fertilidade feminina - Biblioteca

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fertilidade feminina - Biblioteca
Revista bimestral de ciência e investigação em saúde
Nº6 - Ano 2007 - 4€ | Julho/Agosto
Criopreservação: Novas soluções para a
(in)
fertilidade feminina
Cod. Barras
Células estaminais e o
futuro da medicina
regenerativa
Projecto de intervenção
em crianças e
adolescentes obesos
Campus Académico do ISAVE
Quinta de Matos - Geraz do Minho
4830-316 Póvoa de Lanhoso
Tel. 253 639 800
Fax. 253 639 801
Email: [email protected]
www.isave.pt
Licenciaturas em:
Enfermagem
Fisioterapia
Terapêutica da Fala
Farmácia
Higiene Oral
Prótese Dentária
Radiologia
Análises Clínicas e Saúde Pública
Editorial
Educar para a saúde começa no nosso
querer. Parte de cada um de nós construirmos
uma vida sã em nós e nos outros. A Ser Saúde
quer criar os laços afectivos da educação em
saúde para profissionais, apresentar uma visão
diferente e global do que será o futuro em
saúde.
Unida ao ISAVE, criada num espaço verde,
a Ser Saúde fomenta o equilíbrio entre o
saber em saúde junto dos profissionais. Não
coloca barreiras, abre o caminho, deixa cada
texto educar na grandeza do que apresenta e
descreve.
No aumento contínuo de maus hábitos
de saúde, no aumento de doenças que limitam a qualidade de vida das pessoas, são os
profissionais que têm de alargar o âmbito de
intervenção, saber, procurar, alimentar uma
procura diversa em diferentes temas de saúde,
criando a unidade entre profissionais em sabedoria que levará a uma intervenção junto das
pessoas mais atenta, cuidada, humana.
A Ser Saúde, sem ilusões, cria na diversidade
a unidade do saber, da sabedoria. Na ciência, a
Ser Saúde alimenta os profissionais de saúde
que procuram construir a harmonia entre
a prática de saúde e todo o ser humano, no
fundo, o Ser Saúde…
Isabela Vieira
1
10 24
Sandra Morais Cardoso
As células estaminais
e o futuro da medicina
regenerativa
2
As células estaminais são células indiferenciadas com capacidade proliferativa ilimitada
que se podem diferenciar em diversos tipos
celulares em resposta a diferentes estímulos.
A célula estaminal por excelência é o zigoto;
este e as células resultantes das duas primeiras
divisões são células totipotenciais, isto é, células que podem dar origem a um indivíduo,
pois podem diferenciar-se em todos os tipos
celulares do organismo e ainda nas células
que compõem os tecidos extra-embrionários.
Entrevista a Maria Arminda Costa
Enfermagem
Ajudar os outros a ser
competentes
A Enfermagem é a arte e a ciência de cuidar
pessoas. Actualmente, o enfermeiro é um
profissional altamente qualificado, com a qualificação dirigida para a área de cuidar pessoas. O
seu atributo profissional inclui aspectos técnicos
e humanos e orienta todo o trabalho que faz
para que as pessoas os integrem na sua saúde.
Tudo aquilo que seja dirigido à construção
da saúde pelas pessoas é um trabalho onde o
enfermeiro pode e deve estar.
20 38
Maria José Verdasca, Zélia Vaz
Obesidade infantil –
prevalência em idade
pré‑escolar
A consulta de vigilância é um espaço
privilegiado para esta avaliação; numa
perspectiva de prevenção, aos pais pode ser
dada informação sobre os hábitos alimentares
mais adequados e a necessidade de actividade
física, adaptada segundo o interesse de cada
criança e com estas tentar negociar medidas
correctivas.
Raquel Brito, Teresa Almeida Santos, João
Ramalho-Santos
Criopreservação de ovócitos
e tecido ovárico:
Implicações para a
fertilidade
É absolutamente necessário discutir com
os doentes oncológicos as opções disponíveis
em termos de fertilidade e de possibilidades
reprodutivas futuras. Esta realidade é particularmente importante nas mulheres jovens
com cancro da mama, antes de proceder a
quimioterapia.
90
Fábio Salgado, Carla Xavier
56
Maria Júlia Rodrigues
Percepção da qualidade de
vida dos idosos maiores de
75 anos no concelho de Vila
Nova de Gaia
Estratégias educativas para a
mudança
O envelhecimento populacional constitui
uma realidade e um desafio às sociedades
modernas. A sociedade portuguesa, à
semelhança de outros países, vive alterações
demográficas com reflexos profundos no
tecido social, familiar, laboral e educativo.
70
Célia Franco
O álcool e o homem
A relação entre o álcool e o Homem é
complexa e ambivalente. O consumo de
álcool continuado frequentemente leva ao
adoecer de forma lenta e insidiosa, sendo
difícil de entender pelo doente e de diagnosticar pelo médico. O diagnóstico atempado
de situações de beber nocivo ou de dependências em situação inicial pelos médicos
de família é fundamental para prevenir o
agravamento das situações e o aparecimento
de danos irreversíveis.
Próteses parciais removíveis
acrílicas funcionais
Este trabalho visa dar a conhecer uma
técnica simples que vem incrementar a qualidade funcional das próteses parciais acrílicas,
que são próteses de baixo custo, ainda hoje
muito solicitadas por uma grande maioria da
população.
98
Sónia Pereira
Projecto de intervenção
em crianças e adolescentes
obesos
A obesidade é um problema de saúde que
afecta uma elevada percentagem da população
mundial. É considerada um problema grave,
com uma prevalência extremamente alta e é
reconhecida como um dos maiores problemas
de saúde das sociedades modernas civilizadas.
114
Gustavo Afonso, Lara Costa, Marta Miranda
Apósitos para tratamento de
feridas em meio húmido
A selecção do material a utilizar no tratamento local deve ter por base as orientações
técnicas existentes e o tratamento de feridas
deve ser efectuado em equipa multidisciplinar.
Poster
Miguel Lopes, Sérgio Tomé
Traumatismo dentário
O que fazer? Se o dente…
3
Actualidade
I Congresso
Luso-Galaico de
Gerontologia no ISAVE
LK Comunicação
4
O ISAVE organizou o I Congresso
Luso-Galaico de Gerontologia – Olhar
para Intervir, nos dias 19 e 20 de Abril, nas
novas e recentes instalações. Este encontro
culminou num momento de reflexão e de
conhecimento acerca de um fenómeno tão
pertinente na actualidade: o Envelhecimento
Humano. Foi proporcionado um cruzamento
de domínios e saberes na área da Gerontologia
que contou com a presença de um conjunto
de investigadores nacionais, oriundos de várias
instituições/unidades de ensino superior que
se destacam pelos trabalhos realizados nesta
área (Unidade de Investigação e Formação
de Adultos e Idosos – UNIFAI, Universidade
de Aveiro, Escola de Enfermagem Calouste
Gulbenkian de Braga, Universidade do
Minho e Faculdade de Medicina de Lisboa),
e internacionais (Universidade de Santiago
de Compostela, Universidade da Coruña e
Universidade de Vigo). Foram apresentados
trabalhos de docentes do ISAVE nas diversas
áreas: fisioterapia, prótese dentária, radiologia e
farmacologia.
O perfil temático do congresso iniciou
com uma abordagem introdutória ao estudo
e compreensão do envelhecimento biológico, seguindo para uma actualização dos mais
recentes avanços na investigação e educação
em Gerontologia. No sentido de ir ao encontro
de necessidades dos palestrantes, este momento
contou com um painel unicamente destinado
à Promoção de Saúde da Pessoa Idosa. Por
fim, foram abordadas as várias perspectivas no
âmbito do envelhecimento psicossocial.
Conscientes de que foi um momento
bastante proveitoso para todos os participantes,
o ISAVE marcou com distinção um dos acontecimentos mais emblemáticos nesta área em
registo nacional.
Mafalda Duarte, membro da Comissão Organizadora do Congresso
Agenda JULHO/AGOSTO
6
V Jornadas de Pneumologia em
Medicina Familiar dos Açores e
Continente
05 de Julho
Angra do Heroísmo
I Congresso Internacional de
Gerontologia:
(Con)vivências do corpo à alma
19 de Julho
Lisboa
Seminários de Actualização
em Farmacoterapia - Métodos
Qualitativos na Avaliação da
Farmacoterapia: Quais e como Utilizar
06 de Julho
Auditório do Hospital Fernando da
Fonseca (Amadora-Sintra)
II Congresso Nacional da Associação
Portuguesa de Podologia
20 de Julho
Póvoa de Varzim
III Jornadas de Dermatologia de
Contacto
07 de Julho
Hospital Santa Maria, edifício Egas
Moniz, Anfiteatro Egas Moniz
Contributo da Avaliação Motora nas
Práticas de Intervenção Precoce
20 e 21 de Julho
ISAVE, Póvoa de Lanhoso
Seminário de Drenagem Linfática
13 de Julho
Instalações IPN (Arca D’Água)
Seminário de Imagiologia
21 de Julho
Instalações IPN (Arca D’Água)
11th EFNS Congress
25 de Agosto
Brussels, Belgium
I Encontro de Profissionais do ISAVE 2002/2206
14 de Julho
ISAVE, Póvoa de Lanhoso
Director
Eugénio Pinto
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Editores
Isabela Vieira
Rui Castelar
Propriedade
Ensinave
Educação e Ensino Superior do Alto Ave
Campus Académico do ISAVE
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4830-316 Póvoa de Lanhoso
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Director de arte e grafismo
Ângelo Mendes
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Impressão
Orgal, impressores
Rua do Godim, 272
4300-236 Porto
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O ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, com desejo de contribuir para o
desenvolvimento da ciência e investigação em saúde, confere anualmente um prémio
denominado Prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde.
O Prémio, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), será atribuído ao melhor trabalho
ou conjunto de trabalhos publicados durante 2006 e 2007 na Ser Saúde.
O vencedor do Prémio Ser Saúde/ISAVE será conhecido até 31 de Março de 2008.
O Prémio será entregue a 19 de Abril de 2008.
Júri do Prémio:
Amílcar Falcão, Daniel Serrão, Maria Júlia Silva Lopes, Rui L. Reis, Susana Magadán
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8
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Luís Martins
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Rui de Melo Pato
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Sérgio Branco
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Sérgio Nabais
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Susana Magadán
Tiago Barros
Tiago Osório de Barros
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Victor Machado Reis
Virgílio Alves
Tratamentos Domiciliários
Aerosolterapia * Oxigenoterapia * Ventiloterapia
Screnning Domiciliário * Aspirador de Secreções
Ventilação Volumétrica * Apneia de Sono
Apneia do Lactente * Pulsoximetria *
Coughassist
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2735-307 Cacém
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9
Sandra Morais Cardoso
10
Bióloga, Investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular,
Professora Assistente da Faculdade de Medicina de Coimbra
AS CÉLULAS
ESTAMINAIS
e o futuro da medicina regenerativa
Da mitologia grega vem a história de Prometeu, filho de Jápeto,
um dos doze Titãs filhos dos primitivos senhores do universo, Gaia
e Urano. Como castigo por ter enviado o fogo para a Humanidade,
Zeus ordenou que Prometeu fosse acorrentado a uma rocha e enviou
uma águia para lhe comer um bocado do fígado todos os dias. No
entanto, o fígado de Prometeu foi capaz de se regenerar todos os dias,
permitindo que este sobrevivesse. Actualmente, cientistas e médicos
esperam que este conceito lendário se torne numa realidade através
do desenvolvimento de terapias que permitam a substituição de células ou tecidos danificados e/ou envelhecidos no corpo humano.
A investigação em células estaminais é hoje uma realidade que irá
permitir, num futuro próximo, a utilização destas células em novas
terapias humanas que visam a cura ou diminuição da progressão de
doenças até agora incuráveis.
11
12
O que são células estaminais?
As células estaminais são células indiferenciadas com capacidade proliferativa ilimitada
que se podem diferenciar em diversos tipos
celulares em resposta a diferentes estímulos. A
célula estaminal por excelência é o zigoto; este
e as células resultantes das duas primeiras divisões são células totipotenciais, isto é, células que
podem dar origem a um indivíduo,pois podem
diferenciar-se em todos os tipos celulares do
organismo e ainda nas células que compõem
os tecidos extra-embrionários (Slack, 2000).
Podemos ainda considerar as células pluripotentes, que se podem diferenciar em todos os
tipos de células provenientes das três camadas
germinativas (ectoderme, mesoderme e endoderme), mas não no indivíduo (Alison et al.,
2002; Ulloa-Montoya et al., 2005). As células
que só têm a capacidade de se diferenciar
num tecido ou camada germinativa específica
denominam-se de multipotentes. Uma outra
categoria de células são as unipotentes que,
embora apresentem elevada capacidade de
auto-renovação, só originam um tipo celular
específico (Alison et al., 2002).
Que tipo de células estaminais se
conhecem?
Podemos considerar três grupos de células
estaminais: células estaminais embrionárias,
células estaminais da placenta e do cordão
umbilical e células estaminais adultas.
As células estaminais embrionárias
(células ES, do inglês Embryonic Stem) são
células que derivam da massa celular interna
do blastocisto (Figura 1). São consideradas
células pluripotentes e obtêm-se no quinto
dia de desenvolvimento embrionário mesmo
antes da implantação do blastocisto à parede
do útero (Figura 2).
Está descrito que estas células mantêm a
capacidade de auto-renovação, mesmo passados muitos meses em cultura, mantendo a
habilidade de se diferenciarem desde células
de músculo a células nervosas e sanguíneas
(Alison et al., 2002; Ulloa-Montoya et al.,
2005).
Podemos considerar três grupos de células estaminais: células
estaminais embrionárias, células estaminais da placenta e do
cordão umbilical e células estaminais adultas.
13
Figura 1. Blastocisto humano (crédito fotográfico de M.
J. Conoghan). Fotografia de um blastocisto humano préimplantação no útero. Observa-se a massa celular interna
da qual se podem obter as células estaminais embrionárias
(seta).
Figura 2. Obtenção de células estaminais embrionárias
(adaptado de Terese Winslow, 2006). Figura representativa da
obtenção de uma cultura de células estaminais embrionárias
pluripotentes.
14
Emboras as células ES sejam as células
estaminais com maior potencial quer na
investigação básica, no estudo da diferenciação
e função dos tecidos humanos, quer na prática
clínica, no tratamento de diversas patologias,
o facto de serem obtidas de embriões humanos levanta problemas éticos. Na tentativa de
ultrapassar este problema surgiu o interesse
de obter células estaminais alternativas às
embrionárias. Recentemente têm vindo a ser
isoladas células estaminais da placenta e
do cordão umbilical que são uma fonte
de células estaminais não embrionárias, que
possuem uma grande concentração de células estaminais hematopoiéticas, para além de
células estaminais mesenquimais e células estaminais progenitoras endoteliais. Desde o início
deste milénio algumas empresas em Portugal
dedicaram-se à recolha e obtenção deste tipo
de células que podem ser colhidas e processadas logo após o nascimento, num processo
totalmente seguro e indolor para a mãe e para o
recém-nascido. O potencial terapêutico destas
células, como a sua utilização mais imediata,
e já realizada no tratamento de diferentes
cancros do sangue, ou futuramente virem a ser
utilizadas em terapêuticas ainda experimentais
como no tratamento da diabetes, lúpus, ou nas
doenças neurodegenerativas, tem sido um dos
argumentos que estas empresas utilizam para
cativarem os portugueses.
Para além das células estaminais da placenta e do cordão umbilical têm vindo a ser
investigadas fontes de células estaminais
adultas (neuronais, medula óssea e sangue,
progenitoras endoteliais, músculo esquelético,
percursoras epiteliais da pele e do sistema
digestivo, pâncreas e fígado). Este tipo de células estaminais, embora preencham os critérios
atribuídos às células estaminais, têm uma capacidade de auto-renovação e diferenciação mais
restrita que as células ES. Contudo, estudos
recentes demonstraram que estas células têm
a capacidade de se diferenciar nos diferentes
tipos celulares das três camadas germinativas
após remoção do seu tecido de origem (UlloaMontoya et al., 2005). As células estaminais
adultas mais estudadas são as células hemato-
Um dos problemas associado
à utilização de células
estaminais é que estas,
teoricamente, podem
dar origem a cancro. As
células estaminais adultas
permanecem no organismo
durante um período de
tempo alargado, podendo
acumular mutações que
levam ao desenvolvimento de
tumores.
poiéticas que dão origem às células do sangue
(eritrócitos, plaquetas, linfócitos e granulócitos)
e podem ser obtidas pós-natalmente, a partir da
medula óssea, ou do sangue periférico mobilizado (Domen et al., 2006). Desde 1956 que
três diferentes laboratórios demonstraram que
ao injectarem células da medula óssea a ratinhos cujo sistema hematopoiético tinha sido
destruido por radiação, ocorria uma regeneração do sistema que forma o sangue (Ford et
al., 1956). Um outro tipo de células estaminais
adultas que tem vindo a ser muito investigado
são as células estaminais neuronais; apresentam
as mesmas características de auto-renovação e
de diferenciação semelhante a qualquer outro
tipo de célula estaminal adulta (Panchision et
al., 2006). Estas células têm a capacidade de
originar neurónios e células da glia (astrócitos e oligodendrócitos) (Temple, 2001) e
podem ser obtidas na zona subventricular do
ventrículo lateral e na camada subgranular do
giro dentado do hipocampo (Doetsch, 2003).
Embora existissem dados desde os anos 60
que apontavam para que novas células nervosas pudessem ser formadas (neurogénese) nos
cérebros de mamíferos adultos, só nos anos 90
é que se começou a investigar este facto no
contexto da terapêutica de substituição celular
aplicada a várias doenças neurodegenerativas
(Panchision, 2006).
15
Aplicação da terapia celular na prática
clínica
Como as células estaminais têm a capacidade de se dividirem por períodos indefenidos,
no caso das células estaminais adultas durante a
vida do organismo, e porque em determinadas
condições, ou devido a diferentes sinais, dão
origem às diferentes células do organismo,
podem estar na génese da investigação da
função dos tecidos humanos. Podem ainda
ser utilizadas nos testes de segurança e eficácia
de novos medicamentos, como, por exemplo,
nos testes de novas drogas cardíacas (Figura 3),
podendo também ser utilizadas nos transplantes terapêuticos de doenças degenerativas.
16
Muitas das doenças humanas são causadas
pela morte ou disfunção de um ou poucos
tipos de células como, por exemplo, as células
que produzem insulina, no caso da diabetes,
ou os neurónios dopaminérgicos, no caso da
doença de Parkinson. A substituição destas
células pode oferecer uma cura ou tratamento eficaz que se irá manter ao longo da vida.
Embora já se tenham realizados vários ensaios
clínicos utilizando o transplante de células
estaminais, ainda faltam muitos anos de investigação básica para que esta terapêutica possa
ser utilizada como procedimento “standart” na
prática clínica.
A aplicação de terapias de substituição celular aplicadas às doenças auto-imunes tem sido
testada. O sistema imunológico tem como
função distinguir os mais variados componentes do próprio organismo dos componentes
de organismos invasores, de modo a que possa
combater as infecções provocadas por estes.
Quando falha no reconhecimento dos componentes celulares do próprio e os ataca e destrói,
pode-se desenvolver uma doença auto-imune,
por exemplo a esclerose múltipa, a diabetes
tipo I, que são doenças que involvem só um
orgão ou tecido (mielina ou as células dos
ilhéus beta do pâncreas), ou o lúpus, doença
que se caracteriza pelo ataque imunitário a
diferentes tecidos ou orgãos.Traynor e colegas
demonstraram em 2000 que o transplante
autólogo de células estaminais hematopoiéticas em sete doentes com lúpus permitiu
que a doença permanece-se inactiva durante
três anos sem a necessidade de medicamentos
imunosupressores. No caso da diabetes, tem
sido difícil induzir a diferenciação das células
estaminais em células produtoras de insulina.A
descoberta dos métodos para isolar e crescer as
células ES em 1998 trouxeram novas esperanças a doentes, cientistas e médicos para a cura
da doença. Soria e colaboradores conseguiram
manipular e diferenciar células ES de ratinho
em células produtoras de insulina humana.
Estas células foram implantadas em ratinhos
diabéticos cujos sintomas da diabetes reverteram.
No âmbito da doença de Parkinson, que se
caracteriza pela morte dos neurónios dopaminérgicos da substância nigra, têm-se realizado
terapias de substituição celular com tecidos
neuronais fetais. A utilização destas células
acarreta problemas de ordem ética e prática,
devido à necessidade de utilizar muitos fetos
para se poderem obter células neuronais dopaminérgicas (Lindval et al., 1989; Bjorklund e
Lindvall, 2000). Para além dos problemas éticos,
temos também de considerar a dificuldade de
obter um fenótipo dopaminérgico in vitro, a
morte das células transplantadas e a dificuldade
com que estas formam sinápses (Panchision,
17
2006). Uma alternativa ao uso de neurónios
de mesencéfalo de embriões com seis a nove
semanas é a utilização de células estaminais
embrionárias ou neuronais adultas.A utilização
destas células é bem mais promissora que as de
mesencéfalo fetal, pois podem-se ultrapassar as
variações no tecido fetal que é sempre limitado e pouco caracterizado e que pode estar
na base dos diferentes resultados obtidos em
doentes de Parkinson.
Figura 3. A promessa da investigação em células estaminais
(adaptado de Terese Winslow, 2006). Figura representativa das
diferentes áreas de investigação com células estaminais.
18
Cancro: uma doença das células
estaminais
Um dos problemas associado à utilização de células estaminais é que estas,
teoricamente, podem dar origem a cancro.
As células estaminais adultas permanecem no
organismo durante um período de tempo
alargado, podendo acumular mutações que
levam ao desenvolvimento de tumores. As
células estaminais, por terem a característica
de proliferação ilimitada, podem facilmente
adquirir um fenótipo tumurogénico. E, por
fim, a utilização de células ES em transplantes
terapêuticos pode levar ao aparecimento de
teratocarcinomas (Figura 4), tumores derivados de células embrionárias pluripotentes.
No entanto, não foram encontradas até hoje
metástases após transplantes de células ES.
Figura 4. Células de teratocarcinoma humano. (A) Células
marcadas com Mito Tracker-red, detecção por microscopia
de fluorescência; (B) Células detectadas por microscopia de
contraste de fase (crédito fotográfico de A. Raquel Esteves).
Problemas éticos relacionados com a
utilização das células estaminais
Embora a utilização de células ES obtidas
de embriões com 5 dias possa ser eticamente
condenável por alguns, as repercursões da sua
utilização na terapia de várias doenças é de
extrema importância para o futuro da medicina
regenerativa. Portanto, devemos reflectir sobre
a questão do que é a vida e se um embrião de
5 dias de desenvolvimento é um ser humano
vivo que tem de ser protegido jurídica, ética e
moralmente. Muitos cientistas acreditam que
a vida humana começa com o desenvolvimento do sistema nervoso. E se pelos critérios
de morte cerebral por declaração da Ordem
dos Médicos prevista no artigo 12º da Lei nº
12/93 de 22 de Abril, um indivíduo morto
é aquele que, entre outros parâmetros, não
responde a um estímulo doloroso, não respira
espontaneamente, então será cientificamente
correcto dizer que um zigoto ou um embrião
com 5 dias de gestação não é um indivíduo
vivo, mesmo que tenha todo o potencial de vir
a ser. Embora a investigação em células estaminais tenha como fim a utilização de células
estaminais adultas que têm como vantagem
óbvia a não rejeição dos transplantes por parte
do doente, a obtenção e estudo das células ES
tem-se revelado fundamental. A opinião que
devemos formar acerca deste assunto leva-nos
concerteza a auscultar aquilo que nós somos
a título individual, mas também a descobrir
o nosso papel na sociedade, e que, por vezes,
uma atitude mais liberal no contexto social
permite-nos defender com mais rigor os
fundamentos ético/morais que espero que
todos tenhamos.
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for stem cell research, 2006; 35-43.
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Lindvall O, Rehncrona S, Brundin P,Arch Neurol., 1989; 46:
615-631.
Bioeng., 2005; 100: 12-27.
19
Maria José Verdasca
([email protected])
Médicas Centro de Saúde Dr. Joaquim Paulino, Rio de Mouro
Zélia Vaz
([email protected])
20
Obesidade infantil
prevalência em
idade pré-escolar
21
Introdução
O Plano Nacional de Saúde 2004/2010
contempla o desenvolvimento de estratégias e
intervenções no combate à obesidade.
Sabe-se que o ganho de adiposidade na
criança entre 5/6 anos é um indicador de
risco, predispondo para a obesidade na idade
adulta e para o aparecimento de doenças
metabólicas.
Material e métodos
Análise retrospectiva das fichas do exame
global de saúde dos 5/6 anos realizados em
2004.
Percentil IMC: Foram utilizadas as tabelas
de Percentil do Centers for Disease Control
and Prevention (CDC) publicadas em Maio
2000 (figura 1).
População – crianças nascidas em 1998,
inscritas no Centro de Saúde de Rio de
Mouro (CSRM).
