Controle Jurisdicional dos Atos Discricionários da Administração

Transcrição

Controle Jurisdicional dos Atos Discricionários da Administração
MARCELO NETTO DE MOURA LOPES
CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS
DISCRICIONÁRIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Monografia apresentada como requisito para a
conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em
Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios – FESMPDFT.
Orientador: Prof. Paulo Afonso Cavichioli Carmona
BRASÍLIA – DF
2009
Aos meus irmãos Eduardo e Marina:
que tenham um futuro promissor.
Agradeço à minha família, pelo apoio; aos meus amigos,
pelos bons momentos; aos meus professores, pelos
ensinamentos; e à força divina, pela presença.
“A vida é como jogar uma bola na parede. Se for jogada
uma bola azul, ela voltará azul, se for jogada uma bola
verde, ela voltará verde, se a bola for jogada fraca, ela
voltará fraca, se a bola for jogada com força, ela voltará
com força. Por isso, nunca jogue uma bola na vida de
forma que você não esteja pronto a recebê-la”.
Albert Einstein
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ____________________________________________________________ 7
1. ATOS ADMINISTRATIVOS _______________________________________________ 9
1.1 Introdução __________________________________________________________________ 9
1.2 Conceito ___________________________________________________________________ 11
1.3 Planos da perfeição, validade e eficácia _________________________________________ 13
1.4 Atributos dos atos administrativos _____________________________________________ 16
1.5 Requisitos dos atos administrativos ____________________________________________ 21
1.6 Classificações dos atos administrativos _________________________________________ 35
1.7 Espécies dos atos administrativos ______________________________________________ 40
1.8 Extinção dos atos administrativos ______________________________________________ 42
1.8.1 Revogação _____________________________________________________________________ 43
1.8.2 Invalidação_____________________________________________________________________ 47
2 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ______________________________ 53
2.1 Introdução e conceito ________________________________________________________ 53
2.2 Classificação _______________________________________________________________ 54
2.3 Controle administrativo ______________________________________________________ 55
2.4 Controle legislativo __________________________________________________________ 65
3 CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DISCRICIONÁRIOS ________________ 69
3.1 Controle judicial ____________________________________________________________ 69
3.1.1 Sistemas de controle______________________________________________________________ 71
3.1.2 Atos sujeitos a controle especial ____________________________________________________ 72
3.1.3 Instrumentos de controle __________________________________________________________ 74
3.2 Discricionariedade administrativa _____________________________________________ 77
3.3 Limites à discricionariedade __________________________________________________ 81
3.4 Extensão do controle judicial _________________________________________________ 86
3.5 Jurisprudência _____________________________________________________________ 89
CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________ 96
RESUMO
A presente obra possui por objeto de estudo o controle jurisdicional dos atos
discricionários da Administração Pública, analisado à luz da doutrina, da jurisprudência, e da
legislação pátria, com a finalidade de se identificar de que forma e com que alcance o controle
da atividade administrativa não vinculada é exercido pelo poder Judiciário brasileiro. Durante
o desenvolvimento do trabalho foram abordadas certas noções jurídicas preliminares relativas
aos atos administrativos, tais como o conceito, atributos, requisitos, classificações, espécies e
formas de extinção, permitindo, com isto, uma melhor compreensão do tema explorado. Mais
adiante, também se discorreu acerca do controle da Administração Pública, com tópicos como
o controle administrativo, o controle legislativo, e o papel dos tribunais de contas. Por fim, o
controle judicial propriamente dito foi objeto de estudo, momento em que a discricionariedade
administrativa pôde ser tratada de forma mais aprofundada. Os assuntos em voga permitiram
concluir que a competência discricionária administrativa de fato possui limites traçados dentro
do nosso ordenamento jurídico, mais especificamente em razão dos princípios da realidade e
razoabilidade, os quais atuam sobre o motivo e o objeto do ato, cuja integração, realizada pela
análise da conveniência e da oportunidade, dimensiona o mérito administrativo e, em última
análise, define a extensão do controle jurisdicional dos atos discricionários. Muito embora a
jurisprudência dos tribunais superiores ainda seja deveras tímida, a possibilidade de controle
vem sendo admitida em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal. Desta forma o controle - além de manter integro o campo de apreciação subjetiva do
administrador - coíbe a prática de atos viciados por desvios de finalidade, derivados de abusos
praticados pela Administração Pública, de sorte a tornar viável um constante aperfeiçoamento
do exercício da discrição administrativa, em benefício da sociedade brasileira como um todo.
FATOS JURÍDICOS – ATOS JURÍDICOS – ATOS ADMINISTRATIVOS – ATOS DA
ADMINISTRAÇÃO – CONCEITO – ATRIBUTOS – REQUISITOS – CLASSIFICAÇÕES
– ESPÉCIES – FORMAS DE EXTINÇÃO – CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA – CONTROLE ADMINISTRATIVO – CONTROLE LEGISLATIVO –
TRIBUNAIS DE CONTAS – CONTROLE JUDICIAL – DISCRICIONARIEDADE
ADMINISTRATIVA – LIMITES – EXTENSÃO DO CONTROLE JUDICIAL.
7
INTRODUÇÃO
De acordo com o princípio da legalidade, a Administração Pública somente
está autorizada a atuar dentro dos limites da lei, razão pela qual todos os atos administrativos
possuem os atributos da presunção de veracidade e da legitimidade.
A veracidade tem relação com o conteúdo do ato administrativo, o qual se
presume ser verdadeiro; e a legitimidade tem pertinência com a competência para a prática do
ato, a qual se presume ser correta. Referida presunção é relativa, juris tantum, da qual cabe
prova em contrário, com a exceção de poucos atos administrativos, que possuem presunção
absoluta, jure et de jure, não admitindo qualquer produção probatória em sentido contrário.
Esta presunção possui grande relevância em termos processuais, diante do
ônus da prova no direito processual civil, regido pela Lei Federal nº. 5.869 de 19731. Logo,
não é abalada por meras alegações genéricas, ou desprovidas de efetivo suporte.
Em razão disto, para fazer frente aos efeitos de atos administrativos que não
sejam válidos, os administrados enfrentam uma luta processual que já se inicia desequilibrada,
diante da verticalidade jurídica entre o poder público e os particulares.
Somada a esta circunstância, o tema abordado nesta obra adquire ainda mais
importância quando se considera a existência de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
no sentido de que certos atos administrativos – denominados de atos discricionários – sequer
poderiam ser submetidos ao controle do poder Judiciário.
1
Lei nº. 5.869, de 11/01/1973. Institui o Código de Processo Civil. D.O.U. de 17/01/1973.
8
O problema a ser enfrentado é justamente o de se verificar até que ponto a
tese restritiva efetivamente vinga, e como a doutrina e a jurisprudência têm se posicionado em
relação a ela. Para tanto, alguns tópicos serão explorados nesta obra, a fim de viabilizar uma
maior elucidação acadêmica do tema, permitindo que o objetivo final da obra seja alcançado.
Neste sentido, o primeiro capítulo trata de conceitos jurídicos fundamentais
relativos à disciplina dos atos administrativos, como: a) a distinção entre ato e fato jurídico; b)
a conceituação de ato administrativo; c) o plano da perfeição, validade e eficácia, bem como o
conceito de vigência dos atos jurídicos; d) os atributos e requisitos dos atos administrativos; e)
as classificações e espécies dos atos administrativos; e f) a extinção dos atos administrativos,
com uma análise especial das formas mais importantes: a revogação e a invalidação.
Já o segundo capítulo trata do controle da Administração Pública, e aborda
tópicos como o conceito e a classificação das diversas modalidades de controle, assim como o
controle administrativo, o controle legislativo, e o papel dos tribunais de contas.
Por fim, o terceiro capítulo foi reservado apenas ao controle judicial, e trata
sobre os diferentes sistemas de controle, os atos sujeitos a controle especial, os instrumentos
jurídicos existentes, e, em especial, sobre a discricionariedade administrativa, os seus limites,
e a extensão do controle judicial sobre os atos discricionários da Administração Pública, com
destaque para a jurisprudência dos tribunais superiores sobre o assunto.
Portanto, sem maiores delongas, passa-se ao desenvolvimento dos trabalhos,
inaugurando-se o modesto estudo, na esperança de que possa contribuir, ao menos, para traçar
um panorama atual do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários.
9
1. ATOS ADMINISTRATIVOS
Uma breve elucidação técnica acerca de conceitos jurídicos fundamentais
concernentes à disciplina dos atos administrativos faz-se necessária a fim de permitir a melhor
compreensão do tema que será explorado na presente obra.
1.1 Introdução
Para se alcançar o conceito de ato administrativo, primeiro deve-se fazer a
distinção entre fato e ato jurídico. Fato jurídico é um determinado fato inserido no mundo dos
fenômenos, ao qual o direito atribui uma conseqüência ou efeito.2
O fato jurídico, por sua vez, subdivide-se em fato jurídico objetivo e em fato
jurídico subjetivo. O fato jurídico objetivo é aquele que decorre de eventos ligados à natureza,
no qual não existe manifestação de vontade humana. Já o fato jurídico subjetivo é aquele que
decorre justamente da manifestação da vontade humana, podendo ser lícito, quando não fere o
direito; ou ilícito, quando contraria o ordenamento jurídico, gerando o dever de indenizar.3
Com relação aos fatos jurídicos subjetivos lícitos, podem ser classificados
em negócio jurídico, e em atos jurídicos em sentido estrito. O negócio jurídico tem finalidade
puramente negocial, criando direitos e obrigações entre os envolvidos. Já o ato jurídico em
sentido estrito também decorre da manifestação de uma vontade lícita, porém os seus efeitos
já se encontram previstos na legislação, assim como ocorre, p. ex., no casamento.
2
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2005.
Páginas 149 a 150.
3
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 333.
10
O ato administrativo pode, então, ser classificado como um ato jurídico em
sentido estrito, visto que seus efeitos encontram-se previstos em lei, em virtude do princípio
da legalidade, que norteia a atuação da administração pública.4
Os fatos administrativos nada mais são do que fatos da natureza aos quais o
direito administrativo atribui efeito; e o contrato administrativo é espécie de negócio jurídico
bilateral, podendo ser típico, quando a administração pública ocupa posição de supremacia (o
que caracteriza esta espécie de contrato é a presença das chamadas cláusulas exorbitantes), ou
atípico, quando sua relação pauta-se na horizontalidade entre os contratantes.5
Segue abaixo um esquema ilustrativo:
FATO JURÍDICO
OBJETIVO
4
SUBJETIVO
FATO DA
NATUREZA
LÍCITO
ILÍCITO
FATO
ADMINISTRATIVO
NEGÓCIO
JURÍDICO
ATO JURÍDICO EM
SENTIDO ESTRITO
CONTRATO
ADMINISTRATIVO
ATO
ADMINISTRATIVO
MELO, Olivia Braz Vieira de. O controle jurisdicional do ato administrativo discricionário à luz do
princípio da juridicidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8955>. Acesso em
20/04/2009.
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 182 a
183.
11
Revela-se importante, no entanto, consignar que os atos administrativos não
equivalem a atos da administração, haja vista que nem todo ato praticado pela Administração
Pública pode ser considerado ato administrativo6.
Dentre os atos da administração inserem-se: 1) os atos praticados sob o
regime de direito privado, sem verticalidade, como a locação civil contratada pelo poder
público; 2) os atos materiais, de mera execução, que configuram apenas o cumprimento de um
determinado ato administrativo, não se confundindo com este; e 3) os atos políticos, de
governo, os quais se inserem dentro do exercício da função política (que, por sinal, são
amplamente discricionários, visto que retiram fundamento de validade diretamente do texto
constitucional, como, p. ex., o veto político exercido pelo Presidente da República).7
Também nem todo ato administrativo chega a ser necessariamente praticado
pela Administração Pública no sentido subjetivo, visto que, por exemplo, o poder Judiciário, o
poder Legislativo e o Ministério Público, cada qual no exercício de funções atípicas, também
praticam atos administrativos, como ocorre no caso da concessão de férias a um determinado
servidor. Logo, nem todo ato administrativo é praticado pela Administração Pública, e nem
todo ato praticado pela Administração Pública é ato administrativo.
1.2 Conceito
Celso Antônio Bandeira de Mello trabalha com o seguinte conceito de ato
administrativo (o qual servirá de base para o desenvolvimento do presente tópico); é a:
6
JUNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Página
148.
7
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 240 a 243.
12
“[...] declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas,
manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou,
excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente
vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitas a controle de
legitimidade por órgão jurisdicional”. 8
Trata-se de declaração tendo em vista que se constitui de uma manifestação
de vontade, o que o distingue do fato administrativo. A circunstância de ser unilateral, apesar
de ser acidental, serve para distinguir o ato administrativo do contrato administrativo, o qual é
formado por mais de uma parte, e regido pela Lei Federal nº. 8.666 de 19939.
O termo “Estado” é uma expressão mais ampla que Administração Pública,
visto que nem todo ato administrativo é por esta praticada. O poder Legislativo, o Ministério
Público, o poder Judiciário, o permissionário ou o concessionário de serviços públicos, ou até
mesmo um particular investido de prerrogativas públicas pode praticar atos administrativos.
A expressão “no exercício de prerrogativas públicas” esclarece que todos os
atos administrativos devem ser praticados em relação de verticalidade, na qual há supremacia
do interesse público sobre o interesse particular, distinguido, com isto, os atos administrativos
dos atos praticados sob o regime de direito privado.
“Comandos concretos” é elemento acidental, tendo em vista que exclui os
atos administrativos abstratos, tais como os regulamentos, instruções, etc. Também se diz que
os atos administrativos são “complementares da lei” vez que somente podem ser praticados
diante de expressa (e prévia) previsão legal, em decorrência do princípio da legalidade.
8
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 341.
9
Lei nº. 8.666, de 21/06/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para
licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. D.O.U. de 22/06/1993.
13
Os atos administrativos que retiram fundamento de validade diretamente da
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05/10/1988, são plenamente
vinculados (p. ex.: o prazo de validade dos concursos públicos encontra-se previsto no art. 37,
III da Constituição Federal), ao contrário dos atos políticos, ou de governo, os quais, muito
embora também retirem fundamento de validade diretamente da Constituição Federal, não são
atos administrativos propriamente ditos, além de serem amplamente discricionários.
1.3 Planos da perfeição, validade e eficácia
A análise de um determinado ato administrativo passa necessariamente pelo
estudo dos planos da perfeição, da validade e da eficácia. O plano da perfeição diz respeito à
existência do ato administrativo. Diz-se perfeito o ato que completou o seu ciclo de formação,
esgotando as fases necessárias para sua produção, estando, portanto, devidamente concluído.10
O plano da validade pressupõe o plano da perfeição, relacionando-se com a
conformidade do ato administrativo ao ordenamento jurídico ao qual se encontra vinculado,
ou seja, significa que o ato atende às exigências de seu sistema normativo.11
O terceiro plano, da eficácia, também pressupõe o plano da existência, mas
significa que o ato administrativo encontra-se apto a produzir os seus efeitos típicos, próprios,
sem depender de nenhuma condicionante, como um termo inicial. 12
10
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 116 a 117.
11
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 1ª Edição. Bauru: Edipro: 2001. Páginas 46 a 47.
12
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Página 117.
14
Os efeitos típicos do ato administrativo são aqueles inerentes à sua função
jurídica, ou seja, ao seu conteúdo (a finalidade para a qual foi criado). Um ato de exoneração,
por exemplo, visa romper o vínculo com a Administração Pública: este é seu efeito típico.
Os efeitos atípicos podem ser subdivididos em efeitos atípicos preliminares
e em efeitos atípicos reflexos. Os efeitos atípicos preliminares existem desde a criação do ato
até o momento em que este passa a produzir os seus efeitos típicos, tendo relação com os atos
que dependem de outro ato controlador, por parte da autoridade competente (ex.: atos sujeitos
à ratificação, como a dispensa de licitação prevista na Lei Federal nº. 8.666 de 199313), o qual
funciona como uma espécie de condição de eficácia do ato controlado.14
Os efeitos atípicos reflexos não obstam a produção dos efeitos típicos do ato
administrativo, pois atingem terceiros que não foram objetivados pela produção do ato, como
ocorre, p. ex., no caso da desapropriação que acaba por afetar a esfera jurídica de direitos do
terceiro que por ventura alugava o imóvel em razão de um contrato civil de locação.
Um ato administrativo pode ser perfeito, válido e eficaz; pode ser perfeito,
inválido e eficaz; pode ser perfeito, inválido e ineficaz; e pode ser perfeito, válido e ineficaz.
Diz-se perfeito, válido e eficaz o ato administrativo que foi criado, cumprindo o seu ciclo de
formação sem violar a lei, já devidamente publicado, e apto a produzir os seus efeitos típicos.
Perfeito, inválido e eficaz é o ato administrativo que foi criado, cumprindo o
seu ciclo de formação, porém viola a legislação, é ilegal, não obstante tenha sido publicado, e
13
Lei nº. 8.666, de 21/06/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para
licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. D.O.U. de 22/06/1993.
14
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 342 a 343.
15
esteja produzindo efeitos, podendo, inclusive, estar gerando direitos adquiridos para terceiros
de boa-fé, como, p. ex., um ato administrativo praticado com desvio de finalidade.
O ato administrativo pode, ainda, ser perfeito, inválido e ineficaz, caso em
que foi criado, cumpriu o seu ciclo de formação, porém é ilegal, e não chegou a ser publicado,
razão pela qual ainda não produziu efeitos jurídicos, devendo ser invalidado.
O ato administrativo perfeito, válido e ineficaz é aquele criado, que cumpriu
o seu ciclo de formação, e não padece de nenhum vício de ilegalidade, porém, ainda não surte
efeitos, por não ter sido publicado, ou por depender de alguma condição suspensiva.
Percebe-se, portanto, que a publicidade não guarda nenhuma relação com o
plano da validade do ato administrativo, mas sim com o plano de sua eficácia.
Com relação à vigência do ato administrativo, na verdade diz respeito ao seu
ciclo de vida, mais especificamente ao prazo de duração do ato, desde a sua criação, até a sua
extinção, não se confundindo com os planos da existência, da validade e da eficácia. 15
Por fim, também é importante distinguir eficácia de exeqüibilidade.
Como se sabe, a exeqüibilidade pressupõe a eficácia, e consiste na efetiva
possibilidade de execução do ato administrativo; ou seja, a exeqüibilidade não se relaciona
com o ato propriamente dito, mas com a sua execução material. 16
15
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 70 a 71.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 252 a 253.
