a estação hidrobiológica da ilha do pinheiro: um - HCTE

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a estação hidrobiológica da ilha do pinheiro: um - HCTE
A ESTAÇÃO HIDROBIOLÓGICA DA ILHA DO
PINHEIRO: UM ENCONTRO DE HISTORIA
AMBIENTAL E HISTÓRIA DA CIÊNCIA NA BAÍA
DE GUANABARA
Lise Sedrez, UFRJ
História ambiental é um campo recente da história, que busca entender as relações entre as
sociedades e o meio natural através do tempo. Esta definição, já clássica, deixa aberta a possibilidade
de contato com muitas outras áreas da história, bem mais tradicionais. História da ciência é uma delas,
e talvez uma das mais intrigantes, e muito do que se produz hoje em história ambiental tem uma dívida
contínua com a produção científica moderna e não tão moderna. Vale a pena lembrar que história
natural, hoje um conceito um pouco obsoleto, se definia como parte da biologia – uma biologia
dinâmica, que se transformava a partir de processos próprios.
A história que proponho hoje sublinha exatamente este dinamismo nos processos naturais,
mas na sua interação com processos antropogênicos. É uma história também sobre como cientistas
que estudavam estes processos naturais foram surpreendidos por este dinamismo – e tiveram que
mudar sua própria prática de produção de conhecimento. O exame das mudanças da baía de
Guanabara no século XX, portanto, oferece viés pelo qual podemos estudar a história da ciência
produzida no Brasil durante este período.
Em 1958, a biota da Ilha do Pinheiro enfrentava uma ameaça de proporções darwinianas.
Condições ambientais haviam mudado rápida e radicalmente na década anterior: efluentes químicos e
petróleo, alterações no regime de águas, assoreamento devido a aterro nas imediações, e lixo
flutuante do maior depósito de lixo urbano na Baía de Guanabara, tudo contribuiu para a situação
crítica. Parte da fauna simplesmente vislumbrou para áreas mais hospitaleiras, e lá se foram tainhas,
caranguejos e peixes-gato para outros mangue e enseadas da Baía. Eles migraram. As árvores de
mangue e siris azuis não podiam fazer o mesmo o óleo e o lixo trazidos pela maré já eram ruins, mas o
assoreamento foi a gota d’água. Eles pereceram. Já o principal representante da população humana
na ilha, o biólogo Lejeune de Oliveira, considerava suas opções. Ele dirigia a Estação de Hidrobiologia
na ilha, e certamente não queria que a Estação perecesse, embora já não pudesse cumprir seu
propósito original de fornecer fauna marinha para o Instituto Oswaldo Cruz. Migrar também não era
uma opção. Ele bem que tentou, mas o Instituto ignorou seus apelos. Assim, Lejeune se adaptou: em
1958 publicava uma análise demolidora dos efeitos da poluição marinha na Baía. Lejeune então
reinventou o propósito da Estação Hidrobiologia: ao invés de um laboratório de pesquisa de ciência
pura, a Ilha dos Pinheiros tornou-se um centro de monitoramento da poluição de água.1
Lejeune de Oliveira trabalhou na Estação de Hidrobiologia de Pinheiro Ilha por 40 anos, de
1937 a 1977. A bióloga Luiza Krau, que viria a se tornar sua esposa, também trabalhou ali por 30 anos.
Durante este tempo, eles publicaram dezenas de artigos sobre a biologia da Baía de Guanabara,
transformando a Ilha do Pinheiro numa experiência única para hidrobiologia no Brasil e, certamente,
uma fonte privilegiada para entender as mudanças para a Baía de Guanabara.
O trabalho de Lejeune e Luiza se destaca entre os pioneiros dos estudos de poluição marinha
no Brasil. Foram os primeiros, por exemplo, a propor indicadores biológicos para medir a poluição na
Baía de Guanabara. A longevidade do seu trabalho – quase 40 anos de coletas de dados - é por si só
surpreendente longa em um contexto onde a descontinuidade era a norma. Esta persistência derivou
principalmente de seus esforços pessoais para manter viva a Estação de Hidrobiologia. A localização
mesma da ilha, além disto, em uma enseada isolada, perto da área para onde a cidade em breve se
expandiria, evidenciava as transformações ambientais dramáticas que ainda não se percebiam no
resto da baía – quase uma profecia simbólica da sorte futura de Guanabara.
O vínculo com um instituto científico de renome internacional como o Instituto Oswaldo Cruz,
com uma presença já tradicional na Baía de Guanabara, fazia de Lejeune e Luiza autoridades
reconhecidas para poluição na baía e da Ilha do Pinheiro, um espaço de debate político e estratégico
sobre o tema. Por ela passaram todos os que, naqueles quarenta anos, tiveram qualquer ligação com
o manejo da Baía de Guanabara em um momento ou em outro, seja como visitante, aluno ou
pesquisador. Uma boa parte do networking e definição de contatos entre cientistas e tecnocratas em
relação à Baía de Guanabara teve lugar na Ilha do Pinheiro, documentados por Lejeune de Oliveira
nos relatórios anuais ao Instituto Oswaldo Cruz. Estes relatórios abrem, assim, uma janela preciosa
não só sobre o cotidiano de um cientista brasileiro no século XX, mas também sobre as relações entre
ciência, política e meio ambiente.
