-347-6, p. 147-173. MANISER, Henrich Henrikhovitch. 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Sou professora bilíngue, formada na primeira turma de professores indígenas bilíngues de um curso pioneiro no Brasil e na América Latina. Sou Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL MARIA IN¯S DE FREITAS Sou nascida em Tenente Portela/RS, onde residi até 27 anos. Filha do kaingang Feliciano Fernandes de Freitas e Brasília Ribeiro Freitas, que residem na Terra Indígena Guarita. Me graduei em Pedagogia na UNIJU¸, exerci a docência por 15 anos em escolas indígenas. Atualmente coordeno o setor de Educação Indígena da FUNAI, em Passo Fundo. Sou Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 128 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG MARCIA GOJTẼN NASCIMENTO Sou Kaingang, professora bilíngue na Escola Estadual Indígena Pẽró Ga, comunidade da Aldeia Bananeiras – Terra Indígena Nonoai, município de Gramado dos Loureiros – RS. Cursei o primeiro curso de formação de professores em nível de 3À grau, em Barra do Bugres-MT, na área de Línguas, Artes e Literaturas. Sou Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 129 Povos Indígenas e o Direito à Educação no Brasil Lucia Fernanda Jófej1 Questionado sobre a educação escolar indígena no Brasil, o líder e jornalista Ailton Krenak (MG) respondeu que encarava a educação escolar da sociedade envolvente como um peixe que as crianças não-indígenas eram obrigadas a engolir com espinha e tudo e que os Povos Indígenas ao serem confrontados com esse modelo de educação tiravam dele apenas o que lhes poderia ser proveitoso, deixando a espinha de lado. A oferta de educação escolar aos Povos Indígenas, em caráter específico, bilíngue, intercultural e de qualidade como determina a Lei de Diretrizes e Bases (LDB. Lei 9.394 de 1996) é resultado de décadas de luta dos Povos Indígenas, em especial dos educadores indígenas, pelo respeito aos sistemas próprios de ensino-aprendizagem, pela implementação do direito à diversidade cultural revogando séculos de ideologia assimilacionista, os quais representaram cardumes inteiros engolidos pelos discentes e docentes indígenas até a conquista do reconhecimento legal de que a educação escolar indígena deve ser diferenciada porque, neste caso, a equidade consiste em tratar desigualmente os desiguais. 1 Advogada Kaingang. Mestre em Direito Público. Diretora Executiva do INBRAPI. Membro do Núcleo dos Advogados Indígenas do Brasil (NAI). CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Há exemplos ilustrativos dos avanços no cenário jurídico nacional que trata da educação escolar para Povos Indígenas, como o reconhecimento e regulamentação da categoria escola indígena, a atribuição de flexibilidade na criação de seus projetos político-pedagógicos e a inclusão de conteúdos culturais como parte diversificada da organização curricular das suas escolas, a criação do magistério indígena e a recomendação de que a condução dos processos de educação nas escolas indígenas deve ser prioritariamente realizada por profissionais pertencentes àquele Povo. Todavia, os avanços jurídicos conquistados nem sempre tem se refletido no cotidiano das escolas indígenas, que sofrem pela necessidade de programas adequados de formação para os professores indígenas, pela falta de apoio para a publicação de material didático específico, deficiências de infra-estrutura, bem como inadequação e insuficiência da merenda escolar, entre outros fatores que permitem afirmar que a educação escolar efetivamente ofertada aos Povos Indígenas no Brasil longe está de ser o filé do peixe. Sistema internacional específico de direitos humanos para povos indígenas na área de educação O reconhecimento e respeito à sociodiversidade cultural é um princípio consagrado no cenário global de direitos humanos e tem sido expresso em datas comemorativas como o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento (21 de maio) e o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). A Organização das Nações Unidas estabeleceu a Segunda Década Internacional dos Povos Indígenas (2005-2014) como forma de conferir visibilidade aos 370 milhões de pessoas, integrantes de 5.000 povos falantes de diferentes línguas no mundo e fomentar o apoio e a cooperação internacional em prol de projetos e programas destinados aos Povos Indígenas ao redor do mundo. A oferta de educação básica para todos constitui o segundo objetivo de desenvolvimento do milênio (2000-2015), como forma de combater a exclusão 132 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG do acesso à educação que atinge pessoas em todo o planeta, em especial minorias étnicas como os Povos Indígenas. O cenário favorável aos Povos Indígenas no âmbito do sistema específico de direitos humanos, entretanto, é resultado de intensas articulações e interações entre Povos Indígenas e países partes da Organização das Nações Unidas que promoveram a gradativa evolução dos mecanismos jurídicos em prol do reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas à educação em moldes diferenciados. Tais avanços, que serão abordados a seguir, de forma sucinta, tiveram reflexos na Constituição Federal de 1988 e foram regulamentados, posteriormente, no conjunto de leis que regulamenta os dispositivos constitucionais, conhecida como legislação infraconstitucional, a ser analisada adiante. Convenção da UNESCO Relativa à Luta contra a Discriminação no campo do ensino de 1960 O artigo 1À da Convenção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) conceitua como „discriminação‰ toda distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou de nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e, principalmente privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino e limitar ao nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo. Diversos fatores socioeconômicos situam um percentual significativo da população indígena do Brasil na linha de pobreza e extrema pobreza, especialmente nos casos em que esses povos habitam regiões fora da Amazônia, nas quais as terras indígenas são insuficientes para suprir as necessidades físicas e culturais de seus habitantes e o acesso à educação é menor entre povos indígenas e negros. Segundo os dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2007), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 133 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL (IBGE) o Brasil registrou 14,1 milhões de analfabetos em 2007, equivalente a uma taxa de analfabetismo de 10% que classifica o Brasil como 15À entre projeções de índices de analfabetismo de 22 países na América Latina divulgado pelo estudo. O Brasil teve um dos piores índices de analfabetismo da América Latina em 2007, atrás de países como Bolívia, Suriname e Peru. A lista é liderada por Cuba, que aparece com taxa 0,2%. O pior nível foi o do Haiti com 37,9% da população de 15 anos ou mais. (Belchior, 2009). Os dados da PNAD informam que há maior concentração de analfabetismo entre a população mais pobre e entre idosos, negros ou pardos. Os índices de analfabetismo entre negros ou pardos foram de 67,4% enquanto entre brancos foram de 32%. As pesquisas demonstram que os índices de analfabetismo são mais elevados na faixa etária de 40 a 59 anos. Os cursos de alfabetização e de educação de jovens e adultos alcançavam 2,5 milhões de pessoas com idade superior a 15 anos em 2006. Comparativamente, a maior taxa de defasagem escolar no ensino fundamental encontra-se na região Nordeste (37, 9%) e a menor na região Sul (15,5%). Embora a média de anos de estudo tenha aumentado no Brasil (7,2 anos em 2006) a análise entre rendimentos e escolaridade, indicam que a média de anos de estudo entre os 20% mais pobres, no Brasil, era de 3,9 anos e entre os 20% com maior renda média era de 10,2 anos (Spitz, 2009). Em oficinas realizadas pela Fundação Nacional do ¸ndio (FUNAI) em 2004 e 2005, sobre Políticas Públicas de Educação com 724 profissionais e lideranças de 36 Povos Indígenas foram identificados problemas recorrentes nas escolas indígenas, como insuficiência da merenda escolar, baixa qualidade da infraestrutura para o adequado funcionamento da escola ou sua inexistência, falta ou deficiência de material didático pedagógico específico, interrupção e/ou falta de contratos dos professores indígenas e coordenadores, necessidade de flexibilidade quanto ao calendário escolar, gestão, administração e aplicação dos recursos oriundos dos programas do Ministério da Educação (MEC) e a exclusão da participação de representantes indígenas nos conselhos de merenda escolar, conselhos municipais do FUNDEF, conselhos estaduais de educação dentre outros (FUNAI, 2009). 