Alternativas para a televisão digital no Brasil – mas...ainda televisão
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Alternativas para a televisão digital no Brasil – mas...ainda televisão
REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO Alternativas para a televisão digital no Brasil – mas...ainda televisão? Claudio Nazareno1 Resumo Este trabalho discute novos caminhos para a televisão brasileira em tempos de digitalização e de convergência de meios. O estudo sugere que ainda faz sentido em se pensar no futuro da televisão como meio de comunicação. Recorrendo a exemplos internacionais, o trabalho analisa como a comunicação e os modelos de negócios foram alterados pelos novos meios de comunicação. Como soluções para o desenvolvimento da indústria nacional de conteúdo audiovisual e da radiodifusão pública, o trabalho indica a adoção da multiprogramação e de cotas substanciais de produção independente para as emissoras públicas, em especial para o canal TV Brasil. Palavras-chaves: televisão digital, regulação, conteúdos audiovisuais, televisão pública Abstract This paper discusses alternatives for Brazilian television in times of digitalization and media convergence. The study suggests that it still makes sense to think about the future of television as a communication medium. Drawing on international examples, this paper analyses how communication and business models have changed by new media. As solutions for the developments of the national industry of audiovisual content and public broadcasting, the paper indicates the adoption of multiprogramming and substantial independent production quotas for public broadcasters, in particular for the channel TV Brasil. Key-words: digital television, regulation, audiovisual content, PSB Resumen Este trabajo analiza alternativas para la televisión brasileña en tiempos de digitalización y convergencia de medios. El estudio sugiere que todavía tiene sentido pensar en el futuro de la televisión como medio de comunicación. Tomando ejemplos internacionales, son analizados cómo los modelos de comunicación y de negocios han sido cambiado por los nuevos medios. 1 O autor é consultor legislativo da Câmara dos Deputados nas áreas de ciência e tecnologia, comunicações e informática. O trabalho atual é derivado da tese de doutorado defendida na Universidade de Roehampton, Londres, em 2012. Claudio Nazareno é pesquisador visitante na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. [email protected] REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO Como soluciones para el desarrollo de la industria nacional de contenidos audiovisuales y de la radiodifusión pública, esta investigación indica la adopción de la multiprogramación y de sustanciales cuotas de producción independientes para las emisoras públicas, en particular para el canal TV Brasil. Palavras clave: televisión digital, regulación, contenidos audiovisuales, televisión pública Introdução Muito tem se falado sobre o fim da televisão tradicional e como os novos meios tem alcançado novos patamares de audiência e de faturamento. Certamente esse fenômeno é mais notado nos países aonde a internet possui maior penetração. No Reino Unido, por exemplo, o Google ultrapassou, em 2007, o maior canal comercial do país, a ITV, em receitas publicitárias (Sabbagh, 2007). Dois anos após, naquela mesma nação, o mercado publicitário da internet ultrapassou o da televisão (Sweney, 2009). Em 2011, as receitas do Google com publicidade nos EUA ultrapassaram a de todo o mercado de jornal impresso do país. Seguindo a escalada das empresas .com a Netflix, que oferece videos sob demanda pela internet, ultrapassou, em 2013, o canal premium de televisão por assinatura HBO em número de assinantes naquele que é o maior mercado de audiovisual do mundo. É inegável que a internet é um meio poderoso e que ocupa cada vez mais o tempo das pessoas. No entanto, essa possível percepção de que a televisão está caindo em desuso deve ser melhor analisada. Hundley e Shyles (2010) nos EUA e Van Cleemput (2010) na Bélgica encontraram que os usuários mais jovens, caracterisados por serem multi-tarefas e multimediáticos, continuam utilizando a televisão, apesar dos novos meios deslocarem aquela de ser a única fonte de entretenimento e informação. Nessa mesma linha, Pan (2004) verificou que, apesar de 70% dos jovens se utilizarem simultâneamente de mais de um meio, a televisão ainda é assistida de maneira significativa. Em Tóquio e em Londres, pesquisadores e analistas encontraram que mesmo quando os jovens se utilizam das redes sociais, muito frequentemente eles estão comentando acerca de conteúdos transmitidos pela televisão (Pennington, 2009; Takahashi, 2010). Esses achados corroboram outros que indicam que os novos meios, ao invés de subsituir, suplementam os tradicionais (Papathanassopoulos e Negrine, 2011: 110-2), apesar de alguns casos claros de subsituição como no caso dos jornais impressos (De Waal e Schoenbach, 2010). Várias pesquisas podem ser acrescentadas a esta discussão aumentando as incertezas trazidas pela era digital. 