Fernando Oswaldo Dias Rangel

Transcrição

Fernando Oswaldo Dias Rangel
Excelentíssimo Senhor Acadêmico Professor Doutor Francisco de Paula Amarante Neto Dignissimo Presidente da Academia de Medicina do Rio de Janeiro.
Excelentíssimos Senhores Acadêmicos e Autoridades que compõem a mesa desta sessão
solene.
Excelentíssimos Senhores Acadêmicos e Autoridades presentes.
Excelentíssimos Senhores e Senhoras.
Meus amigos.
O ser humano luta, desde tempos imemoriais, para compreender e vencer as doenças, uma
vez que elas representam a principal fonte, nem sempre visível, de dor no próprio corpo. Além
da dor física, há a dor histórica representada pelo grito humano pela vida, pela liberdade e pela
dignidade, que rompe as correntes que prendem o homem ao sofrimento. A medicina foi
aprimorada ao longo do tempo para contemplar a necessidade fundamental de afastar a dor e
o sofrimento e prolongar a vida.
Há cerca de 4.000 anos, estabeleceu-se a figura social do médico. A mais antiga
documentação escrita da participação do médico ocorreu no Egito antigo, há 5.000 anos, num
caso fatal de colapso cardíaco. O primeiro sistema teórico para compreensão das doenças, a
teoria dos 4 humores (sangue, fleuma, bile amarela e bile preta), veio da Grécia antiga, no
século 4 a.C. , a partir de Hipócrates, na Escola Médica, que influenciou profundamente a
medicina até o século 19. O desequilíbrio qualitativo e quantitativo entre os humores seriam os
responsáveis pelas doenças. Dentre os ensinamentos hipocráticos destacam-se, como atuais,
os conceitos de diagnóstico, tratamento e prognóstico; a diferenciação entre sintoma e doença;
e os três aforismas fundamentais: o médico e sua arte, o doente e sua individualidade e a
doença. O juramento contido no célebre Tratado Ético de Hipócrates tem como objetivo evitar
que a prática médica seja prejudicial aos doentes. Em 1315, Mondino de Luzzi, professor da
Universidade de Bolonha, realizou a primeira dissecção humana. Marcelo Malpighi, no século
17, através de seus estudos de microestrutura, inaugurou a era microscópica da medicina e o
conhecimento da célula. Desenvolvem-se métodos diagnósticos complementares aos sentidos
do médico: os aparelhos de RX, e posteriormente, os de tomografia computadorizada, de
ressonância magnética, ultra-sonografia, dentre outros. Os estudos do frade dominicano,
Gregor Mendel, no século 19, abriram as portas para o conhecimento genético, alavancando o
desenvolvimento da medicina molecular. O próximo avanço na medicina estará provavelmente
associado ao domínio do binômio massa-energia, envolvendo partículas atômicas e
subatômicas, que compõem os aspectos morfo-funcionais dos seres vivos.
Senhores, é uma grande honra tomar posse na prestigiosa Academia de Medicina do Rio de
Janeiro, que congrega membros da mais alta qualificação médica e elevado espírito
humanitário, que atuam no estado do Rio de Janeiro.
Assumir a cadeira de número 80 desta Academia, cujo Patrono é o Prof. Dr. Hans Jurgen
Fernando Dohman é motivo de enorme orgulho. Tive o privilégio de conviver durante muitos
anos com o Prof. Hans Dohmann, no Hospital Pró-Cradíaco, com grande admiração e respeito
àquele que foi um grande mestre da especialidade, com profunda vocação para o ensino e a
pesquisa da ciência cardiovascular.
O Prof. Dohmann graduou-se pela Universidade Federal de Rio de Janeiro em 1959,
especializou-se em Cardiologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em
1960, tornou-se Livre Docente pela FEFIERJ, Escola de Medicina e Cirurgia, em 1971 e
concluiu o Doutorado e a Livre-Docência em Medicina pela UFRJ em 1972.
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Na década de 1960, o professor Hans Dohmann integrava o corpo docente do Curso do Prof.
Dr. Carvalho de Azevedo de cardiologia da PUC-RJ, no Hospital Nossa Senhora das Vitórias,
localizado na Rua Voluntários da Pátria, bairro de Botafogo, uma construção simples de 2
andares , junto a outros luminares da especialidade. O professor Hans Dohmann e o professor
Jorge Sekeff publicaram, nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, em 1962, trabalho inovador
sobre a dinâmica do ventrículo esquerdo através da inter-relação das fases do ciclo cardíaco
pela análise simultânea dos registros elétricos, acústicos e mecânicos do coração, o que foi por
eles denominado Cronodinagrama.