134 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG A exclusão dos Povos Indígenas no acesso à educação em todos os níveis e a baixa qualidade da educação escolar indígena dentro das terras indígenas agravam o contexto de marginalização dos Povos Indígenas e carece da atenção do Poder Público Brasileiro, especialmente no que se refere ao segundo objetivo do desenvolvimento do milênio, (educação básica para todos) criado pela Organização das Nações Unidas em 2000, como metas a serem atingidas pelos países até 2015. A Convenção da UNESCO relativa à luta contra a discriminação no campo de ensino já preconizava, em 1960 o direito às minorias de conduzir os processos de educação escolar indígena, nos termos do seu artigo V, „c‰, consagrando o princípio do protagonismo indígena, amplamente apoiado pela Carta Magna Brasileira e para Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394 de 1996), como se verá adiante. A implementação do direito dos Povos Indígenas ao protagonismo na área de educação tem avançado no Brasil, embora sem uniformidade, enfrentado oposição e resistência maior em algumas Unidades da Federação, como é o caso do Rio Grande do Sul, estado que registra os maiores índices de profissionais não-indígenas de educação atuando em escolas indígenas. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 O artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 reitera o direito à diversidade cultural, linguística e religiosa e o dever dos Estados em assegurar o respeito ao multiculturalismo: Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua. 135 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos povos indígenas e tribais em países independentes de 07 de junho de 1989 A Convenção 169 da OIT, como é conhecida pelo movimento indígena nacional, é hoje a ferramenta jurídica mais consistente de que dispõem os Povos Indígenas para a implementação de direitos específicos, inclusive no tocante à Educação Escolar Indígena, seja ela de caráter formal ou não formal, em razão da natureza jurídica obrigatória da Convenção. Um dos avanços da Convenção 169 é a revisão e a superação da visão assimilacionista e paternalista que caracterizava a Convenção 107 da OIT sobre Populações Indígenas e Tribais de 1954 e o reconhecimento, em seu preâmbulo, da importância da diversidade cultural representada pelos Povos Indígenas, não mais designados genericamente como populações, mas reconhecidos na sua condição de Povos titulares do direito a decidir livremente suas prioridades, como protagonistas de sua própria história: A Convenção 169 da OIT reconhece as aspirações dos Povos Indígenas à sua livre determinação, ao controle de suas instituições e maneiras de viver, à gestão de formas adequadas de geração de renda que propiciem desenvolvimento econômico com o mínimo de erosão cultural e à manutenção e ao fortalecimento de suas identidades, línguas e religiões no âmbito dos Estados em que vivem. A Convenção estabelece preceitos claros e obrigatórios para a preservação do patrimônio cultural dos Povos Indígenas, como também a necessidade de protagonismo e de sua participação como sujeitos que são em tais processos. (Kaingang, 2006, p. 129). Em seu artigo 7À a Convenção 169 determina como obrigação do Estado o dever de promover a participação dos Povos Indígenas na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional que possam afetá-los diretamente. O desrespeito aos preceitos do artigo 7À e ao direito de consulta consagrado no artigo 6À da Convenção, aplicado às políticas de educação escolar indígena é a raiz dos muitos problemas enfrentados pelos Povos Indígenas na área de educação no Brasil. 136 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Um capítulo específico da Convenção 169 é dedicado à educação e comunicação e aborda nos artigos 26 a 31 o direito dos Povos Indígenas à educação em todos os níveis, a obrigatoriedade de que os programas e serviços de educação para Povos Indígenas sejam desenvolvidos e implementados em cooperação com eles, com vista ao atendimento de suas especificidades, „e deverão abranger a sua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e todas suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais‰. A Convenção estabelece que a formação de educadores indígenas deverá ser assegurada pelo Estado, com vista a transferência progressiva para os educadores indígenas da responsabilidade de realizar e executar seus programas de educação. O direito dos Povos Indígenas a serem ensinados em suas línguas prioritariamente e a criação das próprias instituições e meios de educação, desde que satisfeitas as normas mínimas estabelecidas pela autoridade competente, (o Ministério da Educação, no caso brasileiro) constituem alguns dos avanços significativos trazidos pela Convenção 169, cujos desdobramentos se podem constatar na elaboração posterior do sistema jurídico nacional de educação escolar indígena. Por fim, a determinação do artigo 31 de que sejam criadas medidas de caráter educativo voltadas à eliminação dos preconceitos existentes em relação aos Povos Indígenas, em especial nos livros de História e demais materiais didáticos de modo a oferecer uma descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos interessados se reflete no artigo 242, § 1À2 da Constituição Federal e se concretiza no cenário nacional pela criação da Lei 11.645 de 2008 que altera a Lei 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática „História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.‰ Constituição Federal, 242, § 1º “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”. 2 137 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Com 46 artigos a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada por 144 países pela 107… Sessão Plenária da Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 13 de setembro de 2007, após 27 anos de discussões com representantes dos 5 mil povos indígenas de 70 países, que somam 370 milhões de pessoas no mundo. A adesão à Declaração, em 2009, por parte da Austrália, país conhecido por sua resistência ao reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas, no âmbito da ONU representou um passo significativo no avanço do reconhecimento de direitos dos Povos Indígenas por parte dos países no cenário global. A Declaração faz menção específica aos sistemas e instituições educativos dos Povos Indígenas em seu artigo 14 assegurando a eles o direito de controle sobre os sistemas e instituições, bem como a oferta de educação em suas línguas maternas, em conformidade com os métodos culturais de ensinoaprendizagem. Embora constitua uma Declaração de princípios e não um instrumento jurídico internacional vinculante, ou seja, de cumprimento obrigatório, a declaração reforça o direito aos Povos Indígenas, já assegurado na Convenção 169 da OIT, de acesso, sem discriminação, a todos os níveis e formas de educação, embora no Brasil não exista, até o presente momento, diretrizes legais para a Educação dos Povos Indígenas em nível superior, de modo a assegurar de modo uniforme, o acesso e a permanência dos estudantes indígenas nas instituições de ensino superior