Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular?

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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular?
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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular?
César Mattos 1
A ampla difusão da telefonia celular levou a alguns comportamentos curiosos dos usuários.
Muitos compram telefones que comportam chip de várias operadoras. Profissionais liberais e
prestadores de serviço costumam colocar, em seus cartões profissionais, vários números de
telefone celular, cada um de uma operadora diferente. É comum ver pessoas carregando mais de
um aparelho celular, cada um deles com chip de uma operadora diferente. Tornou-se usual o uso
da frase: “você tem um número fixo para o qual eu possa ligar?”. Parentes, namorados e amigos
que fazem muitas ligações entre si, tendem a escolher a mesma operadora, para aproveitar
ligações mais baratas ou promoções de ligação gratuita entre linhas daquela operadora.
Esse tipo de comportamento decorre da política de preços usada pelas operadoras de telefonia
móvel, que fixam preços diferenciados, cujo padrão é:
•
•
•
Cobrar mais barato por ligações entre linhas móveis da mesma operadora;
Cobrar mais caro nas ligações originadas em telefones fixos com destino a telefones
móveis;
Quando a operadora de telefonia móvel pertence a um grupo econômico que também é
proprietário de empresa de telefonia fixa, cobra-se mais barato pelas ligações que provêm
da operadora de telefone fixo pertencente ao mesmo grupo do que de ligações de telefone
fixo geradas em operadora rival.
Não existe um modelo de custos que apure adequadamente qual a diferença de custos entre uma
ligação entre linhas móveis daquela entre linha fixa e móvel; ou a diferença entre ligações dentro
de uma mesma rede móvel e ligações entre redes distintas. Não obstante isso, as diferenças de
preços cobrados ao consumidor, para esses distintos tipos de ligação telefônica, é bastante
grande, na casa dos múltiplos de dez.
Tal diferenciação de preços não é apenas consequência de diferentes custos para viabilizar as
chamadas; sendo, também, decorrente de estratégias das operadoras para maximizar lucro e
expandir participação de mercado.
1
Doutor em Economia.
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Há, portanto, nessas estratégias de fixação de preços, possibilidade de conduta anticompetitiva e
de lesão ao consumidor à qual as instituições reguladoras – ANATEL e Conselho Administrativo
de Defesa Econômica – devem ficar atentos.
Para entender o fenômeno é preciso, em primeiro lugar, saber que o regime de tarifação no Brasil
é baseado no princípio de que quem paga a ligação é o usuário que fez a chamada: “a parte que
chama paga” (calling party pays-CPP). Além disso, a operadora móvel que recebe uma chamada
tem o direito de cobrar pelo uso da sua rede. Trata-se da chamada “tarifa de interconexão” para
a terminação de chamadas da telefonia móvel, o VU-M (Valor de Uso da Rede Móvel) que serve
tanto para chamadas originadas em telefones fixos como celulares.
Suponha que João, usuário da operadora (fixa ou móvel) A faça uma ligação para Maria, que tem
uma linha móvel da operadora B. No preço cobrado de João por essa ligação estará embutida a
“tarifa de interconexão”, que irá para os cofres da operadora B.
Esse sistema de cobrança, usado em diversos países, gera incentivos para que a operadora B fixe
uma elevada tarifa de interconexão, encarecendo as ligações feitas para seus usuários a partir de
linhas de outras empresas. Isso aumentará a receita da operadora B. Parte dessa receita extra, a
operadora pode repassar a seus usuários, sob a forma de descontos na compra de aparelhos,
ligações a baixo custo entre linhas da própria operadora B ou créditos para ligações futuras.
O usuário de uma linha da operadora B, recebedor da chamada, é insensível a preços que são
pagos por quem faz a chamada. No momento de escolher a operadora, este não é um preço
relevante para ele. Ele vai dar mais atenção aos custos que ele pagará ao fazer suas próprias
ligações e ao custo de aquisição do aparelho celular, de modo que a operadora tem incentivos a
cobrar barato por isso, para atrair o cliente.
Ao usar essa estratégia, a operadora B atrairá muitos usuários. Por outro lado, uma vez que a
operadora B cobra barato por ligações entre linhas da sua própria rede, o consumidor vai se filiar
a essa operadora sempre que as pessoas com quem conversa frequentemente também tiverem
linhas da operadora B. Ou, então, se essa operadora tiver uma maior fatia de mercado, pois nesse
caso será mais amplo o leque de ligações que o consumidor poderá fazer sem sair da própria rede
e, portanto, sem pagar a tarifa de interconexão.