2 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO Com a convergência digital e os novos aparelhos portáteis, o futuro da televisão deve ser analisado tendo-se em conta que a televisão não é mais um meio isolado de comunicação. Ao invés, é parte integrante de um novo leque de serviços trazidos à reboque pelos novos tempos digitais. Considerando esse cenário de continuidade da televisão e da radiodifusão, outros são os questionamentos que devemos nos fazer em tempos digitais. Quais as possibilidades de crescimento da radiodifusão e da indústria do audiovisual no Brasil em face à convergência de meios? E não menos importante, como realizar a migração para a televisão digital de modo a que a sociedade seja beneficiada? Na busca de soluções para essas indagações, o presente trabalho apresenta alternativas concretas para o futuro da televisão brasileira. O artigo está dividido em cinco sessões incluíndo esta introdução. Na segunda sessão é analisada a persistência da televisão em tempos de convergência digital. A seguir o estudo analisa quais são os canais que concentram o foco dos usuários. No quarto ponto, são comparados ao caso brasileiro os modelos de negócios dos EUA, Reino Unido e França. Por fim o trabalho oferece alternativas a serem trilhadas na implementação da TV digital brasileira. A resistência da televisão Para se verificar a continuidade da importância da televisão em tempos digitais, o estudo do tempo de uso do meio nos oferece importantes dados para reflexão. Dados da agencia reguladora de comunicações do Reino Unido, Ofcom (2006: 39; 2007: 17; 2008: 28; 2009: 18; 2010: 13, 19; 2011: 11, 23; 2012a: 11, 28), mostram que, nos últimos dez anos, o tempo de uso da televisão e da internet nos domicílios daquele país aumentou. No entanto, os números indicam que, em casa, os usuários gastam, em média, nove vezes mais tempo assistindo televisão (cerca de 240 minutos) do que navegando pela internet (35 minutos). Apesar dos dados indicarem que a internet está aumentando em popularidade no Reino Unido, provavelmente, a velocidade com que o tempo de uso da internet va cresçer esteja diretamente relacionado com a renovação demográfica da população. Assim, em países com maior propoção de população adulta e de idade madura, a importância da televisão poderá continuar por mais tempo, ao contrário de países com maior crescimento demográfico e com maior quantidade de jovens como é o caso brasileiro. Pode-se dizer, talvez, que há um 3 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO sentimento comum que indique que, entre a população jovem, a internet ganhará em importância mais rapidamente. De acordo com o instituto de pesquisa Attentional, “a audiência convencional [de televisão] entre pessoas de 16 a 34 anos de idade tem declinado mais rapidamente do que em outras faixas etárias” (citado em Pennington, 2009). Já a Ofcom (2012b: 139) indica que em vários países o uso da internet para assistir conteúdos televisivos aumentou. Em 2011, 42% dos usuários do Reino Unido, 31% da França e 31% nos EUA se utilizaram da internet para assistir conteúdo gerado para a televisão. Esse aumento é outro indicativo da importância dos conteúdos produzidos para a televisão. Se por um lado a digitalização e a internet propiciam o aumento de competidores na produção de conteúdos audiovisuais, estas pesquisas indicam a importância da televisão também no tráfego consumido na internet.2 Se por um lado os dados apresentados indicam que a televisão ainda é um poderoso meio de comunicação em diversos países, mesmo em tempos de convergência digital, por outro lado é preciso contextualizar esta sugestão para o caso brasileiro. A pesquisa atualizada anualmente pela Ofcom também mostra a continuada importância da televisão para a audiência brasileira. Nos EUA, Reino Unido (240) e França (230) o consumo diário nas residências tem aumentado (repsectivamente 290, 240 e 230 minutos, em 2011). No Brasil o número tem se mantido em torno dos 225 minutos (Ofcom, 2006b: 30; 2007b: 126; 2008b: 139; 2010b: 13, 163; 2011b: 11; 2012b: 11). A realidade socio-econômica do país nos permite ainda tecer a seguinte consideração. Em se considerando que, segundo o IBGE (2010: 96), há mais aparelhos de televisão no país do que geladeiras podemos supor que a audiência em família tem um papel mais preponderante naquelas residências com menores recursos e que dependem da televisão como única fonte de entretenimento e de informação. Assim, não há como negar que a televisão continue sendo um meio importante no país. De maneira adicional, o gráfico mostra ainda que, comparado aos EUA que assistem uma hora a mais por dia, a televisão poderia ter um uso ainda mais intensivo. Dessa forma, pela análise do tempo de audiência da televisão e pelas finalidades de uso da internet apontadas por outros pesquisadores, podemos sugerir que em tempos de digitalização, de multiplicação de canais e da relativa convergência digital, a televisão continua a ser apreciada pela população. No entanto, também como afirmado por diversos pesquisadores, devemos reconhecer que o crescimento da internet alterou a forma de se consumir conteúdos televisivos. 2 Essa discussão tem levantado polêmicas com relação à manutenção da neutralidade da internet. As empresas de telecomunicações e provedores de acesso, alegando um melhor gerenciamento das redes, reivindicam velocidades diferenciadas de acordo com o tipo de tráfego. Já os provedores e agregadores de conteúdos são contrários à medida. (ver discussão detalhada em Simões Da Silva, Oliveira Paulino e Valle Rodrigues Da Costa, 2013). 