A educacao de orfas em um asilo de Maceio (1877 1893)

Transcrição

A educacao de orfas em um asilo de Maceio (1877 1893)
A educação de órfãs em um asilo de Maceió (1877-1893)
Monica Luise Santos – UFAL
[email protected]
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo apresentar elementos parciais das duas primeiras
décadas do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho. A instituição foi criada em Maceió
em dezembro de 1877, com o propósito de abrigar meninas órfãs desvalidas da província
Alagoana. Este estudo foi baseado em uma pesquisa documental utilizando como fontes os
periódicos alagoanos, como o Diário das Alagoas, O Liberal, Diário da Manha e o Jornal das
Alagoas, os relatórios dos presidentes da província alagoana além do uso das fontes documentais
manuscritas do Asilo. Como base teórica o artigo apóia-se em estudos de Nascimento (2005) e
Gondra e Schueler (2008), os quais têm estudos sobre instituições criadas no século XIX
para educar e criar meninas órfãs. O Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho foi criado no
contexto de fundação de várias instituições criadas no Brasil para atender a criança
desamparada. Para se manter o Asilo contava como as doações de pessoas ilustres da
sociedade alagoana, além dos donativos doados pelo governo da província e das vendas de
artefatos produzidos pelas órfãs. Na referida instituição havia o ensino de primeiras letras,
bordado e prendas domésticas além do ensino religioso. A educação dada nas instituições
para as mulheres tinha como principal intenção formar boas esposas e mães de família, já
que a mulher seria uma das responsáveis pela formação do cidadão que se pretendia formar
no Brasil. Pode-se concluir que a educação dada no Asilo de Nossa Senhora do Bom
Conselho atendia os preceitos a época.
Introdução
Em dezembro de 1877 Maceió receberia a primeira instituição feminina destinada ao
acolhimento de meninas órfãs desvalidas, filhas de pais militares, funcionários públicos que
fossem consideradas indigentes ou qualquer órfã que não possuísse parentes. De nome Asilo
Nossa Senhora do Bom Conselho1, a instituição seria erguida nos moldes dos conventos
europeus, referência adotada pelas instituições fundadas no Brasil nos séculos XVIII e XIX.
1
O Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho foi objeto de estudo do Trabalho de Conclusão de Curso,
intitulado “A fundação do Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho” (2008) de autoria de Cecília de Lemos e
Ednalda Zu..
Situado no bairro de Bebedouro, o prédio apresentava uma imagem suntuosa, de algum
modo anunciando a grandeza de sua missão. Entretanto, o cotidiano da instituição revelará a
fragilidade deste aparente propósito.
Este trabalho apresenta elementos acerca das duas primeiras décadas da instituição,
com o apoio de fontes jornalísticas que circulavam em Maceió na segunda metade do século
XIX, como o Diário das Alagoas, O Liberal e Jornal das Alagoas e o Diário da Manhã.
Estes traziam em suas edições notícias sobre a instituição por meio de notas oficiais ou
publicação de particulares, admiradores e fundadores deste empreendimento. Além dos
periódicos há também o apoio das fontes documentais manuscritas e dos relatórios dos
presidentes da Província de Alagoas, fontes estas que descrevem o desenvolvimento do
Asilo.
No Nordeste brasileiro, assim como no Sudeste, tivemos a criação dos primeiros
recolhimentos por volta do século XVIII. No Nordeste o trabalho do missionário jesuíta
padre Gabriel Malagrida (1689-1761) foi de grande importância para a constituição dessas
instituições, sobretudo a partir do século XIX. Este religioso antes de ser queimado na
fogueira da Inquisição, a mando do Marquês de Pombal, criou recolhimentos para mulheres
consideradas malvistas. Segundo Madeira (2008), acompanhado do povo considerado rude,
Malagrida realizava as missões em locais incertos como São Luís, Belém, Viçosa (CE), Rio
Grande do Norte, Paraíba, Bahia, Alagoas e Igarassu (PE). Neste último fundou o Convento
Sagrado Coração de Jesus, abrigando 40 mulheres. Na Bahia em 1741 ergueu o Convento de
Nossa Senhora da Piedade, dando-lhe a regra das Ursulinas (MURY, 1875). A instituição
ficou conhecida como Casa Feminina de Soledade, destinada a moças, em particular, moças
“perdidas”. O jesuíta Gabriel Malagrida esteve também em Alagoas promovendo missões,
com o fim de recolher madalenas arrependidas. Paul Mury (1875, p.83) destaca as missões
por volta de 1741 e 1746:
Sem se afrontar com a distância Malagrida, armado com seu crucifixo sahiu no fim
de 1741, e sempre a pé, consoante o costume, por ardentes areaes, lá foi a
conquista de novas almas. (...) Em outubro chegou a Penedo, nas margens do Rio
São Francisco (...). Por preservar do vício duas moças que a miséria expunha no
cairel do abysmo, sacrificou duzentos escudos, que mendigara no caminho do
convento da Bahia.