16
16
1.4 Atributos dos atos administrativos
Os atributos dos atos administrativos são características que os diferenciam
dos atos meramente privados, são prerrogativas excepcionais que o ordenamento jurídico os
concede, a fim de permitir que o poder público exerça as suas funções.
Tais prerrogativas tiram fundamento de validade no Estado Democrático de
Direito, e são voltadas para a finalidade pública, sendo atribuídas aos atos administrativos, e
não à Administração Pública. Tratam-se de atributos condicionados ao interesse público.17
Referidos atributos podem ser enumerados em 4 (quatro).
A presunção de veracidade e legitimidade atinge os atos administrativos de
uma forma geral. Todo e qualquer ato administrativo possui esta característica, no entanto se
trata de uma presunção relativa, juris tantum, da qual cabe prova em contrário.18
A presunção é de veracidade e legitimidade. Veracidade relaciona-se com o
conteúdo do ato administrativo, que se presume verdadeiro; fidedigno. Já a legitimidade tem
pertinência com a competência para a criação do ato, a qual se presume ser correta.
O ato administrativo é, portanto, verdadeiro quanto ao conteúdo, e legítimo
quanto à competência, até prova em contrário. Trata-se de uma inversão do ônus da prova, a
fim de permitir ao poder público atingir as finalidades públicas que dele se esperam. Referida
prova pode ser produzida pelo interessado, tanto na esfera judicial, como administrativa.
17
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 72 a 73.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2005.
Páginas 158 a 160.
18
17
Poucos são os atos administrativos praticados com presunção absoluta no
âmbito do direito administrativo. Um exemplo é a aposentadoria compulsória aos 70 (setenta)
anos de idade, prevista na Constituição Federal, a qual configura uma presunção absoluta de
incapacidade, não admitindo qualquer produção probatória em contrário.
A presunção relativa de veracidade e legitimidade decorre da incidência do
princípio da legalidade, visto que, como a Administração Pública só está autorizada a fazer o
que se encontra previsto na lei, pela lógica dedutiva todos os seus atos são, em tese, regulares,
salvo prova em contrário decorrente da aplicação da lógica empirista.19
Esta presunção possui grande relevância em termos processuais (em razão
do ônus da prova no direito processual civil, regido pela Lei Federal nº. 5.869 de 197320), não
sendo abalada por meras alegações genéricas, ou desprovidas de efetivo suporte probatório.
Ademais, importante registrar que, como nem todos os atos praticados pela
Administração Pública são administrativos, nem todos são contemplados com tal atributo.
De fato, os atos praticados pela Administração Pública em regime privado,
os atos políticos, ou de mera execução não possuem presunção de veracidade e legitimidade.
Outro atributo dos atos administrativos é a imperatividade, no entanto, ao
contrário do que ocorre com a presunção de veracidade e legitimidade, a imperatividade não é
atributo de todo e qualquer ato administrativo, mas tão somente dos restritivos de direitos.
19
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
Páginas 159 a 160.
20
Lei nº. 5.869, de 11/01/1973. Institui o Código de Processo Civil. D.O.U. de 17/01/1973.
18
A imperatividade é característica do poder de polícia. Trata-se da qualidade
pela qual certos atos administrativos podem ser impostos a terceiros, seus destinatários, sem a
sua concordância, impondo-lhe determinados comportamentos de forma unilateral.21
Como exemplo, pode ser citada a imposição de uma multa a um particular,
eis que referido ato administrativo independe da vontade do administrado.
A imperatividade também é chamada de poder extroverso da Administração
Pública. Atinge os atos restritivos de direitos, conforme já exposto anteriormente, os quais são
aos atos que reduzem a esfera jurídica do administrado (p. ex.: a cassação de uma autorização
pelo poder público), ao contrário dos atos ampliativos de direito, os quais aumentam a esfera
jurídica do administrado (p. ex.: a outorga de uma autorização pelo poder público).
O atributo da exigibilidade está intrinsecamente ligado à imperatividade dos
atos administrativos. Trata-se da qualidade pela qual o poder público pode efetivamente exigir
o cumprimento de uma determinada obrigação, imposta pelo atributo da imperatividade, sem
a necessidade de prévia autorização do poder Judiciário.22
Portanto, como depende da imperatividade, trata-se de um atributo afeto aos
atos administrativos restritivos de direitos. É uma forma indireta de coação, materializada no
poder de que dispõe a Administração Pública de, p. ex., multar o particular, a fim de induzi-lo
a cumprir a obrigação principal, exigível em virtude da imperatividade. A multa é um instituto
fundamental, ato típico da exigibilidade dos atos administrativos.
21
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Página 191.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 370.
22
19
Apenas a título de curiosidade, no direito material civil23 existe um exemplo
de exigibilidade, consistente na possibilidade de que dispõem os hospedeiros e fornecedores
de pousada ou alimento, de reter bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que seus consumidores
ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, como forma indireta
de coação para o pagamento das despesas ou consumo que aí tiverem feito.
Mais um atributo dos atos administrativos é a chamada auto-executoriedade,
qualidade que autoriza o poder público a compelir materialmente o administrado, de forma
unilateral, independentemente de intervenção do poder Judiciário.24
A auto-executoriedade submete-se à possibilidade de controle jurisdicional
em momento posterior pelo poder Judiciário, sem que isto prejudique a execução direta do ato
pela Administração Pública, que pode agir de ofício.
Trata-se, portanto, de um meio direto de coação, por meio do qual o poder
público pode impor um determinado comportamento, independentemente de concordância do
particular, ao contrário da simples exigibilidade por meio da aplicação de uma multa.
A auto-executoriedade não é atributo que está presente em todo e qualquer
ato administrativo restritivo de direito. Somente existe quando a lei expressamente a prevê, de
forma a autorizar o poder público ao exercício de uma determinada conduta. Como exemplos
podem ser encontrados vários casos previstos no Código de Trânsito Brasileiro25.
23
Lei nº. 10.406, de 10/01/2002. Institui o Código Civil. D.O.U. de 11/01/2002.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 273 a 276.
25
Lei nº. 9.503, de 23/09/1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. D.O.U. de 24/09/1997.
24
20
Também existem casos implícitos no ordenamento jurídico pátrio, como nos
momentos em que a auto-executoriedade faz-se necessária a fim de tutelar interesse público
urgente, sem que exista tempo hábil para que o poder Judiciário seja provocado.
Por se tratar de uma hipótese muito genérica, exige-se uma previsão legal ao
menos implícita de sorte a autorizar a atuação da Administração Pública, a qual deve agir de
forma razoável e proporcional, evitando, com isto, qualquer ofensa ao princípio da legalidade.
Também a título de curiosidade, no direito material civil existe um caso de
auto-executoriedade, previsto no art. 1.210, caput e § 1º do Código Civil Brasileiro26:
“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver
justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por
sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de
desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição
da posse”.
Trata-se do desforço imediato.
Por fim, há ainda quem defenda existir um 5º (quinto) atributo: a tipicidade
dos atos administrativos, defendida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a
figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados
resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar
existe um ato definido em lei”.27
26
27
Lei nº. 10.406, de 10/01/2002. Institui o Código Civil. D.O.U. de 11/01/2002.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Página 193.
21
Trata-se da mesma tipicidade prevista no direito material penal e tributário,
no entanto, apesar de seu caráter eminentemente garantista, tendo em vista que engessa muito
da atividade administrativa, não é reconhecida pela maioria da doutrina brasileira.
1.5 Requisitos dos atos administrativos
A Lei Federal que trata do processo administrativo (Lei Federal nº. 9.784 de
199928) poderia ter enumerado de forma sistemática todos os requisitos do ato administrativo,
no entanto foi silente neste aspecto, apesar de mencionar alguns de passagem.
Foi então a doutrina que se encarregou de definir tais requisitos, sendo que,
conforme Celso Antônio Bandeira de Mello 29, existem 10 (dez) deles, os quais subdividem-se
em elementos do ato administrativo e pressupostos do ato administrativo, estes últimos ainda
divididos em pressupostos de existência e em pressupostos de validade.
Os elementos do ato administrativo são intrínsecos, e sua ausência importa
na inexistência do ato. Os pressupostos de existência do ato administrativo são extrínsecos, e
sua ausência importa na inexistência de um ato jurídico, ou na impossibilidade de classificá-lo
como ato administrativo. Já os pressupostos de validade do ato administrativo são extrínsecos,
e sua ausência importa na invalidade do mesmo.
Outros doutrinadores utilizam nomenclaturas diversas, ou com um número
menor de requisitos. Segue abaixo uma tabela ilustrativa dos requisitos segundo Celso Mello:
28
Lei nº. 9.784, de 29/01/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
D.O.U. de 01/02/1999.
29
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 344 a 347.
22
REQUISITOS
ELEMENTOS
CONTEÚDO
PRESSUPOSTOS
FORMA
DE EXISTÊNCIA
OBJETO
PERTINÊNCIA À
FUNÇÃO
ADMINISTRATIVA
DE VALIDADE
SUJEITO
MOTIVO
REQUISITOS
PROCEDIMENTAIS
FINALIDADE
CAUSA
FORMALIZAÇÃO
23
Um dos elementos do ato administrativo é o conteúdo, que é aquilo sobre o
que o ato dispõe: a sua essência. Os vícios quanto ao conteúdo do ato administrativo o tornam
nulo, e podem ser enumerados em 5 (cinco)30, a saber: 1) conteúdo ilegal – ato administrativo
com conteúdo contrário à lei, como, p. ex., um estado desapropriando bem imóvel pertencente
à União Federal; 2) conteúdo diverso do previsto em lei – a legislação prevê um determinado
enquadramento jurídico, no entanto o ato administrativo destoa desta determinação, como, p.
ex., uma punição disciplinar de suspensão em um caso que enseja advertência; 3) conteúdo
impossível – o ato administrativo contempla uma impossibilidade de fato ou de direito, como,
p. ex., a exoneração de servidor de um cargo de confiança que não ocupa; 4) conteúdo imoral
– o princípio da moralidade é constitucional, e determina a criação do ato administrativo em
consonância com os padrões comuns de comportamento, comumente aceitos como éticos; e 5)
conteúdo incerto – o ato deve ser definido (quanto ao destinatário, efeitos, tempo, lugar, etc.),
não se pode, p. ex., desapropriar um imóvel sem se individualizar qual é o bem afetado.
Outro elemento do ato administrativo é sua forma, que é o meio pelo qual se
exterioriza. A regra geral é a forma escrita, assim prevista na Lei Federal que rege o processo
administrativo, porém a legislação contempla outras formas, a depender do caso.31 Existem 4
(quatro) formas anômalas32, a saber: 1) forma oral – ato praticado verbalmente, como, p. ex.,
o comando do superior dando ordens ao seu subordinado; 2) forma mímica – ato praticado por
meio de gestos, como, p. ex., o comando de um agente de trânsito que manda um carro parar;
3) forma eletro-mecânica – ato praticado por meio de equipamento eletrônico ou mecânico,
como, p. ex., um sinal de trânsito; e 4) forma pictória – ato praticado por meio de imagens,
como, p. ex., ocorre com as placas de sinalização de trânsito.
30
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Página 198.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008. Página 136.
32
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 199
a 201.
31
24
Com relação à forma, os atos administrativos podem apresentar os seguintes
vícios: 1) inexistência de forma – o ato administrativo que não possui forma simplesmente
não existe, e nem mesmo pode ser considerado ato jurídico, ou seja, não se trata de nulidade,
mas de ato inexistente; e 2) inobservância de forma – o ato administrativo que não observa a
forma a ele reservada por lei é nulo, sequer cabendo convalidação.
Dentro do estudo do elemento da forma, revela-se importante abordar o que
representa o silêncio no âmbito administrativo. Como se sabe, o ato administrativo deriva de
uma manifestação de vontade, o que significa que o silencio administrativo, em verdade, não
passa de um fato administrativo, já que constitui justamente a ausência de um ato.33
Em se tratando de direito privado, o Código Civil Brasileiro34 determina, em
seu art. 111, que o silêncio importa em anuência, quando as circunstâncias ou os usos assim o
autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Já no âmbito do direito administrativo esta não pode ser a regra geral, e nem
o é, visto que o silêncio não importa em manifestação de vontade, e, portanto, não significa a
prática de um ato do qual se omitiu a Administração Pública.
Cabe à lei prever as conseqüências do silencio administrativo, sendo que a
regra mais comum é a de que o silencio importa em uma manifestação positiva, mas também
existe a possibilidade de que a lei preveja que o silêncio importe em manifestação negativa, o
que pode até vir a gerar um vício, considerando-se a ausência de motivação.
33
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 94 a 96.
34
Lei nº. 10.406, de 10/01/2002. Institui o Código Civil. D.O.U. de 11/01/2002.
25
No entanto, o que mais comumente acontece é a omissão legislativa acerca
das conseqüências do silêncio administrativo, silencio este que pode ocorrer pela ausência da
prática do ato no prazo legal, ou pela demora excessiva da prática do ato, quando não houver
prazo previsto em lei. Em ambos estes casos pode o administrado provocar a Administração
Pública a fim de que se manifeste, em razão de seu direito constitucional de petição.
Persistindo o silêncio, cabe a intervenção do poder Judiciário, sendo que o
administrado poderá buscar um provimento mandamental com o fim de compelir a autoridade
administrativa silente a se manifestar, sob pena de desobediência a ordem judicial.
Importante registrar que existe posicionamento doutrinário, controverso, no
sentido de que se o ato administrativo que deveria ser praticado é vinculado, e, portanto, não
discricionário, o poder Judiciário poderia suprir o silêncio administrativo nos casos em que o
interessado comprovar ter direito ao que postulou35.
No entanto, em se tratando de ato administrativo discricionário, caberia ao
poder Judiciário apenas emitir o provimento mandamental, sendo que o controle de legalidade
do ato que vier a ser praticado pela Administração Pública deve ser feito posteriormente, caso
assim deseje o interessado, que deverá então buscar outro tipo de provimento judicial.
Já adentrando o estudo dos pressupostos de existência do ato administrativo,
o objeto é aquilo sobre o que o ato dispõe, portanto, externo ao ato. Distingue-se do conteúdo,
pois este, além de ser elemento, é aquilo que o ato dispõe, logo, interno ao ato.
35
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 94 a 96.
26
Um ato com conteúdo existe materialmente, no entanto, se dispõe sobre um
objeto inexistente, ou sobre um objeto que se revela jurídica ou materialmente impossível, é
nulo. Como exemplo clássico é a intimação por edital de um servidor já falecido.36
O segundo pressuposto de existência do ato administrativo é a pertinência à
função administrativa, o que significa que o ato deve ser praticado pelo Estado, no exercício
de uma função administrativa, sob pena de não se adequar à tipologia de “ato administrativo”.
Conforme já exposto anteriormente, nem todo ato administrativo é praticado
pela Administração Pública, e nem todo ato praticado pela Administração Pública chega a ser
administrativo. Portanto, se um ato jurídico for praticado pelo poder público, sem pertinência
com uma função administrativa, não é administrativo, podendo vir a ser um ato praticado sob
o regime jurídico de direito privado, um ato material, ou um ato político.
Ao se chegar nos pressupostos de validade do ato administrativo, já se pode
falar em um ato jurídico, que preencheu todos os elementos necessários, bem como em um ato
administrativo, que atendeu a todos os pressupostos de existência.
Assim sendo, o que se analisa por meio dos pressupostos de validade é se o
ato administrativo produzido é válido ou não. O primeiro pressuposto de validade é o sujeito,
que é quem pratica o ato administrativo. Trata-se da autoridade investida de competência e de
capacidade para exteriorizar a vontade da Administração Pública.37
36
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 348 a 349.
37
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 61 a 62.
27
Os vícios relacionados à competência são 3 (três): a usurpação de função, o
excesso de poder, e a função de fato38. A usurpação de função pública é tão grave que chega a
ser crime autônomo, tipificado no art. 328 do Código Penal Brasileiro39.
Neste caso o sujeito não possui vínculo com a Administração Pública, mas,
mesmo assim, se faz passar por um funcionário público. Neste caso não se trata sequer de um
ato administrativo nulo ou anulável, trata-se de ato inexistente.
O excesso de poder é uma das modalidades de abuso de autoridade, previsto
na Lei Federal nº. 4.898 de 196540, que diz respeito à competência do ato. Outras modalidades
de abuso de autoridade são o desvio de poder (ou finalidade) e a omissão administrativa.
No excesso de poder o sujeito possui vínculo com a administração pública,
no entanto ultrapassa as suas atribuições, invadindo a esfera de competência de outro servidor,
como, p. ex., no caso em que um analista judiciário pratica atos privativos de um magistrado.
Prevalece na doutrina que um ato administrativo praticado com excesso de
poder é anulável, visto que pode ser convalidado pela autoridade competente.
O terceiro vício relacionado à competência é o exercício de função de fato,
no qual existe uma aparência de legalidade do ato administrativo, visto que os particulares não
sabem se um funcionário público está ou não está investido em determinado cargo da forma
correta. Neste caso o ato é irregular, porém válido, a fim de resguardar os terceiros de boa-fé.
38
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Páginas
464 a 465.
39
Decreto-Lei nº. 2.848, de 07/12/1940. Código Penal. D.O.U. de 31/12/1940.
40
Lei nº. 9.989, de 09/12/1965. Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade
Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. D.O.U. de 13/12/1965.
28
Os vícios relacionados à incapacidade também são 3 (três): os vícios de
consentimento, os vícios sociais, e o impedimento e a suspeição. Os vícios de consentimento e
os vícios sociais estão previstos no Código Civil Brasileiro41; já as hipóteses de impedimento
e de suspeição estão previstas na Lei Federal nº. 9.784 de 1999.
Os vícios de consentimento (o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado
de perigo, e a lesão) ensejam a anulabilidade do ato administrativo, e os vícios sociais (fraude
contra credores, e simulação) também; salvo a simulação, que enseja a nulidade do ato.
Os impedimentos são causas objetivas que impedem a atuação da autoridade
ou do servidor, gerando uma presunção absoluta de incapacidade, a qual, se for descumprida,
leva à nulidade absoluta do ato administrativo praticado em inobservância à causa específica:
“Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve
comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar”.42
As suspeições são causas subjetivas, as quais podem ser argüidas contra a
autoridade ou o servidor que atuou ou que está a atuar, podendo vir a gerar a anulabilidade do
ato administrativo que tiver sido praticado, desde que comprovado prejuízo ao interessado em
virtude desta atuação em inobservância à causa específica:
“Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha
amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os
respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau”.43
41
Lei nº. 10.406, de 10/01/2002. Institui o Código Civil. D.O.U. de 11/01/2002.
Lei nº. 9.784, de 29/01/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
D.O.U. de 01/02/1999.