Lejeune de Oliveira começou seus quarenta anos de trajetória no Oswaldo Cruz como tantos
cientistas aspirantes da década de 1930. Era aluno de medicina quando foi convidado em 1937 por um
pesquisador já estabelecido do Instituto Oswaldo Cruz, para ser seu assistente.
Henrique de
Beaupaire Aragão, um dos seus supervisores, era um entusiasta de hidrobiologia, e levou o jovem
Lejeune para pesquisas de campo na Lagoa Rodrigo de Freitas e da Baía de Guanabara desde 1939.
1
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Poluição das Águas Marítimas: Estragos da Flora e da Fauna no Rio de
Janeiro," Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 56, no. 1 (1958): 39-59.
Nesta época, Aragão propôs a criação do Laboratório de Hidrobiologia na Ilha do Pinheiro, com a idéia
de eventualmente criar um centro internacional de estudos marinhos.2
Longe de ser um desenvolvimento inesperado, hidrobiologia fora parte do projeto inicial para o
Instituto. De 1908 a 1922, o então Instituto Soroterápico de Manguinhos teve um departamento de
hidrobiologia. O próprio Oswaldo Cruz ajudara a criar em 1916 uma ambiciosa e efêmera Estação de
Biologia Marinha na praia da Urca, em colaboração com a Inspetoria Nacional de Pesca, sob Ministério
da Agricultura. Foi o primeiro centro de pesquisa de seu tipo na América do Sul, com a missão da
estação era estudar a introdução de espécies exóticas de peixes comerciais nas águas da Baía de
Guanabara.3 A estação manteve o interesse do Ministério da Agricultura por pouco mais de três anos,
mas acabou pouco depois, sem deixar muitos rastros. Sem contar mais com o apoio do Ministério para
o projeto, localizada longe demais da sede do Instituto, o experimento morreu por inanição política.4 O
departamento de hidrobiologia manteve ainda um perfil discreto pelos próximos quinze anos, limitandose a executar algumas pesquisas de campo e coletas de espécimes na Baía de Guanabara, até que foi
revitalizado por Henrique Aragão.
A administração Henrique Aragão (1942-1949) representou um período próspero para o
Instituto Oswaldo Cruz. Como parte do esforço de guerra, o Instituto Oswaldo Cruz recebeu um
financiamento significativo, suficiente para modernizar laboratórios e construir novas instalações. Na
melhor tradição do Instituto Oswaldo Cruz, Aragão usou suas conexões internacionais para convidar o
biólogo francês Pierre Drach para uma estadia de seis meses, em 1948. Drach, vice-diretor da Estação
Biológica de Roscoff, Finisterre, França, treinou vários cientistas, introduziu novas técnicas para a
observação de vida marinha e orientou a reformulação da Estação de Hidrobiologia. Em 1950, a
Estação estava em plena atividade e Lejeune de Oliveira já havia listado 100 espécies de
invertebrados marinhos como disponíveis para os laboratórios do Instituto Oswaldo Cruz.5
Luiza Krau, então professora do ensino médio, formada em história natural, participou de um
dos cursos com Pierre Drach, ingressando neste período no Instituto – um dos poucos espaços em
que mulheres podiam seguir carreira como cientistas e pesquisadoras.6 A seguir, Luiza foi designada
como assistente de Lejeune de Oliveira na nova Estação de Hidrobiologia em Ilha do Pinheiro, e ali
ficariam juntos pelos vinte e cinco anos seguintes.
2
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Curriculum Vitae" in Arquivo Pessoal Lejeune de Oliveira (manuscrito, Rio de
Janeiro, 1958); "Histórico da Biologia Marinha," in Arquivo Pessoal Lejeune de Oliveira. (manuscrito, Viña del Mar,
Chile, 1949).
3
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Contribuição ao Conhecimento dos Crustáceos do Rio de Janeiro," Memórias
do Instituto Oswaldo Cruz 34, no. 2 (1939): 8.
4
Faria, J. Gomes de, and Aristides Marques da Cunha. "Estudos Sobre o Microplancton da Baía do Rio de Janeiro e
suas Imediações," Memórias do Instituto Oswaldo Cruz IX, no. 1 (1917), 69; Oliveira, "Poluição das Águas Marítimas,"
45.
5
Oliveira, "Curriculum Vitae"; Oliveira, "Histórico da Biologia Marinha."
6
Luiza Krau, entrevista a Lise Fernanda Sedrez, 29 de maio, 2001.
A Ilha do Pinheiro
A forma como a Ilha do Pinheiro chegou aos domínios do Instituto Oswaldo Cruz merece ao
menos uma breve menção. Na década de 1930, o Instituto Oswaldo Cruz precisava de um lugar
isolado, onde pudesse manter e observar em liberdade total os animais usados para pesquisa de
vacinas – em especial, os bastante caros macacos Rhesus. A Ilha do Pinheiro, de propriedade do
Governo Federal, praticamente desabitada e não muito longe da sede do Instituto, parecia a escolha
ideal. Uma ilha pequena, com uma forma irregular, florestas de manguezais extensos, localizava-se na
enseada de Inhaúma, cercada por nove outras ilhas. Isolada do continente por um canal estreito, a ilha
era acessível apenas por barco.