De Penedo, Malagrida seguiu para Poxim, e depois para Villa das Alagoas, mas não
chegou a fundar nenhuma instituição destinada a acolher mulheres perdidas em território
alagoano, apenas fez pregações, ergueu e reconstruiu igrejas.
Somente no século XIX seriam criados em Alagoas estabelecimentos filantrópicos
exclusivamente femininos, como o Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho sobre o qual nos
ocuparemos neste texto.
A Fundação do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho
A extensa seca que abrangia a Região Nordeste na década de 1870 trouxe um estado
de calamidade pública para as várias províncias. A fome e as epidemias, como a varíola e o
cólera, puseram fim a grande parte da infância pobre nordestina. Para agravar o quadro de
miséria tivemos na década anterior a Guerra do Paraguai (1864-1869), que levou ao
extermínio considerável contingente populacional adulto e masculino, ocasionando uma
grande quantidade de crianças órfãs e desvalidas.
A presença da infância desamparada e órfã, vulnerável à violência, ao vício e à
prostituição, exigia um lugar propício para abrigá-las. E para tal fim, por iniciativa do
presidente da Província a época, Antonio dos Passos Miranda, foi fundado em Maceió, no
dia 08 de dezembro de 1877, um asilo para órfãs “desvalidas”, com o nome de Asilo de
Nossa Senhora do Bom Conselho, por meio da Lei provincial N. 748.
Com o objetivo de arrecadar fundos para custear as despesas como aulas de primeiras
letras e prendas domésticas, as senhoras de Maceió fundaram a Sociedade Beneficente
Protetora do Asilo das Órfãs Desvalidas de Nossa Senhora do Bom Conselho, como mostra
o Almanaque Administrativo da Província de 1879:
Algumas Senhoras da capital, movidas pelos mesmos sentimentos do illustre
fundado do Asylo, organizaram uma sociedade com o fim de proteger o
estabelecimento, zelar seus creditos e interesses, promover tudo quanto for de
mister para seu engrandecimento e prosperidade.
Durante o século XIX várias associações foram fundadas no Brasil com o objetivo de
proteger as crianças desamparadas. O Almanaque afirma que 168 senhoras participaram a fundação
da Sociedade entre elas estavam Iduméa Lins de Miranda, Francisca de Alcantara Coelho de
Menezes, Laurianna Adelina de Moraes Romeiro, Francisca Ramalho Dias Cabral e Maria Coutinho
Guimarães. Estas fizeram parte do primeiro Conselho Deliberativo da Sociedade. As quais foram
respectivamente Presidente, Secretária, tesoureira e diretora e vice-diretora.
A fundação do Asilo foi amplamente divulgada nos jornais locais e bastante
freqüentada pelos membros ilustres da sociedade alagoana como mostra os jornais O Liberal
e Diário das Alagoas de dezembro de 1877:
Installou-se no dia 8 do corrente o asylo das orphans desvalidas no prédio para
esse fim destinado na povoação do Bebedouro, arrabalde desta cidade. Precedeu
ao acto da installação a benção da capela de N.S. do Bom Conselho e uma missa
que em seguida celebrou o revd. Antonio Procópio da Costa [...]
Estiveram presentes as pessoas mais gradas desta capital, e cerca de 50 senhoras
destinctas de nossa sociedade, que fazem parte da sociedade beneficente
protectora d´aquelle asylo (O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1877, n. 145,
ano IX, p. 2).