4 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO Nesse novo cenário será que os canais tradicionais continuarão a ser os mais assistidos e, portanto, seguirão sendo importantes promotores da indústria do audiovisual, justificando, assim, serem objetos de regulamentação? Buscando responder esse questionamento, na próxima sessão iremos discutir a evolução recente dos índices de audiência das grandes redes no país e a competição dos canais tradicionais com a televisão por assinatura e a internet. Os canais assistidos atualmente e a competição com a TV paga e a internet Em tempos de convergência digital e de ‘longa cauda’ os telespectadores não mais se concentram em assistir aos canais tradicionais (as grandes redes nacionais abertas) e podem utilizar o aparelho de televisão para dar novos usos à televisão. Dados do Ibope (Grupo De Midia, 2010: 279; 2011: 293; 2012: 331) mostram que as grandes redes tem perdido atratividade para os demais canais abertos, canais da TV paga e outros usos para a televisão (tais como DVD e videogames). De 2005 a 2010, aquela categoria (doravante denominada ‘Outras’) aumentou em 7% o seu share, igual ao acréscimo experimentado pela Record. Por outro lado, os maiores perdedores no período em análise são o SBT, 6%, e a maior rede brasileira, a Globo, 9%. Outro dado importante ressaltado pelos dados do Ibope é a falta de atratividade da TV Brasil. A emissora pública brasileira apresenta índices de audiência menores aos da Rede TV. Se por um lado a audiência indica que houve um re-arranjo no posicionamento de audiência das emissoras, por outro o aumento da categoria ‘Outras’, analisado de maneira isolada, não indica os possíveis responsáveis pela fragmentação da audiência. Comparando a evolução do share da categoria ‘Outras’ com o aumento da penetração da TV por assinatura e da internet aferidos pela agência reguladora Anatel (2012: 12) e pela iniciativa Teleco (2013) verifica-se maior correlação com a TV paga. Apesar do crescimento acelerado da internet nos anos 2006 a 2009, a evolução de ‘Outras’ não apresentou as mesmas taxas. Neste ponto da análise deve-se admitir, no entanto, que outros fatores podem alterar as preferências dos usuários. Por exemplo, a existência de eventos de grande interesse de audiência (tais como Copas ou Olimpíadas), conteúdos de sucessos atípicos, atividade econômica geral do país, etc. Todavia a análise aqui depreendida confirma a de outros pesquisadores que indicam que há, sim, um aumento da fragmentação da audiência de televisão. Os dados,no entanto, indicam também que a televisão aberta continua a ter grande importância. Considerando o objetivo deste trabalho, esta constatação nos leva a, no mínimo, dois pontos para reflexão. 5 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO Primeiramente, a convergência digital e a proliferação de canais demonstra que as grandes redes devem rever seus modelos de ocupação dos espaços de comunicação, agora multiplicados pela digitalização e, consequentemente, seus models de negócios. Em segundo lugar, a proliferação de canais e de veículos é, muitas vezes, dominado por grandes grupos globais. Assim, caso o país deseje estimular a indústria nacional do audiovisual, tanto por razões sócio-culturais quanto econômicas, o desenvolvimento desse setor ainda é fortemente dependente da radiodifusão aberta, e, portanto, da radiodifusão comercial. Esses dois pontos serão os próximos focos de discussão do presente trabalho. Os modelos de negócios do audiovisual em tempos digitais Sem realizar uma análise exaustiva dos modelos de negócios da mídia pelo mundo, nesta discussão cabe apresentar de maneira resumida as principais características de três importantes mercados audiovisuais no mundo: os EUA, Reino Unido e França. De acordo com dados da Ofcom (2012b: 11), o maior mercado mundial de televisão é o dos EUA, com faturamento anual de US$ 150 bilhões. A seguir, o Reino Unido e a França foram escolhidos nesta comparação por possuirem mercados semelhantes ao brasileiro (17, 15 e 18 bilhões de dólares, repectivamente, ainda segundo a Ofcom). Outro ponto importante a ser considerado é que esses países europeus, são considerados casos de sucesso na indústria do audiovisual, com algumas limitações, como veremos a seguir. Os Estados Unidos, se caracterisam por possuirem grupos nacionais de alcançe global, extremamente consolidados e que possuem negócios em toda a cadeia de valor do audiovisual incluíndo: estúdios em Hollywood, canais abertos e pagos, e direitos de distribuição internacionais. Os cinco maiores grupos dos EUA com presença em todos os mercados são a Time Warner/CW, Disney/ABC, Viacom/CBS, Twenty Century Fox/Newscorp e Comcast/NBC/Universal (com faturamentos, em 2011, de 29, 40, 15, 33 e 56 bilhões de dólares, respectivamente) (Blumenthal e Goodenough, 2006: 129-49; Free Press, 2013).3 Com esses grupos dominando a radiodifusão aberta e paga pode-se dizer que o modelo de financiamento do audiovisual americano não se resume à publicidade comercial, mas sim a um mix de receitas provenientes da publicidade, assinaturas, salas de cinema, videogames, internet, exportação e outros. Ou nas palavras de Doyle (2010), as grandes redes hoje realizam o comissionamento, lançamento e distribuição de conteúdos em versões “360 graus”, ou seja, para todas as mídias 3 CW, ABS, CBS, Fox e NBC são as grandes redes da radiodifusão aberta nos EUA. 6 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO possíveis. Esse grande poder de mercado das grandes redes teve influência