Definições (segundo Direcção Geral de
Saúde):
Amostra – crianças que realizaram o
exame global de saúde.
Obesidade: IMC ≥ P95
Pré-obesidade: IMC ≥ P85 e < P95
Variáveis – sexo e Percentil do Índice
Massa Corporal (IMC).
22
Figura 1
Referências
1) Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde 20042010.Volume II – Orientações Estratégicas. 1ªEdição. Lisboa:
Direcção Geral de Saúde; 2004.
2) Rodrigo CP. Vigilância nutricional e intervención
comunitária [on the internet]. Conferência Internacional de
Obesidade Infantil; 2005 Nov 25-26; Coimbra. [cited 2006
Aug 25] http://www.fbb.pt/cioi/
3) Rolland-Cachera MF, Maillot M, Deherger M, Bellisle F.
Growth patterns and the risk of obesity [on the internet].
Conferência Internacional de Obesidade Infantil; 2005
Nov25 -26; Coimbra. [cited 2006 Aug 25] http://www.fbb.
pt/cioi/
4) Ministério da Saúde. Programa Nacional de Combate
à Obesidade - Circular normativa nº03/DCDG. Lisboa:
Direcção Geral de Saúde; 2005.
5) p://www.cdc.gov/growthcharts/
6) http://www.who.int/chp/en/
Resultados
Foram inscritas no Centro de Saúde 620
crianças em 1998 (306 do sexo feminino e 314
do sexo masculino) e 460 crianças realizaram
o exame global em 2004, correspondendo a
74%, o que representa uma amostra significativa. Foram analisados 454 fichas sendo 227 do
sexo feminino e masculino; 6 fichas não foram
validadas por falta de registos. No quadro 1,
apresenta-se a distribuição da obesidade pelo
total de crianças e no quadro 2, a distribuição
por sexo.
Distribuição das Crianças por percentil IMC
Quadro 1
Distribuição das Crianças por percentil IMC e Sexo
Quadro 2
Conclusões
A prevalência da obesidade encontrada foi
15%, sendo mais acentuada no sexo feminino.
A pré-obesidade foi de 16%. Face a estes resultados é uma prioridade identificar as crianças
obesas e em risco de obesidade,mesmo noutros
grupos etários. A consulta de vigilância é um
espaço privilegiado para esta avaliação; numa
perspectiva de prevenção, aos pais pode ser
dada informação sobre os hábitos alimentares
mais adequados e a necessidade de actividade
física, adaptada segundo o interesse de cada
criança e com estas tentar negociar medidas
correctivas. Reforçar o papel importante que
cabe a toda a família neste processo. Promover
acções educativas na escola e na comunidade nas áreas de nutrição e actividade física e
implementar medidas preventivas necessárias
a promover uma boa saúde. As crianças obesas
em risco devem ser referenciadas.
23
Entrevista a
Maria Arminda Mendes Costa
Sendo a Enfermagem uma profissão que
cuida de pessoas, neste cuidar existe
um dever de rigor técnico e humano.
Consciente de que as profissões não
vivem isoladas, é fundamental a pessoa
ser o centro dos cuidados e receber
24
o conhecimento para aprender a ter
cuidado consigo e com os que a rodeiam.
Neste sentido, a sustentabilidade do
conhecimento é fundamental para
o enfermeiro e para a Enfermagem.
Enfermagem
Também a formação deve estar centrada
no estudante para «que ele aprenda a
ver». É este o sentido de Bolonha ao
acabar com as disciplinas fechadas e
pretender um ensino mais globalizado e
abrangente. É fundamental experimentar
e, nas múltiplas áreas de investigação,
a Enfermagem tem de ter campo onde
o conhecimento que é produzido possa
ser experimentado. No altruísmo, no
conhecimento, na sabedoria, o enfermeiro
deve ajudar os outros a ser competentes.
Ajudar os
25
outros a ser competentes
26
Maria Arminda Mendes
Costa, 57 anos, após seis anos
como professora liceal, iniciou a
vida profissional como enfermeira
de cuidados gerais, no Centro
de Medicina de Reabilitação do
Alcoitão. «Era um velho sonho:
trabalhar com pessoas com
deficiência». Especializou-se em
enfermagem de reabilitação e,
após várias insistências, regressou
ao ensino, indo trabalhar para a
escola de reabilitação de Alcoitão
e, depois, para a ex-Escola de
Enfermagem Pós-Básica de
Lisboa.Veio, posteriormente,
abrir o curso de especialização
em enfermagem de reabilitação
no Porto, na ex-Escola Superior
de Enfermagem Cidade do
Porto onde durante 12 anos foi
directora e presidente do conselho
directivo. Estávamos em 1985.
Actualmente, trabalha na Escola
Superior de Enfermagem do
Porto após processo de fusão
daquela escola com as escolas
superiores de enfermagem
Dona Ana Guedes e S. João. É
professora coordenadora com
agregação. Durante este percurso,
fez mestrado e doutoramento em
ciências de educação na Faculdade
de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de
Lisboa, dedicando-se sempre à
investigação sobre os cuidados
aos mais velhos e à construção do
conhecimento profissional. Foi a
primeira enfermeira portuguesa
a defender provas de agregação
universitária. Estávamos em
2005. As provas foram realizadas
no ICBAS, Universidade do
Porto, onde coordena o Curso
de Mestrado em Ciências de
Enfermagem.
27
E como se pode definir Enfermagem?
A arte e a ciência de cuidar pessoas.
Actualmente, o enfermeiro é um profissional
altamente qualificado, com a qualificação
dirigida para a área de cuidar pessoas. O seu
atributo profissional inclui aspectos técnicos e
humanos e orienta todo o trabalho que faz
para que as pessoas os integrem na sua saúde.
Tudo aquilo que seja dirigido à construção
da saúde pelas pessoas é um trabalho onde o
enfermeiro pode e deve estar.
Ser enfermeiro é…
… ser uma pessoa que cuida de pessoas.
28
É uma definição muito genérica. Uma
mãe ou um pai também cuida dos
filhos.
Mas é diferente. O cuidado de Enfermagem
é um cuidado profissional, que não tem só a
vertente do afecto, da intuição, daquilo que
o cidadão comum faz ao cuidar. O cuidado
profissional de Enfermagem implica um dever.
É encontro (implica relação) entre pessoas
(enfermeiro e utilizador dos cuidados), numa
transacção intersubjectiva (inerente à finalidade do cuidado) que acontece num tempo e
num espaço (cuja percepção é determinada
pelo enfermeiro e pelo utilizador) e que tem
uma finalidade determinada (bem-estar e
actualização) e como entidade finalizante da
acção, o bem-estar. Esse dever traz consigo
a apreensão cognitiva de um conjunto de
competências para cuidar. É isto que distingue
o ser profissional do leigo. Os enfermeiros são
formados sobre os aspectos técnicos, científicos
e relacionais, isto é, aquilo que é preciso fazer
para que as pessoas se curem, permaneçam
saudáveis ou recuperem a capacidade possível
da sua autonomia.
O cuidar é uma ciência?
Cuidar é um misto de ciência e de arte.
O enfermeiro tanto sabe cuidar das pessoas,
porque aprendeu a dar injecções, a posicionar,
a pôr soros, transfusões, a entubar, algaliar, a
fazer coisas complexas como instrumentar
num bloco operatório onde os gestos são
altamente técnicos, a mexer em máquinas
complexas, a trabalhar no seu dia a dia numa
unidade altamente sofisticada em termos
de engenharia biomédica, como, ao mesmo
tempo, também aprendeu a relação de ajuda,
a criar empatia… são as duas faces da mesma
moeda. O enfermeiro aprendeu como se
relacionar e lidar com pessoas em situações de
saúde específicas.
Um exemplo.
Cuidar pessoas com toxicodependência e/
ou pessoas com SIDA, pessoas que normalmente têm mais dificuldade em vir ao sistema
de cuidados de saúde. O enfermeiro é preparado para tornar apelativo o cuidado de saúde
e atrair estas pessoas para que elas gostem de
vir ao sistema e de ser cuidadas. A sua linguagem é percebida pelas pessoas. O importante
na Enfermagem é saber que o todo de ser
enfermeiro não é só técnico nem só o aspecto humano, é a inclusão dos dois. Qualquer
pessoa é capaz de aprender tecnicamente a
fazer coisas sofisticadas.Aquilo que interessa no
cuidado de Enfermagem é que o enfermeiro
tenha um conjunto de competências que lhe
permitam realizar a acção técnica, estando ao
lado, sabendo lidar com, sabendo estar, sabendo entender pessoas nas suas necessidades de
cuidados, realizando os cuidados e criando as
condições para que o cuidado aconteça. O
enfermeiro aprende e apreende técnicas para
estar em situação profissional. Na verdade é
isto que o distingue de uma intervenção de
senso comum.
São os enfermeiros que convivem
diariamente com os doentes. Embora
os médicos façam as prescrições e
ainda sejam vistos, por vezes, como
deuses, os enfermeiros cada vez mais
assumem um papel global na área da
saúde.
Hoje não podemos pensar em profissões
isoladas. Michel Rocard diz que as profissões
que vão vingar no século XXI são aquelas que
entenderem a interdisciplinaridade,aquelas que
no campo interdisciplinar souberem interagir
e ser eficazes em função das necessidades do
cliente. O fundamental é que a pessoa tenha
os cuidados devidos, uma parte da responsabilidade dos médicos, outra da assistente social,
do psicólogo, do terapeuta, do enfermeiro.
Durante algum tempo, e mesmo actualmente, tem-se investigado sobre o tribalismo das
profissões… e termos como a «balcanização
do conhecimento» tiveram o seu tempo. Hoje,
na era da globalização, quem tem de estar no
centro não é o profissional, é o doente, é a
pessoa, saudável ou não. A pessoa é, tem de ser,
o centro e alvo da atenção.
A Enfermagem é a
arte e a ciência de
cuidar de pessoas.
Actualmente, o
enfermeiro é um
profissional altamente
qualificado, com a
qualificação dirigida
para a área de cuidar
pessoas. O seu
atributo profissional
inclui aspectos
técnicos e humanos
e orienta todo o
trabalho que faz
para que as pessoas
os integrem na sua
saúde. Tudo aquilo
que seja dirigido à
construção da saúde
pelas pessoas é um
trabalho onde o
enfermeiro pode e
deve estar.
Nesse sentido, o diálogo entre
os diferentes profissionais é
fundamental.
Sem dúvida. Por exemplo: um idoso hipertenso. O médico receita a medicação para a
hipertensão. Se a situação da prescrição não
for coadjuvada de um conjunto de competências informativas e demonstrativas que
são transmitidas aquela família e ao doente, a
medicação não vai surtir o mesmo efeito. É
necessário, naturalmente, ensino, demonstração, parceria com o doente e sua família para
que a realidade se altere e o utilizador pense
na sua saúde como um bem. As profissões,
hoje, têm de entender que vivem num todo,
a onde o utilizador tem de ser o centro. São
complementares em função dos objectivos e
necessidades dos utilizadores.
Trabalhar para um fim comum.
Sim. Se disser a um idoso que seria bom
que fizesse determinada alteração nos seus
hábitos de vida, mas não lhe transferir o
conjunto das competências para ele perceber e aderir ao cuidado que lhe é prescrito,
é evidente que não o coloco no centro dos
cuidados. O facto de o doente não ter acesso
a mecanismos motivacionais sobre a sua saúde,
torna-o menos aderente aos cuidados de
saúde; o resultado é menos saúde nas pessoas. É
necessário transferir poder para as pessoas, não
um poder cognitivo, mas um poder de saber
como lidar com as situações, o que lhes potencia a autonomia e decisão. Se pensarmos no
enorme poder (e saber…) que hoje os media
desenvolvem nos cidadãos damo-nos conta do
enorme potencial que podemos mobilizar na
saúde das pessoas por esta via.
29
30
Será preciso mudar muitas
mentalidades em saúde?
Sim. O ensino que se faz é sobretudo
informativo. Até se leva um filme, fazem-se
cartazes... Mas se não criarmos comunidades
dinâmicas para intervir na saúde e que actuem
em termos globais… será difícil sermos bem
sucedidos. Exemplifico: podemos ensinar o
padrão alimentar correcto a um hipertenso
mas se não houver intervenção sobre as quantidades de sal que se devem colocar, que tipo
de ervas se podem usar para substituir o sal, e
se isto lhes for comprovado por actos, tendo
ainda como interlocutores o familiar cuidador,
a pessoa entende e adere melhor. Assim as
pessoas aprendem a fazer alguma coisa por si e
terão melhor saúde.
No ensino a futuros enfermeiros
haveria de existir este processo de
educar. Ele existe?
É muito mais útil mobilizar os estudantes em
torno da construção do conhecimento do que
transferir conhecimentos através de situações
que os livros descrevem e que eles esquecem
rapidamente; os estudantes de enfermagem, tal
como os outros, aprendem melhor com situações vivenciadas, que na prática observaram
e com as quais vão trabalhar. A transmissão
de livros atrás de livros, fotocópias, slides uns
após os outros, embora possa ser útil, carece
de estar centrado e de ser significativo para o
estudante. Sabemos que hoje a informação,
com os meios informáticos, com as bases de
dados, é incontornável, está ao dispor de todos.
A análise que faço sobre a situação do ensino
de enfermagem é positiva: o ensino é realizado em contextos de prática num mínimo
de 50%. Urge contudo aprofundar os modos
de trabalho pedagógico baseando-os mais na
análise e menos na transmissão; estabelecendo
com o estudante uma relação personalizada e
educativa, racional e construtiva, orientadora e
simultaneamente libertadora; aprender a gostar
e a saber cuidar passa por aqui.
E o enfermeiro terá sempre um papel
de destaque para que a pessoa seja o
centro dos cuidados.
A questão do papel de destaque, a meu
ver, deve fazer-se com base em critérios de
competência e não do perfil profissional. Será
um passo importante para a evolução das
profissões, para os cuidados aos utentes e para a
Enfermagem de um modo particular. Há países
onde a direcção dos serviços é da responsabilidade dos enfermeiros; é um caminho. Defendo
mais o caminho da interdisciplinaridade, da
competência, da transparência de princípios e
da participação dos cidadãos.
E em Portugal como estão as coisas?
Temos assistido a alguma turbulência social
no que se refere à organização da rede dos
serviços de saúde. Foram as maternidades,
as urgências, outras se seguirão. Assistimos
à reorganização da rede de cuidados com
alguma expectativa. Sou investigadora sobre
os cuidados aos idosos. O país começou
agora a dar-se conta que tem uma população
idosa imensa, com tendência para aumentar
rapidamente e que precisa de cuidados específicos. A sociedade, os políticos, dão-se conta
da necessidade de reorganização em função
da alteração profunda que está a acontecer:
falta de emprego para os jovens, inactividade
pensionada muito precoce, descontentamento
social, pensões de reformados idosos muito
baixas, grande aumento do número de pobres
e rápido aumento de um reduzido número
de ricos. A reorganização da rede de cuidados,
nem sempre bem compreendida, se algum
defeito tem é o de chegar tarde: o desenvolvimento das unidades de cuidados continuados,
das unidades de convalescença, das unidades
de saúde familiares, todo um conjunto de
respostas que começam a surgir; o país começa
a organizar-se com alguns anos de atraso, mas
ainda bem que está a acontecer.
Creio, designadamente para os idosos, que
urge racionalizar a oferta de serviços de qualidade em função do perfil social dos mais velhos.
É urgente encontrar respostas adequadas, que,
a meu ver, não passam pela proliferação de
lares ou de nova cosmética para recriar os
asilos; devem antes ser contextualizadas às suas
comunidades de pertença.A resposta não pode
ser de engenharia, de construção de lares, de
unidades de acantonamento dos mais velhos.
Cada vez haverá mais pessoas com idade
superior a 80 anos, válidas e que não estão
em condições de ir para um lar. Onde estão
as residências supervisionadas onde as pessoas
idosas possam ter o seu quarto, a sua cozinha
e possam conviver com outras pessoas? Onde
possam exercer o autocuidado e manter o
nível desejado de relações sociais? Isto é que é
ter a pessoa no centro dos cuidados.
Era indispensável que isto
acontecesse?
A sociedade tem de se organizar de outra
forma para pensar os grandes desafios que tem
pela frente em termos de saúde, porque a saúde
hoje tem novos problemas.As doenças do foro
imunitário, o caso da tuberculose por exemplo,
colocam desafios e carecem da construção de
respostas. Muitos dos novos problemas surgem
por termos uma sociedade pobre e com
desequilíbrios sociais enormes. A enfermagem não se pode ver isolada do conjunto das
situações sociais e de saúde. Preocupam-nos
os problemas inerentes a uma sociedade com
uma população velha, pobre e onde existem
diferenças acentuadas entre quem tem muito
e quem tem muito pouco ou quase nada. Isto
preocupa as profissões de saúde, pois significa
que existem franjas da população com dificuldade de acesso à saúde. A reorganização que
se está a introduzir a nível da rede de cuidados
é interessante. Não dará frutos a curto prazo,
mas vai-se sentir os seus efeitos dentro de
algum tempo.
Um trabalho nacional e local que
urge realizar.
Começa a tomar algum corpo a ideia de
fazer alguma transferência de poderes para as
autarquias na área da saúde. Quem conhece
a população da terra? As pessoas que lá estão.
São essas que podem organizar grupos, que
conhecem os locais, é preciso organizar OTL
para os adultos e idosos, não só para as crianças.
É necessário ajudar os nossos idosos a continuarem a ser felizes, a ocuparem-se com coisas
válidas, coisas que os animem e ajudem a lutar
31
Aquilo que interessa no
cuidado de Enfermagem é
que o enfermeiro tenha um
conjunto de competências
que lhe permitam realizar a
acção técnica, estando ao
lado, sabendo lidar com,
sabendo estar, sabendo
entender pessoas nas suas
necessidades de cuidados,
realizando os cuidados e
criando as condições para
que o cuidado aconteça.
32
contra e a prevenir doenças de que ouvimos
falar diariamente. Retardar os efeitos nocivos
do envelhecimento é um objectivo a perseguir; ganhar este desafio passa pela organização
activa dos grupos sociais.
locais, com as comunidades de aldeia, de bairro, de rua, de prédio. É o espaço de liberdade,
de esforço e de solidariedade de cada um de
nós que está em causa e a quem é colocado
o desafio.
É aqui que a enfermagem terá de
dar uma resposta concreta, propor
soluções?
Como todas as profissões de saúde.Temos de
ajudar e transferir para os cidadãos a capacidade de fazer coisas, coisas simples que se fazem
com uma população que se mantém activa e
empenhada relativamente aos seus. É necessário haver uma rede de vizinhança que se mova
para que a pessoa tenha as suas necessidades de
alimentação, de higiene, de conforto, satisfeitas
com dignidade. É preciso que se organizem
redes, que muitas vezes começam por alguma
boa vontade das pessoas, mas que se vão profissionalizando. E que vão tendo cada vez mais
uma matriz de natureza cognitiva e profissional
que introduz segurança.A sociedade tem de se
organizar por causa da mudança demográfica.
Não podemos continuar a pensar que estamos
todos muito saudáveis e que estamos todos
bem. Não estamos. A inactividade dos idosos
conduz a patologias que vão pesar muito na
sociedade. Claro que muitas decisões estão
ligadas à política e aos políticos, mas muitas
delas estão relacionadas com as comunidades
É preciso agir, criar…
Michel Rocard diz que as profissões que
vingarão no futuro serão aquelas que forem
capazes do melhor, da melhor forma e ao
menor custo. Não podemos defender os lóbis
profissionais. Se há lóbi que seja o do utilizador. Mas isto não se passa só com os velhos.
Portugal tem uma população imigrante
numericamente assinalável e que se tornou
população residente temporária ou definitivamente. As respostas equacionadas pelo sistema
de saúde têm de ser pensadas também em
função da multiculturalidade. Daqui a 20 anos
o enfermeiro português conviverá lado a lado
não só com o espanhol, mas também com o
romeno, o búlgaro e (quem sabe?) o indiano,
o iraniano...Também o português viajará para
outras paragens. Gerir a saúde das pessoas não
pode passar por lóbis profissionais, sejam de
enfermeiros, de médicos ou outros.
E a Enfermagem segue esse caminho?
A enfermagem tem trilhado um caminho
sólido. Tem desenvolvido cuidados de proximidade com os cidadãos, o que me parece a
É necessário ajudar os nossos idosos a
continuarem a ser felizes a ocuparem–se
com coisas válidas, coisas que os
animem e ajudem a lutar contra e a
prevenir doenças de que ouvimos falar
diariamente. Retardar os efeitos nocivos
do envelhecimento é um objectivo a
perseguir; ganhar este desafio passa pela
organização activa dos grupos sociais.
porta mais interessante para as pessoas. Para
além de trilhar o caminho de proximidade do
cidadão, trilha o caminho de centrar o cuidado no cidadão. Não há trabalhos isolados, são
integrados. A enfermagem denota o conjunto
de dificuldades que o país atravessa.
O ideal futuro para a Enfermagem
é este caminho de procura e ajuda
directa aos cidadãos?
Sim, mas também um caminho organizativo
no qual o papel da Ordem dos Enfermeiros é
importante. A enfermagem tem de continuar
a organizar-se no sentido de dar respostas
consistentes e bem sustentadas aos cidadãos. O
desenvolvimento da profissão passa pelo aprofundamento científico, pelo enraizamento de
práticas de excelência que vão ao encontro
dos problemas e necessidades de saúde dos
cidadãos, mas simultaneamente permitem
a ancoragem científica triangulada; além de
que continuar a investir no conhecimento
sobre as vivências das pessoas, perceber como
se constrói a satisfação dos utilizadores para
os cuidados, evoluir no conhecimento dos
modos como as pessoas e as famílias lidam
com determinadas situações para construir
evidência científica e dar as respostas mais
adequadas, são outros aspectos a ter em conta.
A sustentabilidade do conhecimento e a
sua proximidade estratégica dos utilizadores
são fundamentais; a sua operacionalização
também, tanto a nível hospitalar como a nível
da comunidade. As grandes mudanças estão a
passar-se nestes dois campos.
E caminham no bom sentido?
Enfim… como a saúde: caminham. Penso
que há um longo caminho a percorrer. O
cidadão tem o direito a receber cuidados integrados. O processo será evolutivo e, embora
tardiamente, creio que se estão a dar os passos
adequados. Os enfermeiros têm um papel
importante no sistema de saúde porque todo
o trabalho está ligado a um trabalho de equipa.
Têm uma posição privilegiada no sistema de
saúde, uma posição próxima dos utilizadores.
Apesar de existir um longo caminho a fazer,
creio que estamos no bom caminho: o das
respostas mais condizentes com a natureza
dos cuidados humanos destinados a manter
e a desenvolver, nas pessoas, saúde e bemestar, capacitando os indivíduos, famílias ou
comunidades com competências e serviços
personalizados, favorecedores ao desenvolvimento de condições favoráveis de vida e/ou
de morte.
Os cursos respondem a estes
percursos que são fundamentais?
Creio que sim, embora as formas de acesso
à profissão sejam muito despersonalizadas, tal
33
34
como acontece em todo o ensino superior
público. Creio que as profissões de saúde justificariam um acesso mais adequado ao munus
profissional. Justificava-se que um candidato a
enfermeiro ou a outra profissão da saúde tivesse algum tempo em preparação, tipo estágio,
algum tempo de proximidade com as situações
de saúde, não propriamente as situações técnicas, mas situações de cuidados, de modo a que
percepcionassem a realidade, o que anteciparia
o confronto com uma realidade inesperada.
A actual formação é adequada aos
novos tempos, às mudanças?
A formação inicial, os 4 anos de licenciatura,
tem vindo a dar uma boa resposta em termos
das necessidades do desenvolvimento do curso
de Enfermagem. O desenrolar do curso, na
maior parte das escolas, tem uma estruturação
em torno quer dos cuidados hospitalares quer
dos cuidados de saúde primários, uns mais
virados para a pessoa em situação de doença,
outros mais virados para a situação da pessoa
saudável mas a exigir cuidados para que não
adoeça e se mantenha saudável. A questão do
desenvolvimento do saber especializado em
Enfermagem parece-me outra das áreas em
que é fundamental seriedade no processo de
construção. Faz sentido pensar que o desenvolvimento das especialidades de Enfermagem
possa estar agregado à existência de cursos
A investigação vai continuar
a investir em áreas
diversificadas muito de
acordo com os contextos
sociais e fenómenos com
eles relacionados, mas é
provável que seja dada
prioridade à questão dos
fenómenos demográficos
e migratórios, às questões
culturais e adaptativas do
ser humano. O contexto de
cuidados é o palco onde
os desenvolvimentos de
cuidados e teorias devem
ser experimentados. É
importante que estas
investigações que geram
conhecimento não fiquem
circunscritas às prateleiras
das universidades.
de mestrado profissionalizante, isto é, que o
enfermeiro possa desenvolver e aprofundar
perícias especializadas que estejam alicerçadas
em processos cognitivos e de investigação e se
dirijam a situações complexas dos cuidados e
da saúde das pessoas.