no país. Símbolo dessa omissão é a existência de representação indígena somente na Câmara de Educação Básica do Conselho de Nacional de Educação no âmbito do MEC, a despeito da crescente demanda dos Povos Indígenas por acesso à educação superior, bem como condições dignas de permanência nas universidades, que mereciam discussões e normatização no âmbito da Câmara de Educação Superior, a qual não conta com um representante indígena para suscitar as reivindicações dos Povos Indígenas no âmbito da educação superior no Brasil, talvez porque até um passado não muito distante não se pensava que os Povos Indígenas teriam 138 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG acadêmicos ou intelectuais indígenas, em todos os níveis da Educação Superior, convertendo as universidades em pluriversidades. Legislação brasileira sobre educação escolar indígena O contexto brasileiro reflete a dimensão da dificuldade de implementação de políticas públicas de educação que desconsiderem a megadiversidade cultural representada pelos 230 povos falantes de 180 línguas que totalizam cerca de 700.000 pessoas no Brasil, dentro e fora dos territórios indígenas (IBGE, 2000) e constituem a maior diversidade cultural da América Latina. Os Povos Indígenas representam um percentual que não chega a 1% da população brasileira, mas detém direitos de usufruto exclusivo sobre 12% do território nacional. As terras indígenas no Brasil concentram as áreas de maior relevância biológica, incluindo jazidas de minério e recursos hídricos que tem despertado o interesse de segmentos econômicos e gerado conflitos abalando as estruturas sociais e culturais desses Povos. Os distintos contextos regionais associados aos índices de desenvolvimento humano, e especificidades culturais dos mais de 230 Povos Indígenas do país determinam uma enorme diversidade de demandas que devem ser contempladas nos processos de educação escolar indígena que embora lentamente, tem avançado rumo à implementação das diretrizes legais em vigor no Brasil. Estatuto do ¸ndio - Lei 6.001 de 1973 O Estatuto do ¸ndio (Lei 6.001 de 1973), ainda em vigor, estabelece em seu artigo 1o que „Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.‰ A concepção de que os Povos Indígenas eram portadores de culturas inferiores, que necessitavam evoluir de modo a permitir a incorporação de seus membros à „comunhão nacional‰, na medida em que o processo de 139 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL „aculturação‰ dos Povos Indígenas fosse permitindo a „emancipação‰ dos „silvícolas‰ considerados relativamente incapazes a determinados atos da vida civil nos termos do antigo Código Civil de 1916 caracteriza o assimilacionismo que permeia todo o Estatuto do ¸ndio, aprovado em plena ditadura militar e o torna incompatível com o princípio do multiculturalismo, cuja premissa é o respeito à sociodiversidade consagrado pela Constituição Federal de 1988. A competência para coordenar as ações referentes à educação escolar indígena foi retirada da Fundação Nacional do ¸ndio (FUNAI) e atribuída ao Ministério da Educação (MEC) em 1991, mediante o Decreto nÀ 26 e, a execução passou a ser atribuída aos Estados e Municípios, criando um processo de transferência prejudicado pela ausência de discussão prévia voltada à construção de mecanismos e estratégias que permitissem um processo adequado de transição, como bem identifica em seu diagnóstico o Plano Nacional de Educação ao tratar da Educação Indígena: A transferência da responsabilidade pela educação indígena da Fundação Nacional do ¸ndio para o Ministério da Educação não representou apenas uma mudança do órgão federal gerenciador do processo. Representou também uma mudança em termos de execução: se antes as escola indígenas eram mantidas pela FUNAI (ou por secretarias estaduais e municipais de educação, através de convênios firmados com órgão indigenista oficial), agora cabe aos Estados assumirem tal tarefa. A estadualização das escolas indígenas e, em alguns casos, sua municipalização ocorreram sem a criação de mecanismos que assegurassem uma certa uniformidade de ações que garantissem a especificidade destas escolas. A estadualização assim conduzida não representou um processo de instituição de parcerias entre órgãos governamentais e entidades ou organizações da sociedade civil, compartilhando uma mesma concepção sobre o processo educativo a ser oferecido para as comunidades indígenas, mas sim uma simples transferência de atribuições e responsabilidades da FUNAI para o MEC, e deste para as secretarias estaduais de educação, criou-se uma situação de acefalia no processo de gerenciamento global de assistência educacional aos povos indígenas. (Lei 10.172 de 2001. Plano Nacional de Educação. 9. Educação Indígena. 9.1. Diagnóstico). 140 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Uma análise superficial do Estatuto do ¸ndio demonstra sua inadequação às necessidades dos Povos Indígenas do Brasil e a urgência da discussão de um novo marco legal específico que inclua os novos direitos reconhecidos como resultado dos avanços jurídicos no cenário internacional e no sistema nacional aos Povos Indígenas. Espera-se que tal discussão inclua mecanismos de consulta de boa-fé, que permita participação ampla, plena e efetiva dos Povos Indígenas, segundo suas formas próprias de organização social e representação, o que não ocorreu até o presente momento, considerando a inexistência de uma articulação consistente do movimento indígena nacional, somada a omissão do Governo Brasileiro em respeitar a diversidade de culturas e de posicionamentos dos Povos Indígenas do Brasil. Constituição Federal de 1988 A Lei Maior do Brasil ou Carta Magna, como é conhecida a Constituição da República Federativa do Brasil, inaugura no cenário nacional o reconhecimento de que a diversidade cultural é um bem jurídico a ser protegido pelo Estado Brasileiro e estabelece o respeito às organizações sociais, línguas, crenças e tradições dos Povos Indígenas, em consonância com os artigos 215 e 231 da Constituição. O princípio do multiculturalismo se contrapõe ao conceito de assimilacionismo ou integracionismo ao reconhecer que a diversidade cultural não desaparecerá, não se propõe a promover a integração das minorias e maiorias étnicas à „comunhão nacional‰, ao contrário estabelece o dever do Estado de garantir e proteger o exercício dos direitos culturais. O artigo 210 da Carta Constitucional, no capítulo que trata da educação, da cultura e do desporto assegura respeito aos valores culturais, ao uso das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem aos Povos Indígenas: Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. 141 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL § 2.À O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (CONSTITUIÇ‹O FEDERAL, Capítulo III. Da Educação, Da Cultura e do Desporto. Artigo 210 e parágrafo segundo). A Constituição Federal de 1988 recepcionou assim os princípios já consagrados no cenário internacional que abriga o sistema de direitos humanos especificamente voltado para os Povos Indígenas e permitiu a criação, em anos posteriores, de vasta e robusta legislação infraconstitucional no âmbito da educação escolar indígena. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394 de 1996) A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que antecedeu a lei 9.394 de 1996 não fazia menção à educação escolar indígena. A atual LDB reitera o respeito à diversidade cultural reafirmando o teor do artigo 242, § 2À da Constituição Federal e do artigo 31 da Convenção 169 da OIT, posteriormente regulamentados pela lei 11.645 de 2008: Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela(...) § 4À O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A nova LDB regulamenta em seu artigo 32, § 3À o disposto no artigo 210, § 2.À da Constituição Federal de 1988 assegurando aos Povos Indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. 