Findo o acto religioso o exm. snr. presidente da provincia, tomou assento no topo
de uma meza, o convidando diversas pessôas gradas, entre as quaes o snr.
deputado José Angelo, commendador Sobral, chefe de policia, juiz de direito
interino, promotor publico da comarca, presidente da camara municipal e seos
respectivos vereadores, que se achavam em corporação, ahi perante as exmas,
senhoras, socias do Asylo, a directoria do estabelecimento o cinco orphãs
desvallidas, os chefes das diversas repartições publicas com seus empregados, os
militares, corpo de saúde, capitão do porto, e grande numero de espectadores, S.
exc. fez uma linda exposição da importante instituição que creou, e teve a fortuna
de vêr realisado o seu ardente desejo; depois do que o snr. dr. chefe da policia fez
um discurso analogo encarecendo o esforço de S. exc. o snr. presidente da
provincia. (Diário das Alagoas, Maceió 11 de dezembro de 1877, n. 280, ano XX,
p. 1)
A presença de membros nobres da sociedade alagoana da época demonstra, por
um lado, a existência de um pacto entre elite econômica, governo e parte de grupos sociais
que se colocavam como vigilantes da conduta moral da sociedade, a fim de manter a ordem
e a disciplina; por outro, tais grupos mantinham interesse de visibilidade na imprensa para
obter vantagens pela ação benévola, tão bem aceita por grupos conservadores e
progressistas. As práticas caritativas talvez tivessem, como nenhuma outra, potencial para
unificar aqueles grupos com propósitos divergentes.
O asilo tinha como propósito, atender meninas órfãs desvalidas, que residiam na
província alagoana, como declara o capítulo I do artigo 1º. do Regulamento2 do Asilo de
Nossa Senhora do Bom Conselho: “Art. 1º O Asylo de N. S. do Bom Conselho é um
internato destinado a abrigar e educar as meninas orphãs desvalida, residentes na provincia,
proporcionando-lhes a conveniente instrução”. Para ser admitidas na instituição a órfã teria
que ser filha de pais militares ou de funcionário público e ser considerada indigente, ou ser
órfã sem a proteção de parentes que pudessem criá-la e educá-la, como já foi mencionado.
Entretanto apesar desses requisitos logo após abertura do Asilo, no dia 10 de dezembro de
1877, o Diário das Alagoas publica uma matéria, sem autoria, que denuncia que na
instituição foram admitidas meninas que tinham parentes abastados e de destaque na
sociedade alagoana:
[...] a installação desse estabelecimento terá lugar sabbado e para isso tem-se
andado recrutando orphãs, entres as quais há algumas que não estão no caso de
serem protegidas pela caridade publica, portanto tem parentes abastados e com
posição na sociedade, ao passo que muitas tanto nesta cidade como no interior da
província esmolam o pão da caridade, sujeitas a negro futuro. (Diário das Alagoas,
Maceió,10 de dezembro de 1877, n. 279, ano XX.)
Segundo o Regulamento a instituição teria diretor e vice-diretor, uma regente, uma
professora de primeiras letras, um capelão e um médico. Além de uma mestra de prendas e
uma professora de música. Até o Asilo ter 30 internas a regente ocuparia também o cargo de
professora de primeiras letras. No primeiro ano de funcionamento o Asilo tinha como diretor
o comendador Manoel Pinto Sobral, como vice-diretor João Francisco Dias Cabral, como
Regente e Professora de primeiras Letras Barbara Terencia de Moraes, Francisca Maria da
Conceição como mestre de prendas e como médico Manoel Argollo Ferrão.
Para a fundação do Asilo o presidente da província como também a Sociedade
Protetorado Asilo, os quais seriam os responsáveis pela administração do asilo, contaram
com a adoção de diversos membros da sociedade, como publica o Jornal das Alagoas de 5
de agosto de 1877:
2
O Regulamento do asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho foi publicado no Jornal das Alagoas de 6 de
dezembro de 1877.
Asylo de orphãs. A commissão encarregada de promover donativos no Penedo já
deu conta do resultado de sua caridosa incumbencia, entregando a s. exc. o snr.
presidente da provincia a quantia de 1.600$000. Na mesma cidade ofereceram a s.
exc. para o asylo: o rvm. frei Manoel da Conceição Monte 500$000, o coronel
Theotonio Ribeiro e Silva 50$ rs. O snr. Manoel José Taboca, proprietario em S.
Miguel do Campos, tambem fez donativo da quantia de 60$ rs. Todas estas
importancias já foram recolhidas ao thesouro provincial. (Jornal das Alagoas,
Maceió, 5 de agosto de 1877, n. 1928, ano VIII.).