43
Lei nº. 9.784, de 29/01/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
D.O.U. de 01/02/1999.
42
29
O segundo pressuposto de validade do ato administrativo é o motivo. Tratase da circunstância fática que leva à prática do ato. Está situado no mundo dos fatos; externo,
portanto, ao ato administrativo, inclusive antecedendo-o.44
O motivo para a prática de um determinado ato administrativo pode ou não
estar previsto em lei. Quando o motivo encontra-se previsto na lei, o ato passa a ser vinculado,
e apenas pode ser praticado se a situação legalmente descrita efetivamente ocorrer.45
Observa-se, por exemplo, a prática de um ato administrativo vinculado com
relação aos seus motivos quando uma fábrica é interditada em razão da existência de poluição
acima dos limites legais. Neste ou em qualquer outro caso a prática do ato administrativo sem
que o seu respectivo motivo legal tenha se implementado o invalida.
Quando a lei não prevê um motivo para a prática do ato administrativo, ou o
faz de forma indeterminada, pode o poder público, por meio de seu agente, escolher o motivo,
o qual deve ser idôneo para justificá-lo diante do caso concreto, com pertinência lógica, e em
sintonia com a legislação de regência abstrata do ato.
Note-se que os motivos que tiverem sido eleitos pelo agente para a prática
do ato administrativo discricionário determinam a sua validade. Trata-se da teoria dos motivos
determinantes, segundo a qual a prática do ato por motivos falsos ou inexistentes conduzem à
sua invalidade, ainda que este não dependesse de motivação específica.46
44
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2005.
Páginas 153 a 154.
45
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
Página 150.
46
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Página 202.
30
Revela-se importante diferenciar o significado de motivo e de móvel do ato
administrativo. Motivo, conforme já exposto, é um fato externo e anterior ao ato e ao agente,
servindo de suporte para a criação daquele por este. Já o móvel é a intenção do agente.
O móvel é relevante apenas nos atos administrativos discricionários, e não
nos atos vinculados, visto que naqueles exige-se uma atuação subjetiva do agente, segundo as
circunstâncias do caso concreto, enquanto que neste a motivação já está prevista em lei.
Nos atos administrativos discricionários, se o móvel do agente for viciado, o
ato poderá vir a ser anulado caso demonstrado prejuízo efetivo ao administrado. Já nos atos
administrativos vinculados o móvel do agente é irrelevante, sendo plenamente válido, p. ex., o
deferimento de aposentadoria por tempo de serviço, por agente público acometido de loucura,
se o administrado tiver preenchido os requisitos objetivos previstos em lei.47
Também é relevante registrar que motivo do ato administrativo não equivale
à sua motivação. Esta faz parte da formalização do ato. Motivação é a fundamentação, na qual
constará, além do motivo do ato, o preceito jurídico utilizado para fundamentar a sua prática,
bem como a pertinência lógica entre os fatos antecedentes e o ato deles decorrente.
Note-se que, apesar não haver uniformidade de posições na doutrina, parece
mais correta a posição externada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que expõe que a “[...]
exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo
menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral [...]”.48
47
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 353.
48
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 355.
31
Como terceiro pressuposto de validade do ato administrativo apresenta-se o
requisito procedimental. Como se sabe, o ato administrativo não é criado de forma isolada no
mundo jurídico; faz parte de uma série encadeada de atos, na qual o ato final deve preceder os
anteriores.49 O requisito procedimental constitui-se, portanto, nesta série de atos jurídicos que
precedem de forma obrigatória o ato administrativo propriamente dito.
Como exemplo pode ser citada a nomeação de um servidor para ocupar um
determinado cargo efetivo, a qual apenas pode ocorrer após concluída a série de atos jurídicos
que formam o certame público no qual classificou-se o nomeado.
A total ausência do procedimento obrigatório ou necessário para a prática do
ato administrativo enseja a nulidade deste, enquanto que o descumprimento do procedimento
pode gerar a anulabilidade do ato, a depender da comprovação ou não de prejuízo.
A contratação efetivada pelo poder público, não precedida de licitação ou da
respectiva declaração de inexigibilidade, nos termos da Lei Federal nº. 8.666 de 199350, gera a
nulidade do contrato administrativo. Trata-se da ausência do procedimento necessário.
Já a ausência de publicação do edital de licitação configura descumprimento
do procedimento obrigatório previsto na lei acima mencionada, e, considerando-se que resulta
em efetivo prejuízo, seja em concreto, seja em abstrato, aos potenciais concorrentes, importa
na anulabilidade dos atos administrativos posteriores.
49
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Página 102.
50
Lei nº. 8.666, de 21/06/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para
licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. D.O.U. de 22/06/1993.
32
O quarto pressuposto de validade do ato administrativo é sua finalidade, que
nada mais é do que o resultado objetivado pela prática do ato, como, no caso da interdição de
uma fábrica poluidora, cuja finalidade é a proteção do meio ambiente como bem jurídico.
Como vício do pressuposto de validade da finalidade do ato existe o desvio
de poder (ou de finalidade), o qual é uma das modalidades de abuso de autoridade, previsto na
Lei Federal nº. 4.898 de 196551, e ocorre quando o agente público pratica o ato administrativo
para satisfazer uma finalidade diversa da objetivada pela tipologia do ato.52
O desvio de poder subdivide-se em 2 (duas) formas. O desvio de poder
genérico é aquele em que o interesse público não chega a ser tutelado. O agente público busca
muitas vezes tutelar interesse contrário ao próprio interesse público. A remoção de servidor
público para um local mais afastado, por seu superior, em razão de inimizade, é um exemplo.
O desvio de poder genérico geralmente é mais fácil de ser comprovado.
Já o desvio de poder específico é praticado, em princípio (e por aparência), a
fim de tutelar um interesse público, no entanto configura o uso de competência com finalidade
diversa da prevista em lei para a tipologia do ato administrativo que foi praticado, mesmo que
esta finalidade seja moralmente legítima, ou até mesmo legalmente cabível dentro da tipologia
de outro ato administrativo. A remoção de servidor público para um local mais afastado, por
seu superior, com finalidade punitiva, é exemplo. Como o desvio de poder específico é mais
difícil de ser demonstrado, a prova indiciária é mais aceita e utilizada nestes casos.
51
Lei nº. 9.989, de 09/12/1965. Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade
Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. D.O.U. de 13/12/1965.
52
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Páginas
467 a 468.
33
Como quinto pressuposto de validade situa-se a causa, que é a relação entre
o seu motivo (circunstância fática que leva à prática do ato) e conteúdo (aquilo sobre o que o
ato dispõe) do ato administrativo, tendo em vista a sua finalidade (o resultado objetivado pela
prática do ato), o que permite aferir a respectiva adequação.53
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:
“A noção de causa acima exposta é importante porque graças a ela o
Judiciário pode controlar a validade do comportamento da Administração
mesmo quando a lei não enuncia os motivos que legitimam a prática de um
ato. Portanto, ainda quando o agente pode escolher os motivos, cumpre que
estes guardem relação de pertinência com o ato praticado. Causa não se
confunde com motivo. Com efeito: motivo é o pressuposto de fato; causa é a
relação entre ele e o conteúdo do ato em vista da finalidade que a lei lhe
assinou como própria”.54
Portanto, a falta de pertinência entre os motivos e o conteúdo do ato, tendo
em vista sua finalidade, corresponde à ausência de causa, e invalida o ato administrativo.
É no estudo da causa do ato administrativo que se revela de importância a
análise da razoabilidade e da proporcionalidade em sua prática (este último princípio agora
previsto em lei, mais especificamente no art. 2º da Lei Federal nº. 9.784 de 199955).
Assim sendo, não se revela razoável ou proporcional o ato cujo conteúdo definido em razão de determinado motivo - não se revelou adequado a atender sua finalidade,
ficando aquém ou além dos limites necessários para tanto, o que o torna inválido.
53
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 67 a 68.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 361.
55
Lei nº. 9.784, de 29/01/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
D.O.U. de 01/02/1999.
54
34
A formalização é sexto requisito de validade dos atos administrativos.
A forma é o meio pelo qual o ato se exterioriza, sendo que, neste aspecto, a
forma mais usual é a escrita. Já a formalização é a maneira específica pela qual a forma do ato
deve ser externada, ou seja, o modo próprio pelo qual sua forma se apresenta.
A formalização dos atos administrativos se materializa através de fórmulas
legalmente previstas, tais como portarias, decretos, instruções normativas, etc.56
Note-se que o motivo pelo qual existe a formalização é a padronização dos
meios de veiculação dos atos administrativos em suas respectivas categorias, o que relacionase com aspectos organizacionais internos da Administração Pública.
Por tal razão, o descumprimento de mencionado requisito de validade do ato
administrativo não enseja sua invalidade, tendo em vista que sua formalização não interfere
em aspectos relacionados ao seu conteúdo ou à segurança jurídica exigida para sua prática.
O descumprimento da fórmula estabelecida em lei torna o ato irregular, mas
não chega a afetar sua validade. Como exemplo pode ser citada a elaboração de uma instrução
normativa que, em verdade, deveria ter sido veiculada como portaria. Por óbvio o simples fato
de ter uma portaria sido chamada de instrução normativa não retira a sua validade, visto que
tal irregularidade não prejudica em nada os direitos dos administrados. O que pode ocorrer é a
punição no âmbito interno do agente público que cometeu o erro, nada mais.
56
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 122 a 128.
35
1.6 Classificações dos atos administrativos
Várias são as classificações doutrinárias dos atos administrativos, no entanto
apenas as reputadas como mais importantes serão exploradas. Com relação às prerrogativas
com que a Administração Pública atua, os atos administrativos podem ser classificados em
atos de império e atos de gestão.57 Os primeiros são os atos praticados pelo poder público no
exercício de suas prerrogativas e de seus privilégios de autoridade, impondo comportamentos
de forma unilateral e de forma coercitiva aos particulares. Os segundos são os atos praticados
pelo poder público sem o uso de seus poderes comandantes, em situação de igualdade com os
administrados, no regular exercício da atividade de gestão administrativa.58 Um exemplo de
ato de império é a ordem de interdição de um estabelecimento expedida pela Administração
Pública. Um exemplo de ato de gestão é a simples venda de um bem.
Quanto à função da vontade com que atua a Administração Pública, os atos
administrativos podem ser classificados em atos administrativos propriamente ditos (puros) e
meros atos administrativos. Nos primeiros existe uma efetiva declaração de vontade do poder
público voltada para obtenção de determinado resultado jurídico previsto em lei. No segundo
há apenas uma declaração de opinião (no caso de um parecer), de um desejo (no caso de um
voto em órgão colegiado), ou de conhecimento (no caso de uma certidão) do poder público.59
Um exemplo de ato administrativo propriamente dito (puro) é o tombamento de determinado
bem. Os exemplos dos meros atos administrativos já foram citados.
57
JUNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Páginas
159 a 161.
58
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 211
a 212.
59
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 212
a 214.
36
Quanto aos seus efeitos os atos administrativos podem ser classificados em
atos constitutivos e em atos declaratórios. Os atos constitutivos são aqueles no quais ocorre a
modificação, a criação ou a extinção de determinada situação jurídica, como ocorre, p. ex., no
ato de demissão de funcionário público. Já os atos declaratórios são aqueles em que apenas se
reconhece a preexistência de uma situação de fato ou de direito, como ocorre, p. ex., no caso
de uma certidão que foi expedida pela Administração Pública.60
Quanto a seus destinatários os atos administrativos podem ser classificados
em atos individuais e em atos gerais. Os primeiros têm por destinatário sujeito determinado,
produzindo efeitos em virtude de um caso concreto, como ocorre na nomeação de uma pessoa
para ocupar um cargo público. Os segundos têm por destinatário uma categoria de sujeitos
que se encontram na mesma situação de fato ou de direito, como ocorre na publicação de um
edital de concurso público para o provimento de cargos na Administração Pública.
Quanto à estrutura dos atos administrativos, estes podem ser classificados
em atos concretos e atos abstratos. Os primeiros correspondem à atuação da Administração
Pública em um determinado caso concreto, exaurindo-se logo após sua prática, como ocorre
na exoneração de servidor público de um cargo em comissão. Os segundos correspondem à
atuação da Administração Pública diante de uma hipótese de incidência abstrata, que demanda
uma subsunção específica, a qual, no entanto, pode vir a atingir um número indeterminado de
sujeitos, com reiteradas e infindas aplicações, a depender das reiterações. Como exemplo de
um ato administrativo abstrato tem-se um regulamento administrativo.61
60
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 376.
61
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 374.
37
Com relação ao âmbito de incidência dos atos administrativos, estes podem
ser classificados em atos internos e atos externos. Os primeiros produzem seus efeitos apenas
no âmbito interno da Administração Pública, tal como ocorre, p. ex., com um parecer emitido
por funcionário público a fim de fornecer maiores elementos de convicção a seu superior. Os
segundos produzem os seus efeitos no âmbito interno e externo da Administração Pública, tal
como ocorre, p. ex., com a concessão de uma licença ambiental.62
Quanto à formação dos atos administrativos, estes podem ser classificados
em atos unilaterais e atos bilaterais. Nos primeiros há a emissão de vontade jurídica exclusiva
e unilateral da Administração Pública, como ocorre, por exemplo, com a imposição de uma
multa ao administrado em razão do descumprimento de um preceito legal. Nos segundos há a
conjugação entre a vontade jurídica da Administração Pública e a vontade de terceiros, em um
ato bilateral, como ocorre com a concessão para a exploração de determinado serviço público
ao administrado que também manifestou o seu interesse nesse sentido.
Com relação aos resultados sobre a esfera jurídica do administrado, os atos
administrativos podem ser classificados em atos ampliativos e atos restritivos. Os primeiros
ampliam a esfera jurídica do administrado, conferindo-lhe direitos que dantes não dispunha,
assim como ocorre, p. ex., com a permissão para a exploração de uma determinada atividade.
Os segundos, pelo contrário, restringem a esfera jurídica do administrado, impondo-lhe nova
obrigação, ou simplesmente retirando-lhe direitos, assim como ocorre, p.ex., com as sanções
administrativas em geral, ou com a retirada de direitos anteriormente conferidos.63
62
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 282 a 283.
63
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Página 293.
38
Quanto à formação da vontade produtora os atos administrativos podem ser
classificados em atos simples, atos complexos e atos compostos. Os atos simples são aqueles
que decorrem da declaração de vontade de apenas um órgão, seja singular, seja colegiado, tal
como ocorre, p. ex., com a lavratura de ato de interdição de um estabelecimento comercial.
Os atos complexos são aqueles que resultam de uma declaração de vontade
conjunta de 2 (dois) ou mais órgãos, sejam singulares, sejam colegiados. Neste caso a vontade
de todos os órgãos possui a mesma relevância, e se fundem para a prática de um único ato, tal
como ocorre, por exemplo, com a edição de um decreto pelo Presidente da República, o qual
deve ser referendado por um determinado Ministro de Estado: o decreto referendado.64
Os atos compostos são aqueles que resultam de uma declaração de vontade
de 2 (dois) ou mais órgãos, sejam singulares, sejam colegiados. No entanto a vontade de um
órgão guarda uma relação de instrumentalidade com relação à vontade do outro órgão.
Em se tratando de ato composto existem em verdade 2 (duas) manifestações
de vontade diferentes: uma tida como principal, e cuja eficácia depende da outra, tida como
acessória, que atua como um pressuposto daquela (p. ex.: a nomeação do Procurador Geral da
República, que depende de prévia aprovação do Senado), ou de forma complementar a ela (p.
ex.: a dispensa de licitação, que deve ser homologada pela autoridade superior).
Por fim, a classificação mais importante dos atos administrativos relacionase com o grau de liberdade de atuação da Administração Pública.
64
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Página
450.
39
Assim sendo, os atos administrativos também se classificam em vinculados
e discricionários. Os primeiros são os atos que a Administração Pública pratica sem qualquer
margem de liberdade de atuação, tendo em vista que a lei já tipificou o único comportamento
possível diante de determinada hipótese objetivamente prevista. Os segundos são os atos que
a Administração Pública pratica dispondo de certa margem de liberdade de atuação, tendo em
vista que a lei não tipificou um único comportamento possível diante de determinada hipótese
objetiva, pelo contrário, deixou um campo aberto para a atuação subjetiva do agente público,
no que diz respeito ao mérito do ato administrativo, cabendo-lhe, portanto, atuar da forma que
melhor atenda aos interesses públicos, dentro de um juízo de conveniência e oportunidade. 65
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva
tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face
de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a
Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva
alguma. Atos ‘discricionários’, pelo contrário, seriam os que a
Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou
decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela
mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles A diferença
nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a Administração não
dispõe de liberdade. A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos
primeiros a Administração não dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já
regulou antecipadamente em todos os aspectos o comportamento a ser
adotado, enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao administrador
certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso,
impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios
próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio
de satisfazer o interesse público que a norma legal visa a realizar”.66
Como exemplo de ato vinculado tem-se a aposentadoria compulsória pela
idade; e como exemplo de ato discricionário tem-se a autorização para o porte de arma.
65
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Página 79.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 380.
66
40
1.7 Espécies dos atos administrativos
Em breve síntese, os atos administrativos em espécie podem ser divididos
em 2 (duas) categorias distintas: quanto à forma de exteriorização; e quanto ao conteúdo.67
Adotando os conceitos apresentados por José dos Santos Carvalho Filho 68,
com relação à forma de exteriorização existem: 1) os decretos – decorrem da manifestação de
vontade dos Chefes do poder Executivo das diversas unidades da federação, e se destinam a
regulamentar as leis; 2) os regulamentos – constituem apêndices de outros atos, geralmente
dos decretos, mas não limitados a estes; 3) as resoluções – são atos emanados de autoridades
administrativas diversas do Chefe do poder Executivo, inseridos na esfera de competência
específica de tais agentes; 4) as deliberações – são atos que expressam a vontade majoritária
dos componentes de órgão colegiado como comissões, conselhos, tribunais administrativos,
etc.; 5) as instruções, provimentos, circulares, portarias, ordens de serviço e avisos – são atos
cuja finalidade é organizar a atividade da Administração Pública e de seus órgãos integrantes;
6) os alvarás – constituem-se no instrumento formal de que se utiliza a Administração Pública
para permitir a determinado administrado que pratique um ato ou desenvolva atividade sujeita
ao poder de polícia do Estado; 7) os ofícios – são os atos formais utilizados pelas autoridades
administrativas para comunicarem-se entre si, ou com terceiros; 8) os pareceres – representam
opiniões de agentes administrativos acerca de matérias técnicas ou jurídicas a eles submetidas
para apreciação; 9) as certidões, atestados e declarações – são atos declaratórios por meio dos
quais a Administração Pública atesta a existência prévia ou atual de determinado fato jurídico;
e 10) os despachos – são os atos praticados no âmbito de um processo administrativo.