142 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Os artigos 78 e 79 da LDB estabelecem como dever do Estado Brasileiro a oferta de uma educação escolar aos Povos Indígenas em moldes diferenciados que fortaleçam as práticas socioculturais e a língua materna de cada Povo Indígena, bem como proporcionem a recuperação de suas memórias históricas e promovam a reafirmação de suas identidades, mediante a prática do bilinguismo e da interculturalidade. Com essa finalidade a LDB determina a articulação dos sistemas de ensino para a elaboração de programas integrados de ensino e pesquisa, com a participação dos Povos indígenas em sua formulação, com vista ao desenvolvimento de currículos específicos que contenham conteúdos culturais correspondentes aos respectivos Povos Indígenas. (Grupioni, 2001, p. 21). Portaria Ministerial 559 de 1991 A Portaria Ministerial 559 de 1991 supera o conceito de educação para integração preconizado pelo Estatuto do ¸ndio e assume o princípio do reconhecimento da diversidade sociocultural e linguística dos povos indígenas e sua manutenção. A Portaria define como prioridade a formação permanente dos professores indígenas e trata de alguns aspectos para a regulamentação das escolas indígenas, a exemplo do calendário escolar, metodologia e avaliação de materiais didáticos, em moldes específicos e diferenciados adequados à realidade sociocultural de cada Povo Indígena. (Grupioni, 2001, p. 45-46). A Portaria 559 determina a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígenas nas Secretarias Estaduais de Educação. Parecer 14 de 1999 O Parecer 14 da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou, em 1999, a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena. O Parecer 14 institui as diretrizes para a proposição da categoria escola indígena, a definição de competências para a oferta da educação escolar indígena, a formação do professor indígena, o currículo da escola e sua flexibilização, cuja normatização se encontra na Resolução número 03 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação de 1999. 143 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL O Parecer 14 dispensa especial atenção ao professsor indígena e atribuiu aos sistemas estaduais de educação a oferta e execução da educação escolar indígena, com professores indígenas habilitados em cursos de formação específica, mediante programas de formação de professores indígenas, visando à sua qualificação e titulação: II. Fundamentação e Conceituações 3. A Formação do Professor Indígena Para que a Educação Escolar Indígena seja realmente específica, diferenciada e adequada às peculiaridades culturais das comunidades indígenas, é necessário que os profissionais que atuam nas escolas pertençam às sociedades envolvidas no processo escolar. É consenso que a clientela educacional indígena é melhor atendida por professores índios, que deverão ter acesso a cursos de formação inicial e continuada, especialmente planejados para o trato com as pedagogias indígenas (Parecer 14 do Conselho Nacional de Educação. 1999). O Parecer 14 trata ainda da definição da esfera administrativa da escola indígena, seu currículo e a necessidade de sua flexibilização, com a inclusão de conteúdos curriculares propriamente indígenas e uso de sistemas próprios de transmissão de saberes, além do ensino em língua materna, para que sejam asseguradas às Escolas Indígenas o respeito ao seu universo sociocultural e suas identidades étnicas diferenciadas, em cumprimento ao princípio do reconhecimento da diversidade cultural determinado pela Carta Constitucional Brasileira. Resolução 03 do Conselho de Educação Básica de 1999 O Parecer 14 do Conselho Nacional de Educação foi normatizado pela resolução 03 de 1999 e fixa as diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas: Art. 1À Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo-lhes a condição 144 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica (Resolução 03/ CEB, 1999). A Resolução 03 do MEC garante assim a autonomia pedagógica e curricular às escolas indígenas e cria a necessidade de regulamentação dessas escolas junto aos Conselhos Estaduais de Educação, concomitantemente à criação de mecanismos adequados de consulta aos Povos Indígenas no que se refere à implementação da escola indígena. Merece destaque na Resolução 03 a questão dos educadores indígenas, aos quais deverá ser assegurada formação específica, que poderá ocorrer em serviço, e quando for o caso, ao longo de sua própria escolarização. Competirá aos Estados a instituição de programas diferenciados de formação para professores indígenas, a regularização da situação profissional dos professores indígenas, a criação de uma carreira própria para o magistério indígena e a realização de concurso público diferenciado para ingresso na carreira. (Grupioni, 2001, p. 67). O protagonismo dos professores indígenas no exercício da livredeterminação na área de educação escolar indígena é um direito reconhecido pela Resolução 03 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação de 1999, ao fixar as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas. O artigo 8À não deixa margem a qualquer interpretação que não seja priorizar o exercício do magistério em escolas indígenas por professores indígenas: „A atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia‰. (Resolução 03 MEC). Grifos da Autora. Plano Nacional de Educação (Lei 10.172) de 2001 O artigo 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) instituiu a Década da Educação, que iniciou um ano após sua publicação. Ali também atribuiu-se à União a tarefa de encaminhar ao Congresso Nacional um Plano Nacional de Educação com diretrizes e metas para os 10 anos seguintes. 145 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL O Plano Nacional de Educação (Lei 10.172) foi promulgado em 2001 e aborda a educação escolar indígena em um capítulo específico, no qual atribui aos sistemas estaduais de ensino a responsabilidade legal pela oferta da educação escolar indígena e assume como meta a ser atingida nessa esfera de atuação a profissionalização e o reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como carreira específica do magistério, além da implementação de programas contínuos de formação sistemática da docência indígena. O Plano Nacional de Educação reconhece o papel e a relevância do educador indígena na implementação da educação escolar indígena, nos moldes assegurados pela legislação nacional: „A educação bilíngue, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é melhor atendida através de professores índios‰. (Plano Nacional de Educação. 9.2 Diretrizes, 2001). Grifos nossos. O Plano Nacional de Educação estabelece dentre outros objetivos e metas a serem implementados: 9.3 Objetivos e Metas 8. Assegurar a autonomia das escolas indígenas, tanto no que se refere ao projeto pedagógico quanto ao uso de recursos financeiros públicos para a manutenção do cotidiano escolar, garantindo a plena participação de cada comunidade indígena nas decisões relativas ao funcionamento da escola. 13. Criar, tanto no Ministério da Educação como nos órgãos estaduais de educação, programas voltados à produção e publicação de materiais didáticos e pedagógicos específicos para os grupos indígenas, incluindo livros, vídeos, dicionários e outros elaborados por professores indígenas juntamente com os seus alunos e assessores. 15. Instituir e regulamentar, nos sistemas estaduais de ensino, a profissionalização e reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como carreira específica do magistério, com concurso de provas e títulos adequados às particularidades linguísticas e culturais das sociedades 146 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG indígenas, garantindo a esses professores os mesmos direitos atribuídos aos demais do mesmo sistema de ensino, com níveis de remuneração correspondentes ao seu nível de qualificação profissional. 