No ano de 1879, o presidente da Província Cincinato Pinto Sobral integra o Asilo
à Santa Casa de Misericórdia, estabelece na Resolução n. 744 de 23 de junho daquele ano,
que a partir dessa data o Asilo passe a fazer parte da Santa Casa de Misericórdia, pois
entende que ambas instituições eram de natureza filantrópica, e assim sendo, devem
pertencer a uma só administração. Garantia, entretanto, por lei a independência das
atividades em relação a ação do Governo (O Liberal, Maceió, 30 de abril de 1879).
O desdobramento do Asilo nas duas primeiras décadas
Embora houvesse um esforço, de manter a principio 20 órfãs, e que é demonstrado
pela suntuosidade da estrutura arquitetônica montada para o Asilo, o número de meninas
acolhidas nos primeiros anos foi bastante reduzido. Nos dois anos iniciais apenas sete órfãs
foram admitidas na instituição. Apesar das dificuldades financeiras, de acordo com a
avaliação feita pelo Presidente da Província de 1879, Cincinato Pinto da Silva, o Asilo não
descuidou da instrução das educandas. Relata que levando em consideração que as 7 órfãs
que chegaram no Asilo nada sabiam, era regular o aproveitamento das mesmo com relação
as matérias para as meninas de primeira classe. No jornal O Liberal, lê-se a fala do
presidente: “É regular o aproveitamento das educandas, que continuam a aprender as
materias designadas no Regulamento para as de 1ª classe,
por terem entrado para o
estabelecimento sem nada saberem” (O Liberal, 30 de abril de 1879).
Segundo o regulamento da instituição as órfãs que chegassem à instituição
seriam separadas em duas classes: primeira e segunda. A primeira classe seria para meninas
de 6 a 10 anos de idade e a segunda classe para as educandas como idade superior a 10 anos.
Assim estavam dispostas as matérias paras as educandas de primeira e segunda classe:
Art. 52. As educandas de 1ª classe receberão o ensino das seguintes matérias:
§1.º Instrucção moral e religiosa compatível com sua tenra idade.
§2.º Conhecimento das letras do alphabeto e de seus differentes caracteres do uso
commum, dos sons e suas modificações, das syllabas, das palavras e leitura facil.
§3.º Pronuncia correta.
§4.º Formação das lettras do alphabeto sobre a pedra e pricipios de escripta.
§5.º Noções elementares de arithmetica, accomodadas á sua idade, formação dos
números simples e representação dos mesmos por lettras arábicas, operações de
somma, diminuir e tabuada.
§6.º Costura lisa, ponta de marca e crochet.
Art. 53. As educandas da 2ª classe receberão o ensino das seguintes materias:
§1.º leitura e calligraphia.
§2.º Arithmetica inclusive fracções ordinárias e decimaes complexo, proporções e
resolução de problemas mais communs, systema metrico decimal.
§3.º Grammatica nacional e analyse dos classicos portuguezes.
§4.º Musica, noções geraes de geographia e historia do Brazil, especialmente a
desta provincia , e historia sagrada.
§5.º Trabalhos de agulha e prendas domesticas
Além dessas matérias, as educandas de ambas as classes teriam que frequentar
uma vez por semana as aulas de culinária, de engomar como também a de outros afazeres
domésticos, que fossem compatíveis com sua idade e capacidade física. Gondra e Schueler
(2008, p. 205) salienta que “a preparação para vida doméstica era o ideal de instrução
primaria feminina”. Lembram que conforme a Lei Geral de ensino de 1827, para as meninas
seriam suficientes os ensinamentos da doutrina cristã, leitura, escrita e calculo elementar,
acrescidos, das “prendas que servem à economia doméstica”.
Os trabalhos produzidos pelas meninas do Asilo eram exibidos para o público, a
fim de comprovar que diariamente elas eram ocupadas com as prendas domésticas, e deste
modo não lhes sobraria tempo para pensar nas tentações mundanas. Assim, elas não iriam de
encontro aos preceitos da sociedade vigente, os quais implicavam a preservação da moral e
da boa conduta da mulher, conforme concepção da época. Tal exigência era primordial para
que as meninas fossem merecedoras das doações.
Para expor à sociedade o fato de que as doações eram empregadas corretamente
no custeio das despesas do Asilo, nas comemorações do terceiro aniversario da instituição, a
direção abriu as portas para que os doadores visitassem as dependências do prédio, prática
comum nos estabelecimentos filantrópicos. Dessa forma, inspirava confiança e estimulava a
benevolência do público ali presente.