67
JUNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Página
186.
68
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 123 a 128.
41
Com relação ao conteúdo existem69: 1) a licença - que é o ato administrativo
vinculado e unilateral por meio do qual a Administração Pública confere o seu consentimento
ao interessado que preencheu os requisitos previstos em lei para o exercício de uma atividade
que exija este requisito; 2) a permissão – que é o ato administrativo discricionário, unilateral,
e precário pelo qual a Administração Pública consente que o interessado execute determinado
serviço público ou se utilize de forma privativa de certo bem público; 3) a autorização – que é
o ato administrativo discricionário, unilateral e precário por meio do qual a Administração
Pública consente que o interessado exerça uma determinada atividade, pratique um ato, ou se
utilize de forma privativa de certo bem público em seu próprio interesse; 4) a admissão – que
é o ato administrativo vinculado e unilateral pelo qual a Administração Pública reconhece ao
interessado que preencheu os requisitos legais o direito de receber a prestação de determinado
serviço público; 5) a aprovação – que é o ato administrativo discricionário e unilateral pelo
qual a Administração Pública realiza o controle prévio ou posterior de um outro ato, segundo
critérios de conveniência e oportunidade para o interesse público; 6) a homologação – que é o
ato administrativo vinculado e unilateral pela qual a Administração pública realiza o controle
posterior de um outro ato segundo o aspecto exclusivo da legalidade do mesmo; e 7) o visto –
que é o ato administrativo unilateral pelo qual a Administração Pública atesta a legitimidade
formal de outro ato, tomando ciência de seu conteúdo, o que não importa em concordância.
José dos Santos Carvalho Filho destaca ainda a existência da categoria dos
atos sancionatórios, os quais são as punições aplicadas aos transgressores de normas de cunho
administrativo; e dos atos funcionais, que são típicos atos administrativos, com a diferença de
que se originam da relação funcional entre a Administração Pública e o servidor estatutário.
69
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 128 a 135.
42
1.8 Extinção dos atos administrativos
Existem várias formas que importam na extinção dos atos administrativos.
As 2 (duas) formas mais importantes – revogação e invalidação – serão abordadas adiante.70
Um ato administrativo eficaz pode ser extinto71: 1) pelo cumprimento dos
seus efeitos, o que pode ocorrer diante do esgotamento de seu conteúdo jurídico, pela fluência
de seus efeitos no tempo (p. ex.: gozo das férias, extinguindo o respectivo ato de concessão);
pela execução material do ato diante do cumprimento da providência nele determinada (p. ex.:
o cumprimento de uma ordem de demolição); ou pelo implemento de uma condição resolutiva
(evento futuro e incerto) ou termo final (evento futuro e certo, determinado ou determinável),
como ocorre, p. ex., no transcurso do prazo de vigência de licença; 2) pelo desaparecimento
do sujeito ou do objeto da relação jurídica instituída pelo ato administrativo (p. ex.: a morte de
uma pessoa acarreta na extinção de sua aposentadoria; a destruição de um bem tombado em
razão de um evento da natureza põe fim ao tombamento); e 3) pela mera retirada do ato, seja
por razões de conveniência e oportunidade (revogação – p. ex.: retirada de uma permissão);
seja porque o ato foi praticado em desacordo com a legislação (invalidação – p. ex.: retirada
de uma autorização de porte de arma concedida a quem não atende os requisitos legais); seja
porque o destinatário do ato não cumpriu com as condições exigidas para a continuidade da
fruição dos seus efeitos (cassação – p. ex.: retirada de uma licença por descumprimento); seja
porque o ato foi praticado com efeitos contrários aos do ato anterior (contraposição – p. ex.: a
exoneração retira os efeitos da nomeação); ou seja pela simples renúncia pelo beneficiário dos
efeitos jurídicos do ato (renúncia – p. ex.: a renúncia de cargo de confiança).
70
JUNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Páginas
237 a 247.
71
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 224
a 225.
43
Já um ato administrativo ainda não eficaz pode ser extinto: 1) pela retirada
do ato, seja por razões de conveniência e oportunidade (revogação); ou seja porque o ato foi
praticado em desacordo com a ordem jurídica (invalidação); e 2) pela recusa do beneficiário
dos efeitos do ato, cuja concordância era necessária para a implementação de sua eficácia.
1.8.1 Revogação
A revogação é a extinção de um ato administrativo por outro, de forma total
ou parcial, por motivos de conveniência e oportunidade, respeitados os efeitos passados.72
O sujeito ativo da revogação é uma autoridade no exercício de funções e de
competências administrativas, seja no âmbito do poder Executivo, Legislativo, Judiciário ou
no Ministério Público, sendo que a nenhum destes cabe a possibilidade de revogar os atos dos
outros, o que implicaria em invasão da esfera de repartição constitucional de competências. O
agente público que revoga o ato pode ser tanto quem o praticou, como quem se encontra em
patamar superior, exercendo poder hierárquico, cabendo, ainda, a possibilidade de revogação
de ato de outras autoridades, fora da linha hierárquica naturalmente competente, quando a lei
prevê esta possibilidade que, diga-se de passagem, é excepcional. 73
O objeto da revogação são os atos administrativos válidos e discricionários,
eficazes ou não, já que os atos inválidos são objeto de outra forma de extinção: a invalidação.
A revogação atua tanto sobre atos abstratos, tais como regulamentos, etc. (atingindo os atos);
como sobre atos concretos, tais como autorizações, etc. (atingindo os efeitos dos atos).
72
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2003. Página 244.
73
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 102 a 103.
44
A revogação tem por fundamento a existência de uma regra de direito que
permita a atuação da autoridade com vistas à extinção de determinado ato administrativo, mas
como é rara a existência de uma norma permissiva neste sentido, o poder de revogar funda-se
na mesma regra de competência discricionária que permitiu (ou teria permitido) à autoridade a
prática do ato administrativo anterior que ora será extinto.
Note-se que a competência em questão deve ser atual, ou seja, a autoridade
dela deve dispor no momento da revogação, não bastando apenas que tenha editado o ato que
será objeto de extinção, se não mais possui mencionada competência. Pode ainda o agente ter
referida competência sem jamais tê-la tido anteriormente para praticar o ato.
Ademais, a competência em questão deve ser discricionária, permitindo ao
agente a revogação fundada em critérios de conveniência e oportunidade, afetos ao mérito do
ato, ou seja, não mais cabe a revogação se o ato administrativo que se busca extinguir houver
sido transformado em vinculado, mas o contrário é possível, o que significa que, se o ato era
vinculado e passou a ser discricionário, a revogação é plenamente cabível, desde que sejam
respeitados eventuais direitos adquiridos por parte de terceiros.
Se a edição do ato discricionário decorreu de conveniência e oportunidade
no passado, aferidas pela autoridade pública ao tempo da prática, segundo um juízo subjetivo
de atendimento ao interesse público, o motivo da revogação se funda no mesmo juízo, só que,
agora, de inconveniência e inoportunidade de manutenção do ato discricionário em vigência,
tendo em vista que não mais tutela o interesse público.74
74
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Páginas
476 a 478.
45
A revogação extingue um ato administrativo válido, não desconstituindo os
efeitos passados por ele eventualmente produzidos, o que significa dizer que produz efeitos ex
nunc, não retroativos, apenas encerrado o ciclo de vigência válida do ato revogado. Quando o
ato ainda não é eficaz, a revogação simplesmente impede que este ato produza efeitos.75
Na simples revogação (A) de um ato administrativo (B), que havia revogado
outro ato administrativo (C), não há o efeito repristinatório do ato inicialmente revogado (C),
visto que referido ato simplesmente não existe mais no mundo jurídico, pois foi extinto.
No entanto, caso o ato administrativo (A) que revogou o ato revogador (B)
expresse que o ato anteriormente revogado (C) foi restaurado, o que há na verdade é a prática
de um novo ato administrativo, cujo conteúdo é idêntico ao que se pretendia repristinar. Notese que, por se tratar de um ato novo, este somente produz efeitos a partir de sua edição, não
interferindo no período em que o ato cujo conteúdo se quis repetir estava revogado.76
A revogação é um ato de administração ativa, pois atende a um determinado
interesse público, em virtude da extinção de um ato que não mais é oportuno ou conveniente.
Desta forma, também atua como ato constitutivo, visto que institui uma nova relação jurídica,
a qual antes não existia. Ademais, configura ato positivo, na medida em que, ao exercer juízo
de valor subjetivo acerca do mérito de outro ato administrativo, o agente público atua com um
novo provimento, agora extintivo, de forma a resguardar o interesse público. Também existe
um aspecto negativo no ato revogador, vez que este fulmina com a situação jurídica anterior, a
qual estava em plena vigência diante da eficácia do ato administrativo agora revogado.
75
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008. Páginas 157 a 158.
76
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 154 a 155.
46
O dever poder de revogar encontra-se presente quando a lei expressamente
prevê esta possibilidade, o que, conforme já restou exposto anteriormente, não é freqüente; e
também quando presente a competência discricionária que permitiu (ou que teria permitido) à
autoridade a prática do ato administrativo anterior que ora será extinto.
Com relação aos atos administrativos abstratos, cujos efeitos dispõem para o
futuro, não atingindo relações jurídicas presentes, a liberdade de revogação é plena; mas, com
relação aos atos administrativos concretos, cujos efeitos ainda se operam no presente, através
de uma relação jurídica já constituída, a liberdade de revogação não é plena, pois esbarra em
algumas situações irrevogáveis, tais como77: 1) os atos que a lei expressamente declara como
irrevogáveis; 2) os atos exauridos, cujos efeitos materiais (p. ex.: demolição) ou jurídicos (p.
ex.: um ato controlador, que libera previamente ou confirma posteriormente o ato controlado)
já se esgotaram; 3) os atos vinculados, enquanto permaneçam nesta situação, pois adstritos a
uma única solução jurídica prevista em lei; 4) os meros atos administrativos, nos quais existe
apenas uma declaração de opinião (no caso de um parecer), de um desejo (no caso de um voto
em órgão colegiado), ou de conhecimento (no caso de uma certidão) do poder público, cujos
efeitos já se encontram previstos em lei; 5) os atos que integram determinado procedimento
administrativo, os quais são passíveis de preclusão com o advento do ato sucessivo; e 6) os
atos administrativos que geram direitos adquiridos, considerando-se que estes tipos de direitos
são protegidos pela ordem constitucional, que os declara intangíveis. Os atos complexos, em
tese, podem ser revogados, não obstante a existência de entendimentos em contrário, vez que,
como sua formação resulta da declaração de vontade conjunta de 2 (dois) ou mais órgãos, sua
revogação exigiria a mesma declaração de vontade, só que em sentido contrário.
77
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 404 a 405.
47
Por fim, a revogação realizada em estrita obediência aos ditames legais, não
gera direito à indenização. No entanto, quando esta revogação é feita em desacordo com a lei,
sem observâncias dos limites da irrevogabilidade, haverá direito à indenização, na medida dos
prejuízos que o lesado tiver suportado em razão da prática do ato revogador.
Nas hipóteses em que não é cabível a revogação, a Administração Pública
pode se valer de outro expediente jurídico para atender ao interesse público: a desapropriação,
a qual pode recair tanto sobre bens, quanto sobre direitos.78
1.8.2 Invalidação
A invalidação é a extinção de um ato administrativo por outro, por motivos
de desconformidade com a ordem jurídica, com efeitos regressivos à origem do ato.79
Não existem graus de invalidade; nenhum ato administrativo é mais inválido
do que outro; no entanto, existem reações de repúdio de intensidades diferenciadas, o que leva
às gradações de resposta conhecidas como o reconhecimento da nulidade, da anulabilidade, da
irregularidade ou da inexistência do ato administrativo inválido.
O sujeito ativo da invalidação do ato pode ser tanto a Administração Pública
no exercício da função administrativa (seja por provocação, ou de forma espontânea), como o
poder Judiciário no exercício da função jurisdicional (no curso de um processo).80
78
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2003. Páginas 253 a 254.
79
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
Página 166.
80
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2003. Páginas 233 a 234.
48
O objeto da invalidação é um ato administrativo ilegal, eficaz ou não.
Quando se trata de ato ainda não eficaz, a invalidação atinge apenas o ato, já
que este ainda não produziu efeitos. Quando se trata de ato já eficaz, porém abstrato, ou seja,
fonte contínua de efeitos sempre que a situação abstrata nele prevista se renove, a invalidação
atinge tanto o ato como seus efeitos, regressivamente. Quando se trata de ato já eficaz, porém
concreto, ou seja, fonte pontual de efeitos em relação a uma situação específica, a invalidação
atinge apenas os efeitos do ato, regressivamente inclusive, já que este se exauriu.
Para a Administração Pública o fundamento da invalidação é o princípio da
legalidade, pois esta não pode praticar atos contrários à lei. Com relação ao poder Judiciário,
o fundamento da invalidação é a inafastabilidade constitucional do controle jurisdicional.
O motivo da invalidação é a ilegalidade do ato administrativo, o qual deve
ser expurgado do mundo jurídico, em conjunto com os seus efeitos.
A invalidação, portanto, possui efeitos retroativos, ex tunc, fulminando tanto
o ato administrativo ilegal como negando validade a seus efeitos desde a origem.
Existe grande controvérsia na doutrina brasileira acerca da classificação das
gradações de resposta do ordenamento jurídico face à invalidade dos atos administrativos. A
doutrina diferencia tais manifestações de repúdio como nulidade, anulabilidade, irregularidade
ou inexistência do ato, divergindo acerca de quais integrariam o conceito de invalidade. 81
81
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 232
a 233.
49
O ato administrativo inexistente é o ato cujo conteúdo configura um crime.
Trata-se de uma conduta criminosa ofensiva a direitos fundamentais da pessoa humana, e que,
por isto, é imprescritível, e gera direito de resistência ao seu cumprimento, tanto por parte do
agente que recebeu a ordem, quanto por parte do sujeito objeto desta (p. ex.: a ordem de um
delegado de polícia, dirigida ao agente de polícia, no sentido de que proceda à tortura de uma
determinada pessoa sob sua custódia, com o fim de obter uma confissão).
Note-se que o termo “ato inexistente” não parece ser o mais adequado, pois
o ato existe, completou seu ciclo da perfeição, sendo, no entanto, ilegal. Trata-se, em verdade,
de espécie de ato nulo, que chegou ao ponto de configurar crime, ensejando, por isto, o direito
de resistência ativa e/ou passiva, que ordinariamente não existe nos atos nulos e anuláveis:
nestes o direito de resistência é exercido por conta e risco do administrado, configurando um
prévio juízo de legalidade que deveria ser realizado a posteriori pelo poder Judiciário.
Os atos administrativos irregulares não chegam a ser inválidos, uma vez que
carregam vícios materiais irrelevantes, relacionados com a formalização do ato, inerente aos
aspectos organizacionais internos da Administração Pública, sem qualquer interferência com
o conteúdo ou com a segurança jurídica exigida para a sua prática, acarretando, no máximo,
em punição no âmbito interno do agente público que cometeu o erro, nada mais.
Os atos administrativos nulos classificam-se como sendo aqueles que não se
sujeitam à convalidação, portadores de vício de validade insanável, em contrapartida aos atos
administrativos anuláveis, que são aqueles que podem vir a ser convalidados.82
82
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Páginas
472 a 476.
50
A convalidação, diga-se de passagem, é providência obrigatória quando se
tratar de ato anulável, salvo se tal ato tiver sido impugnado pelos interessados, ou quando se
tratar de ato discricionário maculado por vício de competência, caso em que cabe o exercício
do juízo de conveniência e de oportunidade em sua convalidação ou não.
Ademais, quando se tratar de ato nulo, a invalidação configura providência
obrigatória por parte da Administração Pública, salvo se a situação gerada pelo ato viciado se
encontrar estabilizada, seja pelo transcurso do prazo “prescricional” para a invalidação, seja
por se tratar de ato ampliativo da esfera de direitos dos administrados, do qual se originaram
sucessivas relações jurídicas, gerando para terceiros de boa-fé situação que encontra amparo
“em norma protetora de interesses hierarquicamente superiores ou mais amplos que os
residentes na norma violada, de tal sorte que a desconstituição do ato geraria agravos maiores
aos interesses protegidos na ordem jurídica do que os resultantes do ato censurável”83.
Quanto à convalidação propriamente dita, é um importante instrumento de
estabilização das relações jurídicas, atuando como forma de restauração da legalidade violada,
o que é de grande importância no âmbito do direito administrativo, em que a repercussão dos
atos é socialmente maior do que no âmbito do direito privado.
A convalidação, portanto, nada mais é do que a “correção” da invalidade de
um ato administrativo anulável, com efeitos retroativos, por ato da Administração Pública, ou
por ato do particular interessado, preservando, com isto, a ordem administrativa, bem como a
estabilidade das relações sociais afetadas pela relação jurídica em voga.
83
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 419.
51
A convalidação realizada por parte da Administração Pública visa corrigir o
primeiro ato administrativo produzido de forma inválida, por meio da prática de um segundo
ato administrativo agora praticado de forma válida, no entanto, este segundo ato possui efeitos
regressivos, legitimando, desta forma, os efeitos passados do primeiro ato.84
No entanto os atos inválidos que já são objeto de impugnação administrativa
ou judicial não podem ser convalidados, caso contrário seria inútil a argüição do vício pelos
prejudicados, pois sua solução acabaria por depender da vontade exclusiva da Administração
Pública, a qual poderia simplesmente convalidar o ato, em prejuízo dos particulares.
Referida premissa somente não se aplica no caso da “motivação” tardia de
atos vinculados, uma vez que a simples demonstração da preexistência dos motivos previstos
em lei já é suficiente para convalidar o ato, independentemente da existência de impugnação
administrativa ou judicial sobre o ato tido por imotivado.
De qualquer sorte, a eventual convalidação com efeitos pretéritos não pode
afetar de forma restritiva, ou meramente sancionatória, a esfera jurídica dos administrados que
no passado infringiram as disposições do ato administrativo ora convalidado.
A convalidação também pode ser realizada pela prática de ato do particular,
e isto acontece quando o ato administrativo é inválido pela falta de manifestação de vontade
deste, a qual era pressuposto legal para a prática do ato. Neste caso, para a correção do ato, se
exige o suprimento, pelo particular, deste elemento volitivo faltante.
84
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 329 a 333.