na forma como a digitalização da televisão aberta foi feita naquele país. Nos EUA foi adotada a monoprogramação. Provavelmente devido ao grau de consolidação da mídia nos EUA, que, como foi visto, se estende para a radiodifusão, na digitalização da televisão aberta daquele país foi mantido o mesmo modelo de negócios. A digitalização foi encarada como uma mera atualização tecnológica. Assim, o país optou pela monoprogramação.4 Já na Europa, talvez devido à preponderância da radiodifusão pública, a digitalização foi encampada de maneira mais radical. Lá a opção adotada foi a da multiprogramação. Ao se adotar a monoprogramação nos EUA, a possível competição na radiodifusão digital foi limitada e, assim, as grandes redes existentes no mercado daquele país mantiveram o controle sobre o mercado da radiodifusão. Atualmente, no entanto, há propostas para se adotar a multiprogramação naquele país, especialmente na televisão móvel (Simon e Aitken, 2011). Possivelmente a motivação para essa mudança de postura seja a queda de audiência das grandes redes e o aumento da importância (e da velocidade) da telefonia móvel e da internet. A indústria do audiovisual dos EUA tem outra característica única que deve igualmente ser analisada: o tamanho de seu mercado interno. De acordo com Grant (em depoimento no Parlamento britânico, ver House of Lords, 2010), somente aquele país, com uma população acima de trezentos milhões de habitantes, suporta internamente a produção de dramas de alto custo, não dependendo os produtores nacionais de subsídios ou de regulação para a produção de conteúdos (para mais sobre "imperialismo cultural" e poder das mídias globais ver, entre outros, Schlesinger, 1991; Schiller, 1992: 15; Mcchesney, 2004; 2009: 188-200; Schiller, 2009: 247-60). É exatamente o ponto da intervenção econômica na indústria do audiovisual por parte do estado que separam os três exemplos internacionais selecionados neste trabalho. Enquanto nos EUA os grandes grupos globais são responsáveis por manter a saúde econômica dos seus produtores ‘nacionais’, no Reino Unido e França a indústria local é mantida e desenvolvida com base em fortes obrigações impostas a todos os agentes da cadeia do audiovisual que atuam no país. 4 A digitalização pode ser adotada em duas modalidades distintas: monoprogramação (unicasting) ou multiprogramação (multicasting). Na primeira opção o canal digital é utilizado para transmitir uma única programação, normalmente em alta-definição (do inglês High Definition, HD) com todas as vantagens oriundas da digitalização (melhor qualidade de imagem e som, imune a interferências, possibilidade de interatividade, etc.). A segunda alternativa possibilita que em um mesmo canal digital sejam transmitas várias programações simultâneas. Assim, a principal característica da multiprogramação é que ela permite o aumento no número de canais disponíveis aos telespectadores. De acordo com Fischer (2010: 138), em um mesmo canal digital podem ser transmitidos até 14 canais em qualidade padrão (SDTV, do inglês Standard Definition TV) ou, aproximadamente, dois canais em altadefinição (HD). 7 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO Pelo poder global dos grupos de mídia americanos e pelo tamanho da economia pode-se entender que os EUA não seriam um exemplo de benchmarking factível, pelo menos no curto prazo, a ser seguido pelo Brasil. Assim, a comparação dos modelos da radiodifusão e do audiovisual do Brasil com os do Reino Unido e da França, que como mencionado possuem faturamentos semelhantes, seriam mais importantes para vislumbrar as possíveis opções futuras para o país. No entanto, se do ponto de vista econômico os modelos adotados pelos países europeus poderiam ser seguidos pelo Brasil, a indústria do audiovisual nos três países mostra grandes diferenças. Dentre elas, a diversidade de agentes significativos ao longo de toda a cadeia produtiva. Um dos fatores que explicam essas diferenças é o arcabouço regulatório. O Reino Unido desenvolveu seu mercado audiovisual interno promovendo a competição sem distinção da nacionalidade dos grupos de mídia. Essa abordagem foi possível devido ao país poder contar, desde o início da radiodifusão, com um forte sistema público de televisão, a BBC. O audiovisual britânico possui um diversificado universo de agentes e a ocupação da midia eletrônica, agora digital, foi desenhada observando a promoção da competição porém mantendo complementaridade entre os radiodifusores existentes. Assim, as redes tradicionais da TV aberta (isto é, as já estabelecidas antes da digitalização terrestre) são a BBC 1 e 2 (canais públicos, sem propaganda e mantidos pela licença obrigatória paga por todos os telespectadores), ITV (canal privado comercial), Channel 4 (canal estatal porém mantido por publicidade) e Channel 5 (canal privado comercial). Essa mera listagem dos canais não detalha a complementaridade do sistema. O canal BBC 1 é dividido em vinte variações regionais, já o BBC 2 é voltado para programações nacionais. Os canais ITV, Channel 4 e Channel 5 competem pelo mercado publicitário. No entanto, os dois primeiros possuem fortes obrigações de conteúdo; o primeiro notadamente em notícias e o segundo, também, em programações infantis. Já o Channel 4 possui a singularidade de ter sido criado para atender aos interesses das minorias que não podem ser retratadas por programas destinados às grandes