A festa do terceiro aniversário de fundação foi comemorada com grande
pomposidade, com a presença das mais diversas autoridades: o Presidente da Província, o
chefe de polícia, o diretor e vice-diretor da instituição, além do conselho deliberativo. Na
mesma ocasião foi apresentada mais uma órfã, totalizando o número de oito meninas ali
abrigadas. Porém, o diretor planejava acolher mais duas, até o início do ano seguinte. Assim
consta no jornal da época:
Nesta ocasião o antigo conselho apresentou a orphan Maria Joaquina que foi
aceita, elevando o total de educandas a 8, o que chegará a dez no principio do
vindouro anno segundo os intuitos do digno director do Asylo o senhor
commendador Sobral” (O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1880, p. 01).
Incomodava aos organizadores da instituição o fato de os responsáveis pela instrução
das meninas acumularem cargos, a exemplo da professora de primeiras letras, que exercia
também a função de regente, sem que isso significasse algum acréscimo em seu salário. Até
que o Presidente da Província, a pedido do diretor do Asilo, Manoel Sobral Pinto, no ano de
1880, altera o regulamento de 1877 e autoriza a nomeação de uma regente para a instituição,
pois em 1880 a instituição tinha apenas 8 asiladas e o regulamento diz que apenas quando o
asilo admitissem 20 órfãs e que seria separada a função de regente e professora de primeiras
letras. Testemunha o periódico daquele ano a alteração do Regulamento de 5 de Dezembro
de 1877, o qual nomeia como Regente D. Maria Alves de Loyola, cargo assumido em 22 de
dezembro daquele ano (O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1880, p. 1).
A prática de acumulação de cargos e/ou era comum a época, basta repararmos que a
maioria das escolas em funcionamento na província tinha a professora como a responsável
para exercer diversas funções, além de ter que providenciar aluguel de casa - quando não era
a sua - geralmente pago do seu minguado salário, com a esperança de ressarcimento; cuidar
da compra de objetos necessários para a escola funcionar; exercer o cargo de diretora;
zeladora; professora. Quando a escola funcionava em casa, a professora necessariamente
misturava as funções de dona de casa com as atribuições do ensino. Era o espaço privado
que passava a se tornar precariamente público.
Com relação à arrecadação de fundos utilizados pela Sociedade Beneficente para
manutenção da instituição, jóias eram entregues por senhoras ricas e piedosas para serem
penhoradas. Os juros deveriam ser revertidos para auxílio financeiro do asilo. Mesmo
assim, a taxa de penhor não era cobrada, de modo que aquele ato benevolente das senhoras
não havia trazido contribuição financeira alguma para o Asilo, cuja intenção era ampliar os
recursos disponíveis e o número de meninas órfãs recolhidas. Em citação no Relatório de
Presidente da Província do ano de 1881, lia-se:
A Sociedade Beneficente Protectora muito pouco há rendido, não tem havido a
necessaria actividade na cobrança das joias [...], é mister, portanto, actival-a. Se o
Asylo contem camas, utensílios e accomodações para [...] [orphans], segundo
affirma o meu antecessor, é certo, porém que actualmente [...] conta elle apenas 7
orphans, por asseverar o Director não poder [...] comportar maior numero (O
Liberal, [não identificado dia e mês de circulação do periódico]1878, p. 16).
Em 1882, a ampliação da receita, em geral vinda dos donativos, propiciara o
acolhimento de mais três órfãs. Assim constava no relatório provincial daquele ano: “Em
tres annos, diz a Vice-Directoria, saldadas ficaram todas as dividas, cresceu o patrimonio e
com elle foram abertas as portas do asylo a mais 3 orphans, existindo ja alli oito...” ( Diário
da Manham, 16 de abril de 1882, p. 3 ).
Uma das razões para o aumento da receita foi a venda nas feiras beneficentes dos
artefatos produzidas pelas próprias órfãs, que iam desde trabalhos de bordados, agulhas e
prendas domésticas. Havia também o apoio financeiro do presidente da Província, José
Barbosa Torres, que isentou o Asilo do pagamento de impostos. Havia ainda o empenho da
presidência da Sociedade Beneficente Nossa Senhora do Bom Conselho que, sob o comando
a época da senhora Laura Santina de Vasconcellos, encarregava-se de arrecadar fundos entre
as senhoras ricas para ajudar na renda do orfanato. Como se observa, a manutenção
financeira da instituição obedecia a verdadeiros percalços, marcados por uma trajetória
constantemente instável.