Se todas as operadoras de telefonia móvel raciocinarem e agirem da mesma forma que a
operadora B, o resultado será um equilíbrio de mercado no qual: (a) os usuários escolherão suas
operadoras de acordo com a operadora usada pelos seus interlocutores frequentes (por exemplo,
todos os membros de uma família usando a mesma operadora); (b) pessoas e firmas que usam
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intensamente o telefone (profissionais liberais, prestadores de serviço) terão celulares de vários
chips ou vários aparelhos, para fazer a maioria das suas ligações dentro da rede de uma mesma
operadora; (c) os consumidores evitarão as ligações de fixo para celular, pelo menos daqueles
que pertencem a grupos econômicos distintos.
Esse equilíbrio, embora não induza à dominação do mercado por uma empresa em particular,
preservando a concorrência, é ineficiente, pois gera custos desnecessários como o de adquirir um
aparelho mais caro (para vários chips); ou adquirir mais de um aparelho; ou restringir o leque de
escolhas de operadora de um indivíduo (eu posso achar que a qualidade das ligações da
operadora A é melhor, mas fico na operadora B porque meus interlocutores frequentes estão
nela); ou induzir a realização de mais de uma ligação (perco tempo e dinheiro fazendo uma
primeira ligação, a partir do meu telefone fixo, para um número móvel, apenas para perguntar se
a pessoa tem um número fixo para o qual eu possa ligar e ter uma conversa mais longa).
A cobrança da tarifa de interconexão também pode ser um indutor de comportamento cartelizado
das operadoras de telefonia móvel. Elas podem combinar que todas cobrarão uma tarifa de alto
valor, de modo que uma não roubará mercado da outra, mas todas as ligações que pagam tal
tarifa ficarão caras, elevando as receitas de todos os membros do cartel.
No caso brasileiro existe também um problema de desigualdade de concorrência. Isso porque
havendo grupos econômicos que possuem operadoras fixas e operadoras móveis, a estratégia
pode ser estendida para induzir a conexão entre fixo e móvel do mesmo grupo. Assim, ligações
de fixo para móvel de operadoras de um mesmo grupo econômico tendem a ser mais baratas
(com descontos que compensem a tarifa de interconexão) que aquelas de fixo de um grupo para
móvel de outro grupo.
As duas principais operadoras de telefonia fixa, Oi e Telefonica, têm seus próprios braços
móveis, Oi e Vivo/TIM, respectivamente. A GVT, por outro lado, não tem um braço móvel. Por
isso, se tornou a grande prejudicada nesse sistema de tarifação, pois seus usuários pagam altas
tarifas de interconexão com as outras redes e ela própria não tem como contratacar, pois não tem
operadora móvel para cobrar tarifa de interconexão das demais, nem pode dar desconto nas
ligações dentro do próprio grupo.
A GVT reclamou do desequilíbrio à ANATEL e ao CADE. Apesar de a Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) 2 ter concluído que o valor elevado do VU-M
constituía uma ação anticompetitiva de três operadoras de telefonia celular (Vivo, Claro e TIM)
2
Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000515371906.pdf
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para elevar os custos das rivais, o Tribunal da Concorrência 3 entendeu não caber intervenção do
órgão. Isto porque as tarifas de interconxão são reguladas pela ANATEL, e as operadoras não
estavam desrespeitando os limites de valor impostos pela agência reguladora. Apenas estavam
fixando tarifas de interconexão no limite máximo fixado pela ANATEL. Em função disso, como
será mostrado adiante a ANATEL anunciou maior rigor no controle de tarifas de interconexão
para a terminação de chamadas da telefonia móvel.
Note-se que no estágio inicial de implantação da telefonia móvel uma elevada tarifa de
interconexão entre linhas fixas e móveis cumpria o importante papel de estimular a expansão da
rede móvel. Imagine uma situação inicial em que poucas pessoas usam telefone celular e quase
todo mundo usa telefone fixo. A imposição de uma VU-M encarece a ligação de fixo para móvel.
Assim, se eu quero falar com uma das poucas pessoas que tem telefone móvel eu pagarei mais
caro, o que me estimularia a ter uma linha móvel. Ao mesmo tempo, como visto acima, o VU-M
é um poderoso instrumento para que as empresas de telefonia móvel ofereçam condições
atrativas para atrair clientes a uma linha móvel (aparelhos baratos, ligações gratuitas entre linhas
da mesma rede, etc.). Isso ajudou na rápida expansão da telefonia móvel, ao atrair um grande
número de consumidores para essa modalidade de telefonia.