Em 1973, o professor Hans Dohmann, na época, o diretor do Hospital Nossa Senhora das
Vitórias, verificou que as dimensões estruturais da instituição não comportavam a ampliação
necessária para atender a crescente demanda pelo afluxo de pacientes. A partir de então, o
professor Dohmann, numa atitude visionária, não mediu esforços para conseguir a
transferência do HNSV para o prédio das Comerciárias, em Laranjeiras. O hospital recebeu o
nome de Hospital de Cardilogia de Laranjeiras, que teve extraordinário desenvolvimento
assistencial, científico e acadêmico, contribuindo na formação de inúmeros cardiologistas e
cirurgiões cardiovasculares, ao longo das décadas subsequentes, passando a ser denominado
Instituto Nacional de Cardiologia, amplamente reconhecido pela excelência no atendimento aos
pacientes portadores de cardiopatias complexas. O Prof. Dohmann desenvolveu extensa
atividade acadêmica, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO, onde foi
professor adjunto de medicina, diretor geral do Hospital Universitário Gafrée e Guinle, ViceReitor e Reitor (1996 a 2000).
Foi um dos fundadores do Hospital Pró-Cardíaco (1959), instituição a qual se dedicou
intensamente, como era o seu feitio, e como Diretor Científico, desenvolveu as atividades de
ensino, em nível de pós-graduação e ampla pesquisa científica, desde os trabalhos
observacionais às pesquisas de inovação, notadamente na área das células-tronco, chefiadas
por seu filho, o Acadêmico Prof. Dr Hans Fernando Dohmann, eminente médico, pesquisador e
atualmente, Secretario de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro; um dileto amigo, que tenho a
honra de conhecer há duas décadas e ter colaborado na sua pesquisa pioneira de injeção
endocárdica de células mononucleares autólogas em pacientes com cardiomiopatia isquêmica
crônica. O Prof. Dr Hans Dohmann publicou incontáveis trabalhos científicos, organizou
inúmeras jornadas e simpósios do Hospital Pró-Cardíaco, recebeu inúmeras honrarias,
homenagens, menções de louvor, como a da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro e da Câmara municipal pelos serviços prestados junto ao Hospital Universitário Gaffrée
e Guinle. A despeito de todo saber e erudição tratava com simplicidade e alegria todos os seus
semelhantes. Presto minha sincera homenagem à toda sua família, representada pela sua
esposa, Sra Isolda Dohmann e seus filhos.
Passei minha infância e adolescência no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, de onde
guardo grandes recordações. Foi no Fluminense Football Club, onde aprendi a jogar tênis e a
torcer pelo tradicional, fidalgo e emocionante time de Nelson Rodrigues. As ruas da minha
infância eram belas e ensolaradas, havia o quintal onde se reunia a meninada, os primos
Alberto, Mônica e Patrícia; a casa de Dona Cecília de Sá Leitão, onde moravam meus grandes
amigos e irmãos, Marcelo e Leonardo; a casa dos tios Arnaldo e Beatriz, onde se brincava com
as amigas Adriana e Patrícia e onde a imaginação se mesclava com o imenso verde da floresta
e com o aroma das árvores de frutas tropicais. Foi uma infância esplêndida! Esta é a minha
homenagem a todos que dela participaram.
Tive enorme influência de meus avós maternos, Oswaldo e Marita, na minha formação pessoal.
Minha gratidão a eles é eterna. Sempre fui muito unido à minha querida irmã Claudia, pessoa
de ótimo coração e de prodigiosa inteligência intuitiva. Minha mãe, meu pai, Virgilina. Vadeco,
Armando, Zylda, meus tios, meus irmãos Marcelo, Cristina, Paula; Kling, meus sobrinhos,
minha avó Lysia, Vytorio, Arnost, Helena também foram fundamentais. Minha avó Lysia,
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descendente do Visconde de Mauá, demonstrava sua elegância na simplicidade e respeito com
que tratava a todos. Aprendi com eles a importância vital da família, da generosidade e da
fraternidade. Meu avô Oswaldo me ensinou que a grandiosidade da essência humana reside
no que é mais simples, e a admirar a beleza da natureza, em especial a do mar. Eles me
ensinaram o valor inestimável da amizade, que deve-se cultivar e levar para toda a vida. A
ética, o profundo respeito pelos semelhantes, a solidariedade e a compaixão constituíram a
mensagem principal, que me foi deixada. Aprendi que a espiritualidade reside no coração das
pessoas e na maneira como elas se relacionam entre si, com a natureza e com o
Transcendente.