52
Denomina-se ratificação o ato administrativo de convalidação praticado pela
mesma autoridade que originou o ato inválido. Nesta hipótese, se não se tratar exatamente da
mesma autoridade administrativa, a convalidação se denomina confirmação. Ademais, quando
a convalidação depende de ato do particular afetado, chama-se saneamento. Nada tem a ver
com convalidação a chamada conversão, que configura, em verdade, a reedição do ato nulo,
situado em uma determinada categoria, por outro ato, situado em categoria distinta, na qual
acaba por tornar-se válido, com efeitos retroativos.
Por fim, sabe-se que os atos irregulares produzem efeitos normalmente, no
entanto, com relação aos chamados atos inexistentes, nulos e anuláveis, por certo nem deviam
ter sido praticados, mas, considerando-se que o foram, imperativo reconhecer que acabaram
por gerar efeitos jurídicos aos terceiros de boa-fé por eles atingidos, e inclusive ao particular
diretamente interessado, que eventualmente prestou serviços públicos, com ônus, em nome da
Administração Pública. Referidos efeitos, por óbvio, devem ser salvaguardados.
Justamente por gozarem de presunção de legitimidade, e diante da previsão
constitucional da responsabilização do Estado (seja por atos ilícitos, ou lícitos), a invalidação
do ato gera dever de indenizar quando o administrado estava de boa-fé, não tendo concorrido
para o vício, vez que o poder público não pode se beneficiar da própria torpeza ao se escusar
dos ônus decorrentes da ilegalidade por ele cometida. Neste caso, a indenização relaciona-se
com os efeitos patrimoniais ligados ao ato inválido, e abrange tanto as despesas tidas, como os
pagamentos devidos pelos serviços prestados, ainda que pendentes de transferência ao
particular. Apenas não há indenização se o particular não tiver experimentado prejuízo.85
85
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Página 112.
53
2 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
No capítulo anterior desta obra foram explorados importantes fundamentos
relativos à disciplina jurídica dos atos administrativos. Referidos conceitos servirão de base ao
tema desenvolvido no presente capítulo, relativo ao controle da administração pública.
2.1 Introdução e conceito
O controle do Estado pode ser realizado com base em 2 (dois) fundamentos
distintos. Em se tratando de controle político o fundamento é a necessidade de manutenção do
equilíbrio entre os poderes, através do clássico sistema de freios e contrapesos. Já no controle
administrativo, o objeto não tem relação com as instituições políticas, mas com as instituições
administrativas, sendo, portanto, mais voltado ao âmbito do direito administrativo.
O controle administrativo possui natureza jurídica de princípio fundamental
da Administração Pública, lastreando-se primordialmente no princípio da legalidade, de forma
subjacente à lei, tendo por principal objetivo a fiscalização das políticas administrativas, a fim
de assegurar o alcance do interesse coletivo sem que a liberdade de atuação do poder público
vulnere direitos dos administrados, ou diretrizes administrativas.
O controle da Administração Pública pode ser definido como o “conjunto de
mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e
de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder”86. Referido controle
não se restringe ao âmbito interno da administração, vez que também dispõe de mecanismos
86
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Página 836.
54
jurídicos de atuação (como no caso do controle judicial), abrangendo, de qualquer forma, toda
a atividade administrativa dos poderes, seja de forma revisional, ou meramente fiscalizatória.
2.2 Classificação
Classifica-se o controle da Administração Pública, com relação à natureza
do controlador, em legislativo, administrativo e judicial. Controle legislativo é o que deriva do
poder Legislativo, na condição de representante popular; controle administrativo é aquele que
se origina da própria Administração Pública, no exercício da autotutela; e controle judicial é o
que decorre da atuação provocada do poder Judiciário perante conflitos de interesses.
Quanto à extensão do controle, classifica-se em controle interno e externo,
sendo que o primeiro é o exercido no âmbito administrativo interno de determinado poder, e o
segundo é o exercido por órgão situado em poder diverso de onde partiu o ato controlado.87
Com relação à natureza do controle, há o controle de legalidade, e o controle
de mérito88. No primeiro o ato administrativo é confrontado com o ordenamento jurídico a fim
de que se possa aferir a sua validade, podendo ser exercido tanto pela Administração Pública,
como por órgãos de poderes diversos, como, por exemplo, pelo poder Judiciário. Já o segundo
diz respeito ao mérito propriamente dito do ato administrativo, ou seja, relaciona-se com os
critérios de conveniência e oportunidade que levaram à sua prática, razão pela qual somente
pode ser exercido pela Administração Pública, que é quem detêm a legitimidade para aferir se
determinado ato administrativo deve ser mantido ou revogado.
87
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 795 a 796.
88
ALEXANDRINO, Marcelo; Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 14ª Edição. Niterói:
Impetus, 2007. Páginas 553 a 556.
55
Quanto ao âmbito da administração, o controle pode ser por subordinação
ou por vinculação. Diz-se por subordinação quando é exercido dentro dos mesmos graus de
hierarquia de determinada pessoa jurídica da Administração Pública; e por vinculação quando
é exercido por pessoa jurídica diversa da qual se originou o ato controlado.
Com relação à oportunidade, o controle da administração pode ser prévio,
concomitante ou posterior89. Controle prévio é aquele exercido antes mesmo da prática do ato,
com natureza preventiva, e ocorre, por exemplo, quando o ato depende de aprovação prévia.
Já o controle concomitante é aquele exercido durante a prática do ato, com
natureza preventiva e repressiva, e ocorre, por exemplo, no curso da execução de uma obra
pública. Por fim, o controle posterior é aquele exercido após a prática do ato, com natureza
repressiva, e ocorre, por exemplo, no controle a posteriori exercido pelo poder Judiciário.
Quanto à iniciativa, o controle pode ser de ofício ou provocado. No primeiro
caso trata-se do controle exercido pela própria Administração Pública, no exercício do poder
de autotutela, dentro de suas regulares atribuições. No segundo caso o controle é provocado
por terceiro interessado, que busca a revisão de determinado ato administrativo.
2.3 Controle administrativo
O controle administrativo é exercido pelo poder Executivo, e também pela
função administrativa integrante do poder Legislativo, do poder Judiciário, além do Ministério
89
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 599
a 600.
56
Público, com vistas a confirmar, rever ou alterar os atos administrativos que foram praticados
em seu âmbito interno, diante de aspectos de legalidade, bem como de discricionariedade.
Possui muita importância, neste tema, o princípio da autotutela, reconhecido
nos Enunciados nº. 34690 e 47391 da Súmula do Supremo Tribunal Federal - STF, por meio do
qual pode a Administração Pública “anular, corrigir, reformar, revogar seus próprios atos, de
forma auto-executória, de ofício, para prover o interesse público e recompor a legalidade”92,
tudo isto em seu âmbito interno, sem recorrer a outra autoridade ou poder.
Os objetivos do controle administrativo são 3 (três), a saber: 1) confirmação
– pela qual os atos sujeitos a controle são tidos por regulares pela Administração Pública, e,
desta forma, mantidos com a chancela desta; 2) correção – pela qual os atos sujeitos a controle
são tidos por irregulares pela Administração Pública, que os considera ilegais ou inoportunos /
inconvenientes, retirando-os do mundo jurídico; e 3) alteração – pela qual os atos sujeitos a
controle são tidos por parcialmente legítimos ou adequados, o que motiva a ratificação de uma
parte do ato, e a alteração da outra parte do ato, a fim de mantê-lo no mundo jurídico.
O controle administrativo é uma previsão abstrata que, no entanto, depende
de meios concretos para possibilitar o efetivo cumprimento de seus objetivos.
São através dos instrumentos jurídicos a seguir descritos que isto é tangível.
90
Enunciado nº. 346 da Súmula do STF: “A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODE DECLARAR A
NULIDADE DOS SEUS PRÓPRIOS ATOS".
91
Enunciado nº. 346 da Súmula do STF: “A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS,
QUANDO EIVADOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM
DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE,
RESPEITADOS OS DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A
APRECIAÇÃO JUDICIAL".
92
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Página
1126.
57
Pelo controle ministerial os Ministérios são legitimados a fiscalizar e revisar
os atos praticados pelos órgãos integrantes de sua própria estrutura administrativa (controle
interno, por subordinação), bem como os atos praticados pelas pessoas jurídicas integrantes da
administração indireta vinculadas à sua pasta (controle externo, por vinculação).93 Nas esferas
estadual, distrital e municipal, a depender da organização adotada, é comum que mencionado
papel seja desenvolvido pelas respectivas Secretarias de governo.
Pela via administrativa propriamente dita, também denominada “hierarquia
orgânica”, o controle administrativo é exercido dentro do regular escalonamento hierárquico
do sistema organizacional da Administração Pública, onde os agentes de grau superior detêm
o poder fiscalizatório e revisional sobre os atos dos agentes de grau inferior.
Outra forma de controle administrativo é aquele exercido pelos particulares,
por meio do direito constitucional de petição (erigido à categoria de direito fundamental), pelo
qual pode o interessado dirigir qualquer postulação à apreciação do poder público.
Referido direito está devidamente positivado no artigo 5º, inciso XXXIV,
alínea “a” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, nos seguintes termos:
“são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos
Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
O controle social é a possibilidade de que dispõe determinados segmentos
da sociedade de exercer o controle administrativo. Trata-se, sem dúvida, de forte instrumento
democrático, aproximando a população do processo de exercício do poder público.
93
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 1075 a 1076.
58
Muito embora ainda existam poucos instrumentos jurídicos neste sentido, o
controle social existe, por exemplo, no âmbito da Lei Federal nº. 9.784 de 199994, que trata do
processo administrativo, quando dispõe sobre a consulta pública, ou audiência pública.
Este controle social é exercido basicamente de 2 (duas) formas: o controle
natural é praticado diretamente pelos particulares, ou por suas entidades representativas; já o
controle institucional é praticado por entidades criadas com esta finalidade, qual seja, a defesa
dos interesses gerais da coletividade, tal como ocorre com o Ministério Público, a Defensoria
Pública, os Institutos de Defesa do Consumidor, as ouvidorias, etc.
O ordenamento jurídico admite outras formas de controle administrativo. É
exemplo disto o controle da responsabilidade na gestão fiscal dos agentes públicos, previsto
na Lei Complementar Federal nº. 101 de 200095. A criação de outros instrumentos jurídicos
de controle depende apenas da vontade política dos nossos representantes, a fim de fazer valer
as normas constitucionais voltadas para este finalidade.
Outra forma de controle administrativo ocorre por meio da revisão recursal,
a qual assegura aos interessados, através dos recursos administrativos próprios, a impugnação
formal de determinados atos administrativos perante a Administração Pública. A via recursal
pressupõe a contrariedade a um interesse do recorrente, o que motiva a utilização do recurso
administrativo com o fim de buscar a revisão do ato praticado pela autoridade recorrida.96
94
Lei nº. 9.784, de 29/01/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
D.O.U. de 01/02/1999.
95
Lei Complementar nº. 101 de 04/05/2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.D.O.U. de 05/05/2000.
96
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
Páginas 472 a 474.
59
Os recursos administrativos firmam suas bases em 3 (três) fundamentos: 1)
no sistema de hierarquia orgânica – dentro do regular escalonamento hierárquico do sistema
organizacional da Administração Pública, pelo qual as autoridades de grau superior detêm o
poder revisional sobre os atos praticados pelas autoridades subordinadas de grau inferior; 2)
no direito constitucional de petição – previsto no art. 5º, XXXIV, “a” da Constituição Federal,
vez que os recursos nada mais são do que uma expressão do exercício deste direito, por meio
de postulação dirigida à autoridade de grau superior; e 3) na observação do contraditório e da
ampla defesa – com os meios e recursos e meios a ela inerentes, direito fundamental previsto
no art. 5º, LV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O objetivo do recurso administrativo é justamente a revisão de conduta ou
de ato praticado pela Administração Pública, tido por ilegal ou inadequado pelo interessado, e
a sua natureza é de meio formal de impugnação de atos e de comportamentos administrativos.
Explicando o conceito, José dos Santos Carvalho Filho afirma que o recurso administrativo:
“É um meio de impugnação porque serve como instrumento de exercício do
direito de petição pelo interessado. Além disso, é formal porque deve ser
interposto por petição escrita e devidamente protocolada na repartição
administrativa, observando-se o princípio da publicidade e do formalismo a
que se submete a Administração. O instrumento é de impugnação porque
através dele o interessado hostiliza, por alguma razão, a atividade
administrativa e requer seja esta reexaminada por outros órgãos da
Administração”.97
Os recursos administrativos não se sujeitam a todo formalismo dos recursos
judiciais, dispensando inclusive a atuação de um advogado, no entanto devem observar todos
os princípios administrativos aplicáveis, o que significa que devem ser redigidos por escrito,
97
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Página 848.
60
em petição assinada, indicando a qualificação do recorrente (é vedado o recurso anônimo, ou
abusivo), bem como qual é o ato ou a conduta administrativa que se pretende revisar.
Quando são interpostos no curso de um processo administrativo, possuem
relação com atos ou condutas nele praticados, e denominam-se recursos incidentais; já quando
são interpostos sem que ainda exista um processo administrativo, determinam sua instauração,
e denominam-se recursos deflagradores, visto que autônomos.
Os recursos administrativos podem ser classificados de 2 (duas) formas: os
recursos hierárquicos próprios e os recursos hierárquicos impróprios.98
Os recursos próprios tramitam dentro do regular escalonamento hierárquico
do sistema organizacional da Administração Pública, e dispensam a expressa previsão legal,
pois se fundam no natural controle hierárquico interno que existe entre os agentes superiores e
os subordinados, sendo que para a apreciação do recurso, neste caso, dispõe o agente superior
de amplo poder revisional, a tal ponto que pode até mesmo decidir além do pedido formulado
pelo interessado, sob o fundamento de estar exercendo a autotutela dos atos administrativos.
Os recursos impróprios, por sua vez, são aqueles dirigidos à pessoa jurídica
diversa da qual se originou o ato impugnado. Neste caso, entre o órgão controlado e o órgão
controlador não há relação hierárquica de subordinação, mas de vinculação.
Com relação a tal espécie de recurso existe a necessidade de previsão legal
expressa, no entanto, mesmo diante do silencio da lei, a irresignação deve ser apreciada, visto
98
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 826 a 827.
61
que configura no mínimo o exercício do direito de petição. Ademais, importante registrar ser
completamente descabida a utilização de tal recurso dirigido ao âmbito administrativo de um
dos poderes da República, contra ato ou conduta administrativa praticada por outro, vez que
não existe hierarquia entre eles, sendo todos constitucionalmente separados e independentes.
Alguns recursos administrativos possuem denominações próprias, as quais,
no entanto, geralmente são desconhecidas pelos administrados, circunstância que não impede
a regular apreciação dos recursos, mesmo que apresentados com nomeclatura incorreta.
Apenas a título ilustrativo: 1) a representação – é um recurso administrativo
que visa denunciar irregularidades, abusos, e ilegalidades decorrentes de atos ou condutas dos
agentes administrativos, podendo ser apresentada por qualquer pessoa, mesmo que não tenha
qualquer relação com o ato ou conduta em questão; 2) a reclamação – é recurso administrativo
que visa corrigir um ato ou uma conduta da Administração Pública que causa prejuízo direto
ao interessado; 3) o pedido de reconsideração – é um recurso administrativo dirigido à mesma
autoridade administrativa que praticou o ato ou conduta contra a qual se insurge o interessado;
e 4) a revisão – é recurso administrativo apresentado contra decisão proferida no âmbito de
um processo administrativo, em virtude do surgimento de fatos novos que possam determinar
a alteração da solução inicialmente adotada, implicando na abertura de um novo processo.
Os recursos administrativos geralmente possuem apenas efeito devolutivo,
em razão da presunção de legitimidade que milita em favor do ato impugnado. Possuem efeito
suspensivo apenas quando a lei o prevê de forma expressa. Isto não impede que a autoridade
administrativa atribua o efeito suspensivo de ofício, em virtude do poder de autotutela. 99
99
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 601
a 603.
62
Em se tratando de recurso administrativo com efeito meramente devolutivo,
sua interposição não suspende ou interrompe o prazo prescricional. Neste caso, considerandose que o ato impugnado continua a produzir seus regulares efeitos, o interessado pode desde
logo buscar a tutela do poder Judiciário, independentemente de ter apresentado ou não recurso
na esfera administrativa, consoante direito constitucional assegurado no art. 5º, XXXV da CF.
Não obstante, caso o recurso administrativo possua efeito suspensivo, a sua
interposição suspende o curso do prazo prescricional. Neste caso, considerando-se que o ato
impugnado não continua a produzir seus regulares efeitos – os quais ficam sobrestados até a
decisão da impugnação – o interessado não possui interesse processual em buscar a tutela do
poder Judiciário, devendo aguardar o desfecho de sua irresignação administrativa.
Com relação à exigência de depósito prévio, o Supremo Tribunal Federal já
pacificou a questão, julgando a inconstitucionalidade de qualquer imposição nesse sentido,
por violação ao art. 5º, XXXIV, “a” e LV da Constituição Federal, a fim de reconhecer que os
recursos administrativos podem ser manejados sem qualquer garantia.100 101
A reformatio in pejus é admitida nos recursos administrativos, com relação
aos critérios objetivos de legalidade do ato recorrido, haja vista que o princípio da legalidade
deve se sobrepor aos interesses meramente privados dos administrados. Quando, no entanto,
houve valoração de critérios subjetivos para a prática do ato recorrido, a reformatio in pejus é
vedada com relação a tal avaliação, vez que não se trata de hipótese de ilegalidade.
100
STF, AI-RG-QO 698626 / SP, Relatora: Ministra Ellen Gracie, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Data do
Julgamento: 02/10/2008, Data da Publicação: DJe-232 DIVULG 04-12-2008 PUBLIC 05-12-2008
101
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Páginas
1128 a 1030.
63
Um exemplo é a aplicação de uma penalidade de advertência a um servidor
que, ao recorrer desta pena, tem seu recurso administrativo indeferido e sua pena majorada,
pois na hipótese em questão a penalidade objetivamente cabível era a de suspensão. Um outro
exemplo é a aplicação de uma penalidade de suspensão a um servidor, em razão de critérios
subjetivos afetos à sua conduta, grau de dolo ou culpa, antecedentes, etc., caso em que mesmo
que o seu recurso seja indeferido, a autoridade não poderá rever a sua pena.
A reformatio in pejus está contemplada na Lei Federal nº. 9.784 de 1999102,
a qual, no entanto, exige seja dada prévia oportunidade de defesa ao interessado cuja situação
está prestes a ser agravada. Ademais, referido diploma legal não admite a reformatio in pejus
nos casos sujeitos à revisão, os quais decorrem de processos já concluídos.103
A exaustão ou esgotamento da via administrativa significa que o interessado
não mais pode dar prosseguimento a determinado processo pelas instâncias da Administração
Pública, seja porque já percorreu todos os seus graus recursais, seja porque deixou transcorrer
in albis ou renunciou ao prazo para a interposição do recurso administrativo cabível.