No ano seguinte (1883), novamente a instituição começa a passar por
dificuldades financeiras. Por conta disto, não havia sido feito o pagamento dos salários dos
funcionários, num total de 24 pessoas, embora o ensino de prendas e a escola primária não
tivessem sido atingidos a ponto de interferirem no andamento de suas atividades. Em jornal
da época lê-se:
Attesta o Director a regularidade da escola primaria. Pelo mappa junto ao vê-sa
que 4 d´entre as orphans já apresentam algum adiantamento. Quanto ao ensino de
prendas prova o esforço da respectiva Mestra (Fala do Presidente da Província,
Joaquim Tavares de Mello Barreto, Diário da Manham, 15 de abril de 1883).
De acordo com o regulamento da instituição, as órfãs podiam manter-se ali
abrigadas até os 18 anos. No entanto em um requerimento ao presidente da província em
1893, no qual pede autorização para que a órfã Maximina Maria Duarte fosse entregue para
a irmã, ex-interna, Josephina Maria da Conceição, revela que órfã já estava com o 26 anos.
Asylo de N. Senhora do Bom Conselho, em Maceió 1º de junho de 1893.
Achando-se a órfã Maximina Maria Duarte Recolhida a este estabelecimento em
virtude de ordem do Exm. Presidente ex-provincia em 8 de dezembro de 1877 com
dez annos de idade, conta hoje a idade de 26 annos.
Josephina Maria da Conceição, uma daquella também recolhida neste asylo, tendose casado com Joaquim Azevedo F. de Miranda, e estando em condição de manter
em estado decente áquella irmã, reclama no requerimento incluso a sua entrega, e
cabe-me informa que é justo e até admirável o seo pedido (...)3.
Ao saírem do Asilo as órfãs tinham apenas duas opções: o casamento ou o trabalho
em casas de famílias abastadas. Estas duas opções era prática comum nas instituições que
abrigavam meninas desamparadas. Gondra e Schueler (2008, p. 113) afirmam que para as
egressas no Seminário de Meninas de Nossa Senhora da Gloria de São Paulo projetava-se o
casamento ou o trabalho em casa de família.
Tanto para casar ou trabalhar as órfãs do Asilo teriam que ter a permissão do Juiz
de órfão. E para casar as órfãs também necessitavam da aprovação presidente da província,
como foi o caso da órfã, já mencionada, Joséphina Maria da Conceição ao se casar com
Joaquim Azevedo F. de Miranda:
3
Citação retirada do livro de Tombo do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho de 1893.
Asilo de N. S. do Bom Conselho em Bebedouro. Maceió 24 de Maio de 1893.4
Achando-se esta directoria .consciente e de accordo com o art. 89 ... 2 do
regulamento do Asilo de dezembro de 1877, o casamento da orphã Josephina
Maria da Conceição com Joaquim Azevedo Falcão de Miranda, reputação decente
e que seve da agricultura com a profissão de serralheiro, peço a V. ex. autorisação
e approvação para esse enlace afim de que tenha lugar o disposto no art. 92 do
mesmo regulamento.
Esta directoria aguarda a decisão de V. ex. para da conhecimento ao cidadão
Falcão de Miranda e proceder na forma do art. 91.
Saude e fraternidade
Illustre Cidadao Major Dr. Gabino Bizouro.
M. D. Governador do Estado das Alagoas.
Manoel Martins de Miranda
Vice-director.
Havia uma grande preocupação em casar as moças para diminuir os custos na
manutenção da instituição e evitar que ingressassem na prostituição. Ao mesmo tempo
investia-se na construção de uma imagem feminina definida pela idéia de mulher honesta,
virtuosa, virgem e frágil, voltada para o cumprimento das obrigações no espaço doméstico.
Essa prática era comum quando se tratava dessas instituições fundadas no Brasil,
sobretudo pela tradição familiar escravagista, patrimonial e patriarcal da sociedade
brasileira. Para Nascimento (2005, p. 7), a alocação do trabalho dos expostos em casas de
famílias de reconhecida idoneidade, muitas vezes abriu caminho para a escravização, a
prostituição, os maus-tratos e violação à honra, colocando em risco a vida dessas mulheres.
Quanto ao aspecto pedagógico, estava diretamente associado às orientações da conduta
moral delas e constituía-se na tríade trabalho, oração e estudo.