massas. Inicialmente mantido com parte da receita publicitária da ITV, esse canal foi também criado com o objetivo de ser uma “casa de publicação” (publishing house) comprando a totalidade de sua programação de produtoras independentes (Coleman e Rollet, 1997: 24). Aliás a produção independente é característica fundamental da produção audiovisual britânica. O setor independente daquele país, cujas maiores empresas são atualmente chamadas de super indies, movimenta mais de R$ 3 bilhões anuais (Chalaby, 2010). Desde 1990, no mínimo 25% da programação deve ser adquirido 8 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO dessas produtoras (Nazareno, 2012).5 É importante ressaltar que a adoção desta cota é vista como sendo um dos principais responsáveis pelo sucesso do setor audiovisual britânico que só perde em termos de exportações para os EUA (Collins, 2002: 49; Haynes, 2005: 85; Chalaby, 2010). Além dessas redes abertas consolidadas nacionalmente há ainda dois grandes grupos de distribuição de conteúdos, a VirginMedia (operadora do cabo, com sede no país) e a Sky (satélite -ou DTH-, controlada pela americana News Corp). Neste cenário de diversidade de agentes ocorreu a digitalização da televisão terrestre no país. Após uma experiência iniciada em 1998 e que fracassou comercialmente, a televisão digital, também conhecida como Freeview foi lançada no país em 2002 com um forte objetivo de oferecer um sistema capaz de competir com a televisão por assinatura (Hart, 2004:185-6; Starks, 2007: 23, 80). Assim, como forma de atrair os telespectadores para o novo sistema, foi adotada a multiprogramação. O lançamento limitou o crescimento da televisão por assinatura e possui crescimento na base de usuários maior do que a da televisão por assinatura (Ofcom, 2012a: 119). Com o modelo proposto, o Freeview hoje oferece 50 canais abertos, dois deles em alta definição, HD (Freeview, 2013). Segundo dados da Ofcom (2012a: 119), a televisão digital é a tecnologia de distribuição que possui mais assinantes no país na atualidade. É importante notar que o sucesso do Freeview no país foi alcançado com o auxílio das redes tradicionais já existentes no analógico. Esses radiodifusores multiplicaram seus canais no mundo digital. A BBC foi autorizada pelo governo a abrir novos canais e conta atualmente com a BBC 3 (jovens adultos), BBC 4 (arte), Cbeebies (crianças em idade pré-escolar), CBBC (crianças), News (notícias), Parlamento e HD como seus canais, mantidos com a TV licence.6 Além disso, a emissora possui outros canais de reciclagem de conteúdo e outras parcerias com radiodifusores comerciais. As outras redes tradicionais também possuem canais derivados, tais como ITV 2, 3 e 4; Channel 4+1, E4 e Film Four e Channel 5+1, 5 USA e 5*. Assim, a multiprogramação foi vista pelas emissoras tradicionais como uma forma viável de manter níveis de audiência em tempos de digitalização, de ‘cauda longa’ e de convergência digital. Certamente a adoção da multiprogramação gerou a necessidade de transformação do modelo de negócios das emissoras. Três grandes mudanças podem ser verificadas. Primeiro, a BBC teve um aumento autorizado na sua TV licence possibilitando o lançamento de novos canais. No entanto, o aumento sancionado foi de apenas a correção da inflação e mais 1,5% 5 Para uma análise mais detalhada dessas e todas as obrigações de conteúdo impostas aos radiodifusores no Reino Unido e França ver Nazareno (2012). 6 A TV licence é uma licença anual obrigatória paga por todos os detentores de aparelhos eletrônicos que possam ser utilizados para ver os canais da BBC, o que inclui computadores e portáteis. 9 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO limitado a seis anos, de 2000 a 2006 (Iosifidis, 2005; Starks, 2007: 66). Como se vê, o aumento não foi proporcional à multiplicação no número de canais. Em segundo lugar, houve corte de custos nas programações. A ITV, por exemplo, diminuiu investimentos em jornalismo (Petley, 2008) e o Channel 5, usualmente em dificuldades econômicas (Goode, 2007: 119-20), mudou de propriedade em 2010. Por último, as emissoras lançaram mão de programações mais baratas, utilizando-se fortemente de formatos (os britânicos são principais produtores mundiais nesse tipo de programas, ver Chalaby, 2010; Esser, 2010) e abrindo mão de financiamentos mais expressivos em filmes (Kochberg, 2003). Os fortes números do audiovisual britânico, maiores exportadores de conteúdos após os EUA (Collins, 2002: 49; Haynes, 2005: 85; Chalaby, 2010), indicam a possibilidade de adaptação da televisão aos tempos digitais. É certo que, em tempos de ‘cauda longa’, muito mais conteúdo é necessário para atingir os mesmos níveis de audiência anteriores à digitalização. Os canais britânicos, no entanto, cobriram a aposta. O caso francês possui algumas similaridades ao britânico. Assim como no Reino Unido, o sistema francês de audiovisual também exibe forte complementaridade. Porém, ao invés de promover a competição como foco principal de política pública, a promoção da competição guarda estreito cuidado com a promoção da cultura e da língua francesa. Neste ponto, os principais beneficiários são os produtores franceses de cinema que recebem subsídios do governo e financiamento obrigatório por parte dos radiodifusores; o que resulta em pesadas críticas. Compagnon (2010: 68), por exemplo, afirma que o sistema francês criou um mercado audiovisual