Além de um habitat propício para os macacos Rhesus, a ilha tinha outras vantagens para o
Instituto: praticamente todas as áreas de pesquisa, desde parasitologia até zoologia, utilizavam
espécimes marinhos para suas atividades. A Ilha do Pinheiro estava numa posição excelente para
obter este material. "A enseada Inhaúma", como escreveu Lejeune em 1939, "está perto da boca de
três rios que fluem para dentro do compartimento, tem uma baixa salinidade, e muitos mangues e
pântanos, um local perfeito para a reprodução dos crustáceos."
7
Portanto, em outubro de 1932, o
diretor do Instituto Oswaldo Cruz Carlos Chagas, obteve a posse da ilha e ali instalou os famosos
macacos. Chagas também construiu um biotério, um pequeno edifício onde o Instituto realizava alguns
experimentos e mantinha animais doentes, e um aquário. Aí começou a Estação de Hidrobiologia da
Ilha do Pinheiro.8
As mudanças ambientais, contudo, logo deixariam sua marca na ilha e em seus cientistas.
Além dos aquários e do biotério, a ilha já tinha dois pequenos lagos artificiais feitos em solo arenoso,
com comportas, construídos pelos proprietários anteriores para a cultura de camarão. Os cientistas do
Instituto usaram estes viveiros de camarões por não mais que dois anos quando perceberam que as
mudanças em áreas próximas à ilha tinham um impacto direto sobre suas atividades. Ainda em 1935 e
36, a criação do aeroporto de Manguinhos, aterrando uma área considerável dos mangues da enseada
de Inhaúma, criaria um novo regime de circulação de águas que empurrava detritos sólidos e lixo de
perto do aeroporto para Ilha do Pinheiro, exatamente diante das comportas dos camarões. Nestas
águas, mesmo ainda com limitados níveis de poluição, o camarão morria assim que entrava nos
lagos.9
Ainda assim, havia abundância de fauna e flora para contentar o mais exigente biólogo. Em
1939, o laboratório de hidrobiologia foi finalmente terminado, e o Instituto realizou várias pesquisas de
campo, coletando material da Baía de Guanabara a partir da Ilha do Pinheiro: caranguejos, cavalosmarinhos, peixes em geral, e ainda peixes venenosos para o estudo da toxicologia e água-viva para o
7
Oliveira, "Contribuição ao Conhecimento dos Crustáceos do Rio de Janeiro," Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 34,
no. 2 (1939): 115-48.
8
Instituto Oswaldo Cruz, "Ilha dos Pinheiros - Histórico," (Rio de Janeiro, DF: Ministério da Saúde, 1944), 2.
9
Oliveira, "Poluição das Águas Marítimas," 48.
departamento de fisiologia. Sem poder usar os velhos lagos de camarão, muito suscetíveis a poluição
do entorno da ilha, as renovações das instalações de 1942 incluíram mais dez aquários. Uma segunda
reestruturação da Estação em 1947 incluiu a instalação de eletricidade, e os relatórios eram bem
otimistas sobre seu potencial de utilização futura. De fato, o consultor francês Pierre Drach consultor
estimava que, com base nos índices de poluição no Rio de Janeiro entre 1900 e 1947, a poluição não
iria danificar o ecossistema da Ilha de Pinheiro durante os próximos cem anos.10 Era um otimista.
De 1937 a 1950, os artigos de Lejeune na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz
descreviam a enseada de Inhaúma como contendo uma saudável floresta de mangues vermelhos
árvores, Rhizophora, próximo ao mar e um sub-ecossistema que ele chamou Rhizophoretum. Estes
primeiros artigos também descreviam as colônias de camarão Alfeu, que vivem na lama, e centenas de
toneladas de marisco Samanguaí (ou Berbigão). Os pescadores de caranguejo carregavam caminhões
de Samanguaí vivo capturados na praia da Ilha do Pinheiro em 1946, e vendíam-nos nos mercados do
Rio de Janeiro. O fundo da praia estava coberta de algas verdes ("alface do mar" e "macarrões verdes
do mar"), e os cientistas capturavam cavalos marinhos logo atrás da ilha Pinheiro. A floresta continha
ostras de manguezais e outros moluscos que viviam entre as suas raízes, incluindo uma grande
variedade de caranguejos e cracas. Além disto, um outro sub-ecossistema, o mangue branco ou
domesticado podia ainda ser visto ao redor do mangue vermelho, com sua biota própria.11 Esta
descrição quase idílica é ainda mais dramática para o leitor moderno, se considerarmos que se
localizava aproximadamente no que é hoje o canal da Ilha do Fundão, que não é exatamente famoso
por sua fauna e flora saudáveis. O ecossistema na Ilha Pinheiro era altamente produtivo, suprindo não
só as necessidades da Estação como também dos pescadores das redondezas. Mais importante para
o Instituto, a produção científica da Estação de Hidrobiologia se comparava à sua produção biológica.
A Ilha do Pinheiro Ilha estava, porém, prestes a mudar profundamente. Em 1945 o Ministério
da Educação e Saúde decidiu a fusão institucional das faculdades físicas espalhadas pela capital
federal merecia uma fusão de terra. O pequeno arquipélago ao qual a Ilha do Pinheiro pertencia viria a
se tornar uma ilha de 480 hectares único artificial, a Cidade Universitária (Cidade Universitária),
alterando para sempre o regime de circulação de águas na enseada de Inhaúma.