Cresci num ambiente que muito valorizava a educação e a cultura. Desde muito cedo, percebi
que a dedicação aos estudos era o único caminho para o verdadeiro conhecimento.
Concluí o segundo grau no Colégio Santo Inácio. Aprendi muito com os mestres, nas mais
variadas disciplinas, entre os quais guardo com muito carinho os ensinamentos de biologia do
professor Luiz Carlos, de matemática dos professores Thales do Couto e Gilson Puppin, de
literatura portuguesa do professor Santives e de química do saudoso professor Palhares. Muito
me enriqueceu espiritualmente o convívio com o saudoso Padre Araújo.
Minha graduação médica foi realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Destaco a
monitoria de parasitologia. O curso preparatório ocorreu na Escola Nacional de Saúde Pública,
sob a brilhante orientação Acadêmico Prof. Doutor Adalto Araújo. Que extraordinário foi aquele
tempo! Estudos teóricos e práticos, preparação de lâminas de tripanossomas no laboratório,
trabalhos de campo, com direito à caçada aos flebótomos ao entardecer, em Bangu e à busca
de cercárias em Jacarepaguá.
Em relação à pesquisa médica no Brasil tenho grande orgulho de minha família. Meu bisavô,
Ezequiel Dias, médico, que publicou a primeira tese de hematologia do Brasil, dedicou-se à
pesquisa no grupo de seu cunhado, Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Foi incumbido por
Oswaldo a se mudar do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, uma vez acometido pela
tuberculose. Lá concretizou a fundação da filial de Manguinhos, o atual prestigioso Instituo
Ezequiel Dias, onde desenvolveu com dedicação e competência, ampla pesquisa biomédica
até o final de seus dias.
Oswaldo Dias, meu querido e saudoso avô, dedicou-se à tisiologia, com sabedoria, abnegação
e um imenso senso humanitário. Uma de suas primeiras pacientes, minha querida avó, foi por
ele salva, do drama da tísica. Tratou com sucesso de inúmeros pacientes, nos sanatórios
especializados, que viam a proximidade da morte, nas tenebrosas hemoptises, lançando mão
das ferramentas da época: o pneumotórax , o procedimento de Jacobeus e posteriormente, a
terapia química específica. Enquanto diretor do Hospital São Sebastião, no Caju, mantinha a
porta do gabinete aberta para todos que o procurassem , independente da posição social. Este
conceito amplo da fraternidade, do tratamento equânime para todos os semelhantes, incluindo
a justiça social, aprendi cedo com ele.
O irmão de meu avô, Emmanuel Dias foi pupilo e trabalhou diretamente com o genial cientista
brasileiro, Carlos Chagas, dentre outros mestres, em Manguinhos.
Chagas faleceu em 1934 e seus trabalhos não foram interrompidos. Em 1941 eclodiram vários
casos agudos da doença de Chagas, tendo por indício o sinal de Romaña. Apareceria o foco
de Bambuí, em Minas Gerais. Emannuel Dias foi designado para uma curta temporada de 3 ou
4 meses na pequena cidade do sertão mineiro, com a missão de montar as bases de um posto
avançado. O que aconteceu a seguir pode ser sumarizado nas palavras de seu filho, o Prof.
Dr. João Carlos Pinto Dias: “na lide, de imediato , tudo se converteu, ensejando vinte anos de
vivência e de trabalho em Bambuí, aliás, o resto de sua vida. A poeirenta Bambuí fez-se um
marco na vida deste homem bom e trabalhador. Sua encruzilhada de vida iria refletir-se no
destino de milhões de pessoas pela America Latina, tristes párias a conviver com choças e
chupões. Emmanuel Dias assumiu o novo rumo, em escolha consciente e determinada,
entregando-se de corpo e alma aos semelhantes ameaçados ou já infectados pelo
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Trypanossoma cruzy. Tinha 34 anos de idade. E esta decisão mudou completamente a história
da doença de Chagas .” O trabalho de Emmanuel, por sua vez, também foi prosseguido pelo
não menos brilhante médico, professor e pesquisador, João Carlos Pinto Dias, que da mesma
forma que seus antecessores, honra nosso país com sua trajetória, sendo referencia mundial
no controle da doença.