Quanto a entrada das órfãs no Asilo, só seriam admitidas meninas entre 6 e 11
anos de idade. E apesar de o regulamento fixar a idade 18 anos para saída da internas. O
mesmo ressalta em seu artigo 87, que as órfãs que fossem admitidas na instituição seriam ali
mantidas até terem um destino. Além do casamento e do trabalho doméstico nas casas de
família havia a opção pelo Magistério para as meninas do Asilo.
O artigo 68 do
regulamento afirma o presidente da província estabeleceriam um curso normal no asilo,
4
Idem.
quando as órfãs tivessem na idade de 14 anos. O curso ali instalado teria as mesmas matérias
exigidas para o magistério público. As matérias seriam ministradas pelos professores do
Liceu. O artigo 70 declara que tanto o diretor do Asilo como o conselho deliberativo da
Sociedade Beneficente Protetora do Asilo felicitariam todos os meios para que as educandas
concorressem nos exames para o magistério publico. Ainda não podemos afirmar se tal
propósito foi realizado.
No século XIX apesar de um número razoável de professoras no magistério
público
havia ressalva quanto a atuação das mulheres como professora devido a
desconfiança quanto a conduta moral e a inteligência da mulher. Gondra e Schueler (2008,
p. 2009) citando Lopez (1991) comentam que durante o século XIX, as propostas do
magistério para mulheres desencadearam polêmicas e demonstraram a existência posições e
discursos ambíguos e contraditórios em relação à educação feminina e sua atuação como
professora. Ressaltam que havia posições que variavam desde a interpretação contraria a
atuação das mulheres como professoras da educação infantil, “em virtude de seus “cérebros
frágeis” e “perigosos”, até as que defendiam a necessidade de formar mulheres para o
magistério “devido a sua natureza dócil e própria à maternidade e ao trato com as crianças
pequenas”.
Os jornais liberais divulgavam uma imagem positiva do Asilo como grande
empreendimento para recolhimento de meninas pobres, vez que os resultados da instituição
satisfaziam tanto aos propósitos religiosos como civis. Assim lia-se:
Sob a escrupulosa direção do Dr. Roberto Calheiros de Mello [...] segue esse
estabelecimento na sublime e elevada missão a que é destinado. Tendo sido
inaugurado no dia 8 de dezembro de 1877 com 7 orphans desvalidas há tido
progressivo desenvolvimento abrigando sob seu tecto 30 dessas desventuradas,
que ali a par de desvelados [...], encontram toda a protecção sendo-lhes
proporcionada uma regular educação tanto intellectual como moral e domestica.
[...] ( Fala do Presidente da Província de Maceió, José Cesário de Miranda
Monteiro de Barros, em seu relatório de 6 de outubro de 1888, p. 21)
Ao avaliar que a instituição proporcionava uma educação regular, o presidente deixa
dúvidas sobre o aproveitamento do Asilo mediante a função primordial que era cuidar da
infância pobre de Alagoas.
O mapa das alunas que frequentaram as aulas primarias no ano de 1890 mostra que a
instituição contava naquela época com 26 internas. O mapa traz informações importantes
sobre as alunas: nome, idade e o desempenho das alunas nas matérias freqüentadas.