Inicialmente, a Ilha do Pinheiro deveria ter o mesmo destino. Uma série de manobras por
parte do Instituto – que incluíam inclusive a ameaça pouco velada de soltar os macacos Rhesus na
Ilha do Fundão - evitaram a incorporação da Ilha do Pinheiro nos terrenos da Universidade.12 Mas
embora a ilha não tenha se unido às suas irmãs na nova ilha artificial, também não escapou ilesa. O
ambiente da ilha estava mudando - e mudando rapidamente.
A esta altura, Lejeune preocupava-se com o futuro da Estação. Bastava que observasse a
água marrom que chegava à ilha para perceber poluição era um problema maior do que o que fora
10
Oliveira. "Levantamento Biogeográfico da Baía da Guanabara." Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 48 (1950): 36392.
11
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Aula 1917" (typed notes, Rio de Janeiro, [1967]).
12
Castro Miranda, carta ao Ministério de Educação e Saúde, "Ofício 988," in Arquivos Instituto Oswaldo Cruz.Rio de
Janeiro, 23 September 1953.
previsto por Drach. Os pescadores chamavam estas águas marrons de "Águas da City", um fenômeno
que ocorria quando a companhia de esgoto Rio de Janeiro City Improvements despejava suas águas
servidas, com pouco ou nenhum tratamento, na Baía. A água tinha uma cor escura e cheiro fecalóide,
com alta concentração de Escherichia coli bacilo, e o novo regime de águas, alterado pelos aterros da
Universidade do Brasil, não permitia suficiente diluição das águas sujas no mar.13
A poluição também era causada pelo lixo da cidade do Rio, despejado na ilha de Sapucaia, e
pelo óleo que provinha da Refinaria de Petróleo de Manguinhos a partir de 1953, seguida em 1961
pelos despejos da REDUC da Petrobrás. Além disso, as águas dos rios Jacaré e Farias, que drenavam
para Inhaúma, apareciam frequentemente em todas as cores, cortesia da indústria têxtil rio acima. Os
cientistas puderam respirar um pouco em 1959, quando a prefeitura aprovou uma lei para incinerar o
lixo ao invés de despejá-la na Ilha de Sapucaia.14 Por um curto período, houve uma pequena melhora
nas águas de Inhaúma. Mas era uma gota de água num oceano sujo.
Na década de 1960, a transformação na Ilha do Pinheiro era completa. O que tinha sido um
lugar perfeito para observar os crustáceos, com água fresca de três rios, em uma enseada isolada,
cercada por outras pequenas ilhas, agora se transformara um dos pontos mais poluídos da Baía de
Guanabara. Em vez de água fresca, a ilha recebia a poluição industrial daqueles três rios, em uma
enseada onde a água mal circulava, espremida entre aterros sanitários e por uma enorme ilha artificial,
encharcada em óleo e sufocada pelo lixo. Lejeune em 1960 alertava seus supervisores do Instituto
Oswaldo Cruz que, se quisessem estabelecer uma estação de hidrobiologia de fato, esta deveria ser
realocada fora da Baía de Guanabara. Até mesmo em 1977, ele tentava de novo migrar como as
tainhas, dizendo que as águas [da enseada de Inhaúma] de 1937-1957 foram muito boas, agravandose sua condição de 1957-1967 e, finalmente, depois de 1967, era inútil ter a Estação Hidrobiologia em
Ilha do Pinheiro."15
Em 1958, Lejeune publicou seu primeiro artigo sobre a poluição nas águas da Baía de
Guanabara e seu impacto sobre a fauna e flora. Ele também explicou sobre o que ele sentia ser o
único uso possível para a Estação de Hidrobiologia, e não poupou o Instituto de algumas pontadas de
ironia. Em contraste com a sua avaliação anterior de Ilha do Pinheiro, "uma localização invejável para
estudar crustáceos", Lejeune escreveu que não queria reclamar dos aterros ou do “progresso dos
bairros vizinhos a Manguinhos, onde o plácido abandono de outrora vai sendo substituído pelo
mourejar continuado das fábricas” – ele só queria publicar dados que poderiam ser úteis “a quem se
ocupar com estudos de biologia de nossas enseadas”. Finalmente, Lejeune lembra que muitos
laboratórios de hidrobiologia nos EUA estavam localizados junto a corpos de água poluídos,
exatamente para que pudessem monitorar as transformações biológicas e físicas causadas pela
13
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Levantamento Biogeográfico da Baía da Guanabara," Memórias do Instituto
Oswaldo Cruz 48 (1950): 391.
14
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Prospecção Hidrobiológica da Baía de Sepetiba," Memórias do Instituto
Oswaldo Cruz 69, no. 1 (1971): 18.