Bolonha muda a Enfermagem?
Não creio que mude; poderá constranger
os desenvolvimentos que se venham a fazer…
mas a enfermagem, como profissão, tem uma
identidade própria. Não há uma posição política sobre o assunto; há um decreto-lei que
define as balizas dos vários graus e… as coisas
têm sido deixadas correr. Provavelmente haverá desenvolvimentos interessantes… É preciso
entender Bolonha para que não se transforme
num fim em si… urge pensar o ensino com
uma maior intervenção dos estudantes; a sua
actividade é fundamental. Bolonha a nível do
trabalho dos professores do ensino superior
é uma revolução. A diminuição das horas
de contacto com os estudantes significa o
aumento qualitativo dessas mesmas horas de
contacto e, simultaneamente, o trabalho mais
personalizado no sentido do desenvolvimento
de competências dos estudantes, uma vez que
o ensino é centrado no seu projecto: de aprendizagem, de formação, de profissão.
O aluno tem de ser cuidado pelo
professor como cuidará, futuramente,
pessoas.
O fundamental é que a formação seja correcta, centrada no estudante para que ele aprenda
a experiência de ser cuidado. É aqui que está
o segredo da profissão de Enfermagem. Sendo
Enfermagem uma profissão de cuidar, o estudante deve ser o primeiro que se sente cuidado
pelos professores, pelos tutores e supervisores.
É aqui que está um campo experimental de
desenvolvimento que o estudante exercitará,
para depois o transferir para o cidadão, com
o qual ele também vai continuar a aprender
a cuidar. Não se pode continuar a ensinar
cuidados de enfermagem como se ensina
matemática, em salas de aulas com 50, 80, 100
alunos. Sei que a pressão económica é muito
grande mas as profissões de cuidar têm de
fazer um percurso no sentido mais interrogativo e apropriativo das suas próprias práticas.
A capacidade e competência para ajudar as
pessoas a serem mais saudáveis também se faz
nos bancos da escola. Porque o estudante, se
se sentiu cuidado, se se sentiu ajudado a ser
saudável, se sentiu as disciplinas interligadas
entre si para ele perceber o conjunto de cuidados que deve dar a nível da cura às pessoas,
se viu a integração, será um profissional mais
humano e cientificamente completo. Creio
que Bolonha, também a nível metodológico,
irá dar os seus frutos, assim o contexto docente
permaneça aberto à mudança.
35
36
A nível futuro, na enfermagem, que
áreas de investigação?
Processos familiares, as questões das parcerias
nos cuidados, as questões dos cuidados aos mais
velhos, processos de envelhecimento, vivências
do ser idoso, como lidar com os idosos sós, a
questão dos cuidadores homens, construção do
papel profissional, empowerment dos utilizadores,
genética e enfermagem. Estou convencida de
que o desenvolvimento dos cuidados de enfermagem se vai continuar a fazer muito pela via
da pesquisa de natureza compreensiva e construtivista. Ao mesmo tempo, a Enfermagem
carece de desenvolver estudos de natureza
experimental e quase-experimental, longitudinal e muita investigação comprovativa do real
papel dos enfermeiros nos ganhos em saúde e
na construção de respostas mais saudáveis pelos
cidadãos.A investigação vai continuar a investir
em áreas diversificadas muito de acordo com
os contextos sociais e fenómenos com eles
relacionados, mas é provável que seja dada
prioridade à questão dos fenómenos demográficos e migratórios, às questões culturais
e adaptativas do ser humano. O contexto de
cuidados é o palco onde os desenvolvimentos
de cuidados e teorias devem ser experimentados. É importante que estas investigações que
geram conhecimento não fiquem circunscritas
às prateleiras das universidades.
Que palavras dizer a enfermeiros?
Solidariedade, altruísmo, conhecimento,
risco, empenho, sabedoria, gosto, saber, alma.
Capacidade de ajudar as pessoas, famílias e
comunidades a serem mais competentes no
cuidado da sua saúde no dia-a-dia.Competentes
para se curarem, autocuidarem, prevenirem
doenças, para que os filhos nasçam saudáveis.
Se há algum segredo na enfermagem este devia
terminar no infinito: ajudar, capacitar, curar,
melhorar, acompanhar, ajudar, desenvolver… e
quando os meios não permitirem a continuidade da vida: permanecer!
38
Raquel Brito
Teresa Almeida Santos
Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e Reprodução Humana dos
Hospitais da Universidade de Coimbra
João Ramalho-Santos
Departamento de Zoologia e Centro de Neurociências e Biologia Celular da
Universidade de Coimbra. Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e
Reprodução Humana dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Criopreservação
de ovócitos e tecido ovárico:
Implicações para a fertilidade
1. Introdução teórica
Os ovários são órgãos pares, situados um
de cada lado do útero, tendo uma forma oval
achatada, com 3 a 5 cm na sua maior dimensão. É neles que se processa a ovogénese. Os
ovários têm também uma função endócrina,
produzindo estrogénios e progesterona que
sincronizam a actividade do tracto genital e da
glândula mamária com o ciclo ovulatório.
No ovário identifica-se uma zona periférica
designada córtex e uma central denominada
medula. No córtex há numerosos folículos
em diversos estádios de desenvolvimento, bem
como folículos pós-ovulatórios, chamados
corpus luteum e corpus albicans (o segundo
forma-se por regressão do primeiro) (Fig.1).
Figura 1
Esquema do ovário humano mostrando os diferentes estádios
do desenvolvimento do ovócito. 1-Folículos primordiais;
2-Folículos primários; 3-Folículos antrais; 4-Folículo
Maduro; 5-Ovulação; 6-Corpus luteum; 7-Corpus albicans.
39
40
No ovário de uma mulher jovem os folículos primordiais são os mais numerosos,
constituindo a população a partir da qual
uma coorte inicia o processo de maturação.
O folículo primordial é composto por um
ovócito primário envolvido por uma camada
de células foliculares achatadas. O ovócito
primário tem, aproximadamente, 25μm de
diâmetro, apresentando um núcleo volumoso
e um citoplasma relativamente reduzido em
relação ao volume total da célula.
Quando estimulado pelas hormonas hipofisárias o folículo primordial aumenta de
volume e transforma-se num folículo primário.
Neste, o ovócito já tem maiores dimensões e
as células foliculares aumentam o seu tamanho
e número originando as células da granulosa,
algumas das quais acompanham o ovócito
após a ovulação, formando o cumulus oophorus
(cúmulo). Entre o ovócito e as células foliculares desenvolve-se uma camada protectora
de natureza glicoproteica denominada zona
pelúcida. Os folículos primários desenvolvemse e originam os folículos secundários, que se
encontram localizados mais profundamente
no córtex ovárico.
O córtex de um ovário humano apresenta
um número finito de células germinativas
primordiais, número este que vai decrescendo
ao longo da vida da mulher, como consequência das ovulações e atrésia (Fig.2). No
momento do nascimento, o número de
ovócitos primários é de cerca de dois milhões,
tendo a população de células germinativas
atingido um máximo de sete milhões a meio
da gestação. Por altura da menarca existem
apenas 300.000 folículos (Lobo, 2003).
Figura 2
Zona cortical do ovário humano. Folículos primordiais
(F); Epitélio germinativo (Ep) e Túnica albugínea (Ta).
(Gonçalves e Bairos, 2006).
A “perda “ de folículos aumenta consideravelmente por volta dos 37,5 anos, existindo,
nessa altura, cerca de 1000 folículos. Inicia-se,
É absolutamente necessário discutir com os doentes
oncológicos as opções disponíveis em termos de fertilidade
e de possibilidades reprodutivas futuras. Esta realidade é
particularmente importante nas mulheres jovens com cancro da
mama, antes de proceder a quimioterapia.
então, um decréscimo da função endócrina,
começando a mulher a entrar no climatério
(Faddy et al., 1992). Associado a este processo
ocorre também uma redução da qualidade
ovocitária que poderá estar associada a uma
disfunção mitocondrial (Almeida Santos,
2003). A data exacta da menopausa é determinada, quer pela quantidade inicial de células
germinativas quer pela sua depleção ao longo
da vida. No mundo ocidental a idade média
em que ocorre a menopausa situa-se nos 51
anos (Faddy et al.,1992).
Nas mulheres submetidas a tratamentos de
quimioterapia e/ou radioterapia por doença neoplásica pode surgir uma menopausa
precoce, dado que estes tratamentos afectam
as células em divisão, comprometendo assim
a gametogénese, e mesmo a função endócrina do ovário. Este efeito gonadotóxico tem
particular importância na medida em que a
sobrevida das mulheres após estas terapêuticas
ter tido um aumento significativo nos últimos
anos, particularmente nas pacientes mais jovens
(Boring et al., 1994). Usando um modelo
matemático estima-se que uma redução de
90% da população de células germinativas, que
ocorra por volta dos 14 anos, origine falência
ovárica precoce permanente (menopausa)
por volta dos 27 anos de idade (Faddy et al.,
1992).
A criopreservação de espermatozóides é
uma realidade actualmente e não envolve
tecnologias muito complexas. Mas a preservação de gâmetas femininos implica grandes
dificuldades de índole diversa, nomeadamente
na sua obtenção e na conservação a longo
prazo. É absolutamente necessário discutir com os doentes oncológicos as opções
disponíveis em termos de fertilidade e de
possibilidades reprodutivas futuras. Esta
realidade é particularmente importante nas
mulheres jovens com cancro da mama, antes
de proceder a quimioterapia. Acresce que se
verifica em todo o mundo desenvolvido uma
tendência generalizada para adiar o casamento
e protelar a primeira gravidez, o que torna esta
situação mais premente já que, se não forem
tomadas medidas para preservar a fertilidade
antes de iniciar o tratamento, a lesão ovárica e
a subsequente menopausa prematura poderão
impedir uma gravidez no futuro.
41
42
1.1. Estratégias para a preservação da
fertilidade
Existem actualmente três métodos possíveis
para a preservação da fertilidade nas pacientes
portadoras de neoplasias em risco de falência
ovárica permanente: 1) Criopreservação de
embriões; 2) Criopreservação de ovócitos; 3)
Criopreservação de tecido ovárico.
O processo de criopreservação requer,
primeiramente, a escolha do crioprotector
ideal em consonância com um protocolo de
congelação e descongelação adaptados às células que se pretendem criopreservar. No caso
dos gâmetas femininos, a maior problemática
reside na formação de cristais de gelo intracelular originando lesões que podem levar à
lise da célula. Outra dificuldade é a questão
da toxicidade dos crioprotectores utilizados
e, consequentemente, o tempo de exposição
das células aos mesmos. Alguns dos crioprotectores mais utilizados incluem propileno
glicol/propanodiol (PROH), dimetilsufóxido
(DMSO), glicerol, etileno-glicol e sacarose,
utilizando-se por vezes combinações de várias
substâncias.
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1.1.1. Criopreservação de embriões
No trabalho de rotina de um laboratório de biologia da reprodução é
difícil prever e controlar a resposta de uma paciente à estimulação ovárica.
Existe o “mito” de que quanto maior o número de embriões transferidos,
maior a taxa de gravidez, esquecendo-se, por vezes, o risco materno e
fetal associado às gravidezes múltiplas. Foram por isto impostos limites
legais ao número de embriões a transferir por ciclo de estimulação em
muitos países. Ao possibilitar a manutenção de embriões congelados,
permite-se que sejam realizadas transferências de embriões sem recorrer a
nova estimulação hormonal com gonadotrofinas. Em 1985 foi descrito o
primeiro caso, na espécie humana, de um nascimento após transferência de
embriões congelados (Mohr e Trounson, 1985). Actualmente esta técnica
encontra-se amplamente difundida e com elevadas taxas de sucesso.
As pacientes portadoras de doenças oncológicas podem recorrer à
estimulação ovárica e à punção folicular e posterior inseminação por
fertilização in vitro (FIV) ou por microinjecção de espematozóides (ICSI)
antes de iniciar a terapêutica ou durante um intervalo nos tratamentos
(Brown et al., 1996). Infelizmente esta técnica não é aplicável a todas as
doentes com cancro sendo, por exemplo, inadequada em raparigas antes
da puberdade e pouco aceitável para mulheres solteiras que não desejem o
uso de esperma de um dador. Para além disto, todo o processo de estimulação hormonal pode necessitar de, aproximadamente, 6 semanas, podendo
representar um atraso considerável nos tratamento oncológicos. Há ainda
o caso de doentes com tumores estrogeno-sensíveis (ex: cancro da mama)
para as quais a exposição a elevados níveis de estrogénios pode ter um
efeito negativo.
Quando lidamos com doentes com cancro, o armazenamento de
embriões congelados cria também alguns problemas éticos e legais específicos. Nomeadamente, se ocorrer a morte de uma mulher que tenha
previamente congelado embriões, teremos “embriões-orfãos”.
44
1.1.2. Criopreservação de Ovócitos
A criopreservação de ovócitos é, teoricamente, uma alternativa interessante ao
congelamento de embriões. No entanto, apesar
de os resultados terem sido bastante animadores
em animais (Whittingham, 1977; Fuku et al.,
1992) o processo de congelação de ovócitos
humanos tem-se revelado pouco eficaz, e até
mesmo frustrante. As taxas de sobrevivência e
fecundação pós-descongelação descritas, são
muito variáveis apresentando valores desde
25 a 69% (Trounson, 1986; Gook et al.,1993),
por outro lado, tal como na criopreservação
de embriões, também é requerida estimulação
hormonal dos ovários.
A criopreservação de ovócitos maduros é,
teoricamente, uma técnica bastante exigente
– curiosamente muito mais exigente do que
em embriões – uma vez que estas células são
muito sensíveis a alterações de temperatura
e apresentam dificuldades na capacidade de
recuperação de lesões citoplasmáticas (Baka et
al., 1995 e Pickering et al., 1990). Os ovócitos
humanos podem ser criopreservados no estadio de Metafase II ou emVesícula Germinativa
(Profase I).
No trabalho de rotina de um
laboratório de biologia da
reprodução é difícil prever
e controlar a resposta de
uma paciente à estimulação
ovárica. Existe o “mito” de
que quanto maior o número
de embriões transferidos,
maior a taxa de gravidez,
esquecendo-se, por vezes,
o risco materno e fetal
associado às gravidezes
múltiplas. Foram por isto
impostos limites legais
ao número de embriões
a transferir por ciclo de
estimulação em muitos países.
A
B
Figura 3
Ovócitos humanos maduros (Metafase II). A) Ovócito
rodeado pelas células do cumulus; B) Ovócito depois de
desnudado com a zona pellucida e o globo polar, no espaço
perivitelínico, bem visíveis.
1.1.2.1. Ovócitos maduros
(Metafase II)
Os ovócito maduros encontram-se em
metafase II. Nesta fase, a célula encontra-se
altamente organizada, com zona pelúcida, fuso
acromático e grânulos corticais (Fig.3).
Qualquer dano que possa ocorrer em alguma destas estruturas poderá produzir efeitos
negativos na viabilidade e funcionalidade após
a descongelação. Na metafase II os cromossomas do ovócito encontram-se alinhados ao
longo dos microtúbulos do fuso acromático,
que são sensíveis à temperatura e às soluções
crioprotectoras. Os microtúbulos são responsáveis pela separação dos cromatídeos irmãos
que ocorre na 2ª fase da meiose. Logo, qualquer
alteração nestas estruturas pode levar a processos de não-disjunção e, consequentemente, a
um risco aumentado de poliploidias ou aneuploidias (Al-Hasani et al., 1987; Bos-Mikich e
Whitttingham, 1995).
A criopreservação de ovócitos maduros
apresenta-se como uma opção bastante atractiva no campo da Reprodução Medicamente
Assistida. No entanto, as taxas de viabilidade e
fertilização pós-congelação são bastante variáveis, assim como as gravidezes documentadas
(Borini et al., 2004; Borini et al., 2006; Levi
Setti et al., 2006).
Estes resultados poderão estar intimamente
relacionados com as lesões resultantes dos
processos de congelação/descongelação,
dada a elevada sensibilidade destas células. As
principais alterações associadas à congelação/
descongelação podem afectar diferentes sistemas celulares sendo exemplos as rupturas na
membrana citoplasmática do ovócito, alterações na configuração do fuso acromático e,
consequentemente, alterações nos cromossomas (Shaw et al., 2000).
As variações nas taxas de sobrevivência dos
ovócitos descongelados estão relacionadas
com factores morfológicos e biofísicos. O
principal factor biofísico que afecta a taxa de
sobrevivência pós-congelação é a formação
de gelo intra-celular que pode levar à lise da
célula (Fabbri et al., 2001). Por outro lado, a
presença do cumulus oophorus parece desempenhar um papel muito importante na protecção
do ovócito contra os efeitos adversos dos crioprotectores e da temperatura.
Ultimamente têm sido descritos protocolos
que incluem o uso de elevadas concentrações
de sacarose juntamente com PROH. Os
protocolos mais antigos referenciam concentrações na ordem de 0,1M de sacarose, não
se tendo revelado eficazes no processo de
desidratação do ovócito pré-congelação e,
45
46
consequentemente, originando gelo intracelular. Por outro lado, concentrações mais
elevadas de sacarose (0,3M) parecem ser as
ideais para atingir os níveis de desidratação
que impedem a formação de gelo intracelular
(Coticchio et al., 2006). Com estas concentrações são alcançadas boas taxas elevadas de
sobrevivência pós-congelação (74% vs 35%) e
de fecundação. Ficam no entanto por explicar
as baixas taxas de implantação obtidas (Borini
et al., 2006; Levi Setti et al., 2006).
Figura 4
Ovócito em Profase I. Observe-se a presença da vesícula
germinativa.
Quando lidamos com
doentes com cancro,
o armazenamento de
embriões congelados cria
também alguns problemas
éticos e legais específicos.
Nomeadamente, se ocorrer
a morte de uma mulher que
tenha previamente congelado
embriões, teremos
“embriões-orfãos”.
1.1.2.2. Ovócitos imaturos – vesícula
germinativa
Uma alternativa à congelação de ovócitos
em metafase II parece ser a utilização de ovócitos em fase de vesícula germinativa (VG). Os
ovócitos nesta fase de VG já apresentam o seu
tamanho máximo (Fig.4), no entanto a cromatina encontra-se em diplóteno na Profase I e,
como tal, não existe fuso acromático. Mas, ao
contrário do ovócitos em MII, os ovócitos
colhidos neste estadio requerem um período
de maturação in vitro pós-descongelação, antes
do processo de fecundação (Gosden et al.,
1998).
O processo de maturação in vitro de ovócitos imaturos foi primeiramente descrito em
animais de onde se concluiu que ovócitos
imaturos de coelho removidos do ovário,
apresentavam a capacidade de atingirem
espontaneamente um estado de maturação
in vitro (Pincus e Enzmann, 1935). Já em
1965 foram obtidos resultados semelhantes
na espécie humana (Edwards, 1965). Esta
técnica é muitas vezes utilizada na tentativa
de amadurecimento (“rescue technique”) de
ovócitos imaturos colhidos para fertilização in
vitro (FIV). No entanto, na maioria dos casos
estes ovócitos foram previamente desnudados
(isolados das células da granulosa) para uma
melhor visualização do seu estado de matu-
ração e, consequentemente, são colocados em
cultura sem o seu “invólucro” natural. Vários
estudos revelaram que esta técnica induz a
formação de ovócitos com potencial de fecundação reduzido. Este desenvolvimento leva a
crer que estes ovócitos imaturos terão à partida
alterações do processo de maturação. Isto é,
se mesmo tendo sido submetidos a elevados
níveis exógenos de gonadotrofinas in vivo estas
células não tiveram capacidade de amadurecer,
será então pouco provável que a maturação
ocorra de forma fisiológica in vitro.
A tendência para utilização de ovócitos
imaturos retirados de folículos que não
tenham sofrido qualquer tipo de estimulação
hormonal poderá ser uma alternativa a considerar (Jurema e Nogueira, 2006). No entanto,
os processos de maturação in vitro ainda requerem optimização ao nível da constituição ideal
dos meios de maturação e da melhor técnica
de fecundação a utilizar (Fertilização in vitro vs
Microinjecção de espematozóides). Ou seja, o
uso destas células implica duas incógnitas: uma
relacionada com a congelação em si, a outra
com a maturação.
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Antes da terapia anti-neoplástica
48
Ooforectomia
Estimulação Ovárica
Punção Folicular
Preparação Tecido Ovárico
FIV / ICSI
Criopreservação Embrião
Criopreservação Ovócito
Criopreservação Tecido Ovárico
Depois da terapia anti-neoplástica
Descongelação
Transferência Embrião
FIV / ICSI
Transplante
Autotransplante
Transferência Embrião Heterotópico
FVI / ICSI
Ortotópico
Concepção Natural
ou FIV / ICSI
Transferência Embrião
Figura 5
Estratégias para preservar a fertilidade feminina na sequência de terapia anti-neoplásica
Maturação in vitro
FIV ou ICSI
Transferência Embrião
1.1.3. Criopreservação de Tecido
Ovárico
A criopreservação de tecido do córtex
ovárico parece ser uma aposta bastante
promissora para a preservação da fertilidade da
mulher (Wood et al., 1997), podendo amostras
de tecido do córtex ser colhidas da paciente
em qualquer fase do ciclo menstrual, através
de laparoscopia.
O córtex do ovário alberga uma enorme
quantidade de folículos primordiais que, por
serem pequenos e pouco diferenciados, sem
zona pelúcida e sem células da granulosa,
apresentam uma maior tolerância à criopreservação e posterior descongelação. O tecido
ovárico depois de descongelado deverá repor
a função endócrina e a fertilidade. Desta
forma poderão ser evitados inúmeros problemas éticos e morais.Também é bom notar que
não é necessária estimulação hormonal, nem
o atraso consequente no início da terapêutica
anti-neoplásica (Fig.5).
Existe, no entanto, um risco potencial: a
possibilidade de criopreservar tecido ovárico
com células neoplásicas. É por isso premente
efectuar, por rotina, uma avaliação histológica
dos fragmentos do tecido colhido antes de
realizar a criopreservação.
A criopreservação de tecido ovárico começou por ser realizada em ratinhos, ratazanas e
hamsters (Deanesley, 1954; Green et al., 1956;
Parkes, 1958) e o tecido ovárico, foi agrafado
sob a pele dos animais, após descongelação,
originando gravidezes e descendência. Nestas
circunstâncias o crioprotector utilizado foi o
glicerol. Mais tarde, em carneiros e utilizando
o DMSO como crioprotector, em conjugação
com a técnica de slow-freezing, o transplante do
tecido pós-congelação resultou em actividade
cíclica dos ovários e em gravidezes, estando
documentado o nascimento de um carneiro
vivo (Gosden et al., 1994).
Desde então, têm sido descritos vários casos
de sucesso em diferentes espécies animais,
incluindo um primata não humano, embora
neste caso o implante de tecido tenha sido
feito sem congelação (Lee et al., 2004).
Os primeiros casos descritos de criopreservação de tecido ovárico na espécie humana
remontam ao ano de 1996 (Hovatta et al.,
1996; Newton et al., 1996). Os crioprotectores
utilizados foram,inicialmente,PROH-sacarose
e DMSO.O grupo de Hovatta et al., (1996),
efectuou um estudo comparativo entre o
uso de PROH-sacarose e o DMSO como
crioprotectores com diferentes protocolos
de congelação. Os resultados foram positivos,
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50
aparentando o tecido boa morfologia ao
microscópio óptico não se observando nos
folículos alterações aparentes, tendo permanecido funcionais depois de transplantados em
ratos imunodeprimidos (debaixo da pele ou
da cápsula renal). Não se observaram diferenças significativas entre os dois crioprotectores.
Newton et al., (1996), realizaram um estudo
comparativo entre quatro crioprotectores:
PROH, DMSO, glicerol e etileno-glicol. Os
resultados sugeriram que o etileno-glicol seria
o crioprotector que originou as melhores
taxas de viabilidade dos folículos, sem alterações aparentes, enquanto o glicerol se revelou
muito pouco eficaz. Foram também realizados
estudos comparativos entre as técnicas de slowfreezing e rapid-freezing tendo-se concluído que
a primeira seria a mais eficaz.
Após o descongelamento, o tecido pode ser
recolocado no ovário de origem – transplante
ortotópico, ou ser transplantado, por exemplo,
debaixo da pele – transplante heterotópico.
Existem inúmeros casos descritos de restauração da função ovárica após transplantes
ortotópicos e heterotópicos (Oktay, 2006).
Após o transplante é premente que ocorra
o mais rapidamente possível o processo de
angiogénese para evitar que o tecido entre
em isquémia. Alguns autores defendem
que o transplante heterotópico promove a
neovascularização mais rapidamente do que
o transplante ortotópico podendo no entanto
comprometer a qualidade ovocitária devido às
diferenças na temperatura e no fluxo sanguíneo (Oktay et al., 2004). Após descongelação,
o tecido pode ainda sofrer maturação in vitro,
e proceder-se depois a técnicas de reprodução
medicamente assistida para a obtenção de
embriões viáveis para transferência uterina
(Fig.5).