Note-se que o exaurimento da via administrativa não é pressuposto para que
o interessado recorra ao poder Judiciário. Para tanto, basta que o ato que pretende impugnar
esteja operacionalizado, produzindo os seus regulares efeitos. A única exceção nesse sentido
se dá no âmbito da justiça desportiva, prevista no art. 217, § 1º da Constituição Federal, a qual
deve ser efetivamente esgotada antes que a questão possa ser levada ao poder Judiciário.104
102
Lei nº. 9.784, de 29/01/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
D.O.U. de 01/02/1999.
103
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2003. Página 345.
104
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor,
2002. Páginas 472 a 474.
64
Denomina-se coisa julgada administrativa a impossibilidade de rediscussão
de um determinado assunto na via administrativa, em virtude de seu exaurimento nesta esfera,
diante da preclusão. A coisa julgada administrativa não se assemelha à coisa julgada judicial,
tendo em vista que, enquanto este instituto é, em tese, de definitividade absoluta, aquele é de
definitividade relativa, vez que admite modificação perante o poder Judiciário.
A prescrição administrativa também não deve ser confundida com a judicial,
pois enquanto aquela relaciona-se com a esfera administrativa, esta relaciona-se com a esfera
judicial (embora em ambas há a inércia do titular de um direito). A prescrição administrativa,
portanto, nada mais é do que a perda do direito do administrado de apresentar determinado
requerimento, ou da Administração Pública de praticar determinados atos. O fundamento para
tanto possui relação com o princípio da segurança e da estabilidade das relações jurídicas,
segundo o qual situações pendentes não podem ficar sem solução indefinidamente, sendo que
o decurso do tempo, sem a adoção das providências pertinentes, as estabiliza. 105
Logo, com relação aos administrados, a prescrição administrativa acarreta a
perda do direito de interpor recursos administrativos contra atos ou condutas praticadas pela
Administração Pública, e, com relação a esta, impede a utilização do poder de revogar os seus
próprios atos, bem como não permite a aplicação de punição aos administrados, e aos próprios
servidores, após o decurso de certo prazo. Este prazo, por sinal, quando não previsto em lei, é
o mesmo prazo em que ocorre a prescrição judicial em favor da Fazenda Pública106, quando se
trata de direitos pessoais; e, quanto a direitos reais, é o mesmo prazo do direito civil107.
105
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 859 a 861.
106
Decreto nº. 20.910, de 06/01/1932. Regula a Prescrição Quinquenal. D.O.U. de 08/01/1932.
107
Lei nº. 10.406, de 10/01/2002. Institui o Código Civil. D.O.U. de 11/01/2002.
65
2.4 Controle legislativo
O poder Legislativo representa a população brasileira, e, nesta condição, por
meio do sistema da representatividade política, materializa a vontade popular, editando as leis
que condicionam a atividade da Administração Pública, executora do direito. Assim sendo,
cabe ao poder Legislativo exercer o controle legislativo sobre os atos de sua Administração
Pública interna, bem como sobre os atos do poder Executivo, e alguns atos administrativos do
poder Judiciário e Ministério Público, com embasamento constitucional, por se tratar de uma
exceção ao princípio da separação e independência dos poderes da República.108
O controle legislativo atua basicamente no plano político e financeiro. No
plano político o controle legislativo possui prerrogativas de fiscalização e decisão sobre atos
ligados à função administrativa do poder Executivo, Judiciário e Ministério Público.
Como exemplos deste tipo de controle, podem ser citados: 1) a possibilidade
de que dispõe o Congresso Nacional de “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer
de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta” (art. 49, X
da Constituição Federal); 2) o poder convocatório de que dispõe a Câmara dos Deputados ou
o Senado Federal – bem como quaisquer de suas Comissões – de convocar Ministro de Estado
ou autoridades ligadas diretamente à Presidência da República, com a finalidade de prestarem,
pessoalmente ou por escrito, informações sobre assunto previamente determinado, sob pena
de incorrer em crime de responsabilidade (art. 50, caput e § 2º da CF); 3) o poder de sustação
dos atos normativos do poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites de
delegação legislativa, sustando efeitos do ato praticado em invasão da esfera de competência
108
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 796.
66
legiferante do poder Legislativo, conforme art. 49, V da Constituição Federal; e 4) o poder de
instaurar as Comissões Parlamentares de Inquérito, com poderes investigatórios próprios das
autoridades judiciais, para apurar determinado fato, por prazo certo, “sendo suas conclusões,
se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil
ou criminal dos infratores”, nos termos do art. 58, § 3º da Constituição Federal.
No plano financeiro o controle legislativo possui prerrogativas de decisão e
fiscalização sobre receita, despesa e gestão dos recursos públicos, no âmbito interno do poder
Legislativo, e externo do Executivo, do Judiciário e Ministério Público. O objeto do controle,
neste caso, é relacionado a tudo que diz respeito a finanças públicas, com o fim de preservar o
Estado da dilapidação de seu patrimônio, responsabilizando eventuais envolvidos.109
A abrangência do controle legislativo financeiro alcança todos os poderes da
República, tanto no âmbito de sua administração direta como indireta, devendo prestar contas
“qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em
nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”, a teor do § único do art. 70 da CF.
Nos Estados e no Distrito Federal este controle fica a cargo do poder Legislativo local (art. 75
da CF), formado pelas Assembléias Legislativas e pela Câmara Legislativa, respectivamente,
e nos Municípios fica a cargo das Câmaras Municipais (art. 31 da CF).110
Existem 2 (duas) formas de exercício do controle financeiro. A primeira é o
controle interno, exercido por órgãos da estrutura própria de cada poder, que são investidos de
109
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Páginas 1084 a 1089.
110
ALEXANDRINO, Marcelo; Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 14ª Edição. Niterói:
Impetus, 2007. Páginas 570 a 572.
67
atribuição destinada à verificação de suas finanças públicas (art. 70 da CF). A segunda é o
controle externo, dos demais poderes, o qual, no âmbito da União Federal, é exercido pelo
Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União (art. 71 da CF).111
As áreas de atuação sujeitas à fiscalização pelo controle financeiro são 5
(cinco), a saber: 1) financeira em sentido estrito – na qual o controle incide sobre depósitos
bancários, pagamentos, recebimentos, etc.; 2) orçamentária – na qual o controle incide sobre o
orçamento aprovado e os registros nas respectivas rubricas; 3) contábil – na qual o controle
incide sobre o registro de despesas e receitas; 4) operacional – na qual o controle incide sobre
as atividades administrativas em geral, com especial atenção aos seus procedimentos legais; e
5) patrimonial – na qual o controle incide sobre os bens do patrimônio público.
Ademais, o controle financeiro atua sobre 5 (cinco) prismas diferentes112: 1)
controle da legalidade - envolve juízo acerca da legalidade dos atos da Administração Pública,
tendo em vista que sua atividade é subjacente à lei; 2) controle da legitimidade - envolve juízo
acerca do mérito do aspecto financeiro controlado, com base nos critérios administrativos de
conveniência e de oportunidade, afetos à boa-administração; 3) controle da economicidade –
envolve juízo acerca da adequação e compatibilidade das despesas públicas, a fim de aferir se
uma relação de custo-benefício adequada veio a ser atendida com o gasto do dinheiro público;
4) controle da aplicação das subvenções – envolve juízo acerca da correta utilização da verba
pública no destino para o qual lhe reservava a legislação, de forma criteriosa; e 5) controle da
renúncia de receitas – envolve juízo de valor acerca dos motivos pelos quais o administrador
renunciou a determinada fonte de receitas em proveito da Administração Pública.
111
BRITTO, Carlos Ayres de. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001-CARLOS-AYRESBRITTO.pdf>. Acesso em 10/04/2009.
112
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 613
a 615.
68
No âmbito da União Federal o Tribunal de Contas da União tem por função
auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle financeiro externo da Administração
Pública113. As suas atribuições são bem delineadas no art. 71 da CF, valendo destacar que lhe
cabe apreciar as contas do Presidente da República, fiscalizar recursos repassados pela União
Federal, sustar atos impugnados por descumprimento de suas determinações, aplicar sanções
aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, proceder a
inspeções e auditorias nas unidades administrativas do Legislativo, Executivo, Judiciário, ou
Ministério Público, etc. Porém, a maior atribuição do TCU está prevista no art. 71, II da CF,
cabendo-lhe: “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens
e valores públicos da administração direta e indireta, [...] e as contas daqueles que derem
causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”.
O sentido do termo “julgar” não significa exercício de função jurisdicional,
visto que os atos do Tribunal de Contas da União sujeitam-se a controle pelo poder Judiciário,
não obstante possa o TCU apreciar a constitucionalidade de leis e de atos do poder público no
exercício de suas atribuições114, na condição de órgão fundamental da República. Trata-se de
exame, apreciação, análise de caráter administrativo, sendo que, quando resulta em decisão de
imputação de débito ou multa, possui eficácia de título executivo (art. 71, § 3º da CF).
Por fim, no que pertine às atribuições, os demais tribunais de contas devem
observar o principio da simetria constitucional em relação ao TCU115, sendo que nos
processos de suas competências, deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa.
113
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. Páginas 389 a 390.
114
Enunciado nº. 347 da Súmula do STF: “O TRIBUNAL DE CONTAS, NO EXERCÍCIO DE SUAS
ATRIBUIÇÕES, PODE APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DOS ATOS DO PODER
PÚBLICO".
115
STF, ADI 461 / BA, Relator: Ministro Carlos Velloso, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Data do Julgamento:
06/09/2002, Data da Publicação: DJ 06-09-2002 PP-00065
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3 CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DISCRICIONÁRIOS
O capítulo final destina-se ao tema principal da obra. Nele serão abordados
os principais aspectos jurídicos concernentes ao controle jurisdicional dos atos discricionários
da Administração Pública no Brasil, com conceitos abordados nos capítulos precedentes.
3.1 Controle judicial
O controle judicial é exercido pelo poder Judiciário, com base na sua função
constitucional de apreciador eqüidistante da constitucionalidade e legalidade de atos e normas
jurídicas, fiscalizando, desta forma, a atividade administrativa exercida pelo poder Executivo,
pelo poder Legislativo, pelo Ministério Público, e pelo próprio poder Judiciário.116
Um importante instrumento que auxilia no exercício deste controle judicial
veio com a Emenda Constitucional nº. 45 de 2004117, que, em seu art. 2º, inseriu o art. 103-A
na Constituição Federal, criando a súmula vinculante, posteriormente regulamentada pela Lei
Federal nº. 11.417 de 2006118. Por seu regramento, pode vir a ser aprovada pela decisão de 2/3
(dois terços) dos membros do STF, seja de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões
sobre a matéria constitucional, sendo que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder Judiciário e Administração Pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, podendo o STF, por decisão de 2/3
116
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Páginas 895 a 898.
117
Emenda Constitucional nº. 45, de 30/12/2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102,
103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e
acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. D.O.U. de 31.12.2004.
118
Lei nº. 11.417, de 19/12/2006. Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de
29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante
pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências. D.O.U..de 20.12.2006.
70
(dois terços) de seus membros, restringir tais efeitos, ou decidir que estes só tenham eficácia a
partir de outro momento, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse público.
Ademais, importante registrar que mencionado efeito não afeta a atividade precípua do poder
Legislativo, puramente normativa, o que nada tem a ver com sua atividade administrativa.
A aprovação, revisão e cancelamento das súmulas vinculantes podem se dar
de ofício pelo STF, ou mediante provocação, pelos mesmos legitimados para a propositura da
ação direta de inconstitucionalidade, cabendo ao relator do procedimento admitir, por decisão
irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão. Por fim, ante seus efeitos vinculantes, o
ato administrativo ou decisão judicial que contrarie a súmula, ou que indevidamente a aplique,
enseja o ajuizamento de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal.
O controle judicial é normalmente exercido contra os atos administrativos
vinculados, em sede de juízo de legalidade ou de constitucionalidade, com o fim de se buscar
a invalidação dos atos nulos ou anuláveis, contrários ao ordenamento jurídico. Mais adiante a
questão do controle judicial dos atos administrativos discricionários será abordada.119
De qualquer sorte, trata-se de controle que pode ser exercido a posteriori ou
a priori. É posterior quando o ato administrativo impugnado já existe e produz os seus efeitos
no mundo jurídico, oportunidade em que o poder Judiciário, a pedido de um interessado, pode
examinar sua legalidade ou constitucionalidade, ultrapassando a presunção de legitimidade.120
É prévio em situações excepcionais que demandam uma atuação preventiva
do poder Judiciário, quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
119
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. Páginas
1150 a 1152.
120
ALEXANDRINO, Marcelo; Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 14ª Edição. Niterói:
Impetus, 2007. Páginas 579 a 581.
71
a direito do interessado, e desde que preenchidos os pressupostos legais de plausibilidade do
direito (fumus boni iuris) e de risco de dano pela demora (periculum in mora).
Apesar de ser mais comum o controle judicial posterior, a hipótese especial
de controle prévio encontra-se contemplada no Código de Processo Civil121, além de outros
diplomas especiais, como os que tratam do mandado de segurança, da ação popular, etc.
3.1.1 Sistemas de controle
O controle da legalidade dos atos da Administração Pública sofre algumas
variações no estudo do direito comparado, no entanto é possível identificar 2 (dois) sistemas
básicos de controle existentes nos diversos ordenamentos jurídicos dos países: o sistema do
contencioso administrativo e o sistema da unicidade de jurisdição.122
O sistema do contencioso administrativo é também denominado de sistema
da jurisdição dual, adotado na França, Itália, dentre outros países, e caracteriza-se pela divisão
da função jurisdicional em 2 (duas) estruturas judiciárias distintas e independentes – a Justiça
Judiciária e a Justiça Administrativa –, cada qual com competências próprias, de modo que a
causa decidida por uma delas não pode ser revista pela outra (res iudicata).
No sistema da jurisdição dual a Justiça Administrativa possui competência
para apreciar os casos em que o poder público figure em um dos pólos do processo, como nas
causas em que se busca a invalidação de atos administrativos. Já à Justiça Judiciária caberia o
julgamento das demais causas entre os particulares, fora do âmbito do direito administrativo.
121
122
Lei nº. 5.869, de 11/01/1973. Institui o Código de Processo Civil. D.O.U. de 17.01.1973.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005. Páginas 839 a 841.
72
O sistema da unicidade de jurisdição é também denominado de sistema da
jurisdição una, adotado no Brasil, Estados Unidos, dentre outros países; e caracteriza-se pela
concentração da jurisdição, o que significa que todos os processos de natureza administrativa
ou privada são julgados por 1 (um) único órgão judiciário, com ampla competência. No Brasil
o fundamento deste sistema encontra-se no art. 5º, XXXV da Constituição Federal. 123
3.1.2 Atos sujeitos a controle especial
Na forma de governo brasileira, a República, nenhum ato é absolutamente
imune de controle judicial. Existe, no entanto, uma categoria diferenciada de atos emanados
pelo poder público, que se submetem à um controle especial, face às suas particularidades.
Uma destas categorias são os atos políticos, praticados por agentes do alto
escalão do governo, no uso de competência constitucional, marcados pela finalidade política,
de condução das diretrizes da nação, bem como de estratégias de governo. Referidos atos são
amplamente discricionários, permitindo a adoção de uma ampla gama de ações, e, conforme
já restou exposto anteriormente, não se classificam como atos administrativos propriamente
ditos, sendo, em verdade, atos da Administração Pública, dentre os quais fazem parte, por
exemplo, o indulto constitucional, dentre outros.124
Por não se tratarem de atos administrativos, os atos políticos não se sujeitam
a controle judicial quanto aos critérios governamentais de sua edição, vez que são criados com
ampla discricionariedade, e fundamento de validade constitucional, a fim de ditar a condução
123
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. Página 392.
124
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002. Páginas 616
a 617.
73
política do Estado. Neste caso, é vedado ao poder Judiciário substituir-se à esfera privativa da
vontade do governante, para evitar uma violação ao princípio constitucional da independência
e da separação dos poderes, tendo em vista inclusive que os membros do poder Judiciário não
representam a vontade popular, faltando-lhes legitimidade para tanto.
Quando, no entanto, tais atos ofendem direitos individuais ou coletivos, por
ilegalidade ou inconstitucionalidade, submetem-se a controle judicial, em razão dos princípios
da inafastabilidade da jurisdição e supremacia da lei e da Constituição Federal.
Outra categoria de atos sujeitos a controle especial são os atos legislativos
típicos, ou seja, aqueles que possuem o conteúdo de norma, e não de ato administrativo sob a
roupagem formal de lei (a chamada lei de efeitos concretos). Referidos atos são controlados
pelo poder Judiciário sob o aspecto da constitucionalidade, em duas modalidades: o controle
de constitucionalidade difuso e o controle de constitucionalidade concentrado.125
O controle difuso teve origem no sistema americano, segundo o qual todos
os órgãos jurisdicionais, estaduais ou federais, inferiores ou superiores, detêm competência
para declarar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, com sua não-aplicação no caso
concreto sub judice. No Brasil este sistema é seguido por toda a estrutura do poder Judiciário.
Já o controle concentrado teve origem no sistema austríaco, segundo o qual
apenas um órgão jurisdicional, criado para a finalidade de análise de constitucionalidade, ou
tendo nesta sua atividade principal, detém a competência para declarar a inconstitucionalidade
de determinada norma jurídica. No Brasil este sistema também é adotado, sendo materializado
125
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2ª Edição. São Paulo:
Saraiva, 2006. Páginas 46 a 49.
74
por instrumentos jurídicos tais como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade, e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental, que apenas podem ser manejadas por legitimados
específicos, perante órgãos determinados da estrutura do poder Judiciário.126
Por fim, mais uma categoria sujeita ao controle especial são os atos interna
corporis, praticados no âmbito da competência constitucional interna dos órgãos integrantes
dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Como principal exemplo
deste tipo de ato pode ser mencionado o regimento interno.127
Os atos interna corporis, à semelhança dos atos políticos, não se submetem
à fiscalização quanto aos critérios internos adotados para a sua edição, entretanto submetemse ao controle judicial de legalidade ou de constitucionalidade sempre que ofenderem direitos
individuais ou coletivos, à semelhança dos atos políticos.128
3.1.3 Instrumentos de controle
São inúmeros os instrumentos de controle judicial dos atos administrativos;
podem ser classificados em meios inespecíficos e em meios específicos. Os primeiros são as
ações judiciais que qualquer interessado pode manejar; não demandam a presença obrigatória
do poder público em um dos pólos do processo, tal como ocorre com as ações ordinárias em
geral. Os segundos são as ações judiciais destinadas especificamente para a tutela de direitos
126
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2006. Páginas
332 a 333.