15
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Relatório Anual 1977 - Laboratório de Hidrobiologia, Atividades Realizadas"
(Relatório, Rio de Janeiro, 3 de março 1977).
poluição. Se o objetivo era este, então o Instituto podia celebrar a localização de sua estação de
hidrobiologia, bem em frente ao canal de Sapucaia, “onde cada dia a poluição aumenta.”16
De fato, não só estava a Estação perfeitamente posicionada para monitorar a poluição
marinha, mas não podia fazer outra coisa. Em 1961, a única coisa que os cientistas podiam observar
nos aquários da Ilha Pinheiro era a fauna e flora em regimes meso e polisapróbicos, ou seja, em águas
poluídas e águas muito poluídas.17
A este ponto, estudar poluição não era mais novidade para Lejeune e Luiza. Considerando seu
trabalho na Baía de Guanabara e nas lagoas circundantes, Lejeune se tornara então uma das
referências mais importantes em hidrobiologia para o governo do Rio de Janeiro. Em 1953 o governo
da cidade o contactara para estudar as causas de morte de peixes em massa na Lagoa Rodrigo de
Freitas. O fenômeno da morte em massa de peixes fora registrado desde o século dezoito, e se
tornara mais freqüente no século XX. Por esta razão, o governo municipal solicitou estudos ao Instituto
Oswaldo Cruz. Em particular, o governo ficara alarmados pela enorme mortandade de peixes
documentada em agosto de 1946 e abril de 1948, quando a baía acordou com uma faixa de dois a três
metros de largura de peixes mortos flutuando em suas águas, que se extendia por quase cinco
quilômetros. A causa era a mesma de fenômenos similares anteriores (a superpopulação do
Dinoflagellata), mas desta vez Lejeune sugeriu o aumento formidável de nutrientes de esgotos
industriais e domésticos na baía precipitara o evento.18
O que era novo, portanto, para Lejeune e Luiza, não eram tanto os estudos de poluição, mas o
admissão de que estes estudos eram agora a razão de ser da Estação de Hidrobiologia. Luiza
abandonou seus amados estudos de Equinodermas para se dedicar a Rotatórias, organismos mais
facilmente encontráveis nas águas poluídas da Baía de Guanadabara, e importantes indicadores
biológicos de níveis de poluição. A mudança de estudos em ciência pura para monitoramento de
poluição exigiu alguma adaptação dos laboratórios na Ilha do Pinheiro, assim como da relação entre
Lejeune e o Instituto Oswaldo Cruz. Assim, ao invés de repetir seus pedidos de melhores
equipamentos para estudar biologia marinha num habitat natural, Lejeune pessoalmente projetou e
instalou em 1962 um aquário maior especificamente para testes de poluição.19
Eventualmente, os biólogos levaram seu trabalho para muito além da Ilha do Pinheiro; de fato,
para onde quer que poluição na Baía de Guanabara fosse discutida. Em 1961, Barbosa Teixeira,
engenheiro de segurança da Refinaria da Petrobrás em Duque de Caxias a ser inaugurada naquele
ano, organizou uma mesa-redonda na qual Lejeune era um dos principais participantes, para discutir a
poluição em potencial na Baía de Guanabara. Por um lado, Teixeira queria saber como a Refinaria
podia evitar poluir a Baía, mas também queria deixar claro o estado de poluição que a Refinaria já
16
Oliveira, "Poluição das Águas Marítimas," 39-40.
"Conditions for Marine Biological Laboratory in Rio de Janeiro," in Arquivo Pessoal Lejeune de Oliveira. (Manuscrito,
Rio de Janeiro, 4 de maio de 1960).
18
Oliveira, "Curriculum Vitae," [s.p.]
19
"Relatório de 1961 - Cópia do Entregue ao Prof. H. Lent em 12 de Dezembro de 1961,"in (Report, Rio de Janeiro,
1961); Oliveira, "Conditions for Marine Biological Laboratory."
17
encontrava na Baía, antes de começar suas operações. No mesmo ano, o Ministério de Viação e
Obras Públicas montou uma força-tarefa sobre a poluição na Guanabara, então reconhecida como um
dos corpos de água mais poluídos do país. No relatório produzido pelo grupo de trabalho, são os
estudos de Lejeune e Luiza que fornecem a base das observações.20
A relevância dos estudos de Lejeune e Luiza para a Baía de Guanabara derivava de três
fatores principais: a localização da Estação, a duração de suas atividades, e sua metodologia de
trabalho. É facil perceber porque o local e o período foram importantes. De 1937 a 1977, as atividades
da Estação de Hidrobiologia coexistiam com a reocupação da zona norte do Rio de Janeiro, um
incrível aumento demográfico nas margens da baía, como resultado da industrialização do pós-guerra,
o que incluia um rápido desenvolvimento da indústria química e a criação de grande aterros ao norte
do centro da cidade. Além disto, como foi discutido, a Estação se erguia numa enseada isolada,
particularmente vulnerável a estas mudanças. Evidentemente, a Baía de Guanabara como um todo
não se transformava no mesmo ritmo que as águas da Ilha do Pinheiro. Mas a ilha serviu como um
exemplo vivo, ou quase um experimento em laboratório, do que poderia e iria acontecer à Guanabara.
Mas a metodologia criada por Lejeune e Luiza para entender a poluição dos mangues foi sua
grande contribuição para o estudo da Baía de Guanabara, em sua ênfase em indicadores biológicos
para identificar os níveis de poluição. Até então, o Departamento de Águas (e posteriormente o
Instituto de Engenharia Sanitária), responsável pelo monitoramento da qualidade da água doce da
cidade e da qualidade das praias, tinha poucos ou nenhum biólogo em sua folha de pagamento.