16. Estabelecer e assegurar a qualidade de programas contínuos de formação sistemática do professorado indígena, especialmente no que diz respeito aos conhecimentos relativos aos processos escolares de ensino aprendizagem, à alfabetização, à construção coletiva de conhecimentos na escola e à valorização do patrimônio cultural da população atendida. (PNE, Objetivos e Metas. 2001). Destaques da Autora. A despeito das garantias asseguradas pelo PNE no âmbito da educação escolar indígena e da necessidade de avaliação de êxito em sua implementação um percentual significativo de professores indígenas desconhece sua existência, demonstrando a fragilidade e a insuficiência dos programas de formação continuada voltados à qualificação dos professores. Considerações finais A história da educação escolar entre os Povos Indígenas do Brasil nasce com a famosa disputa entre D. Sepúlveda e Bartolomé de Las Casas, nas cortes clericais da Europa, para definir se os Povos Indígenas do Novo Mundo deveriam ser considerados res, isto é, coisas suscetíveis de escravidão e comércio à semelhança de animais, „bárbaros cruéis‰, desprovidos de alma, fé, leis e rei e, portanto, inaptos a serem considerados seres humanos, portadores de direitos e de capacidade de aprendizagem ou se poderiam ser considerados „nobres selvagens‰, folhas em branco nas quais se poderia imprimir, pela educação catequizadora, os valores e saberes da civilização européia, eleita pelos desígnios divinos, para colonizar o mundo. A vitória de Bartolomé de Las Casas resultou no reconhecimento de que os Povos Indígenas eram „verdadeiros homens‰ mediante a Bula Papal de Paulo III, em 1537, condenando a prática de escravidão dos Povos Indígenas pelos colonizadores europeus. Essa decisão foi reproduzida em 1639 pelo Papa Urbano VII no breve de 22 de abril recomendando que a liberdade dos Povos Indígenas fosse resguardada. 147 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Desde então mudanças significativas foram registradas no universo jurídico referente à educação escolar para Povos Indígenas e é tarefa dos titulares de tais direitos promover a transformação da letra fria da lei em programas, políticas públicas e atividades que honrem os esforços feitos por aqueles que nos antecederam para assegurar que a educação escolar possibilite a cada Povo Indígena o desenvolvimento de seu potencial intelectual e o fortalecimento de sua identidade referenciado no princípio da diversidade na educação: conquistamos mais do que o direito a ser iguais; conquistamos o direito de continuar a ser diferentes! Referências BELCHIOR, Luísa. Analfabetismo cai no Brasil, mas ainda é um dos piores da América Latina. 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Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 1999. 149 Legislação Educação Indígena (Resumida) Convenção nÀ 169 da OIT de 7 de julho de 1989 Convenção relativa aos povos indígenas e tribais em países independentes. PARTE VI - EDUCAÇ‹O E MEIOS DE COMUNICAÇ‹O Artigo 26 Deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos povos interessados a possibilidade de adquirirem educação em todos os níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional. Artigo 27 1. Os programas e os serviços de educação destinados aos povos interessados deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com eles a fim de responder às suas necessidades particulares, e deverão abranger a sua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e todas suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais. 2. A autoridade competente deverá assegurar a formação de membros destes povos e a sua participação na formulação e execução de programas de educação, com vistas a transferir progressivamente para esses povos a responsabilidade de realização desses programas, quando for adequado. CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL 3. Além disso, os governos deverão reconhecer o direito desses povos de criarem suas próprias instituições e meios de educação, desde que tais instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela autoridade competente em consulta com esses povos. Deverão ser facilitados para eles recursos apropriados para essa finalidade. Artigo 28 1. Sempre que for viável, dever-se-á ensinar às crianças dos povos interessados a ler e escrever na sua própria língua indígena ou na língua mais comumente falada no grupo a que pertencem. Quando isso não for viável, as autoridades competentes deverão efetuar consultas com esses povos com vistas a se adotar medidas que permitam atingir esse objetivo. 2. Deverão ser adotadas medidas adequadas para assegurar que esses povos tenham a oportunidade de chegarem a dominar a língua nacional ou uma das línguas oficiais do país. 3. Deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e a prática das mesmas. Artigo 29 Um objetivo da educação das crianças dos povos interessados deverá ser o de lhes ministrar conhecimentos gerais e aptidões que lhes permitam participar plenamente e em condições de igualdade na vida de sua própria comunidade e na comunidade nacional. Artigo 30 1. Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições e culturas dos povos interessados, a fim de lhes dar a conhecer seus direitos e obrigações especialmente no referente ao trabalho e às possibilidades econômicas, às questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos direitos derivados da presente Convenção. 152 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG 2. Para esse fim, dever-se-á recorrer, se for necessário, a traduções escritas e à utilização dos meios de comunicação de massa nas línguas desses povos. Artigo 31 Deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os setores da comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam em contato mais direto com os povos interessados, com o objetivo de se eliminar os preconceitos que poderiam ter com relação a esses povos. Para esse fim, deverão ser realizados esforços para assegurar que os livros de História e demais materiais didáticos ofereçam uma descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos interessados. Convenção da UNESCO de 14 de dezembro de 1960 Relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino. A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris de 14 de novembro a 15 de dezembro de 1960, em sua décima primeira sessão. Artigo I 1. Para fins da presente Convenção, o termo „discriminação‰ abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou de nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e, principalmente: a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino; b) limitar a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo; 153 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Artigo V 1. Os Estados-Partes na presente Convenção convém que: a) a educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e ao fortalecimento do respeito aos direitos humanos e das liberdades fundamentais que devem favorecer a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações, todos os grupos raciais e religiosos, assim como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz; b) deve ser respeitada a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais, primeiramente, de escolher para seus filhos estabelecimento de ensino que não sejam mantidos pelos poderes públicos, mas que obedeçam às normas mínimas que possam ser prescritas ou aprovadas pelas autoridades competentes; e, em segundo lugar, de assegurar, conforme as modalidades de aplicação próprias da legislação de cada Estado, a educação religiosa e moral dos filhos, de acordo com suas próprias convicções; outrossim, nenhuma pessoa ou nenhum grupo poderá ser obrigado a receber instrução religiosa incompatível com suas convicções; c) deve ser reconhecido aos membros das minorias nacionais o direito de exercer