Minha formação acadêmica foi influenciada por grandes mestres na Universidade Federal do
Rio de Janeiro: na área de clínica médica pelo Prof. Rubens de Alencar, na área cirúrgica pelo
Acadêmico Prof. Dr. José Ribamar Saboia, na cardiologia pelos professores doutores Edson
Saad, José Hallake, José Guilherme Feres. Muita gratidão tenho pelos professores da
Residência Médica no Hospital dos Servidores do Estado, destacando-se Marciano de
Carvalho, Luiz Maurino de Abreu, João Mansur Filho, Antonio Alves Couto, Roberto Hugo da
Costa Lins, Antônio Carlos Nogueira, Issac Roitman, dentre outros.
A minha tese de doutorado na UFRJ, teve a magnífica orientação do Prof. Dr. Sergio Salles em
conjunto com o Prof. Dr. Luiz Antonio de Carvalho.
Minha trajetória médica é indissociável à do Hospital Pró-Cardíaco, ao qual ingressei há 22
anos. Instituição de excelência na assistência, na pesquisa e no ensino. Berço da formação de
inúmeros profissionais na área médica. Ali encontrei um terreno fértil para o debate amplo dos
casos clínicos e aprimoramento científico. Meus conhecimentos em terapia intensiva foram
lapidados pelos professores Rubens da Costa Filho e João Luiz Ferreira Costa. Meu interesse
pelo choque cardiogênico, que fez parte de minha tese de doutorado em cardiologia, e suas
repercussões multiorgânicas e multidisciplinares datam desta época.
Em 1988, conheci, no Hospital dos Servidores do Estado, o Professor Doutor Roberto
Esporcatte, um grande amigo, grande companheiro de estudos, de decisões à beira de leito, de
atividades científicas, que muito me incentiva e cuja parceria permanece intacta. Também
desde o final dos anos 1980, um outro grande amigo surgiu para compartilhar esta trajetória, o
Professor Doutor Pedro Nogueira, homem de caráter ilibado, personalidade marcante, profundo
conhecedor da terapia intensiva. Outro grande amigo, o Professor Doutor Luiz Antonio de
Almeida Campos também tem papel relevante em minha vida profissional, tendo me indicado
para presidir o primeiro Departamento de Cardiointensivisto da SOCERJ, nos anos 1990 e para
a Comissão Científica da SBC no biênio 2008/2009.
Minha homenagem a todos os companheiros da Rotina Médica do Hospital Pró-Cardíaco, os
Doutores Daniel Setta, Ricardo Mourilhe, Marcelo Garcia, Marcelo Bittencourt, Helena Cramer,
Gustavo Duque, Roberta Schneider, Fernanda Ferreira, Marcelo Bandeira, as Enfermeiras Ana
Lúcia Cascardo, Vyviane, Claudia Wecksler e a todos os profissionais do Hospital PróCardíaco e do Instituto Nacional de Cardiologia, em especial à Dra. Elisangela Cordeiro e ao
Dr. Sergio Olival. Ao Dr. Rodrigo Mousinho, pela grande parceria. Ao Prof. Dr. Leonardo
Carvalho, pela amizade. Ao Acadêmico Professor Doutor Cantídio Drummond pela parceria
com a Sexta Enfermaria da Santa Casa. Ao Acadêmico Prof. Dr. José Alves Galvão pela
confiança depositada no meu trabalho. Ao meu irmão mais novo, o Prof. Dr. Gustavo Gouvea,
meu muito obrigado. Meu profundo agradecimento à Diretoria histórica do Hospital PróCardíaco, e à Diretoria atual representada pelo Dr. Marcus Vinicius dos Santos, que muito me
apoiaram. Agradeço também ao Prof. Dr. Evandro Tinoco.
Homenagem especial ao Dr. Francisco Eduardo Guimarães Ferreira por todo incentivo à minha
carreira.
Agradeço ao Acadêmico Prof. Dr. Igor Abrantes, pelo apoio, pelo acolhimento, pela amizade e
pelo carinho, no período anterior à eleição. Agradeço também ao meu querido amigo, o
Acadêmico Prof. Doutor Aquiles Manfrin.
Agradeço à incansável dedicação e ao zelo da minha secretaria, a Sra Tânia Maria Marques.
Agradeço também a Sra Mary.
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Enfim, se cheguei até aqui, é porque tenho do leu lado minha querida mulher e companheira
Cristiane, que sempre me apoiou e esteve presente em todos os momentos e meu filho Luiz
Fernando, motivo de muito orgulho, meu núcleo vital.
Senhor Presidente,
Senhores e senhoras,
Muito obrigado a todos!
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