Empregando principalmente engenheiros, o departamento identificava a poluição na baía por testes
químicos sobre demanda bioquímica de oxigênio, ou pela análise da concentração de bactérias nas
praias de banho.21 Estes testes pouco diziam sobre o estado geral da baía, e podiam variar muito de
uma maré para outra. Em vez disso, Lejeune argumentou que pequenos animais, como o Lestodatyl
Uca (um pequeno caranguejo de maré) e os caracóis Ceritium attractum caracol poderiam ser
excelentes indicadores de poluição, visto que sua presença sugeria que água era de boa qualidade,
sem necessidade de maiores análises químicas ou caros equipamentos. Ambas as espécies
dependem de diatomáceas e vermes muito sensíveis à poluição.22
Medir o desaparecimento gradual de espécies vulneráveis à poluição como indicadores
biológicos tinha um significado especial para a existência da Estação Hidrobiologia. Lejeune e Luiza
primeiro notaram a escassez desses animais, exatamente porque eram necessários para experiências
de laboratório no Instituto Oswaldo Cruz. O objeto de estudo de Luiza, equinodermas, eram
particularmente reveladores. Em 1937, equinodermes tinha sido cuidadosamente descritos e
20
Antônio Barbosa Teixeira, "Poluição da Baía de Guanabara e Áreas Circunvizinhas - Relatório da Mesa Redonda de
Poluição, Realizada em 15-6-61." Boletim Técnico da Petrobrás 7, no. 4 (1964): 497-508; Eduardo Secades. "Relatório
do Grupo de Trabalho para Estudo da Poluição da Baía da Guanabara" (Brasilia, DF: Ministério de Viação e Obras
Públicas, 1962.)
21
Victor M. B. Coelho, A Poluição da Baía da Guanabara, Antecedentes e Situação Atual (Rio de Janeiro:
FEEMA, 1987), 24; Guimarães, Fausto Pereira. Entrevista to Cristina Fonseca, Junho 1997. Transcrição, Fundação
Casa Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
22
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Aula 1920.1" (manuscrito, Rio de Janeiro, [1968]).
analisados no laboratório do Instituto; apenas 15 anos mais tarde, eles pareciam ser muito mais
escassos do que sugeria a documentação.
Em 1958, quando Lejeune e Luiza alertavam em seus artigos que a poluição estava mudando
a biota da Baía de Guanabara, mais e mais espécies estavam desaparecendo. Para ter uma idéia de
como poluição estava se tornado um problema mundial – e percebido pelo público -, é importante
lembrar que estes artigos foram publicados ao mesmo tempo que Rachel Carson escrevia seu
influente livro Silent Spring, reconhecido hoje como um marco no movimento ambientalista mundial.
A partir destes artigos, Lejeune e Luiza, desenvolveram uma escala descrevendo seis graus de
poluição.23 Para Lejeune, era mais do que uma narrativa da perda de biodiversidade na Ilha do
Pinheiro (e por extensão, a Baía de Guanabara); era também uma admissão da perda de utilidade da
Estação para o Instituto Oswaldo Cruz. Se a motivação inicial para a Estação de Hidrobiologia era
coletar amostras marinhas para estudos em diferentes departamentos do Instituto, cada novo grau de
poluição, cada novo conjunto de espécies que desaparecia, significova uma demanda que não mais
podia ser atendidas. Significava também um enfraquecimento das ligações entre o Instituto e da
Estação de Hidrobiologia.
Graus de poluição, assim, indicavam não só a perda de biodiversidade, mas também uma
gradual consciência para Lejeune e Luiza sobre as mudanças a serem esperadas, tanto na biologia
como na instituição. Na escala criada por Lejeune e Luiza, o primeiro grau de poluição é marcado pelo
desaparecimento dos organismos mais sensíveis, como vários equinodermas, estrelas do mar e
ouriços do mar. Foi Luiza Krau, portanto, a primeira a perceber que algo estava radicalmente diferente.
"Nós não pensamos sobre a poluição", Lejeune escreveu mais tarde: "nós só aceitamos a nova
realidade que várias estrelas do mar e equinodermes tinham desaparecido."24 Esta percepção da
poluição só ocorreu a Luiza e Lejeune quando a ilha atingiu o segundo grau de poluição, em 1950. No
segundo grau de poluição, o camarão Alpheus heterochelos, uma forte indicação da integridade do
ecossistema, desaparece. Os familiares "barulhinhos" do mangue, cortesia do camarão Alpheus, se
calavam. Em 1950, a música noturna do mangue na Ilha do Pinheiro tinha mudado. Havia menos
pássaros, deixando de lado os abutres que volta e meia voavam sobre o depósito de lixo na Ilha de
Sapucaia. A ausência do Alpheus ajudou Luiza e Lejeune a entender que algo não só estava mudando
radicalmente no ecossistema da Baía de Guanabara, mas que a poluição estava causando isso.
Quando já não podiam criar camarões sequer no aquário com água obtida na Enseada de Inhaúma,
eles perceberam que era a poluição orgânica e/ou industrial qie matava as larvas de camarão.
Mais tarde, Lejeune e Luiza aprenderam a identificar a poluição não só através do
desaparecimento de espécies, mas também pelo comportamento irregular da biota. Do terceiro ao
sexto grau de poluição, mais e mais espécies pereciam ou migravam, e outras espécies oportunistas,
como as pulgas da praia, se multiplicavam. Dependendo de como as marés traziam águas poluídas ou
23
24
Oliveira, "Poluição das Águas Marítimas."
Oliveira, "Aula 1920.1."