Mapa das alunas da escola primaria do Asilo de Nossa senhora do Bom Conselho no ano de
1890
N
º
Nome
idad
e
Escrita
1
Maria Clmentina de Araujo Barros
14
Cursivo
traslado
2
3
Benedicta Tobias da Costa
Engracia Accioly de Oliveira
12
15
Idem
Idem
Idem
Idem
4
5
6
7
Maria Amelia
Joanna de Medeiros Rijo
Maria Joaquina da Soledade
Petronilla Clementina de Araujo
14
14
15
12
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Leitura e lições
de gramática
8
Adelia Gabriella da Silva
12
Idem
9
10
Anna de Souza
Pretextata de Jezus Lopes
13
13
Cursivo
grosso
cobrindo o traslado
Idem
Bastardo cobrindo o
traslado
11
12
13
Idalina da Costa Pestana
Virginia Rangel
America Chaves Lisboa
14
12
11
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
14
Amelia Freitas Cavalcante
11
Letras do alfabeto
15
16
Angelina Fernandina da Silva
Ortencia Juliana da Silva
9
8
Idem
Idem
17
Gabriella Mendes Paiva
7
Idem
18
Maria Mendes Paiva
10
Idem
Leitura
separação
silabas
Idem
Estudo
alfabeto
Leitura
separação
silabas
Idem
19
Anna José
15
Cursivo
traslado
20
Constança Alvim de Medeiros
10
Idem
cobrindo
cobrindo
o
o
Leitura e
Analise
Aritmética
Desenho
Linear
Doutrina
Cristã
Analise lógica
As
quatros
operações dos
números
inteiros
Formação das
linhas
Idem
As
quatros
operações dos
números
inteiros
Idem
Idem
Idem
As
quatros
operações dos
números
inteiros
Formação das
linhas
Idem
Ângulos
Catecismo
e história
sagrada
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Formação
linhas
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Leitura
de
historia sagrada
sem
de
do
se
de
Leitura e lições
de gramática
Idem
das
Idem
Idem
As
duas
operações dos
números
inteiros
Idem
Idem
Tabulada de
somar
Idem
Catecismo
Idem
Idem
Idem
Decoração
das
principais
orações
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
As
duas
operações dos
números
inteiros
Idem
Idem
Formação
linhas
das
Idem
Catecismo
e História
Sagrada
Idem
21
22
23
24
25
Anna Maria de Jezus
Maria Joaquina Lopes
Maria Joaquina
Joaquina Maria da Conceição
Adrianna Rozendo de Sant’Anna
15
17
11
16
21
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Analise lógica
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
26
Maria Angelica Alves M.
21
Idem
Leitura e lição
de gramática
Idem
Formação
linhas
das
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Idem
Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho em Bebedouro, 4 de dezembro de 1890
A professora Francisca Maria da Conceição
Fonte: Livro de Tombo de 1890
Um aspecto importante na formação do perfil feminino nessas instituições era o fato
de que as doações funcionavam como a base do Asilo, que ia desde a construção do prédio,
prestação de serviço dos funcionários, precariamente pagos, administração, até o casamento
das órfãs, em geral, realizado por meio de dotes concedidos pela família ou por estranhos
cuja pretensão era vê-las futuramente bem situadas moralmente. Neste sentido, assinala
Nascimento (2005, p. 3), que o hábito de conceder dotes às moças órfãs e expostas, condição
necessária ao casamento, também era uma das formas da elite demonstrar sua caridade para
com os pobres. Ao mesmo tempo, figuravam como uma forma de reforçar os mecanismos de
estabilidade da sociedade, pois valorizava a legalidade, a tradição e a fidelidade das relações
conjugais.
Conclusão
Podemos concluir que no Asilo era exigida a vivência de um cotidiano com intensa
dedicação por parte das meninas, o qual se desenvolvia em torno dos afazeres domésticos e
na confecção de prendas. Desta forma evitava-se que sobrasse tempo para a ociosidade e o
“desvio” de conduta.
Dentre as instituições filantrópicas fundadas em Alagoas durante o período imperial
o Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho foi a que mais tempo durou, apenas encerrando
suas atividades no fim do século XX, desdobramento incomum no contexto das instituições
filantrópicas brasileiras. Mas seu longo período de funcionamento talvez possa ser explicado
pelo vínculo com a Igreja Católica cuja força na formação educacional brasileira tem sido
indiscutível.
REFERÊNCIAS
GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no
império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.
NASCIMENTO, Alcilide Cabral do. Da caridade à utilidade: as estratégias da inserção social de
meninas abandonadas no Recife Imperial. Anais do XXIII do Simpósio Nacional de História.
Londrina: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2005.
MADEIRA, Maria das Graças de Loiola. A pedagogia feminina das casas de caridade do Padre
Ibiapina. Fortaleza: Edições UFC, 2008.
MURY, Paul. A história de Gabriel Malagrida. Prefácio de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Editora
Empreza Litterária Fluminense, [1875].
Fontes Impressas
Relatório do presidente da província de 1888.
Livro de Tombo do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho de 1890, 1893
Diário das Alagoas, Maceió 11 de dezembro de 1877, n. 280, ano XX, p. 1
O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1877, n. 145, ano IX, p. 1- 2.
O Liberal, Maceió, 1878, p. 16
O Liberal, Maceió, 30 de abril de 1879, ano XI.
O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1880, ano XII, n.283, p.1
Diário da Manham, Maceió, 16 de abril de 1882, p. 3.
Diário da Manham, Maceió, 15 de abril de 1883.

Documentos relacionados