atividades educativas que lhes sejam próprias, inclusive a direção das escolas e, segundo a política de cada Estado em matéria de educação, ou uso ou ensino de sua própria língua desde que, entretanto: (I) esse direito não seja exercido de uma maneira que impeça aos membros das minorias de compreender a cultura e a língua da coletividade e de tomar parte em suas atividades ou que comprometa a soberania nacional; Convenção da ONU de 21 de dezembro de 1965 Sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Artigo V De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os Estados-Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada um à 154 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos; a) direito a um tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administra justiça; b) direito à segurança da pessoa ou à proteção do Estado contra violência ou lesão corporal cometida, quer por funcionários de Governo, quer por qualquer indivíduo, grupo ou instituição; c) direitos políticos, particularmente direitos de participar nas eleições de votar e ser votado - conforme o sistema de sufrágio universal e igual, de tomar parte no Governo assim como na direção dos assuntos públicos a qualquer nível, e de acesso em igualdade de condições às funções públicas; d) outros direitos civis, particularmente: I) direito de circular livremente e de escolher residência dentro das fronteiras do Estado; II) direito de deixar qualquer país, inclusive o seu, e de voltar a seu país; III) direito a uma nacionalidade; IV) direito de casar-se e escolher o cônjuge; V) direito de qualquer pessoa, tanto individualmente como em conjunto, à propriedade; VI) direito de herdar; VII) direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; VIII) direito à liberdade de opinião e de expressão; IX) direito à liberdade de reunião e de associação pacífica; e) direitos econômicos, sociais e culturais, principalmente: I) direitos ao trabalho, à livre escolha de seu trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho, à proteção contra o desemprego, a um salário igual para um trabalho igual, a uma remuneração equitativa e satisfatória; 155 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL II) direitos de fundar sindicatos e a esses se filiar; III) direito à habitação; IV) direito à saúde pública, a tratamento médico, à previdência social e aos serviços sociais: V) direito à educação e à formação profissional; VI) direito à igual participação nas atividades culturais; f) direito de acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso do público, tais como meios de transporte, hotéis, restaurantes, cafés, espetáculos e parques. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 Artigo 27 Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua. Constituição Federal de 1988 Art. 3.À Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XIV – populações indígenas; XXIV – diretrizes e bases da educação nacional; Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: 156 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG XI – a disputa sobre direitos indígenas. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1.À O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais. § 2.À O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1.À A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. § 2.À Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3À - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (EC NÀ 14/96). 157 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL § 4À - Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1.À O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2.À A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1.À São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2.À As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3.À O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4.À As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. 158 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG § 5.À É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6.À São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7.À Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.À e 4.À. Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. Decreto nÀ 26 de 4 de fevereiro de 1991 Dispõe sobre a educação indígena no Brasil. O PRESIDENTE DA REPÐBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, inciso IV, da Constituição, tendo em vista o disposto na Lei nÀ 6.001, de 19 de dezembro de 1973 e em cumprimento da Convenção nÀ 107, da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto nÀ 58.825, de 14 de julho de 1966, sobre a proteção da integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes, DECRETA: Art. 1À Fica atribuída ao Ministério da Educação a competência para coordenar as ações referentes à educação indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, ouvida a FUNAI. 159 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Art. 2À As ações previstas no Art. 1À serão desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios em consonância com as Secretarias Nacionais de Educação do Ministério da Educação. Lei nÀ 9.394 de 20 de dezembro de 1996 Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público; Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I - as instituições de ensino mantidas pela União; II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III - os órgãos federais de educação. Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem: I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente. 160 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino. Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. § 4À O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: § 3À O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (¸ndios) Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências; II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. 161 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural a comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa. § 1À Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas. § 2À Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos: I - fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena; II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas; III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado. Resolução CEB nÀ 3 de 10 de novembro de 1999 Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências. O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições regimentais e com base nos artigos 210, § 2À, e 231, caput, da Constituição Federal, nos arts. 78 e 79 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda no Parecer CEB 14/99, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação, em 18 de outubro de 1999, RESOLVE: Art. 1À Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes 162 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. Art.2À Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola indígena: I - sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que se estendam por territórios de diversos Estados ou Municípios contíguos; II – exclusividade de atendimento a comunidades indígenas; III – o ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas, como uma das formas de preservação da realidade sociolinguística de cada povo; IV – a organização escolar própria. Parágrafo Ðnico. A escola indígena será criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa de comunidade interessada, ou com a anuência da mesma, respeitadas suas formas de representação. Art. 3À Na organização de escola indígena deverá ser considerada a participação da comunidade, na definição do modelo de organização e gestão, bem como: I - suas estruturas sociais; II - suas práticas socioculturais e religiosas; III - suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos de ensino e de aprendizagem; IV - suas atividades econômicas; V - a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das comunidades indígenas; 163 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL VI - o uso de materiais didáticos e pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sócio-cultural de cada povo indígena. Art 4À As escolas indígenas, respeitados os preceitos constitucionais e legais que fundamentam a sua instituição e normas específicas de funcionamento, editadas pela União e pelos Estados, desenvolverão suas atividades de acordo com o proposto nos respectivos projetos pedagógicos e regimentos escolares com as seguintes prerrogativas: I – organização das atividades escolares, independentes do ano civil, respeitado o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas; II – duração diversificada dos períodos escolares, ajustando-a às condições e especificidades próprias de cada comunidade. Art. 5À A formulação do projeto pedagógico próprio, por escola ou por povo indígena, terá por base: I – as Diretrizes Curriculares Nacionais referentes a cada etapa da educação básica; II – as características próprias das escolas indígenas, em respeito à especificidade étnica e cultural de cada povo ou comunidade; III - as realidades sociolínguística, em cada situação; IV – os conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos próprios de constituição do saber e da cultura indígena; V – a participação da respectiva comunidade ou povo indígena. Art. 6À A formação dos professores das escolas indígenas será específica, orientar-se-á pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e será desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores. Parágrafo único. Será garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização. 164 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Art. 7À Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores, habilidades, e atitudes, na elaboração, no desenvolvimento e na avaliação de currículos e programas próprios, na produção de material didático e na utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa. Art. 8À A atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia. Art. 9À São definidas, no plano institucional, administrativo e organizacional, as seguintes esferas de competência, em regime de colaboração: I – à União caberá legislar, em âmbito nacional, sobre as diretrizes e bases da educação nacional e, em especial: a) legislar privativamente sobre a educação escolar indígena; b) definir diretrizes e políticas nacionais para a educação escolar indígena; c) apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento dos programas de educação intercultural das comunidades indígenas, no desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa, com a participação dessas comunidades para o acompanhamento e a avaliação dos respectivos programas; d) apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino na formação de professores indígenas e do pessoal técnico especializado; e) criar ou redefinir programas de auxílio ao desenvolvimento da educação, de modo a atender às necessidades escolares indígenas; f) orientar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento de ações na área da formação inicial e continuada de professores indígenas; g) elaborar e publicar, sistematicamente, material didático específico e diferenciado, destinado às escolas indígenas. 165 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL II - aos Estados competirá: a) responsabilizar-se pela oferta e execução da educação escolar indígena, diretamente ou por meio de regime de colaboração com seus municípios; b) regulamentar administrativamente as escolas indígenas, nos respectivos Estados, integrando-as como unidades próprias, autônomas e específicas no sistema estadual; c) prover as escolas indígenas de recursos humanos, materiais e financeiros, para o seu pleno funcionamento; d) instituir e regulamentar a profissionalização e o reconhecimento público do magistério indígena, a ser admitido mediante concurso público específico; e) promover a formação inicial e continuada de professores indígenas. f) elaborar e publicar sistematicamente material didático, específico e diferenciado, para uso nas escolas indígenas. III - Aos Conselhos Estaduais de Educação competirá: a) estabelecer critérios específicos para criação e regularização das escolas indígenas e dos cursos de formação de professores indígenas; b) autorizar o funcionamento das escolas indígenas, bem como reconhecê-las; c) regularizar a vida escolar dos alunos indígenas, quando for o caso. § 1À Os Municípios poderão oferecer educação escolar indígena, em regime de colaboração com os respectivos Estados, desde que se tenham constituído em sistemas de educação próprios, disponham de condições técnicas e financeiras adequadas e contem com a anuência das comunidades indígenas interessadas. 166 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG § 2À As escolas indígenas, atualmente mantidas por municípios que não satisfaçam as exigências do parágrafo anterior passarão, no prazo máximo de três anos, à responsabilidade dos Estados, ouvidas as comunidades interessadas. Art.10 O planejamento da educação escolar indígena, em cada sistema de ensino, deve contar com a participação de representantes de professores indígenas, de organizações indígenas e de apoio aos índios, de universidades e órgãos governamentais. Art. 11 Aplicam-se às escolas indígenas os recursos destinados ao financiamento público da educação. Parágrafo Ðnico. As necessidades específicas das escolas indígenas serão contempladas por custeios diferenciados na alocação de recursos a que se referem os artigos 2À e 13À da Lei nÀ 9.424/96. Art. 12 Professor de escola indígena que não satisfaça as exigências desta Resolução terá garantida a continuidade do exercício do magistério pelo prazo de três anos, exceção feita ao professor indígena, até requerida.que possua a formação Art. 13 A educação infantil será ofertada quando houver demanda da comunidade indígena interessada. Art. 14 Os casos omissos serão resolvidos: I - pelo Conselho Nacional de Educação, quando a matéria estiver vinculada à competência da União; II - pelos Conselhos Estaduais de Educação. Art. 15 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Art. 16 Ficam revogadas as disposições em contrário. 167 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Lei nÀ 10.172 de 09 de janeiro de 2001 Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. 9. Educação Indígena 9.1 Diagnóstico No Brasil, desde o século XIV, a oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional. Dos missionários jesuítas aos positivistas do Serviço de Proteção aos ¸ndios, do ensino catequético ao ensino bilíngue, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os índios, fazer com que eles se transformassem em algo diferente do que eram. Nesse processo, a instituição da escola entre grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de identidades e culturas diferenciadas. Só em anos recentes esse quadro começou a mudar. Grupos organizados da sociedade civil passaram a trabalhar junto com comunidades indígenas, buscando alternativas à submissão desses grupos, como a garantia de seus territórios e formas menos violentas de relacionamento e convivência entre essas populações e outros segmentos da sociedade nacional. A escola entre grupos indígenas ganhou, então, um novo significado e um novo sentido, como meio para assegurar o acesso a conhecimentos gerais sem precisar negar as especificidades culturais e a identidade daqueles grupos. Diferentes experiências surgiram em várias regiões do Brasil, construindo projetos educacionais específicos à realidade sociocultural e histórica de determinados grupos indígenas, praticando a interculturalidade e o bilinguismo e adequandose ao seu projeto de futuro. O abandono da previsão de desaparecimento físico dos índios e da postura integracionista que buscava assimilar os índios à comunidade