água limpa do mar para a praia, a mesma ilha podia ter algumas praias no terceiro grau e algumas no
quinto.
Poluição mudava o ambiente da ilha mais rápido do que a capacidade de adaptação da maioria
das populações permitia. Às vezes caranguejos, como o guaiamu grande, que fazia seus ninhos no
alto das árvores de mangue, podiam permanecer acima do nível da água e, portanto, a salvo de
petróleo e outras formas de poluição. Mas esta estratégia de sobrevivência nas árvores não era
suficiente para garantir a reprodução. As larvas de guaiamu morriam horas depois de deixar os ovos.
Os guaiamus encontrados na Ilha do Pinheiro na década de 50, refletiu Lejeune, provavelmente não
nasceram lá. Eles chegaram com alguma maré boa, quando a água do mar venceu a má circulação
dos canais estreitos, e morreriam ali, sem se reproduzir. Outras espécies conseguiam evitar a Ilha do
Pinheiro completamente: bagres e baiacus não se aproximavam das águas da ilha. Portanto, no
quinto grau de poluição, não havia mais pesca, as águas eram opacas, às vezes pretas, e o fundo da
água era macroscopicamente abiótico. Isto significava que as camadas mais fundas da água tinham
pouco ou nenhum oxigênio dissolvido, nenhum animal, e um grande número de bactérias e
protozoários, indicadores de uma regime polisapróbico ou de poluição quase absoluta. O
Rhizophoracea fora quase completamente destruído, e Lejeune não conseguia encontrar qualquer
espécime de invertebrados marinhos no substrato bentônico.25
A partir de 1968, as anotações de Lejeune sobre poluição ultrapassavam a simples listagem do
desaparecimento de espécies para incluir a descrição de paisagens quase lunares. Ele, então,
identificou o que chamou de sexto grau de poluição: as praias eram negras e desertas da vida. As
árvores de mangue não podiam mais sobreviver, e os seus troncos mortos e secos eram apenas local
de repouso para os abutres que viviam do lixo na ilha artificial do Campus Universitário. Este era o
grau de poluição na Ilha de Pinheiro em 1973, quando a estação estava praticamente desativada.
Lejeune ainda desenvolveria a escala posteriormente, quebrando esta última etapa em graus sete,
oito, nove e dez de poluição.
Do ponto de vista de coleta de dados sobre ambientes marinhos, o trabalho de Lejeune foi bem
além da Ilha de Pinheiro. Desde 1944, sua pesquisa incluía o mapeamento da salinidade de mais de
130 pontos de coleta na Baía de Guanabara, assim como a coleta de microplancton e crustáceos de
toda a Baía. Ele visitou enseadas, praias, lagoas e lagos em toda o Baía de Guanabara. De fato, a
inclusão da bacia da baía de Sepetiba em seus estudos o levou a expandir seu entendimento da
poluição, visto até então como um problema localizade e restrito a um área, como um aspecto
onipresente nos processos de urbanização, com implicações para além do destino da Baía de
Guanabara para o conceito mesmo de poluição.26
Mas em 1970, a degradação da ecologia da Ilha Pinheiro sinalizava também a degradação das
relações entre a Estação de Hidrobiologia e o Instituto Oswaldo Cruz. A Estação há muito já não podia
25
26
Oliveira, "Aula 1920.1."
Oliveira, "Conditions for Marine Biological Laboratory."
fornecer fauna e flora marinha para estudos científicos exigidos pelo Instituto. Poluição na Baía tornou
impossível. Além disto, o tipo de ciência praticado no Instituto Oswaldo Cruz havia mudado desde a
década de 1960, e já não precisava de tais espécimes. Década após década, Lejeune e Luiza viram a
Estação tornar-se irrelevante para este ou aquele departamento no Instituto. Eles tentaram reinventar
um novo papel para a estação com o estudo do ecossistema poluído. Na forma como Lejeune
entendia, estudos de poluição estavam dentro da tradição de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz.
Estudar a poluição ofereceria a visibilidade internacional da qual o Instituto tanto se orgulhava, teria um
impacto definitivo sobre a saúde pública. De fato, esta estratégia de reinvenção conseguiu para
Lejeune e Luiza mais 15 anos de apoio do Instituto Oswaldo Cruz, ou pelo menos de tolerância para a
existência da estação. Em 1973, o argumento não tinha mais o mesmo resultado. O Instituto estava
novamente lutando pela sua própria identidade e renovando suas estruturas, e não havia mais espaço
para a Estação de Hidrobiologia da Ilha do Pinheiro.