127
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor,
2002. Páginas 490 a 494.
128
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2005.
Páginas 693 a 694.
75
individuais ou coletivos contra ilegalidades e inconstitucionalidades decorrentes da prática de
atos administrativos, sejam estes comissivos ou omissivos, e que, em regra, exigem a presença
da autoridade administrativa responsável pela edição do ato impugnado em um dos pólos do
processo, tal como ocorre com a ação popular, mandado de segurança, etc.129 Os instrumentos
específicos de controle serão brevemente conceituados a seguir.
O mandado de segurança é ação judicial de fundamento constitucional (art.
5º, LXIX da CF) pela qual se busca a proteção jurisdicional do Estado em razão de ameaça ou
efetiva lesão a direito líquido e certo não amparado pelo writ de habeas corpus ou de habeas
data, em virtude de ato inválido praticado por autoridade investida na função administrativa.
Sua previsão infraconstitucional encontra-se disciplinada na lei Federal nº. 1.533 de 1951.130
O habeas corpus é uma ação de fundamento constitucional (art. 5º, LXVIII
da CF) que visa proteger o paciente sempre que sofrer ou estiver ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Sua previsão
infraconstitucional está positivada no Código de Processo Penal.131
O habeas data é uma ação de fundamento constitucional (art. 5º, LXXII da
CF) que visa garantir ao impetrante o conhecimento de informações relativas à sua pessoa,
constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
ou para a retificação de dados, quando não prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial. Sua
previsão infraconstitucional encontra-se disciplinada na Lei Federal nº. 9.507 de 1997.132
129
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Página 1169.
130
Lei nº. 1.533, de 31/12/1951. Altera disposições do Código do Processo Civil, relativas ao mandado de
segurança. D.O.U. de 31.12.1951.
131
Decreto-Lei nº. 3.689, de 03/10/1941. Código de Processo Penal. D.O.U. de 13.10.1941.
132
Lei nº. 9.507, de 12/11/1997. Regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do
habeas data. D.O.U. de 13.11.1997.
76
A ação popular é outra ação de fundamento constitucional (art.. 5º, LXXIII,
CF) pela qual qualquer cidadão pode buscar a invalidação de ato praticado pelo poder público
(ou por entidade de que este participe) lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente,
ou ao patrimônio histórico e cultural, com a condenação dos responsáveis em perdas e danos.
A disciplina infraconstitucional desta ação está prevista na Lei Federal nº. 4.717 de 1965.133
Mais uma ação de fundamento constitucional é o mandado de injunção (art.
5º, LXXI da CF), que não possui previsão infraconstitucional, e é cabível sempre que a falta
de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais,
bem como de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
A ação civil pública possui fundamento constitucional (art. 129, III da CF),
e, visa apurar a responsabilidade por danos patrimoniais e morais causados ao meio ambiente,
ao consumidor, à ordem urbanística, à bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico; por infração da ordem econômica e da economia popular, e à ordem
urbanística, sem prejuízo da ação popular (v. Lei Federal nº. 7.347 de 1985134).
Por fim, a ação de improbidade administrativa também possui fundamento
de validade constitucional (art. 37, § 4º da CF) e infraconstitucional (Lei Federal nº. 8.429 de
1992135), sendo destinada a apurar responsabilidades e impor sanções por atos de improbidade
praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a Administração Pública.
133
Lei nº. 4.717, de 29/06/1965. Regula a ação popular. D.O.U. de 05.07.1965.
Lei nº. 7.347, de 24/07/1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meioambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(VETADO) e dá outras providências. D.O.U. de 25.07.1985.
135
Lei nº. 8.429, de 02/06/1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,
indireta ou fundacional e dá outras providências. D.O.U. de 03.06.1992.
134
77
3.2 Discricionariedade administrativa
Conforme restou exposto anteriormente, existem casos em que a lei prevê a
existência de determinadas situações de fato diante das quais disciplina previamente a conduta
do agente público, estabelecendo, por critérios estritamente objetivos, qual o comportamento
único que este deverá adotar, sem qualquer margem de liberdade. Nestes casos, o ato que vier
a ser praticado pela autoridade administrativa é chamado de vinculado.
No entanto, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:
“[...] casos há, embora excepcionais, em que a regra de Direito se omite em
mencionar a situação de fato. O normal, sem dúvida, é que a lei a refira,
entretanto, ao fazê-lo, freqüentemente descreve-a mediante expressões que
recobrem conceitos algo fluidos, algo imprecisos, também chamados de
vagos ou indeterminados ou elásticos, tais como ‘situação urgente’, ‘notável
saber’, estado de pobreza’, ‘ordem pública’ (portanto, suscetíveis de
interpretações ou intelecções variadas) ou, então, ainda quando a descreve
em termos estritamente objetivos, defere, no comando da norma, certa
margem de liberdade ao administrador. Esta relativa liberdade, ora ensejalhe praticar ou não praticar o ato diante daquela situação (que é o que se
passa quando a lei diz ‘pode’, ao invés de ‘deve’), ora outorga-lhe
competência para ajuizar sobre o momento adequado para fazê-lo, ora
permite-lhe uma opção quanto à forma que revestirá o ato, ora finalmente,
autoriza-o a decidir sobre a providência a ser tomada, entre pelo menos duas
alternativas abertas pela norma aplicanda [...]”.136
Nestes casos o ato praticado pela autoridade administrativa é denominado
discricionário, uma vez que se sujeita à interferência de um juízo subjetivo do administrador
no que pertine ao reconhecimento ou não da situação fática contemplada na norma, à agir ou
não agir, à escolha do momento adequado para a prática do ato, à forma pela qual praticará o
ato, ou à qual será a medida tida por idônea para atender à situação de fato.137
136
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª Edição. São Paulo:
Malheiros, 2003. Página 17.
137
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 3ª Edição. Rio
de Janeiro: Revista Forense, 1957. Páginas 93 a 94.
78
Apesar da existência de entendimentos em contrário, os conceitos jurídicos
indeterminados efetivamente integram a noção de discricionariedade do poder público, pois
não apresentam a sua característica de fluidez apenas em abstrato, mas também em concreto,
tendo em vista que, mesmo diante de uma situação de fato, não ganham densidade intelectiva
o suficiente para afastar sempre todas as dúvidas que pairam acerca da aplicabilidade ou não –
da subsunção ou não – do conceito impreciso por eles recoberto.
Por muitas vezes será possível inclusive afirmar que 2 (duas) interpretações
contrastantes de conceitos legais fluídos em um determinado caso concreto são razoáveis, e
que certa interpretação adotada em um outro contexto não foi bem reconhecida.
Não obstante, por certo os conceitos jurídicos indeterminados não conferem
ampla liberdade à Administração Pública para a sua aplicação, vez que possuem sempre uma
densidade mínima, formada por uma zona de certeza positiva (dentro da qual possui aplicação
inequívoca) e por uma zona de certeza negativa (dentro da qual não possui aplicação). É neste
intervalo entre as zonas que atua a discrição do administrador, sendo-lhe vedado que aplique a
norma na zona de certeza negativa, e que não a reconheça na zona de certeza positiva.138
Voltando ao tema da natureza jurídica da discricionariedade, por certo esta,
à semelhança do que foi exposto acerca dos conceitos jurídicos indeterminados, não importa
em uma espécie de “carta branca” à Administração Pública, muito pelo contrário.
Em determinadas normas o legislador estabeleceu um comportamento único
a ser adotado pela Administração Pública perante uma situação fática pré-definida, a fim de
138
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª Edição. São Paulo:
Malheiros, 2003. Páginas 28 a 32.
79
vincular a atuação desta, com vistas ao atendimento do interesse público tutelado. Nos atos
administrativos vinculados, portanto, o comportamento ideal já pôde ser previamente definido
em lei, não demandando uma maior intelecção com base em critérios subjetivos.
Já em outras normas, não foi possível estabelecer um comportamento único
em lei, com base em critérios objetivos, o qual pudesse atender o interesse público tutelado de
forma ideal, diante da variedade de possíveis soluções existentes, em razão da diversidade das
variáveis componentes da realidade. Nestes casos o que existe é uma impossibilidade material
de previsão de todas as situações concretas, no entanto isto não autoriza o administrador para
adotar a solução que simplesmente reputar ser a mais adequada.
A discrição importa justamente no não engessamento, de forma proposital,
da atividade administrativa, a fim de permitir a adoção do comportamento ótimo na situação
de fato, vez que este não pode ser previsto em lei. A discricionariedade significa que existem
soluções perfeitas, porém distintas, para as diversas hipóteses de incidência da norma, a fim
de atender à finalidade da lei, e não que existe apenas uma solução rígida para todos os casos
nela contemplados, visto que a previsão de vinculação abstrata poderia vir a ensejar a prática
de atos administrativos contrários aos próprios interesses públicos nela contemplados.139
Celso Antônio Bandeira de Mello chega a uma conclusão nesse sentido:
“Se a lei, nos casos de discrição, comporta medidas diferentes, só pode ser
porque pretende que se dê uma certa solução para um dado tipo de casos e
outra solução para outra espécie de casos, de modo que sempre seja adotada
a solução pertinente, adequada à fisionomia própria de cada situação, a fim
de que seja atendida a finalidade da regra em cujo nome é praticado o ato.
Ou seja, a variedade de soluções comportadas na regra outorgadora de
139
MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. 2ª Edição. São Paulo:
Dialética, 2004. Páginas 37 a 48.
80
discrição não significa que todas estas soluções sejam igual e
indiferentemente adequadas para todos os casos de sua aplicação. Significa,
pelo contrário, que a lei considera que algumas delas são adequadas para
certos casos e outras para outros casos”.140
O fato de a Administração Pública ter que sempre adotar o comportamento
ideal diante da situação de fato apresentada não significa que o ato discricionário que vier a
praticar é, em verdade, ato vinculado dissimulado, pois a providência a ser tomada permanece
objetivamente incognoscível, estando, em verdade, dentro de um número limitado de opções
tidas por razoáveis para atender à prognose da norma e ao interesse público no caso concreto.
Esta gama de opções em aberto autorizada por lei é um elemento necessário
para completar a definição dos elementos essenciais para a prática do ato pela Administração
Pública, em especial o motivo e o objeto. Diogo de Figueiredo Moreira Neto expõe que:
“Na referência ao atendimento de um interesse público específico, enfatizase que esses dois elementos que devem ter seu conteúdo integrado pela
Administração, o motivo e o objeto, caracterizam uma definição derivada e
particularizada do interesse público contido na definição originária e
generalizada, presente, explícita ou implicitamente na lei. É por essa razão
que a definição legal do interesse público deverá sempre existir em qualquer
manifestação de vontade administrativa, seja no ato administrativo, seja no
contrato ou seja no ato administrativo complexo, como um elemento
juridicamente vinculado: a finalidade. [...] se a finalidade é sempre
vinculada, tanto o motivo quanto o objeto é nela que encontrarão os seus
limites. Em outros termos: a discricionariedade não pode ser exercida contra
a finalidade nem mesmo sem ela, mas, apenas, em favor dela”.141
A discricionariedade é, portanto, a competência atribuída ao poder público,
no exercício de suas funções administrativas, de forma a possibilitar a integração da vontade
da lei durante a execução de seu conteúdo diante de determinada situação, constituindo-se em
verdadeiro poder vinculado ao atendimento da finalidade pública que dita a sua existência.
140
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Página 812.
141
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Página 34.
81
Esta vinculação ao interesse público constitui o limite interno da atuação do
Estado, imposta pela sociedade, cujo descumprimento enseja a ilegitimidade do ato, marcando
a má-administração. Como limite interno da atuação do Estado encontra-se a lei, imposta por
ele próprio, cujo descumprimento enseja a ilegalidade do ato.
Logo, para a Administração Pública, sempre ao lado do aspecto atributivo
da função administrativa, que é o poder, deve haver o aspecto limitativo, que é o dever. Neste
caso: tanto o dever de obedecer à legislação, como o dever de ter uma boa administração.
3.3 Limites à discricionariedade
O mérito do ato administrativo é o sentido político, formado pelos aspectos
da oportunidade e da conveniência, na busca pelo interesse público, valendo-se, para tanto, da
discricionariedade como meio para o exercício desta função administrativa:
“Ao se compor os conceitos oferecidos, agora sob essa óptica instrumental,
pode-se apresentar a discricionariedade como uma técnica desenvolvida para
permitir que a ação administrativa defina com precisão suficiente um
conteúdo de oportunidade e de conveniência que possa a vir a constituir-se
no mérito adequado e suficiente à satisfação de um interesse público
específico, estabelecido na norma legal como finalidade. Em outros termos:
a discricionariedade é uma técnica e o mérito, o resultado”.142
No campo dos elementos do ato administrativo, a competência, finalidade e
forma serão sempre vinculadas, e o motivo e objeto poderão ser vinculados ou discricionários.
Sâo nestes últimos elementos que se situa o mérito administrativo, resultado do exercício da
discricionariedade, tendo por suas dimensões a oportunidade e a conveniência.
142
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Páginas 46 a 47.
82
É justamente esta dupla dimensão do mérito administrativo que configura o
limite à discricionariedade. O limite quanto à oportunidade tem relação com a integração do
motivo do ato, o qual deve ser corretamente valorado pela Administração Pública. Já o limite
quanto à conveniência tem relação com a integração do objeto do ato, que deve ser escolhido
de forma acertada pela Administração Pública, tudo dentro dos limites legais. O exercício da
atividade discricionária fora destes limites importa na nulidade do ato por vício de finalidade.
Por outro lado, 2 (dois) princípios atuam de forma a nortear a valoração do
motivo do ato e a escolha de seu objeto: os princípios da realidade e da razoabilidade.143
Por realidade entenda-se que o direito não existe para dar suporte à ilações
desprovidas de suporte fático, mas para reger a convivência entre as pessoas, não podendo as
normas jurídicas e os atos administrativos delas decorrentes fundamentarem seus motivos em
uma fantasia, ou buscarem a concretização de um objeto intangível. O ato administrativo que
não cumpre estes limites de discricionariedade por certo não busca uma finalidade pública.
Com relação à razoabilidade, trata-se do atendimento ao interesse público de
forma satisfatória. Não basta a prática do ato administrativo de forma mecânica, deve sempre
haver o mínimo de razoabilidade na eleição dos critérios de conveniência e oportunidade com
vistas à busca do interesse público tutelado pela norma. A razoabilidade atua como um limite
à discricionariedade na valoração dos motivos do ato, de forma que sejam compatíveis com a
finalidade pública visada. Da mesma forma, também atua como limite na escolha do objeto, a
fim de que este seja adequado à concretização da finalidade pública almejada.
143
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Páginas 49 a 58.
83
Como dimensão do mérito administrativo, limitando a discricionariedade,
temos a oportunidade, que se relaciona com o motivo do ato, cuja valoração é norteada pelos
princípios da realidade e da razoabilidade. Com relação à realidade, os motivos do ato devem
existir e ser suficientes para sua prática; e, com relação à razoabilidade, os motivos devem ser
adequados, compatíveis e proporcionais com o objeto almejado. Fora destes limites traçados
de oportunidade à discricionariedade, o ato é inoportuno, e a opção discricionária inválida.
Pela incidência do princípio da realidade o motivo do ato deve ser existente,
tanto no plano fático como no plano jurídico, pois a sua prática não pode fundar-se no irreal: a
lei não atribui competência à Administração Pública para instrumentalizar mentiras. Ademais,
o motivo do ato também deve ser suficiente para a sua prática, tanto no plano fático como no
plano jurídico, vez que este não pode lastrar-se em motivos vagos, incompletos ou duvidosos,
não podendo o agente administrativo suplementá-los quando não bastarem à prática do ato.
Quanto à incidência do princípio da razoabilidade, o motivo do ato deve ser
adequado, tanto no plano fático como no plano jurídico, à natureza jurídica do ato, de acordo
com a sua categoria, seja de ato interno, externo, punitivo, ampliativo, etc. O motivo do ato,
da mesma forma, também deve ser compatível, não com a categoria do ato, mas com o objeto
visado, buscando a coerência entre sua causa e efeito. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira
Neto: “Na adequabilidade examina-se a pertinência categorial dos motivos com todo o ato; na
compatibilidade, a relação específica dos motivos com o objeto do ato”144. Por fim, o motivo
do ato também deve guardar uma relação de proporcionalidade diante de seu objeto – entre os
fins que busca e os meios que emprega –, de forma qualitativa ou quantitativa.
144
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Página 68.
84
Outra dimensão do mérito administrativo, limitando a discricionariedade, é
a conveniência, que se relaciona com o objeto do ato, cuja escolha é norteada pelos princípios
da realidade e da razoabilidade. Com relação à realidade, o objeto do ato deve ser possível; e,
com relação à razoabilidade, o objeto do ato deve ter conformidade com a satisfação do fim
público buscado pela norma de regência, em aceitável grau de eficiência. Fora destes limites
de conveniência à discricionariedade, o ato é inconveniente, e a opção discricionária inválida.
Pela incidência do princípio da realidade o objeto do ato deve ser possível,
tanto física como juridicamente. No plano físico, o ato administrativo deve ser materialmente
possível de ser praticado, e no plano jurídico, deve estar em conformidade com o direito.
Quanto à incidência do princípio da razoabilidade, o objeto do ato deve ter
uma conformidade lógica entre a modificação que pretende implementar no universo jurídico,
de forma imediata, com o interesse público que visa atingir de forma mediata. Nestes casos, a
desconformidade enseja a hipótese de desvio de poder (ou de finalidade). Por fim, o objeto do
ato, mesmo que atenda ao requisito da conformidade, deve ser eficiente, ou seja, deve atender
de forma suficiente o interesse público para o qual foi praticado, cabendo ao poder Judiciário
a fiscalização deste requisito. Nesse sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto expõe que:
“Não se trata de substituir, voltamos a esclarecer, a escolha da
Administração pela escolha do Judiciário; a este Poder não cabe fazer opções
administrativas (mérito), mas, sem dúvida, ele tem o dever de não permitir
que elas se façam com violação da lei, ainda que indireta. Tampouco se trata
de exigir uma única solução ótima possível, do juiz, como também já
examinamos, mas de zelar que a solução adotada não seja tão grosseiramente
ineficiente que signifique o desprezo do dever de boa administração”.145
145
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Página 77.
85
Em síntese, eis um quadro esquemático dos limites à discricionariedade146:
146
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Página 60.