protegido, que possui práticas clientelísticas e que possui “uma classe de autoperpetuantes elitistas burocratas culturais, centrados em Paris”. Considerações à parte, o certo é que a produção de filmes franceses e europeus é fortemente incentivada pela política de conteúdos francesa. Com relação à produção independente, enquanto no Reino Unido há uma cota de 25% da programação dos canais tradicionais destinada a esses tipos de programas, na França há obrigações de financiamento para a produção que incidem sobre o faturamento das empresas. O Canal Plus, por exemplo, especializado em filmes, deve contribuir com 12% de seu faturamento para o financiamento de produções cinematográficas, já os outros devem contribuir com 3,4%. Já para a produção de programas independentes de televisão, os canais TF1, France 2 a 5 e M6 contribuem entre 12,5% e 18,5% e o canal de filmes com 3,6% (Nazareno, 2012). Além dessas cotas de financiamento o sistema francês impõe rigidas cotas de programação, que incluem a veiculação de filmes franceses e europeus, além de espetáculos artísticos de artistas franceses. A adoção da televisão digital, na França Television Numerique Terrestre (ou 10 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO comumente denominada la TNT), ocorrida em 2005, implicou em um reordenamento dos principais canais e o lançamento de vários canais digitais derivados das principais redes, com focos específicos. A France Televisions, por exemplo, ampliou o leque original composto por France 2, France 3 e Arte (co-produção das emissoras públicas francesas e alemãs) com os canais France 4 (voltados para a juventude) e France 5 (focado em documentários) (Csa, 2006). Assim, a televisão digital na França apresenta hoje quase vinte canais, cinco deles em HD com receitas de diversas fontes. Desde 2011, a licença obrigatória da televisão e os recursos do orçamento público financiam os canais da France Televisions e o canal Arte. A receita publicitária financia os canais do grupo TF1, M6 e em menor parte o Canal Plus. Por fim, o Canal Plus é financiado majoritariamente pelas receitas provenientes das assinaturas. Como competidores da TNT, o cabo é consolidado no grupo multinacional Numericable e no satélite, a plataforma majoritária é controlada pela Vivendi. Esse grupo também é proprietário do Canal Plus, sendo um dos maiores grupos mundiais de mídia. Assim, pode-se verificar que a produção de conteúdos no país é diversificada e possui como expoentes três grandes grupos: TF1 (radiodifusão comercial), France Televisions (radiodifusão pública) e Vivendi (grupo multimídia global). Como comentário final acerca dos países europeus e não menos importante para a reflexão do caso brasileiro discutido a seguir, a concepção da televisão digital aberta como um concorrente para os sistemas de televisão por assinatura é positivo do ponto de vista da regulação do mercado. No entanto, essa competição não foi negativa para os radiodifusores tradicionais. A abertura de novos canais possibilitou, principalmente aos radiodifusores nacionais, a oportunidade de ocupar os novos espaços digitais da televisão aberta. Assim, os grupos existentes puderam manter ofertas condizentes com as novas necessidades e tendências das audiências digitais. Por outro lado, um maior número de canais gerados por esses grupos também favorece a economia local do audiovisual, uma vez que essas emissoras tendem a produzir seus programas no país por já possuírem todos os insumos necessários no local (isso sem contar as obrigações impostas pela regulamentação). Os canais internacionais, por outro lado, com sua infinidade de produtos, possuem canais globais com produção composta majoritariamente por programações importadas. Assim, se a ampliação do número de canais importados gera controvérsias sob a ótica do impacto sócio-cultural, do ponto de vista econômico e do equilíbrio da balança comercial, a produção de mais conteúdo nacional tem um sentido inquestionável. 11 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO As opções para o Brasil digital O modelo brasileiro de radiodifusão não guarda muitas similaridades com os dois exemplos europeus. No Brasil a ocupação do espectro de televisão ocupou a lógica da exploração liderada pelas emissoras comerciais, em estreita relação com o modelo americano: formação de grandes redes nacionais comerciais e pequena participação pública. Também a diversidade e a competição não são grandes marcas do país. As grandes redes nacionais são todas generalistas e não possuem segmentação clara. A Rede Globo focada em novelas (no seu prime-time) talvez seja a que possua uma maior identidade com um gênero em particular. Já as demais, SBT, Record, Band e Rede TV apresentam diferentes tipos de programas que poderiam ser classificados como programas de variedade. Já a televisão pública, TV Brasil, possui uma programação mais diversificada e educativa, porém sem tampouco poder se afirmar categoricamente que possua um determinado foco ou especialização. Pelo lado da regulamentação, a televisão brasileira não possui obrigações de conteúdo ou de financiamento. Aparte da TV Brasil que possui uma cota de 5% de produção independente, as demais não possuem nenhuma obrigação para diversificarem ou financiarem fontes alternativas de produção. Assim, o telespectador brasileiro tem à sua disposição uma oferta de conteúdo muito pobre em termos de variedade, ou