A Ilha do Pinheiro foi a última ilha do arquipélago original na Enseada de Inhaúma a
desaparecer. Após a Estação de Hidrobiologia ser desativada, em 1977, a ilha não durou muito mais
tempo. O Projeto Rio, de 1979 a 1983, finalmente a extinguiu. O Projeto Rio era um plano datado de
1960, muitas vezes adiado, que devia aterrar a enseada de Inhaúma para urbanizar as favelas (então
com mais de 250.000 habitantes) localizadas perto da Avenida Brasil, e para higienizar/erradicar os
manguezais na área, ainda associados a ambientes perigosos. O projeto, executado no final do regime
militar, marcou a primeira vez em que as associações civis efetivamente se mobilizaram contra aterros
extensos na Baía de Guanabara. Seu ativismo contou com a participação de acadêmicos (outro
elemento inédito), parte do corpo docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e seus esforços
realmente mudaram o desenho final do projeto. Assim, a Baía perdeu apenas 450 hectares, em vez
dos 2.300 hectares inicialmente previstos.27 A Ilha do Pinheiro foi, porém, uma das vítimas. Não seria
mais uma ilha. Os macacos Rhesus, após 50 anos de livre circulação na ilha, foram reunidos numa
grande jaula no campus do Instituto Oswaldo Cruz. A ilha foi incorporada nos projetos de urbanização,
e renomeada Vila Pinheiro em 1989. A exuberante vegetação no topo da Ilha foi preservada como um
parque para os novos moradores.28 Ainda é possível ver algumas das ruínas do laboratório, dirigindo
ao longo da estrada Linha Amarela, mas há pelo menos duas grandes rodovias entre a ex-ilha e a
praia mais próxima.
Um longo caminho até mesmo para o caranguejo Guaiamu mais ousado.
*******
Monitoração da poluição é uma parte essencial da gestão ambiental. Ao monitorar as
mudanças ambientais causadas pela poluição e compartilhar seus conhecimentos com as agências
27
Elmo da Silva Amador, Baía de Guanabara e Ecossistemas Periféricos: Homem e Natureza (Rio de Janeiro: E.S.
Amador, 1997), 357.
28
Fanny Relry, Aguinaldo Barbosa, e Emerson Ximenes, A História da Maré - Século XX (Centro de Estudos e Ações
Solidárias da Maré – CEASM, 2001 [citado em 23 de março de 2004]); disponível em
http://www.ceasm.org.br/abertura/03onde/m_hist.htm.
governamentais, Lejeune de Oliveira e Luiza Krau se tornaram agentes importantes da gestão
ambiental da Baía de Guanabara durante o século XX.
Além disso, sua trajetória e a da Estação de Hidrobiologia na Baía de Guanabara suscita
questões-chave sobre o controle da poluição e o desenvolvimento do conceito de conceito. O que era
poluição? O que estava sendo medido para indicar poluição? Para Lejeune, a poluição era mensurada
pela perda da utilidade que ele poderia oferecer ao Instituto: quanto mais poluídas as águas, menos
ele poderia encontrar a fauna marinha que o Instituto exigia para seus laboratórios. Poluição era,
assim, medida em termos de perda de biodiversidade. Mais tarde, ele relacionou estes indicadores de
biodiversidade a indicadores bioquímicos, como a demanda bioquímica de oxigênio, porque
indicadores os mais "objetivos" poderiam ser utilizados para estudar outros ecossistemas, enquanto os
indicadores biológicos eram endêmicos para o ambiente de mangue. Esta acréscimo era resultado em
grande parte do contato com seus alunos engenheiros do Departamento de Águas, mas era bastante
insatisfatório para seus objetivos. Eventualmente, Lejeune criou sua escala de poluição de 10 graus,
em que mensurava a poluição de acordo com "paisagens". Não era tanto a ausência de certas
espécies, era todo o ecossistema que importava. Poluição marítima criava paisagens distintas,
promovendo a superpopulação de algumas espécies oportunistas, enquanto outros esmaeciam ou
pereciam.
A Estação de Hidrobiologia não existia apenas em função de crustáceos, equinodermos, algas
e manguezais. Este "baía biológica" se sobrepunha a uma "baía social" em que os crustáceos e
mangue eram alimentos e lenha para as populações humanas. Era uma baía também composta das
comunidades de pescadores que ameaçavam continuamente invadir a ilha e suas não-tão-bemdefinidas fronteiras científicas, que liam os indicadores biológicos de poluição todos os dias quando
saíam para pescar, que eram contratados pelo Instituto para pilotar os barcos e para guiar os cientistas
em expedições de coleta de amostras. Finalmente, também compunham esta “baía social” as
comunidades faveladas que se mudavam para as áreas de aterro, lançando seu esgoto sem
tratamento nas águas da baía, que temiam a remoção forçada de suas casas pelas autoridades civis, e
que trabalhavam nas novas fábricas instaladas nas margens do Baía. A esta baía biológica e baía
social, se une a igualmente importante baía institucional, composta pelo Departamento de Águas, pela
Marinha, pelo Instituto Oswaldo Cruz, todos com as suas disputas políticas, falta de financiamento e
questões internas de gênero e poder. Além disso, esses camadas sobrepostas de baías sofriam a
influência das marés internacionais e nacionais, de novos estudos internacionais sobre a poluição, das
mudanças de regime de governo na nação, ou das transformações no aparelho burocrático.
Na interação dessas múltiplas camadas, Luiza Krau e Lejeune de Oliveira encontraram-se em
um impasse: como produzir ciência quando as condições políticas, naturais e sociais necessárias para
esse trabalho mudavam a tal ponto que suas práticas científicas anteriores já não se podiam aplicar?
Eles responderam a esta pergunta reinventando sua própria compreensão do que significava "produzir
ciência", e propuseram novos termos de legitimidade para sua Estação de Hidrobiologia. Ao registrar
suas dúvidas, suas soluções criativas para cada desafio, seus planos e frustrações, Lejeune e Luiza
oferecem tanto a historiadores da ciência como a historiadores ambientais uma fonte inestimável para
estudar os desafios diários de quem fazia cientistas no Brasil do século XX.

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