86
3.4 Extensão do controle judicial
A inafastabilidade do controle jurisdicional é princípio constitucional, assim
previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988,
que afirma: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Um princípio é o mandamento nuclear de um sistema jurídico; sua violação
é muito mais grave que a violação a uma regra, visto que não configura uma ofensa pontual a
um mandamento obrigatório, mas um verdadeiro atentado ao sistema jurídico, como um todo,
abalando as vigas mestras nas quais as regras encontram suporte.147
José dos Santos Carvalho Filho defende que o controle judicial sobre os atos
administrativos se dá exclusivamente no plano da legalidade, ou seja, que ao poder Judiciário
cabe apenas competência para confrontar os atos da Administração Pública com a lei ou com
a Constituição Federal, verificando sua conformidade com o ordenamento jurídico, anulando
os atos inválidos. Com relação ao controle dos atos discricionários, referido autor afirma que:
“O que é vedado ao Judiciário, como corretamente têm decidido os
Tribunais, é apreciar o que se denomina normalmente de mérito
administrativo, vale dizer, a ele é interditado o poder de reavaliar critérios de
conveniência e oportunidade dos atos, que são privativos do administrador
público. Já tivemos a oportunidade de destacar que, a se admitir essa
reavaliação, estar-se-ia possibilitando que o juiz exercesse também função
administrativa, o que não corresponde obviamente à sua competência. Além
do mais. A invasão de atribuições é vedada na Constituição e, face do
sistema da tripartição de Poderes (art. 2º). Alguns autores têm cometido o
exagero de ampliar os limites de atuação do Judiciário, invocando princípios
que, em última análise, acabam por recair no aspecto fundamental – o exame
de legalidade. A despeito dessa evidente distorção, os Tribunais, sensíveis às
147
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 807 a 810.
87
linhas que demarcam a atuação dos Poderes, têm sistematicamente rejeitado
essa indevida ampliação e decidido que o controle do mérito dos atos
administrativos é da competência exclusiva da Administração”.148
No entanto não se pode admitir que a Administração Pública, sob o pretexto
de estar praticando ato administrativo discricionário (cujo mérito seria insuscetível de controle
judicial), possa atentar contra a finalidade pública.
Conforme visto anteriormente, os princípios da realidade e da razoabilidade
atuam sobre o motivo e o objeto do ato, na condição de elementos do ato administrativo, cuja
integração é realizada pela análise da conveniência e oportunidade, dimensionando o mérito
administrativo e, em última análise, delimitando os limites à discricionariedade.
É o desvio da finalidade que, por decorrer do descumprimento dos limites
da discrição administrativa, autoriza o Judiciário a invalidar os atos discricionários praticados
pela Administração Pública em descumprimento da competência que lhe foi atribuída por lei
(princípio da legalidade) para o exercício de suas funções.
Portanto, no choque entre os princípios constitucionais da inafastabilidade
da jurisdição, de um lado, e da separação e independência dos poderes da República, de outro,
aquele deve prevalecer, sempre que a Administração Pública atue contra o direito.
Importante ressaltar que a prática de ato inválido acobertado pelo manto da
discricionariedade é extremamente perigosa, muito mais do que a prática, por exemplo, de um
ato vinculado patentemente anulável, justamente porque não importa em uma violação aberta,
aferível de plano, mas em uma violação que por muitas vezes é mais difícil de ser percebida.
148
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. Página 900.
88
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Melo esclarece que:
“É, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa que
o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais
ambicionado e mais necessário para os jurisdicionados, já que a pronúncia
representa a garantia última para contenção do administrador dentro dos
limites de liberdade efetivamente conferidos pelo sistema normativo”. 149
É inegável que em países que adotam o sistema de jurisdição dual o controle
dos atos administrativos discricionários evoluiu muito mais rapidamente que nos países que
adotam o sistema da unicidade de jurisdição, em virtude do nível de especialização da matéria
submetida a julgamento perante os tribunais administrativos. Porém, isto não significa que em
países como o Brasil o poder Judiciário não deva assumir esta envergadura, pois, caso isto não
aconteça, a defesa dos administrados em juízo restará profundamente prejudicada.
Assim procedendo, o poder Judiciário não elimina a discricionariedade, pois
não ultrapassa os limites objetivos de significação da norma, mantendo integro o campo de
apreciação subjetiva do administrador, como deve ser em um Estado Democrático de Direito.
E é justamente com a utilização dos princípios instrumentais da realidade e
da razoabilidade que esta tarefa se torna possível, permitindo ao poder Judiciário examinar se
o mérito do ato administrativo foi devidamente integrado de acordo com o interesse público
que sua norma de regência se presta a tutelar. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
“O silogismo judiciário pode ser precisamente montado, com a premissa
maior na finalidade da norma e a premissa menor no mérito do ato, de modo
a evidenciarem-se o pertinet ou as impertinências: o respeito ou a
149
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2002. Páginas 833 a 834.
89
exorbitância dos limites à discricionariedade. Observe-se que, nesta tarefa, o
instituto da discricionariedade não fica comprometido mas, ao contrário,
valorizado, na medida em que sua proteção não mais se vincula a uma praxe
acomodada da doutrina e dos tribunais, mas a um sistema racional e
permanentemente aprimorável”.150
De fato, com a paulatina eliminação dos desvios de finalidade que decorrem
do abuso da Administração Pública no exercício do poder discricionário, a prática destes atos
tenderá cada vez mais a guardar sintonia com o interesse público contido em sua finalidade
legal, de sorte que o exercício da discrição administrativa será constantemente aperfeiçoado,
em benefício da sociedade brasileira como um todo.
Para tanto, no entanto, o poder Judiciário deve efetivamente atuar de forma
comissiva, e de fato invalidar os atos que excedam os limites da discricionariedade, deixando
de realizar uma análise restrita de legalidade para passar a realizar uma análise principiológica
e teleológica dos atos administrativos diante do sistema jurídico pátrio.151
3.5 Jurisprudência
A jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros sempre foi tímida com
relação ao tema, e acolhia a doutrina que defendia a impossibilidade de controle jurisdicional
dos atos administrativos discricionários praticados pela Administração Pública, por entender
que o mérito de referidos atos – formado pelo juízo de conveniência e oportunidade do poder
público – era insindicável, e, portanto, insuscetível de fiscalização pelo poder Judiciário.152
150
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões sobre os Limites
e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Página 84.
151
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2ª Edição. São
Paulo: Malheiros, 1999. Páginas 60 a 61.
152
ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. O controle judicial dos atos administrativos discricionários à luz da
jurisprudência do STF e do STJ. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8508>. Acesso
em 20/04/2009.
90
Tal posição era acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme
se extrai dos seguintes julgados, disponíveis no sítio eletrônico de referido tribunal153:
"MANDADO
DE
SEGURANÇA.
SERVIDOR.
ATO
DE
REDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de
pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do
serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do
servidor para as novas atividades. II - O controle judicial dos atos
administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade,
eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado.
Precedentes. Segurança denegada".154
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCESSÃO DE
HORÁRIO ESPECIAL. ATO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE OU
ABUSO. INEXISTÊNCIA. - Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo
de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo,
porque ao Judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe
vedado substituir o Administrador Público - Recurso ordinário
desprovido". 155
No entanto, paulatinamente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
passou a admitir o controle judicial da atividade não vinculada da Administração Pública:
"[...] 2. Hoje em dia, parte da doutrina e da jurisprudência já admite que o
Poder Judiciário possa controlar o mérito do ato administrativo
(conveniência e oportunidade) sempre que, no uso da discricionariedade
admitida legalmente, a Administração Pública agir contrariamente ao
princípio da razoabilidade. Lições doutrinárias. 3. Isso se dá porque, ao
extrapolar os limites da razoabilidade, a Administração acaba violando a
própria legalidade, que, por sua vez, deve pautar a atuação do Poder Público,
segundo ditames constitucionais (notadamente do art. 37, caput) [...]".156
"[...] 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da
lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
[...] 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos
extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de
153
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em 20/04/2009.
STJ, MS 12629 / DF, Relator: Ministro Felix Fischer, Órgão Julgador: Terceira Seção, Data do Julgamento:
22/08/2007, Data da Publicação: DJ 24/09/2007 p. 244
155
STJ, RMS 14967 / SP, Relator: Ministro Vicente Leal, Órgão Julgador: Sexta Turma, Data do Julgamento:
25/03/2003, Data da Publicação: DJ 22/04/2003 p. 272
156
STJ, REsp 778648 / PE, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data
do Julgamento: 06/11/2008, Data da Publicação: DJe 01/12/2008
154
91
conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar
critérios de moralidade e razoabilidade [...]".157
Em relação ao último julgado citado, vale a pena transcrever trecho do voto
da relatora do caso, Excelentíssima Senhora Ministra Eliana Calmon:
“No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade,
expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão
de todos os poderes à lei. A visão exacerbada e literal do princípio
transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta,
fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo
abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o
facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do
alcance do Judiciário. A partir da última década do Século XX, o Brasil, com
grande atraso, promoveu a sua revisão crítica do Direito, que consistiu em
retirar do Legislador a supremacia de super poder, ao dar nova interpretação
ao princípio da legalidade. Em verdade, é inconcebível que se submeta a
Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de
legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de
ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio.
Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no
âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer
o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios
constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento. A tendência,
portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da
Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de
"Cavalo de Tróia" pelo alemão Huber, transcrito em "Direito Administrativo
em Evolução", de Odete Medauar. Dentro desse novo paradigma, não se
pode simplesmente dizer que, em matéria de conveniência e oportunidade,
não pode o Judiciário examiná-las. Aos poucos, o caráter de liberdade total
do administrador vai se apagando da cultura brasileira e, no lugar, coloca-se
na análise da motivação do ato administrativo a área de controle. E, diga-se,
porque pertinente, não apenas o controle em sua acepção mais ampla, mas
também o político e a opinião pública”.
Observa-se claramente que a Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon preocupase com o mau uso da competência discricionária por parte da Administração Pública. De fato,
conforme já restou exposto anteriormente, a prática de ato inválido acobertado pelo manto da
discricionariedade é extremamente perigosa, pois constitui-se em uma violação difícil de ser
percebida; um atentado dissimulado; um verdadeiro “cavalo de tróia”.
157
STJ, REsp 429570 / GO, Relatora: Ministra Eliana Calmon, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do
Julgamento: 11/11/2003, Data da Publicação: DJ 22/03/2004 p. 277
92
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também passou a se pronunciar
de forma favorável ao controle dos atos administrativos discricionários, diante da aplicação do
princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da CF,
consoante se extraí dos seguintes julgados, disponíveis no sítio eletrônico do tribunal158:
"AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ATO
ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. REEXAME DE PROVAS.
IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA
279 DO STF. 1. É legítima a verificação, pelo Poder Judiciário, de
regularidade do ato discricionário quanto às suas causas, motivos e
finalidade. 2. A hipótese dos autos impõe o reexame de fatos e provas.
Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do STF. Agravos
regimentais aos quais se nega provimento".159
"[...] 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos
discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela
atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação
de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder
Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos
do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração [...]".160
Em relação ao último julgado citado, vale a pena transcrever trecho do voto
do relator do caso, Excelentíssimo Senhor Ministro Eros Grau:
“[...] 3. Cumpre deitarmos atenção, neste passo, sobre o tema dos limites de
atuação do Judiciário nos caso que envolvem o exercício do poder
disciplinar por parte da Administração. Impõe-se para tanto apartarmos a
pura discricionariedade, em cuja seara não caberia ao Judiciário interferir, e
o domínio da legalidade. 4. A doutrina moderna tem convergido no
entendimento de que é necessária e salutar a ampliação da área de atuação do
Judiciário, tanto para coibir arbitrariedades --- em regra praticadas sob o
escudo da assim chamada discricionariedade ---, quanto para conferir-se
plena aplicação ao preceito constitucional segundo o qual 'a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito' (art. 5º, XXXV,
CB/88). 5. O sistema que o direito é compreende princípios e regras. A
158
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em 20/04/2009.
STF, RE-AgR 505439 / MA, Relator: Ministro Eros Grau, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do
Julgamento: 12/08/2008, Data da Publicação: DJe-162 DIVULG 28-08-2008 PUBLIC 29-08-2008
160
STF, RMS 24699 / DF, Relator: Ministro Eros Grau, Órgão Julgador: Primeira Turma, Data do Julgamento:
30/11/2004, Data da Publicação: DJ 01-07-2005 PP-00056
159
93
vigente Constituição do Brasil consagrou, em seu art. 37, princípios que
conformam a interpretação/aplicação das regras do sistema e, no campo das
práticas encetadas pela Administração, garantem venha a ser efetivamente
exercido pelo Poder Judiciário o seu controle. 6. De mais a mais, como tenho
observado, a discricionariedade, bem ao contrário do que sustenta a doutrina
mais antiga, não é conseqüência da utilização, nos textos normativos, de
'conceitos indeterminados'. Só há efetivamente discricionariedade quando
expressamente atribuída, pela norma jurídica válida, à autoridade
administrativa, essa margem de decisão à margem da lei. Em outros termos:
a autoridade administrativa está autorizada a atuar discricionariamente
apenas, única e exclusivamente, quando norma jurídica válida
expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Insisto em que a
discricionariedade resulta de expressa atribuição normativa à autoridade
administrativa, e não da circunstância de serem ambíguos, equívocos ou
suscetíveis de receberem especificações diversas os vocábulos usados nos
textos normativos, dos quais resultam, por obra da interpretação, as normas
jurídicas. Comete erro quem confunde discricionariedade e interpretação do
direito. 7. A Administração, ao praticar atos discricionários, formula juízos
de oportunidade, escolhe entre indiferentes jurídicos. Aí há decisão à
margem da lei, porque à lei é indiferente a escolha que o agente da
Administração vier a fazer. Indiferentes à lei, estranhas à legalidade, não há
porque o Poder Judiciário controlar essas decisões. Ao contrário, sempre que
a Administração formule juízos de legalidade, interpreta/aplica o direito e,
pois, seus atos hão de ser objeto de controle judicial. Esse controle, por
óbvio, há de ser empreendido à luz dos princípios, em especial, embora não
exclusivamente, os afirmados pelo artigo 37 da Constituição [...]”.
Apesar do Exmo. Sr. Ministro Eros Grau ser um partidário da tese de que os
conceitos jurídicos indeterminados não integram a discricionariedade administrativa, verificase que é clara a sua posição no sentido da possibilidade do controle judicial do mérito dos atos
administrativos discricionários, quando ultrapassados seus limites, postos por sua finalidade.
Este singelo panorama representativo – traçado em relação aos precedentes
dos principais tribunais superiores afetos à matéria jurídica em pauta – revela que a questão
em análise vem ganhando contornos jurisprudenciais cada vez mais definidos, vez que, apesar
do fato de que ainda existe divergência nos tribunais e na doutrina, a aplicação da tese de que
o poder Judiciário pode controlar os atos discricionários da Administração Pública atualmente
encontra relevante respaldo, não mais se constituindo em uma voz isolada ou restrita.161
161
ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. O controle judicial dos atos administrativos discricionários à luz da
jurisprudência do STF e do STJ. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8508>. Acesso
em 20/04/2009.
94
CONCLUSÃO
O controle da Administração Pública funda-se no princípio da legalidade, e
possui por objetivo primordial a fiscalização das políticas administrativas, a fim de assegurar
que o poder público alcance o interesse coletivo, e a finalidade pública imanente às normas
jurídicas, sem que a sua liberdade de atuação atente contra o ordenamento jurídico pátrio.
O controle administrativo se baseia no poder de autotutela da Administração
Pública, e é exercido pelo poder Executivo, bem como pela função administrativa integrante
do poder Legislativo, do poder Judiciário, além do Ministério Público, com vistas a confirmar,
rever ou alterar os atos administrativos que foram praticados em seu âmbito interno.
O poder Legislativo, na condição de representante da população brasileira,
também exerce o controle da Administração Pública, pois é o responsável pela edição das leis
que condicionam a sua atividade. No plano político o controle legislativo possui prerrogativas
de fiscalização e de decisão sobre atos ligados à função administrativa do poder Executivo, do
poder Judiciário, e do Ministério Público. Já no plano financeiro o controle legislativo possui
prerrogativas de decisão e fiscalização sobre receita, despesa e gestão dos recursos públicos,
no âmbito interno do Legislativo, e externo do Executivo, Judiciário, e Ministério Público.
Por fim, o controle judicial é exercido pelo poder Judiciário, com base em
sua função constitucional jurisdicional, fiscalizando, desta forma, a atividade administrativa
exercida pelo poder Executivo, Legislativo, Ministério Público, e pelo próprio Judiciário, com
o fim de buscar a invalidação dos atos nulos ou anuláveis, contrários ao direito.
95
Nenhum ato é absolutamente imune do controle judicial, no entanto, os atos
políticos, legislativos típicos e interna corporis submetem-se a controle especial. Com relação
aos atos administrativos vinculados, não existe ressalva a ser feita. Quanto aos discricionários,
ainda há polêmica permeando a questão da possibilidade de controle pelo poder Judiciário,
pois tais atos dispõem de certa margem de liberdade de atuação, tendo em vista que a lei não
tipificou um único comportamento possível da Administração Pública diante de determinada
hipótese objetiva, deixando um campo aberto para a atuação subjetiva do agente público, no
que diz respeito ao mérito do ato administrativo, cabendo-lhe, portanto, atuar da forma que
melhor atenda aos interesses públicos, dentro de um juízo de conveniência e oportunidade.
A competência discricionária, no entanto, encontra limites nos princípios da
realidade e razoabilidade, os quais atuam sobre o motivo e o objeto do ato, cuja integração,
realizada pela análise da conveniência e da oportunidade, dimensiona o mérito administrativo
e, em última análise, delineia os contornos dos limites do controle judicial.
O controle judicial, nesta hipótese, é, portanto, plenamente possível, diante
de uma análise principiológica e teleológica dos atos administrativos, com fulcro no princípio
constitucional da inafastabilidade da jurisdição, e em busca da finalidade pública tutelada em
sua norma de regência, posição esta que vem sendo adotada tanto em precedentes do Superior
Tribunal de Justiça – STJ, como em julgados do Supremo Tribunal Federal – STF.
Referido controle, além de manter integro o campo de apreciação subjetiva
do administrador, coíbe a prática de atos maculados por desvios de finalidade, decorrentes dos
abusos da Administração Pública, de sorte a tornar viável um constante aperfeiçoamento do
exercício da discrição administrativa, em benefício da sociedade brasileira como um todo.
96
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NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade. Novas reflexões
sobre os Limites e Controle a Discricionariedade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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