em outros termos: de diversidade de conteúdos ou de pluralidade de empresas de produção. A conseqüência econômica é bem sabida, toda a indústria do audiovisual brasileira é extremamente concentrada nas Organizações Globo. Em 2012, por exemplo, a Globo faturou quase R$13 bilhões, R$ 9 bilhões apenas com publicidade (Possebon, 2013). O resultado é mais expressivo se considerarmos que de acordo com a mesma referência, o total do mercado publicitário do país é de R$30 bilhões e que R$ 20 bilhões foram para a televisão aberta e por assinatura. No mercado cinematográfico, um importante aliado da radiodifusão, a concentração nas empresas do grupo também é gritante. Dos vinte filmes nacionais de maior bilheteria, de acordo com o ranking da Filme B (2013), em apenas dois (Xuxa Popstar (2000) e Tropa de Elite (2007)) a Globo Filmes não está envolvida, apesar de que em ambos os casos a empresa possui participação nas seqüências daqueles filmes. O lançamento da televisão digital em Dezembro de 2006 nada mudou esse cenário de concentração e de baixa diversidade. Atendendo ao modelo de negócios que não se sentia ameaçado pelo crescimento nem da televisão por assinatura nem da internet, as emissoras comerciais obtiveram proteção por parte do governo para manter o seu modelo de negócios e 12 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO bloquear o aumento de canais e a possível entrada de novos radiodifusores. O Brasil, fiel ao modelo dos EUA e distintamente da Europa, não optou pela multiprogramação. Caso fosse multiplicado o número de canais, as emissoras existentes teriam duas opções: ou ocupavam elas mesmas os novos espaços ou teriam que ceder à entrada de competidores. Nenhuma das alternativas era atrativa para as emissoras existentes. Dentre elas, a que teria mais a perder seria a de maior audiência, a Rede Globo. Se do ponto de vista das emissoras existentes a multiprogramação implica em aumento de custos sem o necessário crescimento no bolo publicitário, por outro lado, o bloqueio representa um forte revés ao telespectador brasileiro. Essa ótica parece ter sido desconsiderada em um primeiro momento pelo Poder Executivo. Pelo modelo atual brasileiro, os únicos cidadãos que possuem direito à pluralidade e a diversidade são os assinantes da televisão por assinatura. Aos telespectadores de menor poder de consumo restam as ofertas homogêneas da televisão comercial - e, sim, a oferta (desconhecida do grande público) da emissora pública TV Brasil. Aliás, haja vista a impossibilidade prática de se impor novas obrigações às emissoras existentes (devido ao inconteste poder político das emissoras comerciais no parlamento brasileiro (ver Christofoletti, 2003; Castilho, 2006; Castilho e Amaral, 2006 para maiores detalhes), talvez a chave para a transformação da radiodifusão brasileira esteja na mão das emissoras públicas. No entanto, as emissoras públicas possuem não somente problemas de audiência e de recursos, detêm também cobertura deficiente. A mais nova das emissoras abertas nacionais, a TV Brasil, contava, em 2013, com 11 canais próprios e uma rede de 34 emissoras educativas que retransmitem a sua programação (além da presença em satélite e na TV a cabo) (Tv Brasil, 2011). Apesar de sua baixa cobertura terrestre (comparado com a Rede Globo, por exemplo, presente em 98,6% dos municípios (Grupo De Midia, 2012: 331)), e orçamento, de apenas R$ 400 milhões, a emissora pública poderia capitanear o aumento da pluralidade e da diversidade na televisão. A multiprogramação poderia ser a alternativa não só da TV Brasil, mas também, das demais emissoras do campo público. Nesse sentido, o compartilhamento das programações também facilitaria a maximização dos investimentos em cobertura. Aonde fosse realizado um investimento em infra-estrutura por alguma das emissoras do campo público, as outras poderiam compartilhar os equipamentos de transmissão. Essa operação compartilhada encampa a discussão da formação de um operador nacional de rede (de radiodifusão pública). No entanto, a idéia, que geraria economias para os cofres públicos e está prevista na Lei da EBC, Empresa Brasil de Comunicação, (Art. 8, III), não é abraçada de maneira entusiasta nem pela própria empresa. 13 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO É importante ressaltar que outras emissoras do campo público já se utilizam da multiprogramação e operam de maneira compartilhada alguns canais pelo país. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal dividem canais digitais em parceria com Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, desde 2006 (Set, 2008). A TV Câmara capitaneia a Rede Legislativa de Televisão Digital e possui um ambicioso plano de abrir seus sinais em mais de 150 cidades pelo país (Morais, 2013). Pela diminuição de custos e proporcional aumento da penetração, a emissora pública contribui não só para, os alegados, aumento da transparência e fortalecimento da democracia, mas também, do ponto de vista técnico, para a demonstração da viabilidade da multiprogramação no país. Outros argumentos podem ser utilizados para justificar a multiprogramação. Além de fortalecer a televisão e mantê-la como meio mais democrático de acesso à informação e entretenimento, mesmo em tempos de digitalização e de acessos via pagamento, a diversificação teria também inegáveis efeitos multiplicadores para toda a cadeia do audiovisual. No entanto, como fazer a multiplicação de conteúdo com os parcos orçamentos recebidos pelas televisões públicas é uma grande questão. Todavia, devemos contextualisar essa afirmação. Os recursos orçamentários da EBC são baixos comparados aos recursos de uma Rede Globo, por exemplo. No entanto, são similares aos R$ 500 milhões que a Record recebe oriúndos da Igreja Universal, segundo relatos da imprensa (Jimenez, 2013). Igualmente, devemos considerar que existem ainda as parcelas da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, criados pela Lei da EBC (Lei 11.652/08, Art. 32), que até 2013 continuava em contestação na justiça, que lhe possibilitaria aumentar sua receita em mais R$ 250 milhões anuais (Observatório Do Direito À Comunicação, 2013). No entanto, não é somente a questão da quantidade de recursos que deve ser analisada. Se considerarmos que a BBC fez seu salto no número de canais com apenas 1,5% de aumento real em suas receitas asseguradas, vê-se que a EBC poderia ofertar mais conteúdo à população. Nas palavras do então diretor-geral da BBC Greg Dyke, com aquele aumento era possível ofertar sete canais (dois dos quais compartilhando tempo de antena), cinco a mais do que em tempos analógicos (Starks, 2007: 67). Do exemplo britânico pode-se verificar que não se trata simplesmente de aumentar linearmente os recursos e sim de buscar novas alternativas de programação. Uma alteração que se faz necessária é o aumento radical da proporção de programas produzidos por produtores independentes. Os 5% previstos na Lei da EBC (Art. 8, IX) são irrelevantes do ponto de vista de se criar um mercado novo. O percentual deveria ser elevado 14 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO para 25% ou até 40%, como proposto originalmente pela comissão que decidiu pela introdução das cotas independentes no Reino Unido em 1986 (Debrett, 2010). Ao mesmo tempo em que a criação desse mercado faz sentido economicamente, essas produções apresentam, via de regra, menores custos de produção. Por outro lado, produtores inéditos oferecem também visões novas, refrescantes e inovadoras, o que poderia atrair novas audiências para a televisão pública. O aumento da produção independente segue a lógica do crescimento da indústria nacional, com pluralidade nos meios de produção. Por outro lado, uma política de aquisições de conteúdo nacional por parte da emissora pública aumentaria a circulação de dinheiro na economia do audiovisual nacional. Nesse sentido, o dinheiro previsto pela Lei do Acesso Condicionado (Lei 12.485/11 que, dentre outros dispositivos, aumenta a incidência da Condecine, Art. 26), que em 2012 contribuiu com mais de R$ 400 milhões para o fundo do audiovisual (Lauterjung, 2012), poderia ser utilizado para o pagamento desses programas. Pelo menos parte dos recursos para o financiamento do audiovisual poderia ser liberada condicionada à primeira exibição em emissoras públicas. É possível que tal condicionamento diminua o valor de comercialização da obra acabada. No entanto, ao direcionar apenas parte dos recursos para exibição obrigatória por radiodifusoras públicas estaria se assegurando um fluxo contínuo de conteúdos e, também, uma janela de distribuição para produtores iniciantes. Caso uma cota expressiva de produção independente fosse adotada, a TV pública brasileira iria assumir um dos papeis a que foi destinado o Channel 4 britânico em sua concepção, o de ser uma publishing house para o estímulo da produção independente. Por outro lado, a negociação de mais produções independentes por parte da EBC diminuiria possíveis críticas relativas ao aumento de custos da emissora pública, uma vez que esses recursos adicionais seriam repassados (ou ao menos deveriam ser) para os produtores independentes, produzindo um efeito multiplicador e girando a economia. Todavia, é necessário quebrar outro ‘dogma’. A EBC deve ofertar programação variada que complemente a oferta da concorrência, mas também que atraia telespectadores. Para tal deveria investir também em entretenimento, incluindo dramaturgia e, por que não seriados, realities e futebol. Não se trata de repetir as mesmas fórmulas comerciais da concorrência, mas poderia, por exemplo, ser criado um reality que tratasse de temas de cidadania ou de saúde e poderiam, também, serem transmitidos esportes e campeonatos não cobertos pelas grandes mídias. Outra prática inovadora que leva a profundas mudanças nas programações e são muito 15 REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO utilizadas nos casos europeus são as rodadas de encomendas, dias abertos e de pitches realizados, por exemplo, pela BBC e Channel 4.7 Em resumo, em se considerando a impossibilidade histórica de se impor obrigações aos radiodifusores comerciais, a adoção da multiprogramação pelas emissoras públicas, o forte estímulo e uso da produção independente pelas emissoras públicas e uma aproximação do conteúdo transmitido por estas às preferências do telespectador brasileiro são algumas das opções que poderiam ser seguidas. O futuro das comunicações em tempos digitais ainda passa pela televisão aberta, só é preciso adequá-la às novas possibilidades abertas pela digitalização. Referências ANATEL. Panorama dos Servicos de TV por Assinatura. Agencia Nacional de Telecomunicacoes. Brasilia. 2012 BLUMENTHAL, H. J.; GOODENOUGH, O. R. This business of television. 3rd. 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