Todavia, o Brasil, assim como a grande maioria dos países, já ultrapassou essa fase inicial de
consolidação da telefonia móvel, de modo que o ônus imposto à telefonia fixa, para incentivar a
móvel, torna-se menos relevante. Em dezembro de 2013 havia 271,1 milhões de linhas móveis,
representando 136,45 celulares por 100 habitantes 4. Estes números sugerem que os benefícios
dos subsídios cruzados entre linhas fixas e móveis seriam muito menores que no passado,
quando era importante ampliar a rede móvel, gerando economias de escala e impondo
concorrência à telefonia fixa.
Este problema está longe de ser exclusividade brasileira, tendo ocorrido em todos os países que
usam o sistema de quem chama paga. Nesse sentido, os países da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizaram grandes esforços nos últimos anos para
reduzir a tarifa de interconexão da telefonia móvel. A Australian Competition and Consumer
Commission (ACCC) desde 1997 supervisiona as tarifas de terminação de chamadas em
operadoras móveis. A Comissão Européia em fevereiro de 2003 incluiu a terminação de
chamadas das móveis no rol de preços que as autoridades reguladoras nacionais européias
deveriam regular.
3
4
Processo Administrativo 08012.008501/2007-91Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000756991343.pdf
Os dados do Brasil foram extraídos do site da Telecom, www.teleco.com.br
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Como resultado destes esforços, o Relatório da OCDE de 2012 5 indica que entre 2006 e 2011
houve uma queda média de 53% nas tarifas de terminação de móveis dos países da OCDE.
No Brasil, após uma década de pouco movimento da ANATEL no assunto, resolveu-se seguir a
experiência dos países desenvolvidos e definir um cronograma mais significativo de queda da
VU-M. Entre 2010 e 2015, prevê-se uma queda de cerca de 62% da VU-M. Na região I do Plano
Geral de Outorgas, por exemplo, a VU-M média passaria de R$ 0,42285 por minuto em 2010
para R$ 0,160908 em 2015. O padrão de queda nas outras duas regiões é bem similar. A
introdução de um modelo de custos em muito ajudaria a calibrar estas tarifas de forma adequada.
Em resumo, a tarifação de terminação de chamadas constitui um monopólio da operadora a qual
o usuário chamado está conectado. Este usuário que recebe a chamada é em geral pouco elástico
ao preço de terminação, gerando espaço para exercício de poder de mercado pela operadora. De
fato, poucos indagam a operadora, quando escolhem seu plano de celular, qual a tarifa que quem
chama paga.
A elevada tarifa de terminação de chamadas no Brasil, a VU-M, gerou várias distorções, entre
elas um significativo diferencial entre o custo das chamadas realizadas dentro e fora de uma
mesma rede. Isto distorce a concorrência em favor de operadoras grandes ou reduz a escolha dos
consumidores, forçando-os a aderir à operadora usada por seus interlocutores frequentes.
Há várias formas de contornar o problema como adotar, pelo menos em parte, i) o regime de
quem recebe paga (Receiving Party Pays-RPP) adotado nos EUA, ii) regime de Bill and Keep no
qual as operadoras não pagam (ou pagam apenas a partir de certo percentual de diferença entre
chamadas originadas e recebidas) interconexão entre si; iii) regular mais vigorosamente as tarifas
de terminação em móveis, inclusive com base em uma metodologia de custos.
A ANATEL (2012) optou por uma combinação de ii e iii. Introduziu um bill and keep parcial
temporário na relação de interconexão entre operadoras móveis com (Oi, Vivo, TIM e Claro) e
sem (todas as outras) Poder de Mercado Significativo, inicialmente na proporção de tráfego de
80/20% e depois na proporção 60/40%. O Bill and Keep entre operadoras móveis com e sem
PMS desapareceria após um período de transição. Ademais, a ANATEL definiu um cronograma
de redução da VU-M até 2016, que vale para todas as relações de interconexão com terminação
em móvel quando se prevê a adoção de uma metodologia de custos.
5
New OECD Report released on developments in mobile termination rates.
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Acreditamos que o órgão regulador está na direção correta, sendo que o modelo de custos, se
apropriadamente implantado, poderá representar grande avanço no tratamento desta importante
questão regulatória em telecomunicações. Antes tarde do que nunca.
Este texto está disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2117

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