nacional, porque os entendia como categoria étnica e social fadada à extinção, está integrado nas mudanças e inovações garantidas pelo atual texto constitucional e fundamenta-se no reconhecimento da extraordinária capacidade de sobrevivência e mesmo de recuperação demográfica, como se verifica hoje, após 168 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG séculos de práticas genocidas. As pesquisas mais recentes indicam que existem hoje entre 280.000 e 329.000 índios em terras indígenas, constituindo cerca de 210 grupos distintos. Não há informações sobre índios urbanizados, e muitos deles preservam suas línguas e tradições. O tamanho reduzido da população indígena, sua dispersão e heterogeneidade tornam particularmente difícil a implementação de uma política educacional adequada. Por isso mesmo, é de particular importância o fato de a Constituição Federal ter assegurado o direito das sociedades indígenas a uma educação diferenciada, específica, intercultural e bilíngue, o que vem sendo regulamentado em vários textos legais. Só dessa forma se poderá assegurar não apenas sua sobrevivência física, mas também étnica, resgatando a dívida social que o Brasil acumulou em relação aos habitantes originais do território. Em que pese a boa vontade de setores de órgãos governamentais, o quadro geral da educação escolar indígena no Brasil, permeado por experiências fragmentadas e descontínuas, é regionalmente desigual e desarticulado. Há, ainda, muito a ser feito e construído no sentido da universalização da oferta de uma educação escolar de qualidade para os povos indígenas, que venha ao encontro de seus projetos de futuro, de autonomia e que garanta a sua inclusão no universo dos programas governamentais que buscam a satisfação a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, nos termos da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. A transferência da responsabilidade pela educação indígena da Fundação Nacional do ¸ndio para o Ministério da Educação não representou apenas uma mudança do órgão federal gerenciador do processo. Representou também uma mudança em termos de execução: se antes as escola indígenas eram mantidas pela FUNAI (ou por secretarias estaduais e municipais de educação, através de convênios firmados com órgão indigenista oficial), agora cabe aos Estados assumirem tal tarefa. A estadualização das escolas indígenas e, em alguns casos, sua municipalização ocorreram sem a criação de mecanismos que assegurassem certa uniformidade de ações que garantissem a especificidade destas escolas. A estadualização assim conduzida não representou um processo de instituição de parcerias entre órgão governamentais e entidades ou 169 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL organizações da sociedade civil, compartilhando uma mesma concepção sobre o processo educativo a ser oferecido para as comunidades indígenas, mas sim uma simples transferência de atribuições e responsabilidades da FUNAI para o MEC, e deste para as secretarias estaduais de educação, criou-se uma situação de acefalia no processo de gerenciamento global de assistência educacional aos povos indígenas. Não há hoje uma clara distribuição de responsabilidades entre a União, os Estados e Municípios, o que dificulta a implementação de uma política nacional que assegure a especificidade do modelo de educação intercultural e bilíngue às comunidades indígenas. Há também a necessidade de regularizar juridicamente as escolas indígenas, contemplando as experiências bem sucedidas em curso e reorientando outras para que elaborem regimentos, calendários, currículos, materiais didáticos e pedagógicos e conteúdos programáticos adaptados às particularidades étnicas, culturais e linguísticas próprias a cada povo indígena. 9.2 Diretrizes A Constituição Federal assegura às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. A coordenação das ações escolares de educação indígena está, hoje, sob responsabilidade do Ministério da Educação, cabendo aos Estados e Municípios, a sua execução. A proposta de uma escola indígena diferenciada, de qualidade, representa uma grande novidade no sistema educacional do País e exige das instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções e mecanismos, tanto para que estas escolas sejam de fato incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema oficial, quanto para que sejam respeitadas em suas particularidades. A educação bilíngue, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é melhor atendida através de professores índios. É preciso reconhecer que a formação inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores 170 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngue, no que se refere à metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico de línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico visando à sistematização e incorporação de conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didáticos e pedagógicos, bilíngues ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades. 9.3 Objetivos e metas 1. Atribuir aos Estados a responsabilidade legal pela educação indígena, quer diretamente, quer através de delegação de responsabilidades aos seus Municípios, sob a coordenação geral e com o apoio financeiro do Ministério da Educação. 2. Universalizar imediatamente a adoção das diretrizes para a política nacional de educação escolar indígena e os parâmetros curriculares estabelecidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação. 3. Universalizar, em dez anos, a oferta às comunidades indígenas de programas educacionais equivalentes às quatro primeiras séries do ensino fundamental, respeitando seus modos de vida, suas visões de mundo e as situações sociolinguísticas específicas por elas vivenciadas. 4. Ampliar, gradativamente, a oferta de ensino de 5… a 8… série à população indígena, quer na própria escola indígena, quer integrando os alunos em classes comuns nas escolas próximas, ao mesmo tempo em que se lhes ofereça o atendimento adicional necessário para sua adaptação, a fim de garantir o acesso ao ensino fundamental pleno. 171 CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007 Artigo 13 1. Os povos indígenas têm o direito de revitalizar, utilizar, desenvolver e transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradições orais, filosofias, sistemas de escrita e literaturas, e de atribuir nomes às suas comunidades, lugares e pessoas e de mantê-los. 2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir a proteção desse direito e também para assegurar que os povos indígenas possam entender e ser entendidos em atos políticos, jurídicos e administrativos, proporcionando para isso, quando necessário, serviços de interpretação ou outros meios adequados. Artigo 14 1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus sistemas e instituições educativos, que ofereçam educação em seus próprios idiomas, em consonância com seus métodos culturais de ensino e de aprendizagem. 2. Os indígenas, em particular as crianças, têm direito a todos os níveis e formas de educação do Estado, sem discriminação. 3. Os Estados adotarão medidas eficazes, junto com os povos indígenas, para que os indígenas, em particular as crianças, inclusive as que vivem fora de suas comunidades, tenham acesso, quando possível, à educação em sua própria cultura e em seu próprio idioma. Artigo 15 1. Os povos indígenas têm direito a que a dignidade e a diversidade de suas culturas, tradições, histórias e aspirações sejam devidamente refletidas na educação pública e nos meios de informação públicos. Artigo 18 172 VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões. Artigo 19 Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem. 173 Esta obra foi composta nas fontes Garamond-Normal Condensed e Arial Narrow e impressa em papel Polen Soft 90g [miolo] e Triplex 250g [capa] pela Gráfica (aqui vai o nome da gráfica que será definida)