A criopreservação de tecido ovárico humano parece, assim, ser um método eficaz e
eticamente aceitável da preservação da fertilidade em mulheres que necessitem de ser
submetidas a tratamentos agressivos, susceptíveis de originar uma menopausa precoce. É,
no entanto, prematuro avaliar os verdadeiros
benefícios deste procedimento, uma vez que
ainda só estão descritos alguns casos de gravidez e nascimento pós-transplante de tecido
ovárico criopreservado (Donnez et al., 2004,
Oktay et al., 2006).
A criopreservação de tecido
ovárico e possível transplante
apresenta-se como uma
alternativa promissora para
a preservação da fertilidade
em mulheres com doença
neoplásica. No entanto,
é necessário acautelar
determinadas questões
como sendo a isquémia (por
deficiente neovascularização
do tecido) e o possível risco
de transmissão de células
neoplásicas.
51
1.2. Exposição aos Crioprotectores
A primeira etapa em qualquer protocolo de criopreservação é tentar atingir um
equilíbrio entre as células e o crioprotector.
Todos os crioprotectores apresentam características comuns, nomeadamente o facto de
serem completamente miscíveis em água e a
capacidade de facilmente serem incorporados
pelas membranas celulares (com excepção da
sacarose). Existe uma enorme variedade de
crioprotectores, sendo a sua principal função
proteger as células dos efeitos da exposição ao
frio, estabilizando a estrutura celular e evitando a formação de cristais de gelo, principais
causadores de danos na célula (Mazur, 1963).
O factor que mais influencia a resposta da
célula à congelação é a relação entre a área de
superfície da célula e o volume da mesma. Isto
é, quanto maior a célula, mais lento deve ser
o arrefecimento no processo de congelação
(Tabela I).
52
Comparando os tamanhos e volumes dos
gâmetas humanos vemos que o ovócito tem,
em média, um diâmetro de 120 μm, um volume de 9,05x105 μm3, e uma área de superfície
com 4,5x104 μm2, o que é enorme em comparação com o espermatozóide, que tem 28 μm3
de volume e uma área de superfície de 120μm2
(Gilmore et al., 1997). Consequentemente no
espermatozóide a razão área de superfície/
volume é igual a 4,3 enquanto no ovócito
esta razão passa para, apenas 0,05. Esta é a
justificação para o facto do ovócito requerer
mais tempo para que o equilíbrio osmótico
seja antigido quando entra em contacto com
o crioprotector (Leibo e Bradley, 1999), o que
está na base das dificuldades evidenciadas na
criopreservação dos gâmetas femininos.
Tabela I
Comparação de características que influenciam a criosensibilidade a adequabilidade para o crio-armazenamento,
entre ovócitos em diferente estádios de desenvolvimento.
(Adaptado de Shaw et al.,).
Material
Tecido Ovárico
Disponibilidade
Inúmeros;Sempre
presentes
Obtenção
Fácil (biópsia)
Tamanho (μm)
<50μm
Células Suporte
Poucas; Pequenas
Fase Nuclear
Profase I; Membrana
nuclear
Zona
Não
Grânulos Corticais
Não
Lípidos Intracelulares
Poucos
Taxa Metabólica
Baixa
Superfície/Volume
Alta
Ovócito Imaturo(VG)
Ovócito Maduro(MII)
Escassos; Apenas nos
folículos antrais
Escassos
Punção ovocitária
Punção ovócitária
80-300 μm (depende
espécie)
80-300 μm (depende
espécie)
Muita. Corona/cumulus
Muita. Corona/cumulus
VG: Membrana nuclear
Metafase II; sem membrana nuclear
Sim
Sim
Centrais
Periféricos
Podem ser abundantes
Podem ser abundantes
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
1.3. Directrizes clínicas para a
criopreservação de tecido ovárico
Devido ao crescente interesse que existe na
criopreservação de tecido ovárico, é necessário que sejam traçadas directrizes clínicas de
procedimentos.
Em primeiro lugar, a criopreservação de
tecido ovárico deve ser realizada como procedimento laboratorial, a título experimental
tendo em consideração os aspectos mencionados na RAFT (Regulatory Authority for
Fertility and Tissue). As pacientes devem ser
informadas acerca das opções que existem para
a preservação da sua fertilidade e devem ser
devidamente orientadas e aconselhadas acerca
do aspecto experimental do procedimento em
questão (ASRM, 2005). A Criopreservação
de Tecido ovárico só deverá ser oferecida a
mulheres que estejam em risco perder a sua
fertilidade e que apresentem um prognóstico
favorável pós-terapia oncológica (American
Society of Clinical Oncology - ASCO).
53
1.4. Desafios na criopreservação de
tecido ovárico
A criopreservação de tecido ovárico e
possível transplante apresenta-se como uma
alternativa promissora para a preservação
da fertilidade em mulheres com doença
neoplásica. No entanto, é necessário acautelar
determinadas questões como sendo a isquémia
(por deficiente neovascularização do tecido)
e o possível risco de transmissão de células
neoplásicas.
Referências bibliográficas:
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Maria Júlia Rodrigues
56
Doutoramento em Pedagogia, presidente do Conselho
Científico do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
Introdução
O envelhecimento populacional constitui uma
realidade e um desafio às sociedades modernas. A
sociedade portuguesa, à semelhança de outros países,
vive alterações demográficas com reflexos profundos
no tecido social, familiar, laboral e educativo.
O avanço das ciências, associado à melhoria das
condições de vida, trouxe uma maior esperança de
vida e, consequentemente, um aumento da taxa de
longevidade que, associada a uma menor taxa de
natalidade, tem levado a uma crescente inversão da
pirâmide demográfica pelo aumento das pessoas com
idades superiores a 65 anos. No entanto, não basta
acrescentar anos de vida, é preciso fazer algo mais para
a proporcionar com melhor qualidade.
Percepção da
qualidade de vida dos
idosos maiores de 75
anos no concelho de
Vila Nova de Gaia
Estratégias
educativas para a
mudança
57
Objectivos
- Conhecer a evolução da população idosa
no concelho de Vila Nova de Gaia;
- Identificar os recursos e equipamentos no
concelho de Vila Nova de Gaia;
- Conhecer as percepções dos sujeitos acerca do seu estado sanitário, qualidade de vida e
projectos;
- Conhecer as percepções dos autarcas acerca
do processo de envelhecimento e actividades
programadas para este grupo social;
58
- Propor estratégias de intervenção.
Este estudo parte da hipótese geral de que
com o passar dos anos, sobretudo acima dos 75
anos, os sinais e sintomas de desgaste orgânico
surgem, bem como as perdas afectivas e sociais,
que podem conduzir à maior ou menor perda
de autonomia. Estes factores, associados às
condições sócio-económicas e contextos em
que vivem os idosos, vão influenciar a sua
percepção de qualidade de vida.
Sendo a qualidade de vida relacionada não
só com factores biológicos mas também com
factores de carácter afectivo, social, educativo,
etc., o desenvolvimento de intervenções
de tipo médico, afectivo, social e educativo
fundamentalmente, contribuirá para melhorar
as suas vidas.
O envelhecimento
populacional constitui uma
realidade e um desafio às
sociedades modernas. A
sociedade portuguesa, à
semelhança de outros países,
vive alterações demográficas
com reflexos profundos no
tecido social, familiar, laboral
e educativo.
Estrutura e metodologia
A Parte I apresenta dois capítulos, onde
desenvolvemos um quadro teórico que
sustentou a investigação. A preocupação
principal do capítulo I consistiu na revisão de
um conjunto de temas que nos ajudassem a
enquadrar a temática.Assim, analisamos sumariamente os aspectos demográficos ligados
ao desenvolvimento humano e reflectimos
sobre o processo e teorias de envelhecimento.
Enquadramos a velhice como uma construção social e abordamos as políticas de apoio ao
idoso. No capítulo II analisamos os conceitos
de saúde, qualidade de vida e seus determinantes. A temática da educação e da formação
ao longo da vida foram os temas centrais deste
estudo, reconhecendo-se a urgência de uma
pedagogia promotora de qualidade de vida.
Este capítulo evidenciou os conceitos estruturantes que sustentam o campo de análise.
75 anos, e o grupo constituído pelos autarcas
do concelho para conhecer a rede de apoio
existente e as suas percepções e significados
atribuídos a este grupo social.
A Parte II foi dedicada ao estudo empírico
no concelho de Vila Nova de Gaia, sustentado
nos paradigmas qualitativo e quantitativo, o
que nos permitiu uma reflexão do real e uma
confrontação entre o desejável e o possível,
tendo em vista o encontro de propostas de
intervenção nesta área.
Para além da identificação do idoso, esta
escala permitiu-nos conhecer o seu sistema de
saúde, com quem vivem, a rede de apoio de
que beneficiam, a sua situação de escolaridade,
a profissão e idade em que deixaram o trabalho
remunerado. Permitiu-nos um aprofundamento das suas opiniões ao acrescentar duas
questões abertas acerca das formas de melhorar as suas vidas, bem como os objectivos que
têm e prazos para a sua concretização.
Como contexto de implementação do
estudo elegeu-se o concelho de Vila Nova
de Gaia, onde foram estudados dois grupos:
o dos idosos com idade igual ou superior a
Relativamente ao grupo de idosos, pretendíamos contactar com a realidade desse grupo
social, saber quem são, como estão a viver esta
fase, como ocupam o seu tempo, o que fazem
e o que gostariam de fazer. Foi nossa intenção
avaliar as necessidades do idoso a partir das
suas percepções de bem-estar físico, mental e
social, numa perspectiva de valorização das suas
vivências, experiências de vida e capacidades,
ou seja, na linha do envelhecimento positivo.
Adoptamos o EASY care como instrumento
de avaliação de qualidade de vida por reunir
as dimensões físicas, mentais e sociais e estar
centrado nas capacidades do idoso e não na
doença.
Resultados/conclusões
59
Resultados/conclusões
1
60
- Os idosos da nossa amostra são, numa
maioria esmagadora, utentes do Serviço
Nacional de Saúde; prevalece o sexo feminino;
são idosos com idades compreendidas entre os
75 e os 101 anos; o grupo mais frequente é o
dos idosos dos 75-79 anos. É no seio familiar
que vive a maior parte deles, mas esse número
é ultrapassado pelos idosos que vivem em lares
e que vivem sozinhos. Uma primeira constatação que ressalta destes dados é o facto de
cerca de metade desta população referir não
ter qualquer tipo de apoio. Parte dos idosos da
amostra frequenta o centro de dia e o centro
de convívio e poucos são os que beneficiam
de apoio domiciliário. A maior parte é analfabeta, seguindo-se o grupo dos que concluíram
apenas a 4ª classe, com a idade entre os 11 e
os 14 anos. Relativamente aos dados referentes
ao mundo do trabalho, conclui-se que a maior
parte destes idosos deixou de ter um trabalho
remunerado a partir dos 56 anos. As mulheres
desenvolveram, na sua maioria, actividades de
tipo doméstico e os homens foram maioritariamente operários.
2
- No item incapacidade física, concluímos que a maioria dos idosos ouve bem,
mastiga bem os alimentos e acha que os outros
não têm dificuldade em compreendê-los, no
entanto, apresentam dificuldades ao nível da
visão.
3
- A percepção de qualidade de vida dos
sujeitos da nossa amostra é maioritariamente
avaliada por níveis de saúde razoáveis e fracos,
com ausência ou situações raras de solidão e
consideram ter uma boa habitação.
4
- Relativamente à avaliação da área
funcional, mais de metade da amostra é
completamente incapaz de realizar o trabalho doméstico ou necessita de alguma ajuda,
maioritariamente assegurada pelas instituições
públicas.No parâmetro preparação de refeições,
constatamos que é próxima a percentagem dos
que preparam as refeições e dos que se acham
ser completamente incapazes de o fazer recebendo, na maior parte dos casos, ajuda pública.
Já no que concerne às compras, os idosos são,
em grande número, autónomos; caso contrário,
recorrem à ajuda de familiares. Administrar o
dinheiro é uma das tarefas realizadas sem ajuda
por mais de metade dos nossos inquiridos que,
em casos de necessidade, têm preferencialmente a ajuda de familiares. Usar o telefone
não constitui dificuldade e, se existe, recorrem
maioritariamente à ajuda pública, seguindo-se
a ajuda familiar.Também na toma de medicamentos, a maioria basta-se a si própria, o que
nos merece alguma preocupação, na medida
em que muitos referiram dificuldades de visão.
Também a este nível, é a ajuda pública que
funciona em primeiro lugar.
A saúde é considerada o bem mais precioso e constitui uma
preocupação individual, extensível aos membros da família,
com especial destaque para o cônjuge. Perder a saúde é perder
autonomia, é diminuir ainda mais a capacidade financeira, é
ganhar dependência com todas as suas consequências.
5
- Na avaliação da mobilidade, concluímos que existe uma distribuição aproximada
entre o grupo de idosos que sobe e desce escadas sem ajuda e os que necessitam de alguma
ajuda ou são incapazes de o fazer. Neste caso,
desenvolvem algumas estratégias que assegurem a mobilidade possível na manutenção
da sua própria autonomia e que indicam ser:
o uso de bengalas, agarrar-se às paredes, aos
corrimões, ajudas de colegas de quarto, etc.
Apesar dos aspectos positivos da sua determinação, pensamos ser importante ter presente
os acidentes frequentes neste grupo etário e as
formas da sua prevenção. Além disso, segundo
os discursos dos idosos, existem muitos receios
de quedas e das suas consequências. Deslocarse da cama para a cadeira, usar a sanita ou
cadeira sanitária, usar a banheira ou chuveiro,
são actividades de vida realizadas pela maior
parte dos idosos da amostra.As dificuldades ou
impossibilidades de realização são compensadas pela ajuda pública.
6
- Quanto aos cuidados pessoais, os
idosos, maioritariamente, conseguem tratar da
sua aparência pessoal, vestir-se, alimentar-se e,
se necessário, recorrem preferencialmente à
ajuda pública.
7
- No que diz respeito ao controle esfincteriano, a maioria dos idosos afirma não ter
problemas com a bexiga e com os intestinos.
8
- Ao avaliarmos o estado depressivo dos
idosos, concluímos que a maioria está satisfeita
com a vida que tem, não sente a vida como
um vazio e sente-se feliz a maior parte do
tempo. No entanto, distribuem-se em valores
aproximados os que têm e os que não têm
medo que algo lhes aconteça. Como razões
de medo apontaram: as quedas, o abandono,
as doenças, a solidão e a insegurança na rua.
Os dados obtidos indicam a existência de
situações que merecem uma observação mais
cuidada e uma possível intervenção já que,
cerca de metade da população idosa apresenta,
pelo menos, um ou dois sinais de alerta de
síndroma depressivo.
61
9
62
- No que respeita à avaliação cognitiva,
concluímos que a maior parte dos idosos,
embora localizada no tempo e no espaço,
sentiu dificuldades na realização da tarefa de
memorização. Os resultados finais revelaram
que cerca de um quarto dos idosos realizaram o teste sem qualquer erro, apesar dos
níveis baixos de escolaridade que possuem, e
cerca de metade apresentam testes cognitivos
normais ou com uma diminuição ligeira.
Estes dados confirmam que os idosos desenvolveram estratégias de aprendizagem que os
ajudaram a resolver as situações do dia-a-dia
e que, conforme nos confidenciaram, conseguiram até aprender a ler e a escrever, embora
muito mal.
10
- Os idosos consideram que a melhoria da sua qualidade de vida passa por questões
relacionadas com a saúde, situação financeira,
sentimentos de bem-estar, situações ligadas aos
seus contextos de vida e ocupação de tempos
livres.
11
- A saúde é considerada o bem mais
precioso e constitui uma preocupação individual, extensível aos membros da família, com
especial destaque para o cônjuge. Perder a
saúde é perder autonomia, é diminuir ainda
mais a capacidade financeira, é ganhar dependência com todas as suas consequências.
12
- Os idosos não poupam críticas aos
serviços de saúde e ao seu funcionamento,
bem como às faltas de apoio económico na
doença. As suas fragilidades são, em grande
parte, compensadas pela vivência de uma
religiosidade que lhes confere espírito de resignação, conformismo e desejo de morte como
libertação do sofrimento em que vivem.
13
- A situação financeira da maior parte
dos idosos é muito má e, por isso, emergiram
frequentemente dos seus discursos as dificuldades económicas que se repercutem no
dia-a-dia e nas necessidades mais elementares,
tais como: melhorar a alimentação, comprar
medicamentos e pagar uma hora de vez em
quando para limpar a casa. Ter mais dinheiro
significaria ter uma vida mais digna, ou seja,
melhorar as condições da habitação, dar uns
passeios e ajudar os outros. Também a este
nível pudemos constatar as preocupações dos
idosos com os seus familiares pelos problemas
de desemprego ou emprego precário e consequente falta de dinheiro para poder cumprir
os compromissos assumidos.Apesar dos baixos
rendimentos, são os idosos que, muitas vezes,
estão a ajudar filhos e netos. Talvez por tudo
isto, alguns sentem-se inseguros e receosos de
perder o pouco que recebem e aproveitaram
a oportunidade para tecer algumas críticas ao
sistema político.
14
- A vivência de envelhecimento bem
sucedido foi encontrada num número reduzido de idosos, sendo muito mais visíveis os
desânimos e o desejo de segurança, de companhia, de mais alegria, paz e sossego.
15 - Permanecer na sua casa, sentir-se amado e apoiado pela família, são os requisitos para
o idoso atingir a tão desejada qualidade de vida. Os seus discursos são claros quanto à vontade
de viver em família, especialmente com o cônjuge, filhos e netos. No entanto, são frequentes
as expressões ligadas aos sentimentos que vivem de abandono, de solidão, de desânimo e de
resignação. Por vezes, sentem de tal forma esse abandono que anseiam a entrada no lar para não
aborrecer os outros. A maior parte dos idosos que reside nos lares, mostrou-se contrariado por
lá permanecer e os idosos que estão adaptados não deixaram de referir a importância das visitas
dos familiares e o abandono a que muitos estão votados. Estas vivências fazem com que os seus
discursos estejam imbuídos de sentimentos de amargura, de desilusão e de revolta, acompanhados
de muitas lágrimas de quem, quantas vezes, só anseia a morte por entender que já não está cá a
fazer nada. A espiritualidade constitui um refúgio para muitos.
16
- Quanto à existência de objectivos e
de prazos para a sua concretização, concluímos
que os seus discursos são, quase sempre, repetitivos das respostas dadas acerca dos factores que
poderiam melhorar a sua qualidade de vida.
Achar que está tudo feito, que já cumpriram
a sua missão ou que já nada vale a pena, são
posturas assumidas que confirmam, uma vez
mais, que os idosos vivem ou permanecem
muitas vezes em espaços pouco educativos e
pouco estimulantes.
17
- Deparamo-nos frequentemente com
idosos adaptados a esta vida parada, diante de
uma televisão que funciona mas que ninguém
vê, sentados lado a lado sem comunicar, esperando a passagem do tempo, dos dias, sempre
igual. Esta monotonia conduz à aprendizagem da desilusão, do desânimo, da tristeza,
da falta de sentido para a vida e o desejo da
morte. Convivemos também com idosos que
planeiam ler, fazer a 4ª classe, ensinar, pintar,
contar histórias, fazer um terço, continuar a
tratar dos seus quintais, desenvolver actividades
de ajuda aos outros, fazer trabalhos manuais,
viajar e assistir a eventos familiares.
63
Do trabalho desenvolvido com os
autarcas, concluímos que:
- Os equipamentos e apoios no concelho de
V.N. de Gaia são insuficientes para as necessidades existentes.
- A maior parte dos autarcas sente a incapacidade de responder aos problemas, defende
a permanência do idoso no seu contexto
natural e, por isso, reconhece a necessidade de
mais centros de dia, de mais serviços de apoio
domiciliário e de cuidados continuados.
64
- Como programa de intervenção na área
dos idosos, os autarcas defendem actividades
de lazer em que predominam os passeios, as
actividades de apoio social e económico e,
quase sem expressão, surgem as actividades
relacionadas com a saúde.
- A maioria dos autarcas define a pessoa idosa
tendo em conta características da dimensão
social, seguindo-se as dimensões físicas, psicoafectiva e, finalmente, idade cronológica.
- Na caracterização do idoso, prevalecem as
respostas que conferem uma visão negativa ao
envelhecimento.
- Questionados sobre o que consideram ser
as necessidades do idoso, a maioria refere ser
o apoio social e económico seguindo-se, em
igual percentagem, a saúde e a rede de apoio.
Apenas um autarca refere a maior participação.
- A maioria dos autarcas afirma que os desejos dos idosos são o apoio social, seguindo-se
o apoio na saúde/doença, a maior participação
e o desenvolvimento de actividades de cultura
e lazer.
A maior parte dos autarcas sente a incapacidade de responder
aos problemas, defende a permanência do idoso no seu
contexto natural e, por isso, reconhece a necessidade de mais
centros de dia, de mais serviços de apoio domiciliário e de
cuidados continuados.
65
Ao compararmos os discursos dos idosos com os dos autarcas, encontramos
muitos pontos comuns mas, na prática, parece-nos existir alguma dissonância.
Se não vejamos:
A - É verdade que os autarcas, tal como os
idosos, atribuem grande importância à saúde,
o que é visível nas suas palavras; no entanto,
nos seus programas de intervenção dão prioridade aos passeios e actividades de convívio.
Reconhecemos a sua utilidade, o que representam para os idosos e o seu contributo para
a saúde mental dos mesmos, mas defendemos
o investimento em áreas que acompanhem o
idoso no seu dia-a-dia e não apenas que lhe
proporcionem o passeio anual e o calendário
de festividades.
B - Os discursos dos idosos estão mais
centrados na saúde individual e dos seus familiares, enquanto que os dos autarcas são mais
teóricos ao enunciarem medidas de melhoria
assistencial e de funcionamento de serviços.
C - Melhorar a qualidade de vida através
da melhoria financeira é das medidas em que
existe grande coincidência nos discursos dos
dois grupos estudados.
D - Sobre a forma de contribuir para o
bem-estar, do ponto de vista dos autarcas,
emergem discursos promotores da participação dos idosos na comunidade em que vivem
enquanto que, nos idosos, foi mais emergente
o desânimo aprendido. As preocupações com
a segurança física expressas pelos idosos nunca
foram referidas pelos autarcas.
E - Tanto idosos como autarcas afirmaram
ter o desejo de permanência do idoso no seu
habitat natural, emergindo do discurso dos
idosos o apoio familiar, enquanto os autarcas
defendem o apoio domiciliário.
F - Muitos idosos manifestaram o desejo de
continuar a trabalhar, ajudar os outros, pintar,
aprender a ler, etc., aspectos ausentes nos
discursos dos autarcas, que continuam mais
centrados nas actividades de viagens e almoços
de Natal.
66
Propostas de intervenção
O aumento da esperança de vida tem de
estar associado a uma melhoria de qualidade
da mesma o que, e de acordo com este estudo,
está bem longe de ser conseguida. É urgente
acrescentar a este prolongamento de vida,
a educação dos idosos “...uma vez que, por
um lado, são cada vez mais acentuadas as suas
necessidades de educação e, por outro, é muito
fraco o seu nível de participação na educação
de adultos, comparado ao dos outros grupos
etários” (Simões, 1999, pág. 7).
rimos a incrementação de uma verdadeira
rede de apoio domiciliário, onde equipas de
saúde constituídas por médicos, enfermeiros
e técnicos intermédios, actuem perante os
casos em presença. Fundamental também
será a formação destes profissionais nas
dimensões científica, técnica, humana e o
desenvolvimento de um trabalho directo com
as famílias elaborando, entre outros, programas
para a sua formação, já que é imprescindível
para a conquista de uma vida digna nesta fase
do desenvolvimento humano.
Tendo em conta estes pressupostos e as
conclusões a que este estudo conduziu,
é agora o momento de apresentarmos algumas propostas educativas de
intervenção, que deverão ser operacionalizadas em programas concretos:
III - Tal como sugeriram alguns autarcas,
também defendemos a existência de pequenas residências comunitárias, apenas para casos
excepcionais e que permitam ao idoso continuar ligado às suas raízes.
I - Investir na área de educação para a saúde
será melhorar a assistência na saúde, assegurar
mais cuidados na doença e garantir equidade
na utilização de serviços. Estas medidas constituem formas de elevar o bem-estar físico e
psicológico das pessoas idosas, minimizando as
dependências já instaladas e os estados depressivos associados.
II - Tendo em conta as preferências do
idoso em permanecer na sua habitação, suge-
IV - Recriar o tempo livre que possui este
grupo, desenvolvendo actividades que estimulem as suas capacidades afectivas, motoras,
sociais e cognitivas, em que se sintam úteis
e realizados, tais como: jardinagem, quintal,
culinária, experiências de convivência intergeracional, exercício físico, danças e cantares
tradicionais, recolha de histórias de vida,
dramatização, visitas culturais, levantamento
de provérbios e de tradições, partilha de experiências vividas, excursões, bailes, organização
de festas, aprender a ler e a escrever, pintar,
etc. Incrementar actividades que estimulem
as capacidades cognitivas e a convivialidade
parece-nos uma das estratégias a desenvolver.
V - A passagem dos discursos políticos à
concretização de medidas políticas e sociais
mais justas é um imperativo à melhoria da
qualidade de vida de grande parte dos idosos
que vivem em grande isolamento e abandono
familiar e social.
VI - Incrementar uma maior participação
dos idosos nas associações de carácter recreativo e cultural, bem como nas instituições em
que se integram.
VII - Possibilitar ao idoso continuar a trabalhar quando o deseja, nas instituições onde
permanece, podendo ser no quintal, jardinagem, actividades domésticas, etc.
VIII - Elaborar programas de educação
intergeracional em que os idosos sejam
propagadores de tradições, fazendo com que
participem na educação das novas gerações
dando assistência nas escolas para ensinar
os jogos tradicionais, contos populares e, ao
mesmo tempo, a sua experiência de vida.
Investir na área de educação
para a saúde será melhorar
a assistência na saúde,
assegurar mais cuidados na
doença e garantir equidade
na utilização de serviços. Estas
medidas constituem formas
de elevar o bem-estar físico
e psicológico das pessoas
idosas, minimizando as
dependências já instaladas
e os estados depressivos
associados.
67
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Considerações finais
Envelhecer é aprender novas formas de viver.
É urgente a mudança, tanto ao nível da família
como da sociedade que ainda não consciencializou o potencial dos mais velhos e ainda não
foi capaz de, efectivamente, rentabilizar esses
saberes e essa disponibilidade, envolvendo-os
numa real participação e vivência do direito
de exercício pleno de cidadãos do mundo.
Vive-se apenas em função dos mais novos e
esquece-se o património cultural e humano
deste grupo.
A sociedade tem o dever de encontrar
novas respostas para este grupo, de criar oportunidades, de canalizar e catalisar interesses,
capacidades e energias, para actividades em
que os idosos se sintam úteis e participantes
como cidadãos de corpo inteiro.
Assumir uma verdadeira política dos mais
velhos, prevenir desequilíbrios e situações de
injustiça social geradores de tensões e conflitos sociais, tornando a vida destas pessoas
mais feliz, mais justa, mais produtiva e menos
dependente, constitui um desafio das sociedades modernas.
O quadro teórico iniciado e o trabalho
empírico desenvolvido permitiram-nos proble-
matizar e compreender um pouco melhor
a realidade estudada, o que nos leva a reafirmar que ser velho não equivale a ser doente,
decrépito, inútil, sem objectivos ou interesses
e ser dependente. Os verdadeiros problemas
dos idosos são a imobilidade, a instabilidade, o
isolamento, a rejeição, a doença, a insegurança, entre outros, por implicarem prejuízos na
independência funcional e no exercício de
actividades alimentares, higiénicas e sociais.
Intervir a nível da promoção e prevenção, estimular e promover formas de participação e não
cair nos extremos de hostilidade inconsciente
ou ternura e super-protecção excessivas, são
estratégias a desenvolver, por forma a alcançar
uma melhor qualidade de vida.
Ao longo desta investigação, a nossa
preocupação centrou-se mais na avaliação
personalizada das potencialidades de cada
idoso e na descoberta do que poderia melhorar a sua qualidade de vida, do que quantificar
a mesma. Pensamos ter conseguido identificar
algumas áreas que justificam uma intervenção que envolva os idosos, as suas famílias e
os responsáveis dos concelhos portugueses
na construção de uma verdadeira sociedade
educativa.
69
Célia Franco
Assistente Graduada de Psiquiatria
Serviço de Tratamento de Alcoolismos, Hospital Sobral Cid
0 – Introdução
A utilização de bebidas alcoólicas pelo homem é tão antiga que se confunde com o aparecimento da própria humanidade.As complicações associadas ao seu consumo regular são inúmeras
e incluem problemas orgânicos, psíquicos, familiares, laborais, sociais e judiciais.
O tratamento é complexo, pelo que ainda não se conseguiu encontrar um protocolo terapêutico que responda de forma completa e adequada a todas as situações. As propostas terapêuticas
são múltiplas, incluindo farmacoterapia, psicoterapias, intervenções sociais, grupos de apoio, bem
como a associação destas várias abordagens. A verdade é que cada doente representa um novo
desafio de detecção das áreas da sua vida lesadas pela doença e uma procura das abordagens que
o possam ajudar a ultrapassar as suas dificuldades e problemas.
72
1 – Aspectos históricos
O início do consumo de bebidas alcoólicas
pelo Homem perde-se no tempo. Marques,
(1997), refere que cerca de 30.000 anos aC,
por altura do período Neolítico e do aparecimento do Homem de Cromagnon (início
do “Homo Sapiens”), já se utilizariam bebidas fermentadas com efeitos inebriantes e
embriagantes. A produção regular de bebidas
fermentadas terá surgido com a passagem do
nomadismo ao sedentarismo e a organização
da agricultura, por volta de 8.000 anos aC.
Desde esses tempos que se encontram referências aos efeitos agudos destas substâncias,
bem como avisos contra o seu consumo
excessivo, quer entre os egípcios quer entre
os outros povos, incluindo Ásia Ocidental e
Austrália (ibidem).
dos países de África, América e Oriente, por
holandeses, portugueses, espanhóis e ingleses,
estendeu o consumo de bebidas alcoólicas
a todo o mundo. No século XVIII, com a
industrialização, o consumo de álcool começou a ser associado ao stress, à pressão da vida,
bem como ao sucesso e à riqueza.
Com a romanização do Ocidente desenvolveu-se o culto do vinho e a implementação da
cultura da vinha na França e Península Ibérica.
No século XIII surgiu o alambique e as bebidas destiladas começaram a ser utilizadas como
medicamento. No século XVI a colonização
Em 1970 surgiram os primeiros dados alarmantes sobre a prevalência destes problemas.
Em 1980 a Organização Mundial de Saúde
(OMS) manifestou séria preocupação sobre o
problema do alcoolismo.
No século XIX surgiu pela primeira vez
o termo alcoolismo, quando Hauss descreveu
uma doença causada pelo consumo excessivo de álcool. Em 1849 foi publicada a obra
Alcoolismus Cronicus, onde se descrevia esta
nova doença. Em 1923 começou a falar-se em
Alcoologia como uma nova ciência. Contudo,
só em 1958 com Santo Domingo e, mais tarde,
em 1966, com Fouquet, surgiram as primeiras
propostas de tratamento da doença (ibidem).
2 – Epidemiologia
Em 1970, a OMS referiu haver «40 milhões
de doentes alcoólicos na URSS, 18 milhões
nos EUA, 5 milhões na França e perto de 1
milhão em Portugal» (Marques, 1997). Por
essa altura calculava-se que na Grã-Bretanha
os doentes alcoólicos custavam 1700 milhões
de libras, 20% das hospitalizações e 25.000
óbitos/ano (ibidem).
Rehn (2001, citado por Gomes, 2006),
referiu que o consumo de álcool na União
Europeia se relaciona com «20 a 40% das
admissões psiquiátricas, 20 a 40% dos suicídios
masculinos, 40 a 60% dos incidentes violentos
e com cerca de 30% dos acidentes de viação».
Relativamente à situação em Portugal,
Gameiro (1998), referia a existência de
750.000 consumidores excessivos (cerca de
9,4% da população nacional) e 580.000 doentes com síndrome de dependência alcoólica
(cerca de 7% da população nacional). Gomes
(2006), refere que os Problemas Ligados ao
Álcool (PLA) «constituem um importante
problema de Saúde Pública e interferem com
variados aspectos da vida do indivíduo, desde
os problemas de saúde individual e familiar, a
nível laboral e social, sendo causa frequente de
problemas judiciais».
73
74
3 – Etiopatogenia
Os mecanismos pelos quais se produzem
alterações orgânicas, psicológicas e sociais que
levam à instalação e ao perpetuar das dependências são complexos e multifactoriais. As
teorias propostas para explicar o seu desenvolvimento têm sido múltiplas.
As teorias psicodinâmicas mais actuais
consideram as dependências como tentativas
adaptativas para aliviar o sofrimento emocional e reparar deficiências de auto-regulação
(Brehm; Khantzian in Lowinson, 1997). Os
estudos moleculares genéticos sugerem a existência de genes associados à susceptibilidade
para o alcoolismo. Do ponto de vista biológico o álcool altera o funcionamento do cérebro
modificando os mecanismos de regulação dos
neurotransmissores cerebrais, nomeadamente
o glutamato (efeitos excitatórios) o GABA
(efeitos inibitórios) e a dopamina (reforço do
consumo). As teorias cognitivo-comportamentais, consideram o desenvolvimento das
dependências relacionados com os mecanismos do reforço. O craving é considerado
como importante na manutenção e recaída
da dependência. Também os factores sócioculturais são considerados importantes na
instalação e perpetuação da doença.
O mais provável é que todos estes factores possam estar envolvidos, variando a sua
importância com o tipo de dependência, o
indivíduo, e o meio em que este vive. No
entanto, a doença alcoólica tem algumas particularidades, na medida em que o álcool faz
parte integrante das nossas culturas, sendo o
seu consumo incentivado em todos os meios
sociais, tendo, portanto, os factores sociais um
peso maior na sua instalação, perpetuação e
recaída do que nas outras dependências.
4 – Prevenção
Uma perturbação com a implantação e
impacto como a dos PLA, exige da sociedade uma atenta e firme atitude de prevenção.
Ferreira-Borges (2004) referem que as estratégias de prevenção das dependências assentam
em três princípios, que poderão ser mobilizados isoladamente ou em articulação: a redução
da oferta, a redução da procura e a redução das
condições sociais associadas ao fenómeno.
Relativamente à redução da oferta têm sido
tomadas algumas medidas tímidas, como proibir a venda a menores e a doentes portadores
de anomalia psíquica. A redução da procura
também não tem sido muito eficaz até ao
momento, e por isso temos verificado um
incremento do consumo entre os jovens.
Quanto às condições sociais associadas, têmse notado algumas diferenças.As novas medidas
legislativas e a maior firmeza na fiscalização do
consumo de álcool em condutores de veículos automóveis, bem como uma atitude mais
assertiva por parte das entidades empregadoras
e a intervenção dos tribunais nos casos de
violência doméstica, têm tido alguns resultados
dissuasores do consumo e são incentivadores
para o tratamento de pessoas com doença.
Os mecanismos pelos quais
se produzem alterações
orgânicas, psicológicas
e sociais que levam à
instalação e ao perpetuar das
dependências são complexos
e multifactoriais. As teorias
propostas para explicar o seu
desenvolvimento têm sido
múltiplas.
75
5 – Bebidas alcoólicas
O álcool etílico ou etanol (CH3 CH2
OH) é uma substância química que resulta da
fermentação de frutos ou cereais. É um líquido incolor, volátil, que se encontra diluído em
certas bebidas, chamadas de bebidas alcoólicas.
Chama-se graduação alcoólica duma bebida à
percentagem volumétrica de álcool puro nela
contido. Esta é referida em graus (°) e representa a quantidade de álcool dissolvido num
litro da bebida. Através da destilação é possível
aumentar a graduação das bebidas alcoólicas,
obtendo-se as bebidas chamadas de destiladas
(Mello, et al, 1988). No quadro 1 referem-se as
bebidas e suas graduações.
Para se poder estudar e comparar dados,
foi necessário criar uma unidade de medida
padrão para medir de forma simples a quantidade de álcool ingerida por um indivíduo.
Apesar da dose de álcool presente em cada
bebida variar com a respectiva graduação,
como estas são consumidas em copos de
diferentes tamanhos, as quantidades padronizadas para consumo têm dose idêntica de
álcool. Assim sendo, assume-se como unidade
de bebida padrão o copo entendido como o
recipiente habitualmente utilizado para aquele
tipo de bebida e que contém cerca de 10 a
12 g de álcool puro. O quadro 2 descreve as
quantidades de álcool do copo de diferentes
bebidas (ibidem).
76
Quadro 1 – Bebidas alcoólicas e suas graduações
Tipo
Bebidas
Fermentadas
Grupo
Bebida
Cervejas
Cerveja sem álcool Cereais
1,2 a 2°
Cidra
Maçã
4 a 5°
Cervejas
Cerveja
Cereais
4 a 6°
Vinhos
Vinho
Uva
8 a 13°
Madeira
Porto
Vinhos Licorosos
Aniz
Licores
Vinho
15 a 20°
Cognac
Vinho
Bebidas
Destiladas
Origem
Graduação
Aguardente de figo Frutos
Aguardentes
Whisky
Vodka
Gin
Sementes
Rhum
Melaço
Cana sacarina
45°
6 – Álcool no organismo
Durante o consumo de bebidas alcoólicas,
o álcool contido nestas é ingerido pela boca
e chegado ao tubo digestivo é inteiramente
absorvido para a circulação sanguínea (15 a
20 minutos em jejum e 30 minutos com a
presença de alimentos), sem sofrer processos
de digestão. É rapidamente distribuído a todos
os órgãos. Atravessa sem qualquer dificuldade
a barreira hemato-encefálica e a placenta.
Atinge primeiro e em maiores quantidades
os órgãos mais vascularizados (fígado, cérebro,
rins, coração e músculos). Os efeitos agudos da
presença de álcool no organismo relacionamse com a quantidade de substância circulante,
a alcoolémia. Esta é definida como a taxa de
álcool no sangue num determinado momento
(em gramas de álcool por litro de sangue g/l). O cálculo da taxa de alcoolémia é feito
através duma fórmula, conforme o quadro 3
(ibidem).
A alcoolémia varia ao longo do tempo, atingindo o seu máximo cerca de 1,5 horas após
o consumo. Depois vai diminuindo de acordo
com a velocidade de degradação do álcool no
organismo, sendo mais rápida numa primeira
fase e mais lenta nas fases subsequentes. A sua
representação gráfica é uma curva chamada
curva de alcoolémia.
77
Quadro 2 – Quantidades de álcool do copo de diferentes bebidas
In Mello, 1988
Cerveja
Vinho
Aperitivo
Aguardente
Capacidade do copo
3dl
1,65dl
0,5dl
0,5dl
Conteúdo em álcool puro
12g
12 a 13g
10 a 12g
14 a 16g
Quadro 3 – Fórmula para cálculo da alcoolémia
In Mello, 1988
Alcoolémia=
Peso do álcool puro consumido (em gramas)
Peso corporal (em kg) × Coeficiente (0,7 nos homens)
(0,6 nas mulheres)
(1,1 com as refeições
7 – Diagnóstico
A variedade de sintomas iniciais possíveis
pode tornar o diagnóstico difícil. Muitas
vezes as primeiras queixas são do aparelho
gastrointestinal, desde a dispepsia às úlceras.
Frequentes são também os traumatismos,
acidentes de trabalho, necessidade frequente
de baixas médicas. Mais complicado é quando
os primeiros sintomas estão relacionados com
o funcionamento psicológico do indivíduo.
Muitas vezes são medicados sintomaticamente, demorando muito tempo até que seja feito
o diagnóstico.
78
Os cuidados de saúde primários são o local
de eleição para a detecção dos consumos de
risco e o diagnóstico precoce dos consumos
nocivos e dos doentes dependentes. Uma
correcta história dos hábitos alimentares e de
consumo é fundamental. Contudo, muitas
vezes perguntar ao doente o que bebe ou
se bebe bebidas alcoólicas não é indicador
fiável. Especialmente em presença dum
consumidor nocivo ou dum dependente que
terão tendência a desvalorizar o consumo. As
próprias famílias, muitas vezes, não são muito
precisas nas informações, considerando normais
consumos francamente exagerados. Para obter
dados mais fiáveis convém diluir as perguntas
relativas aos consumos nas dos hábitos alimentares, perguntando o que ingere ao longo do
dia. O quadro 4 poderá servir de orientação
para estas perguntas.
Para facilitar o rastreio dos consumos nocivos e dos doentes com dependência alcoólica,
poderão ser utilizados questionários e meios
laboratoriais. Entre os questionários, o AUDIT,
o Cage e o Five-shot, têm-se revelado eficazes
na detecção de bebedores excessivos e dependentes, e de utilização fácil e rápida. Quanto
aos exames laboratoriais, o volume globular
médio (VGM), a gama glutamil transpeptidase
(Gama GT), e a deficiência de carbohidrato
de transferrina (CDT), embora não servindo
como meio de diagnóstico, são bons indicadores de lesão hepática ou para acompanhar
a evolução dos doentes. A alteração de outros
valores como fosfatase alcalina e as transaminases está geralmente associada a situações mais
graves, com maior lesão hepática.
Quadro 4 – Hábitos alimentares e de consumo de bebidas alcoólicas
O que bebe
O que bebe
Total de copos por
semana
(copos por dia x 7 dias )
Nº copos
(copos/dia)
(copos/dia)
(copos/semana)
Nos dias de semana
Hora
Ao levantar
Durante a
manhã
Ao almoço
Durante a tarde
Jantar
À noite
TOTAL
O que come
Aos fins-desemana
8 – Clínica
As manifestações clínicas associadas aos efeitos do consumo de bebidas alcoólicas podem
ser agudas ou crónicas.
O álcool etílico ou etanol
é uma substância química
que resulta da fermentação
de frutos ou cereais. É um
líquido incolor, volátil, que
se encontra diluído em
certas bebidas, chamadas de
bebidas alcoólicas. Chama-se
graduação alcoólica duma
bebida à percentagem
volumétrica de álcool puro
nela contido.
8.1 – Quadros agudos
O Etilismo Agudo (embriaguês) surge na
sequência de uma ingestão abundante de
bebidas alcoólicas num curto período de
tempo e relaciona-se com a acção directa do
álcool sobre o sistema nervoso central (SNC).
É classificado pela 10ª revisão da Classificação
Internacional de Doenças (ICD-10) como
intoxicação aguda e definido como «uma
condição transitória, resultante do consumo
de álcool traduzida por alterações no nível
de consciência, cognição, percepção, afectos e
comportamento, ou outras funções e respostas psicofisiológicas» (ICD-10, 1992). Esta
classificação considera que este diagnóstico
só deve ser utilizado se não existirem previamente outros problemas relacionados com o
álcool. Na presença destes deverá ser utilizado
o diagnóstico de uso nocivo, síndrome de
dependência ou perturbação psicótica.
A gravidade da intoxicação depende do
valor da alcoolémia. Como indicador podemos
considerar os valores referidos no quadro 5.
Quadro 5 – Perturbações associadas às quantidades de álcool ingeridas e alcoolémia
In Mello, 1988
Quantidade ingerida
Alcoolémia
Perturbações Associadas
0,75l de vinho
0,5 a 0,8g/l
Tempos de reacção aumentados;
Reacções motoras alteradas;
Euforia.
1,5l de vinho
0,8 a 1,5g/l
Reflexos mais alterados;
Sinais de embriaguês;
Perigo no trabalho e condução.
2l de vinho
1,5 a 3g/l
Perturbação da marcha;
Diplopia;
Embriaguês nítida;
Condução e trabalho muito perigosos.
3l de vinho
3 a 5g/l
Embriaguês profunda;
Condução impossível.
Mais de 3l de vinho
Mais de 5g/l
Coma;
Morte.
79
Contudo, nas pessoas com hábitos excessivos ou com dependência alcoólica, estes
valores não têm significado. À medida que
o organismo vai desenvolvendo tolerância
ao álcool a sua resposta vai sendo diferente.
Assim, é frequente encontrarmos indivíduos
com elevadas taxas de alcoolémia sem qualquer sintoma aparente desse consumo. Isto
obriga os técnicos a estarem muito atentos e
a proceder a análises laboratoriais sempre que
se justifique.
80
Clinicamente, estes doentes apresentam
desinibição, agitação e combatividade, podendo com muita facilidade passar a agressivos. O
discurso é muitas vezes desadequado e com
frequência utilizam termos grosseiros, que não
usam habitualmente. Com o agravamento da
intoxicação começam a surgir os sintomas de
sedação podendo evoluir para a prostração e
coma. Simultaneamente, é frequente a instalação de hipoglicémia que, por sua vez, também
pode condicionar o aparecimento de obnubiliação da consciência. Como complicação
podem surgir convulsões.
A vigilância dos sinais vitais é fundamental,
o fornecimento de soros glicosados bem como
as terapêuticas adequadas para prevenir e tratar
a agitação psicomotora e o aparecimento de
convulsões.
A embriaguês patológica é referida pela ICD-10
como o aparecimento repentino de agressão e
comportamentos violentos, não habituais no
indivíduo quando sóbrio, após ingestão de
pequenas quantidades de álcool, que noutras
pessoas não costumam provocar intoxicação.
8.2 – Quadros crónicos
O consumo regular e continuado de bebidas
alcoólicas origina processos de doença. Estes
relacionam-se com as doses ingeridas, o tempo
de exposição, o padrão de consumo bem
como a vulnerabilidade individual. Por outro
lado, estes não têm só a ver com doença física,
como implicam doenças mentais, problemas
de comportamento e ainda problemas familiares, laborais, sociais e judiciais.
A OMS classifica os consumos de bebidas alcoólicas de baixo risco, risco, nocivo
e dependência (Babour, 2001, citado por
Gomes, 2006). O consumo de baixo risco é
definido como o padrão de consumo do
qual não resultarão PLA (ibidem). Os valores
indicados neste grupo são referidos no quadro
6. Contudo, existem situações especiais, em
que os indivíduos devem manter abstinência
total de consumo de álcool, como sejam as
mulheres grávidas e a amamentar, pessoas a
tomar medicamentos, em situação de doença
e doentes com dependência alcoólica.
Consumo de risco é definido como um
padrão de consumo que, se persistir, pode vir
a implicar dano físico ou mental (ibidem).
Consumo nocivo é definido pela ICD-10 como
um padrão de utilização de uma substância
psicoactiva que está a causar danos à saúde
(físico ou mental).
A Síndrome de Dependência Alcoólica,
Alcoolismo ou Doença Alcoólica, é descrita
pela ICD-10 como o conjunto de fenómenos
psicológicos, comportamentais e cognitivos,
em que o consumo de uma substância ou classe
de substâncias assume uma prioridade muito
superior para o indivíduo relativamente aos
restantes comportamentos que costumavam
ser prioritários. Os critérios de diagnóstico
incluem:
A variedade de sintomas
iniciais possíveis pode tornar
o diagnóstico difícil. Muitas
vezes as primeiras queixas são
do aparelho gastrointestinal,
desde a dispepsia às úlceras.
Frequentes são também os
traumatismos, acidentes
de trabalho, necessidade
frequente de baixas médicas.
Mais complicado é quando
os primeiros sintomas
estão relacionados com o
funcionamento psicológico do
indivíduo. Muitas vezes são
medicados sintomaticamente,
demorando muito tempo até
que seja feito o diagnóstico.
Quadro 6 – Valores referidos pela OMS
como de consumo de baixo risco
Consumo baixo risco
Homem
Até 2 bebidas (copos) /dia
Mulher
Até 1 bebida (copo) /dia
ou
Até 2 unidades/dia e não beber pelo menos
2 dias/semana
Forte desejo, ou mesmo compulsão, para o
consumo;
Dificuldades em controlar o comportamento de consumo do álcool, em termos de início,
términos e níveis de consumo;
Estado de privação quando o consumo pára
ou é reduzido;
Aparecimento de tolerância;
Negligência progressiva ou alteração dos
interesses por causa do álcool, aumentando o
tempo para o obter e para recuperar do seu
consumo;
Manutenção do consumo, apesar das
evidências claras da existência de consequências prejudiciais.
As manifestações clínicas da doença alcoólica são muito variáveis e podem afectar
todos os órgãos. Entre os primeiros sintomas
encontram-se a falta de forças, anedonia,
desinteresse, cansaço fácil, insónia, irritabilidade, agressividade, ansiedade e depressão. Com
frequência aparecem queixas psicossomáticas
múltiplas e relacionadas com diversos sistemas.
Progressivamente pode surgir desnutrição,
agravando-se com a evolução da doença. Com
esta surgem também os sinais de impregnação
alcoólica (fácies característico, aranhas vasculares nas faces,tremores dos membros superiores).
Contudo, a maioria das alterações encontradas
não se deve ao efeito directo do álcool mas
às lesões que este provoca nos vários órgãos e
serão descritas nas complicações.
81
8.3 – Síndrome de privação alcoólica
É descrito pela ICD-10 como um grupo de
sintomas e sinais de severidade variável, associado à suspensão abrupta ou redução rápida
da dose do consumo de álcool. Surge com
frequência no início da desintoxicação alcoólica ou quando os doentes dependentes tentam
parar de beber sem tratamento. No quadro 7
resumem-se os sintomas mais frequentes.
82
Nos casos mais graves pode surgir o delirium tremens. Trata-se dum estado de privação
alcoólica grave, caracterizado por intensa hiperactividade do Sistema Nervoso Autónomo
(SNA), taquicardia (≥120 p/ minuto), aumento da frequência respiratória, elevação da
tensão arterial, elevação da temperatura (com
frequência acima de 38,4° C), tremores acentuados dos membros superiores, desorientação,
confusão, discurso desconexo e por fim, agitação psicomotora.Acompanha-se de quadro de
alucinações visuais ou tácteis, frequentemente
com animais (zoopsias). É uma situação de
emergência podendo originar a morte por
exaustão, se não for devidamente tratada.
O consumo regular e
continuado de bebidas
alcoólicas origina processos de
doença. Estes relacionam-se
com as doses ingeridas, o
tempo de exposição, o padrão
de consumo bem como a
vulnerabilidade individual. Por
outro lado, estes não têm só
a ver com doença física, como
implicam doenças mentais,
problemas de comportamento
e ainda problemas familiares,
laborais, sociais e judiciais.
Quadro 7 – Sintomas frequentes na Síndrome de Privação Alcoólica
Disfunção de
SNA
Sistema Motor
Aparelho
Gastrointestinal
SNC
Sintomas
Suores;
Pulso acelerado;
Frequência respiratória acelerada;
Ligeira subida da temperatura;
Ligeira elevação da Tensão Arterial.
Tremores dos membros superiores.
Anorexia;
Náuseas;
Vómitos.
Alterações emocionais;
Inquietação;
Irritabilidade;
Convulsões;
Agitação;
Delirium Tremens.
9 – Complicações
As complicações podem afectar o corpo, o
psíquico e toda a vida do indivíduo.
9.1 – Complicações orgânicas
As complicações orgânicas são frequentes
e muito variadas. Dependem sobretudo da
constituição individual. No quadro 8 apresentamos as complicações de acordo com os
sistemas afectados.
9.2 – Complicações psiquiátricas
Muitas vezes os sintomas psiquiátricos são
o primeiro sinal de doença alcoólica, embora
frequentemente não sejam valorizados como
tal. Os doentes podem apresentar como
primeiros sintomas inquietação, ansiedade,
insónia, irritabilidade fácil, humor deprimido,
angústia, sem que se encontre uma causa que
justifique este quadro. Podem ainda apresentar inúmeras queixas psicossomáticas, desde
dispepsia, dores generalizadas, palpitações,
dispneia. Progressivamente vão-se instalando
as alterações mais específicas e mais graves,
como agressividade, alterações de comportamento e perturbações delirantes de ciúme ou
paranóide.
Com muita frequência surgem perturbações mnésicas de gravidade variável, sendo
frequente o aparecimento de Demências
Alcoólicas em indivíduos ainda novos (45 a
65 anos).
É muito frequente a comorbilidade entre
alcoolismo e patologia psiquiátrica. Por um
lado, os doentes com doença mental, como
esquizofrenia ou perturbações afectivas,
frequentemente utilizam o álcool para aliviar
ansiedade e angústia,acabando por ficar dependentes. Por outro lado, os doentes alcoólicos
frequentemente desenvolvem perturbações
psíquicas secundárias, como depressões e
psicoses. Em certos doentes pode ser difícil
saber qual das perturbações surgiu primeiro,
de tal forma a sua evolução é paralela.
Complexa é também a situação da comorbilidade entre alcoolismo e dependência de
substâncias ilícitas. Esta é muito frequente entre
os doentes mais jovens. Muitos começam por
ser dependentes de outras substâncias e, após
desintoxicação, acabam por ficar dependentes
do álcool.
9.3 – Complicações familiares
O doente com doença alcoólica geralmente
adoece integrado na família e mantém-se nela
durante o agravamento do seu estado clínico.
Todas as alterações psíquicas, de comportamento por que passa, viram-se em primeiro
lugar contra os familiares mais próximos, geralmente, o cônjuge, os filhos, e depois os pais e
outros familiares. As situações de forte conflitualidade, agressões e violência doméstica,
violação, por que muitas destas famílias passam,
são graves, continuadas e provocam patologia
83
Quadro 8 – Complicações orgânicas do consumo de álcool
84
Aparelho
Gastrointestinal
Neurológicas
Gerais
Complicações
Esofagites; Hérnias do hiato;
Gastrites; Úlceras gastroduodenais;
Esteatose hepática; Cirrose hepática;
Pancreatites.
Neuropatias periféricas (carência de vitamina B);
Neuropatia retrobulbar (carências vitaminicas);
Doença degenerativa do lobo cerebelar anterior;
Síndroma de Wernicke-Korsakof;
Deterioração cognitiva;
Sintomas extra-piramidais;
Disquinésias tardias;
Epilepsia.
Diabetes Mellitus;
Desidratação e desnutrição graves;
Desequilíbrios iónicos e metabólicos;
Encefalopatia hepática;
Morte súbita.
Hematológicas
Anemia;
Trombocitopenia.
Cardíacas
Cardiomiopatia.
Musculares
Miopatia.
Carcinoma do pulmão;
Carcinoma da orofarínge;
Neoplasias gastroduodenais;
Neoplasias hepáticas;
Neoplasia pancreática.
Neoplásicas
Sexuais
Diminuição da libido;
Impotência sexual.
nos familiares mais próximos. Assim, estes
chegam à consulta de psiquiatria, muitas
vezes, primeiro do que o próprio doente, com
perturbações da adaptação e funcionamentos desadequados. Esta é uma situação de tal
forma frequente e grave que já se definiu o
conceito de Codependência. Este refere-se ao
conjunto de comportamentos maladaptativos
aprendidos pela(s) pessoa(s) que convivem
de forma directa com alguém que tem uma
dependência química, nomeadamente do
álcool. Esta aprendizagem tem por objectivo resistir a uma situação de stress intenso e
prolongado associado a profundo sofrimento
psíquico (Zampieri, 2004).
9.4 – Complicações laborais
Sendo a falta de forças, o desinteresse e o
cansaço fácil dos primeiros sintomas a surgir,
a taxa de absentismo destes doentes é muito
alta. Começam por faltar ao trabalho, ter dificuldade no cumprimento das suas obrigações,
piorar o desempenho e aumentar o risco de
sinistralidade no trabalho. Aumenta também
a conflituosidade com colegas e superiores
hierárquicos. Seguem-se longos períodos de
baixa e despedimento (pela entidade empregadora ou pelo próprio devido a momentos
de impulsividade). Os níveis de desemprego
são muito elevados. Finalmente, com o desenvolvimento de hepatopatias ou demências
precoces, surgem reformas por incapacidade
em indivíduos muito novos e que deveriam
estar na plenitude da sua idade produtiva.
9.5 – Complicações jurídicas
Com frequência estes doentes têm problemas legais associados à condução sob efeito
de álcool, sinistralidade rodoviária, crimes de
violência doméstica, violação, agressão e
homicídios. Muitas vezes o primeiro contacto
com os serviços de saúde é por ordem do
tribunal. Estes doentes são particularmente
difíceis de tratar, na medida em que a critica
para a doença é geralmente nula, bem como
a motivação para o tratamento. No entanto,
após a desintoxicação alcoólica e ao longo do
trabalho psicoterapêutico que se vai desenvolvendo, muitas vezes a atitude do doente
muda, desenvolvendo critica para a doença e a
motivação para o tratamento e a abstinência.
9.6 – Complicações sociais
Com a evolução da doença a situação social
do doente e da sua família vai sendo progressivamente cada vez mais grave, chegando a
níveis de pobreza e desinserção social. Muitas
vezes os doentes chegam à situação de sem
abrigo. Por outro lado, a deterioração mental
e cognitiva que esta doença pode originar,
leva a que, com alguma frequência, doentes
ainda novos (entre os 45 e os 60 anos), desenvolvam processos que os incapacitam para
desenvolver actividade ou recuperar uma vida
autónoma, não podendo os cônjuges ser os
seus cuidadores, por ainda terem de cuidar de
filhos menores. Os equipamentos sociais não
estavam até há pouco tempo sensíveis a este
tipo de situação, não sendo possível integrar
nos centros de dia e lares pessoas com menos
de 65 anos, ainda que irreversivelmente incapacitadas. Felizmente começamos a encontrar
alguma sensibilidade para estes problemas em
algumas instituições, mas o problema está
longe de estar ultrapassado.
85
Quadro 9 – Condições que é necessário reunir para fazer desintoxicação em
ambulatório
Condições para poder fazer a desintoxicação em ambulatório
Bom estado geral;
Boa critica e motivação para tratamento;
Bom suporte familiar;
Ausência de complicações orgânicas;
86
Ausência de complicações psiquiátricas;
Ausência de complicações familiares, sociais ou
judiciais;
Não ter antecedentes da Síndrome de Privação
grave;
Não ter antecedentes de crises convulsivas.
Quadro 10 – Fármacos mais utilizados durante a desintoxicação
Ambulatório
Internamento
Hidratação
Hidratação oral abundante (água,
sumos açucarados).
Dextrose em água a 5%,
1000 cc id;
Hiratação oral.
Vitaminoterapia
Vitamina B oral 1 id
Tiamina 1 ampola IM id
Sedação
Tiapride oral 6 comprimidos id;
Diazepam 10 mg ½ + ½+ 1 ou
Lorazepam 2,5 mg ½ + ½ + 1.
Tiapride oral 6 comprimidos id;
Diazepam 10 mg ½ + ½+ 1 ou
Lorazepam 2,5 mg ½ + ½ + 1.
Sintomas de
Privação
-------------------
Haloperidol 2 mg 2 id
Quadro 11 – Fármacos utilizados durante a manutenção
Sintomas
Anedonia, desinteresse
Humor deprimido
Ambulatório
Antidepressivos Serotoninérgicos e/ou
Amissulpiride 50 mg 2 id
Ansiedade
Alprazolam 0,5 3 id
Perturbações do sono
Lorazepam 2,5 mg 1id ou
Estazolam 1 id
Deficits cognitivos/Demência
Inibidores da Acetilcolinesterase
Prevenir a recaída
Acamprosato, 6 comprimidos id
Naltrexona 25 mg id
Topiramato 50 2 id
10 – Tratamento
O tratamento do doente alcoólico passa por
três vertentes fundamentais: desintoxicação,
manutenção e reinserção.
10.1 – Desintoxicação
O tratamento de qualquer dependência, e
do álcool em particular, passa, em primeiro
lugar, pela desintoxicação. Esta pode ser feita
em ambulatório ou em internamento. Para
que seja possível fazê-la em ambulatório têm
de estar reunidas as condições que apresentamos no quadro 9.
Os doentes em ambulatório têm consulta
de psiquiatria semanal nas três primeiras
semanas. No caso de internamento a desintoxicação dura 10 dias, dos 15 previstos para
o internamento. Durante a desintoxicação a
intervenção é sobretudo farmacológica, tendo
por objectivo a hidratação, vitaminoterapia
e sedação. No quadro 10 apresentam-se os
fármacos utilizados neste período, quer em
ambulatório quer no internamento.
11.2 – Manutenção
Após a desintoxicação é necessário que o
doente consiga manter-se sem beber. No caso
dos doentes em ambulatório, a consulta passa
a ser mensal.
No caso dos doentes internados, fazem
mais uma semana de internamento, durante
a qual se desenvolve o processo psicoterapêutico que visa consolidar a motivação para
a abstinência e aumentar a auto-confiança.
A psicoterapia desenvolve-se ao longo de
entrevistas individuais com o psiquiatra e de
reuniões psicopedagógicas desenvolvidas pela
equipa multidisciplinar. Durante esta fase
o doente é informado sobre a sua doença,
ensinado a identificar e lidar com situações de
risco de recaída, e é trabalhada a motivação.
Após a alta é mantido em consulta mensal
ou bimensal durante um a dois anos, findos
os quais, se não tiver havido recaídas e não
houver psicopatologia subjacente, o doente
tem alta da consulta e é orientado para seguimento pelo seu médico de família.
O grande objectivo desta fase do tratamento é evitar a ocorrência da recaída (recorrência
do padrão de comportamento de dependente
de substância psicoactiva, num indivíduo
que tenha previamente conseguido manter a
abstinência durante um período significativo
de tempo após a desintoxicação).A medicação
nesta fase tem por objectivo diminuir o craving,
tratar a psicopatologia subjacente e proteger da
recaída. No quadro 11, apresentam-se alguns
dos fármacos utilizados nesta fase.
As complicações familiares são trabalhadas
na consulta, em reuniões de famílias e, se
necessário, em terapia familiar.A psicoterapia é
importante nesta fase para consolidar a motivação, desenvolver a autoestima, o autocontrole,
a capacidade em lidar com as emoções bem
como desenvolvimento de competências de
interrelação. O tipo de psicoterapia deverá ser
acordado entre o doente e médico. O psicodrama e a terapia cognitivo comportamental
têm mostrado bons resultados. Os grupos de
87
auto-ajuda são também um recurso importante.
A recaída deve ser entendida como uma fase
da doença, nunca como o fim do tratamento.
O doente, familiares e instituições cuidadoras
devem ser avisadas de que, caso esta situação
ocorra, devem contactar o serviço. O doente
deve ser consultado, avaliando-se as causas da
recaída e reajustando-se o plano terapêutico,
que poderá passar por reinternamento se
necessário.
88
11.3 – Reinserção
O objectivo do tratamento é conseguir que
o doente recupere os níveis de funcionamento
pessoal e social que tinha antes de adoecer.
Contudo, se isto é possível nas situações menos
graves, outras há em que tal situação já não é
fácil.
Nos casos mais complexos ou quando se
mantenha patologia psiquiátrica subjacente, o
doente tem de se manter em consulta e têm
de se procurar as soluções adequadas a cada
caso. Alguns doentes com doença alcoólica
Bibliografia
Brehm, N.; Khantzian, E. Psychodynamics. in Lowinson et
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Maryland:Williams & Wilkins, 1997: 90 – 30.
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Lisboa: Climepsi, 2004.
Gameiro, A. Hábitos de consumo de bebidas alcoólicas em Portugal
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World Health Organization, 1992.
Lowinson, J. et al. Substance Abuse:A comprehensive Textbook, 3ª
edição, Maryland:Williams & Wilkins, 1997.
grave ficam, após tratamento, com sequelas e
deficits que obrigam a desenvolver inúmeras
acções no sentido da optimização da recuperação. Frequentemente torna-se necessário
a integração em projectos de terapia ocupacional para recuperação de capacidades e
treino de aptidões, integração em projectos de
formação e de reinserção social. Muitas vezes
há necessidade de articular com os Centros
de Saúde, Segurança Social, Institutos de
Reinserção Social, Comissões de Protecção
de Jovens e Menores, Instituições Privadas
de Solidariedade Social e outras entidades,
de forma a permitir o acompanhamento das
situações em colaboração com as restantes
entidades.
Alguns doentes que fazem recaídas sucessivas podem necessitar de integração em
comunidade terapêutica, ou, se apresentarem
deterioração cognitiva grave, em Centros
de Dia ou mesmo na Rede de Cuidados
Continuados.
Marques, M. Marcos Transhistóricos do Álcool, L. Lepori, 1997.
Mello, M. et al. Manual de Alcoologia para o Clínico Geral.
Coimbra, 1988.
Neto, D. (1997) – Etapas de tratamento de doentes alcoólicos. Psiquiatria e Saúde Mental, ano 3, nº 1-2: 9-14.
Steindler, E.: Addiction Terminology. in Principles of Addiction
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Zampieri, M.: Codependência: O transtorno e a intervenção em
rede. São Paulo: Editora Agora, S. Paulo, 2004: 1-11.
89
12 – Conclusões
A relação entre o álcool e o Homem é complexa e ambivalente. O consumo de álcool continuado frequentemente leva ao adoecer de forma lenta e insidiosa, sendo difícil de entender pelo
doente e de diagnosticar pelo médico. O diagnóstico atempado de situações de beber nocivo
ou de dependências em situação inicial pelos médicos de família é fundamental para prevenir o
agravamento das situações e o aparecimento de danos irreversíveis.
A doença alcoólica é um processo grave, com inúmeras complicações orgânicas, psíquicas e
sociais, implicando sérios problemas para os doentes, suas famílias e sociedade em geral. Impõe-se
uma atitude concertada de todos, implementando a prevenção, detecção precoce de consumidores de risco e dependentes, motivar para a modificação de comportamentos de risco e o
tratamento tão precoce quanto possível dos doentes dependentes, bem como a minimização dos
danos. Cabe a cada um de nós, cidadão, familiar, doente ou técnico de saúde, desempenhar o seu
papel para melhorar esta situação.
Fábio Salgado
Licenciatura em Prótese Dentária, docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
Carla Xavier
Licenciatura em Prótese Dentária, docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
Palavras-chave: lesões da mucosa oral, prótese acrílica, apoios oclusais e suporte/sustentação
90
Próteses parciais
removíveis acrílicas
funcionais
Introdução
As soluções protéticas têm sofrido um enorme progresso a nível estético e funcional nos
últimos anos. Com o aparecimento de técnicas
como confecção de dentes em cerâmica pura,
ou seja, livres de metal,“metal free”, associadas
a técnicas de leitura e confecção de coifas através de scaners “cad-cam”, as próteses de hoje
apresentam-se avançadas a nível tecnológico,
funcional e estético.
Acontece porém, que a grande maioria
destas técnicas são desenvolvidas a pensar nas
próteses fixas,ou próteses sobre implantes.Estes
tipos de próteses requerem um tratamento e
preparo “à priori” de dentes remanescentes.
Estes tratamentos e preparos são dispendiosos, o que os torna inacessíveis para a grande
maioria da população.
Este trabalho visa dar a conhecer uma
técnica simples que vem incrementar a qualidade funcional das próteses parciais acrílicas,
que são próteses de baixo custo, ainda hoje
muito solicitadas por uma grande maioria da
população.
Esta técnica pretende acrescentar às próteses
acrílicas os conceitos pré-estabelecidos que
91
Resumo
Neste trabalho, propomo-nos explicar de
forma sucinta o desenvolvimento de uma
técnica simples para a prevenção de lesões da
mucosa oral, causadas pelo uso de próteses
parciais removíveis acrílicas mal confeccionadas, tendo como base os princípios que regem
uma prótese parcial removível: suporte, estabilidade, reciprocidade e retenção.
regem a prótese parcial removível esquelética,
cuja diferença em relação às próteses acrílicas
prende-se, para a maioria das pessoas, apenas
por possuírem uma armação metálica e por
isso serem mais resistentes. Este conceito é
errado!
A prótese parcial removível esquelética
tem que obedecer, antes da rigidez da sua
constituição, a alguns factores essenciais para a
manutenção da saúde oral dos pacientes. São
eles: o suporte, a estabilidade, a reciprocidade
e a retenção, que fazem parte da biomecânica
das próteses parciais removíveis.
Conceitos básicos cobre biomecânica
das próteses parciais removíveis
Suporte: O sistema de suporte é um sistema complexo, composto por estruturas vivas
que estarão em íntimo contacto com a prótese
e compõe-se pelos seguintes elementos:
- Dentes remanescentes;
- Tecidos periodontais;
- Fibromucosa;
- Tecido ósseo alveolar.
1. Quanto aos dentes deve-se ter em conta
a quantidade e qualidade dos dentes que servirão como suporte.
92
Deve-se verificar a integridade das coroas e
raízes dos dentes.
No que respeita as coroas dentárias, devem
estar isentas de cáries ou zonas com predisposição para a cárie. Deve-se ainda ponderar
a possibilidade de colocação de ganchos em
coroas dentárias que já sofreram restaurações.
Em relação às raízes, espera-se que esteja bem implantada no tecido ósseo e que
apresente uma polpa saudável ou então que
esteja desvitalizada e bem obturada; casos de
endodontia.
2. Os tecidos periodontais são constituídos,
fundamentalmente, por fibras de cologênio e
células (osteoblastos,cementoblastos,osteoclastos, fibroblastos etc.) substâncias intercelulares
e líquidos.
O tecido ósseo suporta mal as cargas de
compressão, diante das quais reage com um
processo de reabsorção (osteólise).
Por outro lado, o mesmo tecido ósseo aceita
de modo saudável as forças de tracção, estas
estimulam o processo de osteossíntese.
As fibras de cologênio apresentam uma
propriedade especial quando submetidas a
forças de compressão; estas fibras passam a
exercer sobre o osso alveolar uma força de
tracção; sua função então é de transformar
cargas de compressão exercidas sobre as coroas,
em cargas de tracção, que são bem toleradas
pelo tecido ósseo.
Este trabalho visa dar a conhecer uma técnica simples que vem
incrementar a qualidade funcional das próteses parciais acrílicas,
que são próteses de baixo custo, ainda hoje muito solicitadas por
uma grande maioria da população.
3. A participação da fibromucosa no sistema
de suporte de próteses parciais removíveis
cresce de importância à medida em que a
quantidade de dentes diminui em ambas as
extremidades do arco, constituindo casos de
extremos livre ou de alavanca posterior.
A fibromucosa é constituída por:
Epitélio: recobre a estrutura do tecido
conjuntivo subjacente, forra toda a extensão
do rebordo residual e do processo alveolar.
É permanentemente banhada pela saliva. O
epitélio é formado por células cilíndricas, do
tipo pavimentoso estratificado e recoberto
por uma fina camada de queratina. Esta tem
por função manter a integridade da estrutura
protegendo-a contra as agressões mecânicas,
bacterianas ou químicas.
Córion: constituído por tecido conjuntivo
fibroso, tendo como principal componente as
fibras de cologênio. Este tecido encontra-se
ligado ao osso alveolar subjacente, através da
sua face interna e ao epitélio que o recobre,
através da superfície externa.
A função da fibromucosa prende-se portanto pela sua propriedade elástica, que tem por
objectivo absorver as cargas mastigatórias e
transmiti-las de maneira fisiológica ao osso
alveolar.
4. No tecido ósseo alveolar destacam-se
duas partes:
- Compacta ou cortical (osso denso);
- Esponjosa alveolar.
O estímulo de uma prótese, adequadamente
construída, colocada sobre um espaço alveolar,
funciona como factor positivo no sentido da
sua conservação.
Este tecido está estruturado para responder à
acção das forças que actuam nos dentes naturais
e mais tarde sobre a fibromucosa, chegando a
ser considerado como o único e verdadeiro
suporte da prótese.
Os dentes, periodonto e fibromucosa – são
considerados como vias de transmissão de
cargas ao tecido ósseo.
De acordo com o veículo de transmissão de
cargas ao tecido ósseo, podemos distinguir três
tipos de suporte:
Suporte Fisiológico, a força é transmitida
ao osso por via dental corresponde às próteses
dento-suportadas.
Suporte Semi-Fisiológico, a força é
transmitida pelos dentes e pela fibromucosa
adjacente, corresponde às próteses dentomuco-suportadas.
Suporte Afisiológico, carga total transmitida ao osso pela mucosa, corresponde às
próteses muco-suportadas.
93
Juntamente com os braços de retenção e de oposição
constituintes de um mesmo gancho fica, então, completo o
panorama ideal, ou seja, a prótese cumpre os parâmetros de
suporte, estabilidade, retenção e reciprocidade desejados.
94
Estabilidade, retenção e reciprocidade
1. A estabilidade é a propriedade que a
prótese deve ter para permanecer imóvel tanto
em repouso como sob acção de cargas.
2. Retenção é a propriedade que a prótese
tem de resistir às forças que tendem a deslocala da sua posição, segundo o eixo de inserção
determinado.
3.Reciprocidade é o princípio que estabiliza o dente frente as forças horizontais que
tendem a deslocá-lo no acto da inserção ou
retirada da próteses parcial removível, bem
como durante a função.
Estes três factores são considerados de extrema importância na biomecânica das próteses
parciais removíveis.
A estabilidade é conferida à prótese através
de seu conector maior e de seus apoios oclusais.
A retenção e reciprocidade são conseguidas pelos braços de retenção e de oposição,
respectivamente, e são ambos constituintes de
um mesmo retentor (gancho).
O problema
As próteses parciais removíveis esqueléticas
são planeadas e construídas segundo critérios
rigorosos que cumprem e fazem cumprir os
princípios biomecânicos anteriormente referidos.
Nestes critérios, o problema do suporte
remete-nos à classificação supracitada do
tipo de suporte conseguido. Assim, os apoios
oclusais são de extrema importância, porque
sua função primária consiste em ser um transmissor de cargas mastigatórias exercidas sobre
os dentes artificiais e dente pilar para o tecido
ósseo.
Ao cumprir esta função, facilmente se
percebe que o apoio impedirá o deslocamento ocluso-gengival da prótese, garantindo a
efectivação do seu princípio fundamental,
passando de um suporte mucoso para um
suporte dentário, ou seja, fazendo com que o
suporte conseguido seja efectivamente mais
fisiológico.
Juntamente com os braços de retenção e de
oposição constituintes de um mesmo gancho
fica, então, completo o panorama ideal, ou
seja, a prótese cumpre os parâmetros de
suporte, estabilidade, retenção e reciprocidade
desejados.
Ora, esta situação ideal é em tudo desprezada nas próteses parciais acrílicas. Este tipo
de próteses na sua enorme maioria, se não
mesmo na totalidade, são confeccionadas sem
o mínimo de preocupação com a biomecânica
das próteses parciais. São feitas normalmente
de modo a cumprir, e mal, apenas o requisito
da retenção. Os retentores aqui são feitos com
arame de aço inox, adaptados com alicates de
ortodontia, de modo a abraçar apenas a face
vestibular dos dentes. Consegue-se retenção
mas o suporte e a reciprocidade são negligenciados.
O suporte é totalmente feito sobre a mucosa, podendo causar danos sérios e irreversíveis
com o uso prolongado deste tipo de próteses.
A pressão mastigatória é elevadíssima e
a fibromucosa não suporta durante muito
tempo sem se defender destas agressões. Ela
defende-se aumentando a quantidade de
queratina que a protege. Acontece, porém,
que isto não é fisiológico, as células deixam
de ser irrigadas e enervadas correctamente; a
mucosa fica como que calejada, aumentando por exemplo o limiar da dor, ou seja, o
paciente deixa de sentir a dor que seria um
sintoma indicador de que algo não está bem
com aquela mucosa, além de perder a cor
rósea/avermelhada característica de mucosas
orais saudáveis.
A simples solução
A técnica aqui proposta como solução é
muito simples. Não nos propomos a fazer algo
de extraordinário ou de muito novo. Pensamos
apenas em conciliar e manter o baixo custo e
acessibilidade de uma prótese parcial removível
acrílica, com a funcionalidade de uma prótese
parcial removível esquelética.
Basta para isto que todos os profissionais da
área tomem consciência dos perigos resultantes do uso prolongado de próteses acrílicas
convencionais e se proponham a tornar viável
uma técnica simples sem que isto se transfira
em elevados custos para o paciente.
A técnica propriamente dita é a inclusão de
retentores fundidos com apoios oclusais, feitos
à medida de cada dente usado como pilar, em
Por fim, alguns estudiosos revelam que
o uso prolongado de próteses acrílicas sem
apoios oclusais podem produzir lesões agudas
(úlceras) ou crónicas (hiperplasias gengivais ou
mucosas) que podem colaborar na instalação
de agentes carcinogênicos que produzem
mutações celulares, fenómenos algumas vezes
iniciadores de um cancro na boca.
Vista lateral da prótese com ganchos fundidos
95
96
conectores maiores feitos na mesma, apenas
com material acrílico. Isto implica, como é
lógico, um processo de fundição de metal que
a prótese acrílica não usa.
Assim, o gancho deve ser feito em cera,
obedecendo aos critérios de retenção, estabilização, reciprocidade (dados pelos braços de
retenção e estabilização), e principalmente
de suporte, (conseguido pela presença de um
apoio oclusal). Depois, devem ser incluídos
num cilindro com revestimento, pré-aquecido
em forno próprio, fundido e tratado, de modo
a ficar adaptado e justo ao dente pilar.
Todos os ganchos feitos com esta técnica
devem ter um prolongamento de modo a se
Fotografia de uma prótese parcial acrílica
funcional pronta.
poder fixar na resina acrílica. Este prolongamento pode ficar orientado por cima da crista
alveolar, de maneira a que os dentes artificiais
sejam montados sobre ele, ou então em situação interdentária, servindo assim também
como estabilizador horizontal, funcionando
como conector menor, como mostra a fotografia seguinte. Note-se que o prolongamento
não deve manter contacto com a mucosa, deve
portanto ficar envolto pela resina acrílica.
Assim conseguimos uma prótese parcial
removível acrílica, com todas as características biomecânicas inerentes a prótese parcial
removível esquelética.
A qualidade aumenta, assim como a funcionalidade da prótese em repouso e em carga
mastigatória. E não será este o nosso objectivo? Melhorar cada vez mais o bem-estar e a
saúde dos nossos pacientes.
Como conclusão, queremos apenas deixar clara a nossa
opinião de que com poucos recursos podemos fazer muito em
prol da saúde e bem-estar dos nossos pacientes. A realidade da
prótese dentária está a evoluir cientificamente em estética e em
função, mas apenas evolui para trabalhos muito dispendiosos e
inacessíveis para a maioria das bolsas
Conclusão
Como conclusão, queremos apenas deixar
clara a nossa opinião de que com poucos
recursos podemos fazer muito em prol da
saúde e bem-estar dos nossos pacientes.
A realidade da prótese dentária está a evoluir
cientificamente em estética e em função, mas
apenas evolui para trabalhos muito dispendiosos e inacessíveis para a maioria das bolsas.
No Brasil, por exemplo, próteses parciais
acrílicas sem apoios oclusais apenas são usadas
com carácter provisório, apenas enquanto não
se proporciona um trabalho melhor a título
definitivo.
Com esta técnica, os pacientes menos favorecidos, ou seja, os utentes de próteses acrílicas,
passam também eles a desfrutar de melhores
condições de utilização de suas próteses e
quem sabe até mesmo prevenir doenças mais
ou menos graves.
Assim, se todos nós, profissionais e utentes
de próteses, tomarmos consciência do perigo do uso de próteses parciais acrílicas mal
confeccionadas, ajudaremos, com esta e com
outras possíveis técnicas, a melhorar um panorama preocupante para todos nós.
Bibliografia
Todescan, Reynaldo et al, Atlas de Prótese Parcial Removível,
Santos – Livraria Editora.
www.saudevidaonline.com.br/odontonline
www.unioeste.br/projetos/unisol/projeto/c_odonto/p_
odo0nto_cancer_bucal.htm
97
Sónia Pereira
Psicóloga Clínica
Palavras-chave: Obesidade, adolescência, alimentação
saudável, nutrição, exercício, depressão, auto-estima,
autonomia
98
Resumo
O Projecto de Intervenção Psicológica em
Crianças e Adolescentes tem como objectivo ajudar os jovens obesos a perder de peso,
promovendo estilos de vida saudáveis e realizando psicoterapia de apoio, de modo a intervir
em variáveis psicológicas que frequentemente
estão associadas à obesidade. Foram incluídos
no projecto 15 jovens com vários graus de
excesso ponderal. Em comparação com os
valores do IMC (Índice de Massa Corporal)
obtidos na primeira consulta, verificou-se uma
descida do IMC ao longo do tratamento. No
que diz respeito aos aspectos mais qualitativos,
podemos referir que maior parte dos jovens
modificou os seus hábitos alimentares, mais de
metade dos jovens aumentou a actividade física, muitos destes jovens melhoraram a relação
com os pares e aumentaram a sua autonomia
em relação à família.
99
100
Introdução
A palavra obesidade é composta por ob
(excesso) e edere (comer). Significa, portanto,
comer em excesso. O excesso de gordura
resulta de sucessivos balanços energéticos
positivos, em que a energia ingerida é maior
do que a energia gasta (DGS, 2004). A etiologia da obesidade é ainda desconhecida mas
é, sem dúvida, multifactorial. A obesidade é
influenciada por factores biológicos, sociais e
comportamentais (Brownell & Wadden, 1992
cit. por Marcus, 1997).
A obesidade é um problema de saúde que
afecta uma elevada percentagem da população
mundial. É considerada um problema grave,
com uma prevalência extremamente alta e é
reconhecida como um dos maiores problemas
de saúde das sociedades modernas civilizadas
(Blundell & Hill, 1986). A obesidade é reconhecida como um problema de saúde pública
que tende a agravar-se (DGS, 2004).
Alguns estudos mostram que a incidência e
prevalência da obesidade nas crianças e adolescentes tem aumentado significativamente
(Barth et al. 1997, cit. por Davies, 1998). O
impacto psicológico que a obesidade tem
nestas faixas etárias pode ser determinante no
aparecimento de perturbações que podem
afectar estes indivíduos durante toda a sua vida
(Dietz, 1995).
Os jovens obesos vivem em permanente
sofrimento psicológico, o que é atestado pelo
fraco rendimento escolar e enurese, que ocor-
re em alguns casos (Ajuniaguerra & Marcelli,
1991). A obesidade impede as crianças e os
adolescentes de participar nas mesmas actividades dos seus pares, não só porque por vezes
são incapazes de as realizar (como no futebol
ou no atletismo), mas também porque são
frequentemente alvo de chacota (na praia, nos
balneários, na piscina, no ginásio ou nas festas).
Estes jovens procuram isolar-se, considerando
esta a única forma de se afastarem do tipo de
humilhações a que estão sujeitos. Desta forma,
e afastados do grupo de pares, os jovens obesos
perdem uma boa parte das experiências que
estão associadas ao crescimento mental saudável da adolescência (Bruch, 1973).
Quando uma criança é obesa é provável que
venha a tornar-se num adulto obeso. Os maiores factores de risco para o desenvolvimento
da obesidade são o IMC elevado na infância,
a predisposição genética e o estatuto socioeconómico baixo (Dietz, 1995; Linscheid &
Fleming, 1995). A prevenção da obesidade o
mais precocemente possível é essencial.
A obesidade está associada a inúmeras
complicações físicas, tais como diabetes tipo II,
neoplasias, hipertensão, disfunções do sistema
circulatório, hiperlipidemia, doenças da vesícula (Adexo, 2003).
A obesidade encontra-se também associada a perturbações psicológicas. A busca
da magreza é uma característica comum nas
sociedades ocidentais, pois o excesso de peso
está associado à falta de beleza física. Os obesos
são discriminados e sofrem frequentemente
de falta de auto-confiança e de falta de autoestima (Apfeldorfer, 1995; Blundell, 1987).
Perturbações emocionais como a ansiedade ou
a depressão aparecem frequentemente associadas à ingestão excessiva de alimentos. Alguns
autores defendem também que os obesos são
incapazes de identificar e reflectir sobre as suas
próprias emoções, utilizando a comida como
estratégia para ultrapassar os momentos mais
difíceis. São incapazes de ter comportamentos
assertivos, utilizando a comida como uma
estratégia adaptativa para evitar a tomada de
posição face aos outros (Apfeldorfer, 1997).
Tratar e investigar a obesidade antes da idade
adulta é extremamente importante, pois os
hábitos e estilos de vida da criança e do jovem
são mais fáceis de mudar do que os hábitos e
estilos de vida do adulto. Além disso, os jovens
sofrem mais a pressão da sociedade para que
fiquem magros e a preocupação com o peso
é maior, pois a gordura impede que os jovens
se sintam integrados no seu grupo de pares
(Gavino, 1992).
Apesar de ser evidente a importância de
um tratamento eficaz, a maior parte dos
tratamentos tem tido poucos resultados positivos a longo prazo, além da elevada taxa de
abandono. A terapêutica da obesidade constitui um permanente desafio e é muitas vezes
decepcionante. Ajudar um obeso a perder
peso é difícil e manter a perda de peso mais
difícil ainda (Torres, Reis & Medina, 1991).
Ao longo dos anos numerosos tratamentos
têm sido empregues para combater a obesidade. A maior parte dos tratamentos médicos
para a obesidade não tem tido bons resultados:
a perda de peso é difícil e as recaídas são muito
comuns (Blundell & Hill, 1986), provavelmente porque o tratamento da obesidade não
se limita apenas à área puramente médica ou
dietética.
Por esta razão, é importante que o tratamento tenha uma visão multidisciplinar, que
combine a educação nutricional, a actividade
física e também a avaliação e o trabalho de
variáveis psicológicas associadas ao excesso
de peso. O delineamento de um projecto de
intervenção na obesidade deve ter em conta
uma ampla gama de variáveis: hábitos alimentares, psicopatologia associada, apoio familiar,
auto-conceito, pensamentos distorcidos relacionados com o peso, etc.
No presente estudo procurámos criar um
projecto de intervenção psicológica que tem
como objectivo a perda de peso, mas também
tem em conta outras variáveis, tais como
a modificação dos hábitos alimentares, o
aumento da actividade física, as modificações
ao nível do auto-conceito, das relações interpessoais e dos resultados escolares.
101
Método
102
Distibuição dos utentes por sexo
Sujeitos
Foram enviados ao Centro de Saúde de
Oeiras 31 jovens obesos e, após terem sido
informados sobre as etapas do tratamento
na primeira consulta de psicologia, 13 desses
jovens não aderiram ao projecto. Após avaliação psicológica, 3 jovens foram excluídos do
projecto por apresentarem sintomatologia
psiquiátrica grave, tendo sido encaminhados
para a consulta de Pedopsiquiatria. Assim,
foram integrados no projecto 15 doentes
obesos. Tal como se pode observar no gráfico
73% são raparigas e 27% são rapazes.
Distribuição dos utentes por idade
Tal como se pode observar no gráfico,
as idades dos alunos incluídos no projecto
variam entre os 9 e os 19 anos. A maior parte
dos alunos tem entre os 11 e os 12 anos de
idade.
Instrumentos
Como instrumentos de avaliação psicológica foram utilizados: Entrevista Diagnóstica,
Inventário de Perturbações do Comportamento
Alimentar,Escala deAuto - Conceito,Inventário
Depressivo de Beck e Diários Alimentares.
A Entrevista Diagnóstica foi utilizada com o
objectivo de conhecer a história clínica, elucidar os problemas, conhecer a psicodinâmica e
a psicopatologia do sujeito.
O Inventário de Perturbações do Compor­
tamento Alimentar (Eating Disorders Inventory
– EDI) foi criado em 1983 por Garner, Olmsted
e Polivy. O EDI estabelece o perfil psicológico
e o grau de perturbação alimentar na população
normal, nos sujeitos que sofrem de anorexia
nervosa, bulimia nervosa e obesidade (Carmo
2001).
A Escala de Auto-Conceito (Piers-Harris
Self Concept Scale) foi criada por Piers-Harris
em 1969, com manual revisto em 1988. É um
dos instrumentos de medida do auto-conceito
mais utilizados em Portugal (Veiga, 1989).
O Inventário Depressivo de Beck (Beck
Depression Inventory) foi apresentado pela
primeira vez em 1961 por Aaron Beck. O
objectivo deste inventário é avaliar a depressão
e a sua severidade (Beck & Steer, 1993).
O Diário Alimentar foi elaborado para
a realização deste estudo e foi baseado em
diários alimentares criados por diversos autores
(Bruch, 1973; 1974; Clark & Goldstein, 1995;
Lacocque, 1991; Seidell, 1998; Wardle, 1989;
Wardle & Rapoport, 1998). Consiste num
quadro, em que o obeso regista diariamente
quais os alimentos que ingeriu, os sentimentos
associados à ingestão de certos alimentos, a actividade associada, o grau de fome, etc. Regista
também a frequência com que pratica uma
modalidade desportiva e a actividade física não
estruturada. Além de ajudar o técnico a investigar o comportamento alimentar do doente, o
que permite um tratamento mais personalizado, o diário ajuda o paciente a ter uma maior
consciência dos alimentos ingeridos (Wardle,
1989;Wardle & Rapoport, 1998).
103
Tratar e investigar a obesidade
antes da idade adulta é
extremamente importante,
pois os hábitos e estilos de
vida da criança e do jovem
são mais fáceis de mudar do
que os hábitos e estilos de
vida do adulto.
104
Procedimento
Este estudo é classificado como exploratório-qualitativo, que procura apoiar-se numa
análise qualitativa para desenvolver hipóteses
para a realização de uma pesquisa futura mais
precisa.
O estudo foi realizado no Centro de Saúde
de Oeiras (CSO) e decorreu entre Maio
de 2003 e Agosto de 2004. As escolas do
Concelho de Oeiras foram informadas sobre a
existência deste projecto e foram convidadas a
enviar para a Consulta de Psicologia do CSO
os alunos que consideravam ter indicações
para o projecto (obesidade associada a perturbação do comportamento alimentar).
Como método de classificação da obesidade
foi utilizada a tabela da Organização Mundial
de Saúde (Genebra), que se refere ao IMC
(Índice de Massa Corporal). O IMC obtémse através da seguinte fórmula: Peso (Kgs)/
Altura2 (m2). O peso considerado normal
varia entre 18,5 e 24,9. O Excesso de Peso
varia entre 25 e 29,9; a Obesidade grau I entre
30 e 34,9; a Obesidade Grau II entre 35 e 39,9
e a Obesidade Grau III acima de 40.
Os professores preencheram uma folha de
referenciação com os dados do aluno, que era
enviada à Equipa de Saúde Escolar do CSO.
Após ser contactado pela enfermeira da Saúde
Escolar, o aluno dirigia-se à primeira Consulta
de Psicologia com os pais. Nesta primeira
consulta foi feita a anamnese e o cálculo do
IMC. A avaliação psicológica foi realizada nas
3 consultas seguintes.
No caso de ter indicação para participar no
projecto, o aluno e os pais foram informados
sobre os objectivos do projecto, os instrumentos utilizados e os procedimentos a realizar nas
consultas seguintes. As consultas de psicoterapia de apoio foram marcadas quinzenalmente,
com a duração de cerca de 45 minutos.
A psicoterapia de apoio procurou trabalhar
variáveis que têm sido consideradas importantes no tratamento psicológico da obesidade:
Promoção de estilos de vida
saudáveis: hábitos alimentares e
exercício físico
Tal como defende Summerbell (1998), o
técnico de saúde que trata o doente obeso
deve facultar-lhe informações nutricionais
pois, independentemente do tipo de dieta que
está a seguir, há sempre alimentos que devem
ser evitados e alimentos cuja quantidade ingerida deve ser aumentada.
Informámos os jovens e as suas famílias
sobre as regras básicas de uma alimentação
saudável e facultámos diversos folhetos sobre
É importante que o tratamento tenha uma visão
multidisciplinar, que combine a educação nutricional,
a actividade física e também a avaliação e o trabalho
de variáveis psicológicas associadas ao excesso de
peso. O delineamento de um projecto de intervenção
na obesidade deve ter em conta uma ampla gama de
variáveis: hábitos alimentares, psicopatologia associada,
apoio familiar, auto-conceito, pensamentos distorcidos
relacionados com o peso, etc.
o tema. Sugerimos aos jovens que aprendessem a fazer sopa, que inventassem receitas
de sopa e recolhessem receitas em livros ou
na Internet. Sugerimos que aprendessem a
fazer sumos naturais, para substituir os sumos
de pacote, combinações de fruta fresca com
iogurte natural, batidos de leite com fruta, etc.
Desta forma procurámos introduzir a procura
e confecção de receitas naturais e saudáveis de
forma lúdica, que pudessem substituir os habituais snacks (batatas fritas, sumos de pacote,
sobremesas calóricas).
Informámos também sobre a importância do
exercício físico, sugerindo que iniciassem uma
modalidade desportiva ou que aumentassem
os níveis de actividade física. Foi realizada uma
pesquisa sobre ginásios e locais na zona onde
era possível fazer exercício físico. Foi dada essa
informação aos pais e ao utente nas primeiras
consultas. Algumas famílias não se mostraram
disponíveis para a realização de uma actividade
física estruturada, por dificuldades económicas,
por falta de tempo ou por não haver nenhum
ginásio perto de casa. Foram então sugeridas
diversas actividades não estruturadas, como
por exemplo andar no passeio marítimo, saltar
à corda, nadar na piscina, subir pelas escadas
em vez de elevador, andar de bicicleta, jogar
à bola com os amigos, dançar vigorosamente
em casa como se estivesse numa discoteca.
Contratos
A utilização de contratos pode contribuir
para a prevenção do abandono do tratamento (Jeffrey, Thompson e Wing, 1978 cit. por
Matos, 1990).
No início do acompanhamento terapêutico,
o jovem era informado sobre o seu peso actual
e sobre qual seria o peso aceitável para a sua
altura. Em todas as consultas era realizado um
pequeno contrato escrito, que continha as
regras a cumprir até à consulta seguinte, que
era assinado pelo jovem e era depois levado
para casa e entregue aos pais para que eles
também pudessem assinar. Estes contratos
permitiam, não só mostrar ao jovem que ele
era responsável e participante activo no seu
tratamento, mas também permitia que a família fosse encarada como parte integrante em
todo o processo. As regras foram negociadas
em conjunto com o jovem, sendo sempre dele
a decisão final.
105
106
Criar objectivos
Alguns autores defendem que a criação de
objectivos é fundamental para o tratamento de
perda de peso (Wardle & Rapoport, 1998).
No início do tratamento procurámos investigar qual era o peso desejado por cada um dos
jovens obesos.Verificámos que as expectativas
destes jovens eram demasiado elevadas, o que
poderia levar à desistência do tratamento
caso os resultados não fossem de encontro
às expectativas anteriormente estabelecidas.
Procurámos então negociar com estes jovens
metas mais realistas e explicar que a perda de
peso deve acontecer lentamente. Criámos
também sub-objectivos, que foram actualizados quinzenalmente.
Auto-controlo
A falta de auto-controlo contribui muitas
vezes para o insucesso do tratamento da obesidade. Consideramos que o doente consegue
aumentar o controlo do seu comportamento
alimentar se tiver maior consciência da quantidade de alimentos que ingere e das situações
que o levam a comer mais. Ao monitorizarem
o seu comportamento, os doentes envolvem-se
num processo de auto-avaliação (Apfeldorfer,
1997).
Sugerimos então aos jovens que registassem
em folhas próprias (diário alimentar) todos
os alimentos ingeridos. Este registo era realizado todos os dias e era pedido no início do
tratamento e sempre que considerássemos
necessário. O diário alimentar procurou
avaliar os hábitos alimentares dos jovens, assim
como graus de fome, locais preferidos para
fazer refeições, estados emocionais, duração
das refeições. Foi também avaliada a actividade
física, através do mesmo sistema de registo
diário.
107
Apoio social
O apoio social é uma peça fundamental no
tratamento da obesidade. O doente não pode
ver-se sozinho na tentativa de perder peso
(Perpiña & Baños, 1989).
Durante a avaliação foi feito um levantamento de quais as pessoas que poderiam participar
activamente no tratamento. Procurámos que
os obesos saíssem mais com outros jovens da
mesma idade, que procurassem companheiros para fazer exercício físico e para sair para
passear ao fim-de-semana.
Os padrões de comportamento da família também foram trabalhados, tal como as
crenças que por vezes apresentavam, como
a ideia de que determinados alimentos não
engordavam ou a ideia de que estavam a fazer
mal ao filho se não o levassem várias vezes por
semana a restaurantes de fast-food ou se não
lhe dessem doces para lanchar na escola. Foi
também explicada a importância de reforçarem positivamente os sucessos, ainda que
fossem pequenas perdas de peso.
Aumentar a autonomia
As modalidades de tratamento da obesidade
devem conduzir à procura da autonomia. O
obeso deve aprender a encontrar autonomia
face à alimentação e face aos outros (Gonthier
& Longerai, 1980).
Explicámos também aos pais que era
importante estimular a autonomia destes
jovens e estimulámos estes jovens a procurar
autonomia face aos pais. Procurámos ajudar os
obesos a perceber que a perda de peso dependia principalmente deles.
108
Cuidados com a imagem
Muitos obesos sofrem de uma perturbação
da imagem corporal, fazendo um evitamento
fóbico do corpo, esquecendo cuidados com
o corpo e desvalorizam-se permanentemente (Apfeldorfer, 1997; Wardle & Rapoport,
1998). Uma pobre imagem corporal resulta
numa pobre auto-estima e numa auto-eficácia
negativa. O doente sente que não controla
o seu corpo e que não consegue participar
activamente na sua perda de peso, desistindo
precocemente.
Procurámos reverter este problema, tentando recuperar a auto-estima, mesmo antes de
eles começarem a perder peso. Procurámos
reforçar as habilidades destes jovens, como a
pintura, a escrita, o teatro, etc. À medida que
iam perdendo peso foram sendo sugeridas
mudanças no visual, como a compra de
roupas mais justas e coloridas, a utilização de
mais acessórios e maquilhagem, mudanças de
penteado, etc.
Estratégias de coping
Para muitos obesos, a comida é utilizada para
se sentirem menos deprimidos (Apfeldorfer,
1997) ou menos ansiosos (Wardle & Rapoport,
1998). A comida permite o esquecimento das
dificuldades.
Procurámos então mostrar aos doentes
que existia uma relação entre as dificuldades
que atravessavam no dia a dia e a hiperfagia.
Ajudámo-los depois a desenvolver estratégias
de coping para enfrentar o mundo e os problemas, em vez de evitar as dificuldades e
refugiar-se na comida. Foram ensinadas técnicas de relaxamento e sugeridas actividades
incompatíveis com o acto de comer (dar um
passeio, ver montras, fazer desporto, etc.).
Resultados
Evolução do IMC-Médias
109
Conhecimento e afirmação de si
É importante ajudar o obeso a conhecerse melhor e a saber quais as situações que
o levam a comer mais (Apfeldorfer, 1997).
Utilizámos o diário alimentar para aumentar
este auto-conhecimento e para verificar que,
por exemplo, o peso aumentava em época
de testes, em que a ansiedade aumentava, e
consequentemente o excesso de ingestão de
alimentos calóricos; e em tempo de férias, em
que a actividade física diminuía.
Ajudámos os doentes a identificar e
diferenciar sentimentos, a falar sobre a sua
personalidade e a admitir que não têm só
defeitos, mas também qualidades. Ajudámos
também a enfrentar os conflitos e a perceber
sensações de agressividade e zanga. A afirmação de si passa também pela assertividade, pela
aprendizagem que podemos dizer “não” e
que podemos ter uma opinião discordante da
maioria sem corrermos o risco de os outros
gostarem menos de nós. A aprendizagem da
assertividade passa também por recusar educadamente um alimento num jantar ou numa
festa.
Como se pode observar no gráfico, o IMC
médio dos sujeitos na primeira consulta era de
30,5. A média do IMC mais baixo atingido
durante o decorrer do projecto foi de 28,7 o
que indica que, em média, os sujeitos perderam peso. O IMC médio na última consulta
foi 29, o que sugere que os sujeitos recuperaram algum do peso perdido, mas sem voltar
ao peso inicial. Os resultados sugerem que os
sujeitos perderam algum peso, tendo havido
manutenção dessa perda de peso.
Hábitos Alimentares
A análise dos hábitos alimentares dos sujeitos
no final do tratamento sugere que decorreram
algumas mudanças, em comparação com os
hábitos alimentares que os sujeitos tinham
antes do tratamento.A redução de doces ocorreu em quase 90% dos sujeitos, o aumento de
ingestão de sopa em cerca de 70% dos sujeitos.
A redução de refrigerantes ocorreu em quase
50% dos sujeitos.
Os hábitos que foram mais difíceis de
implementar foram: o aumento de grelhados e
cozidos (menos de 10%), o aumento de legumes (20%) e a diminuição de fritos (20%).
Actividade Física
110
Como se pode observar no gráfico, a decisão de iniciar a prática de uma modalidade
desportiva foi tomada por pouco mais de 30%
dos sujeitos que faziam parte do projecto. A
sugestão de aumentar a actividade física de
forma menos estruturada parece ter tido mais
sucesso, tendo sido adoptada por quase 70%
dos sujeitos.
Comportamento
No que diz respeito ao comportamento e
ao trabalho de factores psicológicos, podemos
salientar que a melhoria na relação com os
pares e o aumento da busca pela autonomia
foram os factores que originaram maior
mudança: 40% dos sujeitos melhoraram as
relações com jovens da mesma idade e 40%
procuraram maior autonomia em relação à
família. As melhorias no comportamento em
casa e na escola ocorreram em 27% dos sujeitos.A maior preocupação com o aspecto físico
e o aumento de sucesso escolar ocorreu em
20% dos jovens.
Discussão
Verificámos que, na generalidade, os
jovens que fazem parte deste projecto vivem
em permanente sofrimento psicológico,
apresentam baixo rendimento escolar, baixo
auto-conceito, tendência para afastamento
de outros jovens da mesma idade, excessiva
dependência em relação à família e pouca
confiança nas suas capacidades, especialmente na capacidade de perder peso.
Todos estes jovens tinham estilos de vida
pouco saudáveis, com hábitos alimentares
errados, associados ao sedentarismo. Quase
todos têm familiares próximos obesos, o
que poderá prever que a associação de todos
estes factores vai provavelmente originar
uma obesidade na idade adulta. Com o
objectivo de ajudar a prevenir que isso
aconteça, procurámos criar um projecto de
intervenção psicológica que pudesse contribuir para a mudança no estilo de vida, para a
perda de peso e para a melhoria de problemas psicológicos associados à obesidade.
Pensamos que grande parte dos objectivos
deste projecto de intervenção foi alcançada.
Observámos que a média do IMC dos
jovens teve um decréscimo durante o acompanhamento psicológico. Observámos ainda
que, no momento em que foram recolhidos
os últimos dados, a média do IMC destes
jovens tinha um ligeiro aumento em relação
aos valores mais baixos obtidos, mas sem
nunca se aproximar do IMC inicial. Estes
dados sugerem que os jovens que foram
submetidos ao acompanhamento psicoterapêutico conseguiram perder peso, tendo
conseguido também a manutenção dessa
perda de peso.
No que diz respeito aos hábitos alimentares, verificou-se que mais de metade dos
jovens diminuiu a quantidade de ingestão
de doces e aumentou a quantidade de sopa.
Alguns jovens aumentaram a ingestão de
salada e fruta e diminuíram a quantidade de
refrigerantes.
111
112
Notou-se alguma dificuldade na diminuição de ingestão de fritos e no aumento
da ingestão de alimentos cozidos, alimentos
grelhados e de legumes. Consideramos que
a participação da família neste caso é bastante importante e que a motivação do jovem
para mudar os seus hábitos alimentares não
é suficiente. Pensamos que a modificação
na forma de confeccionar os alimentos deve
ser feita para toda a família e não apenas para
o jovem que está a ser tratado. O trabalho
das famílias nesse sentido poderia originar
melhores resultados. Consideramos ainda
que o trabalho com as escolas também
poderia ser vantajoso para melhorar esta
intervenção, pois nem sempre as ementas das
cantinas respeitam as regras de uma alimentação saudável. O facto de terem disponíveis
Referências
Adexo (2003). Proposta ao Ministro da Saúde para
Tratamento da Obesidade em Portugal.
Ajuniaguerra & Marcelli (1991). Manual de psicopatologia
infantil (tradução portuguesa) (2ª ed.). Porto Alegre: Masson
(Original publicado em 1986).
Apfeldorfer (1995). Como, logo existo (tradução portuguesa). Lisboa: Instututo Piaget (Original publicado em 1991).
Apfeldorfer (1997). Anorexia, bulimia e obesidade (tradução
portuguesa). Lisboa: Instituto Piaget (Original publicado em
1995).
Beck, A. & Steer, R. (1993). Beck depression inventoryManual. San Antonio: Psychological Corporation.
Blundell, J. E. & Hill, A. J. (1986). Biopsychological interactions underlying the study and treatment of obesity. In
nas máquinas automáticas e no buffet apenas
alimentos calóricos, sem muitas alternativas
saudáveis, também deveria ser modificado.
No que diz respeito à actividade física,
verificou-se que foram poucos os jovens que
decidiram inscrever-se numa modalidade
desportiva, devido principalmente a razões
económicas. Pensamos que seria benéfico que, tanto a escola como as autarquias,
optassem por promover mais o exercício
físico criando mais espaços com modalidades desportivas que estes jovens pudessem
frequentar sem contrapartidas económicas.
O aumento da actividade física não estruturada, isto é, a adopção de comportamentos
menos sedentários, ocorreu em mais de
metade dos jovens.
M. J. Christie & P. G. Mellett (Eds.), The Psychosomatic
Approach: Contemporary Practice of Whole-Personal Care
(pp. 115-135): Chichester. John Wiley & Sons.
Blundell, J. (1987). Évolucion de la psychologie physiologique: Des causes aux interactions. Essai sur la biopsychologie
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and rehabilitation psychology (pp.157-173): New York.
No que diz respeito aos factores psicológicos, os resultados do estudo sugerem que
as mudanças ocorreram mais lentamente.
Quase metade dos jovens melhorou a
relação com pares e aumentou a busca pela
autonomia. Consideramos que a aceitação
por parte das famílias de uma maior aproximação aos pares e de uma maior busca de
autonomia nem sempre é fácil. As famílias
foram ajudadas a entender que a adolescência é uma fase importante de crescimento,
que passa por um certo afastamento do
jovem em relação aos pais.
É de salientar a enorme aderência dos
jovens à consulta de psicologia e do interesse crescente de familiares, professores e
técnicos de saúde. Pensamos que se justifica
Plenum Press.
Davies, P. (1998). Obesity in childhood. In Koppelman
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Matos, A. (1990).Abordagem comportamental da obesidade.
o alargamento desta intervenção a uma
maior população, de modo desenvolver
mais investigação sobre este tema e de modo
a ajudar mais jovens obesos a conseguir a
difícil tarefa de perder peso.
Nota:Artigo científico publicado nos Arquivos de Medicina e
apresentado sob forma de poster no XI Curso Pós-Graduação
de Endocrinologia, Diabetologia e Metabolismo e Curso
Básico de Alimentação e Nutrição Clínica, organizados pelo
Serviço de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto e Hospital de São João.
Revista Portuguesa de Pedagogia, 209-229.
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113
Gustavo Afonso
Enfermeiro graduado. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá.
Responsável pela Assistência Domiciliária de Enfermagem ([email protected])
Lara Costa
Enfermeira graduada. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá
Marta Miranda
Enfermeira graduada. Pós-Graduação em Enfermagem de Emergência. Centro de Saúde
de Braga – Unidade de Saúde do Carandá
114
Introdução
A acompanhar o desenvolvimento técnico
e científico da Medicina e da Enfermagem, a
abordagem das feridas e os produtos para o seu
tratamento e prevenção têm vindo também a
evoluir.
Relativamente ao tratamento de feridas,
existe um primeiro registo da execução de
pensos em 1600 a.C.
Desde tempos remotos, o tratamento de
feridas foi feito com produtos hoje em dia
impensáveis mas, em diferentes eras, com
preocupações e objectivos ainda actuais.
Na antiga Mesopotâmia, a título de exemplo, as feridas eram lavadas com água e leite
e cobertas com resina e mel. Os primeiros
princípios de assépsia foram introduzidos por
Hipócrates na antiga Grécia, continuando
porém, a serem utilizados produtos do quotidiano das pessoas como era o caso do vinho,
ovo e óleo de rosas.
A evolução a nível da indústria de pensos
desencadeou-se apenas a partir do século
XVIII.
No século XIX, devido a vários acontecimentos históricos como a Guerra da Crimeia,
a Revolução Industrial e diversas descobertas científicas (invenção do microscópio,
anestesiologia, pasteurização, esterilização,
implementação do uso de luvas e máscaras e a
descoberta dos antibióticos), desencadearamse grandes progressos na área do material de
penso e tratamento de feridas.
No entanto, foi nos anos 60, com os estudos
de George Winter, que surgiu o conceito de
cicatrização e tratamento de feridas em meio
115
húmido, método a partir do qual é criado
um ambiente com condições de humidade e
temperatura ideais para o processo de cicatrização.
Na década de 80,Turner definiu os critérios
aos quais deveria obedecer um penso ideal:
Manter ambiente húmido;
Remover o excesso de humidade;
Permitir trocas gasosas;
Manter isolamento térmico;
Proteger a ferida de agressões externas
(microbianas e físicas);
Ser livre de partículas tóxicas;
Permitir a sua remoção sem causar traumatismo ou dor.
É com base nestes pressupostos que a
indústria de pensos elabora materiais para o
tratamento de feridas.
Hoje em dia temos ao nosso dispor uma
variedade enorme de produtos para o tratamento e prevenção de feridas cujos efeitos
terapêuticos se baseiam em princípios favorecedores da cicatrização com menos efeitos
secundários e maior qualidade.
De forma a dar a melhor utilização a esses
produtos, prestando cuidados com qualidade
e atingindo ganhos em saúde, o seu conhecimento deve ser o mais completo possível,
aliado ao conhecimento integral da fisiopatogenia da cicatrização e a uma abordagem
holística da pessoa portadora de uma ferida.
Neste artigo pretendemos a apresentação,
de uma forma clara, do material de penso mais
utilizado e disponível no mercado.
116
Hidrogéis
Os Hidrogéis são compostos essencialmente por água (70% a 90%) e outros sistemas
cristalinos de polissacarídeos e polímeros
sintéticos.3,8 Promovem a hidratação dos tecidos, favorecendo o desbridamento autolítico e
contribuindo para a angiogénese, granulação e
epitelização. A sua utilização combinada com
a colagenase potencia o efeito desbridante
enzimático da última.
Pela sua acção hidratante, contribui para a
diminuição da dor, uma vez que não adere
ao leito da ferida permitindo a sua remoção
atraumática.
Foto 1: Exemplos de hidrogéis sob a forma de gel amorfo.
Indicados particularmente para feridas com
necrose, podem ser utilizados em tecidos de
granulação e epitelização.
Existem várias apresentações: gel amorfo,
malha e placa. Sob a forma de gel e/ou
malha é necessária a utilização de um apósito
secundário (hidrocolóide ou hidropolímero,
de acordo com a quantidade de exsudado).6
A mudança de penso pode ser efectuada de
3 em 3 dias.
Foto 2: Aplicação de hidrogel em úlcera de pressão com
tecido desvitalizado.
117
Hidrocolóides
Apresentam-se sob a forma de placa e
hidrofibras.
As placas são constituídas por duas camadas:
uma interna composta por carboximetilcelulose (CMC) sódica, pectinas e gelatina; e
outra externa, composta por uma lâmina de
poliuretano. Em contacto com o exsudado da
ferida, é formado um gel, de cor e odor característicos (e algo desagradáveis) que promove
o desbridamento autolítico. Possuem uma
baixa a moderada capacidade de absorção do
exsudado. Por serem oclusivos constituem uma
barreira mecânica à contaminação bacteriana
mas, pela mesma razão estão contra-indicadas
em feridas com infecção prévia.1,4
Foto 3: Exemplos de hidrocolóides.
Têm também indicação como método
preventivo em áreas sujeitas a fricção.
Existem em várias dimensões e formatos
anatómicos específicos (como por exemplo,
região sacrococcígea) com e sem rebordo.
As hidrofibras gelificam em contacto
com o exsudado, tendo grande capacidade de
absorção (mecanismo de absorção vertical que
impede a maceração dos tecidos peri-lesionais).
São úteis para feridas moderada a extremamente exsudativas e feridas cavitárias.2,4
Foto 4:Aplicação de hidrocolóide (hidrofibra) em deiscência
de ferida cirúrgica.
Hidropolímeros
Compostos por espumas hidrocelulares com
substâncias hidrofílicas.
118
Têm grande capacidade de absorção do
exsudado (mesmo sob compressão elástica)
diminuindo o risco de maceração da pele
peri-lesional, uma vez que não gelificam em
contacto com o exsudado.3,8
Estão indicados como apósitos primários
em feridas em granulação e epitelização e
como apósitos secundários associados a outro
material de penso como por exemplo os
hidrogéis nas feridas com necrose.
Foto 5: Exemplos de hidropolímeros.
Têm também indicação para prevenção de
úlceras de pressão por actuarem no alívio da
pressão.4
Apresentam-se com e sem rebordo adesivo,
com vários formatos anatómicos específicos
(por exemplo, zona sacrococcígea e calcâneos) e sob a forma de estruturas esféricas para
feridas cavitárias.
Podem permanecer na ferida até um tempo
máximo de 7 dias e a sua frequência de
mudança está dependente da quantidade de
exsudado.7
São também úteis para aplicação em feridas
em hipergranulação.
A sua utilização está desaconselhada nas
feridas infectadas.
Foto 6: Aplicação de hidropolímero em ferida em granulação.
Apósitos com Prata
Apósitos impregnados com prata em diferentes percentagens e associada a diferentes
materiais (hidrocolóides, poliuretano, carvão
activado, hidrofibras e alginatos) adequados às
condições do leito da ferida e à quantidade de
exsudado.
A prata tem acção bactericida uma vez
que actua provocando alterações estruturais
na parede e membranas celulares bacterianas,
sem danificar as células humanas. É eficaz em
infecções provocadas por um grande espectro
de microorganismos incluindo os multiresistentes nomeadamente Pseudomonas aeruginosa,
Staphylococcus aureus e Candida albicans. Não lhe
são conhecidos efeitos secundários e produz
escassas resistências.5,7
Por estas razões está indicada para feridas
criticamente colonizadas e/ou infectadas. Este
diagnóstico deve ser devidamente comprovado e poderá ser necessário a associação de
antibioterapia sistémica.
A maioria dos apósitos liberta a prata, na sua
forma iónica, de forma controlada e gradual,
para o leito da ferida, com excepção do penso
de carvão activado com prata que adsorve o
exsudado e inactiva as bactérias em contacto
com o penso.6
119
Foto 7: Exemplos de apósitos com prata.
Foto 8: Aplicação de apósito com prata em úlcera venosa
infectada.
O colagénio comercializado é derivado da cartilagem da
traqueia de bovinos. É uma proteína presente na pele,
com funções importantes no processo de cicatrização uma
vez que estimula o crescimento do tecido de granulação
por estimulação da angiogénese e desenvolvimento dos
fibroblastos.
120
Alginatos
Os alginatos são polissacarídeos naturais
derivados do ácido algínico extraído de algas
marinhas.
Actuam por troca iónica entre iões cálcio
do alginato e os iões sódio do exsudado da
ferida. Em contacto com este, forma um gel
que cria um ambiente húmido favorecendo a
cicatrização, promove o desbridamento autolítico e o alívio da dor (por humedecimento
das terminações nervosas). Tem ainda efeito
hemostático pela acção dos iões cálcio.1,4
Foto 9: Exemplo de alginato.
São úteis em feridas infectadas uma vez que
têm algum efeito bacteriostático por retenção
de microorganismos na sua estrutura.
Estão indicados em feridas extremamente
exsudativas visto terem capacidade de absorção de 10 a 20 vezes o seu peso. Não são de
utilidade na presença de necrose seca ou feridas pouco exsudativas.3,7
É a quantidade de exsudado que indica o
tempo de permanência na ferida que pode ser
de 7 dias.
Apresentam-se sob a forma de apósitos e
tiras. As tiras são indicadas para feridas cavitárias e profundas.
Foto 10:Aplicação de tira de alginato em deiscência de ferida
cirúrgica.
121
Material de Penso Impregnado
Existe material de penso impregnado com
gordura (sem efeitos terapêuticos) e impregnado com fármaco (com efeitos terapêuticos).
Material de penso impregnado com
gordura
O principal efeito destes apósitos impregnados com vaselina, parafina ou lanolina, é
proteger a ferida da aderência das compressas
de modo a evitar a destruição dos tecidos
neoformados.Tem especial indicação em feridas pouco exsudativas e em fase de granulação
e/ou epitelização.2,5
A frequência de mudança do penso varia
entre 1 a 3 dias.
Foto 11: Exemplos de material de penso impregnado com
gordura.
122
Material de penso impregnado com
fármaco
Existe material de penso impregnado com
clorohexidina a 0,5% e com iodo (compressa
impregnada com iodopovidona a 10% e gaze
impregnada com cadexómero de iodo).
Foto 12: Aplicação de compressa primária impregnada com
gordura em ferida cirúrgica.
São úteis como antisépticos e, por isso, estão
indicados para feridas infectadas.
Os pensos impregnados com iodo têm
espectro de acção mais alargado visto actuarem
sobre fungos,vírus,esporos e protozoários,além
de bactérias Gram positivas e Gram negativas.
Têm, no entanto, contra-indicação nos casos
de hipersensibilidade ao iodo e iodopovidona,
em doentes com história de doença da tiróide
ou com graves alterações da função renal, em
mulheres grávidas e a amamentar e em feridas
muito extensas devido ao risco de absorção
sistémica.2,5
Foto 13: Exemplo de material de penso impregnado com
fármaco (iodo).
Foto 14: Aplicação de compressa impregnada de iodo em
ferida infectada.
123
Apósitos com Silicone
São compostos maioritariamente por silicone.
A sua principal característica é a não
aderência ao leito da ferida, não interferindo
negativamente no processo de cicatrização.
Permitem a sua remoção sem traumatizar os
tecidos neoformados e sem provocar dor.4
Foto 15: Exemplos de apósitos com silicone.
A selecção do material
a utilizar no tratamento
local deve ter por base as
orientações técnicas existentes
e o tratamento de feridas
deve ser efectuado em equipa
multidisciplinar.
Estão indicados em feridas em fase de
granulação, feridas em que se verifique grande
aderência de outros apósitos e em feridas cujo
tecido peri-lesional esteja fragilizado.
Existem em forma de tule, placa e em associação a espumas de poliuretano. As placas são
úteis para evitar colóides e melhorar os resultados estéticos da cicatrização.
Apósitos de Colagénio
O colagénio comercializado é derivado
da cartilagem da traqueia de bovinos. É
uma proteína presente na pele, com funções
importantes no processo de cicatrização uma
vez que estimula o crescimento do tecido de
granulação por estimulação da angiogénese e
desenvolvimento dos fibroblastos.1,4
Está indicado para feridas crónicas sem evolução, idealmente sem necrose e/ou infecção.
124
Devem utilizar-se com apósito secundário
(ex.: espumas).
Filmes ou Películas de Poliuretano
Formados por uma lâmina de poliuretano
transparente e semipermeável – permeável ao
vapor de água e gases, e impermeável à água e
microorganismos.
Não têm capacidade de absorção.6
Estão indicados como apósitos primários
em feridas em epitelização e sem exsudado ou
para prevenção em pele sujeita a fricção. Estão
indicados ainda como apósitos secundários
para fixação de outro material de penso, como
por exemplo, hidrogéis.7,8
Estão contra-indicados em feridas infectadas.
Apresentam-se sob a forma de pó ou grânulos.
Foto 16: Exemplo de apósito de colagénio.
Foto 17: Exemplos de filmes ou películas de poliuretano.
Ácidos Gordos Hiperoxigenados
Compostos por ácidos gordos essenciais
(ex.: ácido linoléico).
Actuam por aumentar a hidratação da pele e
a microcirculação sanguínea.
Estão indicados na prevenção de úlceras de
pressão e tratamento de úlceras de pressão de
grau I.4
Apresentam-se sob a forma de spray e cápsulas. Aplicam-se sobre a pele íntegra devendo
efectuar-se uma massagem suave até à absorção total do produto, devendo repetir-se este
procedimento 2 a 3 vezes por dia.
Foto 18: Exemplos de ácidos gordos hiperoxigenados.
125
Foto 19: Aplicação de ácidos gordos hiperoxigenados em
zona de pressão.
126
Conclusão
As necessidades das pessoas portadoras de
feridas não se compadecem com lacunas no
conhecimento relativo a esta temática, assim
como as políticas de saúde não permitem
procedimentos que não respeitem a relação
custo/benefício dos produtos disponíveis e
utilizados.
Actualmente existe material de penso capaz
de estabelecer uma interacção com o leito da
ferida e capaz de promover a sua cicatrização
em tempo útil e com qualidade, optimizando
recursos materiais e humanos.
A selecção do material a utilizar no tratamento local deve ter por base as orientações
técnicas existentes e o tratamento de feridas
deve ser efectuado em equipa multidisciplinar.
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sobre cicatrización y cura en ambiente húmedo. Madrid: Jarpyo.
Proxima Edição
Carla Morgado, Isaura Tavares
Neuropatia diabética
A elevada e crescente prevalência da
diabetes em países desenvolvidos levou a que
a Organização Mundial de Saúde designasse a
doença como uma pandemia do século XXI.
A diabetes caracteriza-se por hiperglicemia
associada à insuficiência de insulina ou
alterações no seu modo de acção e afecta
vários sistemas orgânicos, incluindo o sistema
cardiovascular, excretor, visual e nervoso. Um
dos resultados do atingimento do sistema
nervoso é a neuropatia diabética.
128
Jó Eduardo Esteves de Andrade
A avaliação da pressão intraabdominal como factor de
prevenção da síndroma
compartimental abdominal
A síndroma compartimental abdominal
apenas recentemente recebeu atenção
considerável. Esta pode ser definida como
um conjunto de consequências fisiológicas
adversas, que ocorrem como resultado
de uma persistente elevação da pressão
intra-abdominal. As causas mais comuns da
síndroma compartimental abdominal são:
hemorragia, edema visceral, pancreatite,
distensão intestinal, obstrução da mesentérica,
ascite, peritonite e tumor.
Adriano Rockland, Janieny Vieira, Wagner
Teobaldo Lopes de Andrade, Silvia Damasceno
Benevides, Antônio Figueiredo Caubi
Tratamento miofuncional
numa criança com fractura
de côndilo mandibular e
sucção digital
A fractura de côndilo em crianças é um
factor que potencializa o surgimento de alterações no crescimento facial e a associação a
hábitos nocivos pode aumentar, ainda mais, a
possibilidade de ocorrência de deformidades.
Mário Reis
Medicina Basedada na
Evidência
Evidence Based Medicine (EBM) é o nome
original dado a um método de prática clínica
traduzido para português como Medicina
Baseada na Evidência. A tradução não foi
feliz porque o significado correcto da palavra
inglesa Evidence é prova, e o termo português
evidência, bem pelo contrário, implica não
haver necessidade de prova. Porém, a tradução
inicial generalizou-se e hoje faz parte do vocabulário correntemente utilizado na Medicina.
A Medicina Baseada na Evidência define-se
como uso o consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência actual no processo
de tomada de decisão clínica, particularizando
o doente.
Antunes A, Botelho MF, Gomes CM, de Lima JJP,
Silva ML, Moreira JN, Simões S, Gonçalves L
Desenvolvimento de
liposomas com afinidade
para áreas miocárdicas
isquémicas –resultados
preliminares
… Para além do seu papel como modelo de
membrana biológica, os liposomas começaram mais recentemente a ser encarados como
possíveis vesículas transportadoras de fármacos… Desde então a ideia estendeu-se a várias
outras aplicações clínicas como o tratamento
de neoplasias através do encapsulamento de
fármacos para quimioterapia, encapsulamento de agentes quelantes para tratamento de
intoxicações por metais pesados e também,
mais recentemente, o uso de liposomas para
o diagnóstico e tratamento de situações de
isquémia mesentérica e miocárdica